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Medicina Interna Hoje 1 dezembro de 2012 • Ano VII • N.º 26 • Trimestral A MedIcINA INTerNA é sIMulTANeAMeNTe especIAlIdAde “Mãe” e especIAlIdAde “berço” José Martins Nunes presidente do conselho de Administração do centro Hospitalar e universitário de coimbra

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dezembro de 2012 • Ano VII • N.º 26 • Trimestral

A MedIcINA INTerNA é sIMulTANeAMeNTe especIAlIdAde “Mãe” e especIAlIdAde “berço”

José Martins Nunespresidente do conselho de Administração do centro Hospitalar e universitário de coimbra

2 Medicina Interna Hoje

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de portas abertas

desafio: sustentabilidade do sNsJosé Martins Nunes é o nosso entrevis-tado desta edição e traz-nos a sua visão da sustentabilidade do nosso serviço Nacional de saúde, através da afirmação de centros de Medicina de excelência com capacidade para integrar ensaios clínicos, investigação à escala global e a possibilidade de virmos a tratar doen-tes estrangeiros que procurem portugal para um acompanhamento altamente especializado. de realçar o seu ponto de vista sobre a necessidade de se conside-rar em termos de gestão do sNs a noção de valor acrescentado para a sociedade, pelo dinheiro investido na saúde (ga-nhos em anos de vida produtiva, em es-perança média de vida e em qualidade de vida por exemplo). Na sua qualidade de presidente do conselho de Adminis-tração do centro Hospitalar e universi-tário de coimbra, fala-nos do processo de fusão das sete unidades de saúde que esta instituição congrega e dá-nos a sua visão do papel da Medicina Interna. Apresenta-nos diversas soluções que podem trazer sustentabilidade à organi-zação que dirige, como uma missão que assumiu e onde pretende encontrar so-luções criativas e alternativas para finan-ciar a aposta do estado na saúde.Nesta edição assinalamos o novo site da spMI que convidamos a que acedam.destacamos o trabalho feito na or-ganização da 3.ª edição da escola de Verão no passado mês de setembro

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 olho clínicoo novo website da spMI

Núcleo de Formação reativado3.ª escola de Verão de Internos

de Medicina Interna

6 Vox popcarla pimentel,

coordenadora do Núcleo de Internos de Medicina Interna

7 primeiros passosMedicina Interna: ciência e arte

por Ana Filipa rodrigues

8 Alta vozum caminho que não desistimos

de percorrer por Nuno bernardino Vieira

10 uma palavra a dizerentrevista a José Martins Nunes

presidente do conselho de Administração do centro

Hospitalar e universitário de coimbra

16 revelaçõescarlos dias

um colecionador de Fóssseis

17 do lado de cáde corpo e alma

por Isabel Nery

bem como no congresso de estudos de doenças do Fígado e o simpósio de doenças raras, eventos organizados por núcleos da spMI.carla Araújo, coordenadora do Núcleo de Internos de Medicina Interna, reflecte sobre os problemas sentidos pelos inter-nos de Medicina Interna acerca do re-cente acordo com o Ministério da saúde nas questões salariais e de prestação de horas de trabalho.em Alta Voz, relata-nos um diagnósti-co difícil e complexo de Nuno bernar-dino Vieira, que revela, por um lado, uma proximidade e um envolvimento interessante com o caso que nos traz, por outro, um exemplo de persistência e de contínua procura de um diagnós-tico acertado. A destacar, o percurso dos primeiros passos da jovem inter-nista Ana Filipa rodrigues sobre o fac-to de sentir a especialidade como uma fonte continua de conhecimento e de desenvolvimento pessoal e pro-fissional.A jornalista Isabel Nery da revista Vi-são, vencedora do prémio de jornalis-mo da spMI há precisamente um ano, fala-nos da sua perspetiva da especia-lização na área do jornalismo, caminho que tem optado por contrariar, pela necessidade de assimilar a realidade como um todo, de certa forma, esta-belecendo um paralelo interessante com a Medicina Interna.

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olho clínico

o Núcleo de estudos de Formação (NeFMI) da sociedade portuguesa de Medicina Interna, após uma reunião inicial no dia 20 de outubro de 2012 iniciou a sua atividade com outro encontro agendado para dia 1 de dezembro para

A sociedade portuguesa de Medicina Interna (spMI) lançou seu novo website. este projeto surgiu da necessidade de atualização dos conteúdos, da acessibilidade do site ante-rior, uma versão que já se encontrava no ar há alguns anos e que viu também o seu aspeto gráfico mais atualizado. esta ferramenta pretende ir mais além nas possibilidades da anterior versão, nomeadamente criando quatro grandes áreas de pesquisa: uma para o público em geral, uma para profissionais de saúde, outra para a revista científica “Me-dicina Interna” e uma área reservada com perfis de acesso diferenciados mediante login e passwords para os sócios, sis-tematizando a informação de forma mais amigável. As maiores inovações estão na área destinada aos profissio-nais de saúde (com links para várias fontes de informação dentre as quais o congresso, as revistas da sociedade, do-cumentos e legislação, a escola de Verão da spMI, Medicina Interna e universidade, notícias na comunicação social e ou-tros), na área reservada (administração, Hospitais e serviços de Medicina Interna, Núcleos de estudo, documentos para associados, informação do associado e outros temas) e na área da revista “Medicina Interna” que passa a poder ser con-sultada em formato digital. “esta última é a área que importa realçar, pelo destaque ao

Novo site da SPMI

órgão científico da spMI, não só internamente mas a nível internacional e este é um passo fundamental para atingir esse objetivo, refere António rodrigues dias, presidente da direção da spMI a acrescenta que “é um avanço importante no desenvolvimento da spMI e na afirmação da Medicina Interna portuguesa e esperamos corresponder ao anseio de muitos associados e receber deles o feed-back necessário para a melhoria contínua deste serviço”.

