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A LEITURA DE TEXTOS FICCIONAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: uma

abordagem a partir dos estudos de LETRAMENTO

Tereza Dziendzik da Silva1

Mirian Hisae Yaegashi Zappone

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Resumo

Este trabalho é parte integrante do processo de formação continuada desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, através do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). Relata a experiência obtida com a implementação do projeto de intervenção pedagógica na 5ª série da Escola Estadual Vale do Tigre – EF, do Município de Nova Londrina. A proposta apresentada tem por objetivo discutir questões relativas às práticas de leitura literária, a fim de amenizar as dificuldades enfrentadas pelos professores no cotidiano escolar. Fundamentada em autores como Kleiman (1995), Rojo (2009) e Zappone (2007), compreende a relação dialógica autor/texto/leitor e o desenvolvimento do grau de letramento literário, considerando os multiletramentos ou letramentos multiculturais e multissemióticos, ou seja, em sua aplicação é abordada a leitura de textos narrativos ficcionais tradicionais e multimodais no ensino fundamental na perspectiva do letramento. O resultado da implementação demonstrou ser possível, por meio da leitura de textos ficcionais elaborados pela língua – e também por outros sistemas semióticos -, valorizar os multiletramentos, isto é, as práticas de leitura e os objetos de leitura presentes na cultura dos indivíduos pertencentes à instituição escolar, priorizando uma relação dialógica e discursiva entre o aluno e o mundo que o cerca, e assim, aprimorar o senso crítico, tornar significativo o ato de ler e garantir o aumento do grau de letramento literário do aluno.

Palavras-chave: leitura; literatura; letramento literário.

Abstract

This work is part of the process of continuing education, developed by the Education Department of Parana, through the Educational Development Program (EDP). Reports the experience gained with the implementation of pedagogical intervention project in the 5th grade of the Vale do Tigre State School – EF, the City of Nova Londrina. The proposal aims to discuss issues relating to the practice of literary reading, in order to ease the difficulties faced by teachers in school life. Based on authors such as Kleiman (1995), Rojo (2009) and Zappone (2007), comprises the dialogic relationship author/text/reader and the development of the degree of literary

1 Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná e participante do Programa

de Desenvolvimento Educacional – PDE. Graduada em Letras (Português/Inglês) e pós-graduada em Língua e Literatura pela FAFIPA. 2 Professora de Teoria Literária e Literaturas de Língua Portuguesa do Departamento de Letras e do Programa

de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá.

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literacy, considering the multi literacies and literacies multicultural and multi semiotic, ie, its application is discussed in the reading of traditional fictional narrative texts and multimodal in elementary education from the perspective of literacy. The result of the implementation can be demonstrated through the reading of fictional texts produced by language – and also by other semiotic system – enhance the multi literacies, that is, the practices of reading and reading the objects present in the culture of persons belonging the school institution, prioritizing a discursive and dialogical relationship between the student and the world around him, and thus enhance the critical sense, significance, the act of reading and ensure higher degree of literary literacy student.

Keywords: reading; literature; literary literacy.

1 Introdução

O artigo discute, por meio de relato das ações desenvolvidas no PDE

(Programa de Desenvolvimento Educacional), questões relativas às práticas de

leitura, em especial às práticas de leitura literária, partindo de textos ficcionais

tradicionais e multimodais e visando proporcionar o aumento do grau de letramento

literário dos alunos.

Frente aos desafios enfrentados em nossas escolas ao se trabalhar com a

leitura e com a literatura, é importante abordar a leitura de textos ficcionais no ensino

fundamental sob a perspectiva do letramento. Sendo assim, este artigo contempla a

melhoria das práticas de leitura em nossas salas de aula, considerando os

multiletramentos ou letramentos multiculturais e multissemióticos, através de uma

proposta pedagógica envolvendo a leitura de um corpus da literatura infantojuvenil e

de outras formas discursivas ficcionais que circulam nas diversas esferas sociais. A

proposta é fundamentada em autores como Kleiman (1995), Rojo (2009) e Zappone

(2007), compreendendo a relação dialógica entre autor/texto/leitor como aspecto

fundamental no processo de construção de significados, bem como o

desenvolvimento do grau de letramento dos alunos como passo fundamental para

sua formação enquanto leitor.

Prioriza a formação de leitores que busquem, além das leituras cotidianas,

novas leituras, dialoguem com as já feitas e relacione-as com a vida, atuando

criticamente na realidade, aceitando ou não o que o autor coloca, pois o livro não é

algo pronto. Sem o leitor e sua leitura, o livro seria algo acabado, só teria interesse

para seu escritor. O que determina a permanência de uma obra para a literatura é

justamente o leitor.

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As DCE (2008, p.72) afirmam ser “importante ponderar a pluralidade de

leituras que alguns textos permitem, o que é diferente de afirmar que qualquer leitura

é aceitável. Deve-se considerar o contexto de produção sócio-histórico, a finalidade

do texto, o interlocutor, o gênero.” Para que o trabalho com o texto literário alcance

níveis satisfatórios, precisa-se abranger uma literatura que exija desse leitor um

posicionamento reflexivo diante do mundo que o cerca. Como diz Lajolo (1991) ler

não é como um jogo onde tentamos adivinhar o que o autor quis dizer, mas é uma

forma de interagir com textos, dando-lhes significados e a partir do reconhecimento

da intenção do autor, aceitá-la ou não, sendo assim, construtor de seu próprio

sentido. Silva (2002, p.96) afirma que “o ato de ler (...) sempre envolve apreensão,

apropriação e transformação de significados, a partir de um documento escrito”.

Portanto, os alunos precisam encontrar um sentido na leitura. Fazer do texto lido, o

seu texto, vivenciá-lo e, sem receio, transformá-lo. Esse é o principal objetivo desta

pesquisa: tornar a prática de leitura de textos literários infantojuvenis atraente e

habitual em sala de aula e fora dela, formando leitores mirins que possam refletir

sobre a sua realidade. Para que isso aconteça, é necessário que, ao se elaborar

uma atividade de leitura se pense nesse leitor como peça principal do processo.

Seus desejos e anseios, aliados ao conhecimento de mundo, ou seja, às

experiências vividas por ele, é o que o aproxima do texto. Sendo assim, propicia-se

aos leitores, em especial, aqui, aos mirins, uma literatura instigadora, que

proporcione a eles liberdade para atuarem criticamente, a partir do texto, na

sociedade da qual são parte integrante.

Segundo as DCE (2008, p.21) “entende-se a escola como um espaço do

confronto e diálogo entre conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do

cotidiano popular.” Dessa forma, valoriza-se, na pesquisa aqui apresentada, os

conhecimentos do cotidiano popular do aluno, suas experiências com a leitura e a

escrita, para que, a partir delas, possa se apropriar dos conhecimentos

sistematizados, não menos importantes, impostos e valorizados pela escola e pelas

ideologias dominantes.

É importante ressaltar a necessidade de se utilizar novas tecnologias a fim

de se alcançar os objetivos referentes ao ensino e aprendizagem da leitura e tornar

o trabalho com a leitura literária atraente aos olhos de seus leitores. Portanto,

desenvolveu-se uma metodologia de leitura envolvente, por intermédio do trabalho

realizado com a leitura de textos narrativos ficcionais tanto escritos quanto aqueles

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constituídos por formas multimodais (construídos a partir de diversos sistemas

semióticos), que abrangem temas do dia-a-dia, e que garantem, além da tríade

autor/texto/leitor, a autonomia nas escolhas diante da família, dos amigos e da

sociedade, possibilitando a esse aluno ler significativamente, e assim, atuar também

significativamente na sociedade em que vive, e, consequentemente, ampliar o seu

grau de letramento literário.

O material didático implementado em sala de aula foi elaborado em três

módulos, com textos para leitura e questões relacionadas, encerrando-se com um

sarau literário. O primeiro módulo abrange a literatura de cordel escrita e a novela

televisiva. Através da leitura dos textos e das imagens, os alunos tiveram a

possibilidade de conhecer melhor o gênero, pouco divulgado em nossas escolas, o

suporte veiculado, os costumes de regiões distantes da nossa, comparando-as e

aprimorando seus conhecimentos.

No segundo módulo, através da história de Hans Staden composta por meio

do texto escrito e fílmico, abriu-se espaço para discutir a cultura indígena e a nossa

história, bem como as ideologias presentes nos diversos segmentos e que afetam a

toda a sociedade. Textos de Daniel Munduruku enriqueceram o material,

possibilitando ao aluno um contato mais próximo com a cultura indígena.

No terceiro módulo, focou-se o clássico da literatura infantojuvenil

Chapeuzinho Vermelho (2007), de Charles Perrault, confrontando-o com contos

modernos escritos e fílmicos, dando oportunidade aos alunos de fazerem leituras

críticas, enfocando nos textos lidos temas atuais, reconhecendo ideologias e

enfatizando a importância de sua atuação consciente na sociedade.

