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A maior flor do mundo, de José Saramago: uma proposta de leitura para o ensino fundamental Mariane Ferreira da SILVA (Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD) Célia R. Delácio FERNANDES (Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD) [email protected] [email protected] Resumo: Saramago em sua única obra destinada as crianças, A maior flor do mundo (2001) se incube como um narrador infantil que demonstra sua fragilidade em escrever para crianças: “Quem me dera saber escrever essas histórias” (SARAMAGO, 200, p. 7). Contudo, mesmo com este caráter inacabado, o autor tece uma narrativa sobre a perseverança e a dedicação de um menino a salvar uma flor que está agonizando: uma metáfora para salvar o que era dado como perdido. Diante disso, o texto literário com sua riqueza polissêmica, pode servir de um importante instrumento em sala de aula para levar ao aluno, além de entretenimento, conhecimento sobre o mundo que o circunda, como afirma Cosson:“È mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da minha própria identidade” (2006, p17). Neste prisma, o presente trabalho pretende apresentar uma proposta de leitura para o ensino fundamental calcada nos aportes teóricos da literatura e ensino, em especial Letramento Literário: teorias e práticas (2006) de Rildo Cosson,com a premissa de incentivar a leitura de uma forma significativa, para assim contribuir na formação dos alunos. Palavras Chave: Literatura infantil; letramento literário; José Saramago. Resumen: Saramago en su única obra destinada a los niños, A maior flor do mundo (2001) se incube como un narrador infantil que demuestra su fragilidad en escribir para niños: “Quem me dera saber escrever essas histórias(SARAMAGO, 200, p, 7) . Sin embargo, incluso con este carácter inacabado, el autor teje una narrativa sobre la perseverancia y la dedicación de un niño a salvar una flor que está agonizando: una metáfora para salvar lo que era dado como perdido. En este sentido, el texto literario con su riqueza polisémica, puede servir de un importante instrumento en el aula para llevar al alumno, además de entretenimiento, conocimiento sobre el mundo que lo circunda, como afirma Cosson: “È mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da minha própria identidade” "(COSSON, 2006, p.17). En este prisma, el presente trabajo pretende presentar una propuesta de lectura para la enseñanza fundamental calcada en los aportes teóricos de la literatura y enseñanza, en particular Letramento Literário: teoria e prática (2006) de Rildo Cosson, con la premisa de incentivar la lectura de una forma significativa, para así contribuir en la formación de los alumnos. Palabras- Clave: l Literatura infantil; letramento literário; José Saramago. 1. Introdução

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A maior flor do mundo, de José Saramago: uma proposta de leitura para o ensino

fundamental

Mariane Ferreira da SILVA

(Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD)

Célia R. Delácio FERNANDES

(Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD)

[email protected]

[email protected]

Resumo: Saramago em sua única obra destinada as crianças, A maior flor do mundo (2001)

se incube como um narrador infantil que demonstra sua fragilidade em escrever para crianças:

“Quem me dera saber escrever essas histórias” (SARAMAGO, 200, p. 7). Contudo, mesmo

com este caráter inacabado, o autor tece uma narrativa sobre a perseverança e a dedicação de

um menino a salvar uma flor que está agonizando: uma metáfora para salvar o que era dado

como perdido. Diante disso, o texto literário com sua riqueza polissêmica, pode servir de um

importante instrumento em sala de aula para levar ao aluno, além de entretenimento,

conhecimento sobre o mundo que o circunda, como afirma Cosson:“È mais que um

conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da

minha própria identidade” (2006, p17). Neste prisma, o presente trabalho pretende apresentar

uma proposta de leitura para o ensino fundamental calcada nos aportes teóricos da literatura e

ensino, em especial Letramento Literário: teorias e práticas (2006) de Rildo Cosson,com a

premissa de incentivar a leitura de uma forma significativa, para assim contribuir na formação

dos alunos.

Palavras Chave: Literatura infantil; letramento literário; José Saramago.

