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A Matemática e suas Concepções - Considerações Basilares sobre os Fundamentos da Matemática 15 A MATEMÁTICA E SUAS CONCEPÇÕES Considerações Basilares sobre os Fundamentos da Matemática Cartas Magno Corrêa Dias * Dada a complexidade e o cará- ter plurifacetado das estruturas do pensamento que fundamentam o ra- ciocínio matemático, é um lugar co- mum e um preceito notório consi- derar que a matemática seja um processo condicionante penoso, ne- cessário, tão somente, para desnor- tear e/ou reprimir os indivíduos que, por motivos dos mais variados, se vejam "obrigados" a manejá-Ia; o que, certamente, antes mesmo de quaisquer ponderações atinentes aos diferentes aspectos e às múlti- plas dimensões, constitui uma visão em demasia desconexa e equivoca- da. O que se observa, com infeliz constância e exacerbada preocupa- ção, é tanto a falta de incentivo, condições e motivação necessários para levar avante o efetivo e eficaz desenvolvimento de métodos e téc- nicas que venham consolidar a exu- berância, o fascínio e a grandeza da matemática; quanto a carência de desafio (valor) intelectual que ca- racterizam, em grande parte, os sis- temas de disseminação cabal dos conteúdos afetos, direta ou indire- tamente, às ciências matemáticas. Porquanto, preconceber que o fra- casso dos indiv íduos em matemáti- ca- se deve, única e exclusivamente, aos próprios aprendizes, os quais não rezam os "sacrifícios" do co- nhecimento, é, a bem da verdade, pretender advogar como justifica' tiva insólita que o domínio ou ma- nuseio da matemática é patente par- ticular de gênios sobrenaturais. Deve-se, porém, reconhecer que o labor matemático, que a investi- gação científica a respeito dos pres- supostos inseridos no conhecimento matemático, correspondem a um cam inho árduo e complexo; onde a perseverança, empenho e dedicação devem conduzir a tônica de quais- quer investigações ou intenções, da- da a gênese dos fundamentos e as questões delimitadoras do que ve- nha configurar, essencial e catego- ricamente, a ciência matemática. Por outro lado, transpondo as difi- culdades decorrentes do estudo por- menorizado e consciente desta ciên- cia, deve-se encará-Ia como o ideal do conhecimento e a ela dedicar-se com esmerado comprometi mento e com resignada humildade, desde que se professe pretender com- preendê-Ia para, posteriormente, d i- fund i-Ia. O esp írito de justiça, por outro prisma, obriga mencionar que as fa- lhas constatadas, vivenciadas na evolução dos meios de se difundir a matemática, não se devem, ape- nas, ao aspecto da competência ou não dos profissionais envolvidos e, nem tão pouco, da insensatez e obs- curidade promulgada pelo pedantis- mo oriundo da detenção do conhe- cimento; mas, essencial ou predo- minantemente, tem suas desconcer- tentes origens na conjuntura cient í- fica do pa ís. Pois, é verificado, ao longo do processo histórico, que muitos daqueles que manuseiam entidades matemáticas relegam a um segundo plano, ou mesmo aban- donam completamente os estudos sobre os fundamentos e as questões norteadoras que regem a ciência em questão. Ora, se as considerações funda- mentais sobre a fi losofia da mate- mática, sobre as questões do funda- mento a priori - a posteriori (sobre a gênese da matemática) e outros problemas relacionados ao porque da matemática não assumem a devi- da importância, como poderá o não cientista desenvolver-se em um mundo abstrato e formal que solici- ta investigações aprofundadas e pe- riódicas, que, ele proprio, desconhe- ce e/ou renega? E a este tempo sa- liente-se que o primeiro passo, a pri- meira intenção necessária, o requisi- to imprescind ível para bem ensinar matemática (ou quaisquer aspectos relacionados com esta) é ter plena consciência de que a matemática é • Professor de Lógica Matemática, de Lógica Computacional, de Fundamentos de Matemática e de Cálculo Diferencial e Inte- gral do Departamento de Matemática e Física da Pontif ícia Universidade Católica do Paraná.

