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Francis S. Collins

A LINGUAGEM DEDEUS

Um cientista apresentaevidências de que Ele existe

Tradução:Giorgio Cappeli

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Digitalização:Argo (apelido de "Deus")

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À meus pais, que me ensinaram a

adorar o aprendizado.

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SUMÁRIO

Introdução

PRIMEIRA PARTE

O cisma entre a ciência e a féCAPÍTULO I: Do ateísmo à crençaCAPÍTULO 2: A guerra das visões

de mundo

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SEGUNDA PARTE

As grandes questões daexistência humana

CAPÍTULO 3: As origens douniverso

CAPÍTULO 4: A vida na Terra:sobre micróbios e o homem

CAPITULO 5: Decifrando omanual de instruções de Deus: as liçõesdo genoma humano

TERCEIRA PARTE

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Fé na ciência, fé em DeusCAPÍTULO 6: Gênesis, Galileu e

DarwinCAPÍTULO 7: Alternativa I:

Ateísmo e agnosticismoCAPÍTULO 8: Alternativa 2:

CriacionismoCAPÍTULO 9: Alternativa 3:

Design inteligenteCAPÍTULO 10: Alternativa 4:

BiólogosCAPÍTULO 11: Os que buscam a

verdade

ApêndiceA prática moral da ciência e da

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medicina: Bioética

Agradecimentos

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INTRODUÇÃO

NUM DIA QUENTE DE VERÃOdo primeiro semestre do novo milênio, ahumanidade atravessou uma ponte rumoa uma nova era de tremendaimportância. Ao mundo inteiro foitransmitido um pronunciamento, comdestaque em praticamente todos osjornais mais importantes, apregoandoque o primeiro rascunho do genomahumano, nosso manual de instruções,havia sido concluído.

O genoma humano é formado portodo o DNA de nossa espécie; é o

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código de hereditariedade da vida. Otexto recém-revelado apresentava 3bilhões de letras, escrito num códigoestranho e enigmático composto dequatro letras. A complexidade dasinformações contidas em cada célula docorpo humano é tamanha e tãoimpressionante que ler uma letra porsegundo desse código levaria 31 anos,dia e noite, ininterruptamente. Seimprimíssemos essas letras num tamanhode fonte regular, em etiquetas normais, eas uníssemos, teríamos como resultadouma torre do tamanho aproximado de umprédio de 53 andares. Pela primeira veznaquela manhã de verão, aquele enredofabuloso, que continha todas asinstruções para construir um ser humano,

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encontrava-se disponível para o mundo.Como líder do Projeto Genoma

Humano internacional, no qual meempenhei por mais de uma década a fimde revelar a sequência do DNA, fiqueiao lado do presidente Bill Clinton, noSalão Leste da Casa Branca, juntamentecom Craig Venter, o líder de umaempresa concorrente do setor privado.O primeiro-ministro Tony Blair estavaconectado ao evento via satélite, e ascomemorações aconteciam em váriaspartes do mundo.

Clinton iniciou o discursocomparando o mapa da sequência dogenoma humano ao que MeriwetherLewis desdobrou diante do presidenteThomas Jefferson, naquele mesmo

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recinto, quase duzentos anos antes.— Sem dúvida — afirmou Clinton

—, trata-se do mapa mais importante emais extraordinário já produzido pelahumanidade.

No entanto, a parte de seu discursoque mais chamou a atenção do públicosaltou da perspectiva científica para aespiritual.

— Hoje — disse ele —, estamosaprendendo a linguagem com a qualDeus criou a vida. Ficamos ainda maisadmirados pela complexidade, pelabeleza e pela maravilha da dádiva maisdivina e mais sagrada de Deus.

Será que eu, um cientistarigorosamente treinado, fiqueidesconcertado com uma referência

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religiosa tão espalhafatosa, feita pelopresidente dos Estados Unidos nummomento como aquele? Fiquei tentado amostrar-me irritado ou a olharenvergonhado para o chão? Não, nemum pouco. Na verdade, eu trabalharacom o redator do discurso do presidentenaqueles dias de frenesi que precederamo evento, e fui enfático em meu apoio àinclusão desse parágrafo. Quandochegou o momento em que preciseiacrescentar algumas palavras de minhaautoria, fiz coro com esse sentimento:

— É um dia feliz para o mundo.Para mim não há pretensão nenhuma, echego mesmo a ficar pasmo ao perceberque apanhamos o primeiro traçado denosso manual de instruções,

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anteriormente conhecido apenas porDeus.

O que se passava lá? Por que umpresidente e um cientista, no comandodo anúncio de um marco da Biologia eda Medicina, se sentiram impelidos aevocar uma conexão com Deus?

Não existe um antagonismo entre asvisões de mundo científica e espiritual?Ambas não deveriam, ao menos, evitaraparecer lado a lado no Salão Leste?Quais os motivos para evocar Deusnesses dois discursos? Poesia?Hipocrisia? Uma tentativa cínica debajular as pessoas religiosas ou dedesarmar as que talvez criticassem oestudo do genoma humano como se estereduzisse a humanidade a um

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maquinário? Não. Não para mim. Muitopelo contrário. Para mim, a experiênciade mapear a sequência do genomahumano e descobrir o mais notável detodos os textos foi, ao mesmo tempo,uma realização científicaexcepcionalmente bela e um momento deveneração.

Muitos ficarão intrigados comesses sentimentos, presumindo que umcientista que trabalha com rigor nãopossa também acreditar seriamente emum Deus. Este livro tem por objetivodisseminar esse conceito, argumentandoque a crença em Deus 11 pode ser umaopção completamente racional e que osprincípios da fé são, na verdade,complementares aos da ciência.

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Essa síntese potencial das visõesde mundo científica e espiritual, nostempos modernos, é tida por muitoscomo impossível, quase como atentativa de obrigar os dois polos de umímã a permanecer juntos num mesmoponto. Apesar dessa impressão, váriaspessoas nos Estados Unidos pareceminteressadas em assimilar a validade deambas as visões de mundo em seucotidiano. Pesquisas recentes confirmamque 93% dos norte-americanos sãoadeptos de alguma forma de crença emD e u s ; entretanto, a maioria delestambém dirige carros, utilizaeletricidade e presta atenção naprevisão do tempo, aparentementereconhecendo que a ciência que dá

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respaldo a tais fenômenos é, em geral,digna de crédito.

E o que dizer da crença espiritualentre cientistas? Na verdade, ela é maiscomum do que muitas pessoas imaginam.Em 1916, pesquisadores perguntaram abiólogos, físicos e matemáticos seacreditavam em um Deus que secomunica ativamente com a humanidadee ao qual é possível fazer uma oração,na esperança de receber uma resposta.Cerca de 40% deles responderam quesim. Em 1997, o mesmo estudo foirepetido literalmente e, para surpresados pesquisadores, a porcentagempermanecia muito próxima da anterior.

Quer dizer, então, que a "batalha"entre a ciência e a religião talvez não

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esteja tão claramente separada quantoparece? Infelizmente, a prova de umaharmonia potencial é, com frequência,ofuscada pelos pronunciamentosvociferados daqueles que ocupam ospolos do debate. Não há como negar:bombas são jogadas de ambos os lados.Por exemplo, para desacreditar, em suaessência, as convicções religiosas de40% de seus colegas, taxando-as comobobagens sentimentais, o evolucionistaRichard Dawkins surgiu como destacadoporta-voz do seguinte 12 ponto de vista:é preciso ser ateu para acreditar naevolução.

Eis uma de suas diversasafirmações estarrecedoras: "A fé é agrande enrolação, a grande desculpa

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para fugir da necessidade de pensar eavaliar as evidências. A fé é acreditar,apesar de, ou mesmo em virtude de, umafalta de evidência. [...] A fé, por ser umacrença que não se baseia em evidências,é o principal vício de qualquerreligião."1Do outro lado do debate,determinados fundamentalistasreligiosos atacam a ciência,condenando-a de perigosa e nãoconfiável, e apontam uma interpretaçãoao pé da letra dos textos sagrados comoúnica forma crível para discernir averdade científica. Entre osparticipantes dessa comunidade está ofinado líder do movimento criacionista,Henry Morris, cujos comentáriossobressaem:

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Essa mentira chamada evoluçãopermeia e domina o pensamentomoderno em todos os campos. Sendoassim, portanto, é inevitável que opensamento evolucionista seja,basicamente, o responsável pelosdesenvolvimentos políticosmortalmente sinistros e peloesfacelamento caótico, moral e socialque vem sendo catalisado em todos oslugares. [...] Se a ciência e a Bíbliaentram em desacordo, é óbvio que aciência interpreta os dados de formaerrônea.2

A crescente cacofonia de vozesantagônicas faz com que váriosobservadores sinceros se sintamconfusos e desanimados.

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1 DAWKINS, R. IS Science aReligion? The Humanist, v. 57, 1997,p. 26-29.

2 MORRIS, H. R. The Long WarAgainst God. New York: MasterBooks, 2000.

Pessoas de bom senso concluem tera obrigação de escolher entre doisextremos insossos, e nenhum delesoferece muito consolo. Decepcionadaspela estridência de ambas asperspectivas, muitas optam por rejeitartanto a confiabilidade das conclusõescientíficas como o valor da religiãoorganizada, preferindo se lançar asdiversas formas de pensamentoanticientífico ou a alguma forma vaziade espiritualidade, ou se entregar a uma

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simples apatia. Outras decidem aceitarao mesmo tempo os valores da ciência eos do espírito, isolando, porém, essasporções de sua existência espiritual ematerial, a fim de evitar um desconfortocausado por conflitos aparentes. Combase nessas premissas, o biólogoStephen Jay Gould acreditava queciência e fé deveriam ocupar "ofíciosseparados, e não sobrepostos". Contudo,esse tipo de posição também se mostrainsatisfatório, levando a conflitosinternos e destituindo as pessoas daoportunidade de adotar a ciência ou oespírito de um modo que as satisfaçatotalmente.

Eis aqui a pergunta central destelivro: nesta era moderna de cosmologia,

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evolução e genoma humano, será queainda existe a possibilidade de umaharmonia satisfatória entre as visões demundo científica e espiritual? Eurespondo com um sonoro sim! Em minhaopinião, não há conflitos entre ser umcientista que age com severidade e umapessoa que crê num Deus que teminteresse pessoal em cada um de nós. Odomínio da ciência está em explorar anatureza. O domínio de Deus encontra-se no mundo espiritual, um campo quenão é possível esquadrinhar com osinstrumentos e a linguagem da ciência;deve ser examinado com o coração, coma mente e com a alma — e a mente deveencontrar uma forma de abarcar ambosos campos.

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Meu argumento é que taisperspectivas podem coexistir emqualquer indivíduo, e de modo queenriqueça e ilumine a experiênciahumana. A ciência é a única formaconfiável para entender o mundo danatureza, e as ferramentas científicas,quando utilizadas de maneira adequada,podem gerar profundos discernimentosna existência material. A ciência,entretanto, é incapaz de responder aquestões como: "Por que o universoexiste?"; "Qual o sentido da existênciahumana?"; "O que acontece após amorte?". Uma das necessidades maisfortes da humanidade é encontrarrespostas para as questões maisprofundas, e temos de apanhar todo o

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poder de ambas as perspectivas, acientífica e a religiosa, para buscar acompreensão tanto daquilo que vemoscomo do que não vemos. Esta obra tempor objetivo explorar uma trilha rumo auma integração sóbria e intelectualmentehonesta dos dois pontos de vista.

Considerar a gravidade de taismatérias pode ser perturbador. Todosnós já chegamos a uma determinadavisão de mundo, possamos ou nãochamá-la assim. Ela nos auxilia a darsentido ao mundo à nossa volta, fornece-nos uma estrutura ética e conduz nossasdecisões sobre o futuro. Quem quer quese ponha a mexer nessa visão de mundonão deve fazê-lo superficialmente. Umlivro que se propõe desafiar algo tão

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fundamental pode trazer maisdesconforto do que alívio. No entanto,nós, seres humanos, aparentamos possuirum desejo arraigado por descobrir averdade, mesmo que tal vontade sejafacilmente abafada pelos detalhes davida diária. Tais distrações combinam-se a um desejo de evitar que levemos emconta nossa mortalidade; assim, os dias,as semanas, os meses ou até mesmo osanos passam, e não se dá nenhumaconsideração séria às eternas dúvidassobre a existência humana. Este livro éapenas um pequeno antídoto para taldesconforto, mas talvez forneça umaoportunidade para a autorreflexão e paraum desejo de olhar com maisprofundidade.

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Antes de mais nada, precisoexplicar como um cientista genéticotornou-se alguém que acredita em umDeus ilimitado pelo tempo e peloespaço, que tem interesse pessoal nosseres humanos. Alguns irão supor queisso ocorreu em virtude de 15 umaeducação religiosa rígida,profundamente injetada pela família epela cultura, algo que se tornouinevitável mais tarde, na vida. Isso,contudo, não condiz com minhaverdadeira história.

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PRIMEIRAPARTE

O cisma entre a ciência e a fé

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 1

Do ateísmo à crença

OS PRIMEIROS ANOS DEMINHA vida não foram convencionaisem vários aspectos. No entanto, comofilho de pessoas com opiniões próprias,tive uma criação moderna bastanteconvencional em termos de fé — não era

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algo tão importante.Cresci numa fazenda poeirenta no

vale do rio Shenandoah, na Virgínia. Lánão havia água corrente nem outrascomodidades físicas. Todavia, tudo issofoi mais do que compensado por umamistura estimulante de experiências eoportunidades, em uma culturaextraordinária de ideias criada pelosmeus pais.

Os dois se conheceram no curso dedoutoramento em Yale, em 1931, elevaram suas aptidões para organizargrupos e seu amor pela música àcomunidade experimental de Arthurdale,em West Virgínia. Lá, trabalharam comEleanor Roosevelt na tentativa derevigorar uma comunidade de mineiros

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oprimidos nas profundezas da GrandeDepressão.

Entretanto, outros conselheiros daadministração Roosevelt tinham ideiasdiferentes, e logo a fundação acabou. Aruína da comunidade Arthurdale,baseada na política de difamações deWashington, fez meus pais passarem oresto da vida sob a suspeita do governo.Voltaram para a vida acadêmica naFaculdade Elon, em Burlington, naCarolina do Norte. Lá, presenteado coma bela e selvagem cultura popular ruraldo sul, meu pai tornou-se colecionadorde músicas folclóricas, viajando pelascolinas e vales e convencendo osdesconfiados habitantes locais a cantarpara um gravador. As gravações

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formaram uma fatia considerável nacoleção da Biblioteca do Congresso decanções folclóricas dos Estados Unidos.

Com a chegada da Segunda GuerraMundial, esses empreendimentosmusicais passaram para um planosecundário, em virtude de assuntos maisurgentes a respeito da defesa nacional.Meu pai, então, foi trabalhar ajudando aconstruir bombardeiros para o esforçode guerra. Por fim, tornou-se supervisorem uma fábrica de aeronaves em LongIsland.

Ao terminar a guerra, meus paisconcluíram que a vida estressante dosnegócios não era para eles. Estavam àfrente de seu tempo e fizeram, já nosanos 1940, "coisas típicas dos anos

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1960": mudaram-se para o vale do rioShenandoah, na Virgínia, compraramuma fazenda de 95 acres [384,451 m2] etentaram 20 criar um estilo de vidasimples sem o uso de máquinasagrícolas.

Ao descobrir, poucos meses maistarde, que aquilo não iria alimentar seusdois filhos adolescentes (e logo outroirmão e eu chegaríamos), meu paiarrumou um emprego de professor deteatro em um colégio local feminino.Convocou atores da cidade e, com asestudantes do colégio e comerciantes daregião, descobriu que a produção depeças era bastante divertida. Atendendoa reclamações por causa do períodoextenso e cansativo em que não havia

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apresentações durante o verão, meu paie minha mãe fundaram um teatro deverão em um pequeno bosque decarvalhos acima da nossa casa defazenda. Mais de cinquenta anos depois,o Oak Grove Theater [Teatro do Bosquede Carvalhos] mantém-se ininterrupta edeliciosamente na ativa.

Nessa mistura de beleza campestre,trabalho árduo de fazenda, teatro deverão e música, eu nasci e amadureci.Caçula de quatro irmãos, nãoexperimentei tantas dificuldades que jánão fossem conhecidas de meus pais.Cresci com um sentimento de queprecisava ter responsabilidade por meucomportamento e minhas escolhas,porque ninguém iria aparecer para

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cuidar disso por mim.Minha mãe foi minha professora.

Minha e de meus irmãos mais velhos.Aqueles primeiros anos deram-me umpresente inestimável: o prazer doaprendizado. Apesar de minha mãe nãoter uma agenda organizada de aulas nemplanejar lições de casa, tinha umapercepção incrível para identificartópicos que deixavam uma mente jovemintrigada, persistindo neles com grandeintensidade até um ponto natural deinterrupção e, em seguida, mudava paraalgo novo e igualmente empolgante.Aprender nunca era algo que você faziapor obrigação, e sim porque adorava. Afé não era parte importante de minhainfância. Eu tinha uma vaga consciência

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do conceito de Deus, mas minhasinterações com Ele limitavam-se amomentos infantis e ocasionais de troca,com relação a alguma coisa que euqueria que Ele fizesse 21 por mim.Lembro-me, por exemplo, de ter feitoum contrato com Deus (aos 9 anos deidade, mais ou menos): se Ele evitasse achuva durante uma apresentação deteatro que envolvia também uma festacom música em um sábado à noite, coisaque me deixava bastante entusiasmado,prometeria jamais fumar um cigarro.Lógico que a chuva não caiu e eu nuncaadquiri o hábito. Anos antes, quandotinha 5 anos, meus pais decidiram que eue meu terceiro irmão deveríamosparticipar do coral de meninos da igreja

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episcopal local. Fizeram questão defrisar que seria uma maneira genial deaprender música, mas que a Teologianão deveria ser levada tão a sério. Seguiessas instruções, aprendendo a grandebeleza da harmonia e do contrapontomusical, deixando, porém, que osconceitos teológicos pregados nopúlpito passassem por mim sem deixarnenhum resíduo identificável.

Quando eu tinha 10 anos, nós nosmudamos para a cidade a fim de ficarcom minha avó doente, e passei afrequentar a escola pública. Aos 14, tivemeus olhos abertos para os métodosmaravilhosamente estimulantes epoderosos da ciência. Inspirado por umprofessor de Química carismático, que

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podia escrever informações na lousacom as duas mãos simultaneamente,descobri a satisfação intensa do caráterorganizado do universo. O fato de toda amatéria ser constituída de átomos emoléculas que obedeciam a princípiosmatemáticos mostrou-se uma revelaçãoinesperada, e a capacidade de utilizar osinstrumentos da ciência para fazer novasdescobertas sobre a natureza arrebatou-me de uma só vez, como algo do qual euqueria fazer parte.

Com o entusiasmo de um recém-convertido, decidi que minha meta navida seria tornar-me um químico. Nãoimportava que eu soubesserelativamente pouco sobre as outrasciências, parecia que esse primeiro

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namorico de infância ia mudar minhavida.

Meus contatos com a Biologia,porém, me deixavam totalmenteinsensível. Para minha menteadolescente, pelo menos, 22 as bases daBiologia pareciam ter mais a ver comum aprendizado automático de fatos sempropósito do que com a elucidação deprincípios. Na verdade, não estava nemum pouco interessado em decorar aspartes de um lagostim nem em tentardescobrir a diferença entre um filo, umaclasse e uma ordem. A complexidadeavassaladora da vida levou-me aconcluir que a Biologia era quase igualà filosofia existencialista: não tinha omenor sentido. Para minha mente, que se

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desenvolvia de forma reducionista, nãohavia uma lógica próxima o bastantepara chamar minha atenção. Quando meformei, aos 16 anos, ingressei naUniversidade da Virgínia, decidido aestudar Química e seguir uma carreiracientífica. Como a maioria dos calouros,achei esse novo ambiente estimulante,cheio de ideias que ricocheteavam nasparedes das salas de aula e dosdormitórios, tarde da noite. Algumasdessas ideias se voltavam,invariavelmente, para a existência deDeus. No início da minha adolescência,tinha tido momentos casuais deexperiência, ansiando por algo fora demim, em geral associado à beleza danatureza ou a uma experiência musical

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particularmente profunda. Entretanto,meu senso de espiritualidadeencontrava-se muito poucodesenvolvido e era facilmente desafiadopor um ou dois ateus agressivos quesempre encontramos em quase todos osalojamentos de faculdade. Durantealguns meses em minha carreirauniversitária, acabei por me convencerde que, embora muitas fés religiosastivessem inspirado tradiçõesinteressantes de arte e cultura, nãosustentavam uma verdade comfundamentos.

Embora eu desconhecesse apalavra na época, tornei-me umagnóstico, termo concebido por T. H.Huxley, um cientista do século XIX,

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para indicar alguém que simplesmentenão sabe se Deus existe ou não. Háagnósticos de todos os tipos; algunschegaram a essa posição após umaanálise excessiva das evidências.Muitos, porém, acham simplesmente queestão em posição cômoda, a qual lhespermite evitar pensar em argumentosconsiderados desconfortáveis paraambos os lados. Na verdade, minhadeclaração "não sei" podia ser mais bemtraduzida como "não quero saber". Naposição de um jovem que crescia em ummundo repleto de tentações, eraconveniente ignorar a necessidade deprestar contas a qualquer autoridadeespiritual. Eu exercia um tipo depensamento e comportamento

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denominado, pelo famoso acadêmico eescritor C. S. Lewis, "cegueiravoluntária".

Depois de formado, ingressei emum programa de doutorado em Físico-química da Universidade de Yale,buscando a elegância da Matemáticaque, a princípio, havia me levado a esseramo da ciência. Minha vida intelectualencontrava-se imersa em mecânicaquântica e equações diferenciais desegundo grau, e meus heróis eram osgigantes da Física — Albert Einstein,Niels Bohr, Werner Heisenberg e PaulDirac. Aos poucos me convencia de quetudo no universo podia ser explicadocom base em equações e princípios daFísica. Li a biografia de Albert Einstein

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e descobri que, apesar de sua sólidaposição sionista após a Segunda GuerraMundial, ele não acreditava em lave, oDeus dos judeus. Isso apenas reforçouminha conclusão de que nenhum cientistapensante poderia cogitar seriamente apossibilidade de Deus sem cometer umtipo de suicídio intelectual.

E assim, aos poucos, passei deagnóstico para ateu. Sentia-me bastanteà vontade desafiando as crençasespirituais de qualquer um que asmencionasse em minha presença, edefinia esses pontos de vista comosentimentalismos e superstições fora demoda.

Dois anos nesse programa dedoutorado, e meu plano de vida

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estruturado de forma tão estreitacomeçou a se despedaçar. Apesar dosprazeres diários de persistir em minhatese sobre a mecânica da teoriaquântica, comecei a ter dúvidas sobre24 se conseguiria ganhar a vidaseguindo aquele caminho.Aparentemente, a maioria dos avançossignificativos da teoria quântica haviaacontecido cinquenta anos antes, e amaior parte da minha carreira talvezfosse passar na aplicação desimplificações e aproximaçõessucessivas descrevendo determinadasequações elegantes, porém insolúveis,só um tantinho mais fáceis de trabalhar.Falando de uma maneira mais prática, eutinha a impressão de que seguiria um

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caminho inevitável: a vida de umprofessor universitário, apresentandointermináveis séries de palestras sobretermodinâmica e mecânica da estatísticapara classes e mais classes de alunosque ficariam entediados ou aterrorizadoscom tais matérias.

Quase ao mesmo tempo, em umesforço para ampliar meus horizontes,inscrevi-me em um curso deBioquímica, por fim investigando asciências da vida que havia evitado comtanto cuidado em épocas passadas. Ocurso era fabuloso. Os princípios doDNA, do RNA e da proteína, que nuncatinham se mostrado evidentes para mim,foram-me apresentados em toda a suaglória digital de satisfação. A

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capacidade de colocar em práticarigorosos princípios intelectuais paracompreender a Biologia, algo que euimaginava impossível, estava vindo apúblico com estardalhaço mediante arevelação do código genético.

Com o advento de novos métodosde emendar fragmentos diferentes deDNA à vontade (DNA recombinante), apossibilidade de aplicar todo esseconhecimento em benefício dahumanidade parecia bastante real. Euestava estarrecido. A Biologia, afinal decontas, tem uma elegância matemática. Avida faz sentido.

Nessa época, com apenas 22 anos,mas já casado e com uma filha brilhantee curiosa, estava me tornando uma

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pessoa mais sociável. Quando maisjovem, preferia, com frequência, ficarsozinho. Agora, a interação humana e odesejo de contribuir com algo para ahumanidade pareciam mais importantes.Impulsionado por essas súbitasrevelações, questionei minhas escolhasanteriores, até mesmo minha capacidadepara a carreira de ciências ou para oempreendimento de pesquisasindependentes. Eu estava quaseconcluindo meu doutorado, e, aindaindeciso, fiz uma solicitação para seradmitido na faculdade de Medicina.Com um discurso ensaiadocuidadosamente, tentei convencer osmembros do comitê de admissões de queaquela reviravolta consistia na verdade

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em um caminho natural para otreinamento de um dos futuros médicosda nação. Por dentro, eu não tinha essacerteza toda. Afinal de contas, não eraeu o sujeito que odiava Biologia porqueexigia memorização? Existia algumcampo de estudo que precisava de maismemorizações do que a Medicina?Havia, porém, algo diferente naquelemomento: estávamos falando a respeitode seres humanos, não do lagostim;havia princípios fundamentais sob osdetalhes; isso poderia, em últimaanálise, fazer a diferença na vida depessoas reais.

Fui aceito na Universidade daCarolina do Norte. Em poucas semanas,já sabia que a faculdade de Medicina

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era o lugar certo para mim. Adorava oestímulo intelectual, os desafios éticos,o elemento humano e a incrívelcomplexidade de seu organismo.

Em dezembro daquele primeiro anodescobri como combinar meu novo amorpela Medicina com meu antigo amorpela Matemática. Um pediatra severo eum tanto inacessível, que dava um totalde seis horas de palestras sobre genéticamédica para os alunos de primeiro anode Medicina, mostrou-me meu futuro.Levava às aulas pacientes com anemiafalciforme, galactosemia (umaintolerância, geralmente fatal, aderivados do leite) e síndrome deDown, todas doenças causadas porpequenas falhas no genoma, algumas tão

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sutis quanto uma única letra errada.Fiquei fascinado com a elegância

do código do DNA humano e as váriasconsequências daqueles raros momentosde descuido de seu mecanismo de cópia.Embora o potencial para 26 fazer algoque realmente ajudasse muitos dosafetados por aquelas doenças genéticasparecesse bem distante, imediatamenteme senti atraído por aquela disciplina.Apesar de naquele instante não havernem sequer uma sombra depossibilidade de algo tão grandiosoquanto o Projeto Genoma Humano serconcebido, a trilha que iniciei em 1973apresentou, ao acaso, o rumo direto paraminha participação em um dos maioresempreendimentos históricos da

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humanidade.Essa trilha também me levou, no

terceiro ano da faculdade de Medicina,a ter experiências intensas noatendimento a pacientes. Na qualidadede médicos em treinamento, osestudantes de Medicina sãoarremessados para um dos tipos derelacionamento mais íntimos que sepode imaginar, com indivíduos que lhessão estranhos completos até o momentoem que adoecem. Tabus culturais, quenormalmente impedem o intercâmbio deinformações muito particulares,desmoronam de súbito, juntamente como contato físico sensível entre ummédico e seus pacientes. Tudo isso fazparte de um contrato respeitado e

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duradouro entre o doente e quemministrará sua cura. Achei osrelacionamentos que desenvolvi compacientes enfermos e moribundos algoarrebatadores, e lutei para manter adistância profissional e a ausência deenvolvimentos emocionais que muitosde meus professores defendiam.

O que deixou marcas profundas emmim, após minhas conversas ao pé dacama com aquelas pessoas de boaíndole da Carolina do Norte, foi oaspecto espiritual delas. Presencieivários casos de indivíduos cuja fé lhessupria com uma reafirmação da crençasólida, de paz definitiva, fosse nestemundo ou no outro, apesar do sofrimentoterrível que lhes era infligido, o qual, na

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maioria das ocasiões, não haviam feitonada para causar. Se a fé era uma muletapsicológica, concluí, devia ser bastantepoderosa. Se não passava do verniz deuma tradição cultural, por que motivoaquelas pessoas não sacudiam seuspunhos fechados para Deus, exigindoque seus amigos e parentes parassemcom toda aquela conversa sobre umpoder sobrenatural de amor ebenevolência?

Meu momento mais embaraçososurgiu quando uma senhora idosa,sofrendo todos os dias por causa de umaangina grave e incurável, perguntou-meem que eu acreditava. Uma perguntajusta; havíamos discutido muitos outrosassuntos importantes sobre vida e morte,

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e ela partilhara comigo suas crençascristãs, próprias e sólidas. Senti quefiquei ruborizado ao gaguejar aspalavras: "Não sei bem ao certo". Suaóbvia surpresa apresentou-se como umnítido alívio ao constrangimento do qualeu vinha fugindo durante quase todos osmeus 26 anos de vida: jamais considereiseriamente uma evidência contra e afavor de uma crença.

Aquele instante me assombroudurante vários dias. Então eu não meconsiderava um cientista? Um cientistatira suas conclusões sem levar em contaos dados? Em toda a existência humana,não podia haver uma pergunta maisimportante do que "Existe algum Deus?".E, apesar disso, lá estava eu, munido de

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uma combinação de cegueira voluntáriae algo que talvez só pudesse ser descritoadequadamente como arrogância: a fugade qualquer reflexão séria sobre Deusser uma possibilidade real. De repente,todos os meus argumentos pareciamfracos demais, e eu tinha a sensação deque o chão sob meus pés estava seabrindo.

Tal percepção foi uma experiênciacompletamente assustadora. Afinal decontas, se eu não conseguia mais confiarna solidez de minha posição ateísta,como poderia assumir aresponsabilidade pelas ações quepreferia deixar sem um exameminucioso? Deveria prestar contas aoutro que não eu próprio?

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A pergunta agora se tornavaopressiva demais para evitar.

A princípio, acreditava que umainvestigação completa de uma baseracional para a fé negaria os méritos dacrença e re28 afirmaria minha posiçãode ateu. No entanto, determinei queexaminaria os fatos, não importassem osresultados. Assim teve início um estudorápido e confuso sobre as principaisreligiões do mundo. Muito do queencontrei em edições simplificadas dereligiões diferentes (achei a leitura dosverdadeiros textos sacros difícildemais) deixou-me totalmente atônito, evi poucos motivos para me lançar a umaou outra das diversas possibilidades.Não acreditava que houvesse base

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racional para uma crença espiritualsubjacente a qualquer uma daquelasreligiões. Isso, contudo, logo mudou. Fuivisitar um pastor metodista que moravana mesma rua que eu, a fim de perguntar-lhe se a fé tinha algum sentido lógico.Ele escutou com paciência minhasdivagações confusas (e talvezblasfemas); em seguida, apanhou umlivrinho em sua prateleira, sugerindoque eu o lesse.

O livro era Cristianismo Puro eSimples (publicado no Brasil pelaMartins Fontes), de C. S. Lewis. Nospoucos dias que se seguiram, conformeeu folheava as páginas, lutando paraabsorver a amplitude e a profundidadedos argumentos intelectuais

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apresentados pelo lendário acadêmicode Oxford, percebi que todos os meusargumentos contra a aceitação da féeram dignos de um garoto em idadeescolar. Obviamente eu tinha decomeçar do zero para considerar aquelaque é a mais importante de todas asquestões humanas. Lewis pareciaconhecer todas as minhas objeções,algumas antes mesmo de eu formulá-las.Falou sobre elas em uma ou duaspáginas. Quando, mais tarde, descobrique o próprio Lewis havia sido um ateuque se propusera reprovar a fé com baseem argumentações lógicas, percebicomo ele pôde conhecer tão bem minhatrilha. Ele também a tinha percorrido.

O argumento que mais chamou

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minha atenção e que mais acalentouminhas ideias sobre a ciência e oespírito até seus alicerces estava logoali, no título do Livro Um: "O certo e oerrado como pista para o sentido douniverso". Embora, em muitos 29aspectos, a "Lei Moral" que Lewisdescreveu fosse uma característicauniversal da existência humana, tive aimpressão de que a examinava pelaprimeira vez.

Para compreender a Lei Moral,vale considerar, conforme Lewis o fez,que ela é evocada de centenas demaneiras, todos os dias, sem que aqueleque a evoca se detenha para mostrar asbases de seu argumento. As divergênciasfazem parte da vida cotidiana. Algumas

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são relativas ao mundo material, como aesposa que critica o marido por não tersido gentil ao conversar com uma amigaou uma criança que declara que "não éjusto" distribuir diferentes quantidadesde sorvete numa festa de aniversário.Outras argumentações são encaradascom uma importância maior. Emassuntos internacionais, por exemplo,alguns argumentam que os EstadosUnidos têm a obrigação moral dedisseminar a democracia pelo mundo,mesmo à custa do poderio militar,enquanto outros declaram que o usoagressivo e unilateral de forças militarese econômicas é tão ruim quanto a faltade democracia em um país.

Atualmente, na Medicina, debates

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furiosos permeiam a questão de aceitarou não o empreendimento da pesquisacom células-tronco embrionárias.Alguns afirmam que essa pesquisa violaa santidade da vida humana; outrossupõem que o potencial para aliviar osofrimento humano constitui umaprocuração ética para prosseguir com taltrabalho (esse e vários outros dilemasda Bioética são levados em conta noApêndice deste livro).

Repare que, nesses exemplos, cadaparte tenta recorrer a um padrãosuperior não-declarado. Esse padrão é aLei Moral, que pode também serchamada de "a lei do comportamentocorreto", e sua existência em cada umadessas situações parece inquestionável.

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O que se está debatendo é se uma açãoou outra consiste em uma aproximaçãoàs exigências de tal lei. Os acusados deter falhado, como o marido que é poucoamistoso com a amiga da esposa, emgeral respondem com desculpasvariadas sobre por que deveriam serauxiliados a sair de uma dificuldade.

Praticamente nunca retrucam comalgo como: "Vá para o inferno você eesse seu conceito de comportamentocorreto".

O que temos aqui é bastantepeculiar: o conceito de certo e erradoaparenta ser universal entre todos osmembros da espécie humana (apesar desua prática poder resultar emconsequências brutalmente diferentes).

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Assim, isso parece mais a abordagem deum fenômeno do que de uma lei, como alei da gravidade ou a da relatividadeespecial. Contudo, trata-se de uma leique, sejamos sinceros, é infringida comuma frequência impressionante.

Até onde posso dizer da melhormaneira, essa lei parece aplicar-seespecialmente aos seres humanos.Embora outros animais possam, àsvezes, aparentar demonstrações devislumbre de um sentido de moral, semdúvida estas não são amplamentedifundidas e, em muitos exemplos, ocomportamento de outras espéciesparece contrastar dramaticamente comqualquer senso de justiça universal. Aotentar enumerar as qualidades especiais

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do Homosapiens, os cientistas geralmente se

referem à consciência de certo e errado,juntamente com o desenvolvimento dalinguagem, a consciência do "eu" e acapacidade de imaginar o futuro.

No entanto, será essa noção decerto e errado uma qualidade essencialdo ser humano ou apenas umaconsequência de tradições culturais?Alguns alegam que as culturasapresentam normas de comportamentocom tantas diferenças que qualquerconclusão sobre uma Lei Moralcompartilhada não tem fundamento.Lewis, estudioso de várias culturas,chama isso de uma mentira, uma mentiraboa e retumbante. Se um homem for a

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uma biblioteca e passar alguns dias coma Encydopedia of Religion and Ethics[Enciclopédia de religião e ética], logoperceberá a imensa unanimidade dofundamento prático no ser humano.Desde os Hinos Babilônicos a Pitágorasde Samos, desde as leis de Manu, oLivro dos Mortos, os Analectos deConfúcio, os Estoicos, os Platonistas,desde os aborígines australianos epeles-vermelhas dos Estados Unidos,esse homem na biblioteca fará umapanhado das mesmas denúnciastriunfantemente monótonas de opressão,assassinato, traição e falsidade; asmesmas obrigações de gentileza aosidosos, aos jovens e aos fracos, sobre adoação de esmolas e a imparcialidade e

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a honestidade.1Em certas culturasincomuns, a lei assume adornossurpreendentes — vejam-se as bruxasque eram queimadas nos EstadosUnidos, no século XVII. Contudo, numexame mais apurado, percebe-se queessas aberrações aparentes surgem deconclusões sustentadas com muitaênfase, mas mal orientadas, sobre quemou o que é o bem ou o mal. Se vocêtivesse convicção de que uma bruxafosse a encarnação do mal sobre a terra,um apóstolo do demônio, não lhepareceria justificável esse tipo de açãodrástica?

Permita-me interromper oraciocínio para salientar que aconclusão sobre a existência da Lei

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Moral encontra-se em um conflito sériocom a Filosofia pós-modema. Estaargumenta não haver um certo e umerrado absolutos, e que todas asdecisões éticas são relativas. Essavisão, que parece amplamente divulgadaentre os filósofos modernos, mas queempresta uma mística à maioria de seusmembros junto ao público em geral,encontra uma série de situações lógicasno estilo "se correr o bicho pega, seficar o bicho come". Se não há verdadeabsoluta, será que o próprio pós-modernismo é real? De fato, se nãoexiste nem certo nem errado, não hámotivos para discutir a disciplina daética.

1 LEWIS, C. S. The poison of

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subjetivism. In: Hooper, Walter (Ed.).C S. Lewis, Christian Reflections.Grand Rapids: Eerdmans, 1967. p. 77.

Alguns irão contestar, dizendo quea Lei Moral é uma simples consequênciadas pressões evolucionárias. Essaobjeção surge de um novo campo daSociobiologia e tenta fornecerexplicações para o comportamentoaltruísta com base no valor positivo daseleção natural de Darwin. Sepudéssemos apresentar tal argumentocomo sustentação para a interpretaçãode diversas exigências da Lei Moralcomo uma indicação para Deus,teríamos um problema potencial — porisso, vale a pena examinar esse ponto devista de forma mais detalhada.

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Leve em conta um exemploimportante da força que sentimos,oriunda da Lei Moral — o impulsoaltruísta, a voz da consciência noschamando a ajudar os outros, mesmosem receber nada em troca. Nem todasas exigências da Lei Moral se resumemao altruísmo, é claro; por exemplo, osúbito peso na consciência que alguémsente após uma mínima distorção dosfatos na declaração de imposto de rendanão pode ser atribuído à sensação de terprejudicado outro ser humanoidentificável.

Primeiramente, vamos deixar clarosobre o que estamos falando. Nãoentendo o altruísmo como umcomportamento do tipo "uma mão lava a

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outra", ou seja, praticar a bondadeesperando algum benefício em troca. Oaltruísmo é mais interessante: dar-sesem egoísmo aos outros, comsinceridade, sem nenhuma intençãosecundária. Quando vemos ademonstração desse tipo de amor egenerosidade, ficamos dominados porsurpresa e respeito profundo. OskarSchindler colocou sua vida em granderisco para proteger mais de mil judeusdo extermínio nazista durante a SegundaGuerra Mundial e, por fim, morreupobre — e todos nós sentimos umagrande admiração por seus atos. MadreTeresa é tida, de modo coerente, comouma das pessoas mais admiradas daépoca atual, embora sua pobreza

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autoimposta e sua dedicação extremaaos enfermos e moribundos em Calcutásejam um drástico contraponto ao estilode vida materialista que domina nossacultura.

Algumas vezes, o altruísmo podeampliar-se até para circunstâncias emque a pessoa beneficiada pareceria uminimigo visceral. A freira beneditinairmã Joan Chittister narra a seguintehistória sufi: Era uma vez uma idosa quecostumava meditar às margens doGanges. Certa manhã, ao encerrar suameditação, ela avistou um escorpiãoflutuando indefeso na forte correnteza. Amedida que era arrastado para maisperto, prendeu-se nas raízes que seramificavam para dentro do rio. O

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escorpião lutava freneticamente para selibertar, mas cada vez ficava maisemaranhado. Imediatamente a senhoraaproximou-se do escorpião que seafogava e este, assim que ela o tocou,cravou-lhe seu ferrão. A mulher afastoua mão, mas, após ter recobrado oequilíbrio, tentou de novo salvar acriatura. Todas as vezes que ela tentava,porém, o ferrão na cauda do animal aatingia com tamanha gravidade que suasmãos sangravam e seu rosto distorcia-sede dor. Um transeunte que via a idosalutando com o escorpião gritou para ela:

— Qual o seu problema, sua tola?Quer se matar tentando salvar essa coisafeia?

Olhando nos olhos do estranho, ela

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retrucou:— Só porque é da natureza do

escorpião ferroar, por que eu deverianegar minha própria natureza de salvá-lo?2

* Sufi é como é conhecido oadepto do sufismo, forma deascetismo e misticismo islâmico,influenciada pelo hinduísmo, pelobudismo e pelo cristianismo. (N. T.)

2 In: FRANCK, R, ROZE,

CONNOLLY, R. (Orgs.). What DoesIt Mean To Be Human? Reverencefor life Reaffirmed by Responsesfrom Around the World. New York:St. Martin's Griffin, 2000. p. 151.

Talvez esse pareça um exemplodrástico — não há muitos dentre nós que

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arriscariam a vida para salvar umescorpião. No entanto, a maioria daspessoas, sem dúvida, já experimentouum chamado interno para ajudar umestranho em necessidade, mesmo semnenhuma possível vantagem pessoal. E,se de fato agiu guiada por esse impulso,teve como consequência uma sensaçãoconfortável de "ter feito a coisa certa".

C. S. Lewis, em seu destacadol i v r o Os Quatro Amores (MartinsFontes), explora ainda mais a naturezadesse amor generoso, que ele chama de"ágape", palavra derivada do grego. Oautor salienta que essa forma de amor sedistingue das outras três (afeto, amizadee amor romântico), podendo ser maisbem compreendida como vantagem

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recíproca, e que podemos vê-ladestacada em outros animais além denós.

O ágape, ou o altruísmo, apresenta-se como um importante desafio aosevolucionistas. Trata-se, sinceramente,de um escândalo para o raciocínioreducionista. Não pode serresponsabilizado pelo impulso de seperpetuar dos genes egoístas doindivíduo. Muito pelo contrário: podelevar os seres humanos a realizarsacrifícios que trarão sofrimentopessoal, ferimento ou morte, sem provaalguma de benefício. E, contudo, seexaminarmos com cuidado aquela vozinterior que às vezes chamamos deconsciência, perceberemos que a

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motivação para a prática desse tipo deamor existe dentro de todos nós, apesarde nossos esforços frequentes paraignorá-la.

Sociobiólogos como E. O. Wilsontentaram explicar esse comportamentocom base em algum benefícioreprodutivo indireto para o praticante daação altruísta. Os argumentos, contudo,rapidamente se tornam um problema.Uma suposição é de que os repetidoscomportamentos altruístas de umindivíduo são reconhecidos comoatributo positivo na seleção docompanheiro. Tal hipótese, entretanto,entra em conflito direto comobservações feitas em primatas não-humanos que, em geral, mostram o

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oposto — por exemplo, a prática doinfanticídio por um macaco recémdominante para limpar o caminho a suafutura ninhada. Um outro argumento é ode que benefícios recíprocos indiretos,oriundos do altruísmo, proporcionaramvantagens ao praticante durante operíodo da evolução; no entanto, essaexplicação não leva em conta amotivação do ser humano para praticarpequenos atos de consciência a respeitodos quais ninguém mais sabe. Umterceiro argumento é o de que ocomportamento altruísta entre membrosde um grupo beneficia o grupo todo.Como exemplos temos os formigueiros,nos quais operárias estéreis trabalhamde maneira árdua e incessante para criar

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um ambiente onde suas mães possamgerar mais filhos. Esse tipo de altruísmodas formigas, contudo, é prontamenteexplicado em termos evolucionáriospelo fato de os genes que incentivam asformigas operárias estéreis seremexatamente os mesmos que serãotransmitidos pela mãe aos irmãos eirmãs que aquelas estão ajudando acriar. Os evolucionistas agoraconcordam, quase unânimes, que essasconexões de DNA incomuns não seaplicam a populações mais complexas,nas quais a seleção trabalha noindivíduo, não na população. Ocomportamento limitado da formigaoperária, portanto, apresenta umadiferença essencial com relação à voz

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interior que faz com que eu me sintacompelido a saltar no rio para tentarsalvar um estranho que está se afogando,mesmo que eu não seja um bom nadadore possa morrer na tentativa. Além disso,para que o argumento evolucionárioreferente a benefícios grupais dealtruísmo se mantivesse, serianecessária, aparentemente, uma reaçãooposta, ou seja, a hostilidade aindivíduos que não fizessem parte dogrupo. O ágape de Oskar Schindler eMadre Teresa distorce esse tipo deraciocínio. Choca saber que a Lei Moralme pede que salve alguém que está seafogando, mesmo que seja um inimigo.

Se a Lei da Natureza Humana nãopode ser explicada sem hesitação como

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uma ferramenta cultural ou um produtoindireto da evolução, como, então,podemos justificar sua presença?

Citando Lewis: S e houve um poder controlador

fora do universo, este não poderiaapresentar-se a nós como um dos fatosque fazem parte do universo — assimcomo o arquiteto de uma casa não é, defato, uma das paredes, ou a escada, oua lareira dessa casa. A única maneirapela qual podemos esperar que ele semostre é dentro de nós, como umainfluência ou um comando tentandofazer com que nos comportemos dedeterminado modo. E é isso queencontramos dentro de nós. Semdúvida, isso não deveria levantar

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suspeitas?3

Ao deparar com esse argumentoaos 26 anos, fiquei aturdido com sualógica. Aqui, oculta em meu coração, tãofamiliar quanto qualquer coisa naexperiência do dia a dia, mas agorasurgindo na forma de um princípioesclarecedor, essa Lei Moral brilhavacom sua luz branca e forte nosrecônditos de meu ateísmo infantil, eexigia uma séria consideração sobre suaorigem. Estaria Deus olhando de novopara mim?

E, se fosse assim, que tipo de Deusseria? Seria um Deus pela visão deísta.que inventou a Física e a Matemática,começou o universo em movimento hácerca de 14 bilhões de anos e, em

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seguida, perambulou para longe, a fimde lidar com outros assuntos de maiorimportância, como Einstein pensava?

Não, esse Deus, se eu pudessepercebê-lo em sua totalidade, deveriaser um Deus do ponto de vista dosteístas, um Deus que desejasse algumtipo de relacionamento com essascriaturas especiais denominadas sereshumanos e, portanto, tivesse incutidoesse seu vislumbre especial em cada umde nós. Poderia ser o Deus de Abraão,mas sem dúvida não seria o Deus deEinstein.

3 LEWIS, C. S. MereChristianity. Westwood: Barbour andCompany, 1952. p. 21.

* O deísta considera a razão

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como única via para garantir aexistência de Deus. (N. T)

* O teísta é aquele que acreditana existência de um único Deus. (N.T.)

Havia outra consequência dessecrescente sentimento sobre a natureza deDeus se este, na verdade, era real. Ajulgar pelos altíssimos padrões da LeiMoral, que eu tinha de reconhecer queinfringia regularmente, esse era um Deussagrado e justo.

Ele tinha de ser a personificação dabondade. Tinha de odiar o mal. E nãohavia motivo para suspeitar que esseDeus fosse benevolente oumisericordioso. O surgimento gradual deminha percepção da existência aceitável

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de Deus trouxe sentimentos conflitantes:alívio diante da amplitude e daprofundidade da existência de tamanhamente e um desânimo profundo aoperceber minhas imperfeições aoexaminá-las à luz divina.

Havia começado essa jornada deexploração intelectual porque queriaconfirmar minha posição como ateu. Issose converteu em ruínas à medida que aargumentação da Lei Moral (e muitosoutros assuntos) obrigou-me a admitir aaceitação da hipótese de Deus. Oagnosticismo, que parecia um seguroparaíso de segunda, agora me ameaçavacomo a grande desculpa que em geral é.A fé em Deus parecia mais racional doque uma dúvida.

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Também ficara claro para mim quea ciência, apesar de seus poderesinquestionáveis para desvendar osmistérios do mundo natural, não iria melevar mais adiante na resolução daquestão de Deus. Se Deus existe, devese encontrar fora do mundo natural e,portanto, os instrumentos científicos nãosão as ferramentas certas para aprendersobre Ele. Em vez disso, como eu estavacomeçando a entender por olhar dentrode meu coração, a prova da existênciade Deus teria de vir de outras direções,e a decisão definitiva deveria se basearna fé, não em provas. Ainda perseguidopor perturbar as incertezas do caminhoque eu havia tomado, eu precisavaadmitir que começara a aceitar a

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possibilidade de uma visão de mundoespiritual, incluindo a existência deDeus.

Parecia impossível tanto avançarquanto recuar. Anos depois, encontreium soneto de Sheldon Vanauken quedescrevia com precisão o meu dilema.Suas linhas finais diziam: Entre oprovável e o provado existem hiatosUma fenda. Com medo de saltar,permanecemos ridículos.

Então vemos atrás de nós o chãoafundar e, pior, Nosso ponto de vistaesfacelar-se. O desespero despontaNossa única esperança: saltar para oVerbo Que abre o universo fechado.

Durante muito tempo fiquei parado,tremendo, à beira desse hiato. Por fim,

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não vendo escapatória, saltei.Como é possível que um cientista

tenha tais convicções?Não seriam as várias alegações da

religião incompatíveis com a atitude deum cientista, sempre querendo ver osdados, devoto do estudo da Química, daFísica, da Biologia e da Medicina?

Ao abrir a porta de minha mente aessas possibilidades espirituais, teria eucomeçado uma guerra de visões demundo que me destruiria e, por fim,enfrentaria uma vitória com baixas emambos os lados?

4 VANAUKEN, S. A SevereMercy. New York: Harper-Collins,1980. p. 100.

* Between the probable and

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proved there yawns/ A gap. Afraid tojump, we stand ab-surd,/ Then seebehind us sink the ground and, worse,/Our very standpoint crumbling.Desperate dawns/ Our only hope: toleap into the Word/ That opens up theshuttered universe.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 2

A guerra das visões demundo

SE VOCÊ COMEÇOU A LERESTE livro como cético e percorreuesta jornada até aqui comigo, semdúvida, começou a se formar umatorrente de suas objeções. É claro que

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tive a minha: será que Deus não é só umcaso de pensamento ansioso? Não foramcometidos inúmeros males em nome dareligião? Como poderia um Deusamoroso permitir o sofrimento?

Como um cientista sério podeaceitar a possibilidade de milagres?

Se você tem uma crença, talvez asexposições do primeiro capítulo lhetenham fornecido alguma confirmação,mas é quase certo que há ocasiões emque sua fé entra em conflito com outrosdesafios, vindos de você ou daqueles àsua volta.

A dúvida é parte inevitável dacrença. Nas palavras de Paul Tillich: "Adúvida não se opõe à fé; é um elementoda fé1". Se o caso a favor da crença em

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Deus fosse totalmente hermético, omundo estaria cheio de praticantes deuma única fé. Imagine, porém, estemundo se a oportunidade de escolherlivremente uma crença tivesse sidoremovida em virtude da certeza dasevidências. Que desinteressante seria,não?

Tanto para o cético quanto paraquem tem uma crença, as dúvidassurgem de diversas fontes. Uma delasenvolve conflitos descobertos com basenas alegações da crença religiosa comobservações científicas. Essasconsiderações, particularmentedestacadas agora no campo da Biologiae da Genética, serão retomadas nospróximos capítulos. Outras

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considerações são inerentes aosdomínios filosóficos da experiênciahumana, e estes são o assunto destecapítulo. Se você não tem nenhumproblema relacionado a isso, sinta-se àvontade para pular para o capítulo 3.

Ao tratar de tais assuntosfilosóficos, falo principalmente comoleigo. No entanto, sou alguém que jápartilhou dessas batalhas.

Especialmente no primeiro anoapós ter aceitado a existência de umDeus que se preocupava com oshumanos, via-me acossado por perguntasque vinham de muitas direções. Emboraessas questões parecessem muito novase irrespondíveis quando surgiram,sentia-me aliviado em saber que não

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existiam objeções em minha lista quenão tivessem sido levantadas earticuladas, com maior eficácia ainda,por outros, através dos séculos. Era degrande conforto para mim existiremtantas fontes maravilhosas, que meforneciam respostas para sobrepujaresses dilemas. Neste capítuloapresentarei algumas dessas fontes, eacrescentarei a elas meus pensamentos eexperiências. Muitas das análises maisacessíveis vieram de escritos do meuagora conhecido mentor de Oxford, C. S.Lewis.

1 TILLICH, R The Dynamics ofFaith. New York: Harper & Row,1957. p. 20.

Apesar de podermos levar em

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conta várias análises, descobri quatroque eram especialmente irritantesnaqueles dias de fé recém-nascida.Creio que elas estejam entre as maisimportantes para alguém que estejaconsiderando a decisão de acreditar emDeus.

A ideia de Deus não é apenas a

satisfação de um desejo?Será que Deus está mesmo por aí?

Ou a busca pela existência de umaentidade sobrenatural, tão difundida emtodas as culturas já estudadas,representa um anseio universal, emborainfundado, da humanidade por algo foradela que dê sentido a uma vida semsentido e a liberte do ferrão da morte?

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Embora a busca pelo divino tenha,de algum modo, sido posta de lado àforça nos tempos modernos, por nossavida atribulada e com excesso deestímulo, é ainda um dos confrontoshumanos mais universais. C. S. Lewisdescreve tal fenômeno em sua vida, nomaravilhoso livro Surpreendido pelaAlegria, e é essa sensação de anseiointenso, despertada por algo tãosimples como algumas linhas de umpoema, que ele identifica como"alegria". O autor descreve essaexperiência como "um desejo nãosatisfeito que é mais desejável do quequalquer outra satisfação".2Consigome lembrar nitidamente de algunsmomentos em minha vida nos quais

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esse senso comovente de desejo,situado em algum lugar entre o prazere o desgosto, apanhou-me de surpresae me fez ficar na dúvida sobre a origemdessa emoção tão intensa, e como eupoderia retomar essa experiência.

