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UFPE – Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Jurídicas /Faculdade de Direito do Recife Programa de Pós-Graduação em Direito A IRRETROATIVIDADE E O DIREITO ADQUIRIDO NAS LEIS DE PLANOS ECONÔMICOS Nelson Buganza Júnior Brasília, 2001

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UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Ciências Jurídicas /Faculdade de Direito do Recife

Programa de Pós-Graduação em Direito

A IRRETROATIVIDADE E O DIREITO ADQUIRIDO NAS LEIS DE

PLANOS ECONÔMICOS

Nelson Buganza Júnior

Brasília, 2001

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NELSON BUGANZA JÚNIOR

A IRRETROATIVIDADE E O DIREITO ADQUIRIDO NAS LEIS DE PLANOS

ECONÔMICOS

Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal de Pernambuco, como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Raymundo Juliano do Rego Feitosa.

Brasília, 2001

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Para Renata, minha esposa, pela dedicação

mesmo nos momentos difíceis.

Às minhas filhas Nathália Fernanda e Lara

Beatriz, pelas horas ceifadas de nosso

convívio.

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Ao Professor-Doutor João Maurício Adeodato,

professor da Universidade Federal de

Pernambuco, o agradecimento pela ajuda na

escolha do tema.

Ao advogado e consultor jurídico do Banco do

Brasil, Dr. Acélio Jacob Roehrs, pelas

discussões acerca do tema, que muito

contribuíram com o estudo.

Ao Professor-Doutor Raymundo Juliano do

Rego Feitosa, orientador do presente trabalho,

professor da Universidade Federal de

Pernambuco, o agradecimento especial pelas

orientações prestadas.

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Ainda farei a disciplina resplandecer como a

aurora e a farei brilhar bem ao longe.

Ainda derramarei a instrução como uma

profecia e a transmitirei às gerações futuras.

Vede: não trabalharei só para mim, mas para

todos que procuram a sabedoria da lei.

(Eclesiástico, 24, 32-34)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 10

PRIMERA PARTE

1. As leis de planos econômicos e sua importância para a

sociedade brasileira............................................................................... 19

1.1. O decreto lei 2335/87 - plano econômico denominado

Bresser..................................................................................... 20

1.2. A lei 7730/89 - plano econômico denominado Verão............... 21

1.3. A lei 8024/90 - plano econômico denominado Collor. .............. 24

2. O direito econômico e o direito intertemporal como teorias de

poder...................................................................................................... 38

SEGUNDA PARTE

1. Definição dos princípios fundamentais na Constituição Federal

de 88........................................................................................................ 51

1.1. O princípio do direito adquirido como norma

fundamental e a segurança jurídica. ................................................. 52

1.2. O princípio da irretroatividade das leis. ...................................... 54

1.3 Os princípios constitucionais de direito intertemporal ................. 56

1.4 A aplicação de tais institutos no ramo do direito

econômico, constitucional e principalmente nas leis de

planos econômicos. .......................................................................... 57

TERCEIRA PARTE

1.O pensamento de Gabba e a teoria subjetivista. .................................... 60

1.1. A teoria do direito adquirido em face dos planos

econômicos................................................................................ 67

2. O pensamento de Roubier (a teoria objetivista) e o efeito geral ............. 69

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3. A teoria da diferenciação entre as normas de ordem pública e

privada em face da elevação do direito adquirido ao patamar

constitucional. ....................................................................................... 73

4. As espécies de retroatividade em nosso sistema jurídico. ..................... 79

4.1. A retroatividade máxima ou restitutória. .................................... 79

4.2. A retroatividade média. .............................................................. 80

4.3 A retroatividade mínima ou dos efeitos imediatos. ..................... 81

5. A retroatividade e o direito adquirido no sistema brasileiro..................... 82

5.1. O Direito Adquirido como Regra Constitucional. ........................ 86

6. O direito científico sobre a questão do direito adquirido na

concepção dos Constitucionalistas. ...................................................... 91

6.1. Carlos Maximiliano. .................................................................... 91

6.2. Araújo Castro.............................................................................. 92

6.3. Pontes de Miranda...................................................................... 93

7. Os civilistas.............................................................................................. 95

7.1. Beviláqua. ................................................................................... 95

7.2. Martinho Garcez. ........................................................................ 96

7.3. João Luís Alves. ......................................................................... 97

7.4. Eduardo Espínola. ...................................................................... 98

7.5. Spencer Vampré......................................................................... 98

7.6. Ferreira Coelho........................................................................... 99

7.7. Carvalho Santos. ........................................................................ 101

8. A Lei n. 4657, e a nova redação do art. 6º da Lei de Introdução.

Os civilistas posteriores à Lei de Introdução ao Código Civil. .................... 101

8.1. Silvio Rodrigues.......................................................................... 101

8.2. Caio Mário da Silva Pereira. ....................................................... 102

8.3 Arnold Wald. ................................................................................ 103

8.4 Vicente Ráo. ............................................................................... 104

9. O Projeto Haroldo Valladão. ................................................................... 105

10. A Constituição de 1967. ........................................................................ 106

10.1. O anteprojeto da Comissão Oficial de Juristas. ....................... 107

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10.2 O anteprojeto do Instituto dos Advogados de São

Paulo. ...................................................................................... 108

10.3 O projeto oficial e o texto sancionado. .................................... 109

11. A Emenda Constitucional de 1969. ...................................................... 109

12. O Projeto de Código Civil de 1975 e l997. ............................................ 110

13. A Constituição Federal de 1988. .......................................................... 110

QUARTA PARTE

1. O direito adquirido e a ordem pública. .................................................. 112

1.1. Considerações preliminares. ...................................................... 112

1.2. No direito moderno. .................................................................... 113

1.3. A contribuição do direito nacional, bem como da

jurisprudência pátria. ................................................................. 117

1.4. Orientações sobre as normas de ordem pública, como

são tidas as normas de planos econômicos. ............................ 121

2. A irretroatividade e o direito adquirido no sistema

constitucional brasileiro ......................................................................... 126

3. A irretroatividade e o direito adquirido no sistema do direito

federal ou ordinário brasileiro ................................................................ 128

4. A regra do efeito imediato e geral, conforme a teoria de Paul

Roubier e a sua adoção pelo Superior Tribunal de Justiça................... 130

5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão

dos planos econômicos. ....................................................................... 131

6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a

questão dos planos econômicos. .......................................................... 140

7. As causas do choque de decisões entre o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça. ............................................. 146

QUINTA PARTE

1. A Constituição Federal e a norma infraconstitucional. .......................... 151

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1.1. O decreto lei n.º 4657, de 4.657, de 4.9.42 (LICC). ................... 152

1.2. O projeto de lei n.º 1905, de janeiro de 1995. ............................ 155

SEXTA PARTE

1. A responsabilidade objetiva do Estado em face à intervenção

drástica na economia e a ocorrência do Dano ao patrimônio

dos jurisdicionados. ................................................................................. 159

2. A responsabilidade do Banco Central do Brasil e das

instituições financeiras detentoras dos contratos de depósitos. ............. 166

CONCLUSÃO.............................................................................................. 168

Bibliografia .................................................................................................. 172

1.1. Livros ...................................................................................... 172

1.2. Artigos ..................................................................................... 179

1.3. Jurisprudência ......................................................................... 180

1.4. Outros ..................................................................................... 187

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INTRODUÇÃO

Como advogado e procurador do Banco do Brasil, sendo

responsável pela defesa dessa sociedade de economia mista perante o Egrégio

Superior Tribunal de Justiça e do Excelso Supremo Tribunal Federal, nos deparamos

com inúmeras decisões, desses Tribunais Superiores, que francamente se chocam,

no tocante a irretroatividade, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, em especial

referência na análise das controvérsias acerca das leis de planos econômicos.

Tal estudo pretende demonstrar que até em sede de Tribunais

Superiores, através de suas decisões, tem essas se chocado em teses díspares, no

que se refere a matéria estudada, podendo pensar o mais desavisado leitor da

jurisprudência ao confrontá-las, a falta de sintonia entre intérpretes máximos da lei

infraconstitucional e constitucional, sobre o direito adquirido e a irretroatividade das

normas de planos econômicos.

Enquanto o Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de

Direito Privado, que formam a chamada 2ª Seção, afirmam que é possível a lei

retroagir, bem como a sua eficácia imediata, em flagrante quebra de contratos

realizados anteriormente ao ingresso de vigência de leis de Planos Econômicos no

mundo jurídico, portanto, em confronto ao que dispõe o ato jurídico perfeito, o

Supremo Tribunal Federal, através de seu plenário, por outro lado, tem se mostrado

bastante fiel ao princípio da irretroatividade da norma, seja ela mesmo advinda de

fator de Ordem Pública.

Tal choque de decisões, que faremos aqui demonstrar, entre o

Superior Tribunal de Justiça, que tem por missão constitucional ser o maior

intérprete do direito federal infraconstitucional, nos moldes do previsto no artigo 105,

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inciso III, da Constituição Federal1, e o Supremo Tribunal Federal, guardião do

direito constitucional brasileiro, conforme prevê o artigo 102, caput e inciso III, da

nossa Constituição Federal2, demonstra bem que nessa matéria, pelo menos no

tocante à questão de Planos Econômicos e sua aplicabilidade e eficácia das leis, no

tocante à implementação de tais leis estabilizadoras na economia, procurando o

completo equilíbrio dentro do assunto.

Defendemos, no presente estudo, que tal equilíbrio, emprestado às

decisões, que serão trazidas à colação, demonstram inteligentes argumentos, de

ambos os lados, encontrando-se, assim, muito bem fundamentadas.

É bem verdade que o enorme trabalho imposto ao Poder Judiciário,

no âmbito dos Tribunais Superiores aqui citados, em face ao acúmulo de processos,

que hoje desembocam nesses Tribunais, deixa de possibilitar um melhor estudo ou

mesmo aprofundamento da questão, mas, em se tratando de Planos de

Estabilização da Economia, os denominados Planos Econômicos que tanto

malefícios trouxeram à sociedade brasileira, é impossível a desconexão de um

Magistrado frente à realidade jurídica, social e até mesmo macroeconômica de todo

um país.

Apesar de muito intrigante o tema em questão, trata-se de questão

de extrema dificuldade, seja em face das diferentes posições doutrinárias e

jurisprudenciais que dispusemos para análise, seja porque as interpretações, tanto

1 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – (...) II – (...) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e territórios, quando a decisão: a) omissis b) omissis c) omissis 2 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – (...); II – (...); III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) (omissis) b) (omissis)

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dos doutrinadores aqui estudados, como da jurisprudência, não nos deram solução

definitiva, em face da complexidade do tema.

Em atenção ao Direito Comparado3, principalmente o Direito norte-

americano, Renê David4 consigna que a Lei Maior dos Estados Americanos dá

brilhante passo para cultuar a matéria estudada, em razão de qualificar o caráter de

irretroatividade das leis não só como regra para o Magistrado, como também para o

próprio Legislador.

Dos autores brasileiros, desde o Conselheiro Ribas até Limongi

França, passando por insignes jurisconsultos como Clóvis Beviláqua, Vicente Ráo e

Haroldo Valladão, bem como a célebre comissão de juristas que iniciou reforma na

Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei 4657, de 4.9.42, através do brilhante

Projeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, a matéria sempre esteve

em crescente discussão e, agora, ainda mais do que nunca, em face a contradição

esposada no âmbito dos Tribunais Superiores em relação ao Direito Intertemporal

brasileiro5, expressão sempre utilizada por Limongi França6, destacando-se, nesse

estudo a questão concernente às leis dos Planos de Estabilização Econômica.

Importe salientar que sempre, em nosso ordenamento jurídico, as

leis de caráter econômico não só retroagiram, como também ordenaram situações

pretéritas.

Portanto, lei posterior que fixa relação jurídica pretérita, mediante o

incremento, pelo legislador, daquela relação – sem mesmo consagrar

expressamente a matéria como de ordem pública ou para o bem comum, retroagem,

3 Direito comparado, no presente sentido, é como é visto o direito adquirido e a irretroatividade da norma em relação a outros ordenamentos jurídicos. 4 David, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, tradução Hermínio A Carvalho, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 381. 5 França, R. Limongi, A irretroatividade das leis e o direito adquirido — 5ª ed. Revisada do ‘Direito intertemporal brasileiro’— São Paulo: Saraiva, 1998. 6 Idem, 1998.

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e ainda propagam a aplicação imediata, essa é a tônica das leis de planos

econômicos, que, a princípio, se chocam com os princípios constitucionais aqui

demonstrados, é o que procuramos mostrar.

Inegavelmente que o objetivo da solução jurídica no caso dos Planos

Econômicos, em face da regra de nosso sistema legal vigente, seria o bem estar da

sociedade brasileira, como um todo, porém os aqui relatados nada trouxeram a não

ser mais depressão econômica e um número sem fim de batalhas judiciais frente aos

Tribunais.

Por certo, as vezes, diante da insuficiência da lei, deve-se buscar

seguir os costumes e, na sua falta, os princípios gerais de direito, sendo que o uso

da Doutrina e da Jurisprudência não pode olvidar em solução que resulte em

contrariedade à lei7.

Mas, a própria lei, nos casos de planos econômicos dispostos neste

estudo, e que, efetivamente, tinham por objeto o acerto da economia conjugando

crescimento econômico e controle rígido inflacionário, trouxeram simplesmente a

desilusão, deixando marcas profundas na sociedade, sendo o direito mero

sustentáculo para implantação e suporte legal, mas acabaram por deixar toda a

sociedade numa situação muito difícil.

Não menos certo que, em um dos planos econômicos, o momento

político era extremamente favorável, adveio de uma eleição, onde um Presidente foi

eleito com esmagadora votação popular, porém tais princípios se mostraram falíveis

e tênues naquele momento, porém, hoje, duradouros e fundamentais, pois é

inegável o fortalecimento da sociedade principalmente na esfera jurídica.

7 Rodrigues, Silvio. Direito Civil, v. 1, Parte Geral. — São Paulo: Saraiva, 1988, 22ª ed., p. 15.

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Diante desses problemas e constatações, e mesmo diante das

próprias decisões conflitantes entre Tribunais Superiores é que nos propusemos a

enfrentar tal estudo, eminentemente jurídico, mas com viés econômico e social.

Necessário colocar que realizamos ampla busca jurisprudencial, nos

Tribunais Superiores, esfera de nosso trabalho, e, ainda, doutrinária, sendo

necessário a demonstração aqui das ementas dos principais julgados que deram

origem a pacificação da jurisprudência no âmbito das Cortes Superiores.

O trabalho ainda busca, nessa primeira parte, interpretar o Direito e

o Poder à luz das teorias de Thomas Hobbes, John Locke, Immanuel Kant, Jean-

Jacques Rousseau, Friedrich Engels, Karl Marx e Michel Foucault.

Ressalte-se, ainda, que é necessário um especial enfoque `a

concepção de Michel Foucault, que, em seu livro Microfísica do Poder8, procura

mostrar que o poder não está localizado exclusivamente no aparelho de Estado: ele

se prolonga fora, abaixo, e ao lado dos aparelhos de Estado, a um nível muito mais

elementar.

Tal situação descrita por Foucault também se encaixa no brutal

acúmulo de trabalho imposto ao Poder Judiciário, no âmbito dos Tribunais

Superiores aqui citados, em face aos inúmeros processos que hoje desembocam

nesses Tribunais, deixando, por parte dos Magistrados, de possibilitar um melhor

estudo ou mesmo melhor aprofundamento da temática jurídica a ser analisada, mas,

em se tratando de Planos de Estabilização da Economia, os denominados Planos

Econômicos intentados e que resultaram infrutíferos naquilo que se propunham e

que tantos malefícios trouxeram à sociedade brasileira, é impossível a desconexão

de um Magistrado frente à realidade jurídica, social e até mesmo econômica de todo

um país.

8 Foucault, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal Editora. 1985

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Salutar lembrar que na época do bloqueio de março de 1990 e

conseqüente confisco do Plano Collor I, nosso Ministério Público e o próprio Poder

Judiciário se mostraram extremamente complacentes com as medidas, sendo que

até hoje o Supremo Tribunal Federal ainda não julgou definitivamente a questão.

No tocante a implementação jurídica dos Planos, e porque não dizer

formalização de leis de Planos Econômicos, todo o Poder do Estado é colocado em

prática, onde as teorias sobre o Poder são praticadas em larga escala. Tal tese

também enfoca o Direito e o Poder e, ainda, a análise de tais normas pelos Tribunais

e seu sistema jurídico.

Basta lembrar que a questão se reveste de suma importância, pois

passados quase dez (10) anos de implementação do famigerado Plano Collor, ainda

tal norma não passou pelo crivo de constitucionalidade do Supremo Tribunal

Federal, se constitucional ou não sua edição.

Procura o trabalho uma análise das leis entre 1987 até 1991,

demonstrando o caos econômico no país com a inclusão na ordem jurídica dessas

normas, sendo uma análise minuciosa das leis de Planos de Estabilização

Econômica e sua conseqüência jurídica para a sociedade como um todo.

O direcionamento do tema está centrado para o direito

constitucional, haja vista serem tais princípios fundamentais, mas também são

princípios de direito privado, além de como os Tribunais enfrentam a questão, e o

choque de correntes no Superior Tribunal de Justiça – o mais alto Tribunal

infraconstitucional – e o Supremo Tribunal Federal – o mais alto Tribunal da

República.

O trabalho procurou enfrentar o choque da jurisprudência dos

Tribunais Superiores, sendo que foi realizada exaustiva pesquisa de jurisprudência,

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por isso que se faz necessário rápida explicação a respeito do direcionamento do

tema para que não se chegue a conclusão de que tal vibrante discussão, que é do

direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da aplicação das norma de ordem pública,

também aborda a questão atinente aos planos econômicos, situação que afetou toda

a sociedade brasileira.

Tais motivos levaram a incessante busca tanto no Supremo Tribunal

Federal, guardião da Constituição Federal, como também pelo Superior Tribunal de

Justiça, intérprete maior do direito federal.

São temas que entrelaçam o direito privado e o direito público, sob

ponto de vista pessoal e acadêmico, pois tal divisão do direito não tem mais razão

de ser hoje em dia, mas o capítulo intitulado direcionamento do tema é em razão e

justificativa desse ponto de vista.

O método utilizado foi, além da pesquisa da jurisprudência nos

Tribunais, a comparação dessas decisões com a doutrina nacional e estrangeira.

A primeira parte enfoca a temática constitucional dos direitos

fundamentais, sempre voltada para os direitos de primeira geração em especial

como normas de proteção jurídica e reserva legal qualificada.

Enfrenta ainda a questão dos princípios constitucionais de direito

intertemporal presentes na Constituição Federal de 1988, e ainda nos diversos

ramos de outros direitos, sem esquecer do direito econômico, o qual apesar de

relativamente novo está presente nas relações jurídicas econômicas, ainda mais nos

dias atuais.

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A segunda parte enfoca a questão muito difícil no tocante ao sistema

de direito adquirido e a solução de conflitos envolvendo a matéria, procurando inserir

o leitor na doutrina abalisada sobre os temas em questão, fazendo referência aos

mestres de todas as épocas, desde um dos maiores jurisconsultos brasileiros, o

Conselheiro Antônio Joaquim Ribas, com sua obra Curso de direito Civil, datada de

1905, passando por Clóvis Beviláqua, Vicente Ráo, Haroldo Valladão, e ainda os

constitucionalistas brasileiros que não ficam a dever a nenhuma outra escola de

direito, dentre eles Carlos Maximiliano e Pontes de Miranda.

A terceira parte procura debater questões sobre o direito adquirido e

do direito intertemporal em especial demonstrando o choque da jurisprudência entre

os Tribunais Superiores, enfrentando a questão sobre à ótica das normas de ordem

pública, pois é inegável que os planos econômicos das décadas de 80 e 90 foram

dessa índole, mesmo sem contar com tal expressão pelo legislador, que preferiu, no

ímpeto, esquecer das amarras do direito.

Salientamos que a quarta parte faz detida análise do direito

intertemporal em sede de direito federal e a sua comparação com a figura constante

do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, , procuramos demonstrar que

não foi despropositadamente que tais temas, enfrentados por esse pesquisador,

constam de legislação constitucional e infraconstitucional, e faz análise minuciosa da

lei infraconstitucional, suas balizas e o brilhante Projeto de lei nº 1905, de janeiro de

1995. Procurando o autor trazer toda a coletânea do projeto bem como as

participações dos juristas que fizeram parte da comissão de estudos que elaborou o

projeto.

A quinta parte é uma coletânea de pontos polêmicos que foram

gerados pelas leis de planos econômicos inseridas que foram na história

contemporânea brasileira e seus efeitos nefastos, como a questão bastante

polêmica que é a responsabilidade civil objetiva do Estado em face à intervenção

drástica na economia com o confisco de bens e outros atos do Banco Central.

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Importante lembrar que a crítica e a polêmica ajudam no

engrandecimento da sociedade, por tais razões, como advogado militante na área e

como pesquisador das leis de cunho econômico, o autor busca sustentáculo e

argumentos nas mais diferentes decisões que demonstram o equilíbrio e o acerto de

decisões dos tribunais, na questão da temática jurídica enfrentada, mesmo sendo

elas tão contrapostas.

Tal jurisprudência é destacada pelos ensinamentos dos Ministros,

homenagem que faço aqui de plano pela brilhante contribuição para a sociedade,

pois os Tribunais estão hoje abarrotados de processos em razão dessas leis de

planos de estabilização da economia.

A quinta parte encerra, ainda, trazendo algo de novo para a

discussão, enfocando as arbitrariedades cometidas na lei de plano econômico

denominado Collor, pelas instituições de direito público e quais as dimensões de tais

desacertos para o país e perante o Poder Judiciário.

E finalmente a conclusão, que buscará revelar os anseios da

sociedade brasileira perante tais normas de planos econômicos.

PRIMEIRA PARTE

1. As leis de planos econômicos e sua importância para a sociedade brasileira

Num dado momento da história recente do País, entre os anos de

1986 e 1993, foram editados, nesse país, diversos Planos Econômicos que

mudaram, substancialmente, tanto a economia como a própria estrutura das

relações jurídicas contratuais.

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Dentre os mais controvertidos, de todos esses planos econômicos,

implementados em nosso país pelo Poder Executivo, em razão da forma como

atingiram toda a sociedade brasileira, sem dúvida alguma foram os editados através

da Decreto-lei nº 2.336/87 (Plano Bresser), o decorrente da medida provisória nº 32,

que se transformou na Lei 7730/89 e o denominado plano Collor I, realizado através

da medida provisória nº 168, que se transformou na Lei 8024/90, e o plano

denominado Collor II – Lei 8.177/91.

Tais planos de estabilização econômica foram desenvolvidas pelo

Poder Executivo e implementados através das leis supracitadas, porém, além de

trazer enormes e bruscas mudanças econômicas, trouxeram grandes complicadores

jurídicos, pois afrontaram e violaram princípios fundamentais, esquecendo-se dos

princípios da irretroatividade das leis e do direito adquirido.

Os planos de estabilização econômica além de trazer enormes

complicadores ainda poderá causar sérios problemas, pois em relação ao Plano

Collor ainda não há decisão sobre sua constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal

Federal.

1.1. O decreto lei 2335/87 - plano econômico denominado Bresser

Tal plano denominado Bresser correspondia a utilização de um

deflator, também chamado de tablita, que nada mais era do que o expurgo das

obrigações da parcela concernente à prefixação da inflação futura, embutida no valor

a ser pago, aliado ao congelamento de preços e salários.

O mecanismo, que não era novo, pois fora utilizado, com sucesso

inicial, no plano denominado de ‘cruzado’, o primeiro plano ortodoxo da era

contemporânea, pós-revolução de 1964, consistindo basicamente no seguinte: com

a escalada da inflação, as pessoas buscam resguardar-se dos efeitos da

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desvalorização da moeda, acrescentando nos valores a serem pagos, em parcelas

sucessivas, ou dentro de certo período, um índice que corresponda, o mais

aproximado possível, à inflação que certamente ocorrerá naquele lapso temporal.

Por um exemplo empírico, uma obrigação qualquer que contenha a

obrigação de pagar 100 (cem) em quatro parcelas sucessivas implicará no

pagamento de parcelas que contenham, além dos 25 (vinte e cinco)

correspondentes ao principal, outros valores relativos, não só ao juros embutidos e

ao lucro, mas também embutido nesse valor uma certa expectativa de inflação.

Pretendia tal deflator, instituído pelo Dec. Lei 2335/87, pelo menos a

redução de tal ocorrência a níveis próximos de zero. Portanto expurgar das

obrigações essa expectativa de ocorrência de inflação, sendo necessária sob pena

de enriquecimento indevido do credor.

Claro que tais iniciativas, vindas através de norma, não surtiram o

efeito esperado, entrando o nosso País numa ciranda de Planos Econômicos.

1.2. A lei 7730/89 – plano econômico denominado Verão

Com a edição da lei 7730/89 ocorreu alteração de indexador oficial: de

OTN para BTN, circunstância que inclusive veio a ser reconhecida em diplomas

legais posteriormente editados, como as leis 7799/89 e 7989/89.

No referido Plano Econômico, tal lei 7730/89 veio simplesmente

desconsiderar efetivo período inflacionário, no importe de 15 dias, pois o OTN,

indexador oficial, desde fevereiro de 1986, teve seu valor reajustado mensalmente

até 1.1.89 e, diariamente, até 15.1.89, extinguindo-se ainda a emissão de papéis

por aquele indexador e impondo outro: IPC, que seria calculado a partir de preços

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apurados entre o dia 15 (quinze) do mês de referência e o dia 16 (dezesseis) do mês

imediatamente anterior.

Não se desconhece também, em razão de inúmeras decisões dos

Tribunais, que houve também efetivo período inflacionário que restou

desconsiderado quando daquela alteração.

É entendimento expresso em inúmeras decisões jurisprudenciais, e

que serão divulgadas na dissertação, que a correção monetária não é acréscimo,

constituindo imperativo econômico, ético e jurídico, destinado a manter o equilíbrio

das relações jurídicas e evitar o enriquecimento sem causa, razão pela qual tal

correção monetária independe de lei específica autorizativa.

Portanto, é inegável que a lei 7730/89 expurgou percentual

inflacionário da economia, no importe de 70,28%, sendo esse percentual

reconhecido como excessivo pela Justiça, fixando essa outro em razão de uma

definição de um indexador mais adequado à real recomposição do poder de compra

da moeda no mês de janeiro de 1989, em face ainda da extinção e congelamento do

valor do indexador denominado OTN, papel público cuja flutuação refletia a perda

inflacionária, mensal e diária, nos termos de correção monetária oficial.

Tal recomposição porém se deu em patamar muito inferior ao índice

de 70,28%.

Em termos estatísticos, o que determinou a lei foi pressupor uma

variação linear dos preços de meados de um mês a meados do outros mês, quando

pela lei anterior tal variação linear se localizava entre o último dia de um mês ao

último dia do mês subsequente.

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O problema relativo ao expurgo de índice inflacionário, pela própria

lei 7730/89, se deu em razão de dois tipos de situação que enquadrou a lei: 1.

Extinção do indexador oficial então vigente (OTN pelo IPC); 2. Alteração da

metodologia de cálculo do IPC, tudo na forma consubstanciada do artigo 9º da Lei

7730/899.

Ao se examinar detidamente a lei, em seu artigo 9º, essa alteração

eqüivaleria, na prática, a comparar os preços vigentes no dia 15 de janeiro de 1989

aos preços praticados no ponto médio do período compreendido entre 15 de

novembro de 1988 a 15 de dezembro de 1988, isto é, aos preços prováveis

praticados no dia 30 de novembro de 1988.

Esse índice divulgado pelo IBGE, em 15 de fevereiro de 1989, foi de

70,28%.

Assim, ocorreu um período de mensuração que ao invés de ser

realizada durante todo o mês civil completo, foi realizado abrangendo 15 dias de um

mês e quinze dias de outro, mas com aplicação de preços de período inflacionário

que não correspondia aquele pesquisado, mas sim se dava em forma de pesquisa

de novembro a dezembro de 1988.

A lei fixou parâmetros, retroativos, mas para índices a partir do

momento de sua entrada em vigor.

9 Artigo 9º - A taxa de variação do IPC será calculada comparando-se: I - no mês de janeiro de 1989, os preços vigentes no dia 15 (quinze) do mesmo mês, ou, em sua impossibilidade, os valores resultantes da melhor aproximação estatística possível, com a média dos preços constatados no período de 15 de novembro a 15 de dezembro de 1988; II – (omissis).

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Seria acabar com a inflação, num dado momento presente, pois a lei

só pode reger-se para frente, fixando taxa e índice de outro período da história,

regido e abalizado por outros vetores econômicos e sociais.

Percebe-se ainda que isso ocorreu também com o título criado pela

lei 7777/89 e denominado IPC - Índice de Preços ao Consumidor, que substituiu as

Obrigações do Tesouro Nacional, extinta pela lei 7730/89, pois em que pese ter se

dado a criação do IPC em 1.2.89, com variação atrelada aos índices do IPC, tal

índice foi fixado retroativamente também em 1.2.89, portanto a própria União ficou

sem um padrão monetário oficial, pois ocorreu uma lacuna, haja vista que teve

vigência uma lei em julho/89, mas fixando valores, retroativamente, para

fevereiro/89.

Inegavelmente, constatado foi pelo Poder Judiciário que foi praticada

manipulação artificial de índices.

Como se pode compreender pelo artigo 9º, da Lei 7730/89, em seu

inciso II, que a taxa de variação do IPC seria calculada comparando-se ‘no mês de

fevereiro de 1989, a média de preços observados de 16 de janeiro a 15 de fevereiro

de 1989, com os vigentes em 15 de janeiro de 1989, apurados consoante o disposto

neste artigo’.

Para demonstrar a confusão colocada na economia, com reflexos

imediatos no Poder Judiciário, pois tais questões desembocaram com enorme grau

nesse Poder, traço aqui uma linha de raciocínio que demonstra a questão

sociológica que advém do fato social denominado Plano Econômico, que busca, por

uma norma jurídica: Medida Provisória, em razão da perda aquisitiva da moeda.

Portanto, assinalamos: diversos foram os índices divulgados no

mesmo período pelos vários órgãos aferidores do fenômeno inflacionário: 70,28%

calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 36,56%

calculado pela IGP/FGV (Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas),

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31,11% calculados pela FIPE/USP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da

Universidade de São Paulo), e 31,36% pela Ordem dos Economistas.

Em face da natureza peculiar da correção monetária, que consiste

na medida de um fato econômico, que veio ao mundo jurídico através de uma norma

jurídica, a grande questão está na interpretação da lei 7730/89 e tal estudo

abrangerá tal retroatividade dessa lei.

1.3. A lei 8.024/90 – Plano econômico denominado Collor

Após o fracasso dessas tentativas mencionadas para o controle

inflacionário, veio a tona novo Plano Econômico denominado Collor editado através

da Medida Provisória nº 168, de 15 de março de 1990, convertida na Lei 8.024, de

12 de abril do mesmo ano, que, entre outras medidas, alterou a denominação da

moeda do país (de cruzados novos para cruzeiros) e determinou ficassem

indisponíveis, para os seus titulares, valores superiores a NCz$ 50.000,00

(cinqüenta mil cruzados novos). Sendo que a lei determinou ainda a ruptura

contratual de todos os contratos privados nas instituições financeiras, principalmente

as cadernetas de poupança, mesmo abertas em períodos anteriores, pois contratos

sucessivos.

Importante salientar que a lei ainda determinou a aplicação de

índices que não se afiguravam corretos, pois divorciados da inflação estática

verificada no primeiro dia de vigência da lei.

Centro a discussão, primeiramente, nos depósitos em cadernetas de

poupança, haja vista a abrangência do fator social da medida em face da aplicação

popular contida na mesma, pois é sabido que as cadernetas de poupança é

aplicação financeira que concentra uma parcela enorme e heterogênea da

população, em forma de pecúnia, desde os mais humildes aos mais abastados.

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Veja-se ainda que a lei também dispôs sobre os depósitos à vista, e

ainda sobre todas as demais aplicações financeiras.

No que dispôs sobre o numerário das cadernetas de poupança,

tornou tais recursos excedentes a NCz$ 50.000,00 indisponíveis, na data da edição

do Plano, devendo ser transferidos ao BANCO CENTRAL DO BRASIL, na primeira

data de crédito de rendimentos após a edição do Plano, ou seja, durante o

transcorrer dos trinta dias imediatamente posteriores a 15 de março de 1990 todos

os recursos oriundos dessa aplicação estariam a disposição do BACEN.

Os recursos permaneceram no Banco Central do Brasil por um

período de 18 (dezoito) meses, após ao qual retornaram à condição de disponíveis

para os seus titulares, em 12 parcelas mensais consecutivas.

Durante o período de indisponibilidade dos recursos, a correção

monetária sobre eles incidente foi paga pelo Banco Central, com base na variação

do BTN fiscal, como determinado pela MP 168, hoje lei 8024/90 (plano denominado

Collor), em seus artigos 5º 10 e 6º 11.

10 Art. 5º. Os saldos dos depósitos á vista serão convertidos em cruzeiros, segundo a paridade estabelecida no § 2º do artigo 1º, obedecendo o limite de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos); § 1º. As quantias que excederem o limite fixado no ‘caput’ deste artigo serão convertidos, a partir de 16 de setembro de 1991, em 12 (doze) parcelas mensais iguais e sucessivas. § 2º. As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN fiscal, verificada entre o dia 19 de março de 1990 e a data de conversão, acrescida de juros equivalente a 6% (seis por cento) ao ano ou fração ‘pro rata’. § 3º. As reservas compulsórias em espécie sobre os depósitos à vista, mantidas pelo sistema bancário junto ao Banco Central do Brasil, serão convertidas e ajustadas conforme regulamentação a ser baixada pelo Banco Central do Brasil. 11 Art. 6º. Os saldos das cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do artigo 1º, observado o limite de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos). § 1º. As quantias que excederem o limite fixado no ‘caput’ deste artigo serão convertidas, a partir de 16 de setembro de 1991, em 12 parcelas mensais iguais e sucessivas. § 2º. As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN fiscal, verificada entre o dia 19 de março de 1990 e a data de conversão, acrescida de juros equivalente a 6% (seis por cento) ao ano ou fração ‘pro rata’. § 3º. Os depósitos compulsórios e voluntários mantidos junto ao Banco Central do Brasil, com recursos originários da captação de cadernetas de poupança, serão convertidos e ajustados conforme regulamentação a ser baixada pelo Banco Central do Brasil.

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A correção monetária paga pelo Banco Central com base nesse

critério, no transcorrer da segunda quinzena do mês de abril, quando estava

vencendo as primeiras aplicações financeiras foi a correspondente à variação do

BTNF12, no trintídio que se seguiu à edição do Plano Collor.

