A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS
Transcript of A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
APARECIDO AIRES
A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS
CUIABÁ
2012
1
APARECIDO AIRES
A MATEMÁTICA E A HISTÓRIA DOS NÚMEROS DECIMAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO,
Linha de Pesquisa Educação em Ciências e
Matemática, sob orientação do Professor Dr.
MICHAEL FRIEDRICH OTTE.
CUIABÁ
2012
2
Ficha catalográfica elaborada por Simone Pereira Rocha CRB1 – 1906
Aires, Aparecido
A298m A matemática e a história dos números decimais / Aparecido
Aires. – Cuiabá : [s.n.], 2012.
152. f. Il.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato
Grosso, Programa de Pós-Graduação em Educação do instituto de
Educação, 2012.
Orientação: Prof. Dr. Michael Friedrich Otte.
1. Simon Stevin. 2. Números decimais. 3. Algoritmo. 4. Episte-
mologia. I. Título.
CDU 51
3
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABÁ/MT
Tel : 3615-8431/3615-8429 - Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: "A matemática e a história dos números decimais"
AUTOR: Mestrando Aparecido Aires
Dissertação defendida e aprovada em 10/04/2012.
Composição da Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________________
____________
Presidente Banca / Orientador Doutor Michael Friedrich Otte
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor Sergio Antônio Wielewski
Instituição :
Examinador Externo Doutor Marcos Francisco Borges
Instituição : UNEMAT
CUIABÁ, 10/04/2012.
4
Ao meu filho Kauã Santana Aires, pelos vários
momentos de alegria, sendo fonte de
inspiração.
À minha esposa Rose, que sempre incentivou,
não me deixando abalar com os obstáculos.
Aos meus pais, responsáveis pela minha
educação, pois, sem eles não seria possível.
5
AGRADECIMENTO
A Deus, por iluminar meus passos nesta
caminhada.
Ao Professor Doutor Michael Friedrich Otte,
pelos momentos de orientação.
À Professora Doutora Gladys Denise
Wielewski, por estar sempre à disposição nos
momentos que precisei.
Ao Professor Doutor Sérgio Antônio
Wielewski, por suas contribuições para este
trabalho.
Ao Professor Doutor Marcos Francisco
Borges, pelas suas contribuições que foram
essenciais para conclusão deste trabalho.
À Professora Doutora Tereza Pazos, pela
leitura e as devidas correções.
À Secretaria de Educação de Mato Grosso –
SEDUC, pela licença para estudo concedida.
A todos que de forma direta ou indireta
contribuíram para realização deste trabalho.
6
RESUMO
O presente trabalho tem como foco de estudo a representação das frações decimais
apresentada por Simon Stevin, em seu trabalho De Thiende, em 1585. Esta nova
representação das frações decimais deu origem aos números decimais que conhecemos na
atualidade, ou seja, números no qual usamos a vírgula para separar a parte inteira da parte
decimal. Simon Stevin descreveu (em De Thiende) a maneira de resolver qualquer cálculo
aritmético, com o uso dos números decimais. Estudamos sobre a resolução das operações
fundamentais de aritmética (adição, subtração, multiplicação e divisão) e no cálculo de raízes
(quadrada, cúbica e outras) por meio de algoritmos, para mostrar tanto a eficiência quanto a
ineficiência da utilização do algoritmo no que se refere à aprendizagem da matemática.
Abordamos também dois tipos de pensamento, o pensamento instrumental e o teórico,
destacando as diferenças e a complementaridade entre eles mostrando a sua necessidade para
o desenvolvimento da aprendizagem matemática. A ligação de dois períodos diferentes, que
são o século XVI e o século XX, no que tange à computação, uma vez que Simon Stevin
trouxe uma representação, ou seja, os números decimais no intuito de facilitar os cálculos no
século XVI, e no século XX, a criação do computador fez com que estes cálculos ficassem
ainda mais simples. Porém esta criação só foi possível a partir do momento que houve uma
organização dos números em dígitos, feita por Simon Stevin no final do século XVI. A
estruturação dos conjuntos numéricos com a criação de novos números a fim de suprir as
necessidades do homem na medida em que vai evoluindo, mostrando deste modo que a
representação de Simon Stevin acompanhava essa evolução. A epistemologia e a história dos
números decimais permitiram com que o conhecimento sobre este assunto fosse melhor
compreendido no âmbito da educação matemática.
Palavras-chave: Simon Stevin. Números Decimais. Algoritmo. Epistemologia.
7
ABSTRACT
This work has as its object of study of the representation decimal fractions developed by
Simon Stevin, in his work De Thiende in 1585. This new representation of decimal fractions
lead to the decimal numbers that we know on present days, in other words, numbers that we
use comma to separate the integer part of the decimal part. Simon Stevin described (in De
Thiende) the way to solve any arithmetic with the use of decimal numbers. We studied about
the resolution of the fundamental operations of arithmetic (addition, subtraction,
multiplication and division) and the calculation of roots (square, cubic, and others) by means
of algorithms to illustrate the efficiency and inefficiency in the use of the algorithm that refers
to the mathematics learning. We discuss also two types of thought, the instrumental thought
and theoretical thought, exemplifying the differences and complementarity between them
showing the importance for the development of mathematical learning. The binding of two
different periods, that are the XVI century and the XX century, with respect to computing,
when Simon Stevin brought a representation, in other words, the decimal numbers aiming to
facilitate the calculations in the XVI century, and century XX, the creation of the computer
enabled these calculations become even simpler. But this creation was only possible from the
time that there was an organization of numbers in digit, made by Simon Stevin in the late XVI
century. The organization of numerical sets by creating new ones in order to supply the needs
of humans and their evolutions, thereby showing that the representation of Simon Stevin
followed this evolution. Epistemology and history of decinals numbers allowed that
knowledge about this would be better understood in the context of mathematics education.
Keywords: Simon Stevin. Decimal Numbers. Algorithm. Epistemology.
8
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS.............................................................................................................10
LISTA DE TABELAS............................................................................................................11
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
1. SIMON STEVIN E O TRABALHO DE THIENDE: NOVA REPRESENTAÇÃO DAS
FRAÇÕES DECIMAIS
1.1 O que estava acontecendo antes de Simon Stevin..........................................................16
1.2 Nascimento de Simon Stevin............................................................................................20
1.3 Religião de Simon Stevin..................................................................................................22
1.4 A retomada catolicista de Bruges....................................................................................24
1.5 Em contato com trabalhos de grandes homens da Antiguidade...................................26
1.6 Os trabalhos.......................................................................................................................28
1.7 O trabalho De Thiende......................................................................................................31
1.7.1 Panorama Histórico.......................................................................................................31
1.7.2 A representação dos números decimais de De Thiende..............................................36
2. O QUE É UM ALGORITMO?
2.1 Introdução..........................................................................................................................51
2.2 A origem da palavra algoritmo........................................................................................52
2.3 Algoritmos e computadores..............................................................................................53
2.4 O algoritmo de Euclides...................................................................................................59
2.4.1 O lado e a diagonal do quadrado: um problema para o algoritmo de
Euclides....................................................................................................................................64
2.5 Século XVII: o lampejar de uma nova era.....................................................................66
2.6 Máquina de Turing...........................................................................................................68
2.7 O Labirinto........................................................................................................................71
9
3. TIPOS DE PENSAMENTO: PENSAMENTO INSTRUMENTAL E PENSAMENTO
TEÓRICO
3.1 Introdução..........................................................................................................................73
3.2 Uma definição de conceito................................................................................................74
3.3 Pensamento algorítmico...................................................................................................76
3.4 Teste de Turing.................................................................................................................78
3.5 Teorema de Pitágoras.......................................................................................................79
3.6 A duplicação do cubo.......................................................................................................82
3.7 A busca de solução para uma equação do quinto grau.................................................87
4. A MATEMÁTICA DOS NÚMEROS
4.1. Introdução........................................................................................................................91
4.2 Álgebra e aritmética: a importância do simbolismo......................................................91
4.3 Breve sinopse sobre números..........................................................................................94
4.3.1 Números naturais..........................................................................................................96
4.3.2 Números inteiros............................................................................................................99
4.3.3 Números racionais........................................................................................................102
4.3.4 Números reais..............................................................................................................105
CONSIDERAÇÕES.............................................................................................................110
REFERÊNCIAS...................................................................................................................113
ANEXO..................................................................................................................................117
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Foto de Simon Stevin............................................................................................20
Figura 02 – Capa do livro Wisconstige Gedachtenissen..........................................................21
Figura 03 – Capa do livro De Thiende......................................................................................35
Figura 04 – Foto de um modelo de máquina de Turing............................................................68
Figura 05 – Esquema de uma máquina de Turing....................................................................69
Figura 06 – Exemplo de uma máquina de Turing funcionando...............................................70
Figura 07 – Construção dos quadrados considerando os lados de um triângulo retângulo......80
Figura 08 – Duplicação de um cubo considerando o dobro de aresta......................................83
Figura 09 – Uma nova construção do altar...............................................................................83
Figura 10 – Duplicação do quadrado.......................................................................................84
Figura 11 – Representação dos números inteiros....................................................................101
Figura 12 – Quadrado.............................................................................................................106
Figura 13 – Triângulo retângulo.............................................................................................106
Figura 14 – Representação de duas retas originárias de um ponto da reta.............................108
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Mostrando as duas partes de De Thiende.............................................................38
Tabela 02 – Valores das variáveis x, y e r................................................................................62
Tabela 03 – Valores das variáveis x, y e r................................................................................63
12
INTRODUÇÃO
O interesse em saber mais sobre números decimais surgiu em 2005, na elaboração da
monografia de conclusão do curso de licenciatura plena em matemática, na qual, abordo como
tema os números decimais e as operações aritméticas. Neste trabalho de conclusão observo
que alunos do ensino médio não tinham ideia do porquê dos números decimais, o objetivo
desses alunos era somente resolver as operações que apareciam com esses números decimais.
Diante disso, reflito sobre números decimais, a partir de meu entendimento para instigar os
alunos a questionarem acerca dos números decimais tais como: Quem os inventou? Por que os
inventou? Em que momento os inventou? É fundamental para a aprendizagem dos números
decimais. São perguntas como essas que farão os alunos entender mais sobre os números
decimais.
A história dos números decimais e o interesse de aperfeiçoamento na área de educação
me instigaram a ingressar no curso de mestrado, podendo assim aprender mais sobre os
números decimais e também aperfeiçoar minha prática como docente através de
aperfeiçoamento. Pois, entendo que através de leituras e dedicação podemos chegar ao
entendimento de algo, neste caso, dos números decimais, que são objeto de nossa pesquisa.
No mundo contemporâneo, escrever um número decimal é tão simples, que nem
paramos para questionar se foi preciso inventar tal notação como, por exemplo, escrever o
número decimal vinte e quatro inteiros e sete centésimos, da seguinte forma: 24,07, com a
vírgula separando a parte inteira da parte não inteira. Foi essa facilidade de reconhecer um
número decimal, que me levou a questionar sobre os números decimais e sua aplicação. A
ideia de praticidade parece nos levar a um processo mecânico, mas, será que esse processo
mecânico não surgiu a partir de um processo teórico. Os motivos para tal invenção foi
somente para facilitar os cálculos. E, então, como pode uma notação ser tão importante no
mundo contemporâneo. Indagações como essas me levaram a desenvolver esta pesquisa.
Porém, para que esta notação viesse a ser apresentada desta forma foi necessário que
alguém a mostrasse, não da forma como se encontra hoje, pois, como sabemos uma ideia por
mais que seja espetacular, necessita de ajustes, porém, não podemos nos divergir sobre o autor
da ideia.
Deste modo, historiadores da matemática não divergem no nome, quando o assunto é a
sistematização das frações decimais.
13
O primeiro a demonstrar através de um tratado especial que entendeu o significado
da fração decimal foi Stevin, que publicou um trabalho sobre o assunto em
flamengo, seguido no mesmo ano (1585) de uma tradução francesa. Este trabalho,
intitulado em francês La Disme, estabeleceu o método pelo qual todos os cálculos de
negócios envolvendo frações podem ser feitos tão facilmente como se envolvesse
apenas inteiros.[...]. Ele foi o primeiro a estabelecer regras definitivas para as
operações com frações decimais, [...]1 (SMITH, 1958, p.240-242, tradução nossa).
Simon Stevin (1548-1620) foi o primeiro a entender as frações decimais, escrevendo
um livreto em 1585 com o título de La Disme2.
No seu La Disme (1585) descreve em termos expressivos as vantagens, não só das
frações decimais, mas também da divisão decimal dos sistemas de pesos e medidas.
Stevin aplicou as novas frações a ‘todas operações da aritmética ordinária’
(CAJORI, 2007a, p. 213-214).
Deste modo, o uso desta notação não foi tão simples, mas, sim um processo de
transformação no qual vários estudiosos contribuíram para a sua estruturação.
Outro fator importante para a aceitação desta representação foram os números indo-
arábicos, pois, foi a partir destes símbolos, que os cálculos tornaram-se menos complicados,
ao contrário dos cálculos utilizados pelos romanos, ao efetuarem a soma de dois números,
como mostrado a seguir:
CXX
XXXVIII
CLVIII
Ou um cálculo de soma envolvendo “números quebrados”,
X,XV
II,LI_ __
XII,LXVI
Esta era a notação adotada pelos romanos na Idade Média, ou seja, letras
representando números e “a base numérica usada pelo povo romano era decimal”
(CONTADOR, 2006, p. 158). Os cálculos complicados com algarismos romanos eram
inviáveis, se não impossíveis e não se pode deixar de observar que “a mistura e a confusão de
1 The first to show by a special treatise that he understood the significance of the decimal fraction was Stevin,
who published a work upon the subject in Flemish, followed in the same year (1585) by a French translation.
This work, entitled in French La Disme, set forth the method by which all business calculations involving
fractions can be performed as readily as if they involved only integers […]. He was the first to lay down definite
rules for operating with decimal fractions, […] 2 Título da versão em francês de De Thiende.
14
números e letras eram difíceis de evitar por que, naturalmente, os algarismos romanos eram
letras romanas” (CROSBY, 1999, p. 113). Esse sistema foi superado, por mais que se possa
afirmar “que durante vários séculos houve intensa competição entre abacista e os algoristas e
somente por volta do século XVI os numerais indo-arábicos se fixaram na sociedade
(CONTADOR, 2006, p. 170). Os exemplos colocados acima podem ser escritos da seguinte
maneira, o primeiro exemplo, que é a soma de 120 e 38:
120
38 +
158
No segundo exemplo, quando aceito os números decimais e que não se tem até o
momento uma notação padrão definida, como se pode ver, “o resultado da fração
é escrito
aqui no Brasil, na Alemanha e na França como 1,25, já os ingleses escreveriam 1 25 e os
americanos 1.25” (CONTADOR, 2006, p.189).
10,15
2,51+
12,66
A vírgula decimal ou ponto decimal e os dez símbolos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0)
utilizados no sistema indo-arábico de base 10, foram essenciais para a notação que se tem
hoje, porém, para a realização deste feito foi necessário entender e principalmente disseminar
esta ideia. Simon Stevin foi a pessoa que entendeu e disseminou o novo modelo ao
conhecimento do mundo.
O trabalho em questão trata da sistematização que Simon Stevin aplicou às frações
decimais, pois sua nova maneira de escrevê-las facilitou os cálculos aritméticos. Seu
entusiasmo foi tão grande pela divisão decimal, que ele chegou a sugerir esta divisão para o
sistema de pesos e medidas aos governantes da época.
A elaboração deste trabalho foi dividida em quatro capítulos:
O primeiro capítulo, com o título Simon Stevin e o Trabalho De Thiende: Nova
Representação das Frações Decimais, versará sobre os momentos antes de Simon Stevin; seu
nascimento; religião e o trabalho The Thiende. Transcorremos todos os detalhes a fim de
entender e destacar a importância da notação utilizada por Simon Stevin. Neste capítulo
utilizaremos os autores Devreese; Berghe, historiadores que escreveram sobre Simon Stevin e
Struik, foi da obra deste que retiramos o anexo deste trabalho, esses autores são os
norteadores deste capítulo.
15
O segundo capítulo com o título O que é um algoritmo? mostraremos as definições da
palavra Algoritmo e a complexidade de um algoritmo, por mais que se possa dizer que, um
algoritmo não passa de um método sistematizado de se chegar a uma resposta. Há de se
perceber que a notação de Simon Stevin possibilitou a inserção de novos algoritmos, uma vez
que números decimais trouxeram uma nova dinâmica aos cálculos com “números quebrados”.
Para nortear este capítulo foram utilizados os textos dos autores Otte e Berlinski, sendo,
respectivamente o texto Labirinto retirado do livro O Formal, o Social e o Subjetivo: uma
introdução à Filosofia e à didática da Matemática e o livro O advento do algoritmo: a ideia
que governa o mundo.
O terceiro capítulo com o título Tipos de Pensamento: Pensamento Instrumental e
Pensamento Teórico, mostraremos a diferença entre esses tipos de pensamento e a sua
complementaridade, pois, ao mesmo tempo em que são diferentes eles se complementam.
Neste capítulo, a tese de doutorado de Sérgio Antonio Wielewski, Doutor em Educação
Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), denominada O
Pensamento instrumental e o Pensamento Relacional na Educação Matemática é tomada
como norteadora das discussões entre o pensamento instrumental e o pensamento teórico.
No quarto capítulo que tem como título A Matemática dos Números, dissertaremos
sobre o surgimento dos corpos numéricos. Entretanto, não se quer aqui dissertar sobre a
história dos números, mas, sobre o seu desenvolvimento, o que levou à criação de um novo
corpo numérico. Mostraremos quais foram as dificuldades, pois, como se sabe para que haja
uma transformação ou criação de um novo corpo numérico é necessário encontrar obstáculos
naquilo que já está proposto. E foi assim que aconteceu no decorrer dos tempos. A criação de
um novo corpo numérico ocorre quando surge um problema que o corpo numérico que está
sendo utilizado não é mais capaz de responder às questões apresentadas. Também, é
necessário frisar que os conjuntos numéricos citados neste capítulo estão diretamente ligados
com as operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão), que são os
corpos numéricos (Naturais, Inteiros, Racionais e Reais). Haja vista a existência de outros
corpos numéricos, por exemplo, corpos dos números transcendentais, dos números algébricos
etc., utilizamos como norteador deste capítulo o livro de Caraça Conceitos Fundamentais da
Matemática.
Deste modo este trabalho possui três aspectos: o que é um algoritmo; qual a diferença
entre algoritmo e teoria; como o problema de algoritmo está relacionado com o modo de
representar os números. Nesta linha o livreto De Thiende foi o norteador deste trabalho.
16
SIMON STEVIN E O TRABALHO DE THIENDE: NOVA REPRESENTAÇÃO DAS
FRAÇÕES DECIMAIS
1.1 O que estava acontecendo antes de Simon Stevin
O Renascimento foi o ponto alto na história das artes visuais, arquitetura e literatura.
As ciências passavam por um processo de transição. O Renascimento questionavam os
valores consolidados na Idade Média, confrontando importantes conceitos elaborados pelo
pensamento medieval. No campo da astronomia discutia-se o centro do universo, até então
como sendo a Terra (modelo geocêntrico), defendida pela Igreja com o apoio de Aristóteles
(384-322 a.C.). Mas os estudos dos astrônomos renascentistas e cientistas renascentistas
afirmavam ser o Sol como centro do universo (modelo heliocêntrico) defendido por Nicolau
Copérnico (1473-1543). Confrontos como esses levaram cientistas como Giordano Bruno
(1548-1600) à morte.
O homem renascentista redescobria as obras da Antiguidade fazendo estudos mais
aprofundados, atentando-se para a ciência, buscando-se a perfeição e o entendimento dos
fenômenos, deixando de aceitar as verdades defendidas por autoridades estabelecidas, como
Aristóteles, passando a buscar o rigor e a clareza das demonstrações como formas de
estabelecer a verdade, assim confrontando religião e ciência:
A tensão entre um enfoque religioso sobre a vida, propagada pela Igreja na Idade
Média, e um foco secular sobre o presente e um interesse no mundo natural é uma
característica do Renascimento. Este último ponto de vista era inerente ao
humanismo, um dos fatores essenciais da Reforma. As duas visões de mundo
contrastante colidiram3 (DEVREESE & BERGHE, 2008, p.5, tradução nossa).
Escalas de expansão e visões de mundo diferente, a globalização entre o fim do século
XV e início do século XVI, foram essenciais para a mudança.
O crescimento das cidades, o surgimento de centros regionais, elementos para
ascensão das monarquias novas e o desenvolvimento das universidades também foram
importantes nessa época.
3 The tension between a religious focus on the life come, propagated by the Church in the Middle Ages, and a
secular focus on the present and an interest in the natural world was a characteristic of the Renaissance. This
latter viewpoint was inherent to humanism, one of the essential factors of the Reformation. The two contrasting
worldviews collided.
17
É necessário enfatizar a importância da impressa nesse período. A impressão a bloco
já existia na China desde 770, também foi na China que houve a invenção do papel. Mas a
impressão com tipos móveis surgiu em meados do século XV, trazendo grandes benefícios.
“Após a invenção da imprensa, em 1434, tornara-se possível reproduzir mais facilmente a
documentação científica, assegurando, desse modo, um acesso mais amplo ao saber”
(MOURÃO, 2003, p.101).
Segundo Boyer (2003, p.184) “dessas, poucas eram obras matemáticas, mas essas
poucas, junto com os manuscritos existentes, forneceram uma base para a expansão” da
matemática.
A princípio, a recuperação do clássico da geometria grega impresso em latim, era
menos significativa, do que as traduções latinas de tratados árabes de aritmética e álgebra. De
acordo com Boyer (2003), essa preferência se deu pelo não domínio da leitura grega pelos
homens do final do século XV e por não conhecerem suficientemente a Matemática para
aproveitar o conhecimento dos geômetras gregos. Mas na medida em que os humanistas4 do
século XV e XVI foram tomando conhecimento dos clássicos gregos redescobertos nas
ciências e nas artes, a apreciação pelas realizações latinas e árabes inevitavelmente tornou-se
menor. O conhecimento que os humanistas buscavam nos textos gregos era mais voltado para
a valorização do homem, deixando o interesse pela Matemática quase estática, com isso a
Matemática clássica se mostrava inalterada desde o período medieval.
Mas, o trabalho de pensadores contemporâneos cultivava uma forte inclinação pela
ciência, fizeram com que a Matemática saísse desse período estático. Regiomontanus (1436-
1476) foi um dos grandes responsáveis pela disseminação da Matemática pela Europa, mesmo
morrendo prematuramente aos quarenta anos, depois de chegar a Roma a convite do papa
Sixto IV para reformular o calendário (dizem alguns que envenenado por inimigos)5. Ainda
segundo Boyer:
Regiomontanus conhecia bem o grego, mas não partilhava da apoteose do helenismo
dos humanistas, e estava pronto a reconhecer a importância da álgebra medieval
árabe e latina. Ele evidentemente conhecia as obras de al-Khowarizmi e Fibonacci e
tinha projetado imprimir o De numeris datis de Jordanus Nemorarius ( 2003, p.190).
Regiomontanus pretendia publicar traduções de obras a fim de promover a ciência. Na
lista encontrava obras de cientistas como Arquimedes, Apolônio, Heron, Ptolomeu. Mas sua
4 Humanista: Homens típicos da época do renascimento, que se opunha ao ideal de homem medieval.
5 BOYER, (2003, p. 187.)
18
morte prematura cessou seus planos. Mesmo depois de sua morte, “a lista dos livros que ele
projetava imprimir se preservou e indica que certamente o desenvolvimento da matemática se
teria acelerado se ele tivesse sobrevivido” (BOYER, 2003, p.187). Regiomontanus sabia da
importância da proliferação dessas obras para a ciência.
Nicolau Copérnico (1473-1543), também viveu nesse período, nascido três anos antes
da morte de Regiomontanus. Sua contribuição para a ciência de modo geral foi essencial.
Copérnico foi o divisor de águas. Seu tratamento matemático em relação ao sistema universal
foi de suma importância para que se pudesse deflagrar a revolução astronômica.
[...] Copérnico, ao perceber, pioneiramente, que o movimento da Terra podia ser a
solução para o problema astronômico dos movimentos irregulares dos planetas,
aplicou a Matemática na busca da prova, também pela primeira vez. É isso que
diferencia Copérnico de seus predecessores, pois nenhum deles usou o cálculo para
matar a charada (MOURÃO, 2003, p.196).
Desta forma, o modelo que afirmava a Terra como centro do universo (geocentrismo)
tinha suas bases enfim estremecidas, pois, de acordo com Mourão (2003, p.18) “Na época, já
se sabia a incapacidade do sistema de Ptolomeu de prever com exatidão os movimentos
celestes”.
Copérnico, assim como Aristarco de Samos (320-250 a.C.), observou que o Sol era o
centro do universo (heliocentrismo) e não a Terra. Mas diferente do heliocentrismo de
Aristarco que acabou caindo no esquecimento. Copérnico por meio da sua obra De
revolutionibus. revolucionou de vez o modelo vigente de que a Terra estava no centro do
universo,
O marco inicial das grandes alterações no pensamento astronômico e cosmológico
do século XVI – a chamada Revolução Copernicana – foi a publicação, em 1543, do
De revolutionibus. Essa obra é um texto complexo e, com exceção do primeiro livro,
introdutório, é demasiadamente matemático para ser compreendido por quem não
tenha um bom conhecimento astronômico. [...]. Esses raciocínios cósmicos
permitiram que seus seguidores – Kepler, Galileu e Newton, principalmente o
primeiro – concluíssem a revolução que sua obra inaugurou. [...]. Foi Copérnico, por
exemplo, que chegou à primeira resposta precisa sobre o movimento retrógrado dos
planetas, que seria aperfeiçoado por Kepler (Ibid, p.194).
Os ideais renascentistas e modelos educacionais espalhados pelo norte para além dos
Alpes na segunda metade do século XV, fez com que cidades como Paris (França), Antuérpia
(Bélgica), Augsburg (Alemanha) e Londres (Inglaterra) crescessem. Outro ponto que chamou
a atenção na transição da Idade Média para a Renascença foi a falta de tolerância dos homens
que defendiam o poder religioso, marcada por guerras e inquisições.
19
A tolerância não foi uma característica marcante da reação as Reformas. Emanando
principalmente da Espanha guerras religiosas e inquisições foram lançadas sobre a
Europa e os focos de caça às bruxas e a tortura faria a Flandres de Pieter Bruegel em
uma espécie de Vietnan da Europa6 (DEVREESE; BERGHE, 2008, p.6, tradução
nossa).
Mesmo com a imposição do Papado em reconhecer a ciência aristotélica como “dona
da verdade”, as anomalias e as contradições tomavam conta do pensamento renascentista
fazendo com que essas verdades não pudessem ser mais aceitas e a partir de então passando a
serem questionadas.
Em meados do século XV o Papado ainda tenta impor a ciência aristotélica. Em
1452 Nicolau V torna o pensamento aristotélico a doutrina oficial da Universidade
de Paris. Pouco depois, em 1473, face à força do nominalismo dentro do próprio
pensamento teológico, o rei Luiz XI decreta que as idéias de Aristóteles e Tomás de
Aquino devem ser ensinadas e dogmatizadas como mais adequadas que aquelas de
Occam, Marsile, Alberto de saxis e outros. Não se tratava apenas, é preciso ressaltar,
de disputas relativas a ciência em sua relação com a fé, mas também de um
confronto de ideologias em que o nominalismo, constitutivo histórico do
individualismo, se contrapunha a uma percepção hierárquica e “holista” do mundo
social. As novas tendências eram, contudo, mais fortes que a resistência tradicional e
em 1481 foi novamente autorizada a leitura dos textos nominalistas.[...]. Na
passagem do século XV para o XVI, porém, já se colocava a contradição entre uma
ciência subordinada, ou englobada num discurso teológico, e a necessidade da
crítica como condição do avanço do conhecimento (WOORTMANN, 1996, p. 6).
Mesmo com as intervenções por parte das autoridades, o movimento tomava força não
podendo ser mais contido e, a partir de então que se abre o leque a fim de movimentar todos
os ramos do conhecimento com o vento da prosperidade. Estavam abertas as portas para os
homens de grande poder de raciocínio, podendo assim instigar e levantar hipótese com intuito
de se chegar a “verdades”.
Números na Idade Média e no Renascimento eram vistos como entidades que
possuíam significados. Pensavam nos números como qualitativos e quantitativos, por
exemplo, um número além de ser usado para representar quantidade de objetos qualquer,
também era utilizado como qualidade, ou seja, referia se aos números como um ente cheio de
significado. O 3 era 1 mais 1 mais 1, ou a raiz quadrada de 9, e assim por diante, mas também
significava a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).
Os símbolos indo-arábico eram tomados de empréstimos das terras islâmicas e por
mais que houvesse resistência por parte dos europeus em aceitá-los eles revolucionaram a
6 Tolerance was not a hallmark of the reaction to the Reformations. Emanating chiefly from Spain religious wars
and inquisitions were let loose upon Europe and outbreaks of witch-hunting and torture would make the Flanders
of Pieter Bruegel into a kind of Vietnam of Europe.
20
escrita numérica, que até então era escrito com símbolos romanos. Essa conquista de forma
gradativa foi primeiro aceito pelos comerciantes, contadores.
Para escrever um número grande os romanos muitas vezes escreviam utilizando os
algarismos indo-arábico. “Num calendário de 1430, o fabricante do calendário definiu o ano
como sendo composto de ccc e sessenta e 5 dias e seis horas aproximadas. Duas gerações
depois, outro autor expressou o ano então em curso como sendo MCCCC94” (CROSBY,
1999, p.116).
Além dos números serem carregados de conceitos, só eram considerado números 2, 3,
4, 6, 7, 8, 9, 10,..., que hoje são chamados de números naturais, o 0 e o 1 não eram
considerados números, por mais que o zero já fosse usado pelos astrônomos a fim de facilitar
seus cálculos, passaram-se séculos antes que os europeus reconhecessem que o zero era um
número real. Neste período já se tinha conhecimento, dos negativos, dos irracionais, dos
complexos, porém, esses ainda não tinham “status” de número.
As frações eram vistas como relações de dois números inteiros, seu reconhecimento
como número foi gradativo, começando no século XVI até o século XVIII.
Segundo Souza (2008, p.158) “como se vê, o uso das frações vem da remota
Antiguidade. Sua teoria, porém, é muito mais recente, e só nos tempos modernos foram elas
por verdadeiros números.”
1.2 Nascimento de Simon Stevin (1548-1620)
Figura 01 – Foto de Simon Stevin
Fonte: Disponível em: http://-history.mcs.st-and.ac.uk/history/PictDisplay/Stevin.html
Acesso em: 17 de fevereiro de 2012.
