A Lei o Amor e a Verdade

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A lei o amor e a verdade CARLOS ANDRÉ MOREIRA A primeira conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul Cultural, foi realizada na última terça-feira, em um Salão de Atos da UFRGS lotado, com um convidado estrangeiro instigante e um prenúncio de que o ciclo, que prevê conferências até dezembro, deve confirmar a expectativa de um evento cultural para ficar na memória da cidade. O primeiro encontro de pensadores do projeto debateu educação, como convinha a uma conferência entre dois ex- ministros da Educação, o brasileiro Paulo Renato Souza e o francês Luc Ferry. A escolha de Ferry foi apropriada para abrir um seminário que se dedica a mapear as fronteiras do pensamento justamente por ser ele um intelectual que mistura os limites da produção teórica com a atuação política - Ferry vê a filosofia como ela era vista na Antigüidade, também como algo que propõe ações. Durante seu período como ministro da Educação na França, uma das medidas mais comentadas, dentro e fora do país, foi o decreto que proibia nas escolas o uso de símbolos religiosos pelos alunos, como o véu islâmico e a estrela de David judaica. Um tema que, ao fim da sua palestra de uma hora, no espaço reservado às perguntas da platéia, foi trazido à tona. Ferry respondeu que a proibição tinha sido uma forma de afastar a guerra das escolas. - É preciso avaliar o contexto. A França tem a maior comunidade islâmica da Europa e a terceira maior comunidade judaica do mundo, atrás apenas de Israel e Estados Unidos. O que aconteceu no início dos anos 2000, à época da aprovação da lei, foi um recrudescimento do conflito árabe-israelense. Pequenos judeus e magrebinos estavam usando símbolos como se fossem armas em um conflito ideológico. O objetivo daquela lei foi impedir a guerra de se introduzir no ambiente escolar - explicou. Mas isso foi no fim da palestra, não nos adiantemos. Nos

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Trabalho sobre o amor e a verdade.

