A MAQUINARIA JUDICIALIZANTE E O GOVERNO DE INFÂNCIAS DESIGUAIS

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    Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-73725000114

    Psicologia em Estudo, Maring, v. 19, n. 3, p. 515-526, jul./set. 2014

    A MAQUINARIA JUDICIALIZANTE E O GOVERNO DE INFNCIAS DESIGUAIS

    Giovanna Marafon1Universidade Federal Fluminense, Niteri-RJ, Brasil

    RESUMO. Este artigo realiza uma problematizao da judicializao da vida e, mais especificamente, dajudicializao da infncia. Localiza na fabricao de infncias desiguais no Brasil do sculo XX, umacircunstncia histrica para pensar a provenincia e os efeitos da maquinaria judicializante. Prope colocar emquesto se o Cdigo de Menores de 1927, como formulao jurdico-legal, seria suficiente para compreender oprocesso de judicializao da infncia. Com o referencial de Michel Foucault, a discusso segue a propostametodolgica da genealogia, que permite ver, na heterogeneidade de acontecimentos, como se constituiu oenredamento de poderes e a aliana entre psiquiatria e judicirio na normalizao das condutas. Dessa maneira,

    judicializao e normalizao seriam processos complementares, mutuamente requisitados no governo dapopulao. Para tanto, o conceito de governamentalidade mostra-se um instrumento estratgico para anlise da

    judicializao como forma de governo da infncia. Nesse sentido, a partir do tribunal de menores e doscomportamentos que nele estiveram em julgamento, pode-se compreender a cena judicializante, bem comoalgumas imagens que a difuso dessa forma-tribunal tem projetado.Palavras-chave:Leis; infncia; Foucault, M.

    THE JUDICIALIZING MACHINERY AND THE GOVERNMENT OFUNEQUAL CHILDHOODS

    ABSTRACT. This article provides a problematization of the judicialization of life and particularly, of thejudicialization of childhood. It f inds in the manufacturing of unequal childhoods, in the twentieth century in Brazil, a

    historical event to think about the provenance and about the effects of the judicializing machinery. It proposes toput in question whether the Minors Code of 1927, as a legal-juridical formulation, would be enough to understandthe judicialization of childhood process. Based on Michel Foucaults work, the discussion follows themethodological proposal of genealogy, that allows us to see in the heterogeneity of doings, how it was formed theentanglement of powers and the alliance between psychiatry and the legal power in the normalization of conducts.Thus, the judicialization and the normalization would be complementary processes, mutually requested ingoverning the population. Therefore, the concept of governamentality proves to be a strategic instrument foranalysis the judicialization as a form of government childhood. In this respect, from the minors court andbehaviors that were there on trial, we can understand the judicializing scene, as well as some images thatdiffusion of court-form has designed.Keywords: Laws; childhood; Foucault, M.

    LA MAQUINARIA JUDICIALIZANTE Y EL GOBIERNO DE INFANCIAS DESIGUALES

    RESUMEN. Este artculo realiza una problematizacin de la judicializacin de la vida y, ms especficamente, dela judicializacin de la infancia. Localiza en la fabricacin de infancias desiguales, en el siglo XX en Brasil, unacircunstancia histrica para pensar de donde proviene, as como los efectos de la maquinaria judicializante.Propone poner en cuestin si el Cdigo de Menores de 1927, como formulacin jurdico-legal, sera suficientepara entender el proceso de judicializacin de la infancia. Con el referencial terico de Michel Foucault, ladiscusin sigue la propuesta metodolgica de la genealoga, que permite ver, en la heterogeneidad deacontecimientos, como se constituy el entramado de poderes y la alianza entre psiquiatra y poder judicial en lanormalizacin de las conductas. De esta forma, judicializacin y normalizacin seran procesos complementarios,mutuamente requeridos en el gobierno de la poblacin. Por ello, el concepto de gubernamentalidad se muestra

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    Endereo para correspondncia: Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro - Rua Marqus de So Vicente,225, Prdio Cardeal Leme,10 andar, sala 1049, Caixa Postal 38097, Gvea, CEP 22.451-900, Rio de Janeiro-RJ,Brasil. E-mail: [email protected].

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    como un instrumento estratgico para el anlisis de la judicializacin como forma de gobierno de la infancia. Eneste sentido, a partir del tribunal de menores y de los comportamientos que en l estuvieron en juicio, se puedeentender la escena judicializante, as como algunas imgenes que la difusin de esa forma-tribunal haproyectado.

    Palabras-clave: Leyes; infancia; Foucault, M.

    Para iniciar este texto, a referncia aopensamento de Gilles Deleuze aponta umadireo. Na entrevista com concedida aoAbecedrio Deleuze (1989) menospreza ainfncia que ele viveu (um eu, em primeirapessoa). Diz ter sido uma criana qualquer; porisso lhe interessa muito mais a infncia domundo, a infncia de qualquer criana. Umacriana, uma infncia com o artigo indefinido. especialmente para uma forma-infncia forjadahistoricamente que importa, ainda mais,estabelecer um olhar neste texto. Assim, emergea inquietante pergunta: como se fez um menorno Brasil?

    Sem a pretenso de esgotar a questo, umavez que so vrias as produes j existentes arespeito da histria do perodo menorista e dalegislao para os ditos menores no Brasil, orecurso anlise aqui se justifica porque sepretende, a partir do referencial desenvolvido porFoucault, esboar uma genealogia da

    judicializao da infncia no Brasil. Convmsublinhar que o termo judicializao no foidesenvolvido pelo autor em suas formulaes,mas, possvel encontrar entre os livros, cursose entrevistas de Foucault, uma variada gama dereferncias que permitem criar instrumentosestratgicos para tal anlise.

    PARA PROBLEMATIZAR A JUDICIALIZAO

    Em Nietzsche, a genealogia e a histriaFoucault (1979) prope a escrita da histriagenealgica, permitindo a emergncia de umahistria efetiva para a vida. Nela no se buscarestituir as origens ou encontrar as razes daptria natal, nem uma continuidade, por isso oautor defende uma anlise da descontinuidade eda heterogeneidade dos acontecimentos e, porfim, afirma uma histria da inveno, em vez decrtica ao passado. A genealogia, tal comoproposta por Foucault, visa provenincia, scondies que permitiram a emergncia dedeterminadas questes, saberes e formaes de

    poder; no visa origem, nem mesmo verdade sendo mais interessante pensar nos regimes

    de verdade que se tornaram aceitos e quevalidam certas prticas em detrimento de outras.