Resumen: Saramago en su única obra destinada a los niños, A maior flor do mundo (2001) se

incube como un narrador infantil que demuestra su fragilidad en escribir para niños: “Quem

me dera saber escrever essas histórias”(SARAMAGO, 200, p, 7) . Sin embargo, incluso con

este carácter inacabado, el autor teje una narrativa sobre la perseverancia y la dedicación de un

niño a salvar una flor que está agonizando: una metáfora para salvar lo que era dado como

perdido. En este sentido, el texto literario con su riqueza polisémica, puede servir de un

importante instrumento en el aula para llevar al alumno, además de entretenimiento,

conocimiento sobre el mundo que lo circunda, como afirma Cosson: “È mais que um

conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da

minha própria identidade” "(COSSON, 2006, p.17). En este prisma, el presente trabajo

pretende presentar una propuesta de lectura para la enseñanza fundamental calcada en los

aportes teóricos de la literatura y enseñanza, en particular Letramento Literário: teoria e prática

(2006) de Rildo Cosson, con la premisa de incentivar la lectura de una forma significativa, para

así contribuir en la formación de los alumnos.

Palabras- Clave: l Literatura infantil; letramento literário; José Saramago.

1. Introdução

Existem inúmeros debates sobre a confluência entre a literatura e o contexto escolar.

Sabe-se que a literatura na escola é vista geralmente como uma disciplina secundária, que não

fornece conhecimento propriamente dito ao aluno, sendo utilizada muitas vezes apenas como

um mecanismo didático, totalmente esvaziada de sua essência. Nesta perspectiva, em um

primeiro momento, pretende-se tecer uma reflexão sobre a relevância da literatura, da ficção,

da fabulação na constituição do ser humano, bem como o lugar que ela ocupa na escola, em

especial no ensino fundamental I. Além do mais, pretende-se debater sobre a função do

professor, como um mediador – peça-chave no processo de letramento literário.

Por conseguinte, será exposto um modelo de sequência didática do livro A maior flor

do mundo (2001) de José Saramago, tendo como suporte teórico a obra Letramento literário:

teoria e prática (2006) de Rildo Cosson. Desta maneira, espera-se contribuir no ensino de

literatura, por meio do enlace entre teoria e prática, isto é, demonstrar como a teoria exerce um

papel fundamental na prática e na formação do professor. O modelo didático do livro em

questão visa fornecer uma das inúmeras possibilidades de trabalhar a literatura no âmbito

escolar, de forma crítica reflexiva que, sobretudo, culmine na formação do aluno, considerando

sempre os diversos contextos.

2. A importância da Leitura Literária

O termo literatura sempre esteve associado à fruição, prazer, conhecimento,

aprendizagem, entre outros. Mas, afinal, a literatura tem importância? Ela ainda tem espaço no

século XXI, em que os meios de comunicação e entretenimento são, sobretudo, audiovisuais?

Para Ribeiro (2008), o papel da literatura está passando por transformações sociais e temporais

que estão em consonância com o tipo de leitor, e advém especialmente com a Estética da

Recepção1, tendo em vista a mudança de foco do texto, isto é, passou-se a perceber o leitor

como sujeito, aquele que atribui significado ao texto, e não um mero decifrador dos códigos do

autor. Assim, a leitura passa a ser “sempre apropriação, invenção, produção de significados”

(RIBEIRO, 2008, p. 60). Neste raciocínio, a leitura literária é marcada pela pluralidade de

sentidos que são produzidos de forma singular pelos leitores.

O autor fomenta ainda que, atualmente, com a grande disseminação da internet, a

literatura vem passando por uma crise no que diz respeito a sua função. No entanto, não se

1 Vertente do século XIX, que rompeu com a visão tradicional do leitor e do autor.

difere muito da crise da antiguidade clássica, com a ascensão da idade média, da tradição com

o avanço modernista etc. Desta maneira, os conflitos e debates sempre permearam o campo

literário. Contudo, nenhuma tendência abole a outra, e tampouco apresenta uma superação do

passado, pelo contrário, elas se somam em um novo cenário. O mesmo ocorre com o texto

literário e os incontáveis segmentos virtuais: redes sociais, cinema, televisão, dentre outros,

como confirma Ribeiro (2008, p.61):

Hoje, a biblioteca virtual, eletrônica, digital, está à disposição de cada leitor,

sem sair de casa, mas ela não substituirá a biblioteca tradicional nem o livro

individual. (...) A informatização não substitui a imprensa, ou o texto escrito,

para o registro e a disseminação do livro, assim como a televisão não eliminou

o cinema e nem este o teatro.

