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CARLA TURCZYN BERLAND A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS Mestrado em Direito PUC/SP 2007

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CARLA TURCZYN BERLAND

A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS

Mestrado em Direito

PUC/SP 2007

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CARLA TURCZYN BERLAND

A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Direito, sob a orientação

da Profª. Drª. Patricia Miranda Pizzol.

PUC/SP 2007

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Banca Examinadora

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Sidnei e Clarice, e ao meu marido Fabio, pelo

incentivo, paciência e, sobretudo, amor.

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho não teria se concretizado se não fosse pela

colaboração de vários amigos e professores. Para não cometer injustiças,

agradeço, de forma geral e do fundo do meu coração, a todos aqueles que

colaboraram direta ou indiretamente para a produção deste trabalho.

Dedico um especial agradecimento à minha orientadora, Dra. Patrícia

Miranda Pizzol, por todo o conhecimento passado, seja durante as aulas de

processo civil na graduação, seja pelas oportunidades que me foram

conferidas como sua assistente do próprio curso de processo civil, e pelas

produtivas aulas tidas durante o mestrado.

Agradeço também às Professoras Dra. Rosa Maria de Andrade Nery

e Dra. Regina Vera Villas Boas Fessel, responsáveis por despertar o meu

interesse pelo tema objeto do presente estudo.

Mais um agradecimento à Professora Suzana Maria Pimenta Catta

Preta Federighi, que me aceitou como ouvinte em suas aulas de “práticas

abusivas”, incentivando-me a ingressar no curso de mestrado.

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Ao meu pai e eterno professor, um exemplo de advogado e jurista,

que sempre acreditou e me incentivou a seguir a carreira jurídica e à minha

mãe, que me ensinou acreditar, buscar e conquistar os meus objetivos, os

meus mais sinceros agradecimentos.

Um agradecimento especial ao meu marido Fabio, pelo incentivo nos

momentos de “crise”, pelo incentivo nos momentos de “euforia”, por estar

sempre presente, se dispondo, inclusive, a discutir comigo “teorias jurídicas”.

Sem o seu apoio, o presente trabalho não seria possível.

Aos meus sogros, Bela e Abram, que também me incentivaram e me

propiciaram o mais perfeito ambiente para que eu pudesse estudar e redigir

a presente dissertação.

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SUMÁRIO Resumo Abstract 1 INTRODUÇÃO................................................................................................011

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS DE CODIFICAÇÃO – SISTEMAS ABERTOS, FECHADOS, MÓVEIS E IMÓVEIS .....................................................................................014

2.1 O conceito de sistema .............................................................................014 2.2 O desenvolvimento dos sistemas jurídicos e a sua classificação....017 2.3 O sistema adotado pelo Novo Código Civil – O sistema móvel e

a adoção das Cláusulas Gerais, dos Conceitos Indeterminados e dos Princípios Gerais do Direito .........................................................020

2.3.1 Considerações finais sobre o sistema de codificação adotado pelo Novo Código Civil.......................................................040

2.4 Algumas considerações sobre o Direito Alternativo ...........................043

3 O DIREITO DOS CONTRATOS ..................................................................047

3.1 Da teoria contratual clássica ou liberal .................................................049 3.2 Da teoria contratual moderna ou social................................................061 3.3 Dos contratos no Código Civil de 2002 ................................................065

3.3.1 Das cláusulas gerais..........................................................................065

3.3.1.1 Da cláusula geral da autonomia privada .....................................066 3.3.1.2 Da cláusula geral do respeito à ordem pública ..........................068 3.3.1.3 Da cláusula geral da função social do contrato ..........................070 3.3.1.4 Da cláusula geral da boa-fé objetiva ............................................080

3.4 Artigos do Código Civil que tratam especificamente da intervenção do judiciário nos contratos ................................................094

3.4.1 Algumas contradições existentes no Novo Código Civil e as formas de solução das questões delas decorrentes ....................097

3.4.1.1 Os artigos 478, 479 e 317 do Código Civil – As teorias da onerosidade excessiva e da imprevisão no Novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor..............................098

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3.4.1.2 A anulação do negócio jurídico por lesão ...................................107

3.5 Breves considerações sobre o direito intertemporal. A aplicação do Código Civil aos contratos firmados anteriormente a 2003 .........109

3.6 Dos contratos de consumo antes e após a promulgação do Código Civil de 2002................................................................................113

