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FESPSP – FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO EPG – ESCOLA PÓS-GRADUADA ESPECIALIZAÇÃO EM OPINIÃO PÚBLICA E INTELIGÊNCIA DE MERCADO (OPIM) A JUDICIALIZAÇÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC): APONTAMENTOS SOBRE A DUPLA RELEVÂNCIA DO TRABALHO DAS(OS) ASSISTENTES SOCIAIS. São Paulo – Novembro de 2012

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FESPSP – FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO

EPG – ESCOLA PÓS-GRADUADA

ESPECIALIZAÇÃO EM OPINIÃO PÚBLICA E INTELIGÊNCIA DE MERCADO (OPIM)

A JUDICIALIZAÇÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO

CONTINUADA (BPC): APONTAMENTOS SOBRE A DUPLA

RELEVÂNCIA DO TRABALHO DAS(OS) ASSISTENTES SOCIAIS.

São Paulo – Novembro de 2012

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DANIEL F. B. RIBEIRO (R.A. n.º 17.733)

CAROLINE FRANÇA SOARES

A JUDICIALIZAÇÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO

CONTINUADA (BPC): APONTAMENTOS SOBRE A DUPLA

RELEVÂNCIA DO TRABALHO DAS(OS) ASSISTENTES SOCIAIS.

Paper apresentado ao Núcleo de Pesquisas em Ciências

Sociais da FESPSP, conforme o Edital de Chamada de

Trabalhos para o Seminário de Pesquisa FESPSP: IV

Seminário de Graduação e I Seminário da Pós-

Graduação, a ser realizado entre 26 (vinte e seis) e 30

(trinta) de novembro de 2012, em São Paulo.

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

São Paulo – Novembro de 2012

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A JUDICIALIZAÇÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC):

APONTAMENTOS SOBRE A DUPLA RELEVÂNCIA DO

TRABALHO DAS(OS) ASSISTENTES SOCIAIS.∗∗∗∗

Caroline França Soares∗∗∗∗∗∗∗∗

Daniel F. B. Ribeiro∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗

RESUMO

Contemplando atualmente mais de 3,7 milhões de indivíduos por meio de transferências

monetárias diretas que acumulam cifras superiores a 18,1 bilhões de reais, o Benefício de

Prestação Continuada (BPC) possui uma trajetória singular no Brasil contemporâneo. Tomando

em consideração alguns dos principais aspectos e elementos conformadores do seu processo

de institucionalização em pouco mais de 15 (quinze) anos, este paper tem por objetivo, de

maneira modesta, mediante o esforço de reconstrução dos seus principais marcos jurídico-

normativos e do correspondente contexto sócio-histórico de implementação, por um lado, e a

partir de algumas evidências qualitativas e quantitativas coligidas para casos particulares do

Município de São Paulo, por outro, refletir criticamente sobre a importância do BPC para o

sistema de proteção social e para a Seguridade Social brasileira, com especial destaque para o

trabalho técnico e profissional desenvolvido pelas(os) Assistentes Sociais em face do acesso ao

BPC, por parte das pessoas idosas e das pessoas com deficiência, particularmente

considerando exemplos concretos de situações nas quais se verificam a assim denominada

judicialização desse benefício não contributivo. Apesar da controvérsia sobre os significados e

as consequências advindas do crescente número de processos legais baseados na interposição

de recurso junto ao Poder Judiciário, por parte de potenciais beneficiárias(os), visando à

garantia de acesso a esse benefício assistencial, ou seja, sua concessão às(aos) requerentes

por parte do Poder Executivo, o papel desempenhado por essas(es) profissionais parece

assumir dúplice relevância quanto à garantia e mediação do acesso ao BPC.

∗ Este trabalho compreende a versão revista e atualizada, mormente com relação aos dados e informações secundários utilizados, além da ampliação e do aprofundamento das respectivas evidências coligidas, do artigo científico apresentado, por Caroline França Soares, à Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN), em 2011, como parte de pré-requisitos do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Gestão Pública na Assistência Social. Tendo em vista os critérios estipulados para a submissão de papers, as linhas a seguir oferecem uma versão resumida do esforço crítico de elaboração teórica conscienciosa conjuminada à reflexão empiricamente orientada, desenvolvido conjuntamente pela autora e pelo autor. ∗∗ Bacharel em Serviço Social (2005) e Pós-Graduada, modalidade Especialização Lato Sensu, em Organização e Gestão de Políticas Sociais (2007) pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), além de Pós-Graduada, modalidade Especialização Lato Sensu, em Gestão Pública na Assistência Social (2011) pela Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN). Endereço eletrônico (e-mail) para contato: [email protected]. ∗∗∗ Pós-Graduando (2012-2013), modalidade Especialização Lato Sensu, em Opinião Pública e Inteligência de Mercado pela Escola Pós-Graduada (EPG) da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial – Nível B (DTI-B) do CNPq, junto ao Instituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL), e Bacharel em Ciências Sociais (2006), com ênfase em Ciência Política e Sociologia, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humana (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), tendo sido Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/USP/CNPq em Ciência Política (2004-2005). Endereço eletrônico (e-mail) para contato: [email protected].

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PALAVRAS-CHAVE: Benefício de Prestação Continuada (BPC). Judicialização. Perícias

Sociais. Trabalho das(os) Assistentes Sociais. Município de São Paulo.

INTRODUÇÃO

No Brasil contemporâneo, no âmbito da proteção social básica visando à garantia da

vida, pessoas idosas com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e pessoas com deficiência

que necessitem de amparo social por parte do Estado brasileiro têm direito ao Benefício de

Prestação Continuada (BPC), benefício não contributivo assegurado pela Lei Orgânica de

Assistência Social (LOAS), revista e aprovada por meio da Lei Federal n.º 12.345, de 06

(seis) de junho de 2011, conforme segue:

“Art. 20.º – O Benefício de Prestação Continuada é a garantia de um salário-

mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco)

anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção

nem de tê-la provida por sua família” (BRASIL, 2011b: p. 02).

De maneira modesta, este paper pretende refletir criticamente sobre duas dentre

muitas outras importantes questões atinentes ao BPC, assinalando com isso a sua devida

importância para o sistema de proteção social e para a Seguridade Social brasileira, eleitas

aqui conjuntamente como problemática de pesquisa social aplicada. Por um lado, ressaltando

a dupla relevância do papel das(os) Assistentes Sociais no que tange à ampliação do

entendimento a respeito do conceito de miserabilidade/pobreza, promovendo com isso o

acesso a esse benefício da Assistência Social por parte de quem de fato possui esse direito.

Por outro, embora estritamente vinculado a isso, o sentido da assim denominada

judicialização no processo de concessão do BPC, que faz da interposição de recurso legal

junto ao Juizado Especial Federal (JEF) o único e último meio disponível às pessoas e famílias

que, anteriormente, receberam a negativa expressa por parte do Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS), responsável por sua gestão e operacionalização em todo o país.