    Problematizar a judicializao da infnciatorna-se uma maneira de estranhar prticas ediscursos; fazer problema onde nonecessariamente haveria questes. Trata-se,ento, da construo de um problema ou,mesmo, de recolocar o problema (Lemos &Cardoso Jr., 2012), o que requer adesnaturalizao daquilo que figura como dado.Nesse sentido, recorremos inicialmente referncia a um texto conhecido no campo daspolticas pblicas para a infncia e juventude: otexto de Rizzini (2009) intitulado: Crianas emenores: do ptrio poder ao ptrio dever. Umhistrico da legislao para a infncia no Brasil.Nesse texto encontra-se meno expressoinfncia judicializada, no contexto histrico doprimeiro Cdigo de Menores no Brasil.

    Essa expresso , de sada, um caminhopara pensar que a judicializao da infnciapoderia ser o marco temporal da emergncia dalegislao especfica para os chamadosmenores no incio do sculo XX, ou seja, amenoridade. Se o caminho fosse aquele, umaconcluso bvia seria que a judicializao dizrespeito ao enquadre jurdico e,consequentemente, judicial da infncia; masentendemos que no somente isso, essatendncia tornou-se apenas o norte temporriodo movimento, fazendo encontrar pontos dequestionamento e de abertura a seremexplorados neste artigo.

    Entre relatos e anlises sobre a histriaoficial da menoridade no Brasil, podemosencontrar anlises como a que se segue, a quaaponta, conforme referido, a infnciajudicializada na virada do sculo XIX para osculo XX:

    A infncia foi nitidamente judicializadaneste perodo. Decorre da apopularizao da categoria jurdicamenor, comumente empregada nosdebates da poca. O termo menor,para designar a criana abandonada,desvalida, delinquente, viciosa, entreoutras, foi naturalmente incorporado na

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    linguagem, para alm do crculo jurdico(Rizzini, 2009, p. 113).

    Na citao acima a judicializao vinculada

    simplesmente emergncia do cdigo demenores, ou seja, uma referncia ao fato de ainfncia ter sido alvo do desenvolvimento deuma lei que passou a disciplinar questesespecficas. Na referncia apresentada, a

    judicializao foi escrita para adjetivar umaprtica: a da judicializao. No obstante,interessa-nos tomar essa afirmao para emrelao a ela estabelecer diferenciaes sdivergncias: judicializao da infncia? Seria a

    judicializao de uma infncia outra? Umainfncia normal (das crianas) e uma infncia

    dos menores?Para esse perodo em tela, entendemos sermais interessante falar em judicializao damenoridade ou, melhor, de constituio domenor e de montagem da judicializao. Comisso, o propsito perceber como se foimontando o funcionamento da maquinaria

    judicializante e o que ela produzia, ou ainda, oque se produzia vinculado ao estabelecimentode seu modo de funcionar. Com essaperspectiva, delineamos como problema inicial aseguinte questo: ter-se-ia constitudo uma

    legislao especfica para a infncia, ou melhor,para os chamados menores? Um direito demenores seria suficiente para conceituar a

    judicializao?Assim, a maneira de problematizar a

    judicializao que aqui se prope desloca-sedaquela que simplesmente reconhece que parteda infncia tenha passado a receberateno/tutela jurdica. Evocando aheterogeneidade de acontecimentos, cumpredizer ainda que era da parte da infnciaconsiderada anmala, ou seja, era dos menores

    que a legislao procurava dar conta/conter.

    JUDICIALIZAO E NORMALIZAO:ALIANAS

    Uma vez que era dos chamados menoresque se tratava, a legislao para a menoridadepode ter sido apenas um dos aspectos presentesnum processo mais amplo e heterogneo demaquinar a judicializao com a tnica danormalizao (Marafon, 2013). Foucault (2008a)afirma que a normalizao disciplinar consisteem primeiro colocar um modelo, um modelotimo que construdo em funo de certo

    resultado, e a operao de normalizaodisciplinar consiste em procurar tornar aspessoas, os gestos, os atos, conformes a essemodelo (p. 75). Com isso o autor afirma que

    quem normal o a partir da conformao norma e por outro lado o anormal ser aqueleque no se conforma norma; portanto, o quevem primeiro a norma, ela tem carterfundamental e primeiro. Dela se distinguem, aposteriori, normais e anormais.

    Pensar a judicializao com a tnica danormalizao disciplinar pode se configurarcomo um giro no que se habituou a dizer, fazer eat mesmo reiterar. Esse deslocamento,primeiramente, faz ver que o sistema legal serelaciona a um sistema de normas; e mais: a lei

    codifica uma norma, de modo que a partir eabaixo, nas margens e talvez at mesmo nacontramo de um sistema da lei se desenvolvemtcnicas de normalizao (Foucault, 2008a, p.74). O desenvolvimento de tal modo de olharpara o perodo da primeira legislao especficano mbito da menoridade permite, ao seexaminar o Cdigo de Menores, ver como seacoplaram saberes parajudiciais ou extralegaisque alimentaram o circuito de normalizao dascondutas, fabricando a categoria menor. importante lembrar que menor no foi um termocunhado em terreno estritamente jurdico, nemnaturalmente incorporado na linguagem paraalm do crculo jurdico, pois j existia antes umaconstruo em meio s prticas policiais quecontribua para conformar, ou seja,, dar formaquilo em que o menor se constituiu.

    No que diz respeito normalizao dascondutas, afirma Foucault (2001) que desde finaldo sculo XIX foi produzida uma espcie dereivindicao dos juzes em relao medicalizao de sua profisso, de sua funo ede suas decises. A institucionalizaodisciplinar do saber mdico no campo jurdicotraz a ideia de norma ancorada nas noes denormal e anormal e ao lado da medicina e dapsiquiatria, e no do direito, da lei. Isto no fezsumir ou diminuir o recurso lei, pelo contrrio,a lei cada vez mais colonizada pela norma nasdiferentes legislaes especficas para ainfncia, desde o comeo do sculo XX at opresente.