O trabalho foi finalizado com o sarau literário, no qual os alunos, mesclando

o conhecimento às suas habilidades artísticas, apresentaram aos colegas da escola

encenações e declamações de trechos dos textos trabalhados durante a

intervenção, além da exposição de materiais elaborados durante este processo,

buscando refletir nas ações, as discussões realizadas durante a aplicação do

material.

Foi condição importante para a realização desse trabalho com a leitura

literária, o conhecimento por parte dos alunos sobre as convenções da escrita do

texto narrativo, seus elementos e função. Assim, tornou-se possível relacionar o

gênero trabalhado às diferentes formas discursivas ficcionais abordadas durante a

aplicação.

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Também foi fundamental destacar a biografia dos autores e informações

importantes sobre as obras, levando os alunos a conhecerem um pouco mais sobre

o momento social em que o texto ficcional foi feito, relacionando-o com o momento

presente.

A cada texto, realizou-se uma tomada dos elementos essenciais para se

obter uma real compreensão artística da obra, buscando expressões usadas em

situações diferentes das conhecidas, relacionando-as com as já conhecidas, ligando

seus sentidos dentro e fora da história. Seja com o texto escrito ou com outro

sistema semiótico, buscou-se outras possibilidades de significação, envolvendo

conhecimentos históricos, econômicos, sociais, culturais e ideológicos. Realizou-se,

também, uma análise da estrutura dos textos narrativos, contrapondo-os e

comparando-os com outras formas composicionais. Dessa forma, atentou-se para o

aprimoramento das habilidades de leitura dos alunos, o que permitiu levá-los a um

grau mais elevado de letramento literário.

2 Concepção teórico-metodológica

2.1 A leitura e a formação do leitor

Para que se possa pensar em um trabalho com uma leitura literária

envolvente e que motive nossos alunos, é necessário primeiramente uma reflexão

sobre a leitura e as implicações decorrentes da aquisição da leitura e da escrita

pelos indivíduos.

É fundamental entender leitura não como uma mera decodificação, pois

como diz Paulo Freire (1985, p.22) “a leitura do mundo precede sempre a leitura da

palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. Isto significa que

a leitura envolve o mundo do leitor. Ela só tem sentido quando os dois mundos, o do

texto e o do leitor interagem, seja para se completarem ou se negarem. Bakhtin

(1999 apud DCE, 2008, p.49) enfatiza ser através da interação social que a palavra

toma significado, pois sendo esta de natureza social, existe para esse fim. De

acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná:

compreende-se leitura como uma ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas

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experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem (DCE, 2008, p. 56).

Portanto, o trabalho com a leitura na escola deve nortear uma relação

dialógica entre autor/texto/leitor, em que o leitor, identificando-se com o texto, possa

se sentir um colaborador na formação e transformação da realidade social, política,

cultural, econômica e ideológica em que vive.

Santos e Souza (2004) falam em duas concepções de leitura, sendo uma

mais abrangente e que sua dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais,

intelectuais, fisiológicos, neurológicos, culturais, econômicos e políticos. A segunda

concepção, a priorizada pela escola, abrange mais a decodificação de signos

linguísticos, é mecanizada, ignorando o contato do indivíduo com a comunicação

humana. Esta não se preocupa com a leitura que causa prazer ao leitor, e sim com

uma leitura que apenas decodifica os símbolos e não leva os indivíduos à

compreensão da realidade.

A leitura precisa, portanto, ser repensada em nossas escolas. Em nosso

mundo envolto em tecnologias não cabe mais a cobrança, por parte da escola, de

uma leitura desvinculada da realidade do leitor e do mundo que o cerca. É preciso

entender a leitura, segundo Santos e Souza (2004, p.81) “como um dos caminhos de

inserção no mundo e de satisfação de necessidades amplas do ser humano

(estéticas, afetivas, culturais, além das intelectuais)”, valorizando a diversidade

cultural que compõem o ambiente escolar. O aluno tem maiores condições de

realizar leituras críticas quando a escola deixa de trabalhar com leituras utilitaristas,

com ênfase nos conteúdos propostos e busca trabalhar uma leitura significativa,

emancipadora, que o leve a questionar e não somente responder questões

previamente elaboradas. A partir da leitura de mundo dada pelo autor e

compartilhada com esse leitor, a escola exerce sua função, gerando conhecimento.

Fica claro, então, que através da leitura pode-se levar nosso aluno a

desenvolver habilidades que o tornem um leitor crítico. Contudo é primordial que a

escola se conscientize da importância que há em considerar em suas práticas

pedagógicas a diversidade de culturas e práticas sociais provenientes dos diversos

grupos sociais da sociedade. Precisa-se trabalhar a leitura voltada às necessidades

do mundo contemporâneo e oportunizando aos nossos leitores a apropriação do

letramento.

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2.2 Letramento literário

Inicialmente, faz-se necessário, portanto, uma reflexão sobre o termo

letramento.

Segundo Soares (2009, p.72) “letramento não é puramente um conjunto de

habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita

em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social”. Portanto, quando se fala

em letramento, refere-se a todo tipo de prática realizada pelo indivíduo, desde que

esteja ligada à leitura e à escrita. Como diz Kleiman (1995, p.15-16) “o conceito de

letramento passou a ser analisado a partir da necessidade de se separar os estudos

sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre alfabetização”. Há diferenças

consideráveis em relação ao uso desses termos. A alfabetização refere-se, de forma

mais restrita, à leitura e à escrita como codificação e decodificação que acontece

individualmente. Ela envolve habilidades motoras e o aprendizado do funcionamento

da língua em seus elementos gráficos e fonéticos. O letramento abrange práticas

sociais de uso da escrita que envolvem o indivíduo, não somente na escola, mas

também e principalmente fora dela, no dia-a-dia, nas relações de sentido que se

dão, nas diversas situações de uso da escrita. Não é necessário ser um indivíduo

alfabetizado, que saiba ler e escrever para ser um indivíduo letrado, e sim que faça

uso significativo de práticas sociais que envolvam o uso da leitura e da escrita. Da

mesma forma, não se pode garantir que um indivíduo alfabetizado, que tenha

adquirido a capacidade de ler e escrever seja um indivíduo letrado, pois este implica

em uso significativo da leitura e da escrita em práticas sociais presentes em um

determinado grupo social.

Segundo Street (1984, apud KLEIMAN, 1995, p. 21), há duas concepções de

letramento, sendo a dominante ou modelo autônomo de letramento, aquela que

contempla o uso da escrita na escola e na qual o escrito é trabalhado como

suficiente para se obter sentido. Deve ser considerada, nesse texto, a diferença

entre escrito e escrita. O termo escrito refere-se aos textos grafados, sendo seu uso

restrito à representação gráfica dos símbolos linguísticos, enquanto a escrita pode

prescindir do escrito, ou seja, da grafia, sendo, portanto, compreendida como

discurso ou enquanto textualidade (Rojo, 2001). Esse modelo contrapõe ao modelo

ideológico de letramento, que relaciona a ideia de letramento às práticas sociais e

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culturais assumidas por um determinado grupo social, ficando o seu significado

dependente do contexto em que esta escrita está inserida. Neste caso, pode-se

perceber que o modelo ideológico abrange grupos e esferas de letramento bem

diferenciados.

Levando em consideração essas duas concepções, percebe-se, em

resultado de estudo etnográfico de pequenas comunidades no Sul dos Estados

Unidos, realizado por Heath (1982, 1983 apud KLEIMAN, 1995, p. 39-44) que a

concepção autônoma de letramento idealizada pela escola parece estar muito

próxima de grupos de crianças socialmente majoritárias. Nesses grupos, a atenção,

por parte dos pais e familiares adultos escolarizados, dada à criança em práticas de

eventos de letramento, como por exemplo, durante a leitura de um livro, leva-a a

apropriar-se de conceitos e estendê-los a outros contextos, devido os estímulos

realizados durante esses eventos. Porém, em grupos de crianças que pertencem a

classes pobres ou médias de pouca escolarização, onde essas práticas de eventos

de letramento não são tão pertinentes, o resultado é uma ruptura de sentido

quando essas crianças entram em contato com aquela que deveria ser a garantia de

sucesso, a escola. Kleiman (1995, 45) diz que “os estudos realizados no contexto

brasileiro mostram uma situação semelhante quanto à reprodução do status quo

pela escola, situação esta, entretanto, muito agravada pela pobreza e pelo

analfabetismo generalizado...” Em síntese, a grande maioria de nossos alunos não

tem demonstrado apreensão e produção de significado em atividades que façam uso

da apropriação da leitura e da escrita.

Analisando os resultados de concursos, vestibulares e programas de

avaliação realizados pelo governo, sejam eles municipais, estaduais ou federais,

pode-se ressaltar a existência do chamado analfabetismo funcional, caracterizado

pelo fato de nossos alunos saírem alfabetizados da escola, codificando e

decodificando os textos, porém sem o mínimo de competências e habilidades

necessárias para fazer leituras e interpretações mais profundas e significativas.

Apresentam leituras superficiais, não conseguindo captar nada além daquilo que

está explícito no texto.