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A lei o amor e a verdade

A lei o amor e a verdadeCARLOS ANDR MOREIRAA primeira conferncia do ciclo Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul Cultural, foi realizada na ltima tera-feira, em um Salo de Atos da UFRGS lotado, com um convidado estrangeiro instigante e um prenncio de que o ciclo, que prev conferncias at dezembro, deve confirmar a expectativa de um evento cultural para ficar na memria da cidade. O primeiro encontro de pensadores do projeto debateu educao, como convinha a uma conferncia entre dois ex-ministros da Educao, o brasileiro Paulo Renato Souza e o francs Luc Ferry. A escolha de Ferry foi apropriada para abrir um seminrio que se dedica a mapear as fronteiras do pensamento justamente por ser ele um intelectual que mistura os limites da produo terica com a atuao poltica - Ferry v a filosofia como ela era vista na Antigidade, tambm como algo que prope aes. Durante seu perodo como ministro da Educao na Frana, uma das medidas mais comentadas, dentro e fora do pas, foi o decreto que proibia nas escolas o uso de smbolos religiosos pelos alunos, como o vu islmico e a estrela de David judaica. Um tema que, ao fim da sua palestra de uma hora, no espao reservado s perguntas da platia, foi trazido tona. Ferry respondeu que a proibio tinha sido uma forma de afastar a guerra das escolas. - preciso avaliar o contexto. A Frana tem a maior comunidade islmica da Europa e a terceira maior comunidade judaica do mundo, atrs apenas de Israel e Estados Unidos. O que aconteceu no incio dos anos 2000, poca da aprovao da lei, foi um recrudescimento do conflito rabe-israelense. Pequenos judeus e magrebinos estavam usando smbolos como se fossem armas em um conflito ideolgico. O objetivo daquela lei foi impedir a guerra de se introduzir no ambiente escolar - explicou. Mas isso foi no fim da palestra, no nos adiantemos. Nos bastidores do seminrio, comenta-se que Ferry havia trazido uma outra conferncia preparada, mais ligada ao tema geral "As transformaes no mundo contemporneo e os novos significados da educao", uma apresentao mais formal, com telas em powerpoint e recursos eletrnicos. Depois da entrevista coletiva que concedeu no meio da tarde, em uma das salas do Sheraton Hotel, o filsofo francs mudou a abordagem de sua palestra ao ouvir as questes levantadas pelos reprteres, como violncia na sociedade, ecologia, a relao entre filosofia e religio. Em um improviso dinmico, Ferry fez a defesa da filosofia como ferramenta para que os pais possam projetar a educao que do aos filhos. A conferncia seguiu de perto, embora de forma resumida, o imenso apanhado que Ferry faz no livro Aprender a Viver, recuperando o objetivo original da filosofia na Antigidade grega, o de "busca da vida boa". - A filosofia nos ensina como superar os medos que nos separam da vida e dos outros. Ela trata do que pode salvar os humanos dos medos que nos impedem de viver uma vida boa - comentou o ex-ministro. Ferry prosseguiu elencando os trs conjuntos de medos fundamentais sobre os quais se discorre desde a Antigidade. O primeiro deles seria o dos medos sociais, o medo das pequenas situaes de exposio e convivncia, como o medo de falar em pblico, de ser o centro das atenes, de ser ignorado em uma situao de dilogo ou de confraternizao. Depois desses medos mais corriqueiros, viriam as fobias, os medos mais profundos, e, Ferry ressaltou, medos surpreendentemente contornveis. - A maioria dos seres humanos convive bem com suas fobias, aprende a seguir sua vida com elas. Se voc tem fobia de elevador, sobe pela escada. Se tem fobia de viajar de avio, vai de carro.O terceiro medo essencial, central para a argumentao de Ferry e objeto dos questionamentos da filosofia, o medo da morte. Esse medo, explicou, no se refere apenas prpria morte fsica de quem sente o medo, e sim ao desaparecimento de entes queridos, mes, pais, filhos, pessoas amadas. Vencer a morte, para a sociedade grega, era possvel por trs maneiras: ter filhos - uma noo fsica de permanncia, j que os filhos permanecem com traos herdados de seus antepassados -, ser heri, um heri cujo nome seria inscrito na histria, como Aquiles, e encontrar, por meio do pensamento racional, um papel na grande ordem do universo: o Cosmos. Era o papel da filosofia ajudar o homem a encontrar esse papel, e era o que faziam os esticos - a escola liderada por Zeno, para os quais uma vida boa era vivida por quem encontrasse seu Lugar Justo na ordem do mundo. Em francs, como em portugus, a palavra Justo tem o sentido de algo harmonizado com a justia e, ao mesmo tempo, algo que est no lugar certo, sem sobras ou faltas, ajustado. Mas Ferry, defensor de um humanismo para quem a filosofia uma doutrina de salvao sem Deus, no pde deixar de comentar tambm o momento em que a filosofia crist disputou coraes e mentes com essa viso racional do mundo - e venceu. Citando um texto de So Justino, apologista cristo que viveu no sculo 2, lembrou que a promessa crist no era de uma abstrata adequao ordem natural, e sim a de encontrar entes queridos em outra vida - o que mudou definitivamente o conceito de salvao. Filosofia, diz Ferry, a doutrina da salvao sem Deus - e assim, na ausncia de f, o caminho para dirimir o medo da morte a filosofia. A religio, segundo Ferry, a sada pessoal, individual, mas no necessria para o estabelecimento de um cdigo moral. A religio oferece respostas para questes metafsicas, tanto quanto o pensamento racional, mas no tem direta ligao com a existncia de moral. possvel haver uma moral laica porque a moral diz respeito a questes de ao terrena. E justamente a moral o que faz ligao com o tema educao citado por Ferry no incio da conferncia. Entraria a a transmisso de trs valores fundamentais, os quais seriam a chave para saber se um pai cumpriu a contento a funo de educar: o Amor, que faz uma criana ter uma vida feliz, a Lei, que ensina o limite do outro e a sociedade, e a Cultura, que o entendimento da verdade. Esses elementos aparecem de forma recorrente em cada uma das trs principais tradies do ocidente: crist, judaica e grega. Na segunda parte do encontro de ex-ministros, o gacho Paulo Renato Souza fez uma palestra mais tcnica, voltada para as questes conceituais da escola que surgir deste mundo novo de mudanas de paradigmas e revolues tecnolgicas. Seja pelo foco mais especfico, seja pelo prprio ritmo adotado pelo ex-ministro, preferindo alternar entre o improviso e a declamao de um discurso escrito, um bom nmero de pessoas se levantou e deixou o Salo de Atos ao longo de seu tempo de exposio - o que no comprometeu a lotao do espao. O ex-ministro comentou como as transformaes tecnolgicas mudaram a relao do homem com o conhecimento, e a escola ainda est presa a um modelo que no prev essa circunstncia: - Antigamente, os conhecimentos que algum havia adquirido no passado seriam suficientes para uma vida, um mdico se formaria e poderia exercer a profisso por dcadas sem problemas de atualizao, um engenheiro tambm, j que o conhecimento e a tecnologia evoluam lentamente. Ento, o sistema de ensino se organizou para oferecer conhecimento em uma etapa especfica da vida do cidado. Hoje, o desafio da escola em todos os nveis est em conseguirmos desenvolver uma "capacidade de aprender".Assim falou Ferry" O medo da morte no precisa ser egosta. No algo que se refere somente nossa prpria morte, mas tambm de entes queridos. A morte tudo o que irreversvel." "As grandes filosofias so doutrinas de salvao. Tambm as religies, mas as grandes filosofias substituem o ente divino pela idia de que por meio de nossos esforos e razo poderamos vencer a morte. As grandes filosofias so doutrinas de salvao sem Deus." "Para a filosofia grega estica, a vida eterna consistia em saber que, como parte do Cosmos, trazemos em ns uma parcela de eternidade. E o cristianismo predominou e venceu porque prometia que em outra vida encontraramos os que amamos, como corpo e esprito. Essa foi a boa nova que mudou a radicalmente a salvao." "Se voc tem f, no vou tir-la de voc. Eu j tive essa f e a perdi, e tenho familiares que a tm e eu os amo, e acho timo que eles a tenham. No quero desempenhar o papel do Diabo, que , fundamentalmente, quem separa o crente de sua f. Mas quem no tem f deveria buscar a filosofia." " Todas as guerras hoje - na Irlanda, na Iugoslvia, no Iraque - so por motivos religiosos." "Eu distingo entre a f pessoal, que respeitvel, e o uso poltico das religies. Muitos confundem moral e religio. A moral no tem a ver com as grandes questes metafsicas." "Acho que os pais podem se considerar realizados como educadores quando conseguem transmitir a seus filhos trs pontos fundamentais: o Amor, que o elemento cristo de nossa tradio, nenhuma criana feliz sem ser amada, a Lei, que o elemento judaico, e a Cultura, que o elemento grego." "Hoje se aprende a ler com menos qualidade e mais dificuldade do que nos anos 1930." "H dois males na condio humana: o passado e o futuro. O passado nos prende, o futuro nos paralisa. O sbio aquele que consegue sofrer menos pelo passado, esperar menos pelo futuro e estar mais presente no aqui."