3.7 Considerações sobre a intervenção “ex officio” ..................................115

3.7.1 Das matérias de ordem pública no Código de Defesa do Consumidor .........................................................................................123

4 DA INTERVENÇÃO DO JUIZ (COMO REPRESENTANTE DO ESTADO) NOS CONTRATOS – CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PROCESSUAL...............................................................................................126

4.1 A classificação das ações.......................................................................126

4.1.1 As sentenças proferidas em ação de conhecimento ....................128

4.1.1.1 As sentenças determinativas ........................................................135

4.2 Instrumentos processuais que permitem a intervenção do juiz........140

4.2.1 Ações de revisão de cláusula contratual........................................143 4.2.2 Ações relativas às cláusulas abusivas ...........................................148

4.2.2.1 Da possibilidade da revisão das cláusulas abusivas ................152 4.2.2.2 O reconhecimento da nulidade da cláusula contratual, a

ação declaratória incidental e a coisa julgada............................160

4.2.2.2.1 Questão argüida por meio de ação declaratória incidental.....................................................................................161

4.2.2.2.2 Questão reconhecida, no dispositivo, de ofício pelo juiz........162 4.2.2.2.3 Questão alegada na inicial como causa de pedir ou

em contestação e decidida como fundamento da decisão ou questão não alegada e não decidida.................163

4.2.3 Das ações coletivas ...........................................................................169

4.2.3.1 Do microssistema das ações coletivas ........................................169 4.2.3.2 Do objeto das ações coletivas ......................................................170 4.2.3.3 Das ações coletivas para revisão de cláusulas contratuais.....175 4.2.3.4 Da legitimação ativa nas ações coletivas....................................178 4.2.3.5 Da coisa julgada nas ações coletivas ..........................................184 4.2.3.6 Algumas considerações sobre o compromisso de

ajustamento de conduta e o inquérito civil..................................188

5 CONCLUSÃO.................................................................................................192

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................197

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RESUMO

A teoria contratual passou, nos últimos anos, por uma profunda

transformação, motivada, principalmente, pela migração do pensamento

liberal, predominante quando da edição do Código Civil de 1916, para o

pensamento social.

Esta evolução, que já se fazia sentir na Constituição Federal e em

alguns ordenamentos, como o Código de Defesa do Consumidor, adquiriu

um enfoque especial com a edição do Código Civil de 2002.

Além de consagrar, de forma definitiva, a teoria contratual moderna ou

social, o Código Civil de 2002, utilizando-se de métodos como as cláusulas

gerais e os conceitos indeterminados, conferiu um maior poder ao

magistrado para, inclusive, intervir nos contratos.

Por meio do presente trabalho, objetivamos estudar os atuais

contornos da teoria contratual moderna, tal como foi consagrada pelo Código

Civil de 2002, com a previsão expressa das cláusulas gerais da boa-fé

objetiva e da função social do contrato, bem como analisar as formas de

intervenção do juiz nos contratos.

Concluimos que realmente esta intervenção é possível, inclusive, com

o objetivo de integrar o contrato, sempre objetivando a sua manutenção à

sua rescisão.

Analisamos, também os métodos utilizados pelos magistrados, tanto

com relação às ações individuais, tanto no tocante às lides coletivas.

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ABSTRACT

Contractual theory has undergone significant changes over the last

years, mainly due to a shift from the liberal imprint of the 1916 Civil Code to a

more socially-oriented perspective. This change, already noticeable in the

1988 Federal Constitution and in some statutes, such as the Consumer

Code, grew more acute after the enactment of the 2002 Civil Code. Apart

from incorporating the modern social contractual theory, using methods such

as those of general clauses and indeterminate concepts, it gave judges more

latitude to interfere in contracts. This thesis aims at examining aspects of

modern contractual theory, as it appears in the Civil Code (expressed in a

number of general provisions v.g. good faith; social function of contracts), as

well as at analyzing the available forms for judicial intervention in contracts. It

suggests that such judicial intervention is not only possible but even

desirable mainly as a tool to prevent the contract from being unnecessarily

terminated.

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1 INTRODUÇÃO

A edição do Código Civil de 2002 constituiu um importante marco no

direito pátrio, principalmente em razão dos valores e princípios por ele

consagrados, como os da justiça social1 e da solidariedade2.

