A LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: … · Doutorado em Teoria da Literatura pela...

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Departamento de Ciências Humanas Campus I Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens Mestrado em Estudo de Linguagens VERENA SANTOS ANDRADE FERREIRA A LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES SALVADOR BAHIA 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Departamento de Ciências Humanas – Campus I

Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens

Mestrado em Estudo de Linguagens

VERENA SANTOS ANDRADE FERREIRA

A LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

EXPERIÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES

SALVADOR – BAHIA

2012

2

VERENA SANTOS ANDRADE FERREIRA

A LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

EXPERIÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação da Universidade do Estado da Bahia,

como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Estudo de Linguagens.

Área de concentração: Linguagens: práticas e

contextos.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia Rios da Silva.

SALVADOR – BAHIA

2012

3

FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

VERENA SANTOS ANDRADE FERREIRA

Ferreira, Verena Santos Andrade

A leitura na educação de jovens e adultos: experiências e representações / Verena

Santos Andrade Ferreira . - Salvador, 2012.

113f.

Orientadora: Profª. Drª Márcia Rios da Silva

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de

Ciências Humanas. Campus I. 2012.

Contém referências, apêndices e anexos.

1. Leitura. 2. Leitura - Estudo e ensino. 3. Educação de adultos. 4. Educação

do adolescente. I. Silva, Márcia Rios da. II. Universidade do Estado da Bahia,

Departamento de Ciências humanas.

CDD: 472.4

4

A LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

EXPERIÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Márcia Rios da Silva

Doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia

__________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Helena da Rocha Besnosik

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo

__________________________________________________

Prof.ª Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro

Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, PUC

Salvador, 27 de agosto de 2012.

5

A Breno, Lucca e Vitor, que enfeitam os meus

dias e renovam a minha energia.

6

PALAVRAS DE AGRADECIMENTO...

... QUE SUCEDEM O RECONHECIMENTO

São muitos os agradecimentos, porque, durante essa breve/longa caminhada, muitas pessoas

fizeram parte da história desse trabalho, de forma direta ou indireta, que se iniciou com o

processo de seleção para o curso de mestrado, tão desejado, mas que não se encerra nessas

páginas...

Agradeço a Deus, porque Dele veio a força; por ter me concedido no curso a vaga que tanto

pedi; por ter me dado força para superar todas as dificuldades que despontaram durante esse

período; por ter removido as pedras do meu caminho, tornando mais suave a minha

caminhada; pela leveza que sentia no coração em meio a tantas idas e vindas, o que me dava a

certeza de estar no caminho certo, segundo a Sua vontade; pela nova porta que abriu em

minha vida profissional, ainda durante o curso de mestrado; por ter me dado força e fé não só

para iniciar a caminhada, mas, sobretudo, por concluí-la imbuída do mesmo sentimento.

Minha reverência.

De forma especial, à minha orientadora, professora Dra. Márcia Rios, pelo profissionalismo,

colaboração e paciência. A confiança em sua competência foi a minha segurança nos

momentos de aflição. Sem o seu equilíbrio, certamente esta caminhada teria se feito muito

mais difícil.

Também de modo muito especial, à professora Dra. Verbena Cordeiro, pelo apoio e

generosidade demonstrados no meu percurso de pesquisadora da “leitura”. Também pela

leitura cuidadosa do texto apresentado no Exame de Qualificação, meu carinho e admiração.

À professora Dra. Marisa Lajolo, pelas contribuições feitas para o Exame de Qualificação.

Sua presença na banca examinadora é motivo de muita satisfação.

Ao Professor Dr. Paulo Santos, que muito contribuiu com o meu entendimento de

“dissertação”.

A Adriana Reis, regente da disciplina do Tirocínio Docente, pelo carinho e generosidade.

7

À secretaria do PPGEL, nas pessoas de Camila e Danilo, pela atenção dispensada sempre que

requerida.

Aos colegas de turma, a companhia, parceria, apoio e carinho que certamente contribuíram

para ajudar a suportar a saudade de casa e o cansaço de tantas idas e vindas.

De forma especial, às “meninas” da turma, Jeane, Patrícia, Sabrina e Eliã, com quem, por

alguns meses, compartilhei as alegrias e embaraços da vida cotidiana.

Aos meus filhos, Lucca e Breno, que, por tantas vezes, tiveram que partilhar a mãe com os

livros, a compreensão na inocência do silêncio. Amor sublime.

Ao meu marido Vitor, o apoio incondicional, parceiro de tantas caminhadas. Para você,

qualquer palavra de agradecimento fala muito pouco.

Aos meus pais, a torcida e o apoio.

A tio Heráclito, o abrigo que tornou mais suave minha passagem pela capital baiana.

Aos colegas de trabalho (Andreia e Marconi), o constante apoio, amizade e carinho.

A Carla, Viviane, Antonieta e Tânia que, no exercício da colaboração e generosidade,

contribuíram com a realização dessa pesquisa.

Aos sujeitos que tornaram possível este trabalho, a confiança e a colaboração. Junto com

minha gratidão, ofereço o meu respeito por suas histórias de vida.

Todos vocês, de diferentes formas, ajudaram a escrever a história que conto ao longo dessas

páginas.

8

Todo ponto de vista é a vista de um ponto.

Para entender como alguém lê, é

necessário saber como são seus olhos e

qual é sua visão de mundo. Isso faz da

leitura sempre uma releitura.

Leonardo Boff

9

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar as experiências e representações sobre leitura na

Educação de Jovens e Adultos (EJA), tomando como universo os estudantes dos Eixos VI e

VII dessa modalidade de ensino, matriculados em uma escola da rede pública do estado da

Bahia, no município de Jequié. Foi realizado um estudo empírico através de entrevistas

individuais com os estudantes, no intuito de conhecer as suas práticas de leitura, dentro e fora

do espaço escolar, e compreender as circunstâncias e condições em que essas atividades são

desenvolvidas, as impressões produzidas por aquelas, os suportes e gêneros utilizados e,

sobretudo, o modo pelo qual esses estudantes valoram a leitura, o que constitui as

representações sobre tal ato. Para o desenvolvimento deste trabalho investigativo, busca-se o

apoio nas contribuições teóricas e nas reflexões produzidas pelo campo da Sociologia da

Leitura, da História da Leitura e pela teoria das Representações Sociais. Tal estudo sinaliza a

necessidade de ressignificar as formas de interação e apropriação da cultura escrita pelas

camadas mais empobrecidas da sociedade brasileira, da qual a EJA é um exemplo pontual,

face às concepções do ato de ler como atividade de formação e fruição.

Palavras-chave: Representações sobre leitura; práticas de leitura; Educação de Jovens e

Adultos.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the experiences and representations about reading in Youth and

Adults Education (EJA), taking as universe the students of the Axes VI and VII of this

modality of education, enrolled in a public school in the state of Bahia, in a town called

Jequié. It was accomplished a collection of data through individual interviews with students,

in order to make a survey of their readings, inside and outside the school, understand the

circumstances and conditions under which these activities are developed, the impressions

produced by those, the support and genres used and, especially, the way these students value

the reading, what compose the representations about this act. For the development of this

research work, seeks to support in the theoretical contributions and in the reflections produced

by the field of Sociology of Reading and Reading History, by the theory of Social

Representations and by the Aesthetic of Reception. This study indicates the need to reframe

the forms of interaction and appropriation of culture written by the poorest layers of Brazilian

society, in which the EJA is a timely example, given the conceptions of the act of reading as

an activity of formation and enjoyment.

Keywords: Representations of reading; reading practices; Education of Youth and Adults.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 OS ESTUDANTES DA EJA E SUAS EXPERIÊNCIAS DE LEITURA 27

2.1 A leitura no espaço da escola 31

2.2 Além dos muros da escola 46

3 A COTAÇÃO DA LEITURA ENTRE OS ESTUDANTES DA EJA 64

3.1 A via do conhecimento e do trabalho 65

3.2 Ler é decodificar? 79

3.3 A leitura é um sacrifício 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS 94

REFERÊNCIAS 97

APÊNDICES 101

ANEXOS 106

12

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação é fruto de um trabalho que se iniciou no ano de 2010, com o ingresso no

curso de Mestrado em Estudo de Linguagens, na Linha de Pesquisa Leitura, Literatura e

Identidades, no intento de compreender como a leitura é valorada e experenciada por jovens e

adultos que fazem parte das camadas menos privilegiadas da sociedade e vêm de um processo

irregular de escolarização, mas a todo tempo interagem com as mensagens escritas que se

multiplicam na sociedade contemporânea.

No Brasil, com a difusão da alfabetização e a propagação dos meios de comunicação de

massa, a leitura, que antes era privilégio de poucos, estende-se a grande parte da população

através das instituições de ensino de nível básico. No entanto, esse acesso não acontece de

modo igual para todos. Há uma parcela significativa de jovens e adultos que ficaram à

margem do sistema de escolarização. Alguns desses jovens e adultos compõem hoje o

universo de estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA)1, reconhecida como uma

modalidade específica de educação dentro do sistema formal de ensino.

O grande número de jovens e adultos que não concluíram a escolarização básica é uma

realidade de raízes históricas, que encontra sua explicação na forma como se desenvolveu a

política social e educacional no país, desde sua condição de colônia e se estende até os dias

atuais, com contornos, implicações e conotações diferentes em decorrência das

transformações políticas, econômicas e sociais do mundo contemporâneo, que levam a uma

reorganização do trabalho, da produção de bens e serviços, das relações entre países e dos

aspectos culturais. Esses fenômenos são de grande impacto social e cultural, gerando diversos

efeitos na vida dos cidadãos.

Desde a Constituição de 1824, a primeira outorgada no Brasil Império, de forma autoritária, o

tema educação esteve presente em todas as constituintes. A Carta Constitucional de 1934 é a

1 Dados do PNAD/2007 revelam que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) era frequentada em 2007, ou

anteriormente, por cerca de 10,9 milhões pessoas, o que correspondia a 7,7% da população com 15 anos ou mais

de idade. De cerca de 8 milhões de pessoas que passaram pela EJA antes de 2007, 42,7% não concluíram o

curso, sendo que o principal motivo apontado para o abandono foi a incompatibilidade do horário das aulas com

o de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%). Fonte:

www.ecodebate.com.br/2009/05/23/especial-ibge-divulga-perfil-da-educaçao-e-alfabetizaçao-de-jovens-e-

adultos-e-da-educaçao-profissional-no-pais/. Acesso em 10 de abril de 2010. Foram utilizados dados do ano de

2007 na indisponibilidade de outros mais atuais sobre essa modalidade de educação nos meios virtuais.

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primeira a incluir em seu texto a participação de adultos no sistema educacional, em seu

artigo 150, parágrafo único, alínea a: “ensino primário, integral, gratuito e de frequência

obrigatória extensivo aos adultos”.

A partir da década de 1940, a Educação de Adultos foi tema de diversas conferências

internacionais, sendo apresentada como um dos pontos críticos no enfrentamento dos desafios

culturais contemporâneos. A mais recente delas, a VI CONFINTEA (Conferência

Internacional de Educação de Adultos), aconteceu em dezembro de 2009, em Belém do Pará,

e foi encerrada com apelos aos governantes de levarem a diante, em ritmo acelerado e com

esforços redobrados, a Educação de Adultos2.

Durante muito tempo as ações voltadas a esse público se desenvolveram a partir de programas

de alfabetização, ensinando fundamentalmente os códigos da leitura, escrita e operações

matemáticas que supostamente permitiriam maior inserção social no modelo de sociedade que

se desenhava.

Na década de 1960, o pensamento de Paulo Freire vem dar novo enfoque às ações de

alfabetização, propondo um caminho metodológico que se centrava nos processos de

conscientização, através da problematização da realidade do sujeito, para além da aquisição

da técnica da decodificação dos grafemas. O golpe militar de 1964 acabou com tais

experiências e gestou o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e o Ensino

Supletivo para suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tinham

concluído em idade própria. Era a resposta do governo às experiências da década passada e

sua adequação à nova ordem social que se estabelecia.

Com a redemocratização da sociedade, a Constituição Federal de 1988 avançou no tema

educação de adultos e em seu art. 208, inciso I, declara o ensino fundamental obrigatório e

gratuito, inclusive para aqueles que não tiveram acesso em idade própria, na condição de

direito público subjetivo. Nesse contexto surge a EJA no cenário brasileiro: como resposta a

uma dívida da sociedade com grande parte de sua população.

2 Informações retiradas do site da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura). Disponível em www.unesco.org. Acesso em 12 de setembro de 2011. Vê-se que o tempo passou e o

problema persiste não apenas a nível local, mas com a ressalva de que nos países ditos subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento esse problema é muito mais acirrado. Os participantes da conferência reconheceram que há a

necessidade de aumento de recursos financeiros e humanos especializados, oferta de currículos relevantes e

mecanismos de monitoramento e avaliação suficientes.

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Os ordenamentos infraconstitucionais absorvem e organizam seus princípios segundo os

ordenamentos da lei maior. Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB

nº. 9.394/96 – incorpora a EJA como uma modalidade de ensino, colocando-lhe sob um título

próprio. Deixa-se de usar a designação de Ensino Supletivo, de caráter complementar e

compensatório, para adotar a denominação Educação de Jovens e Adultos, de caráter não

suplementar, mas fundamental. Por sua vez, a mudança de nomenclatura não alterou as

relações estabelecidas na política educacional brasileira, que continua a priorizar o ensino

regular em detrimento da EJA, baseada na lógica capitalista do custo/benefício.

O Parecer 11/2000 do CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação

Básica) surgiu para interpretar os artigos da LDB no tocante à EJA e instituir suas diretrizes

curriculares para o ensino fundamental e médio, bem como orientações para a formação

docente. Na tentativa de romper com uma formulação de ensino supletivo, de caráter

assistencialista, o referido Parecer reconhece a EJA como um direito social em três

dimensões: reparação, eqüidade e permanência e a define como “uma categoria

organizacional constante da estrutura da educação nacional com finalidades e funções

específicas” (BRASIL, 2000, p.05), colocando-a como instrumento para o exercício da

cidadania, ressaltando suas especificidades em função das condições socioculturais de seus

sujeitos.

Desse modo, os jovens e adultos que compõem a modalidade da EJA veem na escola a chance

de integrar-se à sociedade letrada da qual fazem parte por direito, cujo portal de acesso é o

domínio da leitura e da escrita. No entanto, não basta conhecer a técnica da alfabetização.

Numa sociedade cada vez mais marcada pela cultura escrita, é necessário interagir com as

muitas modalidades de textos que circulam pelos espaços sociais e apropriar-se criticamente

do conhecimento acumulado como ferramentas para a compreensão e intervenção na

realidade.

Voltei meu interesse para a EJA quando, no ano de 2008, fui trabalhar nessa modalidade de

ensino, como professora das disciplinas de História e Artes, no segundo segmento do ensino

fundamental, numa escola da rede municipal de Jequié-BA. Graduada em Pedagogia, até

aquele momento havia atuado apenas nesse segmento do ensino regular em instituições

privadas e municipais. A Educação de Jovens e Adultos era uma realidade desconhecida. No

primeiro impacto, um misto de sensações. Faço uso da palavra impacto porque acredito que

melhor traduz a experiência daquele momento.

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Tive que reconstruir minha proposta de trabalho de modo a aproximá-la o máximo possível

do contexto social daquelas pessoas e do que, acredito eu, fazia parte de suas aspirações e

necessidades. Busquei ajuda em estudiosos que, direta ou indiretamente, tratavam daquele

contexto educacional e de algumas de minhas muitas inquietações, a exemplo de Silva (1995,

1999) e Sacristán (2000) que discutem a relação entre identidade, currículo e poder; Kleiman

(1995) e Soares (1998), que escrevem sobre as práticas sociais e os eventos escolares de

letramento.

Percebi que minha atenção cada vez mais convergia para o campo da leitura, indo além da

estrutura cognitiva relativa ao simples ato de decodificar e para perto da leitura como prática

geradora de sociabilidades que constituem o espaço social e objeto das relações de poder que

operam na sociedade. Nessa interação, fui redescobrindo e ressignificando aquele ambiente de

ensino e, simultaneamente, compreendendo as pessoas que lá estavam em seus universos

sociais e culturais.

Como modalidade de ensino, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) descortina uma proposta

de educação diferente do Ensino Regular e não há como pensar nessa especificidade sem

considerar quem são seus sujeitos. Facilmente reconhecemos que jovens e adultos com

escolarização incompleta pertencem a grupos sociais de baixo poder econômico – o que

retrata a história desse país que fez da educação formal ou do acesso à educação formal

privilégio dos poucos favorecidos, herança que atravessa as gerações –, têm diferentes faixas

etárias e diversidade de histórias de vida. Em comum, têm a pobreza, que coloca grande parte

desses sujeitos no patamar da sobrevivência e se caracteriza pela falta de acesso a uma série

de bens econômicos, sociais e culturais.

Por outro lado, esses jovens e adultos não são somente “carentes”. São também construtores

de cultura, de visões de mundo, de saberes múltiplos, de leituras acerca da realidade, de

linguagem (que muitas vezes rotulamos de errada), de sonhos e aspirações, desejos e faltas,

que se faz ao mesmo tempo produto e processo de suas histórias, com suas singularidades e

semelhanças. Essas pessoas retornam à escola depois de algum período afastadas da

instituição escolar, já sujeitos de suas vontades, cientes de suas necessidades e de posse de

suas visões de mundo, em direção à apropriação da cultura letrada e na busca da conclusão da

escolarização básica.

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Reconhecendo tais especificidades, e por compreender a leitura como campo de distinção

social, em que se dá a tensão entre o reconhecido e o não-reconhecido, o valorizado e o não-

valorizado, entre letrado e iletrado e a relação de forças que subjaz a essa tensão, esse trabalho

vem investigar as experiências de leitura desses sujeitos de baixa renda e escolaridade tardia e

interrompida não apenas no contexto escolar, como em suas práticas sociais fora do espaço da

escola.

Além das experiências leitoras, esse estudo vem se ocupar de suas representações sobre

leitura que expressam a forma como apreendem e valoram a leitura no contexto das relações

sociais. Implica conhecer e compreender as práticas de leitura e suas representações a partir

de outro olhar que não seja o dos membros da cultura letrada, mas o de sujeitos das camadas

mais empobrecidas da sociedade, pois, em sua polissemia, a leitura adquire diferentes sentidos

em função das formas de apropriação do texto e de seus mediadores sociais. No entanto, em

razão dos lugares de onde provêm, alguns significados são mais valorizados que outros.

Creditar essas experiências de leitura e buscar, a partir delas, conhecer e compreender as

representações sobre leitura desses sujeitos é reconhecer o lugar de onde falam e vê-los como

sujeitos integrados a um processo histórico que ultrapassa o limite individual e os identifica

com classes sociais, etnias, religiões, gêneros, partidos ou propostas políticas, enfim, grupos

sociais.

Nas últimas décadas, a EJA tem sido tema de muitas teses de doutoramento e dissertações de

mestrado. Sérgio Haddad coordenou dois trabalhos que trazem as produções acadêmicas dos

discentes de programas nacionais de pós-graduação. A primeira publicação, Ensino Supletivo

no Brasil: estado da arte (HADDAD, 1987), analisa as produções de 1975 a 1985; o último

trabalho, O estado da arte das pesquisas em Educação de Jovens e adultos no Brasil: a

produção discente da Pós-graduação em Educação no período de 1986/1998 (HADDAD,

2000), traz uma atualização da proposta para o período de 1986 a 1998. Embora voltado para

os programas nacionais de Educação, esse estudo também capturou produções de outros

programas, como de Linguística, Psicologia, Serviço Social e Sociologia. O objetivo desses

exames, na visão de seu coordenador, além de sistematizar os conhecimentos dessa área, é

conhecer as principais temáticas abordadas e os resultados produzidos, bem como o de

identificar lacunas e campos ainda inexplorados, contribuindo com o avanço das pesquisas na

EJA.

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As teses de doutorado e dissertações de mestrado analisadas na última edição do trabalho

coordenado por Haddad versam sobre as relações entre professores e discentes, a formação

docente para o trabalho na EJA, as políticas públicas para essa modalidade de educação, as

concepções e práticas pedagógicas empreendidas. Uma parcela importante desses trabalhos

dedica-se à aprendizagem da leitura e escrita, problematizando as relações entre alfabetização

e práticas sociais de letramento. No entanto, nessa versão do estudo, não encontramos

trabalhos que investigam as práticas de leitura empreendidas dentro e fora da sala de aula,

dissociadas da apropriação da técnica da alfabetização, nem o papel da literatura nesse espaço

de formação escolar, embora saibamos que esses assuntos foram temas de trabalhos de pós-

graduação na última década.

A escolha da EJA na modalidade do ensino médio como universo de pesquisa se deve ao fato

de que seus sujeitos preenchem as características que impulsionam essa investigação:

primeiro, são sujeitos de baixo poder aquisitivo e escolarização tardia; segundo, interagem

com os materiais escritos em diferentes situações e circunstâncias sociais e, por fim, estão

envolvidos em situações de aprendizagem escolar. Esta última condição é importante porque

permite estabelecer a relação entre as leituras realizadas dentro e fora da escola e

compreender como a escola tem contribuído com a formação do leitor da EJA.

Para estudar as experiências e representações sobre leitura dos sujeitos da EJA, foram

entrevistados 15 estudantes dos eixos VI e VII dessa modalidade de educação que fazem

equivalência com os 3 anos de duração do ensino médio regular. A escolha por esse segmento

educacional se justifica pela busca de um público mais amadurecido do ponto de vista da

escolaridade, uma vez que já teriam concluído a etapa escolar que corresponde ao ensino

fundamental.

O colégio em que foi realizada a pesquisa faz parte da rede estadual de educação3, na cidade

de Jequié4, e atende ao público da Educação Básica no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e

3

Para preservar a identidade dos sujeitos envolvidos no trabalho, o nome da escola foi omitido. A preferência

pela rede estadual se justifica em razão de a rede municipal não oferecer o ensino médio, por conta da divisão de

responsabilidades entre os poderes federal, estadual e municipal. 4 Município localizado na região Sudoeste da Bahia, a 365 km da capital Salvador, na zona limite entre a

caatinga e a zona da mata. De economia diversificada, contempla a agropecuária (bovinos, caprinos, café,

cacau), mineração (granito, ferro, mármore, calcário), indústria de confecções e de calçados. Dispõe de um

poliduto que distribui derivados de petróleo e álcool para algumas cidades de Minas Gerais e Espírito Santo.

Conta com uma universidade pública, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, com cursos de licenciatura

e bacharelado, nas áreas de educação e saúde, e quatro instituições privadas de ensino superior, todas com curso

de bacharelado em diferentes áreas. Cidade centenária, com cerca de 160.000 habitantes, é o local de domicílio

da pesquisadora.

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Ensino Médio, incluindo a Educação de Jovens e Adultos, nos turnos matutino, vespertino e

noturno. Neste último, além da EJA, tem-se também o ensino regular.

O perfil dos estudantes é diversificado. Majoritariamente, são de segmentos sociais populares,

procedentes de escolas públicas estaduais e municipais. Em 2010, foram matriculados 1.556

estudantes. Destes, 176 estavam matriculados na EJA, no segmento correspondente ao Ensino

Médio regular. Com cerca de 70 profissionais entre efetivos, temporários e terceirizados, o

corpo docente é constituído por 52 professores, a maioria, com graduação e especialização.

Destes, 09 atuam na EJA, por terem preferido, segundo a coordenadora pedagógica, essa

modalidade de ensino.

Esse colégio implantou a Educação de Jovens e Adultos em 2009, depois de uma “batalha”5

empreendida pela direção e professores em razão da baixa procura por cursos regulares

ofertados no turno noturno. Então, para atender a uma necessidade da comunidade, de modo

que não houvesse redução das turmas e professores não ficassem com carga horária de aula

abaixo do mínimo permitido, deu-se a referida batalha junto à Secretaria de Educação e

Cultura (SEC) do estado. Não foi possível precisar desde quando o município oferece

educação para os que estão fora da idade regular, mas sabe-se que os cursos são oferecidos

desde a época em que tal segmento recebia a denominação anterior: ensino supletivo.

O meu primeiro contato com a escola foi feito através da direção. Apresentei-me e expliquei

em que consistia o trabalho. Disse que precisava ter contato com alguns alunos para ouvir

sobre suas experiências de leitura. A então diretora disse que veria um/uma

professor/professora para me ajudar na seleção desses alunos.

Voltei à escola na data marcada, e a diretora da instituição já havia combinado com uma

professora para ajudar-me na seleção dos alunos, cujos critérios obedeciam a duas condições

específicas, previamente estabelecidas por mim, de modo a primar pela adequação do

universo de pesquisa ao objetivo proposto: i) fossem escolhidos alunos de diferentes faixas

etárias, a fim de contemplar as diferentes idades que compõem o ambiente heterogêneo da

EJA; ii) fossem alternados alunos do sexo masculino e sexo feminino, para que, ao final da

seleção, não tivéssemos um grupo preponderantemente marcado por um ou outro sexo.

5 Esse foi o termo utilizado pela coordenada pedagógica para justificar a oferta do curso pela escola.

19

Na semana seguinte voltei à escola, e a professora colaboradora já havia conseguido os 15

alunos que concederiam as entrevistas. Contou que muitos deles haviam demonstrado

resistência, querendo saber qual o teor das entrevistas, mas, ao final do convite, aceitaram

participar da pesquisa.

De posse dos nomes dos participantes da pesquisa, fizemos um cronograma de trabalho

contando com três entrevistados por noite e elaboramos um convite para os estudantes

selecionados, entregue pela professora colaboradora, com a designação do lugar onde

realizaríamos a entrevista e o horário em que cada um deveria se dirigir ao espaço indicado.

Era uma sala de aula disponibilizada pela direção, visto que não estava sendo utilizada

naquele turno de trabalho. Preferi um local mais reservado para que os alunos ficassem mais à

vontade ao falar de suas experiências de leitura, distantes de olhares curiosos.

As entrevistas aconteceram em cinco dias consecutivos, de segunda a sexta-feira. A cada vez

que um aluno saía da sala, concluída a sua entrevista, tinha a sensação de que o próximo

participante não passaria pela porta, rememorando a resistência a que a professora havia se

referido quando fez a seleção. Contudo, para minha surpresa, nenhum deles deixou de

comparecer, o que permitiu concluir os trabalhos de coleta de dados dentro da semana

prevista.

Foram ouvidos 7 homens e 8 mulheres, todos e todas com idade igual ou superior a 18 anos,

visto ser essa a idade mínima para ingresso na EJA, segundo orientação dos documentos

oficiais6 que tratam dessa modalidade, considerando que aquela seria a idade com a qual os

sujeitos estariam concluindo de modo regular o ensino médio.

