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A LINGUAGEM E A APRENDIZAGEM DO DESENHO NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR: CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE1
VIERA, Fabio Daniel2-UNOCHAPECÓ
ALVES, Solange Maria3-UFFS
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo A reflexão contida neste texto traduz um recorte construído a partir da pesquisa de origem, cujo objeto central é a aprendizagem do desenho por estudantes de Design de Moda de uma universidade da região oeste de Santa Catarina. Esta necessidade surgiu ao avaliar as formas de ensino-aprendizagem em um grupo de deferentes estudantes, que eram submetidas a um mesmo método de ensino. Empreende-se aqui, sobretudo, uma contribuição para pensar sobre o processo de ensino e de aprendizagem em desenho e seu apoio como fator de desenvolvimento humano, com base nas referências teórica-orientadoras da análise e em dados iniciais coletados junto a dois estudantes do referido curso. A tarefa de ler e compreender os desafios enfrentados por estudantes de desenho se coloca como fulcral para docentes e para o processo pedagógico como um todo, devido o fato de fazer parte da trajetória do aluno do início ao final de sua formação acadêmica. Considerando o desenho uma linguagem, elemento de expressão e comunicação e tendo como base a teoria histórico-cultural, especialmente as contribuições de Vigotski sobre linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, este artigo analisa possíveis relações entre traços e trajetórias dos sujeitos, compreende o aprendizado do desenho como resultado de sínteses construídas pelos estudantes na relação com seus pares e com as experiências sociais e culturais condicionadas historicamente e nas quais se inserem. Adotaram-se métodos de coleta de dados, entrevistas e observação por meio de registro de diário das aulas, alem de análise visual para desenvolvimento de texto descritivo, tendo como base os fundamentos da linguagem visual, observando as características visuais dos desenhos.
1 Artigo escrito com base numa primeira análise decorrente de pesquisa sobre a aprendizagem da linguagem do desenho em Design de Moda como Trabalho de Conclusão de Curso latu senso realizada para fins de obtenção do grau de especialista em Docência na Educação Superior. 2 Graduado em Artes Visuais, docente do curso de Design da Unochapecó. Estudante do curso de pós-graduação latu senso em Docência na Educação Superior. Email: <[email protected]>. 3 Professora Dra. em Educação com área de pesquisa em Psicologia e Educação. Docente da UFFS- Universidade Federal da Fronteira Sul. Orientadora da pesquisa que dá origem a este texto. Email: <[email protected]>.
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Palavras-chave: Linguagem. Abordagem Histórica - Cultural. Educação.
Introdução
Em termos gerais, quando se fala em aprender a desenhar, no âmbito da educação
escolar, é comum encontrar quem conceba esse como o ato de desenhar coisas, um dom, uma
atividade ligada ao lúdico, ao prazer, a uma criatividade inata, pertencente ao sujeito. Sendo
inata, alguns a possuem e outros não. Por isso, pouco se pode fazer para mudar situações em
que aprender a desenhar seja a pauta principal. Concomitante, pode ser percebido por meio de
relatos dispostos em livros ou revistas do seguimento, que a compreensão por parte de alguns
sobre a aprendizagem de desenho é uma medida simples, basta observar e representar. Para
isso, é preciso apenas forçar a percepção visual dos discentes. Mas quando eles não
conseguem aprimorar as técnicas ministradas, torna-se para o estudante algo extremamente
difícil e enfadonho.
Edwards (2000) relata a mediação no ensino do desenho como algo similar a ensinar
alguém a andar de bicicleta. Seria simples dizer: “monte, pedale, se equilibre e siga em
frente”. Esta reflexão pode ser relacionada com um formato de ensino do desenho tradicional,
em que uma explicação básica de como fazer o desenho deveria bastar. Um exemplo é a
expressão “clichê”: “Basta olhar o original e copiar para o papel!”. Mas, na realidade, pode
não solucionar as dificuldades dos alunos.