Esses princípios e valores já vinham, há muito tempo sendo

incorporados pelo nosso direito em leis especiais, como a lei de locações, a

lei de condomínios e incorporações imobiliárias e, mais modernamente, o

Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e

o Estatuto do Idoso, entre outros. Todavia, ao serem adotados pelo Código

Civil, lei que regula a maior parte das relações sociais e que está,

inevitavelmente, presente na vida de todos os cidadãos, adquiriram eles

especial relevância.

Entretanto, se a adoção desses princ ípios e valores constitui-se em

relevante avanço que não pode e nem deve ser ignorado ou menosprezado,

a sua simples previsão em lei mostra-se inócua ou, até mesmo, perigosa.

1 Consta da própria exposição de motivos do Anteprojeto do Código a preocupação social

do Código Civil de 2002: “Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente, reconhecendo-se cada vez mais que o direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo”.

2 NERY, Rosa Maria Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no sistema do direito privado. In NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Revista de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 17, jan/mar, 2004, p. 70. “É no princípio da solidariedade que devemos buscar inspiração para a vocação social do direito, para identificação do sentido prático do que seja funcionalização dos direitos e para a compreensão do que pode ser considerado parificação e pacificação social”.

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Faz-se necessária a real compreensão de seu significado, para fazer

com que passem a ser efetiva e corretamente aplicados. Esta necessidade

torna-se ainda mais imperiosa em razão da moderna técnica de codificação

escolhida pelo legislador brasileiro, consistente na adoção das cláusulas

gerais, dos princípios gerais do direito e dos conceitos indeterminados.

Se por um lado estes mecanismos conferem maior mobilidade ao

sistema, mantendo-o sempre atualizado, por outro lado, conferem um poder

muito maior ao julgador a quem cabe o preenchimento do conteúdo das

normas.

A aplicação do Código Civil tal como foi idealizado, portanto, depende

da divulgação e do estudo dos valores por ele trazidos; mas que, infelizmente,

ainda são ignorados por muitos juristas e aplicadores do direito, que insistem

em balizar o seu pensamento nos mesmos valores individualistas decorrentes

do liberalismo econômico que pautavam o Código Civil de 1916 e que tinham

a autonomia da vontade como princípio fundamental.

Complementarmente, até mesmo em decorrência da técnica

legislativa utilizada, a aplicação equivocada do Código Civil pode resultar em

grandes prejuízos a toda a sociedade, principalmente em razão da

insegurança jurídica daí decorrente. Dada a sua importância e as

conseqüências que a insegurança jurídica pode trazer, este tema tem sido

objeto de debate também fora dos meios jurídicos.

O Jornal “O Estado de São Paulo” publicou, no dia 30 de setembro de

2006, no setor “Notas e Informações”, um artigo intitulado “Insegurança

Jurídica”, no qual se discutia, “até que ponto podem os juízes invocar a

função social do contrato, um princípio jurídico consagrado pelo Código Civil

que entrou em vigor há três anos, para julgar um litígio, obrigar uma das

partes a arcar com obrigações que não foram previstas no acordo livremente

firmado com a outra parte? Ao aplicar o Código de Defesa do Consumidor,

pode um magistrado tomar decisões sem levar em conta o impacto

econômico que elas terão na saúde financeira das empresas? Em suma,

qual é o limite da discricionariedade dos juízes na interpretação das leis e

dos códigos?”

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Por meio do presente estudo pretendemos dissertar sobre esses

valores e princípios trazidos pelo Novo Código Civil, e, em especial, sobre

sua aplicação ao direito dos contratos.

Para tanto, dividimos o trabalho em três (3) partes.

Da primeira há um breve estudo sobre a forma de codificação adotada

pelo legislador brasileiro na edição do Código Civil de 2002 e os

mecanismos a ela inerentes (princípios, cláusulas gerais e conceitos

indeterminados).

Em seguida, passamos à análise da teoria contratual. Fizemos um

estudo dos princípios inerentes à teoria contratual clássica (ou liberal) e

demonstramos a sua evolução até a teoria contratual moderna (ou social).

Com base nos princípios e valores consagrados por esta última, estudamos

os dispositivos do Código Civil de 2002 relativos aos contratos, expondo as

virtudes deste ordenamento e alguns pontos que, em nosso entendimento,

contradizem a sistemática adotada pelo legislador. Fizemos também uma

breve comparação entre a teoria contratual adotada pelo Código de Defesa

do Consumidor e pelo Código Civil de 2002.