2 LEWIS, C. S. Surprised by Joy.New York: Harcourt Brace, 1955. p.17.

Recordo-me de ter sidotransportado, aos 10 anos, pelaexperiência de olhar através de umtelescópio que um astrônomo amadorcolocara na parte mais elevada de nossafazenda; senti a vastidão do universo, vias crateras da Lua e a magia delicada daluz das Plêiades. Lembro-me de umavéspera de Natal, quando eu tinha 15

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anos, em que a melodia de uma cançãonatalina especialmente bela elevando-sesuave e verdadeira acima do tom maisconhecido trouxe-me a sensaçãoinesperada de admiração, somada a umanseio por algo que não conseguiadefinir. Muito depois, então umestudante graduado e ateu, surpreendi-me experimentando essa mesmasensação de admiração e desejo, dessavez somada a um sentimento muitoprofundo de pesar, durante a execuçãodo segundo movimento da TerceiraSinfonia de Beethoven (a Eroica).Quando o mundo lamentou a morte deatletas israelenses assassinados porterroristas nas Olimpíadas de 1972, aFilarmônica de Berlim executou os tons

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impressionantes de um lamento em DóMenor no Estádio Olímpico, misturandodignidade e tragédia, vida e morte. Poralguns instantes fui removido da minhavisão materialista de mundo e levado auma indescritível dimensão espiritual,uma experiência que considerei bastanteassombrosa.

Mais recentemente, para umcientista ao qual às vezes é dado oprivilégio de descobrir algo, existe umtipo especial de alegria associado aesses lampejos de intuição. Tendopercebido um vislumbre de verdadecientífica, experimentei, de uma só vez,uma sensação de satisfação e desejo decompreender uma verdade ainda maior.Num momento assim, a ciência se torna

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mais do que um processo de descoberta:ela transporta o cientista a umaexperiência que desafia uma explicaçãototalmente naturalista.

* As Plêiades são um "grupo desete estrelas visíveis a olhodesarmado, que fazem parte doaglomerado galáctico aberto situadona constelação do Touro" (cf. AurélioBuarque de Holanda Ferreira, NovoDicionário Aurélio da LínguaPortuguesa, 2. ed. rev. e aum., Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1986). (N.T.)

Então, o que fazemos com essasexperiências? E o que é essa sensaçãode desejo por algo maior do que nós? Éapenas isso e nada mais, algumacombinação de neurotransmissores

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pousando exatamente nos receptorescorretos, acionando uma descargaelétrica em uma parte mais profunda docérebro? Ou isso, como a Lei Moraldescrita no capítulo anterior, é umainsinuação do que está além, umaindicação, colocada bem no fundo doespírito humano, de algo muito superiora nós?

De acordo com a visão ateísta, nãopodemos dar crédito a esse tipo dedesejo como se fosse indicação dosobrenatural, e nossa interpretação detais sensações de admiração em umacrença em Deus representa nada maisque um pensamento mágico, forjandouma resposta, pois queremos que aquiloseja a verdade. Esse ponto de vista

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particular alcançou seu público maisamplo nos escritos de Sigmund Freud;ele argumentou que tais desejos porDeus originaram-se de experiênciaslongínquas da infância. No texto Totem eTabu, Freud afirmou: A psicanáliseindividual de seres humanos nos ensina,com uma insistência bastante especial,que o Deus de cada um deles é formadona semelhança de seu pai, que seurelacionamento pessoal com Deusdepende de sua relação com seu pai emcarne e osso, e oscila e se modifica como passar do tempo com essa relação, eque, no fundo, Deus não é senão um paielevado3.

O problema desse argumento derealização de desejos é que ele não

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concorda com o caráter de Deus namaioria das religiões do planeta. Em seunovo livro, aliás muito distinto,Deus em Questão (Ultimato), ArmandNicholi, professor de Harvard comformação em Psicanálise, compara oponto de vista de Freud ao de C. S.Lewis.4Este alegou que essa realizaçãode desejos provavelmente daria origema um Deus diferente daquele descrito naBíblia. Se procuramos afagos generosose misericórdia, não encontramos nadadisso nas Escrituras. Em vez disso,conforme começamos a nos prender àexistência da Lei Moral, e nossaincapacidade óbvia de viver segundoela, descobrimos que temos sériosproblemas e que nos achamos potencial

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e eternamente distantes do autor dessaLei. Além disso, à medida que umacriança cresce, não experimentasentimentos contraditórios com relaçãoa seus pais, inclusive o desejo delibertar-se? Então por que a realizaçãode desejos conduz a um desejo porDeus, em oposição ao desejo de que nãoexista Deus nenhum?

3 FREUD, S. Totem and Taboo.New York: W. W. Norton, 1962.

Por fim, em termos lógicos esimples, o fato de alguém permitir apossibilidade de que Deus seja algo queos humanos desejem elimina apossibilidade de Ele ser real? De formaalguma. O fato de eu ter desejado umaesposa adorável não a torna um ente

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imaginário. O fato de o fazendeiroansiar pela chuva não o faz questionar-se sobre a realidade de um posteriortemporal.

Na verdade, podemos suprir nossamente com essa argumentação derealização de desejos. Por que haveriauma ânsia humana, universal eexclusiva, se esta não se achasse ligadaa alguma oportunidade de realização?Mais uma vez, Lewis declara comrazão:

As criaturas não nascem comdesejos, a menos que a satisfação de taisdesejos exista. Um bebê sente fome:bem, existe aquilo que chamamos dealimento. Um patinho quer nadar: bem,existe aquilo que chamamos de água.

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Homens sentem desejo sexual: bem,existe aquilo que chamamos de sexo. Seeu descubro em mim um desejo quenenhuma experiência no mundo podesatisfazer, a explicação mais provável éque fui criado para outro mundo.5Se oanseio pelo sagrado é um aspectouniversal e enigmático da experiênciahumana, seria a realização de desejosapenas uma seta na direção de algo alémde nós? Por que temos um "vácuo emforma de Deus" em nosso coração e emnossa mente se não servir para serpreenchido?

4 NICHOLI, A. The Question ofGod. New York: The Free Press,2002

Em nosso mundo moderno e

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materialista, é fácil perder de vista asensação de anseio. Em sua magníficareunião de ensaios, Teaching a Stone toTalk [Ensinando uma pedra a falar],Annie Dillard discorre sobre esse vaziocrescente:

Agora não somos mais primitivos.Agora o mundo inteiro não parecesanto. [...] Nós, como pessoas,trocamos o panteísmo pelo pan-ateísmo. [...] É difícil desfazer nossodano e recordar para nossa presença oque pedimos para abandonar. É difícildanificar um bosque e mudar de ideia.Lançamos um arbusto às chamas e nãopodemos queimá-lo de novo. Somosfósforos queimando em vão debaixo decada árvore verde. Costumavam os

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ventos chorar e as colinas sairgritando em agradecimento? Agora odiscurso pereceu entre as coisasmortas da terra, e as coisas vivasdizem muito pouco a muito poucos. [...]E ainda pode ser que em qualquerlugar em que haja movimento haja umsom, como quando uma baleia emerge edá um beijo estalado nas águas, esempre que há silêncio existe aquelavoz pequenina e suave de Deus, falandopor meio do turbilhão, a velha cançãoe a velha dança da natureza, oespetáculo que trazemos da cidade.[...]

5 Lewis, C. S. Mere Christianity.Westwood: Barbour and Company,1952. p. 115.

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O que estivemos fazendo em todosesses séculos senão tentando chamarDeus de volta à montanha, ou, semconseguir, erguendo uma voz fraca dequalquer coisa que não venha de nós?Qual a diferença entre uma catedral e umlaboratório de Física? Ambos não estãodizendo "olá"?6 E quanto a todo o malperpetrado em nome da religião?

Um obstáculo importante paramuitos indivíduos determinados é aevidência obrigatória, ao longo dahistória, dos terríveis atos realizados emnome da religião. Isso se aplica apraticamente todas as fés em algumponto, até as que argumentam ter acompaixão e a não-violência entre seusprincípios centrais. Diante de exemplos

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rudes de abuso de poder, violência ehipocrisia, como alguém pode unir-seaos princípios de uma fé promovida portamanhos disseminadores do mal?

Para esse dilema existem duasrespostas. Em primeiro lugar, saiba quemuitas coisas maravilhosas tambémforam realizadas em nome da religião. AIgreja (e aqui eu utilizo o termo deforma genérica, para me referir àsinstituições organizadas que promovemuma fé em particular, sem considerar afé que estou descrevendo) muitas vezesdesempenhou uma função crucial noapoio à justiça e à benevolência. Leveem conta, por exemplo, os líderesreligiosos que se empenharam paralivrar as pessoas da opressão, como

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Moisés, que liderou os israelitas, ou asforças da vitória definitiva de WilliamWilber, que convenceu o Parlamentoinglês a se opor à prática escravagista,ou o reverendo Martin Luther King, queliderou o movimento pelos direitos civisnos Estados Unidos, pelo qual deu suavida.

A segunda resposta, porém, nostraz de volta à Lei Moral, ao fato de quetodos nós, seres humanos, fracassamosalguma vez. A Igreja se faz com pessoasarruinadas. A água pura e límpida daverdade espiritual é colocada emrecipientes enferrujados, e osposteriores fracassos da Igreja ao longodos séculos não devem ser projetadossobre a fé, como se a água fosse o

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problema. Não é de estranhar queaqueles que acessam a verdade e oapelo da fé espiritual geralmente achamimpossível imaginar-se aceitando umareligião por causa do comportamento dedeterminada igreja. Ao expressarhostilidade à Igreja Católica francesa,no alvorecer da Revolução Francesa,Voltaire escreveu: "Alguém sesurpreende de que haja ateus no mundo,quando a Igreja se porta de modo tãoabominável?".7Não é difícil identificarexemplos em que a Igreja executouações opostas aos princípios pelos quaissua fé deveria ter dado respaldo.

6 DILLARD, A. Teaching aStone to Talk. New York: Harper-Perennial,. 1992. p. 87-9.

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As Bem-aventuranças ditas porCristo no Sermão da Montanha foramignoradas pela Igreja cristã, que realizouviolentas Cruzadas na Idade Média epersistiu com uma série de inquisiçõesem seguida.

O profeta Maomé nunca usou aviolência para responder a seusperseguidores, ao passo que as jihadsislâmicas, desde seus primeirosseguidores e incluindo os ataquesviolentos de hoje em dia, como o de 11de setembro de 2001, criaram umaimpressão falsa de que a fé islâmica éviolenta em sua essência. Mesmo osseguidores de fés supostamente não-violentas, como o hinduísmo e obudismo, às vezes se empenham em

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confrontos violentos, como os queatualmente ocorrem em Sri Lanka.

E não é apenas a violência quemancha a verdade da fé religiosa.Exemplos frequentes de hipocrisiacrassa entre líderes religiosos, tornadasainda mais visíveis pelo poder dosmeios de comunicação, fazem muitoscéticos concluírem que não há verdadeou bondade objetivas a encontrar nareligião.

Talvez ainda mais traiçoeiro edisseminado seja o surgimento, emvárias igrejas, de uma fé secularespiritualmente morta, que salta dosaspectos sacros da crença tradicional,apresentando uma versão da vidaespiritual relacionada a eventos e/ou

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tradições sociais, e não com a busca porDeus.

7 In: MCGRATH, Alister. TheTwilight of Atheism. New York:Doubleday, 2004. p. 26.

Causa, então, estranheza que algunscríticos apontem a religião como umaforça negativa na sociedade ou, naspalavras de Karl Marx, "o ópio dasmassas"? Mas sejamos cuidadosos nesseponto. As grandes experiênciasmarxistas na União Soviética e na Chinade Mao, que visavam estabelecersociedades explicitamente baseadas noateísmo, comprovaram-se capazes decometer pelo menos a mesma quantidadede, ou até mais, massacres de pessoas eabuso explícito de poder que cometeu o

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pior dos regimes de épocas recentes. Naverdade, ao negar a existência dequalquer autoridade superior, o ateísmotem o potencial recém-descoberto delibertar totalmente os humanos dequalquer responsabilidade de nãooprimir uns aos outros.

Assim, embora a longa história daopressão e da hipocrisia religiosas sejamuitíssimo grave, o pesquisador maissincero deve enxergar além docomportamento de humanos falhos, a fimde encontrar a verdade. Vocêcondenaria um carvalho se sua madeirativesse sido usada para fazer aríetes?Culparia o ar por permitir atransmissão.de mentiras através dele?Julgaria A Flauta Mágica de Mozart

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com base em uma execução malensaiada por alunos da quinta série? Sevocê junca viu um pôr-do-solverdadeiro no Pacífico, permitiria queum prospecto de turismo fosse usadocomo substituto? Você avaliaria o poderde um amor romântico com base em umcasamento de vizinhos que trocaminsultos?

Não. Uma avaliação completa daverdade da fé depende de um exame naágua pura e cristalina, não nosrecipientes enferrujados.

Por que um Deus de amor

permite o sofrimento no mundo?Talvez haja no mundo quem nunca

tenha passado por alguma experiência

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dolorosa. Não conheço ninguém assim, ecreio que nenhum leitor deste livroalegaria pertencer a tal categoria. Essaexperiência humana universal tem feitoque muitas pessoas questionem aexistência de um Deus de amor. Naspalavras de C. S. Lewis, em Problemado Sofrimento (Editora Vida), aalegação apresenta-se assim: "Se Deusfosse bom, desejaria fazer suas criaturasperfeitamente felizes, e se ele fosseonipotente, seria capaz de fazer o quedesejasse. No entanto, as criaturas nãosão felizes. Portanto, Deus não tem nembondade nem poder".8Existem váriasrespostas para esse dilema. Algumas sãomais fáceis de aceitar do que outras.Primeiramente, reconheçamos que uma

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grande parcela de nosso sofrimento e dode nossos semelhantes origina-se do quefazemos uns aos outros.

Foi a humanidade, e não Deus, queinventou as facas, os arcos e flechas, asarmas, as bombas e todas as formas deinstrumentos para tortura utilizados aolongo das eras. Não se pode culpar Deuspela tragédia de ter filhos jovens mortospor um motorista embriagado, de umhomem inocente perecer no campo debatalha ou de uma moça ser atingida poruma bala perdida numa área de umacidade moderna dominada pelo crime.Afinal de contas, de algum modorecebemos o livre-arbítrio, acapacidade de fazer o que temosvontade. Com frequência usamos essa

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capacidade para desobedecer à LeiMoral. E, ao agirmos assim, nãopodemos jogar em Deus a culpa pelasconsequências.

Deveria Deus, então, restringirnosso livre-arbítrio a fim de evitar essetipo de comportamento ruim? Essa linhade pensamento encontra depressa umdilema do qual não existe uma fugaracional. Mais uma vez, Lewis afirmacom clareza:

Se você opta por dizer "Deus podedar o livre-arbítrio a uma criatura e, aomesmo tempo, retira dela esse livre-arbítrio", não consegue dizer nada arespeito de Deus: combinações depalavras sem sentido não adquiremsentido de uma hora para outra porque

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colocamos antes delas duas outraspalavras, "Deus pode". A bobagempermanece uma bobagem, mesmoquando falamos sobre Deus.9 Aindapodemos encontrar dificuldade paraaceitar argumentos racionais quandouma experiência de terrível sofrimentorecai sobre uma pessoa inocente.Conheci uma estudante universitária queestava morando sozinha durante as fériasde verão enquanto fazia uma pesquisamédica para se preparar para suacarreira na Medicina. Despertada naescuridão da noite, descobriu que umestranho invadira seu apartamento.Pressionando uma faca contra a gargantadela, ele ignorou-lhe as súplicas,colocou-lhe uma venda nos olhos e a

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possuiu à força. Esse homem a deixouarrasada, revivendo a experiênciainúmeras vezes durante anos. Jamais foiapanhado.

8 C. S. The problem of Pain.New York: MacMillan, 1962. p. 23.

Essa jovem era minha filha. Nuncao mal me apareceu em sua forma tãocrua do que naquela noite, e eu nuncadesejei tanto a intervenção divina dealgum modo, a fim de deter esse crimehediondo. Por que ele não atingiu ocriminoso com um relâmpago ou, pelomenos, com um sentimento súbito de dorna consciência? Por que Deus nãocolocou um campo de força ao redor deminha filha para protegê-la?

Talvez em raras ocasiões Deus

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opere milagres. No entanto, na maioriadas vezes, a existência do livre-arbítrioe da ordem no universo físico é um fatodo qual não se pode escapar. Emborapossamos desejar que graças milagrosasaconteçam mais frequentemente, aconsequência da interrupção desses doisconjuntos de forças seria o caos total.

9 Ibid., p. 25.

O que dizer sobre a ocorrência dedesastres naturais: terremotos, tsunamis,vulcões, enchentes e fome? Em menorescala, mas não menos comovente, queexplicação dar para a ocorrência deenfermidades em vítimas inocentes,como o câncer infantil? JohnPolkinghorne, pastor anglicano edestacado médico, refere-se a essa

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categoria de eventos como "mal físico",em contraposição ao "mal moral"cometido pela humanidade.

Como isso se justifica?A ciência revela que o universo,

nosso planeta e mesmo a vida estãocomprometidos com um processoevolucionário. Entre os resultados disso,podemos incluir a imprevisibilidade doclima, o deslocamento das placastectônicas ou a grafia incorreta de umgene cancerígeno no processo normal dedivisão celular. Se, no início dostempos, Deus optou por usar tais forçaspara criar os seres humanos, ainevitabilidade dessas outrasconsequências dolorosas também estavagarantida. Frequentes intervenções

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milagrosas seriam, no mínimo, tãocaóticas no plano físico quanto seinterferissem nos atos humanos de livre-arbítrio.

Para vários pesquisadores atentos,essas explicações racionais fracassampor não fornecer uma justificativa para ador da existência humana. Por que nossavida é mais um vale de lágrimas que umjardim das delícias? Muito se temescrito sobre esse aparente paradoxo, ea conclusão não é fácil: se Deus éamoroso e deseja o melhor para nós,talvez o plano Dele não seja o mesmoque o nosso. Trata-se de um conceitodifícil, em especial se formosregularmente alimentados, em doseshomeopáticas, com uma versão da

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benevolência de Deus que signifique, daparte Dele, nada mais do que um desejode sermos felizes para sempre. Maisuma vez, de acordo com Lewis: "Naverdade, queremos mais um avô do queum pai no Céu — uma benevolênciasenil, que, como dizem, 'gosta de vergente jovem se divertindo', e cujo planopara o universo seja simplesmente quealguém possa dizer, com sinceridade, aofinal de cada dia, que 'todos passarampor bons momentos'".10A julgar pelaexperiência humana, se devemos aceitara bondade amorosa de Deus, Ele,aparentemente, deseja mais de nós doque isso. Não é essa, na verdade, nossaexperiência? Quando você aprendeumais sobre si mesmo? Quando tudo

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corria bem, ou quando precisouenfrentar desafios, frustrações esofrimento? "Deus nos sussurra emnossos prazeres, fala em nossaconsciência, mas grita em nossosofrimento."11Da mesma forma quegostaríamos de evitar tais experiências,será que, sem elas, não seríamoscriaturas superficiais, autocentradas e,ao final, não perderíamos todo o sensode nobreza ou o empenho paraaprimorar os outros?

Leve em conta o seguinte: se adecisão mais importante que faremosnesta vida for sobre uma crença, e se orelacionamento mais importante quedesenvolveremos aqui for com Deus, ese nossa existência como criaturas

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espirituais não se limitar ao quepoderemos fazer e observar durantenossa vida na terra, os sofrimentoshumanos ganharão um contextocompletamente novo.

Talvez nunca cheguemos a entendercompletamente os motivos dasexperiências dolorosas, mas podemoscomeçar a aceitar a ideia de que taismotivos existam. No meu caso, possover, embora de modo obscuro, que oestupro de minha filha foi um desafiopara que eu tentasse aprender o realsentido do perdão em uma circunstânciaterrivelmente violenta. Sendo bemhonesto, ainda estou trabalhando nisso.Talvez essa tenha sido também umaoportunidade para que eu reconhecesse

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que não posso, na verdade, protegerminhas filhas de toda dor e todosofrimento;

tenho de aprender a confiá-las aoscuidados de um Deus amoroso, sabendoque isso não as imuniza contra o mal,mas se trata de uma reafirmação de queseus sofrimentos não foram em vão. Naverdade, minha filha diria que talexperiência proporcionou-lhe aoportunidade e a motivação paraaconselhar e dar conforto a outras quepassaram pelo mesmo tipo de violação.

10 Ibid., p. 35.

11 Ibid., p. 83.

A noção de que Deus pode atuarem meio à adversidade não é fácil, e

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pode encontrar uma ancoragem firmesomente em uma visão de mundo queabarque uma perspectiva espiritual. Oprincípio do crescimento por meio dosofrimento é, na verdade, quaseuniversal nas grandes crenças mundiais.As Quatro Nobres Verdades de Buda nosermão do Deer Park, por exemplo,começam com 'A vida é sofrimento".Para o seguidor, essa percepção pode,paradoxalmente, ser uma fonte de grandeconforto.

A mulher com quem me preocupeiquando era estudante de Medicina, porexemplo, que desafiou meu ateísmo comuma aceitação gentil de sua doençaterminal, viu, no capítulo final de suavida, uma experiência que a aproximou

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de Deus, em vez de afastá-la mais ainda.Em um período histórico mais amplo,Dietrich Bonhoeffer (teólogo alemãoque retornou dos Estados Unidos àAlemanha durante a Segunda GuerraMundial a fim de fazer o possível paramanter viva a verdadeira Igreja, pois aIgreja cristã organizada na Alemanhahavia optado por dar apoio aos nazistas)foi preso graças a sua atuação em umesquema para assassinar Hitler. Duranteseus dois anos na prisão, sofrendomuitas humilhações e a perda de sualiberdade, Bonhoeffer nunca hesitou emsua fé ou em seu louvor a Deus. Poucoantes de ser enforcado, somente trêssemanas antes da libertação daAlemanha, escreveu o seguinte: "Tempo

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perdido é aquele em que não temos umavida humana por completo, tempoenriquecido pela experiência, pelosesforços criativos, pelo prazer e pelosofrimento"12.

12 BONHOEFFER, D. Lettersand Popers from Prison. New York:Touchstone, 1997. p. 47

Como pode uma pessoa racionalacreditar em milagres?

Por fim, leve em conta uma objeçãoà crença que tenha uma influênciaprofunda, em especial, para um cientista.Como os milagres podem se harmonizarcom uma visão de mundo científica?

Na linguagem moderna,depreciamos o significado da palavra"milagre". Falamos de "drogas

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milagrosas", "dieta milagrosa" oumesmo "chá milagroso". Isso, porém,não é o sentido originalmenteintencional da palavra. Maisprecisamente, um milagre é um eventoque parece inexplicável pelas leis danatureza e, assim, sua origem éconsiderada sobrenatural.

Todas as religiões incluem umacrença em determinados milagres. Atravessia dos hebreus pelo marVermelho, guiados por Moisés, seguidado afogamento dos soldados do faraó éuma história de destaque, contada nolivro do Êxodo, sobre a providênciatomada por Deus para evitar a iminentedestruição de seu povo. Da mesmaforma, quando Josué pediu que Deus

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prolongasse a luz do dia para ter êxitoem uma batalha, conta-se que o Sol ficouparado de tal maneira que só poderia serdescrita como milagrosa.

Para o Islã, as escrituras do Corãoforam iniciadas em uma cavernapróxima de Meca, com as instruções aMaomé fornecidas de modo sobrenaturalpelo anjo Jibril. A ascensão de Maoméé claramente um evento milagroso, namedida em que lhe é dada aoportunidade de ver todas ascaracterísticas do céu e do inferno.

Os milagres desempenham umpapel impressionante na cristandade —em especial o mais destacado dosmilagres, o de Cristo levantando-se dosmortos.

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Como podemos aceitar taisalegações enquanto afirmamos serhumanos modernos e racionais? Bom, éclaro que, se alguém parte dopressuposto de que eventossobrenaturais são impossíveis, nãoacredita em milagres. Mais uma vez,podemos nos voltar a C. S. Lewis paraque nos esclareça um pensamentoparticular sobre esse tópico. Em seulivro Milagres (editora Vida), ele diz:

Qualquer evento que possamosafirmar como milagre é, como últimorecurso, algo apresentado a nossossentidos, algo visto, ouvido, tocado,cheirado ou saboreado. E nossossentidos não são infalíveis. Se pareceter ocorrido algo extraordinário,

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sempre poderemos dizer que caímosvítimas de uma ilusão. Se mantivermosuma filosofia que exclui osobrenatural, é o que sempre diremos.O que aprendemos com a experiênciadepende do tipo de filosofia quetrazemos para a experiência.

Portanto, é inútil apelar para aexperiência antes de determinar, damelhor forma que pudermos, a questãofilosófica.13Correndo o risco deassustar aqueles que não se sentem àvontade com abordagens matemáticas deproblemas filosóficos, considere aseguinte análise: o reverendo ThomasBayes foi um teólogo escocês poucolembrado por suas consideraçõesteológicas, porém bastante respeitado

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por apresentar um teorema particular deprobabilidades. Seu teorema forneceuma fórmula, pela qual se pode calculara probabilidade da observação de umevento em especial, dadas algumasinformações iniciais ("antecedentes") ealgumas informações adicionais (a"condicional"). O teorema de Bayes éespecialmente útil quando confrontaduas ou mais explicações possíveis paraa ocorrência de um evento.

Leve em conta o exemplo a seguir:você foi aprisionado por um louco. Elelhe dá uma oportunidade de se libertar— permitindo que escolha uma carta deum baralho, recoloque-a, embaralhe eescolha novamente. Caso apanhe o ás deespadas em ambas as vezes, será

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libertado.13 LEWIS, C. S. Mirades: A

Preliminary Study. New York:MacMillan, 1960. p. 3.

Cético sobre se vale a pena atentativa, você prossegue — e, para suaestupefação, pega o ás de espadas dobaralho duas vezes. Suas correntes sãosoltas e você retorna ao lar.

Com suas tendências matemáticas,você calcula a chance de essa boa sortese repetir: 1/52 X 1/52 = 1/2 074. Umevento improvável, mas aconteceu.Poucas semanas depois, contudo, vocêdescobre que um funcionário bondosoda empresa fabricante de cartas debaralho, sabendo da aposta do louco,deu um jeito de que um em cada cem

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baralhos de cartas fosse composto de 52ases de espadas.

Talvez então não se tratasse apenasde uma mudança na sorte. Quem sabe umser humano inteligente e simpático (ofuncionário), que você não conhecia atéo dia de sua captura, interveio paraaprimorar as chances de sua libertação?A probabilidade de que o baralho doqual você apanhou as cartas viesse deum exemplar normal com 52 cartasdiferentes era 99/100; a probabilidadede ser um baralho especial contendoapenas ases de espadas era de 1/100.Para esses dois possíveis pontosiniciais, as probabilidades"condicionais" de sacar dois ases deespadas de uma seleção seriam 1/2 704

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e 1, respectivamente. De acordo com oteorema de Bayes, agora é possívelcalcular as probabilidades "posteriores"e concluir que haveria 96% de chancede o baralho de cartas do qual vocêsacou as cartas ser um dos "milagrosos".

A mesma análise pode ser aplicadaa eventos aparentemente milagrosos daexperiência cotidiana. Imagine que vocêpresenciou uma cura espontânea decâncer em estágio avançado, que, comose sabe, é fatal em quase todos os casos.Seria um milagre? Para analisar aquestão do ponto de vista bayesiano,primeiramente temos de supor que o"antecedente" é o de uma cura milagrosade câncer. É uma em mil? Uma em ummilhão? Ou zero?

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Aqui, sem dúvida, é onde aspessoas sensatas vão discordar, algumascom barulho. Para o comprometido como materialismo não se permite apossibilidade de milagres (seu"antecedente" será zero) e, portanto,mesmo uma cura de câncerextremamente incomum será descartadacomo evidência do milagre. Em vezdisso, será dado crédito ao fato de queeventos raros acontecem no mundonatural vez por outra. Aquele queacredita na existência de Deus,entretanto, pode, após examinar asevidências, concluir que esse tipo decura não deve ter ocorrido por qualquertipo de processo natural; e, tendoadmitido que a probabilidade

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antecedente de um milagre, apesar demuito pequena, não é nula, irá executarseu próprio cálculo bayesiano (muitoinformal) para concluir que há maisprobabilidade de ocorrer um milagre doque de não ocorrer.

Tudo isso apenas para dizer queuma discussão sobre cura milagrosadegenera rapidamente para umaargumentação sobre se alguém quer ounão levar em conta quaisquerpossibilidades de sobrenatural. Acreditoque exista essa possibilidade; contudo, o"antecedente" deve, em geral, ser muitopequeno.

Ou seja, o pressuposto em qualquercaso deve ser a favor de uma explicaçãonatural. Para o deísta, que enxerga Deus

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como o criador do universo que foiperambular em algum outro lugar paradesempenhar outras atividades, não hámais motivos para considerar eventosnaturais como milagres do que para omaterialista convicto. Para o teísta, queacredita em um Deus atencioso com avida dos humanos, existe umaprobabilidade de colocar em práticavários níveis de suposição de milagres,dependendo da percepção do indivíduoacerca da possibilidade de que Deusintervenha nas circunstâncias do dia adia.

Qualquer que seja a visão pessoal,é fundamental que um ceticismosaudável seja aplicado na interpretaçãode eventos potencialmente milagrosos, a

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fim de que a integridade e aracionalidade da perspectiva religiosasejam trazidas à questão.

A única coisa que mataria commais rapidez a possibilidade demilagres do que um materialismocomprometido seria a alegação de umacondição de milagre para os eventosdiários para os quais já existemexplicações naturais ao alcance.Qualquer um que afirme que odesabrochar de uma flor é um milagreestá se aproveitando de umacompreensão crescente da biologia dasplantas, que se encontra bem no caminhoda elucidação de todas as etapas entre agerminação das sementes e odesabrochar de uma rosa linda e

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perfumada, tudo dirigido pelo manual deinstruções do DNA dessa planta.

De modo semelhante, uma pessoaque ganha na loteria, e anuncia tratar-sede um milagre porque rezou para obteresse resultado, força os limites de nossacredulidade. Afinal de contas, tendo emvista a ampla distribuição de, nomínimo, alguns vestígios de fé nasociedade moderna, é provável que umaparcela significativa de indivíduos quecompraram um bilhete de loteria naquelasemana também rezou de maneiraefêmera para que pudesse ganhar oprêmio. Nesse caso, a alegação deintervenção milagrosa do verdadeiroganhador soa vazia.

Mais difíceis de avaliar são as

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afirmações de quem obteve a curamilagrosa de algum problema de saúde.Como médico, já presencieicircunstâncias em que pessoas serecuperaram de enfermidades quepareciam irreversíveis. Contudo, relutoem atribuir tais eventos à intervençãomilagrosa, tendo em vista nossosconhecimentos incompletos sobredoenças e como estas afetam o corpohumano. Com muita frequência, quandoalegamos que curas milagrosas foramexaminadas com todo o cuidado porobservadores imparciais, tais alegaçõesfracassam. Apesar dessas dúvidas e deuma insistência em que tais alegaçõestêm respaldo de amplas evidências, nãome surpreenderia ouvir que curas

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milagrosas genuínas aconteceram emocasiões extremamente raras. Meu"antecedente" é baixo, mas não igual azero.

Portanto, os milagres não seafirmam como um conflito inconciliávelpara quem acredita na ciência como umaforma de investigar o mundo natural epara quem enxerga que esse mundo éregido por leis. Se, assim como eu, vocêadmite que possa existir algo ou alguémfora da natureza, não acredita que hajamotivo lógico para essa força nãopoder, em raras ocasiões, representaruma invasão. Entretanto, para que omundo evite cair gradualmente no caos,milagres precisam ser bastanteincomuns. Como Lewis escreveu, Deus

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não agita milagres na natureza de formaaleatória, como se os jogasse com umsaleiro. Milagres surgem em ocasiõesespeciais: são encontrados nos grandestumores da história — não na históriapolítica ou social, e sim naquela históriaespiritual que não pode ser totalmenteconhecida pelos homens. Se sua vidanão se assemelha a esses grandestumores, como você espera presenciaralgum? Vemos aqui não somente umargumento sobre a raridade dosmilagres, mas também um argumento deque estes devem ter alguma finalidadeem vez de representar os atossobrenaturais de um mágicoextravagante, simplesmente elaboradospara impressionar. Se Deus é a

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personificação definitiva da onipotênciae da bondade, sua função não é a detrapacear. John Polkinghorne defendeesse ponto de maneira convincente:

Milagres não devem serinterpretados como atos divinos contraas leis da natureza (pois essas leis são,em si mesmas, expressões da vontadedivina), e sim como revelações maisprofundas do caráter dorelacionamento divino para a criação.

Para serem críveis, os milagresdevem transmitir uma compreensãomais profunda do que poderia ter sidoobtido sem eles.15

14 Ibid., p. 167.

Apesar de tais argumentos, oscéticos materialistas, que não desejam

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dar fundamentos ao conceito desobrenatural e negam a evidência da LeiMoral e do sentimento universal deansiar por um Deus, irão, sem dúvida,argumentar que não há a menornecessidade de levar em conta osmilagres. Pelo ponto de vista deles, asleis da natureza podem explicar tudo, atémesmo o extremamente improvável.

Pode, porém, esse ponto de vistaser totalmente confirmado? Existe pelomenos um evento extremamenteimprovável, sem igual e profundo nahistória que os cientistas de quase todasas disciplinas concordam, não écompreendido e jamais será, e para oqual as leis da natureza fracassamcompletamente ao tentar fornecer uma

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explicação. Seria um milagre? 15 POLKINGHORNE, J.

S c i e n c e and Theology — AnIntrodution. Minneapolis: FortressPress, 1998. p. 93.

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SEGUNDAPARTE

As grandes questões da existênciahumana

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 3

As origens do universo

MAIS DE DUZENTOS ANOSATRAS, um dos filósofos de maiorinfluência de todos os tempos, ImmanuelKant, escreveu:

"Duas coisas me enchem deadmiração e estarrecimento crescentes

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e constantes, quanto mais tempo e maissinceramente fico refletindo acercadelas: os céus estrelados lá fora e a LeiMoral aqui dentro".

Os esforços para compreender asorigens e os trabalhos do cosmocaracterizaram quase todas as religiõesao longo da história, seja na adoraçãoaberta de um deus-sol, seja na atribuiçãode significado espiritual até a fenômenoscomo eclipses, seja a uma simplessensação de pasmo diante dasmaravilhas do céu.

Seria o comentário de Kant meracontemplação sentimental de um filósofoque não dispunha dos benefícios daciência moderna, ou existe umaharmonia acessível entre a ciência e a

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fé, na questão muito importante sobre asorigens do universo?

Um dos desafios para atingir essaharmonia é o fato de que a ciência não éestática. Os cientistas acham-se numapesquisa constante em novos setores,investigando o mundo natural sob novasformas, escavando com maisprofundidade um território em que acompreensão se faz incompleta. Aoconfrontar um conjunto de dados queincluem um fenômeno enigmático einexplicável, os cientistas criamhipóteses do mecanismo que pode estarenvolvido e, em seguida, realizamexperimentos para testar tais hipóteses.Muitas experiências nos maioresavanços da ciência fracassam, e a maior

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parte das hipóteses se revela errada. Aciência evolui, e se corrige: nenhumaconclusão significativamente errôneanem falsas hipóteses podem ter respaldodurante muito tempo, pois asobservações atualizadas derrubarão, emdefinitivo, as interpretações erradas.Entretanto, ao longo de um extensoperíodo, surge às vezes um conjuntoconsistente de observações que conduz auma nova estrutura de compreensão.Essa estrutura, então, ganha umadescrição mais específica e passa achamar-se "teoria" — a teoria dagravidade, a teoria da relatividade ou ateoria dos germes, por exemplo.

Uma das esperanças mais nutridaspor um cientista é fazer uma observação

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que sacuda determinado campo depesquisa.

Os cientistas têm um traço deanarquismo enrustido, esperando um diaaparecer com algum fato inesperado queforçará uma quebra da estrutura. É paraisso que se dão Prêmios Nobel. Nesseaspecto, qualquer suposição de quepossa existir uma conspiração entrecientistas a fim de manter viva umateoria bastante atual vigente quecontenha falhas sérias é totalmentedesprovida de ética para essesprofissionais determinados eincansáveis.

O estudo da astrofísica exemplificamuito bem tais princípios, profundastransformações sociais aconteceram nos

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últimos quinhentos anos, durante osquais a compreensão da natureza damatéria e da estrutura do universopassou por importantes revisões. Não hádúvida de que mais revisões estão porvir.

Tais rupturas podem ser penosasquando se tenta atingir uma sínteseconfortável entre a ciência e a fé,principalmente se a Igreja se ligar a umavisão anterior das coisas e incorporarisso em seu sistema de crençasfundamentais. A harmonia de hoje podeser a discórdia de amanhã. Nos séculosXVI e XVII, Copérnico, Kepler eGalileu (que acreditavam em Deus commuita convicção) desenvolveram umaideia que os foi atraindo aos poucos: a

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de que o movimento dos planetas sópoderia ser compreendido de formaadequada se a Terra se movesse emtorno do Sol, em vez de o contrário.

Os pormenores de suas conclusõesnão estavam de todo acertados (Galileucometeu uma gafe famosa em suaexplicação sobre as marés), e, emprincípio, muitos da comunidadecientífica não ficaram convencidos.Entretanto, ao final, os dados e aconsistência das previsões da teoriaforam aceitos até pelo mais cético doscientistas.

A Igreja Católica, contudo,sustentou sua oposição com firmeza,alegando que tal ponto de vista eraincompatível com as Sagradas

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Escrituras. Olhando em retrospectiva,fica claro que se basear na Bíblia parafazer tais alegações é uma atitudebastante limitada; contudo, esseconfronto alastrou-se durante décadas ecausou, no fim das contas, danosconsideráveis tanto à ciência quanto àIgreja.

O século XX assistiu a um númeroinédito de revisões no ponto de vista arespeito do universo. A matéria e aenergia, antes tidas como entidadescompletamente diversas, foramapresentadas por Einstein comointercambiáveis, pela famosa equaçãoE= mc2 (E é energia, m é a massa e c, avelocidade da luz). A dualidade da ondae da partícula — ou seja, o fato de que a

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matéria apresenta característicassimultâneas tanto de ondas como departículas —, fenômeno demonstradoexperimentalmente para a luz e parapartículas pequenas como os elétrons,mostrou-se um fato inesperado eestarrecedor a muitos cientistas comformação clássica. O princípio daincerteza de Heisenberg sobre amecânica do quantum, a percepção deque é possível medir a posição ou omomentum de uma partícula, mas nãoambos ao mesmo tempo, criaramconsequências particularmentedestruidoras tanto para a ciência quantopara a Teologia. Talvez, num grau maisprofundo, nosso conceito sobre a origemdo universo passou por uma

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modificação fundamental ao longo dos75 anos mais recentes, com base tantoem teorias como em experimentos.

A maioria das grandes revisões denossa compreensão do universo materialsurgiu em círculos relativamenterestritos de investigação acadêmica,tendo permanecido muito distantes dopúblico em geral. Às vezes, esforçosnobres, como o de Stephen Hawking eseu Uma Breve História do Tempo: doBig

Bang aos Buracos Negros(Ediouro), foram feitos para tentarexplicar as complexidades da Física eda Cosmologia modernas a um públicomais geral, mas é mais provável que os5 milhões de cópias impressas do livro

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de Hawking permaneçam inéditos paraum público que achou os conceitos emsuas páginas bizarros demais para serentendidos.

De fato, as descobertas sobre aFísica nas poucas décadas recenteslevaram a discernimentos sobre anatureza da matéria bastante isolados dequalquer raciocínio ou análise. O físicoErnest Rutherford comentou, cem anosatrás, que "uma teoria que não se podeexplicar a um balconista de barprovavelmente não é nada boa". Poresse padrão, muitas das atuais teoriassobre as partículas fundamentais queconstituem a matéria se sustentam deforma um tanto fraca.

Entre os vários conceitos

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estranhos, agora bem registradosexperimentalmente, existem alguns comoo fato de que os nêutrons e os prótons(os quais costumávamos achar que eramas partículas fundamentais no núcleo doátomo) são, na verdade, constituídos porseis tipos de quarks (denominados "up","down", "estranho", "charme","bottom" e "top"). Os seis tiposparecem ainda mais estranhos quandose declara que cada um apresenta trêscores (vermelha, verde e azul). Essesnomes bizarros dados às partículasprovam ao menos que os cientistas têmsenso de humor. Um arranjoestonteante de outras partículas, dosfótons aos grávitons, aos glúons e aosmúons, cria um mundo tão estranho à

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experiência cotidiana humana quemuitos não-cientistas acabambalançando a cabeça, mal conseguindoacreditar. Entretanto, todas essaspartículas possibilitam nossaexistência. Para quem defende a ideiade que o materialismo deve prevalecersobre o teísmo, porque é mais simples emais intuitivo, esses novos conceitosapresentam-se como um desafioimportante. Uma variação da máximade Ernest Rutherford é conhecida comoa Navalha de Occam, em homenagemao especialista em Lógica e mongeinglês do século XIV William ofOckham. Esse princípio sugere que amais simples explicação a qualquerproblema apresentado é, em geral, a

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melhor.Hoje, a Navalha de Occam parece

ter sido jogada no lixo pelos bizarrosmodelos da Física Quântica.

No entanto, de acordo com umsenso bastante importante, Rutherford eOccam ainda são reverenciados: pormais que as descrições verbais dessesfenômenos recém-descobertos sejamenigmáticas, suas representaçõesmatemáticas revelam-se invariavelmenteelegantes, com uma simplicidadeinesperada e até mesmo bela. Quando euera estudante de Físico-química emYale, tive a experiência extraordináriade participar de um curso de mecânicaquântica relativística ministrado peloganhador do Nobel Willis Lamb. Em

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suas aulas, trabalhava por meio dateoria da relatividade e da mecânicaquântica com base em seus primeirosprincípios. Tudo isso ele tirava damemória, mas, às vezes, pulava etapas e,diante dos olhares arregalados deestudantes que o admiravam,encarregava-nos de preencher as lacunasantes de passar para a próxima aula.

Apesar de eu, no fim das contas,passar da ciência física à Biologia, essaexperiência de originar equaçõesuniversais tão simples e belas, quedescrevem a realidade do mundonatural, deixou em mim uma impressãoprofunda, em especial porque oresultado definitivo tinha um grandeapelo estético. Isso levantou a primeira

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de várias perguntas filosóficas acerca danatureza do universo físico. Por que amatéria se comportaria dessa maneira?Citando a frase de Eugene Wigner, qualseria a explicação para a "inexplicáveleficiência da matemática"?1 Não serianada além de um feliz acidente ourefletiria alguma intuição profunda nanatureza da realidade? Para quem desejaaceitar a possibilidade do sobrenatural,seria isso também uma intuição na mentede Deus? Teriam Einstein, Heisenberg eoutros encontrado o divino?

Nas frases finais de Uma BreveHistória do Tempo, ao se referir a umtempo ansiado, em que uma teoriaeloquente e unificada sobre tudo fordesenvolvida, Stephen Hawking (em

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geral não dado a contemplaçõesmetafísicas) afirma: "Então, poderíamostodos nós, filósofos, cientistas e pessoascomuns, participar da discussão sobre aquestão de o porquê de nós e o universoexistirmos. Se encontrarmos umaresposta a isso, será o triunfo definitivona razão humana — pois, então,conheceremos a mente de Deus".2Seriamessas descrições matemáticas darealidade indicações de algumainteligência maior? Seria a Matemática,juntamente com o DNA, uma outralinguagem de Deus?

1 WIGNER, E. The UnreasonableEffectiveness of Mathematics in theNatural Sciences. Communicationson Pure and Applied Mathematics, v.

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13, n. 1, Feb. 1960.

Decerto a Matemática temconduzido os cientistas no rumo certo dealgumas das questões mais profundas. Aprimeira é: como tudo isso começou?

O Big BangNo início do século XX, a maioria

dos cientistas admitia um universo semcomeço nem fim. Isso criava algunsparadoxos físicos, como a forma pelaqual o universo permaneceria estávelsem entrar em colapso por causa daforça gravitacional, mas outras hipótesesnão pareciam muito atraentes. QuandoEinstein desenvolveu a teoria darelatividade geral, em 1916, introduziuuma tal de "constante cosmológica" para

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bloquear a implosão gravitacional emanter a ideia de um universo em estadoconstante. Mais tarde ele se retratou,chamando aquilo de "o maior erro daminha vida".

Outras formulações teóricaspropunham a alternativa de um universoque se iniciara em um momentoparticular e, em seguida, expandira-seaté seu estado atual; no entanto,restavam mensurações experimentaispara confirmar essa teoria antes que amaioria dos físicos começasse a levarem conta essa hipótese com seriedade.Tais dados foram, em princípio,fornecidos por Edwin Hubble, em 1929,em um famoso conjunto de experimentosno qual o cientista observava a

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proporção na qual as galáxias vizinhasse afastavam da nossa.

Usando o efeito Doppler — omesmo princípio que permite a umpolicial determinar a velocidade de seucarro quando você é apanhado peloradar, ou que faz com que o apito deuma ambulância tenha um diapasão maisalto antes do que depois de ter passadopor você —, Hubble descobriu que, emtudo o que observou, a luz das galáxiassugeria que estas estavam se afastandode nós. Quanto mais distantes seachavam, mais rápido recuavam.

2 HAWKING, S. A Brief Historyof Time. New York: Bantam Press,1998. p. 210.

Se tudo no universo está se

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espalhando, ao retroceder a seta dotempo podemos prever que, em alguminstante, todas essas galáxias seencontravam juntas, formando umaentidade incrivelmente maciça. Asobservações de Hubble iniciaram umdilúvio de medições experimentais que,durante os setenta anos mais recentes,levaram a maioria dos físicos ecosmólogos à conclusão de que ouniverso teve início em um únicomomento, hoje chamado comumente deBig Bang [a grande explosão]. Oscálculos sugerem que isso aconteceucerca de 14 bilhões de anos atrás.

Uma comprovação especialmenteimportante da precisão dessa teoria foifornecida quase ao acaso por Arno

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Penzias e Robert Wilson em 1965,quando eles notaram o que parecia serum segundo plano incômodo de sinais demicro-ondas, qualquer que fosse o localpara onde apontassem seu novo detector.Depois de descartar todas as outrascausas possíveis (inclusive certospombos, os primeiros suspeitos),Penzias e Wilson descobriram que essesom de fundo vinha do próprio universoe que representava, exatamente, o tipode crepúsculo que se esperariaencontrar em consequência do Big Bang,oriundo da destruição de matéria eantimatéria nos instantes iniciais douniverso em explosão.

Evidências adicionais eobrigatórias para a exatidão da teoria do

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Big Bang comprovaram-se pelaproporção de determinados elementosao longo do universo, em particular ohidrogênio, o deutério e o hélio. Aimensa quantidade de deutério tem umaconstância incrível, desde as estrelasmais próximas até as galáxias que foramarremessadas o mais distante possívelde nosso horizonte de eventos. Essadescoberta é consistente com todo odeutério do universo que foi formado atemperaturas inacreditavelmente altasem um único evento durante o Big Bang.Se existissem inúmeros desses eventosem diferentes locais e tempos, nãoesperaríamos semelhante uniformidade.

Com base nessa e em outrasobservações, os físicos concordam que

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o universo começou como um ponto depura energia sem dimensões e dedensidade infinita. As leis da físicamodificam essa circunstância, a qualchamam de "singularidade". Pelo menosaté aqui, os cientistas acham-seincapazes de interpretar osprimeiríssimos eventos na explosão, queocuparam os 10-43 segundos iniciais (umdécimo de milhão de milhão de milhãode milhão de milhão de milhão demilhão de segundo!). Depois disso, épossível fazer suposições sobre oseventos que precisariam ter acontecidopara originar o universo que vemoshoje, como a destruição de matéria eantimatéria, a formação do núcleoatômico estável e, em definitivo, a

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formação dos átomos, primeiramente dehidrogênio, deutério e hélio.

Uma pergunta até hoje sem respostaé se o Big Bang teve como resultado umuniverso que vai se expandir parasempre ou se em algum ponto agravitação vai prevalecer e as galáxiasvoltarão a recuar e a se agrupar,acarretando, no final, um "Big

Crunch" . Descobertas recentes dequantidades pouco compreendidas daschamadas matéria escura e energiaescura, que parecem ocupar uma porçãobastante significativa de material nouniverso, deixam em suspenso aresposta a essa pergunta. No entanto, asmelhores evidências neste momentopreveem um desaparecimento lento e

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gradual em vez de um colapsodramático.

* "Implosão", o contrário do BigBang. (N. T.)

O que veio antes do Big BangA existência do Big Bang suplica

por uma pergunta sobre o que veio antese quem ou o que foi o responsável. Nacerta, isso demonstra os limites daciência como nenhum outro fenômeno.As consequências da teoria do Big Bangpara a Teologia são profundas. Para astradições da fé, de acordo com as quaiso universo foi criado por Deus a partirdo nada (ex nihilo), eis um resultadoeletrizante. Será que um eventoimpactante como o Big Bang se encaixana definição de um milagre?

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A sensação de admiração criadapor tais descobertas teve outros efeitos,além de fazer alguns poucos cientistassoarem exatamente como teólogos. EmGod and the Astronomers [Deus e osastrônomos], o astrofísico RobertJastrow escreveu este parágrafo final:

Neste momento parece que aciência nunca será capaz de erguer acortina acerca do mistério da criação.Para o cientista que viveu pela sua féna força da razão, a história encerracomo um sonho ruim. Ele escalou asmontanhas da ignorância; vê-seprestes a conquistar o pico mais alto; àmedida que se puxa para a rocha final,é saudado por um bando de teólogosque estiveram sentados ali durante

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séculos.3Para os que procuramaproximar teólogos e cientistas, hámuitos recursos nas recentesdescobertas sobre a origem do universopara inspirar apreciação mútua. Emalgum lugar de seu livro, aliásestimulante, Jastrow escreve:

Agora vemos como a evidênciaastronômica conduziu a uma visãobíblica sobre a origem do mundo. Hádiferença nos detalhes, porém oselementos essenciais e asconsiderações astronômicas e bíblicassobre a gênese são as mesmas; acadeia de eventos conduzindo aohomem iniciou de modo repentino epreciso em um momento definido notempo, em um brilho de luz e

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energia.4Tenho de concordar. O BigBang grita por uma explicação divina.Obriga à conclusão de que a naturezateve um princípio definido. Não consigover como a natureza pôde ter-se criado.

3 JASTROW, R. God and theAstronomers. New York: W. W.Norton, 1992. p. 107.

Apenas uma força sobrenatural,fora do tempo e do espaço, poderia tê-laoriginado.

Mas e quanto ao resto da criação?O que faremos com o extenso processopelo qual nosso planeta, a Terra, veio aexistir, 10 bilhões de anos após o BigBang.

Formação de nosso sistema solar

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e do planeta TerraDurante o primeiro milhão de anos

que se seguiu ao Big Bang, o universose expandiu, a temperatura caiu, e onúcleo e os átomos começaram a seformar. A matéria principiou a seaglutinar em galáxias regidas pela forçada gravidade. Adquiriu um movimentode rotação e, à medida que fazia isso,resultou, por fim, na forma espiral dasgaláxias, como a nossa. Dentro dessasgaláxias, agrupamentos locais dehidrogênio e hélio foram reunidos, e suadensidade e temperatura aumentaram.Ao final, teve início a fusão nuclear.

Por meio desse processo, quatronúcleos de hidrogênio fundiram-se paraformar toda a energia que existe nos

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núcleos de hélio, o que permitiu a maisimportante fonte de combustível para asestrelas. Estrelas maiores queimam maisrápido. Conforme começam a queimar,geram, em seu núcleo, elementos maispesados, como carbono e oxigênio. Nosprimórdios do universo (nos primeirospoucos milhares de milhões de anos),esses elementos apareciam apenas nonúcleo das estrelas que perdiam a força.Algumas, entretanto, explodiram emgrandes proporções, originando asestrelas conhecidas como supernovas.Estas arremessam elementos maispesados de volta ao gás na galáxia.

4 Ibid., p.14.

Cientistas creem que nosso Sol nãose formou nos primeiros dias do

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universo; ele é, na verdade, uma estrelade segunda ou terceira geração, formadocerca de 5 bilhões de anos atrás por umanova reunião local. Conforme essasituação ocorria, uma pequena parcelade elementos pesados nos arredoresescapou e, em vez de se unir à novaestrela, agrupou-se em planetas que hojegiram ao redor de nosso Sol. Isso incluinosso planeta que, nos primeiros dias,estava longe de ser hospitaleiro. Emprincípio bastante quente ebombardeado, com imensas colisõescontínuas, desenvolveu uma atmosfera eganhou o potencial de abrigar formas devida por volta de 4 bilhões de anosatrás. Meros 150 milhões de anos maistarde, a Terra achava-se com vida em

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abundância.Todas essas etapas na formação de

nosso sistema solar são, atualmente, bemdescritas e improváveis de ser revisadascom base em informações futuras. Quasetodos os átomos de seu corpo foram,algum dia, cozinhados na fornalhanuclear de uma supernova antiga —você foi, de verdade, criado com apoeira das estrelas.

Existem implicações teológicaspara qualquer dessas descobertas? Atéque ponto somos raros e improváveis?