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A Matemática e suas Concepções - Considerações Basilares sobre os Fundamentos da Matemática 15

A MATEMÁTICA E SUAS CONCEPÇÕESConsiderações Basilares sobre os Fundamentos da Matemática

Cartas Magno Corrêa Dias *

Dada a complexidade e o cará-ter plurifacetado das estruturas dopensamento que fundamentam o ra-ciocínio matemático, é um lugar co-mum e um preceito notório consi-derar que a matemática seja umprocesso condicionante penoso, ne-cessário, tão somente, para desnor-tear e/ou reprimir os indivíduosque, por motivos dos mais variados,se vejam "obrigados" a manejá-Ia;o que, certamente, antes mesmo dequaisquer ponderações atinentesaos diferentes aspectos e às múlti-plas dimensões, constitui uma visãoem demasia desconexa e equivoca-da.

O que se observa, com infelizconstância e exacerbada preocupa-ção, é tanto a falta de incentivo,condições e motivação necessáriospara levar avante o efetivo e eficazdesenvolvimento de métodos e téc-nicas que venham consolidar a exu-berância, o fascínio e a grandeza damatemática; quanto a carência dedesafio (valor) intelectual que ca-racterizam, em grande parte, os sis-temas de disseminação cabal dosconteúdos afetos, direta ou indire-tamente, às ciências matemáticas.Porquanto, preconceber que o fra-casso dos indiv íduos em matemáti-ca- se deve, única e exclusivamente,aos próprios aprendizes, os quais

não rezam os "sacrifícios" do co-nhecimento, é, a bem da verdade,pretender advogar como justifica'tiva insólita que o domínio ou ma-nuseio da matemática é patente par-ticular de gênios sobrenaturais.

Deve-se, porém, reconhecer queo labor matemático, que a investi-gação científica a respeito dos pres-supostos inseridos no conhecimentomatemático, correspondem a umcam inho árduo e complexo; onde aperseverança, empenho e dedicaçãodevem conduzir a tônica de quais-quer investigações ou intenções, da-da a gênese dos fundamentos e asquestões delimitadoras do que ve-nha configurar, essencial e catego-ricamente, a ciência matemática.Por outro lado, transpondo as difi-culdades decorrentes do estudo por-menorizado e consciente desta ciên-cia, deve-se encará-Ia como o idealdo conhecimento e a ela dedicar-secom esmerado comprometi mento ecom resignada humildade, desdeque se professe pretender com-preendê-Ia para, posteriormente, d i-fund i-Ia.

O esp írito de justiça, por outroprisma, obriga mencionar que as fa-lhas constatadas, vivenciadas naevolução dos meios de se difundira matemática, não se devem, ape-nas, ao aspecto da competência ou

não dos profissionais envolvidos e,nem tão pouco, da insensatez e obs-curidade promulgada pelo pedantis-mo oriundo da detenção do conhe-cimento; mas, essencial ou predo-minantemente, tem suas desconcer-tentes origens na conjuntura cient í-fica do pa ís. Pois, é verificado, aolongo do processo histórico, quemuitos daqueles que manuseiamentidades matemáticas relegam aum segundo plano, ou mesmo aban-donam completamente os estudossobre os fundamentos e as questõesnorteadoras que regem a ciência emquestão.

Ora, se as considerações funda-mentais sobre a fi losofia da mate-mática, sobre as questões do funda-mento a priori - a posteriori (sobrea gênese da matemática) e outrosproblemas relacionados ao porqueda matemática não assumem a devi-da importância, como poderá o nãocientista desenvolver-se em ummundo abstrato e formal que solici-ta investigações aprofundadas e pe-riódicas, que, ele proprio, desconhe-ce e/ou renega? E a este tempo sa-liente-se que o primeiro passo, a pri-meira intenção necessária, o requisi-to imprescind ível para bem ensinarmatemática (ou quaisquer aspectosrelacionados com esta) é ter plenaconsciência de que a matemática é

• Professor de Lógica Matemática, de Lógica Computacional, de Fundamentos de Matemática e de Cálculo Diferencial e Inte-gral do Departamento de Matemática e Física da Pontif ícia Universidade Católica do Paraná.

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16 Revista Acadêmica

humano em descobrir os por-quês do desenvolvimento matemá-tico inserir-se no mais amplo e di-versificado panorama do pensar,sendo ideada e orientada por este.