Logo, a literatura não perde seu lugar na sociedade contemporânea, pelo contrário, é

reconfigurada à luz de novos mecanismos, suportes, bem como a inserção de outras formas de

fruição e de conhecimento. Ribeiro reitera que a função primordial da literatura é seu caráter

humanizador, ou seja, é por meio da literatura que o homem conhece o mundo que o circunda,

conhece o outro e a si mesmo e, além disso, serve “para o entendimento crítico da realidade”

(RIBEIRO, 2008, p. 63).

A humanização por meio da literatura é muito difundida por Antonio Candido, em O

direito à literatura (2011). Neste célebre ensaio, o autor reflete sobre a importância da literatura

em toda e qualquer sociedade, seja por meio de poemas, músicas, novelas, romances,

manifestações artísticas. Como afirma Candido, a literatura,assim como moradia, alimentação,

emprego e outras necessidades básicas, é essencial ao homem, pois desde tempos mais remotos

existe a indispensabilidade da fabulação, de transcender por meio de outros universos, de outras

culturas e saberes: “vista desse modo a literatura aparece claramente como manifestação

universal de todos os homens em todos os tempos” (CANDIDO, 2011, p. 174).

Por este ângulo, a literatura transmite valores e conhecimentos de uma dada

cultura e, por apresentar esta característica, é utilizada como mecanismo de aprendizagem e de

educação. Entretanto, é válido ressaltar que a literatura não deve ser vista apenas como uma

instrução para o ensino, ela perpassa o limite de ferramenta, por mais que a literatura esteja

inserida no âmbito da imaginação, ela, como um espelho, reflete sobre a realidade. A literatura,

com suas especificidades, sua construção enquanto objeto literário e sua maneira de

organização por meio das palavras, está muito acima de um simples meio de aprendizagem.

Além do mais, como reflete Candido, a literatura não pode ser vista de maneira binária, entre

bem e mal:

Há o conflito entre a ideia convencional de uma literatura que eleva e edifica

[...] e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação de vida, como uma

variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não

corrompe, nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que

chamamos o bem e o que chamamos de mal, humaniza em sentido profundo,

porque faz viver (CANDIDO, 2011, p. 176).

Por isso, a literatura com sua gama de significações pode e deve ser trabalhada na

escola. Contudo, a leitura literária não deve ocorrer de forma moralista, partidária, isto é,

apenas com o intuito de ensinar valores. Ela pode, sim, gerar conhecimento, mas é necessário

que seja utilizada de forma crítica, que leve à reflexão, tanto individual quanto coletiva.

É nesta perspectiva que as políticas públicas para o incentivo à leitura e a literatura

ganham destaque, fomentando o letramento literário, bem como a formação do leitor. Segundo

Fernandes (2007), houve, nos últimos trinta anos, uma preocupação do governo em melhorar

o índice de leitura no Brasil e, consequentemente, das taxas de analfabetismo, por meio de

projetos, de campanhas e de distribuição de livros nas escolas. Um exemplo é o Programa

Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que foi criado em1997 e preconiza o incentivo à leitura

e a cultura para os alunos e também oferece subsídios para a formação dos profissionais da

educação. O programa é dividido em três segmentos, o primeiro se destina a distribuição de

livros literários dos mais variados gêneros, como novela, romance, contos etc. O segundo

segmento destina-se aos periódicos didáticos, e por último o fornecimento de livros para a

formação e enriquecimento do professor. 2 Entretanto, o programa foi cancelado em 2015, sem

previsão de retorno, o que inquestionavelmente, fragiliza o letramento literário.

