A Lusofonia Como Retrato ... Victor Barros

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Revista Angolana de Sociologia Junho de 2011, n. 7, pp. 83-106 2009, Sociedade Angolana de Sociologia

A lusofonia como retrato de famlia numa casa mtica comumVctor Barros1

ResumoO discurso colonial hegemnico da ditadura do Estado Novo no desassociou a lngua da representao e da narrativa do processo de construo imperial. Partindo da anlise de um dos rgos mais importantes da propaganda colonial salazarista, inquirimos sobre as formas de representao apotetica da lngua como expresso do sentido colonizador portugus e a consequente sacralizao da ideia de atrelar as ento colnias esfera de uma tradio expressa pela cultura da lngua. Subsequentemente, problematizamos os discursos sobre a lusofonia, tendo em ateno quer os usos que a memria colonial ganha na reconstituio parcial da verso ps-colonial da identidade nacional portuguesa, como tambm as ambivalncias e contradies entre a ideia de uma suposta identidade lusfona e a fora de outras memrias inerentes s representaes identitrias dos diferentes interlocutores lusfonos.83

Palavras-chaveLusofonia, memrias do imprio, discurso colonial, mitos, identidades.

Consideraes prviasA lusofonia ou a ideia de uma comunidade lusfona constitui o exemplo paradigmtico da forma como os processos de construo e de representao identitria transportam sempre determinadas noes que buscam legitimar a discursividade subjacente imagem daquilo que se pretende patentear. Isto signica que quando imaginamos a ideia de comunidade lusfona, no podemos dispensar duas das principais coordenadas inerentes ao processo de representao identitria: o tempo e o espao.1. Este trabalho contou com o apoio da Fundao Calouste Gulbenkian. Este texto retoma e amplia substancialmente a temtica e o mbito analtico de um outro artigo A lusofona como espellismo dunha casa miticamente comn, publicado na revista Tempo Exterior. Revista de Anlise e Estudos Internacionais, n 19, vol. X(I), Xullo/Decembro, Galiza (Espanha): Instituto Galego de Anlise e Documentacin Internacional (IGADI), 2009.

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Mesmo quando reconhecemos que estas coordenadas esto, directa ou indirectamente, inerentes a quase todos os sistemas de representao identitria, parece pertinente salientar que neste contexto particular, elas ganham uma dimenso particularmente expressiva naquilo que constitui a combinao retrica dessas duas coordenadas no prprio processo discursivo de representao da ideia de lusofonia ou de comunidade lusfona. Neste caso, o tempo (enquanto memria) constitui a categoria a partir da qual os discursos sobre a lusofonia ancoram para tentar legitimar a historicidade inerente ao processo de formao daquilo que hoje se denomina por comunidade lusfona. Isto signica que a verso actual daquilo que se props designar por lusofonia se inscreve discursivamente numa temporalidade intencionalmente insuada pela memria histrica das relaes tecidas em tempos de colonizao entre Portugal e as suas antigas colnias: da a sacralizao do tempo dessa memria e da memria (actual) desse tempo, como instrumento essencial, passvel de construir uma narrativa caracterstica e legitimadora dos discursos celebratrios da lusofonia e da ideia de comunidade lusfona. Por isso, aqui, o tempo funda e outorga a sua dimenso referencial como uma das coordenadas do sistema de representao daquilo que constitui a lusofonia, ao mesmo tempo que funde sub-repticiamente as continuidades e as metamorfoses que a contemporaneidade ps-colonial e ps-independncia imprimem (aparentemente) como discurso de ruptura com o tempo da representao imperial. A segunda coordenada a que aludimos (o espao), para alm de materializar o contexto da representao, constitui por excelncia um instrumento de xao das referncias geogrcas e identitrias da comunidade que se pretende representar, tendo em conta a aparente articulao que se pode estabelecer tanto por referncia lngua, como instrumento de partilha, como tambm por referncia ao mito da ideia de uma histria comum. Neste contexto, tanto a lngua como a memria histrica aparecem imbudas de um alcance susceptvel de suportar a denio de uma aparente unidade; uma unidade no menos paradoxal e contraditria, tendo em conta a disperso territorial e continental dos vrios espaos que preenchem a geograa da designada comunidade lusfona e as especicidades scio-culturais e os contextos sociolingusticos intrnsecos historicidade que caracteriza a formao identitria de cada um desses espaos. Por isso, perante este quadro, a construo da coordenada espacial a partir da qual se imagina a ideia de uma comunidade lusfona opera tanto na sua dimenso demarcatria (ao estabelecer a lngua como pauta fundamental de pertena), como tambm nas suas funcionalidades como espao imaginrio. Um espao imaginrio que, contudo, no pode car imune ao questionamento, sobretudo quando os discursos que animam a imaginao de pertena cam insuados somente pela propalada retrica de uma lngua partilhada e pelo mito simplicador de uma histria comum. Os discursos celebradores da lusofonia e da ideia de representao de uma comunidade lusfona so profundamente tributrios daquilo que constitui a memria histrica e colonial do imprio. Alis, no podemos perder de vista que a representao cartogrca desta ideia de comunidade pisa e reproduz, praticamente, os mesmos permetros dos espaos que enformavam a geograa imperial portuguesa. Estamos assim perante os novos desdobramentos ps-coloniais que a discursividade da memria do antigo imprio colonial portugus ganhou com os novos discursos e contedos que lhe foram insu-

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ados para servir de blsamo, tanto na forma de reconstruo da nova verso da identidade nacional portuguesa (aps 1974), como tambm na reelaborao da nova geograa imaginria (lusfona), susceptvel tambm de alojar as antigas colnias sob o manto de um mesmo legado que as atrela de forma umbilicalmente transversal a Portugal: a lngua. No Portugal contemporneo, a reexo sobre a identidade nacional esteve sempre presente e desenvolve-se em mltiplas direces aps a queda do imprio (1974-75) [Matos 2002: 123]. Neste sentido, a inveno da lusofonia no deixa de gurar como uma parte da verso da identidade nacional e, simultaneamente, uma espcie de frmula alegrica de projeco do futuro, sem poder deixar de imaginar o passado de Portugal como antiga potncia imperial e nao colonizadora. Da que, mais do que propriamente uma forma catrtica de exorcizao dos fantasmas imperiais, a sua inveno e a ideia de comunidade lusfona funcionam como uma das verses reconguradas e reformatadas da mitologia de vocao imperial que, at derrocada do Estado Novo salazarista em 1974, sempre alimentou o discurso profundamente nacionalista da identidade nacional portuguesa. Esta assero est bem patente na forma crtica como Eduardo Loureno problematizou a questo das imagens que a aventura colonial portuguesa impregnou na conscincia nacional e a nova tentativa de converso e de readaptao dos novos mitos para animar a identidade nacional: As contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura colonizadora suscitou na conscincia nacional so largas e de trama complexa de mais. A urgncia poltica s na aparncia suprimiu uma questo que tambm na aparncia o pas parece no se ter posto. Mas ele existe. Querendo-o ou no, somos agora outros, embora como natural continuemos no s a pensar-nos como os mesmos, mas at a fabricar novos mitos para assegurar uma identidade que, se persiste, mudou de forma, estrutura e consistncia [Loureno 2007: 116]. Para alm das verses (re)fundadoras de carcter revolucionrio que, depois de Abril de 1974, acompanham a recongurao da imagem de Portugal e das suas antigas colnias africanas, o discurso da lusofonia no representa exclusivamente a metamorfose polida da antiga vocao pretensamente imperial da nao portuguesa. Ele atesta tambm a plasticidade da memria e as diferentes apropriaes que as diversas formas discursivas de uma mesma memria ganham, de acordo com as funcionalidades polticas que se lhes incumbem de cumprir. Qualquer problematizao da temtica em anlise no pode perder de vista as duas coordenadas essenciais sobre as quais assenta, directa e indirectamente, a representao da lusofonia ou da comunidade lusfona. Sub-repticiamente, o tempo e o espao aparecem como categorias importantes de legitimao do prprio discurso da lusofonia primeiro, pela inscrio numa memria histrica; segundo, pela possibilidade de mapear geogracamente os pontos dispersos da cartograa que configura a ideia de uma pretensa comunidade lusfona. Este facto no s atesta bem a importncia que o tempo e o espao ganham como categorias da narrativa de representao identitria, como tambm corrobora a ideia segundo a qual diferentes pocas culturais engendram, politicamente, diferentes formas de combinar essas mesmas coordenadas espcio-temporais [Hall 2006: 70]2. Uma combinao que, por sua vez, no deixa de animar a ideia de uma certa geograa imaginria (lusofonia, comunidade lusfona), a partir das representaes aliceradas nas narrativas do passado e que2. Numa outra perspectiva analtica, veja-se Cunha 2006.