Em termos objetivos, as linhas a seguir estão organizadas em outras 02 (duas)

seções expositivas, além desta breve Introdução (pp. 03-4) Enquanto a próxima seção

aborda o Contexto e Marcos Legais do BPC (pp. 04-08), a alínea seguinte coloca em relevo

os tópicos sobre A Judicialização do BPC e a Perícia Social (pp. 08-18) e, por fim, a última

seção Considerações Finais (pp. 18-20) sintetiza os principais elementos a respeito do tema

em questão e traz alguns apontamentos, a título de hipóteses para investigação futura,

sobre o devir da proteção social e da Seguridade Social no Brasil contemporâneo.

Como justificativa, francamente considerando a literatura pertinente que, dentre

outros aspectos, destaca com profundidade crítica que para a maioria das situações

apresentadas não seria necessária a existência de processos no âmbito jurídico – já que os

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casos de sucesso, por parte das(os) requerentes, são relativamente muito frequentes –,

acredita-se ser necessário trazer à luz um aspecto igualmente importante, contudo pouco

destacado, em face do acesso e da concessão do BPC por meio de sua judicialização,

situação que mesmo com ampla concordância e/ou mesmo consenso a propósito da

dispensabilidade, ainda se mostra recorrente no Brasil, esperando assim oferecer uma

singela contribuição ao debate existente.

Para tanto, com base nas sugestões oferecidas por Claire Selltiz e colaboradores

(1975), bem como por Antonio Joaquim Severino (2007) com referência à riqueza

metodológica e à potencialização dos resultados apurados mediante a combinação

integrativa entre os métodos, técnicas e/ou abordagens qualitativa e quantitativa na

pesquisa social aplicada, conformada mediante a pesquisa bibliográfica – sobre o sistema

de proteção social não contributivo brasileiro, o BPC e a temática da judicialização – e a

pesquisa documental – legislação e dispositivos normativos, perícias sociais (laudos

socioeconômicos) e processos judiciários (JEF) –, de um lado, e ainda, por meio de

levantamento e análise descritiva tanto de dados primários – sobre 41 (quarenta e uma)

perícias sociais (laudos socioeconômicos) realizadas em 2009 no Município de São Paulo,

compreendendo processos em tramitação no período de 2004 a 2012 – quanto de dados

secundários – recursos repassados (R$) e beneficiárias(os) atendidas(os) pelo BPC em

1996, 2001, 2006 e 2011 no Brasil, no Estado de São Paulo e no Município de São Paulo –,

de outro, tendo por intuito promover a conjuminação crítica entre elaboração teórica

conscienciosa e reflexão empiricamente orientada.

Formalizando a hipótese geral a ser desenvolvida, pode-se dizer que no âmbito do

processo de judicialização do BPC – bem entendido, o acesso e/ou concessão mediante

recurso legal interposto por potenciais beneficiárias(os) no âmbito do Poder Judiciário –, o

papel desempenhado pelas(os) peritas(os) Assistentes Sociais credenciadas(os) junto ao JEF

parece ser duplamente relevante, por um lado, numa dimensão abstrata, dizendo respeito ao

alargamento da compreensão sobre a situação de pobreza e a situação de miserabilidade, e

por outro, em uma dimensão prática, por meio do favorecimento ao acesso e/ou à concessão

do BPC por parte de indivíduos que necessitam desse benefício não contributivo assegurado

no âmbito da proteção social e do sistema de Seguridade Social brasileira.

CONTEXTO E MARCOS LEGAIS DO BPC

BREVE PANORAMA SOCIOECONÔMICO DO BPC

Atualmente, existe amplo consenso entre membros do âmbito político e especialistas

da esfera acadêmica, além de comunicadoras(es) da área de media e imprensa, quanto ao

fato de que, ao lado das políticas econômicas de valorização do salário mínimo,

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particularmente nos últimos 07 (sete) anos, e do Programa Bolsa Família (PBF), sobretudo

em face de sua recorrente ampliação nacional e difusão até mesmo em âmbito mundial, o

BPC vem oferecendo, ainda que mais modestamente, uma contribuição singular para a

promoção dos direitos e a estruturação da rede de proteção social brasileira. Nesse sentido,

vale a pena observar o seguinte conjunto de dados e informações sobre o Brasil e o Estado

de São Paulo, e que se referem aos anos de 1996, 2001, 2006 e 2011:

Por um lado, em sentido mais geral, tanto a propósito do número de beneficiárias(os)

atendidas(os) evidenciados a partir do Gráfico 1a e do Gráfico 1b, quanto em relação ao

montante de recursos repassados desde 1996 até 2011 dispostos mediante o Gráfico 2a e o

Gráfico 2b, a constatação definitiva é mesmo o crescimento substancial do BPC no Brasil e,

como reflexo particular dessa tendência nacional, também no Estado de São Paulo. Por

outro, em termos mais específicos, merece destaque também a mudança de padrão entre

as “curvas” exibidas para as modalidades BPC Pessoa Idosa e BPC Pessoa com Deficiência

quando comparadas as tendências observadas para o Brasil e o Estado de São Paulo, quer

dizer, as pessoas idosas passaram a ser maioria das beneficiárias do BPC de maneira

distinta à situação verificada para todo o Brasil, cuja explicação reside, em parte, ao

estabelecimento do Estatuto do Idoso em 2003, que redefiniu para 65 (sessenta e cinco)

Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, compreendendo a referência de 31 (trinta e um) de dezembro de 1996, 2001, 2006 e 2011. Dados e informações disponíveis em: <http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/download_beneficiarios_bpc.htm>. Acesso em: 14 de outubro de 2012.

Elaboração Própria.

R$ -

R$ 5.000.000,00

R$ 10.000.000,00

R$ 15.000.000,00

R$ 20.000.000,00

R$ 25.000.000,00

1996 2001 2006 2011

Gráfico 2a: Recursos Repassados (R$) em 1996, 2001, 2006 e 2011 - Brasil.

São Paulo - 2012

Pessoas com Deficiência Pessoas Idosas Recursos (R$) BPC

R$ -

R$ 700.000,00

R$ 1.400.000,00

R$ 2.100.000,00

R$ 2.800.000,00

R$ 3.500.000,00

R$ 4.200.000,00

1996 2001 2006 2011

Gráfico 2b: Recursos Repassados (R$) em 1996, 2001, 2006 e 2011 - São Paulo.

São Paulo - 2012

Pessoas com Deficiência Pessoas Idosas Recursos (R$) BPC

Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, compreendendo a referência de 31 (trinta e um) de dezembro de 1996, 2001, 2006 e 2011. Dados e informações disponíveis em: <http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/download_beneficiarios_bpc.htm>. Acesso em: 14 de outubro de 2012.

Elaboração Própria.

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

3.500.000

4.000.000

1996 2001 2006 2011

Gráfico 1a: Beneficiárias(os) Atendidas(os) em 1996, 2001, 2006 e 2011 - Brasil.

São Paulo - 2012

Pessoas com Deficiência Pessoas Idosas Beneficiárias(os) BPC

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

1996 2001 2006 2011

Gráfico 1b: Beneficiárias(os) Atendidas(os) em1996, 2001, 2006 e 2011 - Estado de São Paulo.

São Paulo - 2012

Pessoas com Deficiência Pessoas Idosas Beneficiárias(os) BPC

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anos a idade mínima para acesso ao BPC Pessoa Idosa, e em parte, à própria dinâmica

demográfica de envelhecimento da população residente nessa Unidade Federativa.

