A legislação sobre violência doméstica: Compatibilização...

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A legislação sobre violência doméstica: Compatibilização do Código Penal e Diplomas Complementares às Actuais Manifestações do Fenómeno Parlamentos Unidos no Combate à Violência Doméstica Contra as Mulheres” maria do rosário carneiro © 2007 Conferência regional: bragança 1

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A legislação sobre violência doméstica: Compatibilização do

Código Penal e Diplomas Complementares às Actuais Manifestações do Fenómeno

Parlamentos Unidos no Combate à Violência Doméstica Contra as Mulheres”

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A violência contra as mulheres ofende-nos na nossa dignidade humana

• É global, sistemática e está enraizada nas diferenças de poder e de desigualdade estrutural entre mulheres e homens. Está para além de especificidades históricas, sociais, religiosas. É universal e permanente. Afecta as mulheres de forma desproporcional, só porque são mulheres: desde o sofrimento físico e mental, até outras formas de coação ou inibição da liberdade, como a privação económica ou isolamento

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Thomas L. Friedman fala-nos de um mundo plano,onde tudo passa a ser visível, e que torna

evidentes monstruosidades• A anomalia demográfica de 100 milhões de

mulheres em falta – faltam, porque morreram: umas antes de terem nascido, outras vítimas de infanticídio, de negligência ou maus-tratos

• …as crianças do sexo feminino não concluem a escolaridade básica (quase dois terços das crianças que não frequentam a escola, são meninas): são maltratadas, exploradas, vítimas de preconceitos e sofrem de forma particular as consequências da pobreza, muitas das vezes encaminhadas para o trabalho infantil e a exploração sexual

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Art.º 1º CRP: Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana …

• O direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, constitui um direito inalienável e inerente à dignidade da pessoa humana

• Que clarifica as obrigações do Estado na prevenção, erradicação e punição da violência,

• Que impõe o empoderamento das mulheres no sentido de se tornarem autónomas, independentes,

• Que exige a intervenção articulada, multisectorial (da educação, saúde, da justiça…)

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É um problema velho que carece de respostas novas, que tenham em conta a forma como as

sociedades vão evoluindo. • De facto, e apesar de uma significativa elevação do nível educativo

que deveria pressupor maior civilidade nas relações interpessoais, as manifestações de violência aumentam e apresentam novas formas,

• apesar de uma elevada participação das mulheres no mundo do trabalho que deveria pressupor uma maior autonomia e independência, os seus testemunhos tardam a ser reconhecidos como credíveis, e muitas mulheres permanecem prisioneiras isoladas no seu mundo de violência,

• apesar de uma progressiva e significativa melhoria das condições gerais de vida, vulnerabilidades, assimetrias, exclusões persistentes, são responsáveis por uma violência que não cede, antes se acentua,

• apesar de uma significativa e compreensiva evolução na feitura de leis que definem o crime, que prevêem a protecção da vítima, que punem o agressor, a interpretação do crime, a análise da vítima continuam condicionados a preconceitos e estereotipias.

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• Com as alterações ao Código Penal, introduzidas pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, o crime de maus tratos passou a assumir a natureza de crime público, o que significa que o procedimento criminal não estádependente de queixa por parte da vítima, bastando uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo

• Actualmente, o crime base é o crime de maus tratos e infracção de regras de segurança previsto no artigo 152.º do Código Penal Português;

• Na Proposta de Lei tipificação em preceitos distintos: os maus tratos, a violência doméstica e a infracção a regras de segurança

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Código Penal em vigor Proposta de lei 98/X

Artigo 152.º do Código Penal Maus tratos e infracção de regras de segurança 1 - Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da

sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e:

a) Lhe infligir maus-tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ouc) A sobrecarregar com trabalhos excessivos; é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo

artigo 144.º2 - A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com

ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos.

3 - A mesma pena é também aplicável a quem infligir a progenitor de descendente comum em 1.º grau maus tratos físicos ou psíquicos

Artigo 152.ºViolência doméstica1 -Quem, de modo intenso ou reiterado, infligir maus tratos físicos ou

psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente

mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; oud) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência,

doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não

couber por força de outra disposição legal.2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra

menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de

prisão de 2 a 8 anos;b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao

arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo àdistância.

6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de 1 a 10 anos.

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…a questão do intenso e reiterado

• Recurso à ideia de reiteração e intensidade (para esclarecer que não éimprescindível uma continuação criminosa– Dr. Rui Pereira - o crime pode ser cometido numa só ocasião)

• A eliminação de intenso?• A supressão de reiterado?• A alternativa de uma ou várias vezes?

