A Modernidade Em Guiomard Santos - Maria Evanilde
-
Upload
janainasouzasilva -
Category
Documents
-
view
60 -
download
6
Transcript of A Modernidade Em Guiomard Santos - Maria Evanilde
11
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
MARIA EVANILDE BARBOSA SOBRINHO
CREIO NO ACRE E NOS ACREANOS: O IDEÁRIO DA MODERNIDADE
PRESENTE NO GOVERNO GUIOMARD SANTOS (1946-1950)
RIO BRANCO/AC
2010
12
MARIA EVANILDE BARBOSA SOBRINHO
CREIO NO ACRE E NOS ACREANOS: O
IDEÁRIO DA MODERNIDADE PRESENTE NO
GOVERNO GUIOMARD SANTOS (1946-1950)
Dissertação de Mestrado em Letras apresentada à Banca
Examinadora da Universidade Federal do Acre como
exigência para obtenção do grau de Mestre, sob a
orientação da Profª Dra. Andrea Maria Lopes Dantas
(Universidade Federal do Acre)
Rio Branco/AC
2010
MARIA EVANILDE BARBOSA SOBRINHO
13
CREIO NO ACRE E NOS ACREANOS: O IDEÁRIO DA
MODERNIDADE PRESENTE NO GOVERNO GUIOMARD SANTOS
(1946-1950)
Dissertação de Mestrado em Letras apresentada à Banca
Examinadora da Universidade Federal do Acre como
exigência para obtenção do grau de Mestre, sob a
orientação da Profª Dra. Andrea Maria Lopes Dantas.
Rio Branco/AC, ___/___/_____
______________________________________________________
Profª. Drª. Andrea Maria Lopes Dantas - Orientadora
______________________________________________________
Prof. Dr. Vicente Cruz Cerqueira
______________________________________________________
Profª Drª. Elisabeth Miranda de Lima
Rio Branco/AC
14
Dedico esta Dissertação de Mestrado
ao meu namorido Rauney Casseb
Braga, por ter sido abonança em
tempos de tempestade.
15
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter permitido minha estadia na Terra com momentos de
crescimento espiritual.
Aos meus pais, por terem investido sempre na educação de seus filhos, apesar de inúmeras
dificuldades enfrentadas.
Ao meu namorido Rauney Casseb Braga, por sua compreensão em meus momentos de
ausência, por sua parceria direta nos momentos de coleta de dados, por seu companheirismo
nos momentos de frustrações e alegrias, enfim, por ter colaborado diretamente na elaboração
desta dissertação.
Às minhas irmãs e irmãos pela parceria vivida no decorrer de toda a minha existência.
À Cleyde Castro, minha parceira de pesquisas municipais e intermunicipais, que compartilhou
comigo todos os bons e maus momentos da elaboração desta dissertação.
Ao Centro de Documentação e Informação Histórica da Universidade Federal do Acre -
CDIH/UFAC, por ter autorizado minhas pesquisas acadêmicas no Acervo Guiomard dos
Santos.
Ao Sr. Zezinho, em Sena Madureira, por ter oferecido parte de seu acervo fotográfico acerca
do Acre Território.
Ao Sr. Leonardo Flores – INEP – pela parceria no envio de materiais de pesquisa, os quais,
sem eles, não poderia ter escrito sequer o trabalho de conclusão de curso no período da
graduação.
À minha amiga Marileize, por ter compartilhado comigo os momentos de angústias
vivenciados no decorrer da elaboração desta dissertação.
Aos colegas de mestrado, pelo convívio intelectual compartilhado no decorrer do curso.
À minha banca de qualificação, Profª. Drª. Elisabeth Miranda de Lima e Prof. Dr. Vicente
Cerqueira, por terem sido bússolas no mar revolto denominado Mestrado.
À minha orientadora, Profª. Drª. Andrea Maria Lopes Dantas, por ter optado em orientar
minha dissertação e por confiar na minha capacidade intelectual.
Ao coordenador do Curso de Mestrado, Prof. Dr. Henrique Silvestre, pela oportunidade de
poder concluir esta dissertação.
À amiga e diretora do Colégio AME, a senhora Ana Maria de Toledo Gírio, por ter permitido
que eu me ausentasse da sala de aula sempre que precisasse ir até o curso de Mestrado. O meu
sincero muito obrigada por confiar em meu trabalho docente.
Às minhas colegas do Colégio AME, Maíse, Silvia Cristina, Shirley, Eulália, Fabiana,
Edinelson, Simone, Édina, Rocicleide, Ivina, Neila, Meire, Elandia que sempre terão um lugar
especial no meu coração, apesar da distância.
À minha sogra, Raid Casseb Braga, pela preocupação com minha saúde física e mental no
decorrer da elaboração desta dissertação.
Ao meu sogro, Antonio Rodrigues Braga (in memorian), na certeza que nos encontraremos
novamente em algum momento de nossa existência espiritual.
16
A historia é dialética e não- linear por isso
seu entendimento será sempre um desafio.
(COUTO & KARAWECJCZYK)
17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Primeiras determinações, 11
Guiomard dos Santos, “um jovem administrador com competência para governar quiçá um
país”, 16
CAPÍTULO 1
Não basta apenas falar, é preciso agir para ganhar credibilidade: a produção de uma
identidade, 24
Os atos e fatos rumo à modernização, 34
CAPÍTULO 2
Práticas e conteúdos/saberes de reordenamento da/na formação da infância acreana, 45
Educando a infância: ordem, disciplina e progresso, 48
CAPÍTULO 3
Estratégias de implantação de um projeto educacional: o legado de Maria Angélica de Castro
- uma leitura, 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 84
BIBLIOGRAFIA, 87
ANEXOS, 92
18
CREIO NO ACRE E NOS ACREANOS: O IDEÁRIO DA
MODERNIDADE PRESENTE NO GOVERNO DE GUIOMARD DOS
SANTOS (1946-1950)
RESUMO:
Esta dissertação de Mestrado busca explicitar elementos característicos do projeto de
educação presente no governo Guiomard dos Santos e como esses serviços educacionais se
revelaram de forma a reforçar um traço preponderante em seu governo, que é o traço
modernizador. A análise desses elementos pauta-se na leitura de documentos oficiais enviados
e recebidos durante seu governo, artigos jornalísticos publicados no O Acre no período
correspondente a 1946 a 1950 e, ainda, acrescenta-se a estas leituras, os artigos jornalísticos
escritos ao professorado local pela professora Maria Angélica de Castro, diretora do
Departamento de Educação e Cultura, que esteve a frente da administração dos assuntos
educacionais do Território do Acre. A pesquisa revela que a modernidade proposta por
Guiomard dos Santos para o Território do Acre não consistiu em apenas construir projetos
arquitetônicos similares ao da capital brasileira, mas sim implicou em projetos
modernizadores alicerçados em projetos de prosperidade econômica da região acreana.
Palavras-chaves : Guiomard dos Santos – Território do Acre - Educação
Maria Evanilde Barbosa Sobrinho
Orientadora: Andrea Maria Lopes Dantas – Universidade Federal do Acre
19
I BELIEVE IN ACRE AND ACREANOS: THE IDEOLOGY OF
MODERNITY IN GOVERNMENT GUIOMARD DOS SANTOS (1946-
1950)
ABSTRACT:
This dissertation search clarify elements characteristic of this education project in
Government Guiomard dos Santos and how these educational services proved to strengthen a
dominant trait in your Government, that is the trace modernizador. The analysis of these
elements is guided reading official documents sent and received during his Government,
journalistic articles published in acre in the period 1946 to 1950, and also adds up to these
readings, journalistic articles written by local professorships by teacher Maria Angélica de
Castro, Director of the Department of education and culture, which was ahead of educational
affairs administration of the territory of Acre. The research reveals that modernity proposal by
Guiomard dos Santos to the Acre Territory consisted not only build architectural projects
similar to the Brazilian capital, but entailed in projects modernizadores grounded in projects
of the region's economic prosperity acreana.
Keywords: Guiomard dos Santos – Territory of Acre - Education
Maria Evanilde Barbosa Sobrinho
Orientadora: Andrea Maria Lopes Dantas – Universidade Federal do Acre
20
CREO EN ACRE Y EN LOS ACREANOS: EL IDEARIO DE LA
MODERNIDAD PRESENTE EN EL GOBIERNO DE GUIOMARD DOS
SANTOS (1946-1950)
RESUMEN:
Esta disertación muestra aspectos característicos del proyecto de educación presente en el
gobierno Guiomard dos Santos y como éstos se revelaron, reforzando el rasgo modernizante,
predominio de esa gestión. El análisis de estos aspectos está basado en la lectura de
documentos oficiales enviados y recibidos a lo largo de la administración y de artículos
periodísticos publicados en el O Acre correspondientes al periodo desde 1946 hasta 1950.
Además, se añaden a estas lecturas, los artículos periodísticos escritos a los profesores de esa
región por la profesora María Angélica de Castro, directora del Departamento de Educación y
Cultura, que administraba los asuntos educacionales del Territorio del Acre. La investigación
demuestra que la modernidad propuesta por Guiomard dos Santos para ese Territorio no sólo
consistió en la construcción de proyectos arquitectónicos similares a los de la capital
brasileña, sino también en proyectos modernizantes basados en los proyectos de prosperidad
económica de la región acreana.
Palabras clave: Guiomard dos Santos – Territorio del Acre - Educación
Maria Evanilde Barbosa Sobrinho
Orientadora: Andrea Maria Lopes Dantas – Universidade Federal do Acre
21
Introdução
As primeiras determinações
Os estudos e análises realizadas ainda durante o curso de graduação1 me permitiram
juntar, no período recortado entre 1903 e 1950, um farto material referente aos governos
territoriais que revelam o processo de organização dos serviços de educação em terras
acreanas. Esses documentos foram fundamentais na identificação do modelo de organização
que se estava privilegiando para a educação no Território do Acre. Refiro-me aqui, em
especial, aos documentos da administração territorial municipal - Decretos, Portarias,
Memorandos, Telegramas, Minutas, Ofícios recebidos e enviados – bem como aos
documentos pessoais, como diários, cartas, cartões de aniversário, agendas, dentre outros.
Agregam-se a esse corpo documental as matérias e notícias veiculadas nos jornais publicados
no território acreano.
Num primeiro momento se observa que o Território do Acre, no que concerne aos
serviços de educação, sempre esteve fortemente marcado por discursos que tomavam a
„moderna pedagogia‟ como elemento indexador dos desígnios dos governantes. No entanto, é
o governo de Guiomard dos Santos que usufrui a credencial de um governo marcado pela
modernização dos serviços de educação, apagando com isso toda a movimentação feita pelos
governantes anteriores.2
É certo que os estudos sobre a educação acreana ainda são poucos e o material a ser
trabalhado é volumoso, garantindo assim um longo percurso de pesquisa na direção de
posicionar a ação dos governantes do território acreano em relação ao projeto republicano.
São ações que se apresentam em três momentos distintos, quais sejam: a administração
departamental3, a administração do território unificado
4 e a administração a partir da
1 Durante minha graduação em Pedagogia realizei pesquisas no Centro de Documentação e Informações Históricas da
Universidade Federal do Acre – CDIH/UFAC – sob a orientação da Profª. Drª. Andrea Maria Lopes Dantas, cujo tema foi A
organização da educação do Território do Acre.
2 Refiro-me aqui, em especial, ao governo Hugo Carneiro (1928-1930) que faz publicar o primeiro e mais completo Programa
da Instrução Pública.
3 O Território do Acre, quando de sua criação, foi organizado administrativamente, por meio do Decreto nº 5.188/1904, em
três Departamentos, respectivamente Alto Acre, Alto Juruá e Alto Purus. No ano de 1912 uma reforma administrativa cria
mais um Departamento Administrativo, o Alto Tarauacá, através do Decreto nº 9.831.
22
nomeação de interventores federais, especialmente demarcada no ano de 19305 com a
instauração do governo provisório, com Getúlio Vargas na condição de presidente da
república brasileira.
Partindo dessas premissas é que a proposta de estudo aqui apresentada busca explicitar
elementos característicos do projeto de educação presente no governo Guiomard dos Santos e
como esses serviços de educação se revelam de forma a reforçar um traço preponderante em
seu governo, que é o traço modernizante. O foco central desta pesquisa, portanto, é explicitar
o modelo de projeto de educação que está sendo conformado, que está sendo implementado
no período correspondente entre 1946 e 1950 e que abarca o governo Guiomard dos Santos,
governo este reconhecido na historiografia local como um modelo de governo modernizador.
Dentre os vários jornais editados6 em terras acreanas, privilegiei, para efeito da
análise, o jornal O Acre, periódico de circulação semanal, órgão de divulgação do governo do
Território do Acre, antes responsável pela divulgação dos atos e fatos do governo do
Departamento do Alto Acre. Porém, para além das publicações oficiais e das notícias que
davam conta da política e da administração local, o jornal também apresentava notícias de
cunho social.
Agrega-se a essa demarcação a admissão do jornal O Acre como o periódico
privilegiado nesse estudo pela admissão de que este se constituía em uma espécie de „diário
oficial‟ do governo territorial, sendo nele publicadas não apenas matérias relativas aos atos e
fatos da administração territorial como o principalmente dando a ler aquilo que se admitia
como fundamental na perspectiva modernizadora que o governo Guiomar dos Santos
imprimia a administração territorial.
Partindo da análise realizada nos documentos utilizados na elaboração do TCC7, passei
a debruçar-me mais detalhadamente sobre as questões que marcam o governo Guiomard dos
Santos no que concerne aos aspectos educacionais. Assim dediquei três meses de pesquisa,
4 Através do Decreto Presidencial nº 14.383 de 1920, os Departamentos Administrativos do Território do Acre são extintos e
se institui um Território unificado com sede na cidade de Rio Branco, que se constitui na capital do Território do Acre.
5 No início da década de 30 encerra-se no Território acreano a escolha daqueles que iriam governar o Território por voto
popular. O último governador eleito no Antigo Território do Acre foi o Sr. Hugo Carneiro, que em 1930 se afastou do cargo
deixando seu vice, o Sr. João Câncio Fernandes, que governou até dezembro de 1930. A partir dessa data os governantes do
território acreano foram nomeados pelo Governo Federal e aqui estavam na condição de Interventores da União.
6 Importa ainda considerar que um dos primeiros atos da administração Departamental foi a criação de um órgão de imprensa
vinculado à Intendência. Assim é que se tem no Departamento do Alto Acre o jornal O Acre, no Departamento do Alto Purus,
o Alto Purus, e no Departamento do Alto Juruá o jornal O Cruzeiro do Sul. São esses periódicos importantes instrumentos de
divulgação dos atos e fatos locais, funcionando como arautos dos governos locais e como anunciadores das ações aqui
perpetradas. Além das seções destinadas ao poder público, têm esses jornais seções destinadas ao cotidiano da cidade, ao
comércio, aos atos policiais e à publicação de cartas de leitores.
7 Refiro-me a documentos enviados pelo INEP no decorrer da elaboração de meu TCC no ano de 2007.
23
catalogando e registrando os jornais arquivados no Museu da Borracha que tratavam do tipo
de educação oferecida na época recortada para análise.
Após a catalogação de todos os documentos, pude verificar que não havia todos os
jornais arquivados da época selecionada para elaboração desse estudo. Devido a isto,
verifiquei junto à Diretoria do Museu da Borracha os outros locais na cidade de Rio Branco
que poderiam ter documentos referentes ao período Guiomard dos Santos. Com base na
informação de que todos os decretos e portarias governamentais estavam arquivados no
Arquivo Geral do Estado do Acre (AGGAC), direcionei minhas pesquisas para este setor. A
intenção era localizar as “peças” que faltavam, preenchendo assim as lacunas de minhas
leituras acerca da década de 40.
Após a pesquisa em todos os jornais arquivados no Arquivo Geral, passei à leitura dos
Decretos e Portarias Governamentais arquivados8 com a intenção de comparar notícias acerca
de investimentos no campo educacional publicadas no jornal com documentos que dão conta
de apresentar se de fato o investimento acontecera ou não. A idéia não era a de validar a
informação jornalística com o documento oficial. Buscava confrontar a tese de que o jornal
funcionava como uma espécie de „diário oficial‟ do governo territorial, publicando elementos
que findavam por conformar uma visão acerca do desenvolvimento pretendido pelo governo
territorial naquele momento.
Algumas lacunas continuaram em aberto, uma vez que não foi possível ter acesso a
todas as portarias e decretos publicados na década de 40, pois fui notificada de que alguns
documentos mais antigos, principalmente aqueles de 1912 a 1950, foram deteriorados devido
à má conservação do acervo.
Numa visão panorâmica e tomando por base a comparação realizada, foi possível
perceber que nomeações e exonerações aconteciam muito freqüentemente, que diversas
escolas foram construídas e/ou reformadas, que inúmeros professores e agentes
administrativos foram contratados, que inúmeras delegacias foram construídas em diferentes
pontos da capital e do interior, e que médicos e enfermeiros foram trazidos de diferentes
regiões do Brasil para o Território. Enfim, é possível afirmar que os primeiros aspectos
sociais que pautaram a busca de reorganização do Território do Acre foram a saúde, a
educação e a segurança.
De posse dos Decretos e Portarias, bem como dos artigos jornalísticos, passei a
8 Encontram-se no Arquivo Geral livros de ponto, contra-cheques, portarias e decretos que variam de 1912 a 2008. Há uma
equipe responsável pela catalogação de toda a documentação que em sua maioria encontra-se arquivada em caixas, porém
sem estar digitalizada. Isso que dificulta a pesquisa e prejudica a saúde de quem manuseia esses documentos.
24
concentrar minhas pesquisas apenas nos aspectos educacionais dos anos de 1946 a 1950.
Entretanto, conhecer tão somente as obras do Major Guiomard dos Santos não estava sendo
suficiente para compreender seu governo.
Assim, ampliei as pesquisas voltadas para suas realizações governamentais e passei a
realizar novas pesquisas no acervo pessoal do Major Guiomard dos Santos, que se encontra
no Centro de Documentação e Informações Históricas - CDIH - da Universidade Federal do
Acre. O intuito era conhecer ainda mais a pessoa Major Guiomard dos Santos para
compreender a pessoa do administrador. Senti necessidade de conhecer o lugar social e
político de onde ele falava para, a partir daí, entender seus atos governamentais, as mudanças
que promoveu e as que tentou promover na região acreana no período compreendido entre
1946 e 1950.
Sem me afastar dos fatos publicados no jornal O Acre acerca da biografia do Major
Guiomard dos Santos, detive-me, por dois meses, na análise de seus diários pessoais, bem
como nos de sua esposa, Lídia Hammes, os quais também se encontram arquivados no Centro
de Documentação e Informações Históricas da Universidade Federal do Acre – CDIH/UFAC
–, para conhecer de forma mais pessoal o administrador considerado moderno e inovador.
Afinal de contas, “as memórias são narrativas produtoras de significados que promovem a
fusão interior da intenção das palavras”.9
A importância de um estudo que tome o impresso como objeto de análise está posta na
concepção de que a análise desses materiais permitirá ao pesquisador realizar uma leitura dos
acontecimentos de um período específico da história e estabelecer relações entre aqueles que
produzem as notícias, seus leitores, os fatos noticiados e a relevância destes para uma
determinada comunidade.
Desse modo, é possível ao pesquisador indagar, para além dos elementos estruturais
do periódico, sua origem institucional, local de publicação, formas de edição e circulação,
bem como os elementos que se fazem presentes na escrita do jornal, elementos esses que
marcam um tipo de discurso e conferem ao material uma representação.
Nesse sentido importa considerar a indagação apresentada (2002)10
, ao trabalhar o
conceito de representação, qual seja,
9
NUNES, Clarisse. Memória e história da educação: entre práticas e representações. IN: LEAL, Maria Cristina;
PIMENTEL(orgs) História e Memória da Escola Nova – São Paulo: Loyola, 2003. 10 Chartier, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Portugal. DIFEL S/A, 2002. Disponível em:
4shared.com.br – Acessado em 02.10.2010.
25
as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as escolhas, as condutas
(CHARTIER, 1990, p. 17).
Desta forma, admitir o jornal como elemento central de uma pesquisa permite ao
pesquisador mergulhar num universo de registros, de sorte a identificar a formação de
comunidades de leitores, a produção de discursos sobre variados temas e determinar como
estes foram dados a ler e postos para circular, constituindo assim redes de saberes e
conformando práticas culturais.
A análise da educação acreana através do que é veiculado no jornal O Acre entre os
anos de 1946 e 1950 é fundamental para perceber que esse periódico não tem destinação
exclusivamente pedagógica. É esse material destinado a um público variado, heterogêneo,
com interesses distintos em relação às matérias nele publicadas.
Tal condição leva o pesquisador a considerar que essas comunidades também são
distintas e têm interesses particulares e alguns são compartilhados. Será, portanto, nesse
amálgama cultural que essas matérias são postas a ler e a circular. Daí a importância de
indagar sobre o porquê de se estar tratando as questões educacionais de forma pública, através
de um periódico de circulação local, com a venda de assinaturas11
que, em perspectiva,
apontam para uma ampliação dessa circulação.
Nesse sentido, a questão que se apresenta é a de buscar identificar, no modo como as
notícias são veiculadas no jornal O Acre, a construção de um personagem cujo principal
elemento é o traço modernizador. O apagamento feito relativamente às administrações
anteriores talvez possa ser compreendido como um elemento da propaganda do governo de
Vargas, que também se apresenta como aquele que transformará o país, especialmente se
considerado que Guiomard dos Santos se constitui, no Território do Acre, como um
interventor, um governador nomeado pelo poder público federal.
11 A seção „Expediente‟ fica sempre localizada no canto direito inferior da página do jornal O Acre. É possível localizar as
informações de vendas nas segundas e terceiras páginas do jornal. No corpo do texto está escrito: Expediente – assinatura:
Ano: Cr$ 50,00. Semestre fora da Capital (porte aéreo) por ano: Cr$ 160,00. Fora da Capital (porte aéreo) por semestre: Cr$
100,00. Fora da Capital (via área) por ano: Cr$ 60,00. Fora da Capital (via fluvial) por semestre: Cr$ 40,00. VENDA
AVULSA: Número da semana: Cr$ 1,00. Número atrasado: Cr$ 2,00.
26
Guiomard dos Santos, “um jovem administrador com
competência para governar quiçá um país”
Partindo do suposto que Guiomard dos Santos se constituiu, na historiografia e na
memória dos habitantes do Acre, como o governador que melhor representa o ideal de
modernidade à qual me refiro, como sendo aquele que é considerado o responsável pelas
mudanças estruturais e ideológicas de maior importância para o cenário local, no decorrer
desta dissertação irei identificar os elementos da modernização implantados no Território
durante seu governo. Porém, como forma de situar a pessoa de Guiomard no texto, faz-se
necessário localizar esse personagem e traçar um breve perfil do administrador considerado
por muitos como aquele capaz de governar não apenas o Acre, pois era “jovem administrador
com competência para governar quiçá um país”12
Tomando por base o acervo pessoal de Guiomard dos Santos é possível apresentar que
ele era mineiro, nascido no dia 23 de março de 1907, na cidade de Perdigão (MG). Fora
considerado um excelente engenheiro militar especializado em geodésica e astronomia. Foi
nomeado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra para ser Governador Delegado da União no
Território do Acre no ano de 1946. Guiomard dos Santos deve ter sido um militar exemplar
em suas funções no Exército, pois recebeu várias condecorações decorrentes de sua atuação
militar13
. Destaco ainda que ele foi integrante do Partido Social Democrático (PSD) e que
antes de administrar o Território do Acre, foi Governador de Ponta Porã no período de 1940
a 1943.14
Com base na leitura dos diários pessoais e nas cartas recebidas tanto por Major
Guiomard dos Santos quanto por sua esposa Lidia Hammes, é possível verificar que tanto ele
quanto ela eram bastante solícitos aos pedidos que chegavam das mais diferentes regiões do
Brasil15
. Uns querendo um emprego, outros querendo consulta médica e, até mesmo, material
e vaga em escola para os filhos. Há inúmeras cartas recebidas com os mais variados pedidos
ao casal. Em todas as cartas há sempre a expressão “padrinho” ou “madrinha”, o que nos leva
a considerar que o casal era bem quisto dentro e fora do Território do Acre.
12 Depoimento dado por Francisco Nunes Sobrinho, que foi funcionário da olaria de cerâmica do governo em 1949.
13 Há no Arquivo Geral do Estado várias medalhas de honra recebidas pelo Major Guiomard dos Santos pelo Exército
Brasileiro.
14 A grande maioria das cartas pessoais recebidas pelo Major Guiomard dos Santos são oriundas de Ponta Porã (MG) e Santo
Antonio do Monte (MG). 15 As cartas pessoais do acervo Guiomard dos Santos demonstram que se tratava de alguém bastante querido não somente
pelos acreanos, mas também pelos seus conterrâneos de Perdigão e de Santo Antonio do Monte, cidades de Minas Gerais.
27
Na leitura dos diários é possível identificar que alguns pedidos foram atendidos e que
ambos costumavam atender aos pedidos mais simples, como consulta médica, por exemplo, e
até aos pedidos mais complexos, como emprego no Território do Acre.
Um dos aspectos mais interessante nesta busca da biografia do Major Guiomard dos
Santos está no fato de que ele possuía uma espécie de caderneta onde costumava anotar os
livros que lia. Dentre os diversos livros anotados como lidos por ele encontram-se tanto
aqueles voltados para questões administrativas quanto aqueles voltados para jardinagem e
paisagismo. Não há um gênero apenas em suas anotações, o que demonstra se tratar de um
homem com um gosto eclético pela leitura.
Sua biografia colaborou no sentido de reconstituir alguns aspectos do modo como ele
concebia a importância da família, da religião, de seu comprometimento com seus
conterrâneos e, ainda, no modo como concebia o próprio Território do Acre.
Suas anotações pessoais indicam que, antes de chegar ao Território do Acre, ele já
havia feito previamente uma pesquisa sobre a situação da região acreana. Isto demonstra que,
como bom militar que era, fez todo um planejamento administrativo de como seria sua
atuação, bem como dos problemas que deveriam ser solucionados em caráter de urgência.
Utilizando uma linguagem muito comum entre os militares, posso afirmar que ele sondou o
território a ser administrado, elaborou uma “estratégia de guerra16
” e, somente depois, entrou
no território17
alheio.
Ao chegar ao Território, Major Guiomard dos Santos proferiu seu discurso de posse no
dia 25 de abril de 1946 com toda entonação voltada para ideários inovadores, para idéias de
nacionalidade, de progresso por meio da ordem.
“Creio no Acre e nos acreanos”, este foi o slogan com que proferiu tal discurso e com
o qual administrou o Território por quase cinco anos. Analisando os elementos presentes em
seu discurso é possível identificar que se tratava de um homem com um poder de oratória
capaz de convencer toda uma população da necessidade de imprimir um novo ritmo no
desenvolvimento das terras acreanas.
O teor do discurso proferido visava a resgatar o espírito guerreiro daqueles que
doaram seu sangue para que o Acre passasse a pertencer ao Brasil, no intuito de fazer os
acreanos acreditarem que esta “luta” pela revitalização do Território era algo que somente
16
A expressão „estratégia de guerra‟ está sendo utilizada no sentido de saber o que deveria fazer para sanar os problemas
presentes no Território do Acre. 17 A expressão „território‟ está sendo utilizada neste momento como espaço e não como uma nomenclatura para as regiões
brasileiras que ainda não eram estados.
28
seria possível se cada um acreditasse neste ideal e tomasse para si a responsabilidade de fazer
isto acontecer: a modernização da região acreana.
Partindo deste perfil, passei a ler as notícias publicadas no jornal O Acre buscando
identificar as inovações promovidas pelo governo de Guiomard dos Santos, bem como os
elementos que o diferenciavam dos demais governadores que antecederam e/ou que
sucederam sua administração.
A leitura do material de pesquisa indica que as obras governamentais do Major
Guiomard dos Santos foram emergenciais e modernas para a época, fato esse que pode ser
comprovado nas páginas do jornal O Acre, uma vez que as primeiras páginas estavam sempre
reservadas às informações sobre obras realizadas e/ou obras a serem realizadas em seu
governo.18
Para além da divulgação de suas obras governamentais, publicavam-se também cartas
recebidas por seus correligionários, amigos e simpatizantes de seu governo, bem como cartas
pessoais felicitando-o por datas natalícias. Logo, nota-se que esse impresso estava a serviço
dos interesses do governo territorial.