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permitem reelaborar e readaptar velhos mitos como forma de conciliar a memria imperial e colonial com o presente e o futuro e, consequentemente, continuar a nutrir o velho aforismo j conhecido sobre o papel e o lugar de Portugal no mundo. Portanto, se a ideia de lusofonia reivindica um tempo e um espao a partir do qual se torna possvel imaginar uma suposta comunidade lusfona, na verdade a discursividade poltica a ela associada no deixa de ser tambm tendencialmente convocadora da necessidade de todos se reconhecerem numa mesma geograa imaginria, uma geograa imaginria que tambm no deixa de ser tributria de um tempo e de um espao que, outrora, foram inscritos na identidade nacional portuguesa e que permitiu imaginar o imprio. Por isso, a retrica da lusofonia e de uma comunidade lusfona busca, em parte, dar sentido a uma identidade que se imagina inscrita num tempo e num espao especcos, validando a tese segundo a qual todas as identidades se inscrevem e recorrerem a uma ancoragem num tempo e num espao simblicos [Hall 2006: 71].

1. O discurso colonial e o elogio da lnguaAqueles que nunca atravessaram os desertos e os matos da frica no podem compreender nem sequer imaginar como se dilata o corao de Portugal dentro do peito quando se aproxima de ns, do fundo da Donguena ou dos imbondeiros do Xipelongo, um pequenino preto que nos pergunta com graa ingnua: O si pass bm? 3 [Boletim Geral das Colnias 1939: 26] .Vctor Barros86

A partir das consideraes propeduticas anteriormente explicitadas, propomo-nos agora xar sucintamente a forma como o discurso colonial no deixou de manifestar a sua posio apologtica quanto necessidade de atrelar a lngua misso colonial e civilizadora que se inscrevia no esprito imperial do Estado Novo salazarista, sob a retrica de fazer cumprir o mito da essncia orgnica de Portugal como nao. Assim, colonizar e civilizar eram propaladas como partes intrnsecas da essncia orgnica de Portugal, como nao imperial que no se coibia de desempenhar uma funo considerada histrica. Por isso, por referncia ao mito da essncia orgnica, a colonizao e a aco de civilizar os indgenas parecia conferir sentido prpria razo de ser de Portugal: da a sacralizao da ideia de imprio como alegoria e metfora da histria de uma nao em movimento. Contudo, no podemos deixar de salientar que colonizar e civilizar so concepes que j de per si transportam uma dimenso poltica hegemnica e que se instalam como noes que estabelecem os lugares e as hierarquias das relaes de poder (colonizador/colonizado) em contextos de dominao. Apesar de serem categorias que o discurso colonial veicula dissimuladamente como noes imbudas de uma certa dimenso libertadora e emancipatria, elas acabam por mascarar uma parte importante do poder colonial e do prprio colonialismo, na medida em que fazem com que estes se tornem aparentemente legtimos e tolerveis de acordo com o que conseguem ocultar dos seus mecanismos de dominao. A fachada aparentemente libertadora que elas veiculavam inscreve-se naquilo que3. Boletim Geral das Colnias. Doravante, B.G.C.

alimentava o discurso colonial e o prprio colonialismo como sistema (pretensamente) legtimo de poder e tambm como necessidade imprescindvel e inquestionvel da razo da fora civilizacional que alojava numa suposta fora da razo histrica portuguesa. Um facto no menos importante a considerar na anlise do processo colonial pode ser tambm identicado na forma como determinadas posies aparentemente valorativas da cultura ou da realidade indgena so discursivamente concebidas por mera referncia aos intentos hegemnicos de um colonialismo que, por todos os meios, se queria actuante. Com isso queremos dizer que a identicao de determinados elementos indgenas (como a lngua, por exemplo) e a tentativa da sua incorporao numa prtica colonial no correspondia a um processo de reconhecimento valorativo da diferena, mas sim o estabelecimento de funcionalidades supostamente cientcas de um saber colonial posto ao servio da prpria dominao: conhecer para dominar. Da que o que estava em causa era, fundamentalmente, armar a subalternidade do indgena mediante a celebrao real e simblica do prestgio de quem, pelo conhecimento da lngua, soube lidar com os pretos, conquistando sempre a mais respeitosa submisso [B.G.C. 927: 39]. Por esta razo, no faltaram posies fundamentadas sobre a importncia do conhecimento, por parte dos funcionrios coloniais, da lngua verncula da colnia onde iam exercer as suas funes, como forma de propagar a luz da civilizao na escurido da barbrie, que se imaginava caracterizar o primitivismo dos espaos coloniais africanos. Por exemplo, em 1927, esta perspectiva cou asseverada por um tipo de discurso tendencialmente salvco e laudatrio que se traduzia nos seguintes termos:87

Apesar desta celebrao laudatria da gesta imperial portuguesa, esta assero antecipa aquilo que viria a ser posteriormente posto em relevo pelo Estado Novo salazarista sobre a especicidade da colonizao portuguesa, caracterizada fundamentalmente pela existncia de uma suposta disposio ou forma de estar tipicamente portuguesa na relao com os povos colonizados. O elogio da lngua vinha sempre embalsamado por um discurso de pendor colonial, que reforava cada vez mais o nacionalismo imperial salazarista por referncia ao que se considerava ser a continuidade dos registos dos tempos gloriosos da gesta portuguesa da navegao pelos mares, da descoberta de terras e das batalhas vencidas nas diversas partes do globo. Por isso, no se obstava de propalar sistematicamente o lugar de Portugal no mundo como potncia colonizadora, difusora dos valores da civilizao e nao digna de nome no registo do livro da Histria que serve de lio para

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Eis a divisa da nossa nobre cruzada, cuja nalidade gigantesca Rasgar ao mundo as trevas em que ainda hoje se envolve a frica, abrir mil veredas por onde possa caminhar avante a roda do progresso; lanar a luz brilhante da instruo nos crebros obscuros dos seus habitantes, ensinar-lhes os sos princpios da sociabilidade, do trabalho e da moral crist. Os executores e dirigentes natos dessa cruzada () so os nossos funcionrios coloniais, que pela sua inteligente tcnica administrativa, sero de certo merecedores de louvor; e por isso para eles que vai o testemunho sincero das minhas saudaes, lembrando que um dos valiosos factores da colonizao portuguesa em frica como em toda a parte, foi desde os seus primrdios o conhecimento das principais lnguas do qual resultou a prtica de saber lidar com os naturais. [B.G.C. 1927:37].

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a humanidade, uma vez que se encontram ali registados em caracteres inapagveis esses picos feitos de um povo colocado na parte mais ocidental da Europa, e que pela sua singular caracterstica de colonizador, soube tornar-se grande, servindo de mestre e guia aos outros povos, que apareceram depois dele e trilharam pelos caminhos por ele aplanados [B.G.C. 1927: 24-25]. Assim, entre os feitos da colonizao, elogiava-se a rara capacidade portuguesa de integrao de indivduos nos usos e costumes portugueses, falando at a nossa lngua, e na boa-vontade com que acederam a essa transgurao social, que at hoje, em terras que j no so nossas, no seu convvio particular se fala o portugus e com certo orgulho! [B.G.C. 1928: 216]. Ainda a corroborar a tese do elogio, encontramos tambm a forma como, por referncia lngua, se procurava reportar memria simblica que articula Portugal com o Brasil e com as colnias africanas, principalmente Angola, para onde seriam canalizados os esforos patriticos da misso civilizadora: a irrigar aquelas terras sedentas com a gua lustral da nossa civilizao, da qual esta lngua, que falamos, uma das mais vivas, das mais fortes e das mais palpitantes expresses [B.G.C. 1931: 213]. Nesta senda, a ideia de grandeza da misso colonizadora e civilizacional no podia dispensar a apologia da lngua. Isto no signica que se estava perante um programa poltico e cultural estruturalmente denido e enquadrado no mbito do projecto imperial, mas to-somente no mbito propagandstico e apologtico sobre a necessidade de no se desconsiderar a defesa da lngua, tanto como forma de reconhecimento dos vestgios de uma civilizao que se encontrava em todos os continentes [B.G.C. 1935: 159], como tambm de engrandecimento de Portugal como ptria e potncia colonial. Por isso, a apologia da lngua inscrevia-se no mbito de uma propaganda tributria da ideia de mant-la atrelada ao imprio: mais do que fazer imperar as suas funcionalidades no contexto da colonizao como um dos factores que mais contribui para os estreitos entendimentos dos colonizados e dos colonizadores, ao indgena devia ser ensinada a lngua para que ele a compreenda bem, e ensinar-lhe o melhor possvel, de modo a aprend-la e a divulg-la. Contudo, no podemos deixar de considerar que a apoteose discursiva desta assero assentava em duas premissas fundamentais. A primeira, de carcter nacionalista, que acentuava a necessidade de reconhecimento do valor cimeiro da lngua: s depois dela vm os costumes, o orgulho das tradies, numa palavra, a ptria; a segunda, de carcter colonial, arreigava no mito assimilassionista de inculcar ao indgena o verdadeiro sabor da lngua [B.G.C. 1935: 186-187]. Por um lado, parece fcil reconhecer que estamos perante posies discursivas que se ancoram no mbito da propagao da importncia superior da lngua como principal preocupao de quantos pretendem fazer grande a Nao; por outro lado, alimentava-se a crena na possibilidade de elevao progressiva do indgena civilizao e a sua consequente libertao da barbrie que se imaginava caracterizar os nveis de primitivismo resultantes do desconhecimento da lngua da civilizao. Neste nvel problemtico, parece pertinente no negligenciar a forma como a lngua foi atrelada ideia de resultado que se fazia revelar por mera consequncia da aco colonial dos obreiros da grandeza da Ptria [B.G.C. 1939: 23] e do imprio (marinheiros, militares, fazendeiros, missionrios, mercadores...). Assim, pensava-se que a partir da misso colonial especca de cada uma destas categorias, a lngua se realizava e se revelava, automaticamente, como valor de civilizao: neste contexto