Sobre a totalidade dos depósitos em poupança existentes a partir de

15 de março de 1990, que tinham a data do primeiro crédito de rendimentos após a

edição do Plano - no mês de abril - portanto poupanças que foram abertas após o

Plano e no decorrer do mês de abril de 1990 - portanto poupanças abertas após a

abertura dos bancos, bem como outros valores que permaneceram em poder das

instituições financeiras, após a transferência do excedente a NCz$ 50.000,00

(cinqüenta mil cruzados novos), as instituições financeiras pagaram, durante todo o

referido mês de abril, a correção monetária correspondente ao IPC de março do

mesmo ano — no importe de 84,32% (oitenta e quatro inteiros e trinta e dois

centésimos por cento), como determinado pela Lei 7730, de 31 de janeiro de 1989 -

(artigo 17, III).

As mesmas instituições aplicaram, então, naquele mês, também

como determinado pela mesma Lei nº 7730/89 (art. 16), aos saldos de suas

operações ativas representadas por financiamentos imobiliários, rurais e outros, o

mesmo índice de correção monetária aplicado naquelas poupanças

supramencionadas - (84,32%).

Além desses mutuários que, em face desses financiamentos,

recorreram ao Poder Judiciário alegando que, tendo o contrato estipulado como

indexador do respectivo saldo devedor o mesmo índice de reajustamento aplicável

às cadernetas de poupança, sobre seus débitos deveria incidir, naquele mês, não o

índice de 84,32%, correspondente ao IPC de março, efetivamente pago pelas

instituições financeiras sobre os depósitos de poupança disponíveis, mas sim aquele

correspondente à variação do BTN - fiscal pago pelo Banco Central, na forma da lei

12 Bônus do Tesouro Nacional Fiscal - criado pela lei 7799/89.

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nº 8.024/90 artigos 5º e 6º, portanto sobre os recursos transferidos ao Banco Central

do Brasil, no importe de 41,28% (quarenta e um inteiros e vinte e oito centésimos

por cento). Índice portanto muito inferior.

Verdadeira quebra contratual e enriquecimento sem causa das

instituições financeiras, na visão dos mutuários.

Muitas dessas ações, julgadas improcedentes em sede de primeiro

grau, lograram obter decisão favorável, em grau de apelação, em Tribunais de

Justiça ou de Alçada Estaduais, sob vários argumentos, mas o principal no sentido

da necessidade de equilíbrio entre o quanto pago e o quanto cobrado pelas

instituições financeiras, na captação e na aplicação dos recursos, a título de

correção monetária.

Em outras palavras, entendeu o Poder Judiciário, nessas decisões

que, como os depositantes perderam a disponibilidade dos recursos que haviam

aplicado em depósitos de poupança e outras aplicações financeiras, pois tiveram

repassados para esse apenas a variação do BTNF - no importe de 41,28% - esse

deveria ser o índice a incidir sobre os saldos devedores dos financiamentos

imobiliários, bem como nos empréstimos rurais, para o mês de abril de 1990.

O entendimento, para o crédito rural, chegou em sede de Superior

Tribunal de Justiça, o qual decidiu que “ante o atrelamento contratual, é injustificável

aplicar-se, naquele período, o IPC, para a atualização da dívida, se os depósitos em

poupança, fonte do financiamento, foram corrigidos pelo BTNF”13.

Ocorre que o próprio STJ veio, em recente julgamento14, a julgar

outro recurso especial em 09.08.1999, para os financiamentos mobiliários, mas a

13 Resp. - Recurso Especial nº 47.186-RS, publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, Seção I, 1995, pág. 6587. 14 Resp. - Recurso Especial nº 189.166-SP, publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, Seção I, 2000, página 96.

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determinar para esses tipos de financiamentos que a correção monetária se daria

com base no IPC - ou seja - 84,32% - adotando posição totalmente inversa ao

adotado para o empréstimo rural. Acórdão ainda não publicado. Decisão bastante

dúbia e anti-jurídica, numa franca demonstração que, para aquele Tribunal Superior,

os produtores rurais, além de bem representados na Corte, estão em posição

privilegiada na sociedade, pois os produtores do campo pagaram somente 41,28%,

enquanto aqueles que pagam financiamento imobiliário, portanto moram nas

cidades, devem pagar 84,32%.

O detalhe simples é que tais recursos, atrelados também à

poupança, porém decorrente da habitação, tem como suporte a necessidade de

equilíbrio entre o que a instituição financeira paga pela captação dos recursos e o

que recebe de seus mutuários, a título de correção monetária.

Consoante se vê, um mesmo princípio serve de base para as duas

linhas de argumentação, que nesse caso se confrontam: a da necessidade de

preservação de equilíbrio entre o custo de captação das instituições financeiras e os

encargos por elas cobrados, em suas operações ativas, a título de correção

monetária.

Alegam os mutuários, de um lado, que, se houver a incidência do

IPC do mês de março (84,32%) nos saldos devedores dos financiamentos

imobiliários apresentados no mês de abril, isso acarretará o enriquecimento indevido

das instituições financeiras, visto que estas só teriam pago, naquele mês, sobre os

saldos dos depósitos em poupança, o índice correspondente à variação do BTNF.

Alega a Caixa Econômica Federal e as demais instituições dadoras de crédito, de

outro, que, tendo elas efetivamente pago, no mês de abril, sobre os saldos de

poupança disponíveis e também sobre os das contas vinculadas do FGTS, o índice

de 84,32%, o não recebimento desse mesmo índice em sua operações ativas

acarretará não só o seu indevido empobrecimento como também o risco de

inviabilização do próprio sistema de financiamentos imobiliários do País.

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Por força do disposto no art. 13 da Lei nº 8.036/90, os saldos das

contas vinculadas do FGTS passaram a ser corrigidos com base nos mesmos

parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança. A

correção monetária dos saldos dos depósitos de poupança, a teor do art. 17, III, da

Lei nº 7.730/89, passou a corresponder, a partir de maio de 1989, à variação do IPC

verificada no mês anterior. Nos termos do art. 16 da mesma Lei nº 7.730/89, os

saldos devedores dos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação devem ser corrigidos pelo mesmo critério de correção monetária das

cadernetas de poupança.

Com isso, ao determinar que um só índice de correção monetária (o

IPC do mês anterior) fosse aplicado tanto para as operações ativas quanto para as

operações passivas das instituições financeiras, fechou o legislador a cadeia capaz

de garantir o equilíbrio das relações, no que tange a esse específico aspecto,

firmadas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.

Apenas o crédito rural ficou de fora de tal questão, talvez em face da

questão social, talvez pela força do campo. Pois bem. Por força dos arts. 6º e 9º da

Lei nº 8.024, de 12 de abril de 1990, em que se converteu a MP nº 168, de 15 de

março daquele ano, veículo do Plano Collor I, deu-se o seguinte:

(I) os saldos das cadernetas de poupança

foram convertidos em cruzeiros na data do primeiro

crédito de rendimentos ocorrido após a edição do Plano –

período que abrangeu a Segunda quinzena do mês de

março e a primeira quinzena do mês de abril de 1990--,

observado o limite de NCZ$ 50.000,00;

(II) as cadernetas de poupança com data de

aniversário na Segunda quinzena do mês de março, à luz

do critério da Lei nº 7.730/89, foram creditadas pela

correção monetária correspondente ao IPC do mês de

fevereiro (72,78%). Esse crédito incidiu sobre os

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respectivos saldos totais, ainda em cruzados novos,

previamente transferência, para o Banco Central, dos

recursos excedentes a NCZ$ 50.000,00;

(III) as cadernetas de poupança com data de

aniversário na primeira quinzena do mês de abril, à luz do

mesmo critério da Lei nº 7.730/89, foram creditadas pela

correção monetária correspondente ao IPC do mês de

março (84,32%). Esse crédito também incidiu sobre os

respectivos saldos totais, ainda em cruzados novos,

previamente à sua conversão em cruzeiros, total ou

parcial, e conseqüente transferência, para o Banco

Central, dos recursos excedentes a NCZ$ 50.000,00;

(IV) na mesma data do primeiro crédito de

rendimentos após a edição do Plano, os valores

excedentes a NCZ$ 50.000,00 foram transferidos ao

Banco Central, em cruzados novos, onde permaneceram

por 18 meses, após o que retornaram à condição de

disponíveis para seus titulares, em 12 parcelas mensais

consecutivas; durante o período em que permaneceram

em poder do Banco Central, tais recursos foram

monetariamente corrigidos pela variação do BTN fiscal;

isso significa que os recursos excedentes a NCZ$

50.000,00 correspondentes às contas de poupança

vencidas na Segunda quinzena de março (que antes da

transferência receberam o crédito de 72,78%,

correspondente ao IPC de fevereiro), tiveram, na Segunda

quinzena de abril, quando já no Banco Central, o crédito

correspondente à variação do BTNF;

(V) na Segunda quinzena do mês de abril –

portanto, no segundo crédito de rendimentos após a

edição do Plano, os valores até NCZ$50.000,00 que

permaneceram, já convertidos em cruzeiros, depositados

junto às instituições financeiras, foram corrigidos

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monetariamente também pela variação do IPC de março,

ou seja, em 84,32%.

Disso se observa que houve a aplicação das regras da Lei nº

7.730/89, ou seja, a incidência plena da correção monetária correspondente à

variação do IPC do mês anterior, para a totalidade dos recursos em depósitos em

cadernetas de poupança existentes em 15 de março de 1990. Tais recursos foram

corrigidos, em sua plenitude, na data do primeiro crédito de rendimentos após a

edição do plano antes, portanto, de sua transferência para o Banco Central, pelo IPC

de fevereiro (72,78%), aqueles correspondentes a poupanças com aniversário na

segunda quinzena de março, pelo IPC de março (84,32), aqueles correspondentes a

poupanças com aniversário na primeira quinzena de abril.

Durante a segunda quinzena do mês de abril (ou seja, já decorrido o

prazo de 30 dias após a edição do Plano), a totalidade dos recursos em cadernetas

de poupança de que a CEF e as demais instituições tinham disponibilidade

(excluídos, portanto, os valores já transferidos ao Banco Central, foi também

corrigida pela variação do IPC do mês de março (84,32%).

Uma primeira conclusão, pois, quanto aos fatos, nesse passo já se

mostra possível: a Caixa Econômica Federal e as demais instituições financeiras

pagaram, durante todo o mês de abril de 1990, sobre os recursos em depósito em

cadernetas de poupança (existentes em 15 de março de 1990) disponíveis, a

correção monetária correspondente à variação IPC do mês de março, no nível de

84,32%. Esse mesmo índice de 84,32% também foi utilizado, naquele mês, pela

Caixa Econômica Federal, para corrigir monetariamente a totalidade dos saldos das

contas vinculadas do Fundo de Garantia.

Consoante vimos, a premissa básica dos dois raciocínios em debate

nesta contenda é a da necessidade de equilíbrio entre os níveis de correção

monetária dos recursos captados e aplicados pelas instituições financeira; no âmbito

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do Sistema Financeiro da Habitação, também consoante já vimos, o pólo de

captação é representado pelos depósitos em cadernetas de poupança e depósitos

de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, e o pólo de aplicação pelos mútuos

imobiliários.

Ora, se verifica que, em estrita obediência à legislação então

vigente, no mês de abril de 1990, a Caixa Econômica Federal e as demais

instituições corrigiram monetariamente os recursos depositados em cadernetas de

poupança pelo índice de 84,32%, e se, naquele mês, a Caixa Econômica Federal

também corrigiu monetariamente os saldos das contas vinculadas do FGTS pelo

mesmo índice de 84,32%, parece não haver dificuldade em concluir, em obediência

à lógica mais elementar, que o mesmo índice há de corrigir, no referido mês, os

saldos devedores dos financiamentos imobiliários.

Tal entendimento, no entanto, nunca se mostrou pacífico, pelo

menos no terreno da jurisprudência, onde há inúmeras decisões, em primeira e

segunda instância, ora adotando o IPC, ora a variação do BTNF, como o adequado

critério de indexação para o período em questão. Tendo em vista a então iminência

de decisão do STJ nos recursos especiais de início referidos, interpostos pela CEF e

por outras instituições financeiras, importa, no momento, verificar qual tem sido o

entendimento da mais alta Corte Federal sobre o tema e guardião da missão

constitucional de interpretar o direito infraconstitucional, sobretudo para verificar se

os argumentos em favor da incidência da variação do BTNF suplantam, em termos

de coerência e solidez, aqueles amparados na lei e na lógica do funcionamento do

sistema, que, conforme vimos acima, apontam em sentido contrário.

Em pelo menos três grandes tipos de demanda judicial foi o Superior

Tribunal de Justiça instado a se pronunciar sobre questões envolvendo o problema

aqui enfocado. Num deles estava em discussão qual índice deveria ser utilizado para

corrigir monetariamente as obrigações em geral no período de março a junho de

1990. A orientação que se firmou no seio da Corte Especial do STJ foi no sentido de

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apontar o IPC como o índice apropriado para corrigir obrigações pecuniárias no

período em questão15.

Tal linha de precedentes acabou por confirmar, pois, o entendimento

da CEF e das demais instituições financeiras de que os saldos devedores dos

financiamentos imobiliários devem sofrer, em abril de 1990, a incidência do IPC de

março, correspondente a 84,32%.

No segundo e mais importante grupo de demandas judiciais, o STJ

viria a consagrar essa posição. Trata-se de ações em que titulares de depósitos em

poupança reclamaram o pagamento da diferença, durante o período de retenção dos

recursos, entre a correção monetária paga pelas instituições sobre os recursos que

permaneceram em poupança, até NCZ$50.000,00, e aquela paga pelo Banco

Central sobre os recursos a ele transferidos.

A posição então defendida pelas instituições financeiras, nessas ações,

com a qual concordamos plenamente, foi a de que existia uma relação original,

contratual, entre o depositante e a instituição financeira, a qual foi cindida para dar

lugar a uma outra, de cunho legal, entre a instituição financeira e o Banco Central. O

depositante deveria então reclamar, haja vista o ato administrativo, em face ao poder

de Império praticado pelo Banco Central, seria essa pessoa de direito público que

veio compor a Segunda relação e, portanto, tendo direito a receber, sobretudo do

Banco Central, pois administrador de todo o numerário retido, pois transferido a essa

autarquia todo o numerário.

Aqui é importante a lembrança que o próprio Banco Central ainda passou

a emprestar tal numerário às instituições financeiras, conforme menciona o próprio

15 Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 49.557/SP, publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, Seção I, 1995, pág. 35689; sendo os seus precedentes as decisões proferidas nos Embargos de Divergência n.º 36.623, publicado na cidade de Brasília, Diário da Justiça da União, 1995, pág. 7563; Embargos de Divergência n.º 39688, publicado na cidade de Brasília, Diário de Justiça da União, 1995, pág. 7598 e Embargos de Divergência n.º 42.798, publicado na cidade de Brasília, Diário de Justiça da União, 1995, pág. 7658 e Embargos de Divergência n.º 45.906, publicado na cidade de Brasília, Diário de Justiça da União, 1995, pág. 7666.

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art. 17, da lei 8024/9016, por ventura, estivessem tais instituições financeiras a se

utilizarem, em face a empréstimos ou outros tipos de aplicação, portanto jamais foi o

Banco Central mero depositário legal dos recursos, sem qualquer ônus em tais

transações, sendo o Banco Central o responsável por qualquer diferença de

correção monetária entre o nível pactuado na primeira relação e aquele imposto pela

lei na segunda.

Entendeu o Superior Tribunal de Justiça corretamente, e tal entendimento

se acha cristalizado em mais de 30.000 (trinta mil) decisões, que os titulares de

depósitos em poupança teriam o direito de obter, não das instituições financeiras,

mais sim do Banco Central, a cobertura da diferença entre rendimentos previstos

pelas regras legais e contratuais vigentes ao tempo da retenção (dos cruzados) e os

efetivamente pagos até o momento da efetiva liberação dos recursos, aplicando-se a

correção monetária calculada pela variação do IPC e não do BTN17.

É de extrema importância reter, aqui, o raciocínio que respalda

essas milhares de decisões do Superior Tribunal de Justiça, entendendo, em

primeiro lugar, ter havido o rompimento do contrato original de depósito entre

poupador e instituição financeira, substituído que foi, no tocante aos recursos

transferidos ao Banco Central, por um depósito legal, o qual também absorveu

outros tipos de passivos bancários (RDB, CDB, etc); tendo havido o rompimento do

contrato original, as condições inerentes a essa relação só se mantiveram no tocante

aos recursos não transferidos ao Banco Central; diferentes, portanto, seriam os

regimes jurídicos a que se encontram submetidos, de um lado, os recursos

transferidos ao Banco Central e, de outro, os recursos que remanesceram com as

instituições financeiras em poupança.

16 Art.17. O Banco Central do Brasil utilizará os recursos em cruzados novos nele depositados para fornecer empréstimos para financiamento das operações ativas das instituições financeiras contratadas em cruzados novos registrados no balanço patrimonial referido no artigo anterior. 17 acórdão líder proferido no Recurso especial n.º 33.016, publicado na cidade de Brasília, Diário de Justiça da União, 1994, pág. 61857.

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Por essa específica razão entendeu o Superior Tribunal de Justiça

que tanto o Banco do Brasil, como as demais instituições financeiras, seriam partes

ilegítimas nos aludidos contratos. Mas o Tribunal foi além e, também, entendeu que

haveria uma diferença de rendimentos a ser ressarcida pelo Banco Central porque

este teria pago, sobre os recursos que lhe foram transferidos, um índice de correção

monetária inferior àquele que, na visão do Tribunal, seria o devido.

O índice pago, como vimos, foi o BTN fiscal; e o índice devido até

hoje a jurisprudência no próprio STJ é conflitante, se de 84,32% (IPC) ou 41,28

(BTN).

Se assim é, também por essa linha de precedentes, do Superior

Tribunal de Justiça, assistiria razão à CEF e às demais instituições financeiras: se o

índice apropriado para corrigir os depósitos em poupança, mesmo após transferidos

ao Banco Central, é o IPC, outro não pode ser o índice apropriado para corrigir os

saldos devedores dos financiamentos imobiliários, bem como os dos financiamentos

rurais e outros.

Convenhamos, decorrendo da lei e dos contratos, e sendo da

essência do próprio equilíbrio do regular funcionamento do sistema que os índices

de correção monetária dos depósitos de poupança e dos saldos devedores dos

financiamentos hão de ser idênticos, mostrar-se-ia de invencível incoerência mandar

aplicar aos saldos devedores de financiamentos imobiliários índice de correção

monetária representado pela variação do BTN fiscal, se aos poupadores, na outra

ponta, reconheceu-se o direito de receber, do Banco Central, a indenização da

diferença entre a variação do BTN fiscal e a do IPC.

Afinal, dada a regra de identidade dos índices nos pólos captador e

aplicador, ou bem o índice apropriado para corrigir os saldos devedores dos

financiamentos imobiliários é o BTN fiscal, e nesse caso não pode haver qualquer

diferença a ser ressarcida pelo Banco Central a poupadores, ou bem o índice

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apropriado para corrigir os depósitos em poupança é o IPC, e por isso entendeu-se

haver uma diferença a ser ressarcida pelo Banco Central, exatamente porque

corrigiu os recursos postos à sua disposição pelo BTN fiscal.

Essa incoerência, com a devida vênia, cumpre reconhecer é

flagrante nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (ligadas do terceiro grupo de

demandas judiciais a que nos referimos: financiamentos para a área rural), que

determinou a correção, no mesmo período, dos saldos devedores de financiamentos

na área do crédito rural pela variação do BTN fiscal, sob o argumento de que este foi

o índice que corrigiu os depósitos de poupança. A premissa do raciocínio, como

vimos, é falsa.

A variação do BTN fiscal não foi utilizada para corrigir os depósitos

de poupança. Todos os saldos de depósitos de poupança existentes em 15 de

março de 1990 foram corrigidos, nos trinta dias que se seguiram, pelo IPC, e o

mesmo se deu com relação aos saldos que remanesceram nas instituições

financeiras.

O BTN fiscal foi utilizado, sim, mas pelo Banco Central, na forma da

lei, para corrigir os valores a ele transferidos, e foi justamente por essa razão que o

mesmo STJ entendeu que remanesce para ele, Banco Central, e não para as

instituições financeiras, a obrigação de ressarcir os depositantes pelo valor da

discutida diferença.

É imprescindível, portanto, para uma análise correta e justa da

situação, que se consiga enxergá-la de forma coerente. O risco de em ações

movidas por poupadores reconhecer-se o direito à aplicação do índice mais alto, e

em ações movidas por mutuários reconhecer-se o direito à aplicação do índice mais

baixo, com o que, é, inevitável a conclusão, estar-se-á simplesmente a pavimentar o

caminho que leva à inviabilização do sistema econômico.

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O que cabe também ser indagado é se tal aplicação imediata da

norma violou o direito adquirido de poupadores e mutuários, não só em face do

princípio da irretroatividade das leis, mas sustentado por uma moldura fática advinda

de eleições presidenciais, ou como um reserva legal qualificada.

Também consoante exaustivamente se viu, no período em que se

localiza a presente discussão, mês de abril de 1990, houve, de parte das instituições

financeiras em geral, em obediência à lei então em vigor, o pagamento de correção

monetária sobre os depósitos em poupança no nível correspondente à variação do

IPC do mês anterior, fixada em 84,32%.

A parcela de recursos transferida ao Banco Central foi atualizada

monetariamente naquele mês por outro índice (a variação do BTNF), e por essa

razão o Superior Tribunal de Justiça considerou que os poupadores têm direito a

receber, do Banco Central, a diferença entre o índice que foi pago pelas instituições

sobre os depósitos junto a elas disponíveis e aquele pago, na forma da lei, pela

autoridade monetária, sobre os recursos a ela transferidos. Trata-se, na visão do

STJ, de relações distintas, uma contratual (entre o depositante e a instituição), outra

legal, sob a égide, por isso mesmo, de regimes distintos, que não se confundem.

Mas a discussão, em torno da legalidade do plano econômico

denominado Collor, concentra-se na sua aplicação imediata e também na

retroatividade da norma, essa é a questão fulcral.

2. O direito econômico e o direito intertemporal como teorias de poder

A questão do poder, para Hobbes, expressada pelo Leviatã, que

simboliza o Estado autoritário, onde o poder único é condição básica para a

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existência da Cidade.18

Para Hobbes, o soberano é o homem cuja vontade é considerada de

cada pessoa em particular. Está investido o poder absoluto e livre do poder das leis.

Estas, ainda que sejam fundamentais em boas razões, contudo, dependem apenas

de sua pura vontade. Ele pode mudá-las, e contra suas decisões é impossível haver

recurso ou contestações. Sem dúvida, a lei visa à justiça, mas, no regime em que há

um soberano, obedece-se à lei enquanto ela é a vontade do Príncipe.

O direito, para Hobbes, é o útil. Não existem normas

preestabelecidas tais que devam sempre ser levadas em conta para quem ministra a

justiça. Para compreender o direito, é preciso retornar ao estado de natureza:

“Este desejo natural de conservar-se, isto é, o que se

chama direito ou (em latim) jus, é uma inocente liberdade

de empregar o seu poder e a sua força natural. No estado

de natureza, tendo “direito” a tudo que quero, eu posso

(fisicamente, e nos limites da minha força física) apoderar-

me de tudo que é bom para mim, segundo o meu juízo. O

direito (jus) é medido pelo útil (utiles).”19

Assim, segundo a concepção hobbesiana, não há necessidade de

existir um poder que as pessoas temam ou obedeçam, porque é útil aceitar a palavra

do juiz. Este é totalmente imparcial e a sua concepção do que é certo ou justo é

também percebida por todas as pessoas. Ele é capaz de decidir com base em si e

não sob a orientação de uma legislação externa à pessoa.

O Leviatã é, sem dúvida, o símbolo do Estado autoritário. Mas, como

18 A definição hobbesiana da cidade e a seguinte: “uma multidão de homens, unidos numa pessoa única por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito comuns.” 19 Lebrun, Gérard. O que é poder. São Paulo: Abril Cultural, Brasiliense 1984. P. 38-39.

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lembra Gerard Lebrum, “foi graças à tutela de um poder único e centralizador que o

indivíduo se viu capaz de compensar o seu isolamento e de reivindicar a sua

condição de indivíduo.”20

Historicamente, Hobbes abriu caminho para o pensamento político,

embora, perdurando sua proposta, o poder manifestar-se-ia menos pela repressão,

mais pela sua necessidade. Seria exercido pelo consentimento, e não pela força.

Na concepção de John Locke, filósofo inglês, e também estudado na

obra de Gérard Lebrum, para se manter o esquema da soberania, mas numa

perspectiva burguesa, onde o poder é exposto, com toda a sua clareza, como nada

mais que um fiel instrumento a serviço dos proprietários. O estado existe para a

garantia do exercício da propriedade.

Para Locke21, o poder não é mais a expressão do social: é conferido

a indivíduos que governam baseados num contrato. Assim, a garantia dos direitos

dos proprietários é a própria razão de ser do poder. A rigor, o poder deixa a

sociedade funcionar, e não é ele que a faz funcionar.

Como observa Gérard Lebrun:

“LocKe não mais considera o poder como o núcleo

político do social: trata-se, simplesmente, de uma

instância que exerce sua função social determinada. E o

que se deve temer, acima de tudo, é que o poder

ultrapasse esta função, e que os súditos fiquem privados

de recurso contra ele. Está, portanto, no abuso do poder o

maior risco de ruína para o corpo político.”22

20 Ibidem, p. 45. 21 Ibidem, p.55. 22 Ibidem, p. 62.

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Por seu turno, Immanuel Kant23 propõe um Estado cuja função é

ordenar a multidão sob leis gerais. Pressupõe o “social” centrado na atividade

econômica e ambiciona chegar a uma sociedade regida por leis tão invioláveis

quanto as da natureza, talvez aqui Kant tivesse em mente exatamente uma

concepção vivenciada pela situação econômica, e que resume claramente a

questão: quem não possui o econômico jamais possuirá o político. Essa era a

situação vivida quando Fernando Collor de Mello, que recebeu o país de José

Sarney, com uma inflação, em março de 1990, no importe de 84,32%. Para o

presidente eleito, todo o desenvolvimento e estabilidade do país estava centrado na

situação da economia, por isso impôs um Plano que confiscava as poupanças com

uma lei severa e sagrada, sendo que num primeiro momento ninguém,

absolutamente ninguém ousou contestar tais medidas, deixando o Ministério Público

e o Poder Judiciário em completo estado de choque, somente após algum tempo,

quando o Plano começava apresentar sérios problemas que ocorreram fortes

pressões e liminares para desbloquear o numerário confiscado.

Importante lembrar aqui Luciano Gruppi:

“Kant sustenta que toda lei é tão sagrada, tão inviolável, que é crime mesmo colocá-la em discussão. Adverte que o monarca nunca deixa de ser um justo intérprete da soberania do povo, do direito natural, e que as leis sempre correspondem ao direito natural, à própria soberania do povo.”24

Politizar o homem, para Kant, não consiste mais em educá-lo

moralmente, mas em introduzi-lo num maquinismo que o sujeitará a fins (a paz e a

segurança) que, apenas por suas disposições naturais, ele não poderia atingir. O

modelo político é, pois, mecanicista. Trazendo para a questão atual, quando da

formalização e implementação do Plano, ninguém ousou discordar dos meios e

métodos utilizados, toda a sociedade assistiu a tudo, sem esboçar qualquer

irresignação.

23 Ibidem, p. 68. 24 Gruppi, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx. Engels. Lênin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1980.p.17.

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Na concepção de Jean-Jacques Rousseau25, o poder pertence só ao

povo. Por via de conseqüência, o povo nunca deve criar um Estado distinto ou

separado de si mesmo. O único órgão soberano é a assembléia e nesta é que

repousa o poder.

Rosseau não faz distinção entre os poderes, visando afirmar, acima

de tudo, o poder da assembléia. Não pode existir um poder executivo distinto da

assembléia, do poder representativo.

A concepção de Rousseau encontra, na prática, dificuldades de

organização. A reunião do povo em assembléia é possível numa pequena cidade,

mas provavelmente seria impossível num Estado moderno.

Dentro da proposta do liberalismo do século XIX, Alexis

Tocqueville26 teme a omissão das pessoas em favor do poder tutelar. Sustenta que o

individualismo que se desenvolve nas sociedades democráticas pode fazer com que

o poder se utilize do isolamento e da fraqueza das pessoas. Para ele, tal tendência

só pode ser refreada por meio da participação das pessoas na condução dos

negócios públicos.

O liberalismo se preocupou essencialmente com a independência

dos agentes econômicos, enquanto Tocqueville enfatiza o perigo de o poder vir a

privar os indivíduos de qualquer iniciativa política. Teme a dominação política, o

poder apenas pelo mando, como forma de opressão.

Na concepção de Friedreich Engels27, o Estado é conseqüência da

divisão da sociedade em classes, com o desenvolvimento da economia, surgem

25 Lebrun, Gérard. O que é poder. São Paulo: Abril Cultural, Brasiliernse 1984. p. 45. 26 Ibidem, p. 47. 27 Gruppi, Luciano. Op. cit. p. 39.

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diferenciações econômicas, de classes. Então, vem a crise. É justamente nesse

momento que surge a organização do Estado, o qual tende a dominar a sociedade.

É importante observar que Engels vê o Estado como um poder que,

nascido da sociedade, vai tornando-se cada vez mais estranho a ela, isto é,

transforma-se num corpo separado.

Na perspectiva de Karl Marx28, somente a ascensão do proletariado

poderia pôr termo ao poder político, culminando com a abolição das classes sociais

e da coerção do Estado, que era a expressão da dominação de uma classe sobre a

outra.

Marx sustenta que, quebrada a máquina da dominação, seriam

vencidas as dificuldades que impediam a liberdade. Era sensível a desproporção

entre o alcance do poder político e a precaridade do quadro institucional, que

reduziria esse poder a uma instância opressora, mantendo em funcionamento o

sistema de produção. A instituição da propriedade coletiva dos meios de produção

suprimiria, ipso facto, a instância do Estado, deixando espaço apenas para o

problema técnico de planejamento, terminando assim os problemas políticos.

Dentro da lógica marxista, acreditava-se no fim dos dominadores e

dos dominados, no fim do poder de um homem sobre outro homem. Essa postura é

considerada por Gérard Lebrun29 como radical e que nega a necessidade de uma

ordem política, considerada como condição fundamental para o funcionamento de

uma sociedade moderna.

É importante salientar que a grande maioria das teorias aqui

mencionadas tem grande preocupação com a parte econômica, demonstrando que

28 Op. cit. P. 51. 29 Lebrun, op. cit., p.107.

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sociedade com estabilidade é sociedade economicamemte desenvolvida, valendo a

tese de que aquela que possuir uma economia forte e rica terá estabilidade política.

Michel Foucault, filósofo contemporâneo, desenvolveu, em ‘Vigiar e Punir’ e ‘A

Vontade de Saber’, algumas idéias sobre o poder. Nessas obras, Foucault vê o

poder moderno não mais como uma instância repressiva e transcendente (o rei

acima dos súditos, o estado superior ao indivíduo), mas como instância de controle,

que envolve mais o indivíduo, ao invés de dominá-lo abertamente. Podem reduzir-se

as proibições, abolir-se a pena de morte, abrandar-se o regime de prisões etc. . .,

contudo o sistema disciplinar a que estamos submetidos até em nossa privacidade,

cresce discreta mais ininterruptamente.

Portanto, o poder não é mais um caso extremo de exercício de

autoridade. O fundamental é a análise de quem é capaz de exercer o poder com

menor detrimento dos que estão excluídos dele. Parece-me um análise centrada

exatamente na teoria dos sistemas e isso aqui merece uma breve colocação:

Pensemos num caso um pouco absurdo, mas bastante elucidador de onde

pretendemos chegar, vamos imaginar que fosse editada um medida provisória que

tornasse legal qualquer atitude jornalística de penetração na residência das pessoas

ou autoridades para investigação daquelas autoridades, no tocante ao confisco de

documentos. Ou seja, qualquer Jornalista estava autorizado a entrar no domicílio, de

qualquer autoridade do Estado, visando conseguir documento que demonstrasse

determinado escândalo ou crime contra a administração pública.

Ora, seria o fim da privacidade de todas as pessoas? Por certo que

não. Mas as autoridades, aqueles que estivessem a serviço do Estado, esses teriam

a sua privacidade prejudicada, pois além daqueles que possuíssem ordem judicial,

desde que não fosse à noite, poderiam adentrar na casa de quem bem

entendessem. No presente caso ocorreria a diminuição de um sistema, qual seja, a

da privacidade das autoridades, não de todas as pessoas, e o aumento de um outro

determinado sistema, o poder do investigativo dos jornalistas, portanto ocorreu um

aumento no sistema da liberdade de imprensa para diminuição de outro sistema que

é a privacidade das autoridades.

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Assim é com certos tipos de leis que adentram o nosso ordenamento

jurídico, ocasionando um aumento de liberdade para um sistema e a diminuição de

liberdade para outro.

Também assim é o sistema do direito adquirido, ocorre a diminuição

do sistema, quando da necessidade brutal de implementação da lei e sua

aplicabilidade imediata, como é no tocante as leis de Planos Econômicos.

Assim também ocorre com a lei da mordaça, lei que vem sendo

muito combatida pelas autoridades, pois dizem limita o poder de atuação das

autoridades.

Concordamos plenamente que o Estado moderno precisa e

necessita ser menos dominador, mas também não pode ser manipulador,

enganando o povo com falsas promessas. Precisa preocupar-se menos em reprimir

a desobediência do que em preveni-la. É totalmente certo que o Estado existe mais

para punir do que para disciplinar, e aí está o erro.

De outro lado, Foucault, noutra esplêndida obra, Microfísica do

Poder – aborda o poder num enfoque diferente, fora do aspecto puramente político,

e mais próximo da natureza humana, em que ele prolonga por ramificações

inferiores da sociedade.

Nessa obra, Foucault sustenta que existe não uma coisa única

chamada poder, porém formas variadas e em permanente transformação. Nesse

sentido, o poder não é entendido como um objeto natural, mas sim como uma

prática social construída historicamente. O poder não existe, existem relações ou

práticas de poder, constituídas fora do Estado, essenciais para situar a genealogia

dos saberes humanos.

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Esse tipo de abordagem é chamada por Foucault de

“descendente”30, no sentido de que deduzira o poder partindo do Estado e

procurando ver até onde ele se prolonga nos escalões mais baixos da sociedade,

penetra e se reproduz em seus elementos mais atomizados. Não que assim

minimize o papel do Estado como órgão central e único. A análise de Foucault

retrata o poder não como uma denominação global e centralizada, que se pluraliza

nos setores da vida social de modo homogêneo, mas como tendo vida própria e

formas específicas ao nível mais elementar.

Outra situação seria um determinado morador da Favela, será que

esse teria coragem de descer do morro para resolver uma pendenga com um

determinado vizinho, por certo que não, preferirá, com certeza, um sistema de

justiça que atenda os anseios dos seus. O interessante na abordagem de Foucault é

que os poderes não foram localizados em outros pontos da estrutura social. Daí a

idéia de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, mas uma relação.