Uma pessoa é funcionalmente letrada quando pode participar de todas aquelas atividades nas quais o letramento é necessário para o efetivo funcionamento de seu grupo e comunidade e, também, para capacitá-la a

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continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo para seu desenvolvimento e o de sua comunidade. (UNESCO, 1978a, p.1)

Pode-se dizer, então, que o letramento funcional significa o indivíduo ser

autônomo e ter, por meio do letramento, liberdade e condição para desenvolver suas

habilidades sociais. Para que a escola consiga formar indivíduos apresentando esse

grau de letramento, é necessário que ela passe a refletir e considerar em seu

ambiente a concepção ideológica, além da concepção autônoma, em que é focado

mais precisamente um tipo de letramento, a alfabetização. Se o letramento envolve

práticas sociais ligadas à leitura e à escrita realizadas pelo indivíduo e se essas

práticas englobam diferentes usos em diferentes situações (fazer compras, participar

de um culto religioso, realizar uma negociação empresarial, ir ao teatro, conversar

pelo msn), a escola não pode ignorar essas práticas em seu cotidiano escolar.

Vê-se, então, que o modelo de letramento institucionalizado pela escola

contrapõe-se a outros modelos de letramento encontrados em outros espaços e

situações sociais. O indivíduo, antes mesmo do contato com a escola e a escrita, já

apresenta uma linguagem oral própria de sua cultura local, usada nas relações

comunicativas de seu cotidiano. Há, porém, um distanciamento entre a escrita e a

oralidade. A escrita, na visão da escola, culturalmente concebida como dominante, é

suficiente para a produção de sentido, não considerando a dinâmica que envolve

seu uso, seja na oralidade ou em outras formas discursivas presentes nas atividades

diárias realizadas pelo indivíduo. Durante o processo de comunicação verbal cria-se

sentidos, de acordo com a situação e a necessidade do momento. Essas outras

formas de uso da linguagem pelo indivíduo, seja a oralidade ou as formas

discursivas através das quais essa oralidade é divulgada, não são valorizadas pela

escola. Por isso é tão importante se considerar, além do letramento adquirido pelo

indivíduo na escola, os vários letramentos adquiridos por ele em outros eventos de

letramento experimentados nos grupos sociais dos quais participa. Isto significaria

valorizar os letramentos múltiplos ou multiletramentos, isto é, valorizar os

letramentos que fazem parte da cultura local, as multiculturas dos indivíduos

pertencentes à instituição escolar.

Segundo Rojo (2009), por causa da globalização em que a sociedade

contemporânea está inserida, vivencia-se uma mudança cultural muito grande nas

últimas décadas, o que tem exigido novos letramentos. As tecnologias da mídia

digital e analógica (computadores, celulares, TVs digitais, cinema, fotografia) têm

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levado a mudanças consideráveis sobre o letramento. A diversificação da circulação

da informação nesses meios de comunicação patrocinou formas diferenciadas de

produzir informação paralelamente às formas impressas. A diminuição das

distâncias espaciais fez com que, através da mídia, populações distantes pudessem

se aproximar, apropriando-se de hábitos e culturas comuns. Com a presença de

meios de comunicação e informação digitais, o espaço que era dedicado ao texto

escrito, cede lugar a outras formas mais rápidas e, muitas vezes, mais sintéticas,

diminuindo a distância e o tempo gasto para a divulgação dessas informações.

Nesse meio, destaca-se a multissemiose ou a multiplicidade de modos de significar

(uso de outras semioses além do texto escrito, tais como a imagem estática, a

imagem em movimento, o som, a música, a fala) de forma que o texto verbal escrito

já não é a única forma de constituir significados e nem mesmo suficiente. Torna-se,

necessário, portanto, aderir ao uso dessas tecnologias disponíveis, pois essas novas

textualidades estão a exigir novos leitores e escritores. Nesse cenário, a escola,

principal responsável em possibilitar aos alunos a participação em várias práticas

sociais, interagindo com diversas culturas e formas discursivas, precisa valorizar

essas mudanças e trazê-las, agregadas às suas práticas pedagógicas, para dentro

dos muros escolares. As manifestações culturais diversas apresentadas por nossos

alunos e demais agentes ligados à escola precisam ser valorizadas e não mais

marginalizadas como formas discursivas inferiores às priorizadas pela escola. Os

discursos que circulam nas diversas esferas e que resultam em diferentes gêneros

discursivos (como o rap, funk, mensagens do MSN, conversas em chats etc) devem

contribuir para o enriquecimento linguístico e cultural de nossos alunos no cotidiano

escolar.

Torna-se primordial pensar, também, que os textos que circulam em nossa

sociedade não são vazios, e sim repletos de significados, ou seja, são novas formas

de comunicação. Esses significados são contextualizados. Eles não são significados

soltos, fazem parte de uma cultura, uma história, um momento, de uma maneira de

pensar, de agir. Por isso, implicam em disputas ideológicas e de poder. Na cultura

de massa globalizada, os indivíduos são levados a considerar a cultura de modo

homogêneo, isto é, como se todos fôssemos iguais, pensássemos da mesma

maneira e precisássemos adquirir e consumir coisas de acordo com um grupo ou

cultura dominante. Cultura esta que determina o que é certo ou errado, o que é bom

ou ruim, o que é belo e que não o é. Não se tem questionado o que realmente

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achamos e o que faz sentido para nós em nosso momento e realidade. Diante disso,

Rojo afirma que

A cultura de massa da globalização é padronizada, monofônica, homogenia e pasteurizada, a ponto de alguns estudiosos da globalização falarem de Mundo Mc, de “mcdonaldização” da cultura, tendo como centro dominante o ocidente, branco, masculino, heterossexual, norte-americano... Por isso se torna tão importante hoje as maneiras de incrementar, na escola e fora dela, os letramentos críticos, capazes de lidar com os textos e discursos naturalizados, de maneira a perceber seus valores, suas intenções, suas estratégias, seus efeitos de sentido. Assim, o texto já não pode mais ser visto fora da abrangência dos discursos, das ideologias e das significações, como tanto a escola quanto as teorias se habituaram a fazer (Rojo, 2009, p. 112).

Nesse contexto, existe a preocupação em se formar cidadãos que

apresentem um letramento crítico diante da chamada globalização: indivíduos

capazes de reconhecer as intenções presentes nos vários discursos que circulam

em nossa sociedade e de confrontar as ideologias de grupos dominantes que usam

o poder de persuasão para impor padrões estéticos, políticos, culturais e outros. É

preciso, através da valorização das diversas culturas e de seus grupos, aprimorar

em nossos alunos habilidades que os levem a escolher o que, para eles, é mais

adequado, a perceber que por trás de discursos prontos e aparentemente bonitos

existe uma intenção e que cabe a eles, como indivíduos, decidirem o que realmente

faz a diferença para suas vidas. Não se quer indivíduos conformados e alienados à

cultura e ideologia dominantes, mas indivíduos que consigam fazer escolhas

conscientes diante das situações que surgem em suas práticas sociais diárias.

Cabe ao professor, nas aulas de literatura, apropriar-se da riqueza de textos

literários que circulam em nosso meio e dos suportes pelos quais eles circulam a fim

de favorecer o trabalho com a leitura literária em nossas escolas. A literatura sendo

a representação do real, mesmo que mergulhada no ficcional, possui estreitos

vínculos com a realidade, o que torna o trabalho com o texto literário prazeroso e

digno de aceitação. No caso da leitura literária, e alinhado aos modelos

apresentados por Street (1984), Zappone define:

[...] o letramento literário como o conjunto de práticas sociais que usam a escrita literária, compreendida como aquela cuja especificidade maior seria seu traço de ficcionalidade. Se o letramento literário pressupõe práticas que usam a escrita literária, pensada como um gênero de discurso que pressupõe a ficcionalidade como traço principal, é possível observar letramento literário em inúmeros outros espaços que não apenas a escola.

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Assim, constituem práticas de letramento literário a audiência de novelas, séries, filmes televisivos, o próprio cinema, em alguns casos a internet, a contação de histórias populares, de anedotas etc... o letramento literário implica usos da escrita para objetivos específicos em contextos específicos...” (ZAPPONE, 2007, p.7).

Isso implica em conceituar letramento literário como toda prática relacionada

à leitura e escrita de textos ficcionais, seja de obras canônicas ou não canônicas, de

toda e qualquer prática de leitura patrocinada por textos de natureza ficcional. Com

certeza, é na escola onde as práticas de leitura literária mais valorizadas são

encontradas. Por isso, pode-se afirmar haver um modelo de letramento literário

autônomo, modelo este que foca sentidos previamente estabelecidos (pela crítica e

pela historiografia literária) para os textos literários, sem a devida busca em

compreendê-los. Apresentam relação com as práticas de leitura literária realizadas

na escola e reconhecem a autonomia do texto escrito como fonte suficiente para a

produção de sentido, “considerando sua compreensão ou a construção de seus

sentidos como uma simples consequência da descodificação das palavras do texto”

(ZAPPONE, 2007, p.14). Ainda, retomando os modelos de Street (1984), há um

modelo de letramento literário ideológico, no qual se podem incluir as práticas de

leitura literária realizadas dentro e fora da escola, incluindo telenovelas, contação de

histórias populares, cinema, anedotas entre outras. Essas práticas consideram,

além do texto, concebido enquanto forma discursiva, as relações sociais, históricas,

culturais, políticas e econômicas do contexto vivido pelo leitor e as do contexto em

que está inserido o texto, permitindo assim, uma relação dialógica entre

autor/texto/leitor. O que se pretende, portanto, é uma aproximação das práticas de

leitura literária realizadas dentro e fora da escola, objetivando alcançar o aumento do

grau de letramento literário de nossos alunos.