    Nesse sentido, a judicializao da infnciaindica uma ntima e necessria associao entrenorma e lei. Por isso, embora Foucault (2001)

    tenha sugerido que a normalizao pode se darat mesmo na contramo do sistema da lei, o

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    que se pode considerar sobre o processo desistematizao do direito de menores no Brasil que a normalizao se d num encadeamentocom o sistema da lei, e no em sentido contrrio

    a ele. Alm disso, como se poder verificar nasequncia do texto, havia j uma normalizaopolicial anterior promulgao do Cdigo deMenores. Datada do sculo XIX, essanormalizao faz pensar nas articulaes entreprticas policiais e saberespsi.

    Uma maneira de se perceber a normalizaoest na incorporao da norma pelo circuito

    jurdico, que serviu para justificar e requisitar umcontrole dos indivduos ao nvel da chamadapericulosidade. Para isso, a instituio judiciriacomo um todo teve de buscar apoios exteriores a

    ela e, assim, convocar outros poderes laterais,uma rede de instituies de vigilncia (a polcia)e correo (instituies psicolgicas,psiquitricas, criminolgicas, mdicas,pedaggicas). Mais do que isso, nessaaproximao de domnios no to claramenteseparados, com algumas mimetizaes defunes, vigilncia e correo foramincorporadas pela polcia, e por seu turno,instituies psicolgicas, psiquitricas,criminolgicas, mdicas e pedaggicasincorporaram o modo de olhar e agir policial, o

    carcereiro, o vigia. O termo carcereiro aquicolocado como funo de quem exercevigilncia, correo e punio, funo que se faznotar nos olhos/lentes dos profissionais tambmnas instituies de correo/normalizao.

    Mais ainda: no seio de modos de governo davida no bastava punir. Uma novidadeincorporada aos modos de proceder da justiafoi que o juiz pudesse simplesmente no maispunir, como afirmou Foucault (2001): o duroofcio de punir v-se assim alterado para o beloofcio de curar (p.29) - ironia do filsofo francs

    em relao ao que poderia levar muitos aaderirem ao mais belo a que a cura pareceassociar-se, em detrimento da dureza e dafrieza, geralmente identificadas punio. Punirno, tratar - discurso cheio de intenes, comocorrigir e reinserir. O que vai permitir a instalaode iluses re (reeducao, ressocializao,reintegrao), conforme assinala Batista (2008), o bem-intencionado exame psiquitrico. Nessadireo, Foucault (2003) apontou que seinventaram os exames no sculo XIX a partir deproblemas jurdicos, judicirios, penais: exames

    como forma de anlise dos indivduos, em lugardo inqurito. Foram essas novas formas de

    anlise nascidas no sculo XIX, momento deformao da sociedade capitalista, que deramorigem sociologia, psicologia, psicopatologia, criminologia e psicanlise,

    todas elas cincias de exame.No mbito judicirio, os discursos presentes

    nos laudos psiquitricos concorrem paradeterminar a liberdade ou a deteno de umhomem, tm um poder de vida e de morte e,ainda, fazem rir! Rir do carter ubuesco, ridculoe grotesco de tais discursos. Destaque-se que oadjetivo ubuesco usado por Foucault (2001) erefere-se pea francesa, do comeo do sculoXX, Ubu rei (de S. Jerry). O termo ubuesco dizdo grotesco, autoritrio, injurioso e, ao mesmotempo, ridculo.

    Voltemos aos discursos presentes noslaudos psiquitricos: estes discursos, plenos dosmais variados moralismos e preconceitos,proferem sentenas que, vistas de perto e comateno, mostram quanto esto alheios sregras de enunciao do discurso cientfico etambm do direito. Com isso, Foucault (2003) dizque o tribunal, e tambm as instituiesqualificadas para enunciar a verdade, como acincia, veiculam enunciados com efeitos deverdade e poder: uma espcie desupralegalidade de certos enunciados na

    produo da verdade judiciria (p. 14).Esses discursos so sustentados por duasinstituies: a judiciria e a mdica. Situado ameio caminho de ambas, o exame psiquitricovai olhar no somente para o delito, mas paratoda uma srie de outras coisas que no so odelito. Vai colocar em seu campo de avaliaotambm os comportamentos, as maneiras de serdo indivduo. Vai procurar, nessas maneiras, acausa, a origem, a motivao, o ponto de partidado delito. So introduzidos a dobramentos,duplos sucessivos entre delito e algo mais.

    Foucault (2002a) afirmou que a interveno dapsiquiatria desde os anos 1820, na justia penal o sinal de que comea muito cedo o reino desua indiscrio generalizada (p. 326). Reino deindiscrio generalizada ou, ainda,generalizao indiscreta da psiquiatria, com suaspretenses de funo permanente e universal o que ser visto da por diante. Por isso ofilsofo francs afirmou que a partir do sculoXIX, todos nos tornamos psiquiatrizveis (p.326), possuidores de uma loucura possvel, coma psiquiatrizao de todos e de qualquer um, em

    qualquer lugar: nas relaes familiares,pedaggicas, profissionais e outras.

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    Na psiquiatrizao do judicirio, o alvo deapreenso do que est situado alm do crimeso as condutas. No a lei que elas infringem.Essas condutas, em exame, infringem

    qualificaes morais, regras ticas, a exemplodos termos referidos nesse gnero de discurso,destacados por Foucault (2001), tais como:imaturidade psicolgica, personalidade poucoestruturada, profundo desequilbrio. No sereferem a condutas delituosas, referem-sesimplesmente a condutas; portanto as condutasconsideradas irregulares que sero punidas,mesmo aquelas que no sejam criminosas,fazendo um duplo psicolgico e moral do crime,uma ponte entre as categorias jurdicas e asnoes mdicas (vale acrescentar psiquitricas,

    psicopatolgicas e psicolgicas). Como efeito,tambm a punio no ser do crime em si. Aao punitiva do poder judicirio vai recair sobretcnicas de transformao dos indivduos. Este um aspecto importante nessa maquinaria, quepermite ver a produtividade das tecnologias depoder: o poder de normalizao se explicitanesse encontro mdico-judicirio, apoiando-seao mesmo tempo na instituio judiciria e nosaber mdico. A cena teatral do frum(Foucault, 2001, p. 32) vai ser a cena danormalizao das condutas.