Construía-se por meio do impresso uma teia de significados que corroboravam para
que a idéia de modernidade, simpatia, aceitabilidade e sentimentalismo pelo novo governo
fossem implantados no imaginário do povo acreano.
Retomando aqui os elementos presentes no discurso de Guiomard dos Santos é
possível compreender que, ao determinar como slogan “Creio no Acre e nos acreanos”, ele
foi capaz de articular os esforços do governo e da população acreana em prol de seu projeto
de modernidade pensado antes mesmo do início de seu governo.
Analisando as mudanças promovidas neste período é possível compactuar com as
idéias de Max Weber (1973), ao tratar da organização das racionalidades no mundo moderno:
1. A racionalização social (economia capitalista e estado moderno)
2. A racionalização cultural (ciências, moral etc.)
3. A racionalização que se incorpora nas estruturas de personalidades.
Nestes três aspectos, Guiomard dos Santos soube tomar medidas acertadas para que
esse conjunto se constituísse numa racionalidade moderna presente em suas propostas de
governo e, principalmente, em seus discursos perante o povo acreano.
18 Na edição que retrata o segundo ano de administração, o jornal O Acre publica uma edição com 21 páginas. Fato esse que
pode ser considerado inédito, pois geralmente cada edição era composta de 8 páginas escritas em preto e branco. Nesta
edição em especial, as páginas são publicada na cor verde com fotografias de todas as obras realizadas durante o biênio de
sua administração. Cf. Edição 919 publicada no dia 25 do mês abril de 1949.
29
Para Bakhtin (2003), não há como ter acesso ao homem social e à sua vida senão
através dos textos por ele criados ou por criar, que materializam seu discurso. Logo, essas
áreas de conhecimento (lingüística, filologia e as ciências naturais) partem do texto e, embora
distintas, podem completar-se mutuamente, mas não fundir-se. E, respeitando as diferenças
teóricas entre as áreas do conhecimento, todas trazem contribuições para se entender o sentido
do enunciado na língua e no texto. Afinal de contas, a relação com o sentido é sempre
dialógica.
A própria compreensão conferida ao processo dialógico não se dá por conta da
materialidade da língua e dos aspectos puramente lingüísticos, apenas se vale deles para
estabelecer as relações de sentido. E, neste sentido, Major Guiomard dos Santos sabia utilizar-
se do discurso como instrumento de convencimento do outro sem, com isto, causar uma
imposição ou uma agressividade aos costumes locais. Trata-se de uma reinvenção do espaço
sócio-político como parte de um projeto que buscava uma nova ordem social e política.
Assim, conhecer a biografia do Major Guiomard dos Santos, bem como identificar o
lugar de onde ele profere seus discursos passou a ser um dos elementos preponderantes para a
compreensão de como este discurso passou a ser um elemento de sustentação da sua política
de governo.
Era por meio do discurso proferido em prol da moral, civismo e religião que Major
Guiomard dos Santos implantou no Território do Acre um ideário de modernidade, um
discurso de que era preciso que os acreanos acreditassem nele, bem como ele acreditava no
potencial de cada um daqueles que aqui habitavam. Ambos desconhecidos um para o outro.
Porém, o “estranho que chega19
”, embora nunca houvesse conhecido o povo acreano
anteriormente, admitia em público que confiava plenamente na capacidade acreana de
melhorar as condições de vida no Território do Acre. Nota-se, portanto, que há uma busca
pela credibilidade do povo acreano para, a partir daí, poder atuar sem maiores preocupações
com as críticas e oposições. Se há, junto dele, o apoio da maior parte da população, o que
fizer pelo Território será bem quisto pela maioria que nele deposita confiança. Desta forma, o
povo passa a ser, então, seu maior advogado de defesa em qualquer situação caluniosa ou de
oposição à sua administração.
Creio no Acre e nos acreanos. Confiai, pois, em mim, como eu confio
plenamente em vós. (...) Dirijo-me aos homens simples e bravos que se sacrificaram
pela família, que lutam para educar seus filhos (SANTOS, O Acre, 23/05/1946 –
19
Refiro-me a Guiomard dos Santos
30
CDIH).
Se admitido o que postula Bakhtin quando este afirma que a palavra projeta-se para
um destinatário e consegue estabelecer uma relação social explícita com o sujeito falante,
podemos afirmar, portanto, que a palavra é o produto da relação entre sujeito falante e
receptor. É partindo desta concepção que analisamos o discurso do Major Guiomard dos
Santos como instrumento capaz de articular uma nação e impregnado de intencionalidade.
Afinal, seguindo esta mesma concepção, aceitamos que todo e qualquer discurso é isento de
neutralidade e impregnado de intenções. Logo, o discurso de implantação de uma
modernidade proferido por Guiomard dos Santos é algo repleto de intencionalidade e
previamente preparado para aquele tipo de público ouvinte, o povo acreano. Ele utiliza-se de
um discurso de caráter emocional quando resgata as lutas acontecidas no território acreano,
mas também busca mostrar à população que é preciso agora utilizar-se da razão, depositando
a confiança naquele que se apresenta como sendo capaz de melhorar as condições de vida no
Acre, qual seja, trazer a modernidade já existente nas demais regiões brasileiras para a vida
cotidiana dos acreanos.
Segundo Touraine (1994), a modernidade não é a mais pura mudança, sucessão de
acontecimentos,
ela é difusão de produtos da atividade racional, científica, tecnológica,
administrativa. Por isso, ela implica a crescente diferenciação dos diversos setores
da vida social: política, economia, vida familiar, religião, arte em particular, porque
a racionalidade instrumental se exerce no interior de uma atividade e exclui que
qualquer um deles seja organizado no exterior, isto é, em função da sua integração
em uma visão geral, da sua contribuição para a realização de um projeto societal
(TOURAINE, 1994, p. 17)20
.
Desta forma, segundo o autor, a idéia de modernidade está associada à da
racionalização. Para ele, “ a modernidade rompeu o mundo sagrado que era ao mesmo tempo
natural e divino, transparente à razão e criado”. Logo, a sociedade como um todo está sendo
organizada com base no uso da razão. Não somente nas atividades científicas e técnicas, mas
também no governo dos homens e na administração das coisas.
É possível ainda compreender a modernidade na obra O discurso filosófico da
modernidade, de Jürgen Habermas (2000), onde é perceptível que o autor associa a idéia da
modernidade ao racionalismo ocidental. Esta racionalidade a qual o autor se refere, propicia
20
TOURAINE, Alain. Crítica a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.
31
ao homem moderno a possibilidade de pensar e depois agir. Porém, ao contrário do homem
apegado às tradições místicas/religiosas, o homem moderno é capaz de potencializar seus
conhecimentos pautados na razão como método e princípio a ser utilizado no cotidiano de sua
vida. Segundo o autor, “ a idéia de modernidade foi a afirmação de que o homem é o que ele
faz, e que, portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção,
(...) tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei e a vida
pessoal, animada pelos interesses, mas também pela vontade de se libertar de todas as
opressões”.(HABERMAS, 2000,p.09)
Habermas (2000) apresenta que a teoria da modernidade está marcada por três grandes
momentos de nossa história: a Reforma Protestante, o Iluminismo e a Revolução Francesa,
que tiveram suas gêneses na Europa. Segundo o autor, uma sociedade moderna, pautada no
racionalismo ocidental, é a grande responsável pela execução da funcionalidade do Estado, da
economia e da ciência.
Na concepção de Weber, apud Habermas (2000), o princípio fundador e básico da
sociedade moderna ocidental é o racionalismo. Logo, o mundo considerado moderno é aquele
do pragmatismo, do sucesso como valor absoluto, da eficiência instrumental.
Weber, apud Habermas (2000) apresenta ainda que a razão passa a ser superior à
natureza e à cultura. Consequentemente, o homem moderno assume uma posição mais lógica
dentro da sociedade pautada no esclarecimento e na técnica.
No seu discurso de posse, Major Guiomard dos Santos enfatiza a importância de
modernizar a cidade de Rio Branco a partir da parceria com o povo acreano. Nota-se que seu
discurso foi em busca de apresentar que era possível uma sociedade melhor no futuro e que
cabia a cada cidadão acreano acreditar nele e em sua proposta de governo para que o
desenvolvimento local acontecesse. Uma idéia de que a modernidade só poderia de fato
acontecer se cada um dos acreanos colaborasse para sua instalação no Território. Sozinho, ele
não seria capaz de promover mudanças significativas para a região acreana. Dirigindo-se ao
povo, o governador solicita a aprovação deste e, ao mesmo tempo, os conclama a um novo
tempo vindouro.
Eu vos peço crédito. Mas crédito no tempo, e não somente nas vossas
esperanças [...] Tampouco desejo saber agora de politicagem, divergências,
desunião, queixas, lutas inglórias, injustas e estéreis. Concito-vos para uma longa
experiência em outro estilo – consistirá em resgatarmos o sacrifício dos heróis
infelizes que nos deram o Acre (SANTOS, O Acre, 23/05/1946 – CDIH. Grifos
nossos).
32
Nota-se que Major Guiomard dos Santos utiliza-se de um conjunto de elementos de
forte ressonância na vida do povo acreano. Faz referência à Revolução Acreana como forma
de convencimento de que era necessário dar continuidade à melhoria do Acre em homenagem
àqueles que deram sua vida para que esta região fosse incorporada ao Brasil. Este discurso
comprova que um determinado momento social e histórico proporciona a construção de um
enunciado significativo que na sua essência está circunscrito por fios distintos de uma
ideologia, de um determinado objeto de enunciação, participante ativo do contexto social em
que está inserido.
É neste processo de (re)construção de identidade por meio de diversas formas de
participação prática da sociedade acreana, neste movimento constante de incorporar o passado
ao futuro no processo de negociação do presente, que Major Guiomard dos Santos buscou
engajar toda a sociedade em seu projeto de modernização do Território do Acre.
Segundo Bezerra (2002), “Major Guiomard dos Santos era um brilhante orador e
portador de uma vasta cultura humanística. Logo, era capaz de compreender a importância do
discurso enquanto estratégia política de convencimento e dominação”.21
Nesse sentido, o seu
discurso se orienta para uma resposta, para um discurso-resposta que ainda não penetrou no
universo do “já dito”, mas que já é esperado pelo orador. Acerca disto destaca Foucault
(2008): “Comumente, os discursos engastados nos textos referentes à política operam para
constituir, posicionar, tornar produtivo, regular, moralizar e governar o cidadão”.
Admitindo tal perspectiva, pode-se considerar que o discurso de Guiomard dos Santos
foi constituído de modo a “cair no agrado” do povo acreano: do mais simples “arigó”22
aos
grandes comerciantes que aqui se instalaram. A sua proposta de modernidade foi construída
com base num discurso de que a coragem e o espírito lutador dos desbravadores – os soldados
da Revolução Acreana – que lutaram para que o Território do Acre se tornasse brasileiro,
deveriam ser uma mola propulsora para o progresso da região.
Acreanos! Se os companheiros de Plácido tiveram força para sustentar guerra
tão difícil e áspera, porque os descendentes dos heróis não poderão vencer a luta que
é só contra o deserto e a floresta, contra a discórdia e a maledicência, contra a
incompreensão e a desesperança? De mim, vos direi neste momento que tenho olhos
21BEZERRA, Maria Jose. A invenção da cidade: a modernização de Rio Branco na Gestão do Governo Guiomard dos Santos
(1946-50), 2002
22Arigó é uma expressão utilizada para denominar os ex-soldados da borracha que estavam abandonados, doentes no
Território do Acre. Pessoas que trabalharam na extração do látex da seringueira e que devido à queda da produção ficaram
desempregadas.
33
postos em que um grande dia, dia em que condores de alumínio, cruzando o
Atlântico infletirão, não somente para o Sul, mas também no sentido dos paralelos,
em busca do Acre e dos países andinos. Dia em que a borracha encontrará dentro da
Pátria, sem sustos nem sobressaltos de hoje para seus legítimos donos, o preço justo
e compensador de tantos trabalhos e sacrifícios, descendo com velocidade os
afluentes amazônicos, para Manaus e Belém, ou remontando o planalto central,
atraída pelos grandes centros de São Paulo e Rio, via Mato Grosso. Dia virá em que
o Acre, que ora serve de descrédito, figurando na imprensa carioca e na Constituinte,
como motivo para supressão dos Territórios, dia virá que o Acre será terra feliz e
rica, capaz de servir de exemplo aos seus irmãos mais novos – Ponta Porã, Iguassu,
Guaporé, Amapá (SANTOS, O Acre, 23/05/1946 – CDIH).
Nota-se que Guiomard dos Santos buscou apresentar à população acreana que ele seria
capaz de promover o progresso econômico do Território. Sua proposta de governo prometia
trazer ao povo acreano um “tempo de glória e fortuna”.23
A modernidade que Guiomard dos Santos buscou implantar no Território do Acre
durante o seu governo está voltada para a secularização dos costumes, a racionalização do
tempo e do espaço, a implantação de normas e valores, o cuidado com a infância enquanto
futuro do amanhã, dentre outros; foi direcionado para todos os setores da sociedade acreana.
Porém, como a educação se constitui o elemento central do estudo aqui apresentado, os
demais elementos serão abordados apenas de forma coadjuvante no decorrer desta
dissertação.
23 O termo “tempo de glória e fortuna” é uma expressão bastante utilizada entre as pessoas que vivenciaram o governo
Guiomard dos Santos.
34
CAPITULO 1
‘Não basta apenas falar, é preciso agir para ganhar credibilidade24’: a produção de uma identidade
Partindo da análise que Ribeiro (1992) faz dos discursos que marcam a década de
1930, pode-se observar no campo educacional a prevalência da idéia da educação como
redentora25
de todos os males da sociedade republicana.
Essa concepção ganha força e marca indelevelmente o discurso dos reformadores do
início do século que apresentam a educação como „motor de justiça social‟, a moda propalada
pelas teorias liberais que sustentaram o projeto de modernização encetado pela República
recém-inaugurada. Desse modo a idéia de construção da nação se escora na
crença de que, pela multiplicidade das instituições escolares, pela
disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da
população na senda do progresso nacional e colocar o Brasil no caminho das
grandes nações do mundo (RIBEIRO, 1992, p. 89).
A análise do material de pesquisa permite perceber que o discurso de Guimard dos
Santos é fortemente marcado por esse ideário. A ação reformadora do governante se apresenta
tão logo ele assume o governo do Território do Acre, momento em que inicia uma série de
reformas e construções de prédios públicos26
, para dar suporte à sua administração.
Segundo Foucault (1987), as instituições, tais como os hospitais, as fábricas, as
escolas, os quartéis, as prisões, dentre outras, determinam fronteiras, operam sobre o
comportamento de quem as frequenta, instalam em seu interior modos próprios de regulação
de conflitos, de rotinas, de funcionamentos, de procedimentos, de dispositivos de poder e, até
24
Uma das expressões usadas por Guiomard dos Santos no seu discurso de posse no dia 25 de abril de 1949.
25 Sobre essa temática importa considerar os estudos de Fernando de Azevedo e Jorge Nagle, respectivamente A Cultura
Brasileira e A Educação na Primeira República.
26 Como o foco desta pesquisa são as questões educacionais, observarei as construções que colaboraram diretamente e
indiretamente com a educação acreana, principalmente a construção de escolas realizadas na capital do Território no ano de
1946, bem como nos lugares mais longínquos de nossa região.
35
mesmo, uma arquitetura que possa favorecer um disciplinamento de corpos e mentes dentro
de “regimes de verdades.”
Os prédios em alvenaria vão surgindo na cidade como espaço de ordem, como
símbolos de modernidade, uma espécie de monumento que simbolizava um novo tempo que
começava no Território do Acre, expressão do ideário sociopolítico da República recém-
instalada. Não que não houvesse prédios em alvenaria nos governos anteriores ao seu, mas foi
durante o governo de Guiomard dos Santos que este número cresceu de forma significativa.
No plano educacional, uma das mais importantes ações foi a nomeação da professora
Maria Angélica de Castro, conterrânea de Guiomard dos Santos, para a Diretoria de Educação
e Cultura.
Maria Angélica foi convidada por Major Guiomard dos Santos no ano de 1946 para
administrar o Departamento de Educação e Cultura (DEC), substituindo Humberto Soares da
Costa. Assim como Major Guiomard dos Santos, ela também era mineira e havia sido, em
anos anteriores, sua professora.
Maria Angélica era técnica concursada pela DASP e trabalhou durante longos anos na
Escola de Aperfeiçoamento em Minas Gerais como assistente da psicóloga Helena Antipoff.
Foi professora de Psicologia na Escola de Psicologia (MG) e publicou diversas obras
didáticas pela Secretaria Geral de Educação Mineira.27
Dentre as obras publicadas destacam-
se “Formação das classes e controle da sua homogeneidade”, “Ideais e interesses das crianças
de Belo Horizonte no intervalo de 5 anos – 1929-1934”, “As classes do primeiro ano de
1933”, “A homogeneidade das classes e os resultados escolares em 4 anos – 1935-1938”.
Importante observar que Maria Angélica de Castro28
, educadora mineira, filia-se às
idéias escolanovistas, idéias essas que balizaram todo o discurso reformista dos anos de 1920.
A nomeação dela como Diretora do Departamento de Educação e Cultura amplia a idéia de
reforma anunciada e pretendida por Guiomard dos Santos, especialmente no plano
educacional.
A ação reformista não se restringe aos aspectos estruturais, mas incide também nos
aspectos pedagógicos, com ênfase na formação dos professores. Assim é que, em parceria
com a Diretora do Departamento de Educação e Cultura, professora Maria Angélica de
27 Cf. O Acre, publicado no dia 13 de outubro de 1946.
28 Mais adiante serão tratados aspectos fundamentais referentes à passagem de Maria Angélica de Castro à frente do DEC.
36
Castro, passou-se a oferecer cursos de férias29
ao professorado local que não havia feito o
curso normal, conforme pode ser observado nos artigos publicados no jornal O Acre e, ainda,
em suas Portarias Governamentais.
Cumpre observar que as Portarias indicam os nomes dos professores que deverão fazer
cursos de férias a serem realizados na capital da República. O jornal, nesse instante, é um
importante veículo de divulgação dessa ação de formação assumindo a função de convocar as
professoras indicadas nas Portarias Governamentais para efetivar as suas inscrições, sob pena
de estas não receberem seus salários.
Todas as notícias referentes a saídas ou chegadas de professores para os cursos de
férias eram publicadas no jornal O Acre, constando, inclusive, o nome da professora e da
escola da qual fazia parte.
Aparelha-se o professorado acreano para as suas altas habilidades.
(...) o programa que o governo atual traçou para desenvolver e aperfeiçoar o
ensino no Território, não se resume às construções de prédios de Escolas e Grupos
Escolares e à elevação do índice de matrícula, que vem aumentando muito de ano
para ano. Abrange também a especialização do grupo de educadores que orienta e
assiste as nossas crianças, as quais recebem bolsas e auxílio que possam cursar e
adquirir nos institutos especializados da Capital da República e de alguns Estados,
conhecimentos dos mais modernos métodos de Pedagogia, com que contribuirão
com maior eficiência, para maior êxito e sucesso do ensino do Acre.
As professoras recém chegadas e que voltam a atuar nos diversos sectores do
Departamento de Educação e Cultura somam um cabedal precioso de conhecimentos
adquiridos nos cursos de extensão ministrados pelo Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos e pela Faculdade Nacional de Filosofia e Instituto de Pesquisas
Educacionais.(...)
Aparelham-se assim as escolas no Acre para sua alta responsabilidade de
preparar os homens do futuro responsáveis pela grandeza do Brasil. (O Acre, edição
862, p. 01, 14/03/48).
Um curso intensivo de Geografia acontecerá este mês especialmente para os
que já são professores secundários. As aulas serão realizadas na Faculdade de
Filosofia, que oferece uma bolsa de estudo no valor de dois mil cruzeiros aos
candidatos residentes nos Estados e Territórios Federais (O Acre, edição 905, p. 01
de 09/01/1949).
Curso de férias para professores não normalistas
O Departamento de Educação e Cultura, auxiliado pelo Departamento de
Saúde, organizou um curso de férias no qual devem inscrever-se todos os
professores não normalistas de Rio Branco.
O objetivo deste curso é melhorar o nível cultural e pedagógico, sobretudo,
dos professores da zona rural. Os programas versarão sobre português, aritmética,
geografia e história do Brasil, ciências naturais e higiene. (...) No final do curso
ainda haverá aulas de práticas escolares ministradas pela professora Maria Angélica
29 Em governos anteriores ao de Guiomard dos Santos é possível identificar que cursos de férias também foram oferecidos ao
professorado local, porém somente no decorrer de seu governo tais cursos ganham um caráter de exigência à participação de
todos os professores da região acreana.
37
de Castro.
Já se inscreveram 26 professores. Os que não se inscreverem serão inscritos
compulsoriamente, pois as aulas do curso começaram na segunda-feira próxima, às
oito horas (O Acre, edição 906, p. 01 de 16/01/1949).
Nota-se, portanto, que aparelhar as escolas não atrairia os resultados esperados pelo
Major Guiomard dos Santos no tocante à educação territorial. Necessitava também da
formação de um novo profissional que estivesse bem preparado para acompanhar as
mudanças que estavam sendo promovidas, um novo saber fazer que configurasse o momento
de transformação pelo qual passava o Território acreano.
Nota-se que todos os professores convocados deveriam participar dos cursos de férias,
mesmo que não houvessem feito a inscrição solicitada previamente pelo DEC. A estes, as
inscrições seriam compulsórias, ou seja, restava-lhes apenas participar, mesmo que não
estivessem dispostos ou que não houvessem feito a inscrição.
A pesquisa revela ainda que os cursos de aperfeiçoamento não se restringiam tão
somente ao professorado da capital Rio Branco. Diretores e Inspetores de alunos também
eram convocados para participar desses cursos de aperfeiçoamento que ocorriam em Brasília.
Até mesmo Maria Angélica de Castro, então diretora do Departamento de Educação e
Cultura, era convocada a fazer reciclagem de seus conhecimentos, ora em cursos oferecidos
no Território, ora em Brasília e /ou Rio de Janeiro.
D. Maria Angélica de Castro
No avião da semana, seguiu para o Rio D. Maria Angélica de Castro, diretora
do Departamento de Educação e Cultura.
A distinta e competente senhora viajou a serviço do Departamento que lhe
está confiado e a quem vem imprimindo rumos progressistas e elevados, em
consonância com a moderna técnica educacional na qual estará aperfeiçoando nesta
viagem (O Acre, edição 806, p. 02 de 23/02/1947).
Bolsas para professores no ano de 1949
Recebeu a diretora do Departamento de Educação e Cultura, a professora
Maria Angélica de Castro, do diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos, Dr.
Murilo Braga, portaria com as instruções reguladoras da concessão e distribuição de
bolsas de estudos para o ano de 1949.
Estas bolsas serão concedidas para os seguintes cursos de especialização:
a) Administração e Organização do Ensino Primário;
b) Medidas Educacionais;
c) Inspeção de Ensino Primário;
d) Direção das Escolas Primária; e
e) Desenho e Trabalhos manuais.
No curso de Administração e Organização do Ensino Primário poderão
inscrever-se professores, bem como funcionários administrativos com exercício
naqueles serviços.
No curso de Medidas Educacionais, professores com exercício nesses
serviços, diretores de escolas, orientadores e inspetores de ensino.
No de Inspeção de Ensino Primário, os atuais inspetores e orientadores de ensino, os
38
professores e atuais diretores de grupos escolares.
No de Direção das Escolas Primárias, professores com cinco anos de regência
efetiva de classes e atuais diretores de escolas que contem, no mínimo, um ano de
experiência no cargo.
No curso de Desenho e Trabalhos manuais, professores primários que tenha a
seu cargo o ensino desta disciplina ou professores na regência de classes, desde que
seja da conveniência do Estado o seu posterior aproveitamento na especialização (O
Acre, edição 905, p. 01 de 09/01/1949).
A análise das fotografias dos prédios públicos dos governos anteriores a Guiomard dos
Santos, em comparação com as obras construídas no decorrer de sua gestão administrativa,
me permite admitir que a arquitetura que vai surgindo no Território do Acre a partir de 1946 é
algo que destoa das demais construções presentes antes da chegada de Guiomard dos Santos,
principalmente a conclusão do Palácio Rio Branco.
A arquitetura que começa a surgir no Território do Acre, precisamente na capital Rio
Branco, implanta no imaginário do povo acreano a idéia de que o progresso havia chegado à
região trazido pelas mãos de Guiomard dos Santos.
Os prédios em alvenaria vão surgindo na nossa cidade. Cada um mais
imponente que o outro. O progresso enfim chegou ao nosso isolado Território do
Acre graças ao nosso ilustre governador Major Guiomard dos Santos. Figura
honrosa que tanto orgulho trouxe ao povo até então esquecido (...) (O Acre, edição
776, 25/04/1947).
Entretanto, construir prédios não era suficiente para que um novo modelo educacional
fosse instalado no Território do Acre. Desta forma, visando a realizar visitas de inspeção, bem
como transportar as professoras do interior para realizarem cursos de férias na capital ou fora
do Território do Acre, Major Guiomard dos Santos comprou algumas lanchas e barcos. Tais
meios de transportes favoreciam a fiscalização nas escolas mais longínquas da região, além de
garantir a presença obrigatória das professoras nos cursos de férias. Nota-se que havia uma
preocupação quanto à aplicação das orientações nas escolas, as formas pelas quais diretores,
professores interpretavam as finalidades da escola e determinadas concepções pedagógicas e
as utilizavam na prática docente. Afinal de contas, são elas que agem diretamente no espaço
escolar enquanto difusoras de idéias. Por isso, fazia-se necessário que as escolas seguissem as
orientações que indicavam o que ensinar, como fazê-lo e a seguir uma seqüência pedagógica
que produzissem resultados para a nova sociedade que se pretendia instalar no Território
acreano, uma civilização moderna.
O jornal O Acre, a cada nova compra de transporte aquático, publica e justifica a
aquisição. O fator fiscalização às escolas mais longínquas e àquelas de difícil acesso terrestre
39
aparece como justificativa para a nova aquisição.
Como forma de uniformizar o ensino acreano, o DEC envia ao INEP um anteprojeto
de regulamentação do Ensino Primário e Pré-primário do Território Federal do Acre. Segundo
os documentos recebidos do INEP no decorrer da elaboração desta dissertação, o anteprojeto
foi enviado no ano de 195030
para aprovação.
ANTEPROJETO DE REGULAMENTO DO ENSINO PRIMÁRIO E PRÉ-
PRIMÁRIO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO ACRE
Título I – Das bases de organização do ensino primário e pré-primário
Capítulo 1 – Das finalidades do ensino primário e pré-primário
Art.1º - o ensino primário tem as seguintes finalidades:
a) proporcionar a iniciação cultural que a todos conduza ao conhecimento da
vida nacional, e ao exercício das virtudes morais e cívicas que mantenham e a
engrandeçam, dentro de elevado espírito de fraternidade;
b) oferecer de modo especial, às crianças de sete a doze anos, as condições de
equilibrada formação e desenvolvimento da personalidade;
c) elevar o nível dos conhecimentos úteis à vida na família à defesa da saúde e à
iniciação no trabalho.
Art. 2º - A educação pré-primária tem por finalidade básica criar condições
favoráveis à integração social das crianças de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, propiciando
ao mesmo tempo seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
“Decreto nº 216 de 22 -11-194931
Aprova em caráter experimental o programa de ensino primário.
(...)
Primeira série – 1º e 2º semestre32
Esquema de trabalho:
Enriquecer o vocabulário do aluno através de comentários sobre assuntos que
interessam a criança;
Desenvolver a linguagem espontânea e desembaraçada dos alunos, promovendo
oportunidades que os levem a falar.
Desenvolver pronuncia e corrigir os erros mais frequentes.
Entretanto, se comparado o Projeto de Regulamentação do Ensino Primário e Pré-
primário com o Decreto nº 216, de 22 de novembro de 1949, é possível observar que antes de
ser aprovado e, até mesmo, enviado ao INEP, o programa do ensino primário foi posto a
“teste” no Território alguns meses antes de ser enviado.
