A Lingua Gem Origin Aria Eo Silencio

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A Lingua Gem Origin Aria Eo Silencio

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    A Linguagem Originria e o Silncio

    Acylene Maria Cabral Ferreira*

    Resumo: O objetivo deste trabalho explicitar a concepo heideggeriana de linguagem originria e sua correlao com o silncio. Para realizar tal tarefa necessrio retomar uma das questes inerentes prpria histria da filosofia: o que origem? E a partir desta pergunta intercalar uma outra: qual a relao da linguagem com a origem? Esta necessidade decorre do prprio pensamento de Heidegger, j que para ele a linguagem origem e fundamento de significao do mundo. Nesta perspectiva, pretende-se esclarecer como a significabilidade do mundo para o homem encontra-se atrelada noo de originariedade da linguagem e ainda s noes de silncio, tempo e liberdade. A linguagem como origem - linguagem originria - a prpria liberdade de ser, o tempo de criao. Palavras-chave: Heidegger - silncio - linguagem - origem - liberdade - criao

    Introduo

    Para expor o pensamento heideggeriano de linguagem originria e sua correlao com o

    silncio, convm, inicialmente, explicitar a concepo adotada para designar origem. "Origem - a auto-realizao disponvel da apropriao da realidade pelo homem" (Heidegger 5, p. 18). O que signifi-

    * Doutora em filosofia pela UFRJ.

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    ca isto? Se origem diz auto-realizao, ento quer dizer que origem pode ser pensada como princpio? Exatamente. "Chamamos origem aquela parte da coisa que algum comearia primeiro, isto , uma linha ou um caminho tm a origem, um e outro, em direes contrrias" (Aristteles 2, Met.,V,1,1012 b 34). Da se poder afirmar que a origem o princpio, que est em todo lugar, visto que o comeo ou o fim de um caminho dependem de onde est o peregrino e de qual o seu destino. Nesta afirmativa, est implcita uma outra: o mesmo caminho, ou melhor, um determinado trecho dele, pode apresentar diversos pontos distintos de partida, de chegada, de encontro e despedida, ou seja, em cada ponto do caminho est presente o inesperado, que a caminhada. "Essa longa rua que leva para trs: dura uma eternidade. E aquela longa rua que leva para a frente - outra eternidade .... Em cada instante, comea o ser; em torno de todo 'aqui', rola a bola 'acol'. O meio est em toda parte. Curvo o caminho da eternidade" (Nietzsche 13, p. 166 e 224). Quer dizer: todo princpio sempre inaugural.

    Ainda pode-se dizer que origem diz o mesmo que princpio, auto-realizao, quando ela se

    comporta e se relaciona com as propriedades que caracterizam o princpio. Mas que propriedades respondem pelo princpio? Principiar o mesmo que comear algo? No. necessrio que esteja bem claro que princpio se distingue de comear ou de iniciar; ele de outra ordem. O comeo algo que remete ao princpio. Somente quem inicia algo e d continuidade a este comeo pode alcanar o princpio. Aquele que est sempre comeando algo dificilmente chegar a conhecer o princpio para o qual est orientado. O comeo no o princpio, mas quem guia e indica a origem; isto , o princpio. Quer dizer que, para experimentar o princpio, preciso que se d incio a um procedimento? Neste sentido, o princpio depende do comeo? Ora, mas no se afirmou acima que o princpio de outra ordem que o comeo? Como, ento, ele pode ser o modo inicial do princpio?

    O comeo a instncia de onde o princpio pode aceder a si mesmo, porque na base de todo

    comeo est o princpio, fundamento primeiro e ltimo de toda realizao. por este motivo que o princpio parece depender do comeo. O princpio o onde a partir do qual todas as coisas brotam e

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    tambm o onde para o qual tudo se direciona. Por isto ele auto-realizao; o lugar em que se encontram o fim e o comeo, assim como "na circunferncia, o comeo e o fim se confundem" (Herclito, Frag. 103). Na verdade, o princpio contm em si o comeo e o fim, apesar de no ser nem um, nem outro. Antes, o comeo como fim e o fim como comeo. O princpio est sendo considerado como "o mais alto e o mais pesado, o ltimo, porque no fundo o primeiro - a origem silenciada" (Heidegger 6, p. 4). A origem pode ser considerada princpio, quando ela provocadora, restauradora e conservadora de todo acontecimento e de todo efetivar da realidade.

    "O comeo pensado ser mais do que a metade do todo, e muitas questes que perguntamos

    so clarificadas por ele" (Aristteles 2, t. a Nicmaco, I, 7, 1098 b 5 e ss.). O princpio s ganha sentido por meio do perguntar, que o prprio comeo direcionador e fundamental para a reso- luo da questo. Desta forma, o perguntar, como comeo inaugurador de um problema, "mais do que a metade do todo" da soluo do problema, pois alguma coisa s pode advir daquilo que j . O perguntar como comeo princpio, apesar de o princpio no ser encontrado na pergunta ou no que advm dela. A pergunta, assim como a resposta, a apropriao do princpio pelo saber, onde o princpio objetivado e onde pode ser apontado como princpio. Mas este apontar do princpio no significa o seu encerramento em algo determinado, porque o princpio livre de todo limite. Ele , verdadeiramente, o sem limites, o uno e o mesmo. "Tudo se desfaz, tudo refeito; eternamente constri-se a mesma casa do ser. Tudo separa-se, tudo volta a encontrar-se; eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser" (Nietzsche 13, p. 224). Eternamente fiel a si o princpio, que sempre volta a si, riqueza da variedade de sua unidade. Assim como o princpio sempre uno e o mesmo, tambm se poder dizer que a linguagem princpio? Caso a resposta seja afirmativa, resta ainda perguntar: qual o sentido da lin- guagem? Por que e como a linguagem princpio ordenador e estruturador de mundo? Porque a linguagem se d dentro e fora de seus limites? Como princpio, ela aceita limites? Por que se pode dizer que a linguagem originria?

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    A linguagem originria

    A linguagem pode ser dita originria, porque ela transpe toda tentativa de encerramento e de restrio de sentido e de significao para as coisas e acontecimentos do mundo. O negar-se a se reter em significaes e a orientao de ultrapassagem dos limites das significabilidades existentes mostram o fundamento e a evidncia do manifestar e do produzir da realidade. Pode-se dizer que, na verdade, h um combate entre a restrio e a criao de significabilidades. O combate que se d entre o limite de significao que encerra a linguagem e a sua capacidade de ir alm deste mesmo limite aponta para o prprio poder que a linguagem tem de gerar e provocar novas significaes. A tentativa do limite de impor-se ao sem limite da linguagem administra e conserva o mundo em si mesmo; ou seja, como eterno desdobrar de realidades significativas. O fluir e o desenrolar desta disputa, em que ora predomina o limite de significao e ora vence o para alm destas significaes reconhecidas, criam a durao e a constncia da linguagem, enquanto originria. O criar e o durar da linguagem exigem, em contrapartida, a necessidade do pensar. Os homens, como seres que pertencem a um meio Iingstico, j se encontram dentro da necessidade do pensar. A originalidade da linguagem tanto mais evidente, quanto mais ela corresponde ao anseio de criao de sentido e de apropriao de significabilidades para o mundo.