Nesse sentido, afirma, polemicamente, que o poder não existe, o que existem são

relações de poder.

Foucault mostra que essas relações de poder não se passam

fundamentalmente nem ao nível do direito, nem da violência; nem são basicamente

contratuais, nem unicamente repressivas.

A concepção negativa que identifica o poder como o Estado e o

considera essencialmente um aparelho repressivo, Foucault expõem uma

concepção positiva que pretende dissociar os termos dominação e repressão.

Procura mostrar que a dominação capitalista não conseguirá manter-se unicamente

na repressão.

Foucault afirma que é necessário terminar com as descrições dos

30 Foucault, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 5. Ed. 1985. p. 13.

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efeitos do poder em termos negativos, ou seja, que ele “exclui”, ele “censura”, ele

“esconde”. De fato, prossegue, o poder produz coisas reais, produz domínios de

objetos e rituais de verdade. O poder possui uma eficácia produtiva, sempre girando

em torno do processo econômico.

A constituição histórica das ciências humanas é uma questão central

das investigações de Foucault. Não relaciona o saber, entendido como idéia ou

pensamento, “diretamente com a economia mas como peça de um dispositivo

político que se articula com a estrutura econômica”31. Assim, o poder disciplinar é

produtor do conhecimento e responsável pela formação de domínios de saber, a

partir de práticas políticas disciplinares.

Assim ocorre com as normas de planos de econômicos, que são

medidas extremamente duras e concentradas, trazendo sempre prejuízos a todos os

grupos da sociedade.

Na medida em que o direito é emanado de um poder, que se

configura como um representante do Estado, evidentemente a relação entre ambos

se apresenta mais nitidamente. É o poder formal a manifestação de poder que está

mais intimamente ligada ao direito, pois vem às leis de planos econômicos através

do direito, mas sempre trazendo confusão, discórdia e prejuízo.

Ressalte-se que no presente caso adiciona-se outro ingrediente, até

hoje, passados mais de dez anos da edição do Plano Collor, o Supremo Tribunal

federal ainda não decidiu se constitucional tais normas. O que gera ainda mais

insegurança na própria sociedade.

Sobre tal questão de direito e poder, a envolver os planos

econômicos, enfatiza Roberto de Aguiar:

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“se configura como um conjunto de órgãos legalmente

definidos, que exerce o poder legal numa sociedade,

representando a ideologia e os interesses dos grupos que

ali o colocaram e que, por conseqüência, o sustentam.

Qualquer ruptura do aparelho de comando formal de um

Estado com os grupos que o sustentam desencadeia uma

‘crise’ de governo, um conflito cujo instrumento dos mais

eficazes para a sua resolução é o direito. Em sendo

mantido o ‘governo’, ou as leis ‘endurecem’ em

determinado sentido, ou ‘abrandam’, mas o importante,

dentro de tudo isso, é que elas permaneçam dentro da

mesma chave ideológica, dentro dos mesmos

parâmetros.”32

É preciso salientar que o direito, por sua própria função de dirigir,

disciplinar ou controlar condutas e comportamentos, apresenta uma bilateralidade no

tocante ao destinatário da norma, pois se dirige aos grupos detentores do poder e

aos grupos que não o detêm. Assim, o poder se limita como limita os outros, a fim de

que, de algum modo, sua autoridade seja mantida e sua unidade não seja rompida.

Vale, finalmente, referir que o direito realiza uma função social. Essa

função é de controle social, entendido em sua acepção mais ampla. O direito é

sempre instrumento com que os donos do poder conformam os comportamentos

individuais e/ou coletivos aos limites desejados, autorizados ou tolerados pelo

consenso social.

A relação entre direito e poder se insere no contexto da filosofia do

direito, na medida em que procura captar, dentre as visões que percorrem a doutrina

jurídica, aquela que corresponde à concreção, sito é, ao direito como mediador dos

conflitos segundo os valores do legislador, que pertence a grupos que detêm, por

31 Op. cit. p. 25. 32 Ibidem, p. 58.

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meio do poder, o munus de legislar.

Nesse sentido, o direito não é neutro. Ele sempre traduz a ideologia

do poder legiferante ou do poder dominante.

O direito é a ideologia que sanciona, é a linguagem normativa que

instrumentaliza a ideologia do poder, amoldando-a às pressões contrárias a fim de

que sobreviva.

A ordem jurídica, composta pelas diferentes normas de direito que

tratam da organização do estado e de regular as condutas dos indivíduos, é a

expressão mais alta da tradução ideológica do poder.

Toda essa problemática estudada nas linhas antecedentes é, sem

dúvida, de singular interesse para a filosofia do direito, na medida em que examina o

direito como fenômeno observável e valorativo.

Por fim, não se pode deixar de destacar as contribuições de Michel

Foucault para o estudo das relações do direito com o poder, que se constituem

vertente de inequívoca eficácia para o equacionamento da teoria jurídica.

Não se esgota nisso, contudo, a identificação da importância da

relação entre direito e poder para os estudos da filosofia do direito, assunto esse que

pode comportar longas e eruditas dissertações, tal a riqueza de aspectos nele

envolvidos.

Mas a conclusão que chegamos é que as normas caminham no

interesse dos que governam, e tal situação ficou muito evidenciada na questão dos

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planos econômicos.

SEGUNDA PARTE

1. Definição dos princípios fundamentais na Constituição Federal de 1988.

A Constituição Federal de 1988, sem dúvida alguma, a mais atual,

extensa e consagradora de direitos fundamentais, sendo que nenhuma nação do

mundo moderno possui um rol tão extenso de direitos como é o caso do seu Título II

– os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos:

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a) direitos e deveres individuais e coletivos;

b) direitos sociais;

c) nacionalidade;

d) direitos políticos;

e) partidos políticos.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado colossal aos

direitos individuais. A expressa colocação desses no início do texto constitucional já

demonstra que o constituinte objetivou um significado especial a esse grupo de

direitos. A sua amplitude que se impõem em setenta e sete incisos e dois

parágrafos, do rol do art. 5º, reforça a impressão sobre a força desses direitos

associado ainda a idéia de que esses direitos devem ter eficácia imediata ressalta a

vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes

estrita observância.

A garantia dos direitos fundamentais está centrada no fato da

proibição da intervenção indevida do Estado contra as medidas, mesmo legais, de

restrição dos direitos. É bem verdade que ao expor, subjetivamente, tantos direitos,

relegou a terceiro ou quarto plano o efetivo exercício de tantos direitos. Ou seja,

falharam os constituintes na forma de fruição desses meios para fazer valer os

direitos individuais ali contidos.

Mas, ao Estado incumbe, além da não intervenção na esfera da

liberdade pessoal do indivíduo, a garantia pelos direitos de defesa, a tarefa de

colocar à disposição os meios materiais e condições fáticas que possibilitem o

efetivo exercício dessas liberdades.

Tais princípios parecem terem sido esquecidos nas normas de

planos econômicos, seja em face ao desprezo pela irretroatividade da norma, seja

pelo desapego à preservação de situações pré-constituídas, ou, simplesmente, pelo

afastamento do direito adquirido.

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Veja-se que tais leis avançaram sobre a propriedade das pessoas,

restringindo o direito do poupador de retirar o seu numerário, ou ainda expurgando

índices inflacionários, ou seja retirando dos depositantes e mesmo do FGTS tais

índices inflacionários, configurando em verdadeiro confisco, tais regras, de direitos

fundamentais foram simplesmente postergadas por um objetivo colimado pela lei,

que seria debelar uma crise, que se avizinha. Mas com um alto preço pago pelo

povo, sem dúvida alguma.

Sem pressupor a existência das normas de direito público relativos a

tal direito de propriedade, não haveria como se cogitar de uma efetiva garantia

constitucional da propriedade, mas sim a simples supressão de normas integrantes

da legislação ordinária sobre tal instituto, como foram as normas de planos

econômicos, lesando não apenas a garantia institucional objetiva, atentando contra

as instituições, mas também o direito subjetivo constitucionalmente tutelado.

1.1. O princípio do direito adquirido como norma fundamental e a segurança jurídica

O artigo 3º, em seu parágrafo 1º, da lei de introdução ao Código

Civil, de 1916, define como direitos adquiridos aqueles que seu titular ou alguém por

ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixado,

ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem.

Assim, para o legislador, direito adquirido nada mais é do que em

conseqüência de uma lei, via direita ou mesmo por fato idôneo, conseqüência que

venha integrar o patrimônio do sujeito, e mesmo diante de uma lei nova, essa não se

faz valer, haja vista que integrado ao patrimônio do adquirente, tal direito está

devidamente resguardado.

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É princípio que está restrito à segurança das relações jurídicas,

estando resguardado por lei pretérita e não podendo se modificar mesmo na

constância de lei nova.

No presente caso, é conceito que está devidamente adequado à

teoria clássica de Gabba, que assim o fez: É adquirido todo direito que a) é

conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei no tempo no qual o

fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado

antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, e que b) nos termos da lei

sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a

fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.33

Mas tal situação deve ser entendida como uma regra somente e não

como uma situação definitiva, pois as leis de Planos Econômicos se chocam com

tais definições, pois possuem a capacidade de retroagir e destruir situações

devidamente preestabelecidas sob a égide de uma norma, como é o caso dos

depósitos de poupanças ou mesmo os expurgos inflacionários decorrentes de leis

novas.

1.2. O princípio da irretroatividade das leis.

É princípio de direito constitucional a regra da irretroatividade das

normas, pois a norma apenas pode viger para frente, não podendo contemplar casos

passados.

Em primeiro lugar porque a lei nova é feita para atender novos fatos,

ao se elaborar um novo estatuto. Pois uma lei está em vigor até que outra a

modifique, isso é que confirma o artigo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil34.

33 Gabba, Teoria della Retroattivitá delle Leggi, I, pág. 191, 3ª ed. 1891. 34 Decreto-lei n.º 4657, de 4 de setembro de 1942, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3238, de 1 de

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Logo, a regra será a irretroatividade, pois se uma determinada lei vigente está

regulando os fatos, pensar na hipótese da retroatividade seria o mesmo que

conceber que tais fatos não são legais ou ilegais, mas sempre dependentes de uma

lei nova que dirá de sua regularidade ou não, o que por si só seria absurdo.

Finalmente, se a regra fosse o da retroatividade teríamos sempre

que nos deparar, novamente, com a insegurança jurídica, pois sempre com o

advento de uma norma nova estaria gerando a instabilidade jurídica, incompatível

com a segurança jurídica que o direito deve propiciar.

De todo importante aqui nos depararmos com uma situação

inusitada que é o implemento durante o Plano Bresser de uma situação que o

Decreto – lei 2337/87, em seu artigo 13, denominou como DEFLATOR ou TABLITA,

como uma espécie de incidência de determinada correção, mas que era abatida do

preço total, sendo que conforme o tempo passasse ia sendo retirado, do valor

contratualmente estabelecido, para ocasionar um abatimento nas prestações futuras.

Tal situação supramencionada nada mais é do que a retroatividade

de uma lei. Sendo que diversos Tribunais de Justiça dos Estados entenderam que

inconstitucional tal decreto por violar o direito adquirido dos contratos.

A exemplo de outras frustadas tentativas, o Plano Bresser de 1987,

para controle inflacionário buscou-se expurgar das obrigações concernentes ao

direito privado, a parcela inflacionário embutida no valor futuro a ser pago.

O mecanismo consistia basicamente no seguinte: antevendo a

escalada da inflação, as pessoas buscavam, através dos contratos, resguardar-se

dos efeitos da inflação ou da desvalorização da moeda, acrescentando nos valores a

serem pagos em parcelas sucessivas (ou dentro de certo tempo), um índice que

agosto de 1957.

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corresponda à inflação que certamente ocorrerá durante o lapso temporal para

pagamento da obrigação ou cumprimento do contrato, ou seja é embutir nos preços

a inflação futura.

A justificativa econômica para a incidência do deflator é que tal valor

inflacionário precisa ser eliminado sob pena de enriquecimento indevido do credor.

Portanto, uma credor que realiza um contrato anterior a edição da lei

do Plano Bresser, terá, na vigência dessa, que ser atingido pela chamada tablita,

com lastro na violação do ato jurídico perfeito ocasionado por um contrato, e no

chamado princípio da irretroatividade da norma cumulado com o direito adquirido.

O próprio Superior Tribunal de Justiça entendeu como correta e

constitucional a aplicação da Tablita, pois o comando legal para a deflação das

obrigações contratuais é correto, pois as normas de direito econômico devem, além

de ter a aplicação imediata, também são consideradas de ordem pública e portanto

devem retroceder.

Nesse particular, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que tais

normas de planos econômicos possuem um caráter de alto relevância e podem, sob

o império da lei, ter eficácia retroativa.

Tal situação ficou reconhecida em inúmeros acórdãos, tendo como

precedente o Recurso Especial n.º 2595 – São Paulo35, onde expressamente ficou

assentado que “se tratando de normas de direito econômico, de ordem pública, sua

incidência é imediata, consoante orientação assentada no Tribunal, não sendo de

invocar-se pretenso direito adquirido.”

35 Acórdão publicado Diário de Justiça da União, Brasília, Seção 1 – 01 de out. de 1990, p. 10449.

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1.3 Outros princípios constitucionais de direito intertemporal

O ato jurídico perfeito entre nós é matéria de direito constitucional, em

se tratando de irretroatividade das leis, pois o legislador constituinte expressamente

o previu no artigo 5º, inciso XXXVI, mas também o legislador infraconstitucional o

previu na Lei de Introdução ao Código Civil, e assim o exprimiu: “Reputa-se ato

jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.”

Ato consumado nada mais é do que aquele que, em razão da

vigência de uma lei, produziu todos os efeitos indispensáveis para a validade do ato.

Mas o que são esses efeitos senão os direitos adquiridos, sendo que, mesmo numa

repentina mudança da lei, produziria seus efeitos.

Nesse estudo ficou consagrado que a noção de direito adquirido

também compreende a irretroatividade, mas tanto em relação ao ato jurídico perfeito

como à coisa julgada, pois com relação à ao ato jurídico nada mais do que um ato

consumado sob a égide de uma determinada legislação em vigor, sendo que a coisa

julgada nada mais é do que o próprio direito adquirido, mas em razão de uma

decisão judicial da qual não caiba mais recurso.

O próprio Mestre Rubem Limongi França, sempre frisou que o ato

jurídico perfeito “não deve ser uma noção diversa da de direito adquirido.”36

Quanto à coisa julgada essa seria uma das causas geradoras do

direito adquirido, ou ainda um ato jurídico perfeito, mas de natureza jurisdicional.

36 França, R. Limongi. Direito Intertemporal brasileiro, doutrina da irretroatividade das leis e do direito adquirido, 2ª ed. revista e atualizada, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1968, p. 437

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1.4 A aplicação de tais institutos no direito econômico e principalmente nas

leis de planos econômicos.

A matéria de direito adquirido parece encontrar certa mitigação em

face do controle do sistema econômico, albergada pela necessidade do estado

surpreender as populações em geral com determinados controles, em especial no

tocante aos planos econômicos, seja pelo controle inflacionário, seja em face do

controle das finanças, seja porque é da necessidade que as normas de direito

econômico se apliquem imediatamente, alcançando os contratos em curso,

notadamente os de execução diferida ou de trato sucessivo, mercê do caráter de

norma de ordem pública de que desfrutam.

Orlando Gomes, em obra dedicada ao Direito Econômico,

analisando os aspectos jurídicos do dirigismo econômico nos dias atuais, após

analisar que a sanção pela transgressão de norma de ordem pública é a nulidade,

afirmou que em normas do Direito Econômico é perfeitamente possível se proceder

ao afastamento das regras do direito adquirido ou mesmo do ato jurídico prefeito

para fazer valer as leis que entraram em vigor, veja-se o que concluiu o mestre

baiano:

“Outro princípio que sofre alteração frente à ordem pública

dirigista é o da intangibilidade dos contratos. Sempre que

uma nova lei é editada nesse domínio, o conteúdo dos

contratos que atinge tem de se adaptar às suas

inovações. Semelhante adaptação verifica-se por força de

aplicação imediata das leis desse teor, sustentada como

prática necessária à funcionalidade da legislação

econômica dirigista.

Derroga-se com o princípio da aplicação imediata a regra

clássica do direito intertemporal que resguarda os

contratos de qualquer intervenção legislativa decorrente

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de lei posterior à sua conclusão”37

Na realidade, as constantes alterações político-econômicas do país

influíram consideravelmente no tratamento emprestado pelo Legislador ao problema

da irretroatividade da leis e do próprio Direito Adquirido. Sendo perfeitamente

aceitável a mitigação desses princípios em razão de que as normas de direito

econômico se revestem do atributo de normas de ordem pública, e que a sua

aplicação imediata, atingindo contratos, não ofendem a legislação pátria.

A conclusão de tal tese jurídica empreendida pelo mestre baiano é a

de que a aplicação imediata de normas de direito econômico cujo caráter de ordem

pública afasta a alegação de direito adquirido.

A idéia está centrada no fato de que os interesses particulares

ligados ao direito adquirido acabam se mitigando diante das necessidades de Ordem

Pública.

As restrições trazidas pela lei nova a certos direitos provocarão

menos problemas à sociedade, pois buscam tais normas satisfazer o interesse do

coletivo, do que objetivamente favorecer outros particulares.

Portanto, no tocante aos planos econômicos tais normas teriam o

poder de retroagir, mas mesmo se tais normas nada estivesse expresso no tocante

à sua retroação? O que parece um exagero, pois se uma norma é de altíssima

importância pública, nada impede ao legislador de determinar a sua retroatividade de

maneira expressa, sendo que se nada dispuser a norma, com o respeito,

entendemos que tais normas não podem prejudicar o direito adquirido, devendo

prevalecer a irretroatividade da norma.

37 Gomes, Orlando e Varela, Antunes. Direito Econômico. São Paulo: Ed. Saraiva, 1977, p. 59)

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Quanto ao efeito imediato é totalmente possível que as normas de

ordem pública tenham tal efeito, mas desde que o direito adquirido seja preservado.

Saliente-se, por oportuno, que nenhum lei atinente aos planos

econômicos trouxe expressamente disposições mandamentais de retroação, tendo

os Tribunais decididos a respeito da matéria. Mas o Superior Tribunal de Justiça em

inúmeros julgados disse que era possível a retroatividade e a acatou no Plano

Bresser, diferentemente se posicionando o Supremo Tribunal Federal.

TERCEIRA PARTE

1. O pensamento de Gabba e a teoria subjetivista

Dentre os modernos estudiosos do Direito Intertemporal, induvidoso

que o patamar mais elevado do processo evolutivo da teoria dos direitos adquiridos

foi alcançado por Gabba, na sua magnífica obra Teoria della Retroattività delle

Leggi. Dedicando mais de mil e quinhentas páginas ao assunto, distribuídas em

quatro volumes, conseguiu o doutrinador italiano constituir-se talvez na maior

referência deste profícuo campo da ciência jurídica, a ponto de ser lembrado em

grande destaque pela quase totalidade das obras e artigos escritos sobre o tema

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neste século. Aliás, não seria exagero dizer, sua obra ainda hoje é o grande marco

de identificação da teoria dos direitos adquiridos, seja para aqueles que pretendem

aperfeiçoá-la, seja para aqueles que pretendem substituí-la por outra.

Inicia Gabba sua Teoria della Retroattività delle Leggi, combatendo a

crença à época dominante de que a retroatividade da lei seria, em si mesma, uma

injustiça ou, como poderiam sugerir alguns, que retroatividade e injustiça seriam

realidades plenamente identificáveis. Se assim fosse, indaga o autor, como seria

possível explicar o fato de que não poucas vezes a jurisprudência aplica uma lei

nova a relações jurídicas já constituídas?. 38

Na verdade, afirma o doutrinador italiano, é perfeitamente justa a

aplicação da lei nova a relações constituídas anteriormente, desde que se respeitem

todos aqueles “direitos adquiridos” por qualquer das partes que nestas estejam

envolvidas. Assim, o império da lei nova deveria ser restrito àqueles efeitos das

relações jurídicas anteriores que por sua natureza não poderiam se dizer

verdadeiros “direitos adquiridos”. Diversamente agindo, prossegue o autor, “la

giurisprudenza offenderebbe la giustiza, perché toglierebbe ad un cittadino il suo

diritto per darlo ad un altro, senza che la necessitá pubblica lo volesse, e

contradicendo anzi al carattere della legge medesima che vorrebe applicare”. 39

Dentro desta perspectiva, esclarece Gabba, o objeto do estudo que

desenvolve é a determinação dos casos em que a lei pode “influir sobre as

conseqüências dos fatos ou relações jurídicas anteriores sem violar direitos

adquiridos, e em quais não pode fazê-lo”. 40 Assim, afirma, não seria objeto do seu

estudo a aplicação de leis em que a vontade do legislador expressamente determina

38 - Teoria della Retroattività delle leggi, p. 10. 39 - op. cit.,, p. 11. Isto, Segundo o autor, justificaria o nome da sua obra, que ao invés de fazer menção à expressão “irretroatividade”, ressalta a idéia da “retroatividade” das leis novas (V. p. 12, nota 1, e p. 13). 40 - op. cit., p. 25. Em outro trecho diz o autor: “... la teoria della retroattivitá si propone apunto (...), di ricercare: se ed in quali casi possa loro accordarsi, senza ledere diritti acquisiti, uma influenza retroattiva, cioé un’influenza sulle ulteriore consequenze di fatti e relazioni giuridiche anteriori” (op. cit., p. 41).

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o efeito retroativo sobre direitos anteriormente adquiridos. 41

Em síntese, portanto, para Gabba, o princípio da não retroatividade

das leis deveria ser resumido na idéia de que as leis não podem ser retroativas de

forma a propiciar a violação de direitos adquiridos. O desrespeito a estes implicaria a

existência de uma retroatividade “injusta”, sendo, por conseguinte, “justa” qualquer

outra forma de ação retroativa da lei nova sobre fatos ou relações antecedentes. 42

Para o autor em apreço, o conceito de direito adquirido assume uma

importância vital para a definição de uma teoria da retroatividade das leis. Para ele,

este termo jamais deveria ser tomado em uma acepção geral que viesse a

compreender os “direitos consumados”, devendo apenas significar aqueles direitos

que foram adquiridos, pois todo direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a

produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi realizado, embora a ocasião

de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o

mesmo; e que b) nos termos da lei sob cujo império se entabulou o fato do qual se

origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu”. 43

Com base nesse conceito, inicia Gabba a analisar os diversos

elementos que julga encontrar na composição da essência dos “direitos adquiridos”.

Para tanto, desenvolve sua abordagem em torno do “conceito de direito” (direito

objetivo e subjetivo), do de “direito como elemento do patrimônio”, e ainda do de

“fatos aquisitivos”.

Quanto ao primeiro aspecto acima mencionado, ensina o

41 - op. cit., p. 33. As leis interpretativas, retificativas e confirmativas também se colocariam fora do campo da teoria da retroatividade das leis, em virtude de serem dotadas de mera retroatividade “aparente”, segundo Gabba (op. cit., p. 25 a 33 e p. 41). 42 - op. cit., pp. 44 e 45 V. ainda p. 182. 43 - É acquisito ogni diritto, che a) é conseguenza di un fatto idoneo a produrlo, in virtú della legge del tempo in cui il fatto venne compiuto, benché l’occasione di farlo valere non siasi presentata prima dell’atuazione di una legge nuova intorno al medesimo, e che b) a termini della legge sotto l’impero della quale accade il fatto da cui

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consagrado mestre italiano que “todas as vezes que afirmamos a concreta existência

de um direito, esta nossa afirmação tem dois objetos: 1) a existência de um fato, do

qual ou em virtude do qual nós consideramos tenha surgido o direito; 2) a existência

de uma lei, a qual daquele faz provir um direito. Antes que em concreto surja o

direito, este se encontra em estado de mera possibilidade em uma lei, a qual

contempla um dado de agir ou de ser dos indivíduos, e na hipótese do mesmo atribui

a estes uma dada faculdade jurídica. Esta mera possibilidade do direito concreto,

que se confunde com a existência de uma lei, abstração feita da sua aplicação,

alguns filósofos alemães chamam direito objetivo ou norma jurídica, enquanto

chamam de subjetivo o direito concreto, isto é, aquele proveniente da verificação do

fato pressuposto pela lei”. 44 Disto, obviamente, decorreria que “não se pode admitir

nenhum direito concreto que não tenha o seu fundamento em uma lei ou norma

jurídica vigente ao tempo em que o direito se remonta, isto é, que não provenha de

uma fato ao qual uma norma jurídica positiva, do tempo em que aquele fato ocorre,

atribuía uma tal virtude”. 45

Fundado nestas premissas, conclui Gabba que o direito adquirido só

se pode configurar diante de uma lei nova, desde que esta se refira a matéria

efetivamente regulada pela legislação antecedente. Isto porque “não pode um

cidadão racionalmente pretender que, por não ter estado vinculada até o momento a

sua liberdade em um dado assunto, não o deva igualmente ser no futuro, alegando

um pretenso direito de liberdade, que teria o seu fundamento apenas no não haver a

lei até o momento considerado aquela matéria, nem explicitamente nem

implicitamente, nem diretamente nem indiretamente”. 46

Já quanto ao “direito como elemento do patrimônio”, pondera o autor

da Teoria della Retroattivitá delle Leggi que, para que um direito seja considerado

adquirido, “não basta que seja concreto, isto é verificado relativamente ao indivíduo

em virtude de um fato idôneo”. Seria também indispensável que se tivesse tornado

trae origine, entrò immediatamente a far parte del patrimonio di chi lo há acquistato”(op. cit., p. 191). 44 - op. cit., p. 194 e 195. Esta distinção, para Gabba, seria uma “premessa indispensabile della teoria della retroattivitá”(ibidem). 45 - op. cit., p. 195.

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“elemento ou parte do patrimônio individual”, já que, a seu juízo, existiriam muitos

direitos que não se poderiam propriamente chamara de “adquiridos” porque não

faziam parte do patrimônio de quem possui. Na verdade, “seriam direitos anteriores

a qualquer operosidade”, seja na pessoa a quem pertencem, seja de outra qualquer,

e que representariam apenas a possibilidade de verdadeiros direitos concretos e

individuais, na medida em que seriam as premissas, os elementos últimos de que se

compõem os direito individuais e que estes sempre pressupõem antes de

circunstâncias físico-naturais

Donde, para Gabba, a possibilidade dos verdadeiros e próprios

direitos individuais, as condições ou premissas fundamentais dos mesmos, serem

dados pela convivência civil, e pela lei que a governa, e por sua própria natureza, e

deverem estar sempre em poder da sociedade e da lei, sem nunca tornar-se direito

adquirido, inviolável do indivíduo. O direito adquirido, assim seria “individual” não

apenas no sentido de que pertence a um indivíduo, mais ainda no sentido de que

este se liga diretamente com a individualidade, com caracteres próprios e distintivos

desta.47 Nesta medida, contra as leis “elementares ou fundamentais” (isto é, as leis

que regulam o Estado, a condição pessoal dos indivíduos e a condição jurídica das

coisas e direitos do qual estas podem ser objeto), não se poderiam conceber

“direitos adquiridos”, a não ser limitadamente àqueles efeitos positivos que já haviam

sido realizados no modo e nas condições estabelecidas.

Dando seqüência a esta análise, observa o autor a partir destas

conclusões, que direitos “concretos e adquiridos” só poderiam ser aqueles que,

unicamente, “dentro do círculo do poder consentido pelas leis concernentes às

pessoas e às coisas, visam, de modo expresso ou implícito, e surgem nos indivíduos

ou por força da humana operosidade ou por direta virtude da própria lei, em seguida

a fatos e circunstâncias e nos modos e condições por essa preestabelecidos”.48

46 - op. cit., p. 206. 47 - op. cit., p. 208. 48 - op. cit., p. 210.

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Para Gabba, porém, estes requisitos não seriam suficientes para

elucidar de forma completa a existência dos denominados “direitos adquiridos”. Aos

direitos individuais que fazem parte do patrimônio, apenas se deveria dar a condição

de “adquiridos” ou “invioláveis” àqueles que constituíssem uma verdadeira e própria

utilidade ao indivíduo, por concernirem propriamente à privada individualidade ou

ainda por se identificarem com a própria dignidade da pessoa humana, isto é, se

constituem em elemento da personalidade e da dignidade do indivíduo. Desta forma,

para o afamado jurisconsulto italiano, todos os direitos “que se possam dizer

públicos”, ou “de índole política”, no sentido amplo da expressão, deveriam ter contra

si a aplicação imediata das leis novas49 sem que se pudesse falar em irretroatividade

injusta. 50

Finalmente, analisando o problema dos “fatos aquisitivos” na teoria

da retroatividade, observa Gabba que os direitos pertencentes aos indivíduos

sempre se fazem adquirir mediante “fatos”. A lei, ao ver deste, apenas permitiria aos

cidadãos a conquista de direitos ante a ocorrência dos fatos determinados, ou de

determinadas configurações de certos fatos. Desta forma, enquanto uma pessoa

não pudesse demonstrar que a hipótese legal se verificou em seu favor, o que

existiria seria apenas uma mera “possibilidade” de direito, “mas não direito concreto,

e muito menos direito adquirido”. 51

Todavia, pondera Gabba, para que um fato tenha condições de

gerar um direito individual concreto e adquirido, ele rigorosamente deveria possuir

algumas características particulares, a saber:

a) “o fato aquisitivo deve consistir em uma modalidade daquela situação em cada um se encontre pelo simples fato de ser homem”. 52 Nesta medida, os direitos não seriam adquiridos apenas por atos da vontade humana, mas também por involuntárias

49 - op. cit., p. 212. 50 - op. cit., p. 213. Observe-se que Gabba retira desta conclusão atos estatais que possuam natureza privada. 51 - op. cit., p. 222. 52 - op. cit., p. 223.

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contingências individuais, por obra da lei; 53

b) “é necessário que determinada seja a pessoa contra a qual o direito seja afirmado”, devendo esta característica estar imprimida no próprio fato aquisitivo de onde este provém. Assim, os denominados direitos “absolutos” (aqueles que existem “sine respectu ad coeteras personas”), enquanto não sejam desconhecidos ou lesados por outras pessoas, “e in quanto non si pensa alla possibilitá di codeste lesioni, e alla conseguente affermazione del diritto in occasione delle medesime e contro chi li disconobbe od offese”, não poderiam ser concebidos como adquiridos. “E acquisiti si pensano e si dicono in tale occasione”, prossegue o autor, “nella misura medesima dell’ingiusto disconocimento e dell’ingiusta lesione”, 54

c) o fato aquisitivo deve ter o condão de transformar o direito objetivo em subjetivo, nos termos anteriormente expostos55, e na medida que certas normas, como as de planos econômicos, que buscam atingir uma designação de ordem pública, ou seja, normas que procuram atingir toda a sociedade de maneira igual, deve ter o condão de mitigar a irretroatividade e tornar-se-ão com o poder de retroação, pois buscam salvaguardas de transformar o país ou, efetivamente, tirá-lo do caos econômico.

Assim, neste quase um século de Código Civil, três períodos bem

nítidos assinalam as transmudações experimentadas, entre nós, no referente à

matéria: o que vai até a Carta de 1937; o que medeia entre esta e a Constituição de

1946, e, finalmente, o posterior à promulgação dessa Lei Magna, revogada pela

constituição de 24 de janeiro de 1967.

Por outro lado, dentro desses períodos, não raro, constantes

modificações se fizeram sentir, já através de leis extravagantes, já por meio da

alteração do Estatuto Preliminar, já mediante derrogações da própria Lei

53 - op. cit., p. 225. Nisto uma substantiva diferença entre a opinião de Lassale e Gabba. 54 - Ibidem. 55 - A respeito, nos dá Gabba o seguinte exemplo: “... Il diritto di proprietá, assoluto per sè medesimo, è relativo e quesito di fronte all’autore del proprietario o domino, e ai soui aventi causa, ed é pure relativo e quesito di fronte ad ogni usurpatore o turbatore, sia come diritto di rivendicazione, o come actio negatoria, o come azione

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Fundamental, como é o caso dos planos econômicos.

Embora nem todos partilhem deste entendimento, parece-nos

plausível sustentar que a teoria dos “direitos adquiridos” e a da distinção entre

“direitos e interesses” seriam as únicas capazes de integrar o bloco constituído pelas

formulações subjetivas. Ambas as visões, em que pesem as diversificadas

manifestações que as constituem, têm por ponto, assente e comum, a análise dos

problemas intertemporais a partir da consideração prioritária dos direitos subjetivos.

Destes, basicamente, resultariam os parâmetros capazes de delimitar in concreto o

âmbito de vigência temporal das novas leis, em relação aos fatos ocorridos antes e

durante a vigência das leis revogadas.

1.1. A teoria do direito adquirido em face dos planos econômicos

Assim, para Gabba e sua teoria subjetivista, os fatos que se

consumam em direitos adquiridos se tornam de soberana importância, e o que

seriam tais direitos adquiridos?

A denominada “teoria dos direitos adquiridos” ganhou ampla defesa

durante a fase científica do estudo da intertemporalidade jurídica, por todos aqueles

que vislumbravam, no processo de aquisição de direitos subjetivos, o fenômeno

capaz de definir a adequada solução dos problemas nascidos neste particular campo

da vida jurídica.

De forma sintética, poderíamos dizer que os defensores desta

corrente têm, como alicerce de todas suas reflexões, a idéia de que as novas leis

não devem retroagir sobre direitos subjetivos que sejam considerados juridicamente

como adquiridos pelo seu titular. Ou em outras palavras, ao ver destes, a questão da

irretroatividade das leis tem assento na premissa fundamental que afirma a

possessoria” (op. cit., p. 225).

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impossibilidade de uma lei vir a desrespeitar “direitos adquiridos” sob o domínio de

sua antecedente.

A nosso sentir, em linhas gerais, o foco principal destas

discordâncias possui duas questões centrais.

A primeira delas seria o próprio conceito de “direito adquirido”. Sem

exagero, poderíamos dizer que aproximadamente uma centena de formulações

conceituais diversas se tornaram públicas através dos tempos e, em muitos casos,

sem qualquer possibilidade de harmonização de aspectos havidos como essenciais.

Ainda hoje, assim, a exata definição do que sejam “direitos adquiridos” consiste em

um dos principais problemas daqueles que optam por trilhar este peculiar campo de

abordagem teórica do fenômeno da intertemporalidade jurídica.

A segunda consiste na própria definição de “retroatividade”. Não

chegam os autores, em bom acordo, a apresentar de forma pacífica o que entendem

pela denominada “ação pretérita da lei nova” ou como a chamamos: retroperância.

Para alguns, retroativa seria apenas a lei que viesse a suprimir direitos

legitimamente adquiridos, sob a vigência da lei antiga. Para outros, retroativa seria a

lei que projeta seus efeitos para o passado, independentemente de vir a atingir

direitos adquiridos ou não. Ou seja: em certas concepções a própria noção de direito

adquirido seria um importante componente para a definição da retroatividade da lei

nova, enquanto, para outras, não passariam de ser realidades inconfundíveis que

apenas haveriam de ser associadas, quando muito, para fins de solução de

problemas intertemporais concretamente verificados.