Por último, mas nem por isso desimportante, sobre o Município de São Paulo, para o

qual foi possível obter dados e informações publicizados somente a partir de 2006, de

maneira algo semelhante, verifica-se o mesmo padrão de crescimento: considerando o

mesmo período, vale destacar o incremento de quase 50,0% no caso das pessoas

beneficiadas – eram pouco mais de 118 mil em 2006, passaram a quase 176 mil em 2011,

com crescimento relativo da modalidade BPC Pessoa com Deficiência ligeiramente maior

quando comparada à modalidade BPC Pessoa Idosa, não obstante a preponderância dessa

última, em termos absolutos –, e superior a 85,0% quanto aos recursos financeiros

transferidos a esses indivíduos – de modo semelhante, eram da ordem de R$ 467 milhões em

2006, passaram a R$ 867 milhões em 2011 –, por parte do governo brasileiro.

ARCABOUÇO JURÍDICO-NORMATIVO DO BPC

Outrossim, esse notável desempenho socioeconômico, em grande medida, pode ser

atribuído à ancoragem legal que o BPC encontra no arcabouço jurídico-normativo definido pela

nova ordem constitucional brasileira, a assim denominada Nova República, cujo marco político

fundamental foi estabelecido mediante a promulgação da Carta Magna de 1988. Nesse sentido,

a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 (cinco) de outubro de 1988, em seu

Título VIII Da Ordem Social, dispõe sobre o tripé da Seguridade Social, quais sejam, Saúde,

Previdência Social e Assistência Social e, em seu Art. 203.º, Alínea V, definiu em que consistiria

o BPC (Cf. CRESS SP, 2007: p. 119). Por outra via, parece oportuno mencionar que o BPC

instituído constitucionalmente – e desde logo, convém assinalar essa diferença fundamental em

relação ao PBF que, embora respaldado por uma vasta legislação, carece de qualquer garantia

constitucional – compreende um benefício monetário – transferência direta de recursos em

espécie – de natureza assistencial – proteção não contributiva –, que assegura uma renda

mensal de cidadania a todas as pessoas idosas e pessoas com deficiência em situação

acentuada vulnerabilidade – miserabilidade e/ou pobreza.

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei Federal n.° 8.742, de 07 (sete) de

dezembro de 1993, trouxe em seu Art. 02.º, Alínea V, uma importante disposição sobre o

BPC, e no Art. 20.º a referência objetiva quanto à idade mínima da pessoa idosa potencial

pleiteante a esse benefício assistencial não contributivo (Cf. CRESS SP, 2007: pp. 135-43).

Nesse sentido, o BPC acabou por ser regulamentado com a LOAS, estabelecendo-se como o

primeiro mínimo social garantido constitucionalmente, mas cuja implementação definitiva

ocorreu somente a partir de 1996. No presente momento, esse benefício assistencial não

contributivo está alicerçado, em termos jurídico-normativos, no Decreto Presidencial n.º

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6.214, de 26 (vinte e seis) de setembro de 2007, posteriormente alterado pelo Decreto

Presidencial n.º 6.564, de 12 (doze) de setembro de 2008, sendo parte integrante das ações

de proteção social básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

De acordo com Luciana Jaccoud e colaboradoras (2009), a trajetória histórica que

envolveu (e ainda envolve) a implementação institucional do BPC se revela fortemente

marcada por acalorados debates e muitas controvérsias. Resumidamente, a partir desses

dois marcos legais fundamentais, as definições normativas iniciais e as respectivas regras

de operacionalização visando à concessão e/ou ao recebimento desse benefício assistencial

que envolve a garantia/segurança de renda monetária sofreram alterações substantivas em

03 (três) itens essenciais, a saber: primeiramente, com relação à progressiva redução da

idade mínima para o acesso ao BPC, por parte da pessoa idosa, aspecto fixado legalmente

desde sua implementação inicial; em segundo lugar, no que se refere ao conceito de família

empregado para o cálculo da renda familiar per capita;1 e por último, mas nem por isso de

menor importância, sobre o arcabouço conceitual pertinente à caracterização e à avaliação da

deficiência (Cf. JACCOUD; HADJAB & CHAIBUB, 2010: pp. 203-5).

Encerrando essa sumária tentativa de reconstrução das linhas mestras

conformadoras desse breve conquanto intenso ciclo histórico de pouco mais de 15 (quinze)

anos, recentemente, após um período relativamente extenso de tramitação no âmbito do

Congresso Nacional, a Lei Federal n.° 12.435, de 06 (seis) de julho de 2011, comumente

reconhecida por Lei do SUAS, ratificou as modificações introduzidas desde a formulação

originalmente estabelecida pela LOAS com os dispositivos jurídico-normativos que se

seguiram desde 1993, além do entendimento jurídico-normativo sobre o conceito de família

e o cômputo da renda per capita, para não mencionar ainda os parâmetros legais quanto à

caracterização e avaliação da deficiência (Cf. BRASIL, 2011b: p. 02).

Nesses termos, muito embora ainda tenha sido mantido o critério econômico de

renda familiar mensal per capita para a definição legal da pessoa idosa e/ou da pessoa com

deficiência que não tenha condições e/ou que a respectiva familiar seja incapaz de prover

sua subsistência, parece razoável supor que a incorporação de aspectos e elementos que

correspondem a uma perspectiva mais ampliada sobre o arcabouço jurídico-normativo

referente ao BPC pode vir a se revelar uma tendência em franca consolidação. Ora, não por

acaso, a publicação da Lei Federal n.º 12.470, de 31 (trinta) e um de agosto de 2011, sem

dúvida alguma conferiu uma amplitude ainda maior – e ao que parece, muito favorável –

quanto às disposições legais relativas à operacionalização desse benefício não contributivo

1 Em tempo: cabe observar que ao longo desse processo, também foram redefinidas as diretrizes para a avaliação médico-pericial das(os) pleiteantes e potenciais beneficiárias(os) do BPC Pessoa com Deficiência, que passou a ser de responsabilidade dos serviços de perícia médica do INSS e não mais de equipes multiprofissionais vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

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em 02 (duas) dimensões importantes, quais sejam, por um lado, mediante mais uma

alteração quanto à definição conceitual de pessoa com deficiência e melhorando as

possibilidades de inclusão profissional desse público no mercado de trabalho, e por outro,

acrescentando preceito jurídico-normativo similar – porém, a rigor ainda mais inclusivo –

para o caso das jovens pessoas com deficiência já inseridas no mercado de trabalho através

da assim denominada “Lei do Aprendiz” (Cf. BRASIL, 2011a: pp. 01-2).

A JUDICIALIZAÇÃO DO BPC E A PERÍCIA SOCIAL

CONTROVÉRSIAS A RESPEITO DO BPC E SUA JUDICIALIZAÇÃO

O BPC, prestação e/ou transferência monetária não contributiva dirigida como

benefício continuado às(aos) idosas(os) e às pessoas com deficiência sem meios de prover

sua manutenção ou de tê-la promovida por sua família, em sua trajetória histórica de

institucionalização e regulamentação de pouco mais de 15 (quinze) anos, de fato parece

expressar a consolidação de sólido pilar envolvendo a garantia de renda que, com destaque,

constitui-se em parte importante do sistema de proteção social e da Seguridade Social

brasileira. Com base nos dados e informações disponibilizados pelo Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), cuja referência é agosto de 2012, o

Brasil possui mais de 3,7 milhões de beneficiárias(os), dos quais pouco mais de 175 mil no

residem no Município de São Paulo, definindo com isso valores monetários acumulados da

ordem de 18,1 bilhões e 867 milhões, respectivamente, em repasses diretos às pessoas

idosas e/ou pessoas com deficiência.