21
Não se tem ao certo o ano de nascimento de Stevin, estima-se que tenha sido em
dezembro de 1548. Segundo Devreese; Berghe (2008, p.32, tradução nossa) “Podemos
deduzir que Stevin deve ter nascido em 1548 ou início de 1549. Uma pintura na biblioteca da
Universidade de Leiden mostra 1548 como o ano de seu nascimento7”, ainda de acordo com
os autores os pais de Simon Stevin são Anthonis Stevin e Cathelyne Van der Poort.
Sabe-se pouco dos primeiros anos da vida de Simon Stevin, os biógrafos dizem que
ele nasceu em Bruges (Bélgica), o que está relatado em quase todas as suas obras. Outra
comprovação de sua estada em Bruges são os documentos encontrados nos arquivos dessa
cidade por Albert Schouteet (1937) datados no período de 1551 a 1597, relatando a vida de
“Simon Stevin” e família em Bruges. De acordo com Eduard Dijksterhuis (1955), dois fatos
levam a acreditar que Simon Stevin é o nosso famoso cientista. Primeiro no anúncio de seu
casamento em Hague em 1616, no qual Simon Stevin é chamado de Simon Anthonis Stevin,
sendo Anthonis nome do pai de Stevin. O segundo fato aparece no Wisconstige
Gedachtenissen (Parte v, Van de Ghemengde Stoffen (Miscellaneous Subjects), v, 2: Van de
Vorstelicke Bouckhouding (On Princely Bookkeeping), no qual Stevin menciona que em seus
primeiros anos trabalhou na administração financeira do “Brugse Vrije” ou liberdade de
Bruges.
Figura 02 – Capa do livro Wisconstige Gedachtenissen (1608)
Fonte: ‘Magic is no magic’ the wonderful word of Simon Stevin. 2008, p.18
7 We can deduce from this that Stevin must have been born in late 1548 or early 1549. A painting in Leiden
University Library gives 1548 as the year of his birth.
22
Simon Stevin refere-se à sua cidade natal nas páginas do titulo de quase todos os seus
livros, assim como mostra a figura 2 do livro Wisconstige Gedachtenissen.
1.3 Religião de Simon Stevin
De acordo com Devreese; Berghe (2008), em comparação com outras cidades nos
Países Baixos, Bruges foi à cidade que mais demorou em ter seguidores dos ensinamentos de
João Calvino (1509-1564). Para Maia (2007, p.199) o calvinismo:
consiste numa busca constante de fidelidade a Deus; transformação cultural é apenas
um resultado dos que tem os olhos firmados na palavra, um coração prazerosamente
submisso a Deus e um comprometimento existencial no mundo, no qual vive e atua
para a glória de Deus. Com estes princípios o calvinismo influenciou as artes, a
política, a ciência, a economia, a literatura e outros diversos setores da cultura.
Um dos apóstolos dos ensinamentos calvinistas em Bruges foi Johan Gailliaert
(editor-comerciante), que em 1554, produziu as primeiras traduções em holandês das obras de
Calvino. Porém o avanço para o calvinismo em Bruges ocorreu somente em 1566. Devreese;
Berghe (2008, p. 25, tradução nossa) escrevem que:
Em 3 de Março deste mesmo ano, certo irmão Cornelis identificou elementos da
Magistratura da cidade, especialmente os seus peritos jurídicos (advogados e
funcionários judiciais), como os defensores da nova doutrina - "principalmente
aqueles que estudaram na França [em Orleans] e não amamentou o licor venenoso
contra João Calvino”8.
O bispo e o conselho municipal não reagiram até 15 de maio de 1572, quando um
sistema completo de repressão, com oito inquisidores, foi posto em funcionamento. O colégio
jesuíta assumiu as funções das outras escolas de latim. Depois da saída de Alva dos Países
Baixos, em Novembro de 1573, a perseguição aos calvinistas foi relaxada. Entre 20 e 26 de
março de 1578, François de la Kethulle (Ryhove) de Gand, assumiu o controle de Bruges e
estabeleceu regra calvinista. Isto levou ao banimento de 77 notáveis Católicos e suas famílias,
bem como a saída de 54 membros do organismo espanhol “Natie”. Remi Drieux, o bispo de
Bruges, já tinha sido preso por Ryhove durante o golpe de Gand, de 28 de outubro de 1577,
juntamente com outros prisioneiros de alto perfil, incluindo o bispo de Ypres e o príncipe de
Chimay, governador da Flanders. Drieux permaneceu em cativeiro até agosto de 1581.
8 On 3 March a certain Brother Cornelis identified elements of the city’s magistracy, especially its legal experts
(the lawyers and clerks), as proponents of the new doctrine – ‘principally those who have studied in France [at
Orleans] and there suckled the venomous liquor from the breast of John Calvin’.
23
Em 6 de agosto de 1578 o colégio jesuíta foi fechado e, em 28 de Agosto, a igreja
paroquial de Santa Ana foi colocada à disposição da congregação reformada. Em 25 de
Setembro, uma tempestade de iconoclastia varreu Bruges. Serviços católicos foram suspensos
em toda a cidade. Em 31 de Outubro, a magistratura tentou acalmar os conflitos. Os católicos
foram autorizados à adoração nas igrejas paroquiais, enquanto os reformados foram
distribuídos nas igrejas Conventual dos Carmelitas e os Agostinianos, e a capela de S. João.
Em 8 de Novembro, Bruges se tornou a primeira cidade na Flanders, a aceitar a "não religiosa
Paz" garantindo interferência em ambos os grupos religiosos.
Uma figura notável em Bruges, nesse momento foi Vincent Sayon. Ele é importante
para a nossa visão de Stevin. Para Devreese; Berghe (2008, p. 26, tradução nossa) “é provável
que ele fosse irmão do Joost Sayon, que se casou com a mãe de Stevin e atuou como tutor de
Simon, em 1577, e proprietário da casa chamada The Shield Golden9”. Devemos ser
cautelosos na reconstrução de laços familiares, pois, poucos documentos que dão à
confirmação definitiva das relações, foram preservados.
Ainda segundo Devreese; Berghe (2008, p. 26, tradução nossa) o historiador:
“Vandamme menciona Vincent Sayon como membro de uma delegação calvinista
que foi admitido na Câmara Municipal em 3 de novembro de 1566 a petição da
magistratura após um distúrbio em que alguns inovadores religiosos haviam chegado
às vias de fato com a milícia cívica”10
.
Não pode haver dúvidas quanto à convicção calvinista de Vicente no ano 1578-1584.
Em 1580, Vincent se tornou um membro do comitê de quatro homens acusados de
regulamentar a venda dos bens eclesiásticos. Ele foi uma dos maiores compradores de bens da
Igreja. Farnese observou em suas cartas de Philip II que, apesar de tudo, ainda havia muitos
calvinistas no banco de novo. Não obstante, Vincent desempenhou um papel ativo na
delegação cívica que negociou os termos para a restauração de Bruges, a obediência real.
Segundo Vandamme apud Devreese; Berghe, (2008, p.26) “é difícil definir a vida
profissional de Vincent, devido à grande variedade de suas atividades como comerciante.
Alguns se referem a ele como um coopman van tapytserie - um negociante de tapeçaria11
”.
9 [...] because it is very likely that he was the brother of Joost Sayon, Who married Stevin’s mother acted as
Simon’s legal guardian in 1577 and owned the house called The Golden Shield.
10 [...] Vandamme mentions Vincent Sayon as a member of a Calvinist delegation that was admitted to the town
hall on 3 November 1566 to petition the magistracy after a disturbance in which some religious innovators had
come to blows with the civic militia. 11 [...] it is difficult to define Vincent’s professional life because of the wide range of his activities as a merchant.
Some refer to him as a coopman van tapytserie – a tapestry dealer.
24
Ele pode ter assumido esse negócio de seu pai, Antoon Sayon, e um nome para si mesmo
como um tecelão e vendedor de tapetes.
Podemos notar que a família de Simon Stevin teve grande inclinação para o
calvinismo, Vicente Sayon como se pôde ver foi uma figura importantíssima nessa época e
provavelmente um calvinista fervoroso que defendia os ideais da religião calvinista.
1.4 A retomada catolicista de Bruges
Quando Alexander Farnese chegou a Bruges, a república calvinista chegou ao fim em
25 de maio de 1584. A vida católica em Bruges foi restaurada rapidamente. Dez dias antes da
entrada triunfal de Farnese, os altares já tinham sido reconsagrados nas igrejas de São
Donatian, St James e St Walburga. As igrejas de St Gillis e Nossa Senhora seguido em 15 de
julho. Em maio de 1585, foi acordado que uma procissão de aniversário seria realizada no
domingo mais próximo a 20 de maio para comemorar a libertação da cidade de hereges e
rebeldes.
No decurso de 1586 e 1587, os protestantes foram eleitos ou forçados ao exílio. Cento
e dez famílias calvinistas deixaram Bruges. Após esse período uma série de estudiosos
apareceram em universidades da Holanda do Norte, como Simon Stevin, Franciscus Gomarus
(1563-1641) teólogo reformado, em 1587 foi ministro em Frankfurt – Alemanha, e em 1594
tornou-se professor em Leiden – Holanda. Em 1604 Gomarus iniciou uma controvérsia
teológica sobre predestinação. Em 1609, ele renunciou à sua cadeira em Leiden e tornou-se
um pregador e conferencista em Middelburg – Holanda. Em 1615, foi nomeado professor em
Saumur – França Bonaventura Vulcanius (1537-1614), que antes de tornar professor de
idioma grego em Leiden, tinha sido secretário de Marnix van St Aldegonde (1538-1598).
Vulcanius deixou alguns escritos contendo comentários contra a Igreja Católica e, Nicolaus
Mulerius (1564 – 1630) calvinista na Universidade de Groningen – Holanda. Morreu na
Holanda em 1630 aos 66 anos. Em 1617, editou a terceira edição do “De revolutionibus
orbium caelestium” de Copérnico.
Outros filhos ilustres e importantes de Bruges são encontrados na Holanda como pode
ser observado por Devreese; Berghe, (2008 p.28, tradução nossa) “Havia outros de Bruges a
serviço dos estados gerais da Holanda no século XVII12
”.
12
There were others from Bruges in the service of the States General in Holland in the early seventeenth century
[…]
25
De acordo com documentos da cidade de Bruges, a partir do ano de 1577 não há
nenhum documento relatando que Stevin ainda se encontrava em Bruges. O que leva
biógrafos a deduzir que Stevin saiu antes da expulsão das famílias calvinistas de Bruges.
Talvez por querer adquirir mais conhecimentos ou por ficar descontente com as lutas travadas
entre católicos e calvinistas. De acordo com documentos houve um período entre 1577 e 1581
que não se tem conhecimento dos lugares que Simon Stevin passou, há rumores de que ele
tenha passado por universidades da Europa a fim de adquirir conhecimento científico.
Não há nenhum documento oficial de Bruges sobre Simon Stevin datado depois de
1577. Ele deve realmente ter deixado a cidade. Talvez suas razões para sair fossem
religiosas, mas também pode ser que ele simplesmente ficou cansado da atmosfera
em Bruges. A discórdia entre católicos e calvinistas, entre os quais sua família mais
próxima teve envolvida, tornou impossível para ele se dedicar ao seu trabalho
científico. Mesmo assim, pelo tempo que ele chegou a Leiden em 1581 ele deve ter
tido uma boa educação científica. Talvez estudasse em uma das universidades
protestantes na França, Alemanha ou Suíça, ou em uma universidade italiana, onde
ele pode ter tido contato com os matemáticos italianos e algebristas de seu dia13
(DEVREESE; BERGHE, 2008, p.34, tradução nossa).
Talvez não possamos afirmar com veracidade, mas documentos indicam que Simon
Stevin morou em lugares que estavam em consonância com o espírito calvinista.
O comportamento do cidadão, no respeito das leis de Deus e da religião é um
aspecto particularmente importante em Het Burgherlick Leven. Stevin dá como certo
que todos os pais gostariam de ver seus filhos crescerem na virtude e na justiça. Para
efeito, a religião é necessária. [...] Em conclusão, ele afirma que o melhor é
encontrar um lugar para morar no qual se pode confortavelmente em conformidade
com os costumes que prevalecem. Se aplicarmos este fim de Stevin a emigração
para o norte, podemos concluir que ele escolheu para si uma morada onde ele
poderia estar em conformidade com o calvinismo, que era a religião oficial da
Holanda e Zelândia14
(Ibid, p.44, tradução nossa).
Então, só a partir de 1581 torna-se mais fácil descrever a trajetória de Simon Stevin.
Nesse ano, o nome do estudioso de Bruges foi inscrito no cadastro municipal da cidade de
13
No official documents dating from after 1577 connected with Simon Stevin are to be found in Bruges. He
must indeed have left the town. Perhaps his reasons for leaving were religious, but it could also be that he had
simply had enough of the atmosphere in Bruges. The dissension between Catholics and Calvinists, among whom
his closest family could be counted, made it impossible for him to devote himself to his scientific work. Even so,
by the time he arrived in Leiden in 1581 he must have had a sound scientific education. Perhaps he studied at
one of the Protestant universities in France, Germany or Switzerland, or at an Italian university, where he may
have had contact with the Italian mathematicians and algebraists of his day. 14
The citizen’s behavior in respect of the laws of God and religion is a particularly important aspect of Het
Burgherlick Leven. Stevin takes it for granted that all parents like to see their children grow up ‘in virtue and
righteousness’. To this end a religion necessary. […] In conclusion, he states that it is best to find a place to live
in which one can comfortably conform to the customs that prevail. If we apply this view to Stevin’s emigration
to the north, we can conclude that he chose for himself a dwelling place where he could conform to Calvinism,
which was the official religion of Holland and Zeeland.
26
Leiden como Symon Stephani van Brueg. Em 16 de fevereiro de 1583, matriculou-se na
recém-fundada Universidade de Leiden, inaugurada em 8 de fevereiro de 1575. Seu nome
aparece nos registros da universidade até 1590 como Simon Stevinius brugensis, studuit artes
apud Stochium. O mais provável é que ele seguiu cursos ministrados por Rudolph Snel
(conhecido como Snellius), que ensinou matemática, astronomia e hebraico na universidade
desde 1581. “A decisão de estudar ou completar os seus estudos em Leiden, provavelmente
foi motivada por considerações religiosas. Naquela época Leiden foi a única universidade de
pleno direito calvinistas nos Países Baixos15
” (DEVREESE; BERGHE, 2008, p. 34, tradução
nossa).
Simon Stevin parece ter gostado do ambiente dos países baixos, principalmente o
clima da “Holanda, onde ele morou por pelo menos quatro anos, sendo a maioria ou todos na
cidade de Leiden16
” (STRUIK, 1958a, p. 373, tradução nossa).
O período entre 1582 e 1586, é revelado como sendo o mais importante para Simon
Stevin na Matemática. É esse período que o consagra como homem importante para a
Matemática e, assim, ficando ao lado de grandes nomes de cientistas eternizados por suas
contribuições, como por exemplo, Galileu Galilei (1564 – 1642).
1.5 Em contato com trabalhos de grandes homens da antiguidade
O período renascentista trouxe grandes contribuições para a ciência. Estudiosos da
Renascença estudaram e cultivaram as brilhantes obras realizadas na matemática, na estática,
na hidrostática, feitas por grandes matemáticos gregos – Thales de Mileto (por volta de 624 –
547 a.C.), Euclides (por volta de 330 – 260 a.C.), Papus de Alexandria (284 – 305), Apolônio
de Perga (por volta de 262 – 190 a.C.), Menelau de Alexandria (por volta do ano 100 d.C.) e
em especial as obras de Arquimedes (por volta de 287 – 212 a.C.). Essas obras forneceram a
base para os avanços feitos por Niccolo Tartáglia (cerca de 1500 – 1557), Gerônimo Cardano
(1501-1576) e Simon Stevin (1548-1620). “Em 1544 estudiosos renascentistas traduziram e
publicaram trabalhos de Arquimedes até então desconhecidos e este feito teve um impacto
significativo na disseminação do conhecimento17
” (Ibid, 2008, p.06, tradução nossa).
15 The decision to study or complete his studies in Leiden was the only fully fledged Calvinist university in the
Low Countries. 16 [...] when he had lived for at least four years in Holland, probably most of the time, if not all, at Leiden. 17
That in 1544 Renaissance scholars translated and published a number of hitherto unknown works by
Archimedes has had a significant impact on the dissemination of knowledge.
27
Simon Stevin foi um dos poucos renascentistas a estudar as obras de Arquimedes. Sua
leitura era difícil de ser compreendida por contemporâneos de Simon Stevin, fazendo de
Arquimedes um homem difícil de ser “entendido”.
As teorias de Arquimedes, o matemático mais avançado da Antiguidade, não eram
de fácil compreensão, trabalhos criativos e com base neles era ainda mais difícil de
compreender. Stevin foi um dos primeiros homens do Renascimento que leu as
obras de Arquimedes com certa dose de independência18
(STRUIK, 1958a, p.7,
tradução nossa).
Poderíamos atribuir esta dificuldade também aos que copiaram essas obras, uma vez,
que tais obras não eram originais.
A Matemática clássica grega se desenvolveu por volta de 600 a.C. Thales de Mileto
foi um dos primeiros praticantes. Por conseguinte, poderia ser de esperar que os
textos originais grego fossem encontrados também. Infelizmente, este não era o
caso. As obras de Thales de Mileto (por volta de 624 – 547 a.C.), Pitágoras (c. 540
a.C), Euclides (por volta de 330 – 260 a.C.), Apolônio de Perga (c. 262-190 a.C),
Arquimedes (287-212 a.C) e outros não chegaram até nós diretamente. Isso ocorre
porque a partir de 450 a.C, os gregos escreveram em papiros. Papiros, já em uso
desde 3000 a.C, foram muito vulneráveis e facilmente apodreceram. O Rolo só
poderia sobreviver em um ambiente muito seco.
Felizmente, as obras de eruditos gregos, que eram consideradas importantes foram
copiadas muitas e muitas vezes. No processo de cópia, modificações, no entanto,
foram feitas no texto original. Por exemplo, um copista, sem conhecimento técnico
do material a ser copiado facilmente comete erros. Se por outro lado, ele está muito
familiarizado com o tema, ele pode estar inclinado a adicionar elementos baseado no
conhecimento posterior que o escritor do texto original não possuía. Em ambos os
casos, o texto original não é passado para nós19
(DEVREESE; BERGHE, 2008, p. 9,
tradução nossa).
Esses homens contribuíram com a humanidade, mostrando que são importantes, não
deixando que as obras de homens considerados grandes pensadores se perdessem com o
tempo. Portanto, por mais que houve influência na transcrição dessas obras, seja influência
18 The theories of Archimedes, the most advanced mathematician of Antiquity, were not easily understood, and
creative work based on them was even more difficult. Stevin was among the first Renaissance men to study
Archimedes with a certain amount of independence. 19
Classical Greek mathematics developed as early as circa 600 BCE. Thales de Miletus was one of its earliest
practitioners. It might therefore be expected that original Greek texts would be found as well. Unfortunately, this
was not the case. The works of Thales of Miletus (c. 600 BCE), Pythagoras (c. 540 BCE), Euclid (c. 300 BCE),
Apollonius of Perga (c.262-190 BCE), Archimedes (287-212 BCE) and others have not come down to us
directly. This is because from 450 BCE onwards, the Greeks wrote on papyrus. Papyrus, already in use since
3000 BCE, was very vulnerable and rotted easily. Scrolls could survive only in a very dry environment.
Fortunately, those works of Greek scholars that were thought important were copied over again. In the process of
copying, however, the original text may have undergone changes. For instance, a copyist with no technical
knowledge of the material being copied can easily make mistakes. If, on the other hand, he is very familiar with
the topic he might be inclined to add elements based on later knowledge that the writer of the original text did
not possess. In either case, the parent text is not passed on to us.
28
por não entender do assunto ou por ter conhecimento aprofundado sobre o assunto, trocando
algumas palavras ou fazendo interferências nas obras.
Pode-se observar que pensadores da Antiguidade influenciaram Simon Stevin em
vários campos da ciência, na matemática, na física, na engenharia. Em matemática podemos
ressaltar a obra Problemata. “Influência de Euclides no Problemata é particularmente
evidente nas seções que tratam da divisão proporcional de valores com órgãos regulares20
”
(STRUIK, 1958a, p.6, tradução nossa). Também é visível a influência de Arquimedes nas
obras referente à mecânica de Simon Stevin, em Weeghconst (VI) e Weeghdaet (Via), que se
referem à estática.
1.6 Os trabalhos
Simon Stevin é considerado um grande engenheiro e matemático que contribuiu em
várias áreas da ciência, as contribuições de Stevin abrangem uma ampla gama de disciplinas:
matemática e física, engenharia e tecnologia, a navegação, a teoria financeira, fortificações e
planejamento da cidade, lingüística, teoria da música etc. Ele foi um dos primeiros
'copernicanos', enquanto, ao mesmo tempo tomou parte nas discussões éticas de seu tempo,
defendendo a tolerância e o espírito cívico, ele também criou uma Escola de Engenharia.
Destacaremos alguns dos trabalhos de Simon Stevin, uma lista completa deles pode ser
encontrada em E. Dijksterhuis (1943) ou E. Dijkterhuis (1955).
O trabalho datado de 1581 – Nieuwe Inventie van Rekeninghe van Compaignie (Nova
invenção das contas das empresas) apresenta regras corretas e simples de serem aplicadas para
resolver os cálculos de empresas, com isso facilitando os trabalhos de contabilidade. Segundo
Devreese; Berghe (2008) este trabalho foi descoberto na Biblioteca Nacional da Holanda, em
Haia, e pode ser um dos primeiros trabalhos publicados por Stevin.
No trabalho sob o título Tafelen van Interest, (Tabela de Interesse) publicado em 1582,
Simon Stevin constrói uma tabela de juros a fim de facilitar os trabalhos financeiros. De
acordo com Devreese; Berghe (2008) tanto o trabalho Nieuwe Inventie van Rekeninghe van
Compaignie, quanto o trabalho Tafelen van Interest de Stevin, são considerados trabalhos
curtos, cuja, intenção era facilitar o andamento do comércio da época.
20
Euclid’s influence in the Problemata is particularly evident in the sections dealing with proportional division
of figures and with regular bodies,[…]
29
No ano seguinte (1583) Simon Stevin publicou Problematum Geometricorum trabalho
sobre geometria, impresso por Joannes Bellerus na Antuérpia, Holanda. Em Problematum
Geometricorum Simon Stevin mostra ser um estudioso de Arquimedes.
No ano de 1585, Simon Stevin mostra-se bastante produtivo, lançando três trabalhos
que vão ser muito importantes para o desenvolvimento da matemática. Claro que não estamos
desmerecendo os trabalhos anteriores, mas, é nesse ano que Simon Stevin publica Dialectike
ofte Bewysconst, “o mais antigo tratado sobre lógica publicado na Holanda21
” (DEVREESE;
BERGHE, 2008, p. 40, tradução nossa). O trabalho De Thiende, um argumento para a
introdução das frações decimais, ensinando como executar todos os cálculos utilizando as
regras de números inteiros sem frações; L’Arithmetique, um resumo da álgebra de grande
valor educativo.
Outros trabalhos foram publicados depois de 1585, como pode ser encontrado em
Dijksterhuis (1955, p. 27) o trabalho intitulado De Beghinselen der Weeghconst, um tratato
original de macânica, em particular sobre estática e De Beghinselen des Waterwichts, um
tratado original sobre hidrostática, foram publicados em 1586; Vita Politica, Het Burgherlick
Leven, escrito por Simon Stevin em (1590) e publicado em Leiden por Frans van Ravelingen.
Um trabalho voltado para a política; Appendice Algebraique, que contém uma regra geral para
todas as equações, escrito por Simon Stevin em 1594, publicado em Leiden por Frans van
Ravelingen.
Simon Stevin não ficou somente no campo teórico. Também buscou aplicar suas
invenções.
Stevin certamente não se limita às considerações teóricas nestes anos, ele também
aplicou seus conhecimentos. Em 1584, através de seu amigo Johan Cornetas de
Groot, iniciou negociações com o Conselho da cidade de Delft, pedindo permissão
para testar uma de suas invenções a ver com a drenagem. Além disso, e em consulta
com o mesmo amigo, ele melhorou o funcionamento das usinas utilizadas para
bombear a água de terrenos pantanosos22
(DEVREESE; BERGHE, 2008, p.40).
Suas contribuições para questões hidráulicas foram importantes para o avanço da
mecânica, e aplicação desses conhecimentos concederam a Simon Stevin uma série de
patentes. “Em 1588 Stevin chegou a um acordo com o Jurista Hugo Grotiuns, para colocar
21
[…] the oldest treatise on logic in the Netherlands, […] 22
Stevin certainly did not confine himself to theoretical considerations in these years; he also applied his
knowledge. In 1584, via his friend Johan Cornets de Groot, he began negotiations with Delft’s town council for
permission to test one of his inventions to do with drainage. In addition, and usually in consultation with the
same friend, he improved the working of the mills used for pumping water from marshlands.
30
suas invenções hidráulicas em prática, com isso em mente, ele adquiriu um número de
patentes” (DEVREESE; BERGHE, 2008, p.41, tradução nossa).
Observando os trabalhos de Simon Stevin podemos ver a importância das aplicações
destes, em questões voltadas para o aperfeiçoamento e criações tanto na infra-estrutura, como
em questões pedagógicas.
[...] Stevin publicou dois livros que eram de uso prático para a defesa do país e para
o desenvolvimento da sua frota em crescimento. De Sterctenbouwing (a arte das
fortificações) foi impresso por Frans van Ravelingen em 1594; como o título sugere,
trata-se da teoria da fortificação de construção. Pode ser que ele foi concebido como
material pedagógico para a escola de engenharia que Stevin tinha ajudado a criar,
em Leiden.
Desde o início do século XVI, a construção da fortificação tinha vindo a evoluir
constantemente. O desenvolvimento da artilharia pesada deixa à necessidade de
novos sistemas defensivo imperativo23
(Ibid, p.44, tradução nossa).
Simon Stevin também se preocupou com as questões voltadas para a navegação,
dando importantes contribuições.
Em 1599, um segundo livro se mostrando bastante útil, foi publicado mais uma vez
por Frans van Ravelingen. De Havenvinding (The Haven-Finding Art) descreve um
método pelo qual um navio pode determinar a sua orientação no mar. É de se esperar
que o sempre inventivo Stevin, que agora era habitante de uma potência marítima
florescente, iria colocar sua mente para os problemas de navegação24
(Ibid, p.45,
tradução nossa).
Essa mente brilhante do século XVI contribuiu e muito para várias áreas do
conhecimento, mas a maior de todas as obras foi o trabalho De Thiende. É nesse trabalho que
Simon Stevin demonstra como resolver todos os cálculos de números “quebrados”, utilizando
os métodos já conhecidos com números inteiros.
23
[...] Stevin published two books that were of practical use for the defence of the country and the development
of its nascen fleet. De Sterctenbouwing (The Art of Fortification) was printed by Frans van Ravelingen in 1594;
as the title suggests, it deals with the theory of fortification-building. It could be that it was intended as course
material for the engineering school that Stevin had helped to set up in Leiden.
Since the start of the sixteenth century, fortification construction had been constantly evolving. The development
of heavy artillery made the need for new defensive systems imperative. 24
In 1599, the second of these useful books was published, again by Frans van Revelingen. De Havenvinding
(The Haven-Finding Art) describes a method by which a ship can determine its bearings at sea. It is only to be
expected that the ever-inventive Stevin, who was now an inhabitant of a burgeoning sea power, would put his
mind to the problems of navigation.
31
1.7 O trabalho De Thiende
1.7.1 Panorama histórico
Os chineses e os árabes já tinham contato com fração decimal25
no seu dia a dia. “Na
China a adesão à idéia decimal em pesos e medidas teve como resultado um hábito decimal
no tratamento de frações que, ao que se diz, pode ser encontrado já no século quatorze a.C.”
(BOYER, 2003, p.137). O mesmo não pode ser dito em relação aos povos do ocidente.
Embora durante o período do eurocentrismo os escritores não dessem importância a citação
das fontes consultadas na elaboração de seus trabalhos, não podemos deixar de referenciar a
influência do matemático islâmico al-K a sh i (c.1430) em relação às frações decimais e ao seu
entendimento sobre tal representação.
Além do eurocentrismo óbvio de tal julgamento, e da crescente evidência que o
trabalho de al-K a sh i influenciou a Europa Ocidental através de Constantinopla e
Veneza, este ilustra todo o problema de como se atribui prioridade. O principal
interesse em um livro de matemática (medieval ou moderno), é explicar como você
usa uma técnica, e não onde o autor obteve, e isto parece verdadeiro, mesmo de
escritores islâmicos, que trabalharam em uma cultura onde as citações das fontes
poderiam ser bastante cuidadosas. Assim, mesmo onde o trabalho é original esta
originalidade não pode ser solicitado, e isso deixa o campo aberto para os
historiadores (que pode importar mais do que o necessário) para discutir sobre
quem está copiando quem, e se um escritor realmente entende o método que ele está
explicando26
(HODGKIN, 2005, p.120, tradução nossa).
De acordo com Hodgkin (2005, p.120-121, tradução nossa) “al-K a sh i (d. 1429)
certamente sabia o que eram frações decimais, ele tem um termo técnico e o usa de forma
simples e com facilidade.27
” Em certo sentido, a introdução desses termos parece ser uma
reivindicação da invenção das frações decimais.
Dividimos a unidade em dez partes, nós, então, dividimos cada décimo em dez
partes, e depois cada um deles em mais dez partes, e em seguida, cada um deles em
mais dez partes e assim por diante, sendo a primeira divisão em décimos, e da
25
Fração Decimal é toda fração em que o denominador é uma potência de 10 com expoente natural. 26 Besides the obvious Eurocentrism of such a judgement, and the increasing evidence that al-kashi’s work did
influence western Europe via Constantinople and Venice, this illustrates the whole problem of how one ascribes
priority. The main interest in a mathematics textbook (medieval or modern), is to explain how you use a
technique, not where the author obtained it; and this seems true even of Islamic writers who worked in a culture
where citation of sources could be quite careful. Hence even where work is original, such originality may not be
claimed, and this leaves the field wide open for historians (who may care more than is necessary ) to argue about
who is copying whom, and whether a writer really understands the method he is explaining. 27
Al-K sh certainly did know what decimal fractions were; he has a technical term for them, and uses them
simply and with facility.
32
mesma forma o segundo em segundo decimal e o terceiro em terço decimal e assim
por diante, de modo que as ordens de frações decimais estejam na mesma relação
dos números astronômicos. [i.e. sexagesimais]. Chamamos isso de ‘frações
decimais28
(Al-K a sh i 1967 livro 3, capitulo 6 apud HODGKIN, 2005, P.121,
tradução nossa ).
Desta forma a fração decimal já era conhecida pelos matemáticos islâmicos e com
certeza al-K a sh i conhecia muito bem esta representação decimal. “Na mera escrita da fração
decimal, pelo menos, esses esforços tinham sido antecipados por al-K a sh i (c.1430), cujo
simbolismo fora tão bom quanto o de qualquer escritor europeu para o próximo século e
meio29
” (SMITH, 1958, p. 247, tradução nossa).