Destes eixos de desavenças, como não poderia deixar de ser, se

desdobram infindas divergências menores, que acabam por se evidenciar tanto no

equacionamento teórico dos princípios maiores que disciplinam o Direito

Intertemporal, como também na própria solução prática das intrincadas questões

que, neste campo, com alguma habitualidade, se fazem presentes. Por

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conseqüência, qualquer análise da denominada “teoria dos direitos adquiridos” deve

buscar respeitar, ao máximo, a relativa individualidade das diversas manifestações

que a integram, reproduzindo, com a maior fidelidade possível, as suas nuances e

aspectos essenciais.

Parece-nos claro que as normas de planos econômicos são

puramente de caráter subjetivista, pois da noite para o dia se introduzem modelos

econômicos que transformam a moeda e até mesmo paradigmas ou índices tidos

por verdadeiros em situações inexistentes, ou ultrapassadas. E tais mudanças

sempre denotam a surpresa como um instrumento de garantia.

Nesta medida, a seguir, para boa compreensão desta particular

teoria do Direito Intertemporal, em sede de planos econômicos, faremos menção às

principais linhas de pensamento de autores havidos, tradicionalmente, como os

expoentes maiores dessa difundida corrente.

Na realidade, na prática, as leis de planos econômicos mostram

claramente que possuem o efeito imediato e geral, além da retroatividade, não

havendo, pelo menos em tese, direitos adquiridos em planos econômicos e que

atinjam a grande maioria, deixando de serem preservados inclusive os efeitos

anteriores à aquelas normas econômicas. Tal explicam se dá em razão de que

busca a implementação do plano alcançar um maior número de pessoas.

Desprezando-se ditos direitos adquiridos.

2. O pensamento de Roubier (teoria objetivista), o efeito geral e imediato.

Em outro importante estudo, Paul Roubier, a respeito da matéria

sobre direitos adquiridos, fez publicar na Révue Trimestrielle, em 1928, bem assim

de capítulos especialmente dedicados ao assunto no Lês Conflits des Lois e no Lê

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Droit Transitoire.56

Segundo esse doutrinador, “a base fundamental da ciência do

conflito das leis, no tempo, é a distinção entre efeito retroativo e efeito imediato”,

acrescentando, a seguir, que o primeiro “é a aplicação no passado” e o outro “ a

aplicação no presente”.

A questão coloca-se sobretudo à face dos facta pendentia, pois com

relação aos facta praeterita sempre haveria retroatividade, ao passo que

relativamente aos facta futura não há retroatividade possível.

Ora, quanto aos primeiros, “é preciso estabelecer uma separação

entre as partes anteriores à data da mudança da legislação, que não poderia ser

atingida sem retroatividade, e as partes posteriores, em relação às quais a lei nova,

se se lhes deve aplicar, não terá senão um efeito imediato”.

Portanto, quando o Legislador declara que a lei em vigor “terá efeito

imediato”, com isso determina que a lei nova, em princípio, se aplica tanto aos facta

futura, como às “as partes posteriores” dos facta pendentia.

Roubier, entretanto, estabelece exceções ao efeito imediato, dizendo

que “em certas matérias, o efeito imediato é excluído da mesma forma que o efeito

retroativo”. É o que se dá com os contratos em curso, para os quais a regra é outra,

a saber, a da sobrevivência da lei antiga.

Para outros casos, como critério de distinção entre efeito imediato e

retroativo, recorre, como vimos, à noção de situação jurídica, na qual distingue

56 Roubier, Paul. Distinction de L´Effet Rétroactif et de L´Effet Immédiat de la Loi, Révue Trimestrielle, de 1928, p. 579; Les Conflits, p. 371 e s.; DE Droit Transitoire, p. 177 e s.

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inicialmente a fase dinâmica da fase estática.

Ora, que o princípio da sobrevivência da lei antiga, que a noção de

situação jurídica, assim como as ilações que desta defluem, já nada têm a ver com

nosso sistema vigente, tanto à face da Constituição, como do art. 6º da Lei de

Introdução ao Código Civil.

O alcance. Portanto, da regra do efeito imediato entre nós, é o de

que a nova lei, em princípio, atinge as partes posteriores dos facta pendentia, com a

condição de não ferir o Ato Jurídico Perfeito e o Direito Adquirido.

Em suma o limite do efeito imediato é o Direito Adquirido em sentido

amplo, de modo a abranger as outras duas noções, de ato jurídico perfeito e de

coisa julgada.

O Direito Adquirido é o limite normal do efeito imediato; noutras

palavras, as novas leis, ainda quando não expressas, se aplicam às partes

posteriores, ressalvado o Direito Adquirido. Já com relação à retroatividade, ela

nunca existe, a não ser quando expressa; mas ainda quando tal se dá, resta como

limite o Direito Adquirido.

Com isto porém, só se resolve um primeiro momento da questão,

pois fica restando saber as lindes do próprio Direito Adquirido. É o de que trataremos

nas seções seguintes.

Antes, porém, são necessárias algumas considerações sobre o

efeito geral da lei em vigor.

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Portanto, o efeito geral. A primeira parte do caput do preceito em

foco diz não só que a lei terá efeito imediato, mas ainda que o terá geral.

Ora, vemos aí duas redundâncias.

A primeira, em virtude do fato de, doutrinariamente, nunca se haver

posto em dúvida que, em princípio, a lei atua generaliter. É o que a faz diferençar-se

dos privata privilegia e do próprio jus singulare.

Com efeito, já Papiniano a chamou commne praeceptum 57. O

Código dos Visigodos, ao seu turno, esclarecia que “Lex regit omnem civitatis

ordinem” 58. Santo Isidoro de Sevilha, nas Etimologias, em texto esposado por Santo

Tomás de Aquino, ensina que a lei é prescrita não para a utilidade particular, mas

para a utilidade comum dos cidadãos” 59.

Contemporaneamente é o mesmo que ensinam os autores em geral,

civilistas e publicistas60, a lei atinge a todos, não podem haver castas ou privilégios.

A segunda redundância advém das disposições não só da

Constituição e do Código Civil, como ainda da própria Lei de Introdução.

Com efeito, a Lei Magna em vigor, como aliás também as que a

antecederam, diz no art. 5º, caput, que “Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança, à

57 - Papiniano, in D, I, 3, 1. 58 - Lex Gothorum, I, 2, 23. 59 - Sto. Isidoro de Sevilha, Etymologiae, V, 21; Santo Tomás de Aquino Summa Theologica, Q. XC, arts. II e III, trad. De Alexandre Correia, São Paulo, 1932. 60 - Planiol, Traité Élemetaire de Droit Civil, p. 69, § 148; Ruggiero e Maroi, Istituzioni I, 14, p. 32; André de Laubadère, Manuel de Droit Administratif, Paris, 1947, P. 180 etc.

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propriedade...”. O art. 3º do Código estabelece que “A lei não distingue entre

nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e ao gozo dos direito civis”.

Quanto ao Estatuto Preliminar, já esclarece o art. 1º, que o início da

vigência das leis se dá “em todo o país”, no que é completado pelo art. 3º, cuja

disposição é a de que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a

conhece”.

Finalmente, é de se ponderar que o problema da amplitude da

eficácia legal não é assunto específico da ciência do conflito das leis. Dessa forma,

ainda que, num excesso de clareza, o Legislador desejasse reafirmar aquilo que a

respeito já se encontra em outros dispositivos, em hipótese alguma o deveria ter

logrado num preceito particularmente destinado às normas do Direito Intertemporal.

3. A teoria da diferenciação entre as normas de ordem pública e privada em

face da elevação do direito adquirido ao patamar constitucional.

No direito brasileiro, o princípio do respeito ao ato jurídico perfeito e

ao direito adquirido é de natureza constitucional, e não excepciona de sua

observância por parte do legislador lei infraconstitucional de qualquer espécie,

inclusive de ordem pública, ao contrário do que sucede em países como a França,

em que esse princípio é estabelecido em lei ordinária, e, conseqüentemente, não

obriga o legislador (que pode afastá-lo em lei ordinária posterior), mas apenas o juiz,

que, no entanto, em se tratando de lei ordinária de ordem pública, pode aplicá-la, no

entender de muitos, retroativamente ainda que ela silencie a esse respeito.

Aliás, ainda nos países — como na França — em que o princípio da

irretroatividade é meramente legal e se impõe ao juiz e não ao legislador, não é

pacífica a tese de que as leis de ordem pública são retroativas.

Paul Roubier, num dos clássicos da teoria do direito intertemporal

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intitulado Les Conflits de Lois Dans Le Temps, publicado em 1929, mais

reapresentado em 1960, com modificações, sob o título Le Droit Transitoire, critica

veementemente tais leis de ordem públicas, como as únicas que podem retroagir.

Depois de afirmar que “essa teoria da retroatividade das leis de

ordem pública, sob a forma por que se queira apresentar, deve ser pura e

simplesmente rejeitada” , dá, para isso, três razões, das quais a primeira, que é a

principal, é esta:

“A idéia de ordem pública não pode ser posta em

oposição ao princípio da não-retroatividade da lei, pelo

motivo decisivo de que, numa ordem jurídica fundada na

lei, a não-retroatividade das leis é ela mesma uma das

colunas de ordem pública. A lei retroativa é, em princípio,

contrária à ordem pública; e, se excepecionalmente o

legislador pode comunicar a uma lei a retroatividade, não

conviria imaginar que, com isso, ele fortalece a ordem

pública; ao contrário, é um fermento de anarquia que ele

introduz na sociedade, razão por que não dever ser usada

a retroatividade senão com a mais extrema reserva.”61

Tais palavras são candentes de verdade em países onde o princípio

da irretroatividade é meramente legal, mas não o serão em países que esse

princípio está inserto na Constituição Federal, entre as garantias fundamentais,

como é o caso do nosso país.

Já há muito, Reynaldo Porchat colocava, em termos precisos, essa

questão em face do direito adquirido. São dele estas palavras:

“Uma das doutrinas mais generalizadas, e que de

longo tempo vem conquistando foros de verdade, é a que

61 Les Conflits, vol. I, p. 371; Les Droit Transitoire, p. 177

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sustenta que são retroativas as “leis de ordem pública” ou

as “leis de direito público”. Esse critério é, porém,

inteiramente falso, tendo sido causa das maiores

confusões na solução das questões de retroatividade.

Antes de tudo, cumpre ponderar que é dificílimo

discriminar nitidamente aquilo que é de ordem pública e

aquilo que é de ordem privada. No parágrafo referente ao

estudo do direito público e do direito privado, já

salientamos essa dificuldade, recordando o aforisma de

Bacon. O interesse público e o interesse privado se

entrelaçam de tal forma, que as mais das vezes não é

possível separá-los. E seria altamente perigoso proclamar

como verdade que as leis de ordem pública ou de direito

público têm efeito retroativo, porque mesmo diante dessas

leis aparecem algumas vezes direitos adquiridos, que a

justiça não permite que sejam desconhecidos e

apagados. O que convém ao aplicador de uma nova lei de

ordem pública ou de direito público, é verificar se, nas

relações jurídicas já existentes, há ou não direitos

adquiridos. No caso afirmativo, a lei não deve retroagir,

porque a simples invocação de um motivo de ordem

pública não basta para justificar a ofensa ao direito

adquirido, cuja inviolabilidade, no dizer de Gabba, é

também um forte motivo de interesse público.”62

Com efeito, quer no campo do direito privado, quer no campo do

direito público, a questão da aplicação da lei nova aos “facta pendentia” se resolve

com a verificação da ocorrência, ou não, no caso, de direito adquirido, de ato jurídico

perfeito ou de coisa julgada.

Assim, da maneira como se impõem a questão da retroação das

62 Porchat, Reynaldo. Curso Elementar de Direito Romano, vol. I, 2ª ed., nº 528, Cia Melhoramentos de São Paulo, São Paulo, 1937, p. 338/339.

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normas de ordem pública dá a nítida impressão que a eficácia da lei administrativa

no tempo é diferente de outras normas, sendo que o problema da irretroatividade

não se apresenta de modo diverso no direito administrativo que nos outros direitos, e

não é suscetível de diversa solução. Disso se duvidou sob vários aspectos,

sustentando-se muitas vezes que as leis administrativas são sempre retroativas;

mas as dúvidas não têm fundamento. Então como ficaria às declarações de vontade

da Administração e, portanto, aos contratos por ela celebrados.

No Brasil, Pontes de Miranda, em obra memorável, dizia:

“A regra jurídica de garantia é, todavia, comum ao

direito privado e ao direito público. Quer se trate de direito

público, quer se trate de direito privado, a lei nova não

pode Ter efeitos retroativos (critérios objetivo), nem ferir

direitos adquiridos (critérios subjetivo), conforme seja o

sistema adotado pelo legislador constituinte. Se não existe

regra jurídica constitucional de garantia, e sim, tão-só,

regra dirigida aos juízes, só a cláusula de exclusão pode

conferir efeitos retroativos, ou ofensivos dos direitos

adquiridos, a qualquer lei”.63

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello64, após salientar que “o

problema da irretroatividade das leis se apresenta no Direito Público de igual modo

como no Direito Privado”e que “todos os ramos jurídicos devem abster-se de

promulgar leis retroativas, e estas não terão validade, se assegurado o respeito do

fato realizado e do direito adquirido, por texto constitucional em vigor”, o que

acarreta que “nesse regime se inclui o Direito Administrativo”, acentua que o

problema do conflito de leis no tempo tem maior alcance no direito privado porque

nele as relações, em regra, são de caráter convencional, especialmente contratuais,

ao passo que, no direito público, os atos convencionais são mais raros,

63 Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1 de 1969”, Tomo V, 2ª ed., 2ª tiragem, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1974, p. 99. 64 Mello, Osvaldo Aranha Bandeira. Princípios Gerais de Direito Administrativo, vol. I, 2ª ed., nº 37.12, p. 333 e segs.

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prevalecendo os atos unilaterais de caráter autoritário.

Também Celso Antônio Bandeira de Mello65, não sustenta a

retroatividade imediata de uma lei pelo só fato de ser ela de ordem pública ou de

direito público, mas examina diversas hipóteses, inclusive distinguindo situações

jurídicas gerais de situações subjetivas (como as contratuais), para verificar quando

há, ou não, direito adquirido a impedir que a lei nova alcance os efeitos futuros de

fatos produzidos no passado, e apresenta essas conclusões:

“a) – os atos e fatos já consumados em seus efeitos

jurídicos, ainda que não realizadas suas conseqüências

materiais, são inatingíveis pelas leis novas, sob pena de

retroação proibida;

b) – os atos subjetivos (que geram situações gerais,

abstratas e impessoais) não geram, por si só, direitos adquiridos;

c) – os atos-regra (que produzem situações gerais,

abstratas e impessoais) não geram, por si só, direitos adquiridos;

d) – os atos e fatos-condição ( que instalam alguém em

situação geral, abstrata e impessoal) normalmente não geram

direitos adquiridos. Irão gerá-los, contudo, se a situação em que

for investido o sujeito delinear-se por normas cuja única

justificativa racional e sentido lógico sejam a garantia de

futuridade assegurada.”

Outro grande jurista, Carlos Maximiliano66, em obra clássica do

direito, não hesitou por um instante em afirmar:

“Vigia outrora princípio diverso: as normas de ordem

pública observavam-se logo, a despeito de direitos adquiridos.

Leis políticas, incluídas sob esta denominação ampla as

65 Melo, Celso Antônio Bandeira de. Ato Administrativo e Direitos dos Administrados, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, p. 118/119. 66 Maximiliano, Carlos. Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, nº 281, Livraria Editora Freitas Bastos, São Paulo, 1946, p. 327.

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administrativas, têm aplicação “imediata”, porém não-retroativa.

Por exemplo: se impõem tributo fiscal a certa mutação, não

atingem as mutações anteriores; se instituem causa de privação

de direito eleitoral, só se cumprem em eleições futuras. A

retroatividade das normas de Direito Público hoje constitui um

princípio abandonado.

As leis de ordem pública observam-se logo; mas não

retroagem”.

Ocorre, porem, que a proceder esta razão, todas as leis podem ser

retroativas, visto que todas são inspiradas imediata ou mediatamente pelo princípio

da pública utilidade; e ainda quando se queira excluir as que tem por origem próxima

a utilidade particular, uma extensa área restaria, a que se poderia atribuir a

retroatividade, tão expressamente vedada pela Constituição.

Nem se receie, “que pesada a lei pelo princípio da não-

retroatividade, possa algumas vezes correr perigo a ordem pública. Assim como esta

pode manter-se na lei, poderá na maior parte dos casos continuar a manter-se

depois dela, sem ser necessário estender retroativamente a sua ação. E quando se

torne indispensável privar alguém de seus direitos adquiridos, restará o meio

constitucional da desapropriação deles com a prévia indenização do seu valor67”.

Por fim, é de salientar-se que as nossas Constituições, a partir

de1934, e com exceção de 1937, adotaram, sem qualquer engano, em matéria de

direito intertemporal, a teoria subjetiva dos direitos adquiridos e não a teoria objetiva

da situação jurídica, que é a teoria de ROUBIER. Por isso mesmo, a Lei de

Introdução ao Código Civil, de 1942, tendo em vista que a Constituição de 1937 não

continha preceito da vedação da aplicação da lei nova em prejuízo do direito

adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, modificando a anterior

promulgada com o Código Civil, seguindo, em parte, a teoria de ROUBIER, e admitiu

que a lei nova, desde que expressa nesse sentido, pudesse retroagir.

67 Ribas, Conselheiro Antônio Joaquim. Curso de Direito Civil Brasileiro, Parte Geral, Tomo I, Tipografia Universal de Laemert, Rio de Janeiro, 1865, págs. 233/234.

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Com efeito, o artigo 6º, da antiga lei de introdução ao Código Civil

brasileiro, rezava: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá,

entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas

definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito”.

Com o retorno, na Constituição de 1946, do princípio da

irretroatividade no tocante ao direito adquirido, o texto da nova Lei de Introdução se

tornou parcialmente incompatível com ela, razão por que a Lei nº 3.238/57 o alterou

para reintroduzir nesse artigo 6º a regra tradicional em nosso direito de que “a lei em

vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito

adquirido e a coisa julgada”. Como as soluções, em matéria de direito intertemporal,

nem sempre são coincidentes, conforme a teoria adotada, e não sendo a que ora

está vigente em nosso sistema jurídico a teoria objetiva de ROUBIER, é preciso ter

cuidado com a utilização indiscriminada dos critérios por este usados para resolver

as diferentes questões de direito intertemporal, como o fez o Superior Tribunal de

Justiça, em determinados casos.

4. As espécies de retroatividade em nosso sistema jurídico

Quanto à graduação por intensidade, as espécies de retroatividade

são três, segundo o professor Matos Peixoto: a máxima, a média e a mínima.68

4.1 A retroatividade máxima ou restitutória;

Dá-se a retroatividade máxima, também chamada de restitutória,

porque em geral restitui-se as partes ao momento anterior a lei nova, quando essa

especialmente ataca a coisa julgada ou os fatos consumados, sendo esses a

transação, o pagamento ou a prescrição, situações até extrajudiciais, sem qualquer

declaração, já consumadas que venham, por algum motivo, ser objeto de lei nova,

68 Peixoto, Matos. Limite temporal da Lei. Artigo publicado na Revista Jurídica da antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Vol. IX, págs. 9 a 47.

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que procure alterar aqueles fatos já consumados, e com todos os seus

pressupostos, ao tempo que vigorava a lei velha.

A essa categoria pertenceu a célebre Carta Magna brasileira de

1937, em seu artigo 95, parágrafo único, que previa a aplicação da retroatividade

máxima, pois dava ao Parlamento a atribuição de rever decisões judiciais, sem

excetuar as passadas em julgado, que tivessem por fundamento uma lei declarada

inconstitucional.

Portanto, a retroatividade máxima da norma era simplesmente a

desconsideração, pela lei, de situações consumadas, ao tempo que vigorava lei

velha e que tal procedimento era permitido.

Por óbvio as leis de planos econômicos jamais possuíram tal

conotação ou qualidade, pois a chamada de retroatividade máxima simplesmente

ofenderia a própria Constituição Federal de 1988, ofendendo a própria coisa julgada

e o direito adquirido.

4.2 A retroatividade média

A retroatividade média é quando a lei nova atinge somente os efeitos

pendentes de ato jurídico decorrente ou verificado antes da lei nova passar a viger,

um exemplo clássico seria, por exemplo, uma lei que limitasse a taxa de juros a 12

% ao ano, a partir de certa data, mas tal índice, limitado pela lei nova, não seria

aplicado às prestações e ao juros vencidos e não pagos.

É situação que verificou-se pouco ocorrente em sede de normas de

planos econômicos, sendo um dos exemplos mais notórios o caso do comunicado

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2067, do Banco Central do Brasil69, que determinou a aplicação de percentual às

contas de poupança após as mesmas terem sido bloqueadas durante o Plano Collor

I, no importe de 84,32%. Sendo que um detalhe chama à atenção, pois o poupador,

do numerário bloqueado, era remunerado pela instituição financeira e após tinha sua

conta, com aquele valor pago pela instituição financeira, transferida ao Banco

Central do Brasil. A remuneração, por aquele índice, das cadernetas de poupança

era uma situação pendente para as poupanças iniciadas antes de 15 de março de

1990, data de início do plano econômico denominado Collor I.

4.3 A retroatividade mínima ou dos efeitos imediatos

A retroatividade mínima, ou mitigada, é quando a lei nova atinge

apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que a lei entra em

vigor, sendo um exemplo bastante claro a edição do Decreto-lei 22626, de 07 de

abril de 1933, que reduziu a taxa de juros a 12% ao ano e determinou a sua

aplicação a todos os contratos existentes, inclusive aos que estivessem ajuizados.70

Todas as leis de planos econômicos contiveram a retroatividade

mínima, pois a retroatividade mínima nada mais é do que a aplicação imediata da lei.

Nas duas primeiras espécies, não há dúvida que a lei age para trás,

se volta contra o passado, uma vez que, inequivocadamente, alcança o que já

ocorreu no passado. Quanto ao terceiro caso, o da retroatividade mínima, o que há,

segundo PLANIOL71 (1928, p.95) “a lei é retroativa quando ela se volta para o

passado, seja para apreciar as condições de legalidade de um ato, seja para

modificar ou suprimir os efeitos de um direito já realizado. Fora daí, não há

69 “I – Os índices de atualização dos saldos, em cruzeiros, das contas de poupança, bem como aqueles ainda não convertidos na forma do artigo 6º da Medida Provisória nº 168, de 15 de março de 1990, calculados com base nos Índices de Preços ao Consumidor – IPC – em janeiro, fevereiro e março de 1990, serão os seguintes: a)omissis. b) Mensal, para pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos, 0,843200(zero vírgula oito quatro três dois zero zero)”; 70 Lei de Usura, decreto-lei 22626/33, em seu artigo 3º. 71 Planiol, M. Traité Elémentare de Droit Civil, v. I, 4ª ed, Paris, 1928, n.º 243, p. 95.

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retroatividade, e a lei pode modificar os efeitos futuros de fatos ou atos anteriores

sem ser retroativa.” É o que também ROUBIER72 (1929, p. 177) dizia sobre a

aplicação imediata, sendo que era simples a distinção entre efeito retroativo e efeito

imediato da lei, pois aquele ocorria quando a lei se aplicava ao passado, enquanto

este se dava quando a lei se aplicava para o presente.

Tais colocações parecem óbvias, mas um tanto quanto equivocadas,

pois dúvida não há de que se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos

celebrados anteriormente a lei nova, será essa lei retroativa porque vai interferir na

causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. Nesse caso, a aplicação imediata

se faz, mas com efeito retroativo. Por isso mesmo o próprio ROUBIER73 não pode

deixar de reconhecer que, se a lei nova infirmar cláusula estipulada no contrato, ela

terá efeito retroativo, porquanto “ainda que os efeitos produzidos anteriormente à lei

nova não fossem atingidos, a retroatividade seria temperada no seu efeito, não

deixando, porém, de ser verdadeira retroatividade.”

5. A retroatividade e o direito adquirido no sistema brasileiro

Não obstante a regra da Constituição de 1891 completada pelo

dispositivo da Lei de Introdução ao Código Civil, a respeito da irretroatividade das

leis e do Direito Adquirido, no sistema brasileiro, e não obstante o ter alcançado, o

próprio Direito Adquirido, na Carta Magna de 1934, o caráter de norma

constitucional, durante este período várias leis se promulgaram, ora de efeito

imediato, de modo a interferirem diretamente nos contratos em curso, ora de efeito

expressamente retroativo, de forma a modificarem mesmo negotia finita.

Assim o Decreto n. 19.573, de 7 de janeiro de 193174, que “dispõe

sobre a locação de prédios por militares e civis”, atendendo a que as medidas de

72 Roubier, Paul. Le Droit Transitoire – Conflits des Lois Dans le Temps, 2ª ed., n.º 38, p. 177. 73 Ob. Cit., nº 82, p. 415. 74 - Este diploma foi derrogado pelo Decreto n. 99.000, de 1991.

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economia “acarretam a dispensa, ou considerável redução dos vencimentos de

funcionário público” e a que “já a Lei n. 4.403, de 22 de dezembro de 1921, art. 1º, §

2º, conferiu aos funcionários civis e militares removidos, por motivo de serviço, a

faculdade de rescindirem os contratos de locação”, determinou no art. 1º o seguinte:

“O funcionário público civil, ou militar, poderá rescindir a locação, de tempo

determinado, do prédio de sua moradia, quando removido para servir em outra

localidade que lhe não permita manter residência na da situação do prédio locado;

ou reduzidos os vencimentos do seu cargo na proporção de mais de 25%, ou

dispensado do cargo público que exercia”.

Por sua vez, o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, que “dispõe

sobre o juro nos contratos”, ao estabelecer no art. 1º, o limite de 10% para os

contratos sob hipoteca urbana, de 8% para os em que houvesse hipoteca rural ou

penhor agrícola e de 6% para os de financiamento de trabalhos agrícolas, dispôs, a

seguir, no art. 10, que tais dívidas, “se existentes ao tempo da publicação desta lei

quando efetivamente cobertas, poderão ser pagas em (10) dez prestações anuais

iguais e continuadas, se assim entender o devedor”.

A própria Lei de Luvas, Decreto n.º 24.150, de 20 de abril de 1934,

interfere nos contratos em curso, pois estabelece, no art. 1º, que, não havendo

acordo entre os interessados, a renovação do arrendamento “será sempre feita na

conformidade do disposto nesta lei”.

Por outro lado, como exemplos de retroatividade capaz de atingir

casos consumados, citamos o Decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, sobre

a cláusula ouro, bem assim a Lei n. 28, de 1933, referente à importação de

mercadorias do estrangeiro.

No primeiro diploma citado, é de se ressaltar a incisiva

fundamentação doutrinária dos consideranda, vazada nestes termos: Considerando

que as providências dessa natureza, tomadas pelo Estado no exercício de suas

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funções soberanas, e por altas razões de ordem pública, não podem deixar de

abranger nos seus efeitos as convenções anteriores à publicação da lei;

Considerando que é geral a retroatividade de tais medidas, como se verifica na Join

Resolution supracitada (de 6 de junho de 1933, dos EEUU), do decreto alemão de

28 de setembro de 1914...; do decreto belga de 2 de agosto de 1914; da lei romena

de 21 de dezembro de 1916; da lei grega de 21 de junho de 1914; da lei búlgara de

12 de maio de 1921, e do decreto francês de 18 de setembro de 1790...” etc. De

onde a disposição do art. 1º, segundo a qual se declarou “nula qualquer estipulação

de pagamento em ouro, ou em determinada espécie de moeda”, bem assim,

particularmente, a do art. 3º que revogou as disposições em contrário “incluídas as

de caráter constitucional”.

Quanto à Lei n. 28, de 1936 posterior, portanto, à Constituição de

1934, ao excluir da Lei da Cláusula Ouro os contratos de importação de mercadoria

do estrangeiro, ordenou no parágrafo único art. 12 que “a disposição supra é

extensiva aos contratos realizados a partir de 16 de julho de 1934” 75.

O Decreto-lei 2335/87, também denominado de Plano Bresser,

implantou a chamada Tablita, ou seja, um deflator, cuja incidência procurava reduzir

valores dos contratos em curso, sempre visando o controle do processo inflacionário,

expurgando índices das obrigações assumidas com prefixação futura. Pois as

pessoas sempre antevendo a escalada da inflação buscavam resguardar-se dos

efeitos da desvalorização da moeda, acrescentando índices inflacionários nas

prestações vincendas futuras, sendo que quanto mais futuras as prestações

vincendas, maior os índices a serem somados. Tal plano recebeu decisões

totalmente diferentes, em sede de Tribunais Superiores, as decisões do Superior

Tribunal de Justiça se chocaram com as decisões do Supremo Tribunal Federal.

A Medida Provisória n.º 32, de 15 de janeiro de 1989, transformada

na Lei 7730, de 31 de janeiro de 1989, plano denominado Verão que expurgou

75 - Os diplomas, aqui citados, promulgados ao depois da Lei das Luvas, foram derrogados, respectivamente,

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valores inflacionários. Tal plano também ecebeu decisões totalmente diferentes, em

sede de Tribunais Superiores, as decisões do Superior Tribunal de Justiça se

chocaram com as decisões do Supremo Tribunal Federal.

O Plano Collor I, lei 8024, de 15 de março de 1990, lei que confiscou

as poupanças e todos os numerários tanto dos depósitos à vista, como dos

depósitos a prazo, todos os numerários das contas acima de Cz$ 50.000,00

(cinquenta mil cruzados novos). Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que todos

os contratos celebrados entre as instituições financeiras foram quebrados,

remanescendo como o titular das contas o Banco Central do Brasil. Tal norma já

recebeu o início do julgamento, no recurso extraordinário 22604876, com o voto

apenas do Ministro-relator Marco Aurélio de Melo, dando pela inconstitucionalidade

incidenter tantum, com pedido de vista do Ministro Nelson Jobim, desde 26 de

agosto de 1998.

Também foi recebida como lei totalmente constitucional, pelo

Superior Tribunal de Justiça, a Lei 8177/91, denominado Plano Collor II, que institui

a TR – Taxa Referencial para todos os contratos já existentes e indexados por

outros índices.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a TR, criada pelo Plano

Collor II com a lei 8177/91, era perfeitamente válida e passava a valer, a partir

daquela data, para todos os contratos. O Supremo Tribunal Federal tomou posição

totalmente contrária, onde tal norma não podia retroagir, pois produziria interferência

no fato ou no ato ocorrido no passado.

Para o Superior Tribunal de Justiça todos esses casos, de planos

econômicos, possuíam o efeito imediato e retroativo, abstração feita do seu mérito

intrínseco, foram fundados em razões de ordem pública, à face das quais são

pela Lei n. 8.245, de 1991, e pelo Decreto-Lei n. 857, de 1969.

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normas que procuram atingir a todos, com uma abrangência elástica, afastando ou

mitigando os imperativos do Direito Adquirido.

Não obstante, o STF considerou a Lei 8177/91, em seus diversos

artigos, inconstitucional77 por ofenderem o direito adquirido e permanecem tais

normas, em caráter constitucional, como regra, que a retroatividade, ou a

retroatividade mínima é impossível de acontecer, em qualquer caso.

5.1. O direito adquirido como regra constitucional

Com efeito, parece que isto se comprova não só com a geral

aceitação da doutrina deste período, como adiante veremos, senão ainda com o

fato, certamente único na história de o Direito Adquirido ter sido entre nós, algum

tempo depois, erigido expressamente em regra constitucional.

Não são muitas as leis magnas que referem, além da irretroatividade

penal, a civil. Caso excepcional é também o da Constituição dos Estados Unidos,

cuja Seção X, § 1º, determina que nenhum Estado poderá “enfraquecer por meio de

lei a força dos contratos”.

Não obstante, a nossa Constituição de 16 de julho de 1934, no art.

113, n. 3, vai ainda mais longe, pois estabelece que − “A lei não prejudicará o

DIREITO ADQUIRIDO, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”78.

É relevante assinalar que disposição dessa natureza não se

encontra nem nas emendas de 192679, nem no Projeto do Governo Provisório, de 16

76 RE 226048 ainda não foi publicado, tendo apenas proferido voto o Ministro Marco Aurélio. 77 Adin 493-0, do Distrito Federal, publicada em Brasília, no Diário da Justiça, em 25 de junho de 1992. 78 - Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, in Constituições do Brasil, p. 190. 79 - Constituição de 1891, com Emendas de 1926, in Constituições do Brasil, p. 119-34.

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de novembro de 193380.

Em circunstâncias tais, parece que, efetivamente, o Direito Adquirido

como regra constitucional não foi o resultado de uma outorga de cúpula, mas o fruto

de uma reivindicação popular, fundada nos seus mais justos anseios e nas suas

melhores tradições, tanto que esse vem sendo erigido em todas as constituições

brasileiras, sendo que é garantia fundamental prevista no inciso XXXVI do artigo 5º

da Constituição, sendo cláusula pétrea, e se aplica a toda e qualquer lei

infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito

privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva.

Objetivamente, a contratos celebrados anteriormente à entrada em

vigor da Medida Provisória nº 294, que foi publicada em 1º de fevereiro de 1991, e

que veio a ser convertida na Lei nº 8.177, de 1º de março seguinte. E alteraram o

modo de atualização do valor dos saldos devedores e das prestações, a partir de

fevereiro de 1991, nesses contratos, que foram celebrados entre as entidades

integrantes dos sistemas financeiros da habitação e particulares, logo contratos

privados, o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional a norma, por violar o

direito adquirido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 493-0.

Veja-se que a Advocacia Geral da União, à época, nas informações

solicitadas pelo relator, Ministro Moreira Alves, dizia que não existia qualquer ofensa,

porquanto:

1) o contrato de financiamento do SFH tem característica

biface, pois regula, ao mesmo tempo, relação de direito

privado ( a entre o credor e o devedor) e relação de direito

público ( a relação das partes com o Fundo de

Compensação das Variações salariais – FVCS- a cargo

da União Federal;

80 - Projeto de Constituição, do Governo Provisório de 1933, in op. cit., p.. 138-66.

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2) as cláusulas colocadas no campo do direito privado são

inalteráveis, mas as reguladas pelo direito público ficam

sujeitas às alterações da lei, que terá eficácia imediata e

geral;

3) a taxa referencial (TR) é mero indexador, e foi

introduzida em nosso direito para a sincronização dos

efeitos da inflação com a equação econômico-financeira

das relações estabelecidas no sistema financeiro de

habitação, o que se obteve com a substituição da

indexação, o que se obteve com a substituição da

indexação pela inflação passada pela correção das

prestações pela inflação esperada;

4) as leis monetárias, abrangendo a definição, extinção e

criação tanto da moeda de pagamento como da moeda de

conta – ou seja, do indexador e seus limites de aplicação

máximo e mínimo – têm efeito imediato, por serem

normas de direito público; não ferem direito adquirido, pois

inexiste direito das partes à manutenção do padrão

monetário ou indexador; e a simples cobrança de juros,

sem nenhuma amortização do principal, não pode ser

considerada excessivamente onerosa, pois implica

verdadeira liberalidade, não sendo inconstitucional a

fixação de um piso da prestação devida; e

5) não há direito adquirido à inalteralbilidade de institutos

jurídicos como, no caso, à inalterabilidade dos índices de

correção monetária.