Núcleo de Estudos de Formação com nova coordenação

planeamento das atividades e primeiros passos na prosse-cução dos seus objetivos. este Núcleo conta agora com uma nova coordenação eleita encabeçada por António Martins baptista, atualmente pre-sidente do colégio da especialidade de Medicina Interna e antigo presidente da spMI. A anterior coordenação fez à atual direção, uma proposta para que ao NeFMI fossem atribuídas funções e maiores responsabilidades na coordenação de toda a atividade for-mativa da spMI, sem prejuízo das iniciativas específicas de cada Núcleo, ultrapassando o projeto inicial de um grupo de reflexão teórica sobre a formação em Medicina Interna. o desafio foi aceite pela nova direção do núcleo uma vez que a spMI constata a importância de centralizar a ativi-dade formativa, tanto de internos, como de especialistas. A iniciativa deste salto qualitativo do NMI parte duma re-flexão que a anterior coordenação fez no 18.º congresso Nacional, em Vilamoura.

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Escola de Verão foi um sucessoIII eVerMI

A terceira edição da escola de Verão em Medicina Interna (eVerMI) da sociedade portuguesa de Medicina Interna (spMI) decorreu entre 13 e 15 de setembro, em beja e contou com 43 participantes, cinco dos quais enviados pela sociedade espa-nhola de Medicina Interna, de acordo com protocolo existente entre esta e a spMI. A direção ficou a cargo de António Martins baptista e de João sequeira que consideram que esta edição fechou com “os principais objetivos da escola, mais uma vez mais atingidos”. A escola de Verão propõe-se realizar uma atualização científi-ca dos participantes em áreas diversas no âmbito da Medicina Interna, promover o raciocínio clínico do Internista, fomentar o espírito de grupo e o trabalho em equipa e desenvolver com-petências técnicas de comunicação. uma das novidades no programa desta edição foram as “Fer-ramentas do Interno”, de que são exemplos as sessões “como elaborar um curriculum Vitae” e “como construir uma história clínica”. este ano foi alargado no programa o “Meet the expert”, conferências de encontro com o especialista sobre uma abor-

dagem específica de uma determinada área, tendo sido trata-dos os temas da “Hiperglicémia no doente internado”, “A doen-ça hepática crónica” e um update em Medicina Interna sobre o que de importante foi publicado no último ano.A organização considera que, após três edições da escola de Verão, “o espírito do evento já se encontra bem defini-do” e que “todos os participantes e formadores beneficiam com a experiência”. diversos formadores prestigiados estiveram presentes nesta terceira edição da eVerMI, nomeadamente ramon pujol, presidente da Federação europeia de Medicina In-terna, João sá antigo presidente do colégio de Medicina Interna, ou o bastonário da ordem dos Médicos, José Ma-nuel silva.Na avaliação final, os internos da especialidade considera-ram o programa científico como sendo de grande interesse para a sua formação tendo referido que o programa social do evento permitiu estreitar laços entre os participantes, num projeto que visa prestigiar a Medicina em portugal.

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vox pop

Jovens internistas reclamam acordo mais justo com o Governo

os jovens Internistas de portugal sentem que a sua voz não está a ser ouvida devidamente neste momen-to de grande dificuldade para o país. Numa altura em que foi possível chegar a um acordo com o Governo acerca de número de horas presta-das ao serviço de urgência e ajuste salarial e após o exmo. sr. bastonário da ordem dos Médicos ter afirmado publicamente que “foi o acordo pos-sível nas circunstâncias atuais”, os Internistas e em especial os internos de Medicina Interna (especialidade que conta com o maior número de internos do pais relativamente a va-gas hospitalares) não acreditam que seja a melhor solução e gostariam de ter sido ouvidos e convocados para discussão.Acreditamos que a Medicina Inter-na é a melhor gestora do doente. Todos os doentes beneficiam muito com a visão holística do internista e a sua grande capacidade de ajuste a

todo tipo de situações. os internistas são fundamentais no serviço de ur-gência, estão presentes 24 horas por dia, 7 dias por semana durante todo o ano. Acreditamos que a Medicina Interna deve continuar a liderar o serviço de urgência e que todos os internos aprendem muito neste serviço. Mas defendemos a qualidade acima de tudo, pelo que a regulamentação de horas dispensadas ao serviço de urgência, número de urgências por mês, assim como o preço/hora deve ser justo, uniforme e equilibrado de norte a sul do país por forma a dig-nificar a profissão, motivar os profis-sionais e melhorar a qualidade do serviço prestado. No futuro será necessário desenhar uma estratégia de gestão hospitalar que permita otimizar todos os re-cursos. esta gestão deve contemplar o número de médicos que cada ano finaliza a sua especialidade e a sua

integração em serviços capazes de responder às necessidades do país. devem ser tidas em conta as exigên-cias do internato médico, em especial do internato em Medicina Interna, es-pecialidade abrangente e de grande importância no sistema Nacional de saúde. será necessário entender a importância fulcral do Internista nos Hospitais, na gestão de doentes com-plexos e com muitas comorbilidades. se conseguirmos controlar a doen-ça crónica e diminuir o número de agudizações será possível diminuir o número de episódios de urgência e, desta forma, conseguiremos otimizar e melhorar o serviço prestado.estamos convictos que tudo faremos para defender os nossos interesses, defendendo acima de tudo a melhor prestação de cuidados aos nossos doentes, que são a principal preocu-pação do Médico de acordo com os princípios hipocráticos que a Medici-na Interna abraça em todo momento.

Carla Araújo pelo Núcleo de Internos de Medicina Interna

“O número de urgências por mês assim como o preço/hora deve ser justo, uniforme e equilibrado de norte a sul do país por forma a dignificar a profissão, motivar os profissionais e melhorar a qualidade do serviço prestado.”

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primeiros passos

A perspetiva centrada no doente, a sua abordagem global/holística e o exercício clínico e diagnóstico foi o mais aliciante, para mim, na escolha da especialidade. simultaneamente, também a preservação da importância da colheita da história clínica e do rigor do exame objetivo, que tão bem carac-terizam esta especialidade, tornam a Medicina Interna, por excelência, a que melhor personifica a imagem do “médi-co de cabeceira” do doente.ser Interno do complementar de Medicina Interna não é fácil. Inega-velmente, implica trabalho árduo e sacrifício. Ainda assim traz as suas re-compensas: a certeza de que o bem--estar do doente prevalece; o seu se-guimento nas várias fases da doença desde as queixas, ao diagnóstico e terapêutica; saber que a Medicina In-terna tem sempre algo a oferecer, se não cuidados curativos, cuidados ter-minais de fim de vida. por outro lado, a partilha e discussão inter-pares, o sentido auto-crítico para melhorar a qualidade dos serviços prestados atra-