É extremamente necessário que a escola, sendo a principal instituição

portadora e disseminadora do letramento literário dominante, valorize os múltiplos

letramentos, e consequentemente, as culturas diversas e seus integrantes, levando-

os a adquirir, também, a partir daí, letramento literário valorizado e instituído pela

escola. Dessa forma, também se espera que a escola possa desenvolver o

letramento literário crítico, de modo a levar o aluno a perceber as intenções que

existem por trás dos textos e discursos que circulam em nossa sociedade (Rojo,

2009).

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Evidencia-se, por meio dessas considerações teóricas, que é papel da

escola promover o contato dos alunos com formas ficcionais dominantes, ou seja,

canônicas, mas também com formas ficcionais contemporâneas, que envolvam mais

de um sistema semiótico e que possam pertencer a culturas minoritárias. Isto implica

em dar oportunidades às classes menos favorecidas, que não tiveram em outro

momento possibilidade de desenvolver habilidades muitas vezes acessíveis apenas

a grupos privilegiados.

2.3 A literatura infantojuvenil e seu contexto histórico

Buscando garantir o letramento literário dos alunos do ensino fundamental,

em especial os da 5ª série, a proposta de trabalho desenvolvida trabalhou com

textos pertencentes ao gênero narrativo infantojuvenil. Considera-se, por essa razão,

importante que se saiba um pouco da história desse gênero.

A literatura infantojuvenil em seu início teve, como muito ainda tem, um

objetivo pedagógico, isto é, objetivava ensinar e educar os leitores mirins de acordo

com as normas adultas, deixando, em primeiro plano, o interesse pela formação do

caráter, ficando a leitura como a mediadora entre a criança e os valores éticos e

sociais impostos por eles. Segundo Zilberman:

Neste sentido, sendo “adultocêntrica”, a teoria da literatura infantil evidencia a contradição que esta situação lhe transmite: visando manter os privilégios do adulto, a produção para crianças tem seu valor diminuído: porém, por esta mesma razão, tudo o que se espera dela é o que o adulto ali deposita, isto é, seus valores e hábitos sociais. (ZILBERMAN, 1985, p.37)

Diante disso, observa-se que a literatura infantojuvenil serviu, e ainda serve,

de alvo para nós adultos satisfazermos as nossas necessidades e interesses diante

da criança e do adolescente, desmerecendo sua vontade e opinião. Isso os tem

afastado cada vez mais dos livros, despertando-lhes o repúdio pela leitura.

As primeiras obras literárias para crianças de que se tem notícia surgiram na

França, no final do século XVII, contudo ao que tange ao mercado livreiro, seu inicio

deu-se apenas a partir do século XVIII, quando, com a ascensão da burguesia e o

desenvolvimento social resultante da industrialização, as duas instituições, família e

escola, passaram a ver a infância de forma diferenciada, pois até então, não havia

um olhar específico para a criança, ela era vista como um adulto, participante de

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atividades comuns a este. O livro tornou-se, então, uma mercadoria, com o objetivo

principal de comercialização (ZILBERMAN, 1985)

Portanto, nessa nova concepção de família e sociedade da qual resultou

também uma nova concepção da infância, a criança passou a ser valorizada e suas

particularidades e necessidades próprias a serem consideradas pelo adulto,

Contudo, as obras literárias destinadas às crianças traziam em seu conteúdo,

normas e valores a serem seguidos por ela e determinados pelas ideologias

dominantes. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1986, 1987)

O aparecimento de uma literatura infantojuvenil brasileira deu-se, mais

precisamente, no final do século XIX e apresentava uma temática comum às

presentes na literatura não-infantil, com uma linguagem nem sempre apropriada às

crianças. Até então as literaturas que circulavam eram apenas modelos europeus,

os tradicionais contos de fadas que, usufruindo da fantasia, ditavam, e ainda ditam,

normas a serem respeitadas caso a criança queira se tornam um “bom” adulto.

Vale destacar a importância do escritor Monteiro Lobato para a literatura

infantojuvenil brasileira. Ele é considerado o marco do gênero no Brasil. Monteiro

Lobato foi quem deu início a uma literatura infantojuvenil puramente brasileira,

utilizando personagens nacionais, apropriando-se da cultura local e de personagens

procedentes da narrativa oral. Em suas obras destinadas ao público infantojuvenil,

as crianças são apresentadas como heróis. Além de possuírem características

fantásticas, as personagens infantis demonstram preocupações sociais, políticas,

culturais e econômicas. Isto as tornam personagens questionadores, críticos e

atuantes como transformadores da realidade apresentada.

A obra literária infantojuvenil brasileira, vem, nos últimos tempos, sofrendo

uma grande transformação rumo a uma literatura emancipadora, iniciada por Lobato.

Ela objetiva levar o leitor mirim à reflexão sobre os valores culturais, as angústias e

desavenças naturais ao ser humano e as relações do indivíduo nessa sociedade.

Diferentemente das literaturas que apregoam ideologias dominantes, as quais

submetem nossos leitores, levados por culturas e ideologias alheias à realidade

vivida por eles, à estereótipos de comportamentos que devem ser seguidos,

intencionando a formação de leitores acríticos e conformados com a situação social,

política, cultural e econômica em sua volta. A fantasia tem sido usada como

instrumento que leva a criança a essa reflexão, não sendo ela relevante, passando a

literatura infantojuvenil de pedagógica e moralista a uma literatura instigadora,

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valorizadora da criança, não a vendo como um adulto em miniatura, e sim, como um

indivíduo autônomo, sabedor e conhecedor de suas vontades.

2.4 O gênero narrativo

Por ser o gênero narrativo infantojuvenil, o gênero principal dos textos

literários propostos na pesquisa aqui apresentada, cabe algumas considerações

sobre o texto narrativo. Todo gênero, literário ou não, apresenta uma forma

composicional, uma estrutura que o caracteriza como tal. Diante das especificidades

e da finalidade do texto, pode-se identificá-lo como pertencente a determinado

gênero. Ao se trabalhar com texto literário narrativo, é fundamental que o aluno

tenha conhecimento prévio sobre a sua estrutura e função, pois seus elementos e as

relações de sentido estão sempre interligados.

Os gregos implantaram e assim foi acatada a classificação das obras

literárias em três grandes classes, sendo elas: a poética ou lírica, gênero ao qual

pertence a poesia lírica, foca o narrador em 1ª pessoa; a épica ou narrativa é o

gênero narrativo ou de ficção que se estrutura sobre uma história, seu narrador se

expressa em sua própria voz e pode oportunizar a expressão das vozes de outros

personagens; e o drama, gênero teatral, engloba o texto de teatro, narrativa em que

só os personagens tem voz.

Em uma sequência narrativa, estrutura que abarca a literatura aqui focada,

são elementos essenciais: enredo, os fatos acontecidos e que são organizados em

apresentação; estabelecimento de um conflito, quando a harmonia do texto é

quebrada pela presença de um problema, a oposição entre duas forças ou dois

personagens; cíimax, o momento crucial para o desenrolar dos fatos; e desfecho,

quando a situação é resolvida ou não. Geralmente nas narrativas ocorre a solução

do problema e a volta a uma situação de equilíbrio; personagens, podendo ser reais

ou imaginários, são classificados em protagonista (personagem principal),

antagonista (personagem que atua contra o protagonista) e os adjuvantes ou

coadjuvantes, podendo apresentar relação de cooperação ou contradição ao

personagem protagonista; tempo, determina o período cronológico (o ocorrido na

história) ou psicológico (tempo não mencionado racionalmente); espaço, onde a

história acontece; e narrador, quem conta os fatos ocorridos, podendo ser o foco

narrativo de três formas: narrador personagem protagonista, narrador observador

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que atua como personagem secundário e narrador onisciente, que não atua na

história. O enredo pode ser linear ou alinear, sendo comum na literatura

infantojuvenil o enredo linear, onde os fatos vão sendo contados à medida que vão

acontecendo, sem fugir da sequência cronológica na qual os fatos aconteceram.

De acordo com a observação de Zappone (2010), a narrativa contempla dois

planos. O plano dos acontecimentos narrados, que se refere à história, onde

aconteceu, como aconteceu, com quem aconteceu. E o plano do discurso narrativo,

que abrange o campo da interpretação, já que o discurso fica sujeito ao olhar de

quem narra e que pode implicar em escolhas temporais, discursivas específicas.