    COMO SE FABRICARAM "MENORES": OGOVERNO DE INFNCIAS DESIGUAIS

    No Brasil a dcada de 1920 foi profcua emcriar mecanismos e aparelhos especficos paraoperar a gesto calculista da populao. Foramcriadas novas regras, normas e governos sobrea infncia, definindo-a de formas desiguais. Paraos menores, tidos como problema social (o quecorrespondia a problema policial), em 1923 foi

    criado o Regulamento de Proteo aos MenoresAbandonados e Delinquentes documento quecriava o Juzo de Menores e, subordinado a estergo, o Abrigo de Menores, que receberia, emcarter provisrio, menores abandonados edelinquentes a face negativa da infncia.Previa, ainda, uma escola para oferecereducao fsica, moral, profissional e literria smeninas desprotegidas/abandonadas.

    O primeiro Cdigo de Menores (Cdigo deMello Mattos, Decreto n 17.943, de 12 deoutubro de 1927) regulamentava as formas de

    proteo (tutela) e correo destinadas apenasaos menores 18 anos de idade, de ambos ossexos, abandonados ou delinquentes; ou seja,

    todos os demais (no abandonados ou nodelinquentes) no mereciam a ao desseinstrumento jurdico, saturado de influnciapolicial e normativa, com consequncias sociais,

    policiais, educacionais e correcionais. O queest presente no Cdigo de Menores umpensamento negativo o do abandono e dadelinquncia, ambas apontando para adesordem, para aquilo que foge da supostaordem. Essa desordem o que resta. o restodas crianas, o menor. O cdigo legal atcnica que anima esse princpio negativo. Comoafirmou Foucault (2008a), a lei imagina onegativo as coisas que poderiam ser feitas eno devem ser feitas, ou seja, aquilo que proibido.

    Desse modo, possvel compreender queno somente o Cdigo foi uma produohistrica, mas tambm o menor o foi.Interessante pensar o relevo que atravessa apaisagem e desloca o olhar se estivermosdispostos, como afirmou Ramos do (2009) aproblematizar a forma como crianas e jovensforam eles mesmos constitudos historicamentetambm como um problema (p. 23); e para quese consolidasse tal perspectiva de problema,houve enorme contribuio das prticas policiais,da medicina, da psicologia e da assistncia

    social na construo normativa do referidoCdigo de Menores e, sobretudo, na construodo trinmio que associava periculosidade-menoridade-pobreza. A implantao do Cdigode Menores trazia ainda ressonncias de outrasprticas que foram a ela se coadunando,especialmente o funcionamento das instnciaspoliciais e da prpria justia criminal e aincorporao que o Cdigo fez de mecanismosparajurdicos, entre eles, principalmente oeducativo e correcional.

    Cumpre ainda destacar que, embora aqui sereporte a uma legislao especfica para amenoridade datada de 1927, a preocupaomdico-social com solues higienistas voltadasaos menores j se percebe na passagem doImprio Primeira Repblica brasileira. Domesmo modo, intervenes policiais dessemesmo perodo que antecede a legislaoespecfica j tratavam de nomear, classificar eintervir no que se configurava, no bojo dessasprticas, como o menor. Com isso possvelobservar, nos mbitos mdico-social e policial,uma duplicidade forjando o menor.

    No mbito policial, uma paisagem a irromperna histria dos menores e cortar sua narrativa

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    linear o trabalho de pesquisa desenvolvido porVianna (1999). Na investigao realizada, aautora recolheu um conjunto variado e bastanteheterogneo de 1.800 registros localizados no

    Arquivo Nacional, relativos ao recolhimento e classificao dos chamados menores poragentes policiais. O que Vianna percebeu eraque a polcia, enquanto instncia daadministrao estatal a Polcia do DistritoFederal tinha importncia decisiva na definiode sentidos e formas de interveno sobre o que

    j se designava como menor. Assim, em vez detratar a polcia como agente secundrio, naquelapesquisa realizada na dcada de 1990 Vianna(1999) preferiu privilegiar a ao da polcia noperodo de 1910-1920, o que no desmerecia a

    importncia de outras formas de interveno(como assistncia caritativa e filantrpica ou,ainda, a ao mdico-higienista). O quesobressai na pesquisa realizada a relaoentre polcia e menores, o que fez a autoraindicar:

    ... ao contrrio do que se poderia pensar,no o cdigo o responsvel pelageneralizao do termo ou dossignificados nele implicados. Em vezdisso, possvel tomar o cdigo como aformalizao de uma lgica

    eminentemente policial, em voga pelomenos uma dcada antes de suapromulgao (Vianna, 1999, p. 40).

    Esse apontamento encontra correlaescom o que apresentou Foucault (2008b): Nosculo XVIII, fim do sculo XVIII, incio dosculo XIX, aparece na teoria poltica e nateoria do direito germnico essa noo deEstado de direito (p. 232). Algo intrigante nagenealogia das formas de governo,empreendida por Foucault, a observao de

    que o Estado de direito se definiu naquelemomento em oposio a duas questes: aprimeira, como diz ele, em oposio aodespotismo identificado com a vontade dosoberano, o carter e a forma obrigatria dasinjunes do poder pblico; e a segunda, oEstado de direito opor-se tambm ao Estado depolcia o qual estabelece um continuumadministrativo que da lei geral medidaparticular, faz do poder pblico e das injunesque este impe um s e mesmo tipo deprincpio e lhe concede um s e mesmo tipo de

    valor coercitivo (Foucault, 2008b, p. 232). Esta o nvel da regulamentao da vida.

    No contexto do Estado de Polcia, o poder depolcia refere-se ao poder/dever do Estado deorganizar a vida, da a ideia trazida por Foucault(2006) de um continuum administrativo. O

    elemento central das formas de governo ogoverno da famlia, que se realiza em balizar acontinuidade ascendente e descendente. Adimenso de uma continuidade ascendente dasformas de governo comearia pelo governo de siprprio, estendendo-se depois ao governo dafamlia, de seus bens e, finalmente, ao governodo Estado (a pedagogia do Prncipe). Nacontinuidade descendente, o governo iria doEstado bem-governado aos pais de famlia quesoubessem bem governar suas famlias, suasriquezas, seus bens e sua propriedade at os

    indivduos que se comportassem como deviam.A polcia seria justamente essa linhadescendente, que faz repercutir at na condutados indivduos ou na gesto das famlias o bomgoverno do Estado (Foucault, 2006, p. 288).