Antes do início de cada entrevista, expliquei a razão daquele convite e a importância dos

depoimentos para o desenvolvimento da pesquisa, ao que se seguia o preenchimento de um

questionário7 com os dados pessoais dos entrevistados. Tais dados foram organizados de

modo a esboçar o perfil sociocultural dos participantes da pesquisa, para que suas falas

fossem interpretadas à luz dessas informações.

O quadro abaixo traz a relação dos entrevistados, antecipando as suas identificações e os seus

nomes fictícios, de modo a zelar pelo anonimato na pesquisa. A partir de então, os sujeitos da

pesquisa serão assim identificados.

6 Segundo a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (BAHIA, 2009).

7 Cf. apêndice A.

20

QUADRO 01: Identificação dos entrevistados.

Nome

fictício Sexo

Idade

Estado

civil Filhos Escolaridade* Emprego** Profissão

Ana F 36 Solteira 02 Regular Informal Dona de casa

Beatriz F 38 Divorciada 06 EJA *** Estudante

Carla F 19 Solteira 00 Regular *** Não informou

Daniel M 25 Solteiro 00 EJA Informal Mototáxi

Edgar M 28 Solteiro 00 EJA Informal Vendedor

Franci F 26 Solteira 00 Regular *** Estudante

Heitor M 18 Solteiro 00 Regular Formal Office boy

Ione F 22 Solteira 00 Regular *** Estudante

Jairo M 32 Casado 01 Regular Formal

Operário de

produção

Lúcio M 46 Casado 02 Regular Formal Torneiro

Marcos M 36 Casado 02 EJA Formal

Auxiliar de

produção****

Nair F 32 Casada 03 EJA Formal Monitora em creche

Odete F 36 Casada 03 EJA Informal Costureira

Paulo M 40 Casado 03 EJA Formal Mecânico de ônibus

Tereza F 22 Solteira 00 Regular Informal Vendedora

Fonte: Questionário de identificação (Apêndice A)

Notas:

* Modalidade em que foi concluído o Ensino Fundamental.

** Refere-se ao tipo de emprego. Todos os entrevistados inseridos no mundo do trabalho disseram trabalhar o

dia inteiro, mesmo aqueles que não têm registro formal, ou seja, estão submetidos a uma jornada de 40 ou 44

horas semanais.

*** Sem vínculo empregatício nem exerce atividade informal.

**** No momento afastado das atividades para exercer mandado classista no sindicato representativo da

categoria.

A partir da oitiva e análise dos depoimentos dos sujeitos acima, buscamos conhecer e

compreender as experiências e representações sobre leitura dos discentes da EJA.

A oitiva dos estudantes da EJA se assenta nas perspectivas teóricas reunidas sob a designação

de “Estética da Recepção”’ e “Sociologia da Leitura”, que conduzem o leitor a um lugar de

centralidade na dinâmica da leitura, quer nas formas de recepção da escrita ou nos papeis

exercidos pelos diferentes mediadores sociais que se colocam entre o leitor e o texto,

descortinando os fatores sociais que se fazem presentes nas histórias de leitura. Inspira-se

também na História Cultural que, nas palavras de Chartier (1990, p.16), “(...) tem por

principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma

determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Essa inclinação teórica

21

desloca a história dos lugares ditos “oficiais” ao tempo em que abre espaço para que se

reconheçam outras histórias, geralmente silenciadas ou marginalizadas pela cultura dominante

e pela propensão da história tradicional, que centra sua narrativa nos fatos políticos.

Ajustado nessas vocações teóricas, esse trabalho busca conhecer as representações sobre

leitura dos sujeitos que estão “deslocados” dos espaços de hegemonia da cultura escrita e

erudita, sem perder de vista as relações de poder e dominação que se enunciam nas práticas de

leitura.

Bourdieu (2004) salienta que é preciso construir uma rede de relações que envolva a questão

estudada, ou melhor, essa rede constitui a própria questão. Assim, este trabalho situa as

experiências e representações de leitura formuladas por esses sujeitos no interior de suas

práticas sociais e estas em sua historicidade, relacionando-as com a moldura hegemônica da

leitura em seu caráter de formação intelectual e pessoal e com os eventos de letramento

escolar através dos pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa, cuja

finalidade repousa no objetivo da pesquisa de explorar o espectro de experiências e

representações sobre leitura dos sujeitos da EJA.

É oportuno ressaltar que esta dissertação não traz pretensão de esgotar as discussões acerca da

problemática apresentada, mas desenhar uma das possibilidades de análise da questão, em

função do corpus constituído, das molduras teóricas aplicadas, das categorias de tratamento

empreendidas, da concatenação dos dados e teorias e, sobretudo, do olhar da pesquisadora,

que perpassa todas essas instâncias de investigação científica. Por sua vez, o caráter de

“possibilidade de análise” que o trabalho evoca para si não contraria o critério de

cientificidade do mesmo, que é dialeticamente construído em seu percurso de

desenvolvimento; apenas foge do embaraço epistemológico da pretensão de construção de

verdades absolutas.

Para a constituição do corpus de trabalho, os alunos foram convidados a falar de suas

experiências com leitura e o que ela representa em suas vidas. Ao recorrer às entrevistas

narrativas como procedimento investigativo, atentou-se para a necessidade de adequação entre

os objetivos da pesquisa e procedimentos metodológicos salientada por Bourdieu (2004) e se

explica em razão de que, segundo Bauer e Jovchelovitch (2008), a entrevista narrativa

pressupõe o ato do sujeito de narrar suas próprias experiências, forma elementar de

comunicação humana, frequentemente praticada, independente do desempenho da linguagem

22

utilizada. Desse modo, as narrativas têm o fundamento de propiciar aos sujeitos a sua própria

visibilidade, de modo a reconstruir os seus percursos e ressignificá-los. Representa a relação

dialética entre a experiência e a reflexão acerca da própria experiência. Assim, o estudo das

narrativas é o estudo de como os sujeitos experienciam o mundo, particularmente, o mundo de

suas leituras.

O objetivo era o de que os sujeitos falassem de suas experiências conexas à leitura, revelando

as formas como as sentem e descortinando as impressões, as ideias e os valores que envolvem

aquelas atividades, fazendo emergir, assim, as representações sobre leitura das quais são

portadores, construtores ou reprodutores.

A modalidade de entrevista narrativa utilizada foi a individual, para que os sujeitos ficassem

mais à vontade ao falar de suas experiências, num clima de conversação com a interlocutora,

porque, segundo Moscovici (2005, p. 90), “a conversação está no centro de nossos universos

consensuais, porque ela configura e anima as representações sociais e desse modo lhes dá vida

própria”.

Ao discorrer sobre suas experiências com leitura, os entrevistados fizeram emergir as suas

representações sobre tal prática. É claro que aquelas são únicas, individuais e singulares, mas

estão inscritas no interior de modelos compartilhados que caracterizam os grupos sociais, e,

conforme Chartier (1998, p. 91), “esta singularidade é ela própria atravessada por aquilo que

faz que este leitor seja semelhante a todos aqueles que pertencem à mesma comunidade”,

permitindo a construção de ideias e valores relativos à leitura comuns a todos aqueles

indivíduos.

As entrevistas duraram em média 15 minutos. Algumas se estenderam mais, beirando os 40

minutos, outras foram mais breves, em torno de 7 minutos de conversação. Observei que,

mesmo sabendo do assunto a ser tratado nas entrevistas, adiantado pela professora que

selecionou os estudantes e constando no convite feito, os alunos não chegavam à sala muito à

vontade, o que é compreensível. Eles não sabiam ao certo das minhas intenções nem das

perguntas a que seriam submetidos, ou seja, aquela situação lhes era estranha, e, sabemos, o

desconhecido é palco de dúvidas e inseguranças. Além do mais, tal tema, por sua amplitude,

dá margens a muitas possibilidades, e, ao mesmo tempo, tão próximo e distante, prende e

liberta. Ademais, as entrevistas foram realizadas na presença do gravador que, pelo registro

23

que implica, muitas vezes inibe as pessoas, especialmente aquelas que estão pouco

acostumadas a essas situações de investigação acadêmica.

No escopo de instigá-los a falar, foi preparado um roteiro de entrevista8, versando

principalmente sobre o que costumavam ler, as circunstâncias desse ato e os propósitos com

os quais realizavam tais leituras – atentando para o objetivo da pesquisa, qual seja, o de

conhecer as experiências e representações sobre leitura dos sujeitos da EJA – embora a

intenção era deixar falarem o mais livremente possível, segundo os pressupostos da entrevista

narrativa, para que, nessa conversação, fossem identificadas as representações sobre leitura.

Nesse intento, tal roteiro era flexível e o desenvolvimento das entrevistas decorria das

experiências reveladas pelos alunos, de cujo sentido dependia o encaminhamento de algumas

perguntas, ora para aclarar um assunto, ora para dar prosseguimento à conversa, pois,

geralmente, os entrevistados eram econômicos nas palavras, algumas vezes repetindo as

mesmas frases, talvez por não se sentirem à vontade em falar do assunto. Os que se estendiam

mais, comumente fugiam do tópico central, enveredando por histórias pessoais, que muitas

vezes se distanciavam da proposta do trabalho, quando eu tinha que retornar ao tema, a fim de

extrair daquelas falas elementos para a construção desta dissertação.

As perguntas introduzidas geralmente eram as seguintes: o que costumavam ler fora do

espaço da escola; quais eram as leituras oportunizadas pela escola; qual o papel/importância

da leitura em sua vida; dentre outras. Essas intervenções eram sempre feitas com o cuidado de

iniciar o assunto, mas deixar espaço para que o interlocutor estivesse à vontade em fazer os

encaminhamentos que retratavam a sua realidade.

Assim, nesse movimento contínuo de interação entre pesquisadora e entrevistados, os sujeitos

da pesquisa trouxeram à tona as suas experiências com a leitura, emolduradas por seus

contextos sociais e culturais e os fios das ideias que tecem as suas representações sobre

leitura.

Em prosseguimento às atividades de escuta, com o auxílio do gravador, as narrativas foram

transcritas imediatamente após sua realização, conforme orientação de Demartini (1988), no

intuito de não perder na memória os gestos, as entonações, as ênfases e os silêncios, cuja

dificuldade de registro a autora também ressalta. A preocupação com esse registro se dá em

função do entendimento de que essa forma de comunicação ajuda a significar as falas: “Há

8 Cf. Apêndice B.

24

toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não verbais, hesitações, alterações de

ritmo, enfim toda uma comunicação não verbal cuja adaptação é muito importante para a

compreensão e validação do que foi efetivamente dito” (Ludke e André, 1986, p.36).

Segundo Marcuschi (1997, p. 09), “o essencial é que o analista saiba quais os seus objetivos e

não deixe de assinalar o que lhe convém”. Dessa forma, as falas dos entrevistados, após a

transcrição, foram recortadas e analisadas de acordo com os núcleos temáticos que interessam

a esse trabalho: as leituras realizadas dentro e fora do espaço escolar, as circunstâncias e

condições em que essas atividades são desenvolvidas; as impressões produzidas por aquelas;

os suportes e gêneros comumente utilizados; a relação da leitura promovida na escola com a

leitura realizada fora do espaço escolar e, sobretudo, como classificam e valoram a leitura, o

que constitui as representações sobre leitura dos participantes da pesquisa.

Além das entrevistas, com o propósito de buscar dados acerca da realidade escolar daqueles

alunos que melhor ilustrassem as suas falas e contribuíssem para a compreensão do

desenvolvimento das atividades de leitura no ambiente escolar, foram solicitados os cadernos

de apontamentos de aula de oito dos estudantes entrevistados, para análise de seus conteúdos,

no intuito de fazer o contraponto de suas falas com tais registros. Nessa ocasião, a professora

que fez a seleção dos alunos também se encarregou de recolher alguns dos cadernos e

devolvê-los, depois de xerocopiadas por mim algumas de suas páginas que estão apensadas a

esta dissertação.

Pela mesma razão, precisei conhecer as concepções dos professores sobre o trabalho com

leitura na EJA. Antecipando a dificuldade de realizar entrevistas para a coleta das

informações, já que é sabido da resistência de muitos professores de colaborar com esse tipo

de trabalho, o que poderia impactar no prazo final para conclusão desta dissertação, optei por

trabalhar com questionários9, de modo a facilitar a coleta, ressaltando a condição de

anonimato. A coordenadora pedagógica da escola se incumbiu de entregar e recolher os

questionários distribuídos entre 03 professoras e 02 professores dos alunos entrevistados. Tal

instrumento de coleta de dados versava sobre o desenvolvimento da leitura na EJA, a partir de

seus fundamentos e suportes, segundo o olhar docente.

9 Cf. Apêndice C.

25

Nessa mesma ocasião, visitei a biblioteca da escola e conversei com a funcionária

encarregada daquele setor para conhecer e compreender o seu papel na constituição dos

leitores da EJA.

Ainda no intuito de obter informações sobre a escola e aclarar dúvidas acerca do trabalho

empreendido nessa modalidade de educação, suas políticas e diretrizes, conversei algumas

vezes com a coordenadora pedagógica da escola, que preferiu não gravar o diálogo, alegando

ficar pouco à vontade na presença do gravador. No entanto, os principais pontos de suas falas

foram registrados e subsidiam a análise dos dados em alguns momentos desse trabalho. A

coordenadora forneceu ainda os dados sobre a estrutura física e administrativa da escola.

Essas intervenções voltadas para o ambiente escolar se fizeram necessárias no sentido de

trazer informações sobre as experiências escolares às quais os alunos entrevistados fizeram

referências em suas falas, a fim de compreender o papel da leitura, através das mediações

pedagógicas, nesse processo de formação do sujeito leitor.

Tais dados, somados a mais de 200 minutos de escuta, submetidos a recortes e exames, nos

levam às experiências e representações sobre leitura dos discentes da EJA, cujas análises, de

agora em diante, organizadas em duas seções que se seguem, compõem, juntamente com esta

seção, o corpo desse trabalho, seguido das considerações finais, referências e anexos, os quais

trazem as transcrições das entrevistas, de modo que as falas recortadas para ilustrar passagens

desse trabalho possam ser percebidas no contexto em que foram produzidas.

A segunda seção, intitulada “Os estudantes da EJA e suas experiências de leitura”, traz um

estudo das práticas de leitura dos entrevistados dentro e fora do espaço escolar. No primeiro

momento, fazemos uma análise das práticas de leitura desenvolvidas na escola, o papel da

biblioteca nesse espaço de formação, as políticas e concepções de leitura ensejadas no espaço

educacional, o papel do livro didático e da literatura na formação do leitor. Esses pontos

mostram de que modo a EJA tem contribuído com a constituição de seus leitores. Subsidiam

essas análises e discussão os documentos oficiais que tratam do Ensino Médio e da Educação

de Jovens e Adultos, bem como as contribuições teórico-críticas de Eni Orlandi, Marisa

Lajolo e Tzvetan Todorov acerca da leitura e literatura na prática pedagógica.

Ainda nessa seção, no segundo momento, delineamos as práticas de leitura ensejadas fora do

contexto escolar, bem como as circunstâncias e propósitos em que tais práticas são

produzidas, revelando as preferências dos sujeitos da pesquisa e os mediadores presentes

26

nessa dinâmica de relações sociais. Para tanto, busca-se o apoio em um referencial teórico e

crítico do campo da Sociologia da Leitura e da Estética da Recepção, particularmente com os

estudos de Márcia Abreu, Martine Poulain e Bernard Lahire acerca dos diferentes modos de

ler; Hans Robert Jauss, com a noção de “horizonte de expectativas” para o entendimento da

recepção das obras literárias e José Paulo Paes, com sua discussão sobre o papel da literatura

de entretenimento na formação do leitor.

A última seção, “A cotação da leitura entre os estudantes da EJA”, traz as representações

sobre leitura desses discentes, retratando o quão são ambivalentes tais representações e de que

modo estão imersas no ambiente social desses sujeitos. Abordamos questões sociais,

históricas e culturais relacionadas à leitura ao passo que analisamos as práticas, imagens e

representações, compreendendo-as na tessitura do enredo desta dissertação de mestrado. Para

isso, recorremos aos estudos de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, acerca da formação da

leitura no Brasil, de Eni Orlandi sobre a noção de formações discursivas, bem como às

contribuições teóricas de Serge Moscovici e Jean Claude Abric, que explicam a formação e

manutenção das representações sociais.

Assim, esse trabalho vem trazer sua contribuição às discussões acerca do papel da leitura ao

tempo em que descortina as experiências e representações sobre leitura dos sujeitos de

camadas menos privilegiadas da sociedade. Ao desvelar as representações, que se inscrevem

nas relações de poder e dominação que se configuram e reconfiguram no espaço social ao

longo das décadas, esboçam-se os modos pelos quais são construídas, bem como o papel das

interações discursivas nessas construções. Por sua vez, vem também visibilizar o momento

em que tais representações se afastam do discurso e se reencontram com as práticas desses

sujeitos, que constituem as suas experiências de leitura.

Esse encontro/reencontro com as experiências de leitura dos sujeitos da pesquisa e a

visibilidade de suas representações leva-nos a considerar a necessidade de revisitar e

ressignificar as práticas de leitura, no momento em que elas se entrelaçam com a constituição

histórica desses sujeitos.

27

2 OS ESTUDANTES DA EJA E SUAS EXPERIÊNCIAS DE LEITURA

Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é

convocar o homem para tomar da sua palavra.

Bartolomeu Campos Quierós

A EJA é uma modalidade específica de ensino, norteada pelos parâmetros do Ensino

Fundamental e do Médio (BRASIL, 2000a), em que a contextualização e o reconhecimento de

identidades constituem diretrizes nacionais para a educação. Tendo em vista a

heterogeneidade dos estudantes matriculados na EJA – faixa etária, experiências de vida,

práticas culturais e valores – a EJA defende uma flexibilidade em sua estrutura e duração dos

cursos. Conforme a Resolução 01/2000 do Conselho Nacional de Educação e Câmara de

Educação Básica,

cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos da

Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares

nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de

colaboração entre os entes federativos (BRASIL, 2000b, p.02).

A flexibilidade pressupõe que as experiências de vida dos sujeitos da EJA sejam qualificadas

como aspectos significativos. Nessa perspectiva, no ano em que foi implantada a EJA nesse

colégio, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia/SEC-BA lançou um documento de

política para essa modalidade de educação, “Educação de Jovens e Adultos: aprendizagem ao

longo da vida” (BAHIA, 2009), com “orientações para a reestruturação da Educação de

Jovens e Adultos na Rede Estadual de Educação”. O documento norteia a equivalência de

estudos e apresenta uma proposta curricular organizada em torno de eixos temáticos e temas

geradores, considerando as especificidades dos “tempos formativos” dos educandos.

QUADRO 02 – Equivalência de estudos

Nomenclatura anterior Nomenclatura atual

(desde 2009)

Equivalência

EJA III

Eixo VI

Eixo VII

Ensino Médio

Fonte: BAHIA, 2009.

Os cursos são organizados em eixos, fazendo equivalência com o Ensino Médio regular os

Eixos VI e VII, de regime anual e presencial, anteriormente denominada EJA III. Essa

28

proposta curricular é organizada por eixos temáticos e temas geradores, trabalhados por áreas

do conhecimento, divididos por bimestres ao longo de dois anos que integralizam o curso.

QUADRO 03 – Proposta curricular dos Eixos VI e VII da EJA

Eixo temático Duração Temas Geradores Duração Área do

conhecimento

(segundo PCN’s)

VI - Globalização,

cultura e

conhecimento.

1 ano

A sociedade globalizada.

O conhecimento como

instrumento de poder e

inserção social.

Informação ou

conhecimento?

A escola como espaço de

socialização e

conhecimento.

1

bimestre

cada

tema

Linguagens, Ciências

Humanas e suas

tecnologias.

Economia solidária

e

empreendedorismo.

1 ano

A economia a serviço da

vida.

O cooperativismo como

prática solidária.

Agricultura familiar.

Desenvolvimento auto-

sustentável e geração de

renda.

1

bimestre

cada

tema

Ciências da natureza,

Matemática e suas

tecnologias.

Fonte: Bahia, 2009.

O primeiro Eixo trabalha a área de linguagens e ciências humanas, segundo as orientações dos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. O segundo responde pela área de

ciências da natureza e exatas. O documento ressalta que os temas geradores devem ser

acolhidos como possibilidades no processo de aprendizagem, não devendo, portanto, ser

impostos.

Os educadores devem identificar, junto aos estudantes da EJA, temas relacionados à sua

vivência, a exemplo do universo do trabalho, para aprofundar os estudos nas diferentes áreas

do conhecimento. Portanto, a contextualização não deve ter como fim o oferecimento do

curso no turno noturno, para atender aos jovens e adultos com vínculo empregatício formal ou

informal. Tampouco, a fadiga dos estudantes deve justificar um trabalho de qualidade

duvidosa.

29

Em relação à duração do curso, prevê-se sua conclusão em dois anos, enquanto no Ensino

Médio é realizado em três. O Parecer 11/2000 adianta que não se trata de um aligeiramento do

trabalho pedagógico. Ao contrário, busca-se o reconhecimento de sujeitos que trazem muitos

conhecimentos de sua vivência social, ainda que de modo pouco sistematizado, o que permite

a elaboração de um trabalho em ritmo diferente do que ocorre no ensino regular.

Que esses sujeitos trazem muitos saberes nascidos de seus fazeres é fato. No entanto, tal

prerrogativa não pode ser entendida como uma versão empobrecida do ensino regular. Muitas

vezes, tem-se como justificativa para a demanda e a preferência pelos cursos da EJA o fato de

se poder fazer, em tempo menor, a integralização do Ensino Médio. Entendida por esse

ângulo, a EJA, mais que reparação de uma dívida social, faz parte de uma política educacional

que prevê a correção dos dados estatísticos do país acerca do grau de escolaridade dos

brasileiros, visando a uma melhoria, em resposta a pressões de organismos internacionais

preocupados com o IDH10 (Índice de Desenvolvimento Humano).

A proposta curricular da EJA no estado da Bahia, conforme o documento, apoia-se no

entendimento de que essa modalidade de ensino, sendo um processo de desenvolvimento

pleno do sujeito, embora instalada no contexto escolar, deve considerar as experiências de

vida dos sujeitos envolvidos, fazendo daí o ponto de partida para o trabalho pedagógico,

aproximando-se, nos termos do documento, dos ideários da Educação Popular, que inclui a

formação técnica, social e política (FREIRE, 2001), tendo em vista as especificidades dos

tempos formativos dos indivíduos.

Nesse quesito, vale fazer um parêntese para tratar do desenvolvimento cognitivo, que é fruto

do aprendizado do sujeito, decorrente de um processo contínuo de interação social. Nas

últimas décadas, a Pedagogia tem se aproximado da Psicologia para compreender tais

processos. No entanto, tais estudos centram suas perspectivas nas fases da infância e da

adolescência. Segundo Durante (1998, p. 18),

a fase adulta é compreendida como uma fase de estabilidade psicológica,

com ausência de mudanças e um processo de decadência. Como explicita

10

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo

seu grau de desenvolvimento humano e para separar os países desenvolvidos (IDH alto), em desenvolvimento

(IDH médio) e subdesenvolvidos (IDH baixo). A estatística é composta a partir de dados da expectativa de vida

ao nascer, educação, PIB (Produto Interno Bruto) e renda per capita (como indicador do padrão de vida)

recolhidos a nível nacional. A cada ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas

medidas. Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano. Acesso em 05 de março de 2012.

30

Palacios (1995), só no final dos anos 70 deste século, os estudiosos

ampliaram a compreensão do processo de desenvolvimento para além da

adolescência, considerando a idade adulta e a velhice fases que comportam

mudanças no processo de desenvolvimento psicológico. Sendo a idade

adulta passível de mudanças e processos de adaptações, não podemos

entendê-la como fase estável nem classificar os adultos pouco escolarizados

dentro de níveis estáveis e fechados de desenvolvimento psicológico.

Isso significa dizer que se deve considerar a fase adulta como de continuidade do

desenvolvimento cognitivo, em que os fatores presentes no processo de aprendizagem, qual

seja, a interação com o mundo físico e social, cujas experiências e circunstâncias culturais

propiciam situações de aprendizagem, são motores do desenvolvimento cognitivo.

Outro ponto do documento da SEC-BA diz respeito aos critérios de acompanhamento da

aprendizagem. Orienta-se que tal processo seja descrito através de registros bimestrais,

primando pelo diálogo como mediação entre educador e educando, numa perspectiva

formativa de construção das competências e habilidades requeridas para aquele eixo

formativo, respeitando-se o ritmo de desenvolvimento de cada sujeito. O parecer final deve

levar em conta esse percurso formativo ao longo do ano letivo.

Ademais, determina-se que o estudante não seja mantido no mesmo Eixo, salvo se a

frequência for insuficiente a ponto de inviabilizar o acompanhamento do processo formativo.

E, quando aquela for a única opção possível, o documento propõe uma abertura para que o

estudante conclua seus os estudos através dos exames que conferem a certificação do Ensino

Médio.

É sabido que questões de diferentes ordens interferem na aprendizagem; não cabe aqui nos

alongarmos nesse assunto, o que exigiria muitas páginas. Cada sujeito interage com o objeto

de estudo de forma pessoal, servindo-se de suas experiências como moldura cultural para essa

interação, condição sine qua non para o processo de aprendizagem. Assim, em nome das

especificidades dos tempos individuais, a escola deve assumir o desenvolvimento de um

trabalho pedagógico que evite uma formação precária dos sujeitos, atentando para aspectos

importantes na construção das competências e habilidades requeridas ao longo do ensino

básico.

31

2.1 A leitura no espaço da escola11

Nos temas geradores propostos pelo documento da SEC-BA, evidencia-se o foco no

pressuposto de que o conhecimento é “instrumento de poder e inserção social”,

particularmente numa sociedade globalizada. Isso implica a compreensão de que uma das vias

de acesso ao conhecimento a ser construído está no sistema de ensino, responsável por

transmitir aos estudantes um volume de saberes e conhecimentos acumulados no tempo.

No processo da educação formal, mediadores e mediações se fazem presentes, ganhando

relevância a figura do professor, no desenvolvimento de práticas educativas e escolares. Nos

projetos pedagógicos, uma dessas práticas, a leitura, tem seu lugar privilegiado, através da

qual o estudante complementa os conteúdos ministrados, no intuito de ampliá-los,

reproduzindo-os ou construindo novos saberes, e se espera, nesse aprendizado, como defende

a pedagogia moderna, que ele se transforme em cidadão crítico, ao tempo em que expande sua

compreensão de mundo.