    A linguagem ainda pode ser dita originria porque ela "necessria". "O necessrio no se

    dirige contra cada poder de origem, mas sim sempre contra a prpria origem" (Heidegger 6, p. 244). A origem pode ser considerada primeira, porque ela inaugura e conserva um acontecimento. Pode-se dizer que esse seria um dos motivos pelos quais a linguagem originria. porque a linguagem se correlaciona com a origem, que ela exige o necessrio e se pe neste lugar, como contraposio para a origem de toda origem. No necessrio, encontra-se o limite, o afastar de novas produes e a exigncia de tomadas de decises. Por isto, a linguagem, a partir de seus diversos modos, pode ser vista como "necessria", pois nela est todo limite.

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    Porm, o limite, que est na base de toda formao e manuteno da linguagem, somente se preserva e exerce a sua funo limitadora porque experimenta a co-pertena com o sem limites.

    A origem salta por cima do necessrio e conserva o que sobressai como realidade, como o que

    permanece, na provenincia de acontecimentos. Da poder-se afirmar que o ponto central, no que diz respeito linguagem originria, a dupla contraposio em si mesma da origem: o brotar e a movimentabilidade de sua provenincia e o necessrio, como o fundamento da necessidade de sempre j ser. O que se origina desta dupla contraposio da origem o meio de onde surge todo acontecimento e toda possibilidade de realizao, o lugar onde a origem pode ser toda e, por isto mesmo, no toda, como origem. Esse meio o prprio mundo e suas diversas possibilidades de acontecer. A origem necessita deste meio, e por isso pode tambm ser considerada o prprio meio, que no se resume ao que foi lanado e abandonado como acontecido, como um comeo que permanece para si sempre o mesmo, mas antes o que est em todo comeo, em cada acontecer e acontecido, o que est em todo lugar e a todo momento. A origem , assim, o que vem na necessidade e, dessa maneira, vem para si mesma.

    A linguagem originria, por um lado, porque transcendente e, por outro lado, porque

    necessria. Decorre da que a origem o princpio que faz refluir em si, continuamente, o sem fronteiras inerente ao limite, pois, mantm junto a si, permanentemente, o simples comear e o difundir permanente de toda emancipao do real e o alastrar de toda realidade. Desta forma, a linguagem enquanto origem responsvel pela fundao do destino do homem e do mundo, por meio da "oposio harmnica" entre o limite e o sem limites. A linguagem originria conquista e produz a significabilidade para o real. A realidade, como destino do real, tem, na linguagem originria, sua oportunidade de ser. A linguagem tem a origem como princpio estruturador. Trata-se pois de descobrir o segredo desse princpio, que originrio, j que "os princpios de diferentes coisas so, no mesmo sentido, diferentes, mas, no sentido em que algum fala universalmente ou analogamente, eles so os mesmos para todas as coisas" (Aristteles 2, Met., XII, 4, 1070 a 30 e ss.). tambm neste sentido que a linguagem origin-

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    ria, pois, como princpio de toda forma de linguagem, ela o mesmo para todas as formas, mas, como princpio que singulariza cada forma de linguagem, parece ser diferente para cada uma delas.

    Na linguagem originria, o princpio deve desdobrar-se em origem como clareza de situao

    e propriedade de lugar. Qual a leitura que se pode fazer desta afirmao? Pode-se dizer que linguagem pertencem a origem e a conservao da significabilidade do mundo. Mas, de certa maneira,isto j no havia sido dito? Qual a inovao? A novidade que, por trs desta afirmao, esconde-se a propriedade de ser do princpio. A linguagem enquanto princpio, isto , linguagem originria, pe o real em marcha para a direo da manifestabilidade de tudo o que se desdobra em um comportar entificante. Mas somente pode reconhecer o que prprio ao princpio quem nunca abandona a origem e que no se comporta apenas como um existente, como uma pedra ou um animal. Para reconhecer o princpio inerente origem de toda origem, para descobrir o mistrio que h no princpio, necessrio o pensamento. Por isso, o homem, peremptoriamente, convive com o pensar e, deste modo, pode-se dizer dependente dele. Assim, a linguagem originria o princpio, como clareza de situao e propriedade de lugar do pensamento. Talvez se possa dizer que o que h de mais prprio linguagem originria seja o pensar, isso, caso se considere que "o mais prprio a origem e a origem o inesgotvel" (Heidegger 7, p. 174).

    O mais prprio a origem, a linguagem origem; sendo assim, possvel tratar a linguagem

    como o que h de mais prprio para o homem. O que prprio de algo dado pelo que diferente desse algo, pelo outro de si mesmo. Neste sentido, o prprio da linguagem, a originariedade que a sustenta e a conserva dada pelo diferente dela: o silncio. Como a linguagem o que h de mais prprio para o homem e o que h de mais prprio para a linguagem o silncio, pode-se dizer que a linguagem o que o mais familiar para o homem. porque a linguagem o que h de mais ntimo para o homem, que ela se torna o que mais difcil de se conhecer e de se apropriar. A inesgotabilidade da linguagem converte-a no que sempre escapa ao homem, no que lhe mais estranho, no que continuamente escapa ao seu domnio, porque sempre o retira do que lhe familiar. Mas justa-

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    mente nessa propriedade da linguagem de retirar o homem do que lhe familiar e o pr diante do que lhe estranho, que reside a essncia da linguagem e assim do homem. "Fatalmente permanecemos estranhos a ns mesmos, no nos compreendemos, ... para ns, isto significa a lei em toda a eternidade: 'Cada um em si mesmo o mais distante' - no somos nenhum conhecedor de ns mesmos" (Nietzsche 14, p. 7). Da poder-se afirmar que o homem - ser de linguagem - transforma-se, no decorrer de sua existncia, no mais estranho de todos os seres, pois, a toda hora, depara com o estranho dele mesmo.

    Isso ocorre porque o homem tem a oportunidade de vivenciar o que lhe mais familiar; ou seja, ele mesmo em sua existncia. A existncia humana o lugar em que o homem pode experienciar a diferena entre o estranho e o familiar e, assim, pressentir quem ele e quem no e tambm o que o mundo e no . A espessura dessa experincia a prpria dinmica da linguagem. Na verdade, quem o homem e o que o mundo o que h de mais estranho e de mais familiar, pois o mais prprio de um e de outro e, ao mesmo tempo, o outro de si e outros. Como, para dizer o que seja mundo e homem, torna-se necessria a instaurao da linguagem, infere-se que a linguagem a maior e a verdadeira riqueza do homem.

    Mas difcil e o mais difcil ser rico nesta riqueza. Pois, apenas pode ser rico e utilizar a riqueza, quem antes tornou-se pobre no sentido de uma pobreza, que no nenhum carecer. ... A pobreza originariamente essencial a coragem para o simples e o originrio, ... O ser rico deve ser aprendido. Apenas a pobreza essencial sabe que a autntica riqueza deve ser aprendida .... Primeiro, a riqueza mostra-se onde ela se propagou. Pois a riqueza apresenta-se primeiro na propagao, porque esta apresentao exige apenas o simples recolher e o criar (Heidegger 7, p. 174-5).

    A linguagem originria e a mais difcil propriedade do homem, porque a mais fcil e a mais simples de todas as riquezas humanas. Como re-

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    sultado desta constatao, a linguagem mostra-se como o lugar mais apropriado para a proximidade do homem com a origem. Estar prximo origem o mesmo que compartilhar e morar na vizinhana da linguagem; consumir-se no prprio; ou seja, entregar-se linguagem e ao que lhe prprio - o silncio - sem a pretenso de domin-Ios e sem medo de ser apropriado pelo desconhecido que neles habita. A linguagem originria, porque princpio, e, por sua vez, cada princpio nico. O princpio nico, porque ele o lugar e o momento em que se movimenta o prprio de toda realidade. O princpio o tempo da linguagem, j que ele um durar e esperar dos acontecimentos, um modo de passagem ou de transio, um deixar-ser na origem, na intimidade.