Ainda segundo Zappone (2010) a distância entre o fato narrado e o fato

acontecido é outro fator importante a ser considerado no gênero narrativo. A

narração pode ser realizada no momento em que os fatos acontecem, logo após o

seu acontecimento ou somente após os acontecimentos finais da história. As

marcações espaciais e temporais são merecedoras de atenção por serem

carregadas de informações que permitem a identificação de características sociais e

culturais no texto. E finalmente, a caracterização das personagens, não servindo

apenas como qualificação e sim para compreensão das relações e reações das

personagens diante dos conflitos vividos no texto.

Deve-se oportunizar aos alunos, ao se trabalhar a literatura infantojuvenil,

conhecerem mais sobre a composição do gênero enfocado. Oportunizar, também,

através da identificação da temática presente na história, desenvolverem uma visão

crítica e que possibilite a eles, por meio da leitura das entrelinhas do texto e do

conhecimento de mundo já adquirido, apropriarem-se das funções atribuídas por

Candido (1972) à literatura: a psicológica, que permite ao homem fugir do mundo

real para o mundo fantástico, possibilitando-lhe momentos de reflexão, identificação

e catarse; a formadora, pela qual afirma ser a literatura um instrumento de

educação, instruindo o sujeito diante de realidades não reveladas pelas ideologias

dominantes; e a social, na qual retrata os diversos segmentos da sociedade. Desse

modo, objetiva-se, através do contato com a literatura que garanta essas três

funções, levar o aluno leitor do ensino fundamental a apropriar-se do letramento

literário.

3 Desenvolvimento

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3.1 Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola

A implementação do projeto de intervenção pedagógica foi realizada no

segundo semestre do ano de 2011. Os alunos contemplados foram os da 5ª série A

da Escola Estadual Vale do Tigre – Ensino Fundamental. A direção, equipe

pedagógica e demais profissionais da escola dispensaram atenção e

acompanhamento necessários para o bom desenvolvimento do projeto. Por parte da

direção houve colaboração e disponibilidade de recursos, além da busca de

soluções cabíveis, juntamente com o professor PDE, diante das dificuldades

enfrentadas quanto ao espaço e materiais utilizados durante a implementação.

Primeiramente, foi apresentado o Projeto de Intervenção Pedagógica na

Escola à direção, equipe pedagógica, professores e também funcionários da escola,

bem como os objetivos a serem alcançados pela proposta.

Aos pais foram encaminhados bilhetes, explicando que seus filhos estariam

envolvidos em um projeto realizado pela professora em função de um estudo

realizado no Programa de Desenvolvimento Educacional. Na sequência passou-se

ao desenvolvimento da proposta com os alunos da turma selecionada.

Antes de se iniciar o trabalho com os alunos, fez-se necessário justificar o

motivo e apresentar a eles os objetivos de tal trabalho, especificando cada etapa da

implementação.

O material didático foi dividido em três módulos, abarcando as leituras das

obras literárias e as atividades relacionadas a elas, possibilitando como

encerramento, a realização de um sarau literário.

Por ser o gênero narrativo infantojuvenil o objeto deste estudo, para iniciar a

implementação, foi feita uma explanação sobre os elementos que compõem o

gênero, sua estrutura, função, personagem, narrador. Ao ser apresentado o gênero

narrativo aos alunos, foi perceptível o conhecimento que eles já tinham, pois citaram,

inclusive, exemplos envolvendo outras semioses além do texto escrito e

conseguiram caracterizá-lo e identificá-lo entre os demais, diferenciando textos

narrativos ficcionais e não ficcionais.

Em um primeiro momento ou Primeiro Módulo, o projeto contemplou a leitura

de dois textos escritos pertencentes à literatura de cordel: José João e João José, os

dois heróis sertanejos (2008), de Francisco Sales Arêda, e O Romance do Pavão

Misterioso (2008), de José Camelo. Antes da apresentação dos textos, os alunos

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foram levados a refletirem sobre a literatura de cordel, sua origem em folhetos, e

também sobre a liberdade, tema central da primeira literatura trabalhada, o que os

instigou a conhecer a história que seria apresentada. À leitura do cordel José João e

João José, os dois heróis sertanejos (2008) de Francisco Sales Arêda, antecipou-se

questionamentos intencionando envolvê-los e também despertar a curiosidade sobre

o tema. Durante a leitura dramatizada, a entonação permitida pelo gênero causou

grande interesse e todos quiseram participar. Houve visível encantamento ao ser

iniciada a leitura pela professora, ficando eles com os olhos fixados em cada

movimento, atentos ao que ia acontecer. Em seguida, informações sobre o autor do

texto e sua história possibilitaram aos alunos uma aproximação do momento

presente com o momento da história lida. Aspectos do gênero cordel também foram

discutidos. Nas atividades realizadas, buscou-se identificar os elementos próprios do

gênero narrativo, bem como da composição em estrofes e versos. A apresentação

da segunda literatura O Romance do Pavão Misterioso (2008) de José Camelo,

seguiu os mesmos passos. Em cada texto, abordou-se questões escritas sobre as

histórias, relacionando-as entre si e também às situações presentes em nosso

cotidiano, o que permitiu aos alunos refletirem com criticidade suas realidades e

seus comportamentos em relação à família, à disputa, à certos tipos de escravidão

que o indivíduo está sujeito, à política, à diversidade de costumes, entre outros. O

gênero cordel atraiu a atenção e o interesse dos alunos. Eles gostaram e muitos

comentários surgiram, em especial sobre a região brasileira destacada, seus

costumes e sobre as xilogravuras, momento no qual muitos deles relataram seus

conhecimentos sobre elas e afirmaram até mesmo possuírem em suas casas ou de

seus avós ou tios imagens feitas através do processo da xilogravura. Pelo fato de

alguns alunos serem descendentes de nordestinos ou conhecerem alguém que veio

de lá, todos quiseram falar o que sabiam ou tinham ouvido, havendo bastante

interação entre eles. O assunto refletiu nos outros alunos, pois se mostraram

curiosos pelos comentários dos colegas e outras histórias envolvendo os povos do

nordeste do Brasil foram citadas, bem como seus costumes, contrapondo-os com os

nossos. A proposta da produção de um acróstico foi bem vinda e todos o produziram

empolgados.

Após a escrita dos cordéis, foram apresentadas aos alunos a abertura e

cenas da telenovela Cordel Encantado (2011), apresentada pela Rede Globo, o que

causou entusiasmo por parte deles por ser um texto tão próximo do seu dia-a-dia. A

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relação entre o cordel escrito e o televisivo levou os alunos a perceberem o quanto

os textos dialogam entre si e o quanto a nossa realidade está representada neles.

Focou-se por meio de atividades escritas, além de uma análise dos elementos da

narrativa, um olhar sobre os suportes nos quais os textos foram apresentados e os

alunos tiveram a oportunidade de conversar sobre as semelhanças e as diferenças

entre os gêneros, cordel e telenovela, inclusive a relação dos assuntos apresentados

em cada um como a disputa, a realidade política do nosso país, a busca de uma

vida melhor diante de situações de pobreza e até mesmo de escravidão. No geral,

eles afirmaram ser a televisão o suporte mais acessível e atraente para a maioria

das pessoas, mas consideraram a leitura dos cordéis algo muito prazeroso e que

certamente não é substituído pelo prazer de assistir à televisão, sendo que ambas

as literaturas devem fazer parte da nossa vida, e que, cada qual com suas

especificidades, garantem, além do prazer e do fantástico, desenvolver habilidades

de leitura crítica. Considerando o momento da implementação e o auge da

telenovela Cordel Encantado (2011), dedicaram atenção especial para o gênero

cordel, que foi algo novo para a turma em geral.

No segundo momento ou Segundo Módulo, o trabalho foi iniciado com

alguns questionamentos sobre as grandes navegações, as atitudes desses homens

que realizavam essas viagens, quem eram os povos que aqui viviam, até chegar a

pessoa de Hans Staden, personagem principal da história Aventuras de Hans

Staden (1997), de Monteiro Lobato. Diante dos questionamentos, percebeu-se

curiosidade por parte dos alunos quanto ao livro que seria lido por eles. Após a

leitura, que aconteceu individualmente e com um prazo, pois o livro é um pouco

extenso, houve um momento no qual informações sobre o autor foram o foco da

conversa para então passarem para a realização das atividades escritas propostas

no material didático elaborado, as quais foram também expostas oralmente e

discutidas por todos. As questões aqui abrangeram desde o foco narrativo

apresentado na história, as intenções de Hans Staden, momentos da história do

Brasil, a miscigenação, o canibalismo e os principais costumes dos índios tupinambá

até questões contemplando assuntos implícitos como a ingenuidade dos índios e a

esperteza dos povos que aqui vieram para tirar vantagens sobre eles. Os alunos

demonstraram interesse pela causa dos índios e principalmente se posicionaram

criticamente diante da situação vivida por eles desde aqueles tempos até nossos

dias. O comportamento dos netos de Dona Benta chamou a atenção, levando-os a

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pensar em outras obras de Monteiro Lobato nas quais os mesmos personagens

também são críticos e querem respostas convincentes diante dos problemas

encontrados. No momento em que foi proposta a leitura do livro, alguns alunos

demonstraram resistência, o que pareceu ser pouco interessante para eles, mas, ao

ouvirem os comentários dos colegas que haviam lido e todo o entusiasmo deles em

relação ao texto, pediram uma nova oportunidade para fazerem a leitura, deixando

visível que o texto e o tema abordado impactaram a turma e superaram as

perspectivas.