Pode-se formular o argumento deque as complexas formas de vida nesteuniverso não poderiam ter-se originadonum período inferior a mais ou menos 5a 10 bilhões de anos após o Big Bang,

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uma vez que a primeira geração deestrelas não teria contido os elementosmais pesados, como carbono e oxigênio,que acreditamos necessários à vida,pelo menos como a conhecemos.Somente uma estrela de segunda outerceira geração e o sistema planetárioque a acompanharia trariam consigoesse potencial. Mesmo então, a vidaprecisaria de muitíssimo tempo parachegar à consciência e à inteligência.Embora haja uma possibilidade deexistirem, em outro lugar no universo,outras formas de vida que não dependamde elementos pesados, a natureza de taisorganismos é extremamente difícil deconsiderar com base em nosso atualconhecimento de Química e Física.

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Isso, é claro, levanta a questão daexistência de vida semelhante à nossaem algum outro lugar no universo.Apesar de ninguém no planeta ternenhuma informação para sustentar ounegar isso, uma famosa equaçãoproposta pelo radioastrônomo FrankDrake em 1961 permitiu um exameatento das probabilidades. A equação émais útil como uma forma de registrar oestágio de nosso desconhecimento.Drake notou, de maneira simples elógica, que o número de civilizaçõesque se comunicam em nossa galáxiadeve ser o produto de sete fatores:

• o número de estrelas na ViaLáctea (cerca de 100 bilhões) vezes

• a fração de estrelas com planetas

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ao redor vezes• o número de planetas por estrela

capazes de sustentar vida vezes• a fração de tais planetas onde a

vida evolui de fato vezes• a fração daqueles onde a vida que

evolui apresenta inteligência vezes• a fração daqueles que de fato

desenvolveram a capacidade deestabelecer comunicação vezes

• a fração da vida desses planetasem que a capacidade de comunicaçãocoincida com a nossa.

Somos capazes de nos comunicaralém da Terra há menos de cem anos. Oplaneta tem uma idade aproximada de4,5 bilhões de anos. Assim, o últimofator de Drake reflete apenas uma

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diminuta parcela de anos em que a Terrae x i s t e : 0,000000022 (pode-seargumentar, dependendo da perspectivasobre a probabilidade marcante de nosdestruirmos no futuro, se tal fraçãoaumentará ainda mais).

A fórmula de Drake é interessante,mas, em essência, inútil, por causa denossa incapacidade de afirmar, comalgum nível de certeza, o valor de quasetodos os termos, exceto pelo número deestrelas na Via Láctea. Decerto outrasestrelas com planetas ao redor foramdescobertas; entretanto, o restante dostermos permanece envolto em mistério.Contudo, o Instituto SETI (Search forExtraterrestrial Intelligence) [Busca porInteligência Extraterrestre], fundado

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pelo próprio Drake, contratou físicos,astrônomos e outros, profissionais eamadores, para um esforço organizadode buscar sinais que possam vir deoutras civilizações em nossa galáxia.

Muito se escreveu sobre aimportância potencialmente teológica dadescoberta de vida em outros planetas,caso isso viesse a acontecer. Será quesemelhante evento tornariaimediatamente a humanidade no planetaTerra menos "especial"? A existência devida em outros planetas diminuiria aprobabilidade do envolvimento de umDeus criador no processo? A meu ver,tais conclusões não parecem garantidas.Se Deus existe e busca uma amizadecom seres conscientes como nós, e pode

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manter o desafio de interagir com 6bilhões de pessoas atualmente nesteplaneta e outros, incontáveis, que vieramantes de nós, não me parece claro porque estaria além da capacidade deleinteragir com criaturas semelhantes emoutros poucos planetas, ou outrospoucos milhões de planetas. Seria, éclaro, bastante interessante descobrir secriaturas em outras partes do universotambém têm a Lei Moral, dada aimportância desta em nossa percepçãoda natureza de Deus. Falando demaneira realista, porém, é improvávelque qualquer um de nós tenha aoportunidade de saber as respostas atais dúvidas durante a vida.

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O princípio antrópicoAgora que a origem do universo e

de nosso sistema solar vem aos poucossendo bem compreendida, muitasaparentes coincidências fascinantessobre o mundo natural são descobertas econfundem, da mesma forma, cientistas,filósofos e teólogos. Considere as trêsobservações a seguir:

1. Nos momentos iniciais douniverso que se seguiram ao Big Bang, amatéria e a antimatéria foram criadas emquantidades quase iguais. Em ummilissegundo no tempo, o universoresfriou-se o bastante para que quarks eantiquarks se "condensassem".

Qualquer quark que encontrasse umantiquark, o que ocorreria muito

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depressa em uma densidade tão alta,resultaria na destruição completa deambos, libertando um fóton de energia.No entanto, a simetria entre a matéria e aantimatéria não era muito exata; paracada cerca de bilhão de pares de quarkse antiquarks, havia um quark a mais. Éessa diminuta fração da potencialidadeinicial que compõe a massa do universocomo agora o conhecemos.

Por que existiu essa assimetria?Teria sido mais "natural"

que ali não houvesse assimetria.Contudo, se houvesse uma simetria totalentre a matéria e a antimatéria, ouniverso rapidamente teria sedesenvolvido em radiação pura; epessoas, planetas, estrelas e galáxias

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jamais teriam existido.2. A forma como o universo

expandiu-se após o Big Bangdependeu, essencialmente, da

quantidade total de massa e energia queo universo apresentava e também daforça da constante gravitacional. O nívelsurpreendente de sintonia dessasconstantes físicas tem sido objeto deadmiração para muitos especialistas.Escreve Hawking:

Por que o universo iniciou comuma taxa crítica tão próxima deexpansão que separa modelos quevoltam a entrar em colapso daqueles quese mantêm expandindo eternamente, que,ainda hoje, 10 mil milhões de anos maistarde, continuam se expandindo próximo

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da taxa crítica? Se a taxa de expansãoum segundo após o Big Bang tivessesido menor, mesmo em cada parte únicade 100 mil milhões de milhões, ouniverso teria se destruído outra vezantes mesmo de atingir seu tamanhoatual.5Entretanto, se a taxa de expansãotivesse sido maior para cada parte únicaem um milhão, estrelas e planetas nãopoderiam ter se formado. Teoriasrecentes envolvendo uma expansãoincrivelmente rápida (inflação) douniverso em épocas muito remotasparecem oferecer uma explicaçãoparcial ao motivo pelo qual a presenteexpansão encontra-se tão próxima dovalor crítico. No entanto, muitoscosmólogos diriam que isso

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simplesmente faz a questão recuar parapor que o universo possui justamente aspropriedades corretas para passar poressa expansão inflacionária. Aexistência de um universo como oconhecemos repousa no fio da navalhadas improbabilidades.

3. A mesma circunstânciaextraordinária aplica-se à formação deelementos mais pesados. Se a sólidaforça nuclear que mantém unidos osprótons e os nêutrons tivesse sidominimamente mais fraca, somente ohidrogênio teria, então, se formado nouniverso. Se, entretanto, tivesse sidolevemente mais forte, todo o hidrogênioteria se transformado em hélio, em vezdos 25% nos primórdios do Big Bang.

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Com isso, as fornalhas de fusão dasestrelas e sua capacidade de gerarelementos mais pesados jamais teriamocorrido.

Somando-se a tal observaçãoextraordinária, a energia nuclear pareceestar ajustada apenas o bastante para aformação de carbono, elementoessencial às formas de vida na Terra.

Caso essa energia exercesse umaatração muitíssimo inferior, todo ocarbono teria se convertido emoxigênio.

5 HAWKING, op. cit., p. 138.

Ao todo, existem quinze constantesfísicas cujos valores a atual teoria nãoconsegue predizer. São dadas:simplesmente têm o valor que têm. A

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lista inclui a velocidade da luz, apotência das forças nucleares forte efraca, diversos parâmetros associadosao eletromagnetismo e a força dagravidade. A probabilidade de todasessas constantes terem os valoresnecessários para resultar em umuniverso estável, capaz de sustentarformas de vida complexas, quase tendeao infinito. E, no entanto, elasapresentam exatamente os parâmetrosque observamos. Em resumo, nossouniverso é monstruosamente improvável.

Neste ponto talvez você diga, comrazão, que esse argumento é um tantocíclico: o universo precisa terparâmetros associados a esse tipo deestabilidade, ou não estaríamos aqui

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para comentar a questão. Em geral, essaconclusão é chamada de PrincípioAntrópico: a ideia de que nossouniverso está exclusivamente ajustadopara gerar humanos. Esse princípio temsido uma fonte de muito assombro eespeculação desde que foi avaliado emsua totalidade, poucas décadasatrás.6Em essência, existem trêspossíveis respostas ao PrincípioAntrópico:

1. Pode haver um número infinitode universos existentes simultaneamenteao nosso em alguma sequência, comvalores diferentes de constantes físicas,e talvez mesmo com leis físicasdistintas. Nós, porém, não podemosenxergar os outros universos. Podemos

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existir apenas em um, no qual todas aspropriedades físicas trabalham juntaspara permitir a vida e a consciência.Nosso universo não é um milagre; ésimplesmente um produto incomum detentativa e erro. Isso se chama hipótesedo "multiverso".

Para uma completa e rigorosaenumeração matemática dessesargumentos, ver Barrow, J.D., Tri-pler,F.J. The Antrophic CosmologicalPrinciple, New York: Oxford UniversityPress, 1986 81 2. Existe apenas umuniverso: este. Simplesmente eleapresenta todas as característicascorretas para a geração de vidainteligente. Senão, não estaríamos aquidebatendo isso. O caso é que temos

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muita, muita, muita sorte.3. Existe apenas um universo: este.

O ajuste preciso de todas as constantesfísicas e leis físicas para possibilitar avida inteligente não é acidental, e simreflete a ação de algo que criou ouniverso em primeiro lugar.

Independentemente de alguémpreferir a opção 1, a 2 ou a 3, nãoexistem dúvidas de que se trata de umassunto potencialmente teológico.Hawking, citado por Ian Barbour7,escreve:

"As probabilidades contra umuniverso como o nosso ter surgido dealgo como o Big Bang são enormes.Acho que existem envolvimentosnitidamente religiosos".

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Indo mais longe ainda, Hawking,e m Uma Breve História do Tempo,declara: "Seria difícil explicar por queo universo teria começado desta exatamaneira, a não ser como o ato de umDeus que quisesse criar seres comonós".8Outro destacado físico, FreemanDyson, após verificar essa série de"acidentes numéricos", conclui: "Quantomais examino o universo e os detalhesde sua arquitetura, mais evidênciasencontro de que o universo, em certosentido, devia saber que estávamoschegando".9E Arno Penzias, cientistaganhador do Prêmio Nobel, quedescobriu em paralelo a radiaçãocósmica de micro-ondas em segundoplano e que possibilitou sólido respaldo

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para o Big Bang em primeiro lugar,afirma: "Os melhores dados que temossão exatamente aqueles que eu haviaprevisto, e eu não tinha com o queprosseguir a não ser os cinco livros deMoisés, os Salmos, a Bíblia como umtodo".10Talvez Penzias estivessepensando nas palavras de Davi noSalmo 8: "Quando contemplo os teuscéus, obra dos teus dedos, a lua e asestrelas que estabeleceste, que é ohomem, para que te lembres dele?".

7 BARBOUR, I. G. WhenScience Meets Religion. New York:HarperCoIlins, 2000.

8 HAWKING, op. cit, p. 63.

9 In: BARROW, TIPLER, op.

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cit., p. 318.

Então, em qual das três opçõesclassificadas anteriormente deveríamosinvestir? Façamos uma abordagemlógica. Para começar, temos aobservação do universo como oconhecemos, incluindo-nos nele. Emseguida, desejamos saber qual dessastrês possíveis opções é a mais provável.O problema é que não temos uma formaideal para verificar o panorama deprobabilidades, excetuando, talvez, aopção 2. Quanto à opção 1, à medidaque o número de universos paralelostende para infinito, a probabilidade deao menos um deles apresentarpropriedades físicas para a vida podeser significativa. Para a opção 2, no

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entanto, a probabilidade seria cada vezmenor. A possibilidade da opção 3depende da existência de um Criadorsobrenatural que se preocupe com umuniverso não-estéril.

Com base na probabilidade, aopção 2 é a menos aceitável.

Assim, isso nos deixa com asopções 1 e 3. A primeira tem uma defesalógica, porém é preciso esforço paraacreditar nesse número, que tende aoinfinito, de universos não-observáveis.Sem dúvida, não é adequado à Navalhade Occam. Os que não querem, sem amenor sombra de dúvida, admitir umCriador inteligente declararão, contudo,que a opção 3 não é bem a mais simples,já que pede pela intervenção de um ser

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sobrenatural.No entanto, pode-se argumentar que

o próprio Big Bang aponta fortementepara um Criador, já que, caso contrário,a pergunta sobre o que veio antes ficasuspensa no ar.

Se alguém deseja aceitar oargumento de que o Big Bang exige umCriador, não se trata de um grande saltosugerir que o Criador pode terestabelecido os parâmetros (constantesfísicas, leis físicas e assim por diante), afim de atingir um objetivo específico. Seesse objetivo inclui um universo que nãofoi apenas um vazio desinteressante,chega-se à opção 3.

10 IN BROWNE, M. Clues to theUniverse's Origin Expected. New YorkTimes, 12 Mar-ch 1978.

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Ao tentar julgar entre as opções 1 e3, vem à minha mente uma parábolaespecial do filósofo John Leslie.11Nessaparábola, um indivíduo enfrenta umpelotão de fuzilamento, e cinquentaatiradores experientes apontam seusrifles para realizar a façanha. Ocomando é dado, desferem-se osdisparos e, contudo, de algum modo,todas as balas erram o alvo e oindivíduo condenado parte incólume.

Como se explica esse tipo deevento excepcional? Leslie sugere queexistem duas alternativas possíveis, quecorrespondem às opções 1 e 3. Aprimeira: podem ter ocorrido milharesde execuções naquele dia, e mesmo os

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melhores atiradores às vezes podemerrar a pontaria. Assim, asprobabilidades aparentam estarfavoráveis a esse indivíduo, e todos oscinquenta atiradores não conseguemacertar o alvo. A outra opção é que algomais direcionado tenha acontecido, e aaparente má pontaria dos cinquentaespecialistas foi na verdade proposital.

Qual parece mais aceitável?Devemos deixar aberta a porta à

possibilidade de que futurasinvestigações na Física teóricademonstrem que algumas das quinzeconstantes físicas que, até agora, sãosimplesmente determinadas porobservações experimentais possam serlimitadas em seu potencial valor

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numérico por algo mais denso, massemelhante revelação não se encontraatualmente à vista. Além do mais, comoem outros argumentos neste capítulo enos anteriores e posteriores, nenhumaobservação científica pode atingir onível de prova absoluta da existência deDeus. No entanto, para quem quiserlevar em conta uma perspectiva teísta, oPrincípio Antrópico decerto fornece umargumento interessante a favor de umCriador.

11 LESLIE, J. Universes. NewYork: Routledge, 1989.

A mecânica quântica e o princípioda incerteza

Isaac Newton, que acreditava emDeus, escreveu mais sobre interpretação

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bíblica do que sobre Física eMatemática. Entretanto, nem todos osque o seguiram compartilharam damesma fé. No começo do século XIX, omarquês de Laplace, um destacadomatemático e físico francês, apresentouo ponto de vista de que a natureza eraregida por um conjunto de leis físicas(algumas descobertas, outras ainda pordescobrir) e, portanto, achava-seincapaz de evitar a adoção dessas leis.De acordo com Laplace, a exigência seestenderia até as partículas maisínfimas, às partes que foramarremessadas para os locais maisdistantes do universo e também aosseres humanos e seus processos depensamento.

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Laplace supôs que, uma vez que aconfiguração inicial do universo foiestabelecida, todos os eventos futuros,incluindo os que envolvem experiênciashumanas de passado, presente e futuro,foram especificados de maneirairreversível. Essa suposição representauma forma extrema de determinismocientífico, que obviamente não deixalugar para Deus (a não ser no início)nem para o conceito de livre-arbítrio.Isso causou uma grande sensação nascomunidades científica e teológica(conforme Laplace disse a Napoleão, aoser perguntado sobre Deus: "Não tenhonecessidade dessa hipótese").

Um século depois, o conceito deLaplace sobre um determinismo

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científico exato foi derrubado não porargumentos teológicos, e sim pordescobertas científicas. A revoluçãoconhecida como mecânica do quantumcomeçou, simples o suficiente, como umesforço para explicar um problema deFísica sem solução, referente aoespectro da luz. Com base em muitasobservações, 85 Max Planck e AlbertEinstein demonstraram que a luz nãosurgia em todas as formas de energiapossíveis, mas era "quantificada" empartículas de energia precisas,conhecidas como fótons. Basicamente,portanto, a luz não é infinitamenteindivisível, mas compreende um fluxode fótons, assim como a resolução deuma câmera digital não pode ser mais

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acurada do que um único pixel.Ao mesmo tempo, Niels Bohr

examinava a estrutura do átomo e seperguntava como os elétrons conseguiampermanecer em órbita ao redor donúcleo. A carga negativa de cada elétrondeveria atraí-lo à carga positiva de cadapróton no núcleo, tendo por resultadouma implosão inevitável de toda amatéria.

Bohr admitiu como suposição oargumento similar do quantum,desenvolvendo uma teoria que postulavaque elétrons poderiam existir somenteem um determinado número de estadosfinitos.

Os fundamentos da mecânicaclássica começaram a esfacelar-se.

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Entretanto, as consequências filosóficasmais profundas de tais revelaçõesapareceram, posteriormente, com ofísico Werner Heisenberg, quando estedeclarou, de modo convincente, quenaquele mundo bizarro do quantum,formado por distâncias muito pequenas epartículas minúsculas, era impossívelmedir exatamente ao mesmo tempo aposição e o momentum de umapartícula. Esse princípio da incerteza,que leva o nome de Heisenberg,derrubou o determinismo laplaciano deum só golpe, já que demonstrou quequalquer configuração inicial douniverso jamais poderia de fato serdeterminada com a precisão que seriaexigida pelo modelo previsto por

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Laplace.As consequências da mecânica

quântica para a compreensão do sentidodo universo têm sido objeto de muitaespeculação nos oitenta anos maisrecentes. O próprio Einstein, apesar deter desempenhado uma importantefunção no desenvolvimento inicial damecânica quântica, inicialmente rejeitouo princípio da incerteza, com sua famosacitação: "Deus não joga dados".

O teísta pode retrucar dizendo quenão pareceria um jogo de dados paraDeus, mesmo que para nós pareça.Como Hawking salienta: "Podemosainda imaginar que exista um conjuntode leis determinando totalmente oseventos para algum ser sobrenatural, o

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qual possa observar o atual estado douniverso sem perturbá-lo".12

Cosmologia e a hipótese de DeusEste breve exame sobre a natureza

do universo leva a considerar aadmissão da hipótese de Deus de umamaneira mais geral. Recordo-me doSalmo 19, em que Davi escreve: "Oscéus proclamam a glória de Deus e ofirmamento anuncia a obra das suasmãos". É claro que a visão de mundocientífica não é totalmente suficientepara responder a todas as questõesinteressantes acerca da origem douniverso e não há nada essencialmenteem conflito entre a ideia de um Deuscriador e o que a ciência revelou. Na

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verdade, a hipótese de Deus solucionaalgumas questões de profundidade maisproblemática sobre o que veio antes doBig Bang e por que o universo parecetão exatamente acertado para queestejamos aqui.

Para o teísta, que é guiado peloargumento da Lei Moral (como vimos nocapítulo I), buscar um Deus que não sóenxerga o universo em movimento, mastambém se interessa pelos sereshumanos, uma síntese como essa podeser prontamente alcançada. Aargumentação seria algo assim:

Se Deus existe, é sobrenatural.Se Ele é sobrenatural, não é

limitado pelas leis naturais.Se não é limitado pelas leis

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naturais, não há motivo para que sejalimitado pelo tempo.

12 HAWKING, op. cit, p. 63.

Se não é limitado pelo tempo, eleestá no passado, no presente e no futuro.

A consequência dessas conclusõesseria:

Ele poderia existir antes do BigBang e depois que o universo sumisse,caso isso viesse a acontecer.

Ele poderia saber o resultado exatoda formação do universo mesmo antesde este ter começado.

Ele saberia de antemão se umplaneta próximo das margens externasde uma galáxia espiral comum poderiater as características certas parapermitir a vida.

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Ele saberia por antecipação que talplaneta levaria ao desenvolvimento decriaturas conscientes, por meio domecanismo de evolução pela seleçãonatural.

Ele poderia também saber,antecipadamente, os pensamentos e asações dessas criaturas, mesmo se estastivessem livre-arbítrio.

Terei muito mais a dizer sobre asetapas finais nessa síntese, mas osesboços de uma harmonia satisfatóriaentre a ciência e a crença podem agoraser vistos.

A síntese proposta não pretendeatenuar todos os desafios e áreas dedesavença. Aqueles que acreditam emdeterminadas religiões do mundo na

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certa acham dificuldades específicas emalguns dos detalhes sobre a origem douniverso previstas pela ciência.

Deístas como Einstein, de acordocom os quais Deus iniciou todo oprocesso, porém, em seguida, deixou deprestar atenção aos desenvolvimentosposteriores, sentem-se em geral àvontade com as conclusões recentes daFísica e da Cosmologia, com a possívelexceção do princípio da incerteza. Noentanto, o grau de conforto das religiõesteístas mais importantes apresenta algumtipo de variável. A ideia de um começodo universo não tem correspondênciatotal com o budismo, de acordo com oqual um universo oscilante seria maiscompatível. Contudo, os ramos teístas

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do hinduísmo não entram em grandesconflitos com o Big Bang. Nem amaioria dos intérpretes do Islã.

Para a tradição judaico-cristã, aspalavras de abertura do Gênesis ("Noprincípio, Deus criou os céus e a terra")são totalmente compatíveis com o BigBang. Em um exemplo notável, o papaPio XII, da Igreja Católica Romana, deuum sólido apoio à teoria do Big Bangmesmo antes que suas escorascientíficas fossem bem estabelecidas.

Nem todas as interpretaçõescristãs, porém, deram tanto respaldo aessa visão científica do universo. Osque interpretam o Gênesis em termoscompletamente literais concluem que aTerra tem apenas 6 mil anos de

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existência e, portanto, rejeitam a maiorparte das conclusões já citadas. Apostura deles é, de certa forma,compreensível como um apelo àverdade: os que professam uma religiãoque se encontra escorada por textossagrados fazem objeção diretamente ainterpretações imprecisas de seussignificados. Textos que parecem narrareventos históricos devem serinterpretados como alegorias somente seevidências fortes exigirem isso.

Mas o livro do Gênesis encontra-senessa categoria? Sem dúvida alguma, alinguagem é poética. Ele apresentalicença poética? (Haverá muito mais adizer sobre isso em um capítuloposterior.) Não se trata de uma questão

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do mundo moderno; ao longo da históriadebates alastraram-se entre os quedefendiam ou não uma interpretaçãoliteral. Santo Agostinho, provavelmenteum dos maiores intelectuais religiosos,tinha especial consciência dos riscos detransformar textos bíblicos em obrascientíficas exatas e escreveu, referindo-se especificamente ao Gênesis:

Em questões tão obscuras e que seacham muito além de nossa visão,encontramos, nas Sagradas Escrituras,passagens que podem ser interpretadasnas mais diversas formas, sem prejuízoà fé que recebemos. Em tais casos, nãodevemos nos precipitar e assumir umaposição tão firme sobre um lado que,caso um futuro progresso na busca

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pela verdade abale essa posição, nóstambém venhamos a cair com ela.13

Nos próximos capítulosobservaremos mais de perto os aspectosda ciência dedicados ao estudo da vida.Os conflitos potenciais entre a ciência ea fé, pelo menos como são percebidospor vários críticos modernos,continuarão aparecendo.

Contudo, se pusermos em prática oconselho de Santo Agostinho de maneirasábia, elaborado mais de mil anos antesde que houvesse algum motivo parapedir desculpas a Darwin, seremoscapazes de encontrar uma harmoniaconsistente e profundamente satisfatóriaentre ambas as visões de mundo.

13 SANTO AGOSTINHO.

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Comentário ao Gênesis, 1:41.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 4

A vida na terra

Sobre micróbios e o homem OS AVANÇOS DA CIÊNCIA NA

ERA moderna vieram em detrimento dealguns motivos tradicionais para crer emDeus.

Quando não tínhamos a menor ideiasobre como o universo passou a existir,era mais fácil atribuir tudo a um ato de

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Deus.Da mesma forma, até que Kepler,

Copérnico e Galileu arrumassemproblemas para eles mesmos no séculoXVI, a posição da Terra como o centrograndioso dos céus estrelados pareciarepresentar um sólido argumento àexistência de Deus. Se ele nos colocouno meio do palco, deve ser porque crioutudo para nós. Quando a ciênciaheliocêntrica obrigou uma revisão dessaideia, muitos seguidores ficaramabalados.

No entanto, um terceiro pilar decrença continuou sustentando um pesoconsiderável: a complexidade da vidaterrestre, que significa, para umobservador racional, a obra de um

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planejador inteligente. Como podemosver, a ciência virou esse conceito decabeça para baixo. Aqui, porém, comono caso dos outros dois argumentos, eugostaria de sugerir que a ciência nãodeve ser negada por aqueles que seguemuma fé, e sim abraçada por eles. Aelegância por trás da complexidade davida é, de fato, motivo para admiração epara fé em Deus — mas não do modosimples e franco que muitos acharam tãoatraente antes que Darwin entrasse emcena.

O "argumento do desígnio" data, nomínimo, do tempo de Cícero. Foiapresentado com destacada eficiênciapor William Paley em 1802, em umlivro que teve bastante influência,

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Natural Theology, or Evidences of theExistence and Attributes of the DeityCollected from the Appearance ofNature [Teologia natural, ou Asevidências da existência e os atributosda divindade agrupadas com base nasaparências da natureza]. Paley, filósofomoral e pastor anglicano, proclamou afamosa analogia do fabricante derelógios:

Ao cruzar um pântano, imagineque eu acertei meu pé contra umapedra, e perguntaram-me como a pedrachegou até lá; talvez eu respondesseque, até onde eu sabia, caso prova emcontrário, ela sempre estivera ali.Talvez não fosse tão fácil mostrar oabsurdo dessa resposta. Suponha,

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porém, que eu tenha encontrado umrelógio de pulso no chão, e meperguntassem como ele teria aparecidoali; nem pensaria em dar a respostaanterior, a de que até onde eu sabia,caso prova em contrário, ele sempreestivera ali [...] alguém deve ter feito orelógio: deve ter existido, em algumtempo e em algum lugar, ou o que querque seja, um fabricante (oufabricantes), que o montou com afinalidade para a qual o empregamos,para responder de fato; quem entendeusua montagem e planejou seu uso [...]cada indicação de dispositivos, cadamanifestação do planejamento, queexistiam no relógio, existem nostrabalhos da natureza; com a

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diferença, na natureza, de ser maior oumais.

E isso num nível que excedequalquer cálculo.1

A evidência de um planejamento nanatureza tem sido atraente para ahumanidade durante boa parte de suaexistência.

Mesmo Darwin, antes de suaviagem a bordo do HMS Beagle, eraadmirador dos trabalhos de Paley edeclarava estar convencido desse pontode vista. Contudo, mesmo de umamaneira simples como um problema delógica, existe uma falha no argumento dePaley. Sua tese pode ser resumida comose segue:

1. Um relógio de pulso é complexo.

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2. Um relógio de pulso teve umplanejador inteligente.

3. A vida é complexa.4. Portanto, a vida também teve um

planejador inteligente. No entanto, o fato de dois objetos

partilharem uma característica(complexidade) não significa quecompartilhem todas.

Considere, por exemplo, oargumento paralelo a seguir:

1 PALEY, W. The Works ofWilliam Paley. Ed. Victor Nuovo,Carl Keene. New York: ThoemmesContinuum, 1988.

1. A corrente elétrica na minhacasa é formada por um fluxo de elétrons.

2. A corrente elétrica vem da

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empresa de energia elétrica.3. Relâmpagos são formados por

um fluxo de elétrons.4. Portanto, os relâmpagos vêm da

empresa de energia elétrica.Embora pareça interessante, o

argumento de Paley não pode serconsiderado como a história completa.A fim de examinar a complexidade davida e nossas origens neste planeta,devemos escavar mais fundo, na direçãodas fascinantes revelações sobre anatureza dos seres vivos, elaboradaspela atual revolução nos ramos daPaleontologia, da Biologia Molecular edos estudos do genoma. Uma pessoa quecrê em Deus não pode temer que essainvestigação destrone o divino; se Deus

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é de fato Todo-Poderoso, não seráameaçado por nossos esforços miúdosem compreender os trabalhos do mundonatural que Ele criou. E, comopesquisadores, também podemosdescobrir, por meio da ciência, muitasrespostas interessantes para a pergunta:"Como a vida funciona?". O que nãopodemos descobrir, apenas por meio daciência, são respostas às perguntas: "Porque existe a vida, afinal?" e "Por queestou aqui?".

Origens da vida no planeta TerraA ciência começa a responder à

pergunta sobre a complexidade da vidacom uma linha do tempo. Sabemos, hoje,que o universo tem aproximadamente 14

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bilhões de anos. Um século atrás, nemsequer sabíamos a idade do planeta.Entretanto, a posterior descoberta daradioatividade e a degradação natural dedeterminados isótopos químicosproporcionaram um meio eficiente equase exato para determinar a idade dasvárias rochas da Terra. A base científicadesse método é descrita em 94 detalhesno livro de Brent Dalrymple, The Age ofthe Earth [A idade da Terra], e dependedas conhecidas e bastante extensasmeias-vidas pelas quais três elementosradioativos se degeneram de maneirauniforme e se transformam em elementosdiferentes e estáveis: o urânio torna-selentamente chumbo, o potássio aospoucos se transforma no argônio e o

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estrôncio, o mais exótico, muda para oraro elemento denominado rubídio.

Ao medir as quantidades dequaisquer desses pares de elementos,podemos calcular a idade de qualquerrocha em particular. Todos essesmétodos independentes apresentamresultados que concordam de modonotável, apontando uma idade de 4,55bilhões de anos para a Terra, com umerro estimado em apenas 1%. As rochasmais antigas datadas sobre a atualsuperfície terrestre têm por volta de 4bilhões de anos, mas cerca de setentameteoritos e algumas rochas lunaresapresentaram 4,5 bilhões de anos.

Todas as evidências atualmente àdisposição sugerem que a Terra era um

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local bastante inóspito durante seusprimeiros 500 milhões de anos. Oplaneta achava-se sob um ataqueconstante e devastador de asteroides emeteoritos gigantes, um dos quais defato arrancou a Lua da Terra. Portanto,não se surpreenda com o fato de que asrochas com idade de 4 bilhões de anosou mais não apresentam evidênciaalguma de qualquer forma de vida.Somente 150 milhões de anos maistarde, porém, vários diferentes tipos devida microbiana são encontrados.Presume-se que esses organismosunicelulares conseguiam armazenarinformações, talvez pelo uso do DNA, epodiam se autorreproduzir, além deapresentar a capacidade de evoluir em

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inúmeros tipos diferentes. * Segundo o Dicionário

Eletrônico Houaiss da LínguaPortuguesa, numa reação física ouquímica, meia-vida é o temponecessário para que se reduza àmetade da inicial a quantidade deátomos radioativos idênticos em umcerto reagente. (N. T)

Em recentes anos, Carl Woeseapresentou uma hipótese plausível:naquele período em particular na Terra,o intercâmbio de DNA entre osorganismos era efetuado comrapidez.2Basicamente, a biosfera eraformada por um grande número decélulas independentes e minúsculas, masque interagiam por completo. Se

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determinado organismo desenvolveuuma proteína ou série de proteínas quelhe forneciam uma determinadavantagem, essas novas característicaspoderiam ser rapidamente adquiridaspor seus vizinhos. Talvez, nesse sentido,os primórdios da evolução achavam-senuma atividade mais coletiva do queindividual. Esse tipo de "transferênciahorizontal de genes" encontra-se bemregistrado nas formas mais antigas debactérias que existem no planeta(arqueobactérias) e pode terpossibilitado uma oportunidade para quenovas propriedades fossemdisseminadas com mais velocidade.

No entanto, para começar, comosurgiram esses organismos que se

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autorreproduzem? É justo afirmar quesimplesmente não sabemos. Nenhumahipótese atual se aproxima de uma boaexplicação acerca de como, num espaçode meros 150 milhões de anos, oambiente pré-biótico que existia sobre oplaneta Terra gerou vida. Isso não querdizer que não foram apresentadashipóteses sensatas, mas que aprobabilidade estatística deresponsabilizar esse ambiente pelodesenvolvimento de vida ainda pareceremota.

Há cinquenta anos, os famososexperimentos de Stanley Miller e HaroldUrey recriaram uma mistura de água ecompostos orgânicos que poderia terrepresentado as circunstâncias

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primordiais na Terra. Aplicando umadescarga elétrica, esses pesquisadorespuderam formar pequenas quantidadesde importantes blocos de construçãobiológica, como os aminoácidos. Adescoberta de porções mínimas decomponentes semelhantes no interior demeteoritos vindos do espaço também foiapresentada como argumento de quemoléculas orgânicas complexas dessetipo podem surgir de processos naturaisno universo.

2 WOESE, C. R. A New Biologyfor a New Century. Microbiology andMolecular Biology Reviews, v. 68,2004, p. 173-86.

* De acordo com o DicionárioEletrônico Houaiss da Língua

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Portuguesa, a arqueobactéria é umabactéria de origem muito antiga quevive em meios hostis à maior partedos outros organismos. (N. T.)

Além desse ponto, porém, osdetalhes tornam-se bastante incompletos.Como poderia uma molécula que seautorreproduz, portando informações,montar-se espontaneamente a partirdesses componentes? Parece totalmenteimprovável que uma molécula como oDNA, com sua estrutura de açúcar-fosfato e bases orgânicas dispostas deforma complexa, empilhadas umas sobreas outras e emparelhadas em cadadegrau de uma hélice dupla e retorcida,tenha "apenas acontecido" —especialmente uma vez que o DNA

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aparenta não ter, em sua essência,nenhum modo de copiar a si mesmo. Emanos recentes, muitos investigadores têmapontado o RNA no lugar do DNA comoa potencial primeira forma de vida, umavez que o ácido ribonucleico podecarregar informações e, em algunsmomentos, também catalisa reaçõesquímicas de formas que o DNA nãoconsegue. O DNA é algo como o discorígido de seu computador: espera-se queele seja um meio estável para armazenarinformações (embora sempre poderãoocorrer, como em seu computador,alguns bugs e imprevistos). O RNA, poroutro lado, assemelha-se mais a um zipdisk ou um pen drive — circula com suaprogramação e é capaz de fazer as

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coisas acontecerem por conta própria.Apesar dos esforços consideráveis devários investigadores, a formação dosblocos básicos de montagem do RNAnão pode ser alcançada por umexperimento como o de Miller-Urey,nem tem sido possível elaborar um RNAque copia a si mesmo.

As profundas dificuldades emdefinir uma trilha convincente Para aorigem da vida levaram algunscientistas, mais notadamente FrancisCrick (com quem James Watsondescobriu a hélice dupla no DNA), aacreditar que as formas de vida devemter chegado à Terra do espaço exterior,carregadas por pequenas partículas queflutuavam pelo espaço sideral e

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capturadas pela gravidade da Terra, oumesmo trazidas para cá intencionalmente(ou por acaso) por meio de algum antigoviajante espacial. Embora issosolucione o dilema do surgimento davida sobre a Terra, em nada contribuipara responder à pergunta definitivasobre a origem da vida, já que se limitaa forçar esse evento impressionante paraoutro tempo e outro lugar, ainda maisdistantes.

Aqui, uma palavra sobre umaobjeção levantada com frequência poralguns críticos, referente a qualquerpossibilidade de origem espontâneapara a vida na Terra. Esta se baseia naSegunda Lei da Termodinâmica. Deacordo com a Segunda Lei, em um

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sistema fechado, onde nem matéria nemenergia podem entrar ou sair, aquantidade de desordem (conhecidamais formalmente por "entropia") tendea crescer com o passar do tempo.Alguns defendem a ideia de que, umavez que as formas de vida são altamenteordenadas, seria impossível para a vidater surgido sem um criador sobrenatural.Só que isso induz a uma compreensãoerrada do sentido completo da SegundaLei: a ordem pode, sem dúvida,aumentar em alguma parte do sistema(como ocorre todos os dias quando vocêarruma a cama ou lava a louça), masisso exige uma entrada de energia, e aquantidade total de desordem em todoum sistema não pode diminuir. No caso

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da origem da vida, o sistema fechado é,em essência, todo o universo, a energiadisponível vem do Sol e, assim, oaumento local na ordem, que seriarepresentada pela primeira montagemaleatória de macromoléculas, jamaisviolaria essa lei.

Em virtude da incapacidade daciência até agora para explicar aprofunda questão das origens da vida,alguns teístas identificaram asaparências do RNA e do DNA comouma possível oportunidade para a açãocriativa divina. Se Deus tivesse aintenção de criar o universo a fim dechegar a criaturas com as quais pudesseter uma afinidade, ou seja, sereshumanos, e se a complexidade exigida

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para iniciar o processo da vidaestivesse além da capacidade deautomontagem da química do universo,não poderia Deus ter interferido paracomeçar o processo?

Essa poderia ser uma hipóteseinteressante, já que nenhum cientistasério alegaria, nos dias de hoje, que umaexplicação naturalista para a origem davida estivesse à mão. No entanto,atualmente isso é verdade, e pode nãoser amanhã. Precisamos ter cuidadoquando inserimos ações divinasespecíficas nesta ou em qualquer outraárea em que haja falta de compreensão.Desde os eclipses solares nos temposantigos e o movimento dos planetas naIdade Média até as origens da vida de

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hoje, essa abordagem de "Deus daslacunas" tem prestado frequentementeum desserviço à religião (e,consequentemente, a Deus, se isso épossível). A fé que coloca Deus naslacunas de uma compreensão dos diasde hoje sobre o mundo natural podelevar a uma crise se os avanços naciência preencherem, posteriormente,tais lacunas. Ao se deparar com umacompreensão incompleta do mundonatural, os que creem em Deus deverãotomar cuidado quando quiserem evocaro divino em áreas ainda desconhecidas,a fim de não criar um argumentoteológico desnecessário, condenado auma destruição posterior. Há bonsmotivos para acreditar em Deus,

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inclusive a existência de princípiosmatemáticos e de ordem na criação. Sãorazões positivas, com base noconhecimento em vez de empressupostos padronizados com base emuma falta (temporária) de conhecimento.

Em resumo, embora a questãosobre a origem da vida seja fascinante eo fato de a ciência moderna nãoconseguir desenvolver um mecanismoque possa ser comprovado pelaestatística seja intrigante, esse não é olugar para uma pessoa inteligenteapostar sua fé.

O registro fóssilEmbora cientistas amadores e

profissionais tenham encontrado fósseis

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durante séculos, as descobertasatingiram uma fase especialmenteintensa durante os vinte anos maisrecentes.

Muitos dos hiatos anteriores noentendimento da história da vida naTerra estão agora sendo preenchidospela descoberta de espécies extintas.Além do mais, a idade dessas espéciespode ser avaliada com precisão tendopor base o mesmo processo dedegradação radioativa que ajudou adeterminar a idade da Terra.

A maioria de organismos que jáviveram na Terra não deixou nenhumtraço de sua existência, já que fósseissurgem apenas em circunstânciasmuitíssimo incomuns. (Por exemplo,

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uma criatura precisa ser apanhada emum determinado tipo de lama ou rocha,sem ter sido capturada nem destroçadapor predadores. Grande parte dos ossosapodrece e esfarela. Os restos damaioria das criaturas se deteriora.)Partindo dessa realidade, é sem dúvidaimpressionante que tenhamos tantainformação sobre organismos queviveram neste planeta.

Apesar de a linha de temporevelada por registros fósseis achar-selamentavelmente incompleta, ainda ébastante útil.

Por exemplo, organismosunicelulares aparecem emsedimentações com 550 milhões deanos, embora seja possível que tenham

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existido organismos mais sofisticadosantes dessa época. Subitamente, cercade 550 milhões de anos atrás, um grandenúmero de arranjos de corpos deinvertebrados aparece no registro fóssil.Geralmente se refere a esse fato como a"explosão do Cambriano", narrado deuma forma bastante legível pelo finadoStephen Jay Gould, o mais apaixonado epoético autor de assuntos evolucionáriosde sua geração, em seu livro VidaMaravilhosa (publicado no Brasil pelaCompanhia das Letras em 1990). Opróprio Gould se questionava sobrecomo a evolução poderia serresponsável pela extraordináriadiversidade de arranjos de corpos queapareceram num intervalo de tempo tão

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breve. (Outros especialistas ficarambem menos impressionados com alegação de que o Cambriano representauma descontinuidade na complexidadeda vida, embora os escritos de taisautores tenham sido muito menosdivulgados ao público em geral. Aassim chamada explosão do Cambrianopoderia, por exemplo, refletir umaalteração nas condições que permitirama fossilização de um grande número deespécies que de fato existiram durantemilhões de anos.)

Embora certos teístas tenhamtentado argumentar que a explosão doCambriano é uma prova da intervençãode alguma energia sobrenatural, umexame mais cuidadoso dos fatos

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aparentemente não garante isso. Trata-sede outro argumento "Deus das lacunas",e, mais uma vez, os que creem em Deusnão seriam sábios caso sustentassem suafé em tal hipótese.

Evidências atuais sugerem que aTerra permaneceu árida até cerca de400 milhões de anos atrás. Nesse ponto,as plantas surgiram em terra firme,derivadas de formas de vida aquáticas.

Uns poucos 30 milhões de anosdepois, os animais também sedeslocaram para a terra. De uma só vez,essa etapa apontou para outra lacuna:apareceram poucas formas de transiçãoentre criaturas marinhas e tetrápodes quehabitaram a terra no registro fóssil.Contudo, descobertas recentes

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documentaram exemplos interessantesde apenas esse tipo detransição.3Surgidos há cerca de 230milhões de anos, os dinossaurosdominaram a Terra. Agora existe umaaceitação geral de que o reinado deleschegou a um fim repentino e catastróficoaproximadamente 65 milhões de anosatrás, na época em que um imensoasteroide caiu nos arredores de ondehoje fica a Península de Iucatã. Cinzasclaras arremessadas por essamonstruosa colisão foram identificadasao redor do mundo, e as catastróficasmudanças climáticas que ocorreram porcausa dessa vasta quantidade de poeirana atmosfera aparentemente foramdemais para a espécie dominante de

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dinossauros, o que acarretou seudesaparecimento e a posterior ascensãodos mamíferos.

3 FALK, D. Corning to Peacewith Science. Downers Grove:Intervarsity Press, 2004.

A antiga colisão do asteroide é umevento que chama a atenção. Pode tersido o único meio pelo qual osdinossauros se extinguiram e osmamíferos prosperaram. Provavelmentenão estaríamos aqui se aquele asteroidenão tivesse atingido o México.

A maioria de nós tem um interesseparticular pelo registro fóssil de sereshumanos e, nesse caso também, asdescobertas das mais recentes décadasforam profundamente reveladoras.

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Ossos de mais de uma dezena dediferentes espécies de hominídeos, comcapacidade craniana aumentando demodo uniforme, foram encontrados naÁfrica. Os primeiros espécimes quereconhecemos como do moderno Homosapiens datam cerca de 195 mil anosatrás. Outras ramificações dodesenvolvimento dos hominídeosaparentam ter encontrado becos semsaída: os homens de Neanderthal, queexistiam na Europa até 30 mil anosatrás, e os recém-descobertos "hobbits",pessoas de baixa estatura com cérebropequeno que viviam na ilha de Flores,na Indonésia, até sua extinção recente,há 13 mil anos.

Embora existam muitas

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imperfeições no registro fóssil e muitosenigmas permaneçam à espera desolução, praticamente todos os achadossão coerentes com o conceito de umaárvore da vida de organismosrelacionados. Existem boas evidênciasdas formas de transição de répteis paraaves e de répteis para mamíferos.Argumentações de que esse modelo nãopode explicar determinadas espécies,como as baleias, em geral perdem aimportância e são esquecidas, poisinvestigações adicionais revelaram aexistência de espécies de transição, emgeral correspondendo precisamente àdata e ao local que a teoriaevolucionária teria previsto.

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A ideia revolucionária de DarwinNascido em 1809, Charles Darwin

inicialmente estudou para se tornarclérigo da Igreja da Inglaterra.Entretanto, desenvolveu um interesseprofundo pelo naturalismo. Embora ojovem Darwin estivesse em princípioseduzido pelo argumento de Paley, sobreo fabricante de relógios, seus pontos devista começaram a mudar durante suaviagem no HMS Beagle, de 1831 a1836. Visitou a América do Sul e asilhas Galápagos, onde examinou osrestos fossilizados de organismosantigos e observou a diversidade deformas de vida em ambientes isolados.

A partir de tais observações e combase em um trabalho adicional de mais

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de vinte anos, Darwin desenvolveu ateoria da evolução por meio de seleçãonatural. Em 1859, confrontado pelapossibilidade de ser ultrapassado porAlfred Russel Wallace, enfim redigiu epublicou suas ideias em A Origem dasEspécies

(publicado no Brasil por váriaseditoras), obra que exerceu influênciasprofundas. Ao reconhecer que asargumentações em seu livro poderiamter grandes repercussões, Darwin fez umcomentário modesto próximo do final deseus escritos: "Quando os pontos devista antecipados por mim neste volumee pelo senhor Wallace, ou quandovisões análogas sobre a origem dasespécies são em geral admitidas,

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podemos prever, de modo obscuro, quehaverá uma considerável revolução nahistória natural".4Darwin declarou quetodas as espécies vivas descendiam deum conjunto pequeno de ancestraiscomuns — talvez apenas um. Afirmouque a variação em uma espécieacontecia de modo aleatório, e que asobrevivência ou a extinção de cadaorganismo dependia de sua habilidadepara adaptar-se ao ambiente. A issochamou de seleção natural.Reconhecendo o potencial explosivo daargumentação, Darwin sugeriu que essemesmo processo poderia aplicar-se àhumanidade e desenvolveu esse conceitoem um livro posterior, A Descendênciado Homem.

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4 DARWIN, C. R. The Origin ofSpecies. New York: Penguin, 1958. p.456.

A Origem das Espécies gerou umacontrovérsia imediata e intensa, apesarde a reação das autoridades religiosasnão ter sido tão unanimemente negativacomo se retrata em geral nos dias dehoje. Na verdade, Benjamin Warfield,de Princeton, teólogo, protestantenotável e conservador, aceitou aevolução como "uma teoria do métododa providência divina", emboradefendesse a ideia de que a evoluçãoteria um autor sobrenatural.5Existemmuitos mitos acerca da reação públicaao trabalho de Darwin. Por exemplo,apesar de ter havido um debate famoso

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entre Thomas H. Huxley (um apaixonadodefensor da evolução) e o bispo SamuelWilberforce, Huxley provavelmente nãodisse (como reza a lenda) que não seenvergonhava de ter um macaco comoancestral e que só teria vergonha de terum parentesco com qualquer um queencobrisse a verdade. Além disso, emvez de ter sido condenado ao ostracismopela comunidade religiosa, Darwin foienterrado no mosteiro de Westminster.

O próprio Darwin tinha umapreocupação profunda com o efeito desua teoria sobre a crença religiosa, e,em A Origem das Espécies, esforçou-separa salientar uma possívelinterpretação harmoniosa:

Não vejo nenhum bom motivo para

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os pontos de vista apresentados nestevolume chocarem os sentimentosreligiosos de alguém. [...] Um elogiadoescritor e teólogo escreveu-me que"gradualmente aprendeu a ver que éuma concepção tão nobre dos deístasacreditar que ele criou umas poucasformas originais capazes de seautodesenvolver em outras, maisindispensáveis, quanto crer que eleprecisava de um ato estimulante decriação para compensar os vazioscausados pela ação de suas leis".6

5 WARFIELD, B. B. On theAntiquity and the Unity of the HumanRace. Princeton Theological Review,v. 9, 191 I, p. 1-25.

E Darwin concluiu A Origem das

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Espécies com o seguinte texto: Há uma grandeza nessa visão da

vida, com seus vários poderes, tendoela sido lançada como o sopro da vidaoriginalmente pelo Criador em poucasformas ou uma; e que, enquanto esteplaneta vinha orbitando de acordo coma lei da gravidade estabelecida, apartir de um início tão simples,inúmeras formas, cada vez mais belas emaravilhosas foram, e continuam,evoluindo.7

As próprias crenças de Darwinpermanecem ambíguas e parecem tervariado nos últimos anos de sua vida.Certa vez afirmou: "Agnosticismo seriaa descrição mais correta de meu estadomental". Em outra ocasião, escreveu que

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se via bastante desafiado pela extremadificuldade, ou uma quaseimpossibilidade, de conceber esteuniverso imenso e maravilhoso,incluindo o homem com sua capacidadede examinar o passado tão distante e ofuturo tão longínquo, como resultado deuma oportunidade ou necessidade cegas.Quando medito dessa maneira, sinto-meatraído a observar a Primeira Causacomo tendo uma mente inteligente emalgum grau análoga a essa dos homens; emereço ser chamado de Teísta.8

6 DARWIN, op. cit., p. 452.

7 Ibid p. 459.

8 IN MILLER, R. FindingDarwin's God. New York:

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HarperCoIlins, 1999. p. 287.

Hoje, nenhum biólogo sério duvidade que a teoria da evolução explique acomplexidade e a diversidademaravilhosas da vida. Na verdade, oparentesco de todas as espécies pormeio do mecanismo da evolução é umabase tão profunda para a compreensãoda Biologia que fica difícil imaginarcomo seria possível estudar a vida semessa base. Mas que área da pesquisacientífica gerou mais atritos com asperspectivas religiosas do que o pontode vista revolucionário de Darwin?Partindo do princípio quase circense deScopes sobre o "Processo do Macaco"em 1925 até os debates atuais nosEstados Unidos sobre lecionar evolução

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nas escolas, essa batalha não apresentasinais de que chegará a um fim.

DNA, o material hereditárioO ponto de vista de Darwin foi o

que houve de mais extraordinário naépoca, pois carecia de uma base física.Foi necessário um século de trabalhoapenas para descobrir como poderiamexistir modificações no manual deinstruções da vida, a fim de adaptar aideia de Darwin sobre "evoluir commodificações".

Gregor Mendel, um mongeagostiniano relativamente desconhecido,que vivia onde hoje é a RepúblicaCheca, era contemporâneo de Darwin el e u A Origem das Espécies, mas

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provavelmente os dois nunca seconheceram. Mendel foi o primeiro ademonstrar que a hereditariedadepoderia aparecer em pacotes discretosde informação. Por meio deexperimentos meticulosos com ervilhasno jardim de seu monastério, concluiuque os fatores hereditários envolvidosem atributos como a aparência enrugadaou lisa das ervilhas eram controladospor regras matemáticas. Embora nãosoubesse o que era um gene, suasobservações sugeriam que algo como osgenes deveriam existir.

* O "Processo do Macaco deScopes" é como foi chamado oprocesso do Estado do Tennesseecontra o professor de Biologia JohnThomas Scopes, ocorrido em Dayton,

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1925. O professor foi a júri porensinar a teoria da evolução em umaescola pública. O julgamento durouonze dias e foi o primeiro a sertransmitido por rádio para todo o país.Até hoje, é considerado um marco nahistória da imprensa dos EstadosUnidos. Inspirou a peça teatral queestreou na Broadway em 1955, trintaanos depois. Em 1960, veio o filme(em português O Vento Será tuaHerança), dirigido por StanleyK r a m e r (fonte: http://www.ajornada.hpg.ig.com.br/ciencia/cienciaOOO19.htm).(N.T.)

O trabalho de Mendel foiamplamente ignorado durante 35 anos.Então, numa daquelas coincidênciasextraordinárias que às vezes ocorrem nahistória da ciência, foi descoberto ao

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mesmo tempo por três cientistas apoucos meses da virada para o séculoXX. Em seus famosos estudos sobre"erros inatos do metabolismo", doençasraras que ocorriam em determinadasfamílias, Archibald Garrod, ao longo desua carreira médica, pôde mostrar deforma conclusiva que as regras deMendel se aplicavam aos humanos, eque tais distúrbios surgiam emconsequência do mesmo tipo dehereditariedade que Mendel observaranas plantas.

Mendel e Garrod somaram aespecificidade da Matemática à noçãode hereditariedade em humanos, embora,é claro, a verdade sobre ascaracterísticas herdadas como cor de

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pele e olhos já fosse conhecida porqualquer pessoa que observasse nossaespécie. Entretanto, o mecanismo portrás de tais padrões permanecia obscuro,já que ninguém havia tirado nenhumaconclusão convincente sobre as basesquímicas da hereditariedade. A maiorparte dos pesquisadores da primeirametade do século XX presumia que ascaracterísticas hereditárias deveriam sertransmitidas por proteínas, já queaparentemente eram as moléculas maisvariadas dos seres vivos.

Somente em 1944 as experiênciasde Oswald T. Avery, Colin M. MacLeode Maclyn McCarty mostraram que oDNA, e não as proteínas, eram capazesde transmitir as características

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hereditárias. Embora a existência doDNA fosse conhecida havia quase cemanos, era considerada anteriormentecomo pouco mais que um material deembalagem nuclear, sem nenhuminteresse específico.

Menos de uma década mais tardesurgiu uma resposta bela e elegante ànatureza química da hereditariedade. Acorrida furiosa para determinar aestrutura do DNA foi vencida em 1953por James Watson e Francis Crick,como narrado no livro de Watson, TheDouble Helix [A hélice dupla], que porsinal é divertido. Watson, Crick eMaurice Wilkins, usando dadosproduzidos por Rosalind Franklin,deduziram que a molécula de DNA tem

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a forma de uma hélice dupla, umaescada de mão retorcida, e que suacapacidade de transportar informações édeterminada pela série de componentesquímicos que formam os degraus daescada.