    "O princpio o que h de mais estranho e poderoso" (Heidegger 8, p. 177), porque guarda

    em si o que prprio de algo, conservando-o e fazendo com que seja reconhecido como tal. o princpio que est escondido em todo dar-se do mundo e do homem. ele que produz e protege toda manifestao da realidade e abre caminhos para novos desdobramentos. A linguagem, como princpio, impele o homem a lanar-se na rota do estranho e a cultivar o que lhe familiar. A linguagem originria provoca no homem o superar-se a si mesmo, o ir alm de si. A linguagem originria liberta o homem para o seu ser mais ntimo, para o que ele , para "o tempo prprio, que traz todas as coisas" (Herclito, Frag. 100). exatamente este tornar-se homem que o verdadeiro acontecimento da estranheza. O estranho o desvelamento do mundo, como tambm o revelar-se do homem. Tanto um quanto outro acontecem pela linguagem. A linguagem , portanto, o meio em que se abre, se manifesta, se conserva e se retm todo acontecer do real. A linguagem, sendo esse meio, essencial para a efetivao da realidade, e, concomitantemente, o que h de mais estranho.

    A linguagem originria o meio, a espessura e tambm o lugar e caminho em que acontece

    mundo. Que significa isto? Qual a relao existente entre lugar e origem? Entre meio e princpio? Entre o estranho e a localidade? A linguagem, e, por isso, tambm o homem, o que h de mais estranho. Pode-se perceber que a relao existente entre o homem e a localidade - localidade diferente de lugar, porque a localidade o lugar exigi-

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    do e aberto pela apropriao do prprio da linguagem - est em que o homem se faz homem na medida em que, na sua existncia, instaura o lugar e, nesta instaurao, faz acontecer e continuar a busca do princpio no princpio. Este se encontra centrado na exigncia e compromisso que o homem tem para consigo mesmo; isto , o fato de ter sempre que ser; exigncia esta de que s se exime com a morte. O princpio est presente em toda a existncia do homem, em cada momento dela, assim como em seu todo. Partindo da linguagem originria e direcionando-se para ela, o homem j partici- pa do princpio, vem dele e se projeta para ele. Neste sentido, a linguagem o lugar, o meio, e o princpio a origem, como tambm faz sentido o inverso: a linguagem a origem, princpio, e este o lugar. Linguagem e origem se co-pertencem. Para compreender a linguagem originria, o homem deve vir do princpio e deve j ter ido at ele. O homem pertence ao princpio e, portanto, est subjugado a ele. Para que o homem possa participar do lugar, da linguagem como princpio, para que o homem esteja pronto para assumir a localidade do lugar, ele deve abrir-se e apropriar-se de seu ser mais prprio, sua existncia, conferindo enfim vitalidade vida.

    A maneira como o lugar determina a estada, o modo como o lugar j o lugar nomeamos a localidade do lugar. A localidade do lugar oferece o descanso da estada .... O rio a localidade, em que reina a estada do homem sobre a terra, ... O rio traz o homem em seu prprio e o mantm no prprio. O prprio aquele a quem o homem pertence e deve pertencer (Heidegger 8, p. 23).

    A localidade do lugar, a essncia do lugar, a dimenso em que acontece o desenrolar da vida do homem, ou seja, das vicissitudes histricas. na localidade do lugar que a existncia humana tem possibilidades de ampliar o seu acontecer histrico e de transform-lo em uma poca historial. O lugar, por sua localidade, penetra e age na vivncia do homem, que, por ser um ser de linguagem e historial, j marcado pela linguagem e pela histria. Pois, quando o homem nasce, ele j se encontra inserido em uma co-

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    munidade lingstica e j participa de uma poca, que carrega consigo valores, costumes, anseios, descobertas, crenas, entre outras coisas. O lugar , portanto, aquele que perpassa, pela linguagem, o todo que o mundo. Ele deixa transparecer o que a linguagem originria produz e conserva e, por este motivo, liberta o homem para o seu ser mais prprio. Desta forma, a localidade do lugar marca o que foi, o que e o que vem a ser a realidade.

    Por que o lugar determina a estada do homem sobre a terra? Qual a concepo de lugar? Sob qual instncia ele aparece? Por que "a localidade traz e mantm o homem no prprio"? Pode-se dizer que a estada do homem sobre a terra diz respeito ao modo pelo qual o homem "mora", habita a terra. Neste "morar" est implcito o modo como o homem desenvolve os saberes, as artes, os seus hbitos, a sua histria etc. Tudo isto diz "morar". O "morar" determinado pela estada do homem sobre a terra e, ao mesmo tempo, o que retm e conserva esta estada. Mas o que a estada do homem sobre a terra?

    Embora nascido no tempo, o homem foi criado no incio da criao .... A vida do homem toca o comeo da criao. E assim, mesmo fora da instncia dos entes criados, o homem livre e um eterno comeo. Por mais inapreensvel que esta idia possa se apresentar para o senso comum, todo ser humano carrega consigo um sentimento com ela compatvel de que, desde sempre, ele o que e no algo que se tornou no tempo (Schelling 15, p. 61).

    A estada do homem pode ser pensada como o demorar do homem sobre a terra; ou seja, C0IJ10 a permanncia do que sempre o homem em sua essncia, esta que permanece a mesma com o passar das pocas e permite que o homem possa sempre ser reconhecido como tal, porque "desde sempre, ele o que ". Mas o demorar-se do homem sobre a terra no diz apenas o fato de o homem viver por um certo tempo, por um determinado nmero de anos, o demorar do homem no marcado por vidas individuais, mas sim por instalao de mundo e por advento de pocas histricas. "O que

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    h de grande, no homem, ser ponte, e no meta: o que pode amar-se, no homem, ser uma transio [b erg ang ], e um ocaso [Unterg ang]" (Nietzsche 13, p. 31). porque o homem transio; isto , se transforma de acordo com as possibilidades que ele tem para ser o que ele , que permite o surgimento do novo, do desdobramento da essncia humana, da reincidncia do princpio, das inovaes da linguagem, das criaes e descobertas de mundo. Quando se firma um modo distinto de ver o mundo, de forma diferenciada do anterior, uma era se finda e outra tem incio. O surgimento de uma nova poca deixa a impresso de que "o tempo acabou. Entre uma aurora e outra, uma nova verdade apareceu-me" (id., ibid., p. 40), uma nova concepo de mundo instalou-se, um novo tempo brotou. Ao que tudo indica, essa a noo do que seja a estada do homem sobre a terra. O homem o que e, atravs da linguagem e do tempo apropriado, tem condies de alcanar a sua propriedade: o que desde sempre ele .