Por fim, tecemos algumas considerações sobre as implicações que a

teoria contratual moderna e a forma de codificação aberta trouxeram ao

processo civil. Analisamos os casos nos quais o Estado, por meio do

Judiciário, pode intervir nos contratos e a forma como ocorre esta

intervenção, seja em ações individuais ou em ações coletivas, bem como a

extensão dos poderes atribuídos ao julgador.

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2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA

DOS SISTEMAS DE CODIFICAÇÃO – SISTEMAS

ABERTOS, FECHADOS, MÓVEIS E IMÓVEIS

2.1 O conceito de sistema

“Sistema” é usualmente definido pelas ciências como um conjunto de

conhecimentos e/ou conceitos ordenados de um ponto de vista unitário.

Suas características principais são, portanto, a unidade e a ordenação. Nas

palavras de Bobbio3, “sistema” (é) uma totalidade ordenada, um conjunto de

entes entre os quais existe uma certa ordem.”

Além dessas duas qualificações comumente adotadas, várias outras

características específicas da Ciência do Direito foram sendo

paulatinamente, apontadas por diversos doutrinadores com o intuito de

formular uma definição de sistema jurídico. Com isso, formularam-se muitos

conceitos de sistema jurídico, de conteúdos distintos entre si.

Canaris, por exemplo, recorre a várias “teorias do sistema”: o sistema

lógico-formal, que inclui o sistema da jurisprudência de conceitos4 e o sistema

axiomático-dedutivo5, o sistema como conexão de problemas, relações da vida

ou ordem teleológica. Em seguida, conclui que o sistema jurídico deve ser

entendido como uma ordem teleológica de princípios gerais do Direito.

3 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4ª ed. Brasília: Unb, 1999, p. 71. 4 Tem como base o positivismo e a idéia de que o Direito é formado com fundamento na

matemática e na ciência. Segundo este pensamento, a unidade interna de sentido do Direito que opera o erguer em um sistema não corresponde a uma derivação da idéia de justiça de tipo lógico, mas antes do tipo valorativo ou axiológico.

5 Pressupõe que todas as proposições válidas se deixem deduzir de axiomas, através de uma dedução puramente lógico formal.

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Bobbio, por sua vez, após discorrer sobre a teoria dos sistemas

estáticos e dinâmicos de Kelsen - para Kelsen6, o sistema jurídico seria um

sistema estático - discorda desta teoria, argumentando que o sistema

estático não necessariamente pressupõe a coerência das normas (visto que

é essencialmente formal) e conclui:

“a existência de um sistema normativo também não significa que se saiba exatamente que tipo de sistema é esse. O “termo” sistema é um daqueles termos muito significativos, que cada um usa conforme suas próprias conveniências”7.

Em seguida, cita as “teorias dos sistemas” mencionando: a) o sistema

dedutivo, b) a jurisprudência sistemática, e; c) o sistema como a inexistência

de normas incompatíveis.

Embora Bobbio adote 8 esta última teoria, ele reconhece a

impossibilidade de um ordenamento jurídico9 sem nenhuma antinomia e

defende que a existência de antinomias é um defeito que o intérprete

tende a eliminar. Segundo este autor, a inexistência de antinomias não é

condição de validade das normas, mesmo sendo condição de justiça e de

ordem do ordenamento (ou seja, uma necessidade). O raciocínio de

Bobbio parece-nos um tanto contraditório, uma vez que ele próprio

defende a existência do ordenamento e a necessidade de ordem como

uma de suas características essenciais e, no entanto, afirma a

inexistência da ordem (dado que sempre existem contradições) em tal

ordenamento .

6 Segundo Kelsen existem dois tipos de sistemas de normas: o sistema estático, no qual

o conteúdo de todas as normas já estão contidos na norma pressuposta e dela decorrem (daí porque não há incompatibilidade entre as normas) e o sistema dinâmico, no qual a norma fundamental é uma ordem jurídica e não uma norma material. O seu conteúdo não é imediatamente evidente (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 217-221.)

7 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 76-77. 8 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 92. 9 É importante notar que o próprio Bobbio reconhece que embora “indevidamente”, muitas

vezes ele se utiliza dos termos sistema e ordenamento como sinônimos (BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 75.).

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Maria Helena Diniz10 também argumenta que todo sistema pode e

deve alcançar uma coerência interna.

De qualquer forma, a análise de cada uma dessas teorias sobre os

conceitos dos sistemas é estranha ao objeto do presente estudo. Na

realidade, o que se pretende aqui é, considerando as características de

unidade e ordenação do sistema, demonstrar que a Ciência do Direito pode

e deve ser sistematizada, bem como apontar quais são os métodos à

disposição do legislador e do jurista para alcançar essa sistematização.