Como químico, sabendo como sãode fato extraordinárias as qualidades doDNA e como é brilhante a solução aoproblema de codificar o esquema davida, fico estupefato diante dessamolécula. Permita-me explicar averdade por trás do DNA.

Conforme mostra a figura 4.1, amolécula de DNA apresenta muitascaracterísticas extraordinárias. Apesarde a estrutura externa ser formada poruma faixa de fosfatos e açúcares sem

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variação, a parte interessante está nointerior. Os degraus da escada são feitosde combinações de quatro componentesquímicos, denominados "bases". Vamoschamá-los (tendo como referência osnomes químicos verdadeiros dessasbases) A, C, G e T. Cada uma dessasbases tem uma forma específica.

Agora imagine que, fora dessasquatro formas, a A pode encaixar-secorretamente somente em um degrau daescada próximo à forma T, e a forma Gsó pode se encaixar próximo da formaC. São os "pares de bases". Então, vocêpode imaginar a molécula de DNA comouma escada de mão recurvada, cadadegrau feito de um par de bases. Existemquatro combinações possíveis: A-T, T-

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A, C-G e G-C. Se uma base é danificadaem um único fio, pode ser facilmentecorrigida fazendo referência a outro fio:a única substituição possível para um T(por exemplo) é outro T. Talvez demaneira mais incrível a hélice duplasugere imediatamente um meio deautocopiar-se, uma vez que cada um dosfios pode ser usado como modelo para aprodução de um novo. Se todos os paresforem partidos pela metade, cortando aescada a partir do centro de cadadegrau, cada meia escada conterá todasas informações necessárias àreconstrução de uma cópia completa daoriginal.

Como uma aproximação inicial,podemos, portanto, pensar no DNA

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como um manual de instruções, umprograma de software, colocado nonúcleo da célula. Sua linguagem decódigo apresenta somente quatro letras(ou dois bits, em termos de informática)em seu alfabeto. Uma instruçãoparticular, conhecida como gene, éconstruída por meio de centenas oumilhares de letras de um código. Todasas funções elaboradas de uma célula,mesmo em um organismo tão complexoquanto o nosso, precisam ser dirigidaspela ordem de letras desse roteiro.

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Figura 4.1. A hélice dupla do DNA. Asinformações são transportadas pela ordemdas bases químicas (A, C, G e T). O DNA é

embalado nos cromossomos, os quais

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residem no núcleo de cada célula.

No princípio, os cientistas nãofaziam ideia de como o programa erarealmente "executado". Esse enigma foiresolvido de forma hábil pelaidentificação do "RNA mensageiro". Asinformações do DNA que criam um geneespecífico são copiadas em umamolécula de um só fio do RNAmensageiro, algo como meia escada comos degraus pendentes para um só lado.Essa meia escada desloca-se do núcleoda célula (o armazém de informações)até o citoplasma (uma complexa misturagelatinosa de proteínas, lipídios ecarboidratos). Ali, ela entra numa

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fábrica organizada de proteínasdenominada ribossomo. Em seguida,uma equipe de tradutores sofisticados dafábrica faz a leitura das bases,projetando-as com base no RNAmensageiro em forma de meia escada econvertendo as informações nessamolécula em uma proteína específica,composta de aminoácidos. Três"degraus" de informações do RNAfazem um aminoácido. As proteínasefetuam o trabalho da célula epossibilitam sua integridade estrutural(figura 4.2).

Essa descrição resumida apenasarranha a superfície da elegância doDNA, do RNA e da proteína, quecontinua sendo uma fonte de surpresa e

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fascínio. Existem 64 possíveiscombinações de três letras de A, C, T eG, mas somente vinte aminoácidos. Issosignifica que deve haver umaredundância embutida: por exemplo,GAA, para o DNA e o RNA é o códigodo aminoácido chamado ácidoglutâmico, mas GAG também é.

Investigações em diversosorganismos, de bactérias a sereshumanos, revelaram que esse "códigogenético" pelo qual as informações noDNA e no RNA são traduzidas emproteínas é universal em todos osorganismos conhecidos. Não se permitiunenhuma Torre de Babel na linguagemda vida. GAG significa ácido glutâmicono idioma da bactéria da soja, da

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semente de mostarda, do jacaré e dequalquer tia sua.

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Figura 4.2. O fluxo de informações naBiologia Molecular: DNA RNA — proteína.

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Tais avanços geraram o campo daBiologia Molecular. A descoberta devárias outras maravilhas químicas emminiatura, incluindo as proteínas queagem como tesoura ou cola, permitiramaos cientistas manipular DNA e RNAcosturando pedaços miúdos dessasmoléculas dotadas de instruçõesoriundas de fontes diferentes. Essacoleção de truques de laboratóriobiomolecular, conhecida por todos comoDNA recombinante, inspirou todo umcampo novo de biotecnologia e,juntamente com outros avanços, prometerevolucionar o tratamento de váriasdoenças.

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A verdade biológica e suasconsequências

Para os que acreditam em Deus e jáadotaram o argumento de um plano comodemonstração obrigatória do papel deDeus na criação da vida, as conclusõesapresentadas neste capítulo podem serdesconcertantes. Não há dúvida de quemuitos leitores raciocinaram por simesmos ou aprenderam, em várioscenários religiosos, que a belezagloriosa de uma flor ou o voo de umaáguia só podem existir comoconsequência de uma inteligênciasobrenatural que apreciava acomplexidade, a diversidade e a beleza.

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Agora, porém, que os mecanismosmoleculares, as trilhas genéticas e aseleção natural estão sendoapresentados para explicar isso tudo,talvez você fique tentado a gritar:"Basta! Suas explicações naturalistasestão tirando todo o mistério divino domundo!".

Não tenha receio; ainda há muito demistério divino. Muitos que levaram emconta todas as evidências espirituais ecientíficas ainda veem a mão criativa econdutora de Deus trabalhando. Paramim, não há uma só partícula dedecepção ou desilusão nessasdescobertas sobre a natureza da vida —muito pelo contrário! Como a vida serevela maravilhosa e complexa!

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Quão profundamente satisfatória éa elegância digital do DNA!

Quanto apelo sublime, estético eartístico existe em tudo o que compõe ascriaturas vivas, do ribossomo que traduzo DNA em proteína à metamorfose dalagarta em borboleta, passando pelasensacional plumagem do pavãoatraindo sua companheira!

A evolução, como mecanismo,pode e deve ser real. No entanto, nãonos diz nada acerca da natureza de seucriador. Para quem acredita em Deus,agora existem motivos para ter mais, enão menos, admiração.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 5

Decifrando o manual deinstruções de Deus

As lições do genoma humano QUANDO EU ERA BOLSISTA

DE pesquisa genética em Yale, no iníciodos anos 1980, determinar a verdadeirasequência de várias centenas de letras

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do código do DNA era uma empreitadaárdua. Os métodos eram meticulosos eexigiam muitas etapas preparatórias, autilização de reagentes caros eperigosos, como materiais químicosradioativos, e quantidades de um gelultrafino, quase sempre infestadas debolhas e outras imperfeições, eramdespejadas manualmente. Os detalhesnão importam; a questão é que trabalhardaquele jeito levava uma eternidade,produzia uma série de tentativas e erros,apenas para escolher umas poucascentenas de letras do código do DNAhumano.

Apesar desses desafios, meuprimeiro documento publicado sobre agenética humana se baseava no

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sequenciamento do DNA. Estudava aprodução de apenas uma proteína,encontrada em células dos glóbulosvermelhos de um feto humano, dentro doútero, que se supunha desaparecergradualmente após o nascimento, assimque os bebês aprendiam a respirar comos próprios pulmões. A proteína édenominada hemoglobina fetal. Ahemoglobina possibilita às célulasvermelhas do sangue transportar ooxigênio dos nossos pulmões para todoo restante do organismo. Os humanos ealguns símios utilizam uma versãoespecial de hemoglobina antes donascimento que ajuda a extrair ooxigênio do sangue materno para nutrir ofeto em desenvolvimento. Durante o

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primeiro ano de vida, essa hemoglobinafetal aos poucos vai deixando defuncionar e dá lugar à produção dahemoglobina da forma adulta. Contudo,em uma família jamaicana que eu estavaestudando, quantidades significativasdessa versão fetal continuavamaparecendo na vida adulta. A causadessa "persistência hereditária dahemoglobina fetal" despertou interesseintenso, porque a possibilidade deacionar de maneira voluntária essemecanismo em qualquer pessoareduziria grandemente os danoscausados pela anemia falciforme.Mesmo 20% da hemoglobina fetal nosglóbulos vermelhos de uma pessoaportadora dessa enfermidade eliminaria,

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em essência, as crises de dor e os danosprogressivos nos órgãos.

Jamais esquecerei o dia em quemeus esforços seguidos revelaram um Gem lugar de um C numa posiçãoespecífica, meio "contra a corrente", deum dos genes que acionavam a produçãoda hemoglobina fetal. Essa únicaalteração em uma letra revelou-seresponsável pela troca do programafetal para o programa adulto. Eu estavaempolgado, mas esgotado — havialevado oito meses para descobrir essaúnica letra modificada no código doDNA humano.

Foi com uma certa surpresa que,três anos depois, soube que uns poucoscientistas visionários tinham começado

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a debater a possibilidade de determinara sequência do DNA de todo o genomahumano, calculado em cerca de 3bilhões de pares de bases decomprimento. Sem dúvida aqueleobjetivo não seria alcançado duranteminha vida.

Sabíamos relativamente poucosobre o conteúdo provável do genoma.Ninguém havia enxergado realmente asbases químicas de um gene humano pelomicroscópio (eram minúsculas demais).

Somente algumas centenas de geneshaviam tido suas característicasreveladas, e as estimativas sobrequantos genes mais o genoma poderiaconter variavam de maneira drástica.Mesmo a definição de gene estava (e

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está) um pouco desordenada — simplesdefinições de que ele formava umaextensão de DNA, a qual traduzia ocódigo para uma proteína em particular,tinham sido abaladas pela descoberta deque regiões de codificação de proteínasgenéticas eram interrompidas porsegmentos de DNA intermediários,chamados íntrons. Dependendo de comoas regiões de codificação eramposteriormente emendadas umas nasoutras, numa cópia de RNA, um genepodia às vezes codificar váriasproteínas diferentes (mas relacionadas).Além disso, havia grandes extensões deDNA entre os genes e que não pareciamter função nenhuma; algumas eram atéchamadas de "DNA lixo", embora

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determinada quantidade de arrogânciafosse necessária para que alguémdenominasse de "lixo" qualquer parte dogenoma, dado o nosso nível deignorância.

* Introns: trechos de DNA quenão participam da fabricação dasproteínas. Eles separam os éxons,considerados o "filé mignon" dagenômica por guardarem os trechosdo gene cujas instruções realmentepodem ser lidas na síntese proteica.Os éxons e os íntrons intercaladosformam a "hélice" da molécula deDNA (fonte: Folha Online). (N. T.)

Apesar de todas essas incertezas,não havia dúvidas sobre o imenso valorde uma sequência completa do genoma.Oculta nesse vasto manual de instruções

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haveria uma lista de partes da biologiahumana, assim como as pistas para umalista extensa de doenças cujacompreensão era escassa e cujostratamentos, ineficazes. Para mim, ummédico, a possibilidade de abrir aspáginas do mais impressionante manualde instruções era extremamente atrativa.Então, ainda um calouro nas posiçõesinferiores do mundo acadêmico, eincerto a respeito das realidadespráticas de semelhante plano audacioso,uni-me ao debate, ao lado da execuçãodo programa organizado para efetivar asequência do genoma humano — quelogo se tornou conhecido como oProjeto Genoma Humano.

Meu desejo de ver o genoma

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humano totalmente desvendadointensificou-se consideravelmente aolongo dos poucos anos que se seguiram.Ao comandar um laboratório depesquisas iniciantes de formandos sériose esforçados junto a bolsistas com pós-doutorado, havia decidido persistir nabase genética de determinadas doençasque, até então, resistiam a todas astentativas de descoberta. A maisimportante era a fibrose cística (FC), adoença genética mais comum epotencialmente fatal para os europeus donorte. A enfermidade é em geraldiagnosticada em um bebê ou criançaque não consegue ganhar peso e sofrecom repetidas infecções no tratorespiratório. Ao receber informações de

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mães atentas, as quais notaram que seusfilhos tinham um gosto salgado ao serbeijados, os médicos identificaram umaalta concentração de cloreto no suordessas crianças como marca autênticapara diagnóstico. Também sabíamos quepacientes com FC tinham secreçõesespessas e pegajosas nos pulmões epâncreas — mas não fazíamos ideia doque se referia à provável função do geneque devia ter sofrido alterações que oprejudicaram.

Tive meu primeiro contato com aFC quando trabalhava como residente nofim dos anos 1970. Na década de 1950,crianças com essa doença raramentesobreviviam até os 10 anos de idade.Evoluções estáveis no tratamento dos

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sintomas — substituindo enzimas nopâncreas, tratando das infecçõespulmonares com antibióticos melhores eaprimorando a alimentação e afisioterapia — estendiam, aos poucos, avida dos pacientes com FC, a ponto demuitos deles, nos anos 1970, teremsobrevivido até chegar à faculdade,casar e mesmo entrar no mercado detrabalho. No entanto, ainda não existiamperspectivas de cura a longo prazo.Tudo o que sabíamos era que, em algumlugar entre os 3 bilhões de letras docódigo do DNA, pelo menos uma letrahavia se desenvolvido de forma erradaem um local vulnerável.

Encontrar esse erro sutil na grafiado DNA parecia um problema quase

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intransponível. Entretanto, sabíamosoutra coisa sobre a FC: tratava-se deuma característica hereditária de umpadrão de gene recessivo. Para entendero que isso significa, é importante levarem conta que todos nós temos duascópias de cada gene, uma que veio damamãe e outra, do papai (as exceçõessão os genes nos cromossomos X e Y,presentes somente em uma cópia, noshomens). No caso de doença recessiva,como a FC, uma criança é afetadasomente se ambas as cópias do geneforem defeituosas.

Para que tal ocorra, o pai e a mãedevem carregar uma cópia danificada —contudo, uma vez que indivíduos comuma cópia normal e a outra defeituosa

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aparentam ótima saúde, esses portadoresem geral não têm consciência de suascondições (cerca de uma em trintapessoas de ascendência norte-europeia éportadora de FC, e a maioria nãoapresenta histórico familiar da doença).

Portanto, a base genética da FCpermitia um exercício interessante nainvestigação do DNA: mesmo sem sabernada sobre o gene responsável, ospesquisadores rastreavam ahereditariedade de centenas de bitsaleatórios de DNA partindo do genomaem famílias com FC, nas quais haviavários irmãos, procurando porfragmentos de DNA que poderiamprever quais irmãos portariam e quaisnão portariam a FC. Esses fragmentos

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deveriam estar situados próximos aogene FC. Embora não pudéssemos lertodos os 3 bilhões de pares de letras,poderíamos lançar um facho de luzaleatório em alguns poucos milhõesaqui, em uns poucos milhões ali, eprocurar qualquer correlação com adoença.

Tivemos de fazer isso centenas ecentenas de vezes, mas o genoma é umconjunto limitado de informações —assim, se nos ativássemos a ele, semdúvida encontraríamos a vizinhançacorreta.

Essa tarefa foi realizada, paraassombro e felicidade tanto doscientistas quanto das famílias, em 1985— e ficou demonstrado que o gene FC

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deveria encontrar-se em algum lugar emum segmento de 2 milhões de pares debases de DNA no cromossomo 7.

No entanto, a parte difícil haviaapenas começado. Vou empregar umaanalogia que eu usava com frequêncianaquela época para explicar por que setratava de um problema tão complicado:a pesquisa era algo como encontrar umalâmpada queimada no porão de umacasa em algum lugar dos EstadosUnidos. Os estudos com as famíliasforam um começo fabuloso, poispermitiram identificar o estado corretoe, em última instância, o bairro certo.Contudo, aquilo era uma visão a quase 7metros de distância, e com tal estratégianão conseguiríamos nos aproximar mais.

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Precisávamos de uma busca de casa emcasa, lâmpada por lâmpada.

Nem sequer tínhamos um mapa doterritório. Essa parte do cromossomo 7,como a maioria do genoma, ainda nãohavia sido explorada em 1985. Paraseguir com a metáfora, não havianenhum guia de ruas das cidades ealdeias, nenhuma planta dos edifícios e,sem dúvida, nenhum inventário daslâmpadas. Um trabalho cruel.

Minha equipe e eu tínhamosinventado um método denominado "saltocromossômico", que permitia que nosmovêssemos ao longo de nosso alvo de2 milhões de pares de bases usando umpula-pula em vez de rastejar como nométodo tradicional. Isso nos ajudou,

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pois permitia que as buscas de casa emcasa começassem em vários lugares deuma vez. O desafio, porém, ainda eraquase arrebatador e muitos dacomunidade científica pensavam que talabordagem era tão impraticável quenunca funcionaria em se tratando de umaenfermidade humana. Em 1987,confrontando os recursos limitados comas frustrações crescentes, meulaboratório uniu forças com o de Lap-Chee Tsui, um talentoso pesquisadorcom Ph.D., no Hospital for SickChildren [Hospital de CriançasEnfermas], em Toronto. Nossoslaboratórios unidos continuaram atrabalhar com energia renovada. Apesquisa parecia uma história de

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detetives — sabíamos que o mistérioseria, no fim das contas, desvendado naúltima página; só não sabíamos quantotempo levaria até lá. Havia uma grandequantidade de pistas e becos sem saída.Após a terceira ou quarta vez queficamos empolgados com uma possívelresposta, somente para desmoronar, nodia seguinte, em virtude de novos dados,deixamos de nos permitir muitootimismo por nada. Achávamos difícilcontinuar explicando aos colegas porque ainda não havíamos descoberto ogene ou por que ainda não havíamosdesistido. Em certo ponto, buscandooutra metáfora para explicar adificuldade do problema, dizia ter ido auma fazenda buscar uma foto minha

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sentado no alto de um palheirosegurando uma agulha de costura.

No entanto, numa noite chuvosa demaio de 1989, enfim a resposta chegou.Ali, um fax que Lap-Chee e eu havíamosmontado no alojamento de Yale, ondenós dois participávamos de uma reunião,jorrava os dados daquele dia detrabalho no laboratório — mostrando,sem sombra de dúvida, que a exclusãode apenas três letras do código de DNA(precisamente CTT) na parte decodificação da proteína de um geneanteriormente desconhecido era a causada FC na maioria dos pacientes. Poucodepois, nós e outros éramos capazes demostrar essa mutação e outros erros degrafia do DNA comuns nesse mesmo

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gene, hoje chamado CFTR, responsávelpor praticamente todos os casos dadoença.

Ali estava a prova de quepodíamos, de fato, descobrir a lâmpadaqueimada, de que podíamos identificar ogene de uma enfermidade estreitandoaos poucos sua posição no cromossomo.

Foi um grande momento decomemoração. A estrada havia sidolonga e árdua, mas havia maisesperanças de que a pesquisa sobre adescoberta de uma cura estaria acaminho, verdadeiramente.

Num posterior encontro demilhares de pesquisadores, famílias emédicos envolvidos com a FC, compusuma canção para comemorar a

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descoberta do gene. A música sempreme ajudou a expressar e experimentarcoisas de modo que palavras simplesnão conseguiam. Embora minhasaptidões com o violão sejam apenasmodestas, sinto muita alegria nessesmomentos em que as pessoas levantam avoz juntas. Tal experiência é feita maiscom o espírito do que com a ciência.Não consegui conter as lágrimas quandoaquela multidão de boas pessoaslevantou-se da cadeira e cantou o refrão:

Ouse sonhar, ouse sonhar,Todos os nossos irmãos e irmãs

respirando livresSem temor, nosso coração liberto,Até a FC pertencer ao passado.

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Somando-se todo o trabalho

executado por mais de duas dúzias deequipes pelo mundo inteiro na busca dogene da FC, foram dez anos e mais de 50milhões de dólares para identificar esseúnico gene dessa única enfermidade. Eacreditava-se que a FC seria uma dasmais fáceis — já que se tratava de umadoença relativamente comum, queobedecia com exatidão às regras deMendel sobre a hereditariedade. Comopoderíamos imaginar estender essetrabalho às centenas de doençasgenéticas ainda mais raras, queprecisavam ser desvendadas comurgência? Ainda de maneira maisousada, como poderíamos pensar em

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colocar em prática a mesma estratégiacom enfermidades como diabetes,esquizofrenia, doenças cardíacas ou oscânceres comuns, cujos fatoreshereditários que conhecemos apresentamuma importância crucial, mas asmelhores evidências indicam oenvolvimento de muitos genesdiferentes, e nenhum gene separadocontribui com um efeito muito forte? Emtais exemplos, pode existir uma dúzia oumais de lâmpadas quebradas aencontrar, e nem ao menos esperamosque estejam queimadas — apenassutilmente mais fracas do que deveriam.Caso houvesse alguma esperança deêxito em tais circunstâncias de maiordificuldade, simplesmente teríamos de

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ter informações detalhadas e mais exatassobre cada canto e fresta do genomahumano. Precisaríamos de um mapa detodas as casas do país.

* Dare to dream, dare todream,/All our brothers and sistersbreathing free./ Unafraid, our heartsunswayed,/ Till the story of CF ishistory.

Os argumentos sobre a sensatez doprojeto alastraram-se de forma furiosano fim dos anos 1980.1Embora muitoscientistas concordassem que asinformações seriam, no fim das contas,proveitosas, a absoluta magnitude doprojeto o fazia parecer quaseinatingível. Além do mais, já estavaclaro que somente uma pequena fração

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do genoma era dedicada a codificar aproteína, e o critério para executar asequência do restante (o "DNA lixo")era questionável. Um conhecidocientista escreveu:

"Desvendar a sequência dogenoma seria tão útil quanto traduziras obras completas de Shakespeare emescrita cuneiforme, mas não tão viávelou tão fácil de interpretar".

1 COOK-DEEGAN, R. The GeneWars. New York: Norton, 1994.

Outro escreveu: "Não faz sentido. .. geneticistas estariam mergulhados emum oceano de saliva, para emergir comos sapatos secos em algumas poucasilhas diminutas contendo informações".No entanto, muito dessa preocupação se

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baseava, na verdade, nos custospotenciais de tamanho empreendimentoe na possibilidade de poder jogar raloabaixo financiamento para o restante dosempreendimentos com pesquisabiomédica. O melhor antídoto paraaquela preocupação seria aumentar otamanho do bolo e encontrar novosinvestimentos para o projeto. Isso foifeito com cuidado nos Estados Unidospelo novo diretor do projeto genomahumano, ninguém senão o próprio JimWatson, um dos descobridores da hélicedupla do DNA. Watson, naquela épocauma espécie de astro do rock sem rivalna Biologia, convenceu o Congresso aarriscar-se naquela nova empreitada.

Jim Watson supervisionou com

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habilidade os dois primeiros anos doProjeto Genoma Humano, fundandocentros de genoma e recrutando algunsdos melhores e mais brilhantes cientistasda geração atual para trabalhar com ele.Contudo, ainda havia muita descrençasobre se o projeto teria a capacidade deser concluído no cronograma de quinzeanos, já que muitas das tecnologiasnecessárias à execução dos objetivosainda nem sequer tinham sidoinventadas. Em 1992, ocorreu uma crise,quando Watson, subitamente, abandonouo projeto depois de uma discussãopública com o diretor dos NationalInstitutes of Health [Institutos Nacionaisde Saúde] sobre a lógica de patentearporções variadas do DNA (ideia à qual

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Watson era frontalmente contrário).Seguiu-se uma busca intensa no

país por um novo diretor. Ninguém ficoumais surpreso do que eu ao descobrirque o processo de seleção apontavapara mim. Naquela época, dirigindo umcentro de genoma na Universidade deMichigan, fiquei bastante feliz e jamaisme imaginara como um funcionáriopúblico. No princípio, não demonstreiinteresse. Contudo, a decisão meassediava. Havia somente um ProjetoGenoma Humano. Aquilo seria feitoapenas uma vez na história. Se dessecerto, as consequências para a Medicinateriam uma importância jamais vista.Como uma pessoa que acreditava emDeus, será que me via em um daqueles

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momentos em que, de algum modo, euera chamado a assumir um papel maiorem um projeto com profundasconsequências para a compreensão denós mesmos? Eis ali uma chance paraler o idioma de Deus, para determinaros detalhes íntimos do surgimento doshumanos. Poderia eu dar as costasàquilo? Sempre fui desconfiado depessoas que afirmavam perceber avontade de Deus em momentos comoaquele, mas a importância admiráveldaquela aventura e os resultadospotenciais no relacionamento dahumanidade com o Criador não podiamser desprezados.

Ao visitar minha filha na Carolinado Norte em novembro de 1992, passei

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uma longa tarde fazendo orações em umacapelinha, buscando orientações para adecisão. Não "ouvi" Deus falando — naverdade, nunca tive essa experiência.Durante aquelas horas, porém, ao fim deuma cerimônia religiosa matinal, pelaqual eu não esperava, uma paz seestabeleceu em mim. Poucos diasdepois, aceitei a oferta.

Os dez anos seguintesdemonstraram-se uma montanha-russa deexperiências. As metas originais doProjeto Genoma Humano eramincrivelmente ambiciosas, masestabelecemos marcos muito difíceis eassumimos a responsabilidade poralcançá-los. Houve momentos deenorme frustração, nos quais métodos

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que pareciam promissores em testesiniciais revelaram-se fracassosretumbantes em escala maior. Às vezesocorriam atritos entre os participantesde nossa equipe científica, e era minhafunção servir de mediador. Algunscentros não conseguiram manter o ritmoe tiveram de ser dispensados aospoucos, para grande decepção de seuslíderes. Contudo, houve tambémmomentos de vitória, à medida queatingíamos objetivos ousados e novasinspirações médicas começaram a seacumular. Em 1996, estávamos prontos acomeçar a pilotar o verdadeirosequenciamento em larga escala dogenoma humano, por meio de umprocesso que era ampla e tecnicamente

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mais avançado e com mais vantagens abaixo custo do que o de 1985, duranteminha caça ao gene FC. Em um momentode definição, aqueles de nós queconduziam o projeto públicointernacional acessaram imediatamenteos dados de um requerimento paraparticipação e concordaram em nãoarquivar nenhum tipo de patente dasequência do DNA. Não houve um diaem que pesquisadores ao redor domundo, buscando entender problemasmédicos importantes, não tivessemacesso livre e desimpedido aos dadosque estavam sendo produzidos.

Os três anos seguintes provaram-sefrutíferos e, em 1999, nos achávamosprontos para aumentar a velocidade de

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forma dramática. Desvendar a sequênciado genoma humano não era consideradoatraente como empreendimentocomercial. Entretanto, à medida que ovalor das informações se tornava mais emais evidente e os gastos com o trabalhoiam caindo, uma empresa privada veiosomar um desafio importante ao ProjetoGenoma Humano. Craig Venter, líder daempresa que seria chamada Celera,anunciou que iria empreender umadecodificação do genoma humano emlarga escala, mas registraria as patentesde muitos dos genes, mantendo os dadosnum banco cujo acesso exigiria umpagamento bastante caro.

A ideia de que o genoma humanopudesse se transformar em propriedade

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privada afligia-me bastante. Ainda maispreocupante eram as questões quecomeçavam a ser levantadas peloCongresso sobre se valia a pena gastar odinheiro dos contribuintes em umprojeto que seria mais bem executadopela iniciativa privada — emboranenhum dado real da equipe do Celerase encontrasse disponível e a estratégiacientífica que Venter queria seguirprovavelmente não produziria umasequência de fato conclusiva e de altaprecisão. No entanto, um fluxo constantede alegações sobre maior eficácia eradespejado da máquina de relaçõespúblicas bem azeitada da Celera, quetambém buscava rotular o projetopúblico como lento e burocrático. Dado

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o fato de que o Projeto Genoma Humanoestava sendo executado em algumas dasmelhores universidades do mundo, poralguns dos cientistas mais criativos ededicados do planeta, aquilo era umpouco difícil de aguentar. Mas aimprensa adorava a controvérsia. Foramescritos muitos artigos sobre a "corrida"para desvendar a sequência do genomahumano, e sobre o iate de Venter eminha motocicleta.

Quanta bobagem! O que a maioriados observadores parecia esquecer eraque não se tratava, essencialmente, deum debate sobre quem faria o trabalhode maneira mais rápida ou mais barata(tanto a Celera quanto o projeto públicose encontravam então bem posicionados

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para isso). Em vez disso, tratava-se deum debate de ideais — a sequência dogenoma humano, nossa herançacompartilhada, iria se tornar umamercadoria ou um bem público?

Nossa equipe não podia pouparesforços. Nossos vinte centros públicosde genoma em seis países trabalhavamsem um minuto de descanso. No espaçode apenas dezoito meses, após gerarmilhares de pares de bases por segundo,sete dias por semana, 24 horas por dia,um enredo de 90% da sequência dogenoma humano estava em nossas mãos.Dados continuavam a ser apresentados acada 24 horas. A Celera também geravaenormes quantidades de informações,mas permanecia com seu banco de

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dados particular inacessível. Aoperceber que também podia tirarvantagem dos dados públicos, a Celera,enfim, parou em apenas metade daprodução que havia sido planejada. Aofinal, mais da metade da montagem dogenoma da empresa passou a serformada de dados públicos.

A atenção da "corrida" ia ficandoinconveniente e ameaçava diminuir aimportância do objetivo. No fim de abrilde 2000, tanto a Celera quanto o projetopúblico mantinham em suspense oanúncio de que havia sido alcançado umenredo. Então, aproximei-me de umamigo de Venter e meu (Ari Patrinos, doprograma de genoma do Departamentode Energia) e pedi-lhe que organizasse

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uma reunião secreta. No porão de Ari,numa reunião regada a cerveja e pizza,Venter e eu desenvolvemos um planopara fazer o anúncio simultaneamente.

Assim, conforme descrevi naspáginas de abertura deste livro, fiqueiao lado do presidente dos EstadosUnidos no Salão Leste da Casa Brancaem 26 de junho de 2000, anunciando queum primeiro enredo do manual deinstruções humano tinha sidodeterminado. A linguagem de Deusestava revelada.

Durante os três anos seguintes, tiveo privilégio de continuar na liderança doprojeto público, a fim de aprimorar asequência daquele enredo, preenchendoas lacunas restantes, levando a precisão

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das informações a um nível muito maisalto e continuando a colocar todas elasdiariamente em um banco de dadospúblico.

Em abril de 2003, mês em que secomemorava o cinquentenário dapublicação da hélice dupla de Watson eCrick, anunciamos a conclusão dosobjetivos do Projeto Genoma Humano.Como gerente de projeto doempreendimento, sentia-me bastanteorgulhoso dos mais de duzentoscientistas que haviam realizado aquelaproeza extraordinária, a qual acredito,será vista daqui a cem anos como umadas façanhas mais importantes dahumanidade.

Numa comemoração posterior do

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sucesso do Projeto Genoma Humano,patrocinado pela Aliança Genética, umaorganização entusiasta das boas açõesque existe para incentivar e habilitarfamílias que enfrentam enfermidadesgenéticas raras, fiz uma paródia dacanção All the Good People [Toda essagente boa] para adequá-la ao momento.Todos se uniram no refrão:

Esta é uma canção para toda essa

gente boa,Toda essa gente boa que faz parte

dessa família.Esta é uma canção para toda essa

gente boa,Estamos juntos por essa ideia

comum.

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Escrevi outro verso, a respeito do

que muitas daquelas pessoasatravessaram, conforme lutaram paralidar com doenças raras nelas mesmasou em seus filhos:

Esta é uma canção para os que

estão sofrendo,Sua força e seu espírito tocaram

um e todos.Sua dedicação é nossa inspiração,Por sua coragem, vocês nos

ajudaram a estar preparados. E, por fim, acrescentei um verso

sobre o genoma:

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É um manual de instruções, umregistro da história,

Um livro de Medicina, é tudo issoentrelaçado

É das pessoas, pelas pessoas,É para as pessoas, é seu e é meu. Para mim, que acredito em Deus, a

descoberta da sequência do genomahumano traz um significado adicional.Este livro foi escrito na linguagem doDNA, pela qual Deus se expressou paracriar a vida. Experimentei uma sensaçãoarrebatadora de admiração na pesquisadesse que é o mais importante de todosos textos biológicos. Sim, está escritoem uma linguagem que malcompreendemos, e levará décadas, se

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não séculos, para entendermos suasinstruções; no entanto, atravessamos umaponte de mão única rumo às profundezasde um novo território.

* This is a song for ali the goodpeople,/ Ali the good people who arepart of this family./ This is a song forali the good people,/ We're joinedtogether by this common thread.

This is a song for those who aresuffering,/ Your strength and your spirithave touched/ one and ali./ lt's yourdedication that's our inspiration,/Because of your courage, you help usstand tall.

lt's a book of instructions, a recordof history,/ A medical textbook, it's alithese entwined/lt's of the people, by the

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people,/ lt's for the people, it's yours andit's mine.

Surpresas da primeira leitura do

genomaLivros inteiros têm sido escritos

acerca do Projeto Genoma Humano (naverdade, talvez até em excesso).2Talvezescreva o meu qualquer dia e, espero,com discernimento suficiente para evitaralguns dos pronunciamentosdesanimados de muitas das atuaisdescrições populares. Não é minhafinalidade neste livro, contudo,estender-me ainda mais nessaexperiência extraordinária; antes,pretendo refletir sobre como umacompreensão moderna da ciência pode

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se harmonizar com uma crença em Deus.Com relação a isso, é interessante

observar com atenção o genoma dahumanidade, e compará-lo aos genomasde vários outros organismos cujassequências foram até agoradesmembradas. Quando se examina avasta extensão do genoma humano, 3,1bilhões de letras do código do DNAarranjadas ao longo de 24 cromossomos,várias surpresas aparecemimediatamente.

Uma delas surge quando se verificaque o genoma é realmente pouco usadopara codificar a proteína. Apesar de aslimitações dos métodos experimentais ede cálculos ainda não fornecerem umaestimativa precisa, há apenas cerca de

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20 mil a 25 mil genes que decodificamproteínas no genoma humano. Aquantidade total de DNA utilizado poresses genes para decodificar proteínassoma-se a um ínfimo 1,5% do total.Após uma década esperando encontrarpelo menos 100 mil genes, muitos de nósficamos pasmos ao descobrir que Deusescreve histórias muito curtas sobre ahumanidade. Isso foi algo especialmentechocante, dado o fato de que os cálculosde um gene para outros organismos maissimples, como minhocas, moscas eplantas, parecem estar quase na mesmasérie, ou seja, por volta de 20 mil.

2 BISHOP, J. E., WALDHOLZ.Genome. New York: Simon &Schuster, 1990; DAVIES, K.

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Cracking the Genome. New York:Free Press, 2001; SULSTON.J.,FERRY, G. The Common Thread.Washington: Joseph Henry Press,2002; WICKELGREN, I. The GeneMasters. New York: Times Books,2002; SHREEVE, J. The GenomeWor. New York: Knopf, 2004.

Alguns observadores encararamisso como um verdadeiro insulto àcomplexidade humana. Estávamos nosiludindo sobre nosso lugar de destaqueno reino animal? Bem, não na verdade— é claro que a contagem de genes nãodeve narrar a história completa.Qualquer cálculo mostra que acomplexidade biológica dos sereshumanos supera consideravelmente a deum verme cilíndrico, com seu total de

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959 células, mesmo se a contagem degenes for semelhante para ambos. Edecerto nenhum outro organismodecifrou a própria sequência do genoma!Nossa complexidade não deve vir de umnúmero de pacotes de instruçõesseparadas, mas da maneira como estassão utilizadas. Será que nossas peçascomponentes aprenderam a desempenharmais de uma tarefa?

Outra forma de pensar sobre isso élevando em conta a metáfora dalinguagem. Uma pessoa que aprendeu afalar inglês apresenta um vocabulário decerca de 20 mil palavras. Essaspalavras podem ser usadas para criardocumentos simples (como um manualde instruções de carro) ou obras bem

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mais complexas de literatura, comoUlisses, de James Joyce. Do mesmomodo, minhocas, insetos, peixes e avesaparentemente precisam de umvocabulário completo de 20 mil genespara funcionar, embora usem essesrecursos de maneiras menos elaboradasdo que nós.

Outra característica notável dogenoma humano vem da comparaçãoentre membros diferentes da nossaespécie. No nível do DNA, somos todos99,9% idênticos. Essa semelhança seaplica independentemente de quaisquerdois indivíduos no mundo todo que vocêescolher para fazer comparações.Assim, pela análise do DNA, nós,humanos, fazemos realmente parte de

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uma família. Essa extraordinária baixadiversidade genética nos diferencia damaior parte das outras espécies doplaneta, nas quais a diversidade daquantidade de DNA é dez ou atécinquenta vezes maior que a nossa. Seum visitante alienígena fosse enviado atéaqui para examinar as formas de vidaterrestres, poderia ter várias coisasinteressantes para dizer a respeito dahumanidade, mas sem dúvida comentariao surpreendente baixo grau dediversidade genética em nossasespécies.

Os geneticistas de populações, cujadisciplina envolve o uso de instrumentosmatemáticos para reconstituir a históriadas populações de animais, plantas ou

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bactérias, observam esses fatos acercado genoma humano e concluem quetodos os membros de nossa espéciedescendem de um grupo comum, deaproximadamente 10 mil iniciantes, queviveu há cerca de 100 mil a 150 milanos. Essas informações combinam comos registros fósseis que, por sua vez,estipulam a localização dessesancestrais fundadores com maisprobabilidade na África Oriental.

Outra consequência bastanteinteressante do estudo de genomasmúltiplos é a capacidade de fazercomparações detalhadas de nossasequência de DNA com as de outrosorganismos. Por meio de umcomputador, pode-se escolher

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determinada extensão do DNA humano everificar se existe uma sequênciasemelhante em alguma outra espécie. Sealguém escolher uma região decodificação de um gene humano (ouseja, a parte com as instruções para umaproteína), e usá-la para a pesquisa,sempre encontrará aproximadamenteuma correspondência bastantesignificativa com os genomas de outrosmamíferos. Muitos genes tambémapresentarão correspondênciasdiferenciáveis, porém imperfeitas, comopeixes. Alguns até encontrarãocorrespondências com genomas deorganismos mais simples, como moscas-das-frutas e vermes cilíndricos.

Em alguns casos especialmente

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notáveis, a semelhança irá se estenderaté os genes de leveduras e mesmo aosdas bactérias.

Se, entretanto, escolhermos umpedaço do DNA humano que fica entreos genes, a probabilidade de encontraruma sequência semelhante nos genomasde outros organismos com uma relaçãomais distante é reduzida. Nãodesaparece por completo; por meio deuma busca cuidadosa em computadores,cerca de metade desses fragmentos podeser equiparada a outros genomas demamíferos, e quase todos se alinhamperfeitamente ao DNA de primatas não-humanos. A tabela 5.1 mostra asporcentagens de êxito nesse tipo decombinação, dividida em várias

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categorias.

Tabela 5.1. Probabilidade de encontrar umasequência de DNA semelhante no genoma deoutros organismos, a começar pela sequência

de DNA humano.

O que isso tudo significa? Em doisníveis diferentes, nos fornece umrespaldo e tanto para a teoria da

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evolução de Darwin, ou seja, adescendência de um ancestral comumcom a seleção natural atuando emvariações que ocorrem de formaaleatória. Primeiro: no nível do genomacomo um todo, um computador podeconstruir uma árvore da vida tendo porbase apenas as semelhanças dassequências de DNA de váriosorganismos.

O resultado é apresentado na figura5.1. Tenha em mente que para essaanálise não se utiliza nenhumainformação do registro fóssil nem deobservações da anatomia de formas devida atuais. Entretanto, apresenta umasemelhança formidável com asconclusões de estudos de anatomia

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comparada, tanto de organismosexistentes como de restos fossilizados.Segundo: no genoma, a teoria de Darwinprevê que as mutações que não afetem asfunções (a saber, as que se encontram no"DNA lixo") irão acumular-se demaneira estável com o passar do tempo.No entanto, espera-se que as mutaçõesda região de codificação dos genessejam observadas com menosfrequência, e somente um evento tão raroquanto esse irá proporcionar umavantagem seletiva e ficará retido duranteo processo evolutivo. É exatamente issoque se observa. Esse fenômeno maisrecente se aplica até mesmo aos detalhesmais claros das áreas de codificaçãodos genes. Lembre-se do que foi dito no

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capítulo anterior; o código genético édeturpado: por exemplo, tanto GAAquanto GAG são o código do ácidoglutâmico. Isso quer dizer que algumasmutações na área de codificação podempermanecer "silenciosas", nas quais oaminoácido codificado não está alteradopela mudança e, portanto, ninguém épenalizado. Ao comparar as sequênciasde DNA de espécies relacionadas,diferenças silenciosas são muito maiscomuns nas áreas de codificação do queaquelas que alteram um aminoácido. Foiexatamente isso que a teoria de Darwinpreviu.

Se, conforme alguns podemargumentar, esses genomas foramdesenvolvidos por atos isolados de

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criação especial, por que semelhantecaracterística apareceria?

Figura 5.1. Nesta página temos uma visão

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atualizada da árvore da vida, na qual osparentescos entre diferentes espécies demamíferos são deduzidos somente pelacomparação das sequências de DNA. A

extensão das ramificações representa o graude diferença entre as espécies — assim, as

sequências de DNA do camundongo e do ratotêm uma relação mais próxima do que as do

camundongo e do esquilo, e as sequências deDNA de humanos e chimpanzés são mais

próximas do que as de humanos e macacos.Na página seguinte, uma comparação

histórica interessante: uma anotação docaderno de Darwin, de 1837. Depois das

palavras "I think" (eu acho), segue a ideiaque ele tinha da árvore da vida que liga as

diferentes espécies.

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Darwin e o DNA

Charles Darwin era muito inseguroa respeito de sua teoria da evolução.Talvez por isso tenham se passadoquase 25 anos entre o desenvolvimentode sua ideia e a publicação de AOrigem das Espécies. Em váriosmomentos, Darwin deve ter desejadovoltar milhões de anos no tempo paraobservar todos os eventos que sua teoriaprevia. Claro que ele não poderia fazê-lo, nem hoje isso é possível. Contudo,sem uma máquina do tempo Darwin nãopoderia imaginar uma demonstraçãodigital mais comprobatória de sua teoriado que aquela que encontramos aoestudar o DNA de vários organismos.

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Em meados do século XIX, Darwinnão poderia saber como seria omecanismo da evolução por seleçãonatural. Hoje podemos ver que avariação que ele admitiu comosuposição tem o respaldo das mutaçõesque acontecem naturalmente no DNA.Calcula-se que estas ocorram a uma taxade cerca de um erro a cada 100 milhõesde pares de bases por geração (ou seja,falando nisso, como todos nós temosdois genomas, cada um com 3 bilhões depares, um de nossa mãe e outro de nossopai, possuímos, grosso modo, sessentamutações novas que não estavampresentes em nossos pais).

A maioria dessas mutações ocorreem partes não-essenciais do genoma e,

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portanto, tem pouca ou nenhumaconsequência.

Aquelas classificadas como partesmais vulneráveis do genoma geralmentesão prejudiciais e, dessa forma,eliminadas depressa da população, poisreduzem a adequação reprodutiva. Emraras ocasiões, contudo, uma mutaçãosurgirá ao acaso, oferecendo um levegrau de vantagem seletiva. Essa nova"grafia" de DNA terá uma probabilidadepouco maior de ser transmitida a umafutura geração. Durante um longo espaçode tempo, tais eventos raros efavoráveis podem difundir-seamplamente para todos os membros daespécie, resultando, enfim, emimportantes mudanças na função

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biológica.Algumas vezes os cientistas até

mesmo acompanham a evoluçãoenquanto ela ocorre, agora que têm asferramentas para rastrear tais eventos.Alguns críticos do darwinismo gostamde argumentar que não existem provasde uma "macroevolução" (ou seja, umamudança importante na espécie) noregistro fóssil, mas apenas de uma"microevolução" (desenvolvimento emuma espécie). Argumentam que, com opassar do tempo, têm-se visto mudançasno formato do bico do pássaro tentilhão,dependendo da alteração das fontes dealimentos, mas não se tem visto osurgimento de novas espécies.

Tal distinção é vista

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gradativamente como artificial. Porexemplo, um grupo na Universidade deStandford empenha todos os seusesforços para compreender a ampladiversidade da couraça do sttickleback.Esse peixe, que habita águas salgadas,normalmente apresenta uma fileiracontínua de três dúzias de placas decouraça que se estendem da cabeça àcauda; entretanto, populações de águadoce de diversas partes do mundo, ondehá poucos predadores, perderam boaparte dessas placas.

O s stticklebacks de água doceaparentemente chegaram às atuaisregiões que habitam entre 10 mil e 20mil anos atrás, depois do derretimentoamplamente disseminado das geleiras no

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fim da última Era do Gelo. Umacomparação cuidadosa dos genomas dopeixe de água doce identificou um geneespecífico, EDA, cujas variaçõesapareceram de modo repetido eindependente em uma situação de águadoce, resultando na perda de placas. Éinteressante que se diga: os humanostambém possuem um gene EDA, e umamutação espontânea nesse gene resultaem defeitos no cabelo, nos dentes, nasglândulas sudoríparas e nos ossos. Nãoé difícil enxergar como a diferença entrestticklebacks de água doce e de águasalgada pode ser ampliada para gerartodos os tipos de peixes. Essa distinçãoentre macro e microevolução é,portanto, tida como um tanto arbitrária;

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mudanças maiores que têm por resultadonovas espécies são a consequência deuma sucessão de etapas deaprimoramento menores.

A evolução também é vista nasexperiências diárias, pelas rápidasvariações em determinados víruscausadores de doenças, bactérias eparasitas que podem provocarimportantes revoluções na saúdepública. Contraí malária na ÁfricaOcidental em 1989, apesar de tertomado as medidas de profilaxiarecomendadas (cloroquina). Variaçõesnaturais que ocorreram de formaaleatória no genoma do transmissor damalária, submetido à seleção durantemuitos anos de uso de cloroquina

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naquela parte do mundo, acarretaram,por fim, um causador da doençaresistente à medicação e, portanto,rapidamente disseminado. De modosemelhante, mudanças evolutivasaceleradas no vírus HIV, que causa aAids, têm-se demonstrado um desafioimportante para o desenvolvimento deuma vacina, e são a causa principal derecaída final em pacientes tratados comdrogas de combate à Aids. Ainda maisperto do olhar público, os temoresacerca da deflagração de uma gripepandêmica em consequência da mutaçãoda gripe aviária H5NI baseiam-se nagrande probabilidade de que a atualmutação, que já faz vítimas entre frangose poucos seres humanos que tiveram

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contato com as aves, evolua para umaforma que se espalhe rápido entre aspessoas.

* O sttickleback é um peixenatural dos Estados Unidos, cujonome científico é Gasterosteusaculeatus. (N. T.)

* Todas as atitudes referentes àprevenção de doenças. (N. T.)

* A cloroquina foi umamedicação para combater o plasmódio(transmissor da malária) muitoutilizada nos anos 1980, mas hojesubstituída por medicamentos maiseficazes. (N. T)

Na verdade, pode-se dizer que,além da Biologia, também a Medicinaacha impossível entender isso sem ateoria da evolução.

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O que se diz a respeito daevolução humana?

Aplicar a ciência evolucionária aossticklebacks pode ser uma coisa, mas equanto a nós? Desde a época de Darwin,pessoas com várias visões de mundodiferentes sentiram-se particularmentemotivadas a entender como asrevelações sobre a Biologia e aevolução se aplicam àquela classeespecial de animais, os seres humanos.

O estudo dos genomas levainevitavelmente à conclusão de que nós,humanos, partilhamos um ancestralcomum com outras criaturas vivas.Algumas dessas evidências são

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mostradas na tabela 5.1, na qual seapresentam as semelhanças entre nossogenoma e os de outros organismos.Claro que a evidência, por si só, nãoprova que há um ancestral comum;partindo de uma perspectivacriacionista, tais similaridadespoderiam simplesmente demonstrar queDeus usou com êxito princípios deplanejamento repetidas vezes. Noentanto, como podemos observar, ecomo foi prenunciado na discussãosobre mutações "silenciosas" em áreasde codificação de proteínas, o estudodetalhado de genomas tornou essainterpretação praticamente insustentável— não apenas sobre todas as outrascriaturas vivas, mas também sobre nós.

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Como exemplo inicial, vejamosuma comparação entre o genoma humanoe o de um camundongo, ambosdeterminados com muita precisão. Otamanho geral dos dois genomas é,grosso modo, o mesmo, e o inventáriode genes que decodificam proteínasapresenta uma semelhançaextraordinária. Contudo, observamosdepressa outros sinais inconfundíveis deum ancestral comum quando percebemosos detalhes. Por exemplo, a ordem dosgenes ao longo dos cromossomos do serhumano e do camundongo é, em geral,mantida com extensões significativas deDNA. Assim, se eu encontrar geneshumanos A, B e C, nessa ordem, éprovável que ache no camundongo

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correspondentes de A, B e C tambémcolocados na mesma ordem, apesar de oespaçamento entre os genes poder sofreralguma variação (figura 5.2). Em algunsexemplos, essa correlação estende-sepor longas distâncias; virtualmente todosos genes do cromossomo do ser humano,por exemplo, são encontrados nocromossomo do camundongo. Embora sepossa defender a ideia de que a ordemdos genes é fundamental para que estesfuncionem de modo adequado e,portanto, alguém deve ter elaboradoessa ordem em vários atos de criaçãoespecial, não há provas, de acordo coma compreensão atual da BiologiaMolecular, de que essa restriçãoprecisaria ser aplicada a tais distâncias

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cromossômicas significativas.

Figura 5.2. A ordem dos genes ao longo deum cromossomo é, com frequência, a mesma

em humanos e camundongos, embora oespaçamento exato entre os genes possa

variar de algum modo. Assim, se vocêencontrar a ordem de três genes A, B e C ao

longo de um cromossomo humano, muitoprovavelmente encontrará os

correspondentes dos genes A, B e C namesma ordem no cromossomo do

camundongo.

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Além disso, agora que as

sequências completas dos genomas dehumanos e camundongos encontram-sedisponíveis, é possível identificar, nosespaços entre os genes, os vestígios devários "genes saltadores". Estes sãoelementos transmissíveis que podeminserir-se de forma aleatória no genomae até mesmo continuar fazendo isso, numgrau mais baixo. Pela análise dasequência de DNA, alguns desseselementos adquiriram muitas mutaçõesse comparados ao gene saltador originale, portanto, parecem muito antigos. Aestes chamamos de ElementosRepetitivos Antigos (ERA). Éinteressante notar que esses elementos

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antigos são encontrados com frequênciaem locais semelhantes, tanto no genomado camundongo quanto no do homem(como neste exemplo, em que um ERAse acha entre um gene A e em um geneB, tanto no humano quanto nocamundongo). Os exemplos de onde oERA foi truncado em um exato par debases no instante da inserção, perdendoparte de sua sequência de DNA e toda apossibilidade de função futura, sãoparticularmente interessantes (como noexemplo entre os genes B e C).Encontrar um ERA exatamente truncadono mesmo local tanto num genomahumano quanto no do camundongo é umaprova convincente de que tal evento deinserção deve ter ocorrido em um

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ancestral comum ao humano e aocamundongo.

Uma evidência ainda maiscomprobatória de um ancestral comumvem do estudo daquilo que conhecemoscomo Elementos Repetitivos Antigos(ERA). Eles surgem dos "genessaltadores", os quais apresentam acapacidade de copiar-se e inserir-se emvários outros locais no genoma, emgeral sem quaisquer consequênciasfuncionais. Os genomas de mamíferossão gerados com esses ERA, com maisou menos 45% do genoma humanoformado desses fragmentos e destroçosgenéticos. Quando alinhamos as seçõesdos genomas do ser humano e docamundongo, ancorados pela aparência

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de correspondentes de genes queocorrem na mesma ordem, podemosidentificar também as ERAaproximadamente nos mesmos lugaresdesses dois genomas (figura 5.2).

Alguns deles podem ter se perdidoem uma espécie ou na outra; entretanto,muitos permanecem em uma posiçãomais coerente com sua chegada nogenoma de um ancestral mamíferocomum e seu transporte de uma geraçãoa outra desde então. Claro que algunspodem argumentar que esses são, naverdade, elementos funcionaiscolocados ali pelo Criador por um bommotivo, e nosso desprezo por eles,tratando-os como "DNA lixo", apenasdenuncia nosso atual nível de

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desconhecimento. E, de fato, algumasfrações pequenas desses elementospodem desempenhar funçõesregulatórias importantes. Certosexemplos, porém, distendem gravementeo crédito dessa explicação. O processode transposição em geral danifica o genesaltador. Existem ERA ao longo dosgenomas do ser humano e docamundongo que ficaram truncados aochegar ao DNA, removendo qualquerpossibilidade de funcionamento. Emmuitos casos, pode-se identificar umERA degolado e totalmente extinto emposições paralelas, tanto no genoma doser humano quanto no do camundongo(figura 5.2).

A menos que se queira assumir a

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posição de que Deus colocou esses ERAnessas exatas posições, para nosconfundir e desviar, é praticamenteimpossível escapar da conclusão de queexistiu um ancestral comum parahumanos e camundongos. Esses dadosrecentes de genoma apresentam, assim,um desafio arrebatador aos quemantiverem a ideia de que todas asespécies foram criadas a partir do nada(ex nihilo).

Figura 5.3. Os cromossomos de humanos e

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de chimpanzés, ou "cariótipos". Observe asemelhança no tamanho e no número, com

uma exceção notável: o cromossomo humanoparece formado de uma fusão das duasextremidades de dois cromossomos de

chimpanzé de tamanho intermediário (aquimarcados como 2A e 2B).