    O que se pode observar, a partir da noo de estada do homem sobre a terra, que a estada, que um demorar-se, necessita de momentos, que vm instaurar e possibilitar o surgimento de novas vises e concepes de mundo. Esses momentos, inerentes ao demorar da estada, no representam momentos cronometrados, mas antes dizem o "tempo certo" para cada coisa acontecer. Mas o que significa o "tempo certo"? a hora marcada para um compromisso, ou o pensamento de que algo se deu porque era chegada a sua hora? O tempo cronolgico, criado pelo homem, assim como o sentimento de predestinao dos acontecimentos podem ser inseridos no que significa "tempo certo", apesar de no responderem pelo que, na realidade, seja o "tempo certo", que significa tempo apropriado. Por qu? No tempo apropriado, o homem encontra o que lhe prprio, o que lhe traz tranqilidade, quietude. O fato de o homem no estar centrado em seu prprio lhe traz inquietude, j que no prprio que ele encontra descanso e cessa, por um momento, a procura pelo sentido de sua existncia e para tudo mais 'que diz respeito a ela. O tempo apropriado carrega em si a quietude, o prprio do homem. A quietude a base da fundamentao para o que o homem e o mundo; ela guarda o que mais prprio de ambos, em toda sua invulnerabilidade. Por esta razo, o "tempo certo" pode ser para o homem o tempo

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    apropriado. O tempo apropriado, por apresentar a quietude, carrega tambm o tempo de criao, de produo, de continuidade. O tempo apropriado , dessa maneira, o tempo de transio, o tempo de passagem e se encontra correlacionado com a localidade do lugar. Por qu? Porque o lugar o prprio.

    O prprio permanece, por muito tempo, estranho ao homem, porque ele o abandona

    sem t-Io apropriado. E ele [o homem] abandona o prprio porque este ameaa dominar mais facilmente o homem. O prprio o que se faz de si mesmo. O prprio precisa de uma dedicao. E aquilo a que se dedicou necessita da apropriao .... Morar no prprio o que vem por ltimo e raramente o que se sai bem e permanece sempre o mais difcil (Heidegger 8, p. 24).

    A conquista do prprio e o conservar-se nele o que h de mais difcil para o homem,

    porque o homem este que est sempre passando, despreocupadamente, pela vida. Mas o passar que, s vezes, dificulta ao homem o acesso ao que lhe prprio, que tambm possibilita a ele a conquista e a permanncia no prprio. Como? O tempo apropriado diz respeito realizao do prprio, porque ele um tempo de transio, de passagem. O homem aquele que caminha e peregrina, em busca de si mesmo e do mundo que o cerca. Nessa procura, ele transcorre no tempo e mantm e conserva a marca de sua passagem e de sua busca. Desta maneira, o homem tem condies de aceder ao que lhe prprio e fundar o tempo apropriado. Nele sempre o tempo que desaparece. O tempo apropria-se da plenitude da caminhada do homem, em direo ao que lhe pertence. O tempo apropriado torna-se esta caminhada e obtm a singularidade para cada tempo que passa. Em essncia, o tempo apropriado corresponde localidade do lugar. Esta passagem, que o tempo, determina o modo de ser do homem. O tempo, como passagem, peregrinao, transitar de um caminho para outro, perder-se no prprio, para poder encontr-lo. O tempo apropriado o local de morada do homem. a localidade que se faz conhecida, atravs do pas

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    sar do tempo, da peregrinao da caminhada do homem rumo ao prprio, ao "tempo certo". O tempo apropriado tempo de passagem.

    O tempo a localidade do homem, porque ele determina o a e o l, aonde chega o tornar-se

    prprio e de onde o prprio tambm toma sua sada como prprio. O tempo tem um lugar no interior da localidade do lugar; ou seja, o tempo tem um lugar no interior da linguagem originria. O tempo mora, habita, guarda e protege o lugar da morada do homem, porque permanece junto da estada do homem e se confunde com ela, Por isso, o tempo pode ser pensado como a caminhada que peregrina, como a essncia do lugar, em que o prprio encontra sua entrada e sua sada. O tempo a essncia mesma deste caminhar peregrino do homem sobre a terra, O tempo assim a localidade do lugar, o I contido no aqui, o lugar anterior, inserido no posterior e este como j determinante daquele. O tempo o lugar do prprio. Por esse motivo, o tempo pode ser dito tempo apropriado, que conserva o aqui e o l e tambm a passagem que antecede um e outro. Se o tem- po apropriado este que conserva o aqui e o l e a passagem entre ambos, como ele se encontra correlacionado com a linguagem originria?

    O tempo apropriado diz a reunio da linguagem e do prprio numa unidade originria.

    Neste sentido, o tempo apropriado e a linguagem originria co-pertencem-se. O homem encontra-se fundamentado nessa unidade. dentro dela que o homem pode tornar-se homem e o mundo desvelar-se como mundo; nessa unidade que ambos encontram o que Ihes prprio. Ser prprio experimentar uma passagem pelo estranho e uma disputa com ele. O tempo apropriado assim como a linguagem originria marcam a chegada do retorno ao prprio e mostram o princpio que foi, que est sendo e que estar sempre presente no prprio.

    "A transformao acontece como passagem ... Na qual se abandona um lugar, em favor de

    outro ... para o que necessrio uma localizao" (Heidegger 9, p. 138). A transformao que acontece como passagem o deixar ser da coisa e do homem, Passagem transio: o modo de reunir-se do homem e do mundo, Transio uma passagem para o outro lado, para uma localizao. Como a transio rene homem e mundo, ela diz a permanncia de um e de outro, reunidos em si mesmos. Ambos nascem da transi-

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    o, que a essncia do tempo apropriado. A transio, como reunio da essncia do homem e do mundo, concilia a essncia de um no outro, e vice-versa. Isto significa que cada princpio foi trazido e decidido na localidade do lugar, na quietude essencial de cada um deles. O lugar em que o princ- pio pode sempre acontecer e ser transio a linguagem originria. A a essncia do homem pode encontrar a sua contra-essncia - o mundo - e, em tal confronto, encontrar antes a si mesmo. "Encontrar-se a si mesmo ... um passar para o outro lado, a partir do prprio para o estranho do outro e vir deste estranho reconhecido para o prprio" (Heidegger 7, p. 86). Essencializar-se um ir-e-vir no tempo; a passagem de um comeo para um princpio, achar a localidade do lugar que lhe diz respeito. Aqui, tempo apropriado e linguagem originria so um e o mesmo. Sendo assim, como eles so transio?

    Atrevo-me a declarar, sem receio de contestao, que, se nada sobreviesse, no haveria tempo futuro, e, se agora nada houvesse, no existiria o tempo presente. De que modo existem aqueles dois tempos - o passado e o futuro -, se o passado j no existe e o futu- ro ainda no veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e no passasse para o pretrito, j no seria tempo, mas eternidade. Mas, se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretrito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa de sua existncia a mesma pela qual deixar de existir? (Agostinho I, XI, 14).

    O tempo apropriado e a linguagem originria so transio porque tm, como momento

    essencial, o ir-e-vir da atualizao da realidade, que se processam como dinmica do tempo: "Passado que j no existe, futuro que ainda no veio e o presente, que, para ser, tem de passar para o pretrito". O ir-e-vir da dinmica do tempo ultrapassam-se, reciprocamente, para chegarem ao princpio. Este ir-e-vir a prpria transio, uma forma de passagem para o outro de si mesmo. Porm, a travessia para o outro, para a con-

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    tra-essncia, no significa a disperso dos lugares, mas sim que o que est l o que est alm daqui. O tempo, como ir e vir, como passagem, significa que tanto o c como o l apresentam-se como o outro do um, como a possibilidade de reunio e contraposio de essncia. Mas toda a riqueza presente nessa reciprocidade de reunio e contraposio de essncia pode ser perdida ou anulada, se a passagem for pensada somente enquanto transitar de um lado para o outro, sem ter-se apropriado da essncia do outro, para efetivar-se. Desta maneira, a transio como passagem, fundamento da linguagem originria e do tempo apropriado, torna-se disperso e o homem e o mundo continuariam sempre no comeo, sem chances de alcanarem o princpio. Se, antes, a passagem era considerada o momento essencial para se chegar no prprio de cada um, agora aparece como uma grande ameaa de perder-se no outro de si. Como se poderia unificar a idia da correlao do tempo de transio, de passagem com a linguagem originria?

