A LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1. · PDF fileA LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1 1....

download A LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1. · PDF fileA LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1 1. INTRODUÇÃO A Lei da Oferta e Demanda é considerada como um dos princípios básicos,

If you can't read please download the document

Transcript of A LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1. · PDF fileA LEI DA OFERTA E DEMANDA Gerson Lima 1 1....

  • A LEI DA OFERTA E DEMANDA

    Gerson Lima1

    1. INTRODUO

    A Lei da Oferta e Demanda considerada como um dos princpios bsicos, alis quase um sinnimo, da teoria econmica. Apesar disto, permanecem na literatura algumas perplexidades a seu respeito. No contexto microeconmico, Becker (2000) oferece um resumo da situao ao afirmar que mesmo quando os estudantes conseguem recitar oferta e demanda em situaes de contos de fadas, eles tm dificuldades para aplicar o conceito no mundo real (pag. 111). De fato, a teoria neoclssica define oferta somente num modelo de concorrncia perfeita e, mais ainda, nega sua existncia fora dela. Ou seja, quando a vida real apresenta imperfeies e deixa de ser um conto de fadas, ento no existe uma verso neoclssica da lei da oferta e demanda.

    Complicando o cenrio, disseminou-se a idia de que, se o governo no interferir, as foras de oferta e demanda levaro o mercado neoclssico a se auto-regular no sentido de garantir o pleno emprego e o preo mais justo dos fatores de produo. Aparentemente, ao discutir esta idia, tanto os economistas que a aceitam como os que a rejeitam desconsideram a restrio de que ela s se refere ao modelo da concorrncia perfeita. Porm, caso o mundo real se afaste deste modelo, a teoria neoclssica afirma que o governo dever intervir para que voltem a funcionar as foras de oferta e demanda, assim assegurando o retorno da auto-justia do mercado. Ou seja, neste caso, e pelo menos at que a imperfeio seja superada, as variveis tpicas de poltica econmica tm o poder de deslocar as curvas de oferta ou de demanda no sentido de promover um resultado socialmente mais justo.

    Aqueles no poucos que discordam da premissa de que o mercado neoclssico pode assegurar a justia econmica resolveram, por vias das dvidas, colocar tambm a teoria da oferta e demanda sob suspeita. O mesmo problema surge ainda no ambiente macroeconmico. Neste contexto, a perfeio dos mercados e das pessoas levaria a uma curva de oferta agregada que vertical ao nvel do emprego mximo que a economia pode oferecer sem que os preos entrem em colapso. A curva de oferta agregada na viso neoclssica s poderia ser ascendente na presena, de novo, de imperfeies de mercado. Mutatis mutandis, na falta de perfeio no mercado a poltica econmica pode ser usada para aumentar a produo e o emprego. A proposta deste trabalho buscar uma teoria de oferta e demanda que seja geral no sentido de dispensar a hiptese ad hoc da perfeio do mundo, e que no seja auto-reguladora no sentido da justia ou do pleno emprego.

    Neste artigo apresenta-se uma teoria no-neoclssica sobre a oferta em nvel microeconmico, descrevendo-se um modelo dinmico de tomada de decises sobre preo e produo que permite construir uma situao terica de equilbrio na qual pode-se definir a 1 Departamento de Economia da Universidade Federal do Paran. Este artigo foi publicado com o ttulo de Uma Interpretao da Curva de Oferta de Marshall e a Arquitetura de uma Moderna Teoria da Oferta e Demanda na Econmica, Revista da Ps-Graduao em Economia da Universidade Federal Fluminense, vol. II, n 4, dezembro de 2000.

  • 2

    curva de oferta. Este modelo est baseado na exposio feita por Marshall na primeira parte do Livro V do seu Principles, onde ele faz um resumo do ento estado das artes em matria de formao de preos e de deciso de produo. Como o objetivo de Marshall era o de apresentar uma contribuio neste tema, ele prope na segunda parte deste seu Livro V algumas noes novas, como a definio de curto prazo pela constncia da capacidade de produo, o conceito de preo normal e uma curva de oferta na qual o preo, sem ser uma constante, igual aos custos normais de produo. Esta segunda parte do Livro V, a qual pode ser associada ao nascimento da teoria neoclssica, no ser considerada aqui.

    Adicionando-se ento a curva de demanda tem-se uma nova arquitetura da teoria de oferta e demanda, na qual no h uma auto-regulao no sentido do timo social. Neste enfoque terico os nveis de preo e produo dependem das posies das curvas de oferta e de demanda e, por sua vez, estas posies so determinadas pelos valores das variveis exgenas, por exemplos as compras do governo e os impostos sobre a renda do consumidor e sobre o produto vendido. O preo e a produo e, por conseqncia, todas as demais variveis endgenas do sistema econmico tero seus valores definidos pela interao entre ofertantes e demandantes e pelos nveis das variveis exgenas, dentre elas as variveis de poltica econmica.