A posição dos humanos na árvoreevolucionária recebe apenas um reforçoadicional comparada a nosso parentevivo mais próximo, o chimpanzé. Suasequência de genoma foi agoradesvendada, e revela que humanos echimpanzés são 96% idênticos no DNA.

Mais um exemplo desserelacionamento próximo origina-se de

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um exame da anatomia doscromossomos de humanos e dechimpanzés. Os cromossomos são amanifestação visível do genoma doDNA, podendo ser observados em ummicroscópio ótico na ocasião em que acélula se divide. Cada cromossomocontém centenas de genes. A figura5.3mostra uma comparação entre oscromossomos de um humano e os de umchimpanzé. O humano apresenta 23pares e o chimpanzé, 24. A diferença nonúmero de cromossomos parece umaconsequência da fusão de doiscromossomos ancestrais, que geraram ocromossomo humano 2. Outro indício deque o humano seja uma fusão aparecequando se estudam o gorila e o

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orangotango — cada um deles tem 24pares de cromossomos, como ochimpanzé.

Recentemente, ao se determinar asequência completa do genoma humano,tornou-se possível observar o localexato onde essa fusão cromossômicadeve ter ocorrido. A sequência nesselocal — juntamente com o braço longodo cromossomo — é, de fato,extraordinária. Sem entrar empormenores técnicos, direi apenas quesequências especiais ocorrem nasextremidades de todos os cromossomosde primatas. Em geral, essas sequênciasnão acontecem em mais nenhum outrolocal.

No entanto, são encontradas bem

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onde a evolução teria previsto, no meiode nosso segundo cromossomo fundido.A fusão que ocorreu à medida queevoluímos a partir de símios deixou seuDNA estampado. Fica muito difícilentender essa observação sem admitir asuposição de um ancestral comum.

No entanto, outro argumento para aancestralidade comum entre chimpanzése humanos vem da observação peculiardaquilo que chamamos de pseudogenes.Estes são genes que apresentam quasetodas as propriedades de um manual deinstruções de um DNA funcional, massão perturbados por uma ou mais falhaspequenas que transformam seu roteiroem algo sem sentido. Quandocomparamos chimpanzés com humanos,

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verificamos que aparecem genes raroscom uma função nítida em uma espécie,mas não em outra, pois adquiriram umaou mais mutações nocivas. O genehumano conhecido como caspase-12,por exemplo, suportou muitos golpespara ser derrotado, embora sejaencontrado num lugar relativo idênticono chimpanzé. O gene caspase-12 dochimpanzé trabalha bem, assim como ogene semelhante em quase todos osmamíferos, inclusive os camundongos.Se os humanos surgiram emconsequência de um ato sobrenatural decriação especial, por que Deus se dariaao trabalho de inserir um gene semfunção exatamente ali?

Agora podemos também começar a

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explicar as origens de uma fração ínfimade diferenças mais mecânicas entre nóse nossos parentes mais próximos,algumas das quais podem desempenharfunções de destaque em nossa naturezahumana. Por exemplo, um gene para aproteína dos músculos maxilares(MYH16) parece ter sofrido umamutação para um pseudogene noshumanos, mas continua desempenhandoum papel importante nodesenvolvimento e na força dosmúsculos maxilares em outros primatas.

Percebe-se que a desativação dessegene leva a uma redução na massadesses músculos nos humanos. A maiorparte dos macacos tem mandíbulasrelativamente maiores e mais fortes que

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as nossas. Crânios de humanos e demacacos devem, entre outras coisas,servir de sustentação a esses músculosmaxilares. É possível que odesenvolvimento de um maxilar maisfraco permita, paradoxalmente, quenosso crânio cresça para cima, paraacomodar nosso cérebro maior. Trata-sede uma especulação, é claro, e outrasalterações genéticas seriam necessáriaspara responsabilizar o córtex cerebralmuito maior que representa umcomponente essencial na diferença entrehumanos e chimpanzés.

Em outro exemplo, houverecentemente muito interesse cercando ogene chamado FOXP2, dada a suafunção potencial para o

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desenvolvimento da linguagem. Ahistória do FOXP2 começou com aidentificação de uma única família naInglaterra; durante três gerações, seusmembros tinham sérias dificuldadespara falar. Esforçavam-se muito paraprocessar palavras de acordo com asregras gramaticais, compreenderestruturas de frases e mover os músculosda boca, da face e das pregas vocaispara articular determinados sons.

Num grande esforço deinvestigação genético-detetivesca,descobriu-se que os membros dessafamília tinham uma única letra do códigode DNA com a grafia incorreta, no geneFOXP2, do cromossomo 7. O fato de umúnico gene com um erro sutil de grafia

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poder causar tamanha deficiência delinguagem sem outras consequênciasóbvias era bastante surpreendente.

A surpresa logo ficou mais intensaquando se mostrou que a sequência domesmo gene FOXP2 tinha permanecidoestável, de forma extraordinária, emquase todos os mamíferos. A exceçãomais dramática, contudo, são oshumanos, nos quais duas mudançassubstanciais ocorreram na área decodificação do gene, aparentemente hárecentes 100 mil anos. A hipótesesugerida por esses dados é de que essasmudanças ocorridas há pouco no FOXP2podem ter, de algum modo, contribuídopara o desenvolvimento da linguagemem seres humanos.

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Nesse ponto, materialistas ateuspodem estar aplaudindo. Se os humanosevoluíram rigorosamente por meio demutação e seleção natural, quem precisade Deus para nos explicar? A isso,retruco: eu preciso. A comparação entresequências de chimpanzé e de serhumano, embora interessante, não nosexplica o que é preciso para ser humano.A meu ver, apenas a sequência de DNA,mesmo acompanhada por um imenso baúdo tesouro com dados sobre funçõesbiológicas, nunca irá esclarecerdeterminados atributos especiais dehumanos, como o conhecimento da LeiMoral e a busca universal por Deus.Livrar Deus do fardo de atos especiaisda criação não o exclui como fonte

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daquilo que torna a humanidadeespecial, nem do próprio universo.Simplesmente nos mostra alguma coisasobre como ele trabalha.

Evolução: teoria ou fato?Os exemplos aqui relatados com

base no estudo dos genomas, somados aoutros que poderiam encher milhares delivros do tamanho deste, fornecem o tipode respaldo molecular à teoria daevolução que convenceu praticamentetodos os biólogos em atividade de que aestrutura de Darwin sobre a variação e aseleção natural está inquestionavelmentecorreta. Na verdade, para quem, como

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eu, trabalha com genética, é quaseimpossível imaginar uma correlação dasimensas quantidades de dados surgidosde estudos de genomas sem osfundamentos da teoria de Darwin. Comoafirmou Theodosius Dobzhansky,destacado biólogo do século XX (edevoto da Igreja Cristã Ortodoxa doOriente): "Nada tem sentido naBiologia, exceto à luz da evolução".3Noentanto, fica claro que a evolução vemsendo uma fonte de grande desconfortona comunidade religiosa durante esteséculo e meio mais recente, e essaresistência não mostra sinais dediminuição. Contudo, aos que acreditamem Deus, recomendo examinar comatenção o peso arrebatador dos dados

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científicos que dão respaldo ao ponto devista de que todas as formas de vida,incluindo a nossa, se acham inter-relacionadas. Dada a força dasevidências, é desconcertante como aaceitação pública avançou tão pouconos Estados Unidos. Talvez parte doproblema diga respeito a uma merainterpretação errada da palavra "teoria".Os críticos adoram salientar que aevolução é "só uma teoria", umaafirmação que intriga cientistas ematividade, acostumados a um significadodiferente dessa palavra. Vasculhando osdicionários, podemos encontrar duasdefinições alternativas para o termo"teoria": "(1) um ponto de vistaespeculativo ou conjetural sobre algo;

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(2) princípios fundamentais subjacentesa ciência, arte etc, como a teoria musicale a teoria das equações".

É à segunda acepção que oscientistas se referem ao falar da teoriaevolucionária, assim como quandomencionam a teoria da gravidade ou ateoria sobre germes de doençasinfecciosas. Nesse contexto, "teoria" nãopretende transmitir incerteza; para isso,um cientista usaria a palavra "hipótese".No entanto, no uso comum do dia a dia,"teoria" ganha um sentido muito maiscasual, como: "Tenho uma teoria de queJoão está apaixonado por Maria" ou "Deacordo com a teoria de Laura, foi omordomo quem fez isso". Conformeficou claro, é uma pena que nosso

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idioma careça de sutilezas de distinçãonecessárias aqui, pois essa simplesconfusão sobre o significado da palavrapiorou as coisas na controvérsia entre aciência e a fé a respeito dos seres vivos.Assim, se a evolução for uma verdade,há algum espaço para Deus? ArthurPeacocke, destacado biólogo molecularque se tornou bispo anglicano eescreveu muito acerca da interface entrebiologia e fé, publicou recentemente umlivro chamado Evolution: TheDisguised Friend of Faith? [Evolução:a amiga disfarçada da fé?]. O títulointeressante sugere uma possívelreaproximação, mas seria esse umcasamento forçado de visões de mundoincompatíveis? Ou agora que

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apresentamos os argumentos sobre averacidade de Deus, por um lado, e osdados científicos sobre as origens douniverso e da vida em nosso planeta, poroutro, podemos encontrar uma síntesefeliz e harmônica?

3 DOBZHANSKV, T. Nothing inBiology Makes Sense Except in theLight of Evolution. American BiologyTeacher, v. 35, 1973, p. 125-9.

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TERCEIRAPARTE

Fé na ciência, fé em Deus

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 6

Gênesis, Galileu e Darwin

WASHINGTON, D.C., E CHEIADE pessoas espertas, esforçadas einteressantes. Uma ampla variedade decrenças religiosas está representada,bem como uma proporção significativade ateus e agnósticos. Aceitei com

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satisfação o convite para discursar noalmoço anual de homens em uma igrejaprotestante bastante respeitada fora dacomarca. Era uma tarde animada, já quelíderes, professores e destacadostrabalhadores braçais se divertiam erelaxavam juntos após um dia cansativopara falar, com sinceridade, sobre sua fée para fazer perguntas incisivas acercade como a ciência e a fé podem secontradizer ou se ajudar. Durante umahora inteira de discursos, a boa vontadeencheu o recinto. Então um membro daigreja perguntou ao pastor mais velho seele acreditava que o primeiro capítulodo Gênesis era uma descrição literal,passo a passo, das origens da Terra e dahumanidade. Num instante, os cenhos

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franziram e os queixos se retesaram. Aharmonia se retirou para os cantos maisdistantes do salão. Na réplica, o pastor,com palavras escolhidas a dedo, dignasdo político mais habilidoso, tentouevitar completamente responder àquestão. A maioria dos homens pareciaaliviada pelo fato de um confronto tersido evitado. O feitiço, porém, sequebrara.

Poucos meses depois, discurseinum encontro nacional de médicoscristãos, explicando como encontraramuito prazer em ser ao mesmo tempo umcientista que estudava o genoma e umseguidor de Cristo. Proliferavam ossorrisos animados; houve até um"amém" ocasional. Então, mencionei as

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arrebatadoras evidências científicas daevolução, e sugeri que, de acordo commeu ponto de vista, ela poderia ter sidoum plano superior de Deus para criar ahumanidade. A animação abandonou orecinto, assim como algunsparticipantes, que, literalmente, saíramandando, sacudindo a cabeça emostrando decepção.

O que estava acontecendo ali? Pelaperspectiva de um biólogo, as provas afavor da evolução são obrigatórias. Ateoria da seleção natural de Darwinoferece uma estrutura fundamental paracompreender as relações de todos osseres vivos. As previsões da evoluçãohaviam sido comprovadas por maisformas do que Darwin poderia ter

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imaginado possíveis ao propor suateoria, 150 anos atrás, em especial nocampo do genoma.

Se a evolução tem um respaldo tãoavassalador de provas científicas, o quefazemos, então, com a ausência de apoiopúblico para suas conclusões? Em 2004,o eminente instituto Gallup fez a seguintepergunta a uma amostra estatística deestadunidenses:

Você acha que:(1) A teoria da evolução de

Charles Darwin tem sido bemrespaldada por evidências.

(2) É só mais uma de muitas, e nãotem sido bem respaldada porevidências.

(3) Você não tem conhecimento

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suficiente para dizer algo. Apenas um terço assinalou

acreditar que a teoria da evolução erabem respaldada. O restante dosentrevistados ficou dividido entre os quealegavam que não era bem respaldada eaqueles que não tinham conhecimentosuficiente para dizer algo.

Quando a pergunta foi formulada demodo mais explícito a respeito daorigem dos seres humanos, umaporcentagem ainda maior pareceurejeitar as conclusões da evolução. Eis apergunta:

Qual das afirmações a seguir seaproxima mais de seu ponto de vistasobre a origem e o desenvolvimento dosseres humanos?

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(1) Os seres humanos sedesenvolveram durante milhões de anos,a partir de formas de vida menosevoluídas, mas Deus conduziu esseprocesso.

(2) Os seres humanos sedesenvolveram durante milhões de anos,a partir de formas de vida menosevoluídas, e Deus não participou desseprocesso.

(3) Deus criou os seres humanos deforma muito próxima da atual de uma sóvez, 10 mil anos atrás, mais ou menos.

Em 2004, 45% dos estadunidensesescolheram a alternativa 3, 38% aalternativa 1 e 13% a alternativa 2.Essas estatísticas permaneceramessencialmente as mesmas durante os

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vinte anos mais recentes.

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Motivos para a falta deaceitação pública da teoriade Darwin

Não pode haver dúvida de que ateoria da evolução está fora de qualquerraciocínio ou análise. Durante séculos,os humanos vêm observando o mundonatural ao redor. A maioria dosobservadores, independentemente dasconvicções religiosas, não foi capaz delevar em conta a complexidade e adiversidade das formas de vida semadmitir a suposição de um planejador.

A ideia de Darwin foirevolucionária porque ofereceu umaconclusão totalmente inesperada.

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Enxergar a evolução das espécies nãofazia parte da experiência diária deninguém. Apesar da complexidade nãodiscutida de determinados objetosinanimados (como os flocos de neve), acomplexidade das formas de vidaparecia brutalmente fora de comparaçãocom qualquer coisa observável nomundo inanimado. A parábola deWilliam Paley sobre o relógio de pulsoachado no pântano — que levariaqualquer um de nós a deduzir aexistência de um fabricante — encontroueco em muitos leitores no século XVII econtinua a repercutirem muitas pessoas.A vida parece planejada; portanto, devehaver um planejador.

Uma parte essencial do problema

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de aceitar a teoria da evolução é queesta exige que se compreenda aimportância de espaços de tempoextremamente extensos envolvidos noprocesso.

Tais períodos acham-se além daexperiência individual de uma maneirainimaginável. Um modo de reduzir oséons da história num formato maiscompreensível é imaginar o queaconteceria se os 4,5 bilhões de anos deexistência do planeta, desde suaformação inicial até hoje, fossemcomprimidos em um dia de 24 horas. Sea Terra se formou a 0h, a vida surgiriapor volta das 3h3O da manhã. Depois deum longo dia de evolução lenta atéorganismos multicelulares, a explosão

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do período Cambriano aconteceria,enfim, às 21 horas. Depois disso, osdinossauros iriam perambular pelaTerra. Sua extinção ocorreria às 23h40.

* Éon: espaço de tempo muitogrande, como uma era ou a eternidade.(N. T.)

Nesse horário, os mamíferoscomeçariam a desenvolver-se.

A diferenciação de ramificaçõesque levariam a chimpanzés e humanosocorreria em apenas um minuto edezessete segundos restantes do dia e oshumanos anatomicamente modernosapareceriam três segundos depois. Avida de um ser humano de meia-idade naTerra hoje tomaria somente o últimomilissegundo (um milésimo de segundo).

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Não é de admirar que muitos de nóstenhamos tanta dificuldade emconsiderar o tempo evolucionário.

Além disso, não pode haver dúvidade que a maior resistência à amplaaceitação pública da evolução, emespecial nos Estados Unidos, refere-se àpercepção de que essa teoria contraria afunção de um planejador sobrenatural.Se tal objeção for verdadeira, tem de serlevada bastante a sério por todos os quecreem em Deus. Se você se sente atraído(como eu) pela existência da Lei Morale pelo anseio universal por Deus, sevocê intui que há uma indicaçãobrilhando em seu coração, apontandopara uma presença benevolente eamorosa, é muito natural que resista a

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qualquer força aparentementeempenhada em destruir essa indicação.Antes, porém, de organizar uma guerraempregando todas as energias contraessa força invasora, é melhor termoscerteza de que não estamos atirandocontra um observador neutro ou, talvez,um aliado.

É lógico que o problema paramuitos que acreditam em Deus é que asconclusões sobre a evolução parecemcontradizer determinados textos sacrosque descrevem a função Dele na criaçãodo universo, da Terra, de todos os seresvivos e de nós. No Islã, por exemplo, oCorão descreve o desenvolvimento davida em etapas, mas mostra os humanoscomo um ato especial da criação "do

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barro ressonante, da lama moldada emforma" (15:

26). No judaísmo e no cristianismo,a grande história da criação em Gênesis1 e 2 é um alicerce sólido para muitosseguidores.

O que de fato diz o Gênesis?Se você não leu recentemente essa

narrativa, apanhe uma Bíblia agoramesmo e leia Gênesis 1:1 a 2:7. Não háo que substitua o texto verdadeiro natentativa de entender seu significado. Ese você está preocupado com o fato deque as palavras possam ter ficadoseriamente desacreditadas pelos séculose séculos de cópias e mais cópias, nãose aflija tanto com isso — as evidências

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a favor da autenticidade do idiomahebraico são, na verdade, bastantesólidas.

Não há dúvida de que essa é umanarrativa impressionante e poética quereconta a história das ações criativas deDeus. "No início, Deus criou os céus e aterra" significa que Deus sempre existiu.Essa afirmação decerto é compatívelcom o conhecimento científico sobre oBig Bang. O restante de Gênesis 1 narrauma série de atos de criação, de "Hajaluz", no primeiro dia, às águas e o céuno segundo dia, ao surgimento de terra evegetação no terceiro, Sol, Lua eestrelas no quarto dia, peixes e aves noquinto e, enfim, em um sexto dia demuito trabalho, o surgimento sobre a

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terra de animais e humanos, homem emulher.

Gênesis 2 começa com umadeclaração de que Deus descansou nosétimo dia. Depois, há uma segundanarração da criação dos humanos, dessavez referindo-se explicitamente a Adão.A segunda descrição da criação não étotalmente compatível com a primeira;em Gênesis 1 a vegetação surge três diasantes de os humanos serem criados, aopasso que em Gênesis 2 aparentementeDeus criou Adão do pó da Terra antesque qualquer arbusto ou planta tivesseaparecido. Em Gênesis 2:7 éinteressante notar que a frase emhebraico, que traduzimos como "seresviventes", aplica-se a Adão exatamente

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da mesma forma que foi aplicadaanteriormente aos peixes, aves e animaisterrestres em Gênesis 1:20 e 1:24.

O que fazer com essas narrações?Teria o escritor a intenção de quefossem uma representação literal deetapas cronológicas exatas, com dias de24 horas (embora o Sol não tivesse sidocriado até o terceiro dia, deixando emaberto a questão sobre por quanto tempoum dia se prolongava antes disso)? Se aintenção era fazer uma descrição literal,por que existem duas histórias que nãose entrelaçam por completo uma com aoutra? Seria essa uma narração poética eaté mesmo alegórica, ou se trata de umahistória literal?

Durante séculos essas perguntas

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foram debatidas. Depois de Darwin, asinterpretações não-literais são um tantosuspeitas em alguns círculos, poispodem ser acusadas de "esculpir" umateoria evolucionária e — quem sabe? —desacreditar a verdade do texto sagrado.Assim, seria útil descobrir comoteólogos letrados interpretavam Gênesis1 e 2 antes que Darwin entrasse emcena, ou mesmo antes que as evidênciasgeológicas da idade avançada da Terracomeçassem a se acumular.

Com relação a isso, os textos deSanto Agostinho, um cético convertido eteólogo brilhante, que viveu por volta doano 400, despertam um interesseparticular. Agostinho era fascinadopelos dois primeiros capítulos do

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Gênesis, e redigiu não menos de cincoanálises extensas sobre aqueles textos.Escritos há mais de dezesseis séculos,seus pensamentos ainda nos iluminam.Naquelas contemplações intensamenteanalíticas, em especial as registradas emComentário ao Gênesis (publicado noBrasil pela Paulus), as Confissões(publicado no Brasil pela Vozes) e ACidade de Deus (publicado no Brasilpela Vozes/Federação Agostiniana), ficanítido que Agostinho formula maisperguntas do que fornece respostas.Repetidas vezes volta para a questão dosentido do tempo, concluindo que Deusse encontra fora dele e não conectado aele (2 Pedro 3:8 declara isso de modoexplícito: "Mas vós, amados, não

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ignoreis uma coisa: que um dia para oSenhor é como mil anos, e mil anoscomo um dia"). Isso leva Agostinho aquestionar a duração dos sete dias dacriação bíblica.

A palavra hebraica usada emGênesis 1 para dia (yôm) pode serutilizada para designar tanto um períodode 24 horas como uma representaçãomais simbólica. Existem váriaspassagens na Bíblia em que yôm é usadanum contexto não-literal, como em "odia do Senhor" — como quando dizemos"nos dias do meu avô", sem que issosignifique que vovô só viveu 24 horas.

Por fim, Agostinho escreve: "Quetipo de dias eram aqueles, para nós, éextremamente difícil, ou talvez

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impossível, conceber".1Ele admite queexistam provavelmente muitasinterpretações válidas sobre o livro doGênesis:

Tendo esses fatos em mente, fizcálculos e apresentei as afirmações dolivro do Gênesis em diversas formas,de acordo com minhas capacidades; e,ao interpretar palavras que foramescritas de modo obscuro com afinalidade de estimular nossoraciocínio, não assumi nenhumaposição frágil contra umainterpretação que rivalizasse e quetalvez pudesse ser melhor.2

Diversas interpretações continuama ser difundidas sobre o significado deGênesis I e 2. Algumas, em particular

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oriundas de igrejas evangélicas,insistem em uma interpretaçãocompletamente literal, incluindo os diasde 24 horas. Com base em informaçõesgenealógicas do Antigo Testamento quevieram em seguida, chega-se à famosaconclusão do bispo de Ussher: "Deuscriou os céus e a terra em 4004 a.C".Seguidores igualmente sinceros nãoaceitam a condição de que os dias dacriação precisam durar 24 horas,embora aceitem a narrativa como umarepresentação literal e sequencial dosatos criativos de Deus. Outrosseguidores ainda creem que o texto deGênesis 1 e 2 tinha a intenção de ensinaraos leitores do tempo de Moiséso caráter de Deus, e não fazer que

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aprendessem fatos científicos sobre ospormenores da criação, pois, na época,isso os deixaria completamenteconfusos.

1 SANTO AGOSTINHO. ACidade de Deus, XI.6.

2 SANTO AGOSTINHO.Comentário ao Gênesis, 20:4.

Apesar dos 25 séculos de debate, éjusto dizer que nenhum ser humano sabeo significado preciso de Gênesis 1 e 2.Devemos continuar a explorar isso! Noentanto, a ideia de que revelaçõescientíficas possam representar uminimigo nessa busca é distorcida. SeDeus criou o universo e as leis que oregem e dotou os seres humanos de

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habilidades intelectuais para distinguirseus trabalhos, será que desejaria quedesprezássemos essas habilidades? SeráEle diminuído ou ameaçado pelo queestamos descobrindo acerca de Suacriação?

Lições de GalileuAo observar as atuais trocas de

tiros entre determinadas correntes daIgreja e certos cientistas sem papas nalíngua, um observador com noções dehistória poderia perguntar: "Já nãovimos esse filme antes?". Os conflitosentre a interpretação das Escrituras e asobservações científicas não são

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exatamente uma novidade. Em especialos que surgiram no século XVII, entre aIgreja cristã e a astronomia,proporcionaram um contexto bastanteinstrutivo para os debatesevolucionários de hoje.

Galileu Galilei era um cientista ematemático brilhante, nascido na Itáliaem 1564. Insatisfeito em executaranálises matemáticas com os dados deoutros, e de seguir a tradição deAristóteles de expor teorias sem orespaldo experimental necessário,Galileu envolveu-se com mediçõesexperimentais cujas interpretaçõesutilizavam a Matemática. Em 1608,inspirado por informações que escutaraacerca da invenção do telescópio na

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Holanda, construiu seu próprioinstrumento e rapidamente efetuoudiversas observações astronômicas degrande importância. Observou quatroluas em órbita do planeta Júpiter. Essasimples observação, que hoje admitimoscomo certa, apresentou problemasexpressivos para o sistema tradicionalde Ptolomeu. Neste, presumia-se quetodos os corpos celestes giravam aoredor da Terra. Galileu tambémobservou manchas solares, o querepresentava uma possível afronta àideia de que todos os corpos celesteshaviam sido criados perfeitos.

Por fim, Galileu chegou àconclusão de que suas observações sófariam sentido se a Terra orbitasse ao

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redor do Sol. Isso o colocou em conflitodireto com a Igreja Católica.

Apesar de muito do que se sabepela tradição oral sobre as perseguiçõesda Igreja a Galileu ser exagerado, nãoexistem dúvidas de que suas conclusõesforam recebidas com tumulto em muitossetores teológicos. Essa reação,entretanto, não se baseava totalmente emargumentos religiosos. Na verdade, asobservações de Galileu eram aceitas pormuitos astrônomos jesuítas, mas foramrecebidas com indignação pelos rivaisacadêmicos, que solicitaram intervençãoda Igreja. O frade dominicano Caccinsentiu-se obrigado a isso. Em um sermãoque tinha Galileu como alvo direto, ofrei insistia que "a geometria é obra do

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demônio" e que "matemáticos deveriamser excomungados como autores detodas heresias".3

3 WHITE, A. D. A History of theWarfare of Science with Theology inChristendom. New York, 1898. Vertambém:<www.santafe.edu/~shalizi/White>.

Um padre católico alegou que asconclusões de Galileu não eram apenasheréticas, mas também atéias. Outrosataques incluíam a afirmação de que"sua pretensa descoberta anulava todo oplano de salvação da cristandade" e a deque "lançava suspeitas sobre a doutrinada encarnação". Embora a maior partedessa crítica tenha vindo da IgrejaCatólica, não ficou limitada a ela. João

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Calvino e Martinho Lutero tambémfizeram objeções.

Revendo o passado, observadoresmodernos devem se perguntar por que aIgreja se sentia tão ameaçada pela ideiade a Terra girar em volta do Sol. Semdúvida, certos versículos das Escriturasparecem dar apoio à posição da Igreja,como o Salmo 93:1 — "O mundotambém está estabelecido, de modo quenão pode ser abalado" — e o Salmo104:5: "Lançaste os fundamentos daterra, para que ela não fosse abalada emtempo algum". Também se citavaEclesiastes 1:5: "O sol nasce, e o sol sepõe, e corre de volta ao seu lugar dondenasce". Hoje, poucos dos que creem emDeus alegam que os autores de tais

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versículos pretendiam ensinar Ciências.Apesar disso, foram feitas declaraçõesapaixonadas de que um sistemaheliocêntrico de algum modo iria abalara fé cristã.

Embora tenha perturbado ainstituição religiosa, Galileu conseguiunão ser condenado, porém com aadvertência de não ensinar nem defenderseus pontos de vista. Posteriormente, umnovo papa, que simpatizava comGalileu, concedeu-lhe uma permissãoindefinida para escrever um livro sobresuas opiniões, contanto que fornecesseuma visão equilibrada. A obra-prima domatemático e cientista, Diálogo sobreos Dois Máximos Sistemas do MundoPtolomaico e Copernicano (publicado

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no Brasil pela Imprensa Oficial),apresentou uma conversa imagináriaentre dois admiradores: um do sistemageocêntrico e outro, do heliocêntrico,ambos moderados por um advogadoneutro, porém interessado. A estruturanarrativa não enganou a ninguém. Apreferência de Galileu pelo ponto devista heliocêntrico ficava óbvia no fimdo livro e, apesar da aprovação doscensores católicos, a obra causoudiscussões.

Logo a seguir, em 1633, Galileu foisubmetido à Inquisição e, ao fim,obrigado a "repudiar, amaldiçoar eexecrar" seu trabalho.

Foi condenado à prisão domiciliarpelo resto da vida, e seus trabalhos

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foram banidos. Somente em 1992 — 359anos depois do julgamento — o papaJoão Paulo II divulgou um pedido dedesculpas: "Galileu sentia, em suapesquisa científica, a presença doCriador, o qual, ao mexer nasprofundezas de seu espírito, estimulou-o, antevendo suas intuições eauxiliando-o".4Assim, nesse exemplo, acorreção científica da visãoheliocêntrica enfim triunfou, a despeitodas fortes objeções teológicas. Hoje,todas as crenças, exceto talvez umaspoucas, primitivas, parecem sentir-se àvontade com essa conclusão. Asafirmações de que o sistemaheliocêntrico contradiz a Bíblia parecemexageradas, e a insistência por

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interpretações literais desses versículosdas Escrituras em particular parececompletamente destituída defundamento.

Será que esse mesmo resultadoharmonioso pode ser percebido no atualconflito entre a fé e a teoria daevolução? Um ponto positivo é que ocaso Galileu demonstra que um capítulode desentendimentos chegou, enfim, auma conclusão com base emesmagadoras evidências científicas. Noentanto, durante esse percurso, danosconsideráveis aconteceram — e maispara a fé do que para a ciência. Em seucomentário sobre o Gênesis, SantoAgostinho fornece uma advertência quepoderia muito bem ter sido levada em

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consideração pela Igreja do séculoXVII:

Normalmente, mesmo um não-cristão sabe alguma coisa sobre aterra, os céus e outros elementos destemundo, sobre o movimento e a órbitadas estrelas e mesmo seus tamanhos eposições relativas, sobre eclipsesprevisíveis do sol e da lua, os ciclosdos anos e das estações, os tipos deanimais, arbustos, pedras, e assim pordiante. Tais conhecimentos elesustenta, tendo-os como certos porconta da razão e da experiência.

4<http://en.wikipedia.org/wiki/Galileo_Galilei>.

Agora, é algo vergonhoso eperigoso para um infiel ouvir um cristão

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que tira conclusões precipitadas arespeito do sentido das SagradasEscrituras e diz bobagens sobre essestópicos; e devemos empregar todos osmeios para evitar esse tipo de situaçãoconstrangedora, na qual as pessoasmostram seu vasto desconhecimentosobre os cristãos e fazem pouco deles.

É muita vergonha, não porque umindivíduo ignorante é ridicularizado,mas porque as pessoas que nãoconhecem a religião acham que nossossagrados escritores sustentam taisopiniões e, infelizmente para aquelespor cuja salvação trabalhamosarduamente, os autores de nossasEscrituras são criticados e rejeitadoscomo se fossem homens ignorantes. Se

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encontrarem um cristão cometendo umerro em um campo que eles conheçambem e o ouvirem defendendo suasopiniões idiotas sobre nossos livros,como acreditarão nesses livros e emassuntos referentes à ressurreição dosmortos, à esperança de vida eterna e aoreino dos céus, quando pensam que suaspáginas se acham cheias de falsidadessobre fatos que eles aprenderam pelaexperiência à luz da razão?5

Infelizmente, contudo, de váriasformas a controvérsia entre a evolução ea fé vem se provando muito mais difícildo que o debate sobre se a Terra gira aoredor do Sol. Afinal de contas, acontrovérsia sobre a evolução atingiujustamente o coração da fé e o da

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ciência. Não se trata de corpos celestesrochosos, e sim de nós e de nossarelação com o Criador. Talvez acentralização desses assuntos explique ofato de que, apesar dos índicesmodernos de progresso e dedisseminação de informações, ainda nãosolucionamos a controvérsia públicasobre a evolução, quase 150 anosdepois de Darwin publicar A Origemdas Espécies.

5 SANTO AGOSTINHO.Comentário ao Gênesis, 19:39.

Galileu continuou acreditandoconvictamente em Deus até o fim.Permaneceu alegando que aexperimentação científica era nãoapenas aceitável como também um curso

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de ação nobre para quem professasseuma fé. Num comentário famoso quepoderia ser o lema de todos os cientistasque creem em Deus, ele disse: "Não mesinto forçado a acreditar que o mesmoDeus que nos agraciou com senso, razãoe intelecto pretendeu querenunciássemos a seu uso".6Levando emconsideração essa advertência, vamosexaminar as respostas possíveis àinteração de conflitos entre a teoria daevolução e a fé em Deus. Cada um devetirar algumas conclusões aqui, e optarpor uma das seguintes posições.

Quando se fala em sentido da vida,a indecisão é uma postura inadequadatanto para cientistas quanto para os queacreditam em Deus.

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6 Galileu, Carta à grã-duquesaCristina, 1615.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 7

Alternativa 1: ateísmo eagnosticismo(Quando a ciência supera afé)

EM 1968, UM ANO ANTES DEEU entrar para a faculdade, ocorreram

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muitos eventos bastante problemáticos.Grande número de tanques soviéticoschegou à Checoslováquia; a Guerra doVietnã ficava mais violenta com aOfensiva de Tet; e Robert F. Kennedy eMartin Luther King haviam sidoassassinados. No entanto, bem no fimdaquele ano, outro evento muito maispositivo ocorreu, deixando o mundoeletrizado — o lançamento da Apollo 8.Era a primeira astronave tripulada porhomens a orbitar a Lua. Frank Borman,James Lovell e William Andersviajaram pelo espaço durante três diasdaquele dezembro, enquanto o mundoprendia a respiração. Então, começarama dar a volta pela Lua, tirando asprimeiras fotos da Terra nascendo sobre

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a superfície do satélite, lembrando atodos nós quanto nosso planeta pareciapequeno e frágil visto de um pontofavorável do espaço. Na véspera deNatal, os três astronautas transmitiramimagens ao vivo pela televisão. Apósterem feito comentários sobre suasexperiências e sobre a desoladapaisagem lunar, leram, em conjunto,para o mundo, os primeiros dezversículos de Gênesis 1. Naquela épocaeu era um agnóstico em via de me tornarateu e ainda me lembro da sensaçãosurpreendente de admiração que meassaltou enquanto atingiram meusouvidos aquelas palavras inesquecíveis— "No princípio, Deus criou os céus e aterra" — pronunciadas, a mais de 380

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mil quilômetros de distância, porhomens que eram cientistas eengenheiros, mas para os quais elastinham um óbvio significadoimpressionante.

Pouco depois, a famosa ateiaMadalyn Murray O'Hair processou aNasa por permitir aquela leitura daBíblia na véspera do Natal. Alegou queos astronautas dos Estados Unidos, queeram funcionários públicos, deveriamser demitidos por ter feito uma oraçãopública no espaço. Embora os tribunaistenham por fim rejeitado o processo, aNasa desestimulou esse tipo dereferência religiosa em voosposteriores. Entretanto, Buzz Aldrin, daApollo 11, preparou uma cerimônia de

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comunhão na superfície da Lua durante oprimeiro pouso lá, em 1969. Esse eventojamais foi relatado publicamente.

Uma militante do ateísmo que tomaprovidências legais contra a leitura daBíblia feita por astronautas na órbita daTerra na véspera de Natal: um símbolo etanto da hostilidade cada vez maisagressiva entre os que creem e os quenão creem em Deus em nosso mundomoderno! Em 1844, ninguém fezobjeções quando Samuel Morse enviousua primeira mensagem por telégrafo,que foi: "Que Deus seja louvado!". Noséculo XXI, extremistas de ambos oslados da divisão ciência/fé continuaminsistindo, de maneira crescente, que aoutra parte deve ser silenciada.

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O ateísmo vem evoluindo hádécadas desde que O'Hair se tornou suadefensora mais visível. Hoje, não são osativistas seculares como ela queconstroem a vanguarda dessa tendência— são os evolucionistas. Entre diversose sonoros patrocinadores, RichardDawkins e Daniel Dennett destacam-secomo acadêmicos articulados queempregam energia considerável paraexplicar e difundir o darwinismo,declarando publicamente que aaceitação da evolução na Biologia exigeque se aceite o ateísmo na Teologia.Num extraordinário truque de marketing,Dawkins, Dennett e seus colegas dacomunidade de ateístas tentarampromover o termo "brilhantes" como

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alternativa para "ateus" (a deduçãoimplícita de que os que acreditavam emDeus deveriam ser "apagados" pode tersido um bom motivo pelo qual o termoainda não se popularizou). Na certa, ahostilidade contra os que creem emDeus não está disfarçada. Comochegamos aqui?

AteísmoAlguns dividem o ateísmo nas

formas "fraca" e "forte". O ateísmo fracoé a ausência de crença na existência deum Deus ou de deuses, ao passo que oateísmo forte é a convicção firme de quenão existem tais deidades. Nas

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conversas diárias, o ateísmo forte emgeral consiste na posição assumida dealguém que abraça esse ponto de vista;desse modo, considerarei essaperspectiva.

Em todos os locais a que vou,alego que a busca por Deus é umatributo amplamente partilhado por todaa humanidade, através de regiõesgeográficas e da história. Em seudestacado livro Confissões(basicamente a primeira autobiografiaocidental), Santo Agostinho descreveessa ânsia logo no primeiro parágrafo:"Não obstante, louvar-Te é o desejo dohomem, uma pequena parcela da Tuacriação. Tu estimulas o homem a terprazer em louvar-Te porque Tu nos

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fizeste para Ti mesmo, e nosso coraçãofica inquieto até repousar em Ti".1Seessa busca universal por Deus é tãoobrigatória, o que fazer com essescorações inquietos que negam aexistência Dele?

Que fundamentos têm para fazeressas afirmações com tal confiança? Equais as origens históricas desse pontode vista?

O ateísmo desempenhou um papelmenor na história da humanidade até oséculo XVIII, com o advento doIluminismo e o crescimento domaterialismo. No entanto, não foisomente a descoberta de leis naturaisque abriu as portas para umaperspectiva ateísta; afinal de contas, sir

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Isaac Newton acreditava piamente emDeus, tendo escrito e publicado maistrabalhos sobre interpretações da Bíbliado que sobre Matemática e Física. Umaforça mais poderosa que gerou oateísmo no século XVIII foi a rebeliãocontra a autoridade opressiva doGoverno e da Igreja, em especial comose manifestou na Revolução Francesa.Na França, tanto a família real quanto aliderança religiosa eram vistas comocruéis, como preocupadas em fazerpropaganda de si mesmas, hipócritas einsensíveis às necessidades do homemcomum. Ao nivelar a Igreja organizadaao próprio Deus, os revolucionáriosdecidiram que era melhor livrar-se deambos.

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Posteriormente, a perspectivaateísta ganhou combustível adicionalcom os trabalhos de Sigmund Freud, oqual afirmava que a crença em Deus nãopassava de pensamento mágico.

Contudo, um respaldo ainda maisforte a essa perspectiva nos últimos 150anos pareceu originar-se da teoria daevolução de Darwin. Ao derrubar o"argumento originário do planejamento"que tinha sido uma seta poderosa naaljava dos teístas, os ateístasapoderaram-se do advento da teoriaevolucionária como uma sólida arma derevide contra a espiritualidade.

1 SANTO AGOSTINHO.Confissões, l.i. I.

Consideremos, por exemplo,

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Edward O. Wilson, um dos maisdestacados biólogos evolucionários denosso tempo. Em sua obra On HumanNature [Sobre a natureza humana],Wilson anuncia alegremente que aevolução triunfara sobre qualquerespécie de ideia sobrenatural, e conclui:"A arma decisiva apreciada pelonaturalismo científico virá com suacapacidade de explicar a religiãotradicional, sua competição entrelíderes, como um fenômeno totalmentematerial. Não é provável que a Teologiasobreviva como uma disciplinaintelectual independente".2Palavrasfortes.

Palavras ainda mais fortes vieramde Richard Dawkins. Em uma série de

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livros, que começa com O Gene Egoísta(Itatiaia/Edusp) e se estende com ORelojoeiro Cego (Companhia dasLetras), A Escalada do MonteImprovável (Companhia das Letras) e OCapelão do Diabo (Companhia dasLetras), Dawkins esboça, por meio deanalogias atraentes e floreios deretórica, as consequências da variação eda seleção natural. Com essa basedarwinista, Dawkins, em seguida,estende suas conclusões à religião emtermos altamente agressivos: "Está namoda criar o apocalipse em cima daameaça da humanidade proclamada pelovírus da Aids, pela doença da Vacalouca'' e muitas outras, mas acho quepodemos dar bons motivos para que a fé

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seja um dos maiores males do mundo,comparável ao vírus da varíola, masmais difícil de erradicar".3Em seu maisrecente livro, Dawkins' God [O Deus deDawkins], o biólogo molecular eteólogo Alister McGrath expõe essasconclusões religiosas e salienta asmentiras lógicas por trás delas. Osargumentos de Dawkins aparecem emtrês qualidades principais. Primeiro elealega que a evolução tem plenaresponsabilidade pela complexidadebiológica e pelas origens dahumanidade. Portanto, não há maisnecessidade de Deus.

2 WILSON, E. O. On HumanNature. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1978. p. 192.

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3 DAWKINS, R. IS Science aReligion? The Humanist, v. 57, 1997,p. 26-9.

Embora esse argumento liberejustificadamente de Deus aresponsabilidade pelos numerosos atosde criação especial de cada espéciesobre o planeta, decerto não invalida aideia de que Deus elaborou Seu planocriativo por meio da evolução. Oprimeiro argumento de Dawkins é,assim, irrelevante para o Deus veneradopor Santo Agostinho, ou por mim. Noentanto, Dawkins é um mestre em criarum alvo fácil e destruí-lo com muitoprazer. Na verdade, é difícil fugir daconclusão de que essas caracterizaçõesrepetidas e errôneas da fé denunciam

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uma lista de assuntos pessoaismordazes, dependentes de argumentosracionais que Dawkins tanto acalenta nocampo da ciência.

A segunda objeção da escola deateísmo evolucionário de Dawkins éoutro alvo fácil: a de que a religião éantirracional. Ele parece ter adotado adefinição da religião atribuída aoestudante apócrifo de Mark Twain: "Féé acreditar que aquilo que você conhecenão é bem assim".4A definição de fé deDawkins é: "uma confiança cega, naausência de evidências, até mesmo nosdentes das evidências".5Isso decerto nãodescreve a fé dos seguidores mais sériosda história, nem da maioria daquelesque conheço. Apesar de a argumentação

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racional jamais poder provar, de formaconclusiva, a existência de Deus,pensadores considerados, de Agostinhoa Tomás de Aquino, passando por C. S.Lewis, demonstraram que a crença emDeus sempre teve uma aceitação intensa.E não é menos hoje. É fácil paraDawkins atacar a caricatura de fé queele nos apresenta, mas não se trata da féreal.

4 CLEMENS, S. Following theEquator, 1897. 5 5 DAWKINS, R.The Selfish Gene. 2. ed. Oxford:Oxford University Press, 1989. p.198.

A terceira objeção de Dawkins é ade que muito mal tem sido causado emnome da religião. Não há como negar

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essa verdade, embora atos decompaixão de grandiosidade inegáveltambém tenham sido abastecidos pela fé.Contudo, os atos cruéis cometidos emnome da religião de maneira algumacontestam a verdade da fé; em vez disso,contestam a natureza dos seres humanos,esses recipientes enferrujados nos quaisa água pura da verdade foi colocada.

É interessante que, embora alegueque são o gene e seu impulso inflexívelpela sobrevivência que explicam aexistência de todos os seres vivos,Dawkins argumente que nós, humanos,somos, por fim, adiantados o bastantepara ter a capacidade de nos rebelarcontra as imposições genéticas."Podemos até debater maneiras de

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cultivar e alimentar um altruísmo puro edesinteressado de forma voluntária —algo que não existe na natureza, algo quenunca existiu antes na história domundo."6Eis aqui um paradoxo:Dawkins aparenta contribuir para a LeiMoral. De onde pode ter vindo essaurgência de bons sentimentos? Isso nãodeveria levantar as suspeitas deDawkins sobre a "indiferença cega eimpiedosa" que, segundo ele, condizcom toda a natureza, incluindo ele e oresto da humanidade, por meio de umaevolução perversa? Que valor, então,ele deveria ligar ao altruísmo?

A mais importante e inevitávelfalha da afirmação de Dawkins, de que aciência obriga ao ateísmo, é que isso vai

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além das evidências.6 Ibid., p. 2.00-1.

Se Deus se acha fora da natureza, aciência não pode confirmar nem negar aexistência dele. Portanto, o próprioateísmo deve ser considerado uma formade fé cega, pois assume um sistema decrenças que não pode ser defendido combase na razão pura. Talvez a síntesemais pitoresca desse ponto de vistavenha de uma origem improvável:Stephen Jay Gould, que, sem contarDawkins, provavelmente foi o porta-vozpúblico da evolução mais lido nageração anterior. Ao escrever a resenhade um livro que de outro modo seriapouco percebida, Gould castigou aperspectiva de Dawkins:

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Para dizer isso a todos os meuscolegas pela zilhonésima milionésimavez: a ciência simplesmente não pode,por seus métodos legítimos, julgar otema sobre a possível superintendênciade Deus na natureza. Não podemosafirmar nem negar isso; apenas nãopodemos comentar como cientistas. Sealgum de nós fez afirmaçõesinconvenientes de que o Darwinismodesmente Deus, irei atrás da senhoraMclnerney [a professora de Gould nauniversidade] e botá-la-ei abaixo comminhas críticas. [...] A ciência só podetrabalhar com explicaçõesnaturalistas. Não pode afirmar nemnegar outras espécies de atores (comoDeus) em outras esferas (o setor moral,

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por exemplo).Esqueça a filosofia um instante; o

simples empirismo de cem anos atrásdeve bastar. O próprio Darwin eraagnóstico (por ter perdido suas crençasreligiosas com a morte trágica de suafilha predileta). No entanto, a grandebotânica dos Estados Unidos, Asa Gray,que era favorável à seleção natural eescreveu um livro intituladoDarwiniana, era uma cristã devota.Mais cinquenta anos adiante: Charles D.Walcott, descobridor dos Burgess ShaleFossils, era darwinista convicto e umcristão igualmente fervoroso, queacreditava que Deus tinha organizado aseleção natural para construir a históriada vida de acordo com Seus planos e

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finalidades. Avançando mais cinquentaanos, chegamos aos dois grandesevolucionistas de nossa geração: G. G.Simpson era um agnóstico humanista,Theodosius Dobzhansky, seguidor daIgreja Ortodoxa Russa. Ou metade dosmeus colegas são muito idiotas, ou entãoa ciência do darwinismo é inteiramentecompatível com as crenças religiosasconvencionais — e igualmentecompatível com o ateísmo.7

7 GOULD, S. J. ImpeachingaSelf-Appointed Judge. ScientificAmerican, v. 267, 1992, p.118-21.(Resenha de Darwin on Trial, dePhillip Johnson).

Assim, os que optam por ser ateusdevem procurar outra base para assumir

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essa posição. A evolução não fará isso.

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Agnosticismo

O termo "agnóstico" foi cunhadoem 1869 pelo pitoresco cientistabritânico Thomas Henry Huxley, tambémconhecido como "o buldogue deDarwin". Eis a narração de como elecriou o vocábulo:

Quando atingi a maturidadeintelectual e comecei a me perguntar seera ateísta, teísta ou panteísta; ummaterialista ou um idealista; umcristão ou uma pessoa com opiniõespróprias, descobri que, quanto maisaprendia e meditava, menos conseguiauma resposta pronta; até que, enfim,cheguei à conclusão de que não crieinem ajudei a criar nenhuma dessas

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definições, a não ser a última.A única coisa em que a maioria

dessas boas pessoas concordava era aúnica que me tornava diferente delas.Estavam bastante certas de que ligar-sea uma determinada "gnose" resolveriamais ou menos o problema daexistência; embora tivesse bastantecerteza de que eu não havia resolvido, etinha uma convicção muito sólida de queesse problema era insolúvel. [...] Assim,tomei cuidado e inventei o queimaginava ser o título adequado de"agnóstico". Isso veio à minha mentecomo uma antítese sugestiva ao"gnóstico" da história da igreja, queaparentava saber muito justamente sobrecoisas que eu desconhecia.8Um

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agnóstico, então, diria que oconhecimento sobre a existência deDeus simplesmente não pode seralcançado. Como no ateísmo, há formasfortes e fracas de agnosticismo. Deacordo com a forma forte, não há como ahumanidade vir a saber, ao passo queconforme a forma fraca apenas se diz:"Não agora".

8 In: HASTINGS, J. (Org.). TheEncydopedia of Religion and Ethics,1908.

As linhas da fronteira entre oagnosticismo forte e o ateísmo fraco sãoindistintas, como revela um casointeressante de Darwin. Em 1881, aoalmoçar com dois ateístas em uma festa,Darwin perguntou a seus convidados por

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que se chamavam ateístas, e dissepreferir o termo "agnóstico" de Huxley.Um dos convidados respondeu que "oagnóstico era um ateísta claramenterespeitável, e o ateísta, apenas umagnóstico explicitamente agressivo".9Noentanto, a maioria dos agnósticos não étão agressiva, simplesmente assumindo aposição de que não é possível, pelomenos não para eles nesta ocasião,assumir uma posição contra ou a favorda existência de Deus. Em termossuperficiais, trata-se de uma posiçãologicamente defensável (ao passo que oateísmo não é). Decerto é totalmentecompatível com a teoria da evolução, emuitos biólogos se colocariam nessecampo.

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Entretanto, o agnosticismo tambémcorre o risco de ser uma atitude deindecisão.

Para uma boa defesa, deve-sechegar ao agnosticismo somente apósuma consideração completa de todas asevidências favoráveis e contrárias àexistência de Deus. É raro ver umagnóstico que se empenhou para isso (háuma lista um tanto notável de alguns queo fizeram e, inesperadamente, tornaram-se convictamente crentes em Deus).Além disso, embora o agnosticismo sejauma posição cômoda para muitos, de umponto de vista intelectual ele transmiteuma certa fragilidade. Será que iríamosrespeitar alguém que insistisse em dizerque a idade do universo não pode ser

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conhecida, e nem parou para verificar asevidências?

9 Ver:<http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Darwin*s_views_on_-religion>.

ConclusãoA ciência não pode ser usada para

justificar o descaso às grandes religiõesmonoteístas do mundo, que repousamsobre séculos de história, filosofiamoral e evidências impressionantesproporcionadas pelo altruísmo humano.É o cúmulo da arrogância científicaalegar o contrário. Entretanto, isso nosdeixa um desafio: se a existência deDeus é real (não uma mera tradição, esim uma verdade) e se determinadasconclusões científicas sobre o mundo

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natural também são reais (não somentequanto a um estilo, mas objetivamentereais), elas, então, não podem secontradizer. Deve ser possível umasíntese plenamente harmônica.

Ao observarmos o mundo atual,contudo, é difícil fugir da sensação deque ambas as versões da verdade nãobuscam a harmonia, mas estão emguerra. Isso não se acha tão aparentequanto nos debates sobre a teoriaevolucionista de Darwin. É onde asbatalhas estão recrudescendo de formamais furiosa; é onde a interpretaçãoerrada dos dois lados é mais profunda; éonde os riscos do mundo futuroencontram-se em seu auge; e é onde aharmonia é mais urgentemente

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necessária. É, então, para ondevoltaremos nossas atenções a seguir.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 8

Alternativa 2: Criacionismo(Quando a fé supera aciência)

POUCAS VISÕES RELIGIOSASOU científicas podem ser resumidas emuma só palavra. A aplicação de rótulos

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que levam a interpretações errôneas deperspectivas particulares vemmanchando o debate entre a ciência e afé ao longo da era moderna. Em casoalgum isso é mais verdadeiro do que nodo rótulo "criacionismo", representadode forma tão destacada nas discussõesentre a fé e a ciência durante o séculoXX. Levado ao pé da letra, esse termoparece significar a perspectiva geral dealguém que alegue a existência de umDeus diretamente envolvido na criaçãodo universo. Em sentido amplo, muitosdeístas e quase todos os teístas,inclusive eu, precisariam considerar-secriacionistas.

O Criacionismo da Terra

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Jovem

Durante o século XX, porém, otermo "criacionista" foi sequestrado (eganhou uma inicial maiúscula) paracolocar em prática um subconjuntobastante específico de pessoas queacreditam em Deus e, especificamente,insistem em uma leitura literal deGênesis 1 e 2 para descrever a criaçãodo universo e a formação da vida naTerra. A versão mais extrema desseponto de vista, em geral denominadoCriacionismo da Terra Jovem [emi ngl ê s , Young Earth Creationism ](YEC), interpreta os seis dias dacriação como dias de 24 horas e concluique a Terra deve ter menos de 10 mil

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anos de idade. Os defensores do YECtambém acreditam que todas as espéciesforam engendradas por atos isolados decriação divina, e que Adão e Eva eramfiguras históricas criadas por Deus dopó no Jardim do Éden, e nãodescendentes de outras criaturas.

Os que creem no YEC em geralaceitam a ideia da "microevolução", pormeio da qual pequenas mudanças nasespécies ocorrem pela variação e pelaseleção natural. Contudo, rejeitam oconceito de "macroevolução", oprocesso que permite a uma espécieevoluir para outra. Alegam que os hiatospercebidos nos registros fósseisdemonstram a mentira da teoria deDarwin. Nos anos 1960, o movimento

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YEC ganhou força adicional com apublicação de The Gênesis Flood [Odilúvio do Gênesis] e posterioresescritos de membros do Institute forCreation Research [Instituto de Pesquisasobre a Criação], fundado pelo falecidoHenry Morris. Entre as muitasafirmações de Morris e seus colegas,havia a de que as camadas geológicas eos fósseis presentes nelas foramformados em algumas semanas por causado dilúvio que ocorreu no mundo todo eé descrito em Gênesis 6-9, em vez de tersido sedimentados durante centenas demilhões de anos. A julgar pelasapurações, o Criacionismo da TerraJovem é uma visão adotada por cerca de45% dos estadunidenses. Muitas igrejas

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evangélicas se acham equiparadasintimamente com esse ponto de vista.Em muitos livros e vídeos achados emlivrarias religiosas alega-se que não seencontram fósseis intermediários parapássaros, tartarugas, elefantes ou baleias(no entanto, exemplos de todos essesseres têm sido descobertos em anosrecentes), que a Segunda Lei daTermodinâmica exclui a possibilidadeda evolução (é nítido que ela não o faz)e que o cálculo por radiação da idadedas rochas e do universo está erradoporque os índices de degeneração vãomudando com o passar do tempo (não éverdade). Podem-se visitar museuscriacionistas e parques temáticos queretratam humanos divertindo-se com

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dinossauros, já que a perspectiva doYEC não aceita a ideia de que essesanimais foram extintos muito antes de oshumanos aparecerem em cena.