A possibilidade de sistematização do Direito resta cristalina. Basta

que se verifique a estrutura do Direito pátrio e estrangeiro para que se

chegue à conclusão de que a legislação, os princípios gerais e os valores

estão, de fato, na maioria das vezes, organizados em um todo unitário.

Existe, pelo menos na maior parte das sociedades organizadas, um

mecanismo que dispõe de saídas previsíveis para determinados conflitos

(não obstante a existência de lacunas e normas conflitantes, passíveis de

serem solucionadas pelos próprios mecanismos previstos pelo

ordenamento), o que faz com que impere, ao menos em tese, os princípios

da justiça e segurança social.

Antonio Menezes Cordeiro11 chega até mesmo a afirmar que somente

se pode falar em Direito em uma determinada sociedade, quando houver

referido mecanismo que suponha saídas previsíveis para determinados

conflitos. Isto porque, o Direito se assenta em relações estáveis, firmadas

entre fenômenos que se repetem.

A ordem, como foi dito, decorre da ausência de normas incompatíveis

(ou da existência de mecanismos previstos para sanar tais

incompatibilidades, na medida em que, como já mencionado, a total

coerência das normas, principalmente em um sistema complexo, pode ser

tida até mesmo como impossível).

10 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 6. 11 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução à edição portuguesa de

CANARIS, Claus-Wilhem, pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Carlouste Gulbekian, 1996, p. LXX - C.

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2.2 O desenvolvimento dos sistemas jurídicos e a sua classificação

O direito assumiu, pela primeira vez, uma ordenação (elemento

essencial para a caracterização do sistema), com o humanismo, na fase da

segunda recepção do Direito Romano 12.

Entretanto, de acordo com Maria Helena Diniz13 foi com a Revolução

Francesa e com a edição do Código de Napoleão14 que o direito passou a

ser visto como um sistema.

Novamente reportando-nos a Antonio Menezes Cordeiro15, convém

ressaltar que embora o Código de Napoleão seja, com freqüência,

assimilado a um diploma que reflete as intenções e idéias externadas na

revolução liberal e pela burguesia industrial nascente, essa visão é bastante

simplista. A codificação é, de fato, o ponto de chegada de uma evolução

complexa, que veio de encontro aos anseios políticos e sociais da época.

Em fins do século XIX, contudo, o domínio do Código de Napoleão

perdeu espaço, com a promulgação do Código Civil Alemão (BGB), que teve

sua base científica fundada no pandectismo. Os alemães

“foram levados a confeccionar todo um sistema civil: as proposições jurídicas singulares, os institutos, os princípios e a ordenação sistemática sofreram remodelações profundas, aperfeiçoando-se, evitando contradições e desarmonias e multiplicando o seu tecido regulativo de modo a colmatar lacunas”16.

12 Novamente Antonio Menezes Cordeiro explica que o Direito Privado Continental resulta

de três recepções sucessivas do Direito Romano: a recepção das universidades medievais, que se deu por meio das glosas e comentários, a recepção humanística e a recepção pandeística. O humanismo seria fundado em experiências empíricas e periféricas e consideraria o Direito Romano como elemento pré-dado, abrangente de uma base histórico-cultural de toda a elaboração posterior. Foi a recepção humanística que procurou sistematizar o direito, conforme já mencionado. E, a essa primeira sistematização se contrapôs a sistematização jus-racionalista, formulada com base do Discurso de Descartes, e, portanto, fundada em premissas centrais e racionais. Da síntese dessas duas, surge o fenômeno da terceira recepção, que é o sistema do pandeitismo (CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução... cit., p. LXXXVI.).

13 DINIZ, Maria Helena. Conflito...cit, p. 2. 14 Conforme será demonstrado adiante, a existência de uma legislação codificada não é

pressuposto para que o direito seja visto de forma sistemática. 15 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução...cit, p. LXXXVII. 16 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução...cit, p. XCIII.

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Não obstante, nem todas as sociedades optaram por codificar o seu

direito. Como exemplo, pode-se citar os países do “common law”17 que,

ainda hoje, fundam as suas decisões em entendimentos jurisprudenciais ou

em leis esparsas.

Isso fez com que alguns doutrinadores classificassem os sistemas

codificados como sistemas fechados e os sistemas baseados no “common

law” como sistemas abertos.