Para Fernandes (2007) os programas governamentais são fundamentais no contexto

escolar porque possibilitam o acesso às obras literárias de qualidade, mas não garantem a

efetivação do letramento literário: “Não basta apenas o Estado criar e distribuir acervo às

bibliotecas escolares por meio de programas de incentivo à leitura se os livros não forem

utilizados efetivamente [...] (FERNANDES, 2007, p. 30). Isto posto, o papel do professor se

torna fundamental, haja vista que ele é o mediador do conhecimento, quem dará norte no

processo de letramento literário.

2Informações retiradas do site do Ministério da Educação- MEC.

3. O Ensino de Literatura e o papel do Professor

Como se vê, a literatura tem seu espaço e papel no ensino. Deste modo, se faz necessário

pensar como a literatura está sendo abordada no contexto escolar, em especial, no ensino

fundamental. Sabe-se que não existe uma disciplina específica de literatura no ensino

fundamental; assim, é o professor de Língua Portuguesa (LP) que organiza e direciona os textos

literários em consonância com os conteúdos de LP. Grande parte do acesso à literatura ocorre

por meio do livro didático de Língua Portuguesa (LDP). Neste sentido, é imprescindível

analisar e refletir como ocorre a transposição, a seleção e o direcionamento dos textos literários

para o LDP. No viés de Rangel (2003) o letramento literário está intimamente ligado com o

LDP, e então, torna-se fundamental perceber os mecanismos e a função desta ferramenta no

ensino da literatura.

Para o autor, a leitura literária possui duas faces no contexto escolar; a primeira se

refere à cognição, às habilidades que são desenvolvidas por meio da leitura; já a segunda se

relaciona com fatores histórico-sociais, isto é, a leitura literária como um resgate histórico de

aspectos como obra, autores e estilos. Ambas as perspectivas reforçam o conceito de leitura

literária como um pretexto, ignorando a subjetividade do texto literário. Contudo, por meio do

letramento é possível resgatar o principal objetivo da leitura e escrita, o seu caráter formador:

“Quando se pensa a leitura na perspectiva do letramento, as idiossincrasias do sujeito, a

particularidades das situações e a materialidade dos textos podem, por direito, ocupar o centro

das atenções” (RANGEL, 2003, p. 130).

À vista disso, não há como distanciar-se das reflexões sobre o LDP, uma vez que é por

meio dele que se delineia o processo de letramento literário. Rangel afirma ainda, que, por ser

muitas vezes a única fonte de acesso à literatura, o LDP está circunscrito na formação do

brasileiro, isto é, os textos, as músicas, anedotas, poemas fazem parte da construção do leitor-

por isso há necessidade de reavaliar a utilização do LDP.

Para o autor, a literatura presente no LDP não propicia fruição, sentido,nem mesmo

conhecimento para o aluno, pois ela é fragmentada e muitas vezes desprovida de seu

significado para ser usada de modo didático, representando um “veto à fruição literária, e a

formação do gosto literário, quando não tem representado, pura e simplesmente um desserviço

à formação do leitor” (RANGEL, 2003, p. 138).Neste aspecto, o LDP necessita fornecer

subsídios que incentivem o gosto pela leitura literária de forma significativa, e, sobretudo, que

levem à formação do leitor.

Segundo Rangel (2003), espera-se que o LDP contemple a tradição por meio do cânone,

assim o aluno poderá ter repertório para relacionar os textos e compreender, por meio do

imaginário e da ficção, outras sociedades e culturas. Inquestionavelmente, é válido e necessário

olhar para tradição que nos precede.

Conquanto, a literatura não deve ser abordada exclusivamente por esse viés, afinal, existe

um sem-número de manifestações literário-artísticas que ficam à margem do cânone, e não

podem ser postas de lado. Deste modo, a literatura para crianças e adolescentes necessita

abarcar todos os povos, culturas e civilizações que precisam permear tanto o acervo da

biblioteca quanto o LDP. Como confirma Lajolo (2005), “uma espécie de cartografia do Brasil

e do mundo: tem história de gente, de bicho e de planta. De gente de toda parte do mundo e de

todos os cantos do Brasil” (LAJOLO, 2005, p. 15).