    H momentos em que o Estado de polciapode inclusive coincidir com o despotismo, masvia de regra eles diferem no fato de, nodespotismo, tudo o que pode ser injuno dopoder pblico origina-se to somente da vontadedo soberano, enquanto no Estado de polcia,qualquer que seja a origem do carter coercitivo

    das injunes do poder pblico, h entre elas umcontinuum da lei e suas prescries gerais epermanentes regulamentao por meio dedecises conjunturais, transitrias, locais,individuais.

    A paisagem muda. O que se percebe a partirdesse desenvolvimento dado por Foucault(2006) que o Estado de polcia condio(ainda que com argumento de oposio) para odesenvolvimento do Estado de Direito. Mais queisso, como indicou Vianna (1999), pensando nasituao especfica do Cdigo de Menores, no

    interior do Estado de Direito estar a lgicapolicial - portanto, nas entranhas do Estado dedireito, com seus institutos jurdicos, impera algica policial (Marafon, 2013).

    Anteriormente ao Cdigo de Menores houveideias, discursos e prticas que tiveram imensainfluncia na fabricao dos menores comoprodutos policiais e dos destinos a elesoferecidos, tendo influncia, inclusive, sobre oque veio a ser o Cdigo. A gesto policialcolocava o menor como finalidade e instrumentode uma governamentalidade. Foucault utilizou-se

    da noo de governamentalidade sem configuraro conceito em um enquadramento fechado; pelo

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    contrrio, possvel perceber, nodesenvolvimento que deu ao termo, algunsdeslocamentos do prprio percurso analtico doautor. No curso no Collge de France, em 1978

    (Segurana, territrio, populao), agovernamentalidade foi definida por Foucault(2008a) como um conjunto de instituies,procedimentos, clculos, tticas e estratgiasque permitem o governo da populao; j nocurso de 1979 (Nascimento da Biopoltica), oconceito governamentalidade foi definido pelopensador francs como chave para a anlise dasrelaes de poder em geral e sobressai a noode governamentalidade como conjunto, maneirade conduo da conduta dos homens (Foucault,2008b, p. 258).

    Anteriormente, no curso Os Anormais,Foucault (2001) referiu que a arte de governar(p. 60) que a Idade Clssica elaborou se dprecisamente nos seguintes termos: o governodas crianas, o governo dos loucos, o governodos pobres e, logo depois, o governo dosoperrios (p.60). Cumpre destacar oentendimento de um governo diferencial dascrianas, destacando a parte anormal oschamados menores. Foucault viu em tal sentidode governo a implantao de todo um aparelhogovernamental, um aparelho de Estado, com

    prolongamentos e apoios em diversasinstituies, com efeitos de normalizao; e essepoder de normalizao s pode funcionargraas formao de um saber, que para eletanto um efeito quanto uma condio deexerccio (Foucault, 2001, p. 65).

    Com efeito, em relao ao governo dainfncia, no Brasil o comeo do sculo XXcaracterizou a imagem do problema damenoridade como problema social, o quesignifica dizer que estava cristalizada umamassa diversificada de crianas pobres

    passveis de serem enquadradas emclassificaes que indicassem uma situaoanormal em referncia a um modelo primeiro,normal, de infncia e famlia. O dispositivodisciplinar atuava dentro da instituio de polciae, com uma fora centrpeta, em direo aosmenores. Se por um lado havia as instituiesfilantrpicas destinadas caridade e instituiesque combinavam assistncia pblica e privada,que visavam a combater as causas damortalidade ou do abandono, por outro ladoestavam os destinos policiais para aqueles

    recolhidos e apreendidos nas ruas, cuja nfase,dando sentido ao termo menor, estava no

    aspecto correcional (normalizador, portanto) napreveno (com preocupaes de intervenosobre o futuro) e no abandono leia-se, no pelanecessidade de amparo do jovem, mas pela

    ameaa de desordem que portariam osmenores; sendo assim, importava afast-los doconvvio das ruas, importava conduzir ascondutas daqueles jovens e regular suas vidas,gerindo-lhes a liberdade que, em ltimainstncia, no poderia ser vivida sem regulao.

    Com isso, tanto o problema da proteoquanto o da punio, segundo Vianna (1999),remetiam identificao de sujeitos duplamenteprivados de autonomia: por serem menores emgeral, e por serem menores com caractersticasconsideradas irregulares (p. 33). Sendo assim,

    embora o termo menor tenha suas razes naproduo jurdica, consolidou-se e generalizou-se em boa medida por meio da ao policial(Vianna, 1999, p. 43). Essa ao policial no sedava apenas numa lgica punitiva ouinvestigativa, mas, sobretudo, estava voltada identificao daqueles indivduos tidos comopotencialmente perigosos. Tratava-se,visivelmente, de um assunto policial, do domnioda polcia, que inclua preocupao pedaggicacom a correo/transformao dos menores aser realizada nas instituies para onde eram

    remetidos e internados.Havia uma aura de cientificidade de saberesque alimentava as prticas do cotidiano policial,e entre esses saberes estava a psicologiacriminal (que visava a distinguir o homemcriminoso do homem normal) e o curso dehistria natural dos malfeitores [que] frisava aidentificao das classes perigosas dasociedade (Vianna, 1999, p. 49). Para tanto,esse curso utilizava um arsenal de preconceitos,tidos como informaes objetivas a respeito dascaractersticas das pessoas - supostos

    criminosos que inclua grias e jarges falados,tatuagens no corpo e, sobretudo, aspectosraciais. Vale lembrar que o Brasil vinha de umperodo de mais de trezentos anos de escravidoe que, no bastasse isso, os ex-escravos eramalvo desse tipo de olhar vigilante.