Nas falas dos estudantes da EJA, sujeitos desta investigação, constata-se uma visão

pragmática e reducionista da leitura. Eles participam das atividades de leitura propostas em

sala de aula, quase sempre restringindo-se à compreensão dos textos, com o intuito de

responderem às atividades de avaliação. Expõem, assim, uma concepção mecanizada da

aprendizagem, a qual, segundo David Ausubel (apud MOREIRA, 1999), implica em que

novas informações sejam incorporadas à estrutura cognitiva,12 sem que estabeleçam relações

com os esquemas cognitivos13 já presentes naquela estrutura. Ou seja, respondem pela

memorização de determinadas informações para discorrer nas “provas”. Devido a pouca

estabilidade cognitiva dessas informações, dificilmente provoca mudanças de comportamento

do sujeito.

A relação que esses estudantes estabelecem com a leitura não se harmoniza com as diretrizes

dos documentos oficiais elaborados para o Ensino Médio, dentre outras, a prerrogativa do

11

A escola escolhida para compor essa pesquisa é de médio porte. Em sua infraestrutura física conta com os

seguintes espaços: 18 salas de aula; 01 sala da diretoria; 01 para a secretaria; 01 sala de coordenação; 01 sala dos

professores; 03 laboratórios (de ciências exatas, ciências humanas e informática); 01 auditório; 01 biblioteca; 01

sala de vídeo e 01 de apoio (projetos); 01 quadra de esportes; 01 pátio; Dispõe ainda de refeitório (01); (cozinha

(01); espaço para estacionamento (01); portaria (01), dentre outras dependências menores. 12

Conjunto global de pensamentos de um sujeito e a forma como estão organizados. 13

Informações presentes e organizadas na estrutura cognitiva.

32

sujeito posicionar-se de forma crítica diante do conhecimento, relacioná-lo com a prática, e

refletir sobre ele, aprendendo a aprender. Embora o documento da SEC-BA oriente para que

se evite a retenção dos estudantes nos Eixos, o que pode ocorrer com as reprovações, é

recorrente nas falas dos estudantes entrevistados a preocupação com a avaliação formal,

realizada através da “prova escrita”.

Se esse instrumento de avaliação continua a ter tanta relevância, a relação com o

conhecimento torna-se secundária, constatando-se a negação do princípio da contextualização

do conhecimento, construído com a valorização das experiências discentes, como posto nas

diretrizes para a educação nacional. Ainda, tal relevância não se coaduna com as concepções

teóricas e metodológicas expostas no documento da EJA elaborado para a rede estadual da

Bahia, que têm no diálogo com a realidade dos sujeitos um princípio constitutivo.

A interação com o objeto do conhecimento, muitas vezes mediada pela leitura, é o ponto de

partida para a aprendizagem. Portanto, há de se pensar na qualidade dessa interação, uma vez

que os estudantes da EJA já vivenciaram muitas formas de relação com o meio físico e social,

respeitando a diversidade de vivências, idade, saberes e valores, de maneira a favorecer a

aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. A interação com o objeto de estudo favorece a

aprendizagem que, por sua vez, provoca mudanças no comportamento, ou seja, a

ressignificação do conhecimento sistematizado modifica as formas de compreensão e

intervenção na realidade.

Para esses entrevistados, a leitura está relacionada ao desempenho nas avaliações formais,

expondo a preocupação maior com a conclusão da escolarização básica, na expectativa de se

inserirem no mercado de trabalho. Ocorre assim um distanciamento entre as atividades de

ensino e o processo de construção do conhecimento. Os sujeitos da pesquisa não se sentem,

em suas práticas escolares, construindo conhecimentos, modificando seus modos de

compreender e intervir na realidade. Respondem a uma “prova” visando conseguir a

pontuação necessária à passagem de uma série para outra.

A qualidade dessa interação é motivo de reflexão quando se constata que os entrevistados

desta pesquisa consideram que a leitura, em primeiro lugar, é atividade que assegura um bom

desempenho nas tarefas avaliativas, parecendo ignorar sua importância na construção de

conhecimentos. Conforme suas falas, a construção dos conhecimentos trabalhados em forma

33

de componentes curriculares não é o aspecto mais marcado quando se referem à leitura no

espaço da escola.

As experiências de leitura dos estudantes da EJA no ambiente escolar aproximam-se de uma

aprendizagem mecânica, a despeito da valorização da “aprendizagem significativa” –

defendida pelo referido documento –, conceito central da teoria da aprendizagem de David

Ausubel, cujo processo se dá pela associação da informação nova a outra já existente na

estrutura cognitiva, provocando mudanças no comportamento. A essa informação já existente

na estrutura cognitiva, o autor denomina conceito subsunçor, comumente conhecido nos

espaços pedagógicos como conhecimentos prévios.

De maneira análoga a uma aprendizagem mecânica, tem-se a relação com a leitura, feita para

alcançar os objetivos impostos pelos professores através das “provas”. A leitura torna-se

ferramenta pedagógica para se alcançar determinados objetivos – desempenho favorável nas

atividades avaliativas e progressão na escolarização, por exemplo – não necessariamente

instrumento de construção de conhecimento e identidade. Tal perspectiva ressalta a face

instrumental da leitura:

Isso [caráter técnico da leitura] conduz ao tratamento da leitura apenas em

termos de estratégias pedagógicas exageradamente imediatistas. E a leitura

deve ter, na escola, uma importante função no trabalho intelectual geral. Na

perspectiva imediatista, as soluções propostas colocam à disposição do

estudante apenas mais um artefato escolar pronunciadamente instrumental.

Visando a urgência de resultados escolares, se passa por cima de aspectos

fundamentais que atestam a história das relações com o conhecimento tal

como ele se dá em nossa sociedade, assim como sobre a história particular

de nossas instituições do saber e seus programas. (ORLANDI, 1996, p. 35)

Para a autora, por essa perspectiva ocorre um reducionismo pedagógico, visto que a leitura é

deslocada de seu caráter social e histórico de compreensão da realidade para atender a uma

situação própria do contexto escolar.

Certamente, as leituras oportunizadas pela escola não favorecem o reconhecimento de suas

identidades porque estão pautadas num projeto de educação voltado para a classe média,

contrariando um dos fundamentais princípios dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que é a

contextualização dos conhecimentos. Se estes não encontram ressonância em seus cotidianos,

dificilmente se converterão em aprendizagem significativa. Segundo Orlandi, tal prática

responde por um segundo tipo de reducionismo da leitura, o social: “a escola, tal como existe,

34

em referência à leitura, propõe de forma homogênea que todo mundo leia como a classe

média lê” (1996, p. 37).

Não se deve negar o acesso às formas de conhecimento “legítimo”, porque também são

necessários para que o sujeito intervenha em sua realidade. Contudo, deve-se criar espaço

para a elaboração de outras formas de conhecimento que derivem das vivências dos

estudantes, de modo que se reconheçam na prática escolar e percebam a presença dessas

leituras em suas vidas, contribuindo com a sua formação de cidadão crítico.

Uma vez que os sujeitos da pesquisa relacionaram a leitura às atividades de avaliação, por

vezes dissociada da construção do conhecimento, tal entendimento permite inferir que essa

leitura resulta numa espécie de reprodução da matéria lida na atividade avaliativa,

constituindo o processo parafrástico que, segundo Orlandi (1996, p. 20), “é o que permite a

produção do mesmo sentido sob várias de suas formas (matriz da linguagem)”. Ou seja, é

dizer o que o texto instituiu. Essa perspectiva dificulta que o leitor atribua sentido ao texto, a

partir de seus referenciais e suas histórias de leitura.

Uma alternativa a esse modo de ler empreendido pelos entrevistados da pesquisa seria a

leitura polissêmica que, segundo a autora, é o processo que permite a construção dos sentidos

a partir dos referenciais do estudante, ou seja, o texto é fonte de múltiplos sentidos.

Na construção desses sentidos, a interpretação não é mais um encadeamento lógico intrínseco

ao texto, como pensavam os estruturalistas, mas a própria atividade do leitor. Jonathan Culler,

ao interpretar Stanley Fish, diz que o encontro do leitor com o texto dá-se na experiência da

interpretação: “a experiência é a interpretação” (1997, p.49). Assim, o sentido da leitura é a

experiência que o leitor tem dela. Essa experiência, por sua vez, se inscreve nas vivências

sociais e culturais do leitor, que se entrelaçam com as questões de classe, gênero, etnia,

nacionalidade e cultura.

A prática de leitura parafrástica vai de encontro aos documentos oficiais da educação

nacional, como atestam os Parâmetros Curriculares para a área de Linguagens:

...prevê-se que os eventos de leitura se caracterizem como situações

significativas de interação entre o estudante, os autores lidos, os discursos e

as vozes que ali emergirem, viabilizando, assim, a possibilidade de múltiplas

leituras e a construção de vários sentidos. (BRASIL, 2006, v. 01, p. 33)

35

A construção de um trabalho com leitura que possibilite a construção de múltiplos sentidos

deve, como orientou o educador Paulo Freire, pautar-se num projeto de educação dialógica

que parta da realidade do educando e de seus referenciais socioculturais, buscando a formação

crítica do estudante.

Quando atua na perspectiva parafrástica, a escola ratifica o entendimento da leitura como

prática de decodificação. Se a leitura não pressupõe o posicionamento do leitor diante do

texto, ler é tão somente decodificar, constituindo o que Orlandi (1996) classifica como o

terceiro tipo de reducionismo: o linguístico. Tal decodificação responderia pela “aquisição”

do conhecimento. Se isso não acontece, então o que os estudantes fazem na escola não é

“leitura”. As suas falas ensejam essa lógica ao afirmarem que “não liam nada”, mesmo

inseridos num espaço de educação sistematizada.

O que antes é atividade para descortinar o mundo, a prática escolar, segundo os depoimentos

dos estudantes, tem transformado em ferramenta pedagógica nas situações de atividades

avaliativas, desvencilhada de seu caráter de entendimento e transformação da realidade do

estudante, como preconizado nos documentos oficiais da educação nacional. Apesar desse

discurso já ser conhecido dos pesquisadores que se debruçam sobre essas questões, elas

persistem na prática e se apresentam nas falas dos sujeitos da pesquisa, quando retratam as

leituras desenvolvidas no contexto escolar.

Se a escola não promove a inserção da leitura na vida desses estudantes da EJA, acaba

afastando-os cada vez mais dos livros e da leitura por não contribuir com a construção de um

vínculo entre suas necessidades e vivências e acaba por fomentar a elaboração de uma visão

elitista da leitura, considerada complicada e enfadonha pela maioria dos entrevistados. Desse

modo, a escola atua na contramão da constituição do leitor, quando faz a dicotomia entre as

leituras e as realidades dos educandos. Transforma em conteúdo da escola o que antes é

matéria da vida.

Enquanto os estudantes apresentam a leitura como ferramenta pedagógica para favorecer o

desempenho nas provas, os professores, de modo geral, pontuaram nos questionários a relação

da leitura com o aprendizado e a preferência por textos que estabelecem relação com as

realidades dos estudantes. Os momentos em que as falas dos entrevistados e as considerações

escritas dos professores se bifurcam na prática escolar suscitam um novo trabalho

investigativo que examine tais questões.

36

Junto à concepção da leitura como ferramenta para o desempenho nas atividades avaliativas,

outros fatores de ordem material se somam ao processo de constituição desses leitores dentro

do espaço escolar. Quando os sujeitos da pesquisa foram questionados sobre o suporte de

leitura utilizado na prática escolar, a maioria respondeu que era o “caderno”. Ou seja, ora

copiam no caderno o que o professor escreve na lousa, ora copiam diretamente dos livros que

os docentes levam para a classe e disponibilizam aos estudantes para a cópia no caderno do

conteúdo indicado.

Apesar do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – e, mais especificamente, o

Programa Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM) – ter sido ampliado

consideravelmente nas últimas décadas14

, esses estudantes não são contemplados com o livro

didático. Constata-se, assim, o descaso dos governantes com a Educação dos Jovens e

Adultos. No âmbito da educação pública nacional, essa modalidade de ensino é pouco

assistida, a despeito de alguns esforços no sentido de respeitar a dignidade dos seus

estudantes. Muitas vezes o silêncio velado e a omissão política se justificam no “respeito” às

especificidades educacionais desses segmentos sociais.

Segundo a coordenadora pedagógica da escola, a SEC-BA não disponibiliza livros para os

Eixos VI e VII da EJA, cujas razões desconhece, mas adiantou que os professores costumam

levá-los e distribuí-los entre os estudantes, a fim de que os trabalhos sejam desenvolvidos, e

os recolhe em seguida. Assim, os livros circulam, ainda que timidamente, quando deles os

professores extraem questões para os estudos, os ditos “exercícios”, conforme os

entrevistados. Também como fonte bibliográfica para registros dos estudantes em seus

cadernos, visto que a reprodução xerográfica não é comum entre eles. Constata-se uma

precarização quase absoluta de recursos didáticos nessa modalidade de educação.

Não se pode menosprezar o papel do livro didático no espaço escolar, especialmente nos

segmentos sociais menos favorecidos, quando, muitas vezes, a escola representa uma das

poucas possibilidades de acesso e familiarização com esse suporte de leitura. Sem dúvida que

sua proposta deve ser contextualizada e promover pontos de diálogo com a realidade dos

estudantes. Marisa Lajolo e Regina Zilberman destacam a importância do livro didático na

14

Segundo Lindoso (2004), os livros didáticos respondem por 35% do mercado editorial brasileiro. Desse

percentual, boa parte destina-se ao Programa Nacional do Livro Didático – cuja formulação atual data de 1985 –

embora seja difícil precisar o número por falta de transparência na política do governo.

37

formação do leitor, porque, segundo as autoras, ele é uma das condições para o

funcionamento da escola, por isso tão cobiçado pelas editoras, desde as mais antigas:

O livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele,

mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser

tão sedutor quanto as publicações destinadas à infância (livros e histórias em

quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as

etapas da escolarização de um indivíduo: é cartilha, quando da alfabetização;

seleta, quando da aprendizagem da tradição literária; manual, quando do

conhecimento das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade.

(LAJOLO, ZILBERMAN, 1998, p. 121).

A ausência de livros didáticos para os estudantes reduz assim o contato ou a aproximação com

esse tipo de suporte, distanciando-o de uma concepção mais rica de leitura, relacionando-a,

cada vez mais, ao trabalho intelectualizado e distante da realidade dos entrevistados. Dessa

forma, reforça o entendimento da leitura como uma mera ferramenta pedagógica mais do que

uma via na construção de identidades.

Ademais, o livro didático contribui com o trabalho pedagógico e sua ausência traz

consequências, inclusive, para a construção dos sentidos. Nos cadernos dos estudantes, da

disciplina de Geografia, observa-se uma representação do espaço geográfico: o planisfério e

as coordenadas geográficas, representando o globo terrestre. Sem dúvida, tal exercício auxilia

na assimilação do conteúdo didático, na medida em se reelabora esse assunto através do

desenho.

Contudo, como desenho à mão livre não assegura as devidas proporções geométricas, tal

exercício pode levar a uma compreensão equivocada do assunto, quando o recurso didático da

imagem projetada seria de grande ajuda na visualização desse espaço. Não se afasta a

possibilidade do professor da disciplina ter levado a imagem para a sala de aula; pontua-se

apenas que o registro feito no caderno traz uma imagem sem as devidas proporções

geográficas.

A ausência dos recursos visuais projetados, geralmente presentes nos livros didáticos,

dificulta o entendimento do assunto, enquanto a expressão da ideia associada à imagem – uma

ilustração – facilita a compreensão, principalmente quando determinado conteúdo requer tal

visualização. Evocando Durante (1998), os esquemas cognitivos dos adultos não podem ser

vistos como sistemas estáveis, mas em constante processo de construção.

38

No entanto, as especificidades apontadas no trabalho pedagógico em razão da ausência do

livro não o colocam como recurso didático que, sozinho, traz as condições para o aprendizado

do estudante. A intervenção do professor é sempre necessária a uma ação educativa de

qualidade, do ponto de vista político e técnico.

Considerando que o “caderno” é o principal suporte para esses estudantes em sala de aula,

podem-se fazer as seguintes inferências sobre as atividades de leitura: o professor precisa

delimitar os conteúdos, e os registros no caderno não são suficientes para favorecer que os

estudantes tenham uma compreensão ampliada do assunto. Além disso, tem-se a visão do

professor sobre o que considera mais expressivo. Esse recorte (necessário em razão das

circunstâncias) reduz a atividade polissêmica da leitura, pois restringe a quantidade de

informações com as quais os leitores podem interagir.

Nesse ponto, ressalte-se a preferência dos professores por textos curtos em seu trabalho

pedagógico, conforme os questionários respondidos. É sabido que são muitas as dificuldades

de trabalho na EJA. Trata-se de um público heterogêneo – em faixa etária e com diferentes

processos de escolarização15

. Esses estudantes, em sua maioria, têm vínculo empregatício

formal ou exercem atividade informal, o que implica menos tempo disponível ao estudo.

Contudo, é necessário ultrapassar a concepção de leitura com fins exclusivamente

didatizantes, que tem por meta o ensino do componente curricular, visando facilitar a

aprendizagem.

Formar leitores extrapola a esfera puramente didática e é preciso que a escola atue de modo a

favorecer a competência leitora. Se o sistema de ensino privilegia a leitura didática, abdica da

responsabilidade de contribuir com a constituição de leitores e, para muitos desses estudantes,

talvez a escola represente a última oportunidade de estabelecer uma relação mais positiva com

a cultura letrada.

O caráter pragmático que a leitura comumente tem adquirido junto às classes populares, e

consequentemente junto à EJA, não deve prevalecer na prática pedagógica. Tal pragmatismo

remonta ao início do processo de democratização do ensino, quando era preciso formar

sujeitos capazes de interagir com os textos escritos, e à concepção tecnicista da educação, cuja

15

O tempo desses estudantes distante da escola é variado, assim como o modo de conclusão do Ensino

Fundamental, pois alguns o fizeram no ensino regular, outros, na EJA.

39

função precípua era preparar mão de obra para o mercado de trabalho, conforme os estudos de

Lajolo e Zilberman sobre a formação da leitura no Brasil.

Os desafios que se impõem à sociedade do século XXI exigem da educação formal o

desenvolvimento de novas habilidades e formas de lidar com o conhecimento, colocando

novos parâmetros para a formação do cidadão que reúnem as dimensões fundamentais do

trabalho e da cidadania:

Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à

formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar

informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar,

formular, ao invés do simples exercício de memorização. (BRASIL, 2000,

p.05).

O desenvolvimento das capacidades pontuadas nesse documento prescinde basicamente da

leitura enquanto atividade polissêmica, como forma de compreensão da realidade e de

constituição de identidades. Nos cadernos dos estudantes, observam-se alguns registros de

propostas de estudos dirigidos, com o mesmo propósito de facilitar a aprendizagem. A

aplicação de questões-problema vem a ser um método conhecido como estudo dirigido ou

questionário, para possibilitar ao estudante, a partir do texto lido, compreender e resolver

situações-problema, buscando ainda extrapolá-lo para a realidade vivida, exercitando, assim, a

leitura crítica.

Em um desses cadernos, há o registro de uma atividade, também da disciplina Geografia, com

questões sobre o Aquífero Guarani16. Ao analisá-las, constata-se que versam sobre os aspectos

físicos da bacia: localização, constituição das rochas, temperaturas das águas etc. Tal

atividade não traz interrogativas que requeiram dos estudantes reflexões acerca de seus

desdobramentos políticos ou sociais, como não fomentam relações com suas realidades. Desse

modo, a atividade promove uma leitura descontextualizada, que não exige dos estudantes

posicionamento diante do assunto, limitando-os a localizar as respostas no texto de referência.

6

O Aquífero Guarani é a principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul e um dos maiores

sistemas aqüíferos do mundo, ocupando uma área total de 1,2 milhões de km² que se estende pelos países do

Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A maior ocorrência do Aquífero Guarani se dá em território brasileiro

(2/3 da área total) abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa

Catarina e Rio Grande do Sul. Disponível em http://www.riosvivos.org.br/Canal/Aquifero+Guarani/278. Acesso

em 28 de maio de 2012.

40

O estudo dirigido tanto pode ser utilizado numa perspectiva crítica, extrapolando o texto, ou

mecânica, que consiste em “encontrar” as respostas para as questões levantadas. No entanto,

uma ou outra direção vai depender da formulação e do encaminhamento dado às questões, o

que significa dizer que os métodos não trazem em si sua fundamentação pedagógica, que é

construída na intervenção do professor.

Desse modo, tais atividades participam dos modos de ler empreendidos, das formas como os

estudantes se aproximam do texto e dos sentidos construídos nessa relação, seja numa

perspectiva crítica, extrapolando o texto, ou acrítica, encontrando as respostas no texto

indicado para o estudo dirigido.

A perspectiva mecânica da aprendizagem nos faz rememorar os pressupostos epistemológicos

da educação tecnicista, que consiste na objetivação do trabalho pedagógico através da

repetição das perguntas e respostas devidamente fracionadas e corrobora com o entendimento

que alguns entrevistados fazem desse tipo de atividade, reconhecendo-a como sendo de

“treinamento”, conforme relato de uma das entrevistadas.

Enquanto mediadora da formação do leitor, a prática de leitura ensejada nesse ambiente de

ensino, destinado à população menos favorecida, de caráter pragmático, didatizante e

tecnicista, reforça a concepção elitista de leitura, junto a esse segmento social.

Descontextualizada de suas realidades e de difícil apropriação, via de regra distante do

suporte livro, a leitura lhe chega como uma atividade intelectualizada, exequível apenas a uma

minoria que dispõe de mais condições sociais e pedagógicas de acesso ao conhecimento

sistematizado.

Nesse momento, sinto-me na responsabilidade de trazer outro tipo de atividade encontrada

nos cadernos dos estudantes para não parecer tendenciosa na escolha do exemplo citado

acima, visto que não nos propomos a discutir práticas pedagógicas, mas o papel da leitura

nesse espaço de formação, através dos encaminhamentos da escola. Em outro caderno, tem-se

o registro de uma atividade da disciplina Sociologia, a ser feita com a letra da canção

“Cidadão”, do compositor paraibano Zé Ramalho, proposta como reflexão para uma produção

escrita. Tal trabalho, além de partir de um gênero textual diferente, permite a construção de

novos sentidos a partir da leitura e da relação com a realidade do aluno, coadunando com os

objetivos propostos para o Ensino Médio.

41

Ainda tratando dos suportes de textos, dois estudantes entrevistados citaram a internet como

meio para realizar suas pesquisas escolares, de interesse pessoal ou para atender a demandas

do trabalho. A justificativa dessa preferência está na agilidade e rapidez do recurso. Para eles,

a internet os leva diretamente ao ponto desejado, criando a sensação de movimento através

das páginas que se alternam a um só clique. Sem dúvida, tal recurso mudou a relação com o

material impresso, criando uma nova gama de leitores que usam as telas dos computadores.

Em relação à pesquisa na internet como tarefa exigida pela escola, um entrevistado destaca a

rapidez de se imprimir um “trabalho” e tê-lo pronto. A pesquisa nesse espaço limita-se a

localizar o assunto desejado, contando com a facilidade da tecnologia. Provavelmente, essa

modalidade de pesquisa não provoca o sentido da investigação, na qual se pressupõe a

reflexão e a construção do conhecimento. Para esse estudante, a tecnologia se transforma em

ferramenta de simplificação e reducionismo do trabalho escolar, como acontece com a leitura,

reduzida a um instrumento pedagógico para favorecer o desempenho nas atividades

avaliativas.

Numa população cujo contato com os livros já era precário, a internet se apresenta como uma

opção rápida para quem não está acostumado a manusear os livros e esses vão ficando cada

vez mais esquecidos. Assim, uma parte da população está se apropriando das páginas virtuais

sem terem antes se apropriado das páginas impressas, ou melhor, sem terem desenvolvido o

hábito da leitura, pois recorrem à internet pelas facilidades que esse recurso tecnológico

proporciona como forma de “driblar” os livros.

Na perspectiva da leitura didatizante, os textos literários encontram pouco espaço nesse

contexto escolar. Para falar do lugar da literatura nesse ambiente de ensino, vale ressaltar que

ela não está entre os componentes curriculares da EJA no segmento correspondente ao Ensino

Médio. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,

(...) Os conteúdos tradicionais do ensino de língua, ou seja, nomenclatura

gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo plano. O

estudo da gramática passa a ser uma estratégia para

compreensão/interpretação/produção de textos e a literatura integra-se à área

da leitura. (BRASIL, 2000, p.18)

Assim, fica a cargo do professor de Língua Portuguesa incluir a literatura como parte dos

trabalhos com leitura. Pelo visto, isso não acontece, pois nenhum dos estudantes se referiu à

42

leitura de textos literários no ambiente escolar. Esse importante instrumento de compreensão

da realidade e desenvolvimento da sensibilidade estética fica distante das práticas pedagógicas

nessa instituição de ensino, na modalidade da EJA.

No tempo em que a escola primava pela formação humanística e era privilégio das elites da

época, a literatura participava da formação escolar e era considerada o ponto de chegada ao

mundo cultural e pedagógico:

Até um certo período da história do Ocidente, ele [leitor] era formado para a

literatura; hoje, ele é alfabetizado e preparado para entender textos escritos,

mas nem sempre a literatura se apresenta no seu horizonte, porque ainda

sacralizada pelas instituições que a difundem. (ZILBERMAN, 2001, p. 71)

Em tempos atuais, a realidade é bem diferente. No prefácio à obra de Todorov, “A Literatura

em perigo”, Caio Meira (in TODOROV, 2009, p. 08) assinala essa preocupação ao afirmar

que, “para Todorov, o perigo que hoje ronda a literatura é o oposto: o de não ter poder algum,

o de não mais participar da formação cultural do indivíduo, do cidadão”.

Em suas reflexões acerca do ensino da literatura nas escolas francesas, Todorov constata que

“a orientação atual desse ensino, tal como ela se reflete nos programas, vai toda no sentido do

‘estudo da disciplina’ (como na física), ao passo que poderíamos ter preferido nos orientar

para o ‘estudo do objeto’ (como na história)” (TODOROV, 2009, p. 28). Guardadas as

devidas ressalvas entre o sistema de ensino francês e o brasileiro, pode-se perceber que a

literatura, embora não figure como disciplina na grade curricular, é abordada a perspectiva

apontada por Todorov, como estudo da disciplina.

Nos cadernos de Língua Portuguesa dos estudantes entrevistados, têm-se apontamentos de

uma atividade de pesquisa relacionada um projeto intitulado “Parada Poética”. Os registros

trazem dados biográficos de alguns poetas brasileiros e o título de algumas de suas obras, mas

sem indicação de temas ou assuntos desses textos. Privilegia-se ainda a perspectiva da

historiografia literária tradicional, apoiada nas datas, autores e obras.

Segundo Candido (1972, p. 806), a literatura participa do processo de humanização do

homem porque “ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o

que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, por que faz

viver”. No entanto, essa dimensão da literatura não é efetivamente explorada entre os

43

estudantes da EJA nessa escola, como se pode inferir das atividades desenvolvidas, nas quais

se sobressai uma perspectiva pragmática e didática da leitura.