Segundo Smith (1959) havia vários estudiosos que tiveram alguma intuição da
necessidade de um dispositivo tal como a fração decimal muito antes do que foi finalmente
trazida à luz, ainda de acordo com este autor Joannes de Muris, ou Jean de Meurs, escreveu
no início do século XIV que:
O mais interessante das primeiras influências que tendem a invenção, foi a regra
para a extração de n a expressa em símbolos modernos por
k
n kna
10
10.. Em
particular, 3 =100
30000, ou
1000
3000000, o processo real de extrair a raiz
sendo bastante igual ao nosso com decimais. Ele era conhecido pelos hindus, arabes
e Johannes Hispalensis (c. 1140), e é encontrado nas obras de Johann von Gmunden
(c. 1430), Peurbach (c. 1460), e seus sucessores até o fim do século 1630
(SMITH,
1958, p. 236, tradução nossa).
28
We divided the unit into ten parts, we then divided each tenth into ten parts, and then each of them into a
further ten parts, and then each of them into a further ten parts and so on, the first division being into tenths, and
in the same way the second into decimal seconds and the third into decimal thirds and so on, so that the orders of
decimal fractions an wholes are in the same relation as in the principle in astronomical numbering [i.e.
sexagesimals]. We call this ‘decimal fractions’. 29
In the mere writing of the decimal fraction , at least, all these efforts had been anticipated by al-K sh (c.
1430), whose symbolism was quite as good as that of any European writer for the next century and a half. 30
The most interesting of the early influences tending to the invention, however, was a certain rule for the
extraction of
, expressed in modern symbols by
. In particular, =
, or
, the actual
process of extracting the root being quite like our present one with decimals. It was known to the Hindus, to the
Arabs, and to Johannes Hispalensis (c.1140), and is found in the works of Johann von Gmünden (c.1430),
Peurbach (c.1460), and their successors until the close of the 16th
century.
33
Outra influência que conduziu a invenção da fração decimal foi a regra de divisão por
número da forma n
a
10 que é atribuida a Cardano (1539) para Regiomontanus. Essa notação
aparece em diversos escritos do século XV, como no caso 470 : 10 = 47 e 503 : 10 = 5010
3.
Mas, sua representação para alguns valores deixavam a desejar, chegando ao ponto de
embaraçar. “No século XV, era frequente eles usarem frações como 197/280 e, às vezes,
descobriam-se afundado nas areias movediças de frações como 3345312/4320864”
(CROSBY, 1999, p.118). Durante o século XVI a preocupação com as técnicas de
computação fizeram com que matemáticos profissionais e amadores se mantessem motivados
em buscar métodos menos complicados para resolução de cálculos. De acordo com Boyer
(2003, p.217) “Vietè, o maior matemático da França então, em 1579 tinha recomendado
insistentemente o uso de frações decimais em vez de sexagesimais”, a fim de facilitar as
calculações.
Como se observa nos estudos dos historiadores sobre essa época, trabalhar com o
sistema de frações sexagesimais ficava inviável quando se envolvia números grandes ou
números muito pequenos. E desta forma, a fração decimal iria tomando espaço como afirma
Crosby (1999, p. 118) “os europeus foram salvos pelo sistema decimal, que talvez já existisse
em forma embrionária desde o início do século XIII, mas que passou mais trezentos anos sem
dispor de um sistema de notação útil.”
De fato, houve motivos para o surgimento da fração decimal em detrimento da fração
sexagesimal, e por mais que se observe na história da matemática que vários historiadores
reivindicavam a invenção a um determinado matemático, os historiadores da matemática são
unânimes em dizer que Simon Stevin (1548-1620), não só compreendeu a fração decimal,
como também deu-lhe um sentido, mostrando assim sua importância para os cálculos de
números “quebrados.”
A recomendação das frações decimais feita por Simon Stevin, fez com que os livros
didáticos de matemática a considerarem Simon Stevin como o inventor da fração decimal.
“Os livros didáticos da década de 1950 ou antes, alegaram que a invenção das frações
decimais fossem de Simon Stevin31
” (HODGKIN, 2005, p.120, tradução nossa).
31
In textbooks from the 1950s or before, it was claimed that the invention was due to Simon Stevin […]
34
Struik (1958, p.373, tradução nossa) afirma que “De Thiende [...], é a mais conhecida
das publicações de Stevin, que lhe rendeu o título de inventor das frações decimais32
”. Ainda,
este autor defende que “o título, se tomado com um grão de sal, é merecido”. Porém, estudos
da história da matemática mostram que Simon Stevin não inventou as frações decimais
(Árabes e Chineses já usavam frações decimais), mas ele introduziu seu uso na Matemática da
Europa, mostrando o quão era fácil desenvolver cálculos aritméticos utilizando frações
decimais, tanto quanto, eram utilizados números inteiros, tornando-se um forte defensor da
escala decimal. Não se pode negligenciar que as frações decimais apareceram bem antes de
Simon Stevin, como afirma Boyer (2003, p.217) “é claro que Stevin não foi em nenhum
sentido o inventor das frações decimais, nem o primeiro a usá-las sistematicamente”, porém, a
popularidade de seu livreto foi tão grande que o seu lugar no desenvolvimento das frações
decimais muitas vezes é mal compreendido, elegendo-o indevidamente como inventor das
frações decimais.
De acordo com Smith (1959, p. 20, tradução nossa) “Pellos (1492) usou um ponto para
separar um, dois ou três lugares no dividendo quando o divisor era um múltiplo de 10, 100 ou
100033
”. Ainda segundo este autor, os matemáticos Adam Riese (1429-1559) e Rudolf
(1500?-1545), respectivamente publicaram trabalhos utilizando as frações decimais. Adam
Riese (1522) publicou uma tabela de raízes quadradas em que os valores até três casas foram
computadas para os irracionais. Rudolf em1530 utilizou o símbolo como um ponto decimal
em uma tabela de juros compostos.
Historiadores da matemática não estão de acordo sobre quem foi o primeiro a
introduzir o uso da vírgula ou ponto decimal. Entre os candidatos para esta honra
estão Pellos (1492), Bürgi (1592), Pitisco (1608, 1612), Kepler (1616), Napier
(1616, 1617) (CAJORI, 2007, p.214).
O historiador A. De Morgan apud Cajori (2007, p.215), diz que:
Até o final do primeiro quarto do século XVIII devemos nos referir não só a
completa e final vitória do ponto (ou vírgula) decimal, mas, também, ao agora
universal método de efetuar operações de divisão e extração de raiz quadrada’,
Temos tratado longamente do progresso da notação decimal, porque ‘a história da
linguagem... é do mais alto interesse, bem como de sua utilidade: suas sugestões
constituem a melhor lição para o futuro que uma mente reflexiva possa ter.
32
De Thiende […], is by far the best know of Stevin’s publications; it earned him the little of inventor of the
decimal fractions. 33
Pellos (1492) used a decimal point to set off one, two, or three places in the dividend when the divisor was a
multiple of 10, 100, or 1000.
35
Simon Stevin sabia em que terreno estava pisando, pois, sua técnica de resolução de
problemas utilizando as propriedades até então aplicadas somente a números inteiros iria
facilitar os cálculos com números quebrados, uma vez, que a manipulação de números tão
grandes e muito pequenos trazia transtornos para os cientistas. Stevin era um entusiasta da
decimalização e esperava substituir as duas representações vigentes com quais os astrônomos
trabalhavam – as sexagesimais e os confusos sistemas de medição com o qual os “medidores
de terra” se confrontavam.
E o inspetor ou medidores de terra [...] não são ignorantes (especialmente cuja
atividade e emprego é grande) da problemática multiplicação de varas, pés, e muitas
vezes de polegadas, um pelo outro, que não só molesta, mas também muitas vezes
(apesar de ele ser muito experiente) leva a erros, tendendo para o dano de ambas as
partes [...]34
(STRUIK, 1958, p.395, tradução nossa).
O trabalho De Thiende,, de Simon Stevin voltado para a aritmética, apresenta a nova
maneira de representar frações decimais, que revolucionou os cálculos, facilitando as notações
de números não inteiros.
Figura 03 – Capa do livro De Thiende (1585)
Fonte: Disponível em: http://www.digitallibrary.nl. Acesso em: 16 de Dezembro de 2010.
34
And the surveyor or land-meter […], he is not ignorant (especially whose business and employment is great)
of the troublesome multiplications of rods, feet, and oftentimes of inches, the one by the other, which not only
molests, but also often (though he be very well experienced) causes error, tending to the damage of both
parties,[…].
36
A versão original desse trabalho contém 36 páginas, escrito em flamengo sob o título
“De Thiende”, no ano de 1585. Neste mesmo ano foi publicada uma versão em francês pelo
próprio autor Simon Stevin. Esta tradução foi adicionada à coleção de ensaios publicados sob
o título “La Pratique d’Arithmétique”. Havia outras maneiras de os matemáticos terem acesso
a ideia de Simon Stevin. “Duas versões em inglês apareceram, uma sendo literal feita por
Robert Norton, publicada em 1608 e outra mais livre publicada por Henry Lyte em 161935
”
(STRUIK, 1958, p. 378, tradução nossa).
De Thiende foi reimpresso em 1626, após a morte de Simon Stevin, dessa vez como
apêndice de um livro escrito por De Decker, publicado novamente em 1630. Quando Girard
em 1634 publicou Oeuvres de Stevin, ele incluiu a versão francesa do panfleto.
No século XX duas reedições do panfleto de Simon Stevin foram publicadas. “A
edição original em holandês de 1585 foi reproduzida em 1924 por H. Bosmans e a versão
francesa do mesmo ano em 1935 por G. Sarton36
” (Ibid, p. 385, tradução nossa).
1.7.2 A representação dos números decimais no De Thiende
De acordo com Crosby (1999, p. 119), no De thiende, “Stevin indicou o lugar de
determinado algarismo à esquerda e à direita do ponto decimal (como diríamos nós),
escrevendo em pequenos círculos acima dos algarismos um 0 para indicar o inteiro e 1, 2, 3, 4
etc., para indicar as frações.”
Vejamos como escrever a fração decimal
utilizando essa nova notação de Simon
Stevin.
⓪①②③④
3 1 4 1 6
Simon Stevin apresenta uma nova maneira de escrever os números não inteiros ou as
frações decimais e sua preocupação é mostrar novas representações de números e desta forma
amenizar as dificuldades de realizar cálculos.
O astrônomo sabe que pelo cálculo, usando tabelas de declinações o piloto pode
descrever a latitude e longitude de um lugar e que por tais meios cada ponto sobre a
35
Two English versions appeared, a literal one by Robert Norton, published in 1608, and a freer one by Henry
Lyte, published in 1619. 36
The original Dutch edition of 1585 was reproduced in 1924 by H. Bosmans, the French version of the same
year in 1935 by G. Sarton.
37
superfície da Terra pode ser localizado. Mas, como o doce nunca é sem o amargo, o
trabalho desses cálculos não pode ser disfarçado, pois envolvem multiplicações e
divisões tediosas, graus, minutos, segundos, etc. O agrimensor sabe o grande
beneficio que o mundo recebe a partir de sua ciência pela qual ele evita muitas
disputas sobre as áreas desconhecidas da Terra. E aquele que lida com assuntos de
grande porte, não pode ser ignorante das multiplicações cansativo de varas, pés e
polegadas a um pelo outro, que muitas vezes dão origem a erros que tendem a lesão
de uma das partes, e para ruína da reputação do agrimensor. Assim também, como
os mestres da casa da moeda, comerciantes, etc. Por mais importante que seja esses
cálculos, sua execução são muito trabalhosa. [...], La Disme ensina como todos os
cálculos do tipo das quatro operações da aritmética – adição, subtração,
multiplicação e divisão – podem ser realizados por números inteiros com tanta
facilidade como no ajuste de cálculos37
(SMITH, 1959, p. 21-23, tradução nossa).
Para colocar um círculo acima do algarismo a fim de ordená-los de modo que se
diferenciasse a parte inteira da parte não inteira, “Stevin foi influenciado em sua notação por
Bombelli” (CAJORI, 2007, p.154), Bombelli (1526-1572) contemporâneo de Stevin na sua
notação para álgebra utilizava desse círculo com um número inscrito para classificar o grau da
equação em quadrado, cubo, etc., Stevin trouxe essa notação para representar os números
decimais. Sua notação não conseguiu se dissipar entre os matemáticos da época, porém, sua
ideia posteriormente foi adotada por matemáticos que trataram de melhorar tal notação.
Grandes mudanças são muitas vezes demoradas de se aceitar, desta forma a introdução
das frações decimais não foi diferente.
Sua contribuição não residiu nessa notação especifica em si, mas em fornecer uma
explicação criteriosa e, pelo menos, um tipo de notação clara para o sistema das
frações decimais. Nossa maneira de expressar frações decimais só apareceu no
século seguinte, e até hoje não existe um sistema universal. Algumas sociedades
usam o ponto e outras usam a vírgula entre os números inteiros e suas frações
decimais. Mas tivemos o beneficio inestimável de um ou outro tipo de sistema
funcional de frações decimais, desde os dias de glória de Simon Stevin (CROSBY,
1999, p.119).
Simon Stevin, matemático e engenheiro, não só compreendeu as frações decimais,
como também escreveu o livro De Thiende sobre elas. Em seu argumento, Stevin escreve que
37
The astrologer knows that, by computation, using tables of declinations, the pilot may describe the true
latitude and longitude of a place and that by such means every point upon the earth’s surface may be located. But
as the sweet is never without the bitter, the labor of such computations cannot be disguised, for they involve
tedious multiplications and divisions of sexagesimal fractions, degrees, minutes, seconds, thirds, etc. The
surveyor knows the great benefit which the world receives from his science by which it avoids many disputes
concerning the unknown areas of land. And he who deals in large matters, cannot be ignorant of the tiresome
multiplications of rods, feet, and inches the one by the other, which often give rise to error tending to the injury
of one of the parties, and to the ruin of the reputation of the surveyor. So too, with mint-masters, merchants, etc.,
each in his own business. The more important these calculations are, and the more laborious their execution,
[…], La Disme teaches how all computations of the type of the four principles of arithmetic – addition,
subtraction, multiplication and division – may be performed by whole numbers with as much ease as in counter-
reckoning.
38
o De Thiende consiste em duas partes: Definição e Operações, conforme apresentamos
abaixo:
Definição
Décimo;
Início;
Primeiro, segundo, etc.;
Número decimal.
Operação
Adição;
Subtração;
Multiplicação;
Divisão.
Tabela 01 – Mostrando as duas partes de De Thiende.
Stevin mostra interesse em disseminar essa nova representação, deixando claro que
“no final deste trabalho, será adicionado um apêndice estabelecendo o uso de números
decimais em problemas reais38
” (SMITH, 1959, p. 23, tradução nossa).
Em seu livreto, Stevin se preocupa com o uso da palavra Dime39
, dando uma definição
para esta palavra.
Dime é uma espécie de aritmética, inventada pela progressão de décimos, que
consiste em caracteres de cifras, segundo o qual um determinado número é descrito
e pelo qual também todas as contas que acontecem nos assuntos humanos são
realizadas por números inteiros, sem frações ou números quebrados40
(NORTON,
1608 apud STRUIK, 1958a, p. 403, tradução nossa).
No entanto, o trabalho de Stevin e especialmente sua notação, resultou em um modelo
de cálculo utilizando frações decimais, não com denominadores, mas com “números de ponto
decimal” tornando tão simples trabalhar com as frações decimais, quanto trabalhar como
números inteiros. Stevin explica este modo de pensar da seguinte maneira.
Se certo número, um mil cento e onze, escrito com algarismo hindu-arábico é
exatamente 1111, portanto, em que parece que cada 1 é a décima parte de seu
precedente 1, da mesma forma em 2378 de cada unidade de 8 é a décima parte de
cada unidade de 7, e assim por diante. Mas é conveniente que as coisas de que
falaríamos têm nomes, e esta forma de cálculo é encontrada pela consideração do
décimo ou progressão da moeda, e consiste inteiramente nele, como deve seguir
38
[...] the end of this discussion, there will be added an appendix setting forth the use of decimal numbers in real
problems. 39
Dime ou Disme em frânces é traduzido em português pela palavra Décimo. 40
Dime is a kind of arithmetic, invented by the tenth progression, consisting in characters of ciphers, whereby a
certain number is described and by which also all account which happen in human affairs are dispatched by
whole numbers, without fractions or broken numbers.
39
aparecem. Nós chamamos este tratado apropriadamente pelo nome de Dime, em que
todas as contas que surgem através das relações de negócios, medidas etc. entre os
homens podem ser forjadas e feitas sem frações ou números quebrados, como a
seguir será exibida41
(Ibid, p. 403-405, tradução nossa).
Além desta primeira definição, seguida de explanação, Stevin introduz uma série de
definições, demonstrando a sua completa compreensão da estrutura de um sistema decimal.42
Segunda definição.
Todos os números inteiros apresentados são chamados de unidades e serão indicados
pelo sinal ⓪.
Explanação:
O número trezentos e sessenta e quatro, por exemplo, pode ser escrito como sendo
trezentos e sessenta e quatro unidades e escreve se da seguinte forma 364⓪.
Similarmente poderá ser escritos para outros casos.
Terceira definição.
A décima parte de uma unidade é chamado de primeiro e é indicada pelo sinal ① e
o décimo de um primeiro é chamado de segundo, e é indicado pelo sinal②, e assim
por diante para cada uma décima parte da unidade do valor imediatamente superior.
A explicação desta definição se dá do seguinte modo, temos, 3①7②5③9④, que
significa 3 primeiro, 7 segundo, 5 terceiro, 9 quarto e isso pode ser continuado
indefinidamente. Ele pode ser visto a partir da definição de que os números são
,
,
,
, e que esse número é
. Da mesma forma 8⓪9①3②7③tem o
valor de 8,
,
,
, e que esse número é
, e assim por diante para outros
números. Além disso, você deve perceber que neste números que usamos sem
frações, e que o números em cada sinal, exceto ⓪, nunca pode ser superior a 9. Por
exemplo, não pode se escrever 7①12②, mas sim 8①2②, pois tem o mesmo valor,
que é
,
ou
,
.
Quarta definição
Os números da segunda e terceira definição a partir de agora serão chamados de
números decimais. (Ibid, p. 405-407, tradução nossa).
As definições apresentadas por Simon Stevin mostram que ele possui conhecimento
sobre o que está sendo posto, uma vez, que a segunda e terceira definição são seguidas de
exemplos e a quarta definição expõe como essa nova representação das frações decimais será
chamada.
41
Let the certain number be one thousand one hundred an eleven, described by the characters of ciphers thus
1111, in which it appears that each 1 is the 10th
parts of his precedent character 1; likewise in 2378 each unity of
8 is the tenth of each unity of 7, and so of all the others. But because it is convenient that the things whereof we
would speak have names, and that this manner of computation is found by the consideration of such tenth or
dime progression, that is that it consist therein entirely, as shall hereafter appear, we call this treatise fitly by the
name of Dime, whereby all accounts happening in the affairs of man may be wrought and effected without
fractions or broken numbers, as hereafter appears. 42
Os textos em inglês referente às citações de Norton, 1608, apud Struik, 1958, desta seção 1.7.2 se encontra em
anexo.
40
Logo em seguida Stevin se concentra nas operações e estabelece a base para os
cálculos elementares com números decimais. As operações em questão são as quatro
operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) e mais a extração de
todos os tipos de raízes. Sua explicação é dividida em quatro proposições, a adição é a
primeira proposição, subtração a segunda proposição, multiplicação a terceira proposição e
divisão a quarta proposição, sendo que a explicação da extração de raízes se encontra na
quarta proposição tomada como nota.
Primeira proposição da adição.
Dados: três números decimais 27⓪8①4②7③, 37⓪6①7②5③ e
875⓪7①8②2③.
Objetivo: encontrar a soma dos três números decimais.
Construção: organizar os números e adicioná-los como se faria normalmente ao
adicionar números inteiros.
⓪① ②③
2 7 8 4 7
3 7 6 7 5
8 7 5 7 8 2
9 4 1 3 0 4
A soma é 941⓪3①0②4③. Para provar este resultado toma-se a terceira definição
no qual o número 27⓪8①4②7③ é dado como 27,
,
,
ou
. Da
mesma forma, 37⓪6①7②5③ é dado como 37,
,
,
ou
e
875⓪7①8②2③ também é dado como 875,
,
,
ou
. Adicionando
estes três números tem se como resultado
. De fato o resultado
941⓪3①0②4③ tem esse mesmo valor e, portanto a soma mostrada é verdadeira.
(Ibid, p. 409-411, tradução nossa).
A conclusão de Stevin é a de que ao somar três números decimais da mesma forma
que efetuamos a operação da adição com números naturais, encontramos o resultado que
buscamos, isto é, o que foi proposto, foi atingido, pois o objetivo era encontrar a soma, por
meio da nova representação. Seu exemplo é convincente, uma vez, que os números
apresentados para serem somados, são representados na forma de fração, cujo denominador é
uma potência de base 10.
Mas, e quando um número decimal não preencher todas as colunas, isto é um número
decimal da forma 5,07 (representação de um número decimal, nos dias atuais). Esta situação é
esclarecida por meio de uma nota na primeira proposição de La Disme.
Note que, se os números dados existem alguns sinais sem a sua ordem natural, o
lugar defeituoso será preenchido. Como, por exemplo, dado os números 8⓪5①6②
41
e 5⓪7②, em que este último esta sem o sinal ①, no seu lugar será colocado 0①,
levando este último número a 5⓪0①7②, adicionando do seguinte modo
⓪① ②
8 5 6
5 0 7
1 3 6 3
(Ibid, p. 411, tradução nossa).
Observa se, que Stevin, está atento a situações como estas, tanto é que remetem esta
situação as demais proposições. “Este exemplo deve servir também para as três proposições
que se seguem, em que a ordem das figuras defeituosas deve ser fornecida, como foi feito no
exemplo anterior” (Ibid, p.411, tradução nossa), ou seja, no caso de lacunas preencha se com
zeros quantas vezes forem necessárias. E adicione, subtraia, multiplique ou divide
independente da operação que se faça.
A próxima proposição leva em consideração a subtração de números decimais.
Segunda proposição: da subtração de números decimais.
Dados o número 237⓪5①7②8③ a partir do qual o número 59⓪7①4②9③ deve
ser subtraído.
Construção: os números dados poderão ser colocados nesta ordem, subtraindo-se de
acordo com a maneira de subtração dos números inteiros, assim.
⓪①② ③
2 3 7 5 7 8
5 9 7 3 9
1 7 7 8 3 9
O resto é 177⓪8①3②9③, eu afirmo que é o que temos que encontrar.
Demonstração: o número decimal 237⓪5①7②8③ será demonstrado pela terceira
definição deste Disme,
ou
, e pela mesma razão,
59⓪7①3②9③ tem o valor
, que subtraído de
, tem como
resultado
, e também assim 177⓪8①3②9③, que é então o verdadeiro
resultado que deve ser manifestado (Ibid, p. 411-413, tradução nossa).
Logo, após a construção e a demonstração, Simon Stevin chega à conclusão que dado
um número decimal e um número similar que deve ser subtraído a partir deste número
decimal, chega a um resultado verdadeiro, uma vez, que sua demonstração é verdadeira.
Em seguida, a terceira proposição, que aborda a operação de multiplicação,
envolvendo números decimais.
42
Terceira proposição: da multiplicação de números decimais.
Números dados: 32⓪5①7② e o multiplicador 89⓪4①6②.
Objetivo: encontrar o seu produto.
Construção: coloque os números em ordem e se multiplica de maneira comum,
como se multiplica os números inteiros.
⓪①②
3 2 5 7
8 9 4 6
1 9 5 4 2
1 3 0 2 8
2 9 3 1 3
2 6 0 5 6 -
2 9 1 3 7 1 2 2
Isso dá o produto 29137122. Para chegar ao resultado esperado, adicione os dois
últimos sinais dos números dados, que são ② e ②, temos ④. Dizemos então que o
sinal do último algarismo do produto será ④. Uma vez constituído esta soma, todos
os sinais são conhecidos devido à sua ordem contínua. Portanto,
2913⓪7①1②2③2④ é o produto.
Demonstração: como mostra na terceira definição de La Disme, o número dado
32⓪5①7② é
, ou
, e também o multiplicador 89⓪4①6② ou
. Multiplicando-se o
por este número dá o produto
. O
produto 2913⓪7①1②2③2④ é tomado como verdadeiro como foi demonstrado
(Ibid, p. 415-417, tradução nossa).
Simon Stevin explica que um número decimal de sinal ② multiplicado por um
número decimal de sinal ②, tem como produto um número decimal de sinal ④, o mesmo
acontece com um número decimal de sinal ④ multiplicado por um número decimal de sinal
⑤, tem como produto um número decimal de sinal ⑨, assim como um número de sinal ⓪
multiplicado por um número decimal de sinal ③ tem como produto um número decimal de
sinal ③ e assim por diante.
Um novo exemplo é dado, seja, os números,
e
, pela terceira definição de La
Disme são os valores 2① e 3②. Seu produto é
, que também, pela terceira definição de
La Disme é 6③. Assim, multiplicando o primeiro ① pelo segundo ② dá um produto de sinal
terceiro ③, ou seja, o sinal do produto é a soma dos sinais dos últimos algarismos dos
números envolvidos na multiplicação.
Diante das construções e demonstrações envolvendo números decimais chega-se à
conclusão de que dados os números decimais para serem multiplicados, se encontra o produto
como se pretende fazer, da mesma forma como se fossem utilizados números inteiros.
43
No final da terceira proposição, Simon Stevin deixa uma nota.
Se o último sinal do multiplicando não é igual ao último sinal do multiplicador,
seguido de exemplo, 3④7⑤8⑥ e 5①4②, proceda como acima.
④⑤⑥
3 7 8
5 4 ②
1 5 1 2
1 8 9 0 -
2 0 4 1 2 ④⑤⑥ ⑦⑧
(Ibid, p. 417, tradução nossa).
Sendo assim a multiplicação de 3④7⑤8⑥ e 5①4② tem como produto um número
decimal de sinal ⑧, que é 2④0⑤4⑥1⑦2⑧.
Para finalizar a segunda parte de La Disme, Simon Stevin apresenta a quarta
proposição que é a operação de divisão utilizando números decimais.
Quarta proposição: da divisão de números decimais.
Números decimais dados: 3⓪4①4②3③5④2⑤ que será dividido por 9①6②.
Objetivo: determinar o quociente.
Construção: Dividir os números indicados (omitindo os sinais) de acordo com a
maneira comum de dividir com números inteiros, assim
344352 : 96 = 3587
Agora para se conhecer o resultado procurado, é só subtrair do sinal do último
algarismo do dividendo, o sinal do último algarismo do divisor, ou seja, do sinal ⑤
subtrair o sinal ②, tendo como resultado desta subtração o sinal ③. Este será o sinal
do último algarismo do quociente e, assim todo o resto se manifesta de forma
continuada. Chegando ao seguinte resultado 3⓪5①8②7③.
Demonstração: dado o dividendo 3⓪4①4②3③5④2⑤, pela terceira definição de
La Disme temos,
, ou
, e pela mesma razão o
divisor 9①6② tem como valor
,
, ou
. A divisão destes números tem como
resultado
, que pode ser escrito como 3⓪5①8②7③, portanto este é o
quociente a ser demonstrado (Ibid, p. 419-421, tradução nossa).
Nesta quarta proposição, Simon Stevin busca esclarecer as divisões na qual o
dividendo venha ter o último sinal menor que o último sinal do divisor. Na nota, esclarece,
que se os sinais do divisor forem maiores do que os sinais do dividendo, deve ser adicionado
ao valor do dividendo tantos zeros quanto forem necessários. Também nesta mesma nota há
um exemplo de número decimal no qual a parte decimal é composta de repetição de um
determinado algarismo.
44
No primeiro exemplo da nota, ele demonstra a divisão de 7② por 4⑤, no qual explica
que para acontecer esta divisão é necessário preencher com zeros (0) após o 7 quantas vezes
for preciso, até que se possa efetuar a divisão, neste caso, tendo como quociente o valor
1750⓪.
7000 : 4 = 1750
No outro exemplo desta mesma nota Simon Stevin se preocupa com resultados que
não podem ser expressos com números inteiros, ou seja, resultados constituídos de parte
decimal infinita. Para esta situação, ele demonstra a seguinte situação, 4① dividido por 3②,
parece que o quociente será um número infinito de três. Neste caso, pode se abordar o mais
próximo ao quociente real como o problema requer e omitir o restante, ou seja, o quociente
desta divisão é 13⓪3①3② ou 13⓪3①3②3
③ é o resultado exato, mas neste trabalho
propomos a utilizar apenas números inteiros, além disso, percebe se que no mundo dos
negócios não se conta a milésima parte de um maille ou de um grão.
Omissões como essas são feitas pelos principais Geométricos e Aritméticos. Mesmo
nos cálculos de grande importância. “Ptolomeu e Jehan de Montroyal, por exemplo, não
fizeram uso de números mistos em suas tabelas, pois tendo em vista o objetivo destas tabelas
à aproximação é mais útil do que a perfeição” (Ibid, p. 423, tradução nossa).
Simon Stevin também explana sobre a extração de raízes de números decimais, dando
a seguinte nota: Números decimais podem ser usados na extração de raízes. Por exemplo, para
encontrar a raiz quadrada de 5②2③9④, o trabalho é de acordo com o método comum usado
para extrair raiz quadrada, sendo assim, a raiz quadrada do número dado é 2①3②. O último
sinal da raiz é sempre a metade do último sinal do número dado. Portanto, se o último sinal do
número for impar, se acrescenta um zero para que o sinal se torne par, e em seguida extrai se a
raiz. Da mesma forma na extração da raiz cúbica, o sinal da raiz cúbica de um número
decimal dado é a terceira parte do último sinal deste número decimal, e assim de todos os
outros tipos de raízes.
Logo, depois de apresentar as duas partes do trabalho La Disme, Stevin anexa um
apêndice, no qual ele começa com o seguinte prefácio.
Vendo que já descremos sobre os números decimais, vamos agora ao seu uso,
mostrando 6 artigos com todos os cálculos que podem acontecer no mundo dos
negócios de qualquer homem, podendo ser facilmente realizadas. Começo
mostrando como elas são colocadas em prática na mensuração de volume ou
quantidade de terra (Ibid, p. 419-421, tradução nossa).
45
A sua preocupação em colocar esta nova notação em prática, levou a produzir estes
artigos a fim de provar a facilidade de se trabalhar com números decimais.