    No cenrio liberal e republicano, o Estado,sob a forma de polcia, assumia a gesto dapopulao pobre dos centros urbanos. Gerindoliberdades, legalidades e ilegalidades, assumia aobrigao de garantir a vida (sob gestogovernamental) e o modo como essas vidas se

    organizavam. Ser identificado como menorproduzia uma captura da condio de gerir o seu

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    destino e, a partir da, a submisso de seusargumentos deciso policial. Os policiais

    julgavam mais as pessoas do que os atospraticados. Faziam um juzo moral dos

    suspeitos. Alm disso, a ao dos juzes eradiminuda em relao da polcia, pois, emconsonncia com a lei complementar de 1899,os delegados de polcia eram responsveis porconduzir os processos de contraveno, o quepoderia se dar pela simples no insero nomercado de trabalho, cabendo ao judicirioapenas proferir a sentena final.

    Em meio governamentalidade que tinha degerir as subjetividades na passagem de umregime escravocrata Repblica dos cidadosconsiderados livres, havia imenso esforo em

    produzir a figura do trabalhador livre. A figura dotrabalhador estava em compasso com osinteresses econmicos vinculados ao capitalismoliberal da poca.

    Assim, a promulgao do Cdigo deMenores em 1927 j veio impregnada da lgicapolicial que o precedeu, judicializando de modoampliado as prticas que j aconteciam nocotidiano policial das delegacias e dasinstituies de internamento dos menores. Aimplementao do Cdigo pode ser vista como omomento em que juridicamente, a menoridade

    deixa de figurar como uma condio a ser levadaem conta nos diversos tipos de cdigos legaispara se tornar um objeto especfico denormatizao (Vianna, 1999, p. 169). Narealidade, isso quer dizer que o Cdigo deMenores adotou uma classificaes dosmenores igual que fazia a prtica policial. Como Cdigo, ento, passaram a se dar intervenesde cunho policial e judicirio, indicando muitomais articulaes entre um mecanismo e outrodo que se suporia inicialmente. Essaconstatao levou Vianna (1999) a tirar, entreoutras concluses, a de que a eficcia do Cdigoestaria no tanto no seu grau de formalizaopropriamente jurdica, mas em suaoperacionalidade, ou em ltima instncia,podemos dizer que estaria na maneira comoopera, funciona, e no que produz.

    Na conjuntura do Cdigo de Menores -amparado pela lgica do Estado de direito -convm relembrar a assertiva de Foucault(2008b) segundo a qual a constituio do Estadode Direito, agindo em referncia lei e no mbitoda lei, seria uma resposta para fazer frente aoEstado de polcia e ao despotismo. Nestesentido, o Estado de direito apresentado

    historicamente como a alternativa positiva quetambm diferenciou aes coercitivas do poderpblico, no espao definido pela forma da lei,daquelas medidas chamadas administrativas,

    que representavam decises particulares dopoder pblico. Assim, ... primeiramente, oEstado de direito definido como um estado emque os atos do poder pblico no poderoadquirir valor se no forem enquadrados em leisque os limitem antecipadamente. (Foucault,2008b, p. 233). O segundo aspecto do Estado dedireito, tambm referido por Foucault, ... sodistinguidas, em seu princpio, em seus efeitos eem sua validade, as disposies legais, de umlado, expresso da soberania, e as medidasadministrativas, de outro (Foucault, 2008b, p.

    233).Percorridos os aportes acerca da polcia e do

    direito, na remontagem das proximidades econexes entre eles, extramos um sentidopreciso para a judicializao e o governo dainfncia. Uma possibilidade especfica parapensar a judicializao se d por meio da anliseda infrao jurdico-legal acoplada disciplina, eaqui fica evidente a definio jurdico-legal nocampo da menoridade ativando e sendo ativadapelo funcionamento disciplinar, que inclua oolhar da vigilncia policial. Desse modo a lei faz

    ativar os circuitos para a normalizao continuara acontecer. Nesse aspecto, a judicializao seapresenta como um processo que est acoplado normalizao dos gestos, das pessoas, dosatos. Neste sentido emerge uma indicao:judicializao e normalizao requerem-semutuamente (Marafon, 2013). A lei aformalizao do negativo imaginado (proibido)que precisar ser trabalhado pelacomplementaridade disciplinar. Uma convoca aoutra: lei e disciplina.

    GOVERNO DA POPULAO ATRAVS DAFAMLIA

    A articulao entre mecanismos deeducao, sade e segurana pde ser usada econtribuiu para fazer funcionar a gesto dapopulao como conjunto de indivduos, o queprecisou acionar regulamentaes sobre afamlia, o casamento, a mulher e, principalmente,sobre a infncia. Foi por meio da defesa dosinteresses das crianas que a tutela permitiu

    uma interveno, naquele momento,basicamente estatal, corretiva e supostamentesalvadora, como apontou Donzelot (2001), sobre

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    o desenvolvimento da passagem de um governodas famlias para um governo atravs da famlia.O pelo bem-estar dos cidados e pelosinteresses das crianas que se justificaram as

    aes morais, especialmente para agirem tendoem conta a interveno nas famlias pobres - asque portavam o fantasma da anormalidade -consideradas inadequadas, desestruturadas,degradadas moralmente. Vale apontar que athoje essa moralizao se mantm em algumamedida e no raramente os discursos e asprticas de diversos especialistas se ocupam emapontar as ditas famlias desestruturadas comoresponsveis por algo que tenha se passado navida de seus membros.

    Com o Cdigo de Menores, as estratgias de

    poder se edificaram em torno dos juizados demenores, dos espaos de correo comorientao correcional repressiva, baseados emreformatrios, casas de correo, patronatosagrcolas e escolas de aprendizagem de ofciosurbanos (tal como j acontecia na dcadaanterior, sob ao policial) e na escolarizaoobrigatria. No decorrer do tempo, a internaoem instituies especializadas foi uma tnicadominante no Brasil, tanto que hoje, ao seproblematizar a questo, fica difcil perceberalgum, por mais excludo que parea, fora de

    uma rede institucional. Assim, o olhar que sematerializa na produo de um saber numfichrio, seja de hospcio, abrigo, delegacia depolcia ou servio de assistncia infncia, darconta de registrar alguma parte da vida, ...sujeita classificao na ordem de um desvioqualquer, mesmo que nenhuma providncia sejatomada para melhorar sua vida, o que o maisprovvel (Lobo, 2008, p. 262). Tal situao comum acontecer tambm em nosso presente,com aes sobre as famlias, as quais tm suasvidas enredadas na maquinaria judicializante.