O diferencial entre ambos está no fato de que o Projeto de Regulamentação do Ensino
30
A capa do processo do Projeto de Regulamento do Ensino Primário e pré-primário do Território Federal do
Acre não apresenta o dia e o mês do documento. Há apenas uma grafia que determina o ano de 1950. 31
No Decreto 216 não constam as finalidades do ensino primário. O Decreto apenas apresenta que será utilizado em caráter
experimental e, em seguida, já passa a determinar os conteúdos a serem trabalhados em cada série do ensino primário. 32
Todas as atividades foram fielmente transcritas tal qual constam no livro de Decretos arquivados no Arquivo Geral do
Governo. Há instrução para todas as séries com, inclusive, exercícios, poemas, orações, dentre outras, que deveriam ser
lidos pelos professores e/ou alunos. Para além disso, há um seção denominada Esquema de trabalho que se assemelha a
um manual, posto que apresente passo a passo como deve o professor trabalhar cada conteúdo e a forma como este deve
abordar os alunos segundo a temática sugerida. O decreto nº 216 possui 174 páginas que foram escritas a mão e cujo teor
versa sobre as disciplinas de Ciências Naturais, Geografia do Brasil, Higiene e Saúde, Português, Matemática, História
Geral, História do Brasil, Desenho manual, Linguagem oral, Linguagem escrita, Aritmética e Geometria, Ortografia e
Composição.
40
Primário e Pré-primário tem em seu contexto as bases da organização do ensino primário e
pré-primário, dividido em 8 (oito) títulos, 22 (vinte e dois) capítulos que, por sua vez,
dividem-se em 98(noventa e oito) artigos. Tomando por base a leitura do Projeto é possível
apontar que no teor do documento constam os direitos e deveres da comunidade escolar
pública e privada, bem como a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário e, ainda,
dispõe acerca da construção e aparelhamento escolar.
Já no Decreto 216 é possível encontrar atividades voltadas para todas as disciplinas
ofertadas no Ensino Primário. Constam, inclusive, modelos prontos de atividades33
que
deveriam ser aplicadas em sala de aula, bem como a justificativa da importância da atividade
para a série indicada, todas voltadas para o uso da razão, da linguagem e da atividade manual
enquanto elementos necessários ao homem moderno.
No Território do Acre, a implantação de uma educação voltada para a constituição do
sujeito orientado para o futuro é algo bastante presente em ambos os documentos analisados.
Assim, é possível verificar que o órgão responsável pelo oferecimento dos cursos no
Território, Departamento de Educação e Cultura - DEC, deu ênfase a este aspecto ao oferecer
a disciplina de trabalhos manuais durante os cursos de férias oferecidos às professoras
acreanas. Além disso, o trabalho manual é empregado não somente como meio de expressão,
mas como um instrumento de aquisições. Tem-se neste contexto escolar o trabalho manual
como um meio de ensinar. Além de fazer trabalhar para aprender, busca despertar e
desenvolver o hábito e a técnica geral do trabalho.
Todos os trabalhos manuais realizados pelos alunos eram expostos em feiras onde pais
e sociedade eram convidados a visitar. Tais avisos sobre a realização da Feira de Trabalhos
Manuais eram publicados no jornal O Acre. Não havia uma coluna ou seção específica para
publicação de notas deste tipo, posto que tais convites pudessem ser encontrados tanto na
segunda página como nas demais páginas do jornal. Porém, nunca estavam presentes na
primeira página.
Não foi possível encontrar, no decorrer desta pesquisa, notícia no jornal O Acre sobre
exposição de trabalhos manuais das escolas do interior do Território, mas somente das escolas
da capital.
33
No Decreto 216 é possível encontrar textos, questionários, sugestões de livros, poemas a serem lidos na sala de aula,
cálculos matemáticos a serem desenvolvidos pelos alunos, sugestões de passeios/excursões, enfim, ele é similar a um
manual de instrução que pode ser usado para as disciplinas de História do Brasil, Geografia do Brasil, Ciências Naturais,
Artes, Musica, Trabalhos manuais, Língua Portuguesa, Matemática, Canto Orfeônico, dentre outras. Em todas as
atividades há justificativas da importância de seu uso na sala de aula.
41
A leitura do Relatório da Educação no Acre, publicado na década de 197034
, revela
que ao chegar ao Território do Acre no ano de 1946, o Major Guiomard dos Santos, encontrou
103 escolas, sendo: 09 grupos escolares, 03 escolas reunidas, 75 escolas isoladas, 03 escolas
noturnas, 10 escolas profissionais (prenda e música), 01 ginásio, e 02 escolas técnicas
profissionais (Escola Normal e Ensino Comercial). Em um ano de administração, este número
aumentou para 128 escolas.
Em comemoração a um ano de administração territorial, O jornal O Acre publica no
dia 25 de abril de 1947, uma notícia de primeira página enaltecendo o primeiro ano de
governo do Major Guiomard dos Santos. O jornal apresenta, por meio de textos escritos e
iconografias, as diversas obras construídas e/ou concluídas durante seu governo,
principalmente aquelas voltadas para a conclusão de obras escolares de governos anteriores ao
seu35
. O jornal aponta ainda que “se em 1938 não eram comuns as construções em alvenaria,
notou-se no ano de 1946 um crescente aumento das construções em concretos em todo centro
da cidade de Rio Branco”36
. Fica explícito na leitura da reportagem que a modernidade
outrora proferida por Guiomard dos Santos está intrinsecamente ligada à busca por uma
arquitetura, uma organização, um aparelhamento pedagógico que, por sua vez, está associado
ao imaginário do progresso e da civilidade, que faziam da escola um “templo de
civilização”37
.
Afinal de contas,
Se é fato que a educação cumpre finalidades determinadas pela sociedade,
não é menos verdade que os projetos, os discursos, as teorias pedagógicas
materializaram-se no cotidiano da escola; é nesse âmbito que a interseção de
subjetividade e práticas cadencia ritmos, ritualiza comportamentos, intercambia
experiências, configura formas de agir, pensar e sentir e possibilita a
identidade/diferenciação da escola no conjunto das instituições sociais (SOUZA,
1998, p. 19).
É nesta intenção que Major Guiomard dos Santos investe na educação no sentido de
reorganizar os currículos, os espaços e tempos escolares. Era preciso organizar a sociedade
34Cf. Relatório da Educação no Acre (1940-1977), p.14, 1977.
35 No dia 08 de abril de 1946, o Presidente da República liberou recursos financeiros para que todas as unidades federativas
pudessem construir escolas e aparelhá-las com equipamento e material escolar, sendo que para o Território do Acre foram
liberadas verbas para construção de 12 escolas. (Cf. Edição 776 de 14 de junho de 1946). 36
Cf. O Acre de 25 de abril de 1947, p.04.
37 Templo de civilização é um termo utilizado pela autora Rosa Fátima de Souza (1998) para denominar a escola enquanto
lócus capaz de moldar comportamentos para o novo modelo de sociedade que se instalava, a saber, a República.
42
acreana e, para isto, a infância deveria ser o foco imediato para sua ação.
No dia em que Major Guiomard dos Santos completava um ano de administração, o
jornal O Acre veicula a seguinte opinião a propósito de seu primeiro ano de administração:
“365 dias de vida administrativa que valeram por quatro décadas”.
Sob as bênçãos de Deus e do carinho do povo, transcorre hoje o 1º ano de
aniversário da fecunda gestão do major José Guiomard dos Santos à frente do
Território Federal. 365 dias de vida administrativa que valeram por quatro décadas:
o Acre toma a posse de si só e caminha para magníficos caminhos (O Acre, edição
817, p. 01, 25/04/1947).
Esta foi manchete da primeira página do jornal cujas letras estavam em negrito. As
palavras “Sob as bênçãos de Deus e carinho do povo” estão dispostas na primeira página
numa fonte duas vezes maior que as demais palavras.
Tal notícia ocupou uma página inteira e teve como destaque a fotografia de Major
Guiomard dos Santos com trajes elegantes e aparência jovem. Esse conjunto de imagem e
produção de um discurso de modernidade é um marketing acerca da administração e do
administrador. Como todo discurso de modernidade, a imagem de um homem jovem,
saudável, com trajes finos, passa a desenhar no imaginário do povo acreano um quadro
propício à aceitação de que o moderno era um caminho magnífico para o Território do Acre.
Caminho magnífico é um termo utilizado pelo jornal O Acre, na edição 817, publicado
na primeira página do dia 25 de abril de 1947, para enfatizar que as obras realizadas pelo
Major Guiomard dos Santos estavam fazendo o Acre retomar a posse de si mesmo e alcançar
a modernidade.
O jornal ainda apresenta na íntegra o discurso proferido pelo Major Guiomard no ato
de sua posse, na escadaria do palácio Rio Branco, no dia 25 de abril de 1946. Segundo o
jornal, era algo considerado por muitos como sendo um discurso cuja linguagem era
diferente das que costumam expressarem-se os homens de governo, uma
linguagem sem artifício e sem mistificações da qual transparecia na limpidez
cristalina, na decidida e irresistível vocação de dirigente de povos, que já se revelara
na direção de Ponta Porã (SANTOS, O Acre, edição 817, p. 01, de 25/04/1947,
grifos nossos).
43
Nota-se que o autor38
da matéria relativa ao primeiro ano da gestão do Major
Guiomard dos Santos preocupa-se em informar aos leitores que o governante utilizava uma
linguagem de fácil compreensão para a população e é essa condição que o qualifica como um
homem do povo.
Tomando por base o conceito de governo de Michael Foucault39
, pode-se então
considerar que o Major Guiomard dos Santos, neste sentimento de governar, levou em
consideração a “profusão de técnicas, esquemas, estruturas e idéias deliberadamente
mobilizadas na tentativa de direcionar ou influenciar a conduta dos outros”40
, no caso em
questão, o povo acreano. Esse último, por sua vez, dado a contextos anteriores, predispõe-se a
depositar no novo administrador as esperanças de um futuro melhor. Uma parceria que deu
certo graças à aceitabilidade e à respeitabilidade que o governo territorial conquistou suprindo
algumas necessidades básicas no tocante à saúde, segurança e educação.
A leitura dos jornais nos permite observar que o Major Guiomard dos Santos
costumava publicar regularmente suas obras governamentais, bem como suas condecorações
de honra ao mérito e elogios recebidos por políticos e simpatizantes de seu partido41
. Usando-
se da arte iconográfica (imagem), apresentava ao povo suas obras e futuros projetos de
modernização do Território do Acre. Assim, além de falar sobre as obras que iria fazer,
publicava imagens das obras já realizadas e/ou em processo de conclusão, usando, assim, a
mídia a favor de seu governo. Se os seus antecessores utilizavam o jornal para editar os atos e
fatos da administração territorial, Guiomard dos Santos mantinha o mesmo elemento
agregando a explicitação dos fatos realizados como “coisa sua”. Apenas a título de exemplo,
posso citar a obra do Palácio Rio Branco, que não foi construída durante seu governo, mas
que, devido ao fato de ter sido concluído no decorrer deste primeiro ano de administração,
nesta reportagem aparece como obra de Guiomard dos Santos e não há nenhuma referência a
governos anteriores. Desse modo, se constituía como um administrador competente e capaz
de conduzir o território acreano e seus habitantes em direção a mudanças requeridas pelo
povo e anunciadas pelo administrador do território.
38
O artigo não apresenta autoria.
39 Michel Foucault não aborda o conceito de governo no âmbito de termos convencionais do estado, da teoria constitucional
ou da filosofia política, mas sim num sentido amplo: a conduta da conduta.Uma forma particular e complexa de conduzir o
outro. 40 Cf. PETERS, Michael A.; BESLEY, Tina e colaboradores. Por que Foucault?: Novas diretrizes para pesquisa educacional.
Trad. Vinicius Figueira Duarte. Porto Alegre: Artmed, 2008. 41 Um dos eventos que passou a acontecer com o governo de Major Guiomard dos Santos era a comemoração de seu
aniversário. Segundo o jornal “O Varadouro”, nº 6 de dezembro de 1977, eram realizadas festas dançantes, torneios de
futebol e distribuição de brindes no dia do aniversário do Governador. Isto o tornava um líder mais popular e bem querido
pela população acreana.
44
Partindo da afirmação de Gregolin (2004) de que “a mídia pode ser entendida como
um poderoso dispositivo de produção de identidade”, pode-se admitir que Guiomard dos
Santos produz, em sua relação com o jornal, uma identidade que o destaca dos governantes
anteriores.
Os atos e fatos rumo à modernização
No seu primeiro ano de administração, Major Guiomard dos Santos inicia seu projeto
de governo voltado para a aproximação do Território do Acre com os demais estados
brasileiros e países estrangeiros42
, bem como com a aproximação dos municípios do interior
do Acre com a capital Rio Branco.
Para tanto, abre estradas para escoamento de produtos agrícolas, constrói campos de
pouso para aviões, compra veículos pluviais e terrestres. No tocante à educação e saúde, o
governo Guiomard dos Santos passa a concluir e a construir escolas secundárias e primárias,
bem como os prédios onde funcionarão a estrutura administrativa de seu governo e, ainda,
assistência médica, farmacêutica e odontológica. (Cf. Jornal O Acre , edição 817, p. 1,
publicado no dia 25 de abril de 1947).
É notório que há uma preocupação inicial em organizar a sociedade acreana, ou seja,
civilizar a região acreana de modo a torná-la mais habitável. Essa busca por organização
social não se pautou tão somente na organização da educação, da saúde e da administração;
pautou-se também em questões voltadas para a segurança, através da construção de delegacias
em todo o Território do Acre.
Embora algumas dessas obras não tenham sido arquitetadas pelo Major Guiomard dos
Santos, o povo acreano transfere para ele os méritos pelas obras e ações governamentais
realizadas. Afinal de contas, ele foi responsável pela conclusão da obra. Logo, ficava no
imaginário do povo acreano que esta fora realizada por ele, principalmente quando o mesmo
passa a publicar no jornal O Acre fotografias de obras construídas e/ou concluídas por seu
governo. Logo, é dado a ele o mérito da existência da obra.
Três anos de trabalhos produtivos e constante prosperidade: A administração
42
No ano de 1948, Guiomard dos Santos designa uma comissão formada pelos senhores Felipe Meninéia, diretor da
Imprensa Oficial; Dr. Valério Caldas Magalhães, diretor do Departamento de Administração e Produção; Gerardo Parente
Soares, diretor do Departamento de Obras e Viação; e Dr. Otávio Vieira Passos, diretor do Departamento de Geografia e
Estatísticas para organizar o mostruário de objetos e produtos regionais do Território do Acre que deveriam ser enviados
a Comissão de representantes do Território na Exposição Internacional de Indústria e Comércio a ser realizada em
Petrópolis, no estado de Rio de Janeiro em maio de 1948. Cf. Portaria n.45 do dia 31.03.1948.
45
do governador Major Guiomard dos Santos vista através do simples enumerados de
suas realizações43
(O Acre, edição 919, p. 01, 24/04/1949).
Obras e melhoramentos públicos realizados no terceiro ano de governo de
Major Guiomard dos Santos.
Ao ensejo da passagem do terceiro aniversário da administração do
governador Guiomard dos Santos, pretendemos apresentar ao público uma
demonstração do que foi o trabalho executivo acreano neste produtivo período do
seu governo realizador e em que o rendimento positivo das atividades
administrativas foi muito superior, em todos os setores, ao próprio resultado global
dos anos anteriores, significando assim a segurança da orientação seguida no trato
da cousa pública. Resultado tão magnífico enriqueceu e aumentou o patrimônio do
Território em muitos milhões de cruzeiros, foi conseguido, côo fez sentir o nosso
governante em seu relatório ao chefe da Nação, pelo simples fato de entrega da
verba orçamentária do Acre ter sido feita de uma só vez no princípio do ano, o que
se não verificaria nos anos anteriores, quando o recebimento dos créditos
orçamentários se estendeu até fins de setembro e princípios de outubro (IDEM, p.
02)44
.
A fotografia neste período foi usada para circulação de informações que fossem de
interesse dos governantes, seja de Major Guiomard dos Santos, seja de outros governantes
anteriores ou posteriores ao seu governo. Afinal de contas, a fotografia representa um tempo e
um espaço determinado que o fotógrafo consegue captar para alcançar um determinado fim,
apresentar uma idéia. Quer seja um olhar do fotógrafo, quer seja o olhar da pessoa que
determina o que deve ou não ser fotografado.
No caso específico das fotos publicadas no jornal O Acre, no período analisado nesta
dissertação, mesmo que representem, principalmente, as obras governamentais de Major
Guiomard dos Santos e, ainda, fotos de momentos políticos e/ou eventos sociais. Desta forma,
é possível perceber o esforço de perpetuar, de criar uma memória, um arquivo iconográfico
das obras e eventos que ocorreram durante seu governo. O jornal O Acre foi utilizado
sabiamente para este objetivo.
Importante registrar o modo como no governo Major Guiomard dos Santos o acervo
iconográfico territorial, no tocante às obras públicas, cresceu de forma considerável, havendo,
inclusive, uma filmagem em áudio/vídeo das obras e eventos ocorridos nos períodos de 1946
43 Esta foi a manchete publicada na primeira página e impressa com letras verdes. Pela primeira vez foi possível imprimir
um jornal com palavras impressas na cor verde e com 16 páginas que destacavam todas as obras realizadas por Guiomard
dos Santos, inclusive com imagem fotográficas. Destaco ainda que há uma fotografia de Guiomard dos Santos apenas de
perfil com trajes sociais e que esta imagem fica centralizada e ocupa mais da metade do espaço da primeira página. 44 Desta página até a ultima (p.16) constam fotografias de obras concluídas, construídas e em fase de conclusão no
Território do Acre. As obras apresentadas como suas, quer seja porque as construiu, quer seja porque as conclui foram:
Estação de Passageiro do Aeroporto de Rio Branco, Praça Getúlio Vargas, Cerâmica e Oficina mecânica, Estação
Telegráfica do serviço de Telecomunicação do Governo do Território, Grupos eletrogenos Buda, o segundo inaugurado
no serviço de iluminação elétrica de Rio Branco; Galpão de Usina mecânica com novos equipamentos, Parque jardim do
Palácio Rio Branco, Escola Monte Castelo localizada na Colônia Apolônio Sales , Estrada Rio Branco-Abunã, Escola
Rural do Quinári localizada na rodovia Rio Branco-Abunã, Estação Experimental Agrícola, Núcleo Central de
Melhoramento da Borracha, dentre outras. Em toda as páginas é possível acompanhar de forma cronológica cada uma das
benfeitorias realizadas no Governo Guiomard dos Santos deste a sua chegada no ano de 1946 até a data em que se
comemora o 3º ano de aniversário de sua administração.
46
a 194945
, onde é possível ver as obras realizadas por seu governo, bem como ouvir uma
narração que enfatiza o quanto o seu governo é preocupado com o povo acreano e com a
qualidade de vida a ser oferecida a um povo que merece o melhor de seu governante. A trilha
musical da filmagem é composta de músicas da década de 40 que têm uma sonoridade alegre
e vibrante, trazendo consigo uma idéia de juventude, vivacidade, enfim, de festa.
Assim, as fotografias que aparecem no corpo do jornal são expostas de forma
intencional, carregadas de intencionalidade e simbologias. Logo, não são neutras e buscam
inserir-se na idéia de produção de modernidade/civilidade e como uma resposta de Major
Guiomard dos Santos aos acreanos.46
Além de fixar na memória dos leitores as obras realizadas, a forma como são
divulgadas serve também como “instrumento de poder que, dependendo da conjuntura
política, pode ser valorizada, divulgada, omitida, censurada, destruída, adulterada.”47
No tocante ao marketing, Major Guiomard dos Santos foi bastante competente, posto
que sempre divulgasse suas obras e vida social ao povo acreano e, ainda, na mídia nacional.
Apenas a título de exemplo, pode-se destacar o envio do jornal O Acre para algumas capitais
do Brasil e sua inserção imediata na Campanha de Alfabetização de Jovens e Adultos que
acontecia em todo o Brasil na década de 40. Esta foi uma das maneiras encontradas para
chamar a atenção do Brasil e do mundo para este lugar tão longínquo das demais regiões
brasileiras.
Preocupa-se o governo federal com o problema da educação de jovens e
adultos analfabetos. E, como medida preliminar deste movimento, o Ministério da
Educação e Saúde fez reunir no Rio de Janeiro, de 10 a 28 do mês passado, dois
delegados de cada estado e do Distrito Federal e um de cada Território, a fim de que
se desse conhecimento dos objetivos da campanha e dos processos de execução do
plano. O Território do Acre estava naquela ocasião representado pela Diretora do
Departamento de Educação e Cultura, a professora Maria Angélica de Castro, que se
aproveitou da estada na capital federal para tratar de outros assuntos referentes ao
desenvolvimento da rede escolar no Território (O Acre, 16/03/1947).
Se levarmos em consideração o contexto nacional da década de 40, é possível
45 Esta filmagem pode ser encontrada em VHS no Acervo Guiomard dos Santos do Centro de Documentação e Informações
Históricas da Universidade Federal do Acre. Porém, para melhor aproveitamento das imagens e sons presentes no VHS,
providenciei sua transformação em DVD.
46 Refiro-me ao discurso que Major Guiomard dos Santos proferiu na escadaria do Palácio, no dia de sua chegada ao
Território, no qual pediu aos acreanos um voto de confiança no seu trabalho. Com o slogan “Eu creio no Acre e nos
acreanos”, ele pediu aos acreanos que confiassem a ele as terras acreanas para que pudessem transformar o Território numa
região mais próxima das demais regiões do Brasil, bem como numa cidade com capacidade de oferecer condições mais
habitáveis. (Cf. discurso anexo).
47 BEZERRA, 2002,P.230
47
imaginarmos que o Brasil, como um todo, encontrava-se voltado para estas questões
consideradas por alguns autores como sendo de fundamental importância à civilidade, a saber,
a educação de jovens e adultos, por exemplo. Na região acreana este momento histórico não
foi diferente. Em apenas um ano de administração, algumas transformações significativas
aconteceram na região. A pesquisa revela que, no período Guimard dos Santos, Rio Branco se
transformou em um canteiro de obras.
O primeiro ano de administração convergiu para a conclusão e construção de obras
escolares, a saber, o prédio do Ginásio Acreano e escolas rurais na capital e no interior do
Território, bem como o mobiliário necessário ao funcionamento destes estabelecimentos de
ensino. Para além disso, foram construídas a Escola Normal Lourenço Filho, anexa à Escola
Técnica do Comércio, e as escolas rurais de Nova Empresa e Vila Ivonete. No que concerne
ao pessoal, foram contratados um inspetor e 63 professores, sendo, estes últimos, 57 para a
escola primária e 6 para o ensino secundário.
Aumentado 25 unidades escolares no governo Guiomard dos Santos
O setor educacional, um dos que mais tem merecido atenção do atual
governo, no ano findo apresentou sensível progresso tanto no aumento de unidades
escolares como no aparelhamento, ou ainda, no número e aperfeiçoamento do
magistério.
Ainda que houve um acréscimo de vinte e cinco unidades escolares, no
quadro de ensino primário, notando-se que o maior esforço para este acréscimo foi o
governo do Território.
(...)
Como demonstração evidente que fez impulsionar o ensino de primeiro grau
no Território de fecundo governo de Guiomard dos Santos, vale citar a inauguração
do Grupo Escolar Plácido de Castro, instalado em alvenaria, com modernas salas de
aula e capacidade para 400 alunos, dotado de aparelhamento escolar o mais moderno
e conclusão das seguintes construções escolares:
a) Grupo escolar de Cruzeiro do Sul, prédio de alvenaria com capacidade
para 400 alunos.
b) Escola Rural Dom Bosco, prédio de alvenaria, construído em cooperação
com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos e residência para
professora.
c) Escola Rural Dr. Carlos Vasconcelos, em Rio Branco, prédio em alvenaria,
construída em cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos
e residência para professora.
d) Escola Rural Siqueira de Menezes em Sena Madureira, prédio em
alvenaria, construída em cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para
70 alunos e residência para professora.
e) Escola Rural na Estrada do Acre em Sena Madureira, prédio em alvenaria,
construída em cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos
e residência para professora.
f) Escola Rural João Damasceno Girão, em Xapuri, prédio em alvenaria,
construída em cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos
e residência para professora.
g) Escola Rural Barão do Rio Branco em Brasiléia, prédio em alvenaria,
construída em cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos
48
e residência para professora.
h) Escola Rural Paraná em Feijó, prédio em madeira, construída em
cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos e residência
para professora.
i) Escola Rural 25 de abril em Tarauacá, prédio em madeira, construída em
cooperação com o Ministério da Educação, capacidade para 70 alunos e residência
para professora.
j) Escola Rural Monte Castelo em Rio Branco, prédio em madeira,
capacidade para 60 alunos e residência para professora
l) Escola Rural Quinari em Rio Branco, prédio em madeira com capacidade
para 50 alunos.
m) Escola Rural Minas Gerais, na Fazenda Sobral. (O Acre, edição 919, p.18,
25/04/1949).
Em consonância com a Lei Orgânica do Ensino Primário e Secundário, foram
instalados os cursos de Educação Popular no Território visando a diminuir o número de
analfabetos. Assim, o Acre passa a colaborar com a Campanha de Alfabetização de Adultos e
Adolescentes que acontecia em todo Brasil, além de passar a fazer parte da estatística nacional
de combate ao analfabetismo que repercutia em todo o país. Para além disso, a professora
Maria Angélica de Castro participava pessoalmente, na Capital Federal, de reuniões que
tratavam das “bases da Campanha de Alfabetização de Adultos”.48
Ao criar condições para que a educação popular se instalasse no Território, Major
Guiomard dos Santos também promove a inserção do Acre nas estatísticas nacionais e,
conseqüentemente, este passa a ser conhecido pelos demais Estados e Territórios brasileiros.
Assim, coloca o Território do Acre em pé de igualdade com as demais regiões brasileiras no
tocante ao oferecimento do ensino de jovens e adultos, além de fazê-lo conhecido. Uma das
maneiras encontradas para divulgar o Território era o envio quinzenal do jornal O Acre para
alguns lugares do Brasil e até para o exterior49
.
48
Cf. Portaria n. 37 do dia 29.03.1948.
49 GABINETE GOVERNAMENTAL.
Relação nominal e respectivos endereços das pessoas que recebem o jornal O Acre remetidos quinzenalmente
por este gabinete:
1.Dr. Miguel Martins – Delegado Federal da Saúde da 2ª região – Manaus –AM.
2.Francisco Angelo de Oliveira – Rua Lodo D‟almada, 288 – Manaus – AM.
3.Ruy Mendes – Rua Visconde de Rio Branco, 48 – Belém –Pará.
4.Senador Alvaro Maia – Palácio Monroe – Rio – DF.
5.Dr. Hugo Carneiro – Fonte da Saudades – Rio – DF.
(...)
23. Srta. Mafalda P. Zemella – Rua Anastácio, 508 – São Paulo.
(...)
54. Juvêncio de Carvalho – Carmo da Mota – Oeste de Minas.
55. Isis Maria Bax –Av. Brasil, 698 –Santa Efigênia - Belo Horizonte.
(...)
57. Professor Romeu Brandão Soares – Av. J. J. Seabra, 265 – São Salvador – Bahia.
58 – Serviço de documentação do Ministério da Justiça – Rua do México,128 – Rio –DF.
49
Não se descuidou também o governo em dar inteiro apoio à Campanha de
Alfabetização de Adultos. Colaborando nesta nobre e útil campanha com o Governo
Federal, o governo acreano conseguiu instalar no ano de 1948, 42 cursos no
Território, os quais 16 nesta Capital. Grande foi a matrícula, atingida graças à
propaganda em que o governo se empenhou e os resultados alcançados são, sem
dúvida, animadores, o que contribuirá para alevantar o nível cada vez mais da
alfabetização (Idem).
O jornal O Acre não apresenta gráfico comparativo acerca da diminuição do
analfabetismo no Território do Acre, mas destaca a importância da presença da região no
combate ao analfabetismo nacional. Apresenta, inclusive, que a Campanha de Alfabetização
de Adultos implantada no ano de 1948, no Território, colabora diretamente para a diminuição
dos índices de analfabetos brasileiros.