Esta classificação, contudo, não é pacificamente aceita. Canaris18

salienta que um sistema codificado pode ser aberto, na medida em que se

entenda a abertura como possibilidade de modificação e evolução em razão

da não completude do conhecimento. E, para que se verifique se o sistema é

ou não aberto ele propõe que se estude, separadamente, o sistema

científico19 e o objetivo 20. Neste ponto, sendo o conhecimento científico

incompleto e provisório, o sistema científico seria sempre aberto. Essas

possíveis alterações no sistema científico levam à necessidade de

alterações que podem ser feitas pelo legislador, pelo direito consuetudinário

e pelos princípios gerais do direito, também no sistema objetivo que,

portanto, também deve ser aberto.

Os ensinamentos de José Eduardo Faria21, ao tratar o direito como

uma atividade crítica e especulativa, também apontam na mesma direção (a

possibilidade de um sistema positivo aberto), embora sejam um pouco mais

liberais: sustentam a abertura decorrente de um maior poder criativo a ser

conferido ao julgador.

Mas, um sistema aberto deve ser considerado um sistema móvel?

Embora muitas vezes essas expressões possam ser utilizadas como

17 Sistema jurídico que tem como base o estudo de casos. O “common law” é adotado

pela Grã Bretanha e por grande parte dos paises de língua inglesa. 18 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do

direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Carlouste Gulbekian, 1996, p. 103. 19 Assim entendido como o conhecimento e aplicação do direito. 20 O direito vigente. 21 FARIA, José Eduardo. Ordem legal X mudança social: crise do judiciário e a formação

do magistrado. In FARIA, José Eduardo (Coord.). Direito e justiça - A função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989, p. 103.

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sinônimas, Canaris22 novamente prefere distinguí-las. Para ele, o sistema

deve ser considerado móvel quando não houver nele hierarquia e previsões

normativas rígidas; ou seja, quando o juiz puder decidir segundo uma

discricionariedade orientada entre a prevalência de um elemento sobre o

outro, de acordo com o caso concreto.

Por vezes, o sistema móvel é também não codificado. É o que ocorre,

por exemplo, no sistema inglês, classificado por Bobbio23 como “tipicamente

flexível”, isto é, neste sistema

“o legislador ordinário pode legislar em qualquer matéria e em qualquer direção. Numa constituição tipicamente flexível como a inglesa, diz-se que o parlamento pode fazer tudo, menos transformar homem em mulher (que, como ação impossível, é por si só excluída das esferas reguláveis)”.

Entretanto, o sistema não precisa ser integralmente móvel ou

integralmente imóvel. Ele pode ser imóvel em sua essência, com alguns

pontos de mobilidade e vice-versa. É esta primeira situação, ainda segundo

Canaris, que ocorre no sistema alemão. Para exemplificar, cita como ponto

de mobilidade no sistema, o “princípio do tudo-ou-nada”, que permite que o

juiz fixe a indenização no caso concreto e também a utilização, pelo

legislador germânico, das cláusulas gerais24.

Nessa direção, pode-se afirmar, conforme será demonstrado a seguir,

que o legislador brasileiro tem, também, optado por esta forma “mista” de

sistematização, que compreende uma mistura do sistema móvel, com o

sistema imóvel e com as cláusulas gerais. Foi esta opção que prevaleceu na

edição do Código de Defesa do Consumidor, e, em um segundo momento,

do Código Civil de 2002, influenciando de forma decisiva o direito contratual, 22 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento...cit, p. 126. 23 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 55. 24 Vale notar que após fazer esta colocação, o autor faz uma ressalva no sentido de que o

sistema móvel, como originalmente concebido, se opõe às cláusulas gerais, que exigiriam um juízo de equidade. Na realidade, o que o sistema alemão propõe, segundo Canaris, é uma posição intermediária entre a formação rígida e as cláusulas gerais. No sistema móvel, o que se propõe não é uma norma carecida de valoração, mas uma norma que preveja vários elementos a serem valorados e aplicados em determinado caso concreto (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento... cit, p. 142-143.).

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com o aumento do “poder criativo do juiz”25 e da sua independência. Nessa

mesma linha, o sistema jurídico brasileiro seria, embora codificado, aberto,

por admitir mudanças em seu conteúdo.