Defendendo a tese de que o es-tudo das principais concepções arespeito dos pressupostos filosófi-cos, por parte dos envolvidos nosprocessos que dizem respeito à ma-temática, contribuiria, especialmen-te, para remediar, ao menos, algunsdos problemas anteriormente apre-sentados; o presente relato apre-senta, a seguir, uma visão geral detais entidades, aqui considerada devital importância para que a mate-mática se desenvolva e atinja, po-tencialmente, todos os campos doconhecimento humano.

Ao percorrer os caminhos his-tóricos que tratam do problema dofundamento da matemática, depa-ra-se com uma série de tendências,muitas das quais de pouca relevân-cia. Assim, no que concerne aoobjetivo do presente estudo, serãoabordadas algumas das principais es-colas que tomam posições diferen-ciadas no que tange às bases daciência em análise; quais sejam: oNominalismo, o Conceptualisrno, oIntuicionismo, o Realismo, o Logi-cismo e o Formalismo.

O nominalismo, diga-se desdejá, é insuficiente para qualificar pre-cisamente a natureza da matemáti-ca; porquanto, reputa como real eválido tão-somente aqui 10 queadvem de natureza sens ível; passan-do a ignorar que a ciência, em qual-quer de seus liames, é, por excelên-cia, fundamentada na construção,na interpretação e na invenção. Onominalismo, de forma global, re-jeitando as concepções abstratas eaceitando tão-somente as realidadesempíricas deixa-se dominar por ver-dades de natureza filosófica.

Em face do exposto, cabe oquestionamento: o nominalismosustenta que os números, dentre ou-tros conceitos, são simples represen-tações de realidades empíricas?Contudo, pode-se afirmar, com lau-ta propriedade, que o mundo damatemática nada tem de natural,não ~, por excelência, o mundo doempirismo? A matemática é umaciência anal ítica e postulacional re-gida, exclusivamente, pela criaçãointelectual do homem? Portanto,pode-se dizer, sem maiores conside-rações atinentes, que o nominalis-mo é um sistema que renega o cará-ter ideal da matemática? Teria a te-se nominalista condições de respon-der a estas questões e, além domais, poderia apresentar armas su-ficientemente coerentes para posi-

um desenvolvimento cumulativo,sendo praticamente impossívelaprender e ensi nar as mais novascriações se se desconhecem os fun-damentos que lhe dão origem.(Post hoc, ergo propter hoc).

O matemático e/ou qualquerestud ioso de matemática deve, adespeito de quaisquer atos ou pen-samentos preconceituosos, discernirsobre a validade dos elementos con-cernentes à fundamentação racional(analítico-racional) de seus traba-lhos e, sobretudo, que existem pro-priedades fundamentais (convergen-tes) entre as concepções a priori e aposteriori de seus fundamentos.

Muito embora as geraçõesatuais têm diante de si um mundo,em sua quase totalidade, "pensa-do"; um mundo, em essência, "in-terpretado", estas mesmas geraçõesnão podem anular-se ou atuar passi-vamente diante do mundo "estabe-lecido" por gerações anteriores. E,em matemática, principalmente, na-da deve ser aceito sem o devidoquestionamento ou, antes, sem adevida compreensão. Porquanto, ogrande mérito, a divina qualidadedo homem, ser que "pensa e conhe-ce", reside na constante busca daverdade. Em paralelo, acrescente-seque em matemática cada geraçãoposterior constrói um novo andarno edifício do conhecimento; devi-do, exatamente, a esta procuraconstante da ordem (da verdade emsi mesma).

Assim, reproduzir, mecânica edesmotivadamente, os compêndiosde matemática inscritos em textospoucos originais é, antes de qual-quer estudo pormenorizado, umafalta virtual de compreensão daqui-lo que se pretende difundir. Consta-ta-se, contudo, que tanto professo-res quanto alunos, em muitas dasvezes, não experimentam o desafioemergente do estudo da matemáti-ca; sendo exatamente esta falta dedesafio que corrobora a aversão, opavor ou, no melhor dos casos, aindiferença para com a matemáti-ca difundida pelos currículos atuais.