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que se exorta ao empenho da sua difuso como correlato da incumbncia caracterstica do trabalho de cada obreiro, por se considerar que no havia benefcio to grande que se possa fazer a um povo, como a difuso da sua lngua, pela qual domina sobre tudo a supremacia da raa [B.G.C. 1939: 25]. Esta posio no s buscava corroborar a pretensa vocao apostlica de Portugal como potncia colonizadora, como tambm pretendia validar o poder hegemnico sobre a qual se aspirava armar a sua suposta superioridade. Da que qualquer posio nacionalista se revelava legtima, sobretudo quando se tratava de defender a lngua, seja por meio de perspectivas propagandsticas, seja por meio de posies polticas supostamente susceptveis de anular e exorcizar os efeitos aparentemente perversos que se imaginava resultarem da adopo ou da colagem de noes estrangeiras. Estas eram vistas como fortssimos atropelos forma portuguesa e uma sensvel manifestao de mau gosto que no deixava de ferir o bom ouvido portugus: O uso da lngua estrangeira nem sequer merece ser discutido. No h interesse que o expliquem nem aprumo patritico que o admita. Trata-se, simplesmente, duma incompreenso doentia da nossa funo na colnia, possivelmente baseada em fantasiosas razes de ordem comercial [B.G.C. 1940: 107-108, B.G.C. 1941: 90]. Por exemplo, em 1940, na ento colnia de Moambique, podemos identicar algumas referncias relativas quilo que as autoridades coloniais consideravam ser estrangeirismos, manifestos na troca deselegante do nome com o atributo, cujos exemplos estavam patentes nalguns casos tpicos como nomes de edifcios ou estabelecimentos. Na altura, uma das propostas centrais estabelecia o uso da lngua portuguesa, em nomes de edifcios, tabuletas, cartazes, marcas de fbricas e de comrcio nacionais, listas de mesa de hotis e restaurantes, e, bem assim, em todos os letreiros de carcter mais ou menos xo e de leitura instintivamente forada para quem passa [B.G.C. 1940: 107-108 & B.G.C. 1941: 90]. Tudo parecia justicar a ordenao de disposies que o culto, a pureza e o prestgio da lngua portuguesa exigiam, no sentido de combater aquilo que parecia ser presena de estrangeirismos desnecessrios na linguagem local, como se podia testemunhar pelo desinteresse ou falsa comodidade de quem desprezava os abundantssimos recursos do vocabulrio portugus em detrimento do uso daquilo que se considerava ser o barbarismo dos que frequentemente utilizavam a designao tiqueta (do ingls ticket) para designar o carto em que se registavam os dias de trabalho dos trabalhadores indgenas. Por isso, alertava-se para alguma ateno nos documentos ociais e para a rmeza no combate oportuno ao que consideravam ser vcios sustentados por ignorncia, desleixo ou teimosia do exterior. Sendo assim, os Servios Pblicos poderiam tornar-se numa verdadeira escola de proteco da dignidade intrnseca da lngua, considerada ento como o mais permanente e um dos mais caractersticos sectores do verdadeiro nacionalismo portugus. Nesta ordem, cou superiormente determinado pelo ento Governador-geral daquela colnia, o General Tristo de Bettencourt, que a designao tiqueta, abusivamente dada a cartes de trabalho indgena, fosse suprimida da linguagem ocial. Tudo isso para que seja defendida, naquele recanto do imprio, a riqueza, preciosa e autnoma, daquilo que se considerava ser uma aquisio de sculos: o patrimnio lingustico portugus [B.G.C. 1941: 141-143]4. Esta aco tanto vinha ao encontro do nacionalismo imperial que4. Os itlicos so do texto original.

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fundamentava a necessidade de legitimao e renovao constante da presena portuguesa nas colnias, como tambm reectia a ambio de fazer reproduzir Portugal em todas as latitudes do imprio: Tudo quanto de qualquer modo propague e robustea, na Colnia, o esprito nacional constitui obra salutar da nossa presena e armao consistente dos nossos direitos [B.G.C. 1941: 90, B.G.C. 1940: 107]. Numa anlise rigorosa, parece fcil diagnosticar a forma como o discurso colonial investe a lngua de uma dimenso essencialista, uma vez que a sua imposio revelava o sentido colonizador de um povo que tambm atravs dela projectava a sua prpria alma. Da a sua importncia como factor espiritual que determinava a linha demarcatria entre a simples ocupao e a verdadeira colonizao, tal como se manifestava naquilo que se imaginava ser a capacidade de irradiao da lngua portuguesa e a sua resistncia, em todas as latitudes, entre os povos e os climas mais exticos. Neste sentido, a lngua corroborava a verdadeira vitria colonizadora por se revelar como uma espcie de vitria sobre o espao e sobre o tempo, tanto no domnio da terra como tambm na penetrao nas almas. Por isso se insistia na necessidade de no desvincular as colnias e os seus povos do sangue e da tradio expressa pela cultura da nossa lngua. Estamos assim perante uma forma celebradora do elogio da lngua e da saudao daquilo que se imaginava ser o sentimento ecumnico e o franciscano amor pelas gentes e culturas de outras latitudes, manifesta nesta capacidade nica de Portugal se perpetuar noutros povos [B.G.C. 1942: 114-115, B.G.U.5 1951: 119]. Contudo, quando elevamos a problemtica para uma dimenso mais crtica, no podemos perder de vista que, fora dos discursos propagandsticos, o manuseamento da lngua constitua um dos requisitos impostos para o reconhecimento do nvel civilizacional do indgena. Por esta razo, o enaltecimento da irradiao e defesa da lngua portuguesa nas colnias no deve passar imune a uma problematizao dos limites da sua real apropriao por parte dos indgenas, sobretudo quando tomamos em considerao que as determinaes superiores de 1954 exigiam, entre outras condies, que o indgena falasse portugus para que lhe seja reconhecido o direito de cidadania [B.G.U. 1955: 393]. Para alm desta dimenso supostamente valorativa da condio social e identitria do indgena, a propaganda no dispensou tambm a celebrao do portugus como lngua franca sem a qual teriam sido difceis os contactos das naes europeias com os outros povos; da a sua representao como veculo a partir do qual se estabeleceu o entendimento entre o Oriente e o Ocidente e como veculo do pensamento que serviu os interesses espirituais e mercantis da Europa, bem como o interesse comum da Humanidade nos diferentes continentes: Tanto a frica, como o Oriente, como o Brasil, como a Oceania, receberam de Portugal mais de que de outro pas o patrimnio da nossa lngua culta [B.G.U. 1958: 326]. Parece inequvoco que esta ideia de patrimnio ou de legado portugus suportava perfeitamente a concepo de uma geograa imaginria a partir da qual se poderiam anexar as diversas periferias (antigas e ento colnias) na rbita de uma lngua que permitia imaginar e identicar Portugal como centro [Ribeiro 2004]. Ou seja, por referncia lngua tornou-se possvel imaginar o imprio, elaborar a narrativa da sua construo, situar os lugares onde ela se arraigou e, por m, incorporar estes mesmos espaos numa representao que os atrelava directamente a Portugal. Este, durante o salazarismo, no5. Boletim Geral do Ultramar. Doravante B.G.U.