    No captulo 2 apresenta-se uma releitura da noo de oferta de Marshall, reordenando-se a argumentao de forma a enfatizar o processo decisrio das empresas. Salienta-se que este processo ocorre num ambiente de desequilbrio e que o equilbrio antes de tudo uma construo terica, um estado jamais observado na prtica. No item seguinte sugere-se um modelo completo de oferta e demanda, destacando-se suas principais caractersticas. Finalmente, o tpico 4 resume o trabalho e indica algumas concluses.

    2. O CONCEITO CLSSICO DE OFERTA, SEGUINDO MARSHALL

    O mtodo marshalliano de anlise econmica pode ser resumido na sua proposio: a teoria geral do equilbrio entre oferta e demanda uma Idia Fundamental (Prefcio da primeira edio dos Principles of Economics2). O mundo de Marshall tem dois grupos de agentes, os consumidores e os produtores, que se relacionam mutuamente de forma tal que, dentro de certas condies ambientais concretas, espera-se que um certo preo faa com que a quantidade demandada seja igual quantidade produzida. O sistema ter pois que conter ao menos trs variveis endgenas bsicas: o consumo, a produo e o preo. O objetivo final de Marshall , portanto, o de construir um modelo de mercado, baseado nas relaes entre oferta e demanda, para explicar como so determinados os nveis destas variveis.

    Este o tema do Livro V dos Principles, no qual duas hipteses essenciais exigem alguns comentrios. Em primeiro lugar, Marshall define a concorrncia como sendo livre. Para alguns especialistas, como Shove (1942), Hague (1958) e Newman (1960), esta proposio significa que Marshall adota a noo de concorrncia imperfeita, enquanto outros, como afirmaram Gillebaud (1952), Maxwell (1958), e Shakle (1967), consideram que Marshall rejeitou a definio de concorrncia perfeita. A modelizao da competio entre os produtores

    2 Durante este item, os nmeros de pginas entre parnteses referem-se, salvo meno em contrrio, 8 edio, impresso de 1986 de Marshall (1890).

  • 3

    importante apenas para a teoria neoclssica, de sorte que sua discusso est fora dos limites deste texto. Para os propsitos deste trabalho suficiente admitir, sem qualquer pretenso de rigor, que competio livre corresponde a uma certa composio indefinida entre concorrncia e cooperao entre as empresas.

    Em segundo plano, apesar de supor que os consumidores e os produtores so agentes otimizadores, Marshall cuidadosamente evita o procedimento neoclssico de maximizar o lucro atravs do clculo diferencial. Sua unidade de anlise do lado da oferta um setor industrial de um produto homogneo como um todo, ao invs do produtor individual como exigido pelo paradigma da maximizao. Quando se torna indispensvel explicar aspectos comportamentais da indstria, ele utiliza a noo de empresa representativa. Esta componente do mtodo marshalliano tambm no ser contemplada aqui; um estudo abrangente da empresa representativa pode ser encontrado em Frish (1950), Hague (1958) e Maxwell (1958), que apresentam concluses contraditrias entre si.

    O objetivo aqui o de apresentar um modelo de deciso construdo a partir dos princpios marshallianos de equilbrio e gravitao, modelo este que contm, de forma latente, um componente dinmico que pode ser isolado e formalizado matematicamente. Na sua forma mais simples, o modelo de Marshall, ou o modelo de oferta-e-demanda de Marshall, composto de pelo menos trs equaes simultneas, pois que as variveis endgenas a serem explicadas so pelo menos trs: o consumo, a produo e o preo. Segundo o prprio Marshall, no prefcio primeira edio dos Principles, o analista tem que estar certo de que ele tem premissas suficientes, e no mais do que suficientes, para suas concluses (ou seja, que ele tem tantas equaes, e nem mais nem menos, quantas so as variveis do problema).

    Uma destas equaes a curva de demanda, que traduz a relao entre o consumo e o preo. A segunda relao poderia ser a condio de equilbrio, a igualdade entre a quantidade demandada e a quantidade produzida. Porm, considerando que o equilbrio inatingvel no mundo real, Marshall prope que o mercado de qualquer produto se equilibre apenas sob condies normais, definindo como normal uma curva de oferta terica na qual o preo de oferta de qualquer quantidade daquele produto possa ser visto como as despesas normais de sua produo (pag. 285). A curva normal de oferta seria assim a terceira relao procurada. Contudo, Marshall vai alm e divide as condies normais em duas categorias: o curto e o longo prazos. No curto prazo, a capacidade industrial de produo dada, enquanto que no longo prazo todos os fatores so variveis e podem ser adaptados ao nvel da demanda. Mas Marshall no coloca uma linha divisria clara entre o curto e o longo prazos: segundo ele, a natureza no conhece uma separao absoluta entre curtos e longos perodos (prefcio primeira edio) e, mais ainda, em qualquer perodo de tempo o preo determinado pelas relaes entre demanda e oferta (pag. 314).

    Alm do curto prazo e do longo prazo existe o curtssimo prazo, ou perodo de mercado, que um perodo no qual as condies normais de Marshall no podem ser observadas. s por acaso que, no perodo dirio de mercado, a produo pode se igualar ao consumo; o mercado no est necessariamente em equilbrio no dia-a-dia das transaes comerciais. Isto significa que no h c