Algumas dessas alegações em favor da constitucionalidade dos

dispositivos impugnados ou são de manifesta improcedência, conforme visto acima,

ou já foram afastadas pelas considerações que fizemos, de início, sobre a

irretroatividade da lei em nosso sistema jurídico, pois no sistema jurídico brasileiro o

direito adquirido atingiu o patamar constitucional.

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Ocorre que há certos tipos de contratos com dupla natureza, por

exemplo, os contratos imobiliários teriam natureza “biface”, porque seriam contratos

de natureza, em parte, privada e, em parte, pública. Essa natureza biface decorreria

da circunstância de que, embora o contrato seja celebrado entre particulares, ambos

privados, os recursos utilizados nesses financiamentos decorrem de fundo e de

depósitos disciplinados por normas de direito público, bem como a União, em virtude

de lei, e tendo em visa que o mutuário só se obriga a pagar número certo de

prestações, que por aumentarem de acordo com os reajustes salariais não dão

correção monetária, cobre, por intermédio do Fundo de Compensações de

Variações Salariais – FVCS - gerido pela Caixa Econômica Federal, o saldo devedor

remanescente, que não é devido pelo mutuante, que não se obriga a pagá-lo, razão

por que é este contrato subordinado a forte dirigismo contratual que restringe a

autonomia da vontade dos contratantes. De feito, apesar dessas características, é

inegável que esses contratos, celebrados entre particulares, não podem caracterizar-

se como contratos administrativos, e, portanto, de direito público, pela singela razão

de que não estão presentes os elementos essenciais à existência de tais contratos,

como, entre outros, a participação, como contratante, da administração Pública com

supremacia de poder, de que resultam as denominadas “cláusulas” exorbitantes

explícitas ou implícitas. Sendo as partes contratantes entes privados, colocados

juridicamente em plano de igualdade, são contratos de direito privado, ainda que de

adesão, não lhe alterando essa natureza o dirigismo contratual imposto pela lei, para

entender às necessidades econômico-financeiras do sistema habitacional que está

subjacente. O mutuário não é parte de relação jurídica com o FVCS, que não paga

ao mutuante - agente financeiro - o remanescente do saldo devedor por assumir

débito daquele, que já cumpriu sua obrigação contratual que se resume a número

certo de prestações, independentemente do saldo remanescente por causa do

descompasso dos sistemas de correção das prestações e desse saldo- mas o faz

por força da lei no interesse do sistema habitacional.

Por tais motivos, é que pouco importa que as normas impugnadas

sejam de ordem pública ou não, tendo em vista o interesse público do sistema

imobiliário em face da lei de plano econômico, pois tanto as normas de ordem

pública e de direito público estão sujeitas à vedação constitucional do artigo 5º,

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XXXVI, da Constituição Federal: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Apesar de impostas pela lei certas cláusulas como obrigatórias num

contrato, uma vez a ele passam a integrá-lo como fruto de ato de vontade inclusive

da parte que a ele adere, e, consequentemente, daí resulta que esse contrato, como

ato jurídico perfeito, tem os seus efeitos futuros postos a salvo de modificações que

lei nova faça com relação a tais cláusulas, as quais somente são imperativas para os

contratos que vierem a celebrar-se depois de sua entrada em vigor.

Não há ato jurídico parcialmente perfeito, conforme suas cláusulas

decorram da autonomia da vontade ou resultem de normas de ordem pública, para

pretender-se que aquelas são infensas à retroatividade, ao passo que estas estão

sujeitas à modificação imediata, que nada mais é – como já se viu – uma das

espécies de retroatividade.

Essa distinção, em última análise, volta ao problema da

retroatividade das leis de ordem pública, ou seja, das leis cogentes, pois são leis

dessa natureza que, em direito privado ou em direito público, impõem às partes

contratantes a adoção de cláusulas contratuais imperativas. Nem por isso essas

cláusulas deixam de integrar o contrato, que, como ato jurídico perfeito, está a salvo

das modificações posteriores que outras leis de ordem pública venham impor

redação dessas cláusulas.

A norma constitucional é clara e impede a retroatividade da lei nova

em face do ato jurídico perfeito, que, por não poder ser modificado retroativamente,

tem os seus efeitos futuros resguardados da aplicação dessa lei.

6. O direito adquirido na concepção dos constitucionalistas

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O presente capítulo procura demonstrar a visão contida nas obras dos

grandes mestres em Direito Constitucional. Tal interpretação segue em razão de

suas obras nacionais e qual a vertente de pensamento estrangeiro, se existente.

6.1. Carlos Maximiliano

Entre os constitucionalistas damos realce a Carlos Maximiliano,

Araújo Castro e Pontes de Miranda.

A contribuição de Carlos Maximiliano, mais tarde desenvolvida no

seu Direito Intertemporal, foi exarada à guisa da Constituição de 1891, pois os seus

Comentários à Constituição Brasileira foram escritos em 1918.

Não obstante, o Código Civil já estava publicado, de tal forma que as

considerações de caráter constitucional se alinharam à luz do Direito Privado.

Entre as suas lições que nos parecem de maior importância,

devemos realçar a afirmação de que “Não se entendeu jamais no Brasil, nem nos

Estados Unidos, que o texto constitucional fulminasse com a nulidade absoluta,

indistintamente, todas as leis que tivessem efeito retroativo. O preceito foi inserto no

código supremo como uma garantia da liberdade e dos direitos patrimoniais do

indivíduo. Toda lei que não contrariar esse duplo propósito prevalecerá na íntegra,

salvo se violar outra disposição fundamental” 81.

Em outra parte, é adotado o conceito de Direito Adquirido de

particular interesse: a de que “decorrem direitos adquiridos, tanto de atos voluntários

do homem, como da ação e inação de terceiro e até de simples dispositivos de lei ou

regulamento”.82

81 - Maximiliano, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, 1918, p. 225. 82 Ibidem, p. 229.

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Tal pensamento vai favoravelmente com a jurisprudência produzida

pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme veremos mais adiante em capítulo

apropriado.

6.2. Araújo Castro

O tratamento da matéria em Araújo Castro é mais ligeiro, limitando-

se, baseado em Reynaldo Porchat e Clóvis Beviláqua, a reafirmar que o princípio da

irretroatividade se resume no respeito, pela lei nova, ao Direto Adquirido 83.

Dirigindo-se as suas considerações à elucidação da Lei Magna de

1934, traz ainda o importante esclarecimento de que o texto do art. 113, n. 3, da

mesma resultou de uma emenda do deputado Mário Ramos, em que se propunha

fosse acrescentada ao art. 112 do Projeto a seguinte determinação: “A lei não

prejudicará, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada”. No curso da votação foi suprimida a expressão “em caso algum”, o que é

sobremaneira relevante, pois reflete o pensamento de que a regra nas leis

econômicas e, em especial, nas normas de planos econômicos tal situação jamais

foi adotada.

6.3. Pontes de Miranda

A este mestre, nos Comentários à Constituição de 1934, se deve um

dos trabalhos mais eruditos a respeito do assunto.

Dedicando mais de cinqüenta páginas ao seu desenvolvimento, e

escrevendo sobre os seguintes temas: I. Estado e Fontes do Direito; II. Esboço de

História Legislativa; III. Legislação característica dos nossos dias; IV. Doutrina; V. O

Direito Intertemporal no Brasil; VI. Orientação científica; VII. Leis de Direito Público84.

83 - Araújo Castro, A Nova Constituição, Rio de Janeiro, 1935, p. 352-4. 84 - Pontes de Miranda, Comentários à Constituição República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 1937, t. II, p. 81-137. Com relação à matéria, em 1934, Pontes de Miranda publicou, na revista Ciência do

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Dando asas ao seu irredutível espírito crítico, que é o forte de

Pontes de Miranda, largamente informado e influenciado pelas doutrinas

estrangeiras, constitui um dos poucos autores, no Brasil, a se insurgirem

frontalmente contra a Doutrina Clássica, e, particularmente, contra a orientação

agasalhada pelo Código 85.

Assinala Pontes de Miranda86 “Os comentadores do Código Civil

brasileiro tiveram de arquitetar a doutrina de 1916 em diante com os elementos

defeituosos e contraditórios dos §§ 1º a 3º do art. 3º da Introdução. Tais parágrafos

constituem as bases (bem frágeis e insuficientes) do Direito Intertemporal no Brasil,

enquanto o legislador ordinário não der outras. Mais adiante fala em “mistura

insciente e inconsciente de 1916.”

Quanto à Doutrina Clássica propriamente dita, assinala que “Roubier

mostra exemplos assaz ridículos de aplicação da noção de direitos adquiridos”.87

Mas os próprios autores em que se estriba não escapam ao alfanje

da sua crítica ácida: “Affolter subsumiu o presente no passado, sacrificou aquele a

este; Roubier libertou-o em parte, porque não soube ir até as últimas conseqüências

da libertação”88.

Isto posto, passa à exposição de sua própria teoria, que denomina

“Orientação Científica” e cuja substância parece estar nestas ponderações:

“Os efeitos produzidos antes de entrar em vigor a

nova lei não podem por ela ser atingidos; dar-se-ia

Direito, Ano I, t. II, p. 22-38, o artigo Droit Intertemporal du Droit Internacional Prive, onde advoga, em certas circunstâncias, a aplicação das novas regras aos casos passados (p.38). 85 - V. também a crítica de José Augusto César, nas Notas ao Código Civil, Revista da Faculdade de Direito, 1928, v. 24, p. 177-83. 86 Op.cit. p. 120. 87 Op. cit. p.121. 88 Op. cit. p. 124.

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retroatividade. Os efeitos não são todavia contínuos no

tempo, de modo que pode ser dividido o tempo em que se

lhes verifica a produção. Algo de lineal em vez de

punctual. Temos, pois, pontos às extremidades da

existência das relações jurídicas, e linha, entre o

nascimento e a extinção, a que correspondem aqueles

pontos. Todavia, nem sequer o ponto em que a relação se

constitui é independente de fatos anteriores, de lapsos de

tempo, de linhas (prescrição aquisitiva, vitaliciedade de

cargos públicos, ações dependentes de certo tempo,

direitos decorrentes do correr de certo prazos processuais

ou de certa atividade contínua). Digamos o mesmo quanto

à extinção (prescrição extintiva, expiração de prazos,

aposentadoria compulsória de funcionários). Outras

relações só se estabelecem mediante o concurso de dois

fatos sucessivos, mais ou menos distantes um do outro

(sucessão testamentária = testamento + morte de

testador; casamento = publicação + celebração; promessa

ao público = publicação + execução do ato a ser

recompensado).”89

Ao nosso sentir, Pontes de Miranda afirma que nada, no direito,

pode ser considerado como uma fórmula única, devemos separar certos tipos de

acontecimentos que produzem imediatamente efeitos e aqueles que não se

verificam tal condição. Um exemplo disso são as normas de planos econômicos, que

podem atingir relações em cursos, com fatos pendentes, e algumas normas

previdenciárias que quebram a relação de expectativa de tempo de aponsentadoria.

Mas desde que os fatos sejam contínuos no tempo.

7. Os civilistas

89 - Op. cit. p. 124-125.

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Realçamos a contribuição de Beviláqua, Martinho Garcez, João Luís

Alves, Eduardo Espínola, Spencer Vampré, Ferreira Coelho, Carvalho Santos e

ainda a contribuição de Rubem Limongi França.

7.1. Clóvis Beviláqua.

O autor do Projeto tratou inicialmente da matéria em sua Teoria

geral, cuja primeira edição veio a lume em 1908, e a segunda, em 1929.

Criticando a Blondeau, Demolombe, Laurent, Huc e o próprio Gabba,

por haverem concorrido “para obscurecer a matéria” 90, assevera que “O que se

deve dizer é que o direito adquirido, de que aqui se trata, é o direito incorporado ao

patrimônio do indivíduo; e que o princípio da irretroatividade é um princípio de

proteção individual.”91

Parece que a contribuição, trazida através do Código Comentado, é

mais esclarecedora.

Reformulando o conceito legal de Direito Adquirido, propõem seja

convertido no seguinte: “direito adquirido é um bem jurídico, criado por um fato

capaz de produzi-lo, segundo as prescrições da lei então vigente, e que de acordo

com os preceitos da mesma lei, entrou para o patrimônio do titular” 92.

Quanto ao ato jurídico perfeito, esclarece que a sua segurança “é

90 - Clóvis Beviláqua, Teoria geral do Direito Civil, 2. ed., Rio de Janeiro, 1929, p.22-3. 91 - Op. cit. p. 23. 92 - Clóvis Beviláqua,Código Civil Comentado, 7. ed., Rio de Janeiro, 1944, v. I, p. 100. Note-se, a despeito da crítica feita a Gabba, como esta definição é inspirada nas lições deste mestre. Cf. Teoria Geral, p. 23.

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um modo de garantir o direito adquirido, pela proteção ao seu elemento gerador”.93

7.2. Martinho Garcez.

A despeito de se haver publicado, em 1914, a Teoria Geral do

Direito, do eminente Martinho Garcez, foi elaborada segundo o Projeto, numa fase

em que, pode-se dizer, já apresentava a redação definitiva.

Conforme se lê na citada obra, “definindo o que seja direito

adquirido, o texto (do Projeto) esclarece a idéia de ser ele o direito incorporado ao

patrimônio do indivíduo, para assim evitar a controvérsia dos escritores, quando

opõem à idéia de direito adquirido a de expectativa de direito, ou de interesse ou de

faculdade, segundo o insigne Gabba”.

Por outro lado, esclarece que “o ato jurídico perfeito, segundo o

texto, é um aspecto particular do direito adquirido” 94.

7.3. João Luís Alves.

Bastante clara é a exposição de João Luís Alves em seu Código

Civil Anotado, onde se lê que, na “noção de direito adquirido se compreende a

irretroatividade da lei, em relação ao fato jurídico perfeito e à coisa julgada, pois,

aquele e esta, têm por objeto direitos, cuja aquisição se verifica pela perfeição do ato

jurídico ou pelo julgamento definitivo do litígio”. E acrescenta: “Distinguindo o Código

as três noções deste artigo, não teve outro intuito senão tornar claros o preceito e a

93 Op. cit. p.101. 94 - Martinho Garcez, Teoria Geral do Direito, Rio de Janeiro, 1914, p. 8.

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noção de direito adquirido” 95.

Com referência aos Direitos Condicionados, servindo-se da lição de

Teixeira de Freitas, só os considera adquiridos se tratar de condição resolutiva. E

assim se expressa: “A condição suspensiva só confere ao titular expectativa de

direito” 96.

Na segunda edição de sua obra, datada de 1935, revista e

aumentada pelo Des. André de Faria Pereira, há um desenvolvimento da matéria,

onde se destinam sete páginas à aplicação prática dos princípios acima 97.

Ao nosso sentir tal obra espelha uma grande novidade, pois as

condições resolutivas são o cerne dos planos econômicos, pois normas que

encerram uma moeda, afastando qualquer forma de condição suspensiva, é a

aplicação imediata das normas que afasta qualquer suspensão dos direitos. Tal tese

nos pareceu muito interessante e pouco explorada por outros doutrinadores.

7.4. Eduardo Espínola.

Este Jurista, que tratou do assunto em várias obras, logo quando se

deu a vigência do Código Civil, em 1916, publicou o seu Systema do Direito Civil

Brasileiro (1917, p. 188-224, v. I).

Ao longo de sua exposição, embora seja endossada a definição de

Direito Adquirido proposta por Gabba, adianta que a que oferece o Código “contém

95 - João Lucas Alves, Código Civil anotado, 1. ed., Rio de Janeiro, 1917, p. 3. 96 - Op. et. Loc. Cits. Contrária, porém, é a lição de Beviláqua, Código, I, p. 100, n. 4, onde afirma que, com o advento da condição suspensiva, “o direito se supõe ter existido desde o momento em que se deu o fato que o criou”. 97 - João Luís Alves e André de Faria Pereira, Código civil Anotado, 2. ed., São Paulo, 1935, v. 1, p. 4-11.

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um critério suficiente para a generalidade dos casos”.98

A seguir, esclarece que o “direito adquirido em virtude de um fato

independente da vontade do homem, e que por isso se costuma dizer adquirido ex

lege, é um direito adquirido da mesma forma que o que surge em virtude de um fato

voluntário” 99.

7.5 Spencer Vampré.

No seu utilíssimo e claro Manual de Direito Civil Brasileiro, bem

assim no seu Código Civil Anotado, Spencer Vampré esposa in totum a Doutrina

legal sobre a matéria que, a seu ver, “esclareceu e completou o preceito da

Constituição Federal de 1988” 100.

Apenas fez considerações que ficaram no mesmo diapasão da atual

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como adiante se verá, pois, em sua

obra Manual, servindo-se particularmente da Teoria Geral de Clóvis, alinha uma

série de casos de irretroatividade, e outras espécies em que a lei retroge,

especialmente se a matéria é de ordem pública 101.

A situação esposa, de forma clara, expõe o pensamento que edifica

o conceito dado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde parece-nos claro que as

normas de ordem pública, sendo que todas as leis de planos econômicos são assim

consideradas, e tal obra retrata a importância do tema, pois afirma tal obra que

somente as normas que as contém tal preceito podem retroagir.

98 - Eduardo Espínola. Systema do Direito Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1917, v. I, p. 215. 99 - Eduardo Espínola, Systema do Direito Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1917, v. I, p. 209-12. 100 - Spencer Vampré, Código Civil anotado, São Paulo, 1917, p. 2. Cf., do mesmo autor, Manual de Direito Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1920, v. 1, p. 9-10. 101 - Vampré, Manual, I, p. 10. Cf. Clóvis, Teoria Geral, p. 23-4; Martinho Garcez, Teoria Geral, p. 9.

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É um pensamento precursor, pois, na época, ninguém adotava tal

posicionamento esposado por Spencer Vampré.

7.6. Ferreira Coelho.

A parte do Código Civil Comparado, Comentado e Analisado, de

Ferreira Coelho, relativa à matéria em foco é das mais elucidativas. Aí se encontram,

de acordo com o método de toda obra, indicações de Direito Comparado, dos projeto

anteriores e dos próprios trabalhos das comissões, tanto da Câmara como do

Senado.

Além disso, bastante pertinente é o seu Comentário e Análise, cujas

idéias centrais, alicerçadas sobretudo em Gabba e Baudry-Lacantinerie, parecem

ser as seguintes:

I. “Os legisladores constituintes dos dois grandes

países americanos (o Brasil e os EEUU) não se limitaram

a proibir os efeitos retroativos da lei, declararam positiva e

claramente vedada a decretação de leis retroativas” 102.

II. “Se o princípio da não retroatividade é ... sempre

imposto ao Poder Legislativo..., não alcança esta

imposição o Poder Judiciário em todos os casos, em que

tiver ele de fazer aplicação do efeito da lei aos casos

concretos” 103.

III. “À primeira vista parece redundante o artigo

analisado, pois pode-se compreender que no conceito de

direitos adquiridos estejam incluídos os atos jurídicos

perfeitos e também a coisa julgada. Mas a lei não perde

102 - Ferreira Coelho, Código Civil Comparado, Comentado e Analisado, Rio de Janeiro, 1920, v. II, p. 86. 103 - Ferreira Coelho, op. cit., p. 87, n. 833. Cf. Reynaldo Porchat, Da Retroatividade das Leis Civis, p. 43, n. 36.

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por ser clara: a necessidade do desdobramento se vê

patente nos termos dos parágrafos” 104.

O autor inova afirmando que o Poder Judiciário não estaria preso às

amarras da lei, não estando, portanto, estanque como a total irretroatividade da

norma, pois poderia aplicar a lei ao caso concreto.

7.7. Carvalho Santos.

Baseando-se em Gabba, Baudry-Lacantinerie, Porchat, Beviláqua e,

particularmente, em Paulo de Lacerda, esse eminente batalhador que foi Carvalho

Santos alinhou em cerca de vinte páginas elucidativo comentário sobre o art. 3º da

Lei de Introdução de 1916 105. Entendemos que o pensamento foi pela teoria

subjetivista, de cunho que dependeria da lei e que a lei não seria retroativa se

retirasse do indivíduo algo que tivesse sido incorporado ao seu patrimônio.

8. A Lei 4657, e a nova redação do art. 6º da lei de Introdução. Os civilistas

posteriores à Lei de Introdução.

A nova redação do artigo 6º foi introduzida com a lei 3238, de 1957,

modificando aquilo que estava de acordo coma Constituição de 1937 e passando a

figurar de acordo com a Constituição Federal então vigente, a de 1946.

Como advento da lei 3238 de 1º de agosto de 1957, ficou o

dispositivo com a seguinte redação: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral,

respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

104 - Ferreira Coelho, op. cit., p. 91. Cf. João Luís Alves, op. cit., p. 2 da 1ª ed.; Martinho Garcez, op. cit., p. 8; eviláqua, Código Comentado, p. 101, n. 5, in fine etc. 105 - Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, 7. ed., Rio de Janeiro, 1956, v. I, p. 39-60.

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8.1. Silvio Rodrigues.

No Direito Civil de Silvio Rodrigues, encontramos, a afirmação

relevante de que “Entre nós a lei é retroativa, e a supressão do preceito

constitucional que, de maneira ampla proibia lei retroativas, constituiu um progresso

técnico. A lei retroage, apenas não se permite que ela recaia sobre o ato jurídico

perfeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisa julgada” 106.

Além do argumento a contrário, em face da Constituição Federal, o

civilista fundamenta sua tese, por sinal respeitável, segundo os quais se deve supor

que a lei nova é melhor do a anterior”, e portanto “deve assim retroagir”. 107

Apesar de louvarmos a obra em estudo, não consideramos a

explicação juridicamente capaz de suplantar outras opiniões mais abalizadas e

centradas no conceito mais jurídico.

8.2. Caio Mário da Silva Pereira.

O autor do Anteprojeto de Código das Obrigações, em suas

Instituições de Direito Civil, trata proficientemente da matéria, começando por

considerar o Direito Intertemporal e a irretroatividade das leis, passando em seguida

ao exame das teorias subjetivistas e objetivistas, para finalmente cuidar da sua

repercussão no Direito Brasileiro 108.

A conclusão é a de que “O direito brasileiro, no campo dos conflitos

de leis, tem sofrido algumas vacilações, para retomar o curso da idéia original” 109,

106 - Silvio Rodrigues, Direito Civil, São Paulo, 1962, I, p. 50. 107 - Op. cit. p.52. 108 - Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro-São Paulo, 1961, p. 109-29. 109 - op. cit. p. 124.

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de que:

− “Toda a construção legislativa atual está

assentada no respeito ao direito adquirido, sob os seu

vários aspectos”.

A Caio Mário se devem afirmações, como a de que “há uma

distorção” quando se diz que “as leis de ordem pública são retroativas”. A seu ver, “é

atentatória à Constituição a lei que venha a ferir direitos adquirido, ainda que sob a

inspiração da ordem pública”.110

Tal pensamento está em total acordo com a jurisprudência atual do

Supremo Tribunal Federal.

Em Parecer publicado na Revista Forense, defende Caio Mário a

tese à qual voltaria em suas Instituições, qual seja a de que “Da mesma forma que

os direitos subjetivos privados se adquirem e não podem ser prejudicados pela lei,

os direitos subjetivos de ordem pública, incorporados ao patrimônio do cidadão, são

adquiridos também, e também se exercem a cavaleiro da vontade variável do

legislador” 111.

8.3. Arnoldo Wald.

Muito peculiar é a exposição de Arnold Wald, a respeito do tema.

Tendo traçado um escorço histórico inicial, afirma que “superada a teoria de Gabba

pela crítica acerca que dela fizeram os civilistas e os publicistas contemporâneos,

novas tentativas foram feitas para resolver o problema da retroatividade” 112.

110 - op. cit. p. 126. 111 - Caio Mário da Silva Pereira, Parecer, de 6-3-1951, RF, 144/81. 112 - Arnoldo Wald, Direito Civil Brasileiro, Parte Geral, Rio de Janeiro, 1962, p. 98-128.

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Fala então das Doutrinas de Bonnecase, Duguit, Vareilles-

Sommières, Affolter, Roubier, e muitos outros. E observa: “Entre estas novas

tentativas, poucas nos deram uma solução definitiva. Cada qual foi contestada,

atacada, criticada. Nenhuma nos deu uma solução que resolvesse o problema em

toda a sua complexidade”.113

O autor simplesmente não esclarece a que corrente se filiou.

8.4. Vicente Ráo.

A acuidade e inquietude científica de Vicente Ráo levaram esse

grande jurista a procurar ver o problema por um novo prisma.

Depois de examinar as principais teorias a respeito da matéria,

conclui que o mais acertado é “abandonar todos os anteriores conceitos, em

particular os da retroatividade e irretroatividade, em troca de um conceito mais

científico, tal consistiria na graduação da força obrigatória das mesmas normas,

segundo a natureza da matéria sobre a qual depõem (que também é um critério

classificador de normas)” 114.

Para tanto, é preciso partir sempre “do pressuposto de não poderem

atingir, jamais, os fatos, atos e seus conseqüentes direitos e efeitos já produzidos no

passado, sob o império das normas anteriores, e reconhecendo-lhes, apenas, a

força de alcançarem os efeitos presentes e futuros destes direitos, em certos e

determinados casos.”115

“As novas normas objetivas, em relação às anteriores, podem

113 Op. cit. p. 126. 114 - Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, São Paulo, 1960, v. 1, t. 2, p. 450, n. 293.

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revelar, segundo a sua natureza, maior ou menor intensidade de força obrigatória ...

“Incluem-se na primeira categoria as normas de direito público e as normas de

direito privado imperativas, ou de ordem pública, as quais traduzem, ou

necessariamente se pressupõe que traduzem, um interesse comum ou contêm

alterações produzidas pela própria evolução da vida social. Figuram na segunda

categoria as normas que disciplinam as relações que o direito subordina à vontade

individual do agente, ou das partes, como são, em princípio, as de natureza

contratual”116.

Como se vê, a despeito da intenção desse autor, a primeira parte da

sua teoria cai no critério do respeito às causae finitae, ou aos contratos

definitivamente encerrados. Quanto à segunda parte, pensamos que não é

incompatível com as teorias existentes.

9. O Projeto Haroldo Valladão

O Prof. Haroldo Valladão, em seu Anteprojeto de Lei Geral de

Aplicação das Normas Jurídicas, ao cuidar da matéria, art. 81 e s., demonstrou mais

uma vez a profundidade e a oportunidade de simplesmente com uma só expressão

resolver a questão.

A norma fundamental está no art. 81, cujo caput assim está redigido:

“A lei nova terá aplicação imediata, não podendo, todavia prejudicar o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Seguem-se três parágrafos, onde

respectivamente, se definem essas três categorias, utilizando-se ipsis litteris das

palavras da Introdução ao Código Civil, de 1916117.

115 Op. cit. p. 452. 116 Op. cit. p. 451 117 - Haroldo Valladão, Anteprojeto Oficial de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, Rio de Janeiro, 1964, p. 31. A oficialização se deu em virtude dos Decretos n. 51.005, de 1961, e 1.490, de 1962.

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Com isto, se adotou “a tradicional fórmula brasileira, constitucional e

legal”.118

Este preceito geral é completado pelos arts. 82 a 85 e respectivos

parágrafos onde se cuida de resolver uma série de questões em suspenso em nosso

Direito, quais sejam: a dos fatos iniciados e não completados, inclusive os atos

complexos119; a da maioridade já completa; a das leis que criam direitos nas

relações de trabalho; a da forma dos atos jurídicos; a da retroatividade da lei penal

mais benigna; e a da aplicação intertemporal das leis processuais.

A aplicação imediata das leis intertemporais nos processos possui a

mesma conotação das leis planos econômicos, pelo menos no que concerne à sua

aplicação imediata e geral.

10. A Constituição de 1967

Entre os propósitos da Revolução de 31 de março de 1964, se

incluiu o de dotar o nosso País de um novo regime constitucional.

Isso que, gradativamente, se veio fazendo por meio de atos

institucionais e complementares, culminou pela decisão do Governo de substituir a

Constituição de 1946 por outra Lei Fundamental.

Para elaborar o seu Projeto, de início, foi encarregada uma

Comissão de Juristas, onde aparecem grandes nomes como o de Levy Carneiro,

Orozimbo Nonato e Temístocles Cavalcanti, porém tal texto não foi aceito por ser

118 - Op. cit. p. 122. 119 Op. cit. p. 123.

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muito conservador120, originando desse a confecção de um novo projeto, por parte

do próprio Governo, em que teve papel preeminente o Min. Carlos Medeiros Silva. O

seu inteiro teor foi divulgado em 7 de setembro de 1966, tendo-se convertido na

Constituição de 1967.

Porém, em outubro do mesmo ano, o Instituto dos Advogados de

São Paulo divulgou um Anteprojeto de Constituição elaborado por uma comissão

dos seus sócios, sob a coordenação do eminente mestre Prof. Gofredo Telles Júnior 121.

10.1. O anteprojeto da Comissão Oficial de Juristas.

No que tange à matéria deste trabalho, o Anteprojeto da Comissão

Oficial de Juristas assim dispôs, no art. 60, caput e n. III: “A Constituição assegura

aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a INVIOLABILIDADE dos direitos

concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos

seguintes:... III. São INVIOLÁVEIS o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada” 122.

Duas observações. Uma quanto à forma e outra referente ao

conteúdo.

No que tange à forma, é de se assinalar que a modificação inserida,

à face do preceito correspondente, das Constituições de 1934 e 1946, foi para pior,

em virtude da redundância da idéia de inviolabilidade, já expresso no caput e

repetida no inciso.

120 Comentários à constituição Brasileira, 2. ed., Saraiva, 1977, v. 3, p. 77-8. 121 - A parte relativa ao Poder Judiciário ficou a cargo do preclaro Prof. Alfredo Buzaid. Dessa comissão fez parte também o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Livre-Docente da Universidade de São Paulo. 122 - Texto Integral do Anteprojeto da Nova Constituição do Brasil, Diário de São Paulo, de 26-8-1966, 1º caderno, p. 7.

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Quanto ao conteúdo, é mantida a “fórmula brasileira” proposta no

Projeto Coelho Rodrigues, consagrada no Código, e erigida à categoria de preceito

constitucional pelas Constituições de 1934 e 1946.

O fato é tanto mais significativo, quanto se considera que dessa

Comissão fizeram parte Orozimbo Nonato e Temístocles Cavalcanti. O primeiro é

um dos autores técnicos da Lei de Introdução de 1942 e o segundo, em seus

comentários à Constituição de 1946, a despeito da Doutrina oficial dessa Lei Magna,

fala em “situações jurídicas definitivas” e “fatos pretéritos”123.

10.2. O anteprojeto do Instituto dos Advogados de São Paulo.

O texto deste Anteprojeto, referente à matéria, é o seguinte: “A lei

não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; salvo as

exceções legais, a lei não retroage e só estatui para o futuro” 124.

Como se vê, em princípio, foi adotada a fórmula tradicional.

Entretanto, a ressalva da segunda parte dá azo a uma ponderação

relevante. Com efeito, falando desde logo em “exceções legais”, transforma

substancialmente o caráter do preceito, que passa a constituir, tão-somente, uma

regra para os juízes, e não para o legislador. Com isso quer-nos parecer que ficaria

comprometida uma orientação que, expressamente, se deve à Constituição de 1988,

ou seja a de que no Brasil há o direito adquirido constitucional, não havendo

exceções.

10.3. O projeto oficial e o texto sancionado.

123 - Temístocles Brandão Cavalcanti, A Constituição Federal Comentada, 2. ed., Rio de Janeiro, 1952, v. III, p. 81. 124 - Constituição do Brasil ⎯ Anteprojeto do Instituto dos Advogados de São Paulo, art. 4º. Divulgado em 23 de setembro do 1966.

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O Direito Intertemporal, em matéria civil, foi regulado no Projeto

oficial de Constituição no art. 149, IX, desta forma: “A Constituição assegura aos

brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à vida, à liberdade, ao trabalho

e à propriedade nos seguintes termos:... − respeito ao direito adquirido, ao ato

jurídico perfeito e à coisa julgada” 125.

Com a promulgação dessa Carta Magna, passou a ser este, com

pequenas modificações, o texto em vigor na matéria, o qual, conforme se vê,

avisadamente, é a repetição dos de 1934 e 1946 126. Além disso, constitui o

resultado de uma evolução lenta e segura da matéria, a qual entre nós, vai para

além de sete séculos 127.

11. A Emenda Constitucional de 1969

Datada de 17 de outubro de 1969, sob a rubrica “Emenda

Constitucional n. 1”, publicou-se nova Carta Magna.

A divulgação no Diário Oficial se deu no dia 20, tendo sido retificada

no dia 21 e publicada no dia 30.

A matéria desta monografia depara-se no art. 153, § 3º, nestes

termos: “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:... § 3º. A lei não prejudicará o direito adquirido, o

ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

125 - Nas “Disposições gerais e transitórias”, Título do Instituto V do Projeto, dois dispositivos revelam com grande expressividade a índole da matéria no novo sistema. São eles os arts. 174 e 175, cujo teor é o seguinte “É respeitado o mandato em curso dos prefeitos cuja investidura deixará de ser eletiva, por força da Constituição”. “Fica assegurada a vitaliciedade aos professores catedráticos nomeados até a vigência desta Constituição”. 126 - V. Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967, Saraiva, p. 54. Cf. arts. 176 e 177, p. 65. 127 - Sobre essa Constituição, consultar especialmente o Curso de Direito Constitucional do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1967, e os Comentários de Pontes de Miranda, Revista dos Tribunais, 1967/1968.

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Como se vê, trata-se, em suma, da repetição do texto da lei

fundamental anterior, de 1967, bem assim de 1946, sendo que a respectiva

consagração constitucional, como se viu, é de 1934, ao passo que as raízes se

encontram na Lei de Introdução de 1916, e, mais profundamente, no Projeto Coelho

Rodrigues 128.

12. O Projeto de Código Civil de 1975 e 1977

Esse Projeto, em vias de tornar-se o novo Código Civil, tanto na

redação de 1975, como na Câmara dos Deputados, de 1984, com as emendas de

1997, arts. 2.054 a 2.073, Livro Complementar, atende aos atuais avanços e

esclarecimentos científicos dos assunto e na maior parte dos preceitos está de

acordo com a Constituição vigente. E que merecerá comentários no capítulo quinto.

É um exemplo estupendo e que poderia acabar com as decisões

conflitantes existentes.