    O tempo, como transio, a passagem das passagens. Nesse transitar entre uma passagem e

    outra, encontra-se o essencial. Na verdade, o "entre" que antecede e pospe cada passagem que o essencial. Nesta perspectiva, o tempo de transio, que o mesmo que tempo apropriado, mos- tra-se como um "entre", um espao aberto e vazio no meio da linguagem enquanto originria. O "entre" pode ser dito um espao aberto e vazio, porque ele , de fato, um intervalo de reconstituio e de retorno existente no princpio, na prpria linguagem como origem. Deste modo, o "entre" mar- ca a diferena de um momento para outro e institui o "tempo certo". O "entre" a diferena e o diferente de. A partir do "entre", o tempo apropriado apresenta a estrutura fundamental para o deixar-ser, para o verdadeiro e diz o mesmo que a linguagem originria.

    A passagem, essncia do tempo apropriado, pode ser considerada como o fundamento para a

    histria. Isso, se a passagem no representar simplesmente o passar de um lugar a outro, como se atravessa uma rua, ou se muda de uma cidade ou de um pas. A transio a essncia da histria, se passagem quer dizer morar no "entre", visitar, ininterruptamente, o estranho e o prprio, e ainda participar da aventura do inesperado existente no princpio que ronda toda concretizao da realidade.

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    O tempo o passar do passageiro. Este passar mais exatamente representado como o escoar de um "agora" sucessivo, a partir do "ainda no agora", em direo a um "nunca mais agora". O tempo deixa passar o passageiro de tal modo que ele mesmo passa, o que s pode acontecer se o tempo persiste atravs de todo o passar. O tempo persiste passando. Ele no sendo continuamente (Heidegger 10, p. 78).

    Por que o tempo de transio pode ser o "entre", fundamento da linguagem originria? O tempo apropriado pode ser o "entre" porque abertura. Essa caracterstica marcante do tempo apropriado faz-se presente, atravs de seu modo de ser: ele no sendo, tendo sido. O tempo apropriado se faz no sido e no futuro, por isso ele pode ser considerado o "entre". Enquanto futuro e passado, ele o "entre" um agora e outro agora, que pressentido no sido, aponta para o futuro e guiado por ele. "Talvez fosse prprio dizer que os tempos so trs: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras" (Agostinho I, XI, 20). Nesse sentido, o tempo apropriado tempo de presena e de transio, porque nasce, sucumbe e renasce com a movimentao do tempo como presena. Pode-se afirmar que do tempo, como presena, que o tempo apropriado recebe sua essncia.

    Como o "entre" a essncia do tempo apropriado e como ainda o "entre" o fundamento da

    linguagem originria, j que ele se d como um vazio, como abertura, o tempo apropriado pode ser nomeado de linguagem originria. A linguagem, enquanto origem, a condio fundamental para a determinao do tempo essencial, assim como para a manuteno do princpio. A linguagem originria o tempo apropriando-se continuamente do princpio. A linguagem originria a unidade essencial que se d entre o tempo e o prprio. A unidade que a linguagem originria deixa sempre nascer o nico - o tempo apropriado: presena - cuidando para que ele nunca se rompa e se afaste do fundamento desta unidade: o princpio. Como o tempo apropriado a linguagem originria, a linguagem tambm pode ser dita de transio, porque ela transcorre, transforma-se, conserva-se e desa-

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    parece como formas de linguagem e de expresses lingsticas. A unidade da linguagem com a origem, princpio, conduz unidade do tempo com o prprio.

    O silncio

    Da linguagem originria, como princpio, surge o que mais digno de pensar e, por isso, a tambm se d o mais silencioso. que o mais digno de pensar o mais contemplativo. O mais digno de pensar se diz o mais contemplativo, na medida em que "contemplar diz: entrar no silncio" (Heidegger 9, p. 45). O contemplar entrar no silncio como clamor original, que oferece a riqueza de provenincia da linguagem. O clamor original do silncio chama mundo e homem para o falar da linguagem, como manifestao de seu ser, como o vir de si mesmo no "entre" da diferena comum ao mundo e ao homem. Esse modo de chamar o prprio vigor do silncio. O silncio o falar da linguagem que chama o prprio de cada um a efetivar-se. , pois, o chamado que concede o vigor s coisas. "A linguagem fala como ressonncia do silncio" (id., ibid., p. 30). O chamado do silncio, que a fala da linguagem, atua para singularizar e tornar mais autntico o que cada coisa em si mesma. Como acontece a relao do silncio e da linguagem? Ser que ao silncio corresponde a ausncia da fala e linguagem, a presena da fala? Como o silncio o fundamento da linguagem originria? Por que ele um chamar?

    Antes de responder a essas questes, preciso deixar claro que existem vrias formas de encarar o silncio. Dentre estas formas, pode-se citar o silncio entre uma palavra e outra, o silncio de quem se cala, o silncio dos conventos, o silncio presente na msica, na poesia. Para poder pensar o que seja o silncio e qual a sua relao com a linguagem originria, deve- se refletir acerca do silncio sob trs aspectos: silncio e discurso, silncio e tempo, silncio e liberdade.

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    Silncio e discurso

    O silncio, na sua relao com o discurso, no significa mudez, ausncia de palavras. "O silncio no est simplesmente ligado com alguma performance humana ativa. Ele mesmo uma performance ativa" (Dauen- hauer 3, p. 4). Nesta perspectiva, o silncio uma instncia que ocupa o mesmo patamar que a linguagem; no porque so instncias contrrias, mas porque ambos so criativos. O silncio est sendo tratado ao lado do discurso, porque ele e o discurso so performances ativas, que exigem um modo qualquer de expresso e porque so constitutivos da linguagem. Se o silncio est no mesmo nvel da linguagem e se ela est sendo considerada, neste trabalho, como princpio que se auto-sustenta, ento o silncio tambm deve ser considerado como princpio. Neste sentido, pode-se afirmar que silncio e linguagem co-pertencem-se e se encontram entrelaados, como princpio.

    Outro motivo para que o silncio seja tratado ao lado do discurso o fato de ele ser mais

    facilmente reconhecido em contraposio com o discurso, e vice-versa; apesar de no ser esta contraposio, em que um e outro, na sua diferena, instalam o outro em si mesmos, que marca a relao fundamental entre silncio e discurso. Aqui, tanto o silncio quanto o discurso acontecem como dilogo. "Ns - os homens - somos um dilogo. O ser do homem se funda na linguagem; mas isto acontece propriamente antes no dilogo" (Heidegger 11, 'p. 38). no dilogo que o silncio e o discurso acontecem e que o homem pode experienciar um e outro e ouvir a voz de seu ser. No dilogo, como provedor do silncio e do discurso, o homem tambm tem condies de ouvir mais atentamente a essncia do mundo e dos outros homens. O dilogo, isto , a linguagem como unidade do silncio e do discurso, traz o que propriamente homem e mundo. Nessa unidade, homem e mundo respondem um ao outro, a partir de sua essncia fundamental. Essa resposta significa a transferncia recproca de essncia; ou seja, o mundo passa a ser visto com caracteres humanos, e o homem v-se transformado pelos caracteres mundanos.