Os Criacionistas da Terra Jovemalegam que a evolução é uma mentira.Admitem como suposição que oparentesco entre organismos visualizadopelo estudo do DNA seja simplesmentea consequência de Deus ter usadoalgumas das mesmas ideias em Seusmuitos atos de criação especial. Ao sedepararem com fatos como a ordemsemelhante de genes ao longo doscromossomos entre espécies diferentesde mamíferos, ou a existência de "DNAlixo" repetitiva em locaiscompartilhados em DNA de humanos e

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de camundongos, os defensores do YEClimitam-se a rejeitar isso como parte doplano de Deus.

O Criacionismo da Terra Jovem

e a ciência moderna são incompatíveisEm geral, aqueles que sustentam

esses pontos de vista são sinceros, bem-intencionados e tementes a Deus,guiados por preocupações profundas deque o naturalismo esteja ameaçandoafastar Deus da experiência humana. Noentanto, as alegações do Criacionismoda Terra Jovem não podemsimplesmente ser acomodadas porpequenos reparos adicionais à margemdo conhecimento científico. Caso taisalegações fossem mesmo verdadeiras,

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levariam a um colapso total eirreversível de ciências como Física,Química, Cosmologia, Geologia eBiologia.

Conforme salienta o professor deBiologia Darrel Falk em seumaravilhoso livro Corning to Peacewith Science [Fazendo as pazes com aciência], escrito especificamente de seuponto de vista de cristão evangélico, aperspectiva do YEC é como insistir quedois mais dois na verdade não é igual aquatro.

Para qualquer um acostumado àsevidências científicas, é quaseincompreensível que a visão do YECtenha atingido um respaldo tãoabrangente, em especial num país como

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os Estados Unidos, que afirmam ser tãointelectualmente avançados etecnologicamente sofisticados. Noentanto, os defensores do YEC sãosérios a respeito da razão principal desua fé e preocupam-se profundamentecom a tendência de interpretar de modonão-literal a Bíblia, que poderá, emcaráter definitivo, diluir o poder que asEscrituras têm para ensinar àhumanidade o respeito por Deus. OsCriacionistas da Terra Jovemargumentam que, se aceitassem qualquercoisa que não os atos de uma criaçãoespecial divina durante os seis dias de24 horas de Gênesis 1, colocariam osque creem em Deus em uma tendênciaescorregadia rumo a uma fé falsificada.

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Esse argumento recorre aos instintosfortes e compreensíveis de seguidoressérios, cuja prioridade é a submissão aDeus, e esses aparentes ataques à pessoaDele devem ser repelidos com energia.

Mas interpretações unilaterais do

Gênesis são desnecessáriasMais uma vez dando atenção à

interpretação de Santo Agostinho sobreGênesis 1 e 2, e lembrando que ele nãotinha motivos para se adaptar aevidências científicas acerca daevolução ou da idade da Terra, ficaclaro que os pontos de vista unilateraisdo YEC não são necessários a umaleitura atenta, sincera e reverente dotexto original. De fato, essa

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interpretação limitada é muito mais umainvenção dos cem anos mais recentes,que cresceu, em boa parte, como umareação à evolução darwiniana.

A preocupação sobre não aceitarinterpretações liberais dos textosbíblicos é compreensível. Afinal, énítida a existência de partes da Bíbliaescritas como testemunhos oculares deeventos históricos, inclusive boa partedo Novo Testamento. Para quemacredita em Deus, os eventos registradosem tais seções devem ser encaradosseguindo a intenção do autor — comonarrações de fatos observados. Noentanto, outras partes da Bíblia, como ospoucos capítulos iniciais do Gênesis, olivro de Jó, o Cântico dos Cânticos de

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Salomão e os Salmos, apresentam umacaracterística mais lírica e alegórica, eem geral não parecem levar consigo asmarcas de uma narrativa puramentehistórica. Para Santo Agostinho e para amaioria dos outros intérpretes ao longoda história, até Darwin colocar os quecreem em Deus na defensiva, osprimeiros capítulos do Gênesistransmitiam a sensação muito maior deuma fábula sobre a moralidade do quede um testemunho ocular reproduzido emjornais.

A insistência em interpretar cadapalavra da Bíblia em seu sentido literalleva a outras dificuldades. Sem dúvida obraço direito de Deus não se ergueu, deverdade, sobre a nação de Israel (Isaías

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41:10). Claro que não faz parte docaráter de Deus tornar-se negligente eprecisar ser lembrado pelos profetassobre assuntos importantes de temposem tempos (Êxodo 33:13).

A intenção da Bíblia era (e é)revelar a natureza de Deus àhumanidade. Teria servido aospropósitos de Deus, 34 séculos atrás,fazer para Seu povo uma palestra sobredeterioração radioativa, camadageológica e DNA?

Muitos dos que creem em Deus têmsido levados ao Criacionismo da TerraJovem por encarar os avançoscientíficos como ameaças a Ele. Seráque Ele precisa mesmo que O defendamaqui? Não é Ele o autor das leis do

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universo? Não é Deus o maior doscientistas? O maior dos físicos? O maiordos biólogos? Mais importante: Ele sesente honrado ou desonrado pelos queobrigam Seu povo a ignorar as rigorosasconclusões científicas sobre Suacriação? Pode a fé em um Deus de amorerguer-se sobre alicerces de mentirasacerca da natureza?

Deus: um grande impostor?Com a ajuda de Henry Morris e

seus colegas, o Criacionismo da TerraJovem, neste último meio século, tentoufornecer explicações alternativas para ariqueza de observações sobre o mundonatural, que parecem contradizer aposição do YEC.

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Entretanto, os fundamentos doassim chamado criacionismo científicosão irremediavelmente falhos. Aoreconhecer o número arrebatador deprovas científicas, alguns defensores doYEC, recentemente, usaram uma táticadiferente: alegar que todas essas provasforam elaboradas por Deus para nosconfundir e, portanto, testar nossa fé. Deacordo com tal argumento, todas asmedições por deterioração radioativa,todos os fósseis e todas as sequênciasde genoma foram planejados de formaintencional, para parecer que o universoé antigo, mesmo tendo sido criado hámenos de 10 mil anos.

Como salienta Kenneth Miller emseu livro, por sinal excelente, Finding

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Darwin's God [Encontrando o Deus deDarwin], para essas alegações seremverdadeiras, Deus teria de se empenharem uma evasiva de grandes proporções.Por exemplo, uma vez que muitas dasestrelas e galáxias visíveis no universoencontram-se a mais de 10 mil anos-luzde distância, uma perspectiva YECexigiria que nossa capacidade paraobservá-las só surgisse se Deus tivesseajustado todos aqueles prótons para quechegassem aqui "arrumadinhos", aindaque representassem objetoscompletamente fictícios.

Essa imagem de Deus como umtrapaceiro cósmico parece oreconhecimento definitivo da derrota daperspectiva criacionista. Seria Deus, o

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grande impostor, uma entidade quealguém gostaria de adorar? Teria issoalguma coerência com tudo o mais queconhecemos acerca dele, da Bíblia, daLei Moral e de todas as outras fontes —ou seja, com o fato de que Ele é umDeus amoroso, lógico e consistente?

Assim, de acordo com uma lógicaracional, o Criacionismo da TerraJovem chegou a um ponto de falênciaintelectual, tanto em sua ciência quantoem sua teologia. Sua insistência é,assim, um dos maiores enigmas e umadas maiores tragédias de nosso tempo.Ao atacar as bases de praticamente cadaramificação da ciência, ele amplia aruptura entre as visões de mundocientífica e espiritual, justamente numa

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época em que se necessitadesesperadamente de um caminho emdireção à harmonia. Ao enviar aosjovens a mensagem de que a ciência éperigosa e que persistir nela pode muitobem significar a rejeição à fé religiosa,o Criacionismo da Terra Jovem podeestar privando a ciência de alguns dosseus mais promissores talentos dofuturo.

No entanto, não é a ciência a quemais sofre com isso. O Criacionismo daTerra Jovem causa danos ainda maioresà fé, quando exige que a crença em Deusconcorde com alegações essencialmentefalhas acerca do mundo natural. Jovenscriados em lares e igrejas que insistemno criacionismo cedo ou tarde

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encontrarão evidências científicasavassaladoras a favor de um universoantigo e o parentesco de todas ascriaturas vivas por meio de um processode evolução e de seleção natural.

Que escolha terrível edesnecessária essas pessoas terão deenfrentar! Para abraçar a fé da infância,serão obrigadas a rejeitar um corpo deinformações científicas extenso erigoroso, cometendo um suicídiointelectual. Quem duvida de que muitosdesses jovens, ao não encontraralternativa ao criacionismo, darão ascostas à fé, concluindo quesimplesmente não podem acreditar emum Deus que lhes pede para rejeitar oque a ciência lhes ensinou, de forma tão

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atraente, acerca do mundo natural? Um apelo à razãoPortanto, permita-me encerrar este

breve capítulo com uma adorávelsolicitação aos membros da Igrejaevangélica, uma entidade da qual meconsidero participante e que tem feitotanto bem de tantas outras maneiras aodisseminar a boa-nova do amor e dagraça de Deus. Como pessoas que nelecreem, vocês estão certos em se manterfirmes ao conceito de Deus comoCriador; estão certos em se manterfirmes às verdades da Bíblia; estãocertos em se manter firmes à conclusãode que a ciência não dá respostas àsquestões mais urgentes da existência

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humana; e estão certos em se manterfirmes à certeza de que é preciso resistirfirmemente às alegações domaterialismo ateísta. Essas batalhas,porém, não serão vencidas se vocêsbasearem suas posições em fundamentosfalhos. Continuar a fazer isso dá aosoponentes da fé (que são muitos) achance de obter uma série imensa devitórias fáceis.

Benjamin Warfield, teólogoprotestante conservador que viveu entreo fim do século XIX e o começo doséculo XX, estava bastante ciente que osque creem em Deus têm necessidade dese manter firmes às verdades eternas desua fé, apesar das grandestransformações sociais e científicas.

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Ele, porém, enxergou a necessidade decomemorar as descobertas sobre omundo natural que Deus criou. Warfieldescreveu estas palavras extraordinárias,que poderiam muito bem ser adotadaspela Igreja de hoje:

Como cristãos, não podemos,então, adotar uma atitude contrária àsverdades da razão ou às da filosofia,ou às verdades da ciência, ou às dahistória ou da crítica. Como filhos daluz, devemos tomar cuidado para nosmanter abertos a cada raio de luz. Quecultivemos, então, uma atitude decoragem diante das investigações dodia. Ninguém deve mostrar maiscuidado com isso do que nós. Ninguémdeve ser mais rápido para perceber

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claramente a verdade em cada campo,ser mais acolhedor para recebê-la, sermais fiel para segui-la, para onde querque ela conduza.1

1 Warfield, B. B. SelectedShorter Writings. Phillipsburg: PRRPublishing, 1970. p. 463-5.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 9

Alternativa 3: Designinteligente(Quando a ciência precisa deajuda divina)

O ANO DE 2005 FOITUMULTUADO para a teoria do Design

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Inteligente, ou ID [Inteligent Design, eminglês], como é conhecida. O presidentedos Estados Unidos deu a ela aprovaçãoparcial, afirmando acreditar que asescolas deveriam incluir esse ponto devista no debate sobre evolução. Talcomentário foi feito na mesma época emque um processo judicial contra o corpodocente de Dover, na Pensilvânia, sobreuma diretriz semelhante, estava sendoencaminhado a um julgamento muitoalardeado. Os meios de comunicaçãoreagiram. Semana após semana, acontrovérsia e a confusão sobre a IDsurgiam e se intensificavam em matériasde capa das revistas Time e Newsweek,eram discutidas amplamente nas rádiose até mesmo na primeira página do

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New York Times. Eu mesmo me apanheiconversando acerca desse assunto comcientistas, editores e até comcongressistas. Antes que o julgamentode Dover fosse favorável aosqueixosos, os cidadãos de Dovervotaram em todos os membros do corpodocente que tinham dado apoio não-oficial à ID.

Desde 1925, no julgamento deScopes, as atenções nos Estados Unidosnão se voltavam com tanta intensidade aum debate sobre a evolução e suasconsequências à fé religiosa.

Talvez isso devesse ser encaradocomo algo bom — melhor um debateaberto do que um ataque às ocultas deum ponto de vista ou outro. Mas, para os

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cientistas mais sérios e praticantes deuma religião, e mesmo para algunsgrandes defensores da ID, as coisasestavam fora do controle, e aquilo eragrave.

Afinal, existe um design

inteligente?Em sua curta história de quinze

anos, o movimento ID surgiu comodestacado ponto de discussões públicas.Contudo, ainda existe muita confusãosobre os princípios básicos dessa novaideia em cena.

Em primeiro lugar, assim comoocorre com o termo "criacionismo",existe uma dificuldade semânticasubstancial. As palavras "design

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inteligente" parecem abranger uma vastagama de interpretações sobre como avida veio a acontecer neste planeta e afunção que Deus pode ter tido nesseprocesso. No entanto, "DesignInteligente" (com maiúsculas)

transformou-se em uma expressãomais moderna que traz consigo umconjunto bastante específico deconclusões acerca da natureza, emespecial o conceito de "complexidadeirredutível". Um observador semconsciência dessa história pode esperarque qualquer um que acredite num Deuspreocupado com os seres humanos (ouseja, um teísta) creia no DesignInteligente. Entretanto, no sentido daterminologia atual, na maioria dos casos

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isso não estaria correto.O Design Inteligente surgiu com

estardalhaço em 1991. Algumas de suasraízes podem ser rastreadas atéargumentos científicos remotos, queapontavam a probabilidade estatísticadas origens da vida. O ID, porém, nãoestá concentrado em como surgiram osprimeiros organismos que seautocopiavam, e sim nas deficiênciaspercebidas na teoria evolucionária emjustificar a posterior complexidadeextraordinária da vida.

O criador do ID é Phillip Johnson,um advogado cristão da Universidade daCalifórnia, em Berkeley, que, no livroD a r w i n on Trial [Darwin emjulgamento], apresentou pela primeira

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vez a teoria. Posteriormente, osargumentos foram ampliados por outros,em especial Michael Behe, um professoruniversitário de Biologia, que, no livroDarwin's Black Box [A caixa preta deDarwin], elaborou o conceito dacomplexidade irredutível. Em anosrecentes, William Dembski, matemáticocom formação em teoria da informação,assumiu um papel de liderança comocomentarista do movimento ID.

O surgimento do ID coincidiu comuma série de derrotas judiciais doensino do criacionismo em escolas dosEstados Unidos, um contextocronológico que gerou críticas ao sereferir injustamente ao ID como"criacionismo sub-reptício" ou

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"criacionismo 2.0". No entanto, essestermos não fazem justiça à consideraçãoe à sinceridade dos defensores do ID.De minha perspectiva como geneticista,biólogo e pessoa que crê em Deus, essemovimento merece sérias reflexões.

O movimento do Design Inteligenterepousa, basicamente, em trêspropostas:

Proposta 1: a evolução gera umavisão de mundo ateísta e, portanto,aqueles que creem em Deus devem seopor a ela.

Phillip Johnson, o fundador, nãoera guiado tanto por um desejo científicode entender a vida (não alega sercientista), mas por uma missão pessoalde defender Deus contra o que ele notou

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como a aceitação pública de uma visãode mundo puramente materialista. Essapreocupação encontra repercussão nacomunidade da fé, e lá ospronunciamentos em tom de triunfo dealguns dos mais francos evolucionistaslevaram à sensação de que umaalternativa respeitável em termoscientíficos deve ser identificada a todocusto (em relação a isso, o ID pode serconsiderado, de forma irônica, como ofilho ilegítimo e rebelde de RichardDawkins e Daniel Dennett).

Johnson é bastante direto sobresuas intenções, conforme demonstra emseu livro The Wedge of Truth: Splittingthe Foundations of Naturalism [Aescora da verdade: dividindo as bases

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do naturalismo]. O Instituto Discovery,importante incentivador do movimentoID, e para o qual Johnson trabalha comoconsultor de programas, levou essaetapa mais adiante em seu "documentoescora", que originalmente pretendia serum memorando interno e acabouachando caminho na internet. Odocumento esboça objetivos para cinco,dez e vinte anos, a fim de influenciar aopinião pública a executar umasubversão no materialismo ateísta esubstituí-lo por uma compreensãoamplamente teísta da natureza.

Assim, apesar de o ID serapresentado como teoria científica, éjusto afirmar que não nasceu da tradiçãocientífica.

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Proposta 2: a evolução temfundamentos falhos, pois não podejustificar a complexidade da natureza.

Os estudantes de História irão selembrar: o argumento de que acomplexidade exige um planejador é omesmo apresentado por William Paleyno início do século XIX, e mesmoDarwin achou a lógica bastante atraenteantes de chegar às próprias explicaçõessobre a evolução pela seleção natural.No entanto, para o movimento ID, essaperspectiva ganhou uma nova roupagem,mais especificamente para a bioquímicae a biologia celular.

E m Darwin's Black Box, MichaelBehe esboça esses argumentos de formamuito persuasiva. Quando o bioquímico

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Behe examina atentamente os trabalhosinternos da célula, mostra-seimpressionado e admirado (assim comoeu) pelas complexidades das máquinasmoleculares que se encontram ali, que aciência vem revelando durante asdécadas mais recentes. Há máquinascomplexas que traduzem o RNA paraproteína, outras que ajudam as células ase locomover e outras que transmitemsinais da superfície da célula até onúcleo, deslocando-se ao longo de umatrilha em cascata, de múltiploscomponentes.

Não apenas a célula causa essasurpresa. Órgãos completos, formadospor bilhões ou trilhões de células, sãoorganizados de um modo que só pode

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nos deixar admirados. Por exemplo,leve em conta o olho humano, um órgãocomplexo, semelhante a uma câmera,cujas anatomia e fisiologiaimpressionam mesmo o mais refinadoestudante de ótica.

Behe alega que esses tipos demáquina jamais poderiam ter surgidocom base em seleção natural. Seusargumentos concentram-se,principalmente, em estruturascomplexas, as quais envolvem ainteração de muitas proteínas e cujafunção se perde caso alguma dessasproteínas fique inativa.

Um exemplo destacado e citado porBehe é o flagelo da bactéria, seufilamento de locomoção. Muitas

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bactérias possuem esse órgão, pequeno"motor de popa" que impulsiona ascélulas em várias direções. A estruturado flagelo, formada por cerca de trintaproteínas diferentes, é, na verdade,muito interessante. Inclui versões emminiatura de uma âncora, de um eixo detransmissão e de uma junta universal.Tudo isso conduz um propulsor na formade fio. Todo esse arranjo é umamaravilha da engenharia dananotecnologia. Se alguma dessas trintaproteínas ficar inativa por causa de umamutação genética, todo o sistema deixaráde funcionar de forma adequada. Oargumento de Behe diz que essedispositivo muito complexo jamais teriaexistido com base no processo

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darwiniano apenas. Behe supõe que umcomponente desse motor de popacomplexo possa ter evoluído ao acaso,durante um extenso espaço de tempo,mas sem uma pressão seletiva paramantê-lo, a menos que os outroscomponentes se desenvolvessem aomesmo tempo. Nenhum deles, porém,teria aproveitado qualquer vantagemseletiva até que toda a estruturaestivesse montada. Behe alegou, eDembski traduziu posteriormente aafirmação em argumentos maismatemáticos, que a probabilidade dessaevolução em paralelo acidental dediversos componentes sem utilidade équase infinitamente pequena.

* A coagulação de sangue é um

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exemplo que os bioquímicos chamamde cascata, citado neste capítulo: umaproteína faz algo, que faz com queoutra proteína faça algo, que iniciaoutra, em um "efeito cascata" (ou, deforma mais leiga, "efeito dominó"). Acascata de coagulação é um dosexemplos favoritos dos defensores doID. (N. T.)

Assim, o principal argumentocientífico do movimento ID compõe umanova versão do "argumento oriundo doceticismo pessoal" de Paley expressa,hoje, na linguagem da Bioquímica, daGenética e da Matemática.

Proposta 3: se a evolução nãopode explicar a complexidadeirredutível, deve, então, ter existido umplanejador inteligente, de algum modo, e

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ele entrou em cena para fornecer oscomponentes necessários durante ocurso da evolução.

* Ciência cujo objetivo é criarnovos materiais e desenvolver novosprodutos e processos baseados nacrescente capacidade da tecnologiamoderna dever e manipular desdeátomos até cerca de 100 nanômetros.(N. T.)

O movimento ID toma cuidado paranão especificar quem poderia ter sidoesse planejador. Entretanto, aperspectiva cristã da maioria doslíderes desse movimento sugere queessa força desconhecida viria de Deusem pessoa.

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As objeções científicas ao IDSuperficialmente, as argumentações

contrárias ao darwinismo apresentadaspelo movimento ID parecem atraentes, enão é surpresa que os leigos, emespecial os que procuram atribuir aDeus um papel no processoevolucionário, tenham ficado animadosa adotar esses argumentos. Contudo, se alógica teve, de fato, mérito no terreno daciência, poderíamos esperar que osbiólogos comuns atualmente na ativatambém mostrassem interesse empersistir nessas ideias, especialmenteporque um número significativo delesacredita em Deus. Entretanto, isso nãoaconteceu, e o Design Inteligentepermanece uma atividade à parte, com

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pouca credibilidade no padrão depensamento da comunidade científica.

Por que é assim? Será que porque,como sugerem os que propõem o ID, osbiólogos estão tão acostumados a adoraro altar de Darwin que não conseguemlevar em conta um ponto de vistaalternativo? Uma vez que os cientistasse acham, de fato, atraídos por ideiasdestrutivas, sempre em busca de umachance para subverter as teorias aceitas,parece improvável que refutem asargumentações do ID simplesmenteporque estas desafiam Darwin. Naverdade, os fundamentos dessa rejeiçãosão bem mais significativos.

Antes de tudo, o Design Inteligentenão funciona como um modo

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fundamental de se qualificar como teoriacientífica. Todas as teorias científicasrepresentam uma estrutura que dásentido a um conjunto de observaçõesexperimentais. Mas a utilidade principalde uma teoria não é olhar para trás, esim para a frente. Uma teoria científicaviável prevê outras descobertas e sugereabordagens para verificaçõesexperimentais adicionais. O IDapresenta uma falha imensa nessesentido. Logo, apesar de seu apelo amuitos que creem em Deus, a propostado ID a respeito da intervenção deforças sobrenaturais para justificarentidades biológicas complexas, comnumerosos componentes, é um beco semsaída científico. A não ser usando uma

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máquina do tempo, parece muitoimprovável a verificação da teoria doID.

A teoria essencial do ID, conformeesboçado por Johnson, também sofre,porque não fornece nenhum mecanismopelo qual as supostas intervençõessobrenaturais gerariam a complexidade.

Numa tentativa de falar sobre esseassunto, Behe sugeriu que organismosprimitivos podem ter passado por um"carregamento prévio", com todos osgenes que, enfim, seriam necessários aodesenvolvimento de máquinasmoleculares complexas, formadas pordiversos componentes, que eleconsidera inflexivelmente complexos.Behe declara que esses genes latentes

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foram, em seguida, despertados numperíodo determinado centenas demilhões de anos depois, quando sefizeram necessários. Deixando de lado ofato de que não podemos encontrarnenhum organismo primitivo quecontenha esse "esconderijo" deinformações genéticas para uso futuro,nossos conhecimentos sobre o índice degenes mutacionais ainda não utilizadostornam altamente improvável que talarmazém de informações sobreviva obastante para ter utilidade.

O que tem uma importância aindamaior para o futuro do ID é que agoraparece provável que muitos exemplos dacomplexidade irredutível não sejam naverdade irredutíveis e que a

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argumentação científica principal para oID se encontra, assim, em processo deesfacelamento. No breve período dequinze anos desde o surgimento do ID, aciência avançou de modo considerável,em especial no estudo detalhado dogenoma de diversos organismos,partindo de várias partes diferentes daárvore evolucionária. Rachadurasmaiores começam a aparecer, sugerindoque os defensores do ID cometeram oerro de confundir o desconhecido com odesconhecível, ou o insondado com oinsondável. Sobre esse tema, muitoslivros e artigos têm surgido1, e o leitorinteressado pode recorrer a essesaspectos mais explícitos (e maistécnicos) do debate. Eis, porém, três

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exemplos de estruturas que pareciam seencaixar na definição de Behe sobrecomplexidade irredutível e mostramclaramente sinais de que poderiam tersido montadas pela evolução, numesquema passo a passo.

Figura 9.1. Evolução de um complexo devárias proteínas por duplicação de genes. Na

mais simples das circunstâncias, o gene Apossibilita uma função essencial ao

organismo.

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A duplicação desse gene (umevento que ocorre com frequência àmedida que os genomas evoluem) cria,então, uma nova cópia. Como não éessencial à função (A ainda a estáefetuando), essa cópia fica livre paraevoluir sem restrições. Raramente umapequena mudança que surge de formaaleatória permite que ela assuma umanova função (A), que apresentavantagens ao organismo, resultandonuma seleção positiva. De acordo comum estudo detalhado de sequências deDNA, muitos complexos sistemas devários componentes, como o caso dacascata de coagulação do sangue

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humano, parecem ter surgido por meiodesse mecanismo.

1 Para detalhes adicionais dessesargumentos, ver: Dembski, W. A.,Ruse, M. (Orgs.). Debating Design:From Darwin to DNA. Cambridge:Cambridge Unviersity Press, 2004.

A cascata de coagulação dosangue humano aparenta, com sua dúziade proteínas ou mais, ser um sistemacomplexo que Behe considera digno deRube Goldberg, mas pode, na verdade,ser compreendido como o recrutamentogradual de mais e mais elementos dacascata. O sistema aparentementecomeçou com um mecanismo muitosimples, que funcionava de formasatisfatória para um sistema

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hemodinâmico com baixa pressão ebaixo fluxo, e que evoluiu durante umlongo espaço de tempo para um sistemacomplicado, necessário a seres humanose outros mamíferos com sistemacardiovascular de alta pressão, em quevazamentos precisam ser interrompidoscom rapidez.

Uma característica importantedessa hipótese evolucionária é ofenômeno bem estabelecido daduplicação genética (figura 9.1). Ao seexaminar as proteínas na cascata decoagulação do sangue, a maioria doscomponentes mostra-se correlacionadano nível da sequência de aminoácidos.Isso não é porque foram criadasproteínas totalmente novas por meio de

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informações genéticas aleatórias que,enfim, convergiram para o mesmo tema.Ao contrário, a semelhança de taisproteínas pode ser mostrada para refletirduplicações de genes antigos que entãopermitiram a nova cópia, libertados poruma necessidade de manter suas funçõesoriginais (uma vez que a cópia antigaainda fazia isso), a fim de evoluir,gradativamente, e assumir uma novafunção, guiados pela força da seleçãonatural.

É fato que não podemos esboçarcom exatidão a ordem das etapas quelevaram à cascata de coagulação dosangue humano. Talvez nunca possamos,pois os organismos predecessores queabrigaram muitas cascatas se perderam

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ao longo da história. De acordo com odarwinismo, devem ter existido etapasintermediárias possíveis, e muitas defato foram encontradas, mas o ID fazsilêncio sobre esse assunto. Suapremissa central, de que toda a cascatade coagulação teve de surgir totalmentefuncional, com base em uma história semsentido sobre os antecedentes do DNA,parte para um castelo de cartas quenenhum estudante de Biologia sérioaceitaria.2O olho é outro exemplo citadocom frequência pelos defensores doDesign Inteligente, como mostra de umnível de complexidade que a seleçãonatural por etapas jamais poderia teratingido. O próprio Darwin admitia adificuldade que seus leitores teriam para

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aceitar isso: Supor que o olho, com todos os

seus dispositivos inimitáveis paraajustar o foco a diferentes distâncias,acomodar-se a diferentes quantidadesde luz e corrigir as aberraçõesesféricas e de cor, poderia ter-seformado por seleção natural parece, econfesso sem receio, um absurdo até omais alto grau.3

Darwin, porém, sempre oimpressionante biólogo dascomparações, propôs, 150 anos atrás,uma série de etapas na evolução desseórgão complexo, que a modernaBiologia Molecular vem confirmandorapidamente.

Mesmo organismos muito simples

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têm sensibilidade à luz, o que os ajuda aevitar predadores e a procurar comida.Os vermes achatados apresentam umacavidade simples pigmentada, quecontém células sensíveis à luz, as quaisproporcionam um certo senso de direçãoà sua habilidade de perceber os fótonsque estão chegando. O molusco náutilo,cujo corpo é dividido emcompartimentos, exibe um avançomodesto, no qual essa cavidade setransformou em apenas um pontinho paraa entrada de luz. Isso aprimora, de modoconsiderável, a resolução daaparelhagem, sem exigir mais do queuma mudança sutil na geometria dotecido ao redor. De forma semelhante, oacréscimo de uma substância gelatinosa

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superpondo-se às primitivas célulasfotossensíveis em outros organismospermite algum tipo de foco da luz. Nãose trata de algo problemático, dadas ascentenas de milhões de anos, considerarcomo esse sistema pôde ter evoluído atéchegar aos olhos dos mamíferosmodernos, completos, com uma retinafotossensível e lentes para focalizar aluz.

2 Esse exemplo é explicadodetalhadamente em: Miller, K. R.Finding Dcrwins God New York:HarperCoIlins, 1999. p. 152-61

3 Darwin, C. R. The Origin of

Species. New York: Penguin, 1958. p.171.

Também é importante salientar que

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o design do olho não parece, em umaobservação mais próxima,completamente perfeito. Os cones ebastonetes que captam a luz são acamada mais baixa da retina, e a luzprecisa passar através dos nervos e dasveias sanguíneas para atingi-los.Imperfeições semelhantes na espinhahumana (que não é elaborada da maneiracorreta para a sustentação vertical), osdentes do siso e a curiosa insistência doapêndice, para muitos anatomistas,também parecem desafiar a existênciade um design realmente inteligente daforma humana.

Uma falha especialmenteprejudicial aos fundamentos da teoria doDesign Inteligente surgiu nas revelações

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recentes sobre um exemplo-chave do ID:o flagelo. O argumento é que suacomplexidade irredutível repousa nasuposição de que as subunidades doflagelo não poderiam ter tido uma outrafunção anterior útil e, portanto, o motornão poderia ter sido montadoagrupando-se tais componentes emetapas conduzidas pelas forças daseleção natural.

Pesquisas recentes rebatem osfundamentos dessaposição.4Especificamente, acomparação de sequências de proteínasde diversas bactérias demonstrou que osvários componentes do flagelo serelacionam a um aparelhagemcompletamente diferente, usada por

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determinada bactéria para injetar toxinasem outra bactéria que estiver atacando.

4 Miller, K. R. The FlagelumUnspun. In: Dembski, W. A., Ruse, M.(Orgs .) . Debating Design: FromDarwin to DNA. Cambridge:Cambridge University Press, 2004. p.81-97.

Essa arma de ataque bacteriana,que os microbiólogos chamam de"aparelhagem de secreção tipo III",proporciona a nítida vantagem da"sobrevivência do mais apto" para osorganismos que a apresentem. Conclui-se que os elementos dessa estruturaforam duplicados centenas de milhõesde anos atrás e, em seguida, convocadospara um novo uso; pela combinação

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dessa estrutura com outras proteínas queexecutavam funções mais simples, todoo motor foi, enfim, gerado. Admitimoscomo certo que a aparelhagem desecreção tipo III é apenas uma peça doquebra-cabeça chamado flagelo, e aindaestamos longe de completar a figura toda(se é que vamos fazer isso um dia).Contudo, cada nova peça fornece umaexplicação natural a uma etapa que o IDabandonou às forças sobrenaturais, edeixa seus defensores cada vez commenos território a defender. Behemenciona a famosa frase de Darwin paradar respaldo aos argumentos dacomplexidade irredutível: "Ademonstração de que qualquer órgãocomplexo existiu sem poder ter sido

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formado por inúmeras modificaçõessucessivas e sutis destruirácompletamente minha teoria".5No casodo flagelo e em praticamente todos osoutros casos em que se propôs acomplexidade irredutível, os critériosde Darwin ainda não foram atingidos, euma avaliação honesta dosconhecimentos atuais leva à mesmaconclusão que segue na próxima frase deDarwin: "Mas não encontro semelhantecaso".

Objeções teológicas ao IDCientificamente falando, o ID não

consegue apresentar uma sustentação,pois não fornece nem uma oportunidadepara validação experimental nem uma

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base forte para sua alegação primária dacomplexidade irredutível. Mais do queisso, porém, o ID também falha nosentido de que deveria ser mais umapreocupação ao que acredita em Deusdo que ao cientista determinado.

O ID é a teoria do "Deus daslacunas", ao introduzir uma suposição danecessidade de uma intervençãosobrenatural em fatos que seusdefensores alegam que a ciência nãopode explicar.

5 Darwin, op. cit., p. 175.

Tradicionalmente, várias culturastentaram atribuir a Deus diversosfenômenos naturais que a ciência estádespreparada para solucionar — sejaum eclipse solar, seja a beleza de uma

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flor.No entanto, essas teorias

apresentam uma história melancólica.Os avanços da ciência, em última

análise, preencheram essas lacunas, paraa decepção dos que anexaram a fé aelas. Ao final, uma religião do "Deusdas lacunas" corre o risco imenso dedesacreditar a fé de maneira muitosimples. Não devemos repetir os errosda era atual. O Design Inteligenteencaixa-se nessa tradição desanimadorae encara a mesma morte definitiva.

Além do mais, o ID retrata o Todo-Poderoso como um Criador atrapalhado,que precisa intervir de tempos emtempos para consertar as insuficiênciasdo próprio plano original, dele que

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gerou a complexidade da vida. Paraquem crê em Deus e fica admiradodiante de Sua inteligência e de Seu gêniocriativo quase inimagináveis, eis aí umaimagem bastante insatisfatória.

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O futuro do movimento ID

William Dembski, o matemáticocriador de modelos que lidera omovimento ID, merece crédito porenfatizar a importância de buscar averdade: "O Design Inteligente não devese tornar uma mentira nobre para visõesdesestimulantes que consideramosinaceitáveis (a história está cheia dementiras nobres que acabaram emruína). Em vez disso, o ID precisa nosconvencer de sua verdade em seusméritos científicos".6Dembski estátotalmente certo nessa declaração,embora ela pressagie a morte definitivado ID. Em outra obra, Dembskiescreve:

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6 Dembski, W. A. Becoming aDisciplined Science: Prospects,Pitfalls, and fteality Check for ID.[s.l.]: Research and Prgress inInt e l l i ge nt Design Conference,BWIaUniversity, La Mirada, Calif.,25 Oct. 2002.

Se pudéssemos mostrar que ossistemas biológicos, tãomaravilhosamente complexos eintegrados — como o flagelo dabactéria — formaram-se por meio deum processo gradual darwiniano (e,portanto, que sua complexidadeespecificada é uma ilusão), o DesignInteligente seria rejeitado tendo-se porbase que não se trazem causasinteligentes à baila, quando as causasnaturais não direcionadas se

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encarregam disso. Nesse caso, aNavalha de Occam acabaria com oDesign Inteligente de uma formabastante eficaz.7 Uma avaliação sóbriadas informações científicas atuais teriade concluir que esse fim já se encontrapróximo. As lacunas percebidas naevolução, e que o ID pretendepreencher com Deus, estão sendopreenchidas pelos avanços na ciência.Ao forçar esse ponto de vista limitado erestrito da função de Deus, o DesignInteligente coloca-se, ironicamente,numa trilha que trará danosconsideráveis à fé.

A sinceridade dos defensores doDesign Inteligente não pode serquestionada. A maneira como os que

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creem em Deus, em particular osevangélicos, acolhem o ID é totalmentecompreensível, levando-se em conta ofato de que a teoria de Darwin foiretratada por alguns evolucionistasconvictos como obrigatoriamenteateísta. Entretanto, esse navio não sedirige à terra prometida; dirige-se, emvez disso, ao fundo do oceano. Se osque creem em Deus juntarem os últimosvestígios de esperança de que Ele possaencontrar um local na existência humanapor meio da teoria do ID e essa teoriafor derrubada, o que acontecerá, então,com a fé?

Quer dizer que a busca pelaharmonia entre a fé e a ciência é inútil?Devemos aceitar a declaração de

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Dawkins de que "o universo queobservamos tem, exatamente, aspropriedades que esperaríamos queexistissem, na verdade, sem design, semfinalidade, sem mal e sem bem, nadaalém de uma indiferença cega eimpiedosa"? Que jamais seja assim!Afirmo tanto ao que crê em Deus quantoao cientista que existe uma soluçãonítida, obrigatória e satisfatóriaintelectualmente para essa busca pelaverdade.

7 Dembski, W. A. The DesignRevolution. Downers Grove:Intervarsity, 2004. p. 282.

8 Dawkings, R. River Out ofEden: A Darwinian View of life.London: Weidenfeld and Nicholson,

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1995.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 10

Alternativa 4: BioLogos(Ciência e fé em harmonia)

DURANTE MINHAFORMATURA no ensino médio, umministro presbiteriano fervoroso, pai deum dos formandos, desafiou osadolescentes reunidos e irrequietos a

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pensar como pretendiam responder àstrês grandes questões da vida:

(1) Qual será o trabalho da suavida? (2) Que função o amordesempenhará em sua vida? (3) O quevocê fará com relação à fé? A exatidãoperfeita de sua apresentação apanhou-nos de surpresa. Para ser sincero,minhas respostas eram: (1) Química; (2)tanto quanto possível; e (3) não entrareinessa.

Deixei a cerimônia me sentindolevemente desconfortável.

Doze anos depois, achava-meprofundamente empenhado em responderàs perguntas 1 e 3. Após um longo etortuoso caminho pela Química, Física eMedicina, estava, enfim, entrando em

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contato com o estimulante campo dosesforços humanos pelo qual ansieiencontrar — um que combinasse meuamor pela ciência e pela Matemática aodesejo de ajudar as pessoas —, adisciplina da genética médica. Aomesmo tempo, chegava à conclusão deque Deus era muito mais atraente do queo ateísmo que eu tinha antes adotado, e,pela primeira vez em minha vida,percebia algumas das verdades eternasda Bíblia.

Achava-me vagamente conscientede que algumas pessoas à minha voltapensavam que essas buscas paralelaseram contraditórias e eu estava rumo aum precipício. No entanto, achavadifícil imaginar que pudesse existir um

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conflito real entre as verdades científicae espiritual. Verdade é verdade. Nãopode desacreditar a si mesma. Entreipara a American Scientific Affiliation[Associação Científica Norte-americana], um grupo de milhares decientistas que acreditam seriamente emDeus e descobriram em suas reuniões eem sua publicação muitas propostasinteligentes de uma trilha em direção àharmonia entre a ciência e a fé. Naqueleponto, bastava para mim — ver queoutros que acreditam em Deus comsinceridade estavam completamente àvontade para fundir sua fé aos rigores daciência.

Confesso que durante muitos anosnão prestei muita atenção ao potencial

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para conflitos entre a ciência e a fé —não parecia tão importante assim. Nãohavia muito que descobrir, na pesquisacientífica, sobre a genética humana, ehavia bastante a descobrir sobre anatureza de Deus lendo e discutindo a fécom outros que acreditavam nele.

A necessidade de encontrar aharmonia das minhas visões de mundoveio, definitivamente, com o estudo dosgenomas — o nosso e o de diversosoutros organismos do planeta —, ecomeçou a decolar, oferecendo-me umponto de vista incrivelmente rico edetalhado de como ocorreu a evoluçãopor modificações a partir de umancestral comum. Aquilo, para mim, emvez de algo não resolvido, era uma

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evidência distinta do parentesco entretodos os seres vivos, um momento deadmiração.

Percebi que se tratava de um planoem detalhes do mesmo Todo-Poderosoque trouxe o universo à existência eestabeleceu seus parâmetros físicos deforma muito precisa, a fim de permitir acriação de estrelas, planetas, elementospesados e a própria vida. Sem saber seunome na ocasião, firmei-meconfortavelmente numa síntese que emgeral é denominada "evolução teísta",uma posição que acho muitíssimosatisfatória até hoje.

O que é evolução teísta?Montanhas de materiais, na

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verdade prateleiras completas debibliotecas, são dedicadas ao assunto daevolução darwiniana, do criacionismo edo Design Inteligente. Contudo, poucoscientistas ou pessoas que creem emDeus conhecem o termo "evoluçãoteísta", às vezes abreviado como "TE"(Theistic Evolution, em in-glês). Peloatual critério-padrão de pesquisa doGoogle, existe uma única menção deevolução teísta para cada dez que sereferem ao criacionismo e para cada140 sobre Design Inteligente.

Apesar disso, a evolução teísta é aposição dominante entre biólogossérios, que acreditam em Deus com amesma seriedade. Isso inclui Asa Gray,o maior defensor de Darwin nos Estados

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Unidos, e Theodosius Dobzhansky, queno século XX arquitetou o pensamentoevolucionário. É a visão adotada pormuitos que seguem o hinduísmo, oislamismo, o sionismo e o cristianismo,até mesmo o papa João Paulo II. Emboraseja arriscado fazer suposições acercade figuras históricas, creio que essatambém era a visão que Maimonides (orenomado filósofo judeu do século XII)e Santo Agostinho iriam escolher hoje,caso lhes fossem apresentadas asevidências científicas da evolução.

Embora existam muitas variáveissutis da evolução teísta, uma versãotípica obedece às premissas a seguir:

1. O universo surgiu do nada, háaproximadamente 14 bilhões de anos.

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2. Apesar das improbabilidadesincomensuráveis, as propriedades douniverso parecem ter sido ajustadas paraa criação da vida.

3. Embora o mecanismo exato daorigem da vida na Terra permaneçadesconhecido, uma vez que a vidasurgiu, o processo de evolução e deseleção natural permitiu odesenvolvimento da diversidadebiológica e da complexidade duranteespaços de tempo muito vastos.

4. Tão logo a evolução seguiu seurumo, não foi necessária nenhumaintervenção sobrenatural.

5. Os humanos fazem parte desseprocesso, partilhando um ancestralcomum com os grandes símios.

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6. Entretanto, os humanos sãoexclusivos em características quedesafiam a explicação evolucionária eindicam nossa natureza espiritual. Issoinclui a existência da Lei Moral (oconhecimento do certo e do errado) e abusca por Deus, que caracterizam todasas culturas humanas.

Se alguém aceita esses seisprincípios, percebe que surge umasíntese completamente aceitável, quesatisfaz intelectualmente e temconsistência lógica: Deus, que não selimita ao tempo e ao espaço, criou ouniverso e estabeleceu leis naturais queo regem. Para povoar este universoantes estéril com criaturas vivas, Deusescolheu o mecanismo distinto da

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evolução para criar micróbios, plantas eanimais de todos os tipos. O maisextraordinário é que ele escolheu,propositadamente, o mesmo mecanismopara originar criaturas especiais queteriam inteligência, conhecimento decerto e errado, livre-arbítrio e desejo deafinidade com Ele. Deus também sabiaque esses seres, ao fim, optariam pordesobedecer à Lei Moral.

Esse ponto de vista é totalmentecompatível com tudo o que a ciência nosensinou sobre o mundo natural. Étambém totalmente compatível com asgrandes religiões monoteístas do mundo.A perspectiva da evolução teísta nãopode, é claro, provar que Deus existe,assim como nenhum argumento lógico

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pode fazê-lo completamente. A crençaem Deus sempre exigirá um salto de fé.Contudo, essa síntese proporcionou, alegiões de cientistas que acreditam emDeus, uma perspectiva satisfatória,consistente e enriquecedora, que permiteuma coexistência pacífica das visões demundo científica e espiritual em nós.

Essa perspectiva permite aocientista que acredita em Deus realizar-se intelectualmente e sentir-seespiritualmente vivo, tanto ao idolatrar oCriador quanto ao utilizar osinstrumentos da ciência para descobriralguns dos admiráveis mistérios de Suacriação.

Críticas à evolução teísta

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Naturalmente, muitas objeções àevolução teísta foram levantadas.1Se éuma síntese tão satisfatória, por que nãoé mais amplamente adotada? Um dosmotivos é: ela não é largamenteconhecida. Poucos defensores públicosdestacados, se há algum, falaram compaixão sobre a evolução teísta e a formacomo ela resolveria as batalhas atuais.Embora muitos cientistas acreditem nasqualidades da TE, em geral hesitam emfalar a respeito, por temor de umareação negativa de seus colegas ou,talvez, por medo de críticas dacomunidade teológica.

1 Ver, por exemplo: NEWMAN,R. C. Some Problems for TheisticEvolution. Perspectives on Science

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and Christian Faith, v. 55, 2003, p. I17-28.

Do lado religioso da divisão,poucos teólogos de destaque conhecem,hoje em dia, detalhes suficientes daciência biológica para respaldar essaperspectiva com convicção, diante dasenormes objeções dos defensores docriacionismo ou do Design Inteligente.Contudo, podemos notar importantesexceções. O papa João Paulo II, em suamensagem à Pontifícia Academia deCiência, em 1996, forneceu uma defesaespecialmente inteligente e corajosa àevolução teísta. O papa afirmou que"novas descobertas nos guiam aoreconhecimento da evolução como maisdo que uma hipótese". Assim, ele

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aceitava a realidade biológica daevolução, mas teve cuidado aoequilibrá-la à perspectiva espiritual,repetindo a posição de seu predecessor,Pio XII: "Se a origem do corpo humanovem de matéria viva que existiuanteriormente, a alma espiritual é criadadiretamente por Deus".2Essa iluminadavisão papal foi recebida animadamentepor muitos cientistas que acreditam emDeus. Foram levantadas questões,entretanto, pelos comentários do cardealcatólico Schönborn de Viena, poucosmeses depois da morte de João Paulo II,sugerindo que aquilo era uma "carta de1996, um tanto imprecisa e irrelevantesobre a evolução", e que deveriam serdadas considerações mais importantes à

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perspectiva do Design Inteligente3

(sinais mais recentes do Vaticanoparecem retornar à perspectiva de JoãoPaulo II).

Talvez um motivo mais corriqueiropelo qual a evolução teísta é tão poucoapreciada seja seu nome terrível. Amaioria dos não teólogos não sabe aocerto o que é um teísta, muito menoscomo esse termo poderia ser convertidoem adjetivo e utilizado para modificar ateoria de Darwin. Relegar a crença dealguém em Deus à posição de adjetivosugere uma prioridade secundária,jogando a ênfase principal no nome, ouseja, "evolução". Mas a alternativa de"teísmo evolucionário" também não soamuito bem.

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2 PAPA JOÃO PAULO II.Mensagem à Pontifícia Academia deCiência: sobre Evolução, 22 out.1996.

3 SCHÖNBORN, Christoph.Finding Design in Nature. New YorkTimes, 7 July 2005.

Infelizmente, muitos dossubstantivos e adjetivos que poderiamdescrever a rica natureza dessa síntesejá estão sobrecarregados com tantabagagem que é como se estivessemimpedidos de continuar. Será quedeveríamos cunhar o termo"criavolução"? Provavelmente não. Eque ninguém se atreva a usar as palavras"criação", "inteligente", "fundamental"ou "planejador" para causar medo ou

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confusão. Precisamos começar de novo.Minha modesta proposta é rebatizar

a evolução teísta como "Bios peloLogos", ou simplesmente BioLogos. Osacadêmicos reconhecerão bios como"vida" em grego (prefixo de Biologia,Bioquímica e assim por diante) e logoscomo "palavra" em grego.

Para muitos que acreditam emDeus, "Verbo", sinônimo de "palavra",também é sinônimo de "Deus", comoexpresso de maneira impressionante epoética nas primeiras e majestosaslinhas do evangelho de João: "Noprincípio era o Verbo, e o Verbo eraDeus" (João 1:1). BioLogos expressa acrença de que Deus é a fonte de toda avida, e a vida expressa a vontade de

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Deus.Ironicamente, outro motivo

importante para a invisibilidade daposição do BioLogos é justamente aharmonia que esta cria entre facçõesbeligerantes. Como sociedade, nãoparecemos atraídos pela harmonia, maspelo conflito. Em parte, a culpa é dosmeios de comunicação; entretanto, elesapenas atendem aos desejos do público.Por meio dos telejornais, vocêprovavelmente fica sabendo de colisõesenvolvendo inúmeros carros, furacõesdestrutivos, crimes violentos, divórciosconturbados de celebridades e, sim,debates ásperos entre professores sobreensinar a teoria da evolução.Provavelmente você não ouvirá nada a

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respeito de reuniões de grupos davizinhança de credos diferentes paratentar resolver os problemas dacomunidade, nem sobre a transformaçãode Anthony Flew, que por toda a vidafoi ateu e passou a acreditar em Deus, ecom certeza nada sobre a evolução teístaou sobre o arco-íris duplo avistado estatarde sobre a cidade. Adoramos conflitoe discórdia, e, quanto mais cruel,melhor. No meio acadêmico, música earte produzidas com seriedade por seusmembros parecem festejar suadificuldade de ser ouvidas e apreciadas.A harmonia é chata.

No entanto, objeções mais sériassão levantadas contra o BioLogos poraqueles que consideram essa

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perspectiva violenta à ciência, à fé ou aambas. Para o cientista ateu, o BioLogosparece mais uma teoria do "Deus daslacunas", impondo a presença do divinoonde não é necessária nem desejada.Contudo, esse argumento não vale. OBioLogos não tenta colocar Deus à forçanas lacunas de nossa compreensão domundo natural; ele sugere Deus comoresposta às questões das quais a ciênciajamais tentou falar a respeito, como, porexemplo: "Como o universo apareceuaqui?"; "Qual o sentido da vida?"; "Oque nos acontece após a morte?". Aocontrário do Design Inteligente, oBioLogos não se pretende uma teoriacientífica. Sua verdade só pode sertestada pela lógica espiritual do

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coração, da mente e da alma.As objeções atuais mais relevantes

ao BioLogos surgem, porém, dos queacreditam em Deus e simplesmente nãoaceitam a ideia de que Ele executou acriação por meio de um processoaparentemente tão aleatório,potencialmente insensível e ineficientecomo a evolução darwiniana. Afinal,alegam, os evolucionistas afirmam que oprocesso está repleto de acasos eresultados aleatórios. Se você voltar orelógio várias centenas de milhões deanos e, em seguida, permitir que aevolução siga seu rumo outra vez, talveztermine com um resultado muitodiferente. Se a colisão de um imensoasteroide contra a Terra, 65 milhões de

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anos atrás, hoje bem documentada, nãotivesse ocorrido, é bem provável que ainteligência superior não tivesse surgidona forma de um mamífero carnívoro(Homo sapiens), mas na de um réptil.

Qual a coerência entre isso e oconceito teológico de que os humanossão criados "à imagem e semelhança deDeus" (Gênesis 1:27)? Bem, talvezninguém deva se ater tanto à noção deque esse versículo se refere à anatomiafísica — a imagem de Deus se parecemuito mais com uma mente do que umcorpo. Será que Deus tem unhas nospés? Um umbigo?

Mas como Deus poderia se arriscara tal ponto? Se a evolução fosse casual,como Ele poderia de fato estar no

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comando e como Ele poderia ter certezade que os resultados incluiriam seresinteligentes?

A solução encontra-se pronta edisponível, assim que paramos deaplicar as limitações humanas em Deus.Se Deus se encontra fora da natureza,acha-se fora do tempo e do espaço.

Nesse contexto, no momento dacriação do universo, Ele sabia todos osdetalhes sobre o futuro, incluindo aformação de estrelas, planetas egaláxias, toda a química, física, geologiae biologia que levou à formação de vidana Terra e à evolução dos humanos, atéo exato momento em que você lê estelivro — e além. Nesse contexto, aevolução poderia nos parecer guiada

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pelo acaso. Contudo, do ponto de vistade Deus, o resultado já estariatotalmente especificado. Assim, Elepoderia achar-se completa eintimamente envolvido na criação detodas as espécies, embora, de nossaperspectiva, limitada pela tirania dotempo linear, isso parecesse umprocesso casual e sem direção.

Assim, talvez isso suprima asobjeções sobre o papel do acaso nosurgimento dos humanos nesta Terra. Oque permanece como empecilho para aposição do BioLogos, entretanto, para amaioria dos que acreditam em Deus, é oconflito aparente dos princípios daevolução com importantes textos sacros.

Examinando os capítulos 1 e 2 do

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livro de Gênesis, concluímos que muitasinterpretações foram, de forma honrosa,apresentadas por quem acredita em Deusde maneira sincera, e que essedocumento impressionante pode serentendido como poesia e alegoria, emvez de como uma descrição literal dasorigens.

Sem repetir esses pontos, leve emconta as palavras de TheodosiusDobzhansky (1900-1975), um destacadocientista que aceitou a fé russa ortodoxae a evolução teísta:

A criação não é um evento queocorreu em 4004 a.C; é um processoque começou por volta de 10 bilhões deanos atrás e ainda continua. [...] Seráque a doutrina evolucionária entra em

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atrito com a fé religiosa? Não. É umerro crasso confundir as SagradasEscrituras com cadernos elementaresde Astronomia, Geologia, Biologia eAntropologia. Somente quando sãocriados os símbolos para significar oque não pretendem é que podem nascerconflitos imaginários e insolúveis.4

E quanto a Adão e Eva?Ótimo, então os seis dias da

criação podem harmonizar-se com o quea ciência nos diz sobre o mundo natural.Mas, e quanto ao Jardim do Éden? Seriao relato da criação de Adão do pó daterra e a posterior criação de Eva deuma de suas costelas, feito de modo tãoimpressionante em Gênesis 2, uma

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alegoria da entrada da alma humana emum reino animal antes desprovido dela,ou essas descrições se pretendem comohistória literal?