De acordo com Luciana Jaccoud e colaboradoras (2009), são 02 (dois) os grandes

debates recentes em torno do BPC: por um lado, a respeito da natureza desse benefício

assistencial e de sua função no campo da proteção social, que acompanha o processo de

consolidação do BPC nas últimas duas décadas e que também esteve presente no Fórum

Nacional da Previdência Social (FNPS), espaço privilegiado para observação sobre as

diferentes posições existentes; e por outro, sobre o reconhecimento, por parte de

usuárias(os), governo e justiça, desse benefício não contributivo como direito social e a

busca de um alargamento em face do reconhecimento desse mesmo direito social (Cf.

JACCOUD; HADJAB & CHAIBUB, 2009: p. 205).

Conforme Aldaíza Sposati (2004), pode-se dizer que, a partir da institucionalização do

BPC, houve uma importante mudança histórica quanto ao padrão das ações de assistência

social dirigidas às pessoas idosas e às pessoas com deficiência, uma vez que a

descontinuidade e a desarticulação entre projetos e programas com acentuado viés

assistencialista deram lugar a um novo padrão de ações socioassistenciais, marcadas pela

regularidade e melhor articulação dos projetos e programas propiciando, de jure e de fato, a

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primeira grande iniciativa no sentido do estabelecimento de uma proteção social de massa na

política pública de Assistência Social no Brasil, uma inovação política, pois “ ... acessar um

benefício social como um direito constitucional, independente do vínculo de trabalho, é sem

dúvida, um marco significativo na extensão com contrato social brasileiro. Este, e talvez só este,

seja o grande caráter inaugural desse beneficio” (SPOSATI, 2004: pp. 125-29, grifo da autora).

Contudo, tanto para essa mesma autora, quanto também para Ana Ligia Gomes

(2004), há que ser destacado, em seus termos devidamente críticos, a natureza

contraditória e/ou mesmo restritiva do BPC tendo em vista a exigência de satisfação de um

critério de renda familiar per capita para sua concessão à pessoa idosa e/ou pessoa com

deficiência, isso porque esse benefício assistencial que é individual, de um lado, se torna

familiar somente no momento da concessão, e por não compreender um abono anual – à

maneira de um 13.º salário mínimo – e por não ser revertido em pensão devida a membros

do grupo familiar após a morte de sua(seu) beneficiária(o), de outro, se torna novamente

individual no momento da cessão (Cf. GOMES, 2004: passim; e ainda, SPOSATI, 2004: p.

145-7). Esse último aspecto, ademais, também é lembrado por Carlos Simões (2009), ao

mencionar que o BPC pode ser recebido por mais de um membro da família, porém, encerra-

se quando são superados os requisitos e, desse modo, não gera pensão, findando-se com a

superação dos requisitos, cumprindo ressaltar que caso esse benefício assistencial seja

deferido após a morte do requerente, um eventual dependente poderá recebê-lo por até 06

(seis) meses (Cf. SIMÕES, 2009: p. 337).

Nesse sentido, talvez fosse possível assinalar que por não gerar pensão, o falecimento

de uma(um) provedora(or) que adquiriu o direito ao usufruto do BPC significa o agravamento

da situação de vulnerabilidade para sua respectiva família, cônjuge e/ou filhos, pois em muitas

situações esses valores monetários são a principal senão única fonte de renda da família.

Para sintetizar os termos gerais a propósito dessa primeira dimensão na qual se revela alguns

dos aspectos contraditórios e/ou restritivos sobre o BPC, segundo pondera Aldaíza Sposati

(2004), as condições e o percurso para o acesso a esse benefício assistencial o transformou

em direito tutelado, com critérios seletivos danosos ao progresso constitucional e à efetivação

da proteção social, pois de fato condicionam o direito das(os) cidadãs(aos) à satisfação de

critério estritamente econômico – no caso das pessoas idosas, acrescido aos critérios de

incapacidade para a vida independente no caso das pessoas com deficiência –, trazendo a

necessidade do recurso junto ao Poder Judiciário, com toda a morosidade que lhe é peculiar,

fazendo desse um espaço privilegiado – e que seria, na verdade, desnecessário – para fazer

valer “ ... um direito humano e social” (SPOSATI, 2004: p. 126).

Esse último ponto específico, embora vinculado a inúmeros outros aspectos

igualmente controversos, também guarda profunda relação com outra temática igualmente

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10

polêmica e, portanto, objeto de acaloradas discussões que, segundo Luciana Jaccoud e

colaboradoras (2009), evidencia-se a partir do progressivo aumento das ações

apresentadas no âmbito do Poder Judiciário objetivando assegurar o acesso e, por

conseguinte, a ampliação da cobertura e proteção oferecida pelo BPC. Segundo elas, o

recurso ao Poder Judiciário objetivando a concessão do BPC envolve a própria

democratização da Assistência Social no Brasil, já que não se restringindo a um tema

pontual sobre esse benefício não contributivo, a judicialização cada vez mais adquire

visibilidade no campo das políticas públicas, fenômeno esse que, em parte, se deve aos

problemas encontrados pelo Estado brasileiro quanto à implementação, com qualidade e

ampla cobertura, de políticas sociais universalizantes, em especial, aquelas emanadas de

preceitos constitucionais: diante disso, estão se consolidando duas visões opostas sobre o

assunto, distinguindo-se em razão do valor positivo ou valor negativo atribuído à

judicialização do BPC, de modo particular, mas também de outros bens e serviços púbicos,

de maneira geral (Cf. JACCOUD; HADJAB & CHAIBUB, 2009: pp. 207-9).

PERÍCIA SOCIAL E BPC NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Considerando seriamente esse contexto mais amplo, Carlos Simões (2009) destaca

com assertividade a importância do trabalho desenvolvido pelas(os) Assistentes Sociais em

torno do acesso e da concessão do BPC, tendo em vista a efetiva consolidação dos direitos

sociais no plano de uma Seguridade Social ampliada, uma vez que esse segmento

profissional é plenamente habilitado para reconhecer e deferir (e/ou indeferir) o mesmo para

todo e qualquer indivíduo: categoricamente, ele afirma que a assinatura do profissional pode

proporcionar o acesso das pessoas que não atendam rigorosamente ao critério de renda

familiar per capita inferior à quarta parte do salário mínimo, de modo que mediante o aumento

dessa demanda, os profissionais atuantes na área podem e deverão transformar seus dados e

informações em material que adensarão às reivindicações para a crescente ampliação do BPC,

uma vez que “ ... se o laudo socioeconômico do Assistente Social comprovar carência, mesmo

que a referida renda seja superior ao citado limite, o direito ao benefício deve ser reconhecido

porque prevalece o Art. 20.º da LOAS” (SIMÕES, 2009: p. 330).