Mas não é tão simples. Mesmo entre autores que pesquisam e reflitam sobre o tema, as
significações variam. Hallawell (1994, p. 3) afirma: “O desenho é uma interpretação de
qualquer realidade, seja visual ou emocional, por intermédio da representação gráfica. Para
isso, é preciso dominar a gramática e a sintaxe da linguagem visual, empreendida na
representação.” Para complementar as palavras de Hallawell, é preciso conhecer e dominar
elementos para um trabalho visual, como noções de luz e sombra, linhas, formas, pontos,
cores e texturas. Desenhar, então, se configura como uma linguagem. Isso coloca, para quem
ensina desenho, o desafio de compreender a relação entre linguagem e o aprendizado do
desenho. Isto demanda, por sua vez, uma leitura acerca do papel da linguagem no
desenvolvimento humano, ou seja, no desenvolvimento de modos tipicamente humanos de
organização cognitiva, como a abstração, a compreensão, a análise, a síntese, a classificação
e, no caso do desenho, elementos de estética e criação artística.
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Isso remete a outros fundamentos teóricos, que vão além dos modelos tradicionais
e/ou tecnicistas de ensino e de aprendizagem para os quais, em geral, basta seguir o modelo,
reproduzir as informações dadas pelo docente e criar pouco. Mais do que uma técnica,
desenho é uma linguagem. Sob este prisma, encontramos em Vigotski4 a base teórica capaz de
elucidar essa relação entre linguagem e aprendizado do desenho. Nas palavras de Vigotski5
(2009, p. 11): “A função da linguagem é a comunicativa. A linguagem é, antes de tudo um
meio de comunicação social, de enunciação e compreensão.”
Sob a influência do materialismo histórico-dialético, a psicologia histórico-cultural de
Vigotski e colaboradores alerta que a linguagem não é um fenômeno isolado. Tal como a
consciência, a linguagem é produto da necessidade de intercâmbio entre os homens no
processo de trabalho.
O trabalho, primeiro, depois a palavra articulada, constituíram-se nos dois principais fatores que atuaram na transformação gradual do cérebro do macaco em cérebro humano que, não obstante sua semelhança, é consideravelmente superior a ele quanto ao tamanho e a perfeição. (ENGELS, 1990, p. 25).
Assim como o trabalho, a linguagem irá desempenhar, no desenvolvimento humano, a
função de um poderoso instrumento de mediação homem-mundo, à medida que permite a
transmissão de saberes e o aprendizado de novas formas de relações. Os sistemas de signos
(linguagem, escrita, sistema numérico etc.), bem como o sistema de instrumentos, são criados
pela sociedade ao longo do curso da história humana e mudam a forma social e o nível do seu
desenvolvimento cultural. De acordo com Palangana (1994, p. 23):
4 Psicólogo russo, nascido em 1896 e falecido em 1934. Tendo vivido a União Soviética revolucionária (1917), empenhou-se em construir uma psicologia igualmente revolucionária, capaz de compreender o humano como resultado de múltiplas relações sociais historicamente circunstanciadas. Nesse processo, a linguagem assume papel central como signo construído socialmente cuja tarefa central é a mediação simbólica que, em última análise, é constitutiva do ser humano. A palavra “signo” organiza o pensamento, dá forma à cognição. Junto com Alessander Luria e Alexei Leontiev, Lev Vigotski se tornou o mais eminente nome da teoria histórico-cultural de desenvolvimento humano. 5 Várias têm sido as formas de grafia para o nome desse autor, a partir da transliteração do alfabeto russo, dependendo do lugar e das formas linguísticas adotadas. É o caso da grafia Vygotsky, bastante utilizada nas traduções estadunidenses e inglesas. Por sua vez, nas edições espanholas tem prevalecido a grafia Vygotski; na Alemanha, Wygotski. Contudo, em obras do campo da psicologia, publicadas pela editora estatal soviética dos idos vividos por este autor – a Editora Progresso, de Moscou -, traduzidas diretamente para o espanhol, bem como em edições recentes publicadas no Brasil, verifica-se a adoção da grafia Vigotski. Assim, preservadas as grafias adotadas pelo referencial consultado para este estudo, esta última se define com opção gráfica para o texto e o conteúdo em questão.
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A linguagem coloca-se, pois, como causa e como conseqüência do desenvolvimento do cérebro e de seus assessores imediatos: os órgãos dos sentidos. Se o trabalho criou o órgão e a função, há que se considerar também o inverso. A consciência, dotada de uma crescente capacidade de discernimento e abstração, atuou na atividade prática e na linguagem, imprimindo-lhe horizontes que não mais coincidem com os precedentes, justamente por estarem ambos – objetos físicos e simbólicos – sendo aperfeiçoados.
