A Medida é a Fé

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“Hoje em tudo que faço Te rogo e ofereço com fé E sigo sempre os teus passos Mãe de Nazaré E se tropeço ou fracasso Tu me manténs de pé Eu nada temo em teus braços Minha Mãe de Nazaré” (Oração do Romeiro) A vida nos dá momentos em que somos convidados a andar. São presentes. São situações em que tu és chamado para provar o número do teu calçado. Se ele realmente é grande, não importando o tamanho das tuas pernas e dos teus pés. A medida é a fé. Esta palavra no dicionário significa “Adesão total de um homem a um ideal que o excede, uma crença religiosa”. Eu não consigo descrever com tamanha precisão o que a fé significa. Ela é abstrata, não algo concreto que se possa tocar. A fé não se vê, o que se vê depois são os resultados alcançados por ela. O que está dentro de nós, só pode ser sentido, não para enxergar. E foi assim que eu, homem de pouca fé, na Trasladação do Círio 2009 fui convidado para testá- la. É uma experiência que vou lembrar para sempre.

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Um conto sobre a minha experiência com a Trasladação do Círio 2009.

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“Hoje em tudo que faço

Te rogo e ofereço com fé

E sigo sempre os teus passos

Mãe de Nazaré

E se tropeço ou fracasso

Tu me manténs de pé

Eu nada temo em teus braços

Minha Mãe de Nazaré” (Oração do Romeiro)

A vida nos dá momentos em que somos convidados a andar. São presentes. São

situações em que tu és chamado para provar o número do teu calçado. Se ele

realmente é grande, não importando o tamanho das tuas pernas e dos teus pés.

A medida é a fé.

Esta palavra no dicionário significa “Adesão total de um homem a um ideal

que o excede, uma crença religiosa”. Eu não consigo descrever com tamanha

precisão o que a fé significa. Ela é abstrata, não algo concreto que se possa

tocar. A fé não se vê, o que se vê depois são os resultados alcançados por ela. O

que está dentro de nós, só pode ser sentido, não para enxergar. E foi assim que

eu, homem de pouca fé, na Trasladação do Círio 2009 fui convidado para testá-

la. É uma experiência que vou lembrar para sempre.

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Começou quando a romaria já havia passado há mais de duas horas pela

Avenida Nazaré. Eu só tinha uma intenção: Tirar uma foto da Virgem de

Nazaré. Só que uma foto de qualidade. Não as fotos de longe. E, para minha

surpresa, pensei que fosse fácil. Realmente acreditei que era só chegar bem

perto e pronto: “click”. Mas fico feliz que não foi assim.

Partindo da Avenida Nazaré com a Doutor Moraes, primeiro cheguei com dois

policiais e perguntei: Ainda dá tempo de chegar até a Trasladação? – Os

guardas disseram que se eu corresse dava sim. E engraçado, tem coisas que não

se tem como explicar. Eu posso dizer que é a voz de Deus? Que é Nossa Senhora

me abençoando? Eu tenho pouca fé, admito! Só sei que segui esta orientação. Fui

andando, primeiro, e enquanto caminhava eu ía perguntando as pessoas por

onde estava a procissão. E quero que tu saibas que quando estamos sendo

guiados por uma outra força, enxergamos bem pouco as pessoas. Vemos

essências. Nós estamos procurando outras forças que também nos guiem. E

para todos que perguntei se dava ainda para cheguar até a procissão, disseram:

sim!

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Outra coisa que não se vê, além das pessoas, é a dificuldade. Eu não pensei

“Égua, tá difícil por aqui! Não tem condições” – Só se pensa nas oportunidades.

No que é positivo. Foi quando cheguei ao mar de gente, o que aconteceu na

Avenida Presidente Vargas. E luzes. Também são vistas muitas. Procuramos

por onde há luz e sair da escuridão. Eu queria desenhar para que tu pudesses

enxergar o que eu quero dizer. Imagines um labirinto. Sabes os caminhos do

labirinto? Aqueles que são entrelaçados, mas que tem um final? O labirinto tem

um propósito, chegar até o fim. Todos têm uma saída. E as velas são teus guias

nessas horas. É isso, caso queiras entender.

