A metrópole e a vida mental

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A metrópole e a vida mental (1902) Georg Simmel Simmel afirma que os problemas mais graves da vida moderna nascem na tentativa do indivíduo de preservar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais; Esta seria a mais recente transformação da luta do homem com a natureza para sua existência física; Simmel considera que o século XVIII exigiu a especialização do homem e de seu trabalho, e conclamou que se libertasse de suas dependências históricas quanto ao Estado e à religião, à moral e à economia; Para Simmel, há um profundo contraste entre a vida na cidade e a vida no campo; Ele considera que a metrópole extrai do homem uma quantidade diferente de consciência, sendo que a vida da pequena cidade descansa mais sobre relacionamentos profundamente sentidos e emocionais, ou seja, o homem metropolitano reagiria com a cabeça em lugar do coração: “A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão que é menos sensível e bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectualidade, assim se destina a preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana”. (p.13) Entende-se, dessa forma, que a pessoa intelectualmente sofisticada e indiferente a toda a individualidade genuína que resulta em relacionamentos e reações que não podem ser exauridos com operações lógicas; Este aspecto contrasta profundamente com a natureza da pequena cidade, em que o inevitável conhecimento da individualidade produz diferentes tons de comportamento que vão além do mero balanceamento objetivo de serviços e retribuição.

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A metrópole e a vida mental (1902) Georg Simmel

Simmel afirma que os problemas mais graves da vida moderna nascem na tentativa do indivíduo de preservar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais;

Esta seria a mais recente transformação da luta do homem com a natureza para sua existência física;

Simmel considera que o século XVIII exigiu a especialização do homem e de seu trabalho, e conclamou que se libertasse de suas dependências históricas quanto ao Estado e à religião, à moral e à economia;

Para Simmel, há um profundo contraste entre a vida na cidade e a vida no campo;

Ele considera que a metrópole extrai do homem uma quantidade diferente de consciência, sendo que a vida da pequena cidade descansa mais sobre relacionamentos profundamente sentidos e emocionais, ou seja, o homem metropolitano reagiria com a cabeça em lugar do coração:

“A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão que é menos sensível e bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectualidade, assim se destina a preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana”. (p.13)

Entende-se, dessa forma, que a pessoa intelectualmente sofisticada e indiferente a toda a individualidade genuína que resulta em relacionamentos e reações que não podem ser exauridos com operações lógicas;

Este aspecto contrasta profundamente com a natureza da pequena cidade, em que o inevitável conhecimento da individualidade produz diferentes tons de comportamento que vão além do mero balanceamento objetivo de serviços e retribuição.

A metrópole é provida quase que inteiramente pela produção para o mercado, ou seja, para compradores desconhecidos que nunca entram pessoalmente em contato com o produtor;(p.13-14) “Através dessa anonimidade, os interesses de cada parte adquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicos intelectualmente calculistas de ambas as partes não precisam temer qualquer falha devida aos imponderáveis das relações pessoais”. (p.14)

Esse caráter assumido pelas relações metropolitanas estaria intrinsecamente ligado à economia do dinheiro;

Para Simmel, “a mente do homem moderno se tornou mais e mais calculista” (p.14)

Nesse sentido, a economia do dinheiro criou uma exatidão na vida prática (através da matematização da natureza), que nunca tanto se pesou, calculou, ou se reduziu os valores qualitativos a valores quantitativos;

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Através da difusão dos relógios de bolso, desenvolveu-se um tamanho controle do tempo sobre os indivíduos, que seria impossível realizar os afazeres típicos dos homens metropolitanos sem essa mais estreita pontualidade; “Assim, a técnica da vida metropolitana é inimaginável sem a mais pontual integração de todas as atividades e relações mútuas em um calendário estável e impessoal”. (p.15)

Todo esse controle, expresso pela pontualidade, calculabilidade e exatidão são introduzidos à força na vida pela complexidade e extensão da existência metropolitana;

São instrumentos que favorecem a exclusão de traços e impulsos irracionais e instintivos que visam determinar o modo de vida de dentro, em lugar de receber a forma de vida geral vinda de fora;

Autores como Ruskin e Nietzsche tinham ódio pela metrópole, pois descobriram o valor da vida fora de esquemas, que não pode ser definida com precisão para todos igualmente, passando então, a odiar também a economia do dinheiro e o intelectualismo da existência moderna;

Simmel considera a atitude blasé (indiferença, falta de interesse) como um dos maiores fenômenos psíquicos da população metropolitana;

Isso acontece pois na metrópole as mudanças e as novidades acontecem com mais rapidez e contraditoriedade;

Desta forma entende-se a atitude blasé de determinados indivíduos e em especial das crianças metropolitanas, quando apresentam comportamento indiferente em relação às novidades do mundo sempre que comparadas às crianças dos meios mais tranquilos.