vés do desenvolvimento de estudos baseados na evidência são motivos de valor que contribuem em grande parte para perpetuar o sentimento de gratificação profissional. durante o internato a aprendizagem é progressiva, bem como a autonomia que se vai conquistando ao longo do tempo. enquanto interna num hospi-tal periférico onde a Medicina Inter-na tem a primazia do internamento médico, aprendi entre outras, o rigor e responsabilidade da gestão do do-ente. cada vez mais pelas limitações impostas, o Internista deverá ser não só o gestor do doente, como também um gestor de recursos a nível hospita-lar. A relação custo/benefício do pla-no traçado para cada caso deverá ser sempre tido em conta, sem nunca es-quecer os princípios éticos e deonto-lógicos que regem a arte da medicina centrada no doente. cabe ao Interno o papel dinamizador de actualiza-ção contínua do estado da arte, para uma melhor prestação de cuidados, e maiores ganhos em saúde, passando

Ana Filipa RodriguesInterna do 2.º ano de Medicina Interna do Hospital das caldas da rainha

Medicina Interna: ciência e Arte

pela uniformização de critérios e ati-tudes. Apesar das diversas dificuldades que se fazem sentir, tal como acontece em tantos outros serviços é de louvar a permanente disponibilidade revelada em especial pela minha orientadora, e também pelos restantes colegas de trabalho, nos vários níveis da mi-nha formação, quer profissional quer pessoal. Além de modelos de desem-penho, servem como fonte de moti-vação através do reconhecimento do trabalho desenvolvido até agora ao longo do internato, inspirando a che-gar cada vez mais longe. A especialidade é agora uma possibi-lidade realizada, contendo inúmeras possibilidades realizáveis: uma porta aberta a várias oportunidades. A ex-pectativa de poder desenvolver um trabalho contínuo, progressivo na carreira hospitalar e académica, ape-sar das adversidades que se sentem e se adivinham ainda, serve de estímu-lo para melhorar o meu desempenho clínico e curricular.

“A vida é breve, o aprendizado é longo; a ocasião passageira; a experiência perigosa, a decisão difícil.” Hipócrates

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alta voz

Um caminho que não desistimos de percorrerFrancisco, 68 anos de idade, reformado após uma vida a trabalhar nos cami-nhos-de-ferro, dedica-se agora à vida do campo. Vive com a esposa em s. Marcos da serra, uma freguesia serrana do con-celho de silves. Foi sempre um homem saudável, “rijo como um pêro” como gostava de dizer. Nunca precisou de mé-dicos ou de medicamentos. Tinha o vício do tabaco, deixara-o há quase 20 anos. chega ao serviço de urgência (su) do centro Hospitalar do barlavento Algar-vio (cHbA) numa tarde de Fevereiro, já cansado de se sentir doente, o que para ele era uma novidade. Tudo tinha começado há cerca de um mês, sentia--se cansado e sem energia, doía-lhe o corpo e a lida do campo começou a ficar esquecida. Agarrou-se à cama, perdeu o apetite e oito quilos. As noites eram terríveis, entre os calafrios, a febre e os suores noturnos, mal conseguia descan-

sar. chegava a ser necessário mudar os lençóis da cama mais do que uma vez.procurou o médico de família que o medicou com um antibiótico (levoflo-xacina) que cumpriu escrupulosamente durante duas semanas sem que notasse qualquer melhoria, antes pelo contrário, cada vez se sentia mais doente. Nos úl-timos dias referia ainda dificuldade em urinar. Apesar da exaustão daquele mês apre-sentou-se na urgência, calmo. A explo-ração era inocente não revelando qual-quer pista. para quem não o conhecia diria mesmo que tinha “bom ar”. realizou os primeiros exames ainda no su. Nas análises, uma ligeira anemia, pa-râmetros inflamatórios muito aumenta-dos com uma leucocitose marcada com neutrofilia (28.600/mm3). A proteína c reactiva (pcr - 246,3 mg/dl) e a Veloci-dade de sedimentação (107 mm/1ªH)

também estavam muito elevadas. Na bioquímica realce para uma Fosfatase Alcalina aumentada cerca de oito vezes em relação ao normal. o sedimento uri-nário revelava uma leucocitúria modera-da. A radiografia de tórax nada indicava. ecograficamente, o fígado parecia não ter alterações estruturais, tal como os rins e as restantes estruturas abdominais e pélvicas visualizadas. dada a gravidade e o arrastado curso clínico foi-lhe proposto internamento. cansado daquele mês interminável aceitou-o. o homem com saúde para dar e vender estava agora resignado a uma cama de hospital, a fragilidade da condição humana prega estas partidas quando menos se espera. é admitido no serviço de Medicina Interna. perguntava a si mesmo o que seria isso de Medicina Interna, certamente que seria grave o que tinha, pois para o tratar tinham-lhe

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arranjado médicos de uma especialida-de que nem sequer sabia que existia.Foi internado com o diagnóstico de In-feção do Tracto urinário (ITu), tendo ini-ciado antibioterapia empírica de amplo espectro com uma associação de Amo-xicilina e clavulanato com Gentamicina. para o Internista, que geralmente não se contenta com o óbvio, parece “muita parra para pouca uva”. era um quadro demasiado florido para um homem apa-rentemente saudável para ficar satisfeito com uma simples ITu. é verdade que uma prostatite arrastada ou uma tuber-culose renal poderia explicar a situação, mas, na sua visão holística, o Internista prima pela amplitude do leque de diag-nósticos que consegue abrir. deixou-se ficar a antibioterapia, mas aprofundou--se a investigação.Ao fim de duas semanas no hospital, Francisco começa a ficar impaciente, apesar do tratamento e dos exames a que tem sido submetido, a febre con-tinua a voltar quase sempre à mesma hora. Já não se queixa a urinar, mas sente-se cada vez mais fraco. os exames bacteriológicos são todos negativos, o Mantoux é arreativo, as serologias para infeções virais e bacterianas efetuadas também são negativas. Apesar da an-tibioterapia que cumpriu durante sete dias mantém a leucocitose, a pcr acima de 200 mg/dl, bem como os restantes parâmetros inflamatórios elevados. paulatinamente, as transaminases e os parâmetros de colestase aumentam, com uma Fosfatase Alcalina que chega a 1702 uI/ml. A leucocitúria desapareceu. A restante avaliação laboratorial, incluin-do o estudo de autoimunidade, não apresenta novidades de relevo. efetuou ainda Tc de crânio e de corpo, ecocar-diograma, punção lombar, exames en-doscópicos, cintigrafia óssea e nem uma pista para o diagnóstico.A atenção centra-se nas alterações hepá-ticas, afinal é a única focalidade suspeita.