Então, quando me deparei com tantas luzes e energias, eu peguei a máquina

fotográfia e sem pensar, apenas fui tirando as fotos. Eu fui olhando e clickando.

Não pensei: Acho que essa imagem aqui dá uma boa foto! – Nâo. Os meus olhos

e minhas mãos foram me guiando.

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É quando começamos a não ver, mas perceber as pessoas. Todos que estão ali

estão com algum propósito. Ou de dor, ou de esperança, agradecimento, perdão,

pedidos e mais pedidos. Entre eles o de ganhar com trabalho honesto o “pão

nosso de cada dia”. Todos em uma mesma sintonia querendo que suas preces

sejam atendidas pela “maezinha” do Pará. E vemos uma inconsistência, algo

que se vê pouco no dia-a-dia. É quando o forte se torna fraco e o fraco se torna

forte. Quando poucos que se acham mais do que muitos se misturam aos muitos

que são mais e se acham pouco diante destes poucos. É o momento em que o suor

de todos é igual. É tudo água. Água que vem das lágrimas e de uma agonia

gostosa que dá ao se apertar no meio do povo. Porque apesar de estarem todos

juntos e unidos, cada pedido é uma caminhada solitária. É a fé!

Vamos todos nos empurrando, sustentando-nos. Fazendo do corpo do próximo

uma extensão do nosso próprio corpo para que possamos continuar a

caminhada. Porque se tu fazes este percurso, os teus pés te sustentam, mas é a

união na fé de quem está próximo a ti que te carrega. É também de quem faz

da doação da água, do afeto, da atenção um ato de amor.

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É um amor incondicional, porque principalmente é dado para quem nem se

conhece. Esse é verdadeiro. E no abana abana dos que caem, estes são mais

fortes ainda, porque quem caiu é quem colocou toda a força que teve à prova.

Se não tivessem desmaiado e sido socorridos pelos voluntários da Cruz

Vermelha, é porque provavelmente estariam acompanhando o Círio pela

televisão e não botando tudo o que tem em nome de Nossa Senhora de Nazaré.

E foi neste momento, acompanhando e registrando o que pude, é que fui

entender aquela velha frase: Eu não sou nada. Eu não sou ninguém. – É quando

eu percebi que meus problemas que são meus, nem se comparam aos problemas

que tantas pessoas enfrentam e que são delas. É uma hora em que me liberto de

mim para poder reconhecer meu próximo. Quando o ser humano se despe do

individualismo e encontra no seu semelhante suas próprias dores, porque a dor

do irmão passa a ser a própria dor.

Entre a minha e nossa caminhada, encontro uma mãe. Eu nunca saberei o que

esta mulher estava pedindo. Ela, com a criança no colo, é a expressão da

pureza que há entre a Mãe e Cristo. Não sou autoridade religiosa e eximo-me

de culpabilidade se estou blasfemando. Mas falo o que há em meu coração. Eu

consigo ver Maria e Jesus nesta imagem. A representação do amor. E só eu sei

como é difícil encontrar, procurar e achar a fé. Não é todo dia que eu estou

cheio de entusiamo. Não é todo dia que acordo sorrindo. Nem todo dia que

agradeço por mais um dia que Deus me deu. Quanta ingratidão de um filho

para com o Pai. Então, que minhas palavras sejam perdoadas.

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Na procura pela força que move a vida, também vi um homem. Ele olhou para

um lado e para o outro. E o que procurava? Seria a fé? É quando me deparo

com outro alguém que não sei o nome, mas a imagem dele me emociona porque

pude ver a “verdadeira imagem” de Nossa Senhora de Nazaré nas mãos dele.

Ele a carregava como um troféu! A vitória de ter chegado aonde conseguiu!

Apesar de eu também nunca saber que lugar era este.

Tu consegues ver o que falo? É uma família! Na hora, a junção de todos se

iguala em uma união. Tornamo-nos próximos demais diante da impessoalidade

que temos em comum. É a irmandade. Eu poderia ter palavras para descrever

tudo isso?