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deixou de incorporar e reelaborar imagens discursivas que beneciavam a sua representao como nao de obra colonial manifesta na forma como se reproduzia nas diversas extenses do seu ento mundo colonial. Por exemplo, a imagem de Portugal como nao geogracamente pluricontinental, poltica e humanamente multirracial [Torgal 2002: 147-165] que, a partir da dcada de 1950, se instala discursivamente, estabelecendo-se como a nova metfora nacional e imperial, transportava tambm, directa e indirectamente, a ideia de uma suposta comunidade tambm passvel de ser representada atravs da memria da lngua. Alis, a sua disseminao geogrca pelos diferentes espaos continentais e a possibilidade de identicao de um universo de falantes corroborava a formatao da ideia de uma comunidade imaginada a partir da lngua [B.G.U. 1965: 118-119]. Vrios so os registos que a partir da dcada de 1960 testemunham aces tendencialmente estruturadas e intencionalmente denidas no sentido de elaborar e fomentar a sedimentao do imaginado mundo portugus que se queria tanto como comunidade efectiva, como tambm afectiva. Nesta senda podemos identicar, por exemplo, a proposta lanada para a realizao, em 1961, dos Jogos Desportivos do Mundo Portugus, a realizao do I Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, em 1964, ou ainda a identicao da necessidade de uma maior expanso da lngua ptria no Ultramar. Fora da sua dimenso ldica, os Jogos Desportivos do Mundo Portugus pretendiam encenar uma sensacional e empolgante armao de unidade da Raa e da Ptria atravs da congregao da juventude portuguesa de toda a parte da Nao e do mundo portugus, numa larga e nobre exibio nacional que testemunharia a delidade e a conscincia que vinculava todos os portugueses. Ao tentar diluir discursivamente as fronteiras da diferena (quaisquer que sejam as diferenas de cor, de religio), convocava-se sub-repticiamente para a celebrao da ideia de uma suposta unidade que se queria suprema, reveladora da presena viva da perenidade nacional e da imortalidade triunfal da Raa. Esta celebrao desportiva seria um desle da juventude portuguesa, unida no estmulo da mesma competio fsica, numa s alma e num s nome; ao mesmo tempo, seria tambm a alegoria de uma verso da identidade nacional e imperial portuguesa, veiculada em forma de espectculo. Da a representao da juventude do mundo portugus como depositria de uma expresso de solidariedade e de um sentido de continuidade daquilo que se considerava ser a alma e o destino nacionais [B.G.U. 1961: 215-217]. Entretanto, independentemente dos contornos reais da sua realizao, para o propsito do presente texto, no podemos perder de vista a necessidade de problematizar e identicar as funcionalidades polticas subjacentes s propostas discursivas que alimentavam estas imagens e a forma como elas se inscrevem (com todos os seus efeitos momentneos e os seus desdobramentos posteriores) na construo de representaes postas ao servio das demandas (reformadoras ou fundacionais) de um tempo especco. O segundo registo a que nos aludimos I Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa (realizado de 8 a 16 de Dezembro de 1964, sob o patrocnio da Sociedade de Geograa de Lisboa) constitua o reexo inequvoco da tentativa de xao de uma espcie de comunidade de cultura. Uma comunidade em parte imaginada a partir de uma certa forma de essencialismo, manifesta na concepo do portuguesismo que se pensava trespassar todas as comunidades de cultura portuguesa, sacralizando assim o mito da ideia de uma solidariedade liada neste portuguesismo e o mito do

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modo portugus de estar no mundo, rmado por todas as parte (ao redor da terra) e por todos aqueles que, de algum modo, estavam liados nesse mesmo portuguesismo. Uma liao reivindicada tambm por referncia concepo da ideia de uma matriz portuguesa estabelecida em terras alheias que, tambm merc da maneira portuguesa de viver, implantou nos trpicos comunidades de raiz portuguesa com o seu milagre do homem novo, o homem luso-tropical, depositrio cultural da civilizao portuguesa e produto de um povo de misso [B.S.G.L.6 1964: 358, Moreira 1964: 275]. Importa referir ainda que o referido congresso no se centrava exclusivamente nos espaos do ento mundo colonial portugus, mas tambm alargava a sua abrangncia representativa a outros espaos de emigrao portuguesa. Contudo, o mago da questo estava focalizado na tentativa de armao valorativa de uma determinada concepo de comunidades de cultura e lngua portuguesa e na tentativa de fortalecimento de laos (biolgicos, tnicos, lingusticos, religiosos e culturais) tributados por todos os luso-descendentes. Como corolrio do primeiro congresso cou ocialmente instituda, em Dezembro de 1967, a Unio das Comunidades de Cultura Portuguesa, designada como uma instituio privada, internacional e apoltica, que tem por m promover e assegurar as relaes e a cooperao das associaes, grupos e indivduos que estejam ligados ou se interessam pela conservao e propagao da cultura portuguesa [B.S.G.L. 1964: 399]. neste mesmo trilho de inclinao tendencialmente luso-tropicalista que entre 12 e 22 de Julho de 1967 foi realizado em Moambique o II Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, com a participao de mais de mais de 180 personalidades dos diferentes pontos do mundo onde se fala a lngua portuguesa, de entre eles o apstolo do luso-tropicalismo, Gilberto Freyre [B.G.U. 1967: 157-187]. Do terceiro registo referido, importa salientar o diagnstico da Sociedade Portuguesa da Lngua quanto necessidade de expandir a lngua ptria no ento ultramar atravs da nomeao dos seus delegados nas diferentes colnias e da criao de ncleos regionais de estudo tambm para a recolha de material lingustico das lnguas locais. A Sociedade era denida como uma associao cultural, de carcter eminentemente popular, criada em 1949 com sede em Lisboa, mas que tambm mantinha contactos com as colnias. Contudo, parecia cada vez mais premente a mediao desse contacto com os espaos coloniais atravs do trabalho de divulgao que o seu boletim poderia ter na difuso da lngua por intermdio das autoridades militares ou dos padres das misses que ali se encontravam a prestar servio. Outrossim, no se podia dispensar a importncia assistencial e educativa das misses junto das populaes, sobretudo quando se considera que, atrelado s suas actividades especcas, estava sempre presente o trabalho propedutico do ensino e da difuso da lngua [B.G.U. 1969: 211213, B.G.U. 1970: 157]. Portanto, a partir deste inqurito sobre a problemtica da lngua podemos facilmente diagnosticar a forma como ela esteve atrelada ao discurso colonial posto ao servio da sacralizao do imprio e da reivindicao de uma suposta vocao portuguesa de carcter missionria, ecumnica e, em certa medida, universal e universalizante. Atravs do mapeamento das formas discursivas elaboradas pelo discurso colonial e colocadas em evidncia directamente pela propaganda gloricadora da ideia e da6. Separata do Boletim da Sociedade de Geograa de Lisboa.

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representao do imprio, parece plausvel insistir na dimenso laudatria atribuda lngua na narrativa colonial e, consequentemente, nos efeitos que a apoteose do seu elogio (enquanto mecanismo de dominao) desencadeou na colonizao do imaginrio, por aluso fora da incumbncia pretensamente salvca que lhe foi investida como elemento imprescindvel na validao do nvel civilizacional do colonizado. Ao celebrar o imprio, o elogio da lngua representava-a ostensivamente como lngua do imprio, armando assim a prpria lgica hegemnica que alimentava o imprio da lngua.

2. Os mitos da lusofonia: entre as malhas da lngua e as memrias do imprioPortugal, deve ser uma solidariedade viva em quatro partes da terra: como se esta fsse a prpria fonte da vida nacional, tdas as populaes portuguesas tero de ajudar-se e proteger-se mtuamente, porque a tdas a mesma bandeira cobre e a mesma lngua tem de embalar [B.G.C. 1932: 7].