Faz uma cprM que é normal. é subme-tido a biópsia hepática, mas a histologia revela apenas uma Hepatite inespecífi-ca. Ao fim de um mês de internamento, já sem explicações para as dúvidas de Francisco e tendo em conta uma ligeira melhoria do estado geral com o trata-mento sintomático com Naproxeno, é lhe dada alta para prosseguir o estudo na consulta. Foi “sol de pouca dura”, pois ao fim de duas semanas é readmi-tido por agravamento do estado geral. Apresenta também agora um exantema macular pruriginoso generalizado. os exames são repetidos e nada de novo. os exames bacteriológicos continuam negativos, incluindo a mielocultura e a cultura do suco gástrico. repete exames de imagem sem novas conclusões. em desespero de causa inicia-se uma prova terapêutica com tuberculostáticos, que não lhe provocam qualquer melhoria e lhe agravam os parâmetros laboratoriais hepáticos. uma das maiores angústias do Internis-ta é ver o tempo passar, enquanto dia após dia vê o seu doente definhar, sem encontrar as respostas que procura. Francisco estava a perder a esperança, os agoiros de que seria aquela a sua últi-ma morada multiplicavam-se. Já tinham passado cerca de três meses desde que tudo começara.Mas a persistência é uma qualidade do Internista. chegam os resultados da ava-liação laboratorial que tinha sido efetua-da no início do segundo internamento, com os parâmetros laboratoriais efetua-dos no exterior (resultado disponível ao fim de cerca de um mês após a colheita). ressalta o doseamento elevado da enzi-ma conversora da Angiotensina (3 vezes o limite superior). Foi então pedida revi-são dos estudos histológicos efetuados tendo em conta este novo dado. Na biópsia óssea previamente efetuada é agora relatado o achado de granulomas não caseosos que reforçam a hipótese

diagnóstica de sarcoidose. Faz-se então luz naquele quadro clínico que afinal tem uma causa que o explica, desde as manifestações sistémicas até à hepatite colestática.Francisco recupera a olhos vistos, ao fim de uma semana de corticoterapia tem alta já sem febre e com clara melhoria dos parâmetros laboratoriais. Mas o ca-minho em conjunto não terminou aqui. persiste a imensa vontade de viver de Francisco e a amizade que se reforça em cada consulta. um caminho a que o In-ternista também é capaz de dar suporte em ambulatório no acompanhamen-to da doença crónica. Na luta diária do exercício da Medicina Interna saúdam--se vitórias como esta, em que a persis-tência, o trabalho e o raciocínio clínico são as maiores armas do Internista para chegar ao diagnóstico final.

Nuno Bernardino Vieira,

Assistente Hospitalar de Medicina Interna,

serviço de Medicina Interna, centro Hospitalar do barlavento

Algarvio, portimão

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José Martins Nunes é presidente do conselho de Administração do centro Hospitalar e universitário de coimbra (cHuc). uma responsabilidade a que foi chamado a assumir na casa onde fez carreira, onde foi diretor do serviço de Anestesiologia e coordenador do bloco operatório central. Martins Nunes foi ainda secretário de estado da saúde do XII Governo constitucional, em 1991. Aponta a imprevisibilidade como um dos fatores desestabilizadores desta crise mas não perde a visão otimista e a confiança, traçando novos caminhos de financiamento para os hospitais públicos.

Novos desafios de sustentabilidade do SNS

uma palavra a dizer

entrevista a Amaro lourenço, presidente da comissão organizadora

Como qualificaria a gestão hospitalar em Portugal? em portugal tivemos uma evolução no-tável na gestão dos hospitais desde há 15 a 20 anos a esta parte. evoluímos de uma gestão empírica para uma gestão altamente profissionalizada como con-sequencia da transformação dos hospi-tais spA em entidades públicas empre-

sariais (epe) e da necessidade de nos socorrermos de instrumentos de gestão.

Existem hoje preocupações redobra-das sobre a sustentabilidade e so-bre gestão dos serviços de saúde para um médico? sim. os contratos programa envol-vem os diretores de serviço, cujo

cargo tem uma forte componente de gestão. Isso implica conhecimentos sobre recursos financeiros, produção e eficiência, por exemplo.

E um médico consegue “ser médi-co” e ter presentes princípios de gestão?Hoje o conhecimento é transversal.

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Não existe um conhecimento estan-que de medicina, de economia ou de engenharia, por exemplo. este pro-blema colocar-se-ia há 20 anos atrás, mas hoje não. os médicos têm a no-ção que a saúde não tem preço mas tem custos. é uma questão natural. A necessidade, não de racionamento, mas de racionalização dos meios, dos recursos – que não são infindáveis - impõe-se. Verificamos que as pes-soas melhoram a sua eficiência, por exemplo, com a preocupação com as demoras médias, com as terapêuticas de consciência, através da aplicação de algoritmos e protocolos, com os quadros de medicina de evidência. depois, quando o médico sobe ao patamar de uma unidade de gestão intermédia ou de uma área de gestão integrada, aprofunda os seus conhe-cimentos. Quando se escolhe um mé-dico para presidente do conselho de Administração de um Hospital, é de supor que esteja na posse de todas essas competências.

Os Hospitais de Coimbra foram pio-neiros em determinadas formas de gestão ?esta forma de gestão intermédia como existe aqui no cHuc verifica-se também noutros hospitais, como são exemplos o Hospital de s. João ou o de santa Maria, entre outros e resulta, sobretudo do contrato programa com a gestão intermédia. coimbra foi é e uma experiência inovadora sim, com os crI - centros de responsabilidade Integrada - que no novo regulamento se incentiva na área de gestão inte-grada, que cria as unidades de gestão intermédias.