    Aqui se faz necessria uma diferenciaodas tcnicas de normalizao atravs dasfamlias, que produziram caminhos diferentespara as famlias burguesas e para as famliaspobres. Para descrever como se produziu oanormal, Foucault (2001) estudou e especificouantecedentes desse anormal: de um lado aengrenagem psiquitrico-familiar (p. 351) e, deoutro, a engrenagem psiquitrico-judiciria (p.351). A engrenagem psiquitrico-familiar vai agirna famlia burguesa, a qual sofre quaseexclusivamente a chamada cruzada

    antimasturbatria com ntida influncia crist econfessional, agora transformada em problema

    mdico. No decorrer do sculo XVIII asexualidade das crianas e dos jovens dessasfamlias foi colocada sob vigilncia. Oconfessionrio foi deslocado para o consultrio

    mdico. A caa masturbao possibilitou aorganizao da famlia burguesa na formacelular, conjugal e nuclear e demandou a aodos mdicos sobre o diagnstico dos perigosque rondavam a constituio daquele modelofamiliar.

    Para a famlia popular, ou, como diz Foucault(2001), para a famlia do proletariado urbano quese constitua no comeo do sculo XIX,voltaram-se outros temas. Para a famlia pobre,o perigo era outro e a engrenagem erapsiquitrico-judiciria: primeiro, em torno do

    casamento monogmico, a ser disciplinado pormeio de livros, de campanhas, de polticashabitacionais, etc.; depois, no que tange distribuio espacial da famlia, da diviso dosespaos da casa: nada de corpo a corpo, nadade contatos, nada de misturas (Foucault, 2001,p. 344).

    Embora fossem modelos referentes sexualidade, havia dois modelos distintos, doismodos de sexualizao da famlia,ou dois modosde familiarizao da sexualidade. Enquanto nomodelo da famlia burguesa se demandava

    interveno e racionalidade mdica, no modeloda famlia proletria a convocao era a de umaarbitragem, da deciso de tipo judicirio ouseja, do tribunal. Na famlia pobre

    ... o juiz, ou o policial, ou todos essessubstitutos que hoje, desde o incio dosculo XX, so todas as instncias decontrole social: a assistente social, todo esse pessoal que deve intervir nafamlia para conjurar esse perigo deincesto que vem dos pais ou dos maisvelhos (Foucault, 2001, p. 346).

    OS TRIBUNAIS DA NORMALIZAO

    Um aspecto importante que se desdobra dajudicializao necessariamente implicando anormalizao o tribunal lugar de cenasjudicializantes. O destaque aos tribunais paramenores foi dado por Foucault (2001) na lgicada normalizao por intermdio dos exames,que fornecem informaes psicolgicas, sociaise mdicas sobre as pessoas. um tribunal da

    perversidade e do perigo, no um tribunal docrime aquele a que o menor comparece

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    (Foucault, 2001, p. 50). No s no tribunal paraos chamados menores, mas cumpre referir queessa forma de tribunal da perversidade e doperigo se instala tambm nos espaos de

    administrao penitenciria, o que inclui, aolongo da histria brasileira, a correo einternao dos menores mais um grandeinternamento, uma marca da sociedadecapitalista. Em tais espaos ditos correcionais,os servios mdico-psicolgicos socontinuamente requisitados, e no interior delespode estar a forma-tribunal. Alm disso, nessas instituies, nesses espaos - queparecem humanitrios, teraputicos, preventivose cientificamente respaldados - que se instalam... os centros para jovens em perigo, os

    reformatrios, dirigidos por pessoas com jeito deassistentes sociais, educadores, mdicos, masque, finalmente, so policiais (Foucault, 2001, p.288). As profisses so diferentes, porm noto diversas na tnica que assumem: a dafuno comum que os encadeia juntos. Essafuno a de carcereiro e os que a exercemtornam-se vigilantes dos desvios e dasanormalidades de existncias marginais queno so nem verdadeiramente criminais nemverdadeiramente patolgicas (Foucault, 2002b,p. 288).

    Nesses espaos que tambm abrangem otribunal, seja nos locais pretensamenteasspticos do cumprimento das medidassocioeducativas (com toda a sorte de torturas,maus-tratos e humilhaes que l acontecem athoje), seja nos chamados abrigos (que recebemcrianas e adolescentes majoritariamentepobres), o que se quer saber do cumprimentoda sano ou da medida, da evoluo doindivduo (essa grande falcia no terreno dafabricao da delinquncia), do to falado nvelde periculosidade, cuja aferio segue sendo toalmejada; e no so s essas instituies, mastambm outros espaos e tempos menosfacilmente identificados judicializao - comoas escolas e as prticas de mediao deconflitos, os conselhos tutelares, as famlias, asrelaes afetivas e as amizades - esto tambmcheios de tribunais e de profissionais policiais(Marafon, 2013). Esses espaos e condutas sosubjetivados pela maquinaria judicializante quese instala levando sua forma-frma: o tribunal.Assim, essa imagem do tribunal em diversos

    espaos, no apenas na instituio judiciriapropriamente dita, caracterstica da

    judicializao da vida, operando no plano daarbitragem das condutas.

    VIDAS SEM COMPARAMENTO

    Embora os discursos e as prticasjudicializantes e de governo da infncia fossemdominantes no perodo em tela, havia tambmoutros modos de pensar e propor prticas para ainfncia. Essas outras possibilidades foramexcludas de legitimidade nagovernamentalidade da poca. Ficaram margem, nas bordas, produzindo vozesdissonantes. Em conferncia realizada em Parisno dia 4 de janeiro de 1921, Faure (1921/2009),

    numa conferncia intitulada A criana,apresentou o que pensava Sou um adversrioferrenho do que chamado classificao; dosistema que consiste em fazer com que ascrianas entrem em competio, parareconhecer uma como primeira da classe, outracomo segunda, uma outra ainda como ltima.(Faure, 1921/2009, p. 29). Afirmou ainda:

    A coero tem inconvenientes gravesporque ela s funciona com seu cortejode punies e recompensas. Ela tem oinconveniente de regulamentar todos osatos da criana, de catalog-los comopermitidos ou proibidos, de categoriz-los como atos recompensados e atospunidos (Faure, 1921/2009, p. 36).