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Durante esta caminhada, mais unida agora do que solitária, eu finalmente

consegui encontrar a berlinda. Só de vê-la lá... Lá longe! – Eu já me senti um

vitorioso! Porque na hora que eu comecei a sentir realmente que eu a

encontraria, na parte em que a Santa dobra na Avenida Boulevar Castilhos

França, tu vês muitas pessoas voltando. Eu pensei: O Círio acabou! – E foi

quando eu comecei a ver a multidão novamente. São as provações. Temos que

passar por elas para realmente sermos merecedores de uma conquista.

Foi quando eu, homem de pouca fé, comecei a ver novamente tudo mais claro,

bem mais iluminado. E voltei a olhar os caminhos que eu percorria em meio ao

“labirinto”. Andei e caminhei. Caminhei e andei. Procurava a minha

realização. A realização, para que tu entendas, é algo acima das minhas

aspirações. Quando falo realização é que nem descrever a fé, eu não posso.

Consegui subir em um carro e tirei a primeira foto. Estava longe... Longe. Tão

distante quanto a minha fé que quer crescer dentro de mim. Eu por um

momento pensei que não fosse conseguir. Eu pensei que quando acabasse a

Boulevard tudo estava acabado. Mas meu pensamento me disse para desviar

por um desses caminhos. Mas só por um instante. Eu tenho e quero sempre

voltar ao caminho da verdade, por mais que no meio haja estes desvios.

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E quando eu desviei, eu comecei a correr. E corri e não vi mais nada. Eu não

via realmente nada! Tanto não vi que caí. Eu literalmente caí quando desviei o

caminho! E começaram a rir. É nesta hora que tu tens que suportar a

vergonha. Tu consegues suportá-la? Consegues não te deixar abatar pelos outros

na queda? E nem deixar que os outros sejam o real motivo da queda?

Só lembro de uma voz. “Levanta meu filho. Todo mundo cai. Levanta” –

Consegues imaginar isso? Tu caíres e alguém que nem te conhece, em meio ao

riso dizer “Levanta!”. Foi quando cheguei até o encontro da Santa na Praça do

Relógio.

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Eu consigo visualizá-la. O momento. É na hora que tu és carregado, amparado

por um mar. Realmente é um mar de gente. Mas no meio de todos há um

espaço. Sempre há e haverá um lugar para quem quiser encontrar com Nossa

Senhora de Nazaré. E as mãos e os corpos se tocam. Todos. Sem pudor. O pudor

está na fé. E ela passa. Linda. Tu saúdas Nossa Senhora de Nazaré. Sem saber

rezar tu rezas. Sem nem entender o porque real de tudo aquilo, mas tu estás lá.

Porque simplesmente acreditas em algo. E o tempo passa... Mas a emoção,

quando se lembra é simplesmente a mesma. Apenas lembras e sentes.

“Viva Nossa Senhora de Nazaré!” “Viva!”. Neste momento, já estou cansado,

andei, caminhei, caí, levantei-me! Eu consegui! Eu cheguei perto, o mais perto

que Ela me permitiu alcançar! É uma Graça! É Deus! Jesus Cristo! É a Mãe de

Todos! E até aos que não acreditam, Ela não se recusa de ser Mãe também!

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Todos os dias caímos. Nem percebemos. Mas caímos. Todos. Podes reparar.

Quais são tuas angústias? Os medos que te paralisam? As tuas dúvidas?

Anseios? Os obstáculos e as dificuldades de cada dia? Todos nós temos. E a

Trasladação me fez entender isso. Que não sou o único filho do Pai. Não sou o

único homem na terra. Sou irmão de todos. Todos são meus irmãos. E por mais

que queiramos adotar a verdade, o mundo continua se fechando para quem

quiser se recusar. E a época do Círio de Nazaré é feita para isso:

“Para lembrarmos que por mais que tenhamos quedas. Deus, Jesus Cristo e

Nossa Senhora de Nazaré sempre estarão lá para nos amparar e nos levantar”.

Ames teus irmãos!

Paz!

Amém!

Mais importante do que falar sobre a Trasladação, é senti-la:

http://www.youtube.com/watch?v=OfOC1pgN2Ws

por Delano Augusto Corrêa de Almeida

Crédito das fotos: Delano Almeida