Concorda com a forma atual de gestão e administração hospitalar ou gostaria de ver implementado outro modelo?o hospital do futuro tem que estar preocupado com questões de quali-dade, com eficiência e com os meios.

tem monitorizar que gastámos bem o dinheiro porque ele resultou na me-lhoria de determinados parâmetros.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderá vir a ser avaliado sob esses parâmetros?Já temos alguns indicadores em portu-gal. Não estabelecemos a relação entre as unidades monetárias gastas e os re-sultados, por enquanto. Mas fazemos por benchmarking em relação a outros países como por exemplo à França ou à Alemanha e comparamos separada-mente os nossos gastos em saúde de forma indexada ao pIb ou per capita. Quando dizemos que gastamos 6,5 por cento do pIb em saúde temos que dizer sobre um determinado montante. se há coisas de que nos podemos lembrar da-qui a 100 anos são, por um lado, a demo-cracia e liberdade, por outro, o sistema Nacional de saúde. é muito justo, é soli-dário e até fraterno. são valores de uma

“A necessidade, não de racionamento, mas de racionalização dos meios, dos recursos – que não são infindáveis - impõe-se. “

Hoje começa-se já a dar um salto em frente. Há hospitais, que são de lide-rança mundial na área da gestão, (no-meadamente alguns hospitais ame-ricanos), que introduziram um novo elemento na gestão, que é a medição do “valor acrescentado”.

O “valor acrescentado” é uma for-ma diferente de medir resultados? sim. o pensamento moderno em ter-mos de gestão aponta que, por cada unidade monetária gasta, devemos fazer corresponder o valor acrescen-tado na sociedade. este é medido pelos índices de saúde. Falamos de perspetivas macroeconómicas, não apenas de um hospital, mas de uma região, ou de um país. determinar o que se produziu de riqueza para a po-pulação em termos de resultados na saúde. como por exemplo, a esperan-ça de vida, a morte evitável. Há uma série de indicadores que nos permi-

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uma palavra a dizer

sociedade moderna. e apesar das difi-culdades, estamos a conseguir manter este serviço com uma qualidade muito elevada. Temos um sNs que garante às pessoas uma determinada qualidade com uma percentagem do pIb elevada porque o nosso pIb é baixo. consegui-mos estes resultados com uma despesa na saúde que está a ser comportável .

Como define o papel do Internista no sistema de saúde em Portugal?A Medicina Interna é simultaneamente a especialidade “mãe” e a especialidade “berço”. A tendência que se verifica hoje nos hospitais de ponta, sobretudo nos de média dimensão, que já estão num patamar acima é que, na Medicina Inter-na se inserem-se as restantes especiali-dades. é ela que faz a gestão do doente. é ainda a especialidade que tem a gran-de abrangência e o controle de tudo quanto é marginal às restantes especia-lidades. e faz outra coisa: a integração da

doença. Hoje sabemos e comprova-se por estudos e estatísticas que as pessoas com mais de 75 anos têm, por norma, pelo menos, mais de quatro patologias. é fundamental que a Medicina Interna seja o “berço” destas várias patologias. esta especialidade está muito bem pre-parasa para fazer a ligação entre as de-mais.

Verifica-se já uma organização hos-pitalar em algumas unidades que confirmam esta visão, por exemplo, o Hospital de Loures.sim, essa é a razão pela qual o Hospi-tal beatriz Ângelo, em loures imple-mentou esta organização e é o que se vê nos novos hospitais, nos que são inovadores. este modelo está a ser apli-cado pelos hospitais de ponta, onde a Medicina Interna é o “berço” das outras especialidades. é fazer a gestão do do-ente mas fundamentalmente, a gestão da doença.

Que função deve assumir a Medicina Interna num contexto de mudança da organização dos serviços de saúde, nomeadamente face às outras espe-cialidades? o Internista é o clínico por excelência. do ponto de vista de racionalização de meios ou da melhor utilização de meios, o seu papel é fundamental. Há hospitais ideais para implementar este modelo, que são os de média di-mensão. os grandes hospitais de fim de linha já têm outros problemas, que são a multipla especialização, embora o Inter-nista continue a ser aqui um “cimento” importante. As fusões dos serviços aqui em coimbra, obrigaram-nos a refletir sobre a orga-nização da área de Medicina Interna e levou-nos a trabalhar na criação de con-dições futuras para que esta especialida-de possa ser chama da a ter um papel mais interventivo, vindo a ser o verda-deiro “cimento” dos outros serviços. A “área de Medicina Interna”, como agora se chama, na perspetiva organizacio-nal, os hospitais devem ser organizados por patologia e não por serviços. esta reorganização não se faz em dois dias, mas a tendência é caminharmos nesse sentido. esta é que é a grande novidade na organização. os serviços de cirurgia talvez estejam mais avançados nesse sentido, porque foi uma área que não se diferenciou tanto como a área médica.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem perdido profissionais com a transferência para o setor privado. Por outro lado há cada vez mais jo-vens médicos a irem trabalhar para o estrangeiro por falta de condições para realizarem a sua carreira em Por-tugal. Como manter carreiras atrati-vas para os jovens médicos?Há duas leituras diferentes a fazer. A saí-da para o setor privado é muito regional. sucede em lisboa, um pouco no porto mas em coimbra não. o que se verifica aqui é dupla atividade no público e no

“Onde estamos a trabalhar é na criação de condições para que a Medicina Interna possa ser o “cimento” dos outros serviços. “

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privado. A saída de especialistas para o estrangeiro tem mais a ver com a exce-lente preparação dos nossos médicos. eles têm hoje competências que não possuíam há uns anos e, em algumas áreas, estão mesmo à frente de médicos de outros países. Quanto à carreira médica, deixou de ser atrativa desde há 10 anos (desde os hos-pitais epe). Graças ao acordo que o atual Ministro da saúde fez com os sindicatos, valorizaram-se novamente as carreiras médicas. são um dos pilares do sNs, ga-rantem a estabilidade, o conhecimento e a formação. o início dos contratos in-dividuais de trabalho modificou toda a estrutura da carreira. este acordo é uma vitória para a medicina porque todos os profissionais e cidadãos sairam a ganhar.