Visando a reduzir o número de analfabetos no Acre, em todas as escolas da capital e
dos municípios foram melhoradas a assistência ao aluno pobre, a merenda escolar, o vestuário
e o material didático. Tais procedimentos fizeram com que o número de matrículas
aumentasse consideravelmente. Além disso, algumas mensagens foram veiculadas no jornal O
Acre50
de modo a manter acesa na memória do povo acreano o quanto todos eram
responsáveis pela educação. Slogans, com letras bem grandes e em negrito, ganhavam
destaque nas páginas do jornal.
Em todas as edições lidas para elaboração desta dissertação foi possível encontrar
várias frases incentivando a população acreana a participar de forma mais direta na educação
da infância, principalmente a infância pobre.
Ensinar o povo a raciocinar: este é o meio de o libertar dos tiranos, dos
aventureiros e mistificadores.
Ser sócio da Sociedade Pestalozzi é proporcionar aos alunos das escolas
primárias os meios materiais necessários à sua instrução e educação.
(...)
60. Padre superior dos serviços de Maria –Av. Paulo Fontrin, 500 – Santa Catarina
(...)
62 . Dr. Mario Anselmi – Vitória do Palmar – Rio Grande do Sul
(...)
75. Embaixada Brasileira nos Estados Unidos –R. Whiteriver Street, 3007. Washington D.C. – EUA
(...)
95. Dr. Murilo Braga – Diretor do INEP –Ministério da Educação – Rio – DF (Cf. Arquivo pessoal Guiomard
dos Santos – Cx. Box 02)
(...)
112. Dr. Chermont de Miranda – R. Principado de Mônaco, 149 – Rio -DF
50
Em todas as edições do ano de 1948 é possível encontrar propagandas acerca da necessidade da alfabetização
de adultos. O ano inicia com a edição 853 e finaliza com a 903.
50
No jornal O Acre do dia 05 de outubro de 1947, Maria Angélica de Castro publica um
artigo denominado “Ambiente escolar” no qual apresenta que
não basta, entretanto, os esforços da alta administração, territorial e federal,
para resolverem as dificuldades impostas pelo meio, no setor da educação. Faz-se
mister que os professores, os dirigentes de ensino e do município, a sociedade,
enfim, cooperem mutuamente, no sentido de fazer de cada escola da localidade uma
casa risonha, propícia ao desenvolvimento de um trabalho proveitoso e à formação
de personalidade de caráter digno (CASTRO, O Acre, edição 840, p. 01,
05/10/1947).
Desde a sua chegada ao Território do Acre, Maria Angélica de Castro sempre buscou
envolver a sociedade acreana com as questões educacionais, principalmente no tocante à
assistência à infância pobre que freqüentava a escola. O objetivo era mobilizar a sociedade em
prol de uma educação que promovesse o progresso local.
O jornal O Acre publica, na seção A Semana, no ano de 1948, que a educação no
Território do Acre correspondia a 15,26% do quadro geral da educação no Brasil. Fato este
sempre ressaltado pelo jornal como sendo algo promovido no Território graças à
administração do Major Guiomard dos Santos.
Se levarmos em conta o mapa político do Brasil no ano de 1948, é possível admitir
que o índice de 15,26%, numa porcentagem de 100%, é algo significativo no contexto
nacional.
O texto apresenta ainda que o Território do Acre consegue apresentar um dos
melhores ensinos do Brasil, recebendo inclusive a nomenclatura de “ensino a ser copiado
pelas demais regiões do Brasil”.
AFIRMOU NA CÂMARA O DEPUTADO CAFÉ FILHO: O ACRE
POSSUI UMA DAS MELHORES ORGANIZAÇÕES DE ENSINO
O Acre possui uma das melhores organizações de ensino, dirigida por uma
senhora de Minas Gerais. Quem for àquele Território há de concordar comigo em
que se trata de uma das melhores organizações escolares que se tem visto por aí
afora, um ensino a ser copiado pelas demais regiões do Brasil. (...) (O Acre, edição
971, p.08, 25.04.1950)51
.
Nota-se que em apenas dois anos de administração, o Major Guiomard dos Santos
51
Ao retornar de uma viagem feita ao Território do Acre o Deputado Café Filho proferiu um discurso na Câmara
dos deputados onde apresentou seu ponto de vista da administração do Acre.
51
anuncia, através do jornal, que conseguiu promover o nome do Acre na mídia nacional por
meio da qualidade do ensino da região.
Não bastava apenas promover uma difusão de seus atos administrativos no interior do
Território, era preciso difundir também em toda a nação brasileira. A análise da seção
„Expediente‟ do jornal O Acre, bem como a consulta aos boletins de distribuição dos jornais,
indica que a remessa de jornais a diferentes lugares do Brasil não acontecia de forma
aleatória, mas sim intencional, uma vez que sempre eram enviados a entidades
governamentais, pessoas de participação na vida política brasileira, representantes do Brasil
no exterior, enfim, enviados a àquelas pessoas que estavam envolvidas na vida política do
Brasil.52
Neste contexto, o Território foi envolvido de um otimismo relacionado à educação.
Principalmente quando surgiam notas, cartas, telegramas recebidos de outros estados com
mensagens de elogio ao desempenho de Major Guiomard dos Santos no tocante à educação
e/ou ao desenvolvimento econômico da região acreana como um todo.53
Major Guiomard dos Santos (Jornal O ACRE, edição 864, p. 03, de
21/03/1948)54
.
O Acre circula hoje com 16 páginas em comemoração ao segundo
aniversário de governo de Major Guiomard dos Santos (Jornal O ACRE, edição 869,
p. 03, de 25/04/1948).
Ecos da comemoração do segundo aniversário da administração Guiomard
dos Santos (Jornal O ACRE, edição 870, p. 08, de 02/05/1948).
Condecorado pelo governo boliviano o Major Guiomard dos Santos (Jornal O
ACRE, edição 893, p. 02, de 10/10/1948).
Conforme pode ser observado nas leituras dos artigos jornalísticos elaborados
principalmente por Maria Angélica de Castro, todas as obras voltadas para a educação
visavam a melhorar a qualidade do ensino acreano, aproximar as crianças pobres da escola e,
ainda, aperfeiçoar os professores que atuariam nestes espaços. Uma espécie de controle dos
corpos para um objetivo único: modernização.
Não basta, entretanto, que o esfôrço da alta administração federal e territorial,
52 Esse é um traço característico do período, qual seja, a divulgação daquilo que se estava a realizar de modo a garantir a
maior divulgação possível desses feitos, bem como permitir o intercambio de informações entre órgãos do poder público,
especialmente no campo educacional.
53 Tais elogios podem ser conferidos nos jornais publicados no final do ano de 1948 e nos jornais publicados no ano de 1949. 54 Em todos estes jornais há homenagens a Guiomard dos Santos, quer seja por data natalícia, quer seja por sua atuação no
Executivo.
52
para se resolverem as dificuldades impostas pelo meio, no setor da educação. Faz-se
mister que os professores, dirigentes do ensino e do município, a sociedade, enfim,
cooperem mutuamente no sentido de fazer de cada escola da localidade uma casa
risonha, propícia ao desenvolvimento de um trabalho proveitoso e à formação da
personalidade de caráter digno (CASTRO, O Acre, edição 849, p. 01, 12.10.1947).
A escolarização em massa passa a ser um ideal que define uma sociedade como
moderna e como tal é apreciada no governo Major Guiomard dos Santos, afinal de contas, o
processo civilizatório é um processo psíquico de transformação, ao mesmo tempo em que é
um fenômeno social.
Pode-se admitir, portanto, que a educação pensada pelo Major Guiomard dos Santos, e
orientada por Maria Angélica de Castro, é aquela que busca criar comunidades em torno de
hábitos, de valores e de significados unívocos que devem ser assimilados, tomados como
legítimos e incorporados como um hábito que precisa ser marcado no corpo. Entretanto, para
que tais hábitos fossem tomados como legítimos por todos fazia-se necessário que esse
mesmo “todos” passasse a fiscalizar os outros. Fazia-se necessário que o povo acreano
acreditasse que a educação seria a solução para todos os males sociais, a saber, a fome, a
miséria e o desemprego, dentre outros. Nota-se neste período da história educacional acreana
um otimismo que alguns autores denominam como “otimismo ingênuo”.55
Segundo Cortella (1999) o otimismo ingênuo possibilita pensar a escola como a
responsável por solucionar todos os problemas da sociedade. Nesta concepção, a escola tem
um caráter messiânico, ou seja, há uma valorização da escola enquanto mecanismo capaz de
extinguir a pobreza e a miséria que não foram criadas por ela.
A sociedade acreana se articulou em prol deste otimismo na educação, principalmente
da educação dos infantes.
[...] a ação educativa, enquanto ação formativa, é uma atividade
extremamente complexa e de alta responsabilidade. Segue um percurso não
espontâneo e casual e, em suas formas mais complexas e elevadas, deve ser
conduzida por pessoas qualificadas para exercer a função de Educar. [...] Nenhum
indivíduo isoladamente, por melhor preparo que tenha, será capaz de oferecer a
outro a plenitude da formação de que ele necessita, bem como nenhuma instituição,
ainda que seja definida como educativa, poderá dar conta de seu papel. Essa tarefa é
de responsabilidade social. Pode ser que a sociedade não realize a melhor educação
que se deseja, mas ela realizará a melhor educação possível (COELHO & COSTA,
2009, p51).
Maria Angélica de Castro busca articular a população acreana em prol desta idéia de
55 Cf. CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez,
1999
53
que toda a sociedade é responsável pela educação, uma vez que educar é uma tarefa de
responsabilidade social. Logo, não compete somente ao DEC e à comunidade técnica escolar
fiscalizar a permanência das crianças e jovens na escola.
Desta forma, Maria Angélica de Castro reforça a idéia de que competia a todas as
autoridades civis e militares comunicar ao DEC, aos inspetores de ensino, aos diretores de
grupos escolares e grupos reunidos, informar a existência de crianças em idade escolar e
analfabetos para efeito de matrícula. Inclusive, em seu anteprojeto de reorganização da
educação primária do Território do Acre, fica determinado que caiba aos pais pagarem multas,
em escalas gradativas, caso haja ausências dos filhos à escola por motivos que não sejam
doenças56
.
De acordo com Maria Angélica de Castro, a escola acreana vai se transformando num
centro de alegria sadia, favorável à constituição de mentalidades fortes e úteis, enquanto seu
patrimônio se enriquece de instrumentos adequados à realização de um trabalho cultural mais
adequado. Observa-se, portanto, uma preocupação com a infância, tida nesta momento como
uma base onde se poderia consolidar metas futuras.
A preocupação do DEC era com a formação intelectual, moral e social dos sujeitos
que freqüentavam o espaço escolar. Afinal de contas, uma identidade educacional só se
constrói no dia a dia da escola, na ritualização das práticas escolares que ajudam a forjar
hábitos.57
Instruir e Educar
(...) O trabalho da escola deve ser tanto de formação intelectual, como moral
e social. (...) As bibliotecas, infantil e juvenil, estão funcionando normalmente e em
boas condições. O jornal já faz parte das cogitações dos alunos do curso secundário.
Os clubes, visando à educação sanitária e o instinto gregário das crianças, acabam de
ser organizados. Agora o cinema educativo, instalado no auditório do Instituto
Getúlio Vargas, funcionará como estimulante do interesse pela escola (pois só
poderão freqüentá-lo os alunos assíduos às aulas), contribuindo para tornar atraente
e claro o ensino, mesmo de assuntos áridos, e para formação de hábitos e costumes
(CASTRO, O Acre, edição 843, p. 08, 06/10/1947).
As práticas escolares, os hábitos internos e externos da escola, a distribuição do tempo
e do espaço no contexto escolar, a qualificação de pessoas para lidar especificamente na
56 No anteprojeto de reorganização do Ensino Primário do Território há um capítulo elaborado especialmente para tratar da
ausência dos alunos na Escola e a participação dos pais na garantia de freqüência escolar, bem como de toda a sociedade.
Neste capítulo fica explícito que se o aluno for encontrado perambulando pelas ruas da cidade, perambulando em horário de
aula, deverá ser recolhido para a delegacia mais próxima por qualquer policial ou pessoa da sociedade. Após o recolhimento
do mesmo, os pais serão notificados e pagarão multa pela ausência do filho da sala de aula.
57Tomando por base o conceito de ritualização de Boschilia, em seu texto “O ensino, o rito e o ensino”.
54
escola fizeram o diferencial na administração Major Guiomard dos Santos no tocante à
educação do Território. Têm-se, no interior das escolas, as expressões simbólicas da cultura
escolar acontecendo com maior freqüência, a saber, as comemorações cívicas, as festas de
encerramento escolar, os exames, cujos ritos reforçam o imaginário de civilidade e
modernidade.
Os conceitos de civilidade e modernidade, no governo de Major Guiomard dos Santos,
estão relacionados à idéia de interiorizar nos indivíduos normas e padrões de conduta, polidez
e docilidade de costumes. Logo, civilizar a juventude e a infância passa a ser sinônimo de
interiorizar nelas as regras de conduta social, de inculcar valores voltados para o respeito ao
outro, a si mesmas e à sociedade como um todo. Ser moderno passa a ser sinônimo de saber
ler e escrever, dominar técnicas de trabalhos manuais que possam torná-lo um futuro
trabalhador que colabora com o progresso da nação, “um ser para a sociedade”.
Freqüência escolar
À primeira vista nos parece que os maiores prejuízos ocasionados pela
freqüência irregular da criança à escola, são resultantes da perda das explicações dos
professores e, por conseguinte do pouco aprender. Todavia, as desvantagens de
ordem bem mais superiores às que vimos assinalar, que destroem de modo sutil e
lamentável o objetivo verdadeiro e essencial da educação que é o de fazer da criança
um ser para a sociedade.
O processo de disciplinarização da criança, mediante a qual se acentuam
pouco a pouco as qualidades de atenção, de observação, de obediência e
assiduidade, só é possível mediante a presença constante da criança no ambiente
escolar.
Surgem, nesta altura, os primeiros passos de cooperação, do auxílio mútuo e
do espírito de sacrifício em beneficio da coletividade, numa perfeita e belíssima
afirmação de que o homem é, na verdade, um animal essencialmente gregário. E,
assim, são lançados os primeiros elementos no alicerce da sociedade para a qual a
escola prepara a creança (CASTRO, O Acre, edição 866, p. 04, 04/04/1948).
É com base nas informações supracitadas que é possível destacar que as questões
educacionais eram um dos grandes focos do discurso da administração do Major Guiomard
dos Santos, posto que no primeiro ano de administração as mudanças mais visíveis foram no
campo educacional.
Em suma, a administração de Major Guiomard dos Santos conseguiu veicular para a
sociedade acreana suas expectativas/crenças do que constitui civilização e modernidade.
Através do jornal O Acre, tornou seu discurso um elemento autorizado como referência a
partir da qual se podem avaliar o que é bom para o Acre, o que é cidadão, o que é ser moderno
e civilizado, o que é ser uma sociedade digna.
55
CAPÍTULO 2
Práticas e conteúdos/saberes de reordenamento da/na formação da infância acreana
A leitura dos jornais publicados no período em que Guimard dos Santos foi
governador do Território do Acre revela que ele, ao chegar, percebeu uma região isolada e
carente de elementos básicos, a saber, educação, saúde e segurança. Assim, sua administração
se assentou nessas três bases.
Durante as primeiras décadas do século XX, o Território do Acre era uma região
isolada do restante do país. O único meio de comunicação possível com as demais regiões
brasileiras era o telegrama. Uma viagem de navio de Rio Branco até o Rio de Janeiro, por
exemplo, demorava em média 3(três) meses. Não havia, até o ano de 1949, um meio de
transporte aéreo responsável pelo transporte de pessoas, alimentos ou medicamentos para o
Território. Desta forma, a comunicação com o restante do país era quase nula.58
Assim sendo,
os meios de comunicação mais eficiente no Território eram o rádio e alguns jornais que
58 Informação retirada do filme “Território Federal do Acre” cuja temática central é apresentar as obras
governamentais de Major Guiomard dos Santos. Produzido em 1949 e cujo VHS encontra-se no CDIH/UFAC, este vídeo
contém a reprodução de dois filmes que permaneceram desconhecidos da sociedade acreana nos últimos 50 anos. O primeiro
filme é curto e documenta o ato da posse dos novos governadores dos Territórios do Acre e de Ponta Porã, no Rio de Janeiro,
então capital federal, em meados de 1946. Lembremos que na década de 40 os governadores dos Territórios Federais eram
nomeados pelo Presidente da República, sem participação das sociedades regionais, na maior parte das vezes com resultados
catastróficos. Daí a grande quantidade de governos efêmeros, com menos de um ano de duração, que foram registrados pela
história política acreana entre 1904 e 1962, período em que o Acre foi Território.
O segundo filme, mais longo, registra as realizações do governo do Major José Guiomard dos Santos à frente do
Território Federal do Acre próximo ao seu final, já em 1949. As imagens deste filme demonstram claramente porque
Guiomard Santos é considerado um dos maiores governadores que o Acre já teve em toda a sua história, tanto na sua fase
territorial como na estadual.
Estes filmes, porém, têm uma importância ainda maior do que somente a do registro de parte da história política
acreana. O filme “Território Federal do Acre – 1949” contém as únicas imagens em película conhecidas do Acre, desde a sua
anexação ao Brasil no início do século, até a chegada da televisão ao Acre já na década de 70.
Este valioso material pertence ao acervo Guiomard Santos, atualmente sob a guarda do Centro de Documentação e
Informação Histórica (CDIH) da Universidade Federal do Acre, e permanecia desconhecido da população acreana e mesmo
da comunidade acadêmica. Até que, através da parceria com a Fundação Elias Mansour, do Governo do Estado do Acre, os
originais foram enviados ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, para limpeza, recuperação e telecinagem.
Com o lançamento deste vídeo, no momento em que estas imagens completavam 50 anos, o Governo da Floresta e
a UFAC esperavam devolver à sociedade acreana parte de sua memória visual, paisagística e social. Restam, ainda, nos rolos
de película originais, diversas sobras de montagem que mostram várias cidades do interior acreano, como Cruzeiro do Sul,
Tarauacá, Porto Acre etc.; e que, apesar de não terem sido editadas neste vídeo, estão agora disponíveis para a realização de
outros trabalhos que possam lançar novas luzes sobre a vida neste pedaço de paisagem amazônica.
56
circulavam na sociedade acreana.59
Nesse sentido, o jornal O Acre, um dos mais eficazes meios de comunicação que
circulava no Território do Acre, passa a ser considerado, nesta pesquisa, como um veículo
formador de opiniões na construção de um ideal educacional no Território do Acre,
principalmente quando a temática são as obras de Major Guiomard dos Santos e a
preocupação com o futuro da região assentada na infância acreana. A infância é apresentada
como uma fase da vida onde a formação moral e intelectual precisa ser cultivada para o
progresso da Nação.
Para além dos atos governamentais de Major Guiomard dos Santos60
, publicados nas
primeiras páginas do jornal O Acre, havia uma coluna denominada „A Semana‟, que
publicava os acontecimentos do Brasil e do mundo. Desta forma, o povo letrado do Território
do Acre poderia manter-se informado do que acontecia para além das terras amazônicas.
Dentre as diferentes colunas e seções apresentadas no impresso, proponho-me a
analisar os artigos onde a professora Maria Angélica de Castro, diretora do Departamento de
Educação e Cultura (DEC) escrevia ao professorado do Acre. Tais artigos eram publicados,
geralmente, nas segundas e/ou quartas páginas do jornal. Essa ordenação não era fixa. Em
alguns números os artigos apareciam na última página do jornal, embora com menor
freqüência.
Com base na análise realizada durante esta pesquisa, é possível afirmar que os artigos
da Diretora do DEC não faziam parte de uma coluna específica, mas eram artigos semanais
publicados e direcionados algumas vezes aos pais e outras vezes aos educadores. E, ainda, a
ambos ao mesmo tempo.
Em todos os artigos publicados há sempre o objetivo de ressaltar aos pais e professores
seu papel de monitorar a infância para que ela não se desviasse do caminho do bem.61
É possível perceber, na leitura dos artigos escritos por Maria Angélica de Castro,
especialmente no que concerne à vigilância e à punição como estratégia de enfrentamento à
reprovação e ausências escolares e de modelagem do indivíduo, elementos que Michel
Foucault62
utiliza para tratar das questões relativas à vigilância do indivíduo pelos organismos
59A televisão, que atualmente ocupa o primeiro lugar em termos de comunicabilidade, chegou ao Acre somente nos anos 70.
60 Atos como eventos dos quais o governador participava, projetos elaborados, executados e concluídos, homenagem
recebidas, dentre outros.
61 A denominação “caminho do bem” no texto de Maria Angélica de Castro refere-se à formação de um indivíduo capaz de
colaborar para o desenvolvimento econômico, político e cultural do Território do Acre. 62
Foucault, M. Vigiar e Punir. Ed 7. Petrópolis. Vozes, 1989.
57
sociais.
Segundo Foucault (1989),
cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto
é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar verdadeiros: os mecanismos e
as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns dos outros; as técnicas e os procedimentos que são
valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de
dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 1989)
Nesse sentido, Maria Angélica de Castro constrói todo um discurso em torno da
educação enquanto responsabilidade social, pois a escola não pode ser pensada de forma
autônoma e independente da realidade histórico-social da qual faz parte. A adaptação da
escola à realidade social na qual está inserida deve ser algo presente nesta nova forma de
organização proposta por ela à frente da administração. Logo, passa a veicular nas páginas do
jornal O Acre suas verdades pedagógicas pautadas em sua experiência enquanto professora e
assistente do laboratório de psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais.
CASTIGAR PARA CORRIGIR
Corrigir a criança é torná-la um ser educado para felicidade própria,
satisfação de seus pais, enriquecimento do tesouro humano e glorificação de Deus,
eis a grande tarefa dos que têm a seu cargo a educação da infância e da adolescência.
Avulta-se a extensão e acentua-se a complexidade de tão relevante problema
considerando os requisitos que o homem educado deve ter: a) Correção e precisão
na linguagem.(...) b) Modos finos e corteses.(...) c) Capacidade de hábito de reflexão
(...) d) Capacidade de desenvolvimento (...) e) Eficiência na atividade que
desenvolve. (...)
Quando a criança manifesta defeitos tais como a gulodice, cólera,
desobediência, vaidade, etc. uma correção ligeira poderá conter essas desordens:
recusa formal de uma guloseima solicitada, privação de um brinquedo ou de um
carinho; obrigação de ficar quieta em um canto ou de ir mais cedo para cama;
humilhação de tomar só uma refeição etc., penalidades devem ser aplicadas, tendo
em vista a natureza da falta e o desenvolvimento da criança. É que na jurisprudência
doméstica, como na jurisprudência civil, não há culpas a expiar, mas culpados a
corrigir (CASTRO, O Acre, edição 801, p. 03, 01/01/1947).
Notadamente essa não é uma questão privativa das análises foucaultianas. A vigilância
e a punição são elementos constitutivos da educação escolar, especialmente se considerada
que esta ação civilizatória impõe uma certa „doma‟ aos costumes e a pulsões dos indivíduos.
Isto acaba garantindo que eles possam integrar-se à sociedade e dela façam parte, com o
menor grau de desvio possível. Entretanto, suas idéias de correção não estavam associadas a
castigos corporais, mas sim à vigilância e correção constante.
Na perspectiva de Maria Angélica de Castro, a vigilância era uma grande aliada dos
58
educadores e pais, posto que ao vigiar a criança seria possível corrigi-la em seus erros. E ao
ser corrigida, ela estará sendo educada para tornar-se uma cidadã de bem. Esta concepção
remonta à idéia presente no início do processo de implantação da escola: a ordem mantida
pela escola era considerada como meio para alcançar o progresso do indivíduo e da Nação.
Educando a Infância: ordem, disciplina e progresso
Sendo o jornal O Acre um veículo de circulação de idéias, nota-se o apelo ao apoio
público para que a infância e a adolescência não se tornem, no futuro, preocupações de ordem
social. Dentro da concepção “as crianças são o futuro da Nação”, passou-se a difundir no
Território do Acre uma visão de que a infância precisava de certos cuidados por parte dos
adultos, para que no futuro a criança viesse a se tornar um adulto produtivo na sociedade.
Corrigir a criança, torná-la um ser educado para a felicidade própria,
satisfação de seus pais, enriquecimento do tesouro humano e glorificação de Deus,
eis a grande tarefa que têm a seu cargo a educação da infância e da adolescência (O
Acre, edição 801, p. 03, 1947).
Logo, para que um objetivo tão amplo fosse alcançado, a escola não poderia ser o
único lugar onde este controle do corpo infantil deveria ocorrer. Surge, portanto, uma
necessidade de preparar os pais para se tornarem colaboradores na missão educadora de seus
filhos. Nesse período, os aspectos relacionados às condições de desenvolvimento da infância
começam a intensificar cada vez mais uma consciência de que é preciso atuar sobre a família
e também para além dela.
Sem dúvida, na casa em que impera o regime da ordem e do respeito mútuo, e onde
as crianças, alfa e ômega das preocupações dos pais, são atendidas com brandura e
simpatia, sem excessos de uma disciplina que deprime, nem os mimos que deformam, os
conflitos serão raros, e reduzidos os defeitos de caráter (O Acre, edição 801, p. 03, 1947).
Estas idéias passam a circular no Território do Acre a partir de 1946, uma vez que ao
chegar ao Território do Acre o Major Guiomard dos Santos observou que a região acreana
necessitava de uma transformação no contexto sócio-econômico, político e cultural. Assim,
em seu discurso de posse, é nítido que conhecia os problemas da região acreana e que trazia
59
consigo prováveis soluções.
Levando em consideração o ideário de que a educação poderia ser o caminho capaz de
promover uma mudança social, Guiomard dos Santos passa a investir na educação local por
meio de cursos de férias para professores, criação de bibliotecas ambulantes, criação de
escolas desmontáveis ambulantes, dentre outros.
Aparelha-se o professorado acreano para suas altas habilidades (Jornal O Acre, edição 863, p.
01 de 14/03/1948).
“Escolas desmontáveis ambulantes ( O Acre, Edição 847, p. 06 de 23/11/1947)
“Bolsa de estudos para professores” (O Acre, Edição 905, p.01 de 09/01/1949)
“Cinema educativo no Território do Acre “ (O Acre, Edição 921, p.06 de 08/05/1949)
“Cursos de férias para professores da zona rural” (O Acre, Edição 955, p. 08 de 01/01/1950).
Retomando a informação já citada anteriormente no Relatório de Governo do ano de
1946, ao chegar ao Território do Acre o Major Guiomard dos Santos encontrou um magistério
primário com apenas 18 professores diplomados e 159 professores leigos que, na sua maioria,
não haviam completado o curso primário. No tocante a escolas, havia 126 unidades escolares,
sendo 8 grupos escolares e 118 escolas isoladas. Destas últimas, 50 estavam instaladas na
zona urbana e 70 localizavam-se na zona rural.63
Para que a educação surtisse o efeito que esperava fazia-se necessário que as
estatísticas educacionais mudassem, principalmente no tocante à construção e aparelhamento
das escolas e, ainda, qualificação de professores e corpo administrativo.
A relação que se estabelece neste momento não é a de somente se fazer um paralelo
com o currículo educacional nacional, mas também humanizar o homem, de desenvolver no
povo acreano hábitos mais civilizados. Nota-se uma idéia de educação voltada para a uma
idéia de progresso, a idéia de que a escola é o local mais indicado para que tal progresso
aconteça.
Devido ao aproveitamento escolar deficitário, pois a freqüência das crianças decrescia
a cada ano, o jornal O Acre passa a veicular no ideário acreano, em parceria direta com o
Departamento de Educação e Cultura – DEC, a importância da reorganização do programa de
63 SANTOS, José Guiomard dos. Relatório apresentado ao Exmo Sr. General Eurico Gaspar Dutra. D.D. Presidente da
República, pelo Major José Guiomard dos Santos, Governador Delegado da União no Território Federal do Acre, referente às
atividades de administração acreana no exercício de 1946. Rio Branco, 1946, p. 4.