Não obstante, não é desta forma que a literatura está sendo trabalhada nas salas de aulas,

especialmente no ensino fundamental – lugar em que existe uma maior preocupação com a

alfabetização nas séries iniciais, e a formação do leitor nas séries finais. Para Soares (2006), a

literatura nas escolas é utilizada como pretexto para trabalhar questões linguísticas e

ortográficas, ou seja, para fins didáticos. Neste aspecto, todas as especificidades do texto

literário são negadas. A autora denomina esta prática como escolarização da literatura, isto é,

quando as utilidades pedagógicas ganham mais destaque do que o texto literário.

A leitura e a literatura, sobretudo do LDP, são vistas como uma obrigação para o aluno,

sempre associadas a atividades de verificação de leitura, ou propostas de entendimento do

texto. É preciso evidenciar que propor atividades que demandem a compreensão do aluno não

é um mecanismo totalmente equivocado, já que, como Soares (2006) afirma, a literatura está

circunscrita no ambiente escolar, e por este motivo é indissociável do ensino.

Entretanto, a literatura vale por ela mesma. Melhor dizendo, é necessário que o aluno

também tenha direito à literatura sem fim didático, apenas por deleite, o que não vem

ocorrendo, principalmente no LDP como elucida a autora: “Assim, ao ser transferido do livro

de literatura infantil para o livro escolar, o texto literário deixa de ser um texto para emocionar,

para divertir, para dar prazer, torna-se um texto para ser estudado” (SOARES, 2006, p. 43).

Nesta ótica, a leitura e a literatura apenas como uma obrigação e muitas vezes como castigo

podem ser consideradas como algumas das principais causas da aversão dos alunos no que se

refere à prática de leitura.

Novamente, adentramos ao papel do professor, visto que é ele quem irá conduzir

as atividades do LDP de forma coerente e significativa, e contribuir, em conjunto com a escola,

na seleção dos materiais de forma crítica e diversificada. Além do mais, o professor deve

compreender que a literatura ultrapassa o LDP e, deste modo, faz-se necessário selecionar

outros textos literários com o auxílio da biblioteca escolar que, quando utilizada de forma

organizada e com objetivos bem delimitados, desempenha importante papel, pois abre portas

para o mundo, enriquece e concretiza o letramento literário. Nesta perspectiva, o presente

trabalho pretende contribuir com o ensino de literatura no ensino fundamental I, por meio de

uma proposta de sequência didática que evoque as especificidades dos textos literários e outras

esferas do conhecimento.

4. Proposta metodológica para o livro A maior flor do mundo (2001), de José

Saramago

A maior flor do mundo (2001), de José Saramago, já foi utilizada como uma

proposta metodológica, no programa PIBID-FAZ que desenvolve atividades, projetos e

formações nas escolas públicas de Belo- Horizonte- MG, tendo como apoio da UFMG. As

atividades que foram desenvolvidas foram articuladas no livro PIBID-FAZ- Pedagogia: Direito

de todos os tamanhos (2013) em forma de relatos, tantos dos bolsistas, quanto dos

coordenadores. O programa dá enfoque nas séries iniciais e no projeto de Educação de Jovens

e Adultos- EJA. O modelo didático foi aplicado no 2 ° ano do ensino fundamental e gerou

muitas fruições e conhecimento para os alunos, por meio de atividades como ilustrações, a

confecção de um livro baseado na obra de Saramago, e a partilha das experiências de leitura

com os alunos do EJA.

É nesta perspectiva, de fomentar o letramento literário que se pretende expor um

modelo didático, que contemple a formação do aluno. Para que seja feita uma proposta de

leitura com um texto literário na escola, é necessária a adoção de alguns métodos de trabalho

com o objetivo de sistematizar melhor a aprendizagem dos leitores. Neste estudo, adotaremos

como forma de sistematização uma das sequências didáticas propostas por Cosson (2006), a

fim de ampliar as possibilidades didáticas do professor em sua sala de aula e expandir os

horizontes de aprendizagem do aluno.