Infere-se, pois, que o instrumento simboliza a atividade humana, o ato de
transformação na natureza pelo homem que, ao fazê-lo, modifica a si próprio. Corroborando
com Alves (2012), para a perspectiva histórico-cultural, o trabalho – compreendido como
atividade vital humana – cria a condição para o aparecimento e o desenvolvimento da
linguagem, à medida que, em sendo as relações de trabalho relações coletivas, sociais,
precisam ser comunicadas, dispostas a esse coletivo. Nasce a linguagem como elemento de
comunicação e de generalização e como construto social desde a origem. Assim, nas palavras
de Alves (2012, p. 131), “[...] a relação entre pensamento e linguagem constitui terreno fértil
quando se objetiva conhecer e compreender o homem como um todo, desde que essa relação
seja ela própria compreendida como sendo resultado das formas concretas de organização da
vida em sociedade.”
Nesta mesma direção, de acordo com Teixeira (2005, p. 95), para Vigotski e a teoria
histórico-cultural do desenvolvimento humano,
[...] as ideias e as representações da consciência estão entrelaçadas com a atividade prático-sensorial do homem. Isto é, o homem reage ao meio, sim, mas se trata de um meio muito mais criado por ele mesmo, por sua atividade social, do que um meio ‘in natura’. Além disso, o meio criado humanamente implica o desenvolvimento de um psiquismo que é, por isso, social. Isto é, o meio no qual se desenvolve o psiquismo é cultural por excelência: social, dizendo-se por outra palavra.
Então, se as ideias, as representações, estão entrelaçadas com a atividade prático-
sensorial do ser humano e se tais representações são feituras da linguagem como signo
mediador do psiquismo e, de outro lado, se o desenho é uma linguagem e desenhar requer
habilidade de transpor a imagem, materializar a imagem no traço por meio da atividade
prática e sensitiva, então temos os elementos centrais para compreender a relação entre
linguagem de aprendizado do desenho. Desta forma, é possível embasar as análises do
aprendizado do desenho, com o pensamento dos alunos em relação à linguagem que estão
desenvolvendo. O desenho voltado para o Design de Moda, com foco na figuração da
anatomia humana, pode representar, de forma gestual, técnica ou reflexiva, o pensamento do
indivíduo que a executa.
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Entre os princípios metodológicos apresentados por Vigotski (1998, p. 74), em
especial o que consta no texto “Problemas de Método”, o pesquisador propõe o estudo de
processos e não de produtos, “é somente em movimento que um corpo mostra o que é”.
Vigotski discute que é a partir do movimento de processo de aprendizagem que um sujeito se
mostra como é, argumenta pela necessidade de valorizar o histórico-cultural de cada
indivíduo, como um percurso de transformações que envolvem o presente e influenciam nas
projeções futuras.
Baseando-se neste conjunto complexo de fatores, podemos dizer que o meio e o
contato com outras pessoas influenciam no desenvolvimento do sujeito. Se relacionarmos a
ideia de que os alunos atuais passaram por outras etapas da vida, como a infância e a
adolescência, e que durante essas etapas obtiveram influências sociais e diferentes
experiências, surge a pergunta: é possível haver relações entre a linguagem do desenho no
desenvolvimento desses estudantes?
A linguagem do desenho pode ser considerada, primeiramente, um processo mental
antes de ser material, assim como a fala, que está diretamente ligada ao pensamento.
Entretanto, é preciso buscar no discurso dos alunos como eles compreendem e se relacionam
com o aprendizado dessa linguagem.
Como este estudo possui a problematização de identificar os desafios enfrentados
pelos estudantes durante o aprendizado nas disciplinas de Desenho de Moda, reflexões de
Edwards, Vigotski e os demais autores apresentados podem ser considerados coerentes para
que se obtenha o alcance dos objetivos propostos.
Olhando o Desenho Sob a Lente Histórico-Cultural: Análise Preliminar
As falas destacadas neste texto possuem como principal interesse identificar nos
desenhos dos alunos características visuais que possam ser relacionadas com seu aprendizado.