Condicionalmente, há de se sa-lientar que o problema da naturezae do fundamento da matemática,para além de posições preconcebi-das e de sentimentos pouco ortodo-xos, requer, acima de quaisquer ou-tras ponderações, motivação e pro-funda dedicação; o que emerge,por necessária conseqüência, dabusca incessante da "verdade".

Desta forma, ao se banir a in-vestigação do fundamento e dosprincípios que consolidam o racio-cínio matemático, tem-se instituí-do a propagação do caos no que diz

respeito à difusão da matemática. Afalta de conhecimento sobre as con-cepções ou, de forma globalizante ecategórica, sobre a fi losofia da ma-temática conduz ao sombrio estágioda estagnação e da dissimulação."Ensinar" ou, primeiramente, "es-tudar" matemática de forma fria,sem vida, sem propósito definido ede forma mecânica é, por assim di-zer, destruir todo o sentido e o es-pírito que tornam a matemática oideal da ciência. Trabalhar os com-pêndios da matemática sem moti-vação, sem Ihes caracterizar a im-portância e o propósito, servindo-se da simples reprodução e da me-morização de conceitos, é produ-zir no ser humano nada além deinércia mental; a qual, por seu tur-no, vem obscurecer ou, de formainconteste, tolher o raciocíniosubjacente.

A matemática é, por excelên-cia, uma ciência anal ítica e progres-siva, cujas possibilidades são infini-tas; não sendo, como alguns céticosdesavisados insistem em preconizar,um simples conjunto de tautologias.Deve-se, no entanto, reconhecerque a matemática não se deduz defatos particulares, mas de condiçõesgerais, nas quais podem estar envol-vidos os fatos particulares. As leismais gerais do pensamento funda-mentam as verdades matemáticas;ou seja, as verdades matemáticasfundamentam-se sobre leis lógico-racionais, as quais equacionam umsistema anal ítico completamentecoerente. Assim, toda verdade ma-temática coaduna uma série de ju í-zos necessários que, incontestáveis,confere ao todo o grau de severida-de indispensável para se dissiparquaisquer antinomias. Desta forma,em matemática são utilizados obje-tos dados diretamente pela razão,sendo que qualquer forma de análi-se constitui uma efetiva construçãodo raciocínio e, desconhecer talrealidade intrínseca, é renegar aexistência da própria matemática.

Qualquer indivíduo que realizetransformações cada vez mais com-plexas no mundo abstrato-formal(no mundo próprio da matemática),sem estar convencido de que em ca-da estágio de seu trabalho a ant ítesedos fundamentos apriori - a poste-riori é o ponto nodal, é o ponto dedistinção, que homologa o elo fun-damental entre as superestruturas eos alicerces que lhe dão origem,indubitavelmente, encarninhar-se-áem direção ao vazio conceitual,

Para que o conhecimento ma-temático se estabeleça de maneiraverdadeira e permanente deve-se es-timular a curiosidade natural do ser

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cionar-se diante da ant ítese lógico-ontológico, que permeia os funda-mentos da matemática?

Já no que diz respeito ao con-ceptualismo tem-se configurado queos números, enquanto tais, existeme são entidades abstratas produzidaspela mente, são invenções da men-te, os quais existem tão somente empensamento; porém, constitu ídosde um valor inteligível. Ou seja, oconceptualismo matemático é a es-cola segundo a qual os conceitosexistem a título de idéia e não co-mo realidades à parte dos objetosindividuais. A crítica que se apre-senta, comumente, ao conceptualis-mo é o fato de o mesmo predizer quea mente tem o poder de criar, porrnotu-próprio, quaisquer entidadesmatemáticas de forma imperiosa-mente livre. Sobre tal enfoque háde observar que um dos aspectosimprescind íveis na construção ma-temática é a coerência total e o ri-gor cient ífico. Portanto, se acoerência é abandonada, o sistemacientífico que caracteriza a mate-mática deixa de ter sentido, mesmoque as potencialidades de criaçãosejam ilimitadas? Ouais, então, se-riam as prescrições ou interdições,do ponto de vista do conceptualis-mo, que isentariam a matemáticade ser uma ciência dedutiva, inven-tiva, descobridora de novas verda-des?