Para o primeiro artigo intitulado “Calculações na metragem de terra”, Simon Stevin
explanou sobre a metragem de terras, no qual utiliza-se de uma medida comum43
, ou seja,
conhecida por todos da área de medição de terra, no caso a unidade será “perch” ou “rod” (o
“perch” ou “rod” em inglês ou “roede” em holandês, são ambas medidas de área e de
comprimento), depois da escolha começa se a divisão decimal, o“perch” ou “rod” é chamado
de unidade 1⓪, que é dividida em dez partes iguais ou primeiros, e cada primeiro é dividido
em dez partes iguais ou segundos, e cada segundo é dividido em dez partes iguais ou terceiros
e assim por diante, quantas vezes for necessário. Simon Stevin explica que para efeito de
medidas de terras, as divisões em segundos② são suficientes, mas, em questões que exigem
maior precisão como na medição de espessura de chumbo, etc., neste caso pode se usar os
terceiros③.
Como um entusiasta dos números decimais, Simon Stevin sugere que as medições de
terra passassem a obedecer ao sistema decimal proposto.
Assim sendo feito, estes devem ser usados para medir, deixando de considerar os
pés e os polegares de acordo com o costume local, assim devem ser adicionado,
subtraído, multiplicado e dividido, de acordo com a doutrina dos exemplos
precedentes (Ibid, 429, tradução nossa).
E para reforçar, Stevin cita exemplos desta nova maneira de se fazer cálculos de
medição de terra.
Por exemplo, vamos adicionar quatro triângulo ou superfície de terra, sendo o
primeiro 345⓪7①2②, o segundo 872⓪5①3②, o terceiro 615⓪4①8② e o
quarto 956⓪8①6②.
⓪①②
3 4 5 7 2
8 7 2 5 3
6 1 5 4 8
9 5 6 8 6
2 7 9 0 5 9
(Ibid, p.429, tradução nossa).
Sendo estes adicionados de acordo com a primeira proposição de La Disme, chegando
a seguinte soma 2790⓪5①9②. Ele liga os termos utilizados para as atuais medidas lineares
43 Em todos os 6 artigos, Simon Stevin teve o cuidado de utilizar unidades já conhecidas pela população, deste
modo buscava mostrar os benefícios da sua nova notação e não da nomenclatura utilizada.
46
ao conceito de números primeiros e segundos, associando números primeiros com os pés, e os
segundos com a unidade familiar de medição, o "polegar". A coisa mais importante no
argumento de Stevin é que ele propõe uma divisão baseada em décimos, embora esta prática
certamente não fosse comum nos seus dias.
Simon Stevin adiciona mais três exemplos, nos quais são consideradas a subtração,
multiplicação e divisão respectivamente, sempre enfatizando a mudança.
O segundo artigo que tem como título os cálculos das medidas de tapeçaria ou panos.
Stevin busca como unidade comum o “ell” que corresponde aproximadamente a 46 polegadas.
“O ell como unidade de medida de tapeçaria ou pano será 1⓪” (NORTON, 1608 apud
STRUIK, 1958, p.435, tradução nossa), e faça como foi feito anteriormente no primeiro
artigo pega-se esta unidade o ell e divide-se em dez partes iguais, perfazendo os primeiros, em
seguida divide-se o primeiro em dez partes iguais perfazendo os segundos e assim por diante.
Como explicado no primeiro artigo os segundos② são suficientes na medição de tecidos.
Neste segundo artigo, Simon Stevin não cita exemplo, visto que esses exemplos estão
totalmente de acordo com os exemplos do primeiro artigo.
O terceiro artigo cujo título é Dos cálculos que servem para aferição, e na medição de
todos os vasos de bebidas. Simon Stevin usa como medida o “ame” “um ‘ame’ (que faz 100
potes de Antuérpia) que passa ser 1⓪”(Ibid, p.435, tradução nossa), no qual ele explica que
“o mesmo deve ser dividido pelo comprimento e profundidade em 10 partes iguais (ou seja, é
igual em relação ao vinho, não ao ‘rod’, no qual as partes de profundidade devem ser
diferentes)” (Ibid, p.435, tradução nossa). Neste caso Simon Stevin comenta que a forma de
um barril ou de uma garrafa deve ser considerada. Na primeira divisão, a décima deve conter
10 potes de Antuérpia, ou seja, 1①. Novamente, se pega 1① e divide-se em 10 partes,
perfazendo os segundos, no qual, cada 1② vale 1 pote de Antuérpia, depois cada 1② é
dividido em 10 partes iguais, sendo cada parte desta divisão 1③.
Simon Stevin afirma que para determinar a quantidade em um tonel, basta proceder de
acordo com os exemplos do primeiro artigo. “Agora o rod sendo então dividido, para saber o
conteúdo do tonel, multiplicar e trabalhar como no artigo primeiro dos quais (sendo
suficientemente manifesto) não vamos falar daqui em adiante” (Ibid, p. 437, tradução nossa).
Mas em relação à divisão de profundidade, ele buscou dar uma breve explicação. Sua
demonstração é a seguinte.
Mas, vendo que a décima divisão da profundidade não é vulgarmente conhecida,
vamos explicar o mesmo. Deixe o “rod” ser um “ame” AB, que é 1 ⓪, dividido (de
acordo com o costume) em nove pontos de profundidade: CDEFGHIKA, fazendo
47
cada parte 1①, que deve ter novamente cada parte dividido em dez, portanto. Que
cada um ① ser dividido em dois, assim: desenhar a linha BM com um ângulo
correto sobre AB e iguale a 1①, BC, em seguida (pela proposição 13 de Euclides
seu livro 6) Encontre a média proporcional entre BM e seu moiety, que é BN,
cortando BO iguale a BN. E se NS ser igual a BC, a operação é correta. Seguida,
anote o comprimento NC de B para A, como BP, sendo igual a NC, a operação é
correta, do mesmo modo o comprimento do BN de B para Q, e assim o resto.
Permanece ainda a dividir cada comprimento de BO e OC etc., em cinco partes,
consequentemente: Procure o meio proporcional entre BM e sua décima parte, que
deve ser BR, cortando BS igual à BR. Então o comprimento SR, notado de B para
A, enquanto BT é igualmente o comprimento TR de B até V, e assim por diante,
continuando à dividir BS e ST, etc, em ③, eu digo que BS, ST e TV etc., são os
desejados ②, que esta preste à ser demonstrado.
Para que BN seja a linha média proporcional (pela hipótese) entre BM e seu moiety,
o quadrado da BN (pela proposição 17 do sexto livro de Euclides) deve ser igual ao
retângulo de BM e seu moiety. Mas o mesmo retângulo é o moiety do quadrado de
BM. Mas BO é (por hipótese) igual a BN, e BC para BM; o quadrado, então, de BO
é igual ao moiety do quadrado de BC. E como é demonstrado que o quadrado de BS
é igual à décima parte do quadrado de BM (Ibid, p.439, tradução nossa).
No final desta demonstração, Stevin deixa claro que a explicação é para os mestres da
ciência e não para aprendizes: “Fizemos breves demonstrações, porque não escrevemos isto
para aprendizes, mas para mestres da ciência” (Ibid, p.437, tradução nossa).
No quarto artigo intitulado Cálculos de estereometria em geral, Stevin demonstra a
medição do volume, em termos decimais, usando o exemplo de uma coluna com um
comprimento, largura e altura.
No caso de termos uma coluna retangular quadrangular para ser medida,seu
comprimento é de 3①2②, a largura 2①4② e a altura 2⓪3①5②. A questão é
quanto a substância ou matéria daquela coluna é. Multiplique (de acordo com
doutrina da terceira proposição deste “La Disme”) o comprimento pela largura, e o
produto pela altura desta maneira.
①②
3 2
2 4
1 2 8_
6 4
7 6 8 ④
2 3 5 ②
3 8 4 0
2 3 0 4
1 5 3 6 -
1 8 0 4 8 0 ①②③④⑤⑥
E o produto encontrado é 1①8②4④8⑤0⑥ (Ibid, p.441, tradução nossa).
Ele nos lembra que os volumes de objetos tridimensionais devem ser calculados e que,
portanto, é necessário trabalhar com as medições em cúbicos.
48
Nota, alguns desconhecedores, (não entendendo o que falamos aqui) dos princípios
da estereometria pode espantar se onde é dito que a grandeza da coluna acima
mencionada é apenas 1① etc.; vendo que ela contêm mais de 180 cubos, dos quais o
comprimento de cada lado é 1①, ele deve saber que a densidade de uma jarda não é
a mesma densidade de 10①, enquanto o comprimento de uma jarda, mas 1000①, à
respeito do 1① fazer 100 cubos, cada 1①, como é manifestado entre os metros de
terra na superfície; para quando eles dizem que 2 “rods”, 3 pés de terra, não é apenas
para dizer 2 “rods” quadrados e 3 pés quadrados, mas 2 “rods” (e contando apenas
12 pés de “rod”) 36 pés quadrados; portanto se a questão dita foi quantos cubos,
cada um sendo 1①, estava na grandeza da dita coluna, a solução deveria ser
encontrada de acordo, considerando que cada destes 1①, acaso façam 100①
daqueles; e cada 1② destes façam 10① daqueles etc., ou caso contrário, se a
décima parte da jarda for a melhor medida que a estereometria propõe, seja chamado
de 1⓪, como dito acima (Ibid, p.441, tradução nossa).
No quinto artigo, com o título Cálculos astronômico, Stevin começa destacando o
sistema utilizado pelos astrônomos da época.
Os antigos astrônomos tendo dividido o círculo em 360 graus, viram que as
computações astronômicas com suas partes era muito trabalhosa; por conseqüência
eles também dividiram cada grau em certas partes, e estas novamente em muitas
etc., no final desse modo o trabalho sempre chegava à números inteiros, escolhendo
a progressão 60 porque o 60 é um número mensurável por muitas medidas inteiras,
isto é 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20 e 30; mas se a experiência pode ser creditada
(nós dizemos com reverência aos respeitáveis tempos antigos e “movidos” com a
utilidade comum), a sexagésima progressão não era a mais conveniente (pelo
menos) entre aqueles que a natureza consiste potencialmente, mas o décimo que é
assim (Ibid, p.443-445, tradução nossa).
Stevin preservou a divisão do círculo em 360 partes, como feito nos artigos anteriores,
isto é, usa-se aqui uma nomenclatura já conhecida, para a qual chamou 360 de início, ou seja,
360⓪. “Chamamos os 360° graus também de começo, expressando-os então 360⓪, e cada
um grau em 1⓪ à ser dividido em 10 partes iguais, no qual, cada um deve fazer 1①, e
novamente cada 1① em 10②, e assim por diante, assim como já tem sido feito” (NORTON,
1608 apud STRUIK, 1958, tradução nossa). “Além disso, usaríamos esta divisão do grau em
todas as tabelas astronômicas e esperamos publicar um desses em nossa própria língua
flamenga, que é o mais rico, o mais ornamentado, e o mais perfeito de todos os idiomas44
”
(SMITH, 1959, p. 32, traduçao nossa).
Quando Stevin descreve a última área de aplicação, que é o sexto artigo que tem como
título Cálculos de banqueiros, comerciantes e todos os estados em geral, ele se mostra muito
bem consciente das diferentes moedas, utilizados no comércio internacional. Ele também
demonstra ter uma boa ideia do valor de troca dessas moedas, como aparece, no início do
artigo.
44
Moreover we would use this division of the degree in all astronomical tables and we hope to publish one such
in our own Flemish language which is the richest, the most ornate, and the most perfect of all languages.
49
No final, falamos em geral e brevemente da soma e do conteúdo deste artigo, dever
ser sempre compreendido que todas as medidas (sejam elas de comprimento,
líquido, de dinheiro etc.) partem da décima progressão, e cada espécie notável delas
devem ser chamada de começo: Assim a marca é a unidade de peso de ouro e prata,
e a libra para outros pesos comuns. Livres de Gros em Flanders, libras esterlinas na
Inglaterra, ducat na Espanha etc. (Ibid, p. 447, tradução nossa).
A fim de esclarecer as mudanças, Simon Stevin demonstra as transformações por meio
de exemplos.
Mas no final damos um exemplo, suponha que uma marca de ouro valha 36 libras
5①3②, a questão que vale 8 marcas 3①5②4③: multiplique 3653 por 8354,
resultando no produto da terceira proposição (que é também a solução requerida)
305 libras 1①7②1③ enquanto 6④ e 2⑤, não serão considerados (Ibid, p. 449-
451, tradução nossa).
Ainda para reforçar a mudança outro exemplo é demonstrado:
Suponha novamente que 2 ells e 3① custam 3 libras 2①5②, a questão é o que
vão custar 7 ells 5①3②. Multiplique de acordo com o costume o último termo
dado pelo segundo, e divida o produto pelo primeiro, da seguinte maneira: 753 por
325 que resulta em 244725, que dividido por 23, dá a solução 10 libras 6①4②,
que é a solução (Ibid, p. 451, tradução nossa).
Neste artigo Stevin também observa que uma definição decimal das moedas deveria
ser introduzida de modo que possa ser usada em todas as regiões ou estados. Seria algo
necessário, diz:
Que a mesma progressão decimal deve ser legalmente ordenada pelos superiores,
para que todos usassem a mesma; também faria bem. Se os valores de dinheiro,
principalmente as novas moedas fossem avaliadas e contadas sobre certos
‘primeiros, segundos, terceiros etc. (Ibid, p. 449, tradução nossa).
Pode se perguntar se Simon Stevin realmente esperava que o sistema decimal fosse
aplicado em todas estas áreas. Ele nos dá uma resposta no último parágrafo do apêndice.
Mas se tudo isso não for colocado em prática tão breve quanto gostaríamos, ainda
vamos nos satisfazer, pois terá benefícios para nossos sucessores, se os homens do
futuro forem de tal natureza de que nossos antecessores, que nunca foram
negligentes em tão grande vantagem (Ibid, p. 455, tradução nossa).
O trabalho de Simon Stevin foi apreciado por várias pessoas (Matemáticos e não
matemáticos), ele não tinha a preocupação com a aceitação do seu trabalho. Segundo Crosby
(1999, p.118) De Thiende de Stevin's “foi o livro mais influente sobre o assunto”. Segundo
Devreese; Berghe (2008, p.73, tradução nossa) “Isso fica claro a partir das reações de Napier
e Briggs, que se referem ao trabalho e sua aplicação. E na literatura da época, nomeadamente
50
nas peças de William Shakespeare, encontramos referências ao trabalho de Stevin45
”. Mas,
ainda de acordo com Devreese; Berghe:
O verdadeiro avanço do sistema decimal veio com a Revolução Francesa. No final
do século XVIII, que veio a ser implantado na França e em seguida em outros países
Europeus. Os Estados Unidos seguiram com a introdução do dólar como unidade
monetária. A introdução de um sistema decimal, juntamente com um método de
realização de cada cálculo importante na aritmética com números decimais, foi visto
por muitos como um passo importante no desenvolvimento de máquinas de calcular.
Assim, Stevin toma seu lugar entre os estudiosos e cientistas, cujo trabalho abriu
caminho para o desenvolvimento do computador moderno. Neste contexto, o seu
nome é incluído geralmente na companhia de Pascal, Babbage, Lady Lovelace,
Hollerith e Von Neumann46
(2008, p. 73, tradução nossa).
Desta forma pode se dizer que Simon Stevin com seu tratado sobre frações decimais,
foi importante para a melhoria no que se refere à notação de números quebrados e, assim
facilitando os grandes avanços relacionados com as calculações.
45
This is clear from the reactions of Napier and Briggs, who referred to the work and actually applied it. And in
the literature of the time, particularly the plays of William Shakespeare, we find references to Stevin’s work. 46
But the real breakthrough of the decimal system came with the French Revolution. At the end of the
eighteenth century, it came to be implemented in France and not long afterwards in other European countries as
well. The United States followed with the introduction of the dollar as a monetary unit. The introduction of a
decimal numerical system, together with a method of carrying out every important step in the development of
calculating machines. Thus, Stevin takes his place among the scholars and scientists whose work paved the way
for the development of the modern day computer. In this context his name is usually included in the company of
Pascal, Babbage, Lady Lovelace, Hollerith and Von Neumann.
51
2. O QUE É UM ALGORITMO?
2.1 Introdução
A resposta a pergunta o que é um algoritmo, muitas vezes, nos remete a dicionários da
Filosofia.
Algoritmo (in. Algorism; fr. Algorithme; al. Algorithmus; it. Algoritmo). Qualquer
processo de cálculo. Esse termo, derivado do nome do autor árabe de um tratado que
introduziu a numeração decimal na Europa do séc. IX, designava a princípio os
processos de cálculo aritmético e depois foi generalizado para indicar todos os
processos de cálculo (ABBAGNANO, 2000, p.25).
Esta é a resposta à pergunta “o que é um algoritmo?” que pode ser encontrada no
dicionário de filosofia de Abbagnano (2000). Enfatiza-se que para explicar uma palavra às
vezes temos de usar outras palavras e, neste caso, o autor usou a palavra “calcular”.
Podemos fazer outras perguntas como “o que significa calcular?”, calcula-se apenas
com números? Calcular é uma atividade planejada e organizada, por exemplo, se alguém quer
explicar como chegar à pé da Rua Frei Caneca ao Shopping Higienópolis na cidade de São
Paulo a maneira mais fácil seria apresentar um mapa da cidade, marcando com lápis o
caminho certo. Seguir o mapa seria uma atividade planejada, mas certamente não seria um
cálculo. Mas se alguém em vez de usar um mapa, disser: Desce a Rua Frei Caneca até a Rua
Marques de Paranaguá depois vira à esquerda e segue em frente até o segundo semáforo etc,
etc. isto certamente seria uma calculação.
Alan Turing (1912-1954) foi o primeiro a analisar a atividade algorítmica neste
sentido, fornecendo a primeira ideia do termo algoritmo. Ele também enfatizou que qualquer
máquina deveria ser capaz de calcular neste sentido.
Abbagnano (2000) nos dá a informação que o nome algoritmo originou-se do árabe,
indicando que provavelmente foram eles os melhores calculadores, talvez porque tivessem um
sistema de representação mais efetivo de representação, o sistema de numeração decimal.
Utilizar processos para chegar a resultados já eram empregados há muito tempo, os
matemáticos mesopotâmios que foram muito hábeis em desenvolver processo algorítmico,
entre eles o de extrair a raiz quadrada, descreve (BOYER, 2003, p. 19):
Seja a raiz quadrada desejada e seja uma primeira aproximação dessa
raiz; seja uma segunda aproximação dada pela equação
. Se é pequeno
52
demais, é grande demais e vice-versa. Logo a média aritmética
é uma nova aproximação plausível. Como é sempre grande demais, a
seguinte,
será pequena demais e toma-se a média aritmética
) para obter um resultado ainda melhor; o processo pode ser continuado
indefinidamente.[...]. No algoritmo babilônio para raiz quadrada acha-se um
processo iterativo que poderia ter levado os matemáticos do tempo a descobrir
processos infinitos, mas eles não levaram adiante a pesquisa das implicações de tais
problemas.
Algoritmos como escritos na frase anterior, são desenvolvidos por nós sempre, pode
ser que não nos atentamos para este “detalhe”, mas quem já não se pegou arrumando as cartas
de um baralho ou organizando um jogo de panelas, pois, executando essas tarefas, estará
executando um algoritmo.
Sua importância para o desenvolvimento tecnológico, segundo Berlinski (2002, p. 15)
“foi o algoritmo que tornou possível o mundo moderno”. E para a matemática, no momento
em que sua aplicabilidade se tornava ineficiente forçando as mentes a pensarem sobre o
porquê da sua ineficiência.
A origem da palavra algoritmo, mostrando como surgiu a etimologia. Mostraremos
exemplos de algoritmo, discutindo sua aplicabilidade e sua eficácia. Em seguida falaremos do
século XVII, no qual destaca se Leibniz (1646-1716), para depois falarmos do século XX no
qual ocorreu a revolução da palavra “algoritmo” em termos de significação e manipulação.
Algoritmo é usado com significado de processo finito de passos, no que se refere a um
problema de calculação, no qual se busca métodos de resolução (algorítmico), cujo processos
são aplicados até obter uma resposta para determinado problema. Mas, pode acontecer que a
aplicação desses passos não dê uma resposta, como, é o caso, por exemplo, do número =
3,14159265... , 3 = 1,732... . “Eles continuam indefinidamente e seus dígitos nunca
produzem um ciclo repetitivo e finito de números” (TEIXEIRA, 1998, p. 26). Assim, há casos
que não têm como aplicar o algoritmo, pois sua aplicação geraria procedimentos infinitos de
passos, por mais que se conheça os seus passos.
2.2 A origem da palavra algoritmo
No inicio do século VIII os árabes conquistaram o norte da Índia passando a ter um
contato estreito entre essas duas culturas. E assim os árabes tomaram conhecimento do
sistema de numeração decimal, conhecimento este passado por uma delegação de astrônomos
53
e matemáticos hindus em visita à corte do califa al-Mansur. Esta delegação mostrou aos
eruditos árabes como funcionava esse sistema, que logo foi adotado.
Até por volta do século VI, a Arábia era habitada principalmente por tribos nômades
do deserto. Nessa época, poucas cidades funcionavam como centros de comércio.
No século VII, teve inicio a religião islâmica, fundada por Maomé, que conseguiu
unir as tribos do deserto. [...] No contato com os indianos, os árabes assimilaram o
sistema de numeração decimal posicional (IMENES, 1995, p. 12).
Segundo Imenes (1995, p. 12) “os árabes ao invadirem a Europa por volta do século
VIII, levaram consigo essa representação dos números”.
A palavra algoritmo vem do nome al-Khowarizmi, matemático persa, que escreveu um
importante manual de álgebra no século IX. Além de seu célebre livro sobre Álgebra, ele
escreveu outro sobre os numerais hindus – Kitab al Jami wa’l tafrik bi hisab al híndi (Livro
sobre o método hindu da adição e subtração) - e tornou-se seu maior popularizador no império
árabe. Foi um célebre matemático nascido na província persa de Khwarezm, oficialmente
chamada de Khiva e é parte do Uzbequistão. Al-Khowarizmi aprendeu com os indianos a
utilizar o sistema de numeração posicional de base dez e seus respectivos símbolos.
Para Garbi (2009, p. 111) “A obra de al-khwarizmi exerceu grande influência sobre os
matemáticos ocidentais até o início do Renascimento”. Seu papel importante é demonstrado
na adoção do sistema hindu. As palavras algarismo e algoritmo, derivam-se de seu nome.
A influência de al-Khowarizmi no crescimento da ciência em geral é bastante
reconhecida, sobretudo particularmente na Matemática, astronomia e geografia. Al-
khowarizmi colaborou com outros sábios na determinação do valor de um grau meridiano que
Almamon se propôs a medir, preparou outras tábuas astronômicas com resultados tirados de
Ptolomeu e de Brahmagupta e usou os valores de dos gregos e dos hindus, 7
22
7
13 ; 10 ;
3,1416. Segundo Boyer (2003), al-Khowarizmi mostrou a solução da equação 39102 xx ,
que indica o modo de resolução de uma equação da forma qpxx 2.
O nome algoritmo aplica-se hoje ao sistema de designações e convenções que permite
calcular segundo certas regras. Em especial, designa qualquer sistema de notação simbólica.
2.3 Algoritmos e computadores
De acordo com Berlinski (2002, p.15), “o algoritmo é a idéia que governa o mundo”.
Se o algoritmo não tivesse sido descoberto, a vida moderna seria muito diferente, já que o
54
computador, a Internet, a realidade virtual e o correio eletrônico simplesmente não existiriam.
Para Berlinski (2002, p. 15) o cálculo é “a primeira grande idéia científica do Ocidente”, e o
algoritmo “a segunda grande idéia científica do Ocidente”, ele justifica sua opinião dizendo
que o cálculo resultou na Física Moderna, mas o algoritmo possibilitou o desenvolvimento do
computador, mas precisamente, do software.
Para Berlinski, (2002, p.16), “Um algoritmo é um procedimento eficaz, um modo de
fazer uma coisa em um número finito de passos discretos. A Matemática Clássica é em parte,
o estudo de determinados algoritmos.” Na ótica de Houaiss; Villar (2001, p.155) algoritmo é
definido como “seqüência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um
número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas”.
A execução de um algoritmo só não levará a um resultado de um problema
corretamente, caso não seja, adequado ao problema ou sua execução feita de forma errada, ou
seja, um algoritmo é uma maneira sistemática de resolver um problema.
O conceito de algoritmo não pode ser vinculado exclusivamente à computação, sua
abrangência vai além da computação, isto é, um algoritmo não precisa necessariamente
representar um programa de computador. Algoritmo é visto como passos a serem seguidos na
realização de uma tarefa, seja um problema de Matemática, ou de qualquer outra área –
informática, geografia – entre outras.
No entanto, a programação de computadores é um dos campos de aplicação dos
algoritmos, pelos quais efetua uma padronização do exercício de tarefas rotineiras, já que o
algoritmo define de forma detalhada, passo a passo, possibilitando a compreensão da
máquina, acerca das tarefas a serem realizadas, caracterizando assim o programa de
computador. Segundo Otte (1993, p. 287) “o computador faz uma representação de como é o
procedimento para o conhecimento, e esta, enfatiza sua organização funcional possível de
uma maneira efetiva”. Assim, temos que um programa nada mais é do que a materialização de
um algoritmo.
É preciso salientar ainda que diferentes algoritmos possam realizar a mesma tarefa
utilizando um conjunto diferenciado de instruções em mais ou menos tempo, espaço ou
esforço do que outros. Para ilustrar vejamos um exemplo, um algoritmo para se vestir pode
especificar que se calcem primeiro as meias e os sapatos antes de vestir a calça, enquanto
outro algoritmo especifica que se deve primeiro vestir a calça e depois as meias e os sapatos.
Pode-se observar que tanto o primeiro quanto o segundo algoritmo resolvem o
problema, mas sem dúvida que o segundo procedimento é mais simples, ou menos trabalhoso
que o primeiro. Enquanto o primeiro se mostra mais complicado de executar, o segundo se
55
mostra mais eficiente, apesar de ambos levarem ao mesmo resultado. Neste caso, é necessário
buscar o mais rápido com desperdiço mínimo de trabalho e tempo, neste caso, um algoritmo
que seja o mais adequado possível a fim de resolver o problema.
Um algoritmo determinístico polinomial, sempre que testado sobre um mesmo
conjunto de entradas, deve produzir o mesmo conjunto de saídas. Teixeira (1998, p.29)
acrescenta que “um algoritmo roda em tempo polinomial se existem dois inteiros fixos, A e K
tais que para um problema de tamanho n a computação será concluída no máximo kAn
passos.” Uma característica importante de um algoritmo é que ele resolve uma classe de
problemas e não uma instância47
.
Por exemplo, um algoritmo de ordenação para n números inteiros, ordena qualquer
conjunto com até n inteiros, em qualquer configuração (isto é, qualquer permutação dentre as
n! possíveis). A aplicação do algoritmo sobre um particular conjunto de inteiros constitui a
resolução de uma instância do problema. “Para que o algoritmo possa ser útil, é necessário
que o número de passos seja não só finito, mas muito finito” (LUCCHESI, 1979, p.43).
O dicionário da língua portuguesa editado pelo Ministério da Educação define
Algoritmo - termo matemático - como um processo formal de cálculo. Diversos autores
denominam os problemas que não podem ser selecionados por processos formais de cálculo
como problemas não decidíveis. “Os algoritmos são estratégias para solução de problemas
decidíveis, ou seja, para problemas cuja solução admita um processo formal de ações”
(GOLDBARG; LUNA, 2006, p. 599-600).
Por mais que o conceito de algoritmo seja bem antigo, este é muitas vezes associado
ao conceito formalizado por Alan Turing em 1936. Na definição da máquina de Turing como
modelo abstrato de computador, baseando-se apenas os aspectos lógicos de seu
funcionamento, como memória, transições.
Ora, a grande dificuldade é que não havia, então, uma noção clara do que significava
“procedimento efetivo”. Após milhares de anos de história da Matemática, não se
sabia o que era um algoritmo e tampouco o que era uma computação. Para responder
a estas questões, Turing inventou uma máquina teórica que se tornou o conceito-
chave de toda ciência da computação (TEIXEIRA, 1998, p. 20).
Turing criou uma sequência de operações, bem definidas, que utilizava um conjunto
de valores de entrada e produzia um conjunto de valores de saída, originando assim, uma das
47
Iremos entender instância como os valores de entrada a serem processados, do problema a ele proposto, e vale
salientar que basta que uma instância falhe para o algoritmo ser classificado como ineficiente.
56
definições de algoritmo: Algoritmo é uma sequência de operações que pode ser simulada por
uma máquina de Turing completa.
Segundo Jurkiewicz; Teixeira (2006, p.09) os problemas algorítmicos podem ser
divididos nas seguintes classes:
Problemas de Decisão:
Existe uma estrutura S que satisfaça às propriedades do problema P?
Objetivo: decidir pela resposta Sim ou Não, à questão acima;
Problema de Localização:
Encontrar uma estrutura S que satisfaça às propriedades de S.
Objetivo: localizar certa estrutura S que satisfaça a um conjunto de propriedades
dadas;
Problemas de Otimização:
Encontrar uma estrutura S que satisfaça a certo(s) critério(s) de otimização.
Objetivo: verificar se as propriedades a que S deve satisfazer envolvem critérios de
otimização.
Segundo Branquinho (2006, p. 26) a definição usada de forma moderna, não só leva
em questão os procedimentos, rotinas ou métodos bem definidos, para a resolução do
problema, mas também, a presença de cinco propriedades indispensáveis aos algoritmos
atualmente, são elas:
Um algoritmo define-se por um conjunto finito de instruções e não pelos poderes
causais do agente que segue as instruções;
Um agente de computação é capaz de seguir as instruções: não existem instruções
ambíguas, mas apenas ordens claras;
Para seguir as instruções de um algoritmo é necessário poder computar, armazenar e
ler informação;
Os algoritmos são discretos: as suas instruções têm de ser apresentadas passo a
passo;
A computação que resulta de um algoritmo pode ser levada a cabo de modo
determinista.
Atentando-se agora para o conceito de algoritmo, citaremos alguns autores e suas
conceitualizações da palavra algoritmo na literatura.
A palavra algoritmo é aplicada e empregada, segundo o dicionário Aurélio, na
matemática e na computação. Na matemática está associada a um processo de
cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes, em que se
estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do
resultado ou da solução do problema. Na ciência da computação (informática) está
associada a um conjunto de regras e operações bem definidas e ordenadas,
destinadas à solução de um problema, ou de uma classe de problemas, em um
número finito de passos (MANZANO, 2011, p.31).
Para complementar a afirmação acima pode-se citar Salvetti (1998, p.5).
57
Um algoritmo, intuitivamente, é uma seqüência finita de instruções ou operações
básicas (operações definidas sem ambigüidade e executáveis em tempo finito
dispondo-se apenas de lápis e papel) cuja execução, em tempo finito, resolve um
problema computacional, qualquer que seja sua instância.
O exemplo citado por Bucknall em seu livro The Thome of Delphi Algorithms and
Data Structures, resume bem o conceito de algoritmo. Bucknall escreve:
Um algoritmo é uma receita passo-a-passo para a realização de algum cálculo ou
processo. [...] Volte para seu tempo de escola primária, quando você estava
aprendendo adição.