O autor afirma que as sequências integram três perspectivas metodológicas. A primeira

dessas perspectivas é a técnica bem conhecida da oficina, que basicamente consiste em levar o

aluno a construir sua aprendizagem pela prática do seu conhecimento. A segunda perspectiva

é a técnica do andaime, que permite que o professor seja metaforicamente o andaime que

sustenta as atividades produzidas de maneira autônoma pelos estudantes. E a terceira é o

portfólio que consiste no registro de tudo o que foi realizado (COSSON, 2006, p. 48). Em

seguida, Cosson (2006) apresenta dois modelos de trabalho: a sequência básica e a sequência

expandida. Nesta proposta, utilizaremos os pressupostos da sequência básica que é composta

por quatro passos: motivação, introdução, leitura e interpretação. Cada uma das etapas será

apresentada a seguir acompanhada da proposta de trabalho com A maior flor do mundo

(SARAMAGO, 2001) em turmas do ensino fundamental I.

A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001) conta a história de um menino que

saiu de seu quintal e ultrapassou os limites dos lugares que conhecia, usando sua imaginação

para chegar até o planeta Marte. No local, encontrou uma flor debilitada, quase morrendo por

falta de água. O menino então viajou o mundo em busca de grandes rios com água abundante

para que pudesse salvar a flor, e para isso fez várias viagens carregando o líquido com as mãos.

Quando a flor já estava se recuperando, o menino muito cansado e machucado dormiu sob a

sombra das folhas que davam sinais de recuperação. A família ficou muito preocupada com a

demora do menino e resolveu fazer buscas pela região e se surpreendeu ao avistar uma planta

enorme atrás de uma colina, uma planta que nunca tinha sido vista antes. Quando chegaram lá,

a família encontrou o menino dormindo à sombra de uma das enormes folhas daquela

maravilhosa flor, que em suas pétalas possuía todas as cores do arco-íris. O menino foi levado

de volta pra casa e tratado como o herói mais corajoso de todos, pois foi o único a fazer o que

ninguém jamais tinha feito: um milagre.

A primeira etapa da sequência básica de Cosson (2006) é a motivação. Ela serve

para que os estudantes se sintam curiosos para a leitura da obra, é uma maneira de despertar o

olhar para o que será lido logo mais, como confirma o autor:

Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do

letramento literário, indicamos que seu núcleo consiste exatamente em

preparar o aluno para entrar no texto. O sucesso inicial do encontro do leitor

com a obra depende de boa motivação (COSSON, 2006, p. 54.)

Como atividade de motivação para A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001),

o professor pode pedir aos alunos que imaginem qual o lugar que eles mais têm vontade de

conhecer e que desenhem com todas as cores e detalhes as plantas, animais e objetos exclusivos

desses locais. Depois de prontos, os desenhos podem fazer parte de um varal de exposição, que

pode ficar tanto nas paredes da sala de aula quanto em algum mural no pátio da escola, para

que sejam apreciados não apenas pelos colegas de sala, mas por toda a comunidade escolar.

Outra interessante atividade de motivação é pedir que os alunos escrevam o que

gostariam de fazer que ninguém nunca fez, no que gostariam de ser pioneiros. Dependendo da

faixa etária dos alunos, o professor pode pedir também que sejam feitos desenhos que ilustrem

essa mesma vontade de cada um. Após essa atividade, o professor pode trazer para a turma

histórias de pessoas que foram vanguardistas em suas áreas, que foram consideradas insanas

por fazerem coisas diferentes do que já havia sido feito. O mediador pode encontrar facilmente

em suas fontes de pesquisa histórias como as de Karl Benz, Alexander Graham Bell e também

do brasileiro Alberto Santos Dumont, responsáveis pela invenção do automóvel, do telefone e

do avião, respectivamente.