A despeito das teorias psico-lógicas, a doutrina segundo a qualem matemática somente devem serconsideradas as entidades que sepodem construir por intuição é de-nominada escola intuicionista ouintuicionismo. Ou seja, para osintuicionistas a matemática temsua origem na intuição; sendo que,pela própria intuição seus concei-tos e entidades se tornam perfeita-mente claros. Segundo o intuicio-nismo o valor das entidades mate-máticas apenas alcançam o devidovalor enquanto constru ídas coe-rentemente por ação do intelecto.Contudo, o intelecto, em tal esco-la, é competente apenas no âmbitodas operações finitas, o que vemlimitar a matemática à esfera daintuibilidade; sendo, por tal aspec-to, em conseqüência, um dos fo-cos de consideráveis objeções.

Além do mais, dentre as ca-racter ísticas particulares de talcorrente, esta defende que todaafirmação dada pelo intelecto deveser demonstrada; uma vez que, o in-telecto deve ser capaz de justificartudo quanto construa. Por outrolado, se o intuicionismo é ditadopredominantemente pela intuição enão envolve, portanto, qualquer co-

gitação prévia ou pensamento refle-tido, fundamenta-se no a priorí in-telectivo. E, a este ponto, seria Ií-cito afirmar que os entes matemá-ticos são válidos tão-somente em re-lação à maneira como são intuídospela mente, e não em relação aomodo como são em si mesmos? Se-rá a matemática uma ciência funda-da, apenas, em processos construti-vos? Por outro enfoque, como res-ponderiam os intuicionistas ao fatode a matemática, enquanto instru-mento hipotético das ciências natu-rais, ter seu fundamento a posterio-ri?

Partindo da concepção de queo nominalismo e o conceptualismolimitam a importância e a abrangên-cia da matemática surge, em oposi-ção, o realismo matemático. Umatal corrente assume que a matemá-tica tem seu fundamento na desce-berra e não na criação; porquanto,defende o valor objeto-ideal destaciência. O realismo matemático tra·ta da natureza, do fundamento eda extensão da matemática, sem,contudo avaliar a técnica corres-pondente. Defende que os elemen-tos atinentes à matemática são qua-lificados por estruturas objetivas,não sendo mera criação arbitráriado pensamento.

Para o real ismo a matemáticanão é uma ciência arbitrária ou con-vencional, pois considera a objeti-vidade e a racional idade das leismatemáticas como sendo indepen-dentes do pensamento arbitrário.No realismo matemático, tambémdenominado platonismo, tem-se re-verenciado o aspecto da descobertaem matemática, a qual não sendouma ciência convencional vem evi-denciar as leis racionais do pensa-mento considerando·as possuidorasde uma racionalidade intrínseca.

Porém, se o platonismo defen-de que os elementos da rnaternáti-ca existem em sentido literal comoconceitos abstratos, então comodeixar de recair no racionalismo aorealizar as extrapolações do lógicopara o õntico, do ideal para o real?

Hesitando em aceitar a nature-za inteiramente despótica (arbitrá-ria) dos fundamentos matemáticossurge a visão de conjunto que sus-tenta ser a estrutura lógica a carac·ter ística essencial da matemática;ou seja, partindo da tese de que asleis matemáticas são originárias deprincípios lógicos advem o logicis-mo. Nesta concepção, toda verdadematemática encerra em si um con-junto de raciocínios emanados deleis lógicas, de leis gerais do pensa-mento. Sendo que, para o logicis-mo, a validade de um raciocínio

não depende nem dos sujeitos de-terminados nem do predicado con-creto que nele figure; pois, a valida-de de uma inferência não dependesenão da forma estrutural desta.

Observe, entretanto, que a ló-gica matemática, enquanto ciênciadas leis do racioc ínio anal ítico-for-mal, tem sua estruturação proces-sual na instância das relações abstr a-tas dos símbolos e se detem à com-binação destes mesmos símbolosentre si quando, então, passa a estu·dar as inferências (via argumenta·ção) do ponto de vista da validadeda estrutura sentencial, subtraindoo significado concreto de sua deter-minação para atingir a coerência deraciocínio. As leis matemáticas sãoestabelecidas por ju ízos necessários,os quais, regimentados pelos princí-pios fundamentais da lógica mate-mática, constituem estrutura intei-ramente coerente e logicamente for·malizada. Tais juízos, ditos anal íti·cos corroboram as verdades mate-máticas, dando à estrutura materna-tica um fundamento cognoscível apriori em que a exatidão de suasformas advem de leis racionais ou,antes, da relação entre ju ízos apeia-dos em princípios primeiros oriun-dos da pura razão. Assim, é inques·tionável a íntima relação entre lógi·ca e matemática, relação esta defen·dida pela logicismo e coerente comeste.