    Faure anarquista, pedagogo, poeta,compositor e jornalista acusado, julgado econsiderado inocente fora acusado da autoriade um atentado a bomba contra a cmara dosdeputados no processo conhecido comoProcesso dos trinta, juntamente com vriosoutros anarquistas. Foi um julgamento histrico

    em que o anarquismo estava na condio deru. Mais uma vez, o tribunal. O modointempestivo de Faure lana inquietantesquestes atuais, inclusive para o presente vivido.Enquanto o sistema de classificaes torna-secada vez mais sofisticado e naturalizado nasmentes de pais, professores, alunos, jovens,diretores de empresas e dos chamados recursoshumanos, a discordncia libertria alimenta aresistncia ao intolervel cotidiano classificatrio,meritocrtico e de efeitos nefastos para todos.Para os defensores da livre-concorrncia do

    mercado e das pessoas, as ideias libertrias souma afronta a seus princpios - princpios esses

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    que regem a lgica do capital e regem tambmas motivaes empreendedoristas da expertise

    psi, que circula socialmente, dando lies aospais e educadores no sentido de bem

    recompensar e bem punir as consideradasanimalidades infantis.

    Como afirmou Guattari (Guattari & Rolnik,1986) ... desde a infncia que se instaura amquina de produo de subjetividadecapitalstica, desde a entrada da criana nomundo das lnguas dominantes (p. 40). J seentrev a a produo de subjetividades, com aformao de campos de problemas sociais epoliciais agregando a vigilncia doscomportamentos mais sutis e corriqueiros,alcanando at o mais fino dos comportamentos

    individuais. Por outro lado, na poesia Memriasinventadas, diz Manoel de Barros (2008):

    Cresci brincando no cho, entreformigas. De uma infncia livre e semcomparamentos. Eu tinha maiscomunho com as coisas do quecomparao. Porque se a gente fala apartir de ser criana, a gente fazcomunho: de um orvalho e sua aranha,de uma tarde e suas garas, de umpssaro e sua rvore. Ento eu tragodas minhas razes crianceiras a viso

    comungante e oblqua das coisas (p. 187- itlicos do autor).

    Para exercitar a experincia de visesoblquas, a pelcula Os incompreendidos(Truffaut, 1959) mostra as institucionalizaes dainfncia no sculo XX. O personagem Antoine,frequentemente apontado pela crtica como umrecurso autobiogrfico de Truffaut, se tomadonuma perspectiva tico-esttica da diferena, emvez de afirmar biografias psicologizadas, poderiaconvidar a pensar - como afirmou Deleuze(1989) -, no na infncia do eu, mas sim nainfncia do mundo. As lentes aguadas mostrama escola francesa dos anos 1950, a hierarquia, oprofessor sempre atento a qualquer desvio parareprimir e punir as crianas. Apresenta-se ainsuportvel e tediosa experincia infantil edisciplinar naquele regime: da escola passa-sepela famlia at chegar ao reformatrio.

    Tambm no Brasil, s polticas praticadasnos estabelecimentos de internao oureformatrios como o que prendeu Antoine,importava o ajustamento social, a regulaomoral dos considerados desassistidos. Aeducao mostrava sua face menosbenevolente, de treino moral. Mostrava-se a

    maquinaria judicializante em um continuummdico-judicirio que se estabelece com asmedidas corretivas, medidas de readaptao ede reinsero. Tal maquinaria desdobra-se ainda

    numa espcie de continuum da proteo. oportuno trazer tona a qualidade de aes queo argumento da proteo encadeia. Trata-se deum continuum protetivo do corpo social: dainstncia mdica de cura (polo teraputico) instituio penal propriamente dita (a priso ou,ainda, o cadafalso polo judicirio). Como umareal cadeia disciplinar ininterrupta de instituiesmdico-judicirias, esse continuumresponde aoperigo e assenta-se no medo e na moralizao,tal como acontecia tambm com as intervenespoliciais que contriburam para engendrar o

    menor no comeo do sculo XX no Brasil.

    CONSIDERAES FINAIS

    O duplo circuito psiquitrico-familiar epsiquitrico-judicirio configurou caminhosdistintos, e mesmo, desiguais, a seremengendrados e percorridos por diferentes gruposno sistema de defesa e proteo social no Brasil,posteriormente tambm chamado de sistema degarantia de direitos (a partir do Estatuto da

    Criana e do Adolescente, 1990). Como umacadeia produtiva, esse duplo circuito foi e seguegestando seus produtos-problemas. Aconstituio da figura do policial, com seucorrelato desempenho, migrou para o territriojudicirio e, incorporada, fez da figura do juizuma imagem valorizada e enaltecida. Muitosquerem ser um pouco juzes e um poucopoliciais das prises (prises-estabelecimentos,prises-escolas, prises-famlias, prises-mentais, prises-infncia, prises subjetivas,etc.).

    Com as anlises aqui desenvolvidas,apoiadas no referencial representado porFoucault, possvel afirmar que a normalizaonecessita da forma-tribunal para ser formada.Em vez de a judicializao ser uma meraconsequncia, a anlise dessas formaeshistricas no campo do direito e da assistncia infncia no Brasil, desde o final do sculo XIX,mostra o substrato judicirio como condio eefeito da normalizao.

    A maquinaria judicializante, com seusprojetores, faz passarem incidncias nas quaisos chamados trabalhadores do social ou, melhor,trabalhadores das instncias de controle social,

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    revestem-se do manto legalista-punitivo-correcional que recobre o juiz. O juiz se espalhae espelha, ento so vrios juzes; juzesparalelos; imagens espelhadas e duplicadas,

    espelho do espelho. O juiz exerce a nobrefuno de curar e tratar, j os trabalhadores docontrole social querem vigiar, coibir, punir,classificar, identificar perigos, encaminhar paraestabelecimentos. A maquinaria judiciriatambm emite partculas que interferem narealidade. Os microtribunais passam pelasfendas judicirias e se sobrepem aos demaisestabelecimentos e funcionamentos sociais.Imagens da judicializao da vida.

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    Recebido em 30/11/2013Aceito em 22/09/2014

    Giovanna Marafon: mestre em Educao pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, doutora emPsicologia pela Universidade Federal Fluminense, ps-doutoranda no Departamento de Educao da PontifciaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro.