A Lesao Por Esforco Repetitivo

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Ilma Raquel Fernandes Camargo Farias Curso de Especialização em Direito Sanitário Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA DE GOVERNO ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA DIRETORIA REGIONAL DA FIOCRUZ EM BRASÍLIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO SANITÁRIO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE MONOGRAFIA FINAL DO CURSO A LESÃO POR ESFORÇO REPETITIVO E A SAÚDE DO TRABALHADOR” ILMA RAQUEL FERNANDES CAMARGO FARIAS ORIENTADOR: PROF: LUIZ ANTONIO DE MOURA Coordenadores: Profª: Maria Helena Barros de Oliveira Profª: Maria Célia Delduque Brasília, 7 de abril de 2004.

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Lesão por esforço repetitivo

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    Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca

    FUNDAO OSWALDO CRUZ ESCOLA DE GOVERNO

    ESCOLA NACIONAL DE SADE PBLICA SRGIO AROUCA DIRETORIA REGIONAL DA FIOCRUZ EM BRASLIA

    CURSO DE ESPECIALIZAO EM DIREITO SANITRIO PARA

    PROFISSIONAIS DE SADE

    MONOGRAFIA FINAL DO CURSO

    A LESO POR ESFORO REPETITIVO E A SADE DO TRABALHADOR

    ILMA RAQUEL FERNANDES CAMARGO FARIAS

    ORIENTADOR: PROF: LUIZ ANTONIO DE MOURA

    Coordenadores: Prof: Maria Helena Barros de Oliveira Prof: Maria Clia Delduque

    Braslia, 7 de abril de 2004.

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    FUNDAO OSWALDO CRUZ ESCOLA DE GOVERNO

    ESCOLA NACIONAL DE SADE PBLICA SRGIO AROUCA DIRETORIA REGIONAL DA FIOCRUZ EM BRASLIA

    CURSO DE ESPECIALIZAO EM DIREITO SANITRIO PARA

    PROFISSIONAIS DE SADE

    MONOGRAFIA FINAL DO CURSO

    A LESO POR ESFORO REPETITIVO E A SADE DO TRABALHADOR

    ILMA RAQUEL FERNANDES CAMARGO FARIAS

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    A Sabedoria est no alto dos

    morros, Na beira da estrada e nas

    Encruzilhadas dos caminhos. Est

    na entrada da cidade, Perto dos

    portes, gritando:

    Eu estou falando com todos vocs

    E fao um pedido a todos os

    moradores da terra. Voc jovem e

    sem experincia? Aprenda a ser

    prudente Voc tolo? Aprenda a

    ter juzo. Escutem, pois digo

    coisas Importantes;

    Tudo o que eu digo certo.

    O que eu digo verdade, pois

    odeio a mentira. Tudo o que afirmo

    verdadeiro, Nada do que falo

    enganoso ou falso. Para a pessoa

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    que tem compreenso, tudo claro,

    tudo fcil de entender para quem

    bem informado. Aceite os meus

    ensinamentos em vez de prata E o

    meu conhecimento em lugar de

    ouro puro. Eu sou a Sabedoria sou

    mais preciosa do que as jias.

    Provrbios 8-2 a 11

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    DEDICATRIA

    A Deus que generosamente, me

    trouxe discernimento e sabedoria,

    para alcanar mais um objetivo em

    minha vida.

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    AGRADECIMENTO

    S

    Ao Professor Luis Antnio de Moura, Mestre, pela orientao, dedicao e apoio para a realizao do trabalho.

    Aos professores do Curso de Especializao em Direito Sanitrio, que na busca contnua do aprimoramento, tem alcanado xito no desempenho de suas funes como excelentes professores.

    Aos pais, Jos Fernandes de Camargo, e Luzia Geralda de Arajo Camargo, por me mostrarem a extrema necessidade, de se aprender continuamente, buscando no conhecimento, no s a subsistncia, mas o verdadeiro sentido de viver.

    Ao meu esposo que de maneira direta contribuiu com seu tempo e disposio me apoiando na realizao de meus trabalhos, sempre me dando fora, incentivo, para o trmino do curso.

    Aos meus filhos que aps cada dia de trabalho e estudo, ao chegar em casa me presenteiam com belos sorrisos demonstrando qual o verdadeiro amor.

    E a todos aqueles que, de maneira direta

    ou indireta, contriburam para a

    realizao deste trabalho.

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    RESUMO

    As leses steo-musculares dos membros superiores por esforos repetitivos

    atribudas ao trabalho so hoje a mais freqente das doenas do trabalho nos pases

    precoce ou tardiamente industrializado, defende Harvey1. Neste contexto, pode-se

    inferir que mais do que uma doena do trabalho, a leso por esforo repetitivo (LER)

    um modo de adoecimento emblemtico, revelador das contradies e da patogenicidade

    social desse novo ciclo de desenvolvimento e crise do modo de produo capitalista.

    Discutindo essa dimenso social e histrica maior, insiste em que a baixa eficcia das

    intervenes tcnicas no mbito da engenharia, da ergonomia ou da medicina para a

    preveno, diagnstico e tratamento adequados e precoces dessa doena da ps-

    modernidade e as dificuldades de reinsero dos adoecidos ou ex-adoecidos no trabalho

    refletem, justamente, essa determinao mais abrangente, externa ao trabalho senso

    estrito, porque a apropriao, a incorporao e uso das inovaes tecnolgicas e as

    novas formas de administrao do trabalho se fazem no interesse exclusivo do capital.

    Com isso, um contingente cada vez maior de trabalhadores das mais diferentes

    categorias esto perdendo ou ameaados de perder a sade e a capacidade de trabalho,

    bens pblicos essenciais e intimamente relacionados. Eis, pois um assunto interessante

    para ser explorado no desencadeamento do relatrio a seguir apresentado.

    1 HARVEY, D. Condio ps-moderna. So Paulo: Ed. Loyola, 1998, p. 35

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    INTRODUO

    A sucesso de grandes acidentes, acompanhados quase sempre de importantes contaminaes ambientais e vitimando inmeros trabalhadores, tem provocado na mdia brasileira o ressurgimento da questo da segurana e sade no trabalho. Ora os acontecimentos envolvem as plataformas de petrleo, ora as empresas qumicas, siderrgicas, mineradoras ou da construo civil. Destacam-se ainda os freqentes episdios de contaminaes por radiaes, agrotxicos, benzeno, produtos qumicos diversos, poeiras de amianto ou de slica, rudo excessivo e, nos ltimos anos, as leses decorrentes de esforos repetitivos (as LER/DORT). Algumas vezes o problema ultrapassa os muros da fbrica e atinge a vizinhana ou at mesmo a populao em geral.

    Contudo, como de conhecimento dos tcnicos que atuam na rea, a segurana e a sade no trabalho no preocupao recente, pois o impacto da Revoluo Industrial no sculo XIX foi to espetacular e espoliador da vida operria, que necessariamente a questo se converteu num tema de estudo e de ao.

    No Brasil, a relao entre trabalho e sade apareceu relativamente tarde considerando a evoluo jurdico-institucional. Durante os trs primeiros sculos da histria, as atividades industriais restringiram-se, praticamente, fabricao do acar nos engenhos e minerao, utilizando tcnicas bastante rudimentares. Apesar da primeira mquina a vapor de utilizao comercial (fiao) ter entrado em funcionamento em 1785, na Inglaterra, somente em 1869 o vapor foi utilizado pela primeira vez no Brasil, lembra Harvey2.

    Na atualidade, os acidentes de trabalho e as doenas profissionais ainda constituem, no Brasil, um dos mais graves problemas de sade pblica. Todos os anos milhares de trabalhadores so acidentados, adoecem, morrem ou so incapacitados para o trabalho enquanto o dimensionamento real do problema (e de seu custo social) tem sido dificultado pelos mais diversos fatores, especialmente pelas polticas governamentais adotadas nas ltimas dcadas. Entretanto, os direitos para os trabalhadores urbanos e rurais quanto ao risco no trabalho esto claramente estabelecidos no artigo 7 da Constituio de 1988, enquanto que a legislao ordinria sobre a questo (as Normas Regulamentadoras NRs) faz parte da legislao trabalhista. O Ministrio do Trabalho e Emprego o rgo de mbito nacional competente para coordenar, orientar, controlar e supervisionar as atividades relacionadas com a segurana e medicina do trabalho, inclusive a fiscalizao do cumprimento dos preceitos legais e regulamentares.

    Desde 1988, a Constituio Brasileira, em seu artigo 200, estabeleceu tambm a competncia do Sistema nico de Sade (SUS) para, alm de outras atribuies, executar aes de sade do trabalhador.

    Assim, diante das consideraes iniciais ressalte-se que em conformidade com a exigncia da Fundao Oswaldo Cruz para obteno do curso de Especializao em Direito Sanitrio para Profissionais de Sade foi elaborada a monografia a seguir apresentada versando sobre a Leso por Esforos repetitivo, especificamente com o tema: A LER e a sade do trabalhador. 2 Idem, ibidem

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    Para tanto, o contedo foi dividido em 7 partes, sendo a primeira como esta Introduo; a segunda, Metodologia; a terceira, Referencial Terico; a quarta, Estudo de Caso; a quinta, Concluses e Recomendaes e a sexta, Referncias Bibliogrficas.

    1.1 O problema e sua importncia

    Doenas e acidentes para serem considerados como sendo do trabalho, precisam ter sua causalidade provada e comprovada como sendo decorrncia do processo de produo. A competitividade, o excesso em regime de produtividade, o trabalho em horrio noturno e as horas extras contribuem substancialmente na sobrecarga muscular, culminando na to dolorosa leso por esforo repetitivo e com esta, o assdio moral sofrido pelo trabalhador, fisicamente e psicologicamente, abalado em meio s frustraes, as transferncias e o incio do pavor da demisso.

    As suas vtimas constituem uma populao em plena fase produtiva, abaixo dos 40 anos e com expectativa de vida elevada, acarretando enormes custos ao sistema de sade e seguridade.

    A alta freqncia de diagnsticos de doenas degenerativas nos laudos redigidos pelo INSS e a constante indicao dos lesionados na faixa etria dos 35 a 45 anos, aliadas negao radical do nexo das LER com o trabalho, aliceram a problematizao do aspecto "subjetivo", j que h um deslocamento dos referenciais de anlise de esforo, repetitividade e tenso postural, para os elementos que os mdicos peritos denominam de "dados subjetivos em LER". Especificamente, neste caso particular de anlise, considera-se que o "dado subjetivo", ao ser introduzido nas anlises da "avaliao de incapacidade" dos trabalhadores com DORT pelo INSS, toma o sentido de uma predisposio constitucional.

    Vrias pesquisas sobre as LER vm reforando a doena como um dado subjetivo, sustentando sua argumentao em diferentes categorias de anlise: a doena como somatizao de dores e sofrimento; a doena no caracterizada por apresentar uma sintomatologia difusa e crnica; e a doena reforada pela culpa.

    Neste contexto, tem-se a seguinte indagao problemtica:

    Os trabalhadores acometidos pela molstia da LER esto sendo bem assistidos pela legislao em vigor?

    1.2 Objetivos

    1.2.1 Objetivo Geral

    Analisar a atual revoluo tecnolgica com a nova concepo da relao homem/mquina, buscando o nexo causal infortunstico do trabalho.

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    1.2.2 Objetivos Especficos

    - Traar as relaes entre sociedade/doena/trabalho.

    - Relacionar violncia e capitalismo e o conflito entre capital e trabalho.

    - Buscar meios de preveno e reduzir novos casos de incapacidades.

    1.3 Justificativa

    Hoje, no topo das causas de bito esto as doenas cardiocirculatrias, neoplsicas e os acidentes, homicdios e suicdios. Em ascenso esto as doenas no fatais, porm limitantes. Tal como as tcnicas, as prticas de trabalho, as tecnologias industriais deveriam poupar trabalho, o homem as tem aperfeioado para dar a sua ao maior eficcia. A presuno de que as inovaes tecnolgicas eliminariam o trabalho manual seria contraditria, facilitaria sim, a produo em larga escala. Mudaram de natureza as exigncias do trabalho com o advento das novas mquinas automatizadas e com a nova tecnologia. Os esforos so agora bem mais leves, mais contnuos, rpidos, dando a impresso de serem incuos, nesses trabalhos atentos, tensos e intensos, cabea e os olhos seguem os passos rpidos da produo, as mos se movimentam mais que o resto do corpo e os braos as acompanham ou se colocam em posturas mais ou menos rgidas para que elas executem as tarefas, verifica-se a baixa quantidade da fora muscular exigida e a repetio dos movimentos so, entre outros, os elementos responsveis pela intensidade e acelerao do ritmo do processo de produo e pelo aumento da produtividade. Ao lado da sobrecarga msculo tendinosa esttica, esses so os elementos fsicos habitualmente presentes e mais responsabilizados por leses de rgos e tecidos do aparelho locomotor.Os sintomas mais precoces, variveis conforme os tecidos envolvidos, so a sensao localizada de desconforto ou peso, anestesiamento, formigamento ou franca dor, de incio leve, surda, inconstante, local, podendo se irradiar, aparecendo com movimentos podendo tornar-se espontnea e contnua, edemaciao, calor e rubor, dor forte e persistente so sinais sugestivos de estados avanados das leses que se fazem acompanhar de reduo maior ou menor dos movimentos e de incapacidade funcional temporria e at definitiva.

    Ironicamente o que se v em todos os pases industrializados o aumento dos distrbios e leses dos membros superiores de trabalhadores ativos de todas as categorias, tendo entre suas causas os esforos repetitivos. Esse um modo de adoecimento emblemtico das contradies e da patogenia social deste ciclo de capitalismo. Doena seletiva atinge determinada categoria de trabalhadores, aqueles que esto nos nveis mais baixos da hierarquia das empresas.

    H uma grande polmica em relao ao nexo das leses por esforos repetitivos (LER) com o trabalho. Mltiplos discursos, de acordo ou desacordo, aparecem neste cenrio, delineando o novo territrio da doena relacionada ao trabalho, que seria explicitado pela descaracterizao do nexo das LER com o trabalho e pela produo de um entendimento particular do sujeito-doente, ou lesionado.

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    A alterao da denominao da doena para distrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), proposta em 1997 pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), na reviso da Norma Tcnica de Avaliao para a Incapacidade de 1993, introduziu novos elementos na anlise da percia mdica do INSS acerca do processo de adoecimento.

    Nas LER, o que se privilegiava era o esforo repetitivo, isto , a fora e a repetio requerida pela musculatura dos membros superiores, em determinadas condies de trabalho, apontadas como ncleo de referncia para o esforo e o conseqente adoecimento. Nos DORT observa-se dois referenciais distintos: uma ateno aos dados biomecnicos e psicossociais de reconhecida importncia no entendimento desta doena; e a anlise do distrbio, o que abre a possibilidade de compreenso da doena atribuda a um carter constitucional, subjetivo e pessoal.

    Assim sendo, vai aparecer na avaliao dos DORT, feita no INSS, um privilgio na utilizao de subsdios de carter neurolgico e psiquitrico que fundamentam suas interpretaes na noo da dor inespecfica e crnica, de corpos predispostos degenerescncia. Enfatiza-se, dessa forma, o entendimento dos DORT como doenas adquiridas por uma predisposio do sujeito a adoecer. Essa prtica passa a apontar um outro caminho na anlise diagnstica, em detrimento das perspectivas de estudos epidemiolgicos e ergonmicos que vm sendo realizados na tentativa de uma melhor compreenso desse processo de adoecimento no trabalho.

    Assim, a constatao de que h reducionismo durante a percia do INSS, na anlise dos casos de DORT, ao privilegiar os aspectos constitucionais e de susceptibilidade pessoal na anlise dos casos de DORT. A investigao neste campo complexo e polmico das LER coloca em questo este percurso do INSS que marca no sujeito que adoece no trabalho, a morbidez subjetiva, reapresentando, num enfoque moderno para a "doena nervosa", o antigo tema sustentado pela psiquiatria referente existncia de um sujeito predisposto ao adoecimento, por natureza e/ou constituio.

    Expe-se dessa forma as delimitaes sociais entre o normal e o patolgico, que so parmetros binrios, entre outros, de sade/doena, produtividade/improdutividade, capacidade/incapacidade, construdos pelos cdigos de referncia da produo capitalista. Tais procedimentos ditos "diagnsticos de avaliao de incapacidade", que se observa na analise e percia mdica, quando os trabalhadores adoecem, revigoram na contra-mo dos avanos tericos da Sade Pblica e, especificamente, da sade do trabalhador conceitos j debatidos e revisados no sentido de impingir aos trabalhadores o dever, a culpa e a responsabilidade frente ao processo de adoecimento.

    Percebe-se que, a despeito da nova norma, uma sigla de transio LER-DORT tem aparecido com freqncia, tanto nos processos internos ao INSS quanto em simpsios, jornadas, seminrios etc. sobre o tema, mostrando a resistncia e a prevalncia da denominao LER.

    A polmica das LER pe em xeque o campo da doena do trabalho, e extrapola a prpria discusso diagnstica. Seu desdobramento cria passividade, ao expandir a iluso de um trabalho assptico, sem doenas e sem paixes, sem resistncias do corpo, ao descontextualizar no processo da enfermidade o ritmo intenso das atividades, a precariedade do processo de trabalho diante das demandas de sade do trabalhador e da irracionalidade da produtividade sem limites.

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    A violncia que acompanha as relaes conflituosas entre capital e trabalho deve ser observada sobre o que sinaliza o papel do Estado e da medicina do trabalho com instncias normalizadoras e de interveno na rea com base nas teorias positivas do nexo causal e ocupacional.

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    2 - METODOLOGIA

    A metodologia do trabalho refere-se orientao para a pesquisa, destacando-se, segundo Vergara3 a pesquisa bibliogrfica e o estudo de caso, sendo que o primeiro refere-se ao conjunto de materiais escritos, que contm informaes j elaboradas e publicados para subsidiar a pesquisa acadmica, enquanto o segundo, trata-se de examinar um fenmeno contemporneo dentro do seu contexto, referindo-se a fatos do momento atual.

    Dentre os mtodos de abordagem existentes o mtodo dedutivo o que melhor se adequa ao estudo proposto uma vez que partindo das leis gerais que regem os fenmenos, permite chegar aos fenmenos particulares considerando que se pretende observar, na prtica, de maneira metdica os fenmenos aprendidos nos livros de teoria geral4, haja vista a anlise sistemtica a respeito do tema referendado a LER.

    Como mtodos e procedimentos, segundo Vergara5, a partir de uma realidade segmentada, procura-se generalizaes, identifica-se, pois o mtodo monogrfico.

    Este mtodo prope a investigao do termo observando todos os fatores que o influenciam analisando forma sistemtica em vista do confronto da teoria e a prtica observada quanto doena denominada Leso por Esforo Repetitivo.

    3 VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatrios de pesquisa em administrao. So Paulo: Atlas,

    1998. p. 47. 4 VIEGAS, Waldyr. Fundamentos de metodologia cientfica. Braslia: Paralelo 15, Editora

    Universidade de Braslia, 1999, p. 123. 5 VERGARA, Op. Cit. p. 48-49.

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    Destaca-se, em conformidade com Vergara6, o universo da pesquisa como a populao alvo a ser atingida tratando-se como campo de observao o Banespa Banco do Estado de So Paulo, em especial das agncias sediadas na capital da grande So Paulo, perfazendo um total de 1223 bancrios trabalhadores, sendo extrada a amostra de 525 lesionados, de acordo com dados estatsticos coletados por Ribeiro7.

    6 VERGARA, Op. Cit. p. 50. 7 RIBEIRO, H. P. Estado atual das LER no Banespa. Cadernos de Sade/Afubesp, 1995, p. 45.

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    3 REFERENCIAL TERICO

    LESO POR ESFORO REPETITIVO

    3.1 Conceito

    LER significa Leso por Esforo Repetitivo. Essa doena conhecida tambm como DORT - Distrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho.

    A LER Leso por Esforo Repetitivo - ou DORT - Distrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho - uma perturbao neurolgica cuja origem est nas ocupaes profissionais em que predominam movimentos repetitivos, tais como: digitadores, caixas bancrios, escriturrios, ultrassonografistas e outras profisses que exigem movimentos repetitivos dos dedos.

    As denominaes LER ou DORT caracterizam um conjunto de distrbios que afetam o aparelho locomotor. Articulaes, tendes, ligamentos, msculos e nervos do corpo todo esto vulnerveis e sujeitos aos efeitos dessa doena. Um dos males de maior incidncia a integrar esse conjunto de leses a tenossinovite, uma inflamao dos tecidos que revestem os tendes. Caso o processo inflamatrio ocorra nas pequenas bolsas que se localizam entre os ossos e os tendes das articulaes denominado bursite. Se a inflamao restringe-se aos tendes, denominada tendinite. Trs sndromes incluem-se nessa classificao: a do tnel do carpo (punho), a do desfiladeiro torcico (nervos e vasos) e a crvico-braquial (coluna cervical). A espondilite refere-se inflamao das estruturas do cotovelo e a dor miofacial uma contrao dolorosa dos msculos da face. O primeiro sinal de manifestao dessas molstias uma dor persistente, que vai se intensificando conforme sua evoluo.

    As leses por esforos repetitivos representam uma sndrome de dor nos membros superiores, com queixa de grande incapacidade funcional. Essa leso tem origem no uso das extremidades superiores em tarefas que envolvam movimentos repetitivos ou postura forada. Vale esclarecer que LER no uma doena, um fenmeno scio-poltico e trabalhista. Dessa maneira, deve-se excluir as tendinites, reumatismo, gota e outras doenas relacionadas inflamao involuntria dos rgos do corpo.

    Atualmente as doenas ocupacionais afetam a vida de muitos profissionais de todas as classes. Os profissionais mais vulnerveis a LER so os mesmos sujeitos s chamadas doenas do trabalho, como digitadores, cirurgies, enfermeiras, cozinheiras, dentistas, escritores e diversos outros submetidos restrio de movimentos ou execuo rotineira de um nmero limitado deles.

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    3.2. Relaes entre a sociedade, doena e trabalho

    Uma das transformaes mais extraordinrias da modernidade a valorizao do trabalho e de sua crescente diviso e especializao, a ponto de torn-lo o centro da vida social. Assim, o trabalho passa a ser representado como uma atividade produtiva, emancipadora do homem, capaz de libert-lo da misria e da pobreza.

    Contudo, se o trabalho torna-se fonte de riqueza e liberdade, constitui, ainda, um espao de explorao e de dominao de uma minoria sobre uma maioria, uma vez que o trabalho a atividade em torno da qual ocorre a radical distino entre as classes trabalhadoras, privadas dos meios de produo, e a dos capitalistas, aqueles que possuem e concentram os meios de produo.

    Nesse contexto, o trabalho indispensvel porque produz riqueza. Mas nem todos os trabalhos, para produzi-la, obrigam a sofrer: alguns so agradveis e edificantes; outros cansativos e degradantes. Quase todos os trabalhos agradveis so monopolizados pelas elites, os outros so delegados s mquinas ou aos animais ou so impostos aos trabalhadores de baixa renda, s classes mdias compostas de empregados, de funcionrios pblicos e profissionais liberais.

    Com o surgimento da indstria, o trabalho que durante sculos foi executado mais ou menos do mesmo modo, com os mesmos custos de uma brutal fadiga e os mesmos resultados organizado em bases realmente novas, at atingir altos nveis de produtividade, e a organizao do trabalho se transforma numa cincia autnoma, que prega a crescente diviso do trabalho, a especializao e a automatizao.

    De qualquer forma, inegvel que a crescente diviso do trabalho demonstra os benefcios da especializao e da busca de maior competncia tcnica, bem como o mrito e o potencial transformador da liberdade individual e da iniciativa privada. Assim, junto crescente diviso social do trabalho e da especializao burocrtica de tarefas e, portanto, da supervalorizao do trabalho e do mundo privado ocorre a formao de cadeias cada vez mais complexas de dependncia entre os indivduos, no universo do trabalho; cadeias que se espalham para o resto da sociedade.

    O esquema de racionalizao do trabalho foi eficaz na conexo entre trabalho, moral, virtude e sade. Nesse entendimento, no apenas o fazer que se focaliza, mas a criao de um modo de subjetivao do ato de fazer, ou seja, a composio de uma subjetividade para o trabalho que, utilizando dispositivos disciplinares, diludos na sociedade, dissocia o poder do corpo, faz dele, por um lado uma aptido, uma capacidade que ela procura aumentar e inverte, por outro lado, a energia, a potncia que poderia resultar disso, e faz dela uma relao de sujeio estrita. Se a explorao econmica separa a fora e o produto do trabalho, digamos que a coero disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptido aumentada e uma dominao acentuada.8

    Desse modo, as organizaes cuidam de sua aparncia no s para melhorar sua imagem exterior, mas tambm para dar a seus membros o sentimento de estarem protegidos na plenitude de todos. Os dois elementos centrais para alcanar esses objetivos so a gesto dos recursos humanos e a diviso de responsabilidades. Por estes 8 FOCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrpolis: Vozes, 1977, p. 127

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    meios, os dirigentes querem manifestar sua confiana nos empregados. Esses empregados so administrados, tratados s vezes melhor, s vezes no to bem como estoques dos quais se deve garantir a rentabilidade, como mercadoria que deve ser utilizada convenientemente ou da qual se deve ser capaz de se desvencilhar, caso apresente algum problema.

    nesse contexto que a sade se torna uma questo para o progresso e a evoluo social. De um lado, tal idia pressupe tcnicas coletivas de interveno para higienizar e moralizar os trabalhadores; e, de outro, estimula reivindicaes por melhores condies de trabalho, acesso aos cuidados mdicos e indenizaes em caso de doena ou acidente de trabalho. Lutas, perdas e vitrias descrevem essa histria, em que algumas conquistas so expressivas: jornada de oito horas, frias e adicionais por horas extras de trabalho; leis relacionadas ao acidente de trabalho; leis sobre o trabalho de mulheres e crianas; leis sobre melhorias ergonmicas nos locais de trabalho; medidas de preveno de acidentes.

    Esses ganhos, sempre efetivados pela participao solidria dos trabalhadores, so as expresses coletivas do combate nas relaes sade e trabalho. Contudo, essa mesma luta torna-se frgil quando a doena do trabalho instalada, pois o doente passa a ser visto como intil ou incapaz, alm de sofrer a ofensa pela impossibilidade do nexo da doena com o trabalho.

    Como trabalhar uma virtude, no trabalhar, uma vergonha. Todos precisam trabalhar para sustentar a si e aos seus. Estar destitudo dessa capacidade, ainda que involuntariamente, implica sanes e conseqncias. E to forte esse sentimento de dever que os que esto adoentados sentem-se culpados, perdem a auto-estima e se ressentem com as incriminaes veladas e mais ainda com as explcitas.

    A doena perturbadora no s para os adoecidos, mas para os que no esto ou no declaram o adoecimento, pois somente se vende fora de trabalho quando se tem a sade suficiente para executar o trabalho requerido. A relativizao da sade, isto , ter a sade suficiente ou mnima para o trabalho, uma exigncia do mercado. A produo no requer, obrigatoriamente, trabalhadores absolutamente saudveis, mas que o sejam suficientemente para garantir a produtividade esperada. O que importa no a sade do trabalhador, mas a sade necessria produo.

    Se a oferta de fora de trabalho com a capacidade tcnica exigida for grande, como de hbito, a preferncia recair sobre os que vendem mais barato e tm, aparentemente, mais sade, forma do capital se precaver contra possveis ausncias ao trabalho.

    Quando a doena reconhecida como um mal, a sociedade autoriza a excluso dos seus doentes. Sontag afirma que "toda sociedade, ao que parece, precisa identificar uma determinada doena com o prprio mal, uma doena que torne culpadas suas vtimas"9. A prtica da medicina relacionada ao trabalho, ao perceber o corpo dominado pelo mal, descarta-o. E, posteriormente, complementando a lgica do til/intil na sociedade, o configura a um perfil doente, tambm o excluindo do social saudvel.

    nesse contexto que os trabalhadores com LER se sentem estigmatizados por sentimentos de culpa e impotncia diante das cobranas de um

    9 SONTAG, Susan. A doena como metfora. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 20.

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    trabalho que exige perfeccionismo, grande eficincia e dedicao ininterrupta. Essas so as caractersticas de um sistema de racionalizao do trabalho de herana taylorista. Tais aspectos tambm podem ser observados quando o atual modelo japons investe em uma subjetividade perfeccionista, inquieta, disciplinada e atenta. O objetivo de zero-defeitos, visando qualidade tima da produo, disciplina os trabalhadores na medida em que lhes impe concentrao mental estafante na tarefa a realizar.

    Desse modo, percebe-se que (...) a primazia do bom e do bonito custaram caro, como escravido para muitos e desconforto fsico para todos. O universo da preciso e a primazia do til e do prtico tambm esto custando caro, como subordinao para muitos e desconforto mental para todos. As organizaes se transformaram em instrumento dessa subordinao e desse desconforto.10

    Portanto, a questo da doena, acidentes e mortes, em conseqncia do trabalho, no se restringem, exclusivamente, materialidade do processo, mas tambm organizao do trabalho, determinada por relaes sociais dentro e fora do trabalho. So os conflitos sociais gerados pelo trabalho alienado, repetitivo e estafante, resultante do sistema produtor de mercadorias, que determina hoje as doenas e mortes na sociedade moderna.

    3.3 Violncia e capitalismo e o conflito entre capital e trabalho

    O modo de produo capitalista industrial trouxe, ao mesmo tempo, a banalizao e seletividade social maior das enfermidades e mortes prematuras por acidentes e doenas do trabalho.

    medida que o desenvolvimento capitalista prosseguiu e atravessou fronteiras e mares, ele foi deixando um nmero cada vez maior e freqente de acidentes e doenas do trabalho a serem catalogados.

    De tragdia e problema social, os acidentes e doenas do trabalho passaram a ser questo burocrtica de contagem e contabilidade sobre como proceder para reduzir seu registro e o pagamento de benefcios.

    Tomando-se como referncia os aspectos mais visveis da mortalidade da classe trabalhadora, percebe-se que ela tem uma evoluo que acompanha o desenvolvimento capitalista. Na fase de acumulao primitiva do capitalismo industrial predominavam as doenas originrias diretamente do baixo consumo de bens e servios, das condies de vida e classe, ainda que estivessem presentes e em ascenso os acidentes e doenas do trabalho. Na segunda fase, de acumulao mais acelerada e pr-monopolista, e na seguinte, de franca monopolizao, os acidentes e doenas do trabalho ganharam a primazia e aquelas outras passaram a uma posio secundria. Esses ciclos so marcados pela violncia explcita do trabalho.

    Essa violncia atinge diretamente o corpo do trabalhador, obrigado a condies miserveis de vida e trabalho. Ele e seus familiares adoecem e morrem de

    10 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e cio na sociedade ps-industrial. 7. ed. Rio de

    Janeiro: Jos Olympio, 2003, p. 239

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    enfermidades determinadas pelo baixo consumo que seu salrio impe ou de doenas e acidentes tpicos do trabalho.

    No sculo XVIII, v-se emergir o que ser ratificado nos sculos seguintes: a associao entre sade/trabalho e corpo/doena. A sade constituir uma proposta de poder poltico, negociando no s a manuteno da fora de trabalho, mas tambm a produo de bens e de homens para a evoluo do processo produtivo.

    Um marco na caracterizao da vida, no sculo XIX, foi a vinculao entre sade e capacidade para o trabalho. Segundo Herzlich (1986, p. 206), essa associao no correspondeu a um movimento natural, mas a um processo scio-histrico que fez emergir no campo da medicina uma nova conceituao de sade como o avesso da doena. Assim, a partir dessa data, criou-se a necessidade de restaurar o corpo para atender ao processo produtivo.

    Nesse enfoque racionalista que se detm no mito do corpo social e humano, solues excludentes e mercantis, no campo da sade no trabalho, so institudas: os adicionais de insalubridade e periculosidade que pagam pelo uso do corpo, em lugar de substituir ambientes e agentes nocivos; a preponderncia do equipamento de proteo individual, em detrimento das aes de proteo coletiva; as demisses de trabalhadores, aps o diagnstico de uma doena profissional ou relacionada ao trabalho; a negao freqente do nexo da doena com o trabalho; a atitude do mdico de no falar da doena, do trabalhador de no sentir como doena o que sente, e do empresrio de negar a doena.

    So prticas que cristalizam o corpo do trabalhador em um determinado sentido, assim como, ao tomarem a vida e a morte como questo, afirmam o mdico como agente de interveno nesse corpo-instrumento-de-trabalho, deixando entre parnteses as situaes mais evidentes da violncia do trabalho. Esse corpo como instrumento, efetiva a dimenso do territrio do trabalhador ideal, ao construir o perfil de um ser especfico para a produo, previsvel, ordenado e submetido s leis da produtividade a qualquer preo.11

    O atual ciclo de acumulao capitalista caracterizado pela oligopolizao e ntida predominncia do capital financeiro e especulativo. Como os anteriores, ele tem desdobramentos e interaes nos campos da cincia e da tecnologia, dos processos de produo, circulao e comrcio das mercadorias, das polticas pblicas, sociais, da cultura e dos costumes. Energia nuclear, automao acelerada, robtica, desenvolvimento da eletroeletrnica, informtica e telemtica, flexibilizao da produo, fuso de empresas, globalizao dos mercados e do capital, produo e comercializao de produtos voltados para o consumo rpido, sejam de bens, servios, arte e lazer; reduo dos impostos e cargas fiscais das empresas, diminuio do tamanho do Estado e dos investimentos e encargos pblicos sociais e previdencirios, desregulamentao das relaes do capital com o trabalho e afastamento do Estado da sua antiga condio de intermediador, desqualificao maior do trabalho para a maioria dos trabalhadores e um discurso consensual da mdia sobre a excelncia do livre mercado, como doutrina e princpio de tudo, so algumas caractersticas do atual perodo.

    11 VERTHEIN, M. A. R. e MINAYO GOMEZ, C. Histria, Cincia e Sade. Vol. 7. N 2. Rio de

    Janeiro, jul/out, 2000.

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    Segundo Kumar, pode-se observar grandes mudanas no carter da organizao industrial e na natureza do trabalho devido nova diviso internacional do trabalho e a nova fase do capitalismo em escala global.Os centros histricos da indstria esto sendo desativados e outros sendo criados em velocidade alucinante. A mobilidade do capital atingiu nveis sem precedentes, apagando fronteiras nacionais e permitindo ao capitalismo estabelecer tipos de acordo inteiramente novos com a fora de trabalho e a estrutura de poder locais. Os sindicatos so obrigados a discutir questes de salrio em nvel local, perdendo grande parte de sua eficcia nacional. No caso de muitos trabalhadores, est desaparecendo a idia de segurana no emprego por toda a vida. Homens so substitudos por mulheres, medida que empresas mais horizontais mais novas procuram trabalhadores mais flexveis, dispostos a trabalhar em tempo parcial por um salrio menor.12

    A despeito dessas mudanas, no atual ciclo do capitalismo ainda persistem os seus objetivos e as suas conseqncias nefastas, como a explorao do trabalho, o acmulo do capital, o desemprego crescente, a doena e a morte antes do tempo, agora tambm por doenas menos visveis, mais sutis, que atingem o corpo e a mente dos trabalhadores de outras maneiras.

    Diferentemente dos ciclos passados do capitalismo, quando a violncia do trabalho era explcita, freqentemente brutal, recaindo diretamente sobre o corpo do trabalhador, no atual ela mais sutil, menos fsica, incidindo mais sobre os sistemas orgnicos de relao, a ponto de passar desapercebida at pelas prprias vtimas.

    Com relao ao Brasil, o pas adentra num outro ciclo de desenvolvimento capitalista, marcado sob o ponto de vista da produo, pela rpida incorporao de tecnologias de automao e informatizao eletroeletrnica e nova organizao do trabalho, com profundos reflexos sobre o trabalho e a vida das pessoas.

    Segundo pesquisa do DIESAT13, o conceito de doena profissional e de trabalho no Brasil restrito e expe o descaso com que so tratados os trabalhadores doentes: "sabendo-se como restrito o conceito de doena profissional e de trabalho no Brasil e como muitas vezes o estabelecimento do nexo causal com o trabalho negado pelo INSS, ficam as empresas facilmente desobrigadas de responsabilizar-se pelos danos que causam sade dos trabalhadores, demitindo-os sempre que comeam a apresentar sinais de doena".

    Tal atitude parece pressupor uma ao racional e cientfica, segundo a qual o trabalho no afeta o corpo, e a sade pressupe ausncia de doena e capacidade para o trabalho. imputada ao sujeito a responsabilidade do adoecer. A doena seria decorrncia de descuidos que as pessoas teriam com relao a si mesmas. Simplesmente no existe o vnculo entre doena e condies de trabalho.

    Desse modo, no so levadas em conta as questes relacionadas ao ambiente de trabalho e a diviso de tarefas dentro das empresas, diviso que relega aos

    12 KUMAR, Krishan. Da sociedade ps-industrial ps-moderna: novas teorias sobre o mundo

    contemporneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 177/178. 13DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTUDOS E PESQUISAS DE SADE E DOS

    AMBIENTES DE TRABALHO (DIESAT). Insalubridade. Morte lenta no trabalho. So Paulo: Obor, 1989, p.57.

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    nveis subalternos o exerccio de atividades de execuo reduzidas a tarefas simples e repetitivas, que implicam operaes manuais de utilizar mquinas de escrever e computar.

    Essa diviso do trabalho foi facilitada pela expanso e diferenciao dos produtos oferecidos pelas empresas e pela progressiva automao. A diviso, em suas caractersticas basilares, no foi diferente da ocorrida em outras atividades econmicas, ou seja, o trabalho mental de concepo foi historicamente expropriado aos trabalhadores para os quais restou a execuo de tarefas fragmentadas, cada vez com menor qualificao.

    Os conflitos entre os interesses do capital, beneficirio direto dessa incorporao tecnolgica, e as necessidades dos que trabalham subalternamente sem poder interferir ou interferindo muito pouco nas polticas empresariais, podem surgir, sob vrias formas, como um adoecimento coletivo. Exemplo disso a LER, cujas vtimas, dessa violncia oculta ou disfarada, so os trabalhadores hierarquicamente mais subordinados.

    previsvel que o Brasil venha a ocupar um lugar indesejvel e acentuado na causa das LER no cenrio internacional, devido s longas jornadas de trabalho e ao elevado nvel de explorao a que esto submetidos os trabalhadores brasileiros.

    Desse modo, a impropriedade do adoecimento no est na pessoa e muito menos no sexo, uma vez que a determinao est no trabalho. O adoecimento do trabalho no conseqncia de nenhum defeito gentico, nem de caractersticas de natureza biolgica ou psquica no trabalho, mas, objetivamente, do trabalho. Por isso no de estranhar que os empregados que adoecem, mais ou exclusivamente, so os que realizam o trabalho real e que se situam no nvel hierrquico inferior das organizaes,ou seja, no patamar mais baixo.

    3.4. Revoluo tecnolgica e nova concepo da relao homem/mquina O nexo causal infortunstico do trabalho

    A incorporao da automao e da telemtica elevou a qualificao dos trabalhadores, pois, com os computadores, vieram os engenheiros, analistas, programadores e digitadores. Embora houvesse uma diviso de tarefas, tal incorporao, a princpio, tornou o trabalho mais complexo. Todavia, os tcnicos mais categorizados foram substitudos por programas pr-elaborados, enquanto as tarefas ou trabalhos mais simples foram repassados aos nveis mais baixos da hierarquia, agora obrigados a digitar e acompanhar nos visores os resultados de cada operao. Assim, os computadores no so apenas meros facilitadores do trabalho, pois a integrao on line os fazem censores rigorosos da administrao superior sobre todos os que trabalham e se obrigam a cobrar entre si plena eficincia e produtividade.

    Ademais, com o advento das novas mquinas automatizadas, entre elas, os robs e os computadores, e com a nova organizao do trabalho mudaram de natureza as exigncias do trabalho. O corpo continua sendo exigido, mas de outro modo. Os esforos so agora bem mais leves, mais contnuos, rpidos, dando a

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    impresso de serem incuos tal a leveza no manuseio das mquinas industriais e dos escritrios.

    Com a automao contnua e a integrao dos sistemas das empresas, os empregados cada vez acumulam mais tarefas simples. O que tido como qualificao , na verdade, um acmulo de prticas elementares que requerem muita ateno, pouca elaborao mental e conhecimentos rudimentares, sob controle imediato da gerncia e mediata da administrao central.

    A ateno requerida se deve ao ritmo acelerado das operaes inerentes ao processo de trabalho automatizado e pelo medo do erro e suas conseqncias. esse medo que faz com que o trabalho burocrtico, notadamente o desempenhado por caixas e escriturrios, origine uma doena peculiar, com provvel repercusso sobre o psiquismo e a economia dos rgos e funes mais exigidas, como a viso, as mos e os braos, influindo, tambm, negativamente sobre o processo de elaborao mental, visto que no h possibilidade criativa nesse tipo de trabalho.

    A presena da fora de trabalho feminina crescente e, em alguns, j ultrapassa a masculina. O fenmeno genrico em todas as atividades que no requerem fora muscular, ou seja, em todas as ocupaes burocrticas. A automao um componente de agravamento da situao, na medida em que constrange o mercado de mo-de-obra e simplifica a qualidade do trabalho requerido.

    A diviso e a desqualificao do trabalho burocrtico refletem tambm aspectos fsicos penalizadores, pois ele se caracteriza por seu forte componente sedentrio, impondo sempre a posio sentada ou de p, com movimentos predominantes dos braos e das mos. As posies corporais acabam ganhando certa rigidez que leva a esforos musculares para mant-la assim. Diferentemente do conjunto do corpo, os membros superiores, particularmente, as mos e dedos, em vrias ocupaes e postos, so muito exigidos e obrigados a uma movimentao repetitiva e contnua. Essa feio pouco ergonmica do trabalho burocrtico agravada pela inadequao freqente do ambiente: mveis e mquinas mal dimensionadas e instaladas, iluminao e calor desconfortantes, rudo exagerado entre outros.

    Essas condies fsicas e desfavorveis do ambiente tm repercusses sobre o corpo que trabalha, em especial sobre as estruturas corporais mais exigidas. Segundo Ribeiro, no que diz respeito aos segmentos muscoesquelticos distais dos membros superiores, as mos e os dedos, a movimentao contnua torna crtica a viscosidade dentro das bainhas e leitos naturais onde deslizam tendes, vasos e nervos, resultando em atritos entre as vrias estruturas vizinhas e conseqentes perturbaes funcionais e at leses dos mltiplos e delicados componentes envolvidos. Tais desfavores biomecnicos podem ser agravados pelas condies ergonmicas e ambientais, pela ateno requerida, intrnseca a essa espcie de trabalho e pelas reaes opressivas, embora sutis, de subordinao.14

    A exigncia de mais destreza implica mais ateno. No trabalho automatizado, o corpo sai pouco do lugar. Nesses trabalhos atentos, tensos e intensos, a cabea e os olhos seguem os passos rpidos da produo, as mos se movimentam mais

    14 RIBEIRO, Herval Pina. A violncia oculta do trabalho. As leses por esforo repetitivo. Rio de

    Janeiro: Fiocruz, 1999, p. 65.

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    que o resto do corpo e os braos as acompanham ou se colocam em posturas mais ou menos rgidas para que elas executem as tarefas prescritas.

    A baixa quantidade da fora muscular exigida e a repetio dos movimentos so, entre outros, os elementos responsveis pela intensidade e acelerao do ritmo do processo de produo e pelo aumento da produtividade. Ao lado da sobrecarga muscular esttica, esses so os elementos fsicos habitualmente presentes e mais responsabilizados por leses de rgos e tecidos do aparelho locomotor.

    Nesse ciclo ps-moderno do capitalismo, a presena desses componentes que integram a materialidade do processo de trabalho e de outros menos perceptveis que compem sua organizao e a crescente ocorrncia das LER em todo o mundo, as fizeram reconhecidas como doenas ou modos de adoecimento relacionadas ao trabalho. Portanto, os movimentos repetitivos, ritmados e intensos dos membros superiores no trabalho e as vrias presses geradas pela organizao do trabalho tm caracterizado um repertrio de adoecimentos cuja amplitude e abrangncia podem ser observadas pelas vrias denominaes que aparecem em diferentes pases.

    Nesse contexto, doenas e acidentes, para serem consideradas do trabalho, precisam ter sua causalidade provada e comprovada como sendo decorrncia do processo de produo.

    Assim, o reconhecimento das doenas e acidentes do trabalho passou a necessitar da aprovao do sistema, constitudo pelas instituies seguradoras, previdencirias e de assistncia mdica e, sob controle do capital e do Estado capitalista. A vtima passa a ser considerada usuria ou beneficiria e, para fazer jus aos benefcios correspondentes, ter que provar que o dano sua integridade fsica ou mental foi provocado pelo processo de trabalho, ou seja, preciso que o trabalhador individualmente requeira e prove que est efetivamente doente e que sua doena decorrente do trabalho que executa. Desse modo, surge a teoria do nexo causal em infortunstica do trabalho.

    A presena da doena no corpo deve ser comprovada pelo mdico, pois ele quem vai dar o nome, conceituar e medir o grau da leso ou o estado da doena. E quando h dvidas referentes presena do nexo causal e o pedido do trabalhador adoecido vai alm da assistncia mdica, imposta a identificao do agente do processo de produo incriminado de nocivo e a medio dos nveis de tolerncia, pois para que a doena seja considerada do trabalho, preciso que haja exposio ao risco especfico e que a empresa ultrapasse os nveis de tolerncia admitidos em lei, isto , abaixo dos quais a doena no ocorreria.

    O cumprimento de tarefas repetitivas, que exigem ateno contnua e so realizadas sobre permanentes presses e tenses, faz o trabalho real e automatizado penoso e sofrido em qualquer setor.

    O trabalho repetitivo, a sobrecarga muscular esttica e a nova organizao do trabalho, aliadas a automao esto estreitamente associadas na causalidade da LER, uma vez que sua existncia est ligada a vrias condies em que se inclui uma dimenso causal, objetiva e imediata, relacionada aos processos e organizao do trabalho.

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    Um dos mitos que a LER est ajudando a derrubar com seu explosivo crescimento que as novas tecnologias eliminariam o trabalho manual, uma vez que se est adoecendo justamente das mos, por excesso de trabalho.

    Os fatos novos e relevantes a respeito da LER se referem a sua elevada e crescente importncia entre as doenas diretamente associadas ao processo e organizao do trabalho; o fato de suas causas mais prximas e freqentes esteja relacionado aos movimentos leves e rpidos dos dedos sobre teclados de microcomputadores e assemelhados, e pela sobrecarga muscular esttica inerente a esses tipos de trabalho; a enorme eficincia dessas mquinas, elevando direta e indiretamente a produtividade em todas as atividades econmicas inclusive as do setor tercirio, no qual se concentra hoje mais da metade da fora de trabalho; e o aparente contra-senso de que a incorporao de novas tecnologias e o extraordinrio crescimento de produtividade se traduziu em desemprego e adoecimento, ao invs de reduo da jornada e melhor repartio de renda; e o fato de as LER terem se tornado um grave e complexo problema de sade pblica e social, deixando de ser restrita a poucas categorias e a poucos trabalhadores.

    3.5 Meios de preveno e reduo de novos casos de incapacidade

    Conforme Dias, o direito sade, por ser um direito inerente prpria vida do ser humano, rege-se pelos princpios da universalidade e da igualdade de acesso s aes e aos servios que a promovem, protegem e recuperem.15

    Para Costa, a ampliao da noo de defesa e proteo da sade se d com a apropriao social da abrangncia do conceito de sade como tambm da dimenso coletiva e do ambiente, a ser protegido e defendido de agresses resultantes do modo de operao do sistema produtivo.16

    Nesse contexto, a promoo e a proteo da sade esto intimamente ligadas com medidas preventivas, que evitem o aparecimento das doenas.

    Para prevenir e controlar a doena necessrio conhecer, tanto quanto possvel, os elementos que participam do processo de adoecimento e os fatores que determinam a distribuio da doena segundo o tempo, o lugar e as pessoas que adoecem.

    O objetivo da preveno interromper o processo de adoecimento. No perodo em que a doena ainda no se instalou, cabem as aes de promoo e proteo da sade. No incio do perodo da doena, a preveno consiste no diagnstico precoce, no pronto atendimento e na limitao dos danos e seqelas, por meio do tratamento adequado. Durante a convalescena, e na eventualidade de cronificao ou invalidez, surgem s medidas de reabilitao.

    15 DIAS, Hlio Pereira. Direitos e Obrigaes em Sade. Braslia: ANVISA, 2002, p. 17 16 COSTA, Edin Alves. Fundamentos da Vigilncia Sanitria. Conceitos e reas de Abrangncia.

    Rio de Janeiro, Fiocruz, 2000, p. 43.

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    Tradicionalmente, as aes preventivas, de carter coletivo, implicam, por um lado, o monitoramento da ocorrncia de agravos e o controle da propagao desses agravos e, por outro, o controle, anterior ocorrncia de qualquer agravo, de fatores que direta ou indiretamente podem constituir risco sade individual ou coletiva. Contudo, a complexidade que envolve o aparecimento da doena, na coletividade, exige que se encare a preveno de forma integral, e se busque articular os vrios espaos de atuao das aes preventivas.

    Desse modo, prevenir Leses por Esforos Repetitivos ou Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) significa eliminar ou neutralizar os eventos ou condies que levam ao seu aparecimento.

    Portanto preciso investigar quais so as causas ou condies de trabalho que esto associadas ao aparecimento das LER/DORT. Tendo especificado quais so essas causas, pode-se ento partir para sua eliminao ou neutralizao.

    A LER/DORT pode ser devida a trabalhos que exigem a realizao de movimentos repetitivos; trabalhos que exigem posturas inadequadas do corpo e membros superiores; trabalhos que exigem a aplicao de foras, tipo levantamento e transporte de pesos, foras aplicadas com as mos e braos; e ambientes de trabalho onde as condies sociais (denominadas coletivamente de clima organizacional) no favorecem bons relacionamentos e bem estar (condies psicossociais).

    Sendo as causas da LER/DORT relacionadas ao trabalho realizado, para prevenir necessrio mudar o trabalho, isto , modificar as condies de trabalho que podem potencialmente causar a doena.

    Prevenir a LER/DORT no o mesmo que prevenir uma doena ocupacional de causa nica, como por exemplo, intoxicao por chumbo, onde se sabe exatamente que uma determinada dose causa a contaminao, apesar de que, mesmo nesses casos, pode existir outras condies que agravem a molstia. Por se tratar de afeces multicausais no possvel determinar com preciso, antes da anlise, quais so as causas especficas daquela determinada situao de trabalho e seu peso relativo na origem do problema. Em vista disso, praticamente impossvel prevenir a LER/DORT sem realizar a anlise das atividades do posto de trabalho suspeito.

    Apesar de no ser possvel esquematizar um programa de preveno de LER/DORT totalmente especificado, com critrios ou valores mximos e mnimos de cada condio de trabalho que levaria eliminao do problema, possvel descrever quais os passos necessrios e condies mnimas para uma efetiva preveno.

    Segundo Maciel, so sete os elementos para o desenvolvimento de um bom programa de preveno de LER/DORT:17

    1 . Investigao de indicadores de problemas de LER/DORT nos locais de trabalho, tais como queixas freqentes de dores por parte dos trabalhadores, trabalhos que exigem movimentos repetitivos ou aplicao de foras.

    2. Comprometimento da gerncia e direo com a preveno e com a participao dos trabalhadores para a soluo dos problemas.

    17 MACIEL, Regina Helosa. Cadernos de Sade do Trabalhador. Preveno da LER/DORT: o que a

    ergonomia pode oferecer. Instituto Nacional de Sade no Trabalho, 2000, p.6/7.

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    3 Capacitao dos trabalhadores, incluindo a gerncia, sobre a LER/DORT, para que possam avaliar os riscos potenciais dos seus locais de trabalho.

    4 . Coleta de dados, atravs da anlise das atividades dos postos de trabalho, para identificar as condies de trabalho problemticas, incluindo a anlise de estatsticas mdicas da ocorrncia de queixas de dores ou de LER/DORT.

    5 . Investigao de controles efetivos para neutralizao dos riscos de leses por esforos repetitivos e avaliao e acompanhamento da implantao dos mesmos.

    6 . Desenvolvimento de um sistema efetivo de comunicao, enfatizando a importncia da deteco e tratamento precoce das doenas para evitar o seu agravamento e a incapacidade para o trabalho.

    7 . Planejamento de novos postos de trabalho ou novas funes, operaes e processos de tal maneira a evitar condies de trabalho que coloquem os trabalhadores em risco.

    Investigar a existncia de possveis fatores de risco para LER/DORT nos ambientes de trabalho, ou exigir e supervisionar essa investigao, o primeiro passo para a preveno. Os principais indicadores da existncia de problemas so:

    Queixas de dores, fadigas, stress, por parte dos trabalhadores, que no precisam necessariamente estar ligadas a um diagnstico de LER/DORT;

    Trabalhos compostos de tarefas que envolvam atividades repetitivas, aplicao de foras, levantamento e transporte de cargas, atividades realizadas em posies inadequadas do corpo, principalmente de braos e mos (por exemplo, trabalhos que demandam a utilizao dos braos acima dos ombros), uso de equipamentos vibratrios, tais como ferramentas manuais eltricas, pneumticas e outras, e um clima organizacional estressante, com dificuldades de relacionamento entre chefias e funcionrios, normas estritas de trabalho, falta de flexibilidade, entre outros.

    Esses so fatores que podem levar ao aparecimento da LER/DORT entre os trabalhadores e podem ser observados em uma visita rpida aos locais de trabalho e conversando com os trabalhadores.

    Outros indicadores que podem alertar para a existncia do problema so:

    Publicaes especializadas do setor ou servio, ou ramo de atividade, relatando a existncia de riscos nas atividades desenvolvidas nesse setor econmico (por exemplo, bancos, digitao);

    Relato de casos de LER/DORT em outras empresas similares;

    Propostas da empresa de aumento de produo baseadas no aumento da carga de trabalho, ou modificaes nos equipamentos utilizados, tais como bancadas, ferramentas, equipamentos, guichs, etc.

    Os indicadores de risco podem dar uma idia do tamanho do trabalho e do esforo necessrio para a preveno. Por exemplo, indicadores de que o problema est possivelmente distribudo em vrios departamentos e vrios postos de trabalho e de que uma grande porcentagem de trabalhadores est com suspeita de problemas, mostra a necessidade de um programa de preveno em larga escala.

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    Por outro lado, indicadores de que somente uma pequena proporo dos trabalhadores esta exposta a riscos, ou de que o problema est localizado em uns poucos postos de trabalho, mostra a necessidade de um programa de preveno mais localizado.

    Mesmo quando os indicadores no so claros, a implantao de um programa de preveno pode trazer benefcios.

    O segundo passo se refere ao comprometimento da gerncia e participao dos trabalhadores. Qualquer programa de controle de riscos e preveno de acidentes de trabalho necessita do comprometimento dos nveis hierrquicos mais altos da empresa. Sem essa aprovao, a preveno no seguida corretamente pelos mdios gerentes ou supervisores. Assim, a preveno s efetiva quando a meta de no existncia de casos de doenas ocupacionais for to importante quanto as metas de produo.

    Por outro lado, quando a empresa no est interessada na preveno, cabe aos sindicatos, mostrar a sua importncia e exigir o comprometimento da empresa na preveno de LER/DORT.

    A participao dos trabalhadores ou seus representantes tambm importante em qualquer programa de preveno. Esse processo ainda mais efetivo quando os trabalhadores participam nas vrias fases da implantao do programa, desde a deteco de postos de trabalho problemticos, anlise das atividades, sugesto de meios de controle dos riscos, at a implantao e avaliao de modificaes nas condies de trabalho.

    A participao pode se dar de forma direta e individual ou atravs de representantes. Em geral, a representao ocorre nas comisses de sade da empresa como um todo. A participao direta pode ocorrer nas equipes de preveno do departamento ou setor (equipes localizadas). A participao pode se dar atravs dos membros da CIPA (Comisso Interna de Preveno de Acidentes), ou na falta dela, pelo responsvel, designado, pela preveno na organizao. Quando existem comisses de sade da empresa como um todo, elas, em geral, trabalham na:

    Discusso de formas de solucionar as questes de sade e segurana;

    Elaborao de recomendaes de aes preventivas;

    Aprovao de recursos para realizao de aes.

    O trabalho das equipes localizadas, em geral, envolve a realizao de aes especficas nos postos de trabalho de uma determinada rea da empresa. Nesses grupos a participao pode ser de todos os trabalhadores envolvidos, dependendo do tamanho da organizao e do departamento, ou de alguns trabalhadores representativos do departamento em questo.

    Quando se estabelece um sistema de equipes ou grupos participativos na preveno de LER/DORT, as solues devem partir do grupo e no serem colocadas de cima para baixo, o que pode causar frustrao e diminuir os benefcios decorrentes do processo participativo.

    Qualquer que seja o tipo ou nvel de participao, dois fatores so crticos para um envolvimento efetivo dos trabalhadores. Um deles a capacitao no

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    reconhecimento dos riscos e nas formas de controle dos mesmos. O segundo o fornecimento de informaes por parte da direo.

    H vrias formas de participao e a forma escolhida depende da cultura local ou da cultura da empresa em questo, bem como da natureza dos problemas a serem resolvidos e da capacidade dos participantes.

    O terceiro passo refere-se capacitao. Identificar e resolver problemas relacionados LER/DORT requer algum nvel de conhecimento e capacidades em ergonomia. Assim, importante buscar essa capacitao, se ela no for fornecida pela empresa. No entanto, como o reconhecimento e a resposta da empresa a diferentes necessidades de conhecimento e informao so um passo importante na construo de um programa de preveno, ainda mais efetivo exigir que a empresa capacite os trabalhadores no reconhecimento e soluo dos problemas relacionados sade dos trabalhadores e em ergonomia.

    Com relao ergonomia, a meta global dos cursos, dentro de um programa de preveno de LER/DORT, capacitar os participantes para identificar aspectos do trabalho que podem expor os trabalhadores a riscos de afeces musculoesquelticas, reconhecer sinais e sintomas das afeces e participar no desenvolvimento de estratgias para control-los ou preveni-los. A capacitao dos trabalhadores permite que estejam bem informados sobre os riscos e que possam participar ativamente das comisses de sade ou equipes localizadas. Os treinamentos podem ser realizados por consultorias ou assessorias externas. Mas, nesse caso, os instrutores devem se familiarizar primeiro com as polticas e operaes da empresa ou do ramo de atividade em questo. Alm disso, devem adequar o curso s preocupaes e interesses especficos dos grupos participantes. Esse um cuidado importante que deve ser sempre exigido.

    Se o curso interno, na empresa, seu objetivo deve ser o de capacitar os funcionrios quanto a condies de trabalho seguras e saudveis e problemas de sade, incluindo os riscos de LER/DORT. Os cursos devem ser desenvolvidos de maneira diferente para diferentes categorias de funcionrios. Eles podem variar desde a conscientizao de todos os empregados, especialmente os que trabalham em tarefas com suspeita de exposio a risco, at cursos especializados, intensivos, para aqueles que participam de processos participativos de preveno de LER/DORT.

    Os objetivos de uma conscientizao em ergonomia, em geral realizada por meio de cursos de curta durao para a grande maioria dos empregados, devem ser os seguintes:

    Reconhecer os fatores de risco de LER/DORT e entender as medidas de controle;

    Identificar os sinais e sintomas de LER/DORT, que podem ser o resultado da exposio a tais fatores e estar familiarizado com os procedimentos e cuidados de sade;

    Conhecer o processo utilizado para controlar os fatores de risco e as possveis formas de participao;

    Conhecer os procedimentos para informar os fatores de risco e afeces relacionadas LER/DORT, inclusive os canais formais e informais para onde as informaes devem ser encaminhadas.

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    Uma forma de participao, e uma maneira interessante de lidar com os problemas internos de LER/DORT, a formao de multiplicadores, empregados designados para cuidar da preveno. Os multiplicadores tm por funo estimular a participao e formar outros empregados nas tcnicas bsicas de anlise das atividades dos postos de trabalho, para deteco e controle de riscos de LER/DORT, alm de terem a funo de iniciar o processo de preveno, realizando eles mesmos a anlise das atividades de alguns postos de trabalho.

    importante que os multiplicadores sejam capacitados em tcnicas de entrevista individual e em grupo e sejam capazes de assumir um papel de facilitadores na interao com os trabalhadores.

    Esses cursos no devem ter a pretenso de treinar os trabalhadores para diagnosticar ou tratar a LER/DORT. O propsito levar a uma compreenso dos tipos de problemas de sade relacionados ao trabalho e quando os empregados devem ser levados para uma avaliao mdica.

    Durante os cursos, interaes abertas e francas entre os instrutores e aprendizes, especialmente os empregados que trabalham em postos de trabalho com suspeita de LER/DORT, especialmente importante. Esses trabalhadores conhecem suas prprias condies de trabalho melhor que qualquer outra pessoa e so uma fonte de boas idias de como melhor-las. No mnimo deve ser dado a eles a oportunidade de discutir os problemas das suas condies de trabalho e fazer exerccios de soluo de problemas pertinentes.

    O quarto passo se refere anlise das atividades desempenhadas pelos empregados. Qualquer programa de preveno de LER/DORT deve ter uma maneira de investigar e determinar as causas das afeces. Para isso, a ergonomia possui uma srie de tcnicas que ajudam a realizar a anlise das atividades com o objetivo de diagnosticar os aspectos inadequados do posto de trabalho que podem levar ao aparecimento das doenas.

    A coleta de informaes sobre os postos de trabalho comea com uma investigao de indicadores gerais. Os principais so os indicadores de sade dos funcionrios:

    Anlise de Comunicaes de Acidentes de Trabalho (CATs) ou estatsticas mdicas;

    Questionrios e entrevistas;

    Investigaes clnicas de todos os funcionrios;

    Exames mdicos peridicos.

    A existncia de dados mdicos fidedignos essencial para o desenvolvimento de um programa de preveno. Uma investigao em profundidade das CATs pode trazer informaes sobre a natureza das doenas e indicar possveis fatores de risco. A anlise das estatsticas mdicas, pronturios ou outros dados existentes, internos ou externos empresa, deve ser realizada com o mesmo objetivo.

    Uma maneira mais sensvel de levantar os postos de trabalho que podem estar expondo os trabalhadores a riscos de LER/DORT realizar um levantamento de sintomas atravs de questionrio ou entrevista, interna ou externamente empresa.

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    A anlise das CATS, dos dados mdicos e dos levantamentos podem indicar a natureza e prevalncia dos problemas musculoesquelticos. Mas a anlise das atividades que fornece informaes sobre os aspectos crticos do posto de trabalho que podem ser as causas dos problemas. Essa identificao essencial para a modificao das condies de trabalho e portanto preveno dos problemas. Mesmo quando no existe indicao, pelos dados mdicos, da existncia de problemas, a anlise das atividades pode ter uma funo proativa, eliminando o risco antes que ele se instale.

    De uma maneira geral, os seguintes aspectos das situaes de trabalho devem ser levados em considerao, quando se realiza a anlise das atividades com vistas preveno da LER/DORT: a postura corporal, os movimentos repetitivos, a durao desses movimentos, o contato repetido ou contnuo com objetos pontiagudos ou afiados, a exposio vibrao de um objeto, a temperatura, entre outros.

    Fatores da organizao do trabalho tambm podem determinar o aparecimento da LER/DORT; entre eles, os principais so: jornada de trabalho muito longa; horas extras; pausas insuficientes; ritmo de trabalho determinado pela mquina; carga de produo elevada; e tarefas com as quais o trabalhador est pouco familiarizado.

    Alm das condies acima, outros aspectos da estrutura da empresa podem no s contribuir para o stress fsico mas tambm para o stress psicolgico. Fatores do tipo monitoramento do trabalho, sistemas de pagamento por produo ou falta de controle do trabalhador sobre o seu trabalho, tm um aspecto negativo sobre as condies psicolgicas dos trabalhadores e essas condies podem afetar o sistema musculoesqueltico.

    Estes ltimos so, na verdade, os principais fatores que podem determinar o aparecimento ou no das LER/DORT.

    Climas organizacionais tensos, relacionamentos difceis no trabalho e outros fatores de stress psicolgico sempre acompanham ou so condies presentes naquelas situaes de trabalho com grande nmero de trabalhadores afetados por LER/DORT.

    A anlise das atividades normalmente realizada por profissionais experientes em funo de no existir um procedimento padro para realiz-la. A anlise mais bem conduzida por profissionais com treino e experincia comprovada em ergonomia.

    Apesar de no haver um procedimento padro para realizao da anlise das atividades, algumas tcnicas so imprescindveis para uma boa coleta de dados, cujo objetivo a completa descrio da funo e das atividades do trabalhador. Uma anlise das atividades deve envolver as seguintes tcnicas:

    Observaes informais e formais dos postos de trabalho;

    Entrevistas com trabalhadores e supervisores para obteno de informaes que no se pode obter atravs da observao, tais como os fatores psicossociais, presses para produo, pausas e outros.

    No entanto, dados mais especficos podem ser necessrios em uma segunda fase e podem incluir:

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    Observaes dos trabalhadores quando realizam as tarefas atravs de filmagens, fotografias ou tcnicas de observao sistemticas para determinar o ciclo de trabalho, adoo de posturas, "layout" da estao de trabalho, uso de ferramentas, etc;

    Medies da estao de trabalho, por exemplo, medidas da altura de bancadas, cadeiras, mquinas, etc;

    Medies das ferramentas utilizadas, tais como peso das mesmas, vibraes, tamanho dos cabos e pegas e de suas partes;

    Determinao das caractersticas da superfcie de trabalho;

    Medies das exposies a calor ou frio e vibraes de corpo inteiro;

    Clculos biomecnicos, tais como foras exigidas ou presses sobre grupos musculares ou articulaes, baseados no levantamento ou manipulao de cargas e objetos;

    Medidas fisiolgicas de consumo energtico durante as atividades;

    Questionrios e entrevistas especiais para determinar aspectos das condies de trabalho que impactam o trabalhador, influenciam seu conforto ou desempenho.

    Embora a anlise das atividades permita uma caracterizao dos riscos existentes, a questo do nvel ou quantidade da exposio a esses riscos que pode levar ao aparecimento da LER/DORT ainda uma questo aberta. No atual estgio do conhecimento, no h critrios ou limites confiveis para determinar o aparecimento ou no da LER/DORT, dado um determinado fator de risco. Alm disso, muito depende dos fatores psicossociais, o que difcil de quantificar. Assim, pode-se somente fornecer tendncias e no limites absolutos. Mas a indicao da existncia de condies desconfortveis por parte dos trabalhadores ou a existncia de alguns dos fatores indicados acima, j suficiente para apontar a necessidade da adoo de medidas preventivas. Com relao prioridade que deve ser dada na realizao da anlise das atividades e na implantao de medidas de controle, deve se dar prioridade para aqueles postos de trabalho onde h casos comprovados de LER/DORT, seguidos daqueles onde j houve casos no passado. Deve-se dar prioridade tambm queles postos onde h um grande nmero de trabalhadores ou onde se pretende implantar outras mudanas, independentemente da existncia de casos de LER/DORT. Postos de trabalho associados a queixas de fadiga ou desconforto dos trabalhadores, mesmo sem casos conhecidos de LER devem ser analisados em segundo lugar.

    O quinto passo se refere ao controle dos riscos. A anlise das atividades focalizando os riscos para LER/DORT, permite o posterior desenvolvimento de medidas de controle que eliminem ou diminuam os riscos encontrados. importante ressaltar que no se pode prescindir da anlise das atividades para uma correta implantao de medidas de controle. Em alguns locais de trabalho, os gerentes afirmam estar fazendo preveno de LER/DORT a partir da implantao, por exemplo, de programas de ginstica laboral ou a compra de novas cadeiras.

    Essas medidas, implantadas sem a correta anlise das atividades podem, ao invs de eliminar, agravar os problemas. Alm disso, programas de ginstica laboral no so aes de preveno de LER/DORT, pois no esto modificando nenhuma condio de trabalho causadora das doenas.

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    Existem dois tipos de medidas de controle:

    Controles nos ambientes, equipamentos e ferramentas de trabalho;

    Controles administrativos.

    A ordem de aplicao das medidas de controle deve seguir os seguintes princpios e na seguinte ordem:

    Reduzir ou eliminar os riscos potenciais modificando os ambientes, postos e ferramentas;

    Modificao nos processos de trabalho e polticas de gesto.

    A primeira abordagem para prevenir os problemas de LER/DORT o replanejamento dos postos de trabalho, incluindo:

    O arranjo dos equipamentos;

    Seleo e uso de ferramentas;

    Mtodos de trabalho que levem em considerao, por exemplo, de dispositivos mecnicos para aliviar o levantamento e transporte de pesos pode ser uma medida efetiva para evitar as afeces;

    Mudana nos processos e produtos para reduzir a exposio do trabalhador a fatores de risco. Por exemplo, mudanas na forma da embalagem de um produto para evitar movimentos repetitivos das mos dos embaladores;

    Mudanas no "layout" do posto de trabalho, o que pode ser feito, por exemplo, introduzindo bancadas de trabalho flexveis, com ajuste de altura ou o posicionamento de ferramentas em posies de fcil alcance para o trabalhador;

    Mudanas na forma como os materiais, ferramentas e partes so manipulados. Um exemplo disso a mudana do anteparo do guich do caixa de banco, evitando assim a postura de braos elevados no movimento de pegar os documentos;

    Mudana no desenho das mquinas ou ferramentas, como por exemplo, a mudana de uma alavanca para um boto no acionamento.

    Os controles administrativos so mudanas nas prticas ou normas de trabalho para reduzir ou eliminar os riscos de LER/DORT. Esses controles incluem:

    Mudanas nas normas ou processos de produo;

    Mudanas no sistema de pausas;

    Rodzio de trabalhadores entre diferentes atividades;

    Reduo da jornada ou diminuio de horas extras;

    Rotao dos trabalhadores entre diferentes funes com demandas diferentes sobre a musculatura;

    Aumento na freqncia de pausas para permitir a recuperao;

    Variao das tarefas para evitar a repetio ou a manuteno prolongada da mesma postura;

    Ajuste do ritmo de trabalho para aliviar os efeitos dos movimentos repetitivos e permitir ao trabalhador um melhor controle sobre seu trabalho;

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    Treinamento no reconhecimento dos fatores de risco e instrues para alvio do stress e da carga de trabalho.

    Outros fatores importantes para o sucesso da implantao de medidas de controle a designao de funcionrios como responsveis por elas, a existncia de um cronograma de implantao e a considerao com a logstica necessria para a implantao em larga escala.

    Durante a implantao, em um processo participativo, importante comear com pequenas modificaes que podem ser claramente identificadas como causas de desconforto e que atinjam um grande nmero de trabalhadores, para depois partir para a soluo de problemas mais complexos.

    O seguimento e a avaliao das solues e modificaes realizadas so necessrios para assegurar que os controles realmente eliminaram ou diminuram os fatores de risco e de que novos fatores no foram introduzidos a partir das mudanas. A avaliao pode ser realizada, e mais efetiva, quando se utilizam os mesmos instrumentos usados na fase de anlise das atividades.

    O sexto passo se refere ao gerenciamento dos casos de LER/DORT. As polticas de gerenciamento dos casos antigos e novos de LER/DORT contribuem para a preveno, uma vez que podem evitar o agravamento das doenas daqueles afetados. Alm disso, um clima de respeito com aqueles que apresentam sintomas ou queixas relacionados a LER/DORT contribui para um ambiente de trabalho menos estressante e um clima organizacional mais amigvel.

    Os principais procedimentos que devem ser implantados so:

    Medidas que assegurem a familiaridade do trabalhador com as tarefas que dever realizar e avaliao dos retornos ao trabalho;

    Facilitar relatos precoces de dores ou outros problemas de sade e acesso fcil aos servios de sade internos e externos;

    Sistema de tratamento.

    Para prevenir o agravamento entre os empregados j afetados, um bom programa de preveno deve ter mecanismos que:

    Encorajem o relato precoce de sintomas e que os empregados com queixas sejam prontamente avaliados pelo servio mdico;

    Familiarizem os mdicos e enfermeiros do trabalho com os postos de trabalho, por meio de visitas freqentes e acesso a informaes sobre a anlise das atividades;

    Modifiquem os postos de trabalho ou acomodem os empregados que tenham limitaes funcionais em outros postos de trabalho.

    Acima de tudo, os trabalhadores e supervisores devem estar cientes de que algumas demandas do trabalho podem entrar em conflito com um trabalho saudvel. Os primeiros devem ser incentivados a no ultrapassarem seus limites psicofisiolgicos, e os segundos a no exigirem uma produtividade alm do limite do saudvel. Isto , a empresa no pode exigir que os empregados coloquem sua sade em risco em funo das demandas de produtividade. Na maioria das vezes, cabe aos sindicatos assegurar que este princpio seja seguido.

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    Cabe aos sindicatos tambm a exigncia de um ambiente livre de presses quanto no existncia de casos de LER/DORT. Isto , o empregado no pode ser pressionado a no relatar seus sintomas porque o departamento ou setor ter prejuzos com isso.

    O stimo passo refere-se ergonomia proativa, cuja abordagem proativa aplicada no planejamento de novos postos ou funes e seu objetivo evitar os problemas antes de sua ocorrncia.

    A abordagem proativa se constitui em uma srie de diretrizes que devem ser aplicadas quando do planejamento de novas funes, novos postos de trabalho, novos procedimentos ou a compra de novos equipamentos.

    Nessa abordagem, que deve ser um dos aspectos de um programa de ergonomia ou de preveno, a direo da empresa estabelece que nenhum posto de trabalho, partes, materiais, ambientes ou equipamentos possam ser modificados ou comprados sem a devida anlise das possibilidades de que sua utilizao venha a se tornar um fator de risco de LER/DORT.

    Para que isso ocorra, os profissionais que lidam com a compra de novos equipamentos, ou o planejamento de processos de trabalho e ambientes devem possuir conhecimentos sobre a ergonomia. Devem tambm ter conhecimento sobre os riscos de LER/DORT e das formas de control-los.

    Os princpios da ergonomia devem subsidiar as decises relacionadas aos novos processos de trabalho, ambientes e equipamentos.

    Assim, a preveno da doena est na dependncia no s de medidas ergonmicas e fsicas para melhorar as condies e ambientes do trabalho, mas de outras ligadas sua organizao, como reduo da jornada, interrupo regular das tarefas ou pausas, reviso das relaes do trabalho com a finalidade de reduzir as presses e tenses do trabalho entre outros.

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    4 ESTUDO DE PESQUISA

    Conforme j relatado na Metodologia, buscou-se como mtodo de pesquisa o Estudo de Caso com o propsito de confrontar a teoria com a prtica exercida por empresa no tocante a identificao da Leso por Esforo Repetitivo bem como causas, sintomas e preveno. Assim, foi explorado o estudo realizado por Ribeiro18 no estado de So Paulo no BANESPA, especificamente nas agncias sediadas na capital.

    At o explosivo aparecimento das LER, os bancrios, enquanto categoria estavam livres de serem vtimas de uma doena tipificada como do trabalho, to comum entre os trabalhadores industriais. A associao das LER com a automao , portanto, iniludvel.

    Aplicou-se 525 questionrios na populao de 1223 adoecidos, conhecida at junho de 1994. Os dados quantitativos e a anlise desses questionrios foram publicados em uma revista de circulao interna, distribuda, principalmente, entre eles (Ribeiro, 1995).

    Chamava a ateno na amostra, o fato de 95% dos adoecidos se situarem na hierarquia inferior da empresa, a quase totalidade (85%) na funo de escriturrio/caixa. Para essa populao mais sujeita a adoecer, 55% eram do gnero feminino. Dos 1223 casos conhecidos de LER, 79% eram mulheres. Na amostra, esse percentual foi um pouco maior (83%). Todos tinham menos de 50 anos, 25% entre 40 e 50 anos, 56% entre 30 e 39 anos e 19% abaixo de 30 anos. O tempo mdio de trabalho bancrio dos adoecidos da amostra foi de 12 anos. Nesse banco, 337 adoecidos referiam conhecer mais de dois colegas de trabalho que tinham sintomas e se recusavam a procurar o mdico. Somados, esses suspeitos atingiam o nmero de 960. O tempo mdio entre os primeiros sintomas e a ida ao mdico foi de onze meses na amostra, e o tempo mdio de afastamento do trabalho foi de 336 dias.

    Como se observa, as LER so uma doena que vitima trabalhadores relativamente jovens e em plena fase produtiva, a grande maioria do gnero feminino, situados na hierarquia inferir do banco e sujeitos a esse tipo de trabalho por um tempo longo, a quase totalidade dos casos havendo ocorrido depois de 1990.

    Muitas das questes suscitadas com esses e outros dados dos questionrios puderam ser melhor entendidas, graas aos 345 depoimentos espontneos que continham e dos quais valeu para a discusso a seguir.

    4.1.Discusso

    Como explicar, ao longo desses anos, o crescimento do nmero de casos das LER, sem que a empresa, seu sistema de controle de engenharia de segurana e medicina do trabalho, sua caixa de assistncia mdica com sua rede de mdicos credenciados e o INSS tenham lhes dado a merecida importncia?

    18 RIBEIRO, Op. Cit. p. 18-28

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    Um dos depoentes formula a hiptese de que h por parte de empresa uma ignorncia real, sem dar expresso qualquer sentido pejorativo, simples desconhecimento de diretores, gerentes e administradores, sobre o que estaria acontecendo com a sade dos seus subordinados. Esse desconhecimento no se inscreve, de hbito, nos anais das empresas modernas que construram, sabe-se, sistemas de controle e informaes bastante eficazes, assentados na automao.

    Em termos organizacionais, nenhuma desinformao ou desconhecimento inocente, mas parte de uma poltica. No caso desse banco, de extenso nacional, com centenas de agncias, a desinformao tem contedo e nuances diferentes nos diversos locais e nveis hierrquicos.

    Os diretores seriam pouco informados e se sentem menos responsveis porque distanciados do local onde os que realizam o trabalho concreto, os trabalhadores do nvel hierrquico inferior, adoecem. Ignoram a ocorrncia dos fatos cotidianos, fora de sua alada imediata. Para eles, trabalhadores adoecidos ou no so uma abstrao. Ouvem, cada vez com maior freqncia, falar de LER, mas essas ou quaisquer outras doenas de trabalhadores, so uma abstrao ainda maior. Podem argumentar que a administrao superior tem outras atribuies, mais ligadas s misses e metas da empresa. Mas a partir de determinado momento, as LER fazem comprometer a capacidade de trabalho de um contingente crescente da fora de trabalho e a ameaar metas e objetivos. a que as LER passam ordem do dia da diretoria, quando j transcorreram alguns anos e as marcas da doena se fizeram profundas e indelveis. precisamente dentro dessa tica, de fora de trabalho, que so vistos os empregados dessa ou de qualquer empresa. A percepo expressa de adoecidos sobre a falta de tratamento humano da diretoria faz, pois, sentido. O desconhecimento sobre os sentimentos dos subordinados, o trato e distrato das suas necessidades e problemas, fazem parte da desumanizao das relaes de trabalho, marcadas pela verticalidade e impessoalidade. Porm, para os adoecidos, os diretores no so culpados por seu adoecimento, mas por no resolverem os problemas que as LER trazem. O beneplcito da desinformao lhes concedido, mas no o da omisso.

    O comportamento dos diretores se reproduz no nvel de macro-gerentes e diretores regionais, apesar da maior proximidade com os servios locais, onde se realiza o trabalho concreto e o adoecimento acontece. Mas as informaes dos nveis acima e abaixo so fragmentadas, restritas sua rea de atuao. A circunstncia de se constiturem em poder intermedirio, menor e pouco visvel, os fazem mais protegidos de acusaes e cobranas.

    Tal proteo no tm os gerentes e administradores locais. So de todos os escales superiores, o de menor poder, mas onde o poder se exerce sem disfarce. Sabem razoavelmente o que ocorre com seus subordinados e com a sade deles, mas ignoram o que est fora de seu alcance visual dentro da empresa, com relao aos subordinados dos outros. So os mais expostos e, simultaneamente, os que tm obrigao e oportunidade de ver e sentir o cotidiano dos que realizam o trabalho concreto. Se no o fazem porque esto despreparados ou por no querer.

    Como diz um depoente, os casos de LER em sua agncia so dois, portanto, raros, fazendo com que ele e o outro sejam considerados estranhos. Para a gerncia e colegas, a presuno de que o nmero de adoecidos no conjunto dos locais seja insignificante. Resta a impresso local. O silncio da administrao superior sobre a verdadeira dimenso do problema na empresa, corrobora para essa percepo

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    fragmentada e equvoca das administraes locais, incapacitadas de ver esse adoecimento, novo para elas, como decorrncia do trabalho e um sria questo de sade, encarando-a como um simples problema administrativo. E o fazem, como costumam fazer com outros casos e coisas, de vrias maneiras, a mais comum, duvidando do subordinado queixoso que apresenta queda de produtividade e se ausenta, alegando estar adoecido de uma doena que ningum objetivamente v e que o prprio, de incio, negou a si e por um bom tempo ocultou