O professor escreve no quadro a seguinte soma:
17
45
e depois pedir-lhe para soma-las. Você tinha sido ensinado como fazer: iniciar com a
coluna das unidades e adicionar o 5 e o 7 perfazendo 12, coloque o 2 sob a coluna de
unidades e, em seguida transportar o 1 acima do 4.
17
541
2
Você adiciona o 1 transportado a 4 em seguida a 1 perfazendo 6 e, em seguida
escreve abaixo da coluna das dezenas. E você teria chegado a resposta: 62.
Observe que o que você tinha aprendido era um algoritmo para realizar esta e
qualquer adição similar. Não foi ensinado a você a adição de 45 e 17
especificamente, mas sim, a adição de dois números de um modo geral. De fato,
muito logo, você pode adicionar muitos números, com muitos dígitos, aplicando o
mesmo algoritmo48
(2001, p.1-2, tradução nossa).
A sequência de passos de um algoritmo depende do problema a ser aplicado, ao
analisá-lo escolhe-se o algoritmo a ser utilizado, seguindo ordenadamente os seus passos. O
48
An algorithm is a step-by-step recipe for performing some calculation or process. This is a pretty loose
definition, but once you understand that algorithms are nothing to be afraid of per se, you’ll recognize and use
them without further thought.
Go back to you elementary school days, when you were learning addition. The teacher would write on the board
a sum like this:
45
17+
And then ask you to add them up. You had been taught how to do this: start with the units column and add the 5
and the 7 to make 12, put the 2 under the units column, and then carry 1 above the 4.
1
45
17+
2
You’d then add the carried 1, the 4 and the other 1 to make 6, which you’d then write underneath the tens. And,
you’d have arrived at the concentrated answer:62.
Notice that what you had been taught was an algorithm to perform this and any similar addition. You were not
taught how to add 45 and 17 specifically but were instead taught a general way of adding two numbers. Indeed,
pretty soon, you could add many numbers, with lots of digits, by applying the same algorithm.
58
desenvolvimento do algoritmo não se desconsidera os tipos de dados e a representação de um
problema.
Logo, um algoritmo é um conjunto finito de regras que fornece uma sequência de
operações para resolver um problema específico. E mais, um algoritmo é uma sequência finita
de instruções bem definidas e não ambíguas, no qual, pode ser executada mecanicamente num
período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finito.
Sawaya (1999, p.21) define algoritmo como:
Processo de cálculo ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes em que
se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do
resultado ou da solução do problema com um número finito de passos.
Dando continuidade na conceitualização de algoritmos, temos que é:
Qualquer processo formal de cálculo, isto é, qualquer sistema de convenções e
símbolos operatórios que permitam calcular, segundo regras especiais, formando
uma cadeia de operações em que cada uma depende do resultado da anterior (LEÃO
e MATTOS, 1972, p.99).
Ferreira (2004, p.27) define a palavra algoritmo da seguinte maneira:
[Do lat. med. algorismos algorithmos, ‘algarismo’, por infl. do gr. Arithmós,
‘número’.] MAT. Processo de cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas
semelhantes, em que se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais
para a obtenção do resultado, ou da solução do problema. [...]. Exemplos Algoritmo
da divisão Álg. Mod. O que se destina à divisão de dois polinômios. Algoritmo de
Briot-Ruffini. Álg. O que se utiliza para determinar o resto da divisão de um
polinômio por um binômio do primeiro grau, ou para determinar as raízes inteiras de
uma equação algébrica; dispositivo prático de Briot. Algoritmo de Euclides. Mat. O
que é aplicável à determinação do máximo divisor comum de dois inteiros.
Hoje quando se fala em algoritmo o que vem a mente é um conjunto de procedimento
efetivo que se tem para chegar à solução de um problema, no entanto, no início do século XX
não se tinha bem definido o que significava o termo algoritmo.
Pode-se afirmar que em meados do século XX quatro matemáticos se propuseram em
trazer à luz o entendimento sobre algoritmo, Kurt Gödel (1906 – 1978), Alonzo Church (1903
– 1995), Emil Post (1897 – 1954), Alan Mathison Turing (1912 – 1954).
Apenas no século XX é que o conceito de algoritmo foi levado totalmente à
consciência. A tarefa foi iniciada há mais de sessenta anos por um quarteto de
brilhantes lógicos matemáticos: o sutil e enigmático Kurt Gödel; Alonzo Church,
59
sólido e imponente como uma catedral; Emil Post, sepultado, como Morris Raphael
Cohen, no City College de Nova York; e, é óbvio, o excêntrico e totalmente original
A. M. Turing, cujo olhar perdido parece vagar ansioso pela segunda metade do
século XX (BERLINSKI, 2002, p. 17-18).
Para Blackburn (1997, p. 09), um algoritmo oferece um processo de decisão, ou um
método computável para resolver um problema, mas, apesar de um algoritmo solucionar um
problema, pode não o fazer eficientemente. Este autor, ainda enfatiza que na teoria da
computação é possível avaliar a eficiência e o comportamento dos algoritmos em várias
circunstâncias, como, por exemplo, nos casos típicos e nos casos desfavoráveis.
Considerando todas as proposições até aqui mencionadas, dizer que todos os autores
convergem para uma mesma direção em afirmar que algoritmos são regras aplicadas a um
problema, não podendo pular nenhum passo, pois, para se chegar ao passo seguinte é
necessário que seja efetuado o passo anterior do algoritmo em questão, podendo assim chegar
a um resultado do problema.
Não se pode negar a grande importância dos algoritmos para a humanidade. Suas reais
contribuições sejam em qualquer área do conhecimento, pois, no momento em que o homem
percebeu que seus procedimentos finitos de passos poderiam trazer maiores beníficios, esses
passos empregados de forma mecânica facilitaram os cálculos.
O que não se pode deixar na penumbra é que um algoritmo é uma entidade alienígena
neste mundo, discreto, finito, seguindo os passos como lhe foi ordenado, sempre trazendo a
marca de seu criador humano.
2.4 O algoritmo de Euclides
Para melhor elucidar a ideia de algoritmo, tomaremos como exemplo os Algoritmos de
Euclides. Muitas propriedades dos números e dos objetos geométricos que conhecemos
atualmente vieram das indagações filosóficas dos gregos, que foram felizmente preservadas
ao longo do tempo. Uma dessas obras é a coleção Os Elementos que esta dividida em treze
livros ou capítulos, “dos quais os seis primeiros são sobre geometria plana elementar, os três
seguintes sobre teoria dos números, o livro X sobre incomensuráveis e os três últimos versam
principalmente sobre geometria no espaço” (BOYER, 2003, p.72). Segundo Garbi (2009) a
proposição 2 do livro VII é uma das mais famosas dos Elementos porque apresenta o método
para se encontrar o Máximo Divisor Comum entre dois números, por meio de uma sequência
de operações que, merecidamente, consagrou-se sob o nome de Algoritmo de Euclides.
60
Primeiro, vamos elucidar o conceito de divisão inteira, que é ensinado na Matemática
Fundamental. Dados dois números inteiros a e b, implicando que b é diferente de zero (0). É
possível, sempre encontrar dois números q (quociente) e r (resto) de modo que satisfaz:
0 ≤ r < b, ou seja, r maior ou igual a zero e, também r menor que b. Deste modo, pode-
se dizer que a é igual a b multiplicado por q mais r, isto é, a = bq + r. Exemplo:
a = 36 e b = 14
Na divisão de a por b, o quociente ( q ) é 2 e resto ( r ) é 8. Logo, de acordo com a
relação, temos: 36 = 14.2 + 8. Assim o quociente e o resto são únicos, ou seja, cada par de
números possui seu quociente e seu resto, não podendo existir outro par de números com
quociente e resto igual. Se o resto da divisão de a por b for igual a zero, podemos dizer que a
divisão é exata. Neste caso, dizemos que a é divisível por b. Exemplo:
36 é divisível por 4, pois possui resto zero
121 é divisível por 11, pois possui resto zero.
Mas, e quando trabalhamos com um par de números que não são divisíveis. Neste
caso, a divisão desses dois números não resultará em resto igual a zero. Dados dois inteiros m
e n, existe um inteiro d com as seguintes propriedades:
d divide m e d divide n;
não existe inteiro maior do que d e que divide m e n.
Assim, pode-se dizer que d é o maior inteiro que divide tanto m quanto n, sendo,
d chamado de Máximo Divisor Comum49
(MDC). O Máximo Divisor Comum de 36 e 14 é 2
porque qualquer outro número inteiro maior que 2 não divide ao mesmo tempo 36 e 14, ou
seja, a decomposição em fatores primos dos números 36 e 14 são respectivamente e 2 .
7, neste caso, quando se tem um único fator que se repete, o Máximo Divisor Comum é o que
possui menor expoente. Caso não houvesse uma “regra” para determinar o Máximo Divisor
Comum, a coisa seria mais complicada, por exemplo, o número 4 é divisor de 36 (quociente
igual a 9 e resto igual a 0), mas não é divisor de 14 (quociente igual a 3 e resto igual a 2). Já o
número 7 é divisor de 14 (quociente igual 2 e resto igual a 0), mas não é divisor de 36
(quociente igual a 5 e resto igual a 1).
49
O Máximo Divisor Comum (MDC) de dois ou mais números naturais é o produto dos fatores primos comuns
tomados com o menor expoente com que aparecem nas fatorações.
61
Euclides buscou um método para encontrar o Máximo Divisor Comum, denominado
“Algoritmo de Euclides”, passos que podem ser aplicados sucessivamente a fim de encontrar
o máximo divisor entre dois números inteiros.
Vamos descrever este algoritmo, de modo que seja entendido como passos a ser
seguidos.
1º Passo – Determine como valores de x e y os valores de m e n, respectivamente.
2º Passo – Determine como valor de r o resto da divisão do valor de x pelo valor de y.
3º Passo – Determine como valor de x o valor de y, e como valor de y o valor de r.
4º Passo – Se o valor de r é nulo, então o valor de x é o máximo divisor comum, e o calculo
termina, caso contrário volte para o segundo passo, até que encontre r igual à zero.
Esses passos mostram que não é necessário que sejam conhecidos de antemão os pares
de números (m,n), ou seja, deve se estar atento que o algoritmo lida com valores
desconhecidos. Deseja-se que este método seja capaz de encontrar uma resposta para qualquer
par de números inteiros. Segundo Teixeira (1998, p. 22) os passos do algoritmo de Euclides
são estabelecidos de antemão. Apenas uma operação é especificada para cada passo, não há
interpretação dos resultados intermediários e não é possível pular passos.
Verifica-se que o algoritmo usa no segundo passo a operação de divisão inteira sem
descrever como ela é executada. Embora a divisão inteira também seja um algoritmo, assume-
se um recurso não considerado, ou seja, o algoritmo conta com um procedimento externo,
outro algoritmo, a fim de executar a divisão.
Neste caso, os valores são fornecidos pelo usuário do algoritmo, ou seja, é a entrada do
algoritmo, ou ainda, uma instância do problema de encontrar o máximo divisor comum. No
caso, esses valores são representados pelas letras m e n. Teixeira (1998) afirma que “seguir
cegamente um conjunto de regras constitui a essência de um algoritmo”. Desta maneira é
necessária somente a entrada dos dados e em seguida executar os passos.
Vamos agora representar esse algoritmo de Euclides, utilizando símbolos. Assume-se
por definição que m é maior que n. Também vamos introduzir a notação “res{y
x}” para
representar o resto após a divisão de um número x por um número y. O algoritmo de Euclides
consiste em calcular o número de inteiros {r 1 , r 2 , r 3 , ...} por meio da regra.
1r = res{n
m}, 2r = res{
1r
n}, 3r = res{
2
1
r
r}, ... .
62
onde o processo continua até que se obtenha resto zero. O último divisor no qual o processo
algoritmo tem como resto zero, ou seja, r é chamado de máximo divisor comum dos números
m e n. Exemplo:
Tem-se m = 184 e n = 150. Seguindo os passos do algoritmo de Euclides, temos.
1r = res{150
184}=34, 2r = res{
34
150}=14, 3r = res{
14
34}=6, 4r = res {
6
14}=2, 5r =
res{2
6}=0.
Logo, como se pode observar pelo processo algoritmo aplicado acima, o máximo
divisor comum de 184 e de 150 é 2. Assim, pode-se dizer que o algoritmo de Euclides é uma
“receita” que quando bem “preparada” chega-se ao resultado esperado.
Agora vamos simular, utilizando lápis e papel, assumiremos o papel do computador ou
qualquer máquina executora de algoritmos. Neste caso, acompanha-se a execução do
algoritmo de Euclides para um determinado par de números inteiros. Como já se conhece o
resultado para o máximo divisor comum dos números 36 e 14, faz-se isso anotando os valores
das variáveis em uma tabela: cada coluna corresponde a uma variável, e as linhas indicam os
valores assumidos sucessivamente por essas variáveis.
x y r
36 14 8
14 8 6
8 6 2
6 2 0
2 0
Tabela 02 – Valores das variáveis x, y e r.
Verifica-se que quando a variável r assume valor nulo – de acordo com o 4º passo do
algoritmo de Euclides – a variável x assume o valor 2 e, portanto, este é o máximo divisor
comum entre 36 e 14.
Para mostrar mais uma vez como funciona o algoritmo de Euclides, simularemos
novamente, mas agora com uma instância de problema mais complexa, com os números 2772
e 420.
63
x y r
2772 420 252
420 252 168
252 168 84
168 84 0
84 0
Tabela 03 – Valores das variáveis x, y e r.
Observa-se que ao final da execução, a variável x vale 84, que é o máximo divisor
comum entre 2772 e 420.
Nestas condições uma pergunta que surge naturalmente é se um procedimento,
partindo de dados postos inicialmente, executa uma sequência finita de cálculos, produzindo
resultados finais, ou se então essa sequência de dados nunca termina. De acordo com
Lucchesi (1979, p. 08) “o algoritmo de Euclides pode mostrar que a seqüência de cálculos é
finita provando a seguinte proposição: se no 2º passo do procedimento os valores de x e y são
inteiros e positivos, então os passos 2, 3 e 4 serão executados apenas um número de vezes,
com os cálculos terminando no passo 4”.
Ainda, segundo Lucchesi (1979) a demonstração é feita por indução sobre o valor de
y. Se y = 1, então teremos, pela execução do 2º passo, r = 0. Consequentemente, os passos 2,
3 e 4 são executados uma única vez, desta forma os cálculos terminam no 4º passo. Suponha
se agora que a proposição é verdadeira para qualquer x > 0 e qualquer y, com 1 ≤ y < k, e
demonstra-se que ela é verdadeira para y = k. Por definição do resto da divisão de inteiros
positivos, tem-se após a execução do 2º passo, 0 ≤ r < k. Se r = 0, então a execução termina,
como anteriormente, numa única vez. Se r > 0, então, a execução dos passos 3 e 4, tem
como x = k > 0 e y = r com 0 < r < k, e a execução volta ao 2º passo. Por hipótese de
indução, os passos 2, 3 e 4 serão executados um número finito p de vezes, com os cálculos
terminando no 4º passo. Ao todo tem se, p +1 execuções para y = k. Nota-se que os valores
iniciais x = m e y = n resultantes da execução do 1º passo satisfaz as condições da proposição
acima. Podemos concluir, portanto, que a execução do Algoritmo de Euclides termina para
quaisquer inteiros positivos m e n.
64
2.4.1 O lado e a diagonal do quadrado: um problema para o algoritmo de Euclides
Os pitagóricos tinham a ideia de que tudo podia ser representado por números, ou seja,
tudo é número. Esta concepção de que tudo é número leva a aceitação de que dois segmentos
colocados em comparação de medida possuírem, relativamente uma unidade de medida, uma
tradução de números inteiros. Ou seja, haverá sempre um segmento divisor comum (u) que
permita exprimir ambos os segmentos como quantidades inteiras (m e n) de u.
Mas, foi também na época dos pitagóricos que se teve o conhecimento dos números
incomensuráveis, ou seja, segmentos que postos em comparação não possuem um segmento
divisor comum. A história mostra que o problema dos incomensuráveis abalou a filosofia
pitagórica. Segundo Hodgkin (2005) vários autores relatam que para manter o segredo que
abalou a filosofia pitagórica de que tudo é número, os pitagóricos puniam severamente os seus
membros, caso deixasse “vazar” tal segredo, Hippassus de Metapontum membro pitagórico
foi lançado ao mar logo depois de deixar que um dos seus trabalhos mostrando essa
incomensurabilidade fosse revelado.
No que tange à teoria pitagórica de que tudo é número (inteiros) ou relação entre
números (razão), a demonstração atribuída a um discípulo de Pitágoras, estabelecendo a
impossibilidade de haver uma razão entre a diagonal e o lado do quadrado abalou o edifício
da Aritmética criando obstáculos ao desenvolvimento cientifico durante vários séculos.
Trata-se em afirmar que não existe uma razão entre a diagonal com o lado do
quadrado, isto é, não é possível “medir” a diagonal e o lado de um quadrado com uma
unidade de medida comum, neste caso, uma unidade que “caiba” um número exato de vezes
na diagonal e no lado. Em outras palavras, “descobriram que a diagonal de um quadrado
unitário é incomensurável com o lado (ou seja, lado
diag ≠ razão de dois inteiros).”
(BAUMGART, 1992, p.8).
Esse problema quando aplicado o algoritmo de Euclides desencadeia uma sequência
infinita de passos, no qual se repetirá infinitamente. Para mostrar esse problema, aplica-se à
ideia de frações contínuas desencadeadas a partir dos algoritmos de Euclides.
O algoritmo de Euclides para encontrar o máximo divisor comum de dois inteiros
leva imediatamente a um importante método para representar o quociente de inteiros
como uma fração composta. [...]. Uma expressão da forma:
65
n
1
1
1
2
1
0
onde os são inteiros positivos, é denominada de fração contínua. O algoritmo de
Euclides nos fornece um método para expressar qualquer número racional nesta
forma (COURANT; ROBBINS, 2000, p. 58-59).
A aplicação deste método a 2 50 levará a uma “coisa” infinita, por mais que se possa
afirmar de que o algoritmo de Euclides é constituído de passos finitos, se observará que não é
assim que acontecerá com 2 , sua aplicação acarretará ao infinito.
Para números irracionais, contudo, o algoritmo não pára após um número
finito de etapas. Em vez disso, ele conduz a uma seqüência de frações de
comprimento crescente, cada uma representando um número racional (Ibid,
p. 365).
Vamos começar a aplicação do método. O primeiro termo 0 da fração contínua é 1, e
o primeiro passo no desenvolvimento consiste em escrever:
.1
121
Logo,
1212
11
A parte integrante de 1 é 2, assim o próximo passo é:
2
1
12
Logo,
.1212
1
2
1
1
2
50
2 é a diagonal de um quadrado cujo lado mede 1.
66
Veja que 2 repetiu o mesmo resultado que 1 , sendo assim não há necessidade de
continuar o cálculo, para as etapas subseqüentes, uma vez, que o resultado será o mesmo.
Todos os termos da fração contínua será 2, temos:
2
12
12
12
112
Observa-se que a aplicação deste método levará a uma sequência infinita de frações,
ou seja, fração contínua infinita.
Essa demonstração mostra o problema para o algoritmo de Euclides, que por mais que
se tenha seus passos descritos a sua aplicabilidade em determinadas situações se mostra
infinita, e por mais que se tenta chegar ao fim, não se chegará.
2.5 Século XVII: o lampejar de uma nova era
Segundo Darling (2004, p. 10) “o termo algoritmo pode ter sido usado pela primeira
vez por Gottfried Leibniz (1646-1716) no final de 1600”.
Com sua inteligência imponente, o filósofo e matemático do século XVII Gottfried
Leibniz penetrou longe no futuro, e viu máquinas universais de calcular e estranhas
linguagens simbólicas escritas em uma notação universal; mas Leibniz era um
escravo do tempo assim como seu servo, incapaz de aguçar suas visões mais
profundas que, como cidades vistas em sonhos, se elevam, mantêm a forma por um
instante e depois desaparecem irrecuperavelmente (BERLINSKI, 2002, p. 17).
Leibniz viveu fora de sua época, debruçado em trabalhos voltados à evolução da
matemática, muitas vezes não sendo compreendido pelos seus contemporâneos colaborando
para uma nova linguagem matemática.
Era agora claro para Leibniz que, a fim de descobrir o alfabeto do pensamento
humano e perceber a característica universal, seria necessário analisar todos os
conceitos e reduzi-los a elementos simples por meio de definições, em seguida, para
representar os conceitos simples por símbolos apropriados e inventar símbolos para
suas combinações, e, finalmente. . . para demonstrar todas as verdades conhecidas,
reduzindo-os a princípios simples e evidente51
(AILTON, 1985, p. 78 apud
HODGKIN, 2005, p. 174, tradução nossa).
51 It was now clear to Leibniz that in order to discover the alphabet of human thought and realise the universal
characteristic, it would be necessary to analyse all concepts and reduce them to simple elements by means of
67
O cálculo como nos conhecemos tem suas raízes no trabalho de Leibniz, que com o
intuito de resolver uma maior quantidade de problemas matemáticos desenvolveu o cálculo,
que tinha quase nenhum impacto na época, pois, era tão obscuro, que provavelmente só
Leibniz acreditava que tinha revelado uma revolucionária descoberta para o mundo.
De acordo com Hodgkin (2005, 174, tradução nossa) “a preocupação de resolver um
grande número de problemas matemáticos levou Leibniz a inventar uma máquina de
calcular”. Leibniz buscava o algoritmo para fazer as demonstrações de seus métodos
revolucionários, não se preocupando em justificar tais métodos.
Comparado com este programa ambicioso, que, naturalmente, nunca foi realizado, o
cálculo parece uma conquista secundária. Pode-se pensar que o seu cálculo funciona
em oposição ao objetivo racional da característica; seu status como ‘marcas no papel
que desempenham uma função' é bastante separado de seu significado duvidoso.
Ainda assim, de alguma forma para Leibniz, que era a sua beleza, a comunidade
científica pode aceitar que ele trabalhou, eles concordaram em um projecto comum
para o aperfeiçoamento da humanidade. Na verdade, o centro
do trabalho e este é talvez a resposta
à pergunta sobre seu objetivo encontra-se no uso da palavra "algoritmo". O leitor
está sendo mostrado como seguir um conjunto de regras mecânicas [...] o que
tornará possível resolver com facilidade um grande número de problemas não
resolvidos anteriormente. A justificativa do procedimento, que estava presente em
notas não publicadas de Leibniz de seu tempo10 anos antes em Paris, é secundária a
sua exposição como método52
(HODGKIN, 2005, p. 174, tradução nossa, grifo
nosso).
Leibniz com certeza buscou métodos a fim de elucidar problemas daquela época
(século XVII) e “sempre teve uma percepção aguda da importância de boas notações como
ajuda ao pensamento, e sua escolha no caso do cálculo foi particularmente feliz” (BOYER,
2003, p. 277). No fundo do seu pensamento sabia que o modo como criava seus métodos iria
revolucionar o mundo.
definitions, then to represent the simple concepts by appropriate symbols and invent symbols for their
combinations, and finally . . . to demonstrate all known truths by reducing them to simple, evident principles. 52
Compared with this ambitious programme, which of course was never undertaken, the calculus seems a minor
achievement. It might be thought that his calculus works in opposition to the rational aim of the characteristic; its
status as ‘marks on paper which perform a function’ is quite divorced from its doubtful meaning. Still, in some
way for Leibniz, that was its beauty. If the scientific community could accept that it worked, they would have
agreed on a common project for the betterment of mankind. In fact, the heart of the paper—and this is perhaps
the answer to the question about his aim—lies in his use of the word ‘algorithm’. The reader is being told how to
follow a set of mechanical rules (indeed, Leibniz had also invented a calculating machine) which will make it
possible to solve with ease a vast number of previously unsolved problems. The justification of the procedure,
which was present in Leibniz’s unpublished notes from his time 10 years before in Paris, is secondary to its
exposition as method.
68
[...] Leibniz tinha uma capacidade incomum de perceber as sombras por trás da
substância de seus pensamentos; seus cadernos de notas revelam um homem que
lidava com problemas que mal conseguia descrever, com a atividade de uma
aguçada inteligência que adeja entre o século XVII e o futuro distante. Eles revelam
suas obsessões, os assuntos aos quais voltava repetidamente conforme sua mente se
expandia e se desenvolvia. A idéia de algoritmo toma forma naqueles cadernos,
espanando a poeira dos séculos quando pela primeira vez se move para o átrio da
consciência humana (BERLINSKI, 2002, p. 27).
Como visto o uso de algoritmo por Leibniz mostrava que o processo mecânico muitas
vezes chegava a uma resposta satisfatória, pois, estes de certa forma geravam procedimentos
finitos. Segundo Berlinski (2002, p. 32) “Leibniz é o único entre seus grandes
contemporâneos – ao menos em seus delineamentos – a estruturar um sistema no qual o
movimento mental na inferência poderia ser explicado e ratificado por um procedimento
simples e mecânico”.
2.6 Máquina de Turing
Figura 04 – Foto de um modelo de máquina de Turing
Fonte: Disponível em: http://www.microsiervos.com/archivo/hackers/una-maquina-de-turing.html.
Acesso em: 18 fev. de 2012.
Segundo Darling (2004, p. 334), “a máquina de Turing é um modelo abstrato de
execução do computador e armazenamento introduzido em 1936 por Alan Turing para
realizar definições matematicamente precisas de algoritmo”. Para Berlinski (2003, p. 310)
uma máquina de Turing é um dispositivo para manipulação de símbolos. Esta máquina pode
ser pensada como uma caixa que realiza um cálculo de algum tipo, no qual se dá um número
de entrada, este é processado, ou seja, calculado e se o cálculo chega a uma conclusão, então
69
um número de saída é retornado. Caso contrário, a máquina teoricamente carregará para
sempre.
Uma máquina de Turing possui dois componentes:
a) Uma fita, infinitamente longa, dividida em pequenos quadrados, cada um deles
contém um conjunto finito de símbolos;
b) Um scanner que pode ler, escrever e apagar símbolos dos quadrados da fita.
O scanner é um dispositivo mecânico qualquer que permite ler, imprimir e apagar
símbolos que se encontram nos quadrados de uma fita.
Consideremos um alfabeto de símbolos para a máquina de Turing. Suponha-se que
esse alfabeto contenha apenas dois símbolos zero e um. O zero ou um, são tomados como
números naturais, apenas como numerais representando estes números. Assim sendo, poder-
se-ia ter escolhido outros símbolos X e Y ou até I e II. Para Teixeira, (1998, p. 23), a
representação habitual da máquina de Turing é:
Figura 05 – Esquema de uma máquina de Turing.
O comportamento da máquina de Turing é governado por um algoritmo, o qual se
manifesta no que chamamos de programa. “O programa é composto de um número finito de
instruções” (TEIXEIRA, 1998, p.23), cada uma delas selecionada do seguinte conjunto de
possibilidades:
1. IMPRIMA 0 NO QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER
2. IMPRIMA 1 NO QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER
3. VÁ UM QUADRADO PARA A ESQUERDA
4. VÁ UM QUADRADO PARA A DIREITA
5. VÁ PARA O PASSO i SE O QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER
CONTÉM 0
6.VÁ PARA O PASSO j SE O QUADRADO QUE PASSA PELO SCANNER
CONTÉM 1
7. PARE.
a 1 a 2 ... aj ... a n B B
Controle
Finito
(Scanner)
70
A partir destas sete instruções podemos construir o que chamamos Programa de Post-
Turing, os quais informam à máquina o tipo de computação que ela deve efetuar.
Operar a máquina de Turing não é difícil. Primeiro coloca-se na fita os dados de
entrada zeros e uns (dados de input). A máquina dispõe o scanner em algum ponto da fita que
será o quadrado inicial. A partir deste quadrado todas as ações da máquina são governadas
pelo programa.
Vamos ver como funciona a máquina de Turing por meio de um exemplo:
Suponhamos que a configuração inicial da fita consiste de uma cadeia de uns e zeros em cada
uma das pontas.
Figura 06 – Exemplo de uma máquina de Turing funcionando.
Na fita acima, o número 1 sobre o qual a flecha incide indica o quadrado onde o
scanner está posicionado, mostrando a posição inicial. Suponha-se que iremos trocar os 0s
que estão nas marginais por 1s e, em seguida, a máquina de Turing pare, ou seja, esta é a
tarefa a ser cumprida pela máquina. Assim efetuará o seguinte programa:
1 – VÁ UM QUADRADO PARA A DIREITA
2 – VÁ PARA O PASSO 1 SE O QUADRADO NO SCANNER CONTÉM 1
3 – IMPRIMA 1 NO QUADRADO ONDE ESTÁ O SCANNER
4 – VÁ PARA A ESQUERDA UM QUADRADO
5 – VÁ PARA O PASSO 4 SE O QUADRADO NO SCANNER CONTÉM 1
6 – IMPRIMA 1 NO QUADRADO ONDE ESTÁ O SCANNER
7 – PARE.
Seguindo os passos deste programa, percebe se que o scanner se move para a direita
até encontrar o primeiro zero (0), que é então, substituído por 1, pelo comando “IMPRIMA
1”. O scanner em seguida começa a se mover para a esquerda, até parar, isto é, encontrar o
primeiro zero (0).
0
1
1
1
1
0
71
Desta forma, de acordo com Darling (2004), há um número infinito de máquinas de
Turing, devido a um número infinito de cálculos que pode ser feito com uma lista finita de
regras.
Uma máquina de Turing que pode simular qualquer outra máquina de Turing é
chamada de máquina de Turing universal ou um computador universal. O conceito das
máquinas de Turing ainda é amplamente utilizado na ciência da computação teórica,
especialmente na teoria da complexidade e na teoria da computação.
2.7 O Labirinto
Otte (1993) usa a metáfora “labirinto” para mostrar a diferença entre um procedimento
instrumental, um procedimento mecânico ou um procedimento algorítmico e uma visão
teórica, enfatizando a necessidade de conhecimento teórico para conhecer um objeto.
Começando com a aplicação de um algoritmo num primeiro momento, fazendo
encontrar a saída, porém, em seguida, quando torna esse problema (que é encontrar a saída)
mais difícil se verifica que o algoritmo utilizado na resolução do primeiro problema
(encontrar a saída) se torna incapaz de resolver o segundo mostrando a ineficiência e a
necessidade de algo mais na resolução desse novo problema, no caso o “labirinto”.
Imagine estarmos no meio da floresta. Se quisermos sair dessa floresta, o método
mais simples é escolher uma direção e segui-la firmemente. Para evitar qualquer
dúvida, precisamos de uma bússola. Se nos defrontarmos com uma árvore,
viraremos à direita e circundaremos essa árvore, sempre nos mantendo à direita dela,
até que possamos retomar nossa direção anteriormente escolhida. Mas imaginemos
que, em lugar dessa floresta, estejamos num complicado labirinto. Neste caso, esse
simples algoritmo nem sempre funcionaria, e talvez acabássemos andando em
círculos. Para evitar isso além da bússola, necessitaremos agora de um segundo
instrumento com o qual possamos contar nossas voltas completas (OTTE, 1993,
285-286).