Na sequência do trabalho os alunos tiveram a oportunidade de assistir

algumas cenas do Filme Hans Staden (1999), sob a direção de Luiz Alberto Pereira.

Após as cenas, abriu-se espaço para uma conversa sobre o gênero filme. As

questões escritas envolveram, além da análise dos elementos da narrativa, as

diferenças e as semelhanças entre esse gênero e os demais já apresentados na

implementação, as imagens como parte integrante e essencial ao gênero filme e

principalmente a cultura do povo tupinambá. Para os alunos, o texto fílmico foi mais

interessante no que se refere às imagens, pois causaram sensações imediatas e

mais fortes que a história escrita, a qual só nos permite imaginar. Deram destaque

às cenas da abertura, na qual uma música em tupi é cantada, e ao momento da

festa em que se faz a preparação para matar o inimigo como importantes para o

reconhecimento da cultura deles. No entanto, não deixaram de ressaltar a liberdade

de imaginação proporcionada pelo texto escrito. A forma como eles matavam os

inimigos e como comiam suas carnes deixou-os bastante chocados e até

indignados, surgindo muitos comentários sobre as atitudes dos índios, inclusive

envolvendo questões de cunho religioso. Interessaram-se pela língua tupi e puderam

imaginar como seria se os portugueses não tivessem impedido sua implantação

como língua oficial brasileira, obrigando-nos a falar o português. Em todos os

momentos os alunos se posicionaram, justificando seus pontos de vista.

Do livro A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de

homens (1999), escrito por Hans Staden, foi proposta a leitura do Capítulo intitulado

Cinquenta e Um. O momento narrado é o relato, portanto real, do final dos tortuosos

dias vividos por Hans no meio dos tupinambás, quando a nau francesa Catherine de

Vatteville aportou em Niterói. A partir desse trecho, propôs-se aos alunos questões

que os levaram a discutir sobre o foco narrativo e a veracidade da história, as

diferenças e semelhanças entre esse gênero e o gênero filme, a verdadeira intenção

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dos homens envolvidos na história e principalmente sobre os índios que, apesar de

canibais, foram ingênuos perante a astúcia dos europeus. Novamente as atitudes do

ser humano foram pesadas e comparadas nas colocações apresentadas pelos

alunos, os quais demonstraram bastante capacidade crítica diante do assunto

focado. Ainda por ser o livro um relato real do que viveu o viajante Hans Staden, os

alunos quiseram que outros trechos fossem lidos, principalmente quanto aos

costumes do povo tupinambá quanto à preparação do cauim, aos ritos de

passagem, ao casamento entre eles, à vida das crianças na tribo, suas brincadeiras,

entre outros. Foi necessário combinar com a turma que algumas leituras seriam

feitas e então seguiriam as já programadas para a implementação.

Para introduzir a próxima leitura, a narrativa O segredo da chuva (2006), de

Daniel Munduruku, anteciparam-se questionamentos orais, por meio dos quais eles

puderam refletir sobre mito e a presença deles em nossa cultura. Nesse momento,

os alunos mencionaram novamente as obras de Monteiro Lobato com seus

personagens folclóricos. Foi apresentado o livro e combinado o prazo de uma

semana para a leitura. Após esse tempo, houve uma conversa sobre o autor da

obra, sua vida e atuação. Os alunos ficaram surpresos por ser ele um índio

pertencente à tribo Munduruku, deixando visível o olhar que é dispensado ao índio

em nossa cultura. Nesse texto, os alunos tiveram a possibilidade de envolver-se em

um enredo fantástico e com personagens também fantásticos, identificando também

os elementos da narrativa. Novamente a cultura indígena entrou em cena,

contrastando a nossa. As atividades escritas foram realizadas individualmente por

meio de comentários orais, nos quais os alunos se posicionaram sobre assuntos

importantes como crendices, o conhecimento dos mais velhos e o respeito que se

deve prestar a eles, a busca pelos objetivos e a persistência em alcançá-los, a visão

de que os problemas da humanidade também são nossos e que cada um fazendo a

sua parte está colaborando para resolvê-los.

Na sequência, apresentaram-se algumas palavras indígenas e seus

significados, intencionando instigá-los à leitura e ao tema do texto seguinte e

também a observarem como nossa cultura está impregnada da cultura de outros

povos que fizeram e fazem parte da nossa história. Foi feita, então, a leitura da

crônica Jabaquara (2004), também de Daniel Munduruku. O gênero crônica e suas

particularidades foram expostas de forma que eles pudessem percebê-las no texto

lido. As atividades escritas foram feitas individualmente e em seguida abriu-se

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espaço para discussões acerca do tema, o que levou os alunos a refletirem bastante

sobre a situação do negro desde o início da história do Brasil até hoje. A leitura do

texto permitiu abranger temas como a ganância do homem e o desrespeito aos

direitos do ser humano, o preconceito racial e outros preconceitos encontrados em

nossa sociedade hoje em dia, mesmo diante de tantas leis que buscam garantir tais

direitos. Os alunos mostraram-se indignados pensando nas atitudes do homem

branco em relação ao seu semelhante negro e na angústia sentida por eles estando

tão distantes de sua terra e de seus costumes, vivendo como escravos sem

condições mínimas de dignidade. Entre as atividades propostas, tiveram a

oportunidade de pesquisar quem eram os quilombos e os quilombolas, trazendo

para a aula os momentos vividos por esse povo em busca da tão sonhada liberdade,

a qual sem explicação lhe foi tirada. Outro momento importante desse texto foi a

possibilidade dada aos alunos de refletirem sobre as diversas formas de escravidão

vividas pelo homem na contemporaneidade e que afetam tanto negros quanto

brancos e também outras etnias. As colocações dos alunos diante dos temas foram

muito pertinentes, deixando claro que mesmo as crianças entendem o quanto injusto

tem sido o homem em suas conquistas.

O livro Coisas de Índio (2006), outra obra de Daniel Munduruku, foi proposto

aos alunos como oportunidade para que eles pudessem conhecer mais sobre os

povos indígenas que vivem em nosso país e dos quais muitos não têm

conhecimento. Tiveram um prazo para a leitura e então propiciou-se um debate

seguindo os questionamentos propostos no material didático. Mais uma vez,

curiosidades sobre esses povos tomaram conta da turma. Todos se familiarizaram

com os costumes e a cultura indígena por meio da leitura do livro e mencionaram

que muitos conhecimentos do livro já sabiam pelas leituras anteriores, porém desta

vez de forma mais clara e objetiva, o que os levou a perceber que a literatura de

Daniel Munduruku é direcionada ao público infantojuvenil, igual à de Monteiro Lobato

e diferente do livro escrito por Hans Staden. Alguns demonstraram saber da

existência das tribos paranaenses, outros ficaram surpresos, havendo bastante

interesse quando se propôs a pesquisa, que foi realizada por alguns alunos que se

prontificaram a fazê-la e a passar as informações para a turma. Posicionaram-se

favoráveis aos índios possuírem tantos direitos quanto nós, porque na verdade eles

são os verdadeiros herdeiros dessa terra chamada Brasil. Na questão referente ao

comportamento adequado diante de culturas diferentes da nossa, os alunos

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disseram ser importante respeitá-las, sem precisar agir conforme a cultura do outro,

pois cada povo deve manter seus costumes para manter a sua identidade. Esta

etapa foi finalizada com a confecção de cartazes pelos alunos, nos quais relataram

os conhecimentos adquiridos durante as leituras relacionadas ao povo indígena e

africano.

Para encerrar o Segundo Módulo, os alunos observaram uma fotografia

intitulada Índio (2010), de Roberto Bertholdo, na qual um índio pintado de acordo

com seus costumes, segura uma filmadora. Imediatamente notou-se o contraste

cultural e não foi difícil que os alunos manifestassem comentários focando o domínio

do homem branco sobre o índio e a repreensão cultural movida contra esse povo

desde o início da nossa história. Outros preconceitos foram citados e comentados

como marcas do domínio de quem pode mais sobre os menos privilegiados ou mais

fracos, seja politicamente, economicamente, religiosamente, enfim, em todos os

âmbitos da nossa vida.