Essa perspectiva se estende para a escrita, como demonstrado pelos professores que

responderam ao questionário e por alguns estudantes, nas entrevistas. No entendimento

destes, os aspectos gramaticais estão intimamente relacionados ao que se considera escrever

bem: palavras e pontuação corretas, uma visão altamente valorizada. Os professores

entrevistados não chegaram a explicitar o que consideram escrever bem, mas, talvez a

compreensão dos estudantes seja consequência de um discurso e uma prática em sala de aula.

Essa questão leva a uma reflexão acerca do trabalho com a língua portuguesa nessas turmas

da EJA. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,

O processo de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa deve basear-se em

propostas interativas língua/linguagem, consideradas em um processo

discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada

estudante em particular e da sociedade em geral.

Essa concepção destaca a natureza social e interativa da linguagem, em

contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social.

Não se encontram muitas atividades nos cadernos com a língua portuguesa, pois, como

relatado por um dos entrevistados, o professor da disciplina estava afastado do labor por

motivo de saúde. Dentre as atividades observadas, uma traz questões que solicitam aos

estudantes fazerem a pontuação de algumas frases listadas pelo professor e explicarem a

função dos sinais de pontuação.

Resta, pois, saber se o estudo dessas normas gramaticais se encontra inserido nas situações de

comunicação, como orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ou

se se revestem de artificialismo didático, centrando-se na sintaxe e morfologia gramatical,

desvinculadas das situações de interação social.

Alguns entrevistados também fizeram a relação da leitura com a escrita, no sentido de que ler

é importante para escrever. Mais uma vez, não se sabe ao certo se a vinculação da leitura com

a escrita se dá na apropriação da norma culta, no desenvolvimento das ideias ou em ambas as

perspectivas, porque, mesmo com intervenções da pesquisadora no intuito de desdobrar o

assunto para favorecer o entendimento das falas, algumas vezes essa análise encontrou suas

limitações na repetição das mesmas frases pelos entrevistados.

44

Como esses estudantes são orientados para a leitura de textos de curta extensão, em sua

maioria, informativos, provavelmente a preocupação com a escrita se volta para a elaboração

de textos curtos, numa linguagem simplificada, relacionados às atividades do dia a dia, que

não demandam exercícios de argumentação: lista de mercado, preenchimento de um

formulário de trabalho etc., quando o cuidado com as convenções da língua escrita se coloca

como condição primeira para tornar o texto compreensível ao seu leitor.

Questionados sobre suas produções escritas, mais uma vez os estudantes se reportam às

atividades avaliativas e aos estudos dirigidos, referindo-se aos trabalhos das disciplinas. Tais

atividades funcionam mais como “treinamento”, numa prática da leitura parafrástica, do que

como forma de se colocarem diante do objeto de estudo. Daí, evocando Orlandi (1996, p. 85)

– “a leitura é um dos elementos que constituem o processo de produção da escrita” –, de onde

vem o combustível para a escrita, considerando que nesse espaço a leitura acontece

majoritariamente em perspectiva parafrástica, sedimentando os sentidos construídos pelo

autor ou professor?

O trabalho com a leitura na escola passa pela concepção de aprendizagem dos sujeitos

envolvidos no processo. Ao lado da compreensão parafrástica da leitura, tem-se um projeto de

educação bancária, conforme ensinou Paulo Freire, em que cabe ao estudante “absorver” os

ensinamentos dos professores. Esse projeto parte da premissa de que o estudante nada sabe,

devendo o professor “fornecer” tal conhecimento. Com isso desconsidera-se que o

conhecimento é construído na interação entre sujeito e objeto de estudo, na qual o docente é o

mediador, culminando na apropriação e ressignificação do conhecimento pelo estudante.

Nos depoimentos, a maioria dos estudantes declararam haver momentos para a leitura de

textos nas aulas, individual ou em grupo, às vezes, de forma silenciosa ou leitura oral, visando

à discussão de um determinado texto. Tais relatos permitem inferir que a leitura de um texto

preconiza um momento de interação entre autor, estudantes e professor, embora não seja

possível conhecer os modos de ler empreendidos naqueles momentos17.

Conforme relato de um dos entrevistados, às vezes, era dado espaço a opinião, embora ele

considere mais importante “prestar atenção” na explicação do professor. Assim, o que deveria

ser condição implícita ao processo de aprendizagem torna-se eventual, como se a construção

17

Por modos de ler entende-se aqui a maneira com que o leitor se aproxima do texto, as conexões estabelecidas e

os sentidos construídos.

45

do conhecimento não demandasse seu posicionamento. Fazem parte desse ritual de leitura a

discussão do texto, geralmente sucedido de estudo dirigido e da correção da atividade,

cabendo ao estudante anotar a resposta correta, fornecida pelo professor.

Num contexto em que a leitura quase sempre está voltada para as atividades avaliativas, a

biblioteca, espaço de formação do sujeito, é praticamente ignorada. Em resposta ao

questionário, os professores declaram que costumavam levar os estudantes para a biblioteca, a

fim de familiarizá-los com esse lugar, na busca de contato com livros e outros gêneros

textuais, como artigos e reportagens. Contudo, por suas respostas e pelas falas dos estudantes,

não se pode inferir as situações em que ocorrem as visitas.

Aqui cabe uma ressalva: embora a maioria dos professores declare utilizar diferentes tipos de

textos em seu trabalho, sem elucidar que gêneros são esses, os estudantes entrevistados

parecem não perceber essa variação, importante para que possam transitar por diferentes

formas de linguagem e perceber o contexto característico a cada uma delas.

Indagados sobre os tipos de textos trabalhados nas aulas, a maioria dos estudantes refere-se ao

“assunto” da disciplina, ignorando a sua estrutura composicional, o que o caracteriza também

enquanto gênero. A preferência por um determinado texto é justificada pelo fato do escrito

tratar de “coisas da vida”, ou seja, relacionado ao cotidiano deles. Na sala de aula ou na

biblioteca, parecem não perceber as variações de estrutura dos textos, evidenciando a

ausência, em sala de aula, de um trabalho sobre gêneros textuais.

Ao longo das entrevistas, apenas duas estudantes se referiram à biblioteca da escola, da qual

retiram alguns livros de literatura, escolhidos espontaneamente em razão da capa e da

impressão que fica da leitura das primeiras linhas, sem que haja intervenção da escola nessa

retirada. Quanto à capa, a condição para impressionar era a beleza, as cores ou ilustração.

Nesse gesto de olhar a capa, tem-se uma primeira leitura, que deve corresponder ao seu

horizonte de expectativas. O trabalho gráfico torna-se um grande atrativo para quem não tem

familiaridade com a literatura.

Ainda em relação ao uso da biblioteca da escola, a procura por esse espaço restringe-se às

demandas das pesquisas escolares, de forma eventual. Alguns estudantes realizam essas

buscas na internet, geralmente lan houses. O pouco uso desse espaço se deve, em parte, ao

horário de funcionamento. A biblioteca não abre todas as noites, devido ao número

46

insuficiente de funcionários, e a direção do colégio privilegia a sua abertura no turno diurno.

Aliada a essa restrição de horário, o que faz desse lugar um espaço de baixíssima frequência

pelos estudantes da EJA, tem-se a forma de atendimento aos usuários: um balcão, que separa

as mesas disponíveis aos estudantes das prateleiras de livros, limitando o seu acesso.

Em relação ao acervo, estima-se que haja aproximadamente dois mil exemplares, a muitos

deles adquiridos com recursos públicos. Destes, a maioria é de literatura brasileira, incluindo

a infanto-juvenil. Nesse espaço não se tem acesso à internet nem assinatura de revistas

informativas. Os periódicos disponíveis, temáticos, são enviados pelo Programa Nacional de

Bibliotecas nas Escolas/ PNBE. Faz parte também desse espaço uma pequena videoteca com

documentários, disponível aos professores, para trabalhos em sala de aula.

Ao analisar as políticas públicas para a cultura, e constatando uma ausência quase total delas,

especificamente no tocante à cultura escrita, Lindoso (2004, p. 107) observa que “a sociedade

brasileira nunca teve um movimento que incorporasse as bibliotecas como elemento

fundamental de sua organização”, a começar pelas escolas, onde geralmente as bibliotecas

funcionam como um apêndice das atividades escolares. Conclui-se assim que não basta

possibilitar o acesso: há de fomentar políticas culturais de uso da biblioteca, calcadas em sua

importância para a formação do sujeito.

Assim como os suportes e as atividades de leitura, distantes de um trabalho de leitura como

atividade interpretativa, a biblioteca tem uma presença limitada entre os estudantes da EJA.

Consequentemente, torna-se precária a constituição dos leitores em um espaço educacional

que não cria condições para atividades de leitura mais enriquecedoras. Apoiadas quase sempre

na cópia, paráfrase e memorização, tais atividades, ou modos de ler, contribuem para que a

leitura na cultura brasileira permaneça como atividade elitista e intelectualizada. Desse modo,

a escola não promove uma interação significativa dos estudantes da EJA com o mundo, a

ampliar seus horizontes de expectativas.

2.2 Além dos muros da escola

Se as atividades de leitura no ambiente escolar da EJA são restritas, não é diferente essa

prática social fora dos espaços das salas de aula. A maioria dos estudantes entrevistados

47

iniciava as suas falas declarando não poder colaborar nesta pesquisa porque não “lia nada”, o

que se repetiu em muitos momentos das entrevistas, deixando escapar uma representação que

têm de si enquanto leitores.

O que significa esse “nada” se são capazes de decodificar mensagens e processá-las? Em tal

resposta emerge uma concepção de leitura que marca o lugar social dos sujeitos. Quem

conjuga esse verbo? Assim questiona Magda Soares:18

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer uma faceta fundamental do

problema: quando se diz que o brasileiro lê pouco ou lê mal, o que se está

entendendo por ler? Lê pouco o quê? lê mal o quê? Ler só é verbo

intransitivo, sem complemento, enquanto seu referente forem as habilidades

básicas de decodificar palavras e frases: diz-se de alguém que sabe ler,

assim, sem complemento, ou que não sabe ler, quando se quer com isso dizer

que esse alguém é alfabetizado ou é analfabeto. Para além desse nível

básico, ler como prática social de interação com material escrito torna-se

verbo transitivo, exige complemento: o alfabetizado, o letrado lê (ou não lê)

o quê? lê mal (ou lê bem) o quê? o jornal? o best-seller? Sabrina? Machado

de Assis? Drummond? a revista Capricho? Playboy? Bravo? Caros Amigos?

Veja, Isto é, Época? a conta de luz, de água, de telefone? a bula do remédio?

o verbete do dicionário, da enciclopédia?

No decorrer das entrevistas, os sujeitos da pesquisa, ora espontaneamente, ora provocados

pela pesquisadora, foram dando pistas do que constitui esse “nada” e das relações que

estabelecem com os suportes de leitura em suas práticas sociais.

Estudar as práticas de leitura a partir dos referenciais dos discentes da Educação de Jovens e

Adultos significa conhecer uma realidade distinta dos padrões hegemônicos de leitura, em que

diferentes modos de ler e suportes de leitura se apresentam na relação com a cultura escrita.

Olhando em volta iremos encontrar muitos leitores que não compõem as estatísticas editoriais

do país, mas nem por isso deixam de ser leitores, pois se apropriam da escrita em sua relação

com a sociedade grafocêntrica, nos modos que lhes são peculiares.

A respeito das leituras realizadas fora do espaço escolar, os sujeitos da pesquisa citaram as

revistas de variedades, os panfletos informativos, os manuais e a Bíblia. Essas leituras não são

certamente exemplares das concepções de leitura construídas ao longo dos séculos XVIII e

18 Disponível no site http://www.leiabrasil.org.br/old/leiaecomente/verbo_transitivo.htm. Acesso em 03 de

fevereiro de 2012. Documento sem ano de publicação e sem paginação.

48

XIX, quando a prática estava associada ao poder social e posição intelectual, geralmente

relacionada aos homens – com leitura de livros e jornais – e ao universo feminino e infantil,

comumente vinculada à literatura. Daí a valorização da leitura de instrução, representada

pelos livros científicos e jornais, e da leitura de entretenimento, através da literatura.

Os gêneros textuais mais citados pelos entrevistados não se inserem nas categorias instrução

ou entretenimento, ao menos nos moldes reconhecidos pela cultura erudita. Foram parcas as

referências dos entrevistados a livros lidos, sejam científicos, sejam literários. Como as

leituras realizadas por eles não se enquadram na perspectiva construída ao longo daqueles

séculos, esses estudantes não reconhecem as leituras que realizam. Além de declararem que

não liam nada, desconsiderando as leituras e os suportes utilizados, alguns se referiram às

suas leituras como algo irrelevante, pois a “verdadeira” leitura estava nos livros,

provavelmente as produções textuais legitimadas pela cultura erudita.

A falta de reconhecimento de suas práticas leitoras repousa na autoridade conferida a certos

grupos de legitimar práticas, valores e visões de mundo. Como afirmou Michel de Certeau,

“toda autoridade repousa sobre uma adesão. (...) Somente um acordo espiritual, enfim,

confere legitimidade ao exercício de um poder (...).” (CERTEAU, 2003, p. 37). Para os

grupos dominantes, leitura é instrumento de trabalho intelectual ou atividade prazerosa

exercida nas horas ociosas, a qual se consolida através dos livros. Os grupos dominados se

apropriam dessa “verdade”, tomada como essência do autêntico leitor e desqualificam suas

práticas, as quais, na maioria das vezes, passa por outros suportes que fazem parte de suas

redes de socialização.

Entretanto, o que não é reconhecido continua a existir. As relações com a cultura escrita dos

grupos menos privilegiados persistem de modo a imprimir suas marcas de pertencimento às

práticas de leitura. Assim, a concepção de leitura e leitor passa antes pela tensão entre o

reconhecido e o não reconhecido, tensão que se estabelece na dinâmica das relações de poder

que operam na sociedade de classes, que conferem mais legitimidade a determinadas práticas

que outras, a depender do lugar social onde são produzidas e dos modos de ler empreendidos,

segundo os propósitos da leitura realizada.

Logo, percebemos que nossa discussão trilhará o caminho das “lecturas ilegítimas”, como

afirma Poulain (2004, p. 33), ao se referir às leituras desprestigiadas pela cultura erudita.

Trilhará o caminho dos leitores que vivem no mundo real, onde o imperativo é sobreviver,

49

cujas relações com o material escrito e os modos de ler se desenvolvem no contexto da

vivência e da sobrevivência.

As diferentes demandas sociais da leitura mostram que não apenas as formas de interpretação

são diferentes e socialmente determinadas (CHARTIER, 1998), mas também que as leituras

das classes mais favorecidas são diferentes daquelas menos favorecidas, porque diferentes são

suas relações com o material escrito, tanto em termos de gêneros e formas de apropriação,

como de acesso aos livros.

A leitura, enquanto prática geradora de sociabilidades, também se constitui em espaço social

e, desse modo, deve ser analisada e compreendida a partir do entorno onde é produzida, como

forma de expressão da identidade de um sujeito ou de uma coletividade. Apartá-la da

realidade onde é produzida é negar a sua historicidade, sem a qual não é possível a

significação, pois todo processo de significação é eminentemente histórico e ideológico.

Os materiais escritos citados pelos entrevistados são os que fazem parte de seus contextos de

socialização, ou seja, os que as suas condições históricas lhes favorecem o acesso e a partir

deles empreendem determinados modos de ler próprios das conjunturas sociais em que se dá a

apropriação da matéria escrita. Portanto, caracterizadores de suas práticas de leitura e,

sobretudo, de suas marcas de pertencimento a determinados grupos sociais.

Tais marcas, no entanto, são sinalizadoras de características de grupos e não de estigmas

sociais sobre as quais pesam a desvalorização e a falta de reconhecimento. Ignorar essa

realidade é mergulhar na matriz hegemônica que envolve a leitura, considerando apenas uma

parcela de sua realidade social, cuja relação com o material escrito se dá através dos livros, de

forma assídua e como prerrogativa para o desenvolvimento intelectual ou entretenimento.

Segundo Tânia Pellegrini (s/d), no artigo “A literatura e o leitor em tempos de mídia e

mercado19

, “se o país é desigual na distribuição das riquezas, também o é na distribuição da

cultura letrada”. Então não se pode esperar que sujeitos socialmente diferentes produzam

sentidos iguais, quiçá amistosos, ou que façam uso da leitura e seus suportes em

circunstâncias também iguais, pois, mesmo em universos culturais semelhantes, os usos e

sentidos são sempre múltiplos e diversos.

19

Não foi encontrado o ano de publicação. Disponível em

http://www.unicamp.br/iel/memorial/Ensaios/tania.html. Acesso em 13/10/2011.

50

É, pois, necessário (re)conhecer os suportes de leitura das classes dominadas, o que passa

antes pelo reconhecimento de suas práticas leitoras como espaço de sociabilidade. Não

significa restringir as classes dominadas àqueles suportes dos quais geralmente se apropriam,

mas antes ajudá-las a se apropriar criticamente desses suportes, atentando para as relações

sociais que perpassam aquelas apropriações e mantendo-se atentas aos discursos de

legitimação, que atuam justamente em fazer com que os ideais das classes dominantes

pareçam legítimos. Ou seja, é buscar as evidências nos antagonismos das classes sociais e

instaurar, segundo Paulo Freire (1988), a leitura como processo para a emancipação do

sujeito.

A leitura de livros voltada para o trabalho intelectual responde pela fração de uma prática

muito maior, mais ampla e mais complexa que é a prática da leitura, que envolve marcadores

culturais, sociais e mesmo psicológicos. Restringir a prática da leitura, senhora de muitas

faces, a apenas uma delas é promover um recorte excludente e representante de uma

supremacia social cujos sujeitos têm acesso ao livro ou participam das redes de sociabilidade

que envolve o uso do livro, quando, para a grande maioria, o livro é um objeto pouco

utilizado, cujos segredos, sabores e dissabores não foram ainda descobertos.

Como prática social, a leitura apresenta muitas possibilidades, mas nenhuma delas pode ser

hierarquizada em razão de seu contexto social, menos ainda desmerecida ou desqualificada.

Em sua complexidade, a leitura abraça muitas possibilidades e múltiplas potencialidades,

emolduradas pela realidade social e motivações de seus sujeitos.

Mesmo reconhecendo que as leituras são emolduradas pelos contextos culturais em que são

produzidas, não deixamos de reconhecer as diferenças inerentes aos atos de ler. Segundo

Lajolo (2010, p. 04),

Atualmente a gente tem muita atenção gasta com coisas que não são tão

importantes. Ficar definindo quem é o leitor maduro, quem é o leitor

literário, quem é o leitor X, quem é o leitor Y, não vai nos conduzir a coisa

nenhuma. Eu entendo que leitor é alguém que é capaz de decodificar uma

mensagem num código escrito. Entendo que escrita é qualquer marca numa

superfície sólida. Essa definição valia antes do computador, que agora não é

mais superfície sólida. Eu acho que leitor é isso. Por outro lado, há leitores

mais competentes e menos competentes. Mais maduros e menos maduros.

Essas diferenças se devem aos diversos modos de ler e formas de relação com a cultura

escrita. Os aspectos sociais se fazem presentes nessas relações, embora não possamos atribuir

unicamente a eles as diferentes formas de desenvolvimento da leitura porque entre sujeitos da

51

mesma classe também reconhecemos as diferenças. Deve-se, contudo, levar em consideração

as distintas motivações pessoais, histórias de vida, demandas e interesses de cada sujeito,

pois, conforme Gadamer (apud LARROSA, 2004, p.18), “que coisa seja ler, e como tem lugar

a leitura, parece-me uma das questões mais obscuras”.

Tomando por base o binômio leitura e erudição, alguns pesquisadores constatam uma crise da

leitura, questão sobre a qual assim se posiciona Márcia Abreu: “aqueles que apregoam a crise

da leitura não pensam na leitura em geral, e sim na leitura de certo tipo de livros – aqueles que

formam a tradição erudita nacional e internacional”. No entanto, tal crise não é exclusiva das

classes menos favorecidas, embora a autora, ao analisar os dados da pesquisa “Retrato da

leitura no Brasil”, aponte uma relação ascendente entre escolaridade e classe social com posse

de livros e hábitos de leitura.

Se os livros não estão presentes de forma efetiva na prática escolar dos entrevistados, menos

ainda fazem parte de suas práticas sociais externas ao espaço escolar. Antes, esses sujeitos

estabelecem outra relação com a leitura, mais pragmática que formativa. Poulain (2004)

elenca os tipos de leitura segundo os seus “efeitos”, apoiada nos estudos de pesquisadores

norteamericanos Douglas Waples e Bernard Berelson: leitura do tipo instrumental,

relacionada a finalidades práticas; a leitura de prestígio, relacionada à autoafirmação das

opiniões; a do tipo de reforço, relacionada à mudança de opinião ou sentimento; a de efeito

estético, em que o prazer do texto é a única expectativa e, por fim, a de distração, cuja

finalidade, segundo o autor, é esquecer as tensões.

A grande maioria dos entrevistados revelou a face instrumental em suas apropriações da

leitura. Ao serem indagados sobre suas experiências com essa prática, logo a relacionaram às

exigências da vida cotidiana: ler o rótulo de um produto, outdoor ou faixa nas vias públicas,

panfleto divulgando produto ou serviço, manual de trabalho cuja leitura facilita a interação

entre sujeito e objeto, recibos de pagamento, entre outros.

Os seus atos de leitura são orientados pelas situações práticas que se impõem aos cidadãos na

contemporaneidade. Nessa leitura não há empenho de vontade ou valores e significações que

a priori determinam a leitura através dos livros. Suas práticas de leitura estão voltadas para o

fazer cotidiano e podem ser assim classificadas como leituras utilitárias, aquelas que encerram

em si uma finalidade prática e momentânea.

52

Segundo Poulain (2004, p. 43), ao analisar os resultados de uma investigação das práticas de

leituras de jovens franceses na década de 1980,

Indiferentes aos discursos que consagram a leitura e a comparam com a

literatura, [jovens franceses] estabelecem uma relação mais realista e prática

com a leitura. Para eles a leitura não está investida de valores e significados

a priori: as situações criam a necessidade, o dever ou o prazer da leitura,

determinando assim o uso dos livros20

. (tradução nossa).

Desse modo, à semelhança do que acontece com os jovens franceses da pesquisa de Poulain,

para os entrevistados da EJA a leitura tem uma finalidade mais imediata, distante, portanto, de

valores constitutivos da formação pessoal ou profissional. Assim, justificam outras formas de

interação com a cultura escrita.

Mas não foram apenas as leituras exigidas pela vida prática as citadas pelos entrevistados.

Mencionaram outros suportes de leitura, a exemplo das revistas, demonstrando que suas

atividades de leitura vão além do fazer habitual. Novamente, as respostas acerca dessas

leituras não se desvinculam da vida cotidiana. No entanto, em relação a tais suportes, o gênero

interfere nas escolhas, e aqui se observam dois padrões de respostas.

Os entrevistados de sexo masculino responderam se interessar pelas revistas se nelas estivesse

estampada alguma reportagem sobre esportes ou veículos automotores21

. As mulheres

mencionaram as reportagens cujos assuntos estão relacionados a artistas e a novelas22

,

revelando essa leitura como desdobramento do tempo investido na televisão, especialmente

nesse tipo de programação, preferido pelo público feminino. Outro gênero textual destacado

por algumas delas foram os horóscopos, encontrado em determinadas revistas, as quais têm a

preferência das mulheres, se comparado ao segmento masculino. Algumas entrevistadas

declararam adquiri-las ou tomarem emprestadas, enquanto os homens, que não as leem muito,

a elas têm acesso por empréstimos.

20

Indiferente a los discursos que sacralizan la lectura y la equiparan com la literatura, establecen uma relación

más realista y práctica com la lectura. Para ellos [jóvenes frances] a lectura no está investida de valores y

significaciones a priori: lãs situaciones particulares crean la necesitad, el deber o el placer de leer, determinando

así el uso de los libros. 21

Foram citadas as revistas Época e a Quatro Rodas. Pelo visto, interessa o assunto da reportagem: esportes ou

veículos automotores, se estampados na capa. Ou seja, folhear revista não é um hábito entre os homens

entrevistados. 22

Citaram as revistas Contigo, Minha Vida, Ana Maria, Querida, todas, publicações populares geralmente

destinadas ao público feminino.

53

Daí decorrem duas conclusões: primeiro, na prática de empréstimos cria-se uma rede de

sociabilidades entre as mulheres; segundo, tais leituras têm certo valor a ponto de justificar a

compra. De fato, a leitura de revistas que giram em torno das novelas e dos artistas representa

a fonte de informação e de diversão acerca da programação de um objeto cultural que é

preferência absoluta entre as mulheres. Sem entrar no mérito de suas programações, a

televisão consegue manter milhões de telespectadores diante de suas telas, como transformar

muitos desses telespectadores em leitores.

Também as leituras das revistas e dos gêneros citados se investem de finalidade prática,

relacionada à apreciação, pelo público masculino, de esportes ou veículos automotores, ou de

telenovelas e o mundo artístico, nesse caso, pelas mulheres. Tais leituras também não

acontecem de modo frequente, mas eventual, embora pareçam fazê-las com apreço. Sem

nenhuma obrigação com o depois, é a leitura do aqui e agora, ou seja, não tem compromisso

com a formação do sujeito, porém, nesse descompromisso, vai imprimindo as suas marcas nos

leitores.

Apenas um estudante entrevistado mencionou a leitura de jornais ou revistas com reportagens

de cunho informativo, referindo-se às notícias, mesmo assim o fez de forma contraditória.

Primeiro, disse que gostava de ler notícias para saber o que acontecia no mundo. Depois,

questionado sobre quais notícias costumava ler, retratou-se, dizendo que lia de vez em

quando, mas que gostava mesmo era de vê-las na televisão.

A leitura informativa sobre acontecimentos sociais e políticos não é uma prática inserida no

tempo produtivo dessas pessoas, menos ainda de forma frequente, com vistas à formação

pessoal. No entanto, saindo da linguagem escrita para a oral, dois entrevistados mencionaram

a preferência pelos noticiários televisivos como veículo de informação, para alguns deles, pela

facilidade para quem está pouco familiarizado com a linguagem escrita: as mensagens curtas,

rápidas e com o auxílio visual, facilitam a compreensão. Contudo, com a alta valorização da

cultura escrita, em detrimento de outros códigos de comunicação, a preferência pela televisão

não costuma causar boa impressão, mas é inegável a sua participação na formação do sujeito.