Para sair da floresta não é necessário muita “coisa” é seguir para o norte orientado por
uma bússola, que com certeza encontrará a saída, mesmo se ocupar boa parte da vida. É que
em se tratando de floresta chegará um momento da vida, que se deparará com a saída, sem
fazer esforço mental. Mas e o labirinto, a bússola e a orientação para caminhar para o norte
resolveriam o problema? O sujeito sairia do labirinto? Seria improvável que o sujeito pudesse
sair desse labirinto, somente com essas informações. O mais natural é o sujeito começar a
andar em círculo eternamente, pois, faltava-lhe algo mais para tirá-lo desta “confusão”, ou
seja, para ajudá-lo a solucionar o problema. Otte (1993, p. 286) afirma que “para evitar isso,
72
além da bússola, necessitaremos agora de um segundo instrumento com o qual possamos
contar nossas voltas completas”. Esse segundo instrumento é Chamado de “algoritmo da
certeza”
Com o auxilio do “algoritmo da certeza”, pode-se sair do labirinto
independentemente de sua construção. [...]. O algoritmo resolve o problema, mas
não dá qualquer insight para a descrição desse labirinto (OTTE, 1993, p.286).
Sair do labirinto não nos fornece nenhum conhecimento sobre ele, por mais que se
repita tal experiência infinitas vezes. “Não se fica mais sábio com a experiência, nem se
reconheceria o lugar se a situação fosse repetida uma segunda vez” (OTTE, 1993, p.286). O
algoritmo não fornece nenhum conhecimento sobre o labirinto, é necessário mais que
algoritmo. Por isso, precisamos de teoria, por mais que a teoria possa não ser prática, mas a
teoria leva ao conhecimento do objeto. Transcender a prática faz-se necessário para encontrar
uma teoria que analise o problema.
Diante da possibilidade de não encontrar a saída do labirinto, começamos a perguntar:
O labirinto tem mesmo saída? Então começamos a pensar sobre essa possibilidade de o
labirinto ter ou não saída, começando a refletir: Será que trabalhei de acordo com o
algoritmo? Mas talvez nossa inteligência seja limitada e assim não somos aptos a conhecer a
saída do labirinto. Mas essas reflexões só aparecem diante das dificuldades de sair do
labirinto, pois, quando sairmos do labirinto, ou seja, resolvemos o problema não é necessário
nenhum tipo de reflexão, porque nesse momento o problema foi resolvido.
É a partir dessas perguntas que se começa a mudar o pensamento que até então era
algorítmico. Quando começamos a refletir sobre o que está posto à nossa frente, as ideias
começam a florescer, a intenção agora não é só resolver o problema, mas entendê-lo. Ver o
problema como um objeto do pensamento: “Para o método, o objeto aparece primeiramente
na forma de um problema ou de uma resistência. A aplicação do algoritmo efetiva a
transformação do problema em idéia” (OTTE, 1993, p. 288). Quando a aplicação do
algoritmo é um sucesso, não se vai conhecer o problema, tornando a transformação do
problema em ideia em vão.
73
3. TIPOS DE PENSAMENTO: PENSAMENTO INSTRUMENTAL E PENSAMENTO
TEÓRICO
3.1 Introdução
Quando nos referimos à Matemática, logo nos vem à mente a ideia de números,
figuras, fórmulas e símbolos.
Muitas vezes ao perguntar, o que são números, a resposta mais elementar é, que os
números servem para calcularmos. Ou seja, não há a necessidade no dia a dia de uma pessoa
querer saber sobre o conceito de número. A ideia de número serve somente para calcular,
desta forma, pode-se dizer que o pensamento é somente instrumental, algorítmico.
Podemos dizer que a capacidade é somente instrumental, pois, na medida em que
buscamos meios de resolver o problema, nos valemos dos algoritmos como ferramentas,
como afirma Berlinski (2002, p.16) “Algoritmos são artefatos humanos. Pertencem ao mundo
da memória e do significado, desejo e propósito”.
No entanto, quando um algoritmo não satisfaz ao propósito que é resolver o problema,
esse algoritmo é dado como inválido, isto é, se torna ineficaz, não cumprindo com o seu papel
que é chegar à solução. E assim, tornando o problema um labirinto, do qual não se consegue
sair, porque, nesse caso tem somente o conhecimento instrumental.
O pensamento teórico leva às definições mais gerais, servem para compreender o
problema, assim, podendo de antemão dizer se esse problema tem ou não solução. Otte (1993,
p.287) diz que “compreender algo por meios conceituais e em termos teóricos não implica,
geralmente, que sejamos capazes de resolver, efetivamente, um problema relacionado a eles.”
A Teoria deve mostrar, explicar como resolver um problema e não somente resolver o
problema, neste caso, pensamento teórico se diferencia do pensamento instrumental. Mas não
se pode negligenciar que “a solução de problemas tem se dois aspectos, o estabelecimento de
teorias, por um lado, e resolução de problemas e tarefas, por outro, ambos possuem uma
relativamente existência independente em matemática” (OTTE, 2003, p.203). Enquanto o
pensamento teórico se preocupa em entender o problema o pensamento instrumental está
preocupado em executa-lo a fim de se chegar à resposta.
Para Otte (1993, p.287) “o pensamento teórico pressupõe uma variabilidade na
distância entre o nível de conhecimento e a realidade objetiva sobre a qual o conhecimento
fala”. Deixando clara a necessidade de se pensar teoricamente a fim de “mensurar” essa
distância entre o nível de conhecimento e a realidade objetiva.
74
Mostrar a diferença entre pensamento instrumental – processo algorítmico – e
pensamento teórico – teoria – é importante, pois, busca mostrar que a aplicação de um
processo algorítmico não faz com que se reflita ou pense sobre o problema. Processo
algorítmico só resolve o problema, diferente da teoria, esta sim procura analisar o problema
em vez de somente resolvê-lo. “Na matemática, em particular, a distância entre uma
abordagem conceitual e uma abordagem construtiva tem aumentado durante o curso de sua
história” (OTTE, 1993, p.287).
Até o fim do século XVIII a Matemática consistia na resolução de problemas.
Somente a partir do século XIX que matemáticos como Augustin-Louis Cauchy (1789-1857)
e Bernhard Bolzano (1781-1848), começam a analisar a resolução de problemas e em qual
circunstância essas resoluções acontecem.
3.2 Uma definição de conceito
Somos levados a pensar e distinguir “coisas” de modo a fazer interpretações do
mundo. Quando se fala em distinção, conceito é a palavra mais adequada. Podemos começar
pelo conceito aristotélico que busca classificar os objetos. Esta idéia de conceito prevaleceu
até o século XVII.
É importante lembrar que, com essa lógica, conceitos servem somente para ajudar
classificar objetos, até então, levando em conta o fato de que Aristóteles tinha uma
afinidade maior com os assuntos relacionados com a medicina e a biologia de um
modo geral (WIELEWSKI, 2008, p.28).
A lógica aristotélica atribuía conceitos somente a objetos concretos e as experiências
empíricas. Números, antigamente foram nomes de grandezas. Entretanto durante o século
XVII, houve o fortalecimento da Matemática e da Física, proporcionado por pensadores como
Leibniz, Galileu e outros. Com esse fortalecimento da Matemática e da Física, uma nova
leitura do mundo era feita, mostrando que os conceitos aristotélicos não eram suficientes.
No entanto, sabe-se que alguns biólogos e naturalistas classificavam e ordenavam
plantas no século XVIII, utilizando-se dos conceitos aristotélicos.
Porém até o século XVIII, alguns biólogos e naturalistas como Lineé, Lamarck e
Buffon aperfeiçoaram as formas de classificação das plantas, usando basicamente
esse conceito de Aristóteles, adotando para isso a ordenação e reagrupamento de
algumas de suas características, como por exemplo, mamíferos, aves, etc
(WIELEWSKI, 2008, p.28).
75
Mesmo com aceitação dos conceitos aristotélicos, se via a necessidade de um novo
conceito, não que o conceito aristotélico estivesse errado, mas ele se torna limitado, não
dando oportunidade para novos voos, “e ainda ficou claro que com esse estilo de pensamento
não seria possível desenvolver satisfatoriamente a Matemática” (WIELEWSKI, 2008, p.28).
Com isso, de acordo Wielewski.
As várias tentativas modernas de tentar reformar a lógica procuraram inverter a
ordem tradicional dos problemas, ou seja: “colocando a teoria do julgamento antes
da teoria do conceito” Cassirer (1953; p. 4), mas ainda que esse ponto de vista tenha
revelado ser vantajoso, porém, não se manteve puramente, retornando
sistematicamente a tender para o sistema antigo. [...] A prioridade do conceito, que
procuraram colocar de lado, era reconhecida mais implicitamente (Ibid, p.29).
Por mais que se sabe da necessidade de encontrar um novo modelo, sua representação
não é clara, se entrelaçando com a lógica conceitual de Aristóteles. Como podemos observar
“Deseja-se de fato um conceito científico e espera-se que ele substitua a indeterminação
originária e o caráter polivalente do conteúdo representativo por uma representação rigorosa e
inequívoca” (CASSIRER apud WIELEWSKI (2008, p.32). Porém o que acontece é o
contrário: as delimitações rigorosas parecem reduzir à medida que o processo lógico se
desenrola.
O que se pode observar é que por mais que se busque reformular a ideia de conceito,
desligar da lógica aristotélica não torna tão simples e “assim o mérito particular dessa
interpretação é que nunca destrói ou expõe a unidade da ordinária visão do mundo”
(WIELEWSKI, 2008, p. 30). Com isso Wielewski (2008) se fundamenta em Kant (1724-
1804) para encontrar uma saída para esta dificuldade de se encontrar um novo método de
conhecimento.
Em sua doutrina sobre o conhecimento, Kant (1953, p. B 74) se baseia na distinção
fundamental entre duas faculdades ou fontes do espírito, das quais a primeira
consiste em receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda
é a capacidade de conhecer um objeto mediante essas representações
(espontaneidade dos conceitos); Ele indica que pela primeira é nos dado um objeto;
pela segunda é pensado em relação com aquela apresentação. Intuição e conceito
constituem, pois os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que não é
possível conceito sem intuição que de qualquer modo lhes corresponda, nem uma
intuição sem conceito pode resultar em conhecimento (Ibid, p.35).
Deste modo, se é levado a dizer que não há pensamento sem objeto e que mesmo
sendo mental estará ligado a um conceito, ou seja, uma idéia de como é este objeto. No
entanto, “comenta Otte (1998), significa que um conceito teórico não pode apenas ser
76
definido em termos de referência; nomeada pela extensão, isto é, contando todos os objetos
que lhe pertençam” (Ibid, p. 41). Para Otte (1998), conceito é mais que o contar “um conceito
não é só aquele a qual ele se refere. Mas o conceito exprime uma visão construtiva e ativa do
conhecimento e uma intencionalidade que exige que o conceito seja definido” (Ibid, p. 42).
Aumentando o vocabulário filosófico e científico, consequentemente aumenta-se a
visão de mundo. O conceito é uma idéia ou noção que formamos em nossa mente acerca de
qualquer coisa. Ele é formado pela reunião de características da própria coisa, seja um objeto
real ou abstrato.
3.3 Pensamento algorítmico
De acordo com Otte (1993, p.285) “diametralmente oposto ao pensamento conceitual
e a evidência intuitiva, veremos, está o pensamento algorítmico.” Para Otte (1993) os
algoritmos nada mais são que ferramentas utilizadas para resolver um determinado problema,
porém, de forma alguma podemos pressupor que sua aplicabilidade resolverá o problema:
O pensamento algorítmico não se objetiva na evidencia, mas no sucesso, e ele não
pode saber de antemão se será bem-sucedido ou falhará. Poder-se-ia argumentar que
o registro é possível somente a posteriori. Consequentemente, o pensamento
algorítmico é o conhecer sem a percepção (OTTE, 1993, p.285).
Um problema, onde, é necessário aplicar a operação de divisão para determinar o
quociente de 125 por 4, tem como solução um resultado definido, que é 31,25, porém, se o
objetivo fosse determinar o quociente de 127 por 3, neste caso, o quociente é 42,333..., então,
como podemos perceber a aplicação do algoritmo da divisão não é suficiente para resolver o
problema, por mais que se de continuidade na divisão, o resultado nunca será exato.
O que de fato se tem é que “um algoritmo resolve problemas, mas não descreve
realidade alguma” (Ibid, p.229), sendo assim, quando é proposto resolver um determinado
problema, por exemplo, a primeira reação é comparar esse problema com problemas já
conhecidos e que já tenham sido resolvidos anteriormente podendo assim verificar os métodos
de resolução, ou seja, classificam esse problema em “novo” ou “velho”. Para começar a
resolvê-lo e claro aplicar os métodos já utilizados nas resoluções anteriores, caso a
classificação do problema seja “velho”. Na possibilidade do problema ser classificado como
“novo”, fica-se incapacitado de resolvê-lo. “Os algoritmos são relacionados apenas
funcionalmente à realidade objetiva; eles não explicam nada” (Ibid, p. 285). O processo
77
utilizado pelo algoritmo é totalmente mecanizado. Sua ação é totalmente dependente, no qual
o objetivo principal é resolver o problema proposto.
Em geral, quando consideramos a questão da substancia ou “assunto” do nosso
pensamento, somos confrontados com essa dualidade do objeto: ele é ao mesmo
tempo conteúdo do pensamento e realidade externa (OTTE, 1993, p.285).
“Parece problemático, então, perguntar: o que realmente aprendemos com a solução de
um problema?” (Ibid, p. 287). Então, resolver o problema não dá certeza alguma de dizer que
ele foi assimilado. Talvez houvesse somente a aplicação do algoritmo, que por sua vez, já
tinha sido aplicado inúmeras vezes em situações anteriores.
A Matemática caminha para o campo das idéias, transcendendo a prática, buscando a
abstração e a generalização.
Finalmente, a generalização matemática consiste na construção de uma
representação adequada, que tem a “capacidade de revelar a verdade inesperada” e,
portanto, contem elementos de observação ou percepção. Através do processo de
generalização uma idéia intuitiva e bastante vaga é transformada em um conceito
matemático adequado e, portanto, se torna um objeto da atividade matemática
(Idem, 2003, p.183).
Com isso, quando se está diante de um problema, buscamos a aplicação do algoritmo e
assim, obtemos êxito, mas não menos que êxito, pois, sua aplicação não trará nenhum
conhecimento complementar daquele que tinha antes de encontrar ou se deparar com o
problema.
Desta forma, podemos dizer que algoritmos são sistemas fechados de procedimentos
que levam à uma resposta e nessa perspectiva a aprendizagem com algoritmos se dá de forma
fechada. O pensamento tipo algorítmico não faz descrição dos objetos, não pergunta qual é o
sentido deste objeto. Um pensamento algorítmico não pensa no significado de um número, ele
pensa somente em calculações.
Procedimento algorítmico não faz mais que cálculos, no qual um passo é tomado,
mediante à concretização do passo anterior. Neste caso, a implicação do procedimento
algorítmico na aprendizagem matemática torna-se de certa maneira um caminhar em lugares
nunca conhecidos, por mais que o algoritmo seja repetido. Otte (1993, p. 293) comenta que
“cada nova aplicação do algoritmo é um salto no escuro”.
78
3.4 Teste de Turing
De acordo com Teixeira (1998, p.25), o teste da máquina de Turing foi colocado pelo
seu inventor Alan Mathison Turing (1912-1954), e tem como objetivo provar a inteligência
superficial.
A demonstração de Turing – e o teorema que ele provou – foi de extrema
importância para aqueles pesquisadores interessados em maquinas computadoras.
[...]. De fato, em 1950 (pouco antes de sua morte prematura por suicídio, com pouco
mais de quarenta anos) sugeriu que se poderia programar uma máquina de forma tal
que seria impossível discriminar as suas respostas a um interlocutor daquelas criadas
por um ser humano vivo – uma noção imortalizada como o “teste de Turing”
(GARDNER, 2003, p.32).
A origem do teste é um jogo em que os participantes tentam adivinhar o sexo de uma
pessoa que está em outra sala (na verdade são três ambientes e em um dos ambientes se
encontra uma pessoa que tenta adivinhar os sexos dos supostos indivíduos que se encontram
nos outros dois ambientes), escrevendo uma série de questões relativas às notas e lendo as
respostas enviadas de volta. Na proposta original de Turing, os participantes tinham a
pretensão de ser o outro sexo. O teste foi limitado a uma conversa de cinco minutos.
Mas de acordo com Darling (2004, p. 334), tem-se argumentado que o teste de Turing
não pode servir como uma definição válida de inteligência artificial por pelo menos duas
razões: Primeiro, uma máquina para passar no teste de Turing deve ser capaz de simular o
comportamento de conversação humana, mas isso poderia ser muito mais fraco do que a
verdadeira inteligência. A máquina pode apenas seguir algumas regras habilmente planejadas.
Segundo, uma máquina poderia muito bem ser inteligente sem ser capaz de conversar como
um ser humano.
O que se pode dizer é que esta invenção mudou o comportamento dos seres humanos,
dando um salto incalculável na evolução humana em todos os sentidos. E o primeiro passo
para tal invenção, segundo Teixeira (1998), foi em 1935 quando Turing assistiu a uma série
de palestras proferidas pelo lógico matemático Max Newman que falava do problema de
Hilbert (ou Problema da Decisão) que buscava substituir a ideia intuitiva de procedimento
efetivo por uma ideia formal, matemática. O resultado foi a construção de uma ideia
matemática da noção de algoritmo, modelada a partir da maneira pela qual seres humanos
procedem quando efetuam uma computação.
79
3.5 Teorema de Pitágoras
Vamos buscar um exemplo, que talvez seja bastante conhecido por grande parte das
pessoas que passaram pelos bancos da escola e que reflete o pensamento instrumental e
pensamento teórico. Muitos alunos já perguntaram: Professor, por que tenho que resolver essa
equação? O que é Teorema de Pitágoras? Outros falam: Não sei o porquê de encontrar, mas o
professor “mandou” encontrar o x. O mais grave é que essas pessoas podem levar tais dúvidas
para a vida toda, podendo mais à frente indagar por que era obrigado a fazer aquelas “contas”.
Durante um tempo se pode ficar resolvendo tais operações, mas chega um momento,
por mais que ele ocorra no inconsciente, que uma pergunta pode surgir. Por que o professor
ensina o Teorema de Pitágoras? Nunca entendi aquilo, mas sabia resolver algumas
“continhas”, só não conseguia resolver quando o professor mudava os sinais.
Pode-se então, chegar à conclusão de que o que era feito durante todo esse tempo nada
mais era do que a aplicação de processos. Por isso que muitas vezes não se consegue entender
o que está sendo feito. De fato, por mais que se possa dizer que um professor de matemática
não está interessado em explicar o que é um Teorema de Pitágoras, a preocupação muitas
vezes é em mostrar a sua aplicabilidade.
Fazendo assim, um processo mecânico da “coisa”. Se atentarmos em alguns livros
didáticos iremos nos deparar com explicações que mostram muito bem a aplicação de um
Teorema de Pitágoras, porém, algumas explicações ficam implícitas, pois, supõem que o
aluno já tenha conhecimento. Por exemplo, o Teorema de Pitágoras só pode ser aplicado em
um triângulo retângulo, mas então, será que todos têm conhecimento do que é um triângulo
retângulo. Outro fato não menos importante é o de não conseguir êxito na aplicação do
Teorema de Pitágoras, para encontrar a medida de um dos catetos, pois, nesse momento é
buscado um entendimento sobre mudança de lado na igualdade, isto é, o que se encontra
positivo de um lado passa negativo do outro lado da igualdade.
De acordo com Giovanni Junior (2009, p.247) “Em todo triângulo retângulo, o
quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos,”
que pode ser representado da seguinte forma:
80
Figura 07 – Construção dos quadrados considerando os lados de um triângulo retângulo.
em que a é a medida da hipotenusa e b e c são as medidas dos catetos.
As características do triângulo retângulo como: hipotenusa, catetos e ângulo reto
(ângulo de 90°) tem que estar claro para o aluno, isto é, vão além de uma relação. Sua
aprendizagem depende de como absorveu essas características do triângulo retângulo e para
que isso tenha acontecido é necessário um pensamento teórico, no qual ele possa buscar por
meio desta teoria a aplicação do teorema de Pitágoras.
Afinal, quando é proposto determinar a medida da hipotenusa, ou seja, a letra a, o
aluno tem de saber o que é hipotenusa (lado de um triângulo retângulo, oposto ao ângulo
reto), pois é só substituir nas letras b e c, os valores dados e seguir os procedimentos
mecânicos. O mesmo é igual quando é proposto encontrar uma das medidas dos catetos, o
aluno tem de saber o que é cateto, no entanto, neste caso a “coisa” muda, pois é necessário
fazer a mudança de sinal. Neste caso pode-se dizer que o Teorema de Pitágoras pensado de
modo instrumental não traz insight algum. Para que haja um conhecimento particular do
Teorema de Pitágoras é necessário um pensar teórico.
A aprendizagem de algo “radicalmente novo” não pode partir somente com aquilo
que o estudante já sabe, mas não pode ignorar também aquele conhecimento e
experiência. Pensamento teórico não pode ser reduzido à experiência empírica
cotidiana, mas também não deve negligenciar esta experiência (OTTE, 2009, p.63).
De fato, resolver o problema exige uma complementaridade entre a prática e a teoria.
A manipulação dos termos do Teorema de Pitágoras exige que o pensamento perpasse a
prática chegando à teoria, é nesse momento de transição que se pode revelar o que fora
aprendido. Não podemos negligenciar a parte instrumental da aprendizagem do teorema de
Pitágoras. Mas imaginem que seja pedido para encontrar a medida da hipotenusa de um
81
triângulo retângulo, no qual os catetos têm como medidas 2 unidades, tal problema pode ser
representado da seguinte forma:
222 cba
222 22 a
442 a
82 a
8a
Neste caso, houve a aplicação instrumental. Porém, o resultado como se pode dizer
“estranho”. Será que o indivíduo conseguiu assimilar o resultado? Será que consegue
“enxergar” que 8 é um número? “ 8 = 2,828..., que não é um número inteiro, ou mesmo
‘racional’ (uma fração q
p, onde p e q são números inteiros) você pode aproximá-la de tão
perto quanto gostaria por frações, mas o resultado nunca será exato53
” (HODGKIN, 2005,
p.35, tradução nossa). Tal aprofundamento na representação exige um pensamento teórico.
Claro que podemos perguntar: Não queremos somente encontrar uma das medidas do
triângulo retângulo utilizando a ferramenta denominada Teorema de Pitágoras? Sim, mas
como podemos observar a representação dessa medida exige um conhecimento mais amplo
sobre números. No exemplo dado acima o aluno é levado à ideia de número diferente da que
já tem em mente. Trazendo consigo algumas indagações, pois quando se fala em medida se
imagina algo representado por um segmento que pode ser medido levando em consideração a
correspondência entre os pontos de uma reta e a representação de símbolos numéricos.
Para uma pessoa ingênua, deve certamente parecer muito estranho e paradoxal que
um conjunto denso de pontos racionais não cubra toda a reta. Nada em nossa
“intuição” pode nos ajudar a “enxergar” os pontos irracionais como distintos dos
racionais (COURANT; ROBBINS, 2005, p.72).
Então, dizer que o aluno assimilou o resultado é considerar que ele tenha o mínimo de
conhecimento teórico, pois é necessário entender que tal resposta 8 não pode ser
representada por uma correspondência entre o símbolo 8 e um ponto na reta. Assimilar tal
53
= 2.828 . . ., which is not a whole number, or even a ‘rational’ number (a fraction
, where p, q are whole
numbers). You can approximate it as closely as you like by fractions, but the result will never be exact.
82
representação numérica requer o uso do pensamento teórico e não só de pensamento
instrumental, pois, como se sabe 8 é um número irracional. “Não constitui surpresa o fato
de que a descoberta do incomensurável instigou os filósofos e matemáticos gregos, e que
tenha retido até hoje seu efeito provocativo nas mentes especulativas” (COURANT;
ROBBINS, 2005, p.72).
Em sendo assim, rompe-se a barreira do discreto, passando para o contínuo e, neste
momento, é necessário um pensar puramente abstrato, pois, dizer ao aluno que por mais que
ele busque nunca irá chegar a um resultado exato, exige deste aluno um pensamento teórico.
3.6 A duplicação do cubo
Outro exemplo que podemos utilizar é sobre a duplicação do cubo, que segundo Kahn
(2007, p.63) “foi um dos problemas mais famosos da matemática grega.” Para a solução deste
problema a pessoa poderia utilizar na sua construção somente a régua não graduada e o
compasso, ou seja, deveria seguir as regras das construções geométricas da Antiguidade, na
qual, todos os problemas deveriam ser resolvidos por meio desses dois instrumentos, sendo a
régua não graduada utilizada para desenhar retas que passam por dois pontos dados e o
compasso utilizado apenas para desenhar um círculo de centro dado e passando por um dado
ponto pré determinado.
O problema da duplicação do cubo muitas vezes é associado à epidemia que assolou
os atenienses. A primeira vez que se ouviu falar em duplicação do cubo foi por ocasião de
uma grande epidemia. A peste tinha se espalhado por Atenas. Nada podia detê-la. Diz a lenda
que a tarefa dada pelo oráculo aos atenienses a fim de cessar a peste foi a “de duplicar o altar
consagrado a Apolo na ilha de Delos” (GUEDJ, 1999, p.187). Nada parecia mais simples para
os atenienses que logo construíram o novo altar, considerando que para duplicar o altar era só
dobrar o tamanho da aresta do altar em questão.
83
Figura 08 – Duplicação de um cubo considerando o dobro de aresta.
Mas, como se observa na figura acima a duplicação das arestas de um cubo dado leva
à construção de um cubo, cujo volume é oito vezes maior do que o anterior, desta forma a
tarefa dada aos atenienses não tinha sido cumprida.
Depois de verificar o erro um novo altar fora construído, como se pode observar na
figura seguinte.
Figura 09 – Uma nova construção do altar.
Segundo Guedj (1999, p.189) “os atenienses tinham o conhecimento da duplicação do
quadrado”.
84
Figura 10 – Duplicação do quadrado
Neste caso, sabendo da possibilidade de duplicar54
o quadrado, os atenienses não
observaram nenhuma dificuldade em construir um cubo cujo volume era o dobro de um cubo
dado.
Muitos geômetras se debruçaram a fim de resolver o problema, e depois de muitos
esforços em resolver o problema que aparentemente era simples, não se obteve êxito, e assim,
a peste não cessava. Desta forma, depois de buscar todos os meios empíricos e irracionais
para resolver o problema e não conseguindo, os atenienses foram buscar a sabedoria do
filosofo Platão (429-348 a.C.).
A peste continuou! Então, os atenienses resolveram procurar a solução na filosofia:
foram visitar Platão na Academia. Ele lhe disse o seguinte: “Se pela boca do oráculo
Apolo exigiu essa construção, vocês podem imaginar que não foi porque ele
precisava de um altar duplo. Foi para repreender os gregos por desprezar a
matemática e censurar seu desdém pela geometria. Na ânsia que tinham de resolver
a qualquer preço esses problemas”, disse-lhes, “vocês não hesitaram em recorrer a
meios irracionais e em apelar para macetes empíricos. Agindo desse modo, será que
vocês não perdiam irremediavelmente o melhor da geometria?” (GUEDJ, 1999, p.
192).
De acordo com Cajori (2007, p.58) Platão é considerado a pessoa que encontrou a
solução da duplicação do cubo.
Consta que Platão resolveu o problema da duplicação do cubo. Mas a solução está
aberta às mesmas objeções que ele apresentou às soluções de Árquitas, Eudoxo e
Menaecmo. Chamou as soluções de mecânicas e não geométricas, pois elas pedem o
uso de outros instrumentos além da régua e do compasso.
54
O termo duplicar aqui utilizado é no sentido de área.
85
Como se pode observar Platão encontra a solução da duplicação do cubo, não pelo uso
da lei, mas por questões filosóficas. “Bem, alguns matemáticos até que ofereceram soluções,
Hípias de Élis, Arquita de Tarento, aquele eu salvou Platão na Itália, Menaecmus, Eudoxo”
(GUEDJ, 1999, p. 189). O que diferencia Platão desses matemáticos, é o reconhecimento de
não se poder duplicar o cubo com o uso somente da régua não graduada e do compasso.
Os gregos estavam tão certos de suas construções utilizando somente régua não
graduada e compasso, que não pararam para observar sobre a impossibilidade de construir um
cubo que tivesse o dobro de volume de um cubo dado. Neste caso, podemos dizer que o
pensamento instrumental prevalecia, pois na certeza da construção não pararam para observar
que tal construção não era possível.
Mas devido a esse problema, a Matemática sofreu grandes mudanças, uma das mais
extraordinárias soluções55
deve se a Arquitas de Tarento (428-347 a.C.), sendo a mais
elaborada matematicamente e a mais antiga solução para a duplicação do cubo de acordo com
Kahn (2007, p.63). Menaecmus (viveu por volta de 360 a.C.), matemático do século IV a. C.
buscou solucionar o problema. “Menaecmus, enquanto tentava resolver o problema da
duplicação do cubo acabou descobrindo as cônicas (elipse, hipérbole e parábola)” (GARBI,
2009, p. 54). Segundo Garbi (idem, p.45) “por volta de 180 a.C., os geômetras Nicodemos e
Diócles, inventaram, respectivamente, duas curvas, a Concoide e a Cissoide, com as quais se
pode realizar, nesta ordem, a trissecção e a duplicação do cubo.” Entretanto, tais curvas não
são construtíveis com régua e compasso e não resolvem os problemas.”
Vamos descrever na linguagem da Matemática moderna o problema da duplicação do
cubo. Se o cubo dado tiver uma aresta de comprimento unitário, seu volume será a unidade
cúbica. O problema exige que se encontre a aresta x de um cubo com o dobro deste volume.
A aresta x exigida, portanto, satisfará a equação cúbica.
023 x
A prova de que este número x não pode ser construído somente com régua e
compasso é indireta. Suponha-se provisoriamente que uma construção seja possível. De
acordo com isto significa que x está contido em algum corpo kF obtido, a partir do corpo
55
Naturalmente, quando digitamos “soluções” consideramos soluções que não estão em conformidade com os
requisitos das construções utilizando régua não graduada e compasso.
86
racional por extensões sucessivas por meio da adjunção de raízes quadradas. Conforme se
pode demonstrar, esta hipótese conduz a uma consequência absurda.