Para alm de corresponder matriz etimolgica que lhe devolve o signicado semntico, a lusofonia veicula tambm noes que a investem de uma dimenso afectiva, por se ancorar no discurso celebrador da existncia de laos afectivos entre Portugal e as suas ex-colnias, fundamentalmente por referncia ideia de uma lngua comum. Apesar de se pretender veicular uma realidade passvel de ser percepcionada como comunidade de lngua, o discurso da lusofonia convoca e anima, em certa medida, a dimenso sentimental que permite insuar a imaginao da mesma como comunidade de afectos. Em tese, as comunidades de pertena so tendencialmente projectadas de forma real e simblica como espaos de afectos. Neste caso, a representao da lusofonia (enquanto comunidade de lngua) no podia dispensar o trabalho de convocao dos afectos como suplemento capaz de fazer irrigar o sentimento de identicao e de pertena. Estamos assim perante um processo que no deixa de revelar as metamorfoses que os usos da memria histrica ganham em funo das pocas e de acordo com as funcionalidades polticas e discursivas que lhes so incumbidas de cumprir. No podemos negar que, no contexto da representao da lusofonia, a convocao dos afectos feita por referncia histria, ao passado: a um passado que sub-repticiamente convocado para ser imaginado como uma espcie de meta-histria cuja narrativa poder tornar possvel o reconhecimento de um passado comum. Para alm dos processos discursivos que indirectamente sobrevalorizam esta narrativa celebradora da lusofonia, parece tambm possvel diagnosticar o prprio uso da histria como uma espcie de blsamo com o qual se pode cingir uniforme e homogeneamente todos os antigos espaos coloniais onde ainda se fala o portugus. Neste contexto, como se a simples reivindicao de uma histria ou de um passado comum legitimasse automaticamente a concepo de uma comunidade que permite a insero dos diferentes povos que falam o portugus numa cadeia de liao identitria homognea. A retrica de um passado comum enquadra-se perfeitamente nas estratgias discursivas impostas pela necessidade de uma nova forma de representao da histria e, subsequentemente, pela tentativa de insuar o passado subjacente a essa histria como uma espcie

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de campo comum ou reflexo a partir do qual todos se reviam analogamente na mesma imagem. como se uma espcie de frmula sinttica passado comum revelasse susceptvel de aglomerar as memrias e as diferentes formas de representao do passado que d forma e contedo a essas mesmas memrias. Por isso, quando a imagem da lusofonia ca atrelada somente explicitao simplista da ideia de passado comum, ela simplesmente corrobora a sua prpria inscrio no processo da escrita de uma nova forma de representao identitria, com todos os reexos perversos e os seus segredos de invisibilidade a ela subjacentes. Independentemente de qualquer tentativa de conceber a lusofonia a partir do aforismo da lngua e de um passado comuns, no podemos negligenciar que as diferentes sociedades que formam o universo lusfono revelam, todas elas, diferentes formas de lidar com a mesma representao. Isto signica que, nas antpodas da noo de lusofonia podemos diagnosticar os paradoxos inerentes sua representao, tendo em conta a importncia atribuda s memrias nacionais de cada um dos pases do espao lusfono na animao das suas representaes identitrias e nacionalistas. Sendo assim, a dimenso afectiva que a lusofonia convoca no pode estar imune ao questionamento. Os limites da sua apropriao so tambm moldados pela interferncia e sobreposio de outras referncias que so indexadas tanto no reportrio da memria ocial nacional e nas representaes do imaginrio colectivo de cada um dos pases como tambm na concepo das representaes sociais e individuais da identidade dos sujeitos ou grupos que pertencem ao designado espao lusfono. Mesmo quando a problemtica da imagem da lusofonia deslocada para o campo das representaes sociais ou individuais, ela no incorporada com o mesmo signicado na estruturao real e simblica das representaes identitrias dos diferentes sujeitos. Por exemplo, dos resultados de um estudo sobre a lusofonia e as representaes sociais de portugueses e de africanos, Joaquim Valentim [2003: 146] salienta o seguinte:Mas se a lusofonia se mantm como um princpio organizador das representaes sociais dos portugueses, no h concordncia entre os portugueses e africanos a esse respeito: os portugueses valorizam-na, os africanos rejeitam-na. Dito de outro modo, a este nvel, a valorizao da lusofonia no encontra correspondncia da parte dos africanos que so, em boa medida, interlocutores por excelncia dessa lusofonia. Mais ainda, os africanos no s manifestam uma posio contrria dos portugueses em relao lusofonia, como a importncia que atribuem sua identidade tnico-nacional se encontra associada negativamente valorizao da dimenso lusfona nas representaes das semelhanas dos portugueses com outros povos.

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Sendo assim, podemos reforar ainda que a dimenso valorativa da lusofonia tributria da forma como esta assumida por cada um dos pases e, sobretudo, como ela mais incorporada ou menos incorporada nas representaes da imagem e da prpria identidade de cada um deles. Em parte, esta maior ou menor incorporao resulta tambm da maior ou menor fora da memria do lugar hierrquico que, em tempos de colonizao, mediava as relaes de poder entre Portugal as suas colnias. Por outro lado, no podemos descurar os efeitos perversos que as representaes hierrquicas (colnias/metrpole) postas em destaque pelo colonialismo, tm no condicionamento das modalidades

de incluso e de assuno plena de determinados legados, como todos os seus reexos de visibilidade que se lhe podia atribuir. Esta assero cada vez mais pertinente quando conseguimos observar que a matriz da lusofonia se funde sobre a ideia de um legado do qual Portugal foi o grande depositrio: mesmo quando no se celebra directamente, ela acaba sempre por protagonizar inconscientemente a narrativa de um centro a partir do qual se pode identicar a matriz originria da lngua atravs da qual todos os restantes espaos do mundo lusfono se encontram vinculados. Na esteira destas ideias, Eduardo Loureno [2004: 179] foi peremptrio em sublinhar a dimenso apoteoticamente portuguesa que acompanha a fora representativa dos afectos vinculados imagem da lusofonia:S para ns, portugueses, a lusofonia e a mitologia da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa imaginada como uma totalidade compatvel com as diferenas culturais que caracterizam cada uma das componentes. Como portugueses, seria impossvel e sem sentido no imaginar assim, pois somos o espao matricial da lngua portuguesa, levando-a connosco par as paragens que tocmos ou colonizamos, e onde estamos enquanto ela estiver e continuar a nos deni, aos nossos olhos e aos de outros, como interessados espiritual e vitalmente na sua irradiao, presena e metamorfose.

A ideia de vinculao dos vrios espaos a partir da referncia lngua no deve exceder a representao das possibilidades de celebrar, em si mesma e com todos os seus limites, a prpria comunicao. Os excessos celebratrios de vinculao cultural dos vrios espaos lusfonos a Portugal atravs da lngua acabam sempre por gloricar uma memria: neste caso uma verso presente de gloricao do passado que, por vezes, ultrapassa a simples celebrao da lngua comum e as possibilidades de comunicao que ela proporciona, para se cair nos excessos de imaginao de uma comunidade de cultura passvel de ser concebida, interpretada e reconhecida uniformemente por referncia s marcas impressas por Portugal nas extenses que formam a dita comunidade lusfona. Esta forma de celebrao discursiva da lusofonia tributria da perspectiva colonial que, durante o Estado Novo, acompanhou a alegoria da misso colonizadora de Portugal: o mito da reproduo de Portugal em todas as latitudes do seu imprio. E, se verdade que a imagem da lusofonia devedora imprescindivelmente da memria da lngua como um dos reexos materiais e espirituais da aventura colonial e imperial de Portugal, tambm no menos verdade que ela acaba por renovar, consciente ou inconscientemente, a nova forma de readaptao da mesma memria, dotando-a de um novo sentido operatrio: estimular a ideia de afectividade, de sentimentos, de aproximaes e de partilha comum. Sob a forma de discursos dos afectos, a imaginao da lusofonia acaba por matizar um pouco as representaes da memria que estabeleciam a prpria condio de subalternidade dos ento espaos coloniais portugueses: da posio armativamente hegemnica como Portugal se assumia e se impunha com a memria de todos os seus mitos nas relaes coloniais, passou-se ento para uma espcie de exaltao positiva desses legados, entre eles a lngua, atravs do discurso de celebrao afectiva, da concepo da lusofonia como espao de afectos assegurado por uma memria que se pretende partilhada. Ou seja, mesmo quando reconhecemos que, atravs dos rgos de propaganda e por referncia epopeia colonial e imperial, o Portugal do Estado Novo sempre animou formas afectivas de articulao da ento metrpole com as suas colnias, porm, atravs de uma espcie de mapeamento