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    O dilogo, como unidade do silncio e do discurso, no apenas o falar um com o outro, mas tambm o calar um diante do outro e ouvir. O dizer e ouvir, inerentes unidade do dilogo, incluem em si o recordar e o tornar lembrado como no-dito, como presena do silncio, que ronda e povoa o dito da memria. Esta guarda na sua intimidade, tanto o esquecido, como o lembrado e, por isso, pode atuar como o verdadeiro dilogo entre essncias. A memria, atravs do jogo constante que se d em seu interior- este do silncio e do discurso, do esquecido e do lembrado -, permite a troca recproca de afinidades e idiossincrasias de uma poca histrica com outra e de um povo com outro. O dilogo efetuado pela memria possibilita o prosseguimento e o surgimento das culturas. Pode-se dizer que a unidade do dilogo memria, recordao, conviver com o familiar, com o que j se essencializou. O recordado , ao mesmo tempo, o que j se deu e o que ainda no se essencializou e se oculta como no-efetivado no j acontecido, mas recordado. No dilogo como memria, processa-se uma proximidade e um distanciamento daqueles que falam e daqueles que ouvem, acontece o calar da linguagem e o falar do silncio. Neste distanciamento e proximidade, libera-se cada pensamento produzido pelo dilogo. Qual a relao existente entre pensamento e dilogo? Como o dilogo est sendo correlacionado com a memria, o pensar poder ser considerado como um lembrar, que traz presena o dito e o no-dito da memria. O pensar, nesse sentido, estaria servindo ao dilogo, ou seja, o pensar quem possibilita a efetivao do dilogo. O pensar, como dito e como impensado, participa da intimidade do dilogo. Porm, para que o pensar possa concretizar o dilogo, ele exige o dizer e o ouvir. Da poder-se afirmar que, no dilogo, reina o dizer e o ouvir.

    "Que ns somos um dilogo significa igualmente e originalmente: somos um calar. Isto significa tambm: nosso ser acontece no discurso do ente e do no ente" (Heidegger 6, p. 70). Se somos um dilogo, ento somos necessariamente um calar, porque este o fundamento essencial do dilogo, quem permite o acontecimento da linguagem, como unidade da memria e do silncio. Mas o que o acontecimento da linguagem? Como ele se d? O acontecimento da linguagem o dar-se do mundo e do homem,

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    que se efetiva atravs do dilogo entre silncio, dizer, calar e ouvir. Desta forma, o dilogo o acontecimento fundamental da liberao da essncia das coisas, como edificao originria do ser, porque permite que cada coisa, na sua proximidade e distncia, oua a essncia da outra. O dilogo, como ouvir e calar, prepara uma passagem do no-ser para o ser, para o outro, alm de si. Dialogar entrar no outro, para poder compreender-se e conhecer-se como outro, e assim sair de si e voltar para apreender melhor a si mesmo. Entrar no outro escut-Io, calar-se, sair-se de si. "O verdadeiro dilogo no jamais o dito de uma conversao" (Heidegger 10, p. 110), mas o silncio enquanto performance ativa.

    "Embora o domnio do discurso esteja fundado e estratificado pelo silncio, o silncio no em todos os aspectos o correlato estrito do discurso" (Dauenhauer 3, p. 81). Pode-se dizer que o correlato estrito do discurso o ouvir. Ouvir, no sentido de escutar, que concentrar-se no no-dito do outro, para poder ser um com o que dito. Escutar diz ainda esperar pelo inesperado, que vem junto com o dito do outro. O que falado no dilogo produzido no escutar, e no na prpria fala do discurso. O ouvir e o dito so a produo da linguagem originria. O ouvir escuta, no que tem sido, a lembrana que pode encontrar a essncia e fundamentar o que est sendo. O ouvir abrir-se para a origem, para o princpio que orienta todo produzir da realidade. Por esse motivo, ouvir verdadeiramente uma tarefa muito rdua, porque escutar o princpio e diz-lo algo muito difcil, que exige muita entrega, cuidado, dedicao, perseverana e concentrao. "Dizer e ouvir co-pertencem-se como medida de essncia e trazem a possibilidade do dilogo, do dilogo que sabemos que manifesta o fundamento de nosso Dasein" (Heidegger 6, p. 201-2).

    O calar um outro modo do ouvir e do dizer; sendo assim, tambm dilogo. Calar significa dizer o que foi escutado, o que foi lembrado, ele expe o sido, que estava guardado na memria, como o pressentido como dever ser. O calar a possibilidade da linguagem como discurso, como o chamar das coisas sua essncia. Este chamar o decidir que determina o ser das coisas e que entrega o real realidade. O chamado convoca o que vem a ser. O que o chamado convoca a singularidade das diferenas, fun-

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    damento do mundo. O que chama a linguagem originria, o silncio como diferena. O silncio chama linguagem o mundo em sua essncia. O acontecer da diferena, a fundamentao do mundo, o chamado do silncio, a provenincia da linguagem originria.

    O discurso sem o silncio seria simplesmente uma linguagem atemporal, e o silncio sem

    o discurso seria um colapso ou na mudez vazia ou na viso no significativa. Mas o silncio e o discurso genunos, na sua interconexo inextrincvel, so ingredientes no viver de modos mltiplos do envolvimento interpessoal do qual as pessoas so capazes (Dauenhauer 3, p. 96-7). Tanto o silncio quanto o discurso so importantes para o sentido da linguagem e para a

    instalao de cada um deles. Porm, importante ressaltar que, na linguagem, no h lugar para o discurso completo, ou para o silncio completo, esses so inacessveis para os homens, que podem apenas falar sobre ambos, mas nunca experienci-Ios na sua completude. Nem o silncio nem o discurso so instrumentos para o homem ter acesso linguagem e significatividade das coisas; antes eles so constitutivos da linguagem e, assim, do homem e de seu mundo. Nesta perspectiva, tanto o silncio quanto o discurso dizem respeito questo da significabilidade do mundo.

    Silncio e tempo O silncio e o discurso, enquanto unidade da linguagem, so responsveis pela

    significatividade do mundo. Mas ser que apenas eles so suficientes para a manifestao do mundo? Se o "discurso sem o silncio uma linguagem atemporal", isto quer dizer que o silncio apresenta uma correlao com o tempo. Ento s resta perguntar: como se d esta correlao?

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    O silncio, na sua correlao com o tempo, pode ser visto como um falhar, como uma falta, como um projetar-se sobre os acontecimentos. Por que falta ou falhar? Porque o silncio, ao ser equiparado falta - abertura -, est, concomitantemente, sendo equiparado ao lanar-se dos aconteci- mentos que se estendem sob o dar-se da realidade, que se encontra atrelado ao tempo. Como no tempo que se d o que h de vir e de lanar-se como realidade, junto dele que o silncio atua. Pode-se da dizer que a correlao do silncio com o tempo apresenta-se como a ddiva da provenincia do que sempre h de vir. Por qu? Porque, tanto o tempo quanto o silncio tm o seu olhar voltado para o princpio e ainda porque realizam uma ligao originria ofertada pela falta: a instalao de um povo histrico sobre a terra e a doao de significabilidades, seja como ocorrncia, ou como seqncia de manifestaes. Pode-se afirmar que o silncio, na sua funo temporal, determina o ritmo da constituio da realidade, e, por esse motivo, pode ser considerado uma instncia temporalmente complexa.

    O silncio, como co-pertencente ao tempo, dura mais que um agora, um antes e um depois; ele a unidade dessas trs acepes temporais. Nenhuma delas necessria para a ocorrncia ou manuteno do silncio; no entanto, isto no quer dizer que elas sejam irrelevantes para a instncia do silncio. O que se pode afirmar, a partir desta constatao, que o tempo constitutivo do silncio. Como? A partir do momento em que o silncio foi considerado como princpio e co-pertencente linguagem, ele tambm foi equiparado ao produzir, ao criar, inerente ao princpio e linguagem. Isso quer dizer que o silncio est intrinsecamente ligado ao produzir e, assim, ao tempo, porque o produzir e o tempo so prximos. O produzir mora no tempo, e, reciprocamente, no tempo e no produzir que decidida a determinao de ser do mundo. E, como o silncio participa do tempo e do produzir e como ambos marcam o momento de deciso do que o mundo, ento o silncio pode ser pensado como tempo de deciso, que diz o mesmo que tempo de criao. O tempo de deciso longo, porque sobre o criar est um esperar e um aguardar incessante sob o apropriar-se do modo de ser de cada coisa sobre a terra. O que esse tempo de deciso deixa ser apropriado o tornar manifesto do mundo. Tal o dilogo entre tempo e silncio. Nes-

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    te dilogo "acontece a linguagem, ...Somos - um acontecimento lingstica, e este acontecer temporal,...[no sentido em que] o acontecimento lingstica o princpio e o fundamento do tempo historial prprio do homem" (Heidegger 6, p. 69).

    O homem um dilogo entre o tempo e o silncio, porque ele , antes de tudo, linguagem.

    nela que o tempo e o silncio, assim como o discurso, esto fundamentados. Por isso, a linguagem pode ser dita originria. O silncio, em sua correlao com o tempo, um permanecer em si e um du rar do a e do agora. O silncio a morada em que o tempo mostra o tornar que faz visvel a inteireza e o isolamento de todo fundamento. O tempo o ainda presente do silncio. No ainda presente, est o vir para e o ainda no presente; ou seja, o tempo de deciso. A mensagem desse tempo que o fundamento das coisas no est em seu presente constante, mas em seu dever- ser e em seu sido que devir. O tempo esta "unidade, na qual ele o outro, isto , ele no que ele e igualmente no que no ; nisto que ele no , ele " (id., ibid., p. 189). O tempo e o silncio esto assim em reunio com o tornar e o vir. O vir fala no presente e no sido, como apropriao do ser de cada coisa. E isso significa: algo j foi decidido, algo tornou-se acontecido, foi apropriado. Como o tempo e o silncio mantm uma relao com o futuro, eles so depositrios de uma significao ainda oculta.

    Pode-se ainda dizer que o silncio e o tempo so um pressentir do porvir no ter sido. O pressentir habita o que vem no sido, e isso, usualmente, possvel como recordar, pois o verdadeiro recordar se d como lembrana do sido, como acontecido, que guarda em si o no-acontecido. Por esse motivo, o tempo de deciso pode ser visto como um pressentir; alis, ele o prprio pressentir, no sentido do que vem a partir do ter sido. O tempo de deciso o recordar que vai no sido e no futuro, assim como o pressentir no sido e a presena no modo da ausncia. O tempo e o silncio permanecem para o homem sempre como o que vem, o que nunca decidido, o que cheio de destino e por isso mesmo pensado como vir. O tempo de deciso guarda em si o sido e o que vem. Tudo o que vem a partir da unidade do tempo e do silncio, do sido e do futuro, tem seu destino como presente, como decidido e apropriado. O tempo de deciso rene em si o sido e

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    o futuro como presena da ausncia. Isso significa que toda realidade surge de todo real como possibilidade de ser, como presena da ausncia. O tempo, como deciso, diz que cada poca essencializa, para cada uma em seu tempo, durando com a outra: a que foi e a que vem. O tempo de deciso, unidade do silncio e do tempo, o "entre", a falta como abertura, como possibilidade de provenincia para o manifestar-se do homem e do mundo, como permanncia do que sempre j . Este "entre" a linguagem originria, na sua relao essencial com o princpio; enquanto este o que vem; ou seja, enquanto ele a prpria liberdade de ser.

    Silncio e liberdade

    Como o silncio encontra-se correlacionado com a liberdade? Silncio e liberdade co-pertencem-se na medida em que o silncio a instncia apropriadora da essncia das coisas e a liberdade a instncia que deixa as coisas serem o que elas so. Devido a essa caracterstica decisiva de um e de outro, ambos promovem o produzir de significabilidades. Nesta perspectiva, tanto o silncio quanto a liberdade so o fundamento para o produzir, para a conquista do ser prprio de cada coisa. Mas como liberdade e silncio propiciam tal conquista?

    O silncio e a liberdade podem ser considerados como o fluxo em que todas as coisas correm. Assim sendo, toda coisa endereada ao acontecer encontrar-se-a submersa neste fluxo. O silncio, como fluxo, diz mais do que o simples no falar. Ele diz o que a coisa, a partir da prpria impossibilidade que existe na tentativa de dizer o que ela ; ou seja, no silncio que se instala o prprio de cada coisa, no silncio que se expressa o ser prprio de mundo e homem. no silncio que acontece a apropriao do mundo. Desta forma, o silncio o fluxo apropriador de toda relao de ser. A, mundo e homem passam a ser um no outro, pois o que se move no fluxo do silncio o ser prprio de.

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    O silncio um acontecer e uma apropriao; isto , um chamar a si, que dispe da possibilidade de ser do mundo. O silncio outorga ao homem a conquista e a permanncia em sua essncia: a linguagem como fluxo de acontecimentos e apropriaes. O silncio, como fluxo, co-pertence linguagem originria, porque ele o prprio dito da linguagem originria. O caminho para a apropriao do mundo, que a linguagem faz, est atrelado ao dito, produzido pelo silncio, como efetivao da realidade. Nesse caminho, que pertence essncia do silncio, oculta-se o no-dito da linguagem, como liberdade de ser. Aqui silncio e liberdade confundem-se. Ambos so o caminho apropriador para o acontecimento do mundo e do homem, apropriao que se d como linguagem. A proximidade do silncio e da liberdade mostra-se na apropriao que a linguagem, enquanto dito, faz do no- dito, que mundo e homem. Isto significa que a proximidade realiza-se como o no-dito, presente em todo dizer. no no-dito e no poder-ser que silncio e liberdade se apresentam e a que mundo e homem so apropriados e pressentidos em sua essncia. A proximidade que norteia o silncio e a liberdade, como fluxos, a linguagem enquanto originria. Essa a intimidade que silncio e liberdade visitam: a unidade originria que se essencializa como possibilidade de ser, como o inesperado que pode surgir da cotidianidade. O silncio e a liberdade, como fundao do ser, so a abertura da intimidade que funda e fundamenta mundo.

    Na co-pertena do silncio e da linguagem, est presente a liberdade. "Mas esta liberdade no

    o livre-arbtrio e a insistncia do desejo, mas sim a mais alta necessidade" (Heidegger 11, p. 45). Que tipo de liberdade ? aquela que no carece de nada, que pura doao, que no impe nenhuma lei, que criao e que deixa cada coisa ser em si mesma. Por esse motivo, ela a mais alta necessidade, pois o necessrio , antes de tudo, poder ser a prpria essncia. A liberdade, como necessidade, como poder-ser, prenuncia-se na proximidade que reina entre silncio e linguagem. A liberdade acontece na fissura que h entre linguagem e silncio; ou melhor, ela a prpria fissura. Ao experienciar tal fissura, a linguagem transforma-se, e em tal transformao surge a deciso do ser mundo e do ser homem. Quem o homem e o que o mundo se d nesta apropriao, que a linguagem atuali-

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    za, enquanto co-pertencente com o silncio e a liberdade. Essa apropriao da linguagem o "tornar-se livre do que apenas ordinrio pelo tornar-se livre para o extraordinrio" (Heidegger 7, p. 66). A liberdade instaura a linguagem e, nesse momento, ela pode ser correlacionada com o princpio renovador do criar, do produzir.