60
ensino do Território.64
Buscava-se, no ano de 1947, promover mudanças tanto nos aspectos estruturais,
procedendo-se à construção de escolas, por exemplo, quanto nas exigências às famílias e no
compromisso da sociedade com a educação dos infantes e adolescentes. Ressalta-se ainda
mais a idéia de que a infância era a base na qual deveriam estar assentadas as idéias
progressistas e modernas. Desta forma, a parceria com as mães e educadores era fundamental
para que a infância pudesse ser corrigida antes que se tornasse um futuro problema para a
nação.
AMPARO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
(...) Amparar e educar a infância em nosso país é problema que se deve
encarar com seriedade. Para isto deve lançar mão de todos os instrumentos de
educação, inclusive tribunas e imprensas (O Acre, edição 374, p. 01, 30/05/1948).
Professores e inspetores, vois sabeis o que é educar e como educar. Sabeis
que vos cumpre formar homens para o futuro, homens que saibam viver felizes e
contribuir para o desenvolvimento do seu meio e felicidade do seu próximo. Sabeis
ainda que o exemplo é tudo na realização de tão nobre tarefa. Sede, pois, para
vossos alunos exemplo vivo de pontualidade no trabalho, de zelo, de organização, de
paciência e energia, de bondade, de entusiasmo e otimismo de tal sorte que vossa
atuação estimule reações elevadas e dignas (Idem, p.06).
Não se compreende hoje uma escola que não eduque, que não cultive boas
maneiras e boas atitudes, que não procure transformar a criança inconsciente em
personalidade segura de seus direitos e deveres (Idem, p. 08).
Ensino primário e educação social
(...) o homem é um ser naturalmente social. Ele não vive isolado da face do
planeta. Nasce no seio de uma sociedade já constituída, nela e por ela recebe todos
os meios que lhe asseguram a possibilidade de vida e progresso. E ainda com a
convivência com o seu semelhante na sociedade que o homem recebe indispensáveis
ao pelo desabrochar de sua individualidade. Por esta razão é também a educação
uma adaptação social. Adaptação não no sentido de que lhe empresta o naturalismo
de Rosseau ou de Locke, mas no sentido da limitação de liberdade e de
constrangimento à livre expressão individual. Porque viver na sociedade significa
respeitar os direitos alheios e sofrear os próprios sentimentos egoístas para não
entrar em atrito com o egoísmo dos outros. (...) Outra não deve ser a finalidade do
ensino primário cuja orientação tem por escopo o perfeito ajustamento social do
homem à ambiência. As instituições destinadas a ministrar o ensino chamado
primeiro grau não podem ser mais simples meios de alfabetização (O Acre, edição
883, p. 01, 22/08/1948).
Cultivo dos ideais humanos e formação religiosa. Convêm assinalar: êsse
esquema representa o ideal, o inatingível, portanto. Todavia, é de esperar-se que
mães e educadores ambicionem aproximar seus filhos e alunos, o mais possível,
dêsse ideal. Para tanto, seu trabalho deve ser no sentido do fazer, primeiramente, a
própria aproximação, depois tornar o ambiente familiar ou escolar um centro
64 Em seu discurso de posse denominado “Eu creio no Acre e nos acreanos”, o Major Guiomard dos Santos expressa
sua esperança de fazer do Território do Acre uma terra mais moderna e mais próxima do restante do país.
61
realmente educativo, tratar a criança segundo suas diferenças individuais que
apresentam o habituá-las ao estudo, ao trabalho, ao cumprimento dos deveres que a
vida lhes impõe (O Acre, edição 863, p. 04, 13/03/1948, grifos nossos).
É necessário, aqui, observar que a maior preocupação de Maria Angélica de Castro
não era com a infância enquanto envolta em brinquedos e brincadeiras, mas sim com uma
infância que simbolizava um futuro adulto, quiçá um adulto em miniatura em processo de
modelagem, que precisava ser “escolarizado”. Desta forma, a escola seria a principal
responsável pela guarda da fase da infância enquanto esta não se transformasse em uma fase
adulta produtiva e colaboradora no processo de desenvolvimento da Nação.
Este fato também pode ser observado constantemente nos discursos de Maria Angélica
de Castro, quando esta publica informações sobre como a criança deveria ser tratada em casa
e como o aluno deveria ser tratado na escola por mães e educadores, respectivamente.
Tomando emprestada a expressão de Alves e Garcia, em sua obra “A invenção da escola no
dia-a-dia”, tanto as mães quanto as professoras primárias precisavam ser “Maria: disciplinada
e disciplinadora”65
. A forma como escreve traz uma sensação de que se tratam de duas
pessoas diferentes que ocupam o mesmo corpo.
Tem-se neste período da educação nacional uma preocupação com a escolarização da
infância e sua permanência na escola. Logo, para além de construir escolas, fazia-se
necessário criar mecanismos para que esta permanecesse nela. Tem-se neste contexto uma
ampliação de atividades lúdicas no interior da escola, principalmente excursões, cinemas
educativos e bibliotecas escolares. Além disso, a assistência à criança pobre ganha uma maior
ênfase.
No Território do Acre, a questão da distribuição da renda per capita era bastante
caótica, posto que a grande maioria da população fosse formada por ex-seringueiros, arigós e
ex-combates da Revolução Acreana. Assim, poucas eram as crianças que tinham condições de
ir e manter-se na escola. Para sanar este problema, o Major Guiomard dos Santos, em parceria
com a sociedade civil, apresenta políticas públicas voltadas para a infância pobre.
O jornal O Acre retratava que o Major Guiomard dos Santos preocupava-se com a
“infância necessitada”66
e, devido a isto, criou um grupo de assistência social para que esta
65 Uso a expressão Maria no sentido de compactuar da idéia de que esta foi um modelo perfeito de mulher apresentada pela
Bíblia Sagrada Cristã.
66Este termo é utilizado em um dos artigos escritos por Maria Angélica de Castro e publicado o jornal O Acre, edição 832,
do dia 10 de agosto de 1947.
62
pudesse ser assistida.
O serviço de assistência social, pela importância de seus objetivos, deve fazer
parte integrante de uma administração racional e eficiente, entrando para o ról das
medidas governamentais, pois que administrar é promover o bem público, sob o
aspecto humano, social e cívico. É nesta ordem de idéias que o terceiro se sobreleva
os demais. Mas, assistir civicamente um povo é amparar precipuamente a infância e
a maternidade, base de uma formação da nacionalidade (O Acre, edição 832, p. 02,
10/08/1947).
É notória a preocupação com a infância enquanto “futuro da nação”. O jornal O Acre,
por ser um mecanismo de difusão de informações, favoreceu para que algumas concepções
sobre higiene67
associada à infância, estágio primeiro da vida, circulassem em meio à
sociedade acreana. É neste mesmo ano que é criada, no Território do Acre, a Sociedade
Pestallozzi.68
Segundo Ferreira (2004)
Na medida em que o século XIX se aproximava do seu fim, a criança parece
merecer uma maior atenção médica, tendo-se mesmo levantado outras preocupações
sobre a proteção da infância, que prenunciavam já mudanças institucionais e mentais
que se desenvolveria no século XX. (...) A higiene contempla agora também
abordagens que apelam para intervenção de apoio público (FERREIRA, 2004
p.101).
Assim, as práticas educacionais estavam sempre associadas às idéias de higiene, e
estas, por sua vez, estavam presentes nos discursos educacionais constantes no jornal O Acre.
Logo, a escola deixa de ser apenas um lugar de instrução e passa a oferecer uma educação
integral orientada para um determinado fim, qual seja, a implantação de uma educação de
qualidade no Território do Acre.
Nas edições do ano de 1948 é possível ler 12 artigos referentes à educação física. Os
artigos estão dispostos sempre na terceira ou última página do jornal e não estão numa coluna
específica.
67
No decorrer das pesquisas foi possível encontrar um manual de higiene primária. É um livro de brochura em
tamanho pequeno, onde constam alguns cuidados que o professor deve ter com a higiene dos alunos e
orientações básicas de primeiros socorros. Por não ser foco principal desta dissertação, a questão de higiene
primária na escola será tratada em outra oportunidade. 68 De acordo com a notificação presente na edição 832 do jornal O Acre, a Sociedade Pestallozzi é uma entidade que foi
criada com o intuito de ajudar a infância pobre a freqüentar e permanecer na escola, oferecendo-lhe fardamento, material
escolar e merenda. Segundo o jornal “a Sociedade Pestalozzi do Acre, cujo objetivo é proporcionar aos pobres as mesmas
oportunidades de que desfrutam os ricos e remediados para educação dos filhos”.
63
Educação Física
(...) Duas coisas, porém, devem ser lembradas para que a ginástica pelo rádio
satisfaça a precípua da educação física que é a saúde (O Acre, edição 886, p. 4, de
22/08/1948)69
.
O discurso da prática de ginástica na escola passa a ser, neste contexto, um
componente importante onde os códigos gestuais de boas maneiras podem ser cobrados
ininterruptamente. Segundo Soares (1998), a ginástica é constitutiva dessa mentalidade por
seu caráter ordenativo, disciplinador e metódico, elementos estes que precisavam ser
incorporados ao cotidiano das escolas.
Nota-se nesta concepção de criança e de educação que os princípios escolanovistas
presentes nestes discursos pautam-se num processo de aprendizagem onde todo esforço se
concentrasse na formação ou modificação da conduta humana. Cabe ao professor, portanto,
dirigi-lo, encaminhá-lo e estimulá-lo no decorrer de sua aprendizagem. Para além disso,
buscar a incorporação das noções de higiene no contexto escolar de forma a refletirem em
contexto familiar. Conforme Fernando de Azevedo, é concordar que “a escola, a fim de
preparar o alumno para o trabalho, deve dar-lhe hábitos hygienicos, despertar e desenvolver o
sentido da saúde e enrijar a sua resistência, para que elle encontre, na sua própria vitalidade e
na hygiene do trabalho, a alegria de viver”70
(sic).
os sujeitos responsáveis pela institucionalização da escola e pelo
desenvolvimento de processos de escolarização nas sociedades ocidentais, não
apenas produziram discursos e instituições, mas sobretudo acabaram por produzir a
própria infância como fenômeno social. Decorre desta constatação que uma das
faces do estudo da história da infância é o estudo da história dos discursos e das
instituições que dela que dela se ocupam, particularmente a escola (FARIA FILHO,
2002, p. 35)
Logo, medidas foram tomadas no intuito de educar o jovem e a criança segundo a
nova ordem social que se instalava na direção do discurso da modernidade. Afinal de contas,
o objetivo passa a ser inculcar um conjunto de normas e condutas que pudessem fazer da
69 Há nas páginas do jornal O Acre algumas notas sobre Educação Física onde ficam apresentadas as vantagens da atividade
física para a vida humana. Especificamente nesta matéria há uma difusão de um tipo de ginástica oferecida pelo rádio. A nota
apresenta que a ginástica pelo rádio já é algo bastante difundido no Rio de Janeiro e que as professoras das escolas primárias
daquele estado tem aproveitado estas atividades em suas aulas. Em nenhum jornal analisado nesta pesquisa foi possível
verificar se este programa radiofônico aconteceu no Território do Acre. O primeiro jornal a trazer notícias específicas sobre
Educação Física começa na edição 881 e a última encontrada está na edição 892. 70
Cf. AZEVEDO, Fernando de. Novos caminhos, novos fins. São Paulo – SP, Companhia Editora Nacional,
1931- p.52
64
infância de hoje o adulto produtivo do amanhã. Não mais por meio de castigos corporais, mas
sim por meio de medidas vivas, flexíveis e dinâmicas. Afinal de contas,
A verdadeira educação consiste muito mais num preparo adequado das almas
para que nelas, por impulso próprio e natural possa crescer e se desenvolver a
inteligência de cada criança, no respeito do ritmo e dos interesses próprios de cada
um em particular (CASTRO, O Acre, edição 801, p. 03, 12/01/1947).
Um dos exemplos bem explícitos deste objetivo pode ser visto nas excursões que os
jovens realizavam no decorrer no ano letivo. Todas tinham o objetivo de aproximar os jovens
alunos de atividades práticas para que os mesmos pudessem vivenciar na prática uma das
atividades econômicas do Território. Somente a título de exemplo, podemos citar a excursão
dos alunos do Colégio Acreano, cuja informação acerca do “passeio”71
foi registrado pelo
jornal O Acre:
Excursão dos alunos do Ginásio - Conforme praxes estabelecidas em anos
anteriores, os alunos da 3ª e 4ª série do Ginásio Acreano, tendo a frente o diretor do
estabelecimento, deram início, domingo último, à série de excursões de caráter
instrutivo, que pretendem realizar no corrente ano, às diversas zonas do município
de Rio Branco. O local escolhido para a última excursão foi o engenho
Independência. Na colônia Engenho Independência puderam apreciar dentre outras
coisas, a nova partida de gado holandês adquirida pelo governo territorial, assistindo
ao mesmo tempo, a uma brilhante exposição feita pelo dr. Valério Magalhães sobre
a finalidade da introdução do gado holandês nos rebanhos do Território. Antes do
regresso dos estudos à nossa capital foi servido um copo saboroso de caldo de cana
(O Acre, edição 976, 14/05/1950) 72
.
As excursões eram obrigatórias a todos os alunos e deveriam ser organizadas segundo
as sugestões do programa de ensino. Este tipo de atividade possibilitava aos alunos um maior
contato com a realidade social acreana, principalmente aquelas realizadas nas colônias
agrícolas, na estação experimental e nas instituições de assistência social acreanas.
Além disso, estas excursões possibilitavam à sociedade testemunhar a vida escolar
uma vez que os alunos saiam do interior da escola para ter um maior contato com a sociedade.
Em um dos artigos publicados, é possível perceber como a senhora Maria Angélica de
71 A palavra passeio encontra-se entre aspas por acreditar que tais excursões eram vigiadas e controladas por professores que
previamente elaboravam um plano de aula a ser executado. Logo, não tinham nada a ver com passeios onde as palavras
descontração e espontaneidade são palavras de ordem.
72 Cf. Publicação do jornal “O Acre‟ do dia 14 de maio de 1950.
65
Castro concebia a responsabilidade moral de educar a infância:
Castigar para corrigir73
(...) Com efeito, observa Claparéde: 'Certas crianças suportam castigo e
humilhações, sem padecimento demasiados. Como uma espada de aço bem
temperada, elas se amolgam sem quebrar, reerguendo-se novamente, desde que
cesse o obstáculo. Outras, menos flexíveis, dobram-se e caem na neurotonia ou,
excessivamente frouxas, ocultam as cicatrizes e permanecem deformadas. Um
terceiro grupo é constituído pelos rígidos. Não se dobram e não se quebram.
Insurgem-se contra a regra que se lhes quer impor; são os indisciplinados, os futuros
desordeiros; ou então se esquivam, refugiando-se em um mundo de ilusões, criado
segundo as conveniências pessoais: são os mitômanos de toda espécie, os histéricos,
os delirantes (CASTRO, O Acre, edição 801, p. 03, 12/01/1947).
No que se refere ao disciplinamento, Maria Angélica de Castro adota a distinção feita
por Claparéde: as crianças obedientes, as que tentam burlar a ordem mas são contidas e, por
fim, aquelas que estão completamente fora da ordem. A estas últimas restavam senão os
castigos físicos e o estereótipo de que seriam os futuros desordeiros da sociedade. Isso deixa
claro que ela compactuava com a idéia de que seria por meio da ordem e da disciplina que a
criança, no futuro, poderia colaborar com o progresso da Nação. E é este tipo de infância que
o Território do Acre precisa.
Nassif, apud Claparéde, afirma que “quando trabalhamos pelo indivíduo,
desenvolvendo suas capacidades, valorizando suas forças e riquezas naturais, estamos
sobretudo trabalhando pela sociedade” (NASSIF, Boletim do CDPHA, n.19, p.44).
A idéia de educar a infância como prevenção de problemas futuros esteve presente em
todo o Território do Acre, principalmente no que diz respeito a transformar crianças em
alunos. Falava-se, à época, que educar os alunos era de responsabilidade do educador e a
criança, de responsabilidade da mãe. Dois seres socialmente estabelecidos em um só. “O
importante é que seja orientada no sentido de um esforço consciente e produtivo: levada a
querer fazer o que faz (notem bem: querer o que faz e não fazer o que quer)”. (Idem, p.06)74
Uma infância ora vigiada pelos pais, ora pelos educadores. E ambos controlados por
um sistema educacional que visava a incorporar na cultura local a idéia de que era preciso
controlar e vigiar a infância para que houvesse um grande desenvolvimento econômico, social
e cultural nacional.
73 O artigo denominado “Castigar para corrigir” foi escrito por Maria Angélica de Castro, então diretora do Departamento de
Educação e Cultura, e foi publicado primeiramente na edição 801, nas páginas 03 e 06, na seção Cortes e Recortes, no dia
01/01/1947 e finalizado no dia 12 de janeiro de 1947, na edição 803.
74 O artigo “Castigar para corrigir começa na página 03 e fica concluído somente da p. 06. A grande maioria dos artigos
dispostos no jornal O Acre estão sempre organizados em diferentes páginas e, até mesmo, em diferentes edições. Este artigo,
em especial, continua numa próxima edição.
66
Segundo Foucault, apud Bochilia (2004),
para dar sentido a essas ações, a escola necessitava acionar outros
mecanismos capazes de não só legitimar as suas práticas e auxiliar na uniformização
e na melhoria da gestão do território, mas, sobretudo, de promover a internalização
das regras aprendidas (FOUCAULT, apud BOCHILIA, 2004)
Desta forma, o tempo na escola não seria suficiente para conter os “males da infância”,
que, segundo Maria Angélica de Castro, eram os dengos, choros, gulodices, manhas e a
desobediência à ordem socialmente estabelecida.
Ordenar as condições do lar de acôrdo com as possibilidade do chefe, as
necessidades dêste e dos demais membros da casa e fazer cumprir a regulamentação
estabelecida, será habituar as crianças à ordem e à disciplina indispensável ao
progresso social e particular. Ter-se horário para deitar e levantar, para se
alimentar, para o estudo, os brinquedos e o trabalho, para o banho, enfim, para todas
as exigências da vida, é princípio que economiza energias e harmoniza os
entendimentos domésticos, com vantagens para a boa disposição do espírito e
cultivo de bons hábitos e atitudes (CASTRO, O Acre, edição 801, p. 06, 12/01/1947,
grifos nossos).
Nota-se uma preocupação com a ordem e a disciplina tanto nos aspectos pessoais
quanto nos aspectos sociais, de modo a tornar tais elementos algo habitual à rotina infantil.
Todos esses fatores, associados ao fato de ser a infância um período inicial da vida,
incentivavam a concepção de que o cultivo de bons hábitos e atitudes nas crianças hoje,
favorecia o progresso social e particular no futuro.
Para Foucault (1987), a disciplina é uma espécie de poder, uma forma para exercê-lo,
que abarca todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de encaminhamentos, de níveis de
aproveitamento, de alvos; ela é uma física ou uma anatomia do poder, um procedimento.
Como a palavra progresso, como o vocábulo civilização, não há outro objeto
que mais dele deva reclamar a atenção e mais preocupar os homens que a educação
da mocidade.(...) Educar uma vida humana não é só saturá-la de saber, é, mais que
tudo, promover o progresso do homem. O progresso é a educação da humanidade,
como a educação é o progresso do homem (...) Bem vedes, queridos leitores, que
sem educação, é impossível, é quimérico, é utópico o querer-se a verdadeira
civilização, as quais se unem e se completam no obscuro necessário de paz. Porém,
a fim de ser completa, a educação, que vimos ser a grande palavra do momento, ela
deve ser moral e cristã. Não educação sem moral (CASTRO, O Acre, edição 801, p.
06, 12/01/1947).
67
É em busca deste cultivo de bons hábitos e atitudes que favorecem o progresso social e
particular nas crianças, que o jornal O Acre passa a divulgar que era necessário que elas
compreendessem que os ensinamentos oferecidos pelos adultos são necessários para seu
desenvolvimento pessoal, para seu bem. Da mesma forma, tais ensinamentos não deveriam
estar pautados em castigos físicos dados pelos pais ou no ambiente escolar, mas sim em
atividades que levassem os sujeitos a olhar menos para si mesmos e mais para os interesses
comuns da sociedade.
As crianças participam das relações sociais, este não é exclusivamente um
processo psicológico, mas social, cultural, histórico. As crianças buscam essa
participação, apropriam-se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e
lugar, porque as relações sociais são parte integrante de suas vidas, de seu
desenvolvimento (KUHLMANN JR., 1998, p.31).
Nesse sentido, uma posição exemplar e educativa por parte dos pais e dos educadores
faz-se necessário àqueles que se recusam a seguir ordens e rotinas disciplinadoras75
. Para
esclarecer as vantagens do bem cuidar da infância, o jornal apresenta alguns requisitos que um
“homem bem educado” deve cultivar:
a) Correção e precisão da linguagem;
b) Modos finos e corteses;
c) Capacidade e hábito de reflexão;
d) Capacidade de desenvolvimento;
e) Eficiência na atividade que desenvolve76
.
Segundo o artigo, estes cinco elementos são fundamentais para a formação da
personalidade íntegra, qual seja, “a sólida cultura moral, estética e cultural; moderação nos
juízos e opiniões, virtudes cívicas e cultivos dos ideais humanos e formação religiosa”.
Os itens supracitados revelam que o homem bem educado não poderia, de modo
algum, ficar à margem dos costumes locais, bem como deveria estar sempre disposto a
adaptar-se às mudanças em prol do próprio crescimento e do desenvolvimento da nação.
Com base na análise dos requisitos necessários para a formação de um homem bem
educado, é possível identificar que tais elementos passam a ser vistos na sociedade como
características de homem educado. Logo, saber ler, escrever e contar já não era suficiente para
75O jornal faz referencia às ordens dos pais e educadores, bem como as rotinas impostas às crianças, dentro de casa e na sala
de aula. 76Segundo Maria Angélica de Castro, tais elementos necessários à formação de um homem bem educado foram retirados do
livro Filosofia da Educação, de Aguayo.
68
definir um homem enquanto sujeito educado.
O homem bem educado precisava ter correção e precisão na linguagem, posto que o
domínio da oratória simbolizasse um indivíduo bem instruído e com conhecimento suficiente
para falar em público. Logo, para estar em público precisaria possuir modos finos e corteses
que o diferenciassem dos demais indivíduos que não freqüentavam a escola. Desta forma,
seria possível diferenciá-lo dos demais homens mal-educados77
que circulavam na sociedade
acreana.
O jornal ainda dispõe que é de fundamental importância o papel do educador. Posto
que este não precise agir como “tirano”, mas como conselheiro e amigo, porém sem deixar
bem clara sua posição superior. O educador, antes de tudo, deve deixar claro ao aluno sua
posição hierárquica, bem como a função dele no espaço escolar. Nota-se, explicitamente, que
o papel do professor era de fundamental importância para que o discurso do progresso por
meio da ordem fosse concretizado. Não mais o professor que utiliza castigos corporais para
impor sua autoridade, mas sim aquele que é
um elemento dynâmico, creador e disciplinador de actividade e energias e
capaz de transmitir um ideal às novas gerações, e, exercendo sobre ellas uma
pressão poderosa, contribuir para a transformação, em determinado sentido, do meio
para qual se creou (AZEVEDO, 1931, p 34). (sic).
Ainda no propósito de transformar a criança em um futuro “homem bem educado”, o
jornal apresenta que esta preocupação deve começar em casa e bem “antes que as crianças
comecem a fazer uso da razão78
Como corrigir as crianças antes do uso da razão: a educação, sabemos, faz-se
paripasso com a vida e bem assim a correção. Os defeitos, que a criança manifesta
desde cedo, devem ser reprimidos logo. Qualquer atraso acarreta dificuldades
insuperáveis. Já nos primeiros meses de idade, a criança pode mostrar-se caprichosa.
Muitas vezes chora sem motivo plausível, apenas para arrancar mimos de
fraqueza maternal. Satisfazer tais caprichos é iniciar a deformação do caráter,
o estrago de uma personalidade (CASTRO, O Acre, edição 803, p.06, 12/01/1947,
grifo nosso).
A meu ver, há uma contradição nesta proposta de “corrigir as crianças antes do uso da
razão”. Se ela não sabe fazer uso ou não faz uso da razão, como poderia intencionalmente
77 Uso a expressão homens mal-educados para falar daqueles que não freqüentaram a escola e, por isso, não possuem os
valores inculcados pela escola em sua conduta social.
78Esta temática sobre como os pais devem proceder com as crianças recém-nascidas, bem como com aquelas bem pequenas
que não têm idade escolar está escrito no jornal O Acre do dia 19 de janeiro de 1947. É uma continuação do artigo publicado
na Edição 803 no dia 12 de janeiro de 1947, na página 06.
69
chorar sem motivos com a intenção de “arrancar mimos maternos”? Se há intencionalidade,
logo, ela sabe usar a razão para conseguir algo que quer. A figura da criança fica associada à
idéia de um ser irracional que precisa ser contido urgentemente em seus ímpetos infantis.
Comportamentos que fogem às regras sociais e que se diferem dos comportamentos dos
adultos, logo precisam ser exterminados.
O artigo ainda faz referência ao papel da mãe neste processo de formação do homem
caracterizando seus carinhos maternos como responsáveis diretos pela “deformação do caráter
e estrago da personalidade”79
. O carinho era considerado um sentimento capaz de destruir
uma personalidade e deformar o caráter da criança. Prossegue apontando os piores defeitos
que acometem as crianças quando estas estão maiores: “gulodice, cólera, desobediência,
vaidade, etc.”. E, ainda, informa aos pais como eles podem estar corrigindo tais defeitos.
Uma correção ligeira poderá conter essas desordens, por exemplo, recusa
formal da guloseima solicitada, privação de um brinquedo ou de um carinho;
obrigação de ficar quieta num canto ou de ir mais cedo para a cama;
humilhação de tomar só a refeição, etc. Penalidades devem ser aplicadas tendo em
vista a natureza da falta e o desenvolvimento da criança. É que na jurisprudência
doméstica, como na jurisprudência civil, não há culpas a expiar, mas culpas a
corrigir. É preciso, no entanto, que a criança perceba que é inútil chorar,
resistir ou insistir, se dela se quer obediência pronta e completa.(Idem, p.06).
Ao fazer referência ao papel masculino – o pai – no seio familiar, o jornal O Acre não
o aponta com responsável pela educação direta dos filhos, mas como modelo a ser seguido
pelos mesmos. Compete ao pai servir de exemplo, de modo que o filho possa espelhar-se
durante o seu processo de desenvolvimento pessoal.
O EXEMPLO DO PAI – O pai deve saber que do seu comportamento
depende em grande parte o futuro dos filhos. (...) Pais divorciados, alcoólatras,
anormais, pais sádicos e egoístas, pai nervoso, a mãe nervosa, são figuras que
desfilam aos nossos olhos como criaturas perniciosas, causando nos filhos
anormalidades, muitas vezes irremediáveis. Precisamos lembrar que o
comportamento anormal dos pais tem ação maléfica sobre a prole” (O Acre, Coluna
79
A expressão “deformação do caráter e estrago da personalidade” é uma expressão utilizada por Maria
Angélica de Castro em seu artigo denominado “Castigar para corrigir”, publicado no jornal O Acre no dia
12/01/1947, p.06.
70
Cortes e Recortes, p. 06, 09.10.1949).
A infância apresentada nas páginas do jornal O Acre, por meio da Maria Angélica de
Castro80
, é uma infância deformada que precisa ser urgentemente modelada pelos adultos para
que não se torne problema futuro para a sociedade na qual está inserida. Uma infância
propícia a fracassar caso os adultos não tomem atitudes preventivas para que seu caráter não
seja deformado com os “mimos familiares81
”.
O COMPLEXO DO PAVÃO – Hoje vamos ocupar-nos de um erro muito
comum na educação da criança. Erro que observamos todos os dias, que se repete a
todo momento sem que se considere a sua repercussão na alma infantil. Referimo-
nos aos elogios feitos a criança, elogios que visam seus dotes físicos ou
intelectuais.(...) Os adultos devem elogiar são as boas ações das crianças, elogiar-
lhes o cumprimento de suas obrigações e estimular-lhes a iniciativa. Nunca,
entretanto, referir-se aos dotes que a criança possui, o que só aumentará o amor a si
próprio, o narcisismo, o que tantas conseqüências más acarreta à vida do homem.