O nosso sistema de saúde foi sempre um sistema misto com os subsistemas de saúde (ADSE e SAMS por exem-plo). Mais recentemente os seguros de saúde implementaram-se bem como a oferta privada de cuidados de saúde. Como deverá articular-se toda esta situação complexa? Vou à essência dos princípios. o sNs é global, universal e tendencialmente gra-tuito. o setor público transferiu para o privado algumas responsabilidades, nomeadamente em áreas do sistema Integrado de Gestão de Inscritos para a cirurgia (sIGIc) e temos portanto um setor privado complementar mas também ele a desenvolver-se, o que não é bom. Mas eu preocupo-me mais com o sNs, no entanto é impor-tante que exista um setor privado ro-busto que complemente a oferta.

Para onde vai e para onde deveria ir o nosso modelo de Sistema Na-cional de Saúde no contexto atual?sou um otimista. o sNs terá que ter uma organização mais eficiente do que a que tem atualmente. Tem havi-do por parte do governo uma preocu-pação com a sustentabilidade, o que

ser do estado que não temos obri-gação de ver mais além. Temos conversado com muitas pes-soas no estrangeiro e concluímos que existe procura para um hospital com todas as valências, urgências polivalentes, um bom serviço de pediatria, de oncologia, um hospi-tal como o cHuc, muito abrangente com muita complexidade, um hos-pital de oferta global. essa procura exige que seja um hospital de alta qualidade, com marca, certificado e que seja competitivo. é ainda im-portante que tenha implementado formas modernas de gestão.

Percebeu que o CHUC poderia ter fontes diversas de financiamen-to?Gerir um hospital não pode ser apenas usar receitas públicas mas sim encontrar formas de ter as suas próprias receitas. estamos, de fato desde de fevereiro com uma estra-tégia da eficiência do hospital para que os custos sejam mais baixos sem tocar nas pessoas e na qualida-de, aumentando a oferta e a acessi-bilidade – já aumentámos inclusiva-mente em algumas especialidades – simultaneamente sem perder de vista que podemos ser um grande centro mundial de ensaios clínicos. Temos em pipeline uma série de acordos nessa matéria.

Exatamente como? Através da Universidade?sim, com a universidade e não me refiro só à Faculdade de Medicina. este é nosso parceiro natural mas faz sentido envolver as outras fa-culdades. Hoje o conhecimento é universal e o médico pode integrar conhecimentos com a gestão, com a economia e com muitas outras áreas do saber. é dessa riqueza que nascem patentes, investigação, pode ser um centro que pode pro-

é bom. pertence ao código genético dos portugueses e terá sempre o seu lugar. Vemos os profissionais a tra-balharem cada vez mais e com mais afinco na valorização do sNs, sem perder de vista as suas grandes opor-tunidades.

Recentemente numa conferência falou de fontes alternativas de fi-nanciamento e de tornar o SNS competitivo, através da investi-gação, do registo de patentes, de ensaios clínicos. Pode explicar--nos um pouco melhor e dizer--nos se estas formas de financia-mento podem aplicar-se a outras zonas do país?Acho que para além de coimbra podem aplicar-se a outras zonas do país, sobretudo hospitais com uma certa dimensão. um centro Hospitalar como este gera conhe-cimento que pode ser potenciado. por exemplo, 14 dos presidentes de sociedades médico-científicas são daqui e temos membros executivos em três de sociedades internacio-nais. coimbra oferece condições para esta competitividade. em ter-mos de sustentabilidade, o cHuc é uma empresa pública e não é por

A partir de Janeiro, Coimbra vai competir na investigação científica com base nos ensaios clínicos.

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curar informação e por isso quere-mos aproximar-nos dos melhores centros de investigação.

E ao nível do Turismo de Saúde?Não concordo muito com o termo mas sei ao que se refere. Fizemos um acordo com uma caixa alemã que tem oito milhões de beneficiários e esta-mos a trabalhar para concretizar mais dois acordos desse tipo. Temos inclu-sive pedidos de doentes estrangeiros para serem aqui tratados. Queremos um grande centro de prestação de serviços de alta qualidade com uma Medicina altamente diferenciada. A sustentabilidade é mesmo assim. um exemplo disso é o John Hopkins, nos euA, que é um Hospital que não recebe transferências do estado: pelo contrário ele próprio faz transferências para o es-tado.

São as tais formas alternativas de sus-tentabilidade do sistema?Temos que pensar que portugal está a atravessar um momento extraordina-riamente difícil em que a característica é a imprevisibilidade, que acrescenta dificuldade à procura de soluções. Mas já passámos coisas bem difíceis na nos-sa história. se conseguirmos ultrapassar esta fase, vamos sair da crise muito mais fortes do que prevíamos. portugal tem uma Medicina altamente considerada no mundo. essa qualida-de pode manter-se, pode aumentar ou pode diminuir. Nós podemos fazer mais porque estamos a partir de um patamar alto. Temos centros de excelência ao ní-vel de qualquer bom hospital do mun-do. e temos que encontrar novas formas de sustentabilidade para conseguir manter e melhorar esse patamar. por exemplo: ensaios clínicos. Neste mo-mento, a suécia, a Noruega, a dinamar-ca, a bélgica, entre outros, competem a nível mundial. Nós queremos competir também num mundo global à nossa dimensão. A partir de janeiro, coimbra

vai competir na investigação científica com base nos ensaios clínicos. Isto tem logo algumas vantagens: por um lado, o acesso a terapêuticas inovadoras, depois o prestígio que esse tipo de investigação traz para o país, por fim, a possibilida-de dos nossos especialistas poderem participar em grandes plataformas de investigação a nível global. Quando olhamos para Harvard, por exemplo, encontramos cinco ou seis áreas de excelência. Aqui em coimbra também temos algumas áreas de excelência. Isto constituem fontes alternativas de financiamento, que não vêem dos im-postos das pessoas. Temos de encon-trar novas fontes de riqueza.

Coimbra tem alguma vantagem em relação ao resto do país?Não sei. Mas coimbra tem uma parti-cularidade que vale apena valorizar: a marca coimbra, uma universidade que tem 700 anos. Temos o Heath cluster, com uma série de empresas à sua volta e ligadas à saúde. esta pro-ximidade gera conhecimento e con-fiança, uma perspetiva de futuro. ora, num contexto de baixas expetativas e de baixa previsibilidade, isto confere confiança às pessoas.