No Terceiro Módulo abriu-se um espaço maior para a fantasia e o

encantamento. Questões sobre a ingenuidade de algumas pessoas e a esperteza de

outras para tirar vantagens anteciparam a leitura do primeiro texto. Foi apresentado

o texto Chapeuzinho Vermelho (2007), de Charles Perrault e os alunos fizeram a

leitura, porém não demonstraram tanto entusiasmo, talvez por ser um texto bastante

conhecido por eles. Em seguida fez-se comentários sobre o autor e sobre o gênero

conto, possibilitando aos alunos conhecerem as características dos contos

tradicionais e modernos e perceberem suas diferenças e semelhanças. Então,

partiu-se para as questões, incluindo os elementos da narrativa e o comportamento

ingênuo de Chapeuzinho. Ao compararem o comportamento de Chapeuzinho e o

encontrado nas crianças e adolescentes de nossos dias, eles relataram ser possível

ainda hoje muitos se apresentarem ingênuos diante de situações como a do texto,

porém, que as crianças e adolescentes do nosso tempo são mais críticos e astutos,

sendo assim, mais difícil serem enganados, mesmo porque tanto pais quanto

professores e até mesmo a mídia buscam sempre orientá-los quanto aos perigos

presentes em nossa realidade. Puderam conversar também sobre os “lobos maus”

que circulam em nossa sociedade e demonstraram criticidade ao destacarem, entre

os diversos perigos, aqueles que escravizam o homem como as drogas, os crimes

horrendos, as injustiças e também o perigo enfrentado por muitos dentro de seus

próprios lares.

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Para o próximo texto, foram antecipados questionamentos relacionados às

aparências que nos enganam em nosso dia-a-dia e muitos afirmaram já terem sido

enganados por algo que parecia uma coisa, mas que na verdade era totalmente

outra. Assim, os alunos assistiram o filme Deu a louca na Chapeuzinho (2005), uma

produção de Maurice Kanbar e direção de Cory Edwars. Os alunos puderam

identificar os elementos da narrativa no texto moderno, comparando-os com o do

conto tradicional de Charles Perrault. Algumas temáticas presentes no texto foram

desmatamento, evasão escolar e trabalho infantil, o que os levou a refletir sobre

como esses temas têm sido discutidos na comunidade local e como as autoridades

têm agido diante deles, bem como a população. O fato de o vilão ser um “coelhinho

fofinho” possibilitou aos alunos refletirem também sobre como as intenções más das

pessoas são ocultadas por uma imagem bonita e atraente aos olhos de quem vê. Os

alunos novamente comentaram sobre onde e como esses comportamentos

enganosos acontecem em nossa sociedade e como é necessário estar atento para

não se deixar enganar por eles. Em relação aos questionamentos sobre as atitudes

da personagem Chapeuzinho (2005), e ao compará-la com a personagem de

Charles Perrault, disseram gostar mais dela por ser uma menina corajosa e que,

diante das situações complicadas às quais enfrentou, soube se defender e justificar

seu ponto de vista, não abrindo mão de sua opinião e de seus direitos quando

questionada, e que, apesar de ter sido inocente diante das mentiras da avó, não se

conformou e nem admitiu isso para sua vida. Mais uma vez, disseram serem as

crianças de hoje mais críticas e maliciosas. O trabalho com este texto foi encerrado

com uma produção textual, na qual eles criaram contos modernos a partir dos já

conhecidos. Além de mencionarem os personagens de histórias tradicionais,

envolveram personagens de várias histórias ao mesmo tempo, apresentando

enredos interessantes e muito engraçados.

As questões que anteciparam o próximo texto abrangeram reflexões sobre o

conceito de príncipes e princesas contrapondo-se ao príncipes e princesas

encontrados na realidade de cada um. Os alunos assistiram ao filme Shrek (2001),

uma produção de Aron Warner, John H. Williams e Jeffrey Katzenberg e direção de

Andrew Adamson e Vicky Jenson, e gostaram muito. O principal foco do texto foi a

comparação entre os personagens, ou seja, os príncipes e heróis dos contos de

fadas tradicionais e dos contos modernos. Tiveram facilidade para identificar Shrek

como um personagem anti-herói, por meio de suas características como a sujeira em

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que vivia, como se alimentava, seu banho, o comportamento dele ao salvar a

princesa e toda a grosseria com a qual ele a tratava. A atitude de Lord Farquaad ao

mandar outro salvar a princesa com quem ele queria se casar, também chamou a

atenção deles por ser diferente das atitudes encontradas nos contos tradicionais. As

personagens mágicas do texto foram comparadas com as personagens dos contos

de fadas tradicionais e os alunos perceberam como os contos modernos buscam

inverter os conceitos de bom e mau, de bonito e feio, e até mesmo de certo e errado

moldados em nossas raízes, nos levando a refletir sobre situações reais nas quais

são impostos comportamentos ideais a serem seguidos e que nem sempre é o

melhor para todo mundo e tão pouco determinam o caráter das pessoas. Apontaram

também ser lógico que uma pessoa que vivesse como Shrek vivia no início do filme

não seria uma companhia agradável, mas que o amor, a compreensão e a

persistência dos outros levaram Shrek a mostrar seus verdadeiros sentimentos,

porém, sem mudar seu modo de vida. Os alunos concluíram que para ser feliz não é

preciso ser igual aos outros e nem igual à maioria das pessoas, mas é preciso se

aceitar e se amar para que se possa também amar aos outros e ser amado. O

preconceito presente em cenas do filme foram localizados por eles, os quais

opinaram serem cenas bastante comuns no dia-a-dia, das quais as principais foram

a questão das pessoas deficientes e dos homossexuais. Ao citarem os

homossexuais como exemplo, deixaram claro ser importante respeitar as pessoas

independentemente de suas escolhas na vida, e que se pode viver bem sem

compartilhar as mesmas opiniões e opções. No geral este texto oportunizou muitas

reflexões sobre o comportamento do ser humano na sociedade atual e as atitudes

coerentes diante de situações tão egoístas e preconceituosas.

Antes da leitura do conto Uma ideia toda azul (2006), de Marina Colasanti,

fez-se algumas reflexões sobre ter ideias e compartilhá-las ou não com as pessoas.

A leitura do texto foi realizada oralmente e, em seguida, as atividades escritas em

grupos. O principal foco das discussões aqui possibilitadas foi o egoísmo. Eles

confessaram ser realmente um sentimento que muito tem prejudicado o

relacionamento das pessoas e que muitas coisas boas têm-se deixado de fazer por

causa dele. A questão de se aproveitar o tempo presente para fazer o bem a todos

também foi observada por eles e que o medo de errar muitas vezes faz com que as

pessoas percam grandes oportunidades na vida. No final, após um debate sobre as

questões do texto, cada equipe fez um cartaz colocando suas ideias para se ter um

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mundo melhor, nas quais os temas ambiente e respeito pelo ser humano foram os

principais assuntos abordados.

A expressão “mais vale uma verdade amargo do que uma doce mentira”

abriu a discussão antecipando outro texto de Marina Colasanti. Os alunos fizeram

seus comentários, afirmando que às vezes muitos preferem ouvir algo mentiroso

desde que não cause transtornos ou chateações. A leitura do conto As notícias e o

mel (2006), foi então realizada e passou-se para as atividades escritas. Os alunos

apresentaram um pouco de dificuldade para compreenderem o texto, mas depois de

uma leitura mais detalhada pela professora eles conseguiram concluir as atividades.

Aqui a turma pode relacionar as situações em que a verdade, mesmo sendo difícil,

deve ser encarada, pois pior é ser iludido com coisas boas. O comportamento do rei

e do gnomo foram analisados por eles que se posicionaram contrários, afirmando

não ser o gnomo um amigo verdadeiro por permitir que o rei se iludisse com doces

mentiras, tapando as verdades duras, mas que eram importantes serem ouvidas

para que providências fossem tomadas. Ainda disseram ser o rei omisso, pois ele

não foi enganado pelo gnomo e também o gnomo ao tapar para sempre o ouvido

esquerdo do rei não economizou cera, mostrando ser ele conivente com a decisão

do rei. Comentaram que, na realidade, é comum isso acontecer, pois às vezes as

pessoas procuram fazer de conta que tudo está bem, deixando de questionar ou até

denunciar, seja por comodidade ou para não “magoar” alguém. Ponderaram ser

mais importante a honestidade que viver em mentiras, mesmo diante de situações

contrárias, e que o país precisa de homens e mulheres que tenham compromisso

com a verdade para que se possa mudar certas realidades encontradas em todas as

esferas da sociedade.

A última literatura trabalhada com a turma foi História meio ao contrário

(2002), de Ana Maria Machado. Antes da leitura apresentou-se algumas questões

como: “É possível alguém ser feliz para sempre? Pode alguém ser feliz mesmo

enfrentando problemas e preocupações? Será que se pode encontrar a felicidade

vivendo alienado, distante da realidade? Segundo eles, existe a possibilidade de

alguém ser feliz em meio aos problemas e preocupações, buscando conciliá-los até

encontrar soluções. Ainda disseram que isso é diferente de viver feliz para sempre, o

que implicaria em alienação, sendo que ninguém encontra a felicidade fugindo da

realidade, e sim enfrentando os obstáculos que a vida proporciona com coragem e

determinação, sem desanimar. A leitura foi feita coletivamente e então realizadas as

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atividades escritas. Já pelo título eles puderam perceber que a história contraria as

tradicionais, o que lhes permitiu fazer comparações entre os elementos da narrativa

e, principalmente, as personagens dos contos tradicionais e do texto lido. Alguns

conseguiram perceber, por meio das estrofes mencionando o hino nacional, que o

contexto faz referência ao Brasil e ao povo brasileiro e que o “Gigante adormecido” é

a força e a coragem de lutar que precisa ser acionada em cada um para que juntos

se concretize o sonho de um país mais justo, no qual as pessoas não admitam

serem enganadas e nem manipuladas. Os questionamentos sobre o texto

possibilitaram a eles muitos momentos de reflexão, em especial quanto às

personagens e suas atitudes, posicionando-se favoráveis às personagens do conto

História meio ao contrário, ao revelarem criticidade e não aceitação das imposições.