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da geograa dos afectos, o discurso da lusofonia faz uma reconverso da memria histrica e convoca para a necessidade de reconhecimento de uma espcie de comunho das partes do mundo lusfono: o mito da eufonia lusfona. A mitologia que anteriormente narrava a grandeza imperial e colonial de Portugal e remetia as ento colnias para uma condio de subalternidade civilizacional, entre outras, por fora do elogio da lngua, reelaborada, readaptada e posta ao servio de um discurso que, sem desconsiderar as actuais especicidades, pretende estabelecer uma imagem onde todos, provavelmente, se podiam rever e sentir (confortavelmente) representados. Portanto, ao propor uma espcie de celebrao legitimadora de uma partilha comum, no se podem negligenciar as margens de sombras produzidas por aquilo que os processos selectivos da memria narram, mas que tambm eclipsam e escondem. Com isto queremos chamar a ateno para os formatos discursivos que a lusofonia ganha, tanto por fora da inuncia das reminiscncias da memria colonial e imperial, como tambm pela importncia que a percepo e a viso da sua representao ganha em funo dos espaos de enunciao e das formas da sua apropriao, com todas as virtudes e todos os reexos perversos inerentes plasticidade da prpria memria. Tal como refere Fernando Catroga, no se pode escamotear a ambiguidade da aco da memria: se por um lado, ela pode ser denida pelo que do passado aceite no presente por todos os que a recebem, a reconhecem e a prolongam ao longo de geraes, por outro lado, tende-se a esconder que a corrupo do tempo (e a historicidade do homem) tambm atravessa as reactualizaes e transmisses do recordado [Catroga 2001: 26]. margem da retrica (poltica, jornalista, acadmica, etc.) celebradora e propagadora da ideia de comunidade lusfona, cam sempre soterradas as contradies das realidades quotidianas e banais onde actuam e vincam as formas desiguais de representao identitria dos sujeitos falantes desta mesma comunidade. Apesar de a lngua ser a matriz fundamental de articulao da esfera lusfona, no podemos negligenciar a inuncia furtiva que o senso comum e as relaes ordinrias estabelecidas a partir do quotidiano exercem nas formas de apropriao, imitao e reproduo da lngua atravs da representao pseudo-correcta do aportuguesamento do sotaque, principalmente no contexto das relaes entre portugueses e imigrantes ou descendentes de imigrantes dos pases de lngua ocial portuguesa. Tambm margem da retrica dos afectos, podemos diagnosticar alguns contextos relacionais que o quotidiano no escamoteia nas suas vrias lgicas de relaes de poder e at de conito, inamados ainda pelas contradies da permanncia das velhas (coloniais) representaes identitrias mal resolvidas, como tambm pelos choques ps-coloniais das memrias individuais e colectivas latentes imagem reminiscente do antigo colonizador e do antigo colonizado. Portanto, parece plausvel considerar que as mltiplas faces que a realidade ganha em funo das diferentes lgicas atravs das quais os diferentes sujeitos constroem, no quotidiano, as suas relaes tanto afectivas como conituosas, no so mediadas pela retrica dos afectos que o discurso da lusofonia veicula. Por isso, uma radiograa do quotidiano se impe como necessidade de diagnosticar as contradies entre a fora retrica da lusofonia (no centro discursivo que a propala) e a fraqueza da sua inscrio (nas margens subalternas) onde os vrios mitos se sobrepem.

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3. Consideraes nais: Retrato de famlia numa casa mtica comumHerdmos um patrimnio riqussimo de civilizao: patrimnio de saber, de sentimentos, e bens, de solidariedade, de lembranas comuns [B.G.C. 1934: 82].

Directa ou indirectamente, o debate sobre a lusofonia acaba sempre por exumar a matriz de pendor cultural e espiritual onde assenta uma parte do seu iderio. Se so j evidentes os esforos no sentido de xao efectiva de um espao de concertao designado de Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), no entanto, no podemos pensar que o discurso sobre a lusofonia se esgota na concepo institucional dessa organizao de pendor essencialmente poltico e diplomtico. Partindo do inqurito crtico sobre a forma como os discursos sobre a ideia de uma comunidade lusfona se alojam consciente e inconscientemente na gloricao dos mitos portugueses que sempre inamaram a grandeza de Portugal e a legitimao da prpria ideia de imprio, podemos ento salientar que algumas das formas celebradoras da lusofonia no se conseguem desenvencilhar dos efeitos que a persistncia desses mesmos mitos continuam a ter na colonizao do imaginrio portugus, enquanto espao privilegiado de enunciao do prprio discurso sobre a lusofonia. Por um lado, no podemos perder de vista o peso que a ideia de imprio e a sua incorporao na identidade nacional portuguesa ganha desde as dcadas nisseculares de Oitocentos (sc. XIX), sob o aforismo de fazer cumprir Portugal na sua tradio atlntica de manter o ento imprio incarnado na frica que, para muitos, representava o futuro indissocivel da nacionalidade portuguesa, tal como salienta Maria Manuela Tavares Ribeiro [1998: 259]; por outro lado, tambm no menos verdade que o mito do imprio como destino de Portugal foi tambm sacralizado pelo Estado Novo e convertido em suporte dos discursos legitimadores do ultramar como misso nacional [Rosas 1995: 20]. Sendo assim, torna-se pertinente no desconsiderar a forma como o mito do imprio permaneceu colado e incorporado na identidade nacional portuguesa, pelo menos ocialmente at sua derrocada denitiva em 1974. Subsequentemente, na reactualizao da nova verso da identidade nacional, o discurso sobre a lusofonia reelabora uma nova viso e uma nova imagem procedente do trabalho de revisitao da memria do passado colonial e imperial de Portugal, uma vez que a tentativa de estabelecimento da ponte dos afectos passou pela renovao da imagem da ptria que fomos, atravs da sobrevalorizao das heranas culturais, entre elas a lngua, legadas por Portugal nas diferentes partes da sua peregrina misso civilizadora. Assim, a inveno da lusofonia renovaria a imagem nacional atravs da gloricao do legado da lngua, agora elevada a elemento comum e de unio, reajustando Portugal consigo mesmo e com o seu presente (de sbito reduzido estreita faixa atlntica [Loureno 2007: 49]), traando um possvel futuro a construir atravs da geograa imaginria que a lngua possibilitaria. Para alm do mito do imprio, o retrato da lusofonia alimenta-se tambm de um outro mito relacionado com a especicidade (excepcional) do colonialismo portugus: neste contexto, o legado da lngua no contextualizado como parte integrante da imprevisibilidade que caracteriza a tragdia da corrupo e do acaso dos processos histricos, mas sim como resultado cultural herdado do humanismo universalista portugus legado nos diferentes espaos de lngua ocial portuguesa.

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Por esta razo, a narrativa que xa a fora da persistncia da lngua portuguesa nos antigos espaos do ento imprio portugus no reconhece com o mesmo valor as inuncias socioculturais que, reciprocamente, esses mesmos espaos tiveram na modelao da lngua portuguesa. Sendo assim, uma narrativa unidireccional acaba por fornecer condies que sacralizam o messianismo da obra colonial (visvel no elogio da difuso da lngua) e permitem conceber esses espaos como meros acrscimos de sobrevalorizao da histria colonial da antiga metrpole, atravs da persistncia das marcas impressas pelos obreiros do imprio. Ou seja, consciente ou inconscientemente, uma narrativa unidireccional acaba sempre por remeter para uma posio de subalternidade as reciprocidades inerentes s relaes seculares de dominao que a prpria hegemonia do discurso colonial acaba por mascarar, em benefcio de uma narrativa que sacraliza a herana da antiga metrpole. Neste mesmo trilho encontra-se tambm o mito de um mundo portugus, com todas as suas adicionais representaes luso-tropicalistas do mundo que o portugus criou, onde se imaginava possvel identicar as constncias e as heranas lusas que permitiam o agrupamento uniforme dos diferentes espaos num nico bloco cultural. Tanto no senso comum como tambm nos espaos formais/ociais de enunciao discursiva, so manifestas as reminiscncias da ideologia luso-tropicalista na formatao da memria colonial de Portugal, com todas as suas persistncias e desdobramentos ps-coloniais que ela ganha na celebrao apotetica e acrtica da lusofonia7. Nas malhas das representaes inamadas e embalsamadas pelo luso-tropicalismo, pode-se tambm identicar dois outros mitos complementares: primeiro, o da vocao colonial portuguesa, manifesta na sua especial propenso para o estabelecimento de relaes de cordialidade e de afectividade com povos no europeus; segundo, o mito da universalidade dos valores inerentes ao processo civilizador e colonial portugus a aco portuguesa visava a transmisso aos povos autctones de valores universais [Alexandre 1979: 7]. Para alm de dissimular as conitualidades inerentes s relaes de poder em contextos de dominao colonial, a perspectiva do primeiro mito acaba sempre por ganhar, consciente ou inconscientemente, verses metamorfoseadas em formatos por vezes paternalistas na memria das relaes (passado/presente) dos portugueses com os povos das suas antigas colnias. A partir do mito da universalidade dos valores portugueses (entre eles a lngua) difundidos pelos espaos do ento imprio, o discurso sobre a lusofonia embala no sonho de enquadrar a imagem histrica de Portugal na difuso humanista do seu patrimnio cultural a lngua e persiste em inamar as afectividades entre os espaos dispersos que a lngua une por fora da aparente ideia de partilha de uma histria comum. Alis, a to propalada ideia de uma histria comum no deve passar margem de uma anlise crtica, sobretudo quando tomamos em considerao que a centralidade da memria do lugar (histrico) de Portugal na esfera lusfona no concebida na mesma proporo com a memria simblica da importncia que as diferentes colnias ocupavam na propagada e no imaginrio imperial, assim como na dimenso poltica, econmica, cultural e lingustica que actualmente ocupam diferenciadamente os pases do espao dito lusfono.