Elogiar a ação e nunca a pessoa. (...) Sigamos os conselhos da Higiene Mental que
visa eliminar os sofrimentos morais e traçar normas para a vida em sociedade,
formando personalidade harmônica, ajustadas em duas palavras: pessoas felizes
(CASTRO, O Acre, p.03, 09.10.1949).
Nota-se, com base na leitura dos artigos, que a infância é retratada como uma fase da
vida muito propícia a erros, falhas e imperfeições que podem danificar seu futuro enquanto
cidadão capaz de promover o desenvolvimento da nação. Logo, o adulto, num pedestal de ser
isento de cometer ou de ser acometido pelos mesmos erros que as crianças, é considerado a
pessoa ideal para “moldar” a infância, principalmente as mães e os educadores.
Nesta concepção de infância, a escola é vista como lócus privilegiado onde a criança
terá num tempo e espaço uma oportunidade para criar hábitos de condutas por meio de um
trabalho disciplinador que ela não alcançará em casa.
A educação, não é mais preciso dizê-lo, pois seria sediço, começa nos lares
bem formados, para depois se completar por efeito da obra constitutiva da escola. À
mãe – a primeira e mais eficiente educadora – compete desde o primeiro
desabrochar da criança, ir-lhe incutindo as noções necessárias para a formação da
mentalidade. Depois, então, entra em ação o trabalho da escola, a qual incumbe
80Todos os artigos analisados nesta pesquisa foram escritos por Maria Angélica de Castro numa coluna denominada Cortes e
Recortes, enquanto esta era diretora do DEC. 81
Expressão utilizada por Maria Angélica em seu artigo Castigar e Corrigir.
71
ensinar as noções, dando-lhes um fundamento sólido, sobre o qual se possa basear
os conhecimentos (Idem).
Tanto a mãe quanto a educadora passam a ser apresentadas pelo jornal O Acre como
as agentes principais responsáveis pela infância. Nota-se um pacto entre família e escola num
objetivo único de desenvolver a personalidade do sujeito (criança) por meio de sua inserção
na vida escolar. Afinal de contas, “o período da infância deve ser preservado em todas as suas
etapas.”82
Visando a inculcar nos educadores a idéia de que eles eram os principais responsáveis
pela educação da infância, juntamente com as mães, o jornal O Acre passa a publicar artigos
sobre como deve ser um bom mestre.
No artigo “Como se tornar um mestre”, é possível perceber que são ditadas as regras
para que um educador torne-se um mestre. O mestre ideal deveria mais do que ensinar a ler,
escrever e contar.
MESTRE IDEAL: trabalha pelo bem comum visando à elevação moral,
social e intelectual de um povo, é realizar obras de benemerência pública. Daí a
sublimidade da missão de mestre, sobretudo, quando orienta suas atividades pôr este
salutar pensamento: O bem é subida que não cansa.
Eis porque o mestre ideal pensando as responsabilidades e agindo com
fortaleza, prudência, decisão, iniciativa, energia, constância, justiça absoluta, chega
ao término de sua carreira sob as bênçãos de Deus e sorrisos de uma Pátria
agradecida, animado ainda de uma força íntima, não obstante os desgostos que lhe
marcaram as preocupações de cada dia consagrado ao trabalho escolar (...). (O Acre,
Seção Fatos Escolares, edição 914, p. 01, 13/03/1949)83
.
A idéia de mestre veiculada no jornal O Acre assemelha-se à concepção de sacerdócio,
de dedicação exclusiva à docência e à Nação. Em alguns momentos a imagem da professora é
apresentada como uma divindade de conto de fadas capaz de realizar feitios de magias
utilizando-se apenas de giz e saliva.
É tarefa da professora – Shearazada ou fada a despertar príncipes e
princesas encantadas adormecidos, apenas com essa varinha mágica – o giz e
com esses sinais de quiromancia – as suas palavras – não só fazer isso, como desde
82
Cf. Nassif, Lílian Erichsen. Boletim do CDPHA, n. 06, p.45.
83Artigo publicado na coluna Fatos Escolares, sem autoria, no dia 13 de março de 1949. Apresenta elementos que
caracterizam um bom mestre necessário à educação.
72
cedo, investigar, descobrir e orientar vocações84
(O Acre, 07.07.1949).
Neste artigo, , publicado no jornal O Acre do dia 07 de julho de 1949, o autor Júlio
Ferreira Caboclo faz uma crítica ao currículo implantado nas escolas brasileiras. Segundo ele,
as professoras deveriam agir como fadas que conseguem transformar príncipes e princesas
(alunos e alunas, respectivamente) em bons cidadãos. Shearazada, fada, príncipe, princesa
encantadas, adormecidos, vocações, são palavras que têm conotação de mágica, de
encantamento, e traz a idéia de que a escola é um espaço mágico onde uma fada (professora)
tem varinha mágica capaz de fazer o aprendizado mais encantador. Esta idéia de docência
vocacional esteve presente nos discursos de Maria Angélica de Castro sempre que a mesma
fazia referencia ao mestre ideal.
Fernando de Azevedo (1931) afirma que
ensinar ou educar é dar-se a si mesma.85
É, pois, antes de tudo, o artista que,
dominando, com seu próprio gênio, a technica pedagógica, renovando-a pela
sciencia e racionalizando-a, à vista das aptidões congênitas dos alumnos, lhes
imprime o caracter pessoal, tornando-a amavel e efficaz, pelo seu tacto subtil, pela
sua intuição vigilante e pela capacidade, mais do que educativa, de se transmitir a si
próprio. Elle deve, procurar conhecer, para applical-os, todos os seus recursos de sua
própria natureza, como procurou conhecer, para oriental-os e aperfeiçoal-os, a
natureza das creanças. Mas, sobretudo deve ser profundamente humano. Pois, nós
ensinamos como pensamos e sentimos, com toda nossa alma e todo nosso corpo
(AZEVEDO, 1931, p 57 sic).
É com base nesta concepção de mestre e de infância que o jornal O Acre veicula ideais
de que os pais devem mandar seus filhos para a escola para serem alfabetizados, posto que a
“única saída para o desenvolvimento da nação é a educação86
”.
Afinal de contas, tem-se todo um discurso de que é num lugar especializado com uma
pessoa preparada para educar que a criança deveria ser “entregue” para que assim se tornasse
“alguém na vida.”87
Sendo os pais, na sua maioria, analfabetos, tem-se em todo Território do
Acre uma difusão da idéia de que os filhos deveriam ser entregue as escolas para serem
84Este ideário acerca do professorado está presente no artigo intitulado “A pedagogia está errada” de Julio Ferreira Caboclo,
publicado no jornal O Acre no dia 07 de julho de 1949. Neste artigo o autor faz uma crítica ao currículo utilizado pela escola
para transmitir o conhecimento aos alunos. Segundo ele, a escola está apenas formando meros repetidores, papagaios que
decoram e não está oferecendo subsídios para que os alunos alcancem a própria emancipação no sentido gramsciniano. É
também uma crítica aos métodos utilizados para ensinar aos mais jovens. 85
Cf. AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos, novos fins. Companhia Editora Nacional – São Paulo, 1931.
86Esta idéia está presente no artigo intitulado “Educação e Nação” publicado no jornal O Acre do dia 07 de junho de 1949.
87 Tornar-se alguém na vida é uma expressão bastante utilizada pelos pais quando querem dizer que seus filhos precisam
freqüentar a escola para que no futuro consigam independência financeira.
73
educados e, consequentemente, serem capazes de promover o desenvolvimento econômico,
cultural e político da região acreana.
No Território do Acre buscou-se a legitimação de saberes, espaços e materiais
específicos ao ensino/aprendizagem, organização burocrática do tempo e horário escolar, bem
como a difusão da idéia de que os pais tinham por obrigação enviar seus filhos para o único
lugar capaz de promover o sucesso pessoal, a escola.
É com este conjunto de fatores, dentre outros, que gradativamente a disciplinarização
dos corpos dentro do espaço e tempos definidos foram criando sujeitos88
docilizados. Ora
valorizando algumas práticas, ora negando outras. Buscava-se conformar no Território um
modelo único de cidadão produtivo à Nação.
É a partir desta concepção de impresso que Maria Angélica de Castro passa a escrever
artigos para o jornal O Acre que serviriam como suportes pedagógicos, orientações ao
professorado local, enfim, um veículo representativo de uma concepção educacional que
visava dar legitimidade às idéias pedagógicas da época. Além disso, acabava delimitando o
espaço de atuação criativa e espontânea do fazer educacional de professores e alunos. Isto
pode ser retratado em um de seus artigos denominado “O Mestre Ideal” .
Neste artigo Maria Angélica de Castro faz uma listagem de comportamentos e atitudes
de um bom mestre segundo sua concepção. Para ela, o bom mestre é aquele que consegue ser
prudente, que é capaz de se manter justo perante as intempéries da sala de aula, sem com isso
perder a serenidade, que tem comportamento fora de sala acima de qualquer comentário que
possa denegrir sua imagem de educador. Enfim, o bom mestre é alguém que se assemelha a
um sacerdote, o qual deve ser completamente voltado à sua profissão. E, ao final dela, ainda
consegue manter-se agradecido e animado com a aposentadoria recebida.
Segundo o artigo, o bom mestre tem comportamento exemplar fora e dentro da escola
e dedica-se à profissão por amor e vocação. Percebe-se novamente a idéia de que para tornar-
se professor é preciso ter vocação. Não que isto seja o único elemento para que alguém seja
professor, posto que fossem oferecidos no Território do Acre os cursos de aperfeiçoamento
para o professorado local. Mas fazia-se necessário que o “dom da docência” estivesse
presente em suas práticas.
Maria Angélica de Castro utilizava o impresso como uma espécie de mecanismo de
regulação e modelagem do discurso e da prática pedagógica do professorado local. Afinal de
contas,
88Refiro-me a sujeito na acepção foucaultiana.
74
a vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre
eles um poder – mestre-escola, chefe de oficina, médico, psiquiatra, diretor de prisão
– e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de
constituir, sobre aqueles que vigia, a respeito deles, um saber (GODINHO, 1995.
p.71).
Trata-se de uma forma encontrada por Maria Angélica de Castro para aproximar os
docentes de suas orientações e concepções pedagógicas acerca da educação a ser oferecida
nas escolas. Além disso, é possível identificar certo controle sobre os professores de forma
vigilante e contínua, onde busca-se a transformação das práticas docentes por meio do tríplice
aspecto do panoptismo foucaultiano: vigilância – controle – correção.
Desta forma é possível ver o impresso sendo utilizado como um material no qual é
possível verificar o modo como o ensino deveria ser pensado e como estava sendo
(re)organizado pelos responsáveis pela educação na década recortada para este estudo.
Através de uma análise detalhada dos artigos voltados para a educação, é possível
afirmar que o discurso presente no jornal O Acre ia na direção da necessidade de construir a
nacionalidade brasileira através da escolarização da infância.
A idéia da transferência do processo de aprendizagem para a instituição
escolar é um fator distinto da existência do sentimento moderno da infância, do seu
prolongamento. A transformação da criança em aluno seria ao mesmo tempo a
definição do aluno como a criança, nesse processo em que o critério etário torna-se
ordenador da composição e da seriação do ensino nas classes escolares
(KUHLMANN, 2004, p.117).
Havia uma preocupação no sentido de conter a infância nas falhas naturais de sua
idade, a saber, choro, dengos, desobediência, dentre outros. O futuro cidadão deveria ser
aquele capaz de favorecer o desenvolvimento e o progresso próprio e da nação.
Em seus ideais, apresentados no jornal O Acre, Maria Angélica de Castro faz sempre
referência à preocupação com a infância. Para ela, sem educação o individuo é apenas um
animal como outro qualquer que vive solto na natureza.
(...) Sem a alfabetização não existiria nem a cidade de Rio de Janeiro, nem
75
qualquer outra como também não existiria o Brasil, nem nada do que nele se
contem. Também sem alfabetização, os homens seriam apenas animais como os
outros que vivem nas florestas, de frutos ou da caça e pesca. O alfabeto levantou
inteira toda a civilização humana (...) (CASTRO, O Acre, edição 922, p.04,
10/04/1949)
Nota-se neste discurso a idéia de que a educação seria a solução para todos os males
da sociedade. Tem-se a romântica ilusão de que por meio da educação seria possível construir
uma nação pautada no progresso e na democracia que começaria a partir da escola, sendo o
alfabeto uma ferramenta, uma mola propulsora do desenvolvimento da nação89 e do sujeito
em si.
A escola é a forja da civilização. É o berço da Pátria. É o crisol do sentimento
cívico. É o cadinho em que se fundem todos os elementos advindos à nossa
população. Portanto, o novo fato da civilização precisa consistir em que em qualquer
povoação, cidade ou vila, as escolas agora sejam o principal edifício local, a
principal preocupação dos cidadãos. (...) O grande fato da história nacional de ora
em diante precisa ser a preocupação local pela instrução, a iniciativa de todos os
elementos na vida interior no afã de guiar os menores brasileiros para uma vida de
estudo, de esportes sadios, de estímulos de todas as energias renovadoras da
população (O Acre, edição 922, p. 04, 10/04/1949).
O artigo ainda prossegue fazendo um comparativo entre a união de todos a favor da
educação e a importância das pequenas gotas d'água no fortalecimento de um oceano. O
comparativo visa a despertar no leitor a importância que cada um tem neste processo de
educação para todos. Desperta no indivíduo a idéia de que, junto aos demais, este pode tornar-
se uma força maior: a união faz a força e esta por sua vez movimenta toda uma nação.
Os grandes rios para serem caudais imensas que deságuam no oceano
necessitam de milhares de afluentes que lhes trazem a sua contribuição. Assim a
Pátria brasileira para ser uma nacionalidade forte e vigorosa, necessita que em cada
localidade, em cada vilarejo, em cada município, se providencie eficientemente para
encaminhar todos os menores a uma sadia formação intelectual e física, desviando-o
da vida em que se lhes despertam os piores vícios (Idem).
89O artigo intitulado “A nova civilização brasileira” é de autoria de Mario Pinto Serva e foi publicado no dia 10 de abril de
1949, na edição 922, na página 4. Para além desse artigo não consta em nenhum dos jornais lidos para elaboração desta
dissertação outro artigo publicado por ele e nem tampouco foi possível localizar seu papel social no Território do Acre.
76
Segundo Coutinho, apud Foucault (1995), as funções das instituições de seqüestro90
são sempre as mesmas, independentemente delas serem penais, industriais, pedagógicas ou
médicas. Segundo Foucault, toda instituição de seqüestro objetiva controlar o tempo dos
indivíduos, posto que este tempo precisa ser equipado ao seu tempo de trabalho, de vida;
objetiva também o controle dos corpos, uma vez que em todas as instituições de seqüestro há
a proibição de atividades sexuais e uma obrigatoriedade pela higienização dos corpos. Esta
adequação dos corpos às normas das instituições está sempre associada a castigo e/ou
suplício.
Foucault ainda aponta que nestas instituições é notória uma criação de um novo tipo
de saber em afirmação ou em negação ao saber que está inculcado no indivíduo que nela
estiver. Logo, o que se busca é dar uniformidade às práticas escolares de modo a formar o
cidadão intelectual, sadio e produtivo do amanhã.
Foi na busca desta formação intelectual sadia e física que a educação acreana passou a
implementar, desde 1947, o cinema como meio educacional. Em Rio Branco, o cinema
educativo funcionava no auditório do Instituto Nossa Senhora de Nazaré. Nesse contexto, a
implantação de cinemas educativos, bem como de outras manifestações artísticas, simbolizava
uma oportunidade de aproximar os alunos da beleza e da estética, além de ter um cunho
pedagógico usado a favor do trabalho docente.
Segundo o jornal O Acre, foi o Major Guiomard dos Santos que trouxe à educação
acreana a idéia de usar o cinema como recurso pedagógico a favor da aprendizagem. Desta
forma, esperava-se concentrar a atenção dos alunos num só foco à medida que este se
concentrava nas imagens apresentadas nas telas do cinema. Os primeiros filmes apresentados
no cinema educativo foram doados pelo próprio governador do Território.91
Além dos cinemas educativos, as bibliotecas escolares também eram um grande
atrativo das escolas acreanas. No dia 26 de junho de 1949, o jornal O Acre publica, na coluna
Fatos Escolares,92
a quantidade de consultas realizadas pelos alunos no mês de maio do
90 Instituições de seqüestro são aquelas que reclusam o indivíduo em seu interior por um determinado tempo e impõem a este
um norma peculiar a seu funcionamento. A saber, hospitais, presídios, escolas, hospícios.
91Tal notícia pode ser encontrada no jornal O Acre do dia 08 de maio de 1949, na coluna denominada Fatos Escolares.
Segundo o artigo, os filmes doados pelo Major Guiomard dos Santos foram: Hawai, As crianças da Holanda, Flowers at
works, O progresso das Comunicações, As raízes das plantas, As crianças da China, Borboletas, As crianças da Suíça e O
cultivo de laranjas. 92
A coluna Fatos Escolares fica disposta sempre nas terceiras ou quartas páginas do jornal O Acre. Era sempre utilizada para
apresentar notícias e informes acerca da educação acreana, principalmente dados estatísticos, notas e nomes de alunos
aprovados/reprovados, bem como convocação de professores, diretores e inspetores de ensino. No decorrer desta pesquisa
foi possível encontrar a coluna Fatos Escolares no ano de 1949, precisamente no primeiro bimestre do corrente ano. A
partir de então todos os fatos escolares eram publicados especificamente nesta seção e, na sua maioria, assinados por
77
corrente ano. Segundo a reportagem, a quantidade de pesquisas realizadas pelos alunos davam
conta de demonstrar que o espaço da biblioteca era mais freqüentado pelos alunos do que os
espaços onde ficavam os brinquedos. Fato este que o artigo justifica ressaltando a organização
com que estes espaços estão dispostos aos alunos. Havia um espaço propício e um farto
material capaz de proporcionar o desenvolvimento de atividades de grande valor social, além
de favorecer o intercâmbio entre as diversas turmas e unidades escolares.93
O pacto que se buscava estabelecer com a família também foi algo que Maria Angélica
tentou, utilizando-se do impresso como mecanismo de convencimento do outro, como
mecanismo de difusão de suas idéias pedagógicas. Entretanto, ao analisarmos a coluna
denominada Fatos Escolares, precisamente a que foi publicada no dia 27 de fevereiro de 1949,
edição 912, p. 01, será possível perceber que havia uma busca pela parceria com pais no
sentido de convencê-los de que mandar seus filhos para a escola seria uma boa oportunidade
de vida. Entretanto, nem sempre esta concepção era bem aceita pelos pais no Território.
Afinal de contas, as crianças eram consideradas uma mão-de-obra a mais no sustento da
família, principalmente, os rapazes. Desta forma, mantê-los na escola simbolizava um
membro a menos na família a promover o sustento do lar.
A deficiência escolar pode também decorrer do aluno (estado orgânico
desfavorável, desenvolvimento mental muito abaixo do normal, mas o mais
deplorável dos males e talvez o mais comum é o que provém do desinteresse dos
pais pela situação dos filhos ou tutelados na escola. Pouco lhes importa se aprendem
ou não. Muitos entendem que o menor, enquanto menor, tem que trabalhar, depois
que se emancipar freqüentará uma escola noturna, outros argumentam
implicitamente: “nunca estive na escola e estou vivendo”. São tais incompreensões
que favorecem para que o analfabetismo, além de colocar o país em situação de
inferioridade, marque a pessoa de modo humilhante, pois nada deprime tanto o
indivíduo quanto a necessidade de se declarar analfabeto, na ocasião que devia
valer-se de sua cultura (O Acre, Fatos Escolares, edição 912, p. 01, 27/02/1949).
Visando a convencer os pais quanto à importância da escolarização, no projeto de
reorganização do ensino primário do Território do Acre, ficou estabelecido no Decreto nº 7,
de 28 de janeiro de 1949, que os pais passassem a pagar multas caso seus filhos fossem pegos
perambulando pela cidade nos horários que estes deveriam estar na escola.
A cada nova incidência, o valor da multa ia aumentando. Esta foi uma forma que o
Maria Angélica de Castro. 93Até o ano de 1949, havia no Território do Acre apenas 3 bibliotecas escolares, sendo uma instalada no Instituto Nossa
Senhora de Nazaré, outra no Grupo Escolar Presidente Dutra e uma no Grupo Escolar 24 de Janeiro. Cf. Jornal O Acre do
dia 26 de junho de 1949.
78
DEC encontrou de convencer os pais acerca da importância da freqüência escolar, bem como
para garantir a permanência dos alunos na escola. Afinal de contas, para que os mesmos
incorporassem o novo modelo educacional que se instalava no Território do Acre, fazia-se
necessário que as crianças passassem a freqüentar diariamente o ambiente escolar para que se
tornassem um aluno94
. Desta forma, todo o sistema educacional instalado visava moldar na
infância de hoje o cidadão produtivo do amanhã por meio de um poder disciplinar que visava
à economia de tempo.
94 Usando o conceito de Perrenoud sobre ofício de aluno.
79
CAPÍTULO 3
Estratégias de implantação de um projeto educacional no Território do Acre: o legado de Maria Angélica de Castro - uma leitura
Conforme dito anteriormente, Maria Angélica de Castro foi diretora do DEC no
período entre 1946 e 1951, aproximadamente. Durante todo o período de sua administração
buscou promover mudanças no quadro educacional do Território do Acre. Dada a sua
formação acadêmica, buscou implantar no Território do Acre alguns princípios escolanovistas
que acreditava fazerem parte do modelo pedagógico ideal a ser incorporado na escolas
acreanas.
Para melhor compreensão acerca do movimento escolanovista que Maria Angélica de
Castro buscou implantar no Território do Acre, utilizaremos, como norte, a concepção de
Fernando de Azevedo acerca do movimento escolanovista apresentada em seu livro Novos
Caminhos, Novos Fins. A escolha do livro se deu pelo fato de o mesmo aparecer listado na
agenda pessoal de Guiomard dos Santos, bem como na lista de livros pertencente ao acervo de
Maria Angélica de Castro. A coincidência da escolha da obra por ambos foi a mola propulsora
para que a leitura fosse realizada e trazida para o teor desta dissertação.
Segundo Fernando de Azevedo, o Movimento da Escola Nova foi um movimento que
visava à refutação das práticas educacionais pautadas num sistema de memorização e
repetição e a implantação de outro modelo pedagógico em que a
educação nova, nas suas bases, na sua finalidade e nos seus methodos, não
podia, pois, fugir, de um lado, às idéias de egualdade, de solidariedade social e de
cooperação que constituem os fundamentos do regime democrático, e por outro
lado, às idéias de pesquiza racional, trabalho creador e progresso scientífico, que
guiam a sociedade cada vez mais libertada da tyrannia das castas e da servidão dos
preconceitos (AZEVEDO, 1931, p. 21, sic).
Para o movimento escolanovista a educação é uma obra de cooperação social que
80
envolve todas as instituições sociais, a saber, a escola, a família, os pais e professores numa
compreensão de que a educação das novas gerações é de responsabilidade de todos e não
somente dos professores e da escola.
Segundo Azevedo (1931), o movimento escolanovista visava a uma educação
igualitária para todos, organizada em regime de vida e trabalho comum, própria para
desenvolver a consciência social de igualdade, solidariedade e cooperação, e a consciência
econômica do trabalho produtivo não deve tender a sacrificar ou escravizar indivíduos à
comunidade (Azevedo, 1931). Logo, o ideal da Escola Nova pode ser encarado por seus três
princípios:
1. Escola única;
2. Escola do trabalho e
3. Escola da comunidade.
O primeiro princípio, a Escola Única, parte do princípio da democracia que afirma
que todos os indivíduos têm direito à educação. A educação inicial deve ser única, gratuita e
obrigatória. Além disso, deve ficar incumbida da aprendizagem da vida coletiva e do
conhecimento e respeito mútuo que permita aos alunos concluírem a escolaridade obrigatória.
A Escola do Trabalho, por sua vez, apóia-se na concepção de que a atividade escolar é
aproveitada como um instrumento ou meio de educação. Além de aproveitar a atividade
escolar como meio para ensinar, também é oferecido ao aluno o trabalhar para aprender.
Então temos os trabalhos manuais empregados na escola como um instrumento que busca
desenvolver e despertar o hábito e a técnica geral do trabalho. Desta forma, o aluno poderá
observar, experimentar, projetar e executar atividades escolares.
Já o terceiro princípio da Escola Nova, a Escola da Comunidade, pauta-se na
concepção de que a escola deve ensinar os alunos a viver em sociedade e a trabalhar em
cooperação. Não se trata apenas de preparar o indivíduo apto para o trabalho, mas sim de
desenvolver e disciplinar suas atividades para o trabalho em equipe. Neste terceiro princípio,
Azevedo (1931) usa a expressão de que a sala de aula é uma “colméia social” onde cada
membro deve trabalhar em parceria com o outro visando o sucesso coletivo.
Nesta nova forma de conceber a educação, o aluno passa a ser o centro de interesse
dos processos educacionais, isto é, há uma maior valorização da criança, sendo ela autora da
própria experiência através de métodos ativos e criativos. Neste novo modelo pedagógico de
ensino, o ambiente escolar oferece
81
à criança um meio vivo e natural, favorável ao intercâmbio de reações e
experiências, em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança,
seja levada ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o
trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades.95
Logo, a
educação da criança não estaria restrita somente ao espaço escolar, mas também à
sociedade como um todo (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO,
1932, p. 54).
Foi com este ideal de que a educação é uma preocupação de todos que Maria Angélica
de Castro iniciou no Território do Acre, no ano de 1946,96
seus trabalhos no DEC. Porém,
antes de falarmos propriamente sobre suas práticas escolanovistas no Território, falaremos da
pessoa Maria Angélica de Castro no intuito de conhecer de onde ela fala.
No decorrer deste capítulo, pretendemos evidenciar as orientações educacionais do
Departamento de Educação e Cultura (DEC), apresentadas aos professores pela professora
Maria Angélica de Castro, diretora do DEC e principal responsável pela organização da
educação no Território do Acre, publicadas no jornal O Acre e as orientações educacionais
presentes nos Decretos e Portarias governamentais publicadas nos anos de 1946 a 1950. E,
ainda, os princípios escolanovistas que fizeram parte das práticas docentes na década de 40 e
princípio dos anos 50, precisamente no período em que esta esteve à frente da administração
do DEC.
Com base nas leituras dos documentos selecionados para esta dissertação, é possível
afirmar que a educação escolar, para Maria Angélica de Castro, não deveria visar à formação
de alguns indivíduos, mas sim à formação comum de todos para uma posterior especialização
nas diferentes ocupações existentes no Território do Acre. Para ela, a educação seria a mola
mestra capaz de impulsionar a região na direção do progresso econômico e cultural e, para
que isto acontecesse, o professor e as condições de oferecimento de ensino teriam que passar
a ser peças fundamentais no processo educacional, ficando, desta forma, o aluno como centro
da aprendizagem.
Ao chegar ao Território do Acre, Maria Angélica de Castro se deparou com uma
região bastante atrasada em relação à cidade de onde viera. Quanto ao professorado local,
pôde verificar que havia professoras normalistas e professoras denominadas de não-
95 Cf. Manifesto dos Pioneiros, 1932, p.54
96 Ano em que foi contratada por Major Guiomard dos Santos para administrar o Departamento de Educação e Cultura No
Território do Acre.
82
normalistas97
. Além disso, dadas as condições geográficas, o acesso a algumas escolas da
região era quase nulo, principalmente em determinados períodos do ano quando as chuvas
ocasionavam isolamento terrestre de algumas regiões acreanas. Não tendo o governo
territorial nenhum meio de transporte aéreo à disposição do DEC, esta só poderia visitar as
regiões isoladas nos períodos de verão acreano. Somente após a aquisição de barcos e lanchas
é que as visitas puderam ser realizadas em todos os períodos do ano letivo.
Desde a sua chegada ao Território do Acre no ano de 1946, Maria Angélica de Castro
elaborou relatório acerca da organização da Educação, bem como fez visitações nas escolas
existentes na região acreana. Tomando por base a leitura da coluna „A Semana‟, onde Maria
Angélica de Castro costumava publicar informativos ao professorado acreano, é possível
afirmar que ela, enquanto diretora do DEC, costumava realizar visitas periódicas às escolas da
capital e às do interior do município. É possível afirmar, ainda, que tais visitas também eram
realizadas pelo Major Guiomard dos Santos ou por inspetores escolares designados por ela
para que realizassem vistorias e relatórios98
. As presenças dos inspetores de ensino cumpriam
a função de fiscalizar as escolas em sua totalidade.