Já se sabe que x não pode estar incluído no corpo racional 0F , porque 3 2 é um
número irracional. 56
Portanto, x somente pode estar incluído em algum corpo extensão kF ,
onde k é um inteiro positivo. Podemos supor que k é o último inteiro positivo tal que x
esteja contido em algum kF . Segue-se que x pode ser escrito na forma.
onde p , q e w pertencem a algum 1kF , mas w não. Ora, mediante um simples, porém
importante tipo de raciocínio algébrico, vai demonstrar que se wqpx é uma solução da
equação da equação cúbica 023 x , então wqp é também uma solução. Uma vez que
x está no corpo kF , 3x e 23 x também estão em kF , e temos,
wbax 23
onde a e b estão em 1kF . Por meio de um cálculo pode se mostrar que 23 23 wpqpa ,
wqqpb 323 . Se fizermos
wqpy ,
então uma substituição de q por q nestas expressões para a e b mostra que
wbay 23 .
Ora, x deveria ser uma raiz de 023 x , portanto
0 wba
56
Courant e Robbins, (2000, p. 71).
wqpx
87
Isto implica (e aqui está a chave do raciocínio) que a e b devem ambos ser nulos. Se b não
fosse zero, inferiríamos a partir de wba que b
aw . Mas assim w seria um número
do corpo 1kF no qual a e b estão incluídos, contrariando a nossa hipótese. Portanto, 0b ,
e segue-se imediatamente a partir de 0 wba que também 0a .
Agora que já demonstramos que 0 ba , inferimos imediatamente a partir de
wbay 23 que wqpy é também uma solução da equação cúbica 023 x ,
uma vez que 23 y é igual à zero. Além disso, xy , isto é, 0 yx ; pois wqyx 2
somente pode desaparecer se 0q , e se assim o fosse, então px estaria incluído em 1kF ,
contrariando a nossa hipótese.
Demonstramos, portanto que, se wqpx é uma raiz da equação cúbica
023 x , então wqpy é uma raiz diferente desta equação. Isto conduz
imediatamente a uma contradição, pois existe apenas um número real x que é uma raiz
cúbica de 2, as outras raízes cúbicas de 2 são imaginárias; 57
wqpy é obviamente real,
uma vez que p , q e w eram reais.
Dessa forma, nossa hipótese básica levou a um absurdo, e assim fica demonstrado que
ela está errada; uma solução de 023 x não pode estar contida em um corpo kF , de modo
que duplicar o cubo com régua e compasso é impossível.
Para que haja esta elucidação é necessário transcender o universo da prática, ou seja, é
necessário sair do pensamento instrumental e ir para o campo teórico, desta forma ampliando
o conhecimento. “Nesse momento, nosso método perpassa a teoria, mas uma teoria que, a
despeito disso, tem uma construção como base e não é baseada na observação ‘direta’ dos
fatos” (OTTE, 1993, p. 289).
Chegar à conclusão de que não poderia duplicar um cubo utilizando somente régua e
compasso, foi uma tarefa difícil para a comunidade matemática daquela época.
3.7 A busca de solução para uma equação do quinto grau
Sabe se que toda equação do segundo grau 02 cbxax pode ser resolvida dentro
dos radicais. A fórmula geral de resolução das equações de segundo grau pode ser dada da
57
Courant e Robbins, (2000, p. 116.)
88
seguinte forma xa
acbb
2
42 . As equações do terceiro grau também possuem
solução. A fórmula de Cardano-Tartaglia que pode ser dada da seguinte forma:
3 23
2)
2()
3(
qqqx - 3 23
2)
2()
3(
qqq
solucionava uma equação cúbica, por mais que para a aplicação desta fórmula era necessário
transformar uma equação do tipo 023 dcxbxax em qpsx 3.
As equações de grau 4 também obtiveram a sua resolução nesse período, isto é, no
século XVI equações de grau 2, 3 e 4 tinham sido solucionadas. Com uma diferença,
enquanto a equação de segundo grau estava ligada com a prática, ou seja, sua solução poderia
ser útil na prática, as soluções das equações cúbicas e quárticas não tinham essa ligação
prática. “A resolução de equações cúbicas e quárticas não foi em nenhum sentido motivada
por considerações práticas, nem tinham valor para os engenheiros ou praticantes de
matemática” (BOYER, 2003, p.197).
Ainda de acordo com Boyer (2003, p.197) “Era natural que o estudo fosse gene-
ralizado de modo a incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que em particular se
procurasse resolver a quíntica”. Neste caso, os matemáticos buscando essa generalização,
enfrentaram um problema algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos
clássicos da Antiguidade. Um sonho natural, hoje claramente ultrapassado no plano científico,
o de que, para cada tipo de equação algébrica haverá uma fórmula para a sua resolução. Ou
seja, para a equação algébrica de grau n , n N :
0... 1
1
10
nn
nn axaxaxa
Onde ia R , ),...,0( ni , 00 a , haveria uma fórmula para resolução. Infelizmente – ou
não... – a verdade é que não é assim. Não é possível obter fórmulas de resoluções para
equações algébricas completas de grau superior a quatro. Os matemáticos Niels Henrik Abel
(1802-1829) e Évariste Galois (1812-1832) demonstraram esta proposição, simples,
verdadeira e dolorosa da impossibilidade de solução. 58
58
Carl Boyer, (2003, p.361 – 367).
89
Mas então a resolução de uma equação do quinto grau é um tipo de labirinto sem
saída. O que se pode dizer é que não se pode chegar à uma solução prática, cabendo esta
resposta somente no campo das análises.
Problemas deste tipo sem solução originaram um dos mais notáveis e recentes
desenvolvimentos na Matemática; após séculos de buscas inúteis de uma solução,
cresceu a suspeita de que estes problemas poderiam ser definitivamente insolúveis.
Dessa forma, os matemáticos foram desafiados a investigar a seguinte questão:
Como é possível provar que certos problemas não podem ser resolvidos?
(COURANT; ROBBINS, 2000, p.142).
Problemas como esses descritos acima e mais a trissecção do ângulo, a quadratura do
circulo só foram elucidados no século XIX, com a análise da matemática. Mas, não se pode
negligenciar que esses problemas moveram matemáticos por vários séculos, trazendo assim
grandes contribuições para a matemática.
Para Otte (1993, p. 287) “a matemática teórica tenta relacionar-se às ‘coisas mesmas’,
pois uma idéia teórica pode servir na solução de muitos e diferentes tipos de problemas e, por
essa razão, estará ligada a muitos tipos diferentes de representações”.
Os parâmetros curriculares de matemática mostram essa preocupação em propiciar um
conhecimento matemático não só voltado para o campo mecânico, mas também que seja uma
maneira de desenvolver o seu conhecimento.
[...] a abordagem de conceitos, idéias e métodos sob a perspectiva de resolução de
problemas ainda são bastante desconhecida; outras vezes a resolução de problemas
tem sido incorporada como item isolado, desenvolvido paralelamente como
aplicação da aprendizagem, a partir de listagens de problemas cuja resolução
depende basicamente da escolha de técnicas ou formas de resolução conhecidas
pelos alunos. [...] e que devem ser selecionado levando em conta sua potencialidade,
quer para a instrumentação para a vida, quer para o desenvolvimento de formas de
pensar (BRASIL, 1997, p.22).
Compreender que a Matemática vai além da resolução de problemas e que a sua
aplicação ocorre não só no campo prático, mas também no campo das ideias, são
preocupações que moveram muitos matemáticos dos séculos XVII, XVIII e XIX. Em
destaque o século XIX, como afirma Bertrand Russell (1872-1970) filósofo e matemático “a
maior descoberta do século dezenove foi a natureza da matemática pura” (BOYER, 2003, p.
402).
No século XIX, a Matemática começa a trabalhar no campo das ideias, por mais que
não se tenha um incentivo, como se tem nas matemáticas aplicadas.
90
Durante a primeira metade do século dezenove o centro da atividade matemática
tornou-se difuso. [...] A maior parte das nações sustentava atividades matemáticas
dirigidas à mensuração de terras, à navegação, ou outras áreas de aplicação. Apoio à
pesquisa em matemática pura – em tempo ou dinheiro – era exceção não regra
(BOYER, 2003, p.343).
Foi nesse século que começariam a analisar a possibilidade de resolver problemas e as
condições de uma resolução, saindo do processo mecânico que prevaleceu até o século XVIII
que consistia somente na resolução de problemas.
Matemáticos como Carl Friedrich Gauss (1777-1855), Augustin-Louis Cauchy (1789-
1857), Bernhard Bolzano (1781-1848), começaram a analisar os problemas em vez de
somente resolver.
Gauss possuía uma inteligência inquestionável, sua habilidade com os números era
impressionante. Trabalhou em vários campos científicos exercendo grande influência nas
áreas em que atuou. Em Matemática escreveu sobre teoria dos números, análise e geometria
diferencial. Em 1801 publica o livro Disquisitiones Aritmeticae, dividido em sete seções,
todas exceto a última seção, referia à teoria dos números59
. Cauchy foi considerado o
introdutor do rigor matemático e exímio pedagogo, pois, suas obras eram fáceis de entender.
Em três livros – Cours d’Analyse de l’École Polytechnique (1821), Résumé des leçons sur Le
calcul infinitesimal (1823) e Leçons sur le calcul différentiel (1829) – ele deu ao cálculo
elementar o caráter que tem hoje60
. Bolzano, um padre checoslovaco, cujas ideias teológicas
eram mal vistas pela Igreja e cuja obra matemática foi muito injustamente ignorada por seus
contemporâneos leigos e clericais. Publicou em 1817 o livro Rein Analytisches Beweis,
dedicado a uma prova puramente aritmética do teorema da locação em álgebra, e isso exigia
um tratamento não geométrico da continuidade de uma curva ou função. Em 1834 imaginou
uma função contínua num intervalo mas que, apesar da intuição física indicar o contrário, não
tinha derivada um ponto algum do intervalo61
.
As obras desses matemáticos caminharam para uma análise da Matemática podendo
generalizar, buscar fórmulas que pudessem resolver n problemas. Deixaram de pensar
instrumentalmente, passando a pensar teoricamente.
59
Carl Boyer, (2003, p.343-345). 60
Ibid,( p.354-355). 61
Ibid, (p. 356).
91
4. A MATEMÁTICA DOS NÚMEROS
4.1. Introdução
A necessidade de contar, classificar, organizar e muitas outras atividades, muitas vezes
estão relacionadas com números, no sentido de dar uma melhor compreensão. Estamos
rodeados de números, desde a hora de levantar, quando se programa o despertador; programa
o tempo de fazer a higiene pessoal a fim de chegar no horário marcado para um compromisso
seja qual for a natureza (negócios, encontros, pessoal etc.), no transporte, no mercado, no
aeroporto, enfim podemos dizer que no mundo atual, os números nos fazem ser mais
bem organizados. Isso nos remete àquela famosa frase “tudo é numero” de Pitágoras
(570-500 a.C.).
A contagem utiliza símbolos que podemos chamar de números, ou seja, a contagem
como processo de quantificação necessita dos símbolos numéricos para organizar
quantidades. Contudo afirma Russel (1981, p. 21) “a contagem, embora familiar, é de fato
uma operação logicamente muito complexa, mais ainda só se dispõe dela, como meio para
descobrir quantos termos tem uma coleção, quando esta é finita”.
Como o título já diz “A matemática dos números” no qual a palavra Matemática
empregada neste título supõe ter sido criada por Pitágoras, que significa “o que é aprendido”
(BOYER, 2003, p.33), neste caso, o que é aprendido dos números. Nesta linha, iremos
perpassar os obstáculos que progressivamente apareceram aumentando a necessidade de
aprender ainda mais sobre os números, ou seja, a criação de novos números e nesse momento,
se vê que a preocupação de Russel com a contagem, uma vez que consequentemente com o
surgimento dos novos números, saímos do campo concreto passando ao campo abstrato.
Nosso momento de reflexão aqui empregado tem uma linha a ser seguida que
naturalmente irá passar pelos números naturais, números inteiros, números racionais e
números reais. Entendo que existem outros números, exemplo, os complexos, porém, neste
momento concentramos nossas atividades nesses campos que a nosso ver serviram de alicerce
para a criação de novos números.
4.2 Álgebra e aritmética: a importância do simbolismo
Quando escrevemos uma expressão algébrica, muitas vezes, não se questiona o
caminho percorrido para se chegar à forma atual. Por exemplo, quando se escreve em notação
92
moderna a expressão algébrica 2452 xx , não se imagina que tal expressão era escrita na
forma 2451 NQ no século XVII. Segundo Cajori (2007b) Bachet e Fermat escrevem essa
expressão algébrica já com modificações da original escrita por Diophantus. Ainda de acordo
com este autor eles escreveram N ( primeira letra da palavra Numerus) para o s de
Diophantus, Q (Quadratus) para Y , C (Cubus) para YK .
Isso mostra o quanto se teve de caminhar para chegar às representações conhecidas
hoje que, de certa forma, organizam o nosso pensamento. E desta forma, podemos dizer que o
simbolismo ajudou no desenvolvimento da álgebra e da aritmética, uma vez que facilitava a
escrita e o entendimento sobre o que estava escrevendo. Haja vista que mudanças não se fez
da noite para o dia, houve o trabalho de muitos matemáticos de várias épocas.
Os algarismos indo-arábicos, hoje utilizados por todos que praticam cálculos
aritméticos, não foram aceitos de imediatos, por mais que se sabia das vantagens trazidas
pelos símbolos62
, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 no que se refere à representação de quantidades de
qualquer espécie sobrepondo os algarismos romanos que eram utilizados na Idade Média.
Além de um pendor para o genérico e o impressionista, os europeus ocidentais,
especialmente os que viveram no que chamamos Idade Média, sofriam de uma falta
de meios claros e simples de expressão matemática. Não dispunham de sinais de
soma, subtração ou divisão, nem dos sinais de igual ou raiz quadrada. Quando
precisavam da clareza das equações algébricas, produziam, tal como os antigos,
frases longas e embrulhadas, quase proustianas. Seu sistema de expressão numérica,
herdado do Império Romano, era suficiente para a feira semanal ou a coleta local de
impostos, mas não para coisas mais grandiosas. [...]. Mas os algarismos latinos eram
canhestros demais para expressar números grandes. Por exemplo, um número como
1.549 costumava ser grafado como Mcccccxxxxviiiij. (O j no final significava o fim
do número, para garantir que ninguém acrescentasse mais nada.) Felizmente, os
romanos e os europeus medievais, pouco afeitos à teoria, raramente tinham que usar
números grandes (CROSBY, 1999, p.49-50).
Como se observa os algarismos indo-arábicos não conquistaram os europeus de
imediato, “a vitória do sistema indo-arábico sobre o romano foi tão gradativa, que não se pode
citá-la como ocorrida numa década qualquer, ou mesmo na mais longa das vidas” (CROSBY,
1999, p.116). O que se pode dizer é que em 1500 ainda não havia ocorrido, embora houvesse
quem os utilizassem, os contadores bancários dos Médice utilizavam o novo sistema em
caráter exclusivo e até os analfabetos começavam a utilizar os novos algarismos. Em 1600 já
se tinha com mais frequência a utilização dos algarismos indo-arábicos, embora “os
algarismos romanos só desapareceram por completo dos livros do Tesouro britânico em
62
Esses símbolos como conhecemos atualmente, uma vez que no decorrer dos séculos suas formas sofreram
mudanças.
93
meados do século XVII; e ainda os utilizamos para coisas pomposas, como escrever datas em
pedras fundamentais.” (CROSBY, 1999, p.117).
São exemplos como estes citados que mostram a importância do simbolismo na
álgebra e aritmética. “Através do simbolismo algébrico se fornece uma espécie de ‘padrão’ ou
‘máquina operatriz’ matemática, que dirige a mente para um objetivo de maneira tão veloz e
certeira quanto uma matriz guia uma ferramenta de corte numa máquina” (Ibid, p.120).
Até o século XVII a notação algébrica era uma mistura de palavras, abreviaturas delas
e números, até que os algebristas franceses, particularmente.
Viète introduziu uma convenção tão simples quanto fecunda. Usou uma vogal para
representar, em álgebra, uma quantidade suposta desconhecida, ou indeterminada, e
uma consoante para representar uma grandeza ou números supostos conhecidos ou
dados. Aqui encontramos, pela primeira vez na álgebra, uma distinção clara entre o
importante conceito de parâmetro e a idéia de uma quantidade desconhecida
(BOYER, 2003, p. 208).
No decorrer da história houve a necessidade de buscar meios para tornar a escrita
matemática mais simples, para qual foram utilizados símbolos para torná-la mais simples,
segundo Cajori (2007b) Leonardo Fibonnaci usava os novos algarismos com grande
desenvoltura no século XIII, mas tinha de expressar as relações e operações entre eles em
linguagem retórica, utilizando palavras. Como em muitas vezes as palavras são ambíguas,
gerava então dificuldades na sua compreensão. “O ‘e’, como em ‘2 e 2 são 4’, parece bastante
claro, mas podia às vezes ser usado simplesmente para indicar diversos, como em ‘2 e 2 e 2’,
sem nenhuma intenção de soma” (CROSBY, 1993, p.117). Na segunda metade do século XV,
os matemáticos usavam abreviaturas, para o mais e o menos: p para o mais e m para o
menos. “Estas abreviaturas eram encontradas entre os escritores italianos63
” (CAJORI, 2007b,
p. 101, tradução nossa). Mas, os conhecidos sinais de mais (+) e menos (-), surgiram sob
forma impressa na Alemanha, em 1489.
[...], antes da publicação da Summa de Pacioli, um professor alemão de Leipzig,
Johann Widman (nasceu aproximadamente em 1460) tinha publicado uma aritmética
comercial, Rechnung auff allen Kauffmanschafften, o mais antigo livro em que
nossos sinais + e – aparecem impressos. Usados inicialmente para indicar excesso e
deficiência em medidas, em armazéns, mais tarde tornaram-se símbolos para as
operações aritméticas familiares (Ibid, p.192).
Desta forma, mostra-se a riqueza dos símbolos matemáticos a ponto de afirmar que
essa simbolização trouxe grandes mudanças na Matemática, seja na álgebra quanto na 63
These abbreviations we shall encounter among Italian writers.
94
aritmética, uma vez que de acordo com Crosby (1999, p. 119) “a álgebra é a generalização da
aritmética”. Ainda segundo Crosby:
Á medida que a álgebra tornou-se mais abstrata e mais generalizada, ela foi ficando
cada vez mais clara. Como o algebrista podia concentrar-se nos símbolos, e deixar
de lado momentaneamente o que eles representavam, ele era capaz de realizar
façanhas intelectuais sem precedentes (1999, p.120).
Nota se a importância do simbolismo na álgebra e na aritmética, que facilitou com a
sua utilização a realização das operações aritméticas.
4.3 Breve sinopse sobre números
Falar sobre números nos remete ao início de tudo. Os números são usados em diversas
atividades do homem, como a de contar e medir. No início era necessário somente símbolos
criados pelos membros de diversas civilizações. Entretanto, séculos se passaram e as
comunicações entre essas civilizações em diversas atividades se intensificaram. Entre essas
atividades destacamos o comércio, fazendo necessária a construção de um sistema de
numeração que possibilitasse melhor entendimento entre os povos. E também facilitando as
operações fundamentais.
Compor uma breve obra sobre cálculos por (regras de) complementação e redução,
restrigindo-a ao que é mais fácil e útil essa aritmética, tal como os homens
constantemente necessitam em casos de heranças, legados, partições, processo legais
e comércio, e em todas as sua transações uns com os outros, ou onde se trata de
medir terras, escavar canais, computação geométricas e de outras coisas vários tipos
e espécies (Karpinski, 1915, p.96 apud Boyer, 2003, p.156).
O sistema de numeração hindu-arábico utiliza-se de um conjunto de símbolos 0, 1, 2,
3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos quais podemos escrever qualquer numeral representando uma
quantidade. A utilização deste sistema é aceita devido à facilidade de manipulação dos
símbolos, tornando as operações menos complicadas64
. Tal sistema também chamado de
sistema de numeração decimal, ou seja, de base 10. Um grande passo foi dado e a civilização
em constante evolução agora tinha um sistema de numeração facilitador.
A partir deste momento limitaremos nossas linhas na transcrição dos conjuntos
numéricos, entendemos que no momento tal transcrição seja suficiente.
64
BOYER, (2003. p. 144 – 167).
95
O conjunto dos números naturais surgiu da necessidade da contagem, que se realiza
por meio da operação fazer corresponder e este conjunto era suficiente. Passados os tempos o
conjunto dos números naturais tornou insuficiente sendo necessário à ampliação dos números
dando origem a um novo conjunto numérico denominado de inteiro.
Este conjunto solucionava o problema de operações de subtração do tipo a-b, sendo a
e b pertencendo aos naturais e a menor que b. Sabemos que tal operação não existe dentro do
conjunto dos naturais, uma vez, que não se tem números negativos, mas o conjunto dos
números inteiros trouxe a solução criando os números negativos. Então tudo prosseguia
normalmente até que outro problema surgiu, agora envolvendo a operação de divisão, seja, a :
b, sendo a e b pertencendo aos inteiros e a menor que b. Não existe solução dentro do
conjunto dos números inteiros, portanto, é necessário a ampliação dos números a fim de
satisfazer tal operação. Então surge o conjunto dos números racionais. Conjunto que
supostamente abarcava todas as operações por ser denso. Por considerar que entre dois
números racionais existem infinitos outros números racionais.
O significado puramente aritmético do sistema de todos os números racionais –
inteiros e frações, positivos e negativos – fica agora evidente. Com efeito, neste
domínio de número ampliado, não apenas as leis formais associativa, comutativa e
distributiva prevalecem, mas as equações a+x=b e ax=b agora têm soluções, x=b/a,
sem restrição, desde que no último caso a≠0. Em outras palavras, no domínio dos
números racionais as chamadas operações racionais – adição, subtração,
multiplicação e divisão – podem ser realizadas sem restrições e jamais se sairá deste
domínio (COURANT; ROBBINS, 2000, p.66).
E quando se pensava que tinha se chegado ao último dos conjuntos, eis que surge o
problema da incomensurabilidade65
.
O inesperado aparecimento dos irracionais causou forte impacto entre os pitagóricos
porque, até então, todas as provas dos teoremas envolvendo proporções e
semelhança haviam suposto que, dados dois segmentos, duas áreas ou dois volumes
quaisquer, sempre existia entre suas medidas uma relação exprimível por meio de
números inteiros. A descoberta de casos em que isso não era verdade, exigia que as
provas fossem refeitas mas ninguém sabia como fazê-lo. Varias lendas surgiram a
respeito desse episódio. Uma delas diz que os pitagóricos lançaram Hipasus ao mar,
afogando-o por haver revelado a estranhos aquele fato desconcertante (GARBI,
2009, p.36).
Dando origem aos números irracionais surge, assim o conjunto dos números reais, no
qual, ao se ter um número real corresponde a um ponto na reta, ou seja, comensurável, este
65
O problema da incomensurabilidade já vem de muito tempo, desde os pitagóricos já se tinha conhecimento
dos incomensuráveis.
96
número real é racional e quando este número real não corresponde a um ponto na reta, ou seja,
incomensurável, este número é irracional.
Reconhecemos aqui uma sequência de problemas que desencadearam a criação de novos
campos numéricos e seguimos a seguinte ordem (campo dos naturais, campo dos inteiros, campo dos
racionais e campo dos reais).
4.3.1 Números naturais
A história do pastor, que para conferir suas ovelhas utilizava uma sacola de pedras já
foi muitas vezes contada pelos professores nas salas de aula para mostrar a necessidade de
contar que por sua vez gerou a necessidade de representar. Daí o surgimento dos números
naturais, isto é, se tem a impressão de que os números naturais foram criados para suprir a
necessidade de contar, impressão errada, na verdade a necessidade de contar é que gerou os
números naturais.
A idéia de número natural não é um produto puro do pensamento,
independentemente da experiência; os homens não adquiriram primeiro os números
naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se
formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem do homem,
criando duma maneira completa a idéia de número, para depois a aplicar à prática de
contagem, é cômoda mas falsa (CARAÇA, 1998, p.4).
Nos dias de hoje quando se fala em números naturais é normal começarmos pelo 0
(zero).
0, 1, 2, 3, 4, 5, 6,...
Dando a impressão de que este começo fora aceita de forma natural, mas não foi bem
assim que ocorreu com o 0 (zero). “A criação de um símbolo para representar o nada constitui
um dos actos mais audazes do pensamento, uma das maiores aventuras da razão” (CARAÇA,
1998, p.6).
A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais familiares,
podem ser levados a efeito de duas direções opostas. A mais comum é construtiva,
no sentido da complexidade gradativamente crescente: dos inteiros para as frações,
[...]. A outra direção, que é menos familiar, avança pela análise, para a abstração e a
simplicidade lógica sempre maiores (RUSSEL, 1981, p.09).
Uma forma de aprender sobre os números naturais é fazer corresponder cada símbolo
com um conjunto de objetos qualquer, desta forma, constrói uma sequência de números
97
naturais. “Consiste em estabelecer uma correlação de um-para-um entre o conjunto de objetos
contados e os números naturais (excluindo 0) usados no processo” (RUSSEL, 1981, p.23).
Para tanto, os números naturais são suficientes, uma vez, que conjuntos de objetos
podem ser finitos, independentes se este conjunto se referia ao número de pessoas de uma
família, número de pessoas de um estado ou até dos habitantes da terra, sempre chegaríamos
ao último número natural. Mas, as coisas foram mudando, com isso surgiram indagações
como, haveria então o último número natural? Se haveria, qual seria este número?
Indagações como essas mobilizaram muitos matemáticos e só foram respondidas
recentemente.
A indução matemática66
mostra que os números naturais não têm fim, por mais que se
encontre o último número natural, sempre terá um maior. A indução matemática não pode ser
aplicada a todos os números, mas “definimos os números naturais como aqueles os quais a
prova por indução matemática pode ser aplicada, isto é, aqueles que possuem todas as
propriedades indutivas” (RUSSEL, 1981, p.33). Um exemplo define bem a aplicação da
indução matemática dos números naturais.
Quem alguma vez observou um trem de carga se por em movimento terá notado que
o impulso é comunicado com um solavanco da cada vagão ao vagão seguinte, até
que finalmente inclusive o ultimo vagão é posto em movimento. Quando a
composição é muito grande, leva muito tempo para que o ultimo vagão se mova. Se
o trem fosse infinitamente longo, haveria uma sucessão infinita de solavancos e
jamais chegaria o momento em que toda composição estaria em movimento
(RUSSEL, 1981, p.33).
Sabe-se que o próximo número natural pode ser definido por meio da soma por uma
unidade, isto é, dado um número natural qualquer pode se encontrar o seu sucessor somando
este número a uma unidade. Considerando o zero como primeiro termo da sequência
numérica, temos:
0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, ..., n, n+1.
Independente se “n” é muito grande, sempre teremos n+1. Exemplo, n = 40 000, logo,
40 000 + 1 = 40 001.
66
O uso da indução matemática nas demonstrações teve, no passado, algo de misterioso. Não parecia haver
dúvida razoável alguma quanto a que fosse um método válido de prova, mas ninguém sabia bem porque era
válido. Alguns acreditavam que fosse um caso de indução, no sentido em que essa palavra é usada em Lógica.
(RUSSEL, 1981, pp. 32-33).
98
Definir os números naturais, como uma sucessão, levando em consideração o zero
como o primeiro termo, depois o um sendo o sucessor de zero, o dois o sucessor de um, o três
o sucessor de dois e assim por diante, mesmo sem uma explicação mais detalhada era
considerado como legítimo.
Somente no século XIX, com a aritmetização da matemática é que houve uma
explicação, ou seja, criou-se a teoria dos números. Segundo Russel (1981, p.12) “Uma vez
toda a matemática pura tradicional reduzida à teoria dos números naturais, o passo seguinte na
análise lógica foi reduzir essa própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não
definidos dos quais pudesse ser derivada”. O trabalho de Giuseppe Peano (1858-1932) buscou
reduzir ao máximo essas premissas.
O trabalho de analisar a Matemática é extraordinariamente facilitado por esse
trabalho de Peano. As três idéias primitivas da aritmética de Peano são: 0, número,
sucessor.
Por “sucessor” ele quer dizer o número seguinte na ordem natural [...]. Por
“número”, ele quer dizer, no caso, a classe dos números naturais. Ele não pressupõe
conheçamos todos os números dessa classe, mas apenas saibamos o que queremos
dizer quando dizemos que isto ou aquilo é um número, assim como sabemos o que
queremos dizer quando dizemos “Jones é um homem”, embora não conheçamos
todos os homens individualmente (RUSSEL, 1981, pp. 12-13).
Peano além de mostrar as três ideias primitivas, também mostrou cinco proposições
primitivas que apesar de sua simplicidade, fundamentam uma teoria satisfatória dos números
naturais porque podemos definir ou deduzir a partir deles todos os conceitos e demais
propriedades que conhecemos acerca desses números.
As cinco proposições primitivas admitidas por Peano são:
1) 0 é um número.
2) O sucessor de qualquer número é um número.
3) Não há dois números com um mesmo sucessor.
4) 0 não é o sucessor de número algum.
5) Qualquer propriedade que pertença a 0, e também ao sucessor de todo número
que tenha essa propriedade, pertence a todos os números (Ibid, p.13).
É importante frisar que nem sempre uma descoberta diz respeito a um novo objeto.
Pode ser uma nova maneira de olhar para algo já conhecido por todos, “o que eram patos
antes, agora são coelhos” (OTTE, 1993, p.294). Realmente, o mérito de Peano deve-se mais à
descoberta de que suas proposições são suficientes para caracterizar satisfatoriamente o
campo dos números naturais do que a própria formulação das proposições, as quais podem até
ser consideradas intuitivamente óbvias e conhecidas por todos aqueles que um dia aprenderam
a contar.
99
Mesmo trabalhando no campo construtivo as coisas foram ficando complexas, pois o
tempo não é estático, a humanidade se desenvolve, ampliando seu campo de visão, buscando
interação entre as partes, vivendo em comunidade, e consequentemente fazendo trocas para
sobreviverem.
Ora fato essencial – o maior ou menor conhecimento dos números está ligado com
as condições da vida econômica desses povos; quanto mais intensa é a vida de
relação, quanto mais freqüentes e ativas são as trocas comerciais dentro ou fora da
tribo, maior é o conhecimento dos números (CARAÇA, 1998, p.4).
As dificuldades iriam aparecer, mas com certeza a atividade humana iria de certa
forma transpor essas dificuldades.
4.3.2 Números inteiros
No campo dos números naturais é possível que uma operação de subtração não tenha
resultado. Para que a operação de subtração seja possível, é necessário que o aditivo seja
maior ou igual ao subtrativo, ou seja, sendo a – b é necessário que a seja maior ou igual a b,
isto é a ≥ b caso contrário, não tem como resolver tal operação dentro do campo dos números
naturais.
Busca-se a redução dessas restrições nas operações com números, é necessária a
criação de um novo campo numérico, e esse desenvolvimento é chamado de princípio de
extensão. Segundo Caraça (1998), todo o trabalho intelectual do homem é, no fundo,
orientado por certas normas, certos princípios.
Para escolher novas definições de um modo conveniente, o princípio de extensão
procura adequar antigas ou precedentes, isto é, o novo campo numérico tem de atender às
propriedades já existentes, com o dispêndio da mínima quantidade de energia mental ou de
pensamento, abarcando assim o caminho mais rápido e curto.