Contudo, o logicismo teria ra·zão ao pretender fundir as duasciências (matemática e lógica) emum único corpo conceitual? A ma-temática é condicionada, irrestrit a-mente, pela lógica ou matemáticae lógica convergem para um fimúnico, mediante a tomada de cami·nhos distintos? Pede-se, a despei-to de quaisquer pressupostos onto-lógicos, considerar a matemáticaem si mesma, independente do mo-do pelo qual a lógica se manifesta?O logicismo é passível de eliminarquaisquer possíveis antinomias emmatemática?

Uma posição que pretende serabsoluta em matemática e que sus·cita o condicionamento desta ciên-cia unicamente às suas próprias re·gras diz respeito ao formalismo. Es·cola segundo a qual as questões dosignificado, do fundamento e danatureza das leis matemáticas e, deresto, das inquirições a respeito dasrelações da matemática com o mun-do empírico não lhe diz respeito.Constitui o formalismo uma con-cepção que defende, de forma radi-cal, a autonomia e a especificidadeda matemática, a qual dependeriatão-somente de suas próprias defi·nições e axiomas.

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18 Revista Acadêmica

o formalismo tenta reduzir amatemática a um compêndio defórmulas, procurando dissociar seuconjunto da realidade emergente. Amatemática passa a ser, segundo ospressupostos do formalismo, umjogo formal, legítimo exclusivamen·te em decorrência única das pró-prias regras do jogo, e, enquantotal, a matemática estaria alheia aqualquer interpretação ou aplica-ção? Mas, no sentido que promulgao formalismo, como este assalta asquestões imanentes do fundamentoa priori - a posteriori da matemáti-ca? Simplesmente, ignorando-as?Como se prova a auto-suficiência damatemática? Se, segundo o forma-lismo, a matemática é consolidadaapenas pela coerência e pela com-pletabilidade, como tal concepçãoencara que a coerência é incompatí-vel com a completabilidade, em cer-tas situações, segundo demonstrouGodel? Pode a matemática isentar-

se do comprometimento com ques-tões de ordem emp írica ou metaf í-sica?

De forma geral, como tais cor-rentes abordariam as entidades exis-tentes in se e per se? E, ainda, quaisas posições assumidas no que dizrespeito ao infinito matemático?Outrossim, por tal linha condutora,levantar-se-iam inúmeras outras in-terrogações.

As considerações sobre as con-cepções da matemática, aqui levan-tadas de forma condensada, eviden-temente, não esgotam o assunto so-bre o problema dos fundamentosdesta ciência. Mas, é necessário en-fatizar, in extenso, que tais estudosestender-se-iam para muito alémdestas poucas linhas. Apesar, po-rém, do escopo das proposiçõesapresentadas, deve-se observar queas questões a respeito da natureza

da matemática, em sua gênese, hãode propiciar o direcionamento nosentido de se compreender o quesignifica, realmente, matemática.

A julgar pelas ponderações an-teriormente consideradas, parecerazoável supor que muito aindadeve ser discutido e estudado.Com base nessa assertiva e guiadopela hipótese aqui inserida, espera-se que a retomada constante dasquestões a respeito dos fundamen-tos da matemática consubstancie aessência sobre a qual os porquêscausais da matemática lhe empres-tam fascínio, maior alcance e vi-gor. Porquanto, pretender ignorar,ou relevar ao plano secundário, asquestões fundamentais que dizemrespeito à fi losofia da matemática,é tão insensato quanto arbitrar queo ser humano, enquanto tal, é des-provido da capacidade inerente deservir-se da razão para conhecer ejulgar.

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Professor, por que os númerostambém estão em tamanhos diferentes?