13. Constituição Federal de 1988

A vigente Lei Magna de 5 de outubro de 1988. O preceito relativo ao

assunto deste trabalho passa a vir logo no Capítulo I, art. 5º, inciso XXXVI.

O texto inspirado sempre na Lei de Introdução ao Código Civil, de

1966, é o mesmo das leis fundamentais de 1934, 1946, 1967 e 1969.

Parece, na visão desse estudo, e após árdua pesquisa, que aquilo

que está inserido sobre o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

128 - V. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, 3. ed., Saraiva, 1971, p. 248.

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nada mais que o esboço de um sistema, mas um sistema que mereceria a mitigação

em face das crises e mesmo das normas de ordem pública, pois que seria possível a

retroatividade mínima se as próprias leis trouxessem como se daria a retroação e em

que casos, mas o Supremo Tribunal Federal em todos os seus julgamentos sempre

entendeu que impossível a retroação das normas visando ofender contratos regidos

por leis passadas. Assim, optou o Tribunal pela teoria de que inexistente qualquer

diferença entre normas de direito público ou privado, entre normas de ordem pública

ou de ordem dispositiva.

A consideração de todos os julgados do Supremo Tribunal Federal é

no sentido de que ao adotar, a Constituição da República Federativa do Brasil, o

princípio constitucional do direito adquirido129 e do ato jurídico perfeito, está, na

realidade afastando qualquer retroatividade, e mesmo dando a essa o caráter

objetivo, seja em que norma estabeleça. Assim, a retroatividade das leis é

totalmente vedada em nosso ordenamento jurídico, por força daquilo que consta da

própria Constituição Federal, como cláusula pétrea130 e, portanto, imutável.

QUARTA PARTE

1. O direito adquirido e a ordem pública

129 Pacheco, Cláudio. Novo tratado das constituições brasileiras— Brasília: Ed. Offset, 1992, v. 2, p. 244. 130 Ibidem, v. 3, p. 112.

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1.1. Considerações gerais.

Nosso objetivo, ao dissertar o presente capítulo, além de examinar

as decisões contraditórias da jurisprudência pátria, tentamos demonstrar que há

enorme diferença, para a jurisprudência, entre o caráter constitucional do princípio

da irretroatividade das leis e suas conseqüências, do conceito de Direito Adquirido,

sobre a égide infraconstitucional do direito adquirido, em face à interpretação

totalmente contrária dada pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo que se faz

necessário certas considerações sobre certas fronteiras fundamentais do presente

tema, como por exemplo a ordem pública e a expectativa de direito.

A idéia de que os interesses particulares ligados ao Direito Adquirido

arrefecem diante das necessidades de Ordem Pública tem raízes não só na fase

pré-científica do Direito Intertemporal, como ainda na sua própria fase embrionária.

No Direito Justinianeu, para citarmos um único e expressivo

exemplo, basta a referência às suas disposições sobre a usura 131.

Ao seu turno, o Direito Medieval nos oferece à ilustração da matéria

o célebre texto do De Feudis, transcrito de Frederico, em que, referindo-se a uma

Constituição de Lotário, aquele monarca, ad pleniorem regni utilitatem, fulmina de

nulidade alienações de feudos já perpetradas e, além do mais, nullus temporis

praescriptione impediente 132.

Importante colocar que, particularmente, somos totalmente

contrários a uma separação de normas, entre as leis de caráter público e privado,

mas tal situação se dá em virtude da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

131 - Justiniano, Código, 4, 32, 26, Ant., conforme AYMARD & AUBOYER J. História Geral das Civilizações, Tomo II, “Roma e seu Império”, São Paulo: Difusão Européia do Livro, p. 76. 132 - Feudorum Consuetudines, in Galisset, Paris, 1881, p. 1213.

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que adotou tal teoria em seus julgados e foi mais além ainda ao mencionar o efeito

imediato e geral.

É inegável que aquele Tribunal Superior adota a posição de Paul

Roubier e a teoria objetivista, em franca oposição à jurisprudência do STF, que

adota a posição constitucional, sendo que nesse Estatuto Legal não ocorreu

qualquer exceção aos princípios fundamentais emanados.

Neste capítulo vamos procurar demonstrar o porque de tal

fundamentação do Superior Tribunal de Justiça e que motivos levaram a tal choque

de decisões entre o Supremo Tribunal Federal e aquele Tribunal Superior.

1.2. No Direito Moderno

No Direito Moderno, as mais variadas orientações se têm tomado

em relação à matéria.

O primeiro autor da fase científica a colocar o problema foi

Blondeau, para quem “as restrições trazidas (pela lei nova) a certos direitos ferirão

menos as esperanças formadas, quando tenham por objeto satisfazer aos interesses

do Estado, do que quando objetivem simplesmente a favorecer outros particulares” 133.

Ainda desse tempo é a observação de Lafayette Rodrigues Pereira,

segundo o qual “há espécies de leis, que se poderiam denominar morais, ou de

ordem pública etc., as quais, por sua natureza, se referem ao passado sem retroagir,

por isso que é da essência de uma boa legislação admitir como base anterior a

todas as leis os princípios gerais sem os quais perderiam virtualmente toda

133 - Blondeau, H. Essai sur ce qu´on appelle Effet Rétroactif des lois, in Themis Belgique, t. VII, Paris, 1825.

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autoridade” 134.

Semelhante orientação encontramos em Demolombé, 135 Aubry e

Rau, 136 Théodosiadès 137 e, recentemente, em autores como Savatier 138 e os

Mazeaud 139.

No Direito Germânico, assinala Dernburg que o princípio da

irretroatividade das leis constituiria “uma máxima, que o legislador pode por bons

motivos superar. Assim, aliás, ele procede, assinaladamente, quando com a

consciência pública, se tornam danosos de modo geral, ou se consideram como

imorais” 140. Por sua vez, Windscheid, tratando da retroatividade implícita, ao afirmar

que basta se possa reconhecer como querida pelo Legislador, refere como critério “o

peso e a importância que o autor do direito novo atribui a este, por razões de

moralidade e da vantagem comum” 141.

Na Itália, o grande Gabba, cuidando das teorias que tiram o critério

da irretroatividade das suas relações com a Ordem Pública, afirma que a regra “se

deve aplicar igualmente ao direito privado e ao público e penal”, pois, segundo

interpela “Quem poderá, na verdade, traçar uma linha divisória entre a ordem

privada e a ordem pública entre os bens privados e o interesse da sociedade?” 142.

Na obra clássica Instituições, Trabucchi não trepida em afirmar

como caso de exceção ao princípio da irretroatividade “as leis de ordem pública com

as quais são tutelados os fundamentais interesses do Estado − e em particular as

134 - Pereira, Lafayette Rodrigues. Retroatividade das Leis de Ordem Pública, in RF, n. 6, Belo Horizonte, 1906. 135 - Demolombé, C. Cours de Code Napoléon, Paris, 1880, p. 43-4. 136 - Aubry C. e Rau, C. Cours de Droit Civil Français, 6ª ed. Paris, 1936, p. 102-4. 137 - Théodosiades, M. C. De la Non-Rétroactivé des lois, Paris, 1866, p. 42 e s. 138 - Savatier, René. Cours de Droit Civil, 2ª ed., 1947, t.I, p. 12, § 16, in fine. 139 - Mazeaud, Henri, León e Jean. Leçons de Droit Civil, v. I, 1955, p. 74. 140 - Dernburg, Arrigo. Pandette, t. I, tradução Cicala, Turim, 1906, p. 110. 141 Windscheid, Bernardo. Diritto delle Pandette, trad. Fada e Bensa, Turim, , 1925, t.I, p. 90-1. 142 - Gabba, Teoria della Retroativitá delle leggi, I, p. 151 e 152. Cf. p. 215: “Revocato o modificato un diritto, una concessione, od una esenzione, avente natura pubblica o política per l’oggetto su cui cade, o pel titolo da cui emana, può talvolta rimanere all’individuo spogliato il diritto a risarcimento”.

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leis que abolem pela mudança da consciência pública, um inteiro instituto jurídico

− ou determinados requisitos” 143.

Particular interesse, apresentam as considerações de Simoncelli,

segundo o qual é de se atentar para a circunstância de que “certos fatos ou institutos

ou normas jurídicas assumem em determinado Estado a categoria de ordem pública,

enquanto interessam nele, mais do que em outros, à vida da comunidade. No

mesmo Estado, em diversos tempos, muda o critério da ordem pública, como oscila,

crescendo ou diminuindo, a função integradora do Estado” 144.

No Direito Português, é de se ressaltar a douta opinião de Cunha

Gonçalves, visceralmente contrário a que se excetuem da regra da irretroatividade

“as leis de interesse geral ou de ordem pública”. Conforme assinala, “tendo todas as

leis por fim a realização da harmonia social e a defesa dos interesses gerais, todas

poderiam ser aplicadas retroativamente, destruindo-se a regra do art. 8º” 145.

Na América Latina, de grande importância para a ilustração da

matéria é o art. 5º do Título Preliminar do Código Argentino. Seus dizeres são os

seguintes: “Nenhuma pessoa pode ter direitos irrevogavelmente adquiridos contra

uma lei de ordem pública.”

Numa obra especializada sobre a matéria, Alberto Dominguez assim

dá o testemunho da Doutrina, relativa ao preceito em foco: “...ainda quando a

relação em jogo e a norma retroativa que a regula, iam da esfera do direito civil, se a

ordem pública está comprometida, o interessado que particularmente se prejudica

não pode impugnar essa norma, amparando-se na cláusula geral da irretroatividade,

que o nosso Código consagra “−”...o conceito de ordem pública serve de bússola

para estabelecer quando a lei pode aplicar-se retroativamente. Essa ordem pública

143 - Trabuchi, Alberto. Instituzioni di diritto Civile, 9ª ed, Pádua, 1956, p. 23-4. 144 - Simoncelli, Vicenzo. Sui limiti della Legge nel Tempo,t II, Ed. Giuridici, Roma, 1928, p. 291-2. 145 - Gonçalves, Luís da Cunha. Princípios de Direito Civil Luso -Brasileiro, I, São Paulo, 1951, p. 414.

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está formada: 1) pelo direito público, que é de ordem pública por autonomásia; 2) por

algumas normas de direito privado que o legislador e o juiz conceituam de tal

ordem”146.

Para essa pesquisa e para o trabalho em si, a ordem pública nada

mais é do uma baliza, um marcador que separa o absurdo e o razoável, fazendo a

separação que medeia a abstração da lei e o fato concreto. Logo, toda norma deve

estar contida pela ordem pública, ou seja, cercada pelos princípios que norteiam

toda a sociedade onde a norma irá viger, exatamente porque deve antes de tudo ser

razoável para essa própria sociedade.

Portanto, além de ser uma norma viável, logo deve deter viabilidade

para a sua aplicação, ainda deve ser conveniente para a sua aplicabilidade.

A ordem pública nada mais é do que a viabilidade e a conveniência

para a aplicação de normas perante uma sociedade.

É sob esse prisma que foi analisado as normas de planos

econômicos, tanto sob o enfoque constitucional, como sob o enfoque ordinário, no

presente trabalho.

Mas apesar de serem consideradas como normas de ordem pública

e portanto retroativas, entendemos que tal retroatividade não pode prejudicar os

contratos realizados sob a égide das normas anteriores.

1.3. A contribuição do direito nacional, bem como da jurisprudência pátria

146 - Dominguez, A . La Retroactividad de la Ley en el Derecho Público Argentino, Buenos Aires, 1951, p. 4.

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Nunca foi pequena a contribuição do Direito Brasileiro, para a

elucidação do tema, tanto no que concerne à Doutrina, como à Legislação e à

Jurisprudência.

Na doutrina a colocação científica do problema da ordem pública

enquanto limite do Direito Adquirido se deu mesmo antes do Código, segundo se vê

principalmente em Conselheiro Ribas, Reynaldo Porchat e Lafayette.

A posição do primeiro é de uma clareza meridiana: “Alguns

jurisconsultos − assinala − sustentam que as leis de Ordem Pública e de Polícia

devem ser aplicadas retroativamente, porque não se deve manter o que perturba a

ordem, ou ofende os bons costumes, visto que não pode haver direitos adquiridos

contra a maior felicidade dos estados... A proceder, porém, esta razão, todas as leis

podem ser retroativas, visto que todas são inspiradas imediata ou mediatamente

pelo princípio da pública utilidade; e ainda quando se queira excluir as que têm por

origem próxima a utilidade particular, uma extensa série restaria, a que se poderia

atribuir retroatividade, tão expressamente vedada pela Constituição. – Nem se receie

que peada a lei pelo princípio da não retroatividade, possa algumas vezes correr

perigo a ordem pública. Assim como esta pode manter-se depois dela, sem ser

necessário estender retroativamente a sua ação. E quando se torne indispensável

privar alguém dos seus direitos adquiridos, restará o meio constitucional da

desapropriação com a prévia indenização do seu valor” 147.

Por sua vez, o Prof. Porchat tratou indiretamente do assunto, ao

cuidar dos institutos de duração perpétua. A sua conclusão é a de que “a despeito

das divergências quanto ao dever de indenização...consectário do respeito aos

direitos individuais, todos concordam em que as leis abolitivas de institutos de

duração perpétua necessitam, para a realização do seu fim, do mais amplo efeito

retroativo...É...uma exceção à doutrina exposta, exceção justificada pela

147 - Ribas, Curso de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro, 1905, p. 135.

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necessidade jurídica que ditou a nova lei” 148.

Nítida orientação, em favor da retroatividade das leis de ordem

pública, é tomada pelo Conselheiro Lafayette, cujo pensamento fundamental a

respeito do assunto assim está formulado: “É um princípio fundamental de direito –

que as leis de administração e ordem pública têm efeito retroativo, isto é, são

aplicáveis aos atos anteriores à sua promulgação, contanto que esses atos não

tenham sido objeto de demandas que não estejam sob o selo da coisa julgada” 149.

Farta e variada é a contribuição do nosso Direito Científico posterior

ao Código, de tal forma que, para fins de exposição, se podem classificar os autores

em, pelo menos, três grupos, a saber: 1) o dos partidários do efeito retroativo; 2) o

dos propugnadores do respeito ao Direito Adquirido; e 3) o dos consectários do

efeito imediato.

Defendem a tese do efeito retroativo das leis da Ordem Pública,

entre outros, Beviláqua, Eduardo Espínola e Carvalho Santos.

Para o primeiro, “as leis relativas ao estado e à capacidade das

pessoas são de ordem pública, e, por essa razão, o direito anterior lhes cede o

passo, desde que elas começam a imperar” 150. Para Eduardo Espínola, ao seu

turno, esposando lição de Pescatore, afirmam que “se aos interesses privado é

permitido tirar proveito do estado, da coisa pública, como está regulado, não podem

tais interesses assumir, em tempo algum, a importância de direitos adquiridos, ou

reclamar a garantia que a lei confere a tais direitos” 151. Quanto a Carvalho Santos, o

seu ensinamento é o de que “o respeito aos interesses e aos direitos queridos

148 - Porchat, Reynaldo. A Retroatividade das Leis Civis, p. 47-8. 149 - Lafayette, Retroatividade das Leis de Ordem Pública, in Revista Forense, n. 6, p. 129, 1906. 150 - Beviláqua, Teoria Geral, p. 23, nota 28. Sob certos aspectos, porém, a orientação de Beviláqua se aproxima da tese do efeito imediato. 151 - Espínola e Espínola Filho, Lei de Introdução, I, p. 372 e s., nota G. Não obstante, estes autores são partidários, para certos casos, da indenização por prejuízos sofridos, p. 379. Cf. Faggella, p. 203. Cf. Meirelles Teixeira, Separação de Poderes e Direito Adquirido na Concessão de Serviço Público, p. 101-3.

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particulares” devem “ceder lugar, submetendo-se aos interesses de ordem geral, aos

interesses de ordem pública, com os quais não podem entrar em conflito, porque

estes preponderam, têm supremacia, de vez que os interesses da coletividade

prevalecem sobre os interesses individuais” 152.

Ao contrário, afirmam o respeito ao Direito Adquirido, mesmo nesta

matéria, autores como Eduardo Theiler 153, Oscar Tenório 154 e Caio Mário da Silva

Pereira 155.

A formulação deste último é de uma clareza inequívoca: “Costuma-

se dizer que as leis de ordem pública são retroativas. Há uma distorção de princípio

nesta afirmativa. Quando a regra da não-retroatividade é de mera política legislativa,

sem fundamento constitucional, legislador, que tem o poder de votar leis retroativas,

não encontra limites ultralegais à sua ação e, portanto, tem a liberdade de estatuir

efeito retro-operante para a norma de ordem pública, sob o fundamento de que esta

se sobrepõe ao interesse individual. Mas, quando o princípio da não-retroatividade é

dirigido ao próprio legislador, marcando os confins da atividade legislativa, é

atentatória da Constituição a Lei que venha a ferir direitos adquiridos, ainda que sob

inspiração da ordem pública”.

A primeira opinião partidária do efeito imediato parece que se deve a

Pontes de Miranda, nos seus comentários à Constituição de 34, sendo de se notar,

entretanto, que, a esse tempo, a regra respectiva ainda não constituía lei entre nós.

“A cada passo – observava – se diz que as normas de direito

público, administrativo, processual e de organização judiciária são retroativas ou

contra ela não se podem invocar direitos adquiridos. Ora, o que em verdade,

acontece é que tais normas, nos casos examinados, não precisam retroagir, nem

152 - Carvalho Santos, Código, 7. ed., I, p. 50-1. 153 - Eduardo Theiler, Direito Adquirido, in Arquivo Judiciário, Suplemento, n. 106, 1950, p. 38. 154 - Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, p. 198-9.

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ofender direitos adquiridos, para que incidam desde logo. O efeito que se lhes

reconhece é normal, o efeito no presente, o efeito imediato, pronto, inconfundível

com o efeito no passado, o efeito retroativo que é anormal” 156.

Tal orientação, de acordo com este mesmo texto, é adotada sem

restrições pelo Prof. Vicente Ráo, como regra básica relativa ao Direito Público 157.

Na Jurisprudência pátria não se traçou igualmente, até agora, uma

orientação nítida a respeito da matéria. Os acórdãos oscilam entre os dois extremos:

o da supremacia da Ordem Pública sobre os interesses individuais, e o do respeito

ao Direito Adquirido, mesmo em assuntos diretamente ligados aos problemas do

bem comum, sobre esse tema procuramos trabalhar num capítulo à parte, onde

procuramos demonstrar que são conflitantes as posições dos Tribunais Superiores,

um deles o órgão máximo da Jurisdição nacional e ainda guardião da Constituição, o

outro é o intérprete do direito federal, e instância máxima no julgamento das

questões de planos econômicos.

Na resenha feita por João Luís Alves e Faria Pereira, realçamos a

seguinte indicação: “Retroagem as leis de ordem pública, como as de organização

judiciária e processuais (Corte de Ap. 18-7-1924; Revista de Direito, LXXVI/568; 30-

1-1923, LXIX/538; STF 15-11-1926, Revista de Direito, LXXXIII/139; 16-6-1928,

XCI/327; 28-12-1928, Arquivo Judiciário, IX/290) 158.

E ainda o v. acórdão do Superior Tribunal de Justiça – Resp. 2555 –

SP159, onde é expressa a colocação de que as normas de direito econômico são

155 - Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, I, p. 128. 156 - Pontes de Miranda, Comentários a Constituição de 1934, II, p. 136. Na nota 76 critica a Lafayette. Conforme veremos a seguir a colocação acima é inexata: o efeito imediato também ofende direito adquirido; apenas às leis de ordem pública é dado atuar assim. 157 - Vicente Ráo, op. cit., I, II, p. 451-2, § 296. 158 - João Luís Alves e Faria Pereira, Código, 2. ed., v. I, p. 11-2. 159 Recurso Especial 2595 – São Paulo, publicado no DJU de 01.10.1992, cuja cópia segue em anexo ao presente trabalho.

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normas de ordem pública, e feitas exatamente para barrar desastre iminente a

acontecer com a sociedade, vindo a norma para amortecer ou para conter tais

desastres.

1.4. Orientações sobre as normas de ordem pública, como são tidas as normas de planos econômicos

A nosso sentir, diante do que se acaba de expor, e, sobretudo, à

face dos elementos de ordem histórica, reveladores da índole do nosso Direito, em

relação à matéria, parece não ser possível optar por qualquer orientação de caráter

agudo sem uma análise empírica da situação da norma, ou seja é necessário uma

análise mais aprofundada de cada tema em questão.

Com efeito, a conclusão a que se chega, sobretudo se se levam em

conta os dados da nossa realidade sócio-jurídica, é a de que as três posições

fundamentais a respeito da matéria – a da retroatividade da lei de Ordem Pública, a

do seu efeito imediato e a do respeito ao Direito Adquirido – contém, elas todas,

parcelas de uma verdade complexa, as quais só reunidas poderão conter a chave da

solução do problema.

Logo, impossível é o pragmatismo, devendo a questão ser olhada

para a situação e o caso concreto a ser enfrentada pela abstração da norma, senão

de, efetivamente, procurar ver os diversos aspectos de um objeto de múltiplas faces.

Na verdade, esse caráter da matéria já se evidencia entre nós no

célebre Alvará de 3 de novembro de 1757, sobre Direito Locacional, suscitado pela

crise de habitações a que deu azo o terremoto de Lisboa de 1755. Conforme a

análise feita no Capítulo I do Título II deste trabalho, aí encontramos, num mesmo

diploma, uma tríplice regra, a saber: de efeito retroativo para contratos anteriores; de

efeito imediato, para os casos pendentes; e de respeito ao Direito Adquirido, para os

que “já se acharem na efetiva habitação e posse das casas”.

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É natural, pois que, entre nós, não só em período como o que

antecedeu à Carta de 1937, como ainda em outros de maior regularidade jurídico-

política, volta e meia, o Legislador, à face de assuntos em que tenha de equacionar

interesses particulares e de Ordem Pública, ora propenda para o lado do Direito

Adquirido em prejuízo da retroatividade, ora se veja na contingência de fazer o

contrário.

A dois perigos fundamentais – é certo – está constantemente sujeito:

ao do desmando e do arbítrio, a pretexto de salvaguarda do interesse público; e

mesmo às próprias dificuldades do assunto.

Exemplo do primeiro caso, encontramos no decreto-lei sobre a

herança jacente – um dos maiores escândalos jurídicos da nossa História 160.

Exemplo do segundo, a Legislação da cláusula ouro; a sobre locações, desde o

Decreto n. 19.573, de 7 de janeiro e 1931; as recentes tentativas relacionadas com a

correção monetária etc. 161.

Quanto à primeira espécie, parece que nada resta ao Jurista fazer,

senão assinalar que se trata de um caso de moralidade pública, que escape à sua

alçada 162.

Com relação a segunda, a experiência mostra que não se pode

cogitar de soluções apriorísticas, uma vez que, na observação de Simoncelli, “no

mesmo Estado, em diversos tempos, muda o critério da ordem pública, como muda,

160 - Decreto-Lei n. 1.907, de 26 de dezembro de 1939. V. Mattos Peixoto, Limite Temporal da Lei, Arquivo Judiciário, de 20-5-64, Suplemento III, p. 112: “... por outro lado, a garantia constitucional obstaria à retroação da lei ordinária para confiscar direitos incorporados ao patrimônio individual, como sucedeu no célebre caso Deleuze, cujos herdeiros se viram, por um golpe ditatorial, privados de bens cujo domínio e posse já lhe haviam sido transmitidos desde a abertura da sucessão (Código civil, art. 1.572)”. 161 - Recordemos que os subsídios para a elucidação da parte concernente à correção monetária se deverão colher desde a legislação de D. João I, e as Ordenações de D. Afonso (L. IV, Tít. I, §§ 14 e 18). V. Decreto n. 99.999/91. 162 - Na ocasião, vigia a Carta de 1937.

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crescendo ou diminuindo, a função integradora do Estado” 163. Não obstante, é

possível, à face do sistema vigente, traçar algumas balizas além das quais as

mutações legislativas, na matéria, não devem ir além, sob pena de comprometer os

alicerces do sistema.

Feitas estas considerações, três perguntas devem ser respondidas,

pelo menos em seus lineamentos fundamentais: 1ª) quando uma norma de ordem

pública tem efeito retroativo?; 2ª) quando o seu efeito é imediato?; e 3ª) quando não

deve atingir o Direito Adquirido?

Limongi França164, com grande sabedoria, adotou a tese de que,

“ainda que se cuide de matéria ligada aos mais altos interesses públicos, não pode

haver retroatividade se a lei respectiva não for expressa.” Evidentemente, conforme

se pode ver nas indicações de Doutrina e de Jurisprudência que trouxemos a este

trabalho, portanto, não há como se cogitar de retroatividade implícita, tal a gravidade

da matéria.

De outro lado, diante do fato de se tratar de assunto ligado à coisa

pública, a regra fundamental da retroatividade deveria ceder na medida em que se

encontrassem os interesses individuais. Portanto, em direitos individuais seria

impossível qualquer retroatividade da norma.

Assim, entendeu Limongi França165 que se o próprio interesse

público da regra da irretroatividade estaria no fato da importância pública ou social

da norma, nada impedindo ao legislador de determinar a retroatividade de maneira

expressa.

Quanto à segunda questão, fruto da pesquisa jurisprudencial, que as

163 - Simoncelli, Scritti, II, p. 292. 164 França, R. Limongi — A irretroatividade das leis e o direito adquirido — 5ª ed. ver. e atual. do “Direito intertemporal brasileiro.”— São Paulo: Saraiva, 1998, p. 142.

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normas de Direito Público ou de ordem pública têm, em princípio, efeito imediato,

somente e não efeito retroativo, haja vista o modelo constitucional não adotar

exceções.

Tal efeito imediato, porém, não se restringe à feição semelhante à

que assume quanto às normas comuns, de tal forma que as conseqüências dos

fatos anteriores ou, noutras palavras, o Direito Adquirido, fique respeitado. A nosso

ver, que à face da natureza da matéria, quer considerando-se a índole do nosso

Direito, embora não se possa admitir a retroatividade implícita, o mesmo não se dá

com o efeito imediato, pois tal efeito imediato pode, conforme entendeu o Superior

Tribunal de Justiça, romper os contratos sob a égide de uma legislação e somente

encontrar barreiras nas partes anteriores dos efeitos do fato aquisitivo, mas

podendo, ainda, alterar os efeitos futuros.

Resta a terceira questão, a saber, quando a lei de caráter público

não deve atingir o Direito Adquirido, quer retroativa, quer imediatamente.

Parece-nos que uma fórmula viável, naturalmente sujeita a futuros

aperfeiçoamentos, é que o o fundamento da ordem pública, para desconhecer o

Direito Adquirido, não pode ir a ponto de atingir os casos em que esse

desconhecimento geraria o desequilíbrio social e jurídico.166”

A razão de ser desta proposição emerge de si mesma: não fora

crucial que, a pretexto de atender a ordem pública, o Legislador, de tal modo

pudesse ferir Direitos Individuais, que com isso trouxesse à própria ordem pública

destruição ou comprometimento.

Aí está presente, novamente, a viabilidade e a conveniência na

165 Op. cit. – pág. 175. 166 Cardozo, J. Eduardo Martins. Da retroatividade da lei — São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 65

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aplicação norma, ou seja, para a aplicação da norma é necessário que tal norma não

fira direito individuais, nem procure provocar o caos social. A pretexto de ser uma

norma de ordem pública de para isso provocar, seja no presente, seja no futuro, a

destruição da ordem pública.

Com efeito, caímos num dilema jurídico, após mais dez anos após a

edição da lei 8024/90, Plano Brasil Novo ou Plano Collor, esse ainda não sofreu o

crivo de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que seriam

inúmeros os prejuízos para as finanças públicas se tal plano fosse declarado

inconstitucional. Sem dúvida viria trazer inúmeras conseqüências nefastas para às

finanças públicas, pois teria o Governo ou mesmo o Banco Central que arcar com

inúmeras ações judiciais pedindo a indenização por ato inconstitucional, com um

agravante a prescrição somente passaria a contar após tal declaração pelo Supremo

Tribunal Federal.

Logo, um plano econômico que vem para debelar uma crise e com

certeza fundado em situação de ordem pública, acaba por trazer mais prejuízos a

essa mesma ordem pública, e para a própria sociedade, pois é essa quem sempre

arca com a pesada conta dos desvarios dos governantes.

Assim, é que as normas de ordem pública sempre procuram

esmagar os direitos do particular, os direitos individuais, mas até aqui, em termos

das normas de planos econômicos sempre produziram mais prejuízos do que

exatamente benefícios, tanto à sociedade como ao particular, mas tais leis sempre

colocaram em contraponto tais direitos.

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2. A irretroatividade e o direito adquirido no sistema constitucional brasileiro.

O comando constitucional contido no artigo 5º, inciso XXXVI, é por

demais abrangente, sendo que não estabeleceu qualquer exceção, mesmo para as

leis de ordem pública.

Aliás, no Brasil vige o princípio do respeito ao direito adquirido, ao

ato jurídico perfeito e à coisa julgada, todos esses estão previstos

constitucionalmente, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação

ordinária. Sendo que, a nosso sentir, pela jurisprudência atual do Supremo Tribunal

Federal, não tem qualquer sentido a afirmação de muitos autores – apegados ao

direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de que as leis de

ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico

perfeito ou da coisa julgada, pois se se alteram os efeitos, é óbvio que está

introduzindo modificação na causa, e qualquer tese em contrário importaria em

anular praticamente a garantia constitucional, pois impossível se desprezar a

hierarquia constitucional da proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

Assim, investido de norma constitucional está a proibição da

retroação, vinculando não só o intérprete, mas também o próprio órgão legislativo,

que é o criador do próprio direito.

Ocorre que, no Brasil, há uma convivência paralela, ao mesmo

tempo, de dois institutos jurídicos de aplicação de normas, um de ordem

constitucional, ou de controle constitucional, e outro de ordem do direito federal ou

legal. Logo, no Brasil, temos controles ambíguos dos fatos, um dos fundamentos de

caráter constitucional, outro pelos fundamentos de caráter ordinário, conforme

veremos mais adiante.

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A própria Constituição Federal de 1988, em seus artigos 102 e 105

definiu competências distintas para dois Tribunais Superiores167: Um de ordem a

interpretar o direito federal e pacificar a jurisprudência pátria do Tribunais de 2º grau

e outro transformado numa verdadeira Corte Constitucional, mas ainda de forma a

controlar os julgados de todos os mesmos Tribunais de 2º grau.

Por óbvio que a Constituição Federal criou superposições que

ficaram explícitas nas decisões referentes aos planos econômicos, conforme iremos

demonstrar pela análise das contradições dessas decisões entre a jurisprudência do

Supremo Tribunal, que entende pela irretroatividade, seja ela mínima, média ou

máxima.

3. A irretroatividade e o direito adquirido no sistema do direito federal ou

ordinário brasileiro.

As regras da Lei de Introdução ao Código Civil, concernentes ao

Direito Intertemporal, encontram-se no art. 6º, de acordo com a redação que lhes

deu a Lei n. 3.238, de 1º de agosto de 1957. Essa redação é a seguinte: “A Lei em

vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito

adquirido e a coisa julgada. § 1º − Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado

segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º − Consideram-se adquiridos

167 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – (...) II – (...) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e territórios, quando a decisão: d) omissis e) omissis f) omissis 167 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – (...); II – (...); III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: c) (omissis) d) (omissis) e) (omissis)

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assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles

cujo começo de exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida

inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º − Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a

decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Num reconhecimento objetivo deste preceito, verifica-se desde logo

que é composto inteiramente de elementos oriundos do art. 3º da antiga Lei de

Introdução ao Código Civil e da redação original do art. 6º do Decreto-Lei n. 4.657,

de 4 de setembro de 1942.

A expressão “A lei em vigor terá efeito imediato e geral” é

exatamente a reprodução, ipsis litteris, da primeira parte do caput do citado decreto-

lei.

As expressões que se seguem são as mesmas da Lei de Introdução

de 1916, com três pequenas diferenças: 1ª) onde esta dizia “A lei não prejudicará”, a

nova redação usa da palavra “respeitados”; 2ª) a Lei n. 3.238 suprimiu, assim como

a Constituição, a locução “em caso algum”; 3ª) a forma em vigor antepõe,

diferentemente da do Código, o ato jurídico perfeito ao Direito Adquirido.

Quanto à primeira modificação, não é ela de maior significado pois

bem se nota a causa, ligada a pura questão de estilo, que a gerou, pois, com efeito,

a forma adotada, em virtude da inserção dos outros elementos, tomados de

empréstimo ao Decreto-Lei de 1942, lhe dá mais elegância e concisão.

A referência ao “ato jurídico perfeito”, antes do “Direito Adquirido”,

embora a julguemos desnecessária, é mais correta do que a orientação de 1916,

pois não só o ato jurídico perfeito é uma das causas geradoras do Direito Adquirido,

como ainda, historicamente o seu reconhecimento como limite à retroação da lei é

anterior ao das suas conseqüências.

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Na prática, porém, trata-se de simples problema de sistemática

legislativa, sem efeitos de substância.

Já a supressão das palavras “em caso algum” evidencia o maior

senso de realidade do Legislador, pois repetindo a orientação do texto constitucional,

mostrou ter-se imbuído da noção, largamente demonstrada pelo fatos, de que o

princípio da irretroatividade das leis não é absoluto.

O grande problema, entretanto, surge da forma atual do texto

referente à matéria, é aquele que resulta da circunstância de haver realizado a

simbiose de elementos da Doutrina Clássica, a qual, conforme já demonstramos, é

aquela que, entre nós, vem amadurecendo há mais de setecentos anos, com uma

regra que foi, de maneira nítida e incontestável, tomada à Doutrina de Roubier, a

saber, a regra do efeito imediato e geral. Ora, essa questão é tanto mais importante

quanto se tem em vista que, revogando a Lei de Introdução de 1942, a Constituição

de 1946 condenou a teoria do renomado autor francês, que, a nosso ver, é a teoria

adotada pelo julgador do Superior Tribunal de Justiça, que entende pela aplicação,

nas leis de planos econômicos, da regra de efeito imediato e geral para às leis de

ordem econômica.

4. A regra do efeito imediato e geral, conforme a teoria de Paul Roubier e a sua

adoção pelo Superior Tribunal de Justiça.

A nosso ver, a despeito de a regra do efeito imediato haver

promanado de Roubier, e de ter sido mesmo o resultado da falta de melhores

informações por parte de alguns dos órgãos pelos quais tramitou o respectivo projeto

no Poder Legislativo 168, sustentamos que a mesma é legítima, que do ponto de vista

histórico, quer do dogmático, que ainda do científico, mas deve ser entendido de

outra forma, pois inexiste incompatibilidade entre a idéia do efeito imediato e a

168 - V. a Emenda n. 2, do Senado, e o Parecer de Ferreira de Souza, Diário do Congresso Nacional, de 6 de

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Doutrina do Direito Adquirido.