Passados dois anos qual o balanço que faz desta fusão do CHUC e em geral, qual a sua opinião sobre a concentração de recursos? este tipo de medidas são por vezes alvo de críticas, algumas com funda-mento. Mas nós começámos a estudar as fu-sões feitas em grandes hospitais, no-meadamente o case study suéco da fu-são do Karolinska university Hospital com o Huddinge university Hosptial. o sucesso dessa fusão baseou-se em princípios como o consenso, o respei-to pelas culturas, e o involvimento dos profissionais. Também no cHuc aplicamos o princí-pio de que teria que haver consensos,

uma palavra a dizer

“Este acordo foi uma grande vitória para todos porque uma boa medicina é uma vantagem, não só para os profissionais como para os cidadãos.”

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as pessoas teriam que se entender. Fomos ver quais eram as culturas das três instituições e quisemos respeita--las. explicou-se que teria que haver fusão com um determinado resulta-do. era decisivo fazer ajustamentos para respeitar a “lei dos compromis-sos”. outro princípio que aplicamos foi o da não diminuição de acessibi-lidade dos utentes. Também foi ponte acente a manutenção dos postos de trabalho. Não haveria despedimen-tos. depois falámos com diretores dos serviços de ambas as instituições para que apresentassem uma pro-posta comum, involvendo-os e pas-sando a ser parte da solução. Neste momento já fizemos a fusão cerca de 70 por cento dos serviços e agora estamos a operacionaliza-la. Há ser-viços que ficam com dois polos e há serviços dos Huc que passam para o cHc e vise -versa. é desta forma que pretendemos aumentar a eficiência, diminuir a demora média e minimi-zar a ineficiências do sistema. com as maternidades foi igual: chamámos os diretores das duas maternidades e pedimos-lhes que estudassem a fusão. Acharam uma ótima ideia, e já nos apresentaram o relatório.

E a questão do fecho das urgên-cias noturnas no Hospital dos Co-vões? Foi fruto de um diálogo intenso com a comunidade, com as partes interessadas e com esclarecimen-tos das vantagens da concentração do serviço de urgência noturna. Foi ainda feito “um tamponamen-to” com Internistas nos serviços de urgência básica de Arganil e pro-ximamente será feito em Avelar. o Internista tem essa capacidade, de atuar na urgência resolvendo gran-de parte das solicitações daqueles serviços. por outro lado, aumenta-mos a acessibilidade aumentando

os horários de consultas, satisfazen-do as necessidades da população. o impacto de toda a fusão só terá resul-tados mais adiante.

Esta fusão teria ocorrido indepen-dentemente do contexto de crise atual?sem dúvida que teria tido lugar in-dependentemente do contexto eco-nómico em que vivemos, por uma questão de naturalidade da gestão. com a fusão aumentam as sinergias e aumenta a acessibilidade a um custo mais baixo, mas acima de tudo a po-pulação fica melhor servida.

Passados todos estes anos da sua experiencia como governante con- sidera que os desafios que enfrenta hoje o Ministério da Saúde e apesar do atual contexto de crise são si-milares?

Na década de 90 estávamos numa perspetiva de crescimento econó-mico, aproveitámos muito bem a cimeira de edimburgo que permitiu o lançamento de 18 novos Hospitais. considerei que nesta fase, no topo da minha carreira profissional, se me fosse pedido para dar o meu contri-buto - o que aconteceu - eu assumi-ria esta responsabilidade [de presi-dir ao conselho de Administração]. este sempre foi o meu hospital do qual me orgulho muito. sou do tem-po que quando se perguntava a um médico o que fazia, ele respondia que trabalha nos Hospitais da uni-versidade de coimbra antes de referir qual era a sua especialidade. o atual de-safio do cHuc é difícil, mas coimbra fala mais alto. é uma marca internacional. Vai nascer uma cultura renovada à volta de uma marca reconhecida: coimbra uni-versitária, cidade do conhecimento.

“O Internista tem essa capacidade, de atuar na urgência resolvendo grande parte das solicitações dos serviços de urgência.”

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começou a interessar-se por fósseis desde a juventude, fascinava-o o iní-cio da vida no planeta e o contato com a natureza. das leituras à pesquisa e à procura de exemplares foi um passo. uma atividade que preenche carlos dias, Internista e colecionador de frag-mentos do passado. Hoje tem mais de 200 exemplares na sua coleção de fósseis que compõe todos os grupos taxonómicos representados, desde vegetais a animais, a maioria encon-

Fósseis

As marcas de seres vivos

trados em viagens de pesquisa, outros adquiridos. A fossilização consiste num conjunto de processos, que conduz à conserva-ção dos restos ou vestígios dos seres vivos. Geralmente envolve as partes mais duras da arquitetura dos seres vivos como conchas, esqueletos ou partes vegetais. Após a morte as par-tes moles dos animais e das plantas sofrem um rápido processo de decom-posição, enquanto as partes duras per-

revelações

Carlos Diaschefe de serviço de Medicina Interna no centro Hospitalar de s. João e Adjunto da direção clínica para a gestão do Hospital de Valongo. coordena a consulta de doenças Autoimunes. presidente da sociedade portuguesa de Medicina Interna entre 2006 e 2008.

duram durante mais tempo. Já expôs e confessa o gosto pela partilha da sua coleção também nos artigos que pu-blica sobre a paleontologia, ilustran-do-os com imagens da sua própria coleção. segundo carlos dias, esta é uma ati-vidade minuciosa e que continua a prendê-lo. À medida vai somando no-vos fósseis tem que realizar novos es-tudos pelo fascínio da descoberta de um animal fossilizado. Há depois toda a componente de classificação, data-ção e catalogação. portugal possui vá-rios locais ricos em fósseis, sobretudo na faixa litoral, mas todos desprotegi-dos, alguns danificados por explora-ções florestais ou empreendimentos turísticos. o alto da serra de Valongo, rica em trilobites, o cabo carvoeiro na Figueira da Foz, abundante em fósseis de moluscos, a costa de peniche, no baleal, com rochas abundantes em be-lemnites, as rochas de toda a costa al-garvia, com concreções de moluscos, a costa de lisboa, desde a costa da ca-parica até à praia da Areia branca, per-to do Vimeiro, as minas de s. pedro da cova, ricas em fósseis vegetais, os ouri-ços de Montemor-o-Velho e as conchas de spirifer de beloi são alguns dos locais onde abundam mais, em portugal.destaca a sua peça favorita, “um peque-no fóssil que recolhi no cabo Mondego. Tem três pequenos moluscos, parcial-mente silicificados. um exemplar muito perfeito e muito bonito”. da imensidão de seres que povoaram a Terra só uma ínfima parte fossilizou, sendo a maioria totalmente destruída e decomposta após a morte. “A fossilização em ótimas condições é extremamente rara. os se-res vivos sem formações duras, habitu-almente, escapam aos processos de fos-silização”, escreve num dos seus artigos.