Sugerimos aqui três atividades de motivação diferentes que podem ser escolhidas,

unidas ou ajustadas pelo mediador conforme as necessidades e realidades das turmas que serão

trabalhadas. Uma sequência didática não pode, nem pode ser seguida como uma receita pronta,

imutável e sim como sugestões de sistematização de atividades. Segundo Cosson (2006), as

atividades de motivação não necessitam de um tempo muito maior que o de uma aula, pois

existe o risco de que o objetivo principal da leitura literária acabe se perdendo em meio ao

tempo excessivo de questionamentos iniciais.

Após a etapa de motivação, o mediador começará a fase de introdução, que consiste

na apresentação efetiva do autor e da obra a ser trabalhada. Como se trata de uma obra

produzida para o público infantil e o professor irá introduzi-la no ensino fundamental I, é

imprescindível que o mediador não fale apenas do autor, mas faça também a apresentação do

ilustrador do livro, daquele que transcendeu o texto grafado da obra por meio dos desenhos que

complementam o escrito e diz aquilo que não foi dito. Na fase de introdução, o objetivo não é

fazer com que os estudantes conheçam todos os detalhes públicos da vida do autor, mas apenas

os pormenores que sejam relacionados à temática ou à produção da obra específica que será

trabalhada.

No caso de A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001), o professor pode

informar aos alunos que o autor, José Saramago, era filho e neto de camponeses, nasceu em

uma aldeia chamada Azinhaga, na província do Ribaltejo, em Portugal, como indica a biografia

do site oficial da Fundação José Saramago (FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO, 2017). O

escritor é famoso mundialmente por suas obras para adultos, mas, felizmente, também se

aventurou na literatura voltada para os pequenos.

Sobre o ilustrador, João Caetano é natural de Moçambique e mora na Europa há

muitos anos. Seus desenhos foram premiados várias vezes, ele já criou as ilustrações de mais

de vinte livros em Portugal e na Espanha, conforme relata a biografia oficial encontrada no site

da Caminho Editora (AZEVEDO; MARTINS. 2013).

Seguida da apresentação do autor e do ilustrador, é muito importante que na fase

da introdução os estudantes tenham acesso ao livro físico para que possam tocá-lo, vê-lo e

senti-lo. Se não existir disponibilidade de um livro físico para cada aluno, estes precisam ter

contato ao menos com o exemplar do professor. Folhear o livro, perceber os detalhes das

ilustrações e fazer as hipóteses sobre a leitura que virá é uma fase importante da introdução. A

leitura da capa, contracapa e “orelha” do livro certamente ampliarão o horizonte de

expectativas dos estudantes em relação à leitura, mesmo que eles ainda não sejam alfabetizados

plenamente.

Após a fase da introdução, o mediador pode, finalmente, conduzir os estudantes

para etapa da leitura propriamente dita. Se o professor está numa turma em fase de

alfabetização, ele certamente fará a leitura do texto e mostrará as ilustrações que o acompanham

os fatos narrados. Se a turma já for alfabetizada, o professor pode distribuir os livros ou mesmo

escanear e expor no Datashow, para que realizem a leitura individual ou compartilhada do

texto. O professor também pode deixar um dicionário à disposição dos alunos caso tenham

dúvida de alguma palavra no texto:

A leitura escolar precisa de um acompanhamento porque tem uma direção,

um objetivo a cumprir, e esse objetivo não deve ser perdido de vista. Não se

pode confundir, contudo, acompanhamento com policiamento. O professor

não deve vigiar o aluno para saber se ele está lendo o livro, mas sim

acompanhar o processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades,

inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura (COSSON, 2006, p. 62).

É válido ressaltar a importância do acompanhamento do professor nesse processo de

leitura, seja ela individual ou coletiva. Ao perceber que o professor está ali para ajudar em

qualquer dificuldade, o aluno se sentirá incentivado a ler do seu jeito, no seu ritmo, e terá mais

confiança para seguir à próxima etapa da sequência, que é o processo de interpretação.