Para captar essas características, é preciso estudar e entender os fundamentos da linguagem
visual. Segundo Perazzo (1997, p. 10): “As imagens, assim como as palavras, têm sentidos
múltiplos. A linguagem visual também produz sentidos e, para entendê-los, é preciso
conhecer sua estrutura, seus elementos constitutivos.”
Observar desenhos requer captar características visuais. Este processo pode
proporcionar um estudo mais detalhado sobre os trabalhos desenvolvidos pelos alunos. Para
Arnheim (2000, p. 36): “Ver significa captar algumas características proeminentes dos objetos
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– o azul do céu, a curva do pescoço do cisne, a retangularidade do livro, o brilho de um
pedaço de metal, a retitude do cigarro.” O autor apresenta possibilidades de narrativas visuais
ao observar objetos, imagens ou cenários. Esta possibilidade de narrativa também pode existir
e auxiliar no momento de avaliar um desenho.
Para o andamento da pesquisa, os alunos mencionados serão identificados pela
nomenclatura A, para o aluno que apresentou dificuldades, e B, para o aluno que demonstrou
facilidades para desenhar. Concomitante, deve ser levado em consideração que ambos
manifestaram igual interesse em aprender ou praticar desenho com o propósito de tentar
superar suas dificuldades e melhorar a qualidade de suas produções.
Para dar continuidade, foi realizada, no segundo semestre de 2012 com os alunos
observados, uma entrevista com dez perguntas sobre possíveis influências para a
aprendizagem do desenho. O objetivo é buscar informações sobre as relações sócio-históricas
ligadas ao desenvolvimento da linguagem do desenho. Estas, de certo modo, podem ser
associadas aos desafios hoje enfrentados para o exercício de uma linguagem fundamental para
o futuro profissional de Design de Moda.
Uma das perguntas conferidas, questão número 3. Havia relação com o desenho em casa?
Com sua família, ou amigos?
Reposta da aluna A: “Não! Não tinha incentivo e nenhuma referência que me influenciasse a
observação para desenhar.”
Resposta da aluna B: “Sim! Com meu pai e minha irmã. Meu pai sempre gostou de desenhar,
fazer caricaturas, desenhar com base em outros desenhos, isso me incentivou a gostar de
desenhar. Minha irmã, apesar de mais nova, também gosta de desenhar, agora faz curso de
desenho e trocamos experiências.”
Analisando as respostas das alunas, primeiramente surge a ideia de que a aluna B
obteve em sua trajetória histórica mais informações e incentivo do que a aluna A, e esta
relação pode influenciar hoje o aprendizado e a maneira de desenhar. Mas as respostas sobre
os desafios, dificuldades e facilidades encontradas para o aprendizado estão muito mais
aprofundadas e enraizadas no desenvolvimento humano do que aparentam estar.
Segundo informações descritas no diário de registro das aulas – realizado com a
função de recolher informações sobre o comportamento e a reação dos alunos e ao seu
desempenho –, o conteúdo recomendado para a primeira aula da disciplina de Desenho de
Moda I, realizada dia 3 de agosto de 2011, se baseou na produção individual de um desenho
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da figura humana, desenhado naturalmente conforme a experiência e o conhecimento de cada
um, sem influências do professor ou de materiais para observação, como figuras impressas,
fotografias, manequins, bonecos antropométricos ou modelo vivo.
A intenção da atividade se destinou a observar as produções individuais e identificar
os alunos que apresentassem facilidades ou dificuldades para desenhar. Além de buscar em
suas memórias, a maneira como interpretam a figura humana e a representam por intermédio
da linguagem do desenho. Segundo Vigotski (1998, p. 67), “[...] a memória, mais do que o
pensamento abstrato, é característica definitiva dos primeiros estágios do desenvolvimento
cognitivo.” Compreende-se, a partir da fala do autor, que a memória é muito abrangente e
significativa para o desenvolvimento das funções estruturais da representação.
Os alunos observados são jovens entre 18 e 20 anos, dispostos a passarem pelo mesmo
processo de aprendizagem. Trazem consigo toda uma carga de experiências histórico-culturais
e recordações sobre experiências que obtiveram durante a infância. Estas experiências podem
ser relacionadas com o aprendizado da linguagem do desenho no presente, concomitante, a
projeções futuras.