Isso posto, as linhas a seguir compreendem um breve e modesto esforço crítico,

envolvendo elaboração teórica conscienciosa com reflexão empiricamente orientada, a

respeito da concessão do BPC mediante recurso interposto, por parte das(os) potenciais

beneficiárias(os), junto ao JEF da 3.ª Região – São Paulo. Bem assim, a partir do universo

de observação (fonte de pesquisa) conformado por dados e informações extraídas da

documentação técnico-social (Laudos Socioeconômicos) e jurídico-normativa (Petições

Advocatícias e Sentenças Judiciais) disponíveis no ambiente restrito do website do JEF, foi

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possível estabelecer o universo de análise (objeto de estudo) composto por 41 (quarenta e

um) processos de requerimento do BPC, cujo recorte temporal diz respeito ao período de

junho de 2004 até fevereiro de 2012, respectivamente considerando o processo com a data

mais antiga de entrada inicial no INSS, de um lado, e o processo com a data mais recente na

qual foi emitido o parecer final pelo JEF, por outro, todos compreendendo munícipes

residentes na capital paulistana.2 Com efeito, apesar do número não muito elevado de casos

para a realização de uma análise estatística definitiva e/ou mesmo exaustiva a respeito da

concessão do BPC nos termos aqui em destaque, parece razoável assumir que os singelos

resultados doravante evidenciados, ainda sim, poderão oferecer algumas indicações gerais

a respeito da centralidade e importância do trabalho desenvolvido pelas(os) Assistentes

Sociais em face do acesso a esse importante benefício não contributivo, por parte de

cidadãs(aos) que tanto necessitam, e da contribuição técnica e social para a superação das

concepções restritas acerca da pobreza e da miserabilidade.

De modo objetivo, o Gráfico 03 ilustra a distribuição do montante total de processos

conforme as 02 (duas) modalidades do BPC, quais sejam, o BPC Pessoa com Deficiência e o

BPC Pessoa Idosa. Conforme será possível constatar, para o universo de análise doravante

considerado, ter-se-á cerca de 03 (três) BPC's da modalidade Pessoa com Deficiência para

cada 01 (um) BPC da modalidade Pessoa Idosa.

Em termos algo similares, enquanto o Gráfico 04 oferece dados e informações que

permitem caracterizar os 41 (quarenta e um) processos mencionados conforme sua

modalidade (BPC Pessoa Idosa ou BPC Pessoa com Deficiência) e de acordo com o gênero

e/ou sexo das(os) requerentes, o Quadro 02 sumariza as medidas de distribuição (valor

mínimo e valor máximo) e de posição (média aritmética) da variável demográfica idade

das(os) pleiteantes ao BPC.

2 Agradecemos às 02 (duas) Assistentes Sociais credenciadas como Peritas junto ao JEF pela colaboração em disponibilizar o acesso aos dados e às informações a seguir, complementando o material que fora igualmente produzido e compilado pela autora deste paper.

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

Elaboração Própria.

73,2%

26,8%

Gráfico 03: Distribuição dos Processos/Casos conforme Modalidade do BPC.

São Paulo - 2012

BPC Pessoa com Deficiência (n=30) BPC Pessoa Idosa (n=11)

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12

Segundo permite evidenciar o Gráfico 04, enquanto se pode dizer que existe um

relativo equilíbrio ante o BPC Pessoa com Deficiência, apesar do percentual ligeiramente

superior de homens, cuja frequência absoluta é de exatamente 16 (dezesseis) casos, em

comparação ao percentual de mulheres, cuja frequência absoluta é de exatamente 14

(catorze) casos, a situação particular do BPC Pessoa Idosa revela uma proporção feminina

substancialmente superior à proporção masculina, da ordem de quase 02 (duas) mulheres

para cada homem.

Já com base nos dados e informações apresentados no Quadro 01, merece destaque

que a relativa homogeneidade entre mulheres e homens mencionada anteriormente, agora

com relação à média de idade das(os) postulantes ao BPC tomadas(os) em conjunto, apenas

persiste no caso do BPC Pessoa com Deficiência, uma vez que a diferença entre a média de

idade sequer chega a 02 (dois) anos de idade quando se compara as mulheres aos homens.

Em outras palavras, de fato, existe uma diferença substancial entre a média de idade para as

mulheres quando comparadas aos homens no caso das(os) postulantes ao BPC Pessoa Idosa,

que quase atinge 05 (cinco) anos de idade.

Adiante, a Tabela 01 e a Tabela 02 colocam em evidência, novamente conforme a

modalidade do BPC, respectivamente, a variável socioeconômica nível de renda familiar per

capita das(os) requerente e o parecer social formulado pelas 03 (três) Peritas Assistentes

Sociais do JEF, informações relevantes para a concessão do BPC de acordo com aquilo que

estabelece a LOAS e, conforme destacado mais atrás, também consideradas no âmbito da

jurisprudência existente sobre o mesmo BPC.3

3 À época de realização das Perícias Sociais e elaboração dos Laudos Socioeconômicos correspondentes, o valor nominal do Salário Mínimo (SM) correspondia à R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), perfazendo assim os valores de R$

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

Elaboração Própria.

46,7%

63,6%

53,3%

36,4%

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%

BPC Pessoa com Deficiência (n=30)

BPC Pessoa Idosa (n=11)

Gráfico 04: Modalidade do BPC conformeGênero e/ou Sexo das(os) Requerentes.

São Paulo - 2012

Mulher/Feminino Homem/Masculino

Mulher/Feminino Homem/Masculino Mulher/Feminino Homem/Masculino Mulher/Feminino Homem/Masculino

BPC Pessoa com Deficiência (n=30) 29,6 31,2 0,8 4 56 56

BPC Pessoa Idosa (n=11) 72,4 67,5 67 65 78 72

Elaboração Própria .

Quadro 01Modalidade de BPC conforme Medidas de Distribuição e Posição da Variável Demográfica Idade e segundo Gêneo e/ou Sexo das(os) Requerentes.

São Paulo - 2012

Modalidade BPCMédia de Idade (Anos e Meses) Menor Valor (Anos) Maior Valor (Anos)

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

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13

Por um lado, os dados e informações oferecidos pela Tabela 01 indicam que tanto a

maior parte das(os) requerentes ao BPC Pessoa com Deficiência, com freqüência absoluta

equivalente a 16 (dezessete) casos, quanto a maior parte das(os) requerentes ao BPC

Pessoa Idosa, com frequência absoluta de 05 (cinco) casos, possuía nível de rendimento

familiar per capita igual ou abaixo de 1/4 do Salário Mínimo vigente à época. Em tempo: com

proporções distintas tendo em vista o total de casos considerados em cada situação, vale

destacar, ainda, que no universo de análise em relevo havia o total de 04 (quatro) processos

que compreendiam requerentes cujos níveis de renda familiar per capita estavam acima de

1/2 Salário Mínimo, distribuídos equitativamente entre a modalidade BPC Pessoa com

Deficiência e a modalidade BPC Pessoa Idosa. Por outro, com base naquilo que apresenta a

Tabela 02, pode-se depreender que em proporções equivalentes, aproximadamente, a 03 (três)

em cada 04 (quatro) e a 02 (dois) em cada 03 (três), respectivamente, as Peritas Assistentes

Sociais emitiram o juízo técnico afiançando a Situação de Miserabilidade das(os) requerentes ao

BPC Pessoa com Deficiência e BPC Pessoa Idosa, respectivamente.