Como mostramos anteriormente, osestudos da variação humana, somadosao registro fóssil, apontam uma origemde cerca de 100 mil anos atrás para osseres humanos modernos, com maiorprobabilidade na África Oriental.Análises genéticas sugerem que porvolta de 10 mil ancestrais originaramtoda a população de 6 bilhões dehumanos no planeta. Como, então,mesclar essas observações científicas àhistória de Adão e Eva?

4 DOBZHANSKY, T. Nothing inBiology Makes Sense Except in the

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Light of Evolution. AmericanBiology Teacher, v. 35, 1973, p. 125-9.

Em primeiro lugar, os própriostextos bíblicos parecem sugerir quehavia outros humanos presentes naépoca em que Adão e Eva foramexpulsos do Jardim do Éden. Casocontrário, de onde veio a esposa deCaim, mencionada somente depois queele deixou o Éden para viver na terra deNod (Gênesis 4:16-17)? Alguns queinterpretam a Bíblia no sentido literalinsistem que as esposas de Caim e Setdevem ter sido irmãs deles, mas isso cainum conflito sério tanto em relação àsposteriores proibições contra o incestoquanto à incompatibilidade de uma

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leitura ao pé da letra do texto. Overdadeiro dilema para os que creem emDeus reside num ponto complicado: seGênesis2 descreve um ato especial decriação milagrosa aplicado a um casalhistórico, tornando-o diferente, emtermos biológicos, de todas as criaturasque já caminharam sobre a terra, ou se éuma alegoria poética e impressionantedo plano de Deus para a entrada danatureza espiritual (a alma) e da LeiMoral na humanidade.

Já que um Deus sobrenatural podeexecutar atos sobrenaturais, as duasopiniões são sustentáveis do ponto devista intelectual.

Contudo, mentes melhores do que aminha não foram capazes de chegar a um

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entendimento exato dessa históriadurante mais de três milênios, e, assim,deveríamos ser cautelosos ao afirmarpublicamente qualquer posição comopiniões firmes. Muitos que creem emDeus acham a história de Adão e Evaobrigatoriamente literal, mas ninguémmenos que C. S. Lewis, intelectual eacadêmico especializado em mitos eHistória, viu na narrativa de Adão e Evaalgo que lembra mais uma lição demoral do que um livro científico ou umabiografia. Eis a versão de Lewis sobreos eventos em questão:

Durante longos séculos, Deusaperfeiçoou a forma animal que estavapara se tornar o veículo dahumanidade e a imagem dele. Deu ao

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ser mãos cujos polegares poderiam seopor a todos os dedos, e maxilares,dentes e garganta capazes de articular,e um cérebro complexo o suficientepara efetuar todos os movimentosmateriais pelos quais o pensamentoracional é personificado. A criaturapode ter existido nesse estado duranteeras, antes de se tornar homem: podeaté ter tido inteligência suficiente parafazer coisas que um arqueólogomoderno aceitaria como prova de suahumanidade. No entanto, era só umanimal, porque todos esses processosfísicos e psicológicos foramdirecionados com finalidadespuramente materiais e naturais. Então,na plenitude do tempo, Deus transmitiu

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a esse organismo, tanto na partepsicológica quanto na fisiológica, umnovo tipo de consciência, que podiadizer "eu", que podia verse como umobjeto, que conhecia Deus, que podiaopinar sobre a verdade, a beleza e abondade, e que se encontrava tãoacima do tempo que podia percebê-lofluindo. [...] Não sabemos quantasdessas criaturas Deus produziu, nempor quanto tempo permaneceram noestado paradisíaco. No entanto, cedoou tarde tiveram seu momento dequeda. Algo ou alguém lhes cochichouque poderiam ser como deuses. [...]Quiseram algum canto no universo noqual pudessem dizer a Deus: "Isso é danossa conta, não da Sua". Mas esse

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canto não existe. Quiseram sersubstantivos. Eram, porém, e devem serpara sempre, meros adjetivos. Nãotemos a menor ideia de qual ato ousérie de atos em particular gerou odesejo impossível, que se contradizia, eque encontrou sua forma de expressão.Pois tudo o que vejo pode ter tidorelação com literalmente comer o frutoproibido, mas essa questão não temimportância.5

5 LEWIS, C. S. The ProblemofPain. New York: Simon & Schuster,1996. p. 68-71.

Cristãos conservadores quetambém admiram muito C. S. Lewispodem ter tido problemas com essapassagem. Será que um compromisso

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com Gênesis 1 e 2 joga aquele que crêem Deus em uma situação de rápidoprogresso que resultará na negação dasverdades fundamentais de Deus e seusatos milagrosos? Embora haja um perigonítido nas formas irrestritas de teologia"liberal" que arrancam as vísceras dasverdades da fé, observadores madurosestão acostumados a viver em situaçõesde rápido progresso e a decidir ondecolocar um ponto de parada sensato.Muitos textos sagrados, de fato, têmmarcas nítidas de uma história comtestemunhas oculares e, como pessoasque creem em Deus, devemos nosmanter firmes a essas verdades.

Outras, como as histórias de Jó eJonas, e a de Adão e Eva, sinceramente,

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não possuem a mesma marca histórica.Dada essa incerteza sobre a

interpretação de determinadas passagensdas Escrituras, pergunto: seria sensatopara os que acreditam em Deus comsinceridade repousar a totalidade desuas posições no debate evolucionário,seus pontos de vista sobre o crédito daciência e os próprios alicerces de sua féreligiosa numa interpretação literal,mesmo se outros que creem em Deus,igualmente sinceros, discordam e vêmdiscordando muito antes de Darwin esua A Origem das Espécies teremsurgido? Não acredito que o Deus quecriou todo o universo e que tem umacomunhão com Seu povo por meio deorações e inspirações espirituais espere

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que neguemos as verdades óbvias domundo natural, reveladas a nós pelaciência, a fim de provar nosso amor porEle.

Nesse contexto, acho que aevolução teísta, ou o BioLogos, seja,das alternativas consideradas, a maisconsistente, em termos científicos, e amais satisfatória, do ponto de vistaespiritual. Essa posição não sairá damoda nem será reprovada pelas futurasdescobertas científicas. É rigorosaintelectualmente, fornece respostas aperguntas que de outro modo seriamenigmáticas e permite que a ciência e afé fortaleçam uma à outra como doispilares inabaláveis que sustentam umedifício chamado Verdade.

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Ciência e fé: a conclusão

realmente importaNo século XXI, em uma sociedade

cuja tecnologia vem crescendo, umabatalha está se alastrando pelo coraçãoe pela mente da humanidade. Muitosmaterialistas, ao perceber, triunfantes,que os avanços da ciência preenchem aslacunas de nossa compreensão sobre anatureza, indicam que a crença em Deusé uma superstição ultrapassada, e queseria melhor admitir isso e seguiradiante. Muitos dos que creem em Deus,convencidos de que a verdade quededuzem da introspecção espiritual é umvalor mais duradouro do que asverdades que vêm de outras fontes,

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encaram os progressos da ciência e datecnologia como perigosos e não-confiáveis. As posições estão seacirrando. As vozes, tornando-se maisestridentes.

Daremos as costas à ciência porqueela é percebida como ameaça a Deus,abandonando toda a promessa de avançoem nossa compreensão da natureza e aprática desses conhecimentos paraalívio do sofrimento e para o bem dahumanidade? Ou daremos as costas à fé,concluindo que a ciência tornoudesnecessária a fé espiritual, e queagora podemos substituir os tradicionaissímbolos religiosos por esculturas dahélice dupla em nossos altares?

As duas escolhas são

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profundamente perigosas. Ambas negama verdade. Ambas reduzem a nobreza dahumanidade. E ambas sãodesnecessárias. O Deus da Bíblia étambém o Deus do genoma. Pode seradorado na catedral ou no laboratório.Sua criação é majestosa, esplêndida,complexa e bela — e não pode guerrearconsigo mesma. Só nós, humanosimperfeitos, podemos iniciar batalhasassim. E só nós podemos acabar comelas.

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A Linguagem de Deus

CAPÍTULO 11

Os que buscam a verdade

A MISERÁVEL ALDEIA DE EKUsitua-se no delta do rio Niger, próximo àcurva do ângulo que forma a costalitorânea ocidental da África. Foi lá queaprendi uma lição impressionante einesperada.

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Tinha viajado para a Nigéria nosegundo semestre de 1989, a fim detrabalhar como voluntário em umpequeno hospital de missões parapermitir que os médicos missionáriosparticipassem da conferência anual erecarregassem suas baterias espiritual efísica. Minha filha, que estava nauniversidade, e eu concordamos em nosunir nessa aventura, já que por muitotempo nutrimos uma curiosidade sobre avida na África e alimentamos um desejode contribuir com algo para o mundo emdesenvolvimento. Tinha consciência deque minhas aptidões médicas,dependentes do mundo high-tech de umhospital dos Estados Unidos, talvezficassem aquém do esperado diante dos

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desafios de doenças tropicais que eudesconhecia e do pouco respaldotécnico. Apesar disso, cheguei à Nigériaesperando que minha presença alifizesse uma diferença e tanto na vida dosmuitos que eu esperava cuidar.

O hospital de Eku era diferente detudo o que eu experimentara. Nuncahavia número suficiente de leitos, e ospacientes com frequência tinham dedormir no chão. Em geral, suas famíliasviajavam com eles e assumiam aresponsabilidade de alimentá-los, já queo hospital não podia fornecer nutriçãoadequada. Um amplo espectro dedoenças graves estava ali representado.Era frequente os pacientes chegarem aohospital apenas depois de muitos dias

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nos quais a doença ia evoluindo.Pior, o desenvolvimento da doença

era agravado regularmente pelosremédios tóxicos dos feiticeiros, aosquais muitos nigerianos pediam ajuda,indo ao hospital em Eku somente depoisque tudo o mais não surtira efeito. Paramim, a coisa mais difícil de aceitar, eque ficou bastante óbvia, era que amaioria das doenças que eu tratavarepresentava uma falência destruidorano sistema público de saúde.Tuberculose, malária, tétano e umaenorme variação de doenças causadaspor parasitas, todas evidenciam umambiente sem a menor organização e umsistema de saúde completamentequebrado.

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Via-me arrebatado pelaenormidade desses problemas, esgotadopelo fluxo constante de pacientes comdoenças que eu não podia diagnosticarde maneira correta por falta deequipamentos, frustrado pela falta deapoio de um laboratório e de um raio X.Ia ficando cada vez mais desmotivado,imaginando por que eu tinha achado queaquela viagem traria algo de bom.

Então, certa tarde, um jovemagricultor foi levado à clínica pelafamília com uma fraqueza crescente eum imenso inchaço nas pernas. Medi suapulsação e fiquei assustado ao notar queela basicamente sumia sempre que orapaz inspirava. Embora nunca tivessevisto esse sinal físico clássico (chamado

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de "pulso paradoxal") mostrado deforma tão dramática, tive certeza do queaquilo significava: aquele jovemagricultor tinha acumulado uma enormequantidade de fluido no sacopericárdico ao redor de seu coração.Aquele fluido ameaçava paralisar suacirculação e tirar-lhe a vida.

Naquela situação, a causa maisprovável era tuberculose.

Tínhamos medicamentos em Ekupara tratar dessa doença, mas não erapossível agir com rapidez suficientepara salvar o rapaz. Ele tinha no máximoalguns dias de vida, a menos que sefizesse algo drástico. A única chance desalvá-lo seria efetuar um procedimentode alto risco: retirar o fluido

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pericárdico com uma agulha introduzidaem seu peito. Num país desenvolvido,esse tipo de procedimento seria feitoapenas por um especialista emintervenção coronária muitíssimo bemtreinado, guiado por um aparelho deultrassom, para evitar lacerações nocoração, que provocariam morteimediata.

Não havia ultrassom disponível.Nenhum outro médico presente naquelepequeno hospital nigeriano tinhaefetuado um procedimento assim. Aopção era eu tentar uma aspiração com aagulha, altamente arriscada e invasiva,ou ver o rapaz morrer.

Expliquei a situação ao rapaz, queentão tinha plena consciência da

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precariedade de seu estado.Demonstrando tranquilidade, elesolicitou-me que prosseguisse. Com ocoração na boca e uma oração noslábios, introduzi uma agulha enormepouco abaixo do osso esterno dele emirei no ombro esquerdo, o tempo todoapavorado pela ideia de que pudesse terfeito o diagnóstico errado, o que iriadecerto matá-lo.

Não precisei esperar muito. Umfluido vermelho-escuro precipitando-sena seringa no princípio me aterrorizou;eu poderia ter acertado uma cavidade docoração, mas logo ficou claro que aquilonão era sangue cardíaco normal. Erauma enorme quantidade de sanguetuberculoso, vertendo do saco

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pericárdico ao redor do coração.Retirei quase um quarto de fluido.

A reação do jovem foi espantosa. Opulso paradoxal desapareceu quase deuma só vez e, no espaço das 24 horasseguintes, o inchaço nas pernas diminuiudepressa.

Durante algumas horas após essaexperiência, senti um grande alívio, atémesmo orgulho, com o que ocorrera. Namanhã seguinte, entretanto, o mesmoabatimento conhecido começou a seinstalar em mim. Afinal de contas, ascircunstâncias que levaram aquele rapaza adquirir tuberculose não mudariam.Ele começaria a receber medicamentospara tuberculose no hospital, mas haviagrandes possibilidades de que não

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tivesse recursos para custear os doisanos completos de tratamentonecessário, e ele poderia muito bem teruma recaída e morrer, apesar de nossosesforços.

Mesmo se sobrevivesse à doença,outra enfermidade evitável, oriunda deáguas sujas, alimentação inadequada eambiente perigoso, talvez nãodemorasse a aparecer em seu futuro. Aexpectativa de vida de um agricultor daNigéria é baixa.

Com esses pensamentosdesanimadores na cabeça, aproximei-medo leito do rapaz na manhã seguinte e oencontrei lendo a Bíblia. Ele me olhoude modo curioso e me perguntou se faziamuito tempo que eu trabalhava no

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hospital. Reconheci que era novo ali eme senti um tanto irritado e constrangidopor ter sido tão fácil para ele perceberaquilo. Então, aquele jovem agricultornigeriano, de cultura, experiência elinhagem tão diferentes da minha, disse-me palavras que, para sempre, ficaramiluminadas em minha mente:

— Sinto que você está seperguntando por que veio aqui — disse.— Tenho uma resposta para você. Vocêveio aqui por um motivo. Veio aqui porminha causa.

Fiquei estarrecido. Estarrecidocom o fato de que ele pudesse enxergaraquilo de modo tão nítido em meucoração, mas ainda mais estarrecidocom as palavras que ele dizia. Eu

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mergulhei uma agulha perto de seucoração. Ele empalou diretamente omeu. Ao usar poucas e simples palavras,ele fez com que meus sonhos grandiososde ser o grande médico branco, salvadorde milhões de vidas africanas, virassemvergonha. Ele estava certo. Cada um denós é chamado para alcançar o outro.Em raras ocasiões isso pode ocorrer emgrande escala. Na maior parte do tempo,porém, acontece nos simples atos debondade de uma pessoa para outra. Sãoesses os eventos que realmenteimportam. As lágrimas de alívio queturvaram minha visão conforme euassimilava as palavras do rapaznasceram de uma confiança renovadaindescritível — renovada porque, ali,

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naquele lugar estranho, por apenas uminstante, fiquei em harmonia com avontade de Deus, ligado àquele jovemde uma forma improvável, emboramaravilhosa.

Nada que aprendi com a ciênciapoderia explicar aquilo por que passei.Nenhuma explicação evolucionária paraos comportamentos humanos poderiajustificar o motivo pelo qual parecia tãocerto, para aquele homem branco eprivilegiado, ficar diante do leitodaquele jovem agricultor africano, cadaum deles recebendo algo excepcional.Era o que C. S. Lewis chama de ágape.Era o amor que não espera recompensas.Uma afronta ao materialismo e aonaturalismo. Era a mais doce alegria que

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qualquer pessoa poderia experimentar.Quando sonhava em visitar a

África, senti as primeiras emoçõessuaves de um desejo de fazer algorealmente altruísta pelas pessoas —aquele chamado para servir sem esperarbenefícios pessoais, comum a todas asculturas humanas. No entanto, tinhadeixado outros sonhos, menos nobres,intrometerem-se — a esperança de seradmirado pelos aldeões de Eku, aespera do aplauso de meus colegasmédicos ao chegar em casa.Logicamente esses planos monumentaisnão se concretizaram para mim narealidade arenosa da miserável Eku.Contudo, um simples ato de ajudarapenas uma pessoa, numa situação de

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desespero na qual minhas aptidões seachavam aquém do desafio, passou arepresentar a mais significativa de todasas experiências humanas. Tirei um pesodas costas. Aquele era o meu norte. E abússola não apontava para oautorregozijo, ou para o materialismo,ou mesmo para a ciência médica — emvez disso, apontava para a bondade quetodos esperamos desesperadamenteencontrar em nós mesmos e em outros.Também enxerguei, com mais clarezaque antes, o autor de tais beleza everdade, o meu norte real, Deus, Elemesmo, revelando Sua natureza sacra naforma que gravou esse desejo de buscara bondade em nosso coração.

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O sentido pessoal da evidênciaAqui, no capítulo final,

completamos o círculo, retornando àexistência da Lei Moral, onde nossahistória começou. Viajamos ao longodas ciências da Química, da Física, daCosmologia, da Geologia, daPaleontologia e da Biologia — e,contudo, esse atributo exclusivamentehumano ainda causa admiração. Após 28anos de fé, a Lei Moral ainda se destacapara mim como a mais forte indicaçãode Deus. Mais que isso, ela indica umDeus que se preocupa com os sereshumanos, um Deus infinitamente bom esanto.

As demais observações, jádiscutidas, que remetem a um Criador

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— o fato de que o universo teve uminício, e obedece, de forma organizada,a leis que podem ser expressas comprecisão pela Matemática, e a existênciade uma série extraordinária de"coincidências" que permitem as leis danatureza dar suporte à vida —, emboranão nos revelem muito sobre o tipo deDeus que deve estar por trás disso tudo,apontam na direção de uma menteinteligente que pode ter criado essesprincípios exatos e superiores. Mas quetipo de mente? Em que, exatamente,deveríamos acreditar?

Que tipo de religião?No capítulo de apresentação deste

livro, narrei minha trilha pessoal, do

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ateísmo à crença. Devo agora a vocêuma explicação mais profunda sobremeu caminho posterior. Ofereço-lhe issocom certo temor, já que paixões fortestendem a ser estimuladas tão logoalguém comece a distinguir um sentidogeral da existência de Deus e umconjunto específico de crenças.

A maior parte das grandes religiõescompartilha muitas verdades eprovavelmente não teria sobrevivido senão fosse assim. No entanto, existemtambém diferenças interessantes esignificativas, e cada indivíduo precisabuscar o próprio caminho rumo àverdade.

Depois que passei a acreditar emDeus, empreguei um tempo considerável

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tentando apreciar as característicasDele. Concluí que Ele deve ser um Deusque se preocupa com as pessoas, ou aargumentação sobre a Lei Moral nãoteria o menor sentido. Então, o deísmonão serviria para mim. Também concluíque Deus deve ser santo e justo, já que aLei Moral me chama nessa direção.Contudo, isso me parecia ter umaabstração terrível. O fato de Deus serbom e amar suas criaturas não significa,por exemplo, que tenhamos a habilidadede nos comunicar com Ele, ou quetenhamos um tipo de relacionamentocom Ele. Descobri, porém, umasensação crescente de anseio por essascoisas, e comecei a perceber que é paraisso que servem as orações. A oração

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não é, como alguns parecem sugerir,uma oportunidade de manipular Deuspara que Ele faça o que você quer. Emvez disso, trata-se de uma forma debuscar uma afinidade com Deus,aprender com Ele e tentar perceber oponto de vista dele sobre váriosassuntos a nosso redor que nos deixamconfusos, em dúvida ou em sofrimento.

No entanto, achava difícil construiressa ponte com Deus.

Quanto mais aprendia sobre Ele,mais sua pureza e santidade mepareciam inatingíveis, e meuspensamentos e ações me pareciam maissombrios diante daquela luz brilhante.

Aos poucos comecei ter maisconsciência de minha incapacidade de

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fazer a coisa certa, mesmo que fosse porum só dia.

Podia inventar inúmeras desculpas,mas, quando era de fato honesto comigomesmo, o orgulho, a apatia e a raivaganhavam minhas lutas internas comfrequência. Nunca tinha de verdadepensado em usar a palavra "pecador"para referir-me a mim antes, só queentão era de uma obviedade dolorosaque essa palavra antiquada, da qual euantes recuara porque parecia vulgar etaxativa, se encaixava com perfeição.

Busquei engendrar uma cura,passando mais tempo em auto-analises eorações. No entanto, esses esforçosmostraramse estéreis e frustrantes, e nãoconseguiam me transportar ao longo do

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hiato cada vez mais extenso entre aconsciência de minha naturezaimperfeita e a perfeição de Deus.

Em meio a essa melancolia que seaprofundava surgiu a pessoa de JesusCristo. Durante os anos de minhainfância, sentado na galeria em que seapresentava o coro de uma igreja cristã,eu realmente não tinha a menor ideia dequem era Cristo. Pensava nele como ummito, um conto de fadas, o super-heróide uma história de ninar "toda certinha".À medida que eu lia a descriçãoverdadeira de Sua vida pela primeiravez nos quatro evangelhos, acaracterística de testemunho ocular dasnarrativas e a grandeza das alegações deCristo e suas consequências aos poucos

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começaram a calar em meu espírito. Láestava um homem que não apenasafirmava conhecer Deus; afirmava serDeus. Nenhuma outra figura em nenhumaoutra religião que eu procurasse fizeratal alegação escandalosa. Ele tambémafirmava ser capaz de perdoar pecados,o que parecia ao mesmo tempoestimulante e completamente chocante.Era humilde e amoroso. Dizia palavrasextraordinárias de sabedoria e, contudo,foi condenado à morte na cruz pelos queo temiam. Era um homem e, portanto,conhecia a condição humana que euachava tão incômoda, e prometia livrar-nos daquele fardo. "Vinde a mim, todosos que estais cansados esobrecarregados, e eu vos aliviarei"

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(Mateus I 1:28).Outro fato chocante que as

testemunhas oculares do NovoTestamento dizem acerca de Cristo, eque os cristãos aparentemente tomamcomo princípio central de sua fé, é queaquele bom homem voltou da morte.Para uma mente científica, é algo difícil.Entretanto, se Cristo era de fato filho deDeus, como alegava de maneiraexplícita, claro que, dentre todos os quejá caminharam sobre a terra, Ele poderiainterromper temporariamente as leis danatureza caso precisasse, para alcançarum propósito mais importante.

Contudo, Sua ressurreiçãoprecisava ser mais do que umademonstração de poderes mágicos. Qual

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era, de fato, o objetivo daquilo? Oscristãos têm se atrapalhado com essaquestão há dois milênios. Depois demuita procura, não consegui encontrarnenhuma resposta — na verdade, haviainúmeras respostas se entrelaçando,todas apontando para a ideia de umaponte entre nós, pecadores, e o sagradoDeus. Alguns críticos se concentram naideia de uma substituição — Cristomorre no lugar de todos nós, quemerecemos o julgamento de Deus pornossos maus atos. Outros chamam a issoredenção — Cristo pagou o preçodefinitivo para nos libertar daescravidão do pecado, para quepudéssemos encontrar Deus e repousarna confiança de que Ele não nos julga

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mais pelas nossas ações, mas nos vêcomo limpos. Os cristãos chamam a issode salvação pela graça. Para mim, noentanto, a crucificação e a ressurreiçãotambém oferecem algo mais. Meu desejode me aproximar de Deus foi bloqueadopelo orgulho e pela falta, que eramconsequências inevitáveis do meudesejo egoísta de assumir o comando. Afé em Deus exige um tipo de morte dateimosia, a fim de que se possa nascercomo uma nova criatura.

Como eu poderia chegar a esseponto? Como já ocorreu tantas outrasvezes com dilemas anteriores, aspalavras de C. S. Lewis capturaram aresposta com exatidão:

Mas, supondo que Deus se

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tornasse homem — suponha suanatureza humana, que pode sofrer emorrer, fosse mesclada à natureza deDeus em uma pessoa —, essa pessoapoderia nos ajudar. Ele poderiarender-se à Sua vontade, sofrer emorrer, porque era homem; e poderiafazer isso perfeitamente porque eraDeus. Você e eu podemos passar poresse processo somente se Deus fizerisso em nós; no entanto, Deus só podefazê-lo se se tornar homem. Nossastentativas a essa morte só darão certose os homens partilharem na morte deDeus, assim como nosso pensamentopode dar certo somente porque é umagota no oceano de Suaintel igência: mas não podemos

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partilhar a morte de Deus a menos queDeus morra; e Ele não pode morrer amenos que se torne homem. Eis osentido pelo qual Ele pagou nossadívida e sofreu por nós o que nãoprecisava sofrer.6

6 LEWIS, C. S. MereChristianity. Westwood: BarbourandCompany, 1952. p. 50.

Antes de passar a acreditar emDeus, esse tipo de lógica me parecia amais completa bobagem. Agora, acrucificação e a ressurreição surgiramcomo solução obrigatória para a lacunaque se escancarava entre Deus e mim.Hoje, para essa lacuna, a pessoa deJesus Cristo serve de ponte.

Assim, fiquei convicto de que a

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chegada de Deus à Terra, na pessoa deJesus Cristo, poderia servir a umpropósito divino. Contudo, será que issose encaixa na história? O cientistadentro de mim se recusava a ir alémnaquela trilha rumo a uma crença cristã,não importava quanto fosse atraente, seos escritos bíblicos sobre Jesus fossemum mito ou, pior ainda, uma farsa. Noentanto, quanto mais eu lia sobrenarrativas bíblicas e não-bíblicas doseventos da Palestina do século I, mais eume fascinava com as evidênciashistóricas da existência de Jesus Cristo.Os evangelhos de Mateus, Marcos,Lucas e João foram redigidos umaspoucas décadas após a morte de Cristo.Seus estilos e conteúdos sugerem,

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enfaticamente, que pretendiam ser umregistro de testemunhas oculares(Mateus e João estavam entre os dozeapóstolos). Considerações acerca deerros que vêm se arrastando por cópiassucessivas ou traduções malfeitas têmsido, em sua maioria, postas de ladopela descoberta de manuscritos bastanteantigos. Assim, a evidência deautenticidade dos quatro evangelhosrevela-se bastante forte. Além disso,historiadores não cristãos do século I,como Josefo, referem-se a um profetajudeu que foi crucificado por PôncioPilatos por volta do ano 33.

Muitos outros exemplos deevidências da natureza histórica daexistência de Cristo foram reunidos em

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livros excelentes,7 os quais podem serconsultados pelo leitor interessado. Naverdade, um acadêmico escreveu: "Averacidade histórica de Cristo éconsiderada tão real para um historiadorimparcial quanto a veracidade históricade Júlio César".8

7 STROBEL, L. The CaseafChrist. Grand Rapids: Zondervan,1998; BLOMBERG, C. L. TheHistorical Reliability of the Gospels.Downers Grove: Intervarsity, 1987;HABERMAS, G. R. The HistoricalJesus: Ancient Evidence for the Lifeof Christ. New York: College Press,1996.

As evidências exigem um

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veredictoAssim, as crescentes evidências

desse indivíduo único, que pareciarepresentar Deus em busca do homem(visto que, na maior parte das outrasreligiões, é o homem quem busca aDeus), possibilitaram um casointeressante. Eu, porém, hesitava, commedo das consequências e afligido pelasdúvidas. Talvez Cristo fosse apenas umgrande mestre espiritual. Mais uma vez,Lewis pareceu ter escrito um parágrafoespecial só para mim:

Estou tentando, aqui, evitar quealguém diga a coisa mais insensata queas pessoas em geral dizem sobre Jesus:"Estou pronto para aceitar Jesus comoum grande mestre da moral, mas não

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aceito a alegação dele de ser Deus".Isso é algo que não devemos dizer. Umhomem que era só um homem e dizia ascoisas que Jesus dizia não seria umgrande mestre da moral. Seria umlunático — como um homem que diz serum ovo quente — ou seria, então, umdemônio do inferno. Você tem de fazersua escolha. Ou esse homem era, e é, oFilho de Deus, ou um doido ou coisapior. Você pode mandá-Lo calar aboca, julgando-O um idiota, podecuspir Nele e matá-Lo como se fosseum demônio; ou pode cair a Seus pés echamá-Lo de Senhor e Deus. Mas nãovenha com nenhuma bobagempatrocinada sobre Ele ser um grandeeducador humano. Ele não deixou isso

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em aberto para nós. Não tinha essaintenção.9

8 BRUCE, F. F. The NewTes tament Documents, Are TheyReliable? Grand Rapids: EerdmansPublishingCo., 2003.

9 LEWIS, op. cit., p. 45.

Lewis estava certo. Eu precisavafazer uma escolha. Passou-se um anointeiro desde que eu me decidira poracreditar em alguma espécie de Deus, eagora estava sendo chamado a prestarcontas. Num belo dia de outono,enquanto eu caminhava nas montanhasCascade durante minha primeira viagemao oeste do Mississipi, a glória e abeleza da criação de Deus arrebataram

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minha resistência. À medida que eu davaa volta por uma parte remota e via umacachoeira linda e inesperadamentecongelada com centenas de metros dealtura, percebia que minha busca haviaencerrado. Na manhã seguinte, ajoelhei-me na grama suave, enquanto o solnascia, e me rendi a Jesus Cristo.

Não pretendo, com essa história,converter nem doutrinar ninguém. Cadaum deve efetuar sua busca pela verdadeespiritual. Se Deus é real, vai prestarauxílio. Muito tem sido dito até hojepelos cristãos sobre o clube exclusivodeles. A tolerância é uma virtude; aintolerância é um vício. Acho bastanteperturbador o fato de uma pessoa decerta tradição religiosa desprezar as

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experiências espirituais de outra.Infelizmente os cristãos parecem ter umapropensão especial para isso. Em minhaexperiência pessoal, descobri que tinhamuito a aprender e admirar em outrastradições espirituais, embora tenhadescoberto que a revelação especial danatureza de Deus em Jesus Cristo é umcomponente fundamental de minha fé.

Com frequência, os cristãos sãotidos como arrogantes, taxativos ehipócritas, mas Cristo jamais foi assim.Imagine, por exemplo, a conhecidaparábola do Bom Samaritano. Anatureza dos participantes nessa históriade moralidade teria sido imediatamentenotável aos que a ouviam no tempo deCristo, embora menos nítida nos tempos

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modernos. Eis as palavras de Jesus,registradas em Lucas 10:30-37:

Um homem descia de Jerusalém aJericó, e caiu nas mãos de ladrões, osquais o despojaram e, espancando-o, seretiraram, deixando-o meio morto.Casualmente, descia pelo mesmocaminho certo sacerdote e, vendo-o,passou de largo. De igual modotambém um levita chegou àquele lugar,viu-o e passou de largo. Mas umsamaritano, que ia de viagem, chegouperto dele e, vendo-o, encheu-se decompaixão; e, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite evinho; pondo-o sobre a suacavalgadura, levou-o para umaestalagem e cuidou dele. No dia

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seguinte tirou dois denários, deu-os aohospedeiro e disse-lhe: "Cuida dele; etudo o que gastares a mais, eu topagarei quando voltar". Qual, pois,desses três te parece ter sido o próximodaquele que caiu nas mãos dosladrões? Respondeu o doutor da lei:"Aquele que usou de misericórdia paracom ele". Disse-lhe, pois, Jesus: "Vai,e faze tu o mesmo".

Os samaritanos eram odiados pelosjudeus, porque rejeitavam muitos dosensinamentos dos profetas sionistas. Ofato de Jesus apresentar ocomportamento do samaritano comomais virtuoso do que o de um sacerdoteou o de um doutor da lei (o levita) deveter sido uma ofensa para seus ouvintes.

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Entretanto, o princípio influente de amore aceitação aparece em todos osensinamentos de Cristo no NovoTestamento. É o guia mais importantesobre como devemos tratar os outros.Em Mateus 22:35-36, Jesus é indagadosobre o maior dos mandamentos deDeus. Ele responde com simplicidade:"Amarás ao Senhor teu Deus de todo oteu coração, de toda a tua alma, e detodo o teu entendimento. Este é o grandee primeiro mandamento. E o segundo,semelhante a este, é: Amarás ao teupróximo como a ti mesmo".

Muitos desses princípios podemser encontrados em outras grandesreligiões do mundo. No entanto, a fé nãoé apenas uma prática cultural; em vez

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disso, é uma busca pela verdadeabsoluta, e não devemos ir tão longe aponto de cometer a mentira lógica deafirmar que todos os pontos de vistaconflitantes são igualmente verdadeiros.O monoteísmo e o politeísmo nãopodem, ambos, estar certos. Em minhabusca, a cristandade proporcionou-meaquela aliança especial de verdadeeterna.

Entretanto, você deve efetuar suabusca.

Procura, e acharásSe você chegou até este ponto

comigo, espero que concorde: as visõesde mundo científica e espiritual têm,ambas, muito a oferecer. As duas

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proporcionam formas distintas, mascomplementares, de responder à maiorde todas as questões, e podem coexistirmuito bem na mente de uma pessoaintelectualmente curiosa que vive noséculo XXI.

A ciência é o único caminholegítimo para investigar o mundonatural. Sondando a estrutura do átomo,a natureza do cosmo ou a sequência doDNA do genoma humano, o métodocientífico é a única forma confiável debuscar a verdade sobre eventos naturais.Sim, experimentos podem se tornarfracassos retumbantes, interpretações deexperiências podem ser conduzidas deforma errada e a ciência pode cometererros. No entanto, a ciência tem um

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caráter de autocorreção. Nenhumagrande falácia pode persistir por muitotempo diante do aumento progressivo deconhecimentos.

Apesar disso, a ciência apenas nãobasta para responder a todas as questõesimportantes. Mesmo Albert Einsteinacreditava que uma visão de mundopuramente naturalista era insatisfatória.Ao escolher suas palavras com cuidado,ele escreveu: "A ciência sem religião émanca, a religião sem ciência écega".10O sentido da existência humana,a realidade de Deus, a possibilidade deum pós-vida e muitas outras questõesespirituais se acham fora do alcance dométodo científico. A declaração de umateu de que tais questões são, portanto,

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irrespondíveis e irrelevantes não condizcom a maioria das experiênciashumanas. John Polkinghorne defendeesse ponto de modo convincente fazendouma comparação com a música:

10 EINSTEIN, A. Science,Philosophy and Religion: ASymposium, 1941

A pobreza de uma narrativaobjetivista só é feita de forma clarademais quando se leva em conta omistério da música.

Partindo de um ponto de vistacientífico, não passa de vibrações no ar,chocando-se contra os tímpanos eestimulando correntes neurais nocérebro.

Como acontece de uma sequência

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banal de movimento que obedece a umacadência ter o poder de falar aos nossocoração com uma beleza eterna? Toda asérie de experiências subjetivas, deperceber uma mancha de rosa até sercativado por uma execução da Missa emSi Menor e no encontro místico com arealidade indescritível do Único, todasessas experiências verdadeiramentehumanas acham-se no centro de nossoencontro com a realidade, e não devemser descartadas como a frivolidade deum fenômeno secundário na superfíciede um universo cuja real natureza éimpessoal e sem vida.11

A ciência não é a única forma deaprender. A visão de mundo espiritualfornece outra maneira de encontrar a

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verdade. Os cientistas que negam issodeveriam ser orientados a levar emconta os limites de seus instrumentos,como representado de forma muitosimpática numa parábola contada peloastrônomo Arthur Eddington. Eledescreveu um homem que começou aestudar a vida no fundo do mar usandouma rede com o tamanho de pouco maisde sete centímetros e meio. Após terapanhado muitas criaturas selvagens eincríveis das profundezas, ele concluiuque não existiam peixes no fundo do marcom menos de sete centímetros e meiode comprimento! Se estamos usando arede científica para apanhar nossa visãoparticular da verdade, não devemos nossurpreender se ela não apanha as

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evidências do espírito.11 POLKINGHORNE, J. Belief

in God in an Age of Science. NewHaven: Yale University Press, 1998.p. 18-9.

Que obstáculos se encontram nocaminho de um envolvimento maisamplo da natureza complementar dasvisões de mundo científica e espiritual?Essa não é uma pergunta meramenteteórica para considerações filosóficasestéreis. É um desafio para cada um denós.

Uma advertência aos que

acreditam em DeusSe você acredita em Deus e

escolheu este livro por se preocupar

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com o fato de que a ciência estácorroendo a fé ao promover uma visãode mundo ateísta, espero que tenharestaurado sua confiança graças aopotencial de harmonia entre a fé e aciência. Se Deus é o criador de todo ouniverso, se Deus tem um planoespecífico para a entrada da humanidadeem cena e se Ele deseja uma afinidadecom os humanos, nos quais injetou a LeiMoral para que se aproximassem Dele,Deus não pode ser ameaçado pela nossamente minúscula e seus esforços porcompreender a magnitude de Suacriação.

Nesse contexto, a ciência pode seruma forma de adoração.

De fato, os que creem em Deus

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devem buscar a vanguarda dos queprocuram novos conhecimentos. Os quecreem em Deus têm, muitas vezes,levado a ciência ao passado. Entretanto,com muita frequência hoje em dia, oscientistas sentem-se constrangidos emadmitir suas visões espirituais. Somam-se a esse problema os líderes de igrejas,que em geral parecem fora de sintoniacom as novas descobertas científicas,correndo o risco de atacar asperspectivas da ciência sem umacompreensão total dos fatos. Asconsequências disso podem fazer aIgreja cair no ridículo, afastando quemestá buscando a Deus com sinceridade,em vez de lançar essa pessoa nos braçosdele. Em Provérbios 19:2, há uma

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advertência contra esse tipo de fervorreligioso, bem-intencionado, masdesinformado: "Não é bom agir semrefletir".

Os crentes em Deus fariam bem emseguir a orientação de Copérnico, queencontrou, ao descobrir que a Terragirava em torno do Sol, umaoportunidade de celebrar, em vez dediminuir, a grandeza de Deus:"Conhecer as obras poderosas de Deus;compreender Sua sabedoria e majestadee poder; apreciar, em certo grau, omaravilhoso trabalho de Suas leis, semdúvida, tudo isso deve ser uma maneiraagradável e aceitável de louvar oAltíssimo, a quem a ignorância não podeser mais grata que o conhecimento".12

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Uma advertência aos cientistasSe você é daqueles que acreditam

nos métodos da ciência, maspermanecem céticos em relação à fé,este seria um bom momento para seperguntar que obstáculos estão em seucaminho na busca de uma harmonia entreessas duas visões de mundo.

Você tem se preocupado porque acrença em Deus exige retroceder àirracionalidade, esquecer docompromisso com a lógica ou mesmocometer suicídio intelectual? Espero queos argumentos apresentados neste livropermitam, ao menos, um antídoto parciala esse ponto de vista e que o convençamde que, de todas as visões de mundo

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possíveis, a ateísta é a menos racional.Você se irrita com o

comportamento hipócrita dos queprofessam uma crença? Mais uma vez,tenha em mente que a água pura daverdade espiritual é transportada emrecipientes enferrujados, aos quaischamamos de seres humanos. Assim, nãose surpreenda se, às vezes, essascrenças fundamentais ganhem distorçõesgraves. Portanto, não baseie suaavaliação da fé nos comportamentos quevir em um ou outro indivíduo ou emreligiões organizadas. Em vez disso,baseie-se nas verdades espirituais eatemporais que a fé apresenta.

12 In: FRANK, D. G. A CredibleFaith. Perspectives in Science and

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Christian Faith, v. 46, 1996. p. 254-5.

Você está sofrendo em decorrênciade algum problema filosófico específicoreferente à fé, como, por exemplo, porque um Deus de amor permite osofrimento? Admita que uma grandeparcela do sofrimento é trazida a nóspor causa de nossas ações ou de açõesde terceiros e que, num mundo ondehumanos praticam o livre-arbítrio, issose torna inevitável. Compreenda que, seDeus é real, Suas finalidades comfrequência não são as mesmas que asnossas. Embora seja difícil aceitar isso,a ausência total de sofrimento talvez denada interessasse ao nosso crescimentointelectual.

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Você apenas não se sente à vontadeao aceitar a ideia de que os instrumentosda ciência são insuficientes pararesponder a qualquer perguntaimportante? Esse, em particular, é umproblema para cientistas, pois elescomprometeram sua vida à verificaçãoexperimental da realidade. Dessaperspectiva, admitir a incapacidade daciência para responder a todas asquestões pode ser um soco em nossoorgulho intelectual — mas esse socoprecisa ser reconhecido, assimilado eaprendido.

Essa discussão sobreespiritualidade deixa vocêdesconfortável por sentir que oreconhecimento da possibilidade de

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Deus talvez traga novas exigências à suavida, no que concerne a planos eatitudes? Reconheço nitidamente essareação em meu período de "cegueiravoluntária". E ainda posso testemunharque chegar ao conhecimento do amor eda graça de Deus fortalece em vez deaprisionar. Deus está no ramo dalibertação, não da carceragem.

E, enfim, você simplesmente nãoteve tempo de considerar de maneiraséria a visão de mundo espiritual? Nestemundo moderno, muitos de nósdisparamos de uma experiência paraoutra, tentando negar nossa mortalidadee adiando qualquer reflexão séria acercade Deus até algum instante, no futuro, emque acharemos que as circunstâncias

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estão corretas.A vida é curta. O índice de

mortalidade será diferente para cadapessoa num futuro previsível. Abrir-separa a vida do espírito pode ser umaexperiência enriquecedora. Não fiqueprotelando a reflexão sobre essasquestões de significado eterno até queuma crise pessoal ou a idade avançada oobrigue a reconhecer o empobrecimentoespiritual.

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Uma palavra final

Para aqueles que buscam, existemrespostas a essas questões. Há alegria epaz a ser descobertas na harmonia dacriação divina. No hall do andar decima de minha casa pendurei um par deversículos, muito bem decorados eiluminados com várias cores pela mãode minha filha. Volto muitas vezes aesses versículos quando luto porrespostas, e eles nunca deixam de melembrar da natureza da verdadeirasabedoria. "Ora, se algum de vós temfalta de sabedoria, peça-a a Deus, que atodos dá liberalmente e não censura, eser-lhe-á dada" (Tiago 1:5). "Mas asabedoria que vem do alto é,

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primeiramente, pura, depois pacífica,moderada, tratável, cheia demisericórdia e de bons frutos, semparcialidade, e sem hipocrisia" (Tiago3:17).

Em minhas orações pelo nossomundo em sofrimento, peço quepossamos, juntos, usando o amor, acompreensão e a compaixão, buscar eencontrar esse tipo de sabedoria.

É hora de pedir uma trégua naguerra cada vez mais acirrada entreciência e espírito. Essa guerra nunca foide fato necessária. Como em tantascontendas mundanas, essa foi iniciada eintensificada por extremistas de ambosos lados, soando alertas que previamruínas próximas a menos que o outro

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lado fosse eliminado. A ciência não éameaçada por Deus; ela é aprimorada.Certamente Deus não é ameaçado pelaciência; Ele a possibilitou por completo.Por isso, busquemos, juntos, recuperaros fundamentos sólidos de uma síntesesatisfatória entre intelectualidade eespiritualidade de todas as grandesverdades. A terra natal da razão e daadoração nunca correu o risco de seesmigalhar. Nunca vai correr. Ela acenapara que todos os que buscamsinceramente a verdade venham e fixemresidência. Atenda a esse chamado.Abandone a posição de luta. Nossasesperanças, alegrias e o futuro de nossomundo dependem disso.

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APÊNDICE

A prática moral da ciência eda medicina: Bioética

MUITOS NO PÚBLICO EMGERAL mostraram entusiasmo com opotencial dos avanços da pesquisa

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biomédica em evitar ou curar doençasterríveis, mas também estão ansiosospara saber se essas novas tecnologiasnos conduzirão a um território perigoso.A matéria que considera a moralidadedas aplicações da biotecnologia e daMedicina à humanidade chama-seBioética. Neste apêndice, vamosconsiderar uma amostra de alguns dosdilemas dessa matéria, que vêminfluenciando um debate importante —embora esta não seja, de forma alguma,uma lista definitiva. Vamos nosconcentrar nos avanços que surgem doprogresso acelerado na compreensão dogenoma humano.

Genética médica

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Alguns anos atrás, uma jovemchegou a uma clínica oncológica, naUniversidade de Michigan, com umamissão angustiante. Naquele dia, percebique estava se iniciando uma revoluçãoverdadeira na Medicina Genética. Essamoça e eu nos conhecemos por meio deum conjunto de circunstâncias que seemaranharam, evolvendo uma famíliamuito unida, uma doença terrível e avanguarda da pesquisa do genomahumano.1Susan (nome fictício) e suafamília viviam sob uma nuvem.

Primeiro, sua mãe recebeu odiagnóstico de câncer de mama; emseguida, sua tia, depois duas filhas desua tia e, então, sua irmã mais velha.Bastante assustada, Susan teve o

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cuidado de examinar-se e obtermamografias periódicas, enquantoassistia a sua irmã perder, enfim, abatalha. Uma das primas de Susanescolheu passar por uma mastectomiadupla, como medida de profilaxia,esperando evitar o mesmo destino. Aseguir, a outra irmã de Susan, Janet,descobriu um caroço, que também serevelou um câncer.

Enquanto isso, uma amiga minha, amédica Barbara Weber, e eu dávamosinício a um projeto, em Michigan, paratentar identificar fatores hereditários nocâncer de mama. A família de Susanregistrou-se no estudo. Eu a conheciasomente como "Família 15". Entretanto,graças a uma dessas estranhas

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coincidências, quando Janet veio pedirorientações sobre seu novo diagnósticode câncer de mama, foi a doutora Weberquem a atendeu na clínica, ouviu ohistórico familiar e notou a conexão.

1 Uma descrição mais detalhadadas experiências com Susan e suafamília pode ser encontrada em:WALDHOLZ, M. Curing Câncer.New York: Simon & Schuster, 1997.caps. 2-5.

A missão angustiante de Susan,poucos meses depois, consistia emverificar se a doutora Weber e eutínhamos mais informações sobre oestudo da pesquisa que iria fazê-ladesistir de levar adiante a mastectomiadupla. Sem conseguir manter o otimismo

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por mais tempo, ela havia agendado oprocedimento drástico para dali a trêsdias. Sua visita ocorrera no instanteexato. O trabalho que fizéramos emnosso laboratório durante as semanasanteriores demonstrara que existia umaprobabilidade altíssima de que aspessoas na família de Susan estivessem,de fato, transportando uma mutaçãoperigosa em um gene (hoje conhecidocomo BRCA1) no cromossomo 17.Tínhamos começado o estudo compoucas esperanças de que aplicaçõesclínicas tão importantes pudessemacontecer depressa. Naquele momento,entretanto, enfrentávamos uma situaçãode urgência.

A doutora Weber e eu

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concordamos que não seria ético manteraquelas informações num momento detão óbvia relevância.

O resultado dos exames delaboratório e a análise dos dadosdeixaram claro, na mesma hora, queSusan não herdara a mutação perigosaque sua mãe e suas duas irmãscarregavam.

Portanto, o risco de contrair câncerde mama nela não era maior do que namédia das mulheres. Naquele dia, Susanfoi a primeira pessoa no mundo areceber informações acerca da suacondição em relação ao BRCA1. Suareação foi uma mistura de alegria edescrença. Ela cancelou a cirurgia.

A informação correu por sua

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família como um rastilho de pólvora, e otelefone não parou mais de tocar. Emalgumas semanas, a doutora Weber e eunos achávamos dando orientações àsmulheres da enorme família da moça,todas querendo saber suas condições.

Houve muitos outros momentosdramáticos. A prima que fizera amastectomia dupla anos antes descobriuque não portava a mutação perigosa. Noprincípio estarrecida ao saber doresultado, ela, por fim, se conformou,concluindo que tinha feito a melhorescolha possível na época em que sedecidira pela operação.

Talvez mais dramáticas foram asconsequências para as mulheres de umaoutra ramificação da família, que antes

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se imaginavam livres dos riscos decâncer de mama, já que o grau deparentesco era do pai delas com asmulheres atingidas. A ideia de que umgene susceptível ao câncer de mamapudesse ser transmitido por homens nãoparecia plausível. No entanto, é assimque o gene BRCA1 trabalha. Naverdade, descobriu-se que o pai eraportador da mutação e a transmitiu acinco das dez filhas. Uma delas, de 39anos, ficou estarrecida com a notícia deque poderia estar em risco. Queria sabero resultado de seu teste de DNA; foipositivo. Imediatamente ela solicitouuma mamografia e no mesmo dia soubeque tinha câncer de mama.

A boa notícia foi que tinha um

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tumor muito pequeno, que talvez, deoutra forma, não teria sidodiagnosticado nos dois a três anosseguintes, chegando a um ponto em que oprognóstico talvez não fosse tãoanimador.

Todos os 35 membros dessafamília, aos quais se contou isso,revelaram-se no risco de ter a doença.Descobriu-se que cerca de metade delesportava a perigosa mutação, e metadeeram mulheres. Mulheres que têm essegene correm risco de desenvolvercâncer tanto de mama quanto de ovário.As consequências médicas epsicológicas foram profundas. MesmoSusan, que escapou da "maldição",passou por um período prolongado de

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depressão e desenvolveu um sentimentode alienação de sua família,experimentando o que se conhece como"culpa do sobrevivente", situação queganhou esse nome em virtude daspessoas que sobreviveram aoHolocausto.

De fato, a família de Susan é umcaso incomum. A hereditariedadecontribui na maior parte dos cânceres demama, mas nada nem de perto tão fortequanto na família dela. Entretanto, nãoexistem espécimes perfeitos entre nós. Apresença universal de mutações noDNA, preço que pagamos pelaevolução, significa que ninguém podealegar a perfeição do corpo mais do quea perfeição espiritual.

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Logo chegará o tempo em que serãodescobertas as pequenas falhasgenéticas que fazem cada um de nóscorrer o risco de contrair alguma doençafutura. Teremos então a oportunidade,assim como a família de Susan, dedescobrir o que se oculta no manual deinstruções de nosso DNA. À medida quecomeçamos a observar as consequênciasdesses avanços rápidos na compreensãoda biologia humana, as questões éticassurgem, e com razão. O conhecimento,por si só, não tem um valor moralessencial; é o modo como se utiliza esseconhecimento que adquire uma dimensãoética. Tal princípio deveria ser habituala muitas aplicações não relacionadas àMedicina, na experiência diária. Por

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exemplo, determinadas misturasquímicas podem gerar uma exibiçãocolorida de fogos de artifício quedeixam nossos céus brilhantes e erguemnosso espírito em situações decomemoração. A mesma mistura, porém,pode ser utilizada para disparar umprojétil ou fazer uma bomba que matecivis inocentes às dúzias.

Existem motivos obrigatórios paracomemorar a efusão dos avançoscientíficos que surgem do ProjetoGenoma Humano.

Afinal, em praticamente todas asculturas ao longo da história, o alívio aosofrimento de uma doença é consideradoalgo bom, talvez até uma obrigaçãoética. Assim, embora alguns aleguem

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que a ciência está se movendo commuita rapidez e que deveríamos decretaruma moratória em certas aplicações atéque tivéssemos tempo de estudá-las doponto de vista ético, acho difíciltransmitir esses argumentos a paisdesesperados por ajudar um filhodoente. Essas restrições intencionais aoprogresso da ciência que salva vidasnão seriam antiéticas simplesmente porpermitir a atualização paralela dessamesma ética?

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Medicina personalizada

O que podemos esperar, para osanos que se seguem, da atual revoluçãorelativa ao genoma? Em primeiro lugar,o conhecimento dessa mínima fração(0,1 %) do DNA humano que difere deuma pessoa para outra tem avançado demaneira acelerada, e provavelmentedentro de alguns poucos anos serãodescobertas as pequenas falhasgenéticas mais comuns que deixam osindivíduos sob o risco de câncer,diabetes, doenças cardíacas, mal deAlzheimer e muitas outras limitações.Permitirá a cada um de nós, seestivermos interessados, obter umdocumento digital pessoal com o

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registro de nossos riscos de, no futuro,contrair enfermidades. Poucos,entretanto, serão tão dramáticos quantoos da família de Susan, porque poucosdentre nós terão pequenas falhasgenéticas com efeitos tão fortes. Vocêgostaria de saber disso? Muitos dirãosim, caso as intervenções para reduziresses riscos estejam à disposição, e, emalguns casos, isso já se mostra possível.Uma pessoa com alto risco genético deter câncer no cólon pode, por exemplo,iniciar uma colonoscopia já em criança,e repeti-la fielmente uma vez por ano,para detectar pequenos pólipos a tempode removê-los, evitando que setransformem, enfim, em um câncermortal. Indivíduos com risco mais alto

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do que a média para o diabetes podemtomar cuidado com a alimentação eevitar o ganho de peso. Pessoas comalto risco de trombo nas pernas podemevitar as pílulas anticoncepcionais eperíodos prolongados de sedentarismo.

* O trombo é uma formaçãosólida no interior do vaso sanguíneo.É o que causa a trombose. (N. T.)

Em outra aplicação impressionanteda medicina personalizada, vem ficandocada vez mais claro que a reação de umindivíduo às drogas apresenta uma forteinfluência da hereditariedade.