Dogmaticamente, a Constituição não estabeleceu nenhum preceito,

expresso ou implícito, incompatível com a regra em apreço. Disse apenas que a lei

não prejudicará o Direito Adquirido, mas não esclareceu qual a natureza do seu

efeito.

É certo que, conforme foi visto anteriormente, a regra implícita é a da

não-retroatividade. Mas a própria não-retroatividade não colide com o efeito

imediato, pois a afirmação deste é um dos modos pelos quais se reitera que a lei

não se aplica em princípio, aos fatos anteriores, bem como aos efeitos anteriores

desses fatos.

Tendo deixado este aspecto da matéria ao alvedrio do legislador

ordinário, optou este pelo estabelecimento do efeito imediato como regra, desde que

não atingisse o Direito Adquirido, esta é uma das razões que acreditamos ter o

Superior Tribunal de Justiça adotado tal teoria de Paul Roubier em inúmeros

julgados.

No caso, vemos, entre nós, a Doutrina Clássica, esposada pelo

Superior Tribunal de Justiça agasalhar a regra do efeito imediato, cujo

desenvolvimento foi dado por Roubier, se contrastando com o Supremo Tribunal

Federal em face exatamente de procurar solucionar a causa pela questão do direito

federal.

5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão dos planos

econômicos.

maio de 1950, p. 3152.

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Pelo posicionamento uniforme da jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal sobre a questão dos planos econômicos podemos afirmar, com

toda a segurança, que o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal

se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de

direito público e lei de direito privado.

Afastou-se, portanto, os julgadores do Excelso Pretório, de qualquer

tese que pretendesse a intangilibilidade do direito adquirido somente em cláusulas

contratuais de direito privado, não nas referentes ao direito público, pois estas

normas teriam o condão de possuírem somente o efeito imediato e portanto não

haveria o chamado efeito retroativo, conforme sempre defenderam os autores e

defensores das leis de cunho econômico.

São numerosos os autores nacionais e estrangeiros que sustentam

posição de que as leis monetárias não ferem qualquer direito adquirido, não sendo

facultado, às partes dlo contrato privado ou público, a estipulação de cláusulas e

condições pertinentes à moeda, indexadores ou reajustamento das prestações,

podendo a lei interferir nos contratos em curso.

Um exemplo totalmente contrário à jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal é o que assinalam Orlando Gomes e Antunes Varela (1977, p. 59),

ao afirmarem que “sempre que uma nova é editada nesse domínio (o campo da

legislação econômica interventiva), o conteúdo dos contratos que atinge tem de se

adaptar às suas inovações; semelhante adaptação verifica-se por força da aplicação

imediata das leis desse teor sustenta como prática necessária à funcionalidade da

legislação econômica dirigista; derroga-se com essa prática a regra clássica de

direito intertemporal que resguarda os contratos de qualquer intervenção legislativa

decorrente de lei posterior à sua conclusão.”

O Supremo Tribunal Federal fulminou tal teoria aqui citada, no

tocante aos planos econômicos interventivos ou não.

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O Supremo Tribunal Federal adotou puta e simplesmente a teoria de

Gabba169.

Dentro dessa perspectiva, esclarece Gabba, o princípio da não

retroatividade das leis deveria ser resumido na idéia de que as leis não podem ser

retroativas de forma a propiciara violação de direitos adquiridos. Temos assim que o

conceito de direito adquirido assume então uma vital importância.

Para o Supremo Tribunal Federal o direito adquirido está na

idoneidade do contrato e o seu devido respeito a esse, como condições do próprio

direito adquirido, afastando qualquer aplicação de lei nova em contratos em curso,

afirmando que a lei nova não produz efeitos nos contratos em curso, quando esses

foram realizados pela lei anterior.

A nosso sentir, verifica-se assim a ultratividade da lei velha ou sua

sobrevivência, naqueles contratos que foram realizados ou iniciados sob a sua

égide.

Logo, mesmo após a perda da vigência de certa lei, a lei revogada

continua a disciplinar situações sob o período em que vigia, como é o caso dos

seguintes acórdãos, onde o Supremo Tribunal Federal entendeu dessa forma

qualificando o direito, como na Teoria Subjetivista de Gabba, como sendo esse um

direito adquirido, na acepção jurídica do termo.

Observem-se alguns julgados da lavra do Supremo Tribunal Federal,

no que se refere à matéria de planos econômicos e as conclusões que chegamos no

presente estudo:

169 Teoria della Retroattivitá delle leggi, p.35

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“Agravo n.º 212.852-1 - Santa Catarina

Relator: Min. Ilmar Galvão

Agravante: Banco Real S/A

Advogado: Rogério Avelar e outros

Agravado: Orlando Coan

Advogado: Silvio Feiber e outro

EMENTA: ACÓRDÃO QUE ENTENDEU NO SENTIDO

DE QUE AS CADERNETAS DE POUPANÇA CUJA

CONTRATAÇÃO OU RENOVAÇÃO TENHA OCORRIDO

ANTES DA EDIÇÃO DA MP 32 NÃO SE APLICA NORMA

POSTERIOR, EM FACE DO PRINCÍPIO INSERTO NO

ART. 5º, XXXVI, DA CF.

- Orientação em consonância com a jurisprudência desta

Corte.170”

“Recurso extraordinário n.º 218.836-7 - Paraná

Relator: Min. Moreira Alves

Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogados: Tânia Maria Quaresma Torres e outros

Recorrido: Henrique Serenato

Advogado: Marco Antônio de Souza

EMENTA: CADERNETA DE POUPANÇA. MEDIDA

PROVISÓRIA Nº 32, de 15.01.89, convertida na lei 7730,

de 31.01.89. ATO JURÍDICO PERFEITO (artigo 5º,

XXXVI, da Constituição Federal).

O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico

perfeito se aplica também, conforme é o entendimento

desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o

acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta

ao ato jurídico perfeito, porquanto, com relação à

caderneta de poupança, há contrato de adesão entre o

170 Recurso extraordinário n.º 212.852-1 publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, ata

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poupador e o estabelecimento financeiro, não podendo,

portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a

aquisição da correção monetária mensal já iniciado,

legislação que altere, para menor, o índice dessa

correção.’

Recurso extraordinário não conhecido. 171”

Assim, o Supremo Tribunal Federal qualifica as seguintes situações

e, mediante tais conside0rações em relação aos v. acórdãos aqui trazidos ao

debate, fazemos as0 seguintes considerações a respeito da jurisprudência

supramencionada:

1) Nos contratos validamente celebrados ocorre a

intangibilidade constitucional que decorre do art. 5º, inciso

XXXVI – sendo inaplicável a lei superveniente à data da

celebração do contrato. O estatuto de regência é a lei

contemporânea no momento da celebração daquele.

2) Os contratos, então, submetem-se ao ordenamento

normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os

efeitos futuros oriundos dos contratos anteriormente

celebrados não se expõem ao domínio normativo das leis

supervenientes. As consequências jur[idicas que

emergem de um ajuste negocial válide são regidos pela

legislação em vigor no momento da sua pactuação. Logo,

os contratos – que se qualificam como atos jurídicos

perfeitos acham-se protegidos, em sua integralidade,

inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de

salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição

Federal da República, sendo claro assim a ultratividade da

lei velha nesses contratos.

n.º02, Seção I, 1998, pág. 0005. 171 Recurso extraordinário n.º 218.836-7, publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, ata nº 32, Seção I, ano de 1997, pág. 6224.

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3) Inaplicabilidade de lei nova aos efeitos futuros de

contrato anteriormente celebrado – hipótese de

retroatividade mínima, contrariedade portanto ao efeito

imediato e geral da teoria de Paul Roubier, sendo que

ofende o patrimônio jurídico de um dos contratantes, e tal

situação para esse Tribunal Superior é inadmissível.

4) Assim, a incidência imediata da lei nova sobre os

efeitos pendentes ou futuros a um contrato preexistente,

precisamente por afetar a própria causa geradora do

ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo

(retroatividade injusta em grau mínimo), achando-se

desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a

intangibilidade das situações jurídicas definitivamente

consolidadas.

5) Para o Supremo Tribunal Federal as leis de ordem

pública ou leis que impõem razões de estado não são

motivos que justificam o desrespeito estatal à

Constituição.

6) A possibilidade de intervenção do Estado no domínio

econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico

de respeitar os postulados que emergem do ordenamento

constitucional brasileiro.

7) Razões de Estado – que muitas vezes configuram

fundamentos políticos destinados a justificar,

pragmaticamente, ex parte principais, a inaceitável

adoção de medidas de caráter normativo – não podem ser

invocadas para viabilizar o descumprimento da própria

Constituição. “As normas de Ordem Pública também se

sujeitam à cláusula inscrita no artigo 5º, XXXVI, não

podendo frustrar a eficácia da norma constitucional,

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comprometendo a sua integridade e desrespeitando-a em

sua autoridade.”172

O Supremo Tribunal Federal, pela análise teleológica, dos julgados

trazidos à colação, em especial nos contratos de depósito em caderneta de

poupança, enquanto ajuste negocial validamente celebrado pelas partes, qualifica-se

como típico ato jurídico perfeito, à semelhança dos negócios contratuais em geral,

submetendo-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo

vigente à época de sua estipulação.

Assim qualquer pretensão jurídica manifestada que conflita, de modo

frontal, com a norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, que consagra

princípio fundamental destinado a resguardar a incolumidade das situações jurídicas

consolidadas é imediatamente afastada.

Não constitui demasia enfatizar que, no sistema de direito

constitucional positivo brasileiro, a eficácia retroativa das leis (a) é excepcional, (b)

deve emanar de texto expresso de lei e – circunstância que se reveste de

essencialidade inquestionável – (d) não deve e nem pode gerar lesão ao ato jurídico

perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.173

Se é certo, de um lado, que, em face das leis ordinárias, os fatos

pretéritos escapam, naturalmente, ao domínio normativo desses atos estatais174, não

é menos exato afirmar, de outro, que, para os efeitos da incidência da cláusula

constitucional da irretroatividade em face de situações jurídicas definitivamente

consolidadas, mostra-se irrelevante a destinação pertinente à natureza dos atos

legislativos. Trata-se de leis de caráter meramente dispositivo, trata-se de leis de

ordem pública, cogentes ou imperativas, todas essas espécies normativas

172 Revista Trimestral de Jurisprudência, repositório oficial do Supremo Tribunal Federal, n.º 143, p. 724. 173 Revista dos tribunais 218/447 – Revista Forense 102/72 – 144/166 – 153/695. 174 Revista dos Tribunais 299/478.

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subordinam-se, de modo pleno e indiscriminado, à eficácia condicionante e

incontrastável do princípio constitucional assegurador da intangibilidade do ato

jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em face da ação normativa

superveniente do Poder Público.

Isso significa, ante a supremacia do postulado constitucional que

tutela a integridade do ato jurídico perfeito, que mesmo as leis de ordem pública não

podem desconsiderar relações contratuais que foram válidas e precedentemente

estipuladas pelas partes contratantes.

Tratando-se de contrato legitimamente celebrado, as partes têm o

direito de vê-lo cumprido, nos termos da lei contemporânea ao seu nascimento, a

regular, inclusive, os seus efeitos. Os efeitos do contrato ficam condicionados à lei

vigente no momento em que foi firmado pelas partes. Aí, não há que invocar o efeito

imediato da lei nova.

Vê-se, portanto, que uma lei nova não pode estender-se, com

finalidade de regê-los, aos efeitos futuros de contratos anteriormente pactuados,

pois, se tal situação se revelasse possível, o Estado passaria a dispor de um

inaceitável poder de interferir na esfera das relações contratuais privadas, afetando,

em seus aspectos essenciais, a própria causa geradora daquelas conseqüências

jurídicas.

Daí o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que,

mesmo nas hipóteses de retroatividade mínima, tem advertido – quando o ato

estatal revelar-se apto a modificar efeitos futuros de contratos anteriores – que a

eficácia imediata da lei nova, em tal específica situação, revestir-se-à de caráter

inegavelmente retroativo. Logo, se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos

celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na

causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado.

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O disposto no artigo 5º , XXXVI, da Constituição Federal se aplica a

toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito

público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. São os

precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Cumpre ter presente, bem por isso, a lição da doutrina, que,

tomando em consideração a realidade jurídico-constitucional vigente no Brasil,

repudia, por incompatíveis com a Constituição da República, todas as hipóteses de

retroatividade injusta:

Um contrato perfeito e acabado na vigência de uma lei permanece

intocável, nas suas disposições, ainda no que diz respeito aos seus efeitos futuros,

manifestados quando já começou a viger uma lei nova derrogante.

A aplicação da lei nova, nessa hipótese, implicaria retroatividade, em

desobediência ao preceito constitucional.

Regra básica e inalterável é que todas as conseqüências de um

contrato concluído sob o império de uma lei, inclusivamente seus efeitos futuros,

devem continuar a ser reguladas por essa lei em homenagem ao valor da certeza do

direito e ao princípio da tutela do equilíbrio contratual. A aplicação imediata da lei

nova aos efeitos posteriores à sua vigência incide no seu fato gerador, e portanto,

implicaria aplicação retroativa.

Logo, a possibilidade de intervenção do Estado no domínio

econômico, por sua vez, não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar

os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente

os princípios – como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito – que

se revestem de um claro sentido de fundamentalidade.

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Motivos de ordem pública ou razões de Estado – que muitas vezes

configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte

principis, a inaceitável adoção de medidas que frustam a plena eficácia da ordem

constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua

autoridade – não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria

Constituição, que, em tema de produção normativa, impões ao Poder Público limites

inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores

da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada.

6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão dos planos

econômicos.

Diferentemente das decisões do Supremo Tribunal Federal, o

Superior Tribunal de Justiça adotou a teoria de Paul Roubier175, bem como de outros

autores nacionais como Orlando Gomes e Antunes Varela176 que entendem que em

face de mudanças substanciais na economia, e na forma interventiva como são elas

feitas, a preservarem-se direitos estarão tais reformas de base econômica sem

qualquer respaldo.

Optou o Superior Tribunal de Justiça pela obrigatoriedade da

atualização, assim como seu conteúdo, como se definidos pela lei nova e, posto

isso, a alteração das cláusulas produzem efeitos automáticos no curso da execução

desses contratos, logo substitui-se índices ou outros condições do contrato, pelo

simples motivo de que aquelas situações anteriores deixaram de existir, em face

exatamente do nascimento de uma lei nova, logo as leis de planos econômicos

retroagem para abarcar os contratos em curso.

Portanto o a aplicação de leis aos contratos em curso depende do

175 Les Conflits de Lois Dans Le Temps, 1929, republicado em 1960, mas na mesma essência, sob o título de Le Droit Transitoire. 176 GOMES, Orlando e VARELA, Antunes. Direito Econômico, São Paulo: RT, 1977, 2ª ed., p. 59

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caráter estatutário de uma determinada lei, não se podendo aplicá-la a todos os tipos

de norma, indistintamente.

Segundo Roubier177, é preciso que a lei modifique ou estabeleça um

novo estatuto legal. Em outra passagem observa o mestre de Direito Intertemporal:

“E, precisamente, se ela (a lei) produz efeito sobre os

contratos em curso, é porque não é uma lei relativa a uma

situação contratual, mas uma lei relativa a um estatuto

legal, o estatuto da moeda; a lei considerada como lei de

direito público atinge a todos os súditos do Estado, tanto

em seus contratos como também fora deles; é um erro

considerá-lo como relativa aos contratos.”

Por outro lado é inegável que as leis que mudam o curso forçado da

moeda ou que impõem indexadores à economia ou mesmo bloqueam numerário,

como ocorreu no Plano collor I, impondo sanções econômicas a toda uma parcela

geral da sociedade são normas que necessitam da aplicação imediata para a própria

sobrevivência da lei.

Um plano econômico possui funções de regular pagamentos, tendo

tanto a função de câmbio, condicionando a atividade econômica de forma geral e

irrestrita, pois não há como alguns ficarem de fora de tal lei, ou tais leis servirem

apenas para uma determinada parcela da população, pois todos estão sob as

normas que ditam o valor nominal da moeda daquele país.

Especificamente no Brasil, há longos anos que os contratos se

subordinam à inúmeros índices: Taxa Selic, IPC, OTN, BTN, salário mínimo, que

funcionam como proteção para a desvalorização da moeda, ou a chamada inflação.

177 Ob. cit., p. 426.

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Inicialmente, no Brasil, os índices eram escolhidos livremente pelas

partes nos contratos, mas na medida em que a política monetária de combate ao

monstro chamado de inflação exigiu, o Estado passou a definir, por lei, quais as

moedas de reajuste a serem utilizados nos contratos, e como e quando podiam ser

utilizadas, fixando critérios e prazos.

Interessante ainda observarmos, nos termos da própria Constituição

Federal vigente, cabe à União baixar normas referentes à moeda e ao crédito.

Por isso mesmo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

traduzida pelos seus numerosos julgados entendeu que:

1) Inexiste direito adquirido a um determinado padrão

monetário, seja qual moeda ou padrão monetário

pertença à lei antiga.

2) A lei nova que substitui um fator de atualização

monetária por outro aplica-se imediatamente aos

contratos pendentes, passando a reger-lhe os efeitos

permanentes, não afetando ou contrariando a proteção

constitucional do ato jurídico perfeito.

3) À luz desses, não há dúvida de que a lei nova poderia

validamente impor outro índicede atualização monetária

das operações e dos contratos em curso de execução,

para lhe obrigar a substituição por outros índices ou então

para fazer a lei retroagir, pois tal retroação é instituto que

a todos abrangem, não resguardando ninguém.

4) O Superior Tribunal de Justiça, ao adotar a teoria

objetiva de Roubier, o fez para aplicar tais leis de planos

econômicos a situações em curso a chamada “facta

pendentia”, convindo estabelecer uma separação entre as

partes anteriores à data da modificação da legislação, que

não poderão ser atingidas sem retroatividade, e as partes

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139

posteriores, para as quais a lei nova, se ela deve aplicar-

se, não terá senão efeito imediato; enfim, diante dos fatos

a ocorrer “facta futura”.178

5) As normas de ordem pública que disponham sobre

estabilização econômica ou finanças públicas derrogam,

ou, simplesmente, afastam cláusulas de contratos em

curso.

Veja-se, portanto, que a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça, no tocante à questão da irretroatividade e do direito adquirido nas normas de

planos econômicos está em total confronto com a jurisprudência do Excelso Pretório,

acima mencionada.

Importante ainda frisar que em nenhuma lei de plano econômico, o

Superior Tribunal de Justiça fez qualquer declaração de inconstitucionalidade sobre

a matéria, apesar da total condição positiva que detinha, em razão do controle

difuso.

Pelo contrário, dispôs que as normas de ordem pública, além de ter

o efeito imediato e geral possuem a capacidade de retroagir para modificar contratos

em curso.

Veja-se, por exemplo, o cerne da jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça sobre a matéria:

“Recurso especial n.º 129.968 - Paraná

Relator: Min. Humberto Gomes de Barros

Recorrente: Banco Central do Brasil

178 Ob. cit. p. 177.

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140

Recorrido: Vinícius de Lara e outros

Advogados: Yuri Restano e outros e José Paulo Granero

Pereira e outro

DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA -

RETENÇÃO - LEI 8.024/90 - NATUREZA JURÍDICA DA

RETENÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA - BTNF - IPC.

I - Ao reter quantias depositadas em cadernetas de

poupança, a União, através do Banco Central, apropriou-

se delas, mediante requisição.

II - Enquanto durou a requisição, as quantias retidas

deixaram de integrar os depósitos, já que reverteram ao

patrimônio público.

III - Se assim ocorreu, não é certo aplicar-se às quantias

apropriadas pelo Estado a norma contida no art. 17 da lei

7730/89, reservada à correção de valores depositados em

poupança.

IV - Na correção monetária das quantias retidas por efeito

do Plano Collor observa-se a variação do BTN Fiscal e

não o IPC, conforme mandamento do artigo 17, da lei

7730/89.”179

“Recurso especial n.º 2595 - São Paulo

Relator: Min. Sálvio Figueiredo Teixeira

Recorrente: Banco do Estado de São Paulo

Recorrido: Sábado Lourival Pegoraro

Advogados: Drs. Carmem Sílvia Nogueira de Araújo e

outros e Aldeni Martins e outros

DIREITO ECONÔMICO. PLANO BRESSER. TABLITA.

LEGALIDADE. APLICAÇÃO. INCIDÊNCIA IMEDIATA DE

NORMAS. INOCORRÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.

RECURSO PROVIDO.

179 Recurso especial n.º 129.968 publicado na cidade de Brasília, no Diário de Justiça da União, Seção I, 1998, pág. 53.

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- Em se tratando de normas de direito econômico, de

ordem pública, sua incidência é imediata, consoante

orientação assentada no Tribunal, não sendo de invocar-

se pretenso direito adquirido.

- Por sua legalidade, é admissível a incidência da ‘tablita’,

imposta pelo Plano Bresser, calculando-se a deflação, nos

termos previstos na respectiva legislação, sobre o total do

título, ressalvado a impossibilidade do investidor receber

quantia menor que o capital aplicado.”180

“Recurso Especial nº 1816 – São Paulo

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo

Recorrente: Cláudio Cieri

Recorrido: Flávio Selmo Júnior

Advogados: Euzébio Inigo Funes e Lázaro de Campos

Júnior

Locação. Plano cruzado. Reajuste pactuado. Condição

suspensiva. Norma de ordem pública. Incidência imediata.

I – A norma de ordem pública, notadamente a de caráter

econômico, tem incidência imediata, sobretudo quando do

contrato consta expressa ressalva a previsão quanto a

possível futura autorização legislativa.

II – Sobrevindo autorização legislativa, a disposição

contratual, até então submetida a uma condição

suspensiva, passa a vigorar em sua plenitude.”

“Recurso Especial n.º 3683 – SP

Relator: Ministro Athos Carneiro

Recorrente: Banco Itaú S/A

Recorrido: Orlando Geraldo Santos

“PLANO BRESSER. Decreto-lei 2335/87, e decretos-leis

subsequentes. Tabela de deflação, prevista no artigo 13

dos aludidos diplomas legais. Contratos em RDBs.

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Constitucionalidade dos decretos-leis, que dispuseram

sobre ‘finanças públicas’, no editarem normas com a

intenção de obter a estabilização econômica no país.

Normas de ordem pública, que implicam na derrogação

de cláusulas de contratos em curso.

Legitimidade da incidência da tablita, expurgando

correção monetária prefixada e preservando a

comutatividade contratual.

Improcedência da pretensão de cobrança, manifestada

pelo investidor.

Recurso especial conhecido e provido.”

Entre tais julgados é flagrante a contradição entre as decisões do

Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, pois enquanto o STF

impõe a impossibilidade e afronta da retroação da norma, em face ao direito

adquirido e ao ato jurídico perfeito, o STJ afasta tal incidência de direito adquirido

para impor efeito imediato nas leis de planos econômicos.

7. As causas do choque de decisões entre o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça

A questão aqui debatida, parece-nos, é inédita, sendo que a

pesquisa desenvolvida não conseguiu contemplar autores que enfrentassem o tema,

na questão específica das leis de planos econômicos.

Mesmo porque é situação nova que se tem mostrado muito reticente

nos Tribunais Superiores.

180 Recurso especial n.º 2.595 publicado em 30.10.1990, Diário de Justiça da União, Seção I, 1990, página 7259.

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143

Na realidade, e isso é inegável, conforme pode ser demonstrado

pela simples comprovação e análise crítica dos julgamentos trazidos à colação, há,

francamente, e isso será objeto de debate no presente capítulo, uma zona cinzenta

entre as competências do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de

Justiça, pois apesar de um possuir a competência de uniformizar e interpretar o

direito federal, enquanto o outro possui a competência de ser o guardião da

Constituição Federal, é certo que há temas jurídicos que possuem, no Brasil, tanto

positivação no direito ordinário, como também foi encontram-se positivados na

Constituição Federal atual.

Temos assim que as decisões judiciais possuem o que podemos

chamar de fundamento livre, ou seja, podem as decisões judiciais se fundamentar

tanto nas decisões constitucionais, como nas infraconstitucionais.

No presente caso, tratando-se da disciplina atinente ao direito

adquirido, do ato jurídico perfeito, objeto da presente dissertação, e mesmo da coisa

julgada, teremos que tais fundamentos encontram guarida tanto na legislação

ordinária, pois prevista na decreto-lei 4657, de 04 de setembro de 1942, em seu

artigo 6º, como também encontra disposição constitucional prevista no inciso XXXVI,

do artigo 5º.

Portanto, é uma disposição expressa tanto legal, como

constitucional, sendo que qualquer juiz poderá ao procurar fundamentos para uma

determinada decisão utilizar-se de ambos os estatutos, ocasionando, para o

recorrente a necessidade da interposição de dois recursos distintos, mas que

deverão ser interpostos conjuntamente.

Mas temos competências totalmente distintas: uma de índole

constitucional, a outra de índole legal, para normas que possuem a mesma

positivação ou comando, ou seja, que querem dizer, simplesmente, a mesma coisa.

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Ademais, corre-se o risco de causar a total incompreensão para o

leigo que desconhece os sistema jurídicos, pois poderia aquele mais simples

imaginar como podem decisões sobre a mesma situação serem totalmente diversas,

como é o caso dos julgados contidos na presente pesquisa.

Repare-se ainda que a nossa Constituição Federal por ser muito

analítica e extensa dá margem a uma infinidade de controvérsias, pois inúmeros são

os temas que a compõem.

Em que pese tais críticas, a criação do Superior Tribunal de Justiça

se deve exatamente pela razão de procurar aliviar a sobrecarga de processos do

Supremo Tribunal Federal, procurando assim enxugar as funções do Tribunal

constitucional.

Órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal,

além de exercer, como já dito, a guarda da Constituição Federal, é também órgão

jurisdicional, onde exerce tal função dentro do processo contencioso, no exame das

causas que lhe são submetidas pelas instâncias inferiores, mas suas decisões tem

forte repercussão política, porque é o mais elevado Tribunal do país. Mas, na esfera

das decisões processuais possui apenas uma competência distinta, mas jamais uma

hierarquia superior ao Superior Tribunal de Justiça, pois nos processos encontra-se

no mesmo patamar do Superior Tribunal de Justiça.

Embora seja inegável que a Constituição Federal procedeu a uma

cisão na esfera do recursos extremos, não se pode afirmar, com certeza, que o

Superior Tribunal de Justiça não possa julgar uma causa e adotar um

posicionamento constitucional, pois tal Tribunal não será o único em que não

ocorrerá o controle difuso da constitucionalidade, já que esse controle faz parte do

próprio sistema constitucional.

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Ocorre, porém, que em se tratando de recursos excepcionais, tanto

para o STJ, como para o STF, é impossível para o recurso especial, de competência

do Superior Tribunal de Justiça disciplinar questões constitucionais, mas desde que

haja matérias dúplices, ou seja, matérias de índole constitucional, como

infraconstitucional, e desde que havendo esses dois fundamentos na decisão

recorrida do Tribunal Regional ou de Justiça. Portanto, comportando assim a

duplicidade de recursos extremos: recurso especial e recurso extraordinário, a

decisão constitucional deve abarcar a decisão infraconstitucional, exatamente

visando evitar as decisões contraditórias, como foi aqui demonstrado.

De sorte que, sem embargo de que várias questões a serem

ventiladas em sede de recurso especial terão muitas vezes um viés constitucional

subjacente, a desafiar o recurso para o Supremo Tribunal Federal, tal somente

poderá acontecer se tanto a Constituição Federal como a Legislação Ordinária

comportarem a mesma matéria, devendo sempre prevalecer a matéria de

competências constitucional, abarcando, por assim dizer, a matéria pertencente à

legislação ordinária.

Tenho que seria a melhor solução até que efetivamente acabassem

com a interposição concomitante dos recurso dúplices em virtude do duplo

fundamento advindo das decisões dos Tribunais Regionais Federais ou de Justiça e

de Alçada, pois a melhor solução, visando evitar conflito de decisões em matérias

totalmente iguais seria acabar com a interposição concomitante de recursos, sendo

que das decisões dos Tribunais de 2º grau caberia apenas um recurso para o

Superior Tribunal de Justiça e deste, então, para o Supremo Tribunal Federal, se a

decisão ofendesse a Constituição Federal.

Estaria assim colocando-se o Superior Tribunal de Justiça nas

mesmas funções do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Superior do Trabalho.

É essa a crítica construtiva que fazemos visando a melhora da

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estrutura do Poder Judiciário, além de ainda desafogar o Supremo Tribunal Federal,

pois antes do recurso chegar ao mais alto Tribunal do país passaria pelo controle de

legalidade do direito federal, além de evitar decisões contraditórias.

QUINTA PARTE

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1. A Constituição Federal e a norma infraconstitucional

Conforme foi visto acima, o respeito ao ato jurídico perfeito e ao

direito adqurido, em matéria de irretroatividade das leis é, entre nós, assunto de

caráter constitucional, pois o Poder Originário o previu expressamente no art. 5º,

XXXVI, da Lei Magna em vigor.

O fez ainda como norma imutável, cláusula pétrea nos dizeres

constitucionais.

Por outro lado, a formulação do respectivo conceito ficou deferida ao

legislador ordinário, o qual, através da Lei n. 4657, de 04 de setembro de 1942,

acabou por reanimar a fórmula do Código Civil de 1916, assim se exprimindo no seu

parágrafo 1º: “Reputa-se ao ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei

vigente ao tempo em que se efetuou”, e o parágrafo 2º: “Consideram-se adquiridos

assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles

cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida

inalterável, a arbítrio de outrem”.

Não obstante, a nosso ver, tanto a referência constitucional como o

seu esmiuçamento na lei ordinária tem por único objetivo a segurança das relações

jurídicas.

Nesse breve capítulo procuramos demonstrar que tanto as normas

de caráter constitucional, com as normas ordinárias e mesmo ante-projeto de lei n.º

1905, sempre procuraram Ter em conta a previsibilidade das relações jurídicas.

Ta capítulo busca a interpretação das normas, tendo que o

legislador sempre visou a segurança das relações jurídicas.

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1.1 O decreto lei n.º 4657, de 4.657, de 4.9.42 (LICC)

A lei de introdução ao Código Civil não será colocado aqui na sua

integralidade, haja vista que tal dissertação procurou apenas a demonstrar naquilo

que interessa ao nosso tema.

LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL

Decreto-Lei nº 4657, de 4 de setembro de 1942 ( * )

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o

art. 180 da Constituição, decreta:

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o

país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.

§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade de lei brasileira,

quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada.

§ 2º A vigência das leis, que os governos estaduais elaborem por

autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começará no prazo

que a legislação estadual fixar.

( ∗ ) Publicado no Diário Oficial da União, de 9 e retificado em 17 de setembro de 1942. entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1942, por força do disposto no Decreto-lei nº 4.707, de 17 de setembro de 1942. a chamada Lei de Introdução ao Código Civil não se restringe a estipular normas de aplicação ao Código Civil propriamente dito, embora a este anexada. Ela estende seu império a todos os Códigos e demais disposições legislativas, seja qual for sua natureza, pública ou privada. A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 2.954, de 29 de janeiro de 1999, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

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§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de

seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores

começará a correr da nova publicação.

§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até

que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o

declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria

de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par

das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por

ter a lei revogadora perdido a vigência.

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a

conhece.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela

se dirige e às exigências do bem comum.

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Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato

jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei

vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou

alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo

prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de

que já não caiba recurso.

(. . .) Omissis

Art. 19 – Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo

anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-Lei nº 4.657,

de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver

sido recusada pelas autoridades consulares, como fundamento no Art. 18 do mesmo

Decreto-Lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa)

dias contados da data de publicação desta lei.

Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942; 121º da Independência e 54º

da República.

Getúlio Vargas.

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O próprio artigo 19 e seu parágrafo único foi uma forma de preservar

as relações jurídicas ocorridas anteriormente à norma supramencionada, visando,

exatamente, preservar direitos adquiridos anteriores à publicação da referida lei.

1.2. O projeto de lei n.º 1905, de janeiro de 1995

PROJETO DE LEI N. 1.905, RIO DE JANEIRO DE 1995 (∗)

Lei de aplicação das normas jurídicas. O Congresso Nacional decreta:

CAPÍTULO I

DA NORMA JURÍDICA EM GERAL

Art. 1º Vigência da lei – A Lei entra em vigor na data da publicação,

salvo se dispuser em contrário; e perdura até que outra a revogue, total ou

parcialmente.

§ 1º Revogação – A lei posterior revoga a anterior quando

expressamente o declare ou quando com ela seja compatível.

§ 2º Repristinação – A vigência da lei revogada só se restaura por

disposição expressa.

§ 3º Republicação – O texto de lei republicada, inclusive de lei

interpretativa, considera-se lei nova.

∗ Os arts. Do Capítulo II, referentes ao Direito Intertemporal, são de autoria do Prof. R. Limongi França, com

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§ 4º Regulamentação – A lei só dependerá de regulamentação

quando assim o declares expressamente e estabeleça prazo para sua edição;

escoado o prazo sem essa providência, a lei será diretamente aplicável.

Art. 2º Ignorância da lei – Ninguém se escusa de cumprir a lei,

alegando que não a conhece.

Art. 3º Dever de decidir – O juiz não se eximirá de julgar alegando

inexistência, lacuna ou obscuridade da lei. Nesta hipótese, em não cabendo

analogia, aplicará os costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais de

direito.

Art. 4º Aplicação do direito – Na aplicação do direito, respeitados os

seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige, as exigências do

bem comum e a eqüidade.

CAPÍTULO II

DO DIREITO INTERTEMPORAL

Art. 5º Irretroatividade – A lei não terá efeito retroativo. Ela não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

§ 1º Direito Adquirido – Direito adquirido é o que resulta da lei,

diretamente ou por intermédio de fato idôneo, e passa a integrar o patrimônio

material ou moral do sujeito, mesmo que seus efeitos não se tenham produzido

antes da lei nova.

ligeiras simplificações da Comissão, coordenada pelo Prof. João Grandino Rodas. O texto do ofício do Sr. Ministro, referente à matéria, é assentado sobre adminículos do autor da presente obra.

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§ 2º Direito a termo ou condição – Constitui igualmente direito

adquirido as conseqüências da lei ou de fato idôneo, ainda quando dependentes de

termo ou condição.

§ 4º Coisa Julgada – Coisa julgada é a que resulta de decisão

judicial da qual não caiba recurso.

Art. 6º Efeito Imediato – O efeito imediato da lei não prejudicará os

segmentos anteriores, autônomos e já consumado de fatos pendentes.

Art. 7º Alteração de prazo – Quando a aquisição de um direito

depender de decurso de prazo e este for alterado por lei nova, considerar-se-á válido

o tempo já decorrido e se computará o restante por meio de proporção entre o prazo

anterior e o novo.

(. . .) omissis

Art. 25. Fica revogado o Decreto-Lei n. 4657, de 4 de setembro de

1942, e demais disposições em contrário.