Neste caso, o princípio de extensão, mostra que o homem tem tendência a generalizar
e “estender todas as aquisições do seu pensamento, seja qual for o caminho pelo qual essas
aquisições se obtêm, e a procurar o maior rendimento possível dessas generalizações pela
exploração metódica de todas as suas consequências” (Ibid, p.09).
Pelo campo da aritmetização, pode-se dizer que esta extensão ocorre pela necessidade
de resolução da operação de subtração, sem nenhuma restrição. Ou seja, dado a – b esse não
poderia necessariamente respeitar a restrição a ≥ b. Suponhamos que durante um período se
100
faz necessário determinar a diferença entre temperaturas de duas cidades, levando sempre em
consideração a cidade A para a cidade B e hipoteticamente consideramos não haver
temperaturas negativas. No Primeiro dia, a cidade A teve como temperatura 35º e a cidade B
teve como temperatura 32º, então a diferença é de 3º, nesse primeiro dia. Agora vamos para o
segundo dia, a cidade A teve como temperatura 33º e a cidade B 30º, então e diferença é de
3º, nesse segundo dia. Se vamos levar em consideração que a cidade A sempre terá uma
temperatura maior ou igual à cidade B, nunca teremos problemas, mas se a cidade A em
algum dia obtiver uma temperatura menor que a cidade B, ou seja, suponhamos que em um
determinado dia a cidade A teve como temperatura 31º e a cidade B teve uma temperatura de
36º, diante dessa situação é impossível obter a diferença, uma vez, que 31 – 36 não tem
solução dentro do campo dos números naturais. “Se desejamos obter, sempre, resultados de
problemas como os postos acima, temos que nos libertar da impossibilidade da subtração”
(CARAÇA, 1998, p.91). A partir da criação de um novo campo numérico, esta operação se
faz sem restrições. Assim, pode-se aplicar o princípio de extensão para criar esse novo campo
numérico.
Aplicações sucessivas do princípio de extensão levarão a reduzir todas essas
impossibilidades; para isso é preciso criar novos campos numéricos: [...], pondo em
evidência as necessidades de ordem prática ou teórica que, de cada vez, obrigaram a
sua nova extensão (CARAÇA, 1998, p. 28).
Segundo Caraça (Ibid, p.91), o que leva a criação de um novo campo numérico é a
impossibilidade encontrada na resolução de problemas envolvendo o campo numérico atual, e
o que nos liberta dessa impossibilidade é a criação de um novo campo numérico.
Na busca de solucionar o problema com a operação de subtração é criado um novo
campo numérico.
Sejam a e b dois números reais quaisquer: à diferença a – b chamaremos número
relativo, que diremos positivo, nulo ou negativo, conforme for a > b, a = b, a < b.
Se for a > b o número relativo (positivo) coincidirá com o resultado que, nos
campos numéricos anteriores, aprendemos a determinar; se for a < b, o número
relativo (negativo) tomar-se-á como igual à diferença b – a, precedida do sinal –
(menos). Por exemplo, a diferença 8 – 5 é o número relativo positivo 3; a diferença 5
– 8 é o número relativo negativo -3. Como se vê, os elementos novos que aparecem
no campo relativo são os números negativos (Ibid, p.92).
Esse novo campo chamará campo dos números inteiros, que é constituindo pelos
números negativos, o zero e os números positivos, no qual os números positivos coincidem
101
com o campo dos números naturais67
e os números negativos respeitam também a sequência
dos números naturais, porém usa um símbolo à frente de cada termo. Para melhor
visualização, iremos mostrar o campo dos números inteiros e sua correspondência ao conjunto
de pontos de uma reta numérica.
Figura 11 – Representação dos números inteiros.
O campo dos números inteiros é representado pelo símbolo68
e assim podem ser
colocados na seguinte ordem:
= {..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,...}
O campo dos números inteiros é classificado como infinito discreto (que pode ser
contado), por mais que não possa encontrar o último termo, pois posso contar inúmeros
termos, mas não viverei o suficiente para chegar ao fim dos números inteiros, seja partindo de
zero para a esquerda, ou seja, partindo de zero para a direita, e mesmo se viver, viverei
eternamente.
No decorrer da história houve dificuldade na aceitação dos números negativos.
Segundo Baumgart (1992) matemáticos ilustres como Viete tiveram dificuldade de aceitar
esses números, tendo assim deixado alguns trabalhos inacabados.
Quando François Viete fez suas primeiras descobertas experimentais referentes a
função simétricas, no século XVI , a própria noção de raiz de uma equação algébrica
estava incompleta, em grande parte devido a uma compreensão insuficiente dos
números negativos e imaginários (BAUMGART, 1992, p. 92).
De acordo ainda com este autor, somente com a representação geométrica dos
números negativos feita por René Descartes (1596-1650), é que os números negativos
tornaram-se mais aceitáveis.
Nos dias atuais os números negativos não causam tanta polêmica, talvez seja pelo
contato com o campo dos números inteiros, uma vez, que quando nos referimos aos números
67
Nesse caso estamos considerando que os números naturais começam com o um (1) haja visto que o zero (0) é
por definição considerado nulo. 68
O símbolo Z em blackboard bold ( ), que vem do alemão Zahlen, que significa números.
102
negativos, vem à nossa mente o campo dos números inteiros, haja vista, que a partir da
dificuldade na operação da subtração houve a necessidade de estender este campo numérico.
4.3.3 Números racionais
Medir é um ato que praticamos no nosso dia-a-dia. Medimos a distância da nossa casa
à escola, medimos o tempo gasto numa determinada tarefa, medimos a quantidade de terra
retirada de um terreno. Medir envolve grandezas como comprimento, tempo, peso etc. Mas,
afinal o que é medir? Podemos dizer que medir é comparar duas grandezas de mesma espécie,
por exemplo, dois pesos, dois comprimentos.
Segundo Caraça (1998, p.30), “o ato de medir compreende três fases e três aspectos
distintos: a escolha da unidade, a comparação com a unidade, a expressão do resultado dessa
comparação por um número”.
Os matemáticos gregos tratavam a questão da medida usando o conceito de grandezas
comensuráveis. Segundo Caraça (1998) um dos mais destacados representantes da escola
Pitágorica, Filolao, afirma: “todas as coisas tem um número e nada se pode compreender sem
o número”.
Suponha-se querer medir o segmento AB tendo como unidade o segmento CD, da
figura a seguir:
A B
| | | | | |
C D
| |
O segmento AB, medido com a unidade CD = u, mede 5u. De outra maneira pode-se
dizer que AB = 5 CD
Agora vamos dividir o segmento CD em duas partes iguais, de modo a formar um
novo segmento CE, consequentemente uma nova unidade que chamaremos de u’, então CE =
u’.
Então tomaremos u’ para medir o segmento AB. O segmento AB medido com a
unidade u’, tem como medida 10u’.
Naturalmente pode se entender que independente da quantidade de vezes que
dividiremos o segmento CD, ou seja, criando uma nova unidade, não irá se encontrar
problemas em medir o segmento AB com essa nova unidade, resumindo:
103
AB = CE
CE
2
10 =
'2
'10
u
u= 5
Consideremos um segmento AB medindo 4u, sendo que segmento CD = u. Agora
dividiremos CD em três partes iguais, temos uma nova unidade, CD = 3u’, logo o segmento
AB passa a medir 4. 3u’ = 12u’.
Em geral, se uma grandeza, medida com a unidade u, mede m, e subdividirmos u em
n partes iguais, a medida da mesma grandeza, com a mesma unidade u. exprime-se
pela razão dos dois números M e n, onde M = m . n é o número de vezes que a nova
unidade cabe na grandeza de medir. Aritmeticamente, este fato traduz pela igualdade
m = (m. n) : n ou m = n
nm. (CARAÇA, 1998, p.33).
Diante desse raciocínio, não teremos problema em encontrar um número inteiro que
satisfaça a razão, ou seja, os campos numéricos, até então conhecidos satisfazem.
Mas, imaginemos uma outra situação, nela queremos obter a medida do segmento AB,
tomando como unidade de medida o segmento FG
faremos HI igual a v, ou seja, HI = v, então:
FG = 3 HI = 3v e AB = 10 HI = 10v
Desse modo, temos:
AB = HI
HI
3
10 =
v
v
3
10 =
3
10
104
Como podemos observar neste exemplo, deparamos com um problema, uma vez, que
não temos um número inteiro que satisfaça a razão 3
10. Logo, estamos diante de dois dilemas,
no qual temos de escolher o que fazer, de acordo com Caraça (1998), primeiro: renunciar a
exprimir numericamente a medição de AB tomando como unidade de medida FG, que seria
um incomodo, levantando a novas questões – se podemos exprimir a medida em relação à
nova unidade e não em relação à antiga, será porque aquela terá algum privilégio especial?
Qual? Por quê? Segundo: exprimir sempre a medida por um número, e então temos de
reconhecer que o instrumento numérico até então conhecido, é insuficiente, necessitando ser
complementado.
Neste caso, a opção a ser tomada foi de princípio de extensão, uma vez que deparado
com um problema no qual não se pode resolver utilizando os campos numéricos, é necessário
que se crie um novo campo numérico, de modo a respeitar o que fora construído, ou seja, o
novo campo numérico tem de satisfazer as propriedades dos atuais campos numéricos.
Ampliar o domínio com a introdução de novos símbolos, de tal forma que as leis
válidas para o domínio original prevaleçam no domínio maior, é um aspecto do
processo matemático característico da generalização. A generalização dos números
naturais aos racionais satisfaz tanto a necessidade teórica de afastar as restrições na
subtração e na divisão, quanto a necessidade prática de números para expressar os
resultados de medidas (COURANT; ROBBINS, 2000, p.67).
O novo conjunto numérico, o conjunto dos números racionais, ou campo racional,
compreende o conjunto dos números inteiros e mais o formado pelos números fracionários.
Como se observa o número fracionário é a nova parte que veio constituir o novo campo
numérico.
As vantagens obtidas por esse novo campo numérico são:
1) É possível exprimir a medida de um segmento tomando outra como unidade, por exemplo,
dividida a unidade em 7 partes iguais, cabem 3 dessas partes na grandeza a medir, diz-se que a
medida é o número 7
3.
2) A divisão de números inteiros m e n agora poderá ser escrita simbolicamente pelo número
racional n
m.
Simbolicamente podemos definir o campo dos números racional (Q)69
da seguinte forma:
69
Um Q em blackboard bold ( ), que significa quociente.
105
=
*;/ ZbZab
a.
No entanto, uma questão fundamental ainda precisa ser respondida: será que esse
instrumento é realmente eficiente? Será que o campo racional é suficiente para realizarmos as
nossas medidas? A princípio acreditavam que sim.
Contudo “Pitágoras descobriu algo monstruoso na matemática, o incomensurável, ou
seja, existiam grandezas não comensuráveis. Em particular, a incomensurabilidade entre o
lado de um quadrado e sua diagonal” (RUSSEL, 1981, p. 12).
4.3.4 Números reais
Quando queremos contar um determinado conjunto de objetos, associamos todos os
objetos deste conjunto a símbolos (1, 2, 3, 4, 5, ... ) dando origem à operação “fazer
corresponder”. Desta forma, é possível determinar uma quantidade qualquer fazendo
corresponder cada símbolo a cada objeto do conjunto, e assim chegando ao último objeto
deste conjunto. Consequentemente chegaríamos a um símbolo que representasse a quantidade
de objeto deste conjunto. Mas as civilizações foram ficando cada vez mais complexas assim
como o pensamento humano.
Viu-se atrás como a operação da contagem, repetida por muitos milhares de anos,
acabou por levar à criação dos números naturais, e viu-se que a extensão do seu
conhecimento depende do grau de civilização e da intensidade da vida social do
homem. [...]. Para o homem civilizado de hoje o número natural é um ser puramente
aritmético, desligado das coisas reais e independente delas – é uma pura conquista
do seu pensamento (CARAÇA, 1998, p.9).
Foram essas conquistas e a elevação do conhecimento que levaram o ser humano a
expandir o conceito de número, fazendo com que este fosse ampliado com o surgimento de
novos números.
Os números reais surgiram a partir de um problema de medição. Tal surgimento se deu
por meio da discussão que começou com a incomensurabilidade entre o lado de um quadrado
e sua diagonal, há mais de vinte e cinco séculos com Pitágoras.
Dado um quadrado cujo lado tem como medida 1 u.m. de comprimento.
Z* é o conjunto dos números inteiros menos o zero (0).
106
1
1
Figura 12 – Quadrado
Vamos determinar a medida de sua diagonal.
Primeiro dividimos esse quadrado em dois triângulos isósceles, e consideremos um
desses triângulos.
De posse deste triângulo isósceles retângulo, pode-se então mudar o comprimento da
hipotenusa, que consequentemente estamos chegando à medida da diagonal do quadrado.
OA = OB = 1u.m.
Figura 13 – Triângulo retângulo
Ou seja,
( i ) AB =n
m. OA
Aplicaremos neste triângulo retângulo o Teorema de Pitágoras70
, temos:
(ii) (AB)² = (OA)² + (OB)²
Como OB = OA, podemos escrever.
(AB)² = (OA)² + (OA)²
(AB)² = 2(OA)²
(iii) 2
2
OA
AB= 2
Agora vamos elevar ambos os membros da relação ( i ) ao quadrado:
(AB)² = (m/n)² . (OA)²
70
Em qualquer triângulo retângulo “a medida da hipotenusa ao quadrado é igual a soma das medidas dos catetos
ao quadrado”, essa relação chamada de Teorema de Pitágoras (a2
= b2
+ c2
).
O A
d
B
107
(iv) 2
2
OA
AB= (m/n)²
fazendo (iii) = (iv), temos:
(v)
2
n
m= 2
Assim, a existência da medida de AB, tomando OA como unidade, e a aceitação do
teorema de Pitágoras conduzem à igualdade (v).
Considerando que a fração n
m é irredutível, pode-se a partir da relação ( v ), provar a
inexistência de n
m.
2
2
n
m = 2
( vi ) 2m = 2 2n
Para a fração n
m, possa ser irredutível é necessário que os seus termos sejam
primos entre si, isto é, quando m for par, obrigatoriamente n tem que ser ímpar.
Considerando que m é par, podemos substituir na relação (vi ) m por 2k, onde k é um
número inteiro.
(2k)² = 2n²
4k² = 2n²
Isolando n², temos:
n² = 2k²
Conclui se então que 2n é par, então n é par, pois o quadrado de um número é par,
somente se, esse número for par. Logo não temos uma fração irredutível, uma vez, que é
necessário os termos serem primos entre si e diante do nosso processo algébrico se constatou
que tanto m, quanto n são pares.
Neste caso, está-se diante de um problema. E agora, como resolver esse problema?
Será que se pode apontar o erro? Será no Teorema de Pitágoras? Ou será no instrumento de
medida criado? Geralmente se faz isso partindo de três premissas.
Primeira premissa
108
Reconhecimento da existência de uma dificuldade;
Segunda premissa
Determinação do ponto nevrálgico onde essa dificuldade reside – uma negação;
Terceira premissa
Negação dessa negação.
“O problema assim levantado só foi resolvido em nossos próprios dias e só foi
completamente resolvido com a ajuda da redução da Aritmética à Lógica” (RUSSEL, 1981, p.
12).
Somente “em 1872, o matemático alemão Ricardo Dedekind (1831-1916) publicou
uma obra intitulada ‘Continuidade e números irracionais’, dedicada ao estudo deste problema
da medida” (CARAÇA, 1998, p.57). Ainda segundo Caraça (1998) a solução para o
problema consistiu na busca de um bom reagente que permitisse expandir o campo numérico
racional. Tal reagente nos revela o grande mestre é o conceito de continuidade.
[...] para nós, a imagem ideal da continuidade é a linha recta; contentemo-nos, para
perceber a continuidade, com o grau de clareza que tivermos da noção de linha recta;
procuremos antes um critério distintivo, tão simples quanto possível, que nos
permita, em face de um conjunto qualquer, verificar se ele tem ou não a mesma
estrutura da recta e, portanto, se se pode também atribuir-lhe ou não continuidade. O
que vamos procurar é uma espécie de reagente que nos mostre se, um dado
conjunto, existe ou não essa propriedade, assim como o químico determina se , num
dado soluto, existe ou não certo elemento. O reagente pode não dar uma explicação
do elemento procurado, mas nem por isso ele será menos útil ao químico no estudo
do soluto que tiver entre mãos (Ibid, p. 55-56).
É exatamente o que procuramos um bom reagente e não julgue que tal procura foi
fácil. Discute-se continuidade há mais de vinte e cinco séculos e o bom reagente só foi
encontrado na segunda metade do século XIX.
O conceito de corte na reta numérica divide a reta em duas partes constituídas de
infinitos números.
Figura 14 – Representação de duas retas originárias de um ponto da reta
109
Um ponto ( P ) na reta divide a mesma em duas classes: a classe ( A ), dos pontos que
estão à esquerda de P, e a classe ( B ), dos pontos que estão à direita de P. Neste caso o
próprio ponto P, que produz a repartição, pode ser colocado indiferentemente na classe ( A )
ou na classe ( B ).
Esta afirmação tornou-se conhecida como “Postulado da Continuidade de Dedekind.”
Os números reais são obtidos, a partir deste postulado, por uma extensão dos racionais
para um domínio do contínuo.
Há cortes no conjunto
0que não têm um elemento de separação em
0? São
esses mesmos que nos vão criar os novos elementos de separação. Basta, para isso,
dar a seguinte definição: - chamo número real ao elemento de separação das duas
classes dum corte qualquer no conjunto dos números racionais; se existe um número
racional a separar as duas classes, o número real coincidirá com esse número
racional; se não existe tal número, o número real dir-se-á irracional (CARAÇA,
1998, p.60).
Com a nova definição dos números se constrói um novo campo numérico, chamado de
campo real ou conjunto dos números reais. E como já havia acontecido no campo racional, em
que as frações foram os novos elementos, no campo real são os números irracionais os novos
elementos. “Com esta definição estabelecemos uma perfeita correspondência entre pontos e
números. Isto não é nada mais que a formulação geral do que foi expresso pela definição
utilizando decimais infinitas” (COURANT; ROBBINS, 2000, p.82).
Uma das mais surpreendentes descobertas dos antigos matemáticos gregos (a escola
pitagórica) foi de que a situação não era de forma alguma assim tão simples.
Existem segmentos incomensuráveis ou – se supusermos que a cada segmento
corresponde um número que dá sua medida em termos da unidade – números
irracionais. Esta revelação foi um acontecimento cientifico da maior importância.
[...]. Isto certamente afetou de modo profundo a Matemática e a Filosofia da época
dos gregos até os dias atuais (Ibid, p.70-71).
De fato saímos de um problema de necessidade de contagem para chegar a lugares
nunca imaginados. É esta riqueza que nos move buscar entender todas essas passagens, seja
dos números naturais para os números inteiros; dos números inteiros para os números
racionais; dos números racionais para os números reais. E admirar homens como Dedekind e
Cantor (1845-1918), que com o desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos, conseguiu o que
parecia impossível, hierarquizar o infinito. Mostrou, entre outras coisas, que N, Z e Q têm a
mesma cardinalidade e que R tem cardinalidade “maior” que a de N. Informalmente isso
significa, por exemplo, que N, Z e Q têm “mesma quantidade” de elementos, mas que R tem
“mais” elementos do que esses conjuntos (IEZZE, 2004, p.27).
110
Considerações
Neste trabalho a organização e apresentação dos números decimais, foram pontos
fundamentais. Mostramos que a facilidade de lidar com algoritmos depende da maneira de
como representar os números, por exemplo, a adição de frações decimais, foi facilitada, uma
vez, que podemos apresentar esses números sem o uso do denominador, ou seja, a
organização e apresentação podem ser feita pelos novos números decimais.
A notação apresentada por Simon Stevin, talvez não agradasse a todos, “inspirada na
de Bombelli, era mais apropriada para álgebra do que para a aritmética” (BOYER, 2003, p.
217). Tanto é que “em 1617 na Rhabdologia, em que descreveu a computação com o uso de
suas barras, Napier se referiu à aritmética decimal de Stevin e propôs o uso de um ponto ou de
uma vírgula como separatriz decimal” (Ibid, p. 218). Mas, o entendimento mostrado por
Simon Stevin em relação às frações decimais fez com que esse problema de notação fosse
apenas um detalhe.
A ideia que Simon Stevin trouxe de explicação, das definições e suas demonstrações
foram essenciais para desenvolvimento dos números, para ele um “pedaço de número”
também era número.
Ao considerar que um “pedaço de número” também fosse um número. Ele ultrapassou
a barreira do concreto, passando para o abstrato, por mais que na sua contemporaneidade as
“coisas” tinham de possuir uma relação com a realidade. E, por mais que este não fosse seu
objetivo naquele momento, Simon Stevin deixou o pensar instrumental, passando para o
pensar teórico e é nesse momento que sua preocupação em considerar um “pedaço de
número” como número é fundamental. Esta consideração facilitou o desenvolvimento da
ciência no que tange às informações escritas em escalas menores que 1 ou onde o grau de
precisão deve ser o mais exato possível.
De fato, o que Simon Stevin, buscou no seu livreto foi “ensinar a todos como efetuar,
com facilidade nunca vista, todas as computações necessárias entre os homens por meio de
inteiros sem frações” (Ibid, p. 217). No entanto, sua contribuição foi além das computações,
como se pode perceber seu entusiasmo pelo sistema decimal o levou a propor mudanças no
sistema de pesos, medidas e moedas. Em relação a pesos e medidas, o governo francês e os
cientistas no intuito de regulamentar essas grandezas, entraram em acordo para a criação de
uma unidade que seria aceita por todos.
111
Para o desenvolvimento do cálculo aritmético, a nova organização apresentada por
Simon Stevin foi revolucionário, haja vista o avanço que se obteve sobre a aceitação dos
novos símbolos na representação dos números, o sistema indo-arábico. No entanto, a
organização dos “números quebrados” utilizando estes dígitos e também o sistema
posicional71
na utilização destes dígitos, proposto por Simon Stevin transformou as operações
aritméticas. Os algarismos indo-arábicos, ajudados até mesmo pelos sinais mais primitivos
das operações, equiparam os europeus para a manipulação eficiente dos números, abrindo as
portas para outros avanços.
O trabalho de Stevin De Thiende revolucionou a escrita de fração decimal, trouxe uma
nova forma de escrever, por exemplo,
da forma de fração, em notação decimal (moderna)
como 0,125.
Esta organização feita por Simon Stevin possibilitando a introdução de um sistema
decimal, juntamente com um método de realização de cada cálculo importante da aritmética.
Este feito foi visto por muitos como um passo importante no desenvolvimento das máquinas
de calcular, desta forma pode se observar uma diferença entre Stevin e Turing, enquanto o
primeiro trabalha, como todo mundo, com dez dígitos, Turing na invenção do computador
usou dois dígitos (0 e 1), ou seja, sistema decimal e sistema dual respectivamente, porém a
maneira de representar números em termos de dígitos, foi inaugurada por Stevin. Isso mostra
também que qualquer que seja o sistema (dual, decimal, duodecimal etc.) o importante é a
maneira de organizar a apresentação dos números e esta é a base de todo computador hoje,
nesse sentido podemos estabelecer uma ligação entre Stevin e Turing, ou seja, entre o que foi
produzido no século XVI com o desenvolvimento do computador. Escrever sobre algoritmos
esclarece esta ligação entre o século XVI e o século XX, mostrando que Simon Stevin não só
revolucionou os cálculos com “números quebrados”, como também abriu caminho para novas
tecnologias. Pois, como sabemos os números decimais estão presentes no computador.
Nosso trabalho era de mostrar a história dos números decimais, porém esse trabalho
foi além de saber sobre números decimais. Ao estudar os números decimais, e verificar que a
criação dos números decimais foi devido a um problema, o problema de calculações
envolvendo “números quebrados”. Verificamos que a criação desses números não gerou
concomitantemente na criação de um novo campo numérico, ou seja, existia um problema, no
entanto, esse problema não clamava pela criação de um novo campo numérico, haja vista, que
a necessidade girava em torno de uma nova notação. O capítulo sobre a Matemática dos
71
Sistema que utiliza os símbolos indo-arábico, esse sistema indica o valor que o símbolo terá no número, pois,
estes símbolos são multiplicados por potências de base 10. Logo o número 846 é 8 . + 4 . + 6 . .
112
números mostra que a notação de Simon Stevin não originou na criação de um novo conjunto,
por mais que Simon Stevin conhecia e aceitava símbolos novos, por exemplo, os números
negativos, sua contribuição está na organização.
Estudar a história de um determinado assunto matemático, como a dos números
decimais, é importante para o desenvolvimento de um ensino de qualidade. Poder levar esta
história ao conhecimento dos nossos alunos é fundamental, uma vez, que se sabe que as coisas
não caíram do “céu”, mas sim, são frutos de discussões que consumiram várias gerações.
Desta forma ao chegar ao fim deste trabalho, a visão em relação aos números decimais será
além da simples vírgula que separa a parte inteira da parte decimal.
113
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. 4ªed.
BAUMGART, John K. História da álgebra. Tradução de Hygino H. Domingues. São Paulo:
Atual, 1992.
BERLINSKI, David. O advento do algoritmo: a ideia que governa o mundo. Tradução de
Leila Ferreira de Souza Mendes. São Paulo: Globo, 2002.
BLACKBURN, Simon. Dicionário de Filosofia. Tradução de Desidério Murcho et al. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
BOYER, Carl Benjamin. História da Matemática. Tradução de Elza F. Gomide. São Paulo:
Edgard Blücher, 2003, 2ªed.
BRANQUINHO, João. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BUCKNALL, Julian. Tomes of Delphi: algorithms and data structures. Texas: Wordware
Publishing, 2001.
BURCKHARDT, Jacob Christoph. A cultura do renascimento na Itália: Um Ensaio.
Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
CAJORI, Florian. Uma história da Matemática. Tradução de Lázaro Coutinho. Rio de
Janeiro: Ciência Moderna, 2007a.
_______. A history of Mathematical notations. Vol. 1. New York: Cosimo, 2007b.
CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos fundamentais da Matemática. Lisboa: Gradiva, 1998,
2ªed.
114
CONTADOR, Paulo Roberto Martins. Matemática, uma breve história. Vol. 1. São Paulo:
Livraria da Física, 2006.
COURANT. Richard; ROBBINS, Hebert. O que é Matemática? Tradução de Aldalberto da
Silva Brito. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2000.
CROSBY, Alfred W. A mensuração da realidade: a quantificação e a sociedade ocidental,
1250-1600. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: UNESP, 1999.
DARLING, David J. The universal book of mathematics: from abracadabra to Zeno’s
paradoxes. Hoboken, New Jarsy, USA: John Wiley, 2004.
DEVREESE, Jozef T.; BERGHE, Guido Vanden. Magic is no magic: the wonderful word of
Simon Stevin. Boston: Press Wit, 2008.
DIJKSTERHUIS, E.J. The principal works of Simon Stevin. Vol. 1. Amsterdam, 1955.
Disponível em: http://www.digitallibrary.nl. Acesso em: 16 de Dezembro de 2010.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário aurélio de língua portuguesa.
Curitiba: Positivo, 2004, 3ªed.
GARBI, Gilberto G. A rainha das ciências: um passeio histórico pelo maravilhoso mundo da
matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2009, 3ªed.
GIOVANNI JÚNIOR, José Ruy. A conquista da matemática. 9°ano. São Paulo: FTD, 2009.
GUEDJ, Denis. O teorema do papagaio. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
GUMIERO, Antoninho. História da Matemática como contribuidora na organização do
ensino dos números racionais. 2002, 203p. Dissertação (Mestrado em Educação linha de
pesquisa Educação em Ciências e Matemática) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
UFMT, Cuiabá, 2002.
HODGKIN, Luke. A history of Mathematics: From Mesopotamia to Modernity. New York:
Oxford press, 2005.
115
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.
Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Lxxxiii, 2922p.
ISBN 85-7302-383-X.
IEZZI, Gelson. et al. Matemática: ciência e aplicação. Vol.2. São Paulo: Atual, 2004, 2ªed.
JURKIEWICZ, S.; TEIXEIRA, P. J. M. Probleminhas e problemas em grafos. In Bienal da
Sociedade Brasileira de Matemática da UFG, 2006, Goiás. Anais da III Bienal da SBM Goiás:
UFG, 2006. p.01-78. Disponível em: http://www.ime.ufg.br/bienal/2006/mini/jurkiewicz.pdf.
Acesso em: 21 de Junho de 2011.
KAHN, Charles H. Pitágoras e os pitagóricos: uma breve história. São Paulo: Loyola, 2007.
MAIA, Hermisten. Fundamentos da teologia reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
LUCCHESI, Cláudio L. et al. Aspectos teóricos da computação. Rio de Janeiro: Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, 1979.
MANZANO, José Augusto N. G. Estudo dirigido de algoritmos. São Paulo: Érica, 2011,
14ªed. rev.
MARTIN, G. Geometric constructions. New York: Spinger-Verlag, 1998.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Copérnico – pioneiro da revolução astronômica.
São Paulo: Odysseus, 2003.
OTTE, Michael. O Formal, o social e o subjetivo: uma introdução à Filosofia e à didática da
Matemática. Tradução de Raul Fernando Neto et al. São Paulo: Universidade Estadual de São
Paulo, 1993.
_______. Complementary, sets and numbers. In: Educational Studies in Mathematics, v.58,
2003, 203-228 p.
_______. O que é um texto? (parte 2). Revista de educação pública. EdUFMT. n. 36. p. 49-
69. jan./abr., 2009.
RUSSEL, Bertrand. Introdução à filosofia matemática. Tradução de Giasone Rebuá. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1981, 4ªed.
116
SALVETTI, Dirceu Douglas, 1993. Algoritmos. São Paulo: Pearson Makron Books, 1998.
SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de informática e internet. São Paulo: Nobel, 1999.
543p. ISBN 85-213-1099-4.
SMITH, David Eugene. History of Mathematics. Vol. II. New York: Dover Publications,
1958.
_______. A source book in mathematics. New York: Dover Publications, 1959.
SOUZA, Júlio César de Mello (1895-1974). Matemática divertida e curiosa. Rio de Janeiro:
Record, 2008.
TEIXEIRA, João de Fernandes. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
STRUIK, D. J. The principal works of Simon Stevin, Mathematics. Vol. IIa. Amsterdam,
1958. Disponível em: http://www.digitallibrary.nl. Acesso em: 16 de Dezembro de 2010.
WIELEWSKI, S. A. O pensamento instrumental e o pensamento relacional na educação
matemática. 2008. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Programa Pós-Graduação
em Educação Matemática, PUC, São Paulo, 2008.
WOORTMANN, Klaas. Religião e ciência no renascimento. Brasília: UNB, 1996. 86p.
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/6904545/religião-e-ciencia-no-renascimento-klaas-
woortmann. Acesso em: 16 de Junho de 2011.
117
ANEXO
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152