Além disso, contrastando as duas tabelas de contingência há pouco exibidas, com

facilidade se evidencia que o critério estritamente econômico foi condição necessária,

contudo, não suficiente, para a caracterização da situação econômica das(os) 41 (quarenta

e uma/um) requerentes ao BPC, por parte das 03 (três) Peritas Assistentes Sociais. Ora, de

fato existe uma diferença estatística de quase 20 (vinte) pontos percentuais entre a

proporção de pessoas com nível de renda familiar per capita Sem rendimentos até 1/4 de

Salário Mínimo, cuja frequência absoluta equivaleu a 21 (vinte um) casos, e a proporção de

127,50 (cento e vinte e sete reais e cinquenta centavos) e de R$ 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco reais) como os patamares de 1/4 (um quarto) e 1/2 (meio) salário mínimo, respectivamente, dados e informações essas que foram utilizadas para operacionalização da variável nível de renda familiar per capita, há pouco mencionada.

Sem rendimentos até 1/4 SM

Acima de 1/4 SM até 1/2 SM

Acima de 1/2 SM

BPC Pessoa com Deficiência 53,3% 40,0% 6,7% 100,0% (30)

BPC Pessoa Idosa 45,5% 36,4% 18,2% 100,0% (11)

Total 51,2% 39,0% 9,8% 100,0% (41)

Situação de Miserabilidade

Situação de Pobreza Outra Situação

BPC Pessoa com Deficiência 73,3% 23,3% 3,3% 100,0% (30)

BPC Pessoa Idosa 63,6% 27,3% 9,1% 100,0% (11)

Total 70,7% 24,4% 4,9% 100,0% (41)

Modalidade de BPC conforme Parecer Social formulado pelas Peritas Assistentes Sociais.

Tabela 02

Modalidade BPC

Parecer Social

Total

São Paulo - 2012

Nível de Renda Familiar Per Capita

Modalidade BPC

Tabela 01

Total

São Paulo - 2012

Elaboração Própria .

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

Modalidade de BPC conforme Nível de Renda Familiar Per Capita das(os) Requerentes.

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

Elaboração Própria .

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pessoas para as quais o parecer social atestou a situação de miserabilidade, cuja frequência

absoluta foi de 29 (vinte e nove) casos. Em outras palavras, isso significa que se fosse

considerado apenas e tão-somente em seus termos minimalistas – quer dizer, única e

exclusivamente com base no critério econômico de renda familiar per capita –, e não em

termos mais amplos – tomando decididamente o contexto individual, familiar e social –, seria

expressivamente menor o número de potenciais beneficiárias(os) ao BPC Pessoa com

Deficiência e BPC Pessoa Idosa, para além do fato de ser plausível supor que as eventuais

chances sucesso quanto à obtenção desse benefício social, por parte dessas(es)

mesmas(os) requerentes, provavelmente também seriam menores.

Mesmo em face do exposto, um olhar apressado sobre os dados e as informações

apresentadas poderia sugerir que as Peritas Assistentes Sociais do JEF também levaram em

conta o critério de renda para emissão do parecer social definitivo (situação de pobreza ou

situação de miserabilidade). Contudo, parece importante destacar, a título de exemplo, os

trechos conclusivos de um Laudo Socioeconômico que, desde logo, evidenciará a

superficialidade dessa hipótese:4

Laudo Socioeconômico 1 – BPC Pessoa com Deficiência

“Com relação ao histórico pessoal e familiar do autor, reiteramos aqui dois

aspectos relacionados. Por um lado, há mais de 05 (cinco) anos, o autor sofreu

um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que lhe acarretou sério comprometimento

das funções motoras e restringiu sua mobilidade. Por outro lado, em decorrência

desse problema de saúde, desde então o autor não pôde mais exercer sua

profissão e/ou mesmo qualquer outro tipo de atividade remunerada.

No que se refere à infraestrutura e condições gerais de moradia, destacamos que

além de estar situado em uma área de elevada vulnerabilidade social, com

precária infraestrutura urbana, reduzida oferta de serviços públicos e sem as

devidas condições de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida (...).

A propósito dos meios de sobrevivência, cumpre ser pontuado que, no presente

momento, o grupo familiar em destaque conta apenas com rendimento mensal

proveniente de benefício previdenciário de que é detentora a esposa do autor,

pessoa idosa e que possui problemas de saúde, determinando receitas que não

satisfazem as despesas do mesmo grupo familiar.

Com relação à renda per capita do grupo familiar do autor, têm-se o que segue.

Por um lado, conforme a alínea “A” deste laudo socioeconômico, o cômputo da

renda per capita do grupo familiar perfaz o valor de R$ 155,00 (cento e cinquenta

e cinco reais) (...). Por outro, de acordo com a alínea “B” deste laudo

socioeconômico, o cômputo da renda per capita do grupo familiar perfaz o valor

de R$ 232,50 (duzentos e trinta e dois reais e cinquenta centavos) (...). Em tempo:

cumpre ressaltar que, apesar de contar com 24 (vinte e quatro) anos, essa pessoa

4 A fim de preservar as respectivas identidades, os nomes das(os) potenciais beneficiárias(os) do BPC e de seus respectivos familiares foram propositalmente abreviados.

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15

não possui qualquer fonte de rendimentos e, portanto, é economicamente

dependente do grupo familiar em questão.

Concluindo este laudo socioeconômico, podemos afirmar que o autor, Sr. R., bem

como seu grupo familiar, encontram-se em situação de miserabilidade, fato esse

que impossibilita a ele e aos seus familiares de viverem, no presente momento,

com efetiva dignidade, segundo os princípios constitucionais e os padrões sociais

vigentes”.

Com efeito, a leitura atenta dos excertos em relevo rapidamente permite constatar as

referências ampliadas à situação de vulnerabilidade social enfrentada pelas(os) requerentes

ao BPC e suas respectivas famílias, destacando dados e informações que são tão objetivas

quanto o critério estrito de renda familiar per capita, com vantagens adicionais, no

entendimento da autora e do autor deste paper, que permitem melhor contextualizar a

condição pessoal e familiar desses indivíduos ante as suas necessidades individuais e

situação familiar, trazendo à luz, por meio da expressão viver com efetiva dignidade

segundo os preceitos constitucionais, a dimensão precisa na qual está compreendido esse

benefício não contributivo, ou seja, os direitos sociais e a proteção social.

Ora, parece fora de questão, também, que apesar da relação existente entre a renda

familiar per capita e o parecer social final, quer dizer, na maior parte dos casos, há uma

correlação entre as categorias "Sem rendimentos até 1/4 SM" e "Situação de Miserabilidade"

e "Acima de 1/4 SM até 1/2 SM" e "Situação de Pobreza" – fato esse que demonstra a

preocupação técnica das referidas Peritas Assistentes Sociais em também considerar os

"critérios objetivos" estipulados juridicamente e empregados, por exemplo, por respeitáveis

órgãos governamentais tais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) –,

essas profissionais buscam situar o parecer social a propósito das situações de

miserabilidade e/ou pobreza em termos mais amplos, fazendo referência ao contexto

individual, familiar e social das(os) requerentes ao BPC para muito além dos recursos

econômico-financeiros disponíveis e/ou empregados para a subsistência econômica.