O processo de interpretação, segundo Cosson (2006), possui duas etapas básicas: a

interior e a exterior. O interior se define no encontro do leitor com a obra, na leitura do texto e

das ilustrações de cada folha, provocado pela experiência da leitura e altamente influenciado

pelas etapas anteriores da sequência básica.

Em outras palavras, a motivação, a introdução e a leitura [...] são os elementos

de interferência da escola no letramento literário. [...] A interpretação é feita

com o que somos no momento da leitura. Por isso, por mais pessoal e íntimo

que esse momento interno possa parecer a cada leitor, ele continua sendo um

ato social (COSSON, 2006, p. 65).

A partir do processo do entendimento da interpretação interna como um ato de

fruição repleto de influências vem seguido deste processo a interpretação externa. A

interpretação externa acontece no compartilhamento das interpretações internas de cada

estudante. Cada aluno se vê como parte de uma coletividade e aprenderá que existem opiniões

diferentes sobre o mesmo assunto, isto é, não existe apenas uma interpretação correta. O

professor precisa ajudar na condução das opiniões de maneira que todas elas sejam respeitadas

e valorizadas do mesmo modo.

No caso específico de A maior flor do mundo (2011), alguns estudantes podem não

concordar com a atitude do menino de salvar a flor acima de todas as consequências e até

mesmo se machucar para que isso acontecesse; enquanto outros alunos podem tratar o menino

como herói, assim como sua família e sua comunidade, por ele ter tido a coragem de reanimar

a vida da planta debilitada.

Seja qual for a posição de interpretação seguida pelo aluno, é imprescindível que o

mediador incentive o registro de todas as opiniões, sejam na forma de uma carta pessoal escrita

pelo aluno e endereçada ao menino protagonista da história ou até mesmo um conjunto de

ilustrações dos ambientes nos quais o menino passou para levar a água até a flor, por exemplo.

Concluída a descrição da sequência básica proposta para o trabalho com A maior flor do

mundo (SARAMAGO, 2001), cabe ao professor enquanto mediador, e melhor conhecedor de

sua turma, alunos e realidade, eleger os caminhos mais interessantes para a fruição, deleite e a

concretização da leitura literária desta obra no ensino fundamental I. Pois, como dito, não existe

uma formula mágica, pronta e acabada para trabalhar literatura na sala de aula, cada contexto

é único, é o mediador quem irá nortear o melhor caminho.

Considerações finais

Como se vê, a literatura na escola exerce um papel primordial na formação do aluno e

na formação do leitor. A diversidade cultural e social que o texto literário proporciona e

contribui para ampliar os horizontes do aluno, isto é, a conhecer melhor o mundo que o cerca

e a si próprio.

Conquanto, percebe-se que a literatura está sendo utilizada, na maioria das vezes como

uma simples ferramenta didática, enclausurada no livro didático, quando deveria, sobretudo,

proporcionar fruição e prazer e aguçar a criticidade do aluno. Neste sentido, o professor em

conjunto com toda a comunidade escolar, precisa pensar em propostas e meios que efetivem o

letramento literário, e suscite a expressividade dos alunos.

A teoria aliada à prática é um dos principais meios para atingir uma boa condução da

literatura na sala de aula, pois a teoria dá base e subsídios que o professor necessita para

solidificar o ensino da literatura. A proposta do modelo didático que foi apresentada neste

trabalho serve como exemplo disto, não há letramento literário sem teoria e reflexão, o

professor necessita de organização e planejamento para trabalhar com textos literários.

Em A maior flor do mundo, o aluno é instigado a percorrer, por meio do personagem,

aventuras, vivência e desafios, conhecer outros mundos e ao mesmo tempo conhecer a si

mesmo, e a romper barreiras, por mais simples que pareçam. É esse o principal objetivo da

literatura, é fazer florescer: “podemos ser outros, viver como outros, podemos romper os

limites do tempo e espaço de nossa experiência e ainda assim, sermos nós mesmos” ( COSSON,

2006, p.17).

Referências

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