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…algumas inovações…• No campo das penas acessórias (inibição do

uso e porte de arma, obrigatoriedade de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica, inibição de poder parental, tutela ou curatela…

• Introdução de punição à ofensa de integridade física que afecte de maneira grave as capacidaede fruição sexual da vítima (excisão)

• A PL sobre Política Criminal que prevê expressamente como crime de prevenção e investigação prioritárias a “violência doméstica”e os maus tratos

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Algum enquadramento jurídico, para além da CRP e do CP…

• Lei 107/99 – cria a rede pública de casa de apoio a mulheres vítimas de violência

• Decreto-Lei 323/200 – regulamenta a lei 107/99 (conceitos, organização, gestão, funcionamento, etc.)

• Decreto Regulamentar 1/2006 – introdução de um conjunto de normas técnicas com o objectivo de conferir maior uniformidade e qualidade ao funcionamento das casas de abrigo

• 3 Planos Nacionais Contra a Violência Doméstica, sempre aprovados por Resoluções de Conselho de Ministros (o III foi aprovado pela RCM 51/2007 de 28 de Março)

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O apoio económico às vitimas de violência doméstica e a Lei 129/99

(regulamentação da Lei 61/91)

• Regulamentação do adiantamento devido às mulheres vítimas de violência (aplicado a todas as vítimas, mas só de violência conjugal)

• Não se trata de uma indemnização à vítima mas a antecipação do pagamento da indemnização que a vítima virá a receber no(s) processo(s) que instaurar contra….

• Obriga a vítima a propor um processo contra o agressor, levando-o até ao fim

• Um adiantamento é uma quantia que tem de ser devolvida

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O regime de adiantamento permite a duplicação de meios de apoio…

• O regime adiantamento depende do MJ, o RSI e os apoios pontuais da SS dependem do MTSS, as misericordias são independentes e muitas das casa abrigo são geridas por organizações não governamentais: não existe qualqueentidade que coordene e/ou controle a actividade destas várias instituições

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Os requisitos…• Art.º2º: …as pessoas que cumulativamente

sejam vítimas …e incorram em situação de grave carência económica em consequência do crime

• Art.º5º:…o pedido da concessão do adiantamento…no prazo máximo de 6 meses…

• Art.º7º:…não poderá exceder o equivalente mensal ao SMN, durante o período de 3 meses prorrogável por igual período…

• Art.º9º: no caso da vítima obter reparação…constitui-se na obrigação de restituir as importâncias recebidas…

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…algumas questões…

• Porque não pensar o adiantamento como um microcrédito em vez de mensalidades?

• As vítimas que têm que abandonar a sua casa raramente conseguem estabilizar a situação económica em 12 meses

• O período médio de 6 meses entre o pedido de adiantamento e a respectiva atribuição

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As leis não dispensam uma mudança de mentalidades

• Em 2005 e 2006 aumentou o número de ilícitos participados, o número de detenções de suspeitos de práticas de crimes de violência doméstica

• O aumento poderá significar uma maior eficiência das polícias, um maior esclarecimento das vítimas

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As leis não dispensam uma mudança de mentalidades

• como é inaceitável a persistente violência contra as mulheres nas suas múltiplas formas,

• como é fundamental reforçar o empenho político e a intervenção conjunta de todos os decisores para identificar formas e recursos que previnam e combatam de forma sustentada a violência contra as mulheres

• como é indispensável o envolvimento de toda a comunidade não só na identificação das situações e do acolhimento decorrente, mas no empenhamento activo na sua eliminação

• que a finalidade é garantir a igualdade, a liberdade e a dignidade das mulheres

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“mulheres saudáveis, educadas e emancipadas terão filhos e filhas saudáveis, educados e confiantes”(in “situação mundial

da Infância de 2007” da UNICEF)

• Esther Mujawayo, ruandesa e tutsi, sobrevivente da tragédia do Ruanda afirmou “passei da condenação de viver àescolha de viver. Não foram os meus assassinos que me deixaram viva, sou eu que hoje, escolho viver”

• Combater a violência contra as mulheres é lutar por este direito.

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a poetisa Maya Angelou, defensora dos direitos humanos escreveu

• …• Nós, …• Criados nesta terra, por esta terra• Um mundo em que cada homem e cada mulher• Podem viver livremente sem piedade oferecida• E sem medo paralisante• Quando lá chegarmos• Temos de admitir que somos o possível• Somos o prodigioso, o verdadeiro milagre deste mundo• Quando e apenas quando• Lá chegarmos.• Então cheguemos!