RESUMINDO: O homem que vive nas grandes cidades vive num estado de resistência,

para manter sua subjetividade, autonomia e individualidade; O contraponto é do homem mais primitivo, que tinha uma luta pela

sobrevivência apenas; Outrossim, a metrópole criaria um modo de vida com tantos estímulos e

com um ritmo de vida tão acelerado que o metropolitano, como defesa. Tende a reagir menos emocionalmente e mais com a inteligência (atitude de reserva) ou a quase não reagir (atitude blasé).

Essa atitude é um dos dois extremos do comportamento humano influenciado pela vida moderna, no qual a pessoa, em meio à economia do dinheiro e controle rígido do tempo, mergulha em sua própria subjetividade sem se envolver com o ambiente externo;

Assim, acontece o distanciamento cada vez maior dos concidadãos, muitas vezes através de uma espécie de desconfiança excessiva de uma atitude de reserva em face às superficialidades da vida metropolitana;

Essa reserva seria o fator que, aos olhos de pessoas de cidades pequenas, faz com que as pessoas das metrópoles pareçam frios e até antipáticos;

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Esse cenário de frieza e distância, quando comparamos com o modo de vida no campo, vem junto com a presença massificante do dinheiro, como medida de todas as coisas;

Tudo perde o encanto, a “cor”, o caráter único, para se tornar um preço; até mesmo os relacionamentos pessoais são afetados por esta lógica monetária;

Simmel apresenta a ideia de metrópole como ilustração do princípio da união em grupos sociais (partidos políticos, governos etc.);

Esses grupos, inicialmente pequenos e coesos, por natureza, necessitam de regras para se manterem, diminuindo assim as liberdades individuais;

Com o crescimento do grupo, a tendência observada em todos os casos é das regras ficarem menos rígidas, dando uma maior liberdade aos indivíduos que compõem o grupo;

A auto-estima também parece difícil na grande cidade. E algumas pessoas tentam mantê-la através do reconhecimento e atenção de outras;

Para isso, criam um comportamento “extravagante”, tentando serem únicas no universo massificado da metrópole.

“A antiga polis é um exemplo que parece ter o próprio caráter de uma cidade pequena”. (p.19)

Eram constantes as ameaças externas, fazendo com que se desenvolvesse uma estrita coerência quanto aos aspectos políticos e militares, uma supervisão de cidadão pelo cidadão, um ciúme do todo contra o individual, tendo, por fim, a vida individual suprimida;

“a tremenda agitação e excitamento, o colorido único da vida ateniense, podem ser talvez compreendidos em termos do fato de que um povo de personalidades incomparavelmente individualizadas lutava contra a pressão constante, interna e externa, de uma cidade pequena desindividualizante”. (p.19)

Para Simmel, “isto produziu uma atmosfera tensa, em que os indivíduos mais fracos eram incitados a pôr-se à prova da maneira mais apaixonada”.

Por isso, floresceu em Atenas o que deve ser chamado, sem ser exatamente definido, de “o caráter humano geral” no desenvolvimento intelectual de nossa espécie.

Para Simmel, o indivíduo se opõe à sociedade na medida em que luta para manter sua individualidade, para distinguir-se, quando a sociedade e o modo de vida das grandes cidades, seus horários rígidos, seus números desumanos, tendem a massificar seus pensamentos e comportamentos;

Essa oposição ou conflito entre indivíduos e sociedade diminui se mudarmos de perspectiva e observarmos a liberdade e igualdade maiores que a metrópole proporciona quando comparada à vida no campo, ou numa cidade pequena, ou no século XVIII, com regras mais rígidas (políticas, religiosas etc.).

Simmel faz uma comparação interessante entre cultura objetiva, que seria a cultura ligada a objetos, coisas, instituições; e a cultura subjetiva, que estaria ligada ao indivíduo.

Há uma diferença grande no ritmo de crescimento das duas culturas;

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Enquanto a objetiva cresceu grandemente, motivada pela crescente especialização, a cultura subjetiva cresceu lentamente ou pode até mesmo ter regredido em certos pontos como ética, idealismo, etc.

“Não é preciso mais do que apontar que a metrópole é o genuíno cenário dessa cultura que extravasa de toda vida pessoal”. (p. 23)

A causa desse fenômeno,seria a divisão do trabalho, que torna os indivíduos cada vez mais alheios ao todo, com sua visão focada apenas ao processo (cada vez maior) que lhe é atribuído, para ganhar dinheiro;

Por exemplo, um artesão, na antiguidade, sabia como funcionava cada parte da carroça que construía, em seu ritmo, com sua arte, sua subjetividade;

Na época do texto de Simmel (passagem dos séc. XIX e XX), um operário de uma fábrica é quase um robô (bem representado no filme “Tempos Modernos”, de Chaplin), apertando parafusos, sem espaço nenhum para subjetividade.