O ante-projeto foi perfeito nos seus artigos 5º e 6º, visando

exatamente aprimorar o direito intertemporal e, ainda, pacificar a jurisprudência entre

o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em especial com a

prevalência das decisões do Excelso Pretório, que sempre afastou, por inteiro,

qualquer retroatividade. Mesmo nas normas de cunho econômico.

Outra situação que também ficaria pacífica com a aprovação da

norma em tela seria a questão do efeito imediato e geral, sendo que os fatos

pendentes estariam devidamente assegurados pelo direito adquirido e, afastada,

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definitivamente, a teoria de Paul Roubier no sistema legal ordinário em nosso país.

SEXTA PARTE

1. A responsabilidade objetiva do Estado em face à intervenção drástica na

economia e a ocorrência do Dano ao patrimônio dos jurisdicionados

A origem da questão em comento está localizada, especificamente

no Plano Collor I, que veio a lume com a Medidas Provisórias de nº 168, de

15.03.90, transformada na lei nº 8.024/90; e nos atos administrativo denominados

Circulares do Banco Central do Brasil de nº 1.663, de 11.04.90, e no Comunicado do

Banco Central do Brasil 2.067, de 30.03.90, mas que produziu drástica intervenção

tanto na economia popular, como em todos os seguimentos da economia nacional.

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O surgimento do debate se dá em face da possibilidade de análise

pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade das normas que deram

sustentação ao Plano Collor I, ainda nesse ano de 2001, e que se realmente

considerada inconstitucional, em especial na forma como fez na quebra de contratos

em andamento, estará a Administração Pública com um sério problema de ordem

institucional, podendo se declarado tal norma inconstitucional gerar para o Estado a

responsabilidade pela feitura das leis que geraram extensos prejuízos a todo o

conjunto da sociedade, restando a partir desse julgamento a possibilidade do Estado

vir a ser responsabilizado por tais prejuízos.

Com efeito, pela edição da Medida Provisória 168, de 15 de março

de 1990, posteriormente convertida na Lei 8.024/90, alterou-se a denominação da

moeda nacional, de cruzados novos para cruzeiro. Os valores depositados junto às

instituições financeiras em cadernetas de poupança foram convertidos para cruzeiro

somente até NCZ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos) de cada titular,

mantendo-se o saldo remanescente como cruzados novos (artigo 6º).

Os saldos em cruzados novos (não convertidos para cruzeiros)

foram transferidos ao Banco Central do Brasil, de acordo com o artigo 9º da

sobredita lei. E esses valores passaram a se atualizados pela variação do BTN

fiscal, na forma estabelecida no parágrafo 2º do artigo 6º, à conta do BACEN em

razão de terem passado a sua disposição os recursos.

Dessa circunstância, em verdade, adviria uma situação privilegiada

às instituições financeiras, porquanto prosseguiriam obtendo receitas das aplicações

e deixariam de remunerar a captação, que, como dito, passou a incumbir ao BACEN.

Todavia e certamente para neutralizar o privilégio, o Banco Central

fez editar a Circular 1663, de 11 de abril de 1990, com expressa referência (art.14)

de que o normativo produziria efeitos a partir de 15.03.90, data da edição da então

Medida Provisória 168.

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Com o advento dessa Circular, passou o Banco Central (art.1º) a

exigir que (a) os valores depositados em espécie junto à autarquia fossem,

diariamente, equivalentes (b) aos valores contabilmente transferidos à autarquia na

forma do artigo 9º da Lei 8.024/90. Ou seja, os depósitos em espécie no BACEN

deveriam corresponder aos valores transferidos por força do artigo 9º da Lei

8.024/90 (cruzados novos não convertidos em cruzeiros).

Como as instituições financeiras não dispunham, em espécie, da

totalidade dos valores contabilmente bloqueados no BACEN, posto que emprestados

a terceiros, sobre ela o Banco Central veio a exigir, pelo artigo 2º da Circular 1663,

custos financeiros que eram diariamente debitados na referida conta. Tais custos

forma fixados pelo BACEN em função das operações ativas das instituições

financeiras (§ 1º do art. 2º da Circular 1663).

Assim, com tal procedimento os Bancos repassariam ao Banco

Central os mesmos encargos alcançados nas aplicações (operações ativas),

relativamente aos valores não recolhidos em espécie à Autarquia. Desse modo, em

substituição aos custos financeiros da captação originariamente devidos aos

depositantes, os Bancos arcariam com os encargos da deficiência junto ao BACEN.

Vamos ao conjunto de normas, necessária demonstração para o

entendimento da responsabilidade civil objetiva do Estado:

a) Lei nº 8.024/90:

“Art. 6º. Os saldos das cadernetas de poupança serão

convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de

rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do artigo

1º, observado o limite de Ncz$ 50.000,00 (cinqüenta mil

cruzados novos).

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§ 1º. omissis.

§ 2º. omissis.

§ 3º. Os depósitos compulsórios e voluntários mantidos junto ao

Banco Central do Brasil, com recursos originários da captação

de cadernetas de poupança, serão convertidos e ajustados

conforme regulamentação a ser baixada pelo Banco Central do

Brasil.

Art. 17. O Banco Central do Brasil utilizará os recursos em

cruzados novos nele depositados para fornecer empréstimos

para financiamento das operações ativas das instituições

financeiras contratadas em cruzados novos, registradas no

balanço patrimonial referido no artigo anterior.

Parágrafo Único. as taxas de juros e os prazos dos empréstimos

por parte do Banco Central do Brasil serão compatíveis com

aqueles constantes das operações ativas mencionadas neste

artigo.

Art. 20. O Banco Central do Brasil, no uso das atribuições

estabelecidas pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 e

legislação complementar, expedirá regras destinadas a adaptar

as normas disciplinadoras do mercado financeiro e de capitais,

bem como do Sistema Financeiro da Habitação, ao disposto

nesta lei.”(grifamos)

b) Circular n.º 1.663, de 11.04.90, do BACEN:

“Preâmbulo: Estabelece condições para a cobrança de custos

incidentes sobre deficiência de recolhimento de cruzados novos

ao Banco Central do Brasil – Art. 17 da Medida Provisória nº

168, de 15.03.90.

Introdução: Comunicamos que a Diretoria do Banco Central do

Brasil, em sessão realizada em 11.04.90, com base no artigo 20

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e tendo em vista o disposto no artigo 17 da Medida Provisória

168, de 15.03.90, com a redação que lhe foi conferida pela

Medida Provisória nº 172, de 17.03.90, decidiu:

Art. 1º. omissis.

Art. 2º. Sobre eventuais deficiências apresentadas no saldo da

conta 6110.01.10-6 – DEP. M.P. 168 – Reservas Bancárias – em

espécie, até o limite fixado na forma do artigo 3º desta Circular,

O Banco Central do Brasil cobrará custos financeiros, custos

esses devidos e debitados, diariamente, a referida conta.

§ 1º Os custos financeiros de que trata o ‘caput’ deste artigo

serão fixados pelo Banco Central em função da remuneração

das operações ativas das instituições, constantes da listagem

anexa a esta Circular, respeitado o contido no parágrafo único

do artigo 17 da Medida Provisória nº 168, custos esses nunca

inferiores à variação do Bônus do Tesouro Nacional – BTN fiscal,

acrescida de juros de 6% (seis por cento) ao ano, observado

que:” (grifamos)

c) Comunicado nº 2.067, de 30.03.90, do BACEN:

“I – Os índices de atualização dos saldos, em cruzeiros, das

contas de poupança, bem como aqueles ainda não convertidos

na forma do artigo 6º da Medida Provisória nº 168, de 15 de

março de 1990, calculados com base nos Índices de Preços ao

Consumidor – IPC – em janeiro, fevereiro e março de 1990,

serão os seguintes:

a) omissis.

b) Mensal, para pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos,

0,843200(zero vírgula oito quatro três dois zero zero)”; (grifamos)

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Como visto, coube ao BACEN dispor sobre as regras destinadas a

disciplinar o mercado financeiro, quando da implementação do “Plano Collor”. A

nosso ver, essa incumbência legal (Leis nº 4.595/64 e 8.024/90) do BACEN

restringe, não apenas, a responsabilidade pela execução das tarefas inerentes à

Autarquia Monetária, como também delimita a obrigação de indenizar os eventuais

danos havidos em decorrência dos atos praticados pela Autarquia.

Válido acrescentar que os juros recebidos pela Autarquia

constituem-se receitas próprias (art. 16 da Lei nº 4.595/64), portanto, os valores

recebidos, neste caso “a maior”, passaram a incorporar o patrimônio do BACEN.

Nessa linha, é necessário verificar a possibilidade jurídica de o

BACEN vir a ser obrigado a ressarcir os danos enfrentados pelo Banco, pelos fatos e

motivos anteriormente apontados.

A interpretação sistemática da legislação civil, artigo 15 e o

parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, e, ainda, o estudo da doutrina

predominante, entre outros, mostra que a questão da responsabilidade patrimonial

extracontratual do Estado por comportamentos administrativo”, e tal situação ainda

está devidamente pacificada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do

Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à

esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência

de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais

ou jurídicos.

Esta noção é, hoje, curial no direito público. Todos os povos, todas

as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso

pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos.

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Um dos pilares do moderno direito constitucional é, exatamente, a

sujeição de todas as pessoas, públicas ou privadas, ao quadro da ordem jurídica, de

tal sorte que a lesão aos bens jurídicos de terceiro engendra para o autor do dano a

obrigação de repará-lo.

Ademais, como o Estado moderno acolhe, outrossim, o princípio da

igualdade de todos perante a lei, forçosamente haver-se-á de aceitar que é injurídico

o comportamento estatal que agrave desigualmente a alguém, ao exercer atividades

no interesse de todos, sem ressarcir ao lesado.

Responsabilidade objetiva (do Estado) é a obrigação de indenizar

que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu

uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta,

pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de

danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado

o próprio autor do ato danoso - entendemos que o fundamento da “responsabilidade

estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos

lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa

de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu

fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito”.181

Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o “perfil da

responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do

dano, b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo

(ação) ou negativo (omissão) do agente público, c) a oficialidade da atividade causal

e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional,

incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não,

181 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 7ª ed. Malheiros, p.573

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do comportamento funcional e d) a ausência de causa excludente da

responsabilidade estatal”.182

182 Ob. cit., p. 584.

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2. A responsabilidade do Banco Central e das instituições financeiras

detentoras dos contratos de depósito.

Em substância a responsabilidade civil pressupõe a existência de

uma ação ou omissão voluntária do Estado, como no caso em tela, as leis de Planos

Econômicos podem produzir e produziram danos, criando assim uma relação de

causalidade ligando dois eventos.

Ocorrido o dano o direito impõe a reparação, ainda mais na esfera

pública, com a introdução a partir da Constituição Federal de 1988 da

responsabilidade objetiva da Administração e o afastamento da teoria da culpa.

Importante lembrar que o Banco Central, através da lei 8.024/90 não

foi mero depositário dos depósitos bloqueados, como tenta fazer crer os

procuradores do Banco Central, mas, sim, cobrou das próprias instituições

financeiras juros, se tal instituição não tivesse em saldo o disposto em seu balanço

como reserva bancária.

Tal atitude, além de inconstitucional, de efeito imediato e

desconsiderando ato jurídico perfeito também enseja reparação de indenizar pela

cobrança de verdadeiro tributo sem observância de forma.

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A famigerada lei, em seu artigo 17183, deixa bem claro tal situação e

o próprio Superior Tribunal de Justiça reconheceu tal situação, onde esse

pesquisador era o patrono do Banco do Brasil, acórdão da relatoria do Ministro

Eduardo Ribeiro, verbis:

“Recurso especial n.º 144.899-SP

Recorrente: Banco do Brasil S/A

Recorrido: Nelson Martinez

Advogados: Nelson Buganza Júnior e outros e Regina A

Prado Mathias Ferreira e outros

Ementa: Caderneta de poupança - Correção Monetária -

Plano Collor.

Transferidos os saldos em cruzados novos para o Banco

Central, não poderão os primitivos depositários ser

obrigados a responder por encargos relativos a período

em que não tinham a disponibilidade dos valores.

Recurso conhecido e provido.”

No corpo do acórdão, o Ministro Eduardo Ribeiro expõem com muita

precisão que o Banco Central utilizou do numerário dos bancos para fazer

empréstimos a essas mesmas instituições financeiras, devendo portanto serem

responsabilizados pelas ações que querem a correção monetária. Assim, é inegável

que o Banco Central utilizou-se desse numerário para fazer empréstimos por sua

conta e risco.

CONCLUSÃO

183 Art. 17. O Banco Central do Brasil utilizará os recursos em cruzados novos nele depositados para fornecer empréstimos para financiamento das operações ativas das instituições financeiras contratadas em cruzados novos, registradas no balanço patrimonial referido no artigo anterior.

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Ante a tudo que foi exposto ao longo dessa dissertação, que buscou

comparar as teorias dos planos econômicos com as teorias do direito adquirido e do

ato jurídico perfeito e da irretroatividade dessas leis, podemos extrair algumas

conclusões importantes.

Em se tratando de leis econômicas, onde encontra-se a política e

economia juntas, o Judiciário poderá intervir como e quando quiser. Esse breve

esboço deverá bastar para mostrar quais foram as influências nas transformações

ideológicas, políticas e jurídicas, nas quais a diferença de legislação e jurisprudência

se viu obrigada a se afirmar. Ela logrou sobreviver enquanto distinção relacionada e

materializada na organização, mas vive em constante conflito, portanto a

jurisprudência está em constante conflito, mas no caso em tela esse choque é

proveniente de Tribunais Superiores e responsáveis pela pacificação dos temas e

não pelo seu confronto.

Assim, a descrição oficial parte de um modelo hierárquico, segundo

o qual a legislação tem precedência sobre a jurisprudência. Isso soa plausível e não

parece necessitar de maior fundamentação, se lembrarmos que a jurisprudência é

uma interpretação razoável. Somente num exame mais acurado as relações se

evidenciam mais complexas, posto que o choque está se dando entre dois sistemas

distintos, mas que devem guardar consonância, um de ordem legal e outro de ordem

constitucional, mas aquele deve obedecer a esse, e isso não tem ocorrido na prática

da interpretação.

Mas é sobretudo a vigência de uma constituição em termos de

Direito positivo que faz com que a hierarquização da relação entre a legislação e a

jurisprudência se torne questionável. Veja-se que a Constituição Federal criou dois

Tribunais Superiores, mas com competências distintas, uma Corte Constitucional,

mas com controle sobre outras decisões, e uma Corte Superior Infraconstitucional,

mas sem determinar qual a decisão de um deles prevalecerá frente ao outro. Mas

devemos lembrar que os sistemas não são independentes, pois possuem hierarquia,

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mas hierarquia de normas. Com isso assumimos, no entanto, o problema de que

todo o direito pode estar de acordo com ou contrário à Constituição.

Diante dessas considerações, ou seja que os tribunais são o centro

do Sistema Jurídico, sendo o resto a periferia, como imaginar que o Supremo

Tribunal Federal, em dez anos, ou seja, desde a edição do Plano Collor I, ainda não

tenha se manifestado se constitucional ou não a lei 8024/90.

E como ficaria a questão do direito adquirido, se tal lei,

simplesmente 10 (dez) anos depois, for declarada inconstitucional, sendo inegável a

omissão do Poder Judiciário perante tal grave situação.

Não há dúvida que sendo o direito adquirido e o ato jurídico perfeito

preceitos de ordem fundamental, devidamente esculpidos na Constituição da

República, é que nossa preocupação vai além. Parece-nos que tais preceitos não

passam de uma bela filosofia inserida no ordenamento constitucional, porém sem

qualquer aplicação prática, frente aos desmandos legiferantes. Por tais motivos

resolvemos enfrentar a questão diante de questionamento prático e recente no país,

como é a teoria dos planos econômicos.

No tocante a implementação jurídica dos Planos, e porque não dizer

formalização e implementação de leis de planos econômicos, todo o Poder do

Estado é colocado em prática, onde as teorias sobre o Poder são praticadas em

larga escala. Basta lembrar que a questão se reveste de suma importância, pois

passados quase dez (10) anos de implementação do famigerado plano denominado

Collor, tal norma ainda não passou pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, se

constitucional ou não sua edição, o que irremediavelmente denota a total falta de

segurança jurídica do próprio sistema de normas.

Do ponto de vista acadêmico, entendemos que o verdadeiro

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fundamento do direito adquirido é aquele que está amparado na inviolabilidade da

personalidade humana.

Logo, o direito adquirido nada mais é do que a própria fé na

segurança e na estabilidade das relações jurídicas, logo é o próprio conceito de

Justiça, porém aplicado a norma de plano econômico ou de certa lei previdenciária,

ou mesmo a outras leis que restringem direitos.

A questão central deve estar voltada, quando da análise dessas

normas, e do direito intertemporal a ser aplicado, devendo ser preservado os valores

fundamentais do direito.

Portanto, a impossibilidade da retroatividade de leis é a própria

expressão mais acurada da Justiça.

Além disso para que a legislação mais moderna possa realizar

inteiramente a sua finalidade benéfica, o interesse social exige seja aplicada sempre

a legislação mais benéfica, mesmo no campo civil.

Logo, a preservação dos fatos e de suas conseqüências deve

sempre prevalecer, mesmo sobre o império da lei nova.

Pois, por outro lado, se a mesma regesse sempre todas as

conseqüências dos fatos anteriores haveria sempre de destruir de modo repetitivo os

direitos legitimamente formados sob o império da antiga ordenação, prejudicando

sempre os interesses legítimos dos particulares e causando, assim, a perturbação

social.

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A história recente de nosso país mostra que inúmeras injustiças

foram causadas principalmente pelas vigências de leis de planos econômicos

totalmente equivocados, que somente produziram exatamente a perturbação social,

restando ao Poder Judiciário a pacificação de milhões de conflitos.

Isso ocorreu nos casos das correções monetárias do Fundo de

Garantia do Trabalhador e da correção monetária das poupanças e dos depósitos

remunerados também evidenciada pelos Planos Econômicos.

Face a tudo isso, nos encontramos seriamente inclinados a defender

que o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, em todas as leis e regras,

principalmente nas normas de cunho econômico, se vê determinado a alcançar

sempre um meio termo entre dois valores fundamentais que, e muitas vezes

contraditórios no sentido em que projetam. São esses a segurança das relações

jurídicas dos atos e das relações sociais, ou seja a necessidade dogmática de

previsibilidade jurídica e a necessidade da adequação dos sistemas normativos às

mutações e as novas exigências sociais, mas em nenhum momento podendo trazer

prejuízos a situações pretéritas, sejam elas decorrentes de normas de ordem pública

ou privada.

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BERNARDI, Ovídio. O Direito Adquirido e o seu Problema Conceitual, in Revista dos

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VALLADÃO, Haroldo. Exposição de motivos do Projeto de Lei Geral de Aplicação de

Normas Jurídicas. Rio de Janeiro, 1964.

1.3. Jurisprudência

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 29-RS conhecido e provido.

Ementa: LEI DE ORDEM PÚBLICA. INCIDENCIA IMEDIATA.. INCIDE A LEI

NOVA (N. 6435, DE 15.07.1977) A REGULAR A ATUALIZAÇÃO DAS

CONTRIBUIÇÕES E DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA PRIVADA, SEM

VIOLAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. ORIENTAÇÃO DA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A PARTIR DO

PRECEDENTE FIRMADO NO RE. 105137-0, REL. MIN. CORDEIRO

GUERRA, SEGUNDA TURMA, PUBLICADO NO DJ DE 27.09.85. Relator:

Min. Cláudio Santos, publicado no Diário de Justiça - Seção 1 - 04 de set. de

1989. P. 14039. Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, v. 00003, p.

01032, set. 1990.

__________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 450-RS conhecido e

provido. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MONTEPIO.

LEI DE ORDEM PÚBLICA. INCIDÊNCIA IMEDIATA. ART. 105, III, “C” DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL VIGENTE, OU ART. 119, III, “D”, DA MAGNA

ANTERIOR.

I - O PLANO, POR SEU ESTATUTO HÁ DE SER CUMPRIDO NA FORMA

PELA QUAL A ELE ADERIU O ASSOCIADO. NÃO ESTÁ EM JOGO O

REQUISITO AO ESTATUTO ORIGINÁRIO, A CARACTERIZAR DIREITO

IMUTÁVEL DO SEGURADO, INTEGRADO EM SEU PATRIMÔNIO, SENÃO

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ALTERAÇÃO DA REGRA CONTRATUAL, DESDE O INÍCIO PREVISTA,

SOB FORMA DE FUTURAS ALTERAÇÕES NO ESTATUTO.

II - INCIDE A LEI NOVA (LEI NR. 6.345, DE 1977) A REGULAR A

ATUALIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES E DOS BENEFÍCIOS DA

PREVIDÊNCIA PRIVADA, SEM VIOLAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO.

III - CONFIGURADO O DISSÍDIO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A

JURISPRUDÊNCIA PRETORIANA, CONHECE-SE DO RECURSO, PARA

JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. Relator: Ministro Waldemar Zveiter,

publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 - de 04 de dez. de 1989, p.

17880.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 3683/SP. Ementa:

PLANO BRESSER. DECRETO-LEI N. 2335/87, E DECRETOS-LEIS

SUBSEQUENTES. TABELA DE DEFLAÇÃO, PREVISTA NO ARTIGO 13

DOS ALUDIDOS DIPLOMAS LEGAIS. CONTRATOS EM RDBS.

CONSTITUCIONALIDADE DOS DECRETOS-LEIS, QUE DISPUSERAM

SOBRE ‘FINANÇAS PÚBLICAS’, NO EDITAREM NORMAS COM A

INTENÇÃO DE OBTER A ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA NO PAÍS.

NORMAS DE ORDEM PÚBLICA, QUE IMPLICAM NA DERROGAÇÃO DE

CLAÚSULAS DE CONTRATO EM CURSO. LEGITIMIDADE DE INCIDÊNCIA

DA TABLITA, EXPURGANDO CORREÇÃO MONETÁRIA PREFIXADA E

PRESERVANDO A COMUTATIVIDADE CONTRATUAL. IMPROCEDÊNCIA

DA PRETENSÃO DE COBRANÇA, MANIFESTADA PELO INVESTIDOR.

RECURDO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. Relator: Ministro Athos

Carneiro. Publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 – 09 de out. de

1990 – p. 10900. Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, v. 0015, p.

00199.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1816/SP conhecido e

provido. Cláudio Cieri e Flávio Selmo Júnior. Ementa: PLANO LOCAÇÃO.

PLANO CRUZADO. REAJUSTE PACTUADO. CONDIÇÃO SUSPENSIVA.

NORMA DE ORDEM PÚBLICA. INCIDÊNCIA IMEDIATA.

I - A NORMA DE ORDEM PÚBLICA, NOTADAMENTE A DE CARÁTER

ECONÔMICO, TEM INCIDÊNCIA IMEDIATA, SOBRETUDO QUANDO DO

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178

CONTRATO CONSTA EXPRESSA RESSALVA E PREVISÃO QUANTO A

POSSÍVEL FUTURA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA.

II - SOBREVINDO AUTORIZAÇÃO LEGISTLATIVA, A DISPOSIÇÃO

CONTRATUAL, ATÉ ENTÃO SUBMETIDA A UMA CONDIÇÃO

SUSPENSIVA, PASSA A VIGORAR EM SUA PLENITUDE. Relator Ministro

Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no Diário de Justiça da União –

Seção 1 – 23 de abr. de 1990, Revista do Superior Tribunal de Justiça v. 9, p.

391.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial -2595/SP conhecido e

provido. Banco do Estado de São Paulo e Sábado Lourival Pegoraro. Ementa:

DIREITO ECONÔMICO. PLANO BRESSER. TABLITA. LEGALIDADE.

APLICAÇÃO. INCIDÊNCIA IMEDIATA DAS NORMAS. INCORRÊNCIA DE

DIREITO ADQUIRIDO. RECURSO PROVIDO.

I - EM SE TRATANDO DE NORMAS DE DIREITO ECONÔMICO, DE ORDEM

PÚBLICA, SUA INCIDÊNCIA É IMEDIATA, CONSOANTE ORIENTAÇÃO

ASSENTADA NO TRIBUNAL, NÃO SENDO DE INVOCAR-SE PRETENSO

DIREITO ADQUIRIDO.

II - POR SUA LEGALIDADE, É ADMISSÍVEL A INCIDÊNCIA DA “TABLITA”,

IMPOSTA PELO PLANO BRESSER, CALCULANDO-SE A DEFLAÇÃO, NOS

TERMOS PREVISTOS NA RESPECTIVA LEGISLAÇÃO, SOBRE O TOTAL

DO TÍTULO, RESSALVADA A IMPOSSIBILIDADE DO INVESTIDOR

RECEBER QUANTIA MENOR QUE O CAPITAL APLICADO, SOB PENA DE

ENRIQUECIMENTO INDEVIDO DA ENTIDADE FINANCEIRA. Relator:

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no Diário de Justiça da

União – Seção I - de 01 de out. de 1990, p. 10449, Revista do Superior

Tribunal de Justiça, Brasília, v. 00021, p. 00282.

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 47186 – RS. Banco do

Brasil e Adauto Eny de Oliveira Pires. Ementa: CRÉDITO RURAL.

CORREÇÃO MONETÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. Em relação ao

mês de março de 1990, a dívida resultante de financiamento rural com

recursos captados de depósitos em poupança deve ser atualizada segundo o

índice de variação do BTNF. Ante o atrelamento contratual, é injustificável

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179

aplicar-se o IPC, para a atualização da dívida, se os depósitos em poupança,

fonte do financiamento, foram corrigidos por aquele índice. É admitida a

capitalização mensal dos juros em operação de crédito rural, na conformidade

da regra exceptiva do art. 3º do Decreto-lri 167/67. Entendimento respaldado

pela Súmula nº 93/STJ. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido.

Relator Ministro Costa Leite, publicado no Diário de Justiça da União – Seção

I – de 04 de dez. de 1995, Brasília, p. 15470.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 189166. Banco

Bradesco S.A e Tereza da Conceição Szaba Alves. Ementa: Crédito

Imobiliário (financiamento da casa própria). Correção monetária. Março de

1990 (índice para abril/90). Monetariamente, atualiza-se pelo adotado pelo

Superior Tribunal, por exemplo, em casos de liquidação de sentença (ERESP-

36.623, DJ de 27.3.95), de saldos do Fundo de Garantia (RESP-157.534, DJ

de 27.4.98). O índice há de ser um único e mesmo. Recurso especial

conhecido em parte e provido. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar,

publicado no Diário de Justiça da União – Seção I – de 15 de maio de 2000 –

Brasília, p. 96.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de divergência em recurso

especial nº 49557-6. Wilmar Alves e outros e Fazenda do Estado de São

Paulo. Ementa: Correção monetária relativa ao período de março a junho de

1990. De acordo com a orientação da Corte Especial do STJ, o fator de

correção é o IPC: ERESP’S 36.623, 39.688, 42.798 e 45.906. E Embargos de

divergência conhecidos e recebidos. Relator: Ministro Nilson Naves, publicado

no Diário de Justiça da União – Seção I – de 20 de fev. de 1995 – p. 35689.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial 33016-0-SP. Ementa:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – REINVINDICAÇÃO DE

JUROS E CORREÇÃO MENETÁRIA SOBRE CRUZADOS NOVOS

BLOQUEADOS – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO DEPOSITÁRIO –

LEGITIMIDADE DO BANCO CENTRAL PARA FIGURAR NA AÇÃO –

INTELIGÊNCIA DOS ART. 6º, 9º E 17 DA LEI Nº 8.024/90.

I - É iniludível que as instituições financeiras que mantinham os contratos de

cadernetas de poupança não mais puderam usufruir dos saldos superiores a

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Cr$ 50.000,00, como nos planos antecedentes e posteriores, que, repita-se,

foram recolhidos ao Banco Central do Brasil.

II - Em princípio, em todo e qualquer contrato de mútuo, ou de depósito em dinheiro,

quem responde pelos juros e pela atualização do valor monetário é a parte

que recebe a propriedade do bem fungível, que ele usufrui em proveito

próprio, ou seja, o devedor ou o depositário, o qual, depois, deverá devolvê-lo,

com aqueles acréscimos, ao credor, ou depositante. No caso, ambas as

partes titulares do contrato – depositante e banco depositário – foram

privados, por ato de império, da disponibilidade do dinheiro, permanecendo

em poder do Banco Central, e assumindo este a titularidade do contrato,

como verdadeira novação ex vi legis da aludida avença ( mútuo bancário).

Consequentemente, na Ação de Cobrança, Banco Central se revela titular

legítimo para figurar como parte passiva.

III- Recurso conhecido e provido. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. publicado

no Diário de Justiça da União - Seção I – de 11 de out. de 1994 – p. 61857.

_________.Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 144899-SP, Banco do

Brasil e Nelson Martinez, Ementa: Caderneta de poupança – Correção

Monetária – Plano Collor. Transferidos os saldos em cruzados para o Banco

Central, não poderão os primitivos depositários ser obrigados a responder por

encargos relativos a período em que não tinham a disponibilidade dos valores.

Publicado

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n.º 203762 não

conhecido. Caixa Econômica Federal e Tânia Quaresma Torres e outros.

Ementa: Caderneta de poupança – Período em curso – Juros e correção

monetária – Intangibilidade – Medida provisória n.º 32/89 e Lei 7730/89.

Longe fica de implicar violência ao preceito do inciso XXXVI do rol das

garantias constitucionais decisão mediante a qual se afastou a incidência da

Medida Provisória n.º 32/89, convertida na Lei n.º 7730/89, relativamente a

período de trinta dias para correção de saldo da caderneta de poupança.

Provimento judicial em tal sentido resulta em homenagem à intangibilidade do

ato jurídico perfeito e acabado. Relator: Ministro Marco Aurélio. 2ª Turma.

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Publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 – na cidade de Brasília –

em 04 de fev. de 1997 – p. 15289.

______, Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental em agravo de instrumento n.º

247249-3 não conhecido. Banco do Brasil e Carlos Alberto Martin. Ementa:

Agravo regimental em agravo de instrumento. Correção monetária – Medida

provisória n.º 32/89. Contratos em curso. Inaplicabilidade. Ato jurídico

perfeito. Intangibilidade.

Os critérios de correção monetária estabelecidos na MP. n.º 32/89 não podem

ser aplicados aos contratos de caderneta de poupança firmados antes de sua

edição, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito.

Agravo regimental a que se nega provimento. Relator: Ministro Maurício

Corrêa. 2ª Turma. Publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 – na

cidade de Brasília – em 14 de mar. de 2000 – p. 96.

______, Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n.º 205193-4 não

conhecido. Caixa Econômica Federal e André Lempek. Ementa: Recurso

extraordinário - Caderneta de poupança. Contrato de depósito validamente

celebrado. Ato jurídico perfeito. Intangibilidade constitucional da C.F./88. Art.

5º, XXXVI. Inaplicabilidade de lei superveniente à data da celebração do

contrato de depósito, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste

negocial. Recurso extraordinário não conhecido. Relator: Ministro Celso de

Mello. 1ª Turma. Publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 – na

cidade de Brasília – em 25 de fev. de 1997 – p. 289.

______, Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental em agravo de instrumento n.º

212852-1 improvido. Banco Real S/A e Orlando Coan. Ementa: Acórdão que

entendeu no sentido de que às cadernetas de poupança cuja contratação ou

renovação tenha ocorrido antes da edição da MP. 32 não se aplica a referida

norma, em face do princípio inserto no art. 5º, XXXVI, da CF. Orientação em

consonância com a jurisprudência desta Corte. Agravo regimental improvido.

Relator: Ministro Ilmar Galvão. 1ª Turma. Publicado no Diário de Justiça da

União – Seção 1 – na cidade de Brasília – em 26 de jun. de 1998, p. 0008.

______, Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n.º 218836-7 não

conhecido. Banco Real S/A e Orlando Coan. Ementa: Caderneta de

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poupança. Medida poupança n.º 32, de 15.01.89, convertida na Lei n.º 7730,

de 31.01.89. Ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal).

O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica

também, conforme é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública.

Correto, portanto, o acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta

ao ato jurídico perfeito, porquanto com relação à caderneta de poupança, há

contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento financeiro, não

podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para aquisição da

correção monetária mensal já inciado, legislação que altere, para menor, o

índice dessa correção. Recurso extraordinário não conhecido. Relator:

Ministro Moreira Alves. 1ª Turma. Publicado no Diário de Justiça da União –

Seção 1 – na cidade de Brasília – em 28 de nov. de 1997, p. 6224.

______, Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.º 493-0

procedente. Procurador-Geral da República e Presidente da república e

Congresso Nacional. Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Se a lei

alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será

essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido

no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica

a toda e qualquer lei infraconstitucional., sem qualquer distinção entre lei de

direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei

dispositiva. Precedente do STF. Ocorrência, no caso, de violação de direito

adquirido. Também ofende o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados

que alterem critérios de reajuste das prestações nos contratos já celebrados

pelo sistema do Plano de Equival~encia salarial por categoria profissional

(PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para

declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, caput e parágrafos 1º e 4º; 20;

21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; 24 e parágrafos, todos da lei n.º 8177

de 1º de março de 1991. Relator: Ministro Moreira Alves. Tribunal Pleno.

Publicado no Diário de Justiça da União – Seção 1 – na cidade de Brasília –

em 04 de nov. de 1992, p. 14089.

1.4. Outros

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PROJETO DE LEI nº 1905, de 1995, em tramitação na Câmara dos Deputados,

pesquisa in loco do texto. 1999.

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Dissertação: A irretroatividade e o direito adquirido nas leis de planos econômicos.

Mestrando: Nelson Buganza Júnior.

Resumo

O direcionamento do tema está centrado no direito

constitucional, em face do choque entre Superior Tribunal de Justiça e

Supremo Tribunal Federal sobre planos econômicos. A primeira parte enfoca

a temática constitucional dos direitos fundamentais, sempre voltada para os

direitos de primeira geração em especial como normas de proteção jurídica e

reserva legal qualificada. A segunda parte enfoca questão em face do sistema

de direito adquirido e a solução de conflitos envolvendo a matéria, procurando

inserir o leitor na doutrina abalisada de grandes autores, em relação à

jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre os planos econômicos. A

terceira parte procura debater questões sobre o direito adquirido e do direito

intertemporal em especial demonstrando o choque da jurisprudência entre os

Tribunais Superiores, enfrentando a questão sobre à ótica das normas de

ordem pública. A quarta parte faz detida análise do direito intertemporal em

sede de direito federal e a sua comparação com a figura constante do artigo

5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. A quinta parte é uma coletânea de

pontos polêmicos que foram gerados pelas leis de planos econômicos

inseridas que foram na história contemporânea brasileira e a responsabilidade

civil objetiva do Estado em face à intervenção drástica na economia. E,

finalmente, a conclusão, que buscará revelar o anseio da sociedade perante

tais normas de planos econômicos, e em especial a dinâmica da

jurisprudência no interpretar tais normas de planos econômicos.

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Número de Páginas: 01.