Tomando por base a leitura de diversos relatórios dos inspetores publicados nos anos
de 1946 a 1950, é possível afirmar que havia uma fiscalização minuciosa da escola quando
estes a visitavam em vistoria99
.
(...) na escola visitada as cadeiras estavam com marcas de que haviam sido
riscadas pelos alunos, as paredes já se encontravam com aspectos de que precisavam
de uma nova pintura, havia lâmpadas dos corredores que precisavam ser trocadas (O
Acre, edição 840, p. 01, 05/10/1947).
97 A definição para professoras normalistas é utilizada para referir-se àquelas que fizeram o Curso Normal, e as não
normalistas geralmente eram professoras que não tinham formação técnica para exercer a profissão docente, mas faziam parte
do quadro docente do Território. 98 As juntas de inspeção não foram criadas durante o Governo de Guiomard dos Santos uma vez que é possível localizar
noticias de inspetores de ensino no governo Hugo Carneiro na década de 30. Porém, como o recorte desta dissertação é
posterior a data de criação dos órgãos de inspeção, deter-me-ei a data de análise.
99 Art.10. O relatório do inspetor deverá apresentar ao D.E.C., dentre outros esclarecimentos, os seguintes: Escolas visitadas
no mês e entidades mantenedora,localização das escolas visitadas;prédios escolares, mobiliário e material didático (qualidade
e quantidade, estado de conservação)matrículas e freqüência em cada estabelecimento, por classe, por série do curso,
eliminados e admitidos;aproveitamentos dos alunos; promoções e aprovações no ano anterior por classe e série de
curso;atuação do professor, grau de cultura, interesse pelo progresso dos alunos, pelo desenvolvimentos das instituições
escolares, pelas medidas de caráter social, etc;sugestões e providências tomadas para melhorar a cultura geral e pedagógica
do professor e estimular o hábito de estudo, por exemplo, orientações as reuniões semanais dos professores, na sede dos
grupos escolares, para leitura e discussões de assuntos que se referem aos assuntos pedagógicos; indicação de livros de
interesse didático; esclarecimentos relativos a escrituração escolar, à interpretação do programa e legislação escolar, etc.
83
Desta forma, as fiscalizações nas Escolas acreanas favoreciam para que O DEC se
mantivesse constantemente informado acerca da real situação das escolas do Território, tanto
do interior quanto da capital.
Foi uma forma encontrada para controlar, ou pelo menos manter-se informado acerca
do funcionamento da escola no espaço em que ela estava inserida e, ainda, de controlar e
orientar o trabalho pedagógico escolar, principalmente nas escolas mais longínquas da sede
do DEC. Vale ressaltar que os relatórios deveriam ser enviados obrigatoriamente ao DEC sob
pena de terem os salários dos inspetores subtraídos quando estes não enviassem os
relatórios.100
À medida que lemos as notícias jornalísticas dos anos de 1948 a 1950 podemos
perceber que há um maior controle do que acontece nos espaços escolares ou, pelo menos,
uma tentativa de conseguir uma maior fiscalização do funcionamento interno das escolas
acreanas. Tal fiscalização compactua com a idéia de Maria Angélica de Castro acerca da
importância da orientação pedagógica aos professores, para que estes possam “tornar-se
verdadeiros instrumentos de transformação social”.101
Tais vistorias realizadas pelos inspetores não aconteciam de forma aleatória e nem tão
pouco estes produziam os relatórios da forma que melhor lhes conviesse. Havia todo um
controle sobre os que tinham a tarefa de fiscalizar as escolas.
Visando a regulamentar a profissão de Inspetor de Ensino, foi publicado no dia 01 de
janeiro de 1947 o Regimento na íntegra. Desta forma, por meio do jornal impresso, foi
possível conhecer as obrigações da profissão do inspetor no contexto educacional:
Art.1º. O serviço de inspecção e assistência técnica ao ensino em cada
município, fica a cargo do inspector escolar e se desdobrará em duas fases:
a) Superintendência e coordenação do serviço;
b) Visitas aos estabelecimentos de ensino;
(...)
Parágrafo único: 1) Durante o período de trabalho na sede, o inspector
escolar só viajará por ordem expressa do DEC.
Art. 3º. Para superintendência e coordenação de ensino no município, o
inspector de ensino deve:
a) Orientar o serviço de matrícula e organização de classe segundo as
instruções baixadas por este Departamento;
b) Estudar a documentação enviada pelas unidades escolares (boletins
estatísticos, consultas, programas de festas escolares e comemorações cívicas,
balancete das caixas escolares, planos de trabalhos, modelos de provas mensais,
100 É possível verificar no Estatuto de criação da função dos Inspetores, várias obrigações que o inspetor deve ter perante ao
DEC. Dentre elas destaca-se a obrigatoriedade do envio dos relatórios ao DEC sob pena de corte salarial e, ainda, da
exigência de fidelidade de informações analisadas nas escolas inspecionadas.
101 Cf. Jornal O Acre, Edição 913, p. 01 do dia 09.03.1949.
84
etc.);
c) Corresponder-se com os responsáveis pelos estabelecimentos
escolares, dando-lhes ciências das instruções julgadas necessárias para corrigir
deficiências reveladas pelo estudo da documentação, estimulando e incentivando as
boas iniciativas;
d) Pedir aos diretores ou professores, responsáveis pela eficiência do
estabelecimento de ensino, outras documentações e informações que julgar
necessárias para melhor se inteirar do andamento ou resultados da atividade
pedagógica;
e. Exigir dos estabelecimentos particulares registrados informações e
documentações sobre a marcha dos trabalhos escolares, fiscalizando neles o fiel
cumprimento das leis de ensino e comunicar ao D.E.C. quais as escolas que estão
funcionando sem o devido registro;
f. Organizar o arquivo escolar da Delegacia e mantê-lo sempre
atualizado;
(...)
Art. 8º. As visitas feitas a cada unidade escolar serão comprovadas pela cópia
autenticada do termo de visita, que deve acompanhar o relatório mensal das
atividades do inspector (Regimento dos Inspetores de Ensino, O Acre, 01/01/1947,
p. 04).
Maria Angélica promove a presença dos inspetores em todas as escolas da região, uma
vez que esta não podia mais estar presente em todas as unidades escolares, dado o aumento no
número de estabelecimentos. Porém, a presença de um inspetor nas escolas não significava
que este tinha autonomia para decidir o que poderia ou não constar em relatório, uma vez que
já estavam preestabelecidos os elementos que estes deveriam apresentar na elaboração de seu
relatório ao DEC.
a) Art.10. O relatório do inspetor deverá apresentar ao D.E.C., dentre outros
esclarecimentos, os seguintes:
b) Escolas visitadas no mês e entidades mantenedoras;
c) Localização das escolas visitadas;
d) Prédios escolares, mobiliário e material didático (qualidade e quantidade, estado de
conservação);
e) Matrículas e freqüência em cada estabelecimento, por classe, por série do curso,
eliminados e admitidos;
f) Aproveitamentos dos alunos; promoções e aprovações no ano anterior por classe e
série de curso;
g) Atuação do professor, grau de cultura, interesse pelo progresso dos alunos, pelo
desenvolvimento das instituições escolares, pelas medidas de caráter social, etc;
h) Sugestões e providências tomadas para melhorar a cultura geral e pedagógica do
professor e estimular o hábito de estudo, por exemplo, orientações às reuniões
semanais dos professores, na sede dos grupos escolares, para leitura e discussões de
assuntos que se referem aos assuntos pedagógicos; indicação de livros de interesse
didático; esclarecimentos relativos à escrituração escolar, à interpretação do programa
e legislação escolar, etc. (Idem).
Todos os inspetores contratados deveriam enviar mensalmente os relatórios de
visitação ao DEC sob pena de terem seus vencimentos (salários) retidos e, na reincidência,
85
sofrer uma punição mais severa, como a demissão, por exemplo.102
Desta forma, o controle, a
vigilância poderia tornar-se mais eficiente quanto ao funcionamento das escolas segundo as
orientações do DEC.
Assim, tomando por base as visitações/relatórios realizados nas escolas acreanas no
decorrer dos anos de 1946 a 1949, Maria Angélica de Castro elaborou um projeto de
reorganização do ensino primário do Território do Acre, que foi enviado ao INEP para
aprovação e posterior execução na educação acreana.
Embora o processo do Anteprojeto de Regulamentação do Ensino Primário tenha sido
enviado ao INEP para análise e aprovação no ano de 1950, é possível encontrar este mesmo
Regulamento publicado no dia 13 de abril de 1947. Logo, antes de enviá-lo ao INEP, Maria
Angélica de Castro implantou o Regulamento no Território em caráter provisório, em caráter
de experiência, e o denominou de Programa do Ensino Primário, no ano de1947. Realizou
alguns ajustes necessários no Programa, tomando por base os relatórios dos inspetores e as
visitações que pessoalmente realizou, para posteriormente reimplantá-lo em 1949. E somente
no ano de 1950 envia o Anteprojeto ao INEP. Nota-se uma preocupação ímpar com relação à
organização da educação e ao controle dos corpos infantis enquanto cidadãos do amanhã.
Talvez aí esteja a justificativa para que o anteprojeto tenha sido colocado em teste nos anos de
1947 a 1949, para somente em 1950 ser enviado ao INEP.
Ainda é possível perceber, com base na leitura do Programa de Ensino Primário, que
as atividades escolares oferecidas às crianças deveriam promover um amplo desenvolvimento
de suas habilidades individuais. Nota-se uma valorização das lições de coisas, das atividades
escolares que tinham um caráter prático no cotidiano dos alunos.
Lições de coisas, conforme denomina Shelbauer (2008) visa a
despertar o sentido da observação, em todas as idades, em todos os graus de
ensino, colocar a criança na presença das coisas, fazê-las ver, tocar, distinguir,
medir, comparar, nomear, enfim, conhecê-las, este é o objetivo das lições de coisas
no ensino primário e jardim de infância, cuja aplicação pode ser, em todas as
disciplinas escolares, inserida em todo o programa de ensino103
( SHELBAUER,
2008 – Disponível em WWW. histerdbr.unicamp.br – Acessado em 10.11.10)
Agrega-se a isto a questão da formação moral do indivíduo. Este é o tipo de homem
102 Toda a norma referente ao serviço prestado pelo Inspetor de Ensino no interior das unidades escolares pode ser lido na
íntegra no jornal O Acre em sua edição nº 803, p. 03, do dia 19.01.1947. 103
Verbete de Analete Shelbauer. Profª do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Integrante e Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDBR – GT Maringá. Disponível em
www.histerdbr.unicamp.br . Acessado no dia 10.11.10
86
que se buscava formar na escola.
Em suma, é possível afirmar, tomando por base as leituras dos diversos artigos
elaborados e publicados por Maria Angélica de Castro no jornal O Acre, que em sua
concepção de educação, a escola deveria ser responsável pela formação moral, social e
intelectual do indivíduo que a freqüenta, o aluno. Ao DEC, por sua vez, competiria dividir sua
atenção ao ensino, à orientação dos professores nas práticas de novos métodos didáticos.
No jornal O Acre do dia 01 de janeiro de 1947, Maria Angélica de Castro publica um
artigo intitulado “Castigar para corrigir” onde apresenta 5 (cinco) elementos fundamentais que
definem um homem como sendo bem educado na sociedade em que vive. Segundo ela, para
um homem ser considerado bem educado deveria ter pleno domínio da escrita e leitura, da
oratória, dos modos corteses de socialização, ampla capacidade de reflexão e competência
para realizar com eficiência a atividade que executa. Nesta sociedade que se pretende instalar
no Território do Acre, só há espaço para aqueles cuja vida escolar foi concluída com sucesso.
O homem moderno que se pretende formar deveria ter pleno domínio da leitura e da escrita.
Logo, ler e escrever são elementos de modernidade necessários ao homem moderno.
No seu artigo denominado Instruir e Educar, Maria Angélica de Castro define a escola
como sendo “um centro de alegria sadia, favorável à constituição das mentalidades fortes e
úteis (...)”104
. Segundo ela, com o apoio do cinema educativo, das bibliotecas infantis e
juvenis, dos clubes e do jornal, a escola passa a ser mais estimulante aos alunos que a
freqüentavam. Além disso, tornava o ambiente “mais atraente e claro para o ensino, mesmo
para assuntos áridos e para a formação de bons hábitos e costumes”.105
A idéia de implantar na escola outros elementos que dessem conta de favorecer um
aprendizado significativo, onde o lúdico estivesse voltado para o ensinar e o aprender, passa a
ser algo que pode ser percebido nos princípios escolanovistas. A educação comum já não
mais poderia ficar circunscrita à mera transmissão mecânica de conhecimentos previamente
elaborados pelos mestres, mas sim a colaborar para que hábitos de sociabilidade, de trabalho,
de reflexão fossem incorporados à cultura dos escolares. Conforme aponta Anísio Teixeira
(1967), a filosofia da escola visa a oferecer à criança um retrato da vida em sociedade, com as
suas atividades diversificadas e seu ritmo de “preparação” e “execução”, dando-lhe as
104 Cf. O jornal O Acre, edição 843, p. 8, publicado no dia 26/10/1947.
105 Idem. Segundo o artigo havia 3 bibliotecas em Rio Branco funcionando normalmente e com boa freqüência. O cinema
educativo ficava instalado no auditório do Instituto Getúlio Vargas. Não há nenhuma definição de onde funcionava o clube e
o jornal. Há apenas uma definição de que o jornal já fazia parte das cogitações dos alunos secundários e que o clube visava à
educação sanitária e à satisfação do instinto gregário das crianças.
87
expectativas de estudo e ação responsáveis.
Em todas as orientações educacionais expostas por Maria Angélica de Castro notam-se
os princípios escolanovistas propostos para o ensino no Território do Acre, principalmente as
indicações de livros presentes no programa do Ensino Normal. Dentre eles, posso destacar o
livro de Lourenço Filho denominado Introdução ao Estudo da Escola Nova, o livro de John
Dewey denominado Democracia e Educação, o livro de Fernando de Azevedo denominado
Novos Caminhos e novos fins, dentre outros. Todos os livros pedagógicos estão centrados nas
idéias escolanovistas que circulavam nas diferentes regiões brasileiras.106
Numa visão panorâmica dos objetos selecionados para elaboração deste capítulo,107
é
possível perceber que Maria Angélica de Castro foi capaz de promover uma maior
fiscalização e remodelação das práticas educacionais que até então eram utilizadas pelos
professores locais. Para que suas orientações educacionais fossem colocadas em prática no
cotidiano da sala de aula e passassem a fazer parte da cultura da escola, costumava fazer
visitas surpresas às escolas, bem como exigir que os inspetores escolares elaborassem
106 No anteprojeto de reorganização do Ensino Primário do Território do Acre ficam expostos os diferentes livros que devem
ser lidos pelas normalistas no período de formação. Há uma lista de livros voltados para História da Educação, Psicologia e
Pedagogia. São eles:
LOURENÇO FILHO, M.B. - Introdução ao Estudo da Escola Nova . Cia Melhoramentos de São Paulo. 3ª Edição.
Teixeira, A. Educação Progressista. Cia Editora Nacional. 2ª ed. 1934. São Paulo.
DEWEY, John. Educação e Democracia.Cia Editora Nacional.São Paulo.
Dicionário de Pedagogia. Editorial Labor S.A. (Vol. II e II) 1936.
THORNDIKE, Ed. E GATES, A.I. Princípios Elementares da Educação. Liv. Acadêmica: Saraiva & Cia. São Paulo.
CHLEUSERBAIRQUE, A. Orientación Professional.(2 vols). Editorial Labor S.A. Madrid e Buenos Aires.
HAMAIDE, A. O método Decroly. Trad. e adapt. De Alcina Tavares Guerras. F. Briguiet S.C. Rio de Janeiro.
KILPATRICK, W.H., Educação para uma civilização em mudanças. Trad. de N. Silveira. Cia Nacional. São Paulo.
CLAPARÉDE, Ed.- Educação Funcional – Cia Nacional. São Paulo.
FONSECA, Conrytho da. A Escola Ativa e os trabalhos manuais. Cia Melhoramento de S. Paulo- São Paulo.
MOURA, Abner de. Os centros de interesse na Escola. Cia de Melhoramentos – São Paulo.
SERRANO, J. e VENANCIO FILHO, F. Cinema e Educação.Cia de Melhoramento de São Paulo – São Paulo.
LUZURIAGA, L. – A Escola Única. Trad. de J.B. Damasco Penna. Cia Melhoramento de S. Paulo – São Paulo.
Anuário do Ensino – 1934,35,1936-37 de São Paulo. Publicação da Antiga Diretoria Geral do Estado (Departamento de
Educação do Estado de São Paulo).
Publicação da Antiga Diretoria Geral de São Paulo (1936-37) – Dirigir-se ao Departamento de Educação do Estado de São
Paulo (sic)
AZEVEDO, Fernando. Novos Caminhos e Novos fins. Cia Editora Nacional- São Paulo.
AGUAYO,M.A., Pedagógia Científica. Tradução de J.B. Damasco Penna. Editora Nacional.São Paulo, 1936.
(Todos a bibliografia supracitada foi transcrita tal qual aparece no Anteprojeto).
107 Refiro-me às instruções didático-metodológicas publicadas nas páginas do jornal O Acre. Conforme já apresentado nos
capítulos I e II desta dissertação, este funcionava como um Diário Oficial do governo do Major Guiomard dos Santos e,
devido a isto, também era utilizado por Maria Angélica de Castro como um mecanismo de instrução ao professorado local.
88
relatórios após as visitas realizadas nas escolas. Alguns desses relatórios foram publicados no
jornal O Acre.
A maior preocupação era oferecer educação em todos os cantos da região acreana.
Devido a isto, mantiveram no Território do Acre as escolas ambulantes108
. Tais escolas eram
construídas em madeira, eram desmontáveis e percorriam os lugares mais longínquos onde a
educação organizada ainda não havia chegado. O objetivo era alfabetizar o maior número
possível de adultos.
No artigo publicado no jornal “O Rio”, do dia 12/11/1947, republicado no jornal O
Acre no dia 23/11/1947, há uma menção de que as escolas ambulantes desmontáveis foram
empregadas com êxito nas regiões mais inacessíveis do Acre. Segundo o artigo, o Sr. Hugo
Carneiro declarou ao jornal “O Rio”:
O Acre, desde 1930, figura entre as circunscrições brasileiras com melhor
índice de alfabetização. Vários convênios têm sido firmados com o Ministério da
Educação para instalação de escolas rurais, e neste ambiente propício o movimento
de educação de adultos só poderia ser auspicioso, como de fato vem sendo.
Possuímos um tipo de escola chamada ambulante (...) casas de madeira
desmontáveis, que percorrem vales onde nunca penetrou a educação devidamente
organizada, as quais são dotadas de uma professora diplomada ou de pessoas
habilitadas, notórias por sua boa vontade e dedicação (O Acre, 23.11.1947).
Nota-se, portanto, uma preocupação do DEC em promover a educação de jovens e
adultos em todos os cantos da região acreana.
Infelizmente, no período de tempo delimitado para a realização desta dissertação,
tanto na capital Rio Branco quanto em alguns municípios do interior do estado, não foi
possível obter mais informações acerca do aparelhamento didático e nem acerca do programa
de ensino destas escolas ambulantes. Assim, resta apenas afirmar que foram eficazes no
combate ao analfabetismo num período em que alguns lugares da região acreana eram
inacessíveis tanto para construção de escolas fixas quanto para a conquista de verbas para
construção das mesmas.
A citação da presença das escolas ambulantes no Território do Acre fez-se necessário
neste momento para destacar que a preocupação inicial de Maria Angélica de Castro era
eliminar o analfabetismo. Para isto, ainda fez permanecer no Território as escolas ambulantes
108
O projeto de escolas ambulantes não é de autoria do governo de Major Guiomard dos Santos. Devido não ser foco desta
dissertação, apenas o apresento como uma das dinâmicas utilizadas pelo DEC para alfabetizar nos lugares mais
longínquos. Porém, é possível encontrar notícias deste tipo de construção no governo de Hugo Carneiro.
89
que haviam sido criadas nos anos 30.109
Em diferentes fontes pesquisadas não foi possível
identificar com precisão o ano do término da utilização das escolas ambulantes no Território
do Acre, mas há notícias de sua existência até meados dos anos 50.110
Para alcançar tais objetivos foram levados em consideração a preparação do
professorado local. Afinal de contas, equipar escolas com materiais didático-pedagógicos não
seria suficiente para elevar o nível cultural da educação. A presença do professor na sala de
aula é de fundamental importância para mediar a implantação de novas práticas pedagógicas
na escola.
Um dos grandes propósitos do governo deste Território é elevar o nível
cultural do professor primário, para o que se empenha em aumentar o número de
matrículas da escola normal e torná-la mais eficiente como estabelecimento de
formação pedagógica (O Acre, edição 886, p. 01, 22/08/1948).
Neste momento, a grande preocupação era instruir professores para que “a educação se
tornasse uma necessidade vital para o progresso do indivíduo e a grandeza da nacionalidade.”
O artigo faz referência à construção da Escola Normal Lourenço Filho,111 que passou a
funcionar em março de 1948 e cuja instalação atenderia, em caráter de internato, 20 moças
que já tivessem feito o curso ginasial como bolsistas do Território. Segundo o artigo, a criação
da Escola Normal fazia-se necessária porque alguns pais menos abastados economicamente
não tinham condições de enviar suas filhas para estudar na capital Rio Branco. Logo, um
internato passou a ser a melhor forma de atender ao pedido dos pais, além de tornar-se o local
mais apropriado para a formação docente.
Nota-se que a preparação das professoras, segundo os objetivos de modernidade,
poderia favorecer uma maior aplicabilidade de tais conceitos no cotidiano escolar. Fazia-se
necessário preparar o profissional responsável pela modelagem da nova cultura escolar que se
pretendia instalar no Território do Acre. Logo, o professor primário passa a ser a peça chave
desta busca por uma reorganização da educação.
109 Cf. O Acre, edição 847, p. 6, publicada no dia 23.11.1947. Artigo denominado “Escolas Ambulantes desmontáveis
empregadas com êxito no Acre em regiões inacessíveis”.
110 Até meados da década de 50 é possível identificar nas páginas do jornal O Acre informações sobre as escolas ambulantes
nas regiões ribeirinhas do Território do Acre.
111 Cf. O Acre, p. 08, publicada no dia 28.12.1947. Artigo denominado “Escola Normal Lourenço Filho”. O discurso da
unidade nacional, do civismo é bastante presente tanto nos artigos escritos por Maria Angélica de Castro quanto nos do Major
Guiomard dos Santos.
90
O discurso aponta para a idéia de que a educação seria a saída para que se alcançasse a
ordem e o progresso da região acreana: preparar o povo acreano para a busca do sucesso
profissional e intelectual dentro do próprio Território. Logo, toda a sociedade deveria estar
unida num objetivo comum que só poderia ser alcançado mediante a movimentação de todos
em prol da educação da infância e juventude. Nota-se que Maria Angélica de Castro buscou
instalar na cultura acreana a idéia de que a escola seria a solução para que a região acreana
alcançasse o progresso econômico, cultural e político.
Visando a promover uma articulação da sociedade acreana em prol da proteção e
assistência à infância, em 1946 passa a ser promovida no Território a “Semana da Criança”.
Tal evento era algo que já acontecia em vários lugares do Brasil desde 1942. Porém, somente
com a chegada do Major Guiomard dos Santos ao Território foi possível instalar tal evento
nas atividades cotidianas das escolas.112
Tem-se nesta semana um momento para reflexão
acerca dos cuidados que os adultos devem ter para com as crianças do Território. Torna-se um
marco comemorativo de proteção da infância, principalmente da infância pobre.
O discurso enfatizando a infância enquanto futuro da nação passa a ser um pilar que
sustenta as ações governamentais no tocante à educação do Território do Acre. Não que a
criança não tenha tido nenhuma assistência em períodos anteriores ao governo de Major
Guiomard dos Santos, mas foi somente no seu governo que ela passou a ter uma maior
atenção. Inclusive com a instalação da Semana da Criança como um evento onde toda a
sociedade deveria estar envolvida.
Segundo os princípios da Escola Nova apresentados no livro de Aguayo (1966),
o objeto da instrução moral na escola primária é gravar na mente da criança a
consciência clara de seu deveres morais. Pobre e ineficiente é o ensino da moral
quando separado da educação moral, cuja aspiração é fazer que os jovens saibam
dirigir a própria conduta de acordo com as normas ou preceitos morais (AGUAYO,
1966, p. 277).
O rendimento e a qualidade neste contexto dependem, sobretudo, do aluno e não
apenas do programa de ensino ou dos professores.
Maria Angélica de Castro pregoava este princípio escolanovista em todas as suas
112 Cf. O Acre, edição 789, p. 06. Publicada no dia 14.10.46. O tema da Campanha de 1946 foi A CRIANÇA, AS
ATIVIDADES E A ALIMENTAÇÃO. O objetivo da Semana era promover uma conscientização quanto a importância da
boa alimentação para o desenvolvimento físico e mental das crianças. Para isto puderam contar com o apoio do Ministério da
Agricultura e da Legião da Boa Vontade que passaram a doar alimentos para as famílias mais humildes do Território do
Acre, bem como a colaborar com uma campanha de divulgação da importância de ingerir alimentos de boa qualidade e em
quantidades necessárias ao desenvolvimento físico e mental. A criança é apontada na Campanha como “o maior capital e a
melhor esperança da Nação. Nota-se o discurso da infância como futuro de amanhã.
91
orientações ao professorado local, posto que defendesse a idéia de que a educação deve estar
centrada na infância para que ela “tenha uma formação de personalidade íntegra: sólida
cultura moral, estética e intelectual, moderação nos juízos e opiniões, virtudes cívicas, cultivo
dos ideais humanos e formação religiosa (Jornal O Acre, edição 801, p. 03, 1947).
Outro fator a destacar é a criação de bibliotecas e museus pedagógicos como
elementos auxiliares neste processo de educação das crianças e jovens acreanos. Além disso,
algumas escolas da capital também passaram a oferecer excursões aos alunos com objetivo de
promover uma aproximação entre a teoria e a prática. Nota-se nisso tudo um aparato na busca
da aproximação das aulas teóricas com as aulas práticas. Neste contexto, a escola proposta por
Maria Angélica de Castro deveria oferecer oportunidades completas de vida, ou seja,
oportunidades que compreendessem atividades de estudos, de trabalho, de vida social e de
recreações e jogos.
Além dos cuidados com a higiene mental e social, Maria Angélica de Castro ainda
preocupou-se com a saúde física dos alunos. Para manter o corpo são, as aulas de atividades
físicas tinham cunho obrigatório a todos os alunos das escolas acreanas.
Em seu Regimento de Regulamentação do Ensino Primário no Território, fica
determinado que as atividades físicas fossem praticadas diariamente na escola de modo a
instalar nos jovens alunos o gosto pela prática saudável de exercícios físicos.
Regimento de Regulamentação do Ensino Primário
(...)
A atividade física deve fazer parte da rotina escolar, pois auxilia na formação moral,
social e física da criança, além de estimulá-la à prática saudável de exercícios físicos
(Anteprojeto de Reorganização do Ensino primário do Território do Acre)
A busca pela uniformização dos costumes é algo marcante na nova sociedade que se
instaura no Território do Acre: formar um modelo de cidadão através da formação escolar.
A leitura das diversas atividades sugeridas que aparecem no Programa do Ensino
Primário de 1949 nos permite afirmar que há na escola uma intencionalidade de “produzir”
um cidadão cujos valores morais, cívicos e intelectuais devem ser elevados de modo a
colaborar com o desenvolvimento da nação, bem como colaborar na formação da
autodisciplina.
Outro fator marcante na educação do Território do Acre na década de 40 é a presença
dos inspetores de ensino que ficavam encarregados de fiscalizar as escolas em sua
92
totalidade.113
(...) na escola visitada as cadeiras estavam com marcas de que haviam sido
riscadas pelos alunos, as paredes já se encontravam com aspectos de que precisavam
de uma nova pintura, havia lâmpadas dos corredores que precisavam ser trocadas (O
Acre, edição 840, p. 01, 05/10/1947).