As imagens expostas na sequência do texto apresentam exemplos das produções
desenvolvidas pelos alunos, durante as aulas mencionadas. A seguir, segue narrativa de
análise visual, embasada nos fundamentos da linguagem visual, permitindo fazer uma leitura
sobre os desenhos e relacionando falas dos alunos e citações de Vigotski. Segue os primeiros
desenhos dos alunos observados nas Figuras 1 e 2.
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Figura 1 – Desenho da aluna A. Figura 2 – Desenho da aluna B.
Podemos observar que a figura 1, realizada pela aluna A, representa um desenho de
uma imagem feminina. O corpo se encontra levemente inclinado fora do eixo de equilíbrio, os
traços da parte superior do desenho são mais fortes, marcando principalmente a silhueta do
quadril. Para representar o cabelo, a aluna executou inúmeros riscos formando um volume
acentuado sobre a cabeça arredondada. Percebe-se a tentativa de definir mãos e pés, sendo
resumido a um único contorno. Embora o desenho não apresente destreza técnica da
representação da figura humana, não pode ser retirado o crédito de ser um traço impactante e
expressivo.
A imagem número 2 apresenta um desenho com tentativa de movimentos nos
membros superiores e inferiores. O corpo está equilibrado e vestido, o rosto está definido de
forma simétrica, podendo ser percebido um início de estilização no traço. Os olhos são mais
alongados e marcados, como se estivem maquiados. A figura, desenvolvida pela aluna B,
também representa uma imagem feminina. Em ambos os exemplos se nota a verbalização,
usando a linguagem do desenho para a representação gráfica dos sentidos, resultando em uma
figura também do mesmo sexo. Segundo Vigotski (1998, p. 150): “A representação simbólica
primária deve ser atribuída à fala e é utilizando-a como base que todos os outros sistemas de
signos são criados.”
Na aula em que as figuras apresentadas foram realizadas, não havia ainda ocorrido um
questionamento sobre as experiências dos alunos em relação a linguagem do desenho. No
decorrer do semestre, iniciou-se, então, uma análise de como os acadêmicos se comportavam
diante dos exercícios propostos. Registrado no diário das aulas do dia 21 de setembro de
2011, a aluna A demonstrou muito interesse em praticar desenho, agiu com tranquilidade e
ergueu seu trabalho para mostrar aos colegas. Conforme registros, a aluna trouxe os
exercícios quase completos para avaliação do professor, procurou interagir com a turma rindo
e conversando enquanto desenhava. Em certo momento, ergueu seu desenho mostrando para
todos os colegas dizendo: “Acho que tem alguma coisa errada, mas não consigo identificar.”
Podemos dizer que a aluna expressa sua dificuldade e solicita ajuda (dicas)
espontaneamente para os colegas. Neste sentido, Vigotski (1998, p. 63) afirma: “[...] é o
pensamento verbal que nos ajuda a organizar a realidade em que vivemos.”
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Com base nas palavras de Vigotski, é possível dizer que há alunos de desenho em
Design de Moda que se veem diante da necessidade de aprendê-lo. Para isso, precisam se
adaptar à realidade em que estão inseridos. Como a satisfação das necessidades e o impulso
para a adaptação são vinculados entre si, os alunos se deparam diante de situações que os
obrigam a determinado aprendizado. Neste sentido:
O impulso para a satisfação das necessidades e o impulso para a adaptação à realidade não podem ser considerados como coisas separadas entre si e mutuamente opostas. Uma necessidade só pode ser verdadeiramente satisfeita mediante certa adaptação a realidade. (VIGOTSKI, 1998, p. 26).
Podemos inferir, com base nessa leitura, que a aluna verifica o resultado de seu
desenho e manifesta sua dificuldade para a turma, busca em seus colegas opiniões para
auxiliar na adaptação à realidade em que está inserida.
Nesta mesma aula, a aluna B realizou os exercícios propostos sem demonstrar
dificuldades. Após um determinado tempo, optou em fazer um intervalo, voltou para a sala e
continuou a desenhar. Em nenhum momento se queixou, solicitou orientações do professor ou
manifestou preocupações para os colegas sobre o que estava produzindo.