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7. Na contramo dessas abordagens acrticas, vejam-se entre outros: Venncio 1996, Margarido 2000, Almeida 2000: 161.225, Thomaz 2002, Madeira 2003, Martins 2004, Mata 2006, Castelo 2007, Jernimo & Domingos 2007, Lana 2008.

Outro mito no menos presente nos propsitos aparentemente confessos da lusofonia vem sob a forma de um certo messianismo justicador da necessidade de Portugal continuar a marcar o seu lugar no mundo. Neste caso, a lusofonia seria uma forma de Portugal, enquanto sede privilegiado da esfera lusfona, se armar como centro principal desta geograa imaginria atravs do qual se poderia mediar as relaes de aproximao dos pases lusfonos com outros pases da Europa e daqueles com estes. como se a lusofonia constitusse uma das razes para que Portugal continuasse a revelar a sua importncia na anexao desses espaos na sua rbita e, subsequentemente, granjear algum reconhecimento exterior em benefcio dessa sua posio hegemnica na articulao e organizao do espao lusfono: da, a necessidade de continuar a marcar o seu lugar no mundo. O que no deixa de ser curioso o facto de a realizao desse messianismo portugus continuar dependente da necessidade de atrelar os espaos do antigo imprio (agora pases independentes) para que Portugal arme (novamente) o seu papel/lugar no mundo, agora sob a verso da lusofonia. Tal como assegura Valentim Alexandre, por vezes, a anlise crtica da questo colonial omite os elementos de continuidade que lhe esto subjacentes e deixa intacta a narrativa identitria da nao portuguesa, fundada por grande parte na tradio imperial. () Os mitos e os traumas ligados ao imprio contriburam decisivamente para conferir a essa narrativa um carcter bipolar, em que sucedem e muitas vezes se sobrepem a crena num destino universal, numa misso a cumprir [Alexandre 2006: 39]. Por esta razo, Alfredo Margarido considera que a criao da lusofonia, quer se trate da lngua, quer do espao, no pode separar-se de uma certa carga messinica, que procura assegurar aos portugueses inquietos um futuro seno, em todo o caso razes e desrazes para defender a lusofonia [Margarido 2000: 12]. Tudo isto sob o propsito de continuar a alimentar uma imagem idlica do mito da (excepcional) forma portuguesa de estar no mundo. Parece legtimo considerar que a lusofonia no se esgota no comum uso da lngua, mas sim em todos os outros desdobramentos e alinhamentos (culturais, econmicos, polticos, cientcos, institucionais) que o dilogo atravs da lngua possibilita, facilita e proporciona [Cristvo 2005: 654]8. Importa acrescentar que so vrias as encenaes que hoje tentam dar um sentido festivo lusofonia. No entanto, algumas dessas encenaes actuais como, por exemplo, os designados jogos da lusofonia, no constituem uma aspirao original da contempornea ps-colonial portuguesa. So originais enquanto motivos de celebraes daquilo que se props designar lusofonia. Mas quando contextualizadas como motivos ou eventos celebradores que procuram, sob o discurso da afectividade entre os povos do espao lusfono, gerar novas formas de consenso e de imaginao de uma comunidade, os jogos da lusofonia actualizam, em parte, a verso da memria estado-novista que propalava a necessidade de organizao peridica dos Jogos Imperiais Portugueses, enquanto intercmbio desportivo entre a ento metrpole e as colnias e factor importantssimo de portuguesismo, dando a este termo o sentido da criao de um esprito nacional idntico em todos os cidados portugueses espalhados pelos diversos territrios de domnio lusitano [B.G.C. 1934: 112]. Estamos cientes de que a contemporaneidade que marca os designados jogos da lusofonia ou a celebrao da semana da lusofonia no correspondem aos ns patriticos que alimentaram em parte o nacionalismo imperial do Estado Novo8. Numa outra perspectiva de anlise, veja-se por exemplo: Sousa 2000 e 2005.

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salazarista, cujo sonho de realizao dos Jogos do Mundo Portugus parecia ser uma possibilidade de revelao do estmulo que nesta competio fsica agregava simbolicamente, numa s alma, num s nome, num s nobre estmulo, quaisquer que sejam as diferenas de cor, de religio, a juventude: esta seria, portanto, a expresso de continuidade e de solidariedade da alma e do destino nacionais e, ao mesmo tempo, o mais empolgante testemunho de unio dos jovens de toda a parte de Portugal e do ento mundo portugus [B.G.U. 1961: 216]. Entretanto, numa dimenso crtica podemos, at certo ponto, aceitar alguns limites de anacronismo que uma comparao estribada poder eventualmente revelar. Por outro lado, parece legtimo no desconsiderar que, independentemente dos diferentes contextos temporais e dos diferentes motivos subjacentes instituio dos jogos como modalidades de celebrao dos afectos entre os povos dos espaos marcados pela presena portuguesa, estes registos acabam directa e indirectamente por se enquadrarem na matriz referencial que as englobam e as agrupam como espaos marcados por uma narrativa que as incorpora transversalmente na memria e na histria de Portugal. Contudo, mesmo quando no se propala directamente as intencionalidades polticas dessas formas celebrativas, a convocao dos afectos atravs de encenaes ldicas no deixa de imbuir a memria da sua funo religadora. Em sntese, podemos considerar que a transparncia relativa s funcionalidades da memria subjacentes s formas de celebrao da lusofonia constitui ainda uma temtica muitas vezes relegada para a periferia dos debates sobre as encenaes que aspiram gerar formas de consenso e integrao de vozes dissonantes. As discursividades inerentes aos actos de celebrao da lusofonia podem sempre acabar por alimentar novos mitos a partir dos velhos fantasmas e fantasias que outrora povoaram e colonizaram (e que ainda colonizam) o imaginrio portugus. Por isso, mesmo de forma ldica, atravs dos jogos ou das celebraes das semanas da lusofonia, o mito de uma comunidade lusfona homognea pode ser alimentado sempre que as formas discursivas da sua celebrao inventam e convocam para uma adeso emocional (irreectida) de identicao de todos, com base no sentido alucinatrio de um sentimento de reconhecimento partilhado e consensual. Mesmo quando reconhecemos que estes contextos de identicao emocional ou sentimental no podem ser desligados tambm das formas subjectivas que os diferentes sujeitos experienciam na descoberta e simultnea redescoberta que um encontro casual poder proporcionar relativamente s possibilidades de se comunicarem [Seixas 2007: 131-155], no podemos perder de vista os limites sempre questionveis sobre a representao homognea de uma suposta identidade lusfona. Por isso, com todos os afectos que ela convoca, o discurso sobre a lusofonia no pode ser subsidirio do mito da cordialidade e muito menos do pretenso excepcionalismo que se imagina ter caracterizado a relao de Portugal com os povos por ele colonizados e que, em determinadas retricas, ganham formas discursivas saudosistas sob a forma de encontro de culturas [Almeida 1998: 237], tentando assim alimentar um pretenso sentido de afectividade entre os povos do universo lusfono. Neste sentido, deve-se olhar criticamente para a forma como os mitos do Imprio reproduzidos, recriados e manipulados at exausto ocultam (hoje e ontem) a imensa diversidade dos jogos de identicao dos povos que se inscrevem nas margens da lusofonia [Madeira 2003: 44]. Da, impe-se uma certa vigilncia na exorcizao dos velhos mitos em benefcio do reconhecimento de um discurso renovado que no descarte o trabalho de problematizar o passado, a histria e