2.3 O sistema adotado pelo Novo Código Civil – O sistema móvel e a

adoção das Cláusulas Gerais, dos Conceitos Indeterminados e dos

Princípios Gerais do Direito

Há algum tempo a doutrina tem apontado a impossibilidade de o

Direito alcançar a sua função maior – qual seja, a pacificação e justiça social

– por meio de normas rígidas e imutáveis.

José Eduardo Faria, em seu já citado artigo “Ordem legal X Mudança

social: a crise do Judiciário e a formação do Magistrado”26, escreveu, em

1989, que a massificação da sociedade, a desigualdade social e o aumento

de poder das camadas mais pobres estavam a exigir uma mudança no

ordenamento jurídico, que conferisse um maior poder ao julgador, de modo

que ele pudesse tomar decisões justas e eficazes.

A discussão é, contudo, mais antiga. Tanto assim que nas Diretrizes

Fundamentais do AnteProjeto do Código Civil datado de maio de 1972 e

apresentado pelo Professor Alfredo Buzaid, consta:

“O que se tem em vista é, em suma, uma estrutura normativa concreta, isto é, destituída de qualquer apego a meros valores formais abstratos. Esse objetivo de concretude impõe soluções que deixam larga margem de ação ao juiz e à doutrina, com freqüente apelo a valores como os da boa-fé, equidade, probidade, finalidade social do direito, equivalência de prestações, etc., o que talvez não seja do agrado dos partidários de uma concepção mecânica ou naturalística do Direito, o qual, todavia, é incompatível com leis rígidas do tipo físico-matemático. A exigência de concreção surge exatamente da contigência insuperável dessa adequação criadora dos modelos jurídicos aos fatos sociais ‘in fieri’”.

25 Sobre este assunto especificamente trataremos no item 2.3.1 infra. 26 FARIA, José Eduardo. Ordem...cit, p. 107.

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Esta questão também ganhou relevo em outros âmbitos do direito,

como por exemplo, o processo civil, conforme ensinamentos de Teresa

Arruda Alvim Wambier 27.

Na França, já em 1930, Georges Ripert28, em sua premiada obra “A

Regra Moral nas Obrigações Civis”, advogava a necessidade de

flexibilização da lei com o objetivo de propiciar o desenvolvimento do direito

e julgamentos mais justos.

De qualquer forma, em se tratando de Código Civil – a grande

codificação responsável pela regulamentação da maior parte das relações

sociais - logicamente a discussão assume maior relevância e repercussão.

Ademais, a massificação da sociedade, mencionada por José

Eduardo Faria, o seu rápido progresso e a dificuldade inegável do

legislador para atender às constantes demandas de atualização do

ordenamento jurídico, deram maior peso à teoria da impossibilidade de se

editar um código da importância do Código Civil, com descrições precisas

de todas as situações e suas conseqüências, de modo a formar um

sistema imóvel.

Essas dificuldades colocaram em questão, inclusive, a viabilidade

da edição de um Código Civil, como bem observou Carin Prediger29 em

artigo intitulado “A noção de sistema no direito privado e o Código Civil

como eixo central”. Segundo a autora, apesar da oposição de alguns

doutrinadores à codificação do direito civil, o legislador optou por essa

modalidade, orientando o Código Civil no sentido de um código central,

que regula as relações jurídicas mais estáveis, formando uma “lei privada

básica”.

Essa opção tornou-se flagrante em razão da técnica moderna

escolhida pelo legislador e que, como dito, objetiva conferir maior mobilidade

27 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São Paulo

Revista dos Tribunais, 2006, p. 162. 28 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Osório de Oliveira (Trad.) São

Paulo: Saraiva. 1937, p. 405. 29 PREDIGER, Carin. A noção de sistema no direito privado e o código civil como eixo

central. In COSTA, Judith Martins (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.169-170.

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ao sistema, que Jorge Tosta 30 denominou de “judicialização do direito

privado”.

Os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery31

assinalam que a técnica utilizada pelo legislador consistiu basicamente na

utilização dos conceitos legais indeterminados e das cláusulas gerais que,

juntamente com os princípios gerais, tornam o sistema mais flexível, móvel. Mas,

o que seriam estes conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais?

a) os princípios gerais do direito

De acordo com Nelson Nery Junior32, os princípios gerais do

direito são regras de conduta não positivadas que auxiliam o juiz na

interpretação da norma ou do ato, bem como no preenchimento de

lacunas. Canaris33 aponta algumas características dos princípios que, ao

nosso ver, se coadunam com o conceito ora expresso. Para ele, os

princípios são valores fundamentais de determinado ordenamento que

podem ser contraditórios entre si e devem se complementar

mutuamente. Ademais, precisam de subprincípios e valorações para se

concretizarem.