Nesse sentido, portanto, podem ser consideradas singulares as menções diretas de

trechos dos Laudos Socioeconômicos na sentença final e/ou parecer decisório emitido por

magistradas(os) do JEF, conforme os exemplos seguintes, aspecto esse que, para além

disso, também foi possível observar em petições e/ou requerimentos formulados por

algumas(alguns) das(os) próprias(os) Advogadas(os) das pessoas que requisitaram o BPC:

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Parecer e/ou Sentença JEF 1 – Pessoa com Deficiência

“Preenchido está, portanto, o requisito da deficiência, na forma prevista no art. 20,

§2º, da Lei 8742/93. Por outro lado, o laudo sócio-econômico aponta que a família

do autor possui uma renda total de um salário mínimo decorrente da

aposentadoria da esposa do autor que possui 69 anos de idade, sendo composta

por 3 integrantes, dentre os quais 1 filho que também está desempregado. De

acordo com o art. 20, §3º da Lei 8742/93, é considerada incapaz de prover sua

manutenção a família cuja renda per capta for inferior a ¼ do salário mínimo. A

renda da família do autor está pouco acima deste patamar, sendo relevante notar

que é inferior a 1 salário mínimo. Assim, demonstrada a verossimilhança das

alegações da parte autora. Também está presente o perigo de dano irreparável,

tendo em vista que o benefício tem caráter alimentar. Diante disso, defiro o pedido

de antecipação de tutela, para determinar ao INSS que implante o benefício

assistencial (LOAS) em favor do autor R., no prazo de até (quarenta e cinco) dias”

(grifos nossos).

Parecer e/ou Sentença JEF 2 – Pessoa Idosa

“A parte autora também preenche o requisito sócio-econômico. Verifico que o autor

reside na casa de uma amiga de sua mãe, Sra. M., que cedeu um quarto ao autor

por caridade, sensibilizada com a situação e estado de saúde do autor. De acordo

com o laudo, o núcleo familiar é composto apenas pelo autor. Ressalto que a Sra.

M. que recebe benefício de aposentadoria no valor de 1 salário mínimo, o que fez

com que o INSS indeferisse o pedido do autor, não faz parte de seu núcleo familiar

da parte autora. Sendo assim, o valor percebido por ela não pode ser levado em

conta para o cálculo da renda per capta. Considerando os gastos e as demais

condições do autor, o laudo da Assistente Social foi favorável à concessão do

benefício. Assim, indevido o indeferimento do benefício pelo INSS. Por fim, ressalto

que o benefício assistencial está sujeito a revisões periódicas, quando será possível

aquilatar se os pressupostos para concessão ainda persistem. Pelo exposto, dou

por resolvido o mérito nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo

Civil e JULGO PROCEDENTE o pedido do autor L., para determinar a concessão

do benefício assistencial no valor de um salário mínimo de renda mensal, a partir da

cessação do benefício em 16/10/2008” (grifos nossos).

A seguir, o Gráfico 05 evidencia os dados e informações sobre o parecer e/ou

sentença emitida pelo JEF igualmente conforme a modalidade do BPC. Conforme se verá, a

maioria absoluta tanto dos processos BPC Pessoa com Deficiência quanto dos processos BPC

Pessoa Idosa, em proporções aproximadas de 03 (três) em cada 05 (cinco) casos, perfazendo

respectivamente as frequências absolutas de 18 (dezoito) e 06 (seis) casos, obtiveram parecer

e/ou sentença favorável por parte do JEF, quer dizer, o BPC acabou sendo concedido às(aos)

requerentes que interpuseram recurso junto ao JEF ante a decisão inicial negativa do INSS. Em

tempo: convém ressaltar, a esse respeito, que em todos esses 24 (vinte e quatro) processos, o

JEF ainda determinou a execução de tutela antecipada, por parte do mesmo INSS.

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Considerando francamente a necessidade de aprofundamento do debate crítico em

busca de soluções efetivas para os muitos problemas envolvendo o acesso aos serviços

prestados às(aos) cidadãs(aos) por parte do Poder Judiciário, sobretudo as(os) menos

favorecidas(os) social e economicamente, não apenas da cidade de São Paulo mas em todo

o Brasil, diante do que foi considerado até aqui se crê possível antever a importância do

trabalho técnico (e social) desenvolvido mediante a elaboração dos Laudos

Socioeconômicos formulados a partir da realização de perícia social, por parte das(os)

Assistentes Sociais credenciadas(os) junto ao JEF. Em termos objetivos, as próximas tabelas

de contingência oferecerão algumas evidências empíricas que corroboram a tese e os

argumentos formulados por meio deste paper.

Antes de prosseguir, uma breve digressão se faz necessária. Com base nos dados e

nas informações apresentadas mais atrás, mediante a Tabela 01 (p. 13) e a Tabela 02 (p. 13),

seria razoável esperar que dentre o total de 41 (quarenta e um) processos que já transitaram

em julgado, 21 (vinte e um) casos, sendo 16 (dezesseis) BPC Pessoa com Deficiência e 05

(cinco) BPC Pessoa Idosa, obteriam o parecer favorável na situação de observância estrita

e/ou exclusiva do critério de renda familiar per capita, por parte do JEF, ou então,

considerando o parecer social emitido pelas 03 (três) Peritas Assistentes Sociais, esses

números seriam, respectivamente, no montante total de 29 (vinte e nove) casos, distribuídos

entre 22 (vinte e dois) BPC Pessoa com Deficiência e 07 (sete) BPC Pessoa Idosa. Em tempo:

obviamente, além do requisito socioeconômico, as(os) requerentes ao BPC Pessoa com

Deficiência deveriam também satisfazer aos critérios específicos atinentes à incapacidade

laborativa e para a vida independente.

Com efeito, ainda que os pareceres e/ou sentenças emitidas pelo JEF não tenham

atingido o montante total de 29 (vinte e nove) processos, sendo 22 (vinte e dois) BPC Pessoa

com Deficiência e 07 (sete) BPC Pessoa Idosa, que seria "esperado" conforme os pareceres

sociais elaborados pelas 03 (três) Peritas Assistentes Sociais, o montante total de 24 (vinte

Fonte: Perícias Socioeconômicas JEF (2009).

Elaboração Própria.

62,1%

54,5%

41,4%

45,5%

0,0% 25,0% 50,0% 75,0% 100,0%

BPC Pessoa com Deficiência (n=30)

BPC Pessoa Idosa (n=11)

Gráfico 05: Modalidade do BPC conformeParecer e/ou Setença JEF.