Desta forma, as fiscalizações nas escolas acreanas favoreciam para que O DEC se
mantivesse constantemente informado acerca da real situação das escolas do Território, tanto
as do interior quanto as da capital.
Isso foi uma forma encontrada pela diretoria do DEC para controlar, ou pelo menos
manter-se informado acerca do funcionamento da escola no espaço em que ela estava
inserida. E também uma forma de controlar e orientar o trabalho pedagógico escolar,
principalmente nas escolas mais longínquas da sede do DEC. Vale ressaltar que os relatórios
deveriam ser enviados obrigatoriamente ao Departamento, sob pena de os inspetores terem
seus salários reduzidos caso não cumprissem com esta obrigação.114
À medida que lemos as notícias jornalísticas dos anos de 1948 a 1950 podemos
perceber que há um maior controle do que acontece nos espaços escolares ou, pelo menos,
uma tentativa de conseguir uma maior fiscalização do funcionamento interno das escolas
acreanas. Tal fiscalização compactua com a idéia de Maria Angélica de Castro acerca da
importância da orientação pedagógica aos professores para que estes possam “tornar-se
verdadeiros instrumentos de transformação social”.115
Outro elemento que vale destacar é a importância dada à aquisição da palavra escrita e
da oralidade formal. Um bom aluno era sempre aquele que dominava bem o uso da língua
113 Art.10. O relatório do inspetor deverá apresentar ao D.E.C., dentre outros esclarecimentos, os seguintes:
Escolas visitadas no mês e entidades mantenedoras, localização das escolas visitadas; prédios escolares,
mobiliário e material didático (qualidade e quantidade, estado de conservação) matrículas e freqüência em cada
estabelecimento, por classe, por série do curso, eliminados e admitidos; aproveitamentos dos alunos; promoções
e aprovações no ano anterior por classe e série de curso; atuação do professor, grau de cultura, interesse pelo
progresso dos alunos, pelo desenvolvimentos das instituições escolares, pelas medidas de caráter social, etc.;
sugestões e providências tomadas para melhorar a cultura geral e pedagógica do professor e estimular o hábito de
estudo, por exemplo, orientações às reuniões semanais dos professores, na sede dos grupos escolares, para leitura
e discussões de assuntos que se referem aos assuntos pedagógicos; indicação de livros de interesse didático;
esclarecimentos relativos à escrituração escolar, à interpretação do programa e legislação escolar, etc.;
114 É possível verificar no Estatuto de criação da função dos Inspetores, várias obrigações que o inspetor deve ter perante o
DEC. Dentre elas destaca-se a obrigatoriedade do envio dos relatórios a este Departamento sob pena de corte salarial e, ainda,
da exigência de fidelidade de informações analisadas nas escolas inspecionadas.
115 Cf. Jornal O Acre, Edição 913, p. 01, 09.03.1949.
93
falada e escrita. Nota-se que o domínio da palavra escrita e falada era sinônimo de
modernidade, pois o discurso do Major Guiomard dos Santos faz referência a estes dois
elementos como sendo essenciais ao desenvolvimento da região acreana.
Por fim, é possível apontar que a idéia de civilização está intrinsecamente ligada à
idéia de interiorização de normas e padrões de condutas, polidez, docilidade dos costumes.
Logo, perceber se uma pessoa é civilizada está relacionado ao modo como esta se comporta
na convivência com os outros, ao fato de como ela domina a linguagem escrita e a falada.
Assim, educar a criança de hoje simboliza civilizar o adulto de amanhã. Conforme a Profª.
Drª. Rosa de Fátima Souza, da UNESP, “A arte de civilizar está presente em tudo na
escola”.116
A organização dos horários de aula, a rotina escolar, o fardamento, os atos cívicos,
conteúdos estudados, dentre outros, são elementos que visam a incorporar condutas padrões
em todos aqueles que freqüentam o espaço escolar. É neste ambiente que a escrita e a leitura
são vistas como um processo de aperfeiçoamento do homem em seu processo social, cultural
e intelectual, posto que o domínio da língua oral e escrita passa a ser fundamental para uma
efetiva participação social. Afinal de contas, é por meio da linguagem que o homem consegue
se comunicar, tem acesso a informações, interage com o meio em que está inserido,
compartilha e constrói idéias/visões de mundo. Logo, a educação acreana, revitalizada com
novos ideais educacionais após a chegada do Major Guimard dos Santos e Maria Angélica de
Castro, passa a cumprir a missão de garantir a todas as crianças o direito à educação.
A escola enquanto lócus privilegiado de ensino-aprendizagem torna-se, no Território
do Acre, um elemento estratégico de um projeto de reforma dos costumes onde paira a idéia
de que a própria alma humana pode ser modificada por meio de estratégias. Logo, é possível
encontrar em todos os jornais lidos117
para elaboração desta dissertação alguns anúncios à
sociedade sobre a importância do envio dos filhos à escola, bem como anúncios sobre a
importância da participação da sociedade neste projeto de educar a infância.
116
Refiro-me ao II Simpósio Linguagens e Identidades, ocorrido no ano de 2009 na Universidade Federal do
Acre. 117
Refiro-me a todos os jornais lidos que foram publicados no período de 1946 a 1951. Em alguns jornais, há
mensagens de incentivo à matricula dos filhos, em outros há pedidos de denúncia dos pais que não estão
levando os filhos para a escola, e ainda, em outros, há pedidos de ajuda na fiscalização da freqüência dos
alunos, dentre outros. Todos os anúncios encontram-se escritos em letras maiúsculas.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Explicitar o Projeto de Educação Escolar que se fazia e se implantava na História da
Educação acreana no período em que este era apenas Território Federal, é algo que requer
bastante tempo de pesquisa, pois as informações ainda estão desordenadas, uma vez que não
há no estado do Acre um armazenamento adequado das informações educacionais. Além
disso, vale ressaltar que a maior parte da documentação educacional encontra-se nas mãos de
antigas professoras e alunos e, ainda, foram deterioradas por fenômenos naturais (alagação) e
por arquivamento indevido.118
Entretanto, vale destacar que o Território do Acre, até meados do ano de 1946,
encontrava-se com uma organização educacional bastante frágil. Porém, com a chegada do
Major Guiomard dos Santos no cargo de Interventor Federal e Maria Angélica de Castro no
cargo de diretora do DEC, a educação passou a ser alvo de uma melhor organização no
Território do Acre. Não que em anos anteriores ela não fosse organizada, mas com a chegada
de ambos, a educação passa por um processo de sistematização que facilitou a implantação de
métodos didáticos mais eficazes no cotidiano das escolas acreanas.
Uma das propostas desta dissertação de mestrado era verificar o porquê de Guiomard
dos Santos ter sido considerado um governo moderno. A este questionamento foi possível
identificar algumas mudanças estruturais que caracterizaram o período do governo Guiomard
dos Santos como sendo modernas. Dentre eles, destacam-se aqueles que são perceptíveis de
forma imediata:
Aumento considerável de prédios públicos construídos em alvenaria;
Crescimento do número de matrículas escolares;
Melhor acompanhamento pedagógico ao professorado acreano, inclusive com o
oferecimento, em maior freqüência, de curso de especialização para as pessoas que
atuavam na parte administrativa da escola;
Melhor aparelhamento das escolas com material pedagógico e infra-estrutural;
Criação e aparelhamento de museus, bibliotecas, excursões escolares, dentre outros;
Ampliação do quadro de funcionários do Território do Acre;
Crescente preocupação com a infância pobre/aluno pobre;
Sendo a história algo dialético e não linear, seu entendimento foi um desafio no decorrer
da elaboração desta dissertação. Tomando por base essa concepção de história, é possível
118 Refiro-me a registro de aula, cadernos de aula, livros didáticos, dentre outros.
95
apontar que a leitura ora realizada nos permitiu destacar que a modernidade implantada pelo
governo de Major Guiomard dos Santos foi (e está) associada à idéia de melhorias na saúde,
segurança e educação do Território do Acre.
Desta forma, modernidade, neste período, estava intrinsecamente relacionada à melhoria
nas condições básicas de vida da população local. Tal ideário de modernidade perdurou por
todo o governo de Major Guiomard dos Santos associada à implantação de elementos básicos
para a sobrevivência do ser humano: alimentação, emprego, educação, saúde e segurança.
Entretanto, o discurso de modernidade de Guiomard dos Santos não se pautou
somente em buscar soluções para questões práticas, como construção de prédios,
aparelhamento das escolas, oferecimento de cursos ao professorado local, dentre outros; a
modernidade no governo de Major Guiomard dos Santos esteve diretamente relacionados à
idéia de marcar no corpo dos indivíduos as normas e padrões de conduta, polidez e docilidade
de costumes do qual a nova sociedade necessitava para alcançar o progresso econômico.
Devido a isto, a juventude e a infância foram focos principais onde as regras de
conduta social, os valores morais, o hábito do trabalho, o respeito ao outro, a si mesmo e à
sociedade como um todo foram incorporados a cultura local por meio da escola.
Ler e escrever passaram a ser elementos que caracterizavam o homem moderno
acreano. Logo, a escola tornou-se o lugar mais indicado para a apropriação desses novos
elementos modernos.
O uso racional do tempo e do espaço escolar, bem como a implantação de um projeto
societal, teve como objetivo maior incorporar uma racionalização em todo o Território
acreano, de modo a incorporar na cultura local uma sociedade organizada com base no uso da
razão, não somente em questões científicas ou técnicas, mas principalmente no governo dos
homens e coisas.
Guiomard dos Santos, ao assumir a administração do Território do Acre, trouxe consigo
muito mais que projetos arquitetônicos. Conseguiu instalar no imaginário social que o
progresso regional dependia muito mais do povo do que dele, pois cada um seria responsável
pela implantação da modernidade à medida que se propusesse a trabalhar pelo bem-estar
comum e não mais de forma ímpar.
A parceria estabelecida com Maria Angélica de Castro foi fundamental para que um
modelo educacional fosse atuante no projeto de instalação da modernidade no Território do
Acre. Dada a sua vasta experiência, ela conseguiu sistematizar a educação de forma a torná-la
um elemento a mais na formação do sujeito moderno.
96
A associação dos projetos arquitetônicos em concomitância ao sentimento de
nacionalidade e culto a disciplina dos corpos e mentes por meio do ensino significativo,
promoveu no Território do Acre na década de 40 um ensino mais sistematizado e voltado para
a criança enquanto futuro da Nação.
A obrigatoriedade da escolarização em detrimento da escola doméstica119
, o
investimento na formação de agentes especializados no ensino, a vigilância dos inspetores
escolares, as parcerias com instituições sociais de assistência à infância pobre, o mobiliário
escolar, os espaços e tempos de aprendizagem, dentre outros, foram elementos que
favoreceram para definir a atuação da escola sobre o tipo de educação que deveria ser
oferecida para que a modernidade fosse instalada no Território do Acre, principalmente nos
aspectos educacionais.
A organização dos espaços e tempos sociais que vemos na atualidade nos remete a idéia
da modernidade da qual Major Guiomard dos Santos implantou no Território do Acre,
principalmente no tocante a organização dos espaços sociais. Tanto a administração atual
quanto a administração analisada nesta dissertação, promoveram mudanças na arquitetura
acreana de modo a povoar no imaginário social a idéia de mudanças, de melhoria para todos,
de obras do governo para o bem estar do povo acreano. Soma-se isto a presença de uma
arquitetura com designer diferenciado das demais existentes nos governos anteriores e isto
passa a ser um diferencial que determina como suas as construções que surgem no espaço
acreano. Várias são as semelhanças e diferenças que aproximam a administração da década
de 40 com a administração atual, entretanto por não ser este comparativo o foco desta
dissertação, fica a certeza de que será tratada em outra oportunidade com o rigor que a
temática merece.
Em suma, tomando por base as pesquisas realizadas, é possível apontar que para
Guiomard dos Santos ser um Território moderno não consistiu em apenas ter projetos
arquitetônicos similares ao da capital brasileira, mas sim implicou em projetos
modernizadores alicerçados em projetos de prosperidade econômica da região acreana.
119
Uso o termo escola doméstica como referência aos ensinamentos recebidos em casa pelos pais de forma
assistemática.
97
BIBLIOGRAFIA
AGUAYO Y SANCHEZ, Alfredo Miguel. Didática da Escola Nova. Trad. J.B. Damasco
Penna e Antonio D‟Ávila. São Paulo: Editora Nacional, 1966.
ALMEIDA, Malu (Org.). Escola e modernidade: saberes, instituições e práticas. Campinas –
SP: Alínea, 2004.
ALVES, Nilda; GARCIA, Regina Leite (Orgs.). A Invenção da Escola a cada dia. Rio de
Janeiro: DP&A, 2000.
ARROYO, Miguel Gonzalvez (Org.). Da escola carente à escola possível. São Paulo,
Loyola, 1986.
AZEVEDO, Fernando de. Novos Caminhos, novos fins. São Paulo: Cia Nacional, 1931.
BEZERRA, Maria José. A invenção da cidade: a modernização de Rio Branco na gestão do
Governo Guiomard dos Santos. 2002. 275p. Dissertação (Mestrado em História do Brasil),
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002.
CASTRO, Maria Angélica de. O Acre, Rio Branco, diversos artigos publicados entre
23.05.1946 e 17.11.1950.
COELHO, Maria Inês de Matos; COSTA, Anna Edith Bellico (Orgs.). A educação e a
formação humana: tensões e desafios nas contemporaneidades. Porto Alegre: Artmed, 2009.
CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e
políticos: São Paulo, Cortez, 1999.
CHARTIER, Roger. A história da cultura: entre práticas e representação. Portugal. DIFEL
S/A, 2002. Disponível em 4shared.com.br – Acessado em 10.11.2010.
DANTAS, Andréa Maria Lopes. Crônica de uma reforma anunciada: uma análise da
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos nos anos de 1961/1962 e 1972/1975 – PUC/SP,
1997 ( Dissertação de mestrado)
__________. A urdidura da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos nos bastidores do
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: a gestão Lourenço Filho (1938-1946) – PUC/SP,
2001 ( Tese de doutorado).
FARIA FILHO, Luciano Mendes; Processo de escolarização no Brasil: algumas
considerações e pespectiva de pesquisa. In: MENEZES, Maria Cristina (org) Educação,
Memória e História: possibilidade, leitura. Campinas – SP: Mercado das Letras, 2004.
___________. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar urbana em Belo Horizonte na
Primeira República. Passo Fundo: UFP, 2000.
FOUCAULT, M. (1969) A arqueologia do Saber. Trad. Luis Felipe Baeta Neves. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1986.
______. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
GINELLI, Giovana. História da Educação Acreana: (1920-1970). Rio Branco:
UFAC/Departamento de Educação, 1982 – Volume 2.
GODINHO, Eunice Maria. Educação e Disciplina. Rio de Janeiro – RJ: Diadorim Editora
Ltda., 1995.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1995
HABERMAS, Jurgen, O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa,
Rodnei Rodrigues – São Paulo: Martins Fontes, 2000.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS (1947) – Ofício de Missão do
professor paulista para o território do Acre: Correspondência destinada ao Governador Oscar
Passos confirmando a realização de concurso na cidade de São Paulo para admissão de
98
professores para o Território do Acre.
______. (1947) – Ofício nº 174 – Registrado no INEP sob o protocolo nº 739.47 e datado no
dia 21 de maio de 1947: Outorga de mandato emitida por José Guiomard dos Santos,
governador do Território, para funcionamento do Instituto Divina Providência sediada no
município de Xapuri, no Território do Acre.
______. (1947) – Processo 48596.47, M130, P19 - datado do dia 28 de maio de 1947:
Confirmação de outorga de mandato para funcionamento de curso de 1º ciclo do ensino
normal do Instituto Divina Providência.
______. (1947) – Processo 888.47: Processo pedindo autorização para o funcionamento da
Escola Lourenço Filho como escola normal do Território do Acre.
______. (1948) – Telegrama nº 196 AR65.47.277 – Registrado no INEP sob o Protocolo nº
558.48 e datado do dia 27 de fevereiro de 1948: Telegrama enviado pelo DEC ao INEP
comunicando para elaboração de relatório acerca da educação territorial.
______. (1948) – Adições às informações prestadas ao Ministério da Educação e Saúde
relativas ao Curso Normal Regional Santa Terezinha, em Cruzeiro do Sul, Território Federal
do Acre, s.n, datado do dia 20 de novembro de 1949: Relatório de informações referentes ao
Curso Normal de Santa Terezinha sediada em Cruzeiro do Sul, constando informações acerca
de quadro de funcionários, horários de aula, descrição predial e listagem de materiais
pedagógicos.
______. (1948) – Comprovante da existência das condições exigidas pelo artigo 42 da Lei
Orgânica relativa ao pedido de autorização para funcionamento de um Curso Normal
Regional, em Cruzeiro do Sul, s.n – datado do dia 20 de agosto de 1948: Relatório referente
às condições em que se encontrava o Instituto Santa Juliana, sediada em Cruzeiro do Sul,
constando inclusive o quadro docente de horário, a estrutura predial e as instalações didáticas.
______. (1948) – Correspondências DEC. 244, sob o protocolo nº 1.758ª.48 – datada do dia
22 de agosto de 1948: Correspondência enviada por Maria Angélica de Castro, diretora do
DEC, solicitando funcionamento do Instituto Divina Providência, sediado em Xapuri, no
Território do Acre.
______. (1948) – Ofício nº 333 datado do dia 22 de dezembro de 1948, sob o protocolo nº
2684.49: Ofício enviado por Maria Angélica de Castro, diretora do DEC ao INEP
comunicando a remessa de documentos solicitados pelo Instituto com critério para
autorização do funcionamento da Escola Normal Santa Terezinha em Cruzeiro do Sul.
______. (1948) – Ofício s.n enviado pela Prelazia do Alto Juruá – Câmara Eclesiástica ao
DEC: Ofício solicitando à Maria Angélica de Castro, diretora do DEC, autorização para
funcionamento do Curso Normal Regional nas dependências do Instituto Santa Terezinha.
______. (1948) – Processo 1758.48: referente à autorização para funcionamento do ensino
normal no Território: Processo elaborado pelo INEP enviado a Maria Angélica de Castro,
diretora do DEC, comunicando os procedimentos necessários para que o ensino normal em
Cruzeiro do Sul pudesse funcionar na Escola Santa Terezinha.
______. (1948) – Processo 758.48: Processo referente à autorização para funcionamento de
estabelecimento particular de ensino normal em território acreano.
______. (1948) – Telegrama nº 8RB.02.87.366.90 – Registrado no INEP sob o Protocolo nº
1030.48 e datado do dia 05 de abril de 1948: Telegrama de Major Guiomar dos Santos
agradecendo telegrama nº 260 do dia 28.04.1948, onde o INEP concedia uma autorização
preliminar para o funcionamento da Escola Normal Lourenço Filho.
______. (1949) – Correspondência s.n – datada do dia 26 de janeiro de 1947: Ofício enviado
por Tânia Maria Gondi, diretora do Instituto Santa Juliana, a Maria Angélica de Castro,
diretora do DEC, solicitando providências com relação ao funcionamento do Instituto Santa
Juliana em Sena Madureira.
99
______. (1949) – Parecer nº 210, do dia 29 de junho de 1948: Parecer favorável à autorização
para funcionamento de Escola Normal Particular no Território do Acre.
______. (1949) – Parecer nº 118 – datado do dia 06 de abril de 1949: Parecer expedido
referente à autorização para funcionamento de escola particular no Território do Acre
denominada Santa Terezinha em Cruzeiro do Sul.
______. (1949) – Ofício 190 – datado do dia 11 de abril de 1949: Documento referente a
autorização para funcionamento do Curso Normal Regional de Santa Terezinha em Cruzeiro
do Sul no Território do Acre.
______. (1949) – Ofício nº 73 – datado do dia 17 de maio de 1949, sob o Protocolo nº
1320.49: Correspondência enviada por Maria Angélica de Castro, diretora do DEC, ao INEP
solicitando providências com relação ao processo de reconhecimento da Escola Normal
Regional Santa Juliana.
______. (1949) – Ofício nº 362 – datado do dia 07 de julho de 1949: Ofício enviado pelo
Conselho Nacional de Educação ao Ministério da Educação e Saúde dando parecer favorável
ao funcionamento da Escola Regional Santa Juliana, sediada no município de Sena Madureira
no Território do Acre.
______. (1949) – Outorga de mandato 171.8A.48: Documento comunicando ao INEP o
funcionamento do curso normal de Cruzeiro do Sul, apresentando inclusive quadro docente,
carga horária das disciplinas e horários de aulas.
______. (1949) – Processo 50.680.49, M-291, P1 datado do dia 29.08.1949: Documento
referente ao reconhecimento e autorização para funcionamento do Instituto Santa Juliana no
Município de Sena Madureira.
______. (1950) – Projeto de Regulamento dos Ensinos primário, pré-primário e normal. P.08
(Mimeo): Trata da reorganização da educação no Território do Acre a pedido do
Departamento de Educação e Cultura.
______. (1950) – Projeto de Reorganização do Departamento de Educação e Cultura. P.08
(Mimeo): Projeto de reorganização do Departamento de Educação e Cultura do Território do
Acre.
______. (s.d) – Minuta do Termo de Acordo Especial celebrado entre o Ministério da
Educação e Saúde e o Território do Acre para execução do plano de construções destinadas à
ampliação e melhoria do ensino normal: Minuta referente a verbas destinadas à construção de
um prédio destinado ao internato da escola normal Lourenço Filho, sediada no município de
Rio Branco.
KUHLMANN Jr, Moysés (Org.). Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Cortez,
2002.
______. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação,
1998.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos
conteúdos. São Paulo: Loyola, 1984.
MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova. A reconstrução educacional no Brasil: ao
povo e ao governo. São Paulo: Ed. Nacional, 1932.
MONTEIRO, Regina Maria. Civilização e cultura: paradigma da nacionalidade. Campinas:
Cadernos CEDES, n. 52, 2000.
MORAN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação no futuro. Brasília-DF: Cortez,
2003.
NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU/Fundação
Nacional de Material Escolar, 1976.
NUNES, Clarisse. Memória e História da Educação: entre práticas e representações. In:
LEAL, Maria Cristina (org). História e Memória da Escola Nova – São Paulo: Loyola, 2003
100
OLIVEIRA, Maria Luísa Santos (1989). História da educação brasileira: a organização
escolar. 15 ed. Campinas: Autores Associados.
PERRENOUD, Phillipe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação –
perspectivas sociológicas. Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, Publicações Dom
Quixote, 1993.
PETERS, Michel A.; BESLEY, Jina e colaboradores. Por que Foucault? Novas diretrizes
para pesquisa educacional. Trad. Vinicius Figueira Duarte. Porto Alegre: ArtMed, 2008.
ROUANET, Sérgio Paulo. O mal-estar na Modernidade: ensaios – São Paulo: Cia das
Letras, 1993.
SANTOS, José Guiomard dos. O Acre, Rio Branco, diversos artigos publicados entre
23.05.1946 e 17.11.1950.
SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. – Campinas, SP: Autores
Associados, 2007 (Coleção Memória da Educação).
SILVA, Tomaz Tadeu da. O sujeito da Educação – Estudos foucaultianos. Petrópolis:
Vozes, 2002.
SOUZA, Rosa de Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária
graduada no Estado de São Paulo. Fundação Editora da UNESP, 1998.
VALDEMARIM, Vera Tereza. Estudando as lições de coisas. Campinas: Autores
Associados, 2004.
VEIGA, Cynthia Greive. Infância e Modernidade: ações, saberes e sujeitos. In: FARIA
FILHO, Luciano Mendes (org).A infância e sua educação: materiais, práticas e
representações (Brasil e Portugal)- Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Os tempos e espaços
escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. In Revista
Brasileira de Educação, nº 14.
ARTIGOS CONSULTADOS NO JORNAL O ACRE
Edição nº 769 de 23 de maio de 1946
Edição nº 776 de 23 de julho de 1946
Edição nº 773 de 13 de junho de 1948
Edição nº 832 de 10 de agosto de 1948
Edição nº 862 de 07 de março de 1948
Edição nº 907 de 23 de janeiro de 1949
Edição nº 955 de 01 de janeiro de 1950
Edição nº 968 de 02 de abril de 1950
Edição nº 969 de 09 de abril de 1950
Edição nº 973 de 07 de maio de 1950
Edição nº 974 de 14 de maio de 1950
Edição nº 975de 21 de maio de 1950
Edição nº 976 de 28 de maio de 1950
Edição nº 978 de 11 de junho de 1950
101
Edição nº 989 de 27 de agosto de 1950
Edição nº 999 de 05 de novembro de 1950
Edição nº 1000 de 12 de novembro de 1950
Edição nº 996 de 15 de outubro de 1950
Edição nº 1002 de 26 de novembro de 1950
Edição nº 1004 de 10 de dezembro de 1950
Edição nº 1005 de 17 de novembro de 1950
c) PERÍODICO/REVISTA/RELATÓRIO/VÍDEOS
FILME ELABORADO POR GUIOMARD DOS SANTOS NO ANO DE 1949 – VHS
arquivado no CDIH/UFAC
Relatório de governo de Major Guiomard dos Santos (fragmentos)
d) Acervos consultados
Museu da Borracha
Fórum de Sena Madureira
Acervo pessoal da Professora Maria José Bezerra
Acervo pessoal do senhor Zezinho – Sena Madureira
Acervo do INEP
Acervo do Arquivo Geral do Estado do Acre
Acervo pessoal de Padre Paulino - Sena Madureira
Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Acre
102
ANEXOS
Discurso de posse de José Guiomard dos Santos no Governo do Território do Acre, publicado
no jornal “O Acre” no dia 23 de maio de 1946 (1ª página).
Creio no Acre e nos Acreanos
“Agradeço ainda, é Providência, a circunstância de que o meu primeiro encontro com
esta terra se efetivasse junto da Volta da Empresa, onde primeiro correu sangue, para que o
Acre fosse Brasil. Longe de mim a idéia de qualquer comparação com grande caudilho, que
veio cumprir, no outro extremo da Pátria, o destino heróico da sua gente de sentimento do
Brasil. Minha missão é de paz. Mas aquele lugar será sempre uma lembrança e um estímulo.
Acreanos! Se os companheiros de Plácido tiveram força para sustentar guerra tão difícil e
áspera, porque os descendentes dos heróis não poderão vencer uma luta que é só contra o
deserto e a floresta, contra a discórdia e a maledicência, contra a incompreensão e a
desesperança? De mim, vos direi neste momento que tenho os olhos postos em um grande dia.
Dia em que os condores de alumínio, cruzando o Atlântico infletirão, não somente para o Sul,
mas também no sentido dos paralelos, em busca do Acre e dos países andinos. Dia em que a
borracha encontrará dentro da própria Pátria, sem sustos, nem os sobressaltos de hoje para os
seus legítimos donos, o preço estável, preço justo e compensador de tantos trabalhos e
sacrifícios, descendo com mais velocidade os afluentes amazônicos, para Manaus e Belém, ou
remontando o planalto central, atraída pelos grandes centros de São Paulo e Rio, via Mato
Grosso. Dia virá em que o Acre, que ora serve de exemplo de descrédito, figurando na
imprensa carioca e na Constituinte, como motivo para a supressão dos Territórios; dia virá em
que o Acre será terra feliz e rico, capaz de servir de exemplo aos seus irmãos mais novos –
Ponta Porã, Iguassu, Guaporé, Amapá, e sim engenheiro – soldado. Não sou um visionário –
entrevejo a hora do Acre. Longínqua, ou perto, não é tanto o que importa. Tão pouco importa
que não seja eu, então, o vosso governador! Os homens passam... mas preparemo-nos para tão
grande dia!
E, finalmente, faço questão de dizer-vos – creio e nos Acre e nos acreanos. Confiai,
pois, em mim, como eu já confio plenamente em vós. Sei que esta confiança não me faltará;
mesmo porque vos confesso que ouvem! Dirijo-me aos vossos filhos e netos, que me julgarão.
103
De fato não me interessa, em demasia, o conceito dos presentes. Penso, antes, no juízo desse
que ainda não podem opinar. Trabalharei para os homens de amanhã, e para que eles digam
um dia, o que em verdade me interessa – veio pela sua Pátria, serviu ao Acre com fé e
entusiasmo, e voltou com a consciência tranqüila”.