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podia dizer-vos que aconteceu ser assim. e, de certa forma, é verdade. Mas também é verdade que um dia, já um bocadinho mais entendida em temas de saúde me vi numa conversa entre jornalistas especializados na área e senti que não me queria tornar num deles. As siglas, as questiúnculas e os núme-ros na ponta da língua levaram-me a pensar que estava a aproximar-me do momento em que a especialização em excesso nos ofusca a realidade em vez de a tornar mais clara. de-cidi, então, que não queria escrever só sobre saúde. Todos os outros temas me ajudariam a ver de uma forma mais real – menos espe-cialista – e próxima dos leitores. defendo que não é possível fazer boas peças jornalísticas sobre saúde sem um bom conhecimento dos temas. Não tenho nada contra a especia-lização, mas tenho muito contra a cegueira a que pode levar. escrevi quase toda a minha vida sobre saúde no alívio de saber que só estava a entrar num hospital por razões pro-fissionais. por muitas horas que um trabalho levasse, o regresso a casa era garantido. ra-ramente ficava doente e quando ficava, tudo se resolvia sem hospitais. Há três anos essa realidade alterou-se. um derrame cerebral causado por uma malformação obrigou-me a conhecer os hospitais na horizontal. e pude, então, confirmar como a minha perspetiva de que os saberes se devem cruzar – e não isolar – estava certa. Quanto fui à consulta an-tes do internamento que me permitiria fazer o único tratamento possível para o meu caso, sentia um peso no peito. como asmática que sou, resolvi falar nisso à especializadíssima neurocirurgiã a quem ia entregar a minha salvação. o pouco que sei é suficiente para perceber que entrar num bloco operatório

com uma infeção respiratória não é boa ideia. Acontece que a muito competente especialista – o meu vaso doente ficou cica-trizado depois desta intervenção – me disse que a questão respiratória não era com ela. Nem sequer me auscultou.Não compreendo esta forma de fazer Me-dicina e acredito que o futuro está na inter-disciplinaridade – seja o da Medicina ou de qualquer outra área. o tempo dos saberes absolutos já lá vai. é preciso olhar para o todo, como fazem os sábios. e ouvir, como fazem os buscadores de conhecimento. se eu tivesse menosprezado o que sentia, se-guindo a linha da médica, tanta especializa-ção de nada me teria servido. possivelmente nem estaria agora aqui a partilhar convosco esta crónica. consegui uma consulta de emergência com um pneumologista, que me diagnosticou uma infeção pulmonar grave, a tratar obrigatoriamente antes da cirurgia. serve esta história para dizer que é urgente acabar com a ideia de que ser muito bom numa coisa nos iliba de olharmos para o resto. porque isso pode permitir alguma qualidade, mas impede a excelência. Quantas vezes teremos ouvido a frase, ou derivados dela: “Não tem jeito nenhum para falar com os doentes, mas é muito bom no que faz!” parece um atestado de competên-cia, mas não é mais do que uma mentira positivista, de um tempo que deixou de dar frutos. partilho semelhante história aqui por acreditar que os especialistas em Medicina Interna têm um papel fundamental nesta mudança de paradigma. Quem melhor do que os internistas para compreenderem que o futuro passa por uma abordagem holística da solução de problemas?

De corpo e alma

Isabel NeryJornalista

sou jornalista e escrevo sobre temas de saúde desde que dei os primeiros passos na profissão. Mas também escrevo sobre crianças, mulheres, educação e direitos humanos. e sempre que pude – ou a oportunidade surgiu – sobre escritores, comportamento, agricultura… enfim, escrevi sobre o que no momento me parecia importante para os leitores portugueses, na perspetiva de que o jornalismo tem um dever cívico que passa por contribuir para o sentido crítico dos cidadãos.

do lado de cá

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JANeIro

4.º curso “INTrodução À GerIATrIA”5 de Janeiro de 2013 Hotel Vila Galé – coimbra organização: Núcleo de estudos de Geriatria da spMI Inscrições para cristina Azevedo: [email protected]

ProPriedade

diretor

Faustino Ferreira•

edição e redação

Edifício Lisboa Oriente, Av. Infante D. Henrique,

nº 333 H, 4º Piso, Escritório 491800-282 Lisboa

Telef. 218 508 110 • Fax 218 530 426Email: [email protected]

•Impressão

RPO Produção Gráfica, Lda.Trav. José Fernandes, nº17 A/B

1300 - 330 Lisboa•

Periodicidade: trimestralTiragem: 4.000 exemplares

•Distribuição gratuita aos associados

da Sociedade Portuguesa de Medicina InternaAssinatura anual: 8 euros

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Isento de Registo na ERCao abrigo do artigo 9º

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agenda

em 2013, a Fundação para o desenvolvi-mento da Medicina Interna na europa vai novamente atribuir bolsas de Investiga-ção a jovens internistas que pretendam desenvolver projetos de investigação no campo das doenças raras do adul-to. serão atribuídas um total de três bolsas no valor de 20.000€ cada uma. A Fundação para o desenvolvimento da Medicina Interna na europa (FdIMe) é uma fundação sem fins lucrativos que desenvolve projetos de apoio à investi-gação na área da Medicina Interna. os critérios de elegibilidade para candida-tura a estas bolsas de investigação são: - ser Interno ou Jovem Internista com

menos de 38 anos de idade e estar inscri-to em uma das sociedades Nacionais de Medicina Interna que integram a eFIM. - ser doutorado ou encontrar-se a efe-tuar um programa de doutoramento. - submissão de uma proposta de projeto relevante para o tópico das doenças raras em Medicina Inter-na, que pode envolver investiga-ção básica, clínica ou translacional. As candidaturas terão se ser envia-das até ao dia 30 de março de 2013. para mais informações visitar a página www.fdime.org ou contactar Mrs. Janet stevens, administrativa da FdIMe ([email protected]).

Bolsas de Investigação

depois da hora

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Bolsas de Investigação

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