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os contedos com que so insuadas as diferentes memrias dos diferentes pases inseridos na geograa do mundo lusfono. O sonho de uma comunidade lusfona sempre esteve ligado necessidade de armao de uma unidade que a partir de Portugal e do Brasil se tornava extensvel aos outros pases da esfera lusfona por fora das anidades de sentimento e de cultura que iriam sobrepor-se s questes de soberania [Pinto 2005: 307]. A nfase posta na afectividade e na pertena a algo que comum constitui um dos grandes artifcios da imaginao da prpria ideia de comunidade de pertena. Se por um lado ela existe por se reconhecer na lngua as possibilidades de comunicao (no sentido amplo que a noo de comunicao implica), por outro no podemos descartar a forma como este sentimento no se revela de forma unvoca entre os membros da sonhada comunidade. Talvez um dos mitos contemporneos da lusofonia (e que com ela arrasta outros mitos antigos) seja a ideia segundo a qual a persistncia das antigas anidades de sentimento e de cultura conseguem ultrapassar as questes de soberania. Em ltima anlise, ca sempre a interrogao: em que medida a tentativa de consolidao poltica da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP) se revela real a ponto da persistncia das anidades de sentimentos e de cultura se sobreporem a questes de soberania? No podemos recusar a anlise da histria e das formas discursivas que os usos da memria implicam no domnio desta temtica. Por isso, a to propalada ideia de uma histria comum, sentimento comum, memria partilhada, anidades de cultura, etc., no deve passar margem de uma problematizao crtica, tendo em conta as formas desiguais de apropriao, de recordao/celebrao/rememorao, como tambm os esquecimentos (intencionais e no intencionais) dalguns contedos dessa mesma histria que se diz comum. Devemos ter sempre em ateno que a aparente positividade subjacente ideia de uma histria comum simplica e redunda as relaes desiguais que sempre marcaram os contextos de superioridade hegemnica do colonizador e de inferioridade subalterna imputada ao colonizado. Contudo, no deixa de ser curiosa a forma como, em nome da retrica de uma histria comum ou de anidades de sentimento e de cultura, o antigo colonizado se torna discursivamente representado como o interlocutor directo e supostamente igual de uma relao outrora desigual em todas as suas modalidades prticas e simblicas. Da, se impor novamente a inquirio: o que que caracteriza esta histria comum seno as memrias das formas desiguais de relaes de poder e das violncias reais e simblicas inerentes aos contextos de dominao/colonizao? No restam dvidas que esta questo, em certa medida, condiciona e inuencia a forma como os diferentes interlocutores do espao lusfono incorporam a representao e a imagem da lusofonia como parte integrante da prpria identidade nacional dos seus pases. Por exemplo, nos Pases Africanos de Lngua Ocial Portuguesa (PALOP), este facto pode ser diagnosticado atravs da pertinncia quotidiana, simblica e identitria das lnguas nacionais em relao ao lugar ocial do portugus como lngua de unidade nacional [Prez 2000: 613], mas no a que confere uma unidade, uma vez que o portugus a, to somente, uma das lnguas existentes [Padilha 2005: 18]. Ou seja, tal o limite da deciente incorporao e assuno plena da ideia de uma identidade lusfona comum, em detrimento da fora que as memrias e as narrativas ps-independncia de cada um dos pases lusfonos exercem na cristalizao dos mitos que do sentido s suas prprias identidades e representaes nacionais. Este facto, para alm de atestar

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[Artigos] A lusofonia como retrato de famlia numa casa mtica comum

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a problemtica da sobreposio das memrias e dos lugares (cimeiros ou subalternos) que determinadas referncias ocupam nas narrativas identitrias, comprova tambm o diferente investimento que a representao e a incorporao identitria da lngua ganha em funo dos pases e, inclusive, entre os diferentes grupos sociais ou grupos tnicos de um mesmo pas [Pereira 2005: 121-142]. Tal como assegura criticamente Eduardo Loureno [2004: 180], nenhum dos povos lusfonos se sente empenhado, como ns [portugueses], na viso que a lusofonia induz e, muito menos, nos fantasmas no muito antigos que a assimilavam esfera lusada. Alis, no podemos perder de vista a forma como a representao da lusofonia tambm se entrecruza com outras memrias susceptveis de articular uma histria comum vista sob o ponto de vista da resistncia anti-colonial. Por isso, embora no tendo actualmente a mesma fora com que se revelou no contexto colonial, no podemos desconsiderar a importncia da memria da resistncia anti-colonial como uma referncia a partir da qual as ento colnias africanas se reviam e se representavam solidariamente, inclusive no perodo ps-independncia, (como um conjunto os cinco) na luta contra o colonialismo e na consolidao das independncias. Sendo assim, tudo indica que as incidncias da histria laboram no sentido de desagregar os lusfonos [Nascimento 2007: 125]. Portanto, quando o discurso celebrador da lusofonia ca pela simplista ideia da retrica dos afectos, das anidades de sentimento e de cultura, inamando uma adeso emocional de todos perante a ideia de representao de uma unidade, ca sempre por claricar aquilo que esta mesma retrica esconde e distorce nesta criteriosa seleco dos discursos dos afectos convocados por referncia recordao daquilo que se considera memorvel e subsequente esquecimento de contedos no dignos de rememorao. Perante a pluralidade das memrias e histrias de cada um dos pases lusfonos, a uniformidade e a direccionalidade do discurso da lusofonia dissimula uma parte substancial das conitualidades inerentes temporalidade das relaes asseguradas pela hegemonia colonial. Sendo assim, quando a dualidade rememorao/esquecimento ca pela convocao simplista dos afectos como sinal de ausncia de conitos, a lusofonia permanece sempre imune a uma problematizao dos contedos que lhe do um sentido exclusivamente celebratrio. Por isso, torna-se necessria a superao denitiva das clssicas ideologias [Neves 2000: 18], de modo que o passado possa ser trabalhado de forma mais problematizante e menos celebradora [Lana 2008: 46], uma vez que cada acto de recordao constitui, no essencial, um renado ensaio de esquecimento dos actos de violncia material e simblica inquestionavelmente envolvidos no modo portugus de estar no mundo [Jernimo 2009]9. Assim, mais do que tentar validar a ideia de partilha de um sentimento comum entre os portugueses e aqueles que formaram objecto da sua expanso colonial [Thomaz 2002: 57], deve-se sobretudo contextualizar as histrias e as memrias a partir das quais os diferentes pases lusfonos reescrevem as suas narrativas coloniais e estabelecem as suas representaes identitrias nacionais e nacionalistas ps-coloniais. O discurso da lusofonia no deve cingir-se seleco e celebrao selectiva do passado e da histria mas deve passar tambm pelo reconhecimento das diferentes memrias e das diferentes formas de percepes de uma9. Veja-se ainda os restantes artigos do dossi sobre os usos da memria, todos interessantes pela pertinncia com que abordam a problemtica. Le Monde Diplomatique, n.35 (Edio portuguesa), II Srie, Setembro, 2009. E ainda: Castelo 2006.

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histria (que se diz comum/partilhada), mas que ganha verses e olhares diferenciados de acordo com o ponto lusfono a partir do qual se lana o olhar. Possivelmente, este reconhecimento poder facilitar a exorcizao de alguns mitos e fantasmas que ainda hoje animam a narrativa hegemnica da prpria lusofonia e retarda o prprio processo catrtico das memrias onde se alojam estes mitos. Neste caso, interessa lidar com subjectividades e particularidades, contextualizando de onde vm estas relaes, e no com abstractos conjuntos de pases que, alm da lngua e de episdios histricos, no se revem necessariamente nesse bonito retrato de famlia [Lana 2008: 63] que faz da lusofonia uma espcie de casa mtica comum.

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Recebido a: 27/Julho/2010 Enviado para avaliao: 21/Maro/2011 Recepo da apreciao: 27/4, 16 e 19/Maio/2011 Aceite para publicao: 2/Junho/2011

TitleLusophony as a family portrait in a common mythical home.

AbstractThe hegemonic discourse of colonial propaganda of the Salazars regime (1933-1974) has always associated the Portuguese language with the narrative of the process of historical construction of the empire. From this perspective, based on one of the most important journals of colonial propaganda of Estado Novo, we propose to analyze the feasting and proud way the language was represented as an expression of Portuguese colonialists sense and strategy to represent the insertion of the colonies in the imaginary tradition of the culture expressed by language of the colonizer. In the second part of this article, we will deal with the imaginary representation of lusophony from the memorys myth of empire, emphasizing the ambivalence and contradictory force of colonial and other memories inherent to the representation and conception of the lusophone interlocutors.

Key-wordsLusophony, memories of the empire, colonial discourse, myths, identities.