São Paulo - 2012

BPC Concedido BPC Não Concedido

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18

e quatro) processos, sendo 18 (dezoito) BPC Pessoa com Deficiência e 06 (seis) BPC Pessoa

Idosa, é de fato superior ao que também seria "esperado" caso se considerasse a situação

de miserabilidade apenas em seus termos economicamente restritos, já que se teria, então,

o montante total de 21 (vinte e um) processos cujas(os) respectivas(os) requerentes

estariam em situação de miserabilidade, sendo 16 (dezesseis) BPC Pessoa com Deficiência

e 05 (cinco) BPC Pessoa Idosa. Bem assim, vale dizer que houve de fato um incremento de

quase 15,0% (quinze por cento) em relação às concessões do BPC Pessoa com Deficiência

e do BPC Pessoa Idosa, ou seja, ao invés de 21 (vinte e um) processos houve 24 (vinte e

quatro) processos que lograram êxito junto ao JEF. Nesses termos, realmente se destaca

que nada menos que 03 (três) dentre o total de 17 (dezessete) processos BPC Pessoa com

Deficiência, cujas(os) requerentes foram atestados pelas Peritas Assistentes Sociais em

situação de pobreza, fizeram jus a esse benefício assistencial, conforme os pareceres e/ou

sentenças emitidos pelo JEF e exemplificados há pouco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com uma trajetória política de pouco mais de uma década e meia de

institucionalização e regulamentação no Brasil, o BPC devido à pessoa idosa e/ou à pessoa

com deficiência foi o primeiro benefício assistencial e/ou não contributivo implementado em

escala nacional e se consolidou com componente fundamental do sistema de proteção social

e da Seguridade Social brasileira. Historicamente, foi uma importante inovação no âmbito da

política social brasileira, fundamentando-se no princípio da solidariedade social para com as

pessoas que necessitam de proteção social por parte do Estado. Apesar das muitas

controvérsias que cercam tanto suas disposições jurídico-normativa quanto sua própria

operacionalização técnica, para além do próprio debate teórico e político, das quais apenas

uma pequena parcela de seus elementos pôde ser considerada aqui, parece fortemente

plausível afiançar que, para muitas pessoas, o BPC objetivamente significa uma “renda mensal

certa”, um direito socialmente adquirido e, portanto, um elemento fundamental no âmbito da

cidadania, algo totalmente distinto do favorecimento individual e/ou do clientelismo político,

infelizmente, um traço perversamente marcante na história política e social brasileira.

Conseguintemente, ao longo de seu amplo processo de institucionalização e

regulamentação, desde 1996 até o presente momento, esse benefício assistencial sofreu

alterações substanciais em aspectos fundamentalmente importantes que delinearam a atual

configuração de seu arcabouço teórico-conceitual e jurídico-normativo. De maneira semelhante,

em grande medida decorrente da vinculação a um critério seletivo definido em termos objetivos

da renda familiar per capita, teve lugar de destaque em sua trajetória social e política a assim

denominada judicialização do BPC – a interposição de recurso junto ao Poder Judiciário via

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Juizado Especial Federal (JEF) –, por parte de potenciais beneficiárias(os), visando ao acesso

e/ou concessão previamente indeferida pelo Poder Executivo – via Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS) –, situação compreendida positivamente por algumas(ns) e negativamente por

outras(os). Com efeito, mesmo que com menor preponderância quando comparado aos demais

elementos da assim denominada tríade dos mínimos sociais, o BPC oferece, sim, uma

importante e destacada contribuição para a necessária e urgente redução das desigualdades

sociais aliada à distribuição igualitária e justa da riqueza no Brasil contemporâneo, com suas

feições de caleidoscópio de muitas épocas, segundo a afortunada e plástica metáfora cunhada

por Octávio Ianni (IANNI, 1989: p. 72).5

A partir da reflexão empiricamente orientada, mediante o esforço de compilação e

organização de dados e informações sobre 41 (quarenta e um) processos que tramitaram entre

o INSS e o JEF desde junho de 2004 até fevereiro de 2012, envolvendo o requerimento do BPC

em suas duas modalidades – Pessoa com Deficiência e Pessoa Idosa – por parte de

cidadãs(aos) residentes no Município de São Paulo, é possível mencionar que o conjunto de

evidências objetivas sobre a concessão do BPC sustenta a intuição geral quanto à relevância do

trabalho desenvolvido pelas(os) Assistentes Sociais em um dúplice sentido, qual seja, para a

ampliação do entendimento sobre a situação de pobreza e a situação de miserabilidade de

indivíduos e suas respectivas famílias, e concomitantemente, para a ampliação das

possibilidades para o acesso e usufruto do BPC por parte daquelas(es) que necessitam dessa

proteção estabelecida no âmbito da política pública de Assistência Social brasileira.

Diante disso, portanto, seja pelos dados e informações coligidos aqui sobre a

contribuição para a celeridade ao timing decisório no âmbito do JEF, imprimido a partir da

realização das perícias socioeconômicas, para além obviamente da decidida influência do

parecer social quanto à situação de miserabilidade e/ou à situação de pobreza em face do

parecer e/ou sentença decisória estabelecida pelo JEF; seja pelo alargamento da

compreensão sobre o conceito de “situação de miserabilidade” e o conceito de “situação de

pobreza” mediante a sua conceituação/caracterização com base na realidade individual,

familiar e social das(os) cidadãs(ãos) que potencialmente fazem jus ao BPC, parece razoável

afirmar que o esforço técnico e profissional desenvolvido pelas(os) Assistentes Sociais de

jure e de fato vêm assumindo importância singular para o efetivo estabelecimento da

proteção social a partir da garantia e salvaguarda de direitos, especificamente no âmbito da

política pública de Assistência Social, que são fundamentais e imprescindíveis a toda(o) e

5 Apenas para mencionar uma evidência consistente a esse respeito, o estudo intitulado Gastos com a política social: alavanca para o crescimento com redistribuição de renda, recentemente divulgado pelo IPEA, demonstrou que a ampliação dos investimentos governamentais no BPC – e também no PBF – é uma das iniciativas que mais contribuíram para a queda da desigualdade absoluta, entre os 12 (doze) grupos familiares contemplados na análise, mensurada pelo Índice de Gini, com o patamar de redução de -2,33% – quanto ao PBF, esse valor corresponde a -2,15% (Cf. IPEA, 2011: p. 14).

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qualquer cidadã(ão) que vive sob a democracia representativa consagrada pela República

Federativa do Brasil a partir da Carta Magna de 1988.

Nesse sentido, ademais, com relação às perspectivas futuras, também se mostra

muito plausível supor que, aliado à farta jurisprudência – dimensão jurídico-normativa –

disponível a partir das decisões levadas a termo pelo JEF com relação ao INSS, bem como ao

acúmulo compreensivo e reflexivo – dimensão teórico-conceitual – sobre a temática no

âmbito técnico-governamental e acadêmico, a dedicação e o empenho das(os) profissionais

do Serviço Social também no âmbito da judicialização do BPC, poderá deflagrar (mais) um

eminente (e necessário) processo revisionista que, possivelmente, ampliará o acesso de

mais indivíduos à rede de proteção social brasileira, cujo sentindo mais amplo talvez

corresponda a um novo entendimento – nível da compreensão teórica – e uma nova

dinâmica – nível da práxis social – pertinente à ampliação, difusão e consolidação do

sistema de Seguridade Social no Brasil, sobretudo quanto à dimensão não contributiva

alicerçada na Assistência Social, ainda no alvorecer do Século XXI.

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n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência

Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor

individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao

trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa

renda; e altera os Arts. n.º 20 e 21 e acrescenta o Art. n.º 21-A à Lei n.º 8.742, de 7 de

dezembro de 1993 – Lei Orgânica de Assistência Social, para alterar regras do benefício

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Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, aprovado pelo Decreto no 6.214,

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