Em muitos casos, talvez sejapossível prever quem deveria tomarqual medicamento, em que dose,primeiramente com uma amostra de

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DNA. Essa abordagem"farmacogenômica", se aplicada emtermos mais amplos, resultaria em umaterapia com medicamentos cada vezmais eficaz, com poucas ocorrências deefeitos colaterais perigosos ou mesmofatais.

Problemas éticos apresentados

pelo teste de DNAOs avanços descritos anteriormente

têm potencial para se tornar acessíveis.Contudo, muitos dilemas éticos tambémsão encontrados. Na família de Susansurgiu uma forte discórdia sobre se eraadequado fazer testes em crianças paraverificar a presença da mutaçãoBRCA1. Uma vez que não havia

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disponibilidade de intervenção médicapara crianças, e como o impactopsicológico de um resultado positivopoderia ser significativo, a doutoraWeber e eu, auxiliados por um grandegrupo de especialistas em ética queconsultamos, concluímos que esse tipode exame deveria esperar até que apessoa atingisse os 18 anos de idade.Em pelo menos um caso, um pai queapresentava a mutação BRCA1 ficoubastante irritado porque suas filhas nãopoderiam ser examinadas antes da idadeestipulada. Alegou que sua autoridadede pai deveria superar nossa decisão.

Um debate ético ainda maisabrangente surgiu sobre a adequação doacesso de terceiros a informações

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genéticas sobre indivíduos ou mesmo autilização desses dados. Susan e muitosde seus parentes recearam que, casoseus exames confirmassem suassuspeitas, essas informações poderiamcair nas mãos de empresas deassistência médica ou de empregadores,os quais, por esse motivo, poderiam lhesnegar uma cobertura médica ou umemprego.

Uma análise ética mais ampladessa situação nos fez concluir que essetipo de uso discriminatório deinformações genéticas seria umaviolação dos princípios de justiça eimparcialidade, uma vez que as falhasno DNA são, em essência, universais, eninguém pode escolher sua sequência de

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DNA. Entretanto, se clientes deseguradoras conhecerem seus riscos e asseguradoras não, poderão burlar osistema.

O dilema do acesso se tornaráainda mais preocupante à medida que osavanços em pesquisa, inspirados, emparticular, pelo que estamos aprendendoacerca do genoma, levarem a formasnovas e muito mais eficazes deprevenção ao câncer, a doençascardíacas e mentais e a muitas outraslimitações.

A Bioética repousa nos

fundamentos da lei moralAntes de me aprofundar ainda mais

em dilemas da ética, convém levar em

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conta os fundamentos sobre os quais sebaseia nosso juízo do comportamentoético. Muitas questões bioéticas sãocomplicadas. Os que debatem sobre amoralidade de uma determinada decisãopodem ter formações culturais etradições religiosas as mais variadas.Numa sociedade não-religiosa epluralista, seria considerado realista aqualquer grupo concordar no cursocorreto de uma ação em circunstânciasdifíceis?

Na verdade, descobri que assimque os fatos de um problema ganhamnitidez, na maioria das vezes as pessoascom visões de mundo completamentedistintas chegam a uma conclusão quecompartilham e com a qual se sentem à

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vontade. Embora isso possa à primeiravista surpreender, acredito que seja umexemplo interessante da universalidadeda Lei Moral. Todos nós temos umconhecimento inato de certo e errado;apesar de isso poder ser disfarçadopelas distrações e mal-entendidos, pode,também, ser descoberto por meio deuma reflexão cuidadosa. T. L.Beauchamp e J. F. Childress 2 alegamquatro princípios éticos subjacentes àBioética que são comuns a praticamentetodas as culturas e sociedades.

São eles:1 . Respeito pela autonomia — o

princípio de que se deve dar a umindivíduo racional liberdade de tomardecisões, sem repressão externa

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indevida.2 . Justiça — a exigência de

tratamentos justos, morais e imparciaisaos doentes.

3 . Beneficência — a obrigação detratar os outros de acordo com seusmelhores interesses.

4 . Não-prejuízo — "Não faça malaos outros em primeiro lugar" (como oJuramento de Hipócrates).

Qual seria o papel da fé nos

debates sobre a Bioética?Uma pessoa religiosa sabe que

aqueles princípios estão nitidamenteapresentados nos textos sagrados dastradições judaico-cristã, islâmica,budista e outras. Na verdade, algumas

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das afirmações mais eloquentes epoderosas desses princípios sãoencontradas em textos sacros.Entretanto, não é preciso ser um teístapara concordar com tais princípios.Mesmo uma pessoa sem instrução emteoria musical pode ser conduzida, emsentido figurado, por um concerto deMozart. A Lei Moral fala a todos nós,concordemos ou não com suas origens.

Os princípios básicos da éticapodem derivar da Lei Moral e sãouniversais. Contudo, podem surgirconflitos numa situação em que nemtodos esses princípios são satisfeitos aomesmo tempo, e observadores diferentescolocam pesos diferentes aos princípiosque devem ficar, de algum modo,

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equilibrados. 2 BEAUCHAMP, T. L,

CHILDRESS, J. F. Principies ofBiomedical Ethics. 4. ed. New York:Oxford University Press, 1994.

Em muitos exemplos, a sociedadeatinge um consenso sobre como lidarcom isso; em outros, como o que iremosapresentar a seguir, pessoas sensatasdiscordam sobre o grau de equilíbrio daética.

Células-tronco e clonagemAinda me recordo de uma tarde de

domingo, anos atrás, em que um repórterme telefonou para saber minha opinião arespeito de uma matéria que seriapublicada em um jornal, que relatava a

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clonagem da ovelha Dolly. Tratava-sede um desenvolvimento surpreendente einédito, pois praticamente todos oscientistas (inclusive eu) achavam queseria impossível clonar um mamífero.

Embora se soubesse que todo omanual de instruções do DNA de umorganismo se encontra em cada célulado corpo, supunha-se que mudançasirreversíveis nesse DNA tornariamimpossível a reprogramação de um livrode instruções completo e apurado.

Estávamos enganados. De fato,durante a última década, a cadadescoberta revelou-se a extraordinária etotalmente imprevista plasticidade dostipos de células de mamíferos. Isso, porsua vez, levou à controvérsia atual sobre

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os benefícios e riscos potenciais dessaespécie de pesquisa, caracterizada pordivergências públicas intensas que nãomostram nenhum sinal de que irãoabrandar.

Os debates sobre células-troncohumanas, em particular, têm se mostradotão acalorados e o jargão tãoimpenetrável que se faz necessária umacerta informação. Uma célula-tronco tempotencial para se tornar vários tiposdiferentes de célula. Na medula óssea,por exemplo, uma célula-tronco podegerar glóbulos vermelhos sanguíneos,glóbulos brancos, células ósseas e atémesmo, com o ambiente correto, célulasde músculos cardíacos.

Esse tipo de célula-tronco é em

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geral chamado de "célula-tronco adulta",para diferenciar das que derivam dosembriões.

O embrião humano, formado pelaunião de espermatozoide e óvulo,começa como uma única célula. Ela temuma maleabilidade fenomenal, eapresenta o potencial de se transformarem uma célula do fígado, do cérebro, demúsculo e em qualquer outro tipo detecido complexo que forma os 100trilhões de células de um humano adulto.O que pesa hoje, de acordo com asatuais evidências, é o potencial dascélulas-tronco embrionárias para efetuaruma cópia assistida e sua capacidade dese tornar praticamente qualquer tipo decélula, superior à das células-tronco

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adultas. Por definição, entretanto, umacélula-tronco humana embrionária sópode derivar de um embrião jovem —não necessariamente no estágio de umaúnica célula, mas enquanto o embriãoainda for apenas uma bolinha compactade células menor que o pingo desta letrai.

No entanto, Dolly não surgiu deuma célula-tronco embrionária nem deuma célula-tronco adulta. O aspectorealmente dramático e inesperado dacriação dessa ovelha é ter surgido porconta de um método sem precedentes emmamíferos, e que não ocorre na natureza.Conforme mostra a figura A. 1, esseprocesso, conhecido tecnicamente comotransferência nuclear das células

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somáticas (SCNT) [em inglês, SomaticCell Nuclear Transfer], começou comuma única célula derivada do úbere deuma ovelha adulta (a doadora). O núcleode tal célula, que carregava o DNAcompleto da ovelha doadora, foi, então,removido e introduzido num ambienterico em proteínas e moléculassinalizadoras encontradas no citoplasmade uma célula de ovário.

Antes, essa célula de ovário teveseu núcleo completamente removido,para não fornecer as instruçõesgenéticas necessárias, mas apenas oambiente para que tais instruções fossemreconhecidas e executadas. Naqueleabraço primordial, o DNA da célula doúbere voltou no tempo, apagando todas

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as modificações específicas que suaembalagem havia experimentado, parase tornar uma célula bastanteespecializada na produção de leite. Onúcleo da célula do úbere retornou a seuestado primitivo e não-diferenciado.Essa célula, quando implantada de voltano útero de uma ovelha, gerou Dolly,cujo DNA nuclear era idêntico ao daovelha original doadora.

Figura A. 1. O processo da transferência

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nuclear de células somáticas (SCNT).

O mundo da pesquisa científica emédica ficou alvoroçado com amaleabilidade totalmente inesperada domanual de instruções do genoma. Combase nessa revelação, os cientistas agoraencaram o estudo das células-troncocomo uma oportunidade real paraaprender como uma única célula pode setransformar numa célula hepática (defígado), renal (de rim) ou cerebral.Logicamente, muitas dessas questõesbásicas estão sendo respondidas combase no estudo das células-tronco deanimais, caso em que as preocupaçõeséticas são muito mais limitadas. O

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verdadeiro entusiasmo com osbenefícios médicos da pesquisa decélulas-tronco, entretanto, é o potencial,embora ainda não comprovado, dautilização dessa abordagem paradesenvolver novas terapias. Muitasdoenças crônicas surgem porque umcerto tipo de célula tem morteprematura. Se sua filha teve um ataquede diabetes juvenil (do tipo 1), ascélulas em seu pâncreas, quenormalmente secretam insulina, sofreramum ataque imunológico do organismo emorreram. Se seu pai tem mal deParkinson, os neurônios em algum localdo cérebro dele, a substância negra,morreram antes do tempo, o que causouuma ruptura nos circuitos normais que

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controlam as funções motoras. Se seuprimo se encontra numa lista de esperapara transplante de fígado, rim oucoração, esses órgãos do corpo delesuportaram danos bastante graves e nãopodem se recuperar mais.

Caso fosse possível encontrar umamaneira de regenerar os tecidosdanificados nesses órgãos, as muitasdoenças crônicas que hoje sãoprogressivas e fatais poderiam sertratadas com eficiência, ou mesmocuradas. Por esse motivo, a "medicinaregenerativa" constitui um tópico deenorme interesse na pesquisa médica.Atualmente, o estudo das células-troncoparece oferecer a maior promessa para arealização desse sonho.

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Entretanto, um debate social, éticoe político acalorado surgiu por causa doestudo das células-tronco humanas. Aintensidade das emoções, a paixão dasvárias perspectivas e o conflito dospontos de vista apresentam um quaseineditismo e, com frequência, osdetalhes científicos se perdem nessatormenta.

Antes de mais nada, poucosalegariam que o uso terapêutico dascélulas-tronco adultas apresenta novosdilemas éticos de destaque. Tais célulaspodem ser derivadas do tecido de umindivíduo ainda vivo. A situaçãodesejada seria, então, convencer essacélula a formar-se no tipo de célulanecessária ao tratamento da enfermidade

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dessa pessoa. Se, por exemplo,soubéssemos como transformar umaspoucas células-tronco da medula ósseaem um número enorme de célulashepáticas, poderíamos efetuar um"autotransplante" com a simplesutilização da medula óssea do paciente.

Embora tenham sido dados passosencorajadores nessa direção e venhasendo feito um investimento substancialna busca pela pesquisa das células-tronco adultas, no momento não temosevidências de que o repertório decélulas-tronco adultas de um humanoseja suficiente para atender às muitasnecessidades de pessoas com doençascrônicas. As células-troncoembrionárias humanas, ou o uso

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alternativo de transferência nuclear decélulas somáticas, estão, portanto, sendoexploradas de maneira séria comopotenciais alternativas.

As células-tronco derivadas deembriões humanos apresentam potencialdefinitivo para formar qualquer tipo detecido (afinal, fazem isso com toda anaturalidade no decorrer dos eventos).Contudo, eis de onde surgem justamenteas profundas questões éticas. Umembrião formado pela união entre oóvulo e espermatozoide humanos é umavida humana em potencial.

O processo de obtenção de células-tronco do embrião resulta na destruiçãodele (embora alguns poucos métodosque podem permitir sua sobrevivência

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tenham sido propostos). Para alguémque acredita, sem ambiguidades, que avida principia na concepção e que avida humana é sagrada desse momentoem diante, essa forma de pesquisa ouassistência médica é, então, consideradainaceitável.

Pessoas sensatas discordam, emgeral tomadas pela emoção, dapertinência de tal pesquisa. Surge aí avariação do aceitável ao inaceitável,fortemente influenciada pelas respostasàs seguintes perguntas.

A vida humana começa na

concepção?Cientistas, filósofos e teólogos

debateram por séculos sobre o ponto em

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que de fato a vida começaria. Obtermais informações sobre as reais etapasanatômicas e moleculares envolvidas nodesenvolvimento inicial do embriãohumano não ajudou realmente nessesdebates, já que essa não é, na verdade,uma questão científica. Durante séculos,definições diferentes do início da vidaforam apresentadas por diferentesculturas e tradições religiosas, e mesmohoje fés distintas usam marcos distintospara identificar a entrada da alma nofeto humano.

Partindo de uma perspectivabiológica, as etapas que seguem a uniãoentre espermatozoide e óvulo ocorremnuma ordem bastante previsível, queleva a uma complexidade crescente, sem

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limites precisos entre as fases. Não há,portanto, nenhuma linha divisóriabiológica e conveniente entre um serhumano e uma forma embrionária quepossa ser chamada de "ainda não estaaí". Alguns alegam que a real existênciahumana não pode ocorrer sem umsistema nervoso; assim, odesenvolvimento fetal da "linhaprimitiva" (a mais antiga precursoraanatômica da espinha dorsal, que emgeral aparece no décimo quinto dia) nãopoderia, potencialmente, ser usado comosemelhante marcador. Outros alegamque a potencialidade do embrião paradesenvolver um sistema nervoso existe apartir do momento da concepção, e nãoé relevante se essa potencialidade se

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torna mesmo real na formação dequalquer estrutura atômica emparticular.

Foi lançada uma luz interessantesobre esse assunto partindo-se daexistência de gêmeos idênticos, que sedesenvolvem de um único óvulofertilizado. Bem no início dodesenvolvimento (supõe-se que noestágio de duas células), o embrião sedivide, resultando em dois embriõesdistintos com sequências de DNAidênticas. Nenhum teólogo alegaria quegêmeos idênticos não têm alma ou quepartilham uma única alma. Logo, nessescasos, a insistência de que a naturezaespiritual de uma pessoa é definidaexclusivamente no exato instante da

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concepção esbarra numa dificuldade. Existem circunstâncias pelas

quais seria justificáveloriginar células-tronco de embriõeshumanos?

Os que creem intensamente que avida humana começa na concepção e quea partir desse exato momento o embriãomerece a condição moral completa deum ser humano adulto, em geral,respondem a essa pergunta com um não.A postura dessas pessoas teria umacoerência ética. Deve-se salientar,porém, que muitos desses indivíduosoptaram por olhar de outra maneira, oupelo menos aceitar uma posição derelativismo moral, em outra

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circunstância na qual os embriõeshumanos estão sendo destruídos.

Esse é o processo de fertilização invitro (IVF) [em inglês, In VitroFertilization], hoje amplamentedisponível para casais não-férteis eadotado largamente como solução parauma dor de cabeça terrível. Por meiodesse procedimento, os ovos sãocoletados da mãe depois de umtratamento hormonal que resulte emmuitos óvulos produzidos de uma sóvez. Os óvulos são fertilizados em umaplaca de Petri com o esperma do paipresumível.

Os embriões ficam sob observaçãodurante três a seis dias, para verificar seestão se desenvolvendo de forma

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normal. Em seguida, um pequenonúmero deles (em geral um ou dois) éinserido na mãe, na espera de sealcançar uma gravidez.

Na maioria dos casos, há maisembriões disponíveis que podem serimplantados com segurança. Os quesobram ficam normalmente congelados.Só nos Estados Unidos há centenas demilhares desses embriões congeladosatualmente armazenados em freezers, eesse número continua crescendo. Apesarde alguns casais terem adotado taisembriões, o que resultou em um pequenonúmero deles ter atingido a gravidez,não há dúvida de que a vasta maioriadesses embriões será, ao final,descartada. Portanto, uma postura

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rigorosa em oposição à destruição deembriões humanos em quaisquercircunstâncias pareceria pedir por umaoposição à fertilização in vitro.Também foi proposta uma exigênciapara que todos os embriões gerados porIVF fossem implantados, mas issoaumentaria o risco de morte fetal nagravidez múltipla. Na verdade, não háuma saída fácil para contornar essedilema.

Muitos observadores que se opõemà pesquisa com embriões humanosalegaram, entretanto, que, apesar daprovável destruição definitiva doexcesso de embriões após a IVF, odesejo manifestado por um casal de terfilhos é um bem moral tão forte que

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justifica o procedimento. Essa seria umaposição defensável, mas, se assim fosse,desafiaria o princípio de que adestruição inevitável dos embriõesdeveria ser evitada a qualquer custo,independentemente dos benefíciospotenciais.

A circunstância nasce da perguntaque muitos fazem: se os procedimentospudessem ser estabelecidos a fim degarantir que nenhuma fertilização invitro fosse realizada com a intençãoexplícita de gerar embriões parapesquisa e se a pesquisa médica fosse,então, restrita àqueles embriões queforam abandonados após a IVF edestinados claramente à destruição, issoseria uma violação moral?

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A transferência nuclear de

células somáticas apresenta umadiferença fundamental

A boa notícia é que esses debatesfuriosos sobre células-tronco cultivadasa partir de embriões humanos podem,definitivamente, ficar desnecessários seoutro caminho, com desafios éticosmenores, fornecer revoluçõesimpressionantes no campo da medicina.Refiro-me ao mesmo processo detransferência nuclear de célulassomáticas (SCNT) que gerou a ovelhaDolly.

É lamentável que o produto daSCNT tenha se igualado, tanto emterminologia como em argumentos

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morais, com a geração de células-troncode embriões humanos derivados daunião de espermatozoide e óvulo. Essaequivalência, que surgiu logo no iníciodos debates públicos e à qual a maioriados participantes aderiu de maneiraquase ditatorial, ignora a diferençaprofunda entre as formas pelas quaisessas duas entidades são geradas. Oprocedimento SCNT tem,potencialmente, uma probabilidademuito maior de proporcionar benefíciosmédicos, e, assim, é muito importantetentarmos desenredar a confusão que secriou em volta desse processo.

Conforme descrito e mostrado nafigura A. 1, a SCNT não envolve a fusãode óvulo e espermatozoide. Em vez

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disso, o manual de instruções do DNAderiva de uma única célula da pele oude outro tecido de um animal vivo (nocaso de Dolly, foi do úbere, maspoderia ser de qualquer outro).Praticamente todos concordariam que ascélulas epidérmicas (da pele) de umdoador inicial não têm nenhum valormoral particular; afinal de contas, nósdesprendemos milhões delas todos osdias. Da mesma forma, a célula de umóvulo sem o núcleo, tendo perdido todoo seu DNA, não tem potencial para umdia se transformar num organismo vivo.Portanto, também não parece mereceruma condição moral. Ao juntar essasduas entidades, cria-se uma célula quenão se forma naturalmente, mas que

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apresenta um potencial definitivo.Poderíamos, contudo, chamar a isso umser humano?

Se alguém argumentar que o fatorabsoluto dessa potencialidade definitivamerece essa alegação, por que, então,esse mesmo argumento não se aplicariaàs células epidérmicas antes de elasterem sido manipuladas? Elas tambémapresentam potencial.

Ao longo dos próximos anos, éprovável que a ciência descubra ossinais, contidos no citoplasma da célulado óvulo, que permitam que o núcleodas células epidérmicas apague seuhistórico e recupere seu potencialextraordinário para se transformar emvários tipos diferentes de célula. Assim,

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é provável que dentro de alguns poucosanos esse processo não mais exija oóvulo e seja realizado colocando-sequalquer tipo de célula originária de umdoador individual em um coquetelapropriado de moléculas sinalizadoras.Nesse ponto, então, com essa longa sériede etapas, será que poderemos alegar acondição moral de um ser humano? Oresultado desse processo não separeceria mais com uma célula-troncoadulta do que com uma célula-troncoembrionária?

Essa confusão em torno do SCNTorigina-se do fato de que essa fusãobizarra de uma célula do úbere com umacélula de ovário sem núcleo resultou,por fim, em Dolly. Isso aconteceu

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apenas porque o produto do SCNT foidevolvido, de forma proposital, ao úterode uma ovelha, algo difícil de ocorrerpor acidente. Etapas semelhantes foramefetuadas em muitos outros mamíferos,como vacas, cavalos, gatos e cães. Asuposta clonagem reprodutiva podemesmo ter sido tentada em humanos pordois grupos de pesquisa marginais, umdos quais (os raelianos) é conduzido porum sujeito que veste um macacãoprateado e afirma ter sido sequestradopor alienígenas (não são exatamentecredenciais para um cientista). Emessência, cientistas, éticos, teólogos elegisladores são unânimes em afirmarque a clonagem reprodutiva de um serhumano não deve ser realizada em

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quaisquer circunstâncias. Embora ummotivo de destaque para essa postura sebaseie em fortes objeções morais eteológicas à criação de cópias humanasdessa forma tão antinatural, outrasoposições importantes se baseiam emconsiderações de segurança, uma vezque a clonagem reprodutiva de qualqueroutro mamífero se mostrou um esforçoincrivelmente ineficiente, sem falar napropensão para desastres, tendo amaioria dos clones resultado em abortoou mortalidade infantil prematura. Ospoucos clones que sobreviveram alémdo nascimento apresentaram algumaanormalidade, até a própria Dolly(sofria de artrite e obesidade).

Com essas conclusões, seria

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totalmente adequado exigir que oproduto da transferência nuclear decélulas somáticas jamais fossereimplantado no útero de uma mãehospedeira.

Praticamente todos concordam comisso. A batalha gira em torno doseguinte: se um SCNT deveria serrealizado em humanos em quaisqueroutras circunstâncias em que nãohouvesse intenção de produzir um serhumano intacto. Os riscos apresentamum potencial muito alto. Caso vocêesteja morrendo por causa do mal deParkinson, não precisará das células-tronco de outro doador, e sim das suas.Afinal, durante muitas décadasaprendemos por meio da ciência do

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transplante de órgãos que, aocolocarmos as células de um indivíduoem outro, receptor, é previsível que hajauma reação destrutiva de rejeição, quesó pode ser reduzida, em geral, por umacuidadosa combinação de tecidos entredoador e receptor. Após o transplante,utilizam-se drogas imunossupressorasfortíssimas, que acarretam uma série decomplicações. Muitas situações em quese defende o uso de células-troncoembrionárias anônimas de doadoresnão-revelados para o tratamento devárias doenças desafiam essa longaexperiência.

Portanto, seria muito melhor se ascélulas-tronco fossem geneticamenteidênticas às dos receptores. Esse é, é

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claro, o exato resultado do SCNT (aisso também chamamos de "clonagemterapêutica", embora o termo tragabagagem retórica suficiente para torná-lo agora quase inútil). É difícil para umobservador objetivo argumentar queessa não será, a longo prazo, uma trilhapromissora rumo a uma enorme lista dedoenças debilitantes que levarão, enfim,à morte. Convém a nós observar commuita atenção, portanto, as objeçõesmorais a esse processo potencialmentebenéfico e verificar se merecem o pesoque lhes dão em determinados setores.

Gostaria de alegar que o produtoimediato de uma célula epidérmica e umóvulo sem o núcleo não tem a condiçãomoral da união óvulo e espermatozoide.

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O primeiro é uma criação emlaboratório, que não ocorre na natureza,e não faz parte do plano de Deus paracriar um humano. O segundo é o planode Deus, efetuado ao longo de milharesde anos, por nossa espécie e por outras.

Como praticamente todas aspessoas, faço uma oposição enfática àclonagem reprodutiva humana. Implantarem um útero o produto de um SCNThumano é de uma imoralidade profundae deveria receber oposição de acordocom os fundamentos mais sólidospossíveis. Entretanto, já estão sendodesenvolvidos protocolos parapersuadir uma única célula que derivoude um SCNT a se converter numa célulasensível a níveis de glicose e que

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produza insulina, sem passar pornenhuma das outras etapas dodesenvolvimento embrionário e fetal. Seessas etapas puderem resultar emcélulas que combinem os tecidos ecurem o diabetes juvenil, por que talprocedimento não será moralmenteaceitável?

Não há dúvida de que a ciência,nesse campo, continuará a sedesenvolver depressa. Embora osbenefícios médicos definitivos dapesquisa com células-tronco aindapermaneçam indefinidos, há um grandepotencial neles. Fazer oposição a todoesse tipo de pesquisa significa que aobrigação ética para aliviar sofrimentosfoi completamente superada por outras

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obrigações morais. Para algumaspessoas que creem em Deus, essa seriauma postura defensável. Contudo, só sepode chegar a ela depois de levar emconta todos os fatos. Qualquer um queapresente esse assunto como se fosseuma mera batalha entre crença e ateísmopresta um desserviço à complexidade deassuntos semelhantes.

Além da medicinaRecentemente, meu jornal matinal

incluiu uma análise de diversos desafiosenfrentados pelo presidente dos EstadosUnidos. Essa história em particular, quechegou numa ocasião em que as coisasandavam muito bem para o comandanteda nação, incluiu uma citação de alguém

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identificado como consultor político eamigo: "Nunca vi o presidente oprimidopela presidência. Ele foi talhado paralidar com eventos realmente grandes.Está em seu DNA".

Embora o amigo do presidentetenha pretendido tornar seu comentárioespirituoso e contemporâneo, étotalmente possível que ele tenha faladosério.

Seria essa uma evidência real dehereditariedade de comportamentoshumanos e características depersonalidade? E será que a revoluçãogenética nos levará a novas questõeséticas por causa disso? Como, de fato,alguém pode verificar os papéis dahereditariedade e do ambiente em

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características humanas tão complexas?Muitos tratados sábios têm sido escritosacerca desse assunto. Contudo, muitoantes de Darwin, Mendel, Watson, Cricke todos os outros, observadores jáhaviam percebido que a natureza nosofereceu uma oportunidade incrível deverificar o papel da hereditariedade emmuitos aspectos diferentes da existênciahumana. Essa oportunidade é oferecidapelos gêmeos idênticos.

Se você já viu uma dupla degêmeos idênticos, percebeu quepartilham uma semelhança física notávele outras características, como tom devoz e mesmo alguns maneirismos. Noentanto, se vier a conhecê-los melhor,descobrirá que apresentam

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personalidades distintas. Duranteséculos, os cientistas vêm estudandogêmeos idênticos a fim de verificar ascontribuições da natureza e da criação auma ampla variedade de característicashumanas.

Tabela A. I. Cálculo da porcentagem dediversas características de personalidade

humanas que podem ser atribuídas à

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hereditariedade, cf. T. J. Bouchard e M. Mc-Gue, "Genetic and Environmental Influences

on Human Psychological Differences", J.Neurobiol., v. 54, 2003, p. 4-45. Cada umadas características aqui listadas apresenta

uma definição rigorosa na ciência da análisede personalidades.

Uma análise ainda mais cuidadosae imparcial pode ser feita com gêmeosidênticos que foram adotados porfamílias diferentes no nascimento e,portanto, encontravam-se em ambientestotalmente distintos na infância. Essesestudos com gêmeos permitiram umcálculo de hereditariedade de qualquercaracterística particular, sem

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determinar, de forma alguma, sua realbase molecular. A tabela A. I mostraalguns exemplos dos cálculos dacontribuição da hereditariedade naproporção de uma característica emparticular, com base em estudos comgêmeos. Por diversos motivosmetodológicos, porém, esses cálculosnão devem ser considerados muitoexatos.

Tais estudos nos levam à conclusãode que a hereditariedade temimportância em diversas característicasde personalidade. Isso não é novidadepara quem vive em uma família.Portanto, não deveríamos nos abalarcom o fato de que determinados detalhesmoleculares no mecanismo de

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hereditariedade estão começando a sertrazidos à luz por meio do estudo dogenoma. Contudo, estamos abalados.

Uma coisa é dizer que você tem osolhos de sua avó ou o gênio do seu avô.Outra é dizer que essas coisasaconteceram porque você tem umdeterminado T ou C em um certo lugarde seu genoma que pode ou não sertransmitido a seus filhos.

Embora contenha uma promessaestimulante no aprimoramento deintervenções em doenças psiquiátricas, apesquisa genética sobre comportamentoshumanos, de algum modo, éperturbadora, pois parece trilhar pertodemais como uma ameaça ao nossolivre-arbítrio, a nossa individualidade e

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talvez mesmo a nossa espiritualidade.No entanto, precisamos nos

acostumar a isso. A definição molecularde determinados comportamentoshumanos já está acontecendo. Váriosgrupos publicaram documentos naliteratura científica indicando quevariáveis comuns em quem recebedopamina (um neurotransmissor) estãoassociadas à classificação de umindivíduo como portador de umacaracterística de "busca por novidades"em um teste de personalidadepadronizado. Contudo, essa variante doreceptor contribui apenas com umaproporção muito pequena deinconstância nessa característicaparticular. Embora o resultado possa ser

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interessante do ponto de vistaestatístico, não apresenta uma relevânciaessencial ao indivíduo. Outros gruposidentificaram uma variante em umtransportador de outro neurotransmissor,a serotonina, associada à ansiedade.Também se verificou que a mesmavariante transportadora se relaciona, emtermos estatísticos, com o fato de umapessoa experimentar ou não depressãosignificativa após um evento crucial edesgastante na vida. Se isso estivercerto, é um exemplo de interação gene-ambiente.

Uma questão que apresentainteresse público destacado é a da basegenética para a homossexualidade. Asevidências coletadas em estudos com

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gêmeos idênticos de fato respalda aconclusão de que fatores hereditáriosdesempenham um papel nahomossexualidade masculina. Noentanto, a probabilidade de gêmeosidênticos de um pai homossexualtambém se tornarem gays é de 20%(comparada aos 2% a 4% de homens napopulação geral), indicando que aorientação sexual tem influênciagenética, embora não esteja conectadaao "hardware" do DNA, e que quaisquergenes envolvidos representampredisposições, não predeterminações.

Dos muitos aspectos daindividualidade humana mais prováveisa causar controvérsias, nenhum é maisexplosivo do que a inteligência. Embora

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as discordâncias sobre como defini-la ecomo medi-la permaneçam uma questãocontroversa em ciência social, e apesarde os diversos e disponíveis testes deQuociente de Inteligência (Ql)avaliarem nitidamente um pouco deaprendizado e cultura, e não habilidadescognitivas gerais, há um componenteclaro de hereditariedade nesse atributohumano (tabela A. 1). Enquanto escrevoisto, nenhuma variante específica deDNA ainda mostrou desempenhar algumpapel no Ql. Entretanto, é provável queexistam dezenas dessas variantes, umavez que nossos métodos são bons obastante para descobri-las.

Assim como em outros aspectos docomportamento humano, nenhuma

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variante, sozinha, pode dar mais do queuma contribuição minúscula (talvez umou dois pontos de Ql).

Será que um caráter criminosorecebe a influência de uma propensãohereditária? De modo tanto óbvio paratodo mundo quanto não considerado emgeral nesse tipo de contexto, já sabemosque isso é verdadeiro. Metade da nossapopulação apresenta uma variantegenética específica que a torna dezesseisvezes mais propensa a ir para a cadeiado que a outra metade. Claro que estoume referindo ao cromossomo Y doshomens. O conhecimento dessaassociação, contudo, não abalou nossotecido social, nem foi usado com êxitocomo defesa criminal para homens que

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cometeram algum crime.Deixando, porém, essa questão

óbvia de lado, de fato é possível queoutras modestas contribuições aocomportamento antissocial sejamidentificadas no genoma. Um exemplobem interessante já apareceu,começando com a observação de umafamília na Holanda. Lá, a incidência docomportamento antissocial e criminosoentre muitos homens dessa família sedestacou de forma gritante, e tinhacoerência com o padrão dehereditariedade que se podia ver em umgene do cromossomo X. Um estudocuidadoso nessa família holandesarevelou que havia uma mutação quetornava inativo o gene da monoamina

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oxidase A (IMAO) no cromossomo X, etodos os homens que tinham apresentadocomportamento antissocial portavamessa mutação. Esse podia sersimplesmente um evento raro semnenhum significado mais amplo, masaconteceu que o gene normal IMAOapresentou duas versões, uma mais fortee outra mais fraca. Embora não hajaevidências gerais de que homens com aversão mais fraca tenham umafrequência mais alta de interações com alei, um estudo atento na Austrália comgarotos que haviam sido sexualmenteabusados na infância concluiu queaqueles que apresentavam o IMAO daversão mais fraca tinham uma propensãosensivelmente maior para

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comportamentos antissociais ecriminosos quando adultos. Aqui, maisuma vez, pode haver um exemplo deinteração entre genes e ambiente: apropensão genética concedida peloIMAO só se torna aparente quando umaexperiência em um ambiente de abuso nainfância se soma ao quadro. Entretanto,mesmo nessa situação, as descobertas sóforam importantes sobre uma baseestatística.

Existiam várias pessoas que eramexceções à regra.

Poucos anos atrás, li um artigo emuma publicação religiosa em que seperguntava se a espiritualidadeindividual poderia ser genética. Sorri,imaginando me ver diante da última

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palavra em determinismo genético.Contudo, talvez eu tenha sidoprecipitado; não é impossível imaginarque determinados tipos depersonalidade, baseados em fatoresherdados de forma frágil, possamapresentar maior propensão a aceitar apossibilidade de Deus do que outros.Um recente estudo com gêmeos sugeriujustamente isso, embora, como decostume, seja preciso acrescentar umaadvertência: o efeito observado dahereditariedade era bastante fraco.

A questão da genética daespiritualidade recentemente alcançouuma atenção maior com a publicação deum livro chamado O Gene de Deus 3(publicado no Brasil pela Mercuryo), do

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mesmo pesquisador que editoudescobertas sobre busca por novidades,ansiedade e homossexualidademasculina. O livro alçou as manchetes emesmo a capa da revista Time. Noentanto, uma leitura mais atenta indicavaque o título era um relato bastanteexagerado.

O pesquisador lançou mão de testesde personalidade para deduzir que umacaracterística denominada"autotranscendência" mostrava ahereditariedade em famílias e gêmeos.Essa característica achava-se associadaà capacidade de um indivíduo aceitarcoisas que não podiam ser comprovadasou mensuradas diretamente. Ademonstração de que tal parâmetro de

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personalidade poderia apresentar traçosherdáveis em si não é de surpreender, jáque a maioria das características depersonalidade parece mesmo ter essaspropriedades. Contudo, o investigadorapresentou a alegação de que umavariante, em um gene particular, oVMAT2, estava associada a umaclassificação alta na escala deautotranscendência. Como nenhumdesses dados foi examinado atentamenteou publicado em bibliografiascientíficas, a maior parte dosespecialistas recebeu o livro comceticismo considerável.

3 HAMER, D. L. The God Gene.New York: Doubleday, 2004.

Um resenhista da Scientifíc

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American, brincando, sugeriu que otítulo adequado ao livro deveria ser: UmGene que se Responsabiliza por Menosde Um por Cento da VariaçãoEncontrada nas Classificações deQuestionários Psicológicos Elaboradospara Medir um Fator ChamadoAutotranscendência, que Pode SignificarTudo, Desde Pertencer ao Partido Verdeaté Acreditar em ET, de Acordo com umEstudo Não Publicado e NãoReproduzido.

Para resumir esta seção: paramuitas características comportamentaishumanas, existe um componente dahereditariedade do qual não se podeescapar. Em praticamente nenhuma delasa hereditariedade chega perto do

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profético. O ambiente, em especial emexperiências da infância, e o papel dedestaque das chances do livre-arbítrioindividual têm sobre nós um efeitoprofundo. Os cientistas descobrirão umnível crescente de detalhes molecularessobre os fatores herdados que seencontram subjacentes à nossapersonalidade. Isso, porém, não devenos levar a superestimar suacontribuição quantitativa.

Sim, a todos nós foi dado umconjunto de cartas com as quais lidar, eessas cartas serão, enfim, reveladas.Contudo, a forma como jogamos comelas depende de nós.

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Aprimoramento

O filme de ficção científicaGattaca ilustra uma sociedadefuturística na qual os fatores genéticospara a propensão a alguma doença e ascaracterísticas de comportamentohumano foram todos identificados e sãousados como diagnóstico para melhoraros resultados de um acasalamento.Nessa visão de futuro apavorante, asociedade abandonou todas asliberdades individuais, e indivíduosautorizados podem ser inseridos emocupações e experiências de vidaespeciais com base no DNA que portam.A premissa do filme, de que odeterminismo genético pode ser tão

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apurado que a sociedade irá tolerar essetipo de circunstância, é rebatida pelofato de que o herói (nascido fora dosistema) ainda tenta superar odesempenho de todos os indivíduosaprimorados, que fumam, bebem ematam-se uns aos outros.

Será que esse tipo de ficçãocientífica merece crédito? Decerto otema do aprimoramento humano nofuturo é levado a sério por muita gente,até mesmo por alguns cientistasdestacados. Em 2000, estava eu sentadona plateia em uma "Tarde do Milênio"na Casa Branca, assessorada pelopresidente, quando uma eminênciacientífica, ninguém menos que StephenHawking, declarou que era hora de a

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humanidade assumir o comando daevolução e planejar um programa deautoaprimoramento sistemático daespécie. Embora de certa maneirapossamos entender as motivações deHawking, pois este se vê afligido poruma doença neurológica debilitante,achei sua proposta assustadora. Quemdecide o que é um "aprimoramento"?Até que ponto seria um desastre fazer areengenharia da nossa espécie, apenaspara descobrir que perdemos algocrucial (como resistência a algumadoença emergente) no meio do caminho?E como esse remanejamento por atacadoafetaria nosso relacionamento com oCriador?

A boa notícia é que esse tipo de

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situação está muito longe de ocorrer, sede fato pode se tornar possível um dia.No entanto, existem outros aspectos doaprimoramento humano que seencontram mais à mão, e são maisadequados para se levar em conta aqui.

Em primeiro lugar, vamos suporque aprimoramento não é um conceitoque se possa definir com facilidade.Além disso, não existe uma linha claraentre tratar uma doença e aprimorar umafunção. Tomemos como exemplo aobesidade. A obesidade mórbida éclaramente associada a uma enormidadede problemas médicos graves; é umtópico adequado a pesquisa médica,prevenção e tratamento. Entretanto, odesenvolvimento de uma forma de

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permitir que as pessoas de massa normalalcancem a condição ultraesbelta de topmodels não pode ser considerado umavitória no campo da Medicina. Contudo,as variáveis de massa corporal entreesses dois extremos é contínua, e não háuma maneira fácil de determinar quandoa pessoa ultrapassou o limite.

Antes de nos precipitarmos àconclusão de que o aprimoramento denós mesmos ou de nossos filhos é umterritório inaceitável e perigoso, valelembrar que, em muitos casos, jáestamos fazendo isso. Estamos atémesmo insistindo. Somos consideradospais irresponsáveis se não garantimosque nossos filhos se imunizem de formaapropriada contra doenças infecciosas.

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Não cometa erros: uma imunização é,em definitivo, um aprimoramento, namedida em que leva à proliferação dedeterminados clones de células imunese, até mesmo, a novos arranjos de DNA.

Da mesma maneira, a águafluoridificada, as aulas de música e aortodontia são, em geral, consideradasaprimoramentos bem-vindos. Exercíciosfrequentes, um aprimoramento de nossacondição física, são atividadeslouváveis. E, enquanto pintar os cabelosou aproveitar as vantagens de umacirurgia plástica podem serconsiderados futilidades, a maioria denós não acharia imorais essas atitudes.

Entretanto, considera-se que certosaprimoramentos atualmente disponíveis

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têm uma condição moral questionável,apesar de parte desse juízo de valoresdepender do contexto. O uso dehormônios de crescimento injetáveis éaceito em crianças com deficiência naglândula pituitária, mas a maior partedas pessoas acredita que isso não sejaadequado para pais que querem,simplesmente, aumentar a altura normalde seus filhos. Da mesma maneira, o usodo hormônio eritropoietina paraaprimorar o sangue caiu do céu parapessoas com problemas renais, mas suautilização por atletas é consideradailegal e imoral ao mesmo tempo. Comooutro exemplo relacionado aos esportes,o uso do fator de crescimento IGF-1mostra-se uma grande promessa, no

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estudo em animais, para aumentar amassa muscular, e seria muito difícildetectá-lo pelos atuais sistemas deverificação. A maior parte de nósconsideraria isso tão inaceitável quantodar esteroides a atletas. No entanto, oIGF-I mostra também um potencial pararetardar o processo de envelhecimento.Se isso ficar comprovado, tal usotambém seria imoral?

Nenhum dos exemplosmencionados até hoje alterou, de fato, oDNA "germ-line" (que passa de paispara filhos) de alguém, e é bastanteimprovável que esse tipo deexperimento em humanos seja efetuado aqualquer momento, num futuro próximo.Embora seja feito de forma rotineira em

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experiências com animais, problemassérios relacionados à segurança iriamimpossibilitar sua aplicação a humanos,considerando que as consequênciasnegativas desse tipo de manipulação nãoapareçam durante as várias próximasgerações. Sem dúvida, asdescendências, cujos genomas forammanipulados, não tiveram aoportunidade de dar seu consentimento.Partindo de uma perspectiva ética,portanto, as manipulações germ-line deseres humanos provavelmente ficarão defora por muito, muito tempo. A únicaexceção possível a isso seria se alguémconseguisse construir um cromossomoartificial de verdade, que pudessetransportar material adicional, mas

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equipasse esse cromossomo com ummecanismo de autodestruição caso algocomeçasse a dar errado. Contudo, aindaestamos muito distantes de colocar emprática esse tipo de protocolo, mesmoem animais.

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Figura A.2. Diagnóstico genético pré-implantacional (PCD).

Então isso quer dizer que quaisquertemores acerca da manipulação da

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combinação de recursos genéticos sãoexagerados?

Sim, se você estiver falando deengenharia genética de germ-line paracriar novas estruturas de DNA. E não,caso se refira à situação de seleçãoembrionária do filme Gattaca. Essaprá ti ca high-tec e cada vez maisamplamente difundida trouxe uma novareviravolta à fertilização in vitro.Conforme mostra a figura A.2, noinstante da fertilização in vitro, mais oumenos uma dúzia de óvulos é colhida damãe e fertilizada pelos espermatozoidesdo pai em uma placa de Petri. Se oprocesso for bem-sucedido, os embriõescomeçam a se dividir. No estágio deoito células, é possível retirar uma das

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células de cada embrião e submetê-la aum teste de DNA. Com base nesseresultado, pode-se decidir quaisembriões reimplantar e quais congelarou descartar.

Milhares de casais com risco dedoenças graves, como a Tay-Sachs ou afibrose cística, já utilizaram esseprocedimento, a fim de garantir que acriança nasça saudável. No entanto, umteste de DNA que mostra se um embriãoestá fadado a ter a doença de Tay-Sachspode também ser utilizado paradeterminar o sexo ou se corre o risco decontrair uma doença quando ficar adulto,como uma mutação no gene BRCA1. Aaplicação desse procedimento,denominado diagnóstico genético

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préimplantacional (PGD) [em inglês,Preimplantation Genetic Diagnosis],estimulou controvérsias, especialmenteporque, pelo menos nos Estados Unidos,é praticamente irregular.

Com a acessibilidade cada vezmaior da tecnologia do PGD, casaisabastados decidirão aproveitar asvantagens que ela oferece paramaximizar a dom genético de suadescendência, na forma de uma eugeniadoméstica, a fim de tentar atingir amistura ideal dos genomas paternos?Será que tentarão eliminar as variantesmenos desejadas e garantir atransmissão de determinadascaracterísticas?

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Figura A.3. Representação gráfica de váriassituações com aprimoramentos. Embora nemtodos concordem com a probabilidade exata

da ocorrência ou com o nível deconsideração ética de cada exemplo, este

diagrama pode ajudar a priorizar situaçõesno quadrante inferior direito como as mais

importantes.

Existe um problema estatístico

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nessa abordagem. Os tipos de atributoque os pais possam querer aprimorarsão, em geral, controlados por váriosgenes. Contudo, as melhores versões depapai e de mamãe juntas, para qualquergene, só acontecerão em um de cadaquatro embriões. Se dois genes tiveremde ser melhorados, serão necessáriosdezesseis embriões (em média)

para encontrar algum que atenda àexigência. Para aprimorar dez genes,serão necessários mais de um milhão deembriões!

Como isso é imensamente maior doque o total de óvulos que uma mulherpode produzir em toda a vida, a idioticedessa situação fica imediatamentecristalina.

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Existe, porém, outro bom motivopara que se considere essa situaçãoidiota. Mesmo para esse embrião que éum em um milhão, a chance de obter dezgenes para inteligência, habilidadesmusicais ou destrezas atléticas seriacomo perverter as probabilidades a umaquantidade pequena. Além do mais,nenhum desses genes funcionariasozinho. A importância crucial dacriação, da instrução e da disciplina nainfância não seria evitada por um lancede dados levemente aprimorado. O casalnarcisista que insistiu no uso dessatecnologia genética para produzir umfilho que poderia ser zagueiro de umtime de futebol, tocar violino naorquestra da escola e tirar A+ em

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Matemática poderia muito bemencontrá-lo, em vez disso, em seuquarto, jogando videogame, queimandouma erva e escutando heavy metal.

Concluindo esta seção sobreaprimoramento, pode ser proveitososituar algumas situações possíveis emum roteiro cartesiano, definido pelonível de consideração ética em um eixoe a probabilidade da ocorrência emoutro. Esse roteiro (figura A.3) pode nosajudar a concentrar nossas atenções namaior das considerações, que cai noquadrante inferior direito.

ConclusãoO exame de alguns dos dilemas

éticos associados aos avanços futuros

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relativos ao genoma e camposrelacionados não se esgota de formaalguma. Novos dilemas parecem surgir acada dia, e alguns deles, descritos nesteApêndice, podem desaparecer. Sobreesses assuntos que representam desafioséticos verdadeiros, que não sãosituações artificiais e irreais, comonossa sociedade poderá tirarconclusões?

Primeiramente, seria erradosimplesmente deixar os cientistastomarem essas decisões. Eles têm umafunção crucial nesses debates, já que suaespecialidade pode permitir umadistinção clara do que é e do que não épossível. No entanto, os cientistas nãopodem ser os únicos nesse debate. Por

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sua própria natureza, eles têm fome deexplorar o desconhecido. Seu sensomoral, geralmente, não é nem mais nemmenos desenvolvido do que o de outrosgrupos, e eles não conseguem evitar suaaflição diante de um conflito deinteresses que pode fazer com quefiquem indignados com os limitesestabelecidos por quem não é dacomunidade científica. Portanto, umaampla variedade de outras perspectivasdeve ser representada nesse debate. Ofardo é pesado para aqueles queparticipam dessas polêmicas sobre fatoscientíficos. Conforme nos ensina o atualdebate sobre as células-tronco, posiçõesinflexíveis podem, às vezes, sedesenvolver bem depois que as nuances

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da ciência são esclarecidas, emdetrimento do potencial para um diálogoverdadeiro.

Será que o embasamento de umapessoa em uma das maiores fés mundiaisauxilia em sua habilidade parasolucionar esses dilemas morais eéticos? Bioéticos profissionais em geraldiriam que não, uma vez que jáperceberam que os princípios da ética,como autonomia, beneficência, não-prejuízo e justiça, se mantêm reais, damesma forma, por pessoas que creem emDeus e ateus. Entretanto, dado oembasamento ético incerto da era pós-moderna, que não leva em conta aexistência da verdade absoluta, a éticabaseada em princípios específicos da fé

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pode proporcionar uma forçafundamental que, de outra forma,poderia faltar. Contudo, hesito emdefender com muita ênfase a Bioéticabaseada na fé. O perigo óbvio é oregistro histórico de que os que creemem Deus podem e vão usar sua fé àsvezes de uma maneira que Deus jamaisintentou, e mudar de considerações deamor para hipocrisia, demagogia eextremismos.

Não há dúvida de que aqueles quelideraram a Inquisição achavam estarexecutando uma atividade altamenteética, como o fizeram os que queimarambruxas nas estacas em Salem,Massachusetts. Hoje, os homens-bombasuicidas do islamismo e os doutores

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assassinos de clínicas de aborto comcerteza também estão convictos de suajustiça moral. À medida que enfrentamosdilemas que nos desafiam, trabalhadospela ciência no futuro, trazemos aodebate todas as tradições corretas enobres do mundo, testadas econfirmadas pelos séculos. No entanto,não imaginemos que cada interpretaçãoindividual dessas grandes verdadescarregue algum tipo de honra.

Estaria a ciência da genética e dogenoma começando a nos permitir"brincar de Deus"? Essa frase é uma dasmais usadas normalmente pelos queexpressam sua preocupação acerca detais avanços, mesmo quando aquele quefala não crê em Deus.

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Sem dúvida, a preocupação seriareduzida se pudéssemos contar comseres humanos brincando de Deus comoDeus o faz, com amor e benevolênciainfinitos. Nosso currículo não é tão bomassim. Decisões difíceis surgem quandoaparece um conflito entre o ter o poderde curar e a obrigação moral de nãocausar danos. No entanto, não temosalternativa senão encarar esses dilemas,tentar entender todas as nuances, atémesmo as perspectivas de todos os queconfiaram e confiam, e tentar atingir umconsenso. A necessidade de ter êxitonesses esforços é apenas mais ummotivo pelo qual as atuais batalhas entreas visões de mundo científica eespiritual precisam ser resolvidas —

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precisamos, desesperadamente, queambas as vozes estejam nesse debate, eque não estejam gritando uma contra aoutra.

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AGRADECIMENTOS

CERTA VEZ WOODROWWILSON brincou: "Não uso todo océrebro que tenho, mas todos os queposso pedir emprestados". Isso decertofoi verdadeiro no meu caso, ao agruparas ideias e os conceitos que produzirameste livro. Embora tenha empregado ocontexto de estudos modernos dogenoma humano para obter um examerenovado da harmonia potencial entre asvisões de mundo científicas e

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espirituais, poucos conceitos teológicosoriginais, se houver algum, sãoretratados nestas páginas. Estou,portanto, em enorme dívida com umaextensa lista de grandes pensadores, deSão Paulo a Santo Agostinho, passandopor C. S. Lewis, cujas capacidades paradiscernir a verdade espiritual reduzemqualquer coisa que eu possa imaginar,provinda de mim mesmo.

O impulso para escrever este livrofoi, aos poucos, entrando em foco,durante mais de duas décadas, masprecisou do incentivo de amigossinceros para tornar-se realidade. Entreos muitos que desempenharam o papelde Barnabé em várias ocasiões estão ocientista e colega doutor Jeffrey Trent,

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que acredita em Deus; os líderes doprograma Membros do Instituto C. S.Lewis, reverendo Tom Tarrants e doutorArt Lindsley; e meu amigo e notávelestudante de C. S. Lewis e SigmundFreud, doutor Armand Nicholi. Tambémdesfrutei muito dos escritos inteligentesde outros biólogos que creem em Deus,em especial os doutores Darrel Falk,Alister McGrath e Kenneth Miller.

Um momento de especialimportância na formulação dosconceitos aqui descritos foi aoportunidade de apresentar as NobleLectures [Palestras Nobres] emHarvard, em fevereiro de 2003. Nas trêstardes consecutivas na Igreja doMemorial de Harvard, debati a interface

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entre ciência e fé, e o comparecimentode centenas de estudantes daquelauniversidade me convenceu da fome quemuitos jovens têm pela discussão dessetópico. Agradeço, em particular, aoreverendo Peter Gomes, que possibilitouessa ocasião.

Muitos outros ajudaram o processode concepção deste livro: JudyHutchinson transcreveu fielmente meusesboços ditados, Michael Hagelberg foimuito gentil ao reproduzir os desenhosde meus rascunhos, e as críticasimportantes dos primeiros esboços doscapítulos foram efetuadas pelos doutoresFrank Albrecht, Ewan Birney, EricLander e Bill Phillips. Como minhaagente, Gail Ross possibilitou a

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experiência prática de que este escritornovato precisava com tanta urgência, eBruce Nichols foi um editor perfeito —incentivando a possibilidade deste livroantes que eu me convencesse de que elepoderia acontecer, exprimindo confiançanos momentos mais difíceis eestabelecendo padrões de qualidade, declareza e acessibilidade.

* De acordo com a Bíblia,Barnabé foi um dos primeirosapóstolos cristãos, e seu nomesignifica "encorajador". (N. T.)

Por fim, agradeço à minha família.Minhas filhas Margaret Collins-Hill eElizabeth Fraker e seus maridos, quesempre se dispuseram a incentivos, tãonecessários a este projeto. Meus pais,

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ainda vibrando de intelectualidademesmo na casa dos 90 anos, Fletcher eMargaret Collins, que forneceraminformações importantíssimas aosplanos originais para este livro, embora,infelizmente, meu pai não tenha vividopara vê-lo frutificar. Espero que eleesteja lendo lá do seu endereço atual,embora eu tenha certeza de que ele vaiidentificar muitos advérbiosdesnecessários que deveriam ter sidosubmetidos a uma edição melhor.Agradeço, principalmente, a minhaesposa, Diane Baker, por acreditar naimportância deste trabalho e pelo apoiona forma de inúmeras horas diante docomputador inserindo rodadas deedições sem fim.

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