Os gêneros e suportes de leitura comumente citados pelos entrevistados são os que fazem

parte de suas redes de sociabilidades e geralmente convergem numa perspectiva prática e

imediata, seja na leitura de um rótulo no supermercado, seja na leitura de revistas com

matérias que tratam do mundo das telenovelas e dos artistas midiáticos. Os modos de ler

54

empreendidos nas relações com esses suportes são peculiares ao contexto de suas

apropriações, pois os modos pelos quais se lê um panfleto, uma revista de variedades ou

informativa diferem do modo pelo qual se lê um artigo científico. No entanto, são aquelas

leituras que conferem ao estudante da EJA estatuto de leitor, dentro do ambiente cultural onde

são protagonistas.

Os suportes de leitura até aqui citados pelos estudantes da EJA coincidem com o resultado da

pesquisa “Retrato da leitura no Brasil”23

quando, analisando os dados da pesquisa, Márcia

Abreu (s/d)24

verificou que os suportes mais citados pelos entrevistados atendem a uma

função pragmática: cartazes ou folhetos de propaganda, primeiro lugar na pesquisa (85%),

seguidos das placas de rua (84%) e letreiros de ônibus (78%); na sequência, vêm as revistas

(75%), jornais (68%) e livros (62%).

Alguns dos nossos entrevistados também se referiram à leitura de livros, destacando-se a

Bíblia, que tem a preferência de sete estudantes dentre os quinze entrevistados. Segundo

Lindoso (2004), a Bíblia é o best seller das editoras cristãs. Numa análise acerca da pesquisa

“Retrato da leitura no Brasil”, edição de 2001, constata que “o estudo sobre hábito de leitura e

consumo de livros no Brasil mostra claramente que a Bíblia, independentemente de sua

versão, é o livro mais lido (ou possuído) no Brasil” (LINDOSO, 2004, p.100). É pertinente a

ressalva feita pelo autor porque, em alguns momentos das entrevistas, a Bíblia é referida

como um objeto que se tem nas residências, não um livro que se lê. Assim, esse “livro

possuído” é um bem simbólico de grande valor.

Em relação à leitura da Bíblia, constatam-se entre os entrevistados duas perspectivas distintas:

há os leitores que procuram orientação ou consolo espiritual para os problemas, ou seja, leem

o livro em momentos que buscam entendimento de uma situação vivida ou superação das

dificuldades; e há aqueles que buscam na leitura da Bíblia a realização de um projeto de

formação pessoal. Nesse último caso, a leitura Bíblia faz parte da inserção nas atividades da

igreja, como forma de conhecer, segundo relato de duas entrevistadas, os ensinamentos de

23

A pesquisa foi realizada por A. Franceschini Análises de Mercado, a pedido da CBL (Câmara Brasileira do

Livro), Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel), Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e

Abrelivros (Associação brasileira de Editores de livros), entre os dias 10 de dezembro de 2000 e 25 de janeiro de

2001 com 5.503 entrevistas realizadas com pessoas acima de catorze anos e com mais de três anos de

escolaridade, residentes em 46 cidades do país. 24

Disponível em http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm. Acesso em 25 de maio de

2012.

55

Deus e ter uma vida de mais qualidade, ao menos no plano espiritual. Mais recorrente entre as

mulheres, tal leitura parece ocorrer com frequência e apreço.

A leitura da Bíblia imprime algumas especificidades quanto aos modos de ler. Segundo

Certeau (1994), a leitura de textos religiosos produz certa passividade no leitor diante do

texto, porque, a princípio, não pode ser questionada: é sacralizada. Assim, tal leitura instaura

um modo de ler peculiar a esse projeto, que não admite questionamentos e preza pela

obediência do leitor aos seus postulados.

A literatura, por sua vez, não ficou de todo esquecida pelos estudantes da EJA,

particularmente entre as entrevistadas. Analisando os dados do INAF 200125

, Márcia Abreu

(2003) concluiu que as mulheres constituem o público maior da leitura de romance, livros de

aventura, policial e ficção. Frente a esses dados da pesquisa, a autora questiona se ainda se

mantém, no imaginário social, a ideia construída no século XIX de que a leitura de textos

literários leva à evasão e, portanto, mais próxima das mulheres, devido à sua “natureza”

romântica.

Aliás, essa foi a explicação dada por duas de nossas entrevistadas para justificar o gosto pela

literatura, somada à curiosidade em conhecer histórias de vidas alheias. Também responderam

diferente de “não gosto de ler” ou “não leio nada”, narrando alguma experiência com a leitura

de textos literários, o que mostra que essa prática permanece vinculada aos livros, e em

especial, aos de literatura.

Exceto uma entrevistada, as demais não sabiam indicar o título do livro, tampouco do seu

autor. O que lhes interessa é o conteúdo das narrativas, destacando o seu apreço pelas

histórias de amor e de aventura, por trazerem o sofrimento das personagens, as intrigas e o

final feliz. Este, segundo Paes (1990), contempla o sentimento de recompensa dos leitores.

Por sua vez, essas leituras não são frequentes e trazem um ponto em comum: geralmente, são

interrompidas. Embora demonstrem curiosidade para saber o final da história, dificilmente

leem o livro até a última página, porque, segundo os seus relatos, “o livro ficou chato”.

25

De iniciativa do Instituto Paulo Montenegro em parceria com Ação Social do IBOPE e ONG Ação Educativa,

pesquisa as habilidades e práticas de leitura para fomentar o debate público e subsidiar a formulação de políticas

públicas nas áreas de educação e cultura. É baseado em entrevistas com 2.000 pessoas com idades entre 15 e 64

anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais de todas as regiões do país.

56

Sem adentrar na discussão que envolve os tipos de obras e seus públicos, o que interessa são

os motivos que levam os sujeitos da pesquisa a iniciarem a leitura, prossegui-las ou

interrompê-las. Os critérios de escolhas de uma obra literária parecem aleatórios, dados em

razão das circunstâncias, uma vez que os livros são escolhidos em função da capa, quando

tirados da biblioteca, ou por empréstimo de algum parente ou amigo, visto que se trata de

leitoras pouco familiarizadas com a literatura, o que não significa que não tenham

preferências por determinados gêneros. Ora citam livros valorizados pelo campo erudito da

literatura, ora destacam o best-seller do momento.

Algumas experiências de leitura relatadas pelas entrevistadas ilustram nossas análises. Uma

delas contou ter lido um livro (embora não tenha terminado a leitura) de cujo autor e título

não se lembrava no momento da entrevista. Veio-lhe à mente a palavra “capitão”,

acrescentando que se tratava de uma história de meninos de rua, referindo-se certamente a

Capitães da areia, de Jorge Amado. Explicou que leu uma parte do livro porque a fazia

lembrar-se do irmão. Pelo visto, a história encontrou um ponto de contato com a sua

realidade, o que não foi suficiente para prosseguir a leitura. A entrevistada também declarou

seu gosto pela poesia, justificado por ser texto curto, como os textos curtos trabalhados pelos

professores da EJA. Outra explicação pode residir no fato de que a estudante, quando menina,

escrevia em seu “caderno” de poesias.

Outra entrevistada, depois de alguma dificuldade para mencionar o título, disse ter lido o

livro A cabana,26

ressaltando que não conseguiu entender algumas coisas, embora tenha

gostado da história. Leu também Capitães da areia por indicação de uma amiga, do qual

gostou bastante. Questionada sobre as razões de ter apreciado a leitura, destacou o sofrimento

das personagens, acrescentando a seguinte observação: “a vida está cheia de coisas ruins”.

Os depoimentos acerca da experiência com a leitura de produções literárias trazem traços em

comum quanto ao modo pelo qual os leitores interagem com os textos, pontuado por Lahire

(2004, p.182) quando trata da disposição ético-prática em oposição à disposição estética: “seu

[classes populares] modo de leitura dos textos literários me parecia especialmente revelador

desta disposição ético-prática que supõe uma participação, uma identificação, uma inserção

26

Segundo a entrevistada, o livro conta a história de um pai que perdeu a filha e teve um encontro com Deus,

deduz-se que se trata de A cabana, de William P. Young, publicação que alcançou 3 milhões de exemplares

vendidos no Brasil, desde outubro de 2008, segundo a editora Sextante. Nos EUA, foram mais de 10 milhões.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/968478-autor-do-best-seller-a-cabana-participa-da-bienal-do-

livro.shtml. Acesso em 05 de setembro de 2011.

57

do texto nos elementos da experiência cotidiana passada ou presente”.27

As leitoras parecem

buscar nos textos vestígios de suas histórias, de modo a se reconhecerem no texto e darem

sentido a eles.

Queiroz também reconhece a necessidade de diálogo entre a trama textual e a história do

leitor:

Tal viés diria respeito, por outro lado, ao que Karlheinz Stierle chama de

recepção quase pragmática dos textos ficcionais, comprometida com um

movimento centrífugo no qual “as expectativas do mundo ilusório

engendrado pelo texto são afirmadas pelo seu resgate e a visão de mundo

(Weltsicht) do leitor é afirmada à medida que o texto lhe devolve seus

estereótipos. Este sistema de afirmações torna possível que a leitura quase

pragmática, com sua transformação de ficção e ilusão, ocupe, de modo

inequívoco, os vazios do texto” (QUEIROZ, 1997, p. 93)

Essas leitoras confirmam a disposição prática, no sentido dado por Lahire e Queiroz, de

relacionar o conteúdo do texto ao cotidiano, sem se importar com os aspectos intrínsecos à

obra. Mais vale a relação de similaridade entre história e cotidiano do leitor. Nessa relação, o

leitor se reconhece e atribui significados ao texto, conforme seu sistema de valores. Daí se

pode concluir que, mesmo na leitura de textos ficcionais, há uma relação pragmática com a

leitura.

Tal perspectiva também foi observada por Besnosik (2004), em suas análises sobre

experiências de leitura com professores do Ensino Fundamental da zona rural. Revelando

dificuldades para analisar aspectos “intrínsecos” do texto, esses leitores estabeleciam relação

com as situações vividas no cotidiano, um modo de significar o texto: o seu cotidiano era o

horizonte de expectativas. “Presos aos temas cotidianos, raramente a leitura suscita questões

que possibilitem adentrar o texto na sua dimensão estética” (2004, p. 47).

Segundo Besnosik, só após algumas intervenções avançaram para uma compreensão

“estética” do texto, passando a interrogá-lo, em sua dimensão interna: forma, linguagem e

estrutura composicional. Conclui-se assim que a compreensão de um texto é uma atividade

aprendida. Por isso, não se pode esperar que pessoas pouco familiarizadas com a leitura e com

o texto literário analisem seus aspectos intrínsecos, particularmente os códigos estéticos

elaborados por uma tradição crítica literária, difundidos na escola, durante o Ensino Médio

27

“su modo de lectura de los textos literários me parecia especialmente reveladora de esta disposición ético-

práctica, que supone uma participación, uma identificación, uma inserción del texto em los elementos de la

experiência cotidiana pasada o presente”.

58

regular, através da disciplina Língua Portuguesa. Ou, como ocorre na grade curricular da rede

privada de ensino, na disciplina Literatura.

Muito próximas às atitudes dos leitores da zona rural analisadas por Besnosik, as

entrevistadas do colégio em que realizei a pesquisa desconhecem esses códigos estéticos, pelo

visto, excluídos do repertório do ensino de Língua Portuguesa. Essas leitoras não mencionam

categorias como “personagens”, “enredo”, “estrutura narrativa”, deslocando o foco para a

história contada e a relação de similaridade com o cotidiano. Desse modo, escapam a uma

visão escolarizada da literatura, favorecendo que suas experiências sejam o ponto de

referência para a apreciação de uma obra literária.

Segundo Lajolo (1998, p.33), “a leitura desejável não pode ocorrer a partir da identificação,

mas, pelo contrário, deve favorecer o distanciamento que diverte e conscientiza”. Contudo,

pelas situações descritas acerca da realidade dos sujeitos desta pesquisa, tais leitores buscam

uma leitura de entretenimento, que não demande maiores esforços para compreensão da obra.

Reconstruir suas visões de mundo a partir da obra não é uma de suas preocupações. Antes, a

de “reviver” o texto, a partir da identificação com a história.

Nas palavras de Paes (1990, p.25), “(...) a literatura de entretenimento faz parte da cultura de

massa (...)”. Acrescenta:

(...) a cultura de massa se preocupa em poupar-lhes, no ato do consumo,

maiores esforços de sensibilidade, inteligência e até mesmo atenção ou

memória. (...) Já a cultura de proposta não só problematiza os valores como a

maneira de representá-los na obra de arte, desafiando o fruidor desta a um

esforço de interpretação que lhe estimula a faculdade crítica em vez de

adormecê-la. (PAES, 1990, p. 26)

Quando esse esforço de entendimento é requerido, a leitura é interrompida e considerada

enfadonha. As entrevistadas que declaram ler livros de literatura afirmaram interromper uma

leitura quando esta se torna “chata”. Podem-se encontrar duas possíveis explicações para tal

fato, com base nos modos de ler dessas leitoras. A primeira é que houve alguma dificuldade

de entendimento da trama, contrariando o propósito do entretenimento; a segunda é que a

trama não permitiu a relação com a vida cotidiana, contrariando o horizonte de expectativas

das leitoras.

Essa pode ser a explicação para o fato de que “o livro ficou chato”. A falta de similaridade

entre o texto e o cotidiano do leitor torna aquele pouco atraente, de modo a levá-lo a

59

interromper a leitura. Ou seja, para se tornar um leitor de textos literários é preciso mais que

decodificar um livro. Deve-se adentrar no mundo do texto e não tão somente esperar que

aquele reconforte as expectativas do leitor. Por outro lado, como essas leituras não são

obrigatórias, tais leitores têm a liberdade de interrompê-las.

Segundo Jauss (1994), o horizonte de expectativas diz respeito às vivências dos leitores e é a

partir delas que constroem suas expectativas em relação ao texto. Na experiência da leitura, o

texto dialoga com o universo de expectativas do leitor. Nessa interação, podem ocorrer duas

situações: a obra se aproxima do universo de expectativas do leitor ou rompe com elas.

Havendo esse estranhamento, que Jauss chama de distância estética, o horizonte de

expectativas do leitor pode ser alterado e aí a literatura cumpre seu papel social e formativo.

No caso das leitoras que fazem parte da comunidade de estudantes da EJA, o estranhamento

provoca a interrupção da leitura, porque o que elas esperam da obra é que esta reconforte as

suas expectativas, não que as modifique. Estamos tratando aqui de leitores não acostumados à

leitura e mais especificamente aos textos literários, pois o horizonte de expectativas também

está relacionado às experiências literárias anteriores e ao universo sociocultural do leitor.

O que essas leitoras buscam é uma literatura de entretenimento, que não as submeta a

nenhuma outra atividade que exija esforço cognitivo. Segundo Jauss,

[...] pelo fato de não exigir nenhuma mudança de horizonte, mas sim de

simplesmente atender a expectativas que delineiam uma tendência

dominante do gosto, na medida em que satisfaz a demanda pela reprodução

do belo usual, confirma sentimentos familiares, sanciona as fantasias do

desejo, torna palatáveis – na condição de “sensação” – as expectativas não

corriqueiras ou mesmo lança problemas morais, mas apenas para “solucioná-

los” no sentido edificante, qual questões já previamente decididas. (JAUSS,

1994, p.32)

Nessa perspectiva, é justamente a literatura de massa que mais se aproxima dos horizontes de

expectativas dessas pessoas e de suas disposições recepcionais. No entanto, sobre esse tipo de

leitura pesa a crítica de que, ao invés de humanizar, promove a alienação. Na visão de Márcia

Abreu, para tal crítica,

Saímos da leitura de um desses textos da mesma forma que entramos, pois

eles não nos forçam a pensar, limitando-se a “re-afirmar” nossas crenças e a

nos fazer acreditar na solução exterior dos problemas. Essas histórias são

uma válvula de escape para as frustrações do dia-a-dia, levando o leitor para

60

um lugar onde todas as suas expectativas se cumprem sem que ele deva fazer

nenhum esforço para isso.

Para quem vê assim, a literatura de massa – romances policiais, de aventura,

sentimentais, faroeste, histórias em quadrinho, fotonovelas etc. – é fruto de

uma combinação incessante dos mesmos lugares comuns: personagens sem

nenhuma densidade psicológica, situações previsíveis ordenadas de maneira

já conhecida, repetição constante das mesmas fórmulas de estruturação do

enredo, linguagem simples e sem nenhuma dificuldade aparente. Tudo isso

com o objetivo de evitar que o leitor se questione e questione o mundo em

que vive, sentindo prazer em re-encontrar o que é confortavelmente bem

conhecido. (ABREU, 2006, p. 82)

Partindo desse entendimento, só a literatura eleita como clássica, a “grande Literatura”,

favorece a reflexão crítica da realidade. No entanto, Abreu problematiza essa questão quando

traz uma observação feita por Terry Eagleton, a saber, a de que pessoas cultas e leitoras de

obra clássicas supervisionaram o assassinato de milhares de judeus na Europa do século XX.

A autora se refere ainda à pesquisa do antropólogo Pablo Semán, que entrevistou leitores de

Paulo Coelho, os quais lhe garantiram que a leitura dos romances desse escritor os faz pensar

e fruir.

Seguindo essa perspectiva, não podemos menosprezar o papel da literatura de entretenimento

na formação do leitor, menos ainda engessar os efeitos de sua leitura a partir de concepções

literárias, mesmo porque, como pontua Abreu (2006), a literatura é um fenômeno cultural e

social e, portanto, passível de diferentes valorações pelos grupos sociais ao longo do tempo,

capaz de provocar diversas reações nos leitores.

Acerca da importância da literatura de entretenimento para a formação do leitor, José Paulo

Paes afirma o seguinte:

Numa cultura de literatos como a nossa, todos sonham ser Gustave Flaubert

ou James Joyce, ninguém se contentaria em ser Alexandre Dumas ou Agatha

Christie. Trata-se obviamente de um erro de perspectiva: da massa de

leitores destes últimos autores é que surge a elite dos leitores daqueles, e

nenhuma cultura realmente integrada pode se dispensar de ter, ao lado de

uma vigorosa literatura de proposta, uma não menos vigorosa de

entretenimento. (PAES, 1990, p. 37)

Paes apresenta a literatura de entretenimento como a porta de entrada para a literatura de

proposta. Talvez os leitores da primeira nunca venham a ser leitores da segunda28

, mas, quem

28

Segundo Paes (1990), na literatura de proposta há de igual modo um fito de entretenimento, embora de

natureza mais sutil e menos fisiológica, quando problematiza os valores, desafiando o leitor a um esforço de

interpretação que estimule a criticidade.

61

sabe, aquela seja, de fato, a porta de entrada para o livro e para a literatura na vida de milhões

de brasileiros que não são afeitos aos livros, especialmente à literatura, pouco explorada no

ambiente escolar da EJA, em prejuízo da apreciação ou familiaridade dos estudantes com essa

forma de expressão da cultura escrita.

Além da perspectiva abordada acerca da relação com a literatura, a relação com a linguagem

escrita em construções mais longas ou complexas, que requer algumas habilidades do leitor, é

outra questão que se coloca entre o texto e o seu interlocutor. Os sujeitos desta pesquisa não

estão habituados à leitura de textos longos, a exemplo dos gêneros narrativos como os

romances. Estão familiarizados com a linguagem escrita de cunho apelativo ou instrutivo,

textos com frases curtas, como rótulos de produtos e letreiros de ônibus. Mesmo na escola, há

preferência por textos curtos, de fácil compreensão, para o aprendizado e talvez o

desempenho nas atividades avaliativas.

As operações cognitivas e de memória, necessárias à leitura e compreensão de um texto que

requer o ordenamento de um maior número de ideias para ser significado, constitui tarefa

pouco familiar às habilidades textuais e estratégias de leitura dos entrevistados. A esse

respeito, tratando dos leitores pouco assíduos ou pouco acostumados aos livros, Lahire

afirma:

(...) pois há dificuldades de manuseio linguístico e estilístico: o código

linguístico é a primeira barreira que muitos encontram para acessar o livro,

já que depende do tempo investido na leitura de textos de léxico e sintaxe

complexos; o segundo obstáculo são as questões que esses textos

desenvolvem, as experiências a que se referem, já que sua apreensão por

parte do leitor depende de patrimônios de disposição incorporados em

função de experiências sociais anteriores. Evidentemente, às vezes, ambos os

tipos de obstáculos se combinam, mas não de forma sistemática (...).29

(LAHIRE, 2004, p. 186)

Para pessoas pouco acostumadas à leitura de textos ditos científicos, informativos ou

literários, a sua leitura, exigindo o domínio dos códigos linguísticos e das habilidades

requeridas por tais textos, certamente encontra dificuldade, aliada à falta de informações

prévias que contribuam para o seu entendimento. O texto escrito precisa ser ressignificado no

quadro de referência emoldurado pelas vivências e conhecimentos adquiridos pelo leitor.

29

“(...) pues hay impedimentos de manejo lingüístico y estilístico: el código lingüístico es la primera barrera que

encuentran muchos para acceder al libro, ya que depende del tiempo invertido em la lectura de textos de léxico y

sistaxis complejos; el segundo escollo son los temas que esos textos desarrollan, las experiências que refiere, ya

que su aprehensión por parte del lector depende de patrimônios de disposición incorporados em función de

experiências sociales anteriores. Evidentemente, ambos tipos de obstáculos se combinam a veces aunque no

sistemáticamente (...).

62

Outro ponto comum entre os entrevistados, já destacado, é a dificuldade de se lembrarem do

título de um livro e, sobretudo, do seu autor. Essa questão poderia ser tão somente

esquecimento, entretanto, dada a recorrência, infere-se que não há uma preocupação com

esses “detalhes” da obra. Para sujeitos pouco ambientados com o universo da literatura, e com

os códigos da cultura erudita, que centralizou a figura do autor, importa mais a história

narrada em razão do entretenimento e da relação com a realidade particular do leitor.

Para os entrevistados, a leitura de uma obra não indica preferência por um estilo literário, mas

uma escolha em razão das circunstâncias: empréstimo ou escolha através da capa, como já

explicado. O título ou autor não recebem atenção: talvez ninguém nunca tenha perguntado a

algum dos entrevistados sobre um livro lido.

Além dos livros de literatura citados pelas leitoras, um entrevistado contou ter lido um livro

de autoajuda do Pe. Jonas Abibb30

, tomado por empréstimo, de cujo título também não se

lembra, mas que gostou muito porque, segundo o leitor, trata da vida, do dia-a-dia do ser

humano. Nessa leitura, há uma relação pragmática com o livro, em que o cotidiano do leitor

serviu de referência para a apreciação do texto. Apesar de ter gostado, esse livro foi o único

que leu, porque, nas palavras do leitor, “falta estímulo”.

Outros livros, além dos de literatura e autoajuda mencionados, apareceram timidamente nas

entrevistas, que pertencem aos entrevistados, embora não façam parte das redes de

sociabilidades. Geralmente doados, foram citados um livro da área jurídica, cuja posse se

justifica pelo sonho da entrevistada em fazer o curso de Direito, um de Psicologia e um de

Biologia, para pesquisas escolares; e outros que, segundo o entrevistado que disse possuí-los,

jogados fora pelos colegas, ele os guarda. No espaço em que os livros são descartados31

, ele

os recolhe, embora não os leia, justificando que as leituras que realiza são aquelas exigidas

pela escola, do trabalho ou da vida cotidiana.

Sobre os livros da área de Direito e de Psicologia, os entrevistados declararam ter

compreendido o que leram, embora sabemos que eles não fazem parte do que Fish (apud

LIMA, 1979) chamou de comunidade interpretativa, aquela que dispõe dos códigos culturais

30

Autor de 10 títulos de autoajuda, trata de problemas cotidianos e da existência humana a partir dos

ensinamentos bíblicos. 31

Provavelmente, são livros didáticos do PNLD que não foram devolvidos à escola em tempo hábil, o que

acontece com frequência nas comunidades escolares, devido à falta de controle das instituições competentes.

63

necessários ao entendimento das ideias e questões de um determinado campo de

conhecimento.

Os estudantes da EJA entrevistados não têm familiaridade com a leitura de livros, nem mesmo

de livros didáticos ou técnicos. As experiências de leitura de obras literárias, dentre algumas

estudantes, são práticas ocasionais, algumas vezes interrompidas, o que não as desmerece.

Conforme dados da pesquisa “Retrato da leitura no Brasil”, Márcia Abreu (s/d) constatou que

57% dos entrevistados declaram que não compram livros por falta de condição financeira. No

caso de nossos entrevistados, esse obstáculo sequer foi apontado, do que se pode inferir que

esse objeto não faz parte do repertório cultural deles.

As leituras realizadas por esses estudantes da EJA restringem-se àquelas exigidas pelas

necessidades da vida cotidiana, são efeitos das atividades de lazer ou da vida comunitária, a

exemplo das atividades da igreja que alguns frequentam. Constata-se assim que a escola não

tem conseguido imprimir outros valores às práticas de leitura que incorram na formação

pessoal ou intelectual, que venham ampliar os horizontes de leitura da comunidade da EJA.

A partir do entendimento da literatura como uma produção relevante no processo de

humanização, acredita-se que ela não deva ser privilégio de uma elite. Através da literatura,

pode-se realizar um trabalho que esvazie uma concepção didática e pragmática da leitura no

ambiente da EJA. Segundo Lajolo (1993, p.82), a literatura constitui “um universo, um espaço

de interação de subjetividades (autor/leitor) que escapam ao imediatismo, à previsibilidade, ao

estereótipo das situações e usos da linguagem que configuram a vida cotidiana”.

Desse modo, a literatura poderia representar, nesse espaço educacional, a possibilidade de

interação com o livro, comumente suporte dos textos literários, e com formas de linguagem

mais extensas e subjetivas, permitindo ao estudante viver outra realidade, através das páginas

escritas e, por meio delas, construir um saber não pedagogizado, mas humanizante. Para tanto,

faz-se necessário repensar o papel da literatura no espaço educacional e, mais

especificamente, o papel da EJA no cenário social.

64

3. A COTAÇÃO DA LEITURA ENTRE OS ESTUDANTES DA EJA

A leitura não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão

de natureza, de modos de relação, de trabalho, de produção

de sentidos, em uma palavra: historicidade.

Eni Orlandi

A partir dos estudos de Moscovici acerca das representações sociais, que, segundo o autor, “se

apresentam como uma ‘rede’ de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas

livremente e por isso, mais móveis e fluidas que teorias” (2005, p. 210, grifo do autor),

pretende-se conhecer as ideias enunciadas pelos entrevistados nas narrativas a respeito de suas

leituras. Compreende-se que tais ideias constituem as suas representações sobre leitura,

construídas em suas práticas culturais e interações comunicativas.

As representações sobre leitura refletem o modo pelo qual os entrevistados compreendem e

significam a leitura. A “fluidez” a que Moscovici se refere, ao conceitualizar as

representações sociais, fica evidente em muitos momentos das entrevistas, em que as

representações se mostram ambivalentes, multifacetadas e, por vezes, contraditórias, porque

ora emergem das práticas de leitura dos entrevistados, ora refletem os valores produzidos por

uma elite letrada e disseminados na sociedade, dos quais os nossos sujeitos se apropriam

discursivamente.