Aqui fizeram menção da personagem Chapeuzinho Vermelho em Deu a louca na

Chapeuzinho (2005), destacando semelhanças entre ela e as personagens deste

texto.

Finalmente foi oportunizado o momento para a organização do sarau. Os

alunos foram divididos em equipes e enquanto alguns se prepararam para a

representação de cenas e da recitação do cordel, outros se responsabilizaram pela

arrumação da sala onde o sarau aconteceria. Houve bastante entusiasmo, pois eles

esperavam pelo momento em que poderiam compartilhar com toda a escola os

conhecimentos adquiridos e os trabalhos realizados durante toda a implementação.

Alunos de outra turma também quiseram se envolver, participando da organização.

Após tudo pronto, no dia do sarau as turmas da escola foram convidadas uma a uma

para prestigiarem o trabalho. Iniciou-se cada momento com uma explicação pela

professora sobre o que estava acontecendo na escola naquele dia, os objetivos do

trabalho e na sequência as apresentações começavam, reiniciando a cada troca de

turma. Primeiramente os cordéis foram lidos com entonação por alunos

representando seus personagens. Depois Hans Staden sendo capturado pelos

índios, um trecho da conversa de Lua com o Espírito da Chuva e o trecho de

Chapeuzinho Vermelho (2007), de Charles Perrault, em que o lobo, vestido de avó,

conversa com Chapeuzinho e ela o questiona. Para finalizar, os alunos das outras

turmas tiveram a oportunidade de prestigiar também os acrósticos produzidos pelos

alunos da 5ª série, os cartazes com os conhecimentos sobre a cultura indígena e

também africana, os contos modernos criados por eles e as ideias elaboradas

durante as atividades com o texto Uma ideia toda azul (2006), de Marina Colasanti.

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O sarau foi um sucesso e percebeu-se nos alunos muita satisfação e certo orgulho

por oportunizarem ensinamentos as outras turmas da escola.

Uma das dificuldades encontradas na implementação foi o número de textos

selecionados e de atividades relacionadas a eles, pois foram necessários encontros

além dos programados, em especial por causa da realização do sarau, que tomou

tempo para organização e ensaios. Houve alguns momentos de dispersão por parte

de alguns alunos, mas que não prejudicaram a implementação, pois a diversidade

de gêneros e temas proporcionados pelos textos sempre reacendiam seu interesse.

3.2 Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

O Grupo de Trabalho em Rede – GTR constituiu uma das atividades

realizadas pelos professores participantes do Programa de Desenvolvimento

Educacional. Consiste em uma interação a distância entre o Professor PDE e

demais professores da Rede Pública Estadual, com o objetivo de socializar e discutir

as produções desenvolvidas no PDE.

O GTR/2011 realizou-se nos meses de outubro e novembro, composto por

três temáticas e finalizado com uma avaliação do curso, postada pelos participantes.

A primeira temática teve por objetivo promover discussões e reflexões sobre

o tema do Projeto de Intervenção Pedagógica e a fundamentação teórica, levando

participantes e tutor a interagirem para ampliação das ideias propostas na temática,

bem como avaliar a relevância do Projeto para melhorar as práticas de leitura

desenvolvidas nas escolas.

As discussões e reflexões foram bastante pertinentes. Destacou-se a

importância dada por eles ao projeto no que se refere à formação de alunos leitores

críticos, participativos e conscientes do seu papel na sociedade. Foram relevantes

também as colocações sobre proporcionar experiência com uma literatura

infantojuvenil instigadora e propícia a valorizar as diversas culturas e povos, por

meio de gêneros diversificados, além das diversas linguagens e semioses, sem

desconsiderar o encantamento, tão importante e necessário nessa fase. Enfim,

todos foram unânimes em afirmar que a proposta é consistente e que pode levar os

alunos não só ao aumento do grau de letramento literário, mas também a

desenvolver o hábito de ler significativamente, buscando sentido em sua vida

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pessoal e social. Dos dez professores inscritos no curso, nove realizaram as

atividades propostas integralmente.

Na segunda temática, foi apresentada a Produção Didático-Pedagógica aos

professores participantes para analisarem a adequação do material à proposta do

Projeto e sua relevância para a prática pedagógica. Novamente eles foram

participativos e demonstraram compromisso com a realização das tarefas, revelando

conhecimento teórico e prático em suas argumentações, e também satisfação,

principalmente com os textos selecionados e com a diversidade de temas e gêneros,

em especial com a literatura de cordel. Ficou claro, portanto, ser o material propício

a alcançar resultados positivos com os alunos da 5ª série.

Houve a sugestão de diminuir as questões, a qual foi considerada relevante,

ficando claro que, ao se trabalhar o material, é preciso fazer as adequações

necessárias diante das necessidades da turma para qual ele é dirigido. Dos dez

professores inscritos no curso, nove realizaram as atividades propostas

integralmente.

Na terceira temática, as ações da implementação e os resultados foram

apresentados aos participantes a fim de gerar discussões, contribuições e

possibilitar, a quem interessasse, a implementação nas escolas. O grupo mais uma

vez se mostrou envolvido com o trabalho realizado, por meio de incentivo e

sugestões. A questão relacionada ao número de atividades foi novamente foco de

discussão, ficando claro que, devido a variedade de gêneros textuais, suportes dos

textos e o nível da turma para a qual o trabalho foi dirigido, não houve desgaste por

parte dos alunos durante a implementação do projeto, e sim bastante interesse e

envolvimento. Contudo, é relevante o apontamento, sendo que o material é

apropriado para ser realizado por etapas e ao longo do ano. Outra sugestão

interessante foi trabalhar a oralidade, aproveitando a literatura de cordel e situações

nas quais a sociedade está envolvida no momento. As sugestões de atividades

socializadas no fórum "Vivenciando a prática" foram criativas e, no geral,

contemplaram leitura, oralidade e escrita. Dos dez professores inscritos no curso,

nove realizaram todas as atividades propostas.

A avaliação realizada por cada participante do GTR abordou questões sobre

a metodologia do Professor PDE, seu desempenho como professor-tutor e também

questões relativas ao ambiente virtual.

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De um modo geral, os participantes deste GTR demonstraram compromisso

e responsabilidade em todas as temáticas, sendo que dos dez professores inscritos,

nove realizaram todas as atividades integralmente, apresentando adequação à

proposta, ficando apenas um dos participantes sem realizá-las.

As contribuições e sugestões foram pertinentes ao tema proposto. As

interações foram abrangentes, gerando novas discussões nos fóruns, o que permite

afirmar que se buscou acrescentar e não simplesmente postar respostas para

cumprimento de tarefas. Enfim, o grupo concluinte alcançou os objetivos propostos

no GTR, e considera-se seu desempenho excelente.

4 Conclusão

A implementação do projeto comprovou ser possível, por meio da leitura de

textos ficcionais escritos e multimodais, desenvolver no aluno do ensino fundamental

o gosto pela leitura, proporcionando-lhe envolvimento com o texto. A presença de

gêneros textuais diversificados, oriundos dos mais variados suportes e com temas

que abrangem as diversas culturas permitem levar o aluno a refletir um pouco sobre

a realidade social que o envolve, abrangendo conhecimentos históricos,

econômicos, sociais, culturais e ideológicos de forma que os alunos podem se

posicionar criticamente sobre os mesmos.

Percebeu-se que a leitura se torna muito mais interessante quando o aluno

compreende ser o seu olhar sobre o texto importante para a formação de sentido.

Portanto, uma leitura que envolva muito encantamento, e também possibilite um

olhar crítico e comprometido sobre os problemas que cercam o aluno, faz com que

ele se sinta participante do ato de ler e responsável pelo seu sentido e interpretação

do texto, aproximando assim, autor/texto/leitor.

A realização de sarau literário proporciona um relacionamento mais íntimo

entre os alunos da turma, permitindo que esses se organizem, dividindo tarefas e se

responsabilizando cada qual por sua parte. O sarau é importante também para a

socialização dos conhecimentos adquiridos e permite desenvolver interação entre

toda a comunidade escolar, além de propiciar aos envolvidos enorme satisfação em

transmitir conhecimentos e mostrar os resultados de um trabalho construído

coletivamente.

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Conclui-se, portanto, que as leituras realizadas tiveram mais significado para

eles, podendo afirmar que houve um desenvolvimento do senso crítico e,

consequentemente, um aumento do grau de letramento literário dos alunos

participantes do projeto. Contudo, para que realmente se alcancem resultados

significativos, o trabalho deve ser contínuo, possibilitando repensar constantemente

as práticas com a leitura literária e assim contribuir para a formação de alunos

efetivamente leitores.

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