    A liberdade a ressonncia da linguagem, que apropria os acontecimentos que esto no silncio do devir. Apenas na co-pertena entre linguagem, liberdade e silncio que mundo e homem podem participar um da essncia do outro. A apropriao da linguagem, o que deixa a linguagem acontecer, a apropriao inicial de liberdade e silncio. Essa apropriao inicial a essncia oculta da linguagem; o princpio, como acontecimento apropriado, que se transforma no mais prprio de si. "O manter-se em si um modo de vir a si mesmo e de ser si mesmo, neste modo liberada a essncia prpria e seu desdobramento. Ento comea o recordar-se e o perguntar" (id., ibid., p. 74). Esta a dinmica inerente co-pertena entre linguagem, silncio e liberdade.

    A liberdade, como fluxo, como fissura que se d entre a linguagem e o silncio, funda o homem em seu ser. Neste sentido, a liberdade apresenta- se como a instncia que decide sobre o modo de ser do homem. Quanto mais o homem prestar ateno ao seu prprio modo de ser, tanto mais ele ser livre. O que isso significa? A liberdade, como possibilidade de realizao de modos de ser, oferece ao homem a oportunidade de participar da diferena que ela mesma instala. A liberdade, como fundamento dos diversos modos de ser do homem, responsvel pela continuidade da histria da humanidade. Com isso, o homem torna-se dependente da liberdade, pois ela que inaugura novos modos de ser do homem e do mundo. A condio de possibilidade da instaurao da diferena entre as pocas histricas, entre as concepes de mundo est fundamentada sobre a liberdade, enquanto lugar de essencializao do ser do homem.

    "A liberdade propriamente dita, no sentido de autodeterminao mais originria, est l onde nenhuma escolha mais possvel e no mais importante" (idem 12, p. 268). A liberdade est na deciso de deixar-se ser a si mesmo, a partir do que h de mais prprio em si. Assim, a liberdade apro-

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    priao de essncia, transformao, transincia para o que h de mais humano no homem. Pode-se ainda dizer que a liberdade a conquista que o homem faz de seu prprio ser, assim como de seu prprio no ser. Essa conquista lana o homem na trajetria de sua continuidade histrica. Nessa perspectiva, a liberdade responde pela capacidade do homem de se auto-superar. Como o homem capaz de se auto-superar? Como isto possvel? A superao do homem de si mesmo se d quando o homem est junto ao princpio de seu ser, ou seja, quando ele est bem prximo do que, de certa forma, no fundo de seu ser, ele j . Na medida em que o homem se volta para o princpio estruturador de seu ser, ele tem condies de ir alm de si e de estabelecer novos horizontes. Caso o homem no esteja voltado para o princpio, para a origem de seu ser, ele no verdadeiramente livre. A liberdade a necessidade do prprio e, nesse sentido, ela resoluo de ser. "O ho- mem encontra-se a si mesmo como homem na experincia de ser enviado para alm de si mesmo; a partir das necessidades pelas quais ele se consolida como o outro" (Heidegger 12, p. 284). Como se poderia resumir o entrelaamento existente entre linguagem, silncio e liberdade?

    A linguagem, como origem, mostra-se como deixar-ser, como liberdade. J a relao dessa unidade originria, linguagem e liberdade, d-se como silncio, esse que a tudo rene, apropria e dispe como ser e poder ser. A reunio da liberdade e do silncio o caminho, a abertura, o convite para participar da origem como princpio, da linguagem como fonte de acontecimentos, como instauradora de todo ser e todo no-ser, como sucesso da histria, da produo do conhecimento e das artes. A correlao entre linguagem, silncio e liberdade pode ser relacionada noo de destino, que marca a linguagem enquanto originria. Destino no deve ser tomado, aqui, sob a concepo vulgar da palavra, compreendida como a determinao do modo de ser das coisas, acarretando a impotncia do homem em mudar o destino traado e definido para ele e para o mundo. Destino deve ser encarado na acepo de inesgotabilidade, de impenetrvel e incompreensvel, pois apenas o que no se deixa definir totalmente, que entra no retraimento de seu 'ser, pode, a todo momento, ser. O destino a no-efetivao, o retraimento, o privar-se de, a pobreza do necessrio. Destino no

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    apenas o que se d, porque, no efetivar-se do real, a realidade j passa a ser tratada como fato, como dado. A noo de destino que est se querendo transmitir diz respeito ao que sempre se envia nos modos de ser homem e de ser mundo, mas que, no momento mesmo deste envio, sempre esconde e subtrai o perfil de sua prpria fisionomia, podendo assim dar-se, novamente, como o outro de si: o diferente. Essa noo de destino resume o prprio movimento e dinmica da linguagem originria. Com isto, a co-pertena do silncio e da liberdade com a linguagem torna-se evidenciada. O destino, como fundamento do silncio e da liberdade, o princpio que trespassa homem e mundo, os quais pertencem, historialmente, linguagem. O silncio e a liberdade, como destino, o princpio como linguagem. Assim, silncio e liberdade dizem o mesmo que linguagem originria.

    Concluso

    O mistrio da ddiva e silncio da linguagem originria um problema que, desde sempre, aflige o homem e tambm se refere ao tempo e liberdade. Neste sentido, a temtica da linguagem originria no apenas uma questo particular ou de uma poca, mas pode ser notada em diferentes momentos, sob formulaes distintas. Talvez se possa dizer que, quando o homem se pergunta o que a linguagem, qual a sua relao com as coisas, ela que determina o mundo ou este que a determina?, na verdade, ele estaria se perguntado: quem o homem? Quem este ser, marcado e dominado pela linguagem? Por que ela o caracteriza enquanto tal? Enfim, qual o poder e fascnio que a linguagem exerce sobre o homem? pelo fato de este problema da originariedade da linguagem ser uma questo sempre atual e nunca respondida que este trabalho se props a discuti-lo, novamente, no com a inteno e pretenso de responder, mas com o intuito de fazer aparecer a profundidade de seu movimento, isto , de retomar um problema fundante da filosofia, do pensar e do produzir do homem, seja nas artes, na cincia ou no cotidiano. O propsito deste trabalho foi manter diante de si

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    o desafio que o problema da originariedade da linguagem, na sua funo nica de sempre

    significar mundo; e tambm procurar indicar como respostas, caminhos que podem apontar para a compreenso do que seja o originrio da linguagem e como ele se d, ou seja, enquanto silncio e criao.

    Abstract: The purpose of this work is to explain Heidegger's conception of original language and its relationship with silenee. In order to achieve this goal is necessary to take up one of the questions inherent to history of philosophy itself: what is origin? In addressing this question, a second one folIows: what is the relationship between language and origin? This necessity folIows from Heidegger's own thought, since for him language is origin and foundation of world's meaning. From this vintage point, we intend to shed some light on the form by which the meaning of the world to humans is bound to the notions of origin of language, silence, time, and freedom. Language, in its rapport with origin (original language), is recdom of being itself; it is the time of creation. Keywords: Heidegger - silence - language - origin - freedom - ereation

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    capaa linguagem originaria eo silencio