Tais representações ratificam que a leitura, enquanto prática social e processo de construção

de sentidos, recebe significados diferentes a partir das relações estabelecidas com a matéria

escrita. Essas relações, por sua vez, inscrevem-se nas relações de poder e dominação que se

reconfiguram na sociedade ao longo das décadas. A esse respeito, afirma Chartier:

as representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à

universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre

determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o

necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem

os utiliza. (CHARTIER, 1990, p. 17)

Conforme esse entendimento, buscamos situar historicamente as representações sobre leitura

dos sujeitos da pesquisa como produto e processo de suas vivências e de suas relações não

apenas com o texto, antes, com a sociedade. Segundo Martín-Barbero (1995), a leitura é

65

interação: interação com a sociedade. Suas representações refletem a forma como os sujeitos

interagem com a sociedade através da matéria escrita e como valoram essas experiências.

Considerando a singularidade de cada sujeito, mas reconhecendo que, segundo Chartier

(1998), é atravessada pelas questões sociais que fazem com que esses leitores sejam

semelhantes entre si, observamos que os sujeitos da EJA, inseridos em um mesmo universo

social e cultural, apresentam representações semelhantes sobre a leitura.

3.1 A via do conhecimento e do trabalho

Apesar de muitos dos estudantes entrevistados terem declarado que não gostavam de ler ou

não liam “nada”, nenhum deles negou a importância da leitura. Ao contrário, a referência a tal

prática se fazia presente na fala de todos eles, geralmente iniciando os diálogos estabelecidos.

Ione ilustra essa passagem: “a leitura é muito importante para tudo na vida”.

Ao longo das entrevistas, esses estudantes foram revelando em que consiste tal importância e,

nesse sentido, não deixaram de manifestar a vinculação entre leitura e conhecimento. A leitura

foi enunciada como atividade na “aquisição” de conhecimentos, cujo fornecedor é o texto e o

leitor se comporta como o consumidor desses conhecimentos:

Se você lê bastante e eu não leio nada, eu vou estacionar, vou ficar parado,

não vou sair de onde estou, ao passo em que você, através da leitura,

consegue crescer, consegue de certa forma não só acolher essas informações,

mas consegue passar para alguém. (...) Se eu não leio, conhecimento eu não

tenho. (Marcos)

Embora relacionem leitura a conhecimento, quando comentam sobre leitura no contexto

escolar, ela ganha outra conotação:

(...) Quando é prova eu acordo 5 horas da manhã para estudar. Aí estudo um

pouquinho e vou trabalhar (...). Tenho que tirar o segundo grau. Eu faço as

leituras da escola para fazer as provas. A gente precisa terminar os estudos,

completar o segundo grau. Tem empresa que não quer dá trabalho para quem

não tem o segundo grau. Aí fica difícil. Nos dias de prova eu acordo cedo e

leio o assunto da prova antes de ir para o trabalho, porque quando chego em

casa antes de ir para o colégio não dá tempo. (Paulo)

66

Por esse depoimento, a leitura realizada para atender aos propósitos da escola não é uma

prática frequente, mas relacionada à ocorrência das atividades avaliativas, cujo desempenho

permitirá o avanço nas seriações seguintes e, mesmo com essa finalidade, lhe é reservado

pouco tempo.

Ainda, a leitura não é instrumento para o desenvolvimento intelectual e a construção do

conhecimento, através das atividades da escola, mas o instrumento que permitirá a conclusão

do ensino médio, ou melhor, o término da educação básica, como uma exigência do mercado

de trabalho. O depoimento abaixo também ilustra esse entendimento:

[A leitura] é como se fosse algo obrigatório que você tem que fazer para

alcançar aquela meta. Porque a meta dentro do ensino são pontos,

infelizmente, não é conhecimento que conta. (...) Na atualidade, o que eu vejo

é que perdeu um pouco o compromisso de “passar” o conhecimento. As

pessoas vêm aqui, não estudam, na hora da prova “colam” e têm a pontuação

necessária. Perdeu o valor do conhecimento, de buscar informação, de passar

informação, por que tanto a gente busca, como traz. Hoje eu não vejo mais o

estudo, principalmente nessa região, como essencial, mas sim alcançar a

pontuação para “fechar” uma prova. Você aprende um pouco, mas a

preocupação é atingir a média. (Marcos)

Esse depoimento traz em seu bojo problemas cruciais que se instalam no sistema de ensino e

no papel da escola na vida desses sujeitos e contribui com a multiplicação de cidadãos com

formação escolar precária, fragilizando suas posições nos espaços sociais.

Mesmo nessa conjuntura, Marcos ressalta que é possível aprender um pouco, mas enfatiza que

a meta não é essa. Parece ter havido uma inversão do papel da escola, que passou de veículo

de acesso ao conhecimento sistematizado para veículo de distribuição de certificados. Desse

modo, no contexto escolar, a leitura funciona mais como passaporte para a conclusão da

escolarização básica do que como atividade de construção do conhecimento.

Se sabem que a leitura é uma via de acesso ao conhecimento, sabem também que a leitura que

realizam, a exemplo das revistas citadas pelas entrevistadas, não levam ao conhecimento

socialmente valorizado:

Leio sempre revistas de artistas, novelas... essas coisas menos importantes.

(...) Eu sou mal leitora, sou péssima. Um bom leitor é aquele que pega um

livro, que lê, que termina, que já quer outro. Aquele que tem fome de ler. (...)

Eu acho a pessoa muito inteligente, muito culta, a que ‘consome’ um livro

atrás do outro. Eu acho lindo, apesar de que eu não faço. (Nair)

67

Isso faz com que a leitura, nessa perspectiva, seja objeto de estudo e saber, alinhada com as

pessoas de classes mais favorecidas e distantes das práticas de leitura dos sujeitos da pesquisa.

Desse modo, desqualificam suas práticas leitoras em razão de uma concepção do ato de ler

fundamentado no trabalho intelectual.

Certos da importância da leitura e de sua relação com o conhecimento sistematizado, os

entrevistados falam das orientações que dão aos filhos:

Eu poderia dizer um ditado que a gente sempre diz e que tem um grande

erro: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Eu converso sempre

com ele [filho] que tem oito anos mas tem a cabeça muito boa. Eu digo o

seguinte: “hoje eu estou do jeito que eu estou porque eu não busquei o

conhecimento ou não tive oportunidade cedo”. Hoje, ele [filho] tem alguém

que pegue no pé, porque realmente, eu e mãe dele somos muito chatos em

relação às tarefas do dia-a-dia da escola dele. Então passamos para ele o

seguinte: “se você não estudar, se você não ler, se você não buscar o

conhecimento, ou você vai ficar aí como a gente está sempre vendo: as

pessoas marginalizadas, tendo que se drogar, tendo que roubar ou vai,

futuramente, trabalhar como servente de pedreiro no sol quente e você vai

ver que faz falta no futuro o estudo e o conhecimento. É mais ou menos isso

que eu aplico para ele. (Marcos)

Não sou muito de ler, não. Até gosto, mas não tenho tempo. Tive de parar de

estudar muito cedo para cuidar da casa. Agora tive de voltar porque a gente

precisa terminar os estudos. Mas eu falo para o meu filho que ele tem de ler,

que o homem só tem futuro se ele ler. É a leitura que abre as portas na vida.

(...) Sabe como é essa garotada de hoje. Ele não ler muito, não. Só quer saber

de brincar, não leva a vida a sério. Pensa que vai ter pai para a vida toda. Eu

falo para ele que para ter futuro tem que estudar, tem que ler. Eu não estudei

e agora trabalho duro. (Paulo)

Mas quando eu tiver tempo eu quero ler, quero ler muito porque a leitura é

tudo na vida de uma pessoa; ela só tem futuro se tiver leitura. Eu falo isso

para os meus filhos. Eles ainda estão pequenos mas eu já vou colocando na

cabeça deles para quando crescer não querer deixar de estudar. Comigo foi

assim, fui desinteressando pelos estudos e agora estou aqui, tendo que

estudar depois de velha porque eu já podia está fazendo uma faculdade, uma

coisa assim, mas agora eu estou tendo que terminar os estudos para ver se

fica mais fácil conseguir um trabalho. (Ana)

Nas falas destacadas acima, é imputada à leitura a capacidade de mudar a vida das pessoas, ou

melhor, de proporcionar uma vida material de mais conforto baseada na relação leitura e

conhecimento.

68

Regina Zilberman nos faz pensar nas “propriedades mágicas da leitura” quando traz para o

seu texto exemplos extraídos de obras literárias que condenavam a leitura realizada por suas

personagens: “ao ser-lhe atribuída a propensão a fazer mal, ela parece comprovar sua

eficiência”. (ZILBERMAN, 2001, p.38). Essas condenações refletiam o poder atribuído a

determinadas leituras de provocar a subjetividade das pessoas, o que muitas vezes contrariava

os interesses e valores vigentes na sociedade da época, e, ao mesmo tempo, atesta a

propriedade da leitura de incitar a imaginação e o conhecimento dos leitores, exibindo sua

face emancipatória.

As representações sobre leitura elaboradas pelos sujeitos da pesquisa parecem refletir essas

propriedades mágicas quando conferem à leitura o poder de transformar a vida dos leitores.

Entretanto, percebe-se que, contrariamente ao observado por Zilberman (2001), a

transformação não está relacionada ao processo de constituição dos valores e das concepções

de mundo, mas às condições materiais das vidas dos sujeitos entrevistados. Tais condições

geralmente estão vinculadas a uma colocação no mundo do trabalho. Ou seja, estão mais

voltadas ao aspecto pragmático do que ao intelectual, infligindo à leitura caráter de redenção

social quando responsável pelos saberes necessários a uma melhor qualidade de vida,

sobretudo no âmbito material.

No entanto, esses sujeitos não foram preparados para pensar a leitura em sua natureza

emancipatória, como exercício intelectual de alargamento das ideias, como espaço dialógico

em que o leitor se ocupa dos pensamentos alheios para alimentar os próprios pensamentos:

A leitura guarda espaço para o sujeito imaginar sua própria humanidade e

apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua

experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto

redimensiona seus entendimentos. (QUEIRÓS, 1999, p. 24).

Antes, os entrevistados citados colocam sobre a leitura e o conhecimento decorrente dela a

responsabilidade por sua inserção no mercado de trabalho, que ofereça condições mais

confortáveis de labor.

Essa perspectiva é confirmada ao se constatar que os melhores postos de trabalho são

reservados para as pessoas com maior nível de escolarização. Paulo, um dos entrevistados,

conhece bem essa realidade ao ser referir a “trabalho duro”. Entretanto, o término da

escolarização básica não garante condições de trabalho mais favoráveis, pois a conclusão do

ensino médio necessariamente não responde por uma formação escolar de qualidade. Num

69

mercado de trabalho que está cada vez mais exigente e especializado, a escola pode funcionar

mais como espaço de emissão de certificados do que de formação de leitores, conforme os

relatos dos entrevistados.

As falas de Marcos e Paulo colocam a leitura como condição para o conhecimento e este

como o redentor de muitos males sociais, o que reflete a visão fantasiosa que esses estudantes

têm da leitura: a de atribuir poderes a uma competência que eles julgam não ter. Além disso,

colocam a leitura como uma prática suficiente quando ela se faz necessária a um futuro de

possibilidades: “A leitura é tudo de bom. É a porta para um futuro brilhante”. (Franci).

É fato que a leitura apresenta muitas possibilidades, mas não são determinações, pois um país

desigual como o Brasil enseja as oportunidades para uma minoria que, além da apropriação da

técnica da leitura, detém as condições políticas e econômicas que permitem transformar

possibilidades em oportunidades.

As questões históricas, políticas e sociais que interferem na formação do leitor ficam

ignoradas quando se confere ao conhecimento a capacidade de promover melhorias na vida

das pessoas e se esquece de que tal conhecimento é fruto de uma relação de poder que se

estabelece na sociedade, ao largo da história.

Nesse momento, vale a pena retomar a história da leitura no Brasil, a partir dos estudos de

Marisa Lajolo e Regina Zilberman, que tratam da formação do público leitor e da

escolarização da leitura para explicar em que contexto e de que forma as classes menos

favorecidas tiveram acesso à escola e, consequentemente, à leitura, de modo a reconhecer a

sua importância na constituição do sujeito.

Ao longo da Antiguidade e Idade Média, a leitura ganhou feição negativa no sentido de incitar

a imaginação de maneira inadequada aos padrões culturais da época. Mas a sociedade

moderna logo tratou de reabilitar a leitura à sua condição positiva.

Se é certo que leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais a

escrita se consolidou enquanto código, como se sabe à propósito dos gregos,

só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a leitura,

enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte burguês, onde se verifica

no todo ou em parte uma economia capitalista. Esta se concretiza em

empresas industriais, comerciais e financeiras, na vitalidade do mercado

consumidor e na valorização da família, do trabalho e da educação.

(LAJOLO, ZILBERMAN, 1998, p.16)

70

É no contexto burguês que a leitura ganha espaço no cenário brasileiro, ligada a uma série de

fatores econômicos e sociais que contribuíram com a difusão da matéria escrita.

A leitura passa, então, a fazer parte das experiências das famílias de classe burguesa, alinhada

com as transformações econômicas e culturais da época, não apenas no sentido de prepará-las

para assumir os lugares de comando na sociedade que se desenhava, como nos momentos de

lazer, através da literatura, que passa a englobar um público até então novo: o de mulheres e

crianças.

A essas transformações veem-se alinhadas novas formas de representação do saber, tributária

das ideias iluministas, e do lazer, decorrente das novas concepções de sociabilidade e

individualidade, quando o livro passa a fazer parte do ambiente familiar. Por sua vez, tais

mudanças também passam a refletir na vida dos menos privilegiados, pois provocam

transformações nas relações econômicas e sociais.

A invenção da prensa mecânica e a fabricação industrial do papel possibilitaram a ampliação

do mercado livreiro e era preciso mercado consumidor para tais produtos, a fim de consolidar

os propósitos da sociedade capitalista. Ou seja, era preciso formar mercado consumidor para a

matéria escrita. Além do mais, as mensagens escritas se multiplicavam e constituíam mais

uma forma de interação com a sociedade moderna e favoreciam o seu desenvolvimento

econômico, científico e cultural. A nova configuração econômica requeria mão de obra

especializada para atender às novas demandas profissionais. Assim, a leitura ganha

importância numa época em que grande parte da população era analfabeta.

É nesse contexto que ocorre a expansão da escolarização se ocupando dos saberes elementares

ao período moderno, a começar pela alfabetização, através da universalização da escola: a

sociedade da época se deparava com uma grande oferta de textos e era preciso decodificá-los.

Assim, a necessária escolarização, até então negligenciada pela nobreza desde a chegada dos

jesuítas ao Brasil, agora era um imperativo para o desenvolvimento da sociedade burguesa,

conforme os estudos de Zilberman (2001).

Naquele momento, nascia a crença na escolarização como “salvadora da pátria”, no sentido de

preparar os cidadãos para fazer desenvolver a sociedade moderna. Junto a essa crença nasce

também outra, de igual teor, a de que a escolarização favoreceria o desenvolvimento pessoal,

71

baseado nos ideais iluministas de que a aquisição do saber é condição primeira para a

ascensão social.

Os ideais iluministas criaram impasses para a hegemonia da classe burguesa, que logo tentou

resolver tal impasse por outras vias, bem a gosto da economia capitalista: escolas para as

diferentes classes sociais. Esta configuração persiste nos dias atuais e engloba aquelas escolas

cujas leituras são para garantir o avanço nas séries seguintes, a despeito do que foi dito pelos

nossos entrevistados.

Com a difusão da alfabetização, a expansão dos meios de comunicação e a proliferação das

mensagens escritas, grupos sociais mais amplos foram trazidos para o processo de produção

do conhecimento e esses grupos passaram a se apropriar da leitura, ou antes, das ideias que

ensejam as capacidades atribuídas à prática da leitura: o desenvolvimento pessoal e

profissional.

Tais ideias nascem com a apropriação da leitura pelas classes dominantes e se propagam no

curso da história e das relações de poder para as outras classes sociais com o sentido de

legitimidade que as classes dominantes lhes conferem: “é pela leitura que as pessoas

conseguem se desenvolver na vida” (Edgar). Os sujeitos se apropriaram dessas ideias que

atravessaram os séculos e ainda hoje se fazem presentes nas representações sobre leitura dos

sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, reproduzindo o discurso liberal de que pelo estudo

as pessoas alcancem o sucesso social.

Entretanto, naquele tempo, para os burgueses, e ainda hoje, desenvolvimento pessoal, para

alguns, significa assumir os lugares de comando na sociedade; para outros, os “proletariados”,

significa conseguir uma colocação no mercado de trabalho, dentro das demandas do

crescimento econômico.

Para a maioria dos sujeitos dessa pesquisa, “se desenvolver na vida” significa conseguir uma

colocação que proporcione mais comodidade no exercício da função, ou seja, uma atividade

profissional que requeira menos esforço físico e, consequentemente, possibilite uma vida

material de mais conforto e tranquilidade: “sem a leitura a pessoa vai ser peão” (...) Trabalho

72

de mototáxi, então, [a função] não tem registro32

, corre muito risco33

, trabalha no sol e na

chuva. [Desejo] Um trabalho menos incerto” (Edgar).

Desse modo, a representação da leitura como algo muito importante para garantir um lugar no

mercado de trabalho minimamente confortável tem raízes históricas que ainda germinam na

sociedade brasileira.

Outra vinculação que se fez presente na fala dos entrevistados acerca da importância da

leitura é a da relação da leitura com a comunicação: “A leitura é um meio de você olhar para

as pessoas, se identificar, se comunicar melhor. (...) Por que sem a leitura você não é

ninguém, não sabe conversar, não sabe se expressar, não sabe dizer nada, não tem expressões”

(Franci). E mais: “(...) a leitura de um modo geral aperfeiçoa até a linguagem do ser humano”

(Lúcio).

Os excertos acima mostram a relação da leitura com a linguagem. Essa relação é um

desdobramento da leitura como trabalho intelectual, em que a leitura fornece uma ampliação

dos recursos linguísticos e beneficia a elaboração e a organização das ideias, favorecendo a

sociabilidade e até a autoestima, como sinaliza Lúcio. Esse aprimoramento linguístico

também corrobora com o entendimento da leitura como alavanca para o desenvolvimento

pessoal e profissional porque, do mesmo modo que acontece com a “aquisição” do

conhecimento, se traduz em forma de distinção social.

Mais uma vez busca-se estabelecer um diálogo entre este trabalho e a análise da pesquisa

“Retrato da leitura no Brasil” (2001) desenvolvida por Márcia Abreu (s/d), em que ressaltou

que 89% dos participantes da pesquisa disseram que os livros são um meio eficaz de

transmissão de ideias. Os nossos entrevistados também acreditam que ler é importante para a

obtenção do conhecimento. Entretanto, mais que reconhecer tal importância da leitura, pois

isso eles parecem já saber, é necessário que se criem condições sociais para que possa nascer

o desejo de ler como prática de formação pessoal, porque “nem todos os leitores são gente

branca e bem vestida em casas elegantes e confortáveis” (ABREU, s/d).

Para as classes trabalhadoras, a leitura ganhou um aspecto utilitário: serve para facilitar o

ingresso no mercado de trabalho ou aumentar o desempenho e a produtividade no emprego. O

32

Referindo-se à condição de emprego informal, sem o amparo legal das leis trabalhistas. 33

Reportando-se aos frequentes relatos de assalto aos mototáxis que operam na cidade.

73

reconhecimento de sua importância na relação com o conhecimento sistematizado não

provoca reações na apropriação da cultura erudita, que continua acontecendo de forma

pragmática.

Na verdade, o que se desdobra na prática é a importância dada ao término da escolarização

básica, quando retornam à escola para concluir esse ciclo da educação formal. À escolaridade

é atribuída um valor de positividade por favorecer o ingresso e a permanência no mundo do

trabalho.

No imaginário dos entrevistados, a leitura como atividade intelectual está presente apenas

quando relacionam leitura ao conhecimento. Seja por um processo histórico, político ou

cultural, essa face da leitura não faz parte de suas vidas. Tal constatação nos faz pensar na

relação entre a representação da leitura vinculada ao conhecimento e as práticas leitoras dos

entrevistados e logo se verifica uma lacuna entre elas. Talvez fosse possível pensar em

contradição, mas esse termo não faria jus à relação que se verifica entre ambas. Preferimos

falar em lacuna ou dicotomia porque “o discurso não tem como função constituir a

representação fiel de uma realidade mas assegurar a permanência de uma certa

representação”. (Vignaux, 1979, apud Orlandi, 1996, p.55). Ou seja, as suas representações

sobre leitura não têm a obrigação de retratar as suas experiências leitoras, mas, antes, a forma

como a leitura é compreendida em nossa sociedade.

Assim, entendemos a lacuna como um espaço vazio em que não se verifica a presença do que

foi dito. Ou seja, a prática não nega o que foi dito, entretanto, não se observa na prática o que

foi dito, pelo menos de modo incisivo: o fato de não se apropriarem criticamente do

conhecimento acumulado não sugere que a leitura não seja importante.

As falas dos entrevistados acerca da importância da leitura refletem mais as representações

que têm da leitura no espaço social do que as suas próprias práticas de leitura. Nem sempre as

representações reverberam de forma imediata nas práticas; antes, são reflexo do que é aceito e

compartilhado pelos membros de uma comunidade.

A prática está inserida em contextos sociais e culturais e responde pela identidade do grupo

social, enquanto as falas dos sujeitos da pesquisa traduzem as representações que configuram

a leitura no espaço social. As relações proferidas pelos entrevistados, colocando a leitura

como atividade para o conhecimento e desenvolvimento pessoal são as ideias que, de modo

74

geral, circulam no espaço social que propaga a leitura como o meio de desenvolver todas as

capacidades citadas pelos entrevistados, legitimadas pelas práticas dominantes e ratificadas

pela pedagogia liberal. Ou seja, as representações excedem os limites das classes sociais,

enquanto as práticas, em sua grande maioria, encontram naqueles os seus balizadores.

Moscovici ressalta o caráter normativo e prescritivo das representações, que tem a função de

facilitar a comunicação ao passo que fornece um código para nomear e classificar os aspectos

do mundo social:

Nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamentos anteriores que

lhes são impostos por suas representações, linguagem ou cultura. Nós

pensamos através de uma linguagem, nós organizamos nossos pensamentos

de acordo com um sistema que está condicionado tanto por nossas

representações como por nossa cultura. (MOSCOVICI, 2005, p. 35)

O código utilizado para nomear e classificar a leitura é o de atividade para o conhecimento e

desenvolvimento e tal código social e cultural é sustentado pela vida cotidiana – que confere

os melhores postos no mundo do trabalho aos que têm mais anos de escolarização – e

historicamente partilhado por uma coletividade desde a difusão dos ideais iluministas. Resta,

pois, saber se os menos privilegiados dessa coletividade conseguirão traduzir em prática esse

código cultural ou se o conhecerão apenas no plano das representações.

As interações comunicativas têm papel importante na construção e manutenção das

representações sociais porque incorporam e compartilham os valores socialmente atribuídos à

leitura, a exemplo do que ocorre com aqueles pais quando ressaltam a importância da leitura

para os seus filhos. Estão contribuindo com a manutenção de tais representações, mesmo

dissociadas de suas práticas leitoras.

Tais representações sobre a leitura retomam a ideia de “ilusão do sujeito” (ORLANDI, 1996)

quando os entrevistados parecem ser a fonte dos sentidos proferidos acerca da leitura,

enquanto, na verdade, reproduzem sentidos preexistentes, construídos por uma elite ao longo

dos últimos séculos, ou seja, a concepção de leitura não se origina neles: são retomados por

eles.

Essa ideia também traz a “ilusão da realidade”, segundo a autora, ou a onipotência do sentido:

leitura só pode significar isso, que incide nas ideias produzidas e disseminadas por uma elite

75

letrada. A ilusão do sujeito se inscreve na eficácia do assujeitamento, quando o sujeito toma

por seu os discursos alheios, considerando-os legítimos e verdadeiros.

Desse modo, a leitura como atividade para o conhecimento, desenvolvimento e emancipação

é um dos pilares do pensamento iluminista. Sua matriz constitutiva está na crença

disseminada pela sociedade moderna de que o conhecimento promove o progresso pessoal e

profissional. Portanto, essa ideia está enraizada na tradição ocidental, abraçada pela pedagogia

liberal e ratificada pelas práticas dominantes que detêm a capacidade de designar sua

legitimação, pois, no bojo das relações de poder simbólico e das interações comunicativas,

fomentam e difundem tais representações. Moscovici reconhece que as representações nascem

de um sistema de valores e crenças construídos historicamente:

Isso significa que as representações sociais são sempre complexas e

necessariamente inscritas dentro de um ‘referencial de um pensamento

preexistente’; sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença

ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas

são, sobretudo, o objeto de um permanente trabalho social, no e através do

discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode ser reincorporado

dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e,

consequentemente, aceitáveis. (MOSCOVICI, 2005, p. 216)

O “referencial de um pensamento preexistente” enunciado por Moscovici constitui o que

Orlandi, numa releitura de Michel Foucault34

, chama de formação discursiva: “A formação

discursiva se define como aquilo que numa dada formação ideológica dada (isto é, a partir de

uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada) determina o que pode e deve ser

dito.” (ORLANDI, 1996, p.58).

Como parte da formação discursiva de nossa sociedade, as representações sobre leitura

relacionadas ao conhecimento e desenvolvimento pessoal e profissional estão presentes nas

redes de relações dos sujeitos e ganham estabilidade e recorrência nas interações cotidianas,

constituindo um conjunto de ideias para explicar a importância da leitura no espaço social.

Tal conjunto de ideias é considerado legítimo e aceito por todos, inclusive por aqueles cujas

práticas de leitura não coincidem com as suas representações, constituindo aquela dicotomia

que Moscovici chama de “complexo de ambigüidade” entre o pensamento e a ação:

34

Conforme Foucault, “sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante

sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos,

transformações) entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos uma

formação discursiva” (1997, p. 43).

76

Em longo prazo, a conversação (os discursos) cria nós de estabilidade e

recorrência, uma base comum de significância entre seus praticantes. As

regras dessa arte mantêm todo um complexo de ambigüidades e convenções,

sem o qual a vida social não poderia existir. Elas capacitam as pessoas a

compartilharem um estoque implícito de imagens e de idéias que são

consideradas certas e mutuamente aceitas. (MOSCOVICI, 2005, p. 51)

O pensamento representa o quadro cognitivo e referencial que classifica a leitura e a ação

representa a intervenção do sujeito em seu ambiente social. Ou seja, a leitura, em sua

complexidade como espaço de sociabilidades, tem duas faces: a da representação e a da ação,

sem que, necessariamente, a representação seja o retrato fiel da ação, mas o seu domínio

compreensível, inteligível e aceitável.