O que concerne esta etapa da pesquisa é observar as características dos desenhos
desenvolvidos pelos alunos, com o objetivo de perceber suas dificuldades e facilidades para o
ato da representação. Segundo Oliveira (2004, p. 55): “[...] o desenvolvimento individual se
dá no interior de uma determinada situação histórico-cultural, que fornece aos sujeitos, e com
eles constantemente reelabora, conteúdos culturais, artefatos materiais e simbólicos,
interpretações, significados, modos de agir, de pensar e de sentir.”
Podemos dizer, como já o fizemos antes, que as experiências passadas dos alunos
podem influenciar no aprendizado presente e refletir no futuro. Para trazer possibilidades de
reflexões e finalizar este fragmento de pesquisa, mais uma questão da entrevista pode ser
vinculada ao texto.
A pergunta conferida, questão número 4: Como foi sua relação com o desenho na
escola?
Resposta da aluna A: “Normalmente pintava desenhos prontos, ou ligava os pontinhos para
formar o desenho e depois pintava. Nas datas comemorativas, coelho de páscoa, dia das
mães, dos pais, das crianças, São João, dia do índio, do soldado, da água e da árvore. Até a
quinta série era uma professora para todas as matérias.”
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Resposta da aluna B: “Foi boa, tive uma ótima professora de artes até a 1ª série do ensino
médio, depois tive incentivo dos demais professores que tive desta matéria.”
Considerando que as relações com a linguagem do desenho podem surgir em várias
etapas da vida, na infância ou na adolescência, em locais de convivência, como a escola por
intermédio de colegas e professores, ou em casa, por meio de familiares e amigos, podemos
dizer que estas influências passadas refletem no aprendizado atual dos alunos. Segundo
Vigotski (1998, p. 40): “O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por
intermédio de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de
desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história
social.” Podemos dizer, com base nas palavras de Vigotski, que o desenvolvimento humano
possui ligação com a história individual e social. Neste caso, avaliando as respostas das
alunas, se nota que obtiveram contatos diferentes com o desenho em suas trajetórias escolares.
Estas reflexões fazem com que surjam novas perguntas, ocasionando novas questões
para pesquisa. Portanto, o que as diferenças histórico-sociais podem influenciar no
aprendizado do desenho hoje?
Ao analisar os desenhos das alunas percebesse uma evolução individual, mas que
ocorre em coletividade e em um mesmo processo de aprendizagem. Concomitante, podemos
dizer que entre os desafios para a aprendizagem está o contato do aluno com o resultado de
seu trabalho, que exige reflexão e análise sobre seu próprio desempenho. Está no domínio da
gramática e da sintaxe da linguagem visual, que requer prática e condições para se auto-
avaliar.
Considerações Finais
Levando em consideração que este artigo representa apenas um fragmento de uma
pesquisa mais abrangente, podemos considerar que entre os desafios que estudantes de Design
de Moda enfrentam para aprender desenho está a superação dos limites em relação ao contato
com a linguagem exercida em seu histórico social e cultural. Estas indagações não nos
respondem com certeza, mas obrigam uma busca mais aprofundada, aliada a pesquisas sobre
o desenvolvimento humano e as vivências histórico-culturais.
Para aprender desenho, os alunos precisam praticar as experiências apreendidas durante as
aulas. Essas práticas não se referem somente ao ato de desenhar tecnicamente, mas consistem
também no ato de observar e analisar detalhes ligados aos fundamentos da linguagem visual.
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O aluno que exerce funções além da sala de aula, envolvendo estas percepções, se sente, ao
que parece, mais seguro para desenvolver a prática do desenho durante seu aprendizado.
O ambiente em que ocorre o aprendizado envolve professor e alunos, promove o
contato entre colegas durante um mesmo processo de aprendizagem. Como os alunos trazem
para a sala de aula suas relações histórico-culturais, iniciam o aprendizado com resultados
diferentes, e muitas vezes o resultado do aprendizado do outro sugere comparações. Contudo,
para corroborar este texto, as avaliações realizadas pelo docente não devem ser comparativas,
e sim individuais, conforme a evolução de cada um. Compreende-se, também, que a falta de
estímulo pode prejudicar a expressão e o ato de criar por meio da linguagem do desenho. As
contribuições empreendidas neste texto sugerem o início de um debate, que valoriza o
aprendizado do desenho como linguagem de ação do trabalho, concebida nos conceitos do
materialismo histórico-dialético, construído social e historicamente nas relações humanas.
REFERÊNCIAS
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