Esse domínio se expande e se alarga com tanta rapidez entre os sujeitos, que chega a se

assemelhar a um clichê. Difícil será encontrar um sujeito que não classifique a leitura dentro

desse mesmo quadro referencial de sua importância, independente da classe social, sem se dar

conta dos divisores sociais que emolduram as práticas de leitura.

Consequentemente, o status dos fenômenos da representação social é o de

um status simbólico: estabelecendo um vínculo, construindo uma imagem,

evocando, dizendo e fazendo com que se fale, partilhando um significado

através de algumas proposições transmissíveis e, no melhor dos casos,

sintetizando em um clichê que se torna um emblema. No seu limite, é o caso

de fenômenos que afetam todas aquelas relações simbólicas que uma

sociedade cria e mantém e que se relacionam com tudo que produz efeitos

em matérias de economia ou poder. (MOSCOVICI, 2005, p.216)

Dessa forma, as representações sobre leitura têm um domínio simbólico mais que prático.

Operam na construção de quadro referencial cognitivo que explica o papel da leitura na

sociedade contemporânea, muitas vezes assemelhando-se a um “clichê”.

Dada a sua recorrência e familiaridade, essas representações podem se transformar em senso

comum, que é uma forma de explicar a leitura de modo espontâneo: “na verdade, as

representações sociais diariamente e “espontaneamente” se tornam senso comum (...)”

(MOSCOVICI, 2005, p. 200). Então, a importância da leitura virou senso comum e isso faz

com que as questões intervenientes na formação do leitor não sejam colocadas à luz por

pessoas menos atentas à problemática da constituição do hábito da leitura como processo

político, social e cultural.

As representações sobre leitura, tomando como aporte teórico as ideias de Moscovici (2005)

quanto ao surgimento das representações sociais, nascem de uma ideia-fonte que é tributária

77

de uma construção histórica: a da leitura como atividade para o conhecimento e

desenvolvimento social. Essa ideia-fonte tem origem nos esquemas culturais e sociais e se

instala na memória coletiva. Moscovici denomina esse processo de “ancoragem”, ou seja, é o

momento em que a ideia passa a ser familiar a aceita por todos.

A ancoragem culmina na objetivação da ideia, que é a criação de um campo semântico que

traz as chaves interpretativas para a exteriorização daquela ideia: leitura para o conhecimento

e o desenvolvimento social. É uma forma de compreender e explicar a leitura na vida

cotidiana. Esse processo tem na interação comunicativa papel primordial na constituição,

manutenção e transformação das representações.

Desse modo, as representações que refletem a importância da leitura no tocante ao

conhecimento acumulado e desenvolvimento social indicam um quadro referencial cognitivo

para explicar a leitura a partir de valores sociais e culturais que podem ou não deixar marcas

na apropriação da cultura escrita pelas classes sociais menos favorecidas.

Outro aspecto observado nas falas dos entrevistados é que as suas representações sobre leitura

geralmente estão relacionadas às representações do saber, pautadas na constituição do

conhecimento, nunca às representações do lazer, como acontece na leitura de textos literários,

que, muito embora motivadas pelo deleite, cumprem seu papel social quando fazem repensar

a realidade e ampliar o conhecimento de si mesmo e do mundo através das linhas da ficção.

A associação da leitura à literatura e, consequentemente, a enunciação de representações

sobre leitura a partir de textos literários não foi proferida por nenhum dos participantes da

pesquisa, mesmo entre aqueles poucos que disseram gostar de ler romances e já terem tido

alguma experiência com os livros literários.

Conforme Orlandi (2003), o não dito também pode ser interpretado: a representação da leitura

como atividade para a instrução, escolarização, conhecimento e desenvolvimento faz parte do

imaginário dos sujeitos da pesquisa no sentido de proporcionar meios para que consigam uma

“boa” colocação no mercado de trabalho. O ato de ler vinculado à literatura e ao prazer como

desdobramento daquela não faz parte do imaginário das pessoas que participaram desse

trabalho, ou seja, não passou pelos processos de ancoragem e objetivação, característicos das

representações sociais.

78

A ausência dessa representação sobre leitura de textos literários pode ser explicada pela falta

de familiaridade dos participantes da pesquisa com o que se convencionou chamar de vida

cultural e literária. Isso significa que, mesmo sendo “slogan” de muitas campanhas

publicitárias nas últimas décadas e dos projetos escolares de incentivo à leitura –

especialmente no primeiro ciclo da educação básica –, a leitura relacionada ao prazer não faz

parte das trocas comunicativas dessas pessoas, não faz parte dos seus imaginários e, portanto,

não se constitui numa representação da leitura.

Essa constatação também tem raízes históricas. Se as camadas mais modestas da população

foram apresentadas à leitura como forma de se desenvolver e fazer desenvolver a sociedade

capitalista, pela razão inversa não foram apresentados à literatura:

A introdução ao mundo das letras tinha de se mostrar mais rápida e eficiente

e, ao mesmo tempo, levar em conta que se destinava a usuários, boa parte

provenientes do campo e de origem humilde, que até então não sentiam falta

da escrita e da leitura de textos. (ZILBERMAN, 2001, p.70)

Dessa forma, no projeto de escolarização das camadas mais pobres da sociedade, voltado para

formar “usuários” da língua escrita, não havia espaço para a literatura, contrariamente ao que

acontecia nos lares burgueses, onde a literatura ajudou a difundir as práticas de leitura,

sobretudo através das mulheres.

Ademais, a democratização da leitura por meio da expansão da literatura contava com

algumas barreiras: primeiro, a escola, imbuída dos ideais iluministas, não tomava para si essa

função; além do mais, os professores não estavam preparados para trabalhar com tal

perspectiva, uma vez que não tiveram a devida formação; segundo, o conceito de literatura

suscitava controvérsia, aliás, como o é ainda hoje; terceiro, não havia – como também não há

em dias atuais – política cultural de incentivo à leitura; por último, mas não menos

importante, como fazer crescer o interesse pela literatura numa população analfabeta e de

tradição oral?

Todos esses fatores juntos contribuíam com o processo de exclusão da literatura, somando-se

a eles o crescimento da indústria televisiva e radiofônica que, de longe, ocupa o espaço do

lazer na vida dos cidadãos. Não com muita surpresa podemos constatar que, passado séculos

de história, esses fatores se mostram igualmente atuais, salvo as inovações de ordem

tecnológica.

79

Desse modo, a literatura se difundiu, principalmente, entre uma pequena parcela da sociedade,

ratificadas pelas práticas das escolas, das famílias e das bibliotecas. Por outro lado, a

industrialização da literatura dependia da difusão desse hábito de leitura. Esses são os

impasses e antagonismos criados pela sociedade capitalista, quando, ainda hoje, tal hábito

continua se difundindo apenas entre uma pequena parcela da população.

3.2 Ler é decodificar?

Retomando a frase de Ione, “a leitura é muito importante para tudo na vida”, tal importância a

que o entrevistado se refere foi relacionada a uma questão de ordem mais prática do que

intelectual, a colocação no mercado de trabalho e, consequentemente, a uma vida de mais

facilidades. Mas essa importância também pode estar relacionada a outra questão igualmente

prática, porém relacionada às atividades do dia a dia.

A face segundo a qual a leitura foi delegada às classes menos privilegiadas também se fez

presente nas representações sobre leitura dos sujeitos entrevistados. Ela foi lembrada (ou

confundida) com a decodificação, como forma de interagir com a profusão de mensagens

escritas da sociedade contemporânea. As falas abaixo atestam esse entendimento:

“Para tudo na vida hoje a gente precisa da leitura. (...) Sem a leitura você sai na rua e fica

perdido, não sabe se mexer” (Ione), provavelmente referindo-se à racionalização dos espaços

sociais que decorre da multiplicação das legendas que se espalham pelas cidades e de cuja

leitura depende a movimentação e comunicação no ambiente social. Tereza também

manifestou o mesmo entendimento da importância da leitura: “[A leitura] está espalhada pelas

ruas, nas faixas, nos supermercados, nas farmácias, nos bancos... em tudo. Temos que pagar

contas”.

Entretanto, nem a face mais pragmática da leitura exclui a sua condição de processo de

atribuição de sentidos, pois, mesmo as situações próprias do dia a dia da vida contemporânea,

como exemplificadas pelos entrevistados, não excluem a atribuição de sentidos: a leitura de

um rótulo de um produto no supermercado implica tomada de decisão a partir dos sentidos a

ele atribuídos, o que se configura no seio da matriz social que envolve o sujeito.

80

Outro entrevistado fez emergir o mesmo sentido atribuído à leitura, ao passo que aborda o

constrangimento de quem não dispõe da técnica da decodificação:

Já pensou você ir comprar uma coisa e não saber ler? Pode até ser enrolado.

Na eleição, tem gente que nem consegue votar porque não tem leitura. Já

pensou, você querer dar um voto para uma pessoa, não saber [ler] e acabar

dando para outra [pessoa] porque não tem a leitura. É muito triste. Eu

conheço muita gente que fica nervosa no dia de votar, nem dorme direito

com medo de dar vexame por que fica com vergonha também de dar o voto

errado. (Daniel)

O depoimento acima demonstra a importância da alfabetização e como ela ainda é confundida

ou tomada pela leitura. Esta depende da alfabetização, mas não se encerra nela, que, segundo

Soares (2003), responde pela aquisição da “tecnologia da escrita”, que abrange o conjunto de

técnicas e habilidades necessárias à prática da leitura e da escrita: domínio do sistema

alfabético e das habilidades motoras para manipulação dos instrumentos de escrita e suportes

de leitura, além das habilidades de organização especial do texto.

As ocasiões citadas pelos entrevistados, de uso efetivo da tecnologia da escrita, possíveis

graças ao domínio da técnica da alfabetização, fazem parte das situações de letramento da

vida desses sujeitos, ou seja, constituem as situações em que se apropriam da escrita com

vistas a determinados fins, no caso, realizar as tarefas cotidianas. No entanto, há outras formas

de letramento que precisam ser descobertas por esses sujeitos. A leitura não pode ser restrita

às atividades do dia a dia, pois, segundo Foucambert (1994, p. 05),

todos sabem a diferença entre ver e olhar, ouvir e escutar... ler não é apenas

passar os olhos por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito. Ler

significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas

respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa

escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas

informações ao que já se é.

Assim, além de permitir a interação com a sociedade contemporânea, mediada pelo uso da

tecnologia da escrita, através da leitura deve-se ter acesso também à cultura escrita – não tão

somente aos letreiros que se multiplicam pela sociedade grafocêntrica – de modo a interrogar

a si mesmo e ao mundo.

Quando indagado se o seu trabalho exigia algum tipo de leitura, Lúcio respondeu: “Mesmo na

produção, eu tenho que estar lendo, anotando a produção, lendo a cor do material com que eu

trabalho. Eu tenho sempre um talão em mão; tudo isso exige a leitura”. Ou seja, a leitura é

81

identificada em sua faceta de instrumento para o desempenho do ofício e não de preparação

para o exercício da função.

Ao falar da leitura, Franci contou a história da mãe analfabeta:

Ela [mãe] olha assim os documentos e fala: “estuda, minha filha, lê bastante

porque hoje, olha os meus documentos como são; está lá o dedo e [escrito]

analfabeto. (...) Eu sei como é triste você chegar num lugar e mostrar o

documento como analfabeta”. É triste mesmo! Ela me agradece por ter

incentivado [a mãe] a ler; eu era ainda novinha quando comecei a ler e

ajudar “ela”. Ela sempre incentivou todos nós [filhos], justamente por isso,

porque às vezes ela chegava a algum lugar e começava a conversar e as

pessoas ficavam olhando porque ela não sabia se expressar direito. Ela

falava palavras que eram comuns com gente mais velha, palavras que nem

existem mais e as pessoas ficavam observando, criticando (...). Porque você

tem que ter estudo para tudo. E ela me incentivou bastante, porque via a

situação que ela passava, não arrumava trabalho... a vida era de doméstica...

por que não tinha um nível de estudo. (...) A pessoa analfabeta,

simplesmente não sabe dialogar, não sabe conversar. Quando tem um

problema para resolver, vai na ignorância, começa a discutir, aquela

baixaria; e a pessoa que tem estudo ao invés de brigar, conversa.

O depoimento acima, além de mais uma vez evidenciar a confusão entre leitura e

alfabetização, revela também a aquisição dessa técnica de decodificação como direito social e

prerrogativa para o exercício da cidadania, ideias propagadas pelas campanhas de

alfabetização para a erradicação das taxas de analfabetismo no país, desde a década de 1940.

Só recentemente é que a leitura extrapolou os limites da decodificação, quando os estudiosos

do assunto passaram a chamar a atenção para os papeis dos diferentes mediadores da leitura e

para as histórias de vida do leitor.

Se a relação da leitura como o conhecimento deriva de uma construção histórica a partir da

difusão dos ideais iluministas, a vinculação da leitura com a alfabetização também resulta de

um processo histórico, quando o ato de ler era confundido com a capacidade de decifração

dos sinais escritos. Por sua vez, tal ideia ainda persiste no imaginário de nossos sujeitos.

Todas as falas dos entrevistados relacionam a leitura ao processo de decodificação dos sinais

gráficos para interagir com os muitos textos da sociedade contemporânea, quando do início da

democratização da escola, em que era preciso formar sujeitos capazes de decifrar o código

escrito, como se a leitura fosse tão somente um processo que requer a competência da

decodificação gráfica:

82

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que na sociedade brasileira em seu

todo, a leitura não é ainda “hábito” nem “ato”. Ao contrário, ela é vista como

comportamento diferenciador, a que somente seres privilegiados, bem

dotados intelectualmente, cultural e economicamente, podem ter acesso. As

exceções não fazem senão confirmar a regra. Em decorrência, o que se

reserva às minorias, quando muito, é o exercício de reconhecimento de

signos para atividades imediatas ligadas á sobrevivência ou pouco mais que

isso. (PERROTI, 1999, p. 31)

As camadas privilegiadas continuam servindo-se da leitura como atividade para o

conhecimento, desenvolvimento, emancipação ou opressão das camadas subalternas. Por sua

vez, a grande maioria das camadas menos privilegiadas continua utilizando a leitura para

interagir com os artefatos da sociedade contemporânea, embora reproduza o discurso das

classes privilegiadas quando fala da relação entre leitura, conhecimento e desenvolvimento

pessoal e profissional. Pois, é esse discurso que continua veiculado na mídia, legitimado

pelas instituições sociais, a exemplo dos sistemas de ensino e validado pelas práticas

dominantes.

Os entrevistados relacionam a leitura ao conhecimento, entretanto, a sua escolarização é

precária; falam para as gerações seguintes acerca da importância da leitura, mas não se fazem

exemplos. Percebe-se uma lacuna entre o discurso e a prática: pensa-se o leitor nos moldes de

representação dos discursos da classe burguesa, mas realiza-se a leitura na forma que foi

delegada às camadas populares: restrita à técnica da decodificação para interagir com as

mensagens escritas da sociedade contemporânea.

A assimilação da técnica da decodificação por si só não muda as relações sociais em torno do

conhecimento acumulado, mas sim, as formas de sua apropriação, em que estão impressas as

marcas de quem se apropria. O acesso à cultura escrita, através da universalização da

competência da alfabetização, por si só não promove a democratização do saber. Segundo

Pompougnac (in FRAISSE, 1997, p. 15), “a nova capacidade [decifração dos sinais

impressos] continua frágil enquanto não engendrar com novos comportamentos, com o

domínio de novas práticas além da mera decodificação”.

É preciso que esses sujeitos conheçam a leitura como atividade de formação, de modo a tomar

parte do seu universo cultural, social e político no sentido de saber quem são e o que

gostariam de ser. Isso é condição para a cidadania consciente, pois, do contrário, o mero

exercício da decodificação os conduz a uma cidadania assistida, tutelada, de conformação a

um lugar social que lhes fora previamente destinado pelas elites do país.

83

3.3 A leitura é um sacrifício

Não foram apenas as ideias relacionadas à importância da leitura que os entrevistados

revelaram em suas falas. Manifestaram também uma face hostil. As falas que retratam essa

hostilidade apontam outro aspecto de suas representações sobre leitura, agora apoiadas em

suas práticas culturais e não mais na formação discursiva da sociedade contemporânea.

Vamos buscar aqui as possíveis razões que explicam tal representação, situadas em seu

espaço e tempo.

A maioria deles se referiu à leitura como uma atividade enfadonha, geralmente concluindo

suas falas com a afirmação de que não liam. Essas pessoas rotulam de “chato” aquilo que

pouco conhecem, pois, quando dizem isso, referem-se geralmente à leitura de livros, em que

são parcas as suas experiências. Como não têm o hábito da leitura, ao menos na perspectiva

da formação pessoal e profissional, leem basicamente o que consideram necessário e nessa

categoria se incluem as leituras realizadas no contexto escolar, sobretudo os textos

“objetivos”: “eu não vou poder te ajudar porque eu não leio nada. (...) Para ser sincera, eu só

leio quando vem a prova. Eu não gosto de ler” (Ione); e “eu não tiro muitas xerox para ler.

Leio basicamente o necessário para garantir a prova” (Lúcio). Desprovidos de uma razão

maior que justifique tais leituras, as atividades avaliativas servem de motivação.

Outra questão a ser considerada nessa relação de hostilidade com a leitura é a infância dos

entrevistados. Nesse período de suas vidas, não encontraram um ambiente favorável aos livros

e à leitura no ambiente familiar. Segundo Hébrard (2001, p. 37), “para a sociologia das

práticas culturais, a leitura é uma arte de fazer com que se herda mais do que se aprenda.” O

autor deixa evidente a importância do papel da família no desenvolvimento do hábito da

leitura.

Conforme narrado por quase todos os entrevistados, suas realidades hoje refletem e de certa

forma reproduzem as realidades que viveram na infância:

(...) Eu vim de uma infância muito difícil. Minha mãe não teve grau de

instrução nenhum. Ficou mais complicado por que eu comecei no colégio a

partir dos 11 anos de idade. O pessoal [professores] teve que acelerar porque

84

nessa época a gente já vai perdendo. Você não tem o incentivo da leitura,

tudo isso colaborou para eu hoje eu não leia tanto. (Marcos)

Eu acho que hoje as crianças têm mais livros, tem mais interesse por ser um

livro mais colorido. Mas antes não era assim. Um livro que uma criança que

estudava em escola pública tinha era aquele do colégio; então, você não

queria mais ler em casa... Minha infância era na rua, brincando de correr, de

esconder, inventando um monte de coisas. Não tinha essa coisa de estudar,

não. Eu acho que a culpa é do passado por eu não ler muito bem hoje. (Nair)

O primeiro depoimento pontua a escolarização tardia como entrave à constituição de leitor,

cujos efeitos se prolongaram até a idade adulta. O segundo depoimento faz alusão ao restrito

acesso aos livros, bem como a sua apresentação gráfica, pouco atraente para as crianças. No

entanto, ambos os depoimentos remetem à falta de incentivo na infância em suas constituições

de leitores, porém, em seus relatos, parecem reconhecer a interveniência de fatores sociais

nesse processo de formação, a exemplo da infância difícil e do pouco acesso aos livros.

A leitura é uma atividade cultural, e como tal, precisa ser aprendida. Não basta apenas ensinar

a técnica da alfabetização e espalhar mensagens gráficas pelos espaços sociais. É preciso que

as pessoas despertem para o mundo da leitura em suas múltiplas dimensões e possibilidades e,

para que isso aconteça, há de se ter um contexto que, de alguma forma, fomente e oportunize

esse despertar.

A despeito de vir de uma realidade social distinta no espaço e no tempo, o relato de

Pompougnac (in FRAISSE, 1997) acerca da constituição leitora do autor contemporâneo

François Cavanna indica que não apenas as questões materiais influenciam positivamente na

formação do leitor, do contrário, todos os bem nascidos seriam leitores frequentes: de origem

humilde, filho de pai italiano e mão francesa, viveu num bairro de imigrantes italianos, na

França. Pai analfabeto, foi a mãe que, mulher de pouca escolaridade e afeita à literatura

popular, iniciou o filho nas atividades de leitura quando o fazia ler para ela enquanto lavava as

louças. Esse relato é para mostrar que, para além das condições materiais, é importante na

constituição do leitor um ambiente que, de alguma forma, instigue, provoque, atraia para as

páginas impressas.

O exemplo acima não coloca a responsabilidade pela formação do leitor apenas no ambiente

familiar nem exime o poder público – através das escolas e demais instituições encarregadas

85

da democratização do saber e da cultura – desse compromisso. Igualmente, não desconsidera

as condições materiais de acesso aos livros na constituição do hábito da leitura. Apenas

pontua a importância da convivência com os livros no ambiente familiar, convívio que,

segundo os depoimentos, foi negado à grande maioria dos participantes da pesquisa.

No universo de quinze entrevistados, apenas duas pessoas contaram ter alguém do convívio

que costuma ler livros com alguma frequência. Uma delas, Edgar, não especificou que tipo de

leituras essa pessoa fazia. Disse que lia muitas coisas: “sempre vejo lendo alguma coisa”. A

outra pessoa, Ione, falou: “meu pai é testemunha de Jeová e vive com a Bíblia embaixo do

braço”. Apesar de “viver com a Bíblia debaixo do braço”, o exemplo do pai não mudou os

sentimentos de Ione em relação à leitura, tida por ela como enfadonha, talvez porque as

experiências leitoras do pai passe antes por uma crença religiosa que não faz parte de suas

aspirações, a julgar pela forma com que se referiu ao comportamento do pai.

Os relatos acima apontam a ausência do livro e da leitura nas experiências cotidianas desses

estudantes da EJA. Mais uma vez cabe ressaltar que o convívio com leitores assíduos por si só

não contribui para a constituição de leitores, pois esse percurso vai por caminhos pessoais

(embora emoldurado pelo contexto social), sinuosos e muitas vezes escapam a algumas

teorizações.

Os entrevistados também não encontraram nas atividades de leitura o instrumento para a sua

formação profissional, pois são sujeitos que ingressaram no mercado de trabalho sem terem

concluído a escolarização básica. Seus trabalhos são, em grande maioria, atividades braçais,

que não exigem formação técnica ou acadêmica, tornando-se profissionais antes de

concluírem a escolarização básica. Isso significa que a escolarização não é imprescindível à

profissionalização, que pode acontecer no desenvolvimento do próprio ofício, em cursos

profissionalizantes ou com a observação do labor de alguém próximo.

Assim, a leitura não é uma atividade de formação profissional, ausentando-se da vida desses

sujeitos por meio dessa perspectiva. Realidade esta que é diferente nas classes em que a

escolarização é frequente e regular e precede a formação profissional. Isso não significa que

para as pessoas que realizam a leitura em nome da formação profissional ler não possa ser

considerado enfadonho ou complicado. Tal proposição não conduz a essa conclusão: apenas

aponta para a condição de que a leitura faz parte da vida escolar e profissional das camadas

privilegiadas, o que também lhes confere o direito de afirmar que ler é maçante, embora com

86

mais experiências de leitura no sentido da formação escolar e profissional que as pessoas das

classes modestas.

Para justificar que ler é tedioso, alguns entrevistados também relacionaram a leitura à

ausência de movimento, ou melhor, trata-se de uma atividade que mantém os corpos quietos:

“Sei que é importante [a leitura], mas acho uma chatice ficar parado com o livro na cara.”

(Ione). Segundo Chartier (1998, p.77), “Elas [maneiras de ler] colocam em jogo a relação

entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram

sua compreensão.” Como já dito, esses sujeitos estão acostumados ao movimento, às

atividades braçais e, muitas vezes, principalmente no caso das mulheres, à jornada dupla de

trabalho, que inclui as atividades profissionais e os afazeres domésticos.

A leitura também passa pela linguagem do corpo: o movimento. Estar diante de um livro que,

a priori, não traz significado algum para pessoas acostumadas ao movimento do corpo gera a

sensação de desconforto, de tempo desperdiçado, contribuindo com o entendimento da leitura

como algo fastidioso, quando esta perspectiva também está associada à ausência de um

significado especial para aquele estado de inércia.

A questão do movimento leva a outro aspecto também abordado pelos partícipes da pesquisa.

A falta de tempo, uma das razões para a pouca leitura. A sociedade moderna que

democratizou a alfabetização e contribuiu com a profusão dos sinais gráficos pelos espaços

sociais, também trouxe a televisão que rouba o espaço da leitura enquanto atividade de lazer e

(in)formação, porque moldou outras formas de esquemas perceptivos, baseados na cultura

oral e visual, que favorece a agregação social ao passo que a leitura, em dias atuais, é uma

atividade solitária, a exigir concentração e ambiente favorável a essa concentração.

Embora tivessem alegado falta de tempo para ler, quando perguntados sobre o que faziam

após cumprir com as atribuições diárias, os entrevistados afirmaram assistir a televisão. E,

ressaltemos, diante da televisão também ficamos parados. Assim, a falta de tempo não é o

principal motivo para a pouca leitura, mas, como afirma Poulain (2004, p. 33),

O tempo de leitura não é um tempo positivo, mas negativo,

contrariamente à organização estruturada da vida ativa [...]; a leitura

implica uma visão passiva, somente lhe é dedicado ‘o tempo morto’, os

restos do tempo ativo [...]; os leitores pouco frequentes não consideram o

ato de ler como uma atividade de acumulação de benefício simbólico ou

87

social, por esta razão não pode ser objeto de uma programação específica

do tempo35

. (tradução nossa).

Assim, a falta de tempo também não responde sozinha pela pouca leitura, mas a ausência de

condições sociais efetivas que levem esses sujeitos a inserirem em suas vidas espaço para a

leitura como um tempo produtivo, seja de formação ou de lazer. Para comparar situações em

tempos históricos distintos, vale citar Lyons (2002), quando chama atenção para o fato de que,

na Idade Média, as pessoas costumavam ler à luz de velas. Um público restrito, certamente,

mas que demonstrava empenho e investimento de vontade para a leitura, talvez porque aquela

fosse uma das poucas formas disponíveis de acesso à informação e entretenimento naqueles

tempos.

Quando se justifica ausência de tempo para a leitura, observa-se também falta de investimento

de vontade. Ou seja, o que está em jogo é a valorização de um capital simbólico ao qual essas

pessoas se mantêm indiferentes. Porém, seria incorreto e até injusto lançar inteiramente sobre

elas a responsabilidade pela escassez de leitura, uma vez que, “se a televisão conseguiu em

tempo relativamente breve o que a indústria do livro não conseguiu até hoje, foi talvez devido

à circunstância de ter chegado cedo a um país onde o livro chegou tarde” (PAES, 1990, p. 36).

A modernidade que trouxe a urgência da leitura na América Latina também trouxe outras

opções de lazer, a exemplo da televisão, que impera entre as práticas culturais dos sujeitos.

Nair reconhece que há falta de vontade na prática da leitura:

Eu prefiro uma música, televisão, alguma coisa que já ‘desce’ pronto (...).

Sou ruim de leitura, leio pouquíssimo. Não é nem tempo, não tenho força de

vontade. Porque tempo a gente arranja, quando gosta. O que me falta mesmo

é força de vontade para sair lendo. Enfio a cara na televisão e pronto.

Marcos vai além, falando de motivação:

Talvez seja isso [hábito da leitura] ou até mesmo uma motivação. Porque o

ser humano é assim: quando você acha algo ou alguém para te motivar, você

vai. E depois que você foi motivado e começou a praticar você não para. Eu

35

El tiempo de lectura no es um tiempo positivo, sino negativo, contrariamente a la organización estructurada de

la vida activa [...]; la lectura implica uma visión passiva, solo se le dedica “el tiempo muerto”, los restos del

tiempo activo[...]; los lectores poco frecuentes no consideran el acto de leer como uma actividade de

acumulación de beneficio simbólico o social, por esta razón no puede ser objeto de uma programación específica

del tiempo.

88

acho que dento da leitura é assim: o difícil é começar; eu acho que a leitura

tem algo a mais: você começa a ler e quer descobrir mais.

Falta de vontade e de motivação faz parte do universo cultural e social que envolve a prática

da leitura na vida desses sujeitos. Por sua vez, são as condições sociais que inibem o que esses

sujeitos chamam de falta de motivação e vontade. Certamente, estão relacionadas a pouca

relevância da leitura em suas vidas e também à parca contribuição que as instituições que

devem fomentar a prática da leitura – escola, família, biblioteca – têm dado a essa tarefa.

Conforme já dito, a leitura não faz parte de seus cotidianos, nem como atividade de formação

nem de lazer. Esse espaço é preenchido com a televisão, cuja programação acontece através

de imagens que se sucedem, criando a sensação de movimento nos telespectadores.

Como disse Nair, a televisão já “desce” pronto, referindo-se certamente à questão de que a

televisão exige do telespectador pouca atividade mental, estando mais próxima de seus

esquemas práticos, acostumados à cultura oral e ao recurso visual, contrariamente à leitura,

que exige do leitor maior esforço para compreensão e concentração.

Quando questionada sobre o que gostava de ver na televisão, Nair respondeu:

Muita coisa, novela principalmente. Adoro! Tem novela que é muito boa,

tem novela que é mais ou menos. Programa de auditório também. Às vezes.

Filme de vez em quando, só se for de amor ou engraçado. Gosto muito de

televisão, mas o meu forte mesmo é a novela.

Vê-se que entre as preferências de Nair – considerando a programação televisiva atual – não

estão os programas que possam contribuir favoravelmente com a formação do cidadão crítico.

Ou seja, as novelas preenchem o tempo livre dessas pessoas porque representam o

entretenimento e estabelecem com elas uma forma de comunicação:

(...) o gênero é uma estratégia de comunicação, ligada profundamente aos

vários universos culturais. Chegam a ser verdadeiros idiomas que, se não

pertencem à sua cultura, ficam de fora. O gênero não é só uma estratégia de

produção, de escritura, é tanto ou mais uma estratégia de leitura. (MARTÍN-

BARBERO, 1995, p.67)

Por outro lado, é o autor que chama a atenção para o fato de que essa realidade não configura

uma carência, mas outra forma de representar-se, quando diz que no consumo dos produtos

televisivos também há produção de sentido, pois o propósito do entretenimento não exime os

leitores ou mesmo os telespectadores de sua construção. Desse modo, deve-se entender o que

89

fazem os meios com as pessoas e o que elas fazem consigo, enquanto “divertem-se e

comovem-se sem se transformar ideologicamente” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 281).

Levando em conta que a maioria das novelas – gênero televisivo da preferência de Nair – é

exibida à noite, horário em que ela está na escola, perguntamos como faz para assistir, ao que

respondeu: “quando quer dá um jeito”, revelando que a programação televisiva faz parte de

seu cotidiano e figura como um momento de distração. Nesse sentido, há um investimento de

vontade, superando as dificuldades que se apresentam, contrariamente ao que acontece com a

leitura.

Por trás da falta de vontade, motivação e hábito a que se referiram os entrevistados, estão

questões de diversas ordens que obliteram as relações com a leitura e atuam na configuração

de representações da leitura como uma atividade enfadonha. Surpreendentemente, parecem

reconhecer tais questões: papel da escola, formação profissional, ambiente familiar, presença

da televisão, só para citar algumas razões apontadas pelos estudantes. Por outro lado, parecem

desconhecer que por trás desses aspectos está um projeto de sociedade cuidadosamente

articulado ao longo dos séculos para a manutenção do status quo.

A motivação e a força de vontade a que esses sujeitos se referiram consiste em descobrir a

leitura como passaporte para as viagens do pensamento, encontro e desencontro, superadas as

dificuldades sociais e culturais. Vencê-las, pois, é o desafio para perder-se nas linhas do texto

e encontrar-se nas palavras escritas.

Para esses estudantes, ler não representa uma atividade de formação, de inserção ou de

distração, embora destaquem a sua importância para “tudo na vida”, está ausente de seus

universos culturais, de seus projetos e da vida cotidiana, por motivos que, muitas vezes,

fogem do domínio de suas escolhas.

Além do mais, não estão habituados ao exercício da leitura, como se tivessem aprendido a

viver sem ela: “Como eu não tenho o hábito de ler, posso dizer que não faz falta” (Marcos).

Nesse momento, o entrevistado não se refere às muitas mensagens escritas que figuram nos

espaços sociais, pois a leitura daquelas – através dos relatos dos participantes da pesquisa –

sabemos que são relevantes na vida cotidiana contemporânea. Certamente refere-se à leitura

dos livros, sejam estes científicos ou literários, que trazem o registro da herança cultural da

humanidade. Como afirma Martín-Barbero (1995, p. 49), “o livro para eles [classes

90

populares] não tem o valor de prestígio, de status, que tem para nós. É outra relação com o

livro, com a leitura, é outra cultura”. Na verdade, acostumaram-se a viver sem o poder

conscientizador da leitura, ou melhor, não conhecem esse poder, então, será possível sentir

falta de algo que ainda não descobriram?

Se questões históricas contribuem com a formação das representações que aludem às

possibilidades conferidas à leitura, a exemplo do conhecimento e do desenvolvimento pessoal,

também são razões da mesma ordem que fomentam a construção de representações mais

hostis ao ato de ler. Marisa Lajolo vem pontuar as causas históricas para essa relação negativa

com o livro e com a cultura escrita:

A tradição cultural brasileira é uma tradição de exclusão da leitura. A leitura

é algo que no Brasil foi implantado para as classes dominantes. O sistema

escolar brasileiro sempre foi muito precário. E isto faz com que as pessoas

não tenham familiaridade com o livro. Não havendo essa familiaridade, não

vão gostar de ler. Não gostando de ler, não leem. Então, é mais ou menos

normal que seja assim. (LAJOLO, 2010, p. 04)

Entretanto, vale ressaltar que a pouca familiaridade com os livros não é algo específico das

classes mais populares. É um problema da sociedade brasileira, de suas políticas, princípios e

premissas, que ultrapassa os limites das classes sociais.

Paralelamente à tradição de exclusão da leitura, há um fortalecimento da cultura oral

decorrente do desenvolvimento da indústria midiática:

(...) como estamos pensando a reorganização que está acontecendo, quando

nossas maiorias, que quase não lêem, saem da cultural oral e entram na

modernidade por meio da gramática do rádio, do cinema e da televisão?

Enquanto nós estamos pensando na modernidade ligada à ilustração, ao

livro, como o grande meio ilustrado, nossas maiorias não apenas estão sendo

incorporadas à modernidade, estão apropriando-se da modernidade. Posso

explicar o que chamo de apropriar-se da modernidade, pelas maiorias

nacionais, sem passar pelo livro, porque a imensa maioria nunca aprende a

ler ou ler muito pouco. (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 50)

No entanto, é pertinente ressaltar que, quando o autor fala nas maiorias, não está apenas se

referindo aos sujeitos de níveis sociais mais baixos. As classes mais privilegiadas também

conhecem os efeitos dessa tradição cultural de pouca leitura e os efeitos da indústria de

entretenimento. A despeito de tratar de uma realidade social diferente do Brasil, a colocação

de Poulain ilustra que a baixa frequência da atividade de leitura não é apenas questão de

classe social:

91

A preocupação, antes concentrada no público pouco leitor ou não leitor,

se estende agora a um público que antes se encontrava ‘livre de suspeitas’

no que diz respeito a suas práticas de leitura: jovens, estudantes, alunos,

incluindo professores... A inquietude sobre o nível e os modos de leitura

se generaliza a todas as classes sociais...36

(POULAIN, 2004, p. 41,

tradução nossa).

Sem dúvida, a realidade econômica e as redes de sociabilidade fomentadas por aquela

alargam ou estreitam as possibilidades de acesso e utilização do livro, mas a questão vai

muito além desses divisores sociais: passa pela história individual que se mistura à realidade

social e convergem na ausência de políticas públicas de acesso aos diversos bens culturais e

de incentivo à leitura, fazendo com que esta seja considerada “chata”, quando se percebe que

tal declaração se arroga na pouca familiaridade com o ato de ler.

Ao mesmo tempo e modo que os sujeitos da pesquisa consideram a leitura uma atividade

muito importante, a grande maioria dos entrevistados (salvo duas exceções) afirmou não

gostar de ler; lê muito pouco ou não lê “nada”; que ler era “chato” ou complicado: “não é tão

simples não. A leitura é complicadíssima, ainda mais para quem não tem o hábito de ler”

(Marcos).

Diferente das representações que reverberam na sociedade, relacionadas à formação

discursiva acerca da importância da leitura, as concepções da leitura como atividade

enfadonha e complicada constituem as representações sobre leitura associadas às práticas

leitoras dos sujeitos entrevistados:

Jordelet esclarece que “qualificar esse saber [representação] como prático se

refere à experiência a partir da qual ele é produzido, aos quadros e condições

nos quais o é, e sobretudo ao fato de que a representação serve para se agir

sobre o mundo e sobre os outros” (apud SÁ, 1996, p. 33).

É a partir das relações estabelecidas com a matéria escrita, nos contextos comuns a esse

público da EJA, que é fomentada a representação de que a leitura é uma atividade maçante e é

também a partir dessa representação que se baseia a relação com a leitura em momentos

futuros, quando os estudantes não se mostram muito interessados nos livros e outros suportes

da cultura escrita que escapam às suas atividades cotidianas.

36

La preocupación, antes concentrada en el público poco lector o no lector, se extiende ahora a um público que

antes se encontraba “libre de sospechas” en lo que respecta a sus prácticas de lectura: jóvenes, estudiantes,

alumnos, incluso profesores... La inquietud sobre el nível y los modos de lectura se generaliza a todas las capas

sociales...

92

Nesse caso, considerando as práticas de leitura dos sujeitos entrevistados, as representações

produzidas ganham um enfoque hostil porque as relações estabelecidas com a leitura não são

positivadas por seus agentes, ou seja, segundo suas perspectivas, são atividades desenvolvidas

por obrigação, geralmente voltadas para a ocorrência das atividades avaliativas no âmbito da

escola. As leituras realizadas fora da escola não constituem obrigação mas não se inserem no

tempo produtivo das pessoas, porque ocorrem à margem das representações hegemônicas de

leitura e leitor, embora pareçam fazê-las com certo prazer.

Abric (apud SÁ, 1996) sistematiza quatro papeis essenciais às representações sociais: funções

de saber; funções identitárias37

; funções de orientação e funções justificatórias38

. Deteremo-

nos em duas que constituem relevância para o trabalho:

Funções de saber: elas permitem compreender e explicar a realidade. Saber

prático do senso comum, (...) elas permitem aos atores sociais adquirir

conhecimentos e integrá-los a um quadro compreensível e assimilável para

eles, em coerência com seu funcionamento cognitivo e os valores aos quais

aderem. Por outro lado, elas facilitam – e são mesmo condição necessária

para – a comunicação social. Elas definem o quadro de referência comum

que permite a troca social, a transmissão e a difusão desse saber ‘ingênuo’.

(...)

Funções de orientação: elas guiam os comportamentos e as práticas. A

representação intervém diretamente na definição da finalidade da situação,

determinando assim a priori o tipo de relações pertinentes para o sujeito (...).

A representação produz igualmente um sistema de antecipações e de

expectativas, constituindo portanto uma ação sobre a realidade: seleção e

filtragem de informações, interpretações visando tornar essa realidade

conforme à representação (...). Enfim, enquanto (...) refletindo a natureza das

regras e dos laços sociais, a representação é prescritiva de comportamentos

ou de práticas obrigatórias. Ela define o que é lícito, tolerável ou aceitável

em um dado contexto social. (apud SÁ, 1999, p. 44, grifos do autor).

Conforme descrito, as representações que apregoam a importância da leitura se inserem nas

funções de saber porque respondem por um quadro conceitual e simbólico para a leitura,

geralmente relacionado às trocas comunicativas. Entretanto, não podemos deixar de

considerar que essas representações também trazem um caráter prático quando se apóiam nas

relações exigidas pelo mercado de trabalho.

37

Funções identitárias: as representações sociais com essa função permitem a elaboração de uma identidade

social e pessoal amparada num sistema de valores historicamente construído bem como salvaguardar as suas

especificidades e exercer papel importante no controle social exercido pela coletividade sobre cada um de seus

membros, especialmente nos processos de socialização. 38

Funções justificatórias: as representações sociais com esse papel permitem justificar a posteriori as tomadas

de decisão, possibilitando aos sujeitos explicar e justificar suas condutas em uma determinada situação a partir

do sistema de valores convalidado na representação social.

93

As representações que anunciam o aspecto tedioso da leitura se enquadram nas funções de

orientação, pois são construídas nas situações de interação e compõem um sistema de

antecipações e expectativas, orientando a ação sobre a leitura, que, desse modo, acontece de

forma negativada.

Tal como as representações que configuram a leitura como uma atividade maçante, as

representações que relacionam a leitura à decodificação e a ocorrência de provas também se

enquadram nas funções de orientação, pois são construídas a partir das experiências dos

sujeitos da pesquisa com as situações de leitura.

Segundo Abric (1998), em seus estudos sobre as representações sociais, podemos

compreender que esse paradoxo entre as representações sobre leitura, ora enfatizando um

aspecto afirmativo – a importância – outrora um aspecto contraproducente – a hostilidade –

não constitui uma contradição, uma vez que as representações sociais têm dois componentes:

o núcleo central e o núcleo periférico:

É a existência desse duplo sistema que permite compreender uma das

características básicas das representações, que pode parecer contraditória:

elas são simultaneamente estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. Estáveis e

rígidas posto que determinadas por um núcleo central profundamente

ancorado no sistema de valores partilhado pelos membros do grupo; móveis

e fluidas, posto que alimentando-se das experiências individuais, elas

integram os dados do vivido e da situação específica, integram a evolução

das relações e das práticas sociais nas quais se inserem os indivíduos ou os

grupos. (ABRIC, 1998, p. 34)

Dessa forma, uma representação não descaracteriza a outra: afirmar que ler é “chato” não

implica considerar que a leitura não seja importante. Se a representação da leitura como algo

relevante se sustenta nos valores partilhados pelos membros da sociedade, constituindo o seu

núcleo central, a representação da leitura como atividade enfadonha se baseia nas relações

estabelecidas com a cultura escrita, e constitui o seu núcleo periférico, donde vale ressaltar,

mais uma vez, que são parcas tais experiências.

Desse modo, se as representações amparadas na formação discursiva da sociedade pouco

contribuem com a constituição do leitor da EJA, as representações fundadas na experiência

dificultam ainda mais essa constituição. Transcender da representação para a ação, em ambos

os casos, é o desafio que se impõe aos discentes da modalidade de educação de jovens e

adultos.

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo mundo diz “eu sei ler”; isso é, todo mundo é capaz de

entender, com mais ou menos facilidade, um texto curto,

um artigo de jornal, etc.. Mas daí a utilizar a leitura e a

escrita como meio privilegiado de informação ou diversão...

Jean Foucambert

Na tentativa de compreender a relação estabelecida com a leitura por esse grupo de estudantes

da EJA, analisamos como são realizadas as atividades de leitura no contexto escolar,

compreendendo aquelas não como especificidade da disciplina de Língua Portuguesa, mas do

conjunto de disciplinas que compõem o currículo escolar, como forma de acesso ao

conhecimento sistematizado e atividade de construção do saber.

Analisamos também as práticas leitoras realizadas fora do contexto escolar, que, semelhante

ao que acontece no espaço escolar, também se afastam de uma concepção intelectualizada de

leitura e trazem a tona outros suportes e gêneros nem sempre reconhecidos pela cultura

erudita, mas que fazem parte dos cotidianos desses sujeitos e do modo como interagem com

os textos.

Pelos depoimentos que relatam essas experiências, pudemos perceber e compreender as

representações sobre leitura desse público da EJA. Tais representações, ora se afastam de suas

práticas leitoras, quando revelam que a leitura é a via de acesso ao conhecimento; outrora,

referem-se à leitura como atividade enfadonha e “complicada”, pela pouca familiaridade que

têm com o ato de ler na perspectiva da formação intelectual ou da fruição. Entre uma e outra

representação está a que apresenta a leitura como atividade de decodificação, pois,

basicamente, foi isso que fora ensinado às classes menos favorecidas: decodificar!

A leitura é uma atividade que precisa ser aprendida e, como esses sujeitos não participam de

um contexto social e cultural que valorize a prática da leitura como exercício de formação e

de fruição, é comum que não tenham tanta familiaridade com tais experiências.

Nesse sentido, a epígrafe de Foucambert sintetiza essas últimas considerações, porque

descreve a relação estabelecida com a leitura pelos nossos sujeitos. Eles sabem ler. Não

apenas isso: sabem também que a leitura é a via de acesso ao conhecimento sistematizado e

que ela confere distinção social. Mas, na realidade, com base nas atividades de leitura

efetivamente desenvolvidas, a sua importância está mais relacionada ao seu aspecto

95

pragmático, porque é a partir dessa função que o ato de ler ganha sentido em suas vidas. Não

aprenderam a ler como forma de interrogar a vida, mas como forma de se ajustarem à

sociedade contemporânea.

Ainda que reconheçamos que diferentes motivações se fazem presentes nas práticas de leitura,

assim como as condições sociais que intervêm no processo de constituição do leitor, não

podemos negar que a escola, enquanto instituição encarregada do acesso ao conhecimento

sistematizado, exerce um papel de grande relevância na formação do hábito da leitura.

Por sua vez, a escola que serviu de espaço para essa pesquisa tem cumprido precariamente seu

papel na formação do leitor da EJA, porque pouco tem contribuído para que seus estudantes

conheçam a leitura como forma de compreender e intervir na realidade.

Sabemos que a constituição do leitor é um processo histórico, dinâmico e dialético em que se

trava uma disputa “simbólica” de poder. Desse modo, não gostaria de encerrar esse trabalho

condenando a prática pedagógica desenvolvida na EJA pelo colégio onde foi desenvolvida a

pesquisa, como comumente acontece em tantos trabalhos realizados no ambiente escolar,

principalmente porque a escola reflete as políticas educacionais da sociedade como um todo.

Antes, o objetivo é chamar a atenção para – especialmente nas camadas menos privilegiadas

da sociedade – a importância de uma agência mediadora da leitura que facilite o encontro do

leitor com o texto, não apenas para buscar as respostas para uma atividade avaliativa, mas,

sobretudo, como forma de compreender a vida.

Bem verdade que a escola não é a única instância social mediadora da leitura, mas é a que está

mais próxima da realidade dos sujeitos da EJA, daí, vê-se aumentada a sua importância e

responsabilidade na constituição desse leitor em especial.

Segundo Márcia Abreu, “governos, instituições culturais e escolas têm despendido esforços

para convencer as pessoas de que “é importante ler”, de que “ler é um prazer”, mas elas já

sabem disso” (ABREU, 2003, p.34). Assim, cremos que a reflexão acerca da leitura deve

ganhar outro enfoque: não é mais o de ensinar as pessoas que a ler é importante; mas sim,

fazer com que as pessoas usufruam da leitura enquanto atividade de formação e fruição. Essa

é uma reflexão que cabe à sociedade como um todo, mas especialmente às instituições

responsáveis pelas políticas educacionais e culturais do país.

96

No âmbito educacional, temos que pensar em práticas pedagógicas e condições de trabalho

que insiram a leitura como tempo produtivo na vida dessas pessoas; em que a leitura seja

atividade de formação do sujeito crítico e que o princípio da contextualização do

conhecimento e da aprendizagem significativa não estejam presentes apenas nos documentos,

mas que sejam o ponto de partida para os trabalhos escolares, assim como se espera que as

representações da leitura como via de acesso ao conhecimento orientem a interação com a

cultura escrita. Por sua vez, esse é um trabalho longo, árduo e requer investimento e

compreensão da importância da disseminação da leitura como atividade de formação.

Cremos que a porta já está entreaberta, afinal, aprender é uma capacidade humana e as

pessoas parecem já saber a importância da leitura. Ao mesmo tempo em que não usufruem

dela como atividade de emancipação, demonstram estar cientes de que ela encerra outras

possibilidades: “eu acho que a leitura tem algo a mais; você começa a ler e quer descobrir

mais” (Marcos). No entanto, é necessário que se crie condições favoráveis para tal

empreendimento, de modo a superar os muitos obstáculos que foram construídos ao longo da

história do país.

97

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101

APÊNDICES

APÊNDICE A – Questionário para os alunos da EJA 102

APÊNDICE B – Roteiro de entrevista 103

APÊNDICE C – Questionário para os professores da EJA 104

102

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS DA EJA

I DENTIFICAÇÃO PESSOAL E PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS

1. Nome:_______________________

1. Idade: _______________________

2. Sexo: a. ( ) feminino b. ( ) masculino

3. Estado civil: ___________________

4. Filhos: _______________________

5. Escolaridade anterior:

a) ( ) Ensino fundamental regular b) ( ) Ensino fundamental - EJA

6. Tipo de emprego: a) ( ) Formal b) ( ) Informal c) ( ) Autônomo

7. Profissão: ______________________

8. Carga horária semanal de trabalho: _____________________

103

APÊNDICE B – ROTEIRO PARA ENTREVISTA NARRATIVA

A) O que você costuma ler?

B) Gosta de ler?

C) O que prefere ler?

D) Em quais momentos costuma ler?

E) Quais as motivações para as leituras que realiza?

F) Tem alguma dificuldade com a leitura? (Qual? Por que?)

G) O que pensa da leitura?

H) Qual o papel da leitura no mundo em que vivemos?

I) E na sua vida, qual é esse papel?

J) O que costuma ler na escola?

K) O que gosta de ler na escola?

L) Costuma ler o que os professores solicitam?

M) Qual o material utilizado para as leituras da escola?

N) Como são realizadas as atividades que envolvem a leitura na escola?

O) O que gostaria de ler na escola?

P) De que modo a leitura feita na escola tem ajudado em sua vida?

Q) Quando está num lugar que oferece textos para serem lidos, o que costuma fazer?

R) O que significa aprender a ler?

S) O que é uma leitura agradável? E proveitosa?

104

APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO PARA OS PROFESSORES DA EJA

As informações coletadas neste instrumento de pesquisa serão utilizadas com finalidade

estritamente científica. Por gentileza, queira responder às questões abaixo.

Data da aplicação: _____/_____/______

BLOCO I – IDENTIFICAÇÃO PESSOAL E PROFISSIONAL

1. Idade do Professor:

2. Sexo: a. ( ) feminino b. ( ) masculino

3. Turno(s) de trabalho: a. ( )matutino b. ( ) vespertino c. ( ) noturno

6. Rede em que atuação:

a. ( ) Apenas na rede pública.

b. ( ) Nas redes pública e particular.

7. Carga horária de trabalho:

a. ( ) 20 horas semanais b. ( ) 40 horas semanais c. ( ) 60 horas semanais

8. Qual (quais) disciplina(s) leciona nesta escola?_______________________

9. Em qual (quais) série(s) você leciona nesta escola?

a. ( ) Ensino Fundamental I

b.( ) Ensino Fundamental II

c. ( ) Ensino Médio

d. ( ) Educação de Jovens e Adultos

e. ( ) Ensino Técnico e Profissional

f. ( ) Ensino Superior

10. Qual o tempo de atuação na função docente?

a. ( ) de 0 ano a 5 anos b. ( ) de 6 a 10 anos c. ( ) de 11 a 15 anos

d. ( ) 16 a 20 anos e. ( ) superior a 20 anos

11. Há quanto tempo trabalha nesta escola?

a. ( ) de 0 a 5 anos b. ( ) de 6 a 10 anos

c. ( ) de 11 a 15 anos d. ( ) mais de 15 anos

105

BLOCO II - FORMAÇÃO ACADÊMICA

a. Graduação: ___________________________________________________

Ano de conclusão: _______________________________________________

c. Pós-graduação:

( )Especialização ( )Mestrado ( ) Doutorado

Qual: __________________________________________________________

Ano de conclusão: _______________________________________________

BLOCO III - PRÁTICA PEDAGÓGICA

Qual o papel da leitura no espaço da EJA?

Como desenvolve as atividades de leitura em sua disciplina?

Costuma fazer uso da biblioteca? Em que circunstâncias?

Como seleciona os textos ou conteúdos trabalhados na disciplina?

Como você avalia a relação dos alunos com a leitura e com a escola?

Obrigado por colaborar.

106

ANEXOS

ANEXO A – Apontamento 107

ANEXO B – Respostas nos cadernos às questões do livro 108

ANEXO C – Desenho do planisfério a mão livre 109

ANEXO D – Estudo dirigido 110

ANEXO E – Texto produzido a partir de uma música 111

ANEXO F – Pesquisa de literatura 112

ANEXO G – Atividade sobre sinais de pontuação 113

107

ANEXO A – APONTAMENTO

Disciplina: História

108

ANEXO B – RESPOSTAS NOS CADERNOS ÀS QUESTÕES DO LIVRO.

Disciplina: Língua portuguesa

109

ANEXO C – DESENHO DO PLANISFÉRIO A MÃO LIVRE. Disciplina: Geografia

110

ANEXO D – ESTUDO DIRIGIDO.

Disciplina: Geografia.

111

ANEXO E – TEXTO PRODUZIDO A PARTIR DE UMA MÚSICA.

Disciplina: Sociologia.

112

ANEXO F – PESQUISA DE LITERATURA.

Disciplina: Língua Portuguesa.

113

ANEXO G – ATIVIDADE SOBRE SINAIS DE PONTUAÇÃO.

Disciplina: Língua Portuguesa.