Para ilustrar estas eventuais contradições e complementações

existentes entre os princípios, Canaris cita um caso que tem plena relação

com o trabalho ora desenvolvido. Para ele, as várias limitações do princípio

30 TOSTA, Jorge. Os poderes do juiz no novo código civil [Tese]. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 9. 31 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código civil anotado e legislação

processual extravagante, nota 5 ao artigo 1º do Código Civil, 2003, p.140. 32 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no código civil - Apontamentos gerais. In

FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo código civil. São Paulo: LTr, 2003., p. 406.

33 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento...cit, p. 88.

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da autonomia negocial34 resultam das considerações de princípios

contrários, como por exemplo , as limitações da liberdade de celebração, da

liberdade de estipulação e do dever de contratar em razão da necessidade

da observância de função social do contrato .

Bobbio35 também se refere a este caso em seu estudo sobre as

“antinomias aparentes” existentes no ordenamento, mencionando as

antinomias de princípios e exemplificando os valores da segurança e

liberdade como valores antinômicos. Ronald Dworkin36 vai além. Ao tratar

dos princípios (e da possibilidade de entendê-los como direito e de enumerá-

los) afirma que estes são controversos, que seu peso é de importância

fundamental, que eles são incontáveis e se transformam com tanta rapidez

que o início de nossa lista estaria obsoleto antes que chegássemos à

metade dela.

Aliás, também para Bobbio37, o princípio geral, para ser assim

considerado, não pode ser positivado. Isto porque a sua própria definição

(uma regra geral que objetiva facilitar a interpretação da norma e a solução

de lacunas) é incompatível com a sua positivação. A partir do momento em

que o princípio geral é positivado, ele passa a ser uma norma jurídica como

todas as outras e a lacuna deixa de existir.

34 Impõe-se aqui, ressaltar um eventual questionamento que poderia surgir: como foi

mencionado, segundo os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, os princípios gerais não podem ser positivados. Ao serem positivados, deixam de ser considerados princípios. E, o “princípio” da autonomia negocial foi, de fato, positivado pelo artigo 421 do Código Civil de 2002 (Art. 421: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato). Portanto, não poderia ser considerado um princípio, segundo estes doutrinadores. Embora reconhecendo a existência de divergência sobre o tema, entendemos que este exemplo, em razão da sua relevância e pertinência com o tema deste trabalho, deveria ser mencionado. Devemos dizer, no entanto, que ao nosso ver o posicionamento de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, neste ponto, apresenta uma falha. Afirmam os doutrinadores que os princípios, quando positivados, tornam-se cláusulas gerais. Nesta linha de raciocínio, as cláusulas gerais deveriam auxiliar o aplicador do direito no preenchimento das lacunas, por exemplo. Entretanto, por serem essas cláusulas carecidas de valoração, tal não ocorre. Aliás, para preenchimento das cláusulas o julgador, por vezes, como será adiante tratado, recorre ao princípio geral (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 12 ao artigo 1º do Código Civil, p.141.).

35 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 90. 36 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas Nelson Boeira. São

Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 70. 37 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 160.

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Essa posição, contudo, não é uníssona. Eros Grau38 salienta a

existência de princípios jur ídicos explícitos e implícitos e afirma que os

princípios implícitos, por sua vez, podem ser classificados em princípios

gerais de direito (isto é, de um determinado direito), que têm origem no

direito pressuposto ou são resultado de uma análise de um ou mais

preceitos constitucionais (coletados no direito posto). O direito posto é um

produto sociológico e, portanto, resultado do direito pressuposto.

Comparando-se essa classificação com aquela adotada por Nelson Nery

Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, é de se concluir que os princípios

gerais a que esses autores fazem referência são os princípios gerais de

direito mencionados por Eros Grau.

Maria Helena Diniz39 também reconhece a possibilidade da existência

de princípios contidos nas normas, como por exemplo o artigo 3º da Lei de

Introdução ao Código Civil40, embora afirme que a maioria dos princípios

está implícito no ordenamento.

José Augusto Delgado41 não apenas defende a possibilidade de

princípios explícitos, como também afirma categoricamente que o artigo

421 do Código Civil traz em seu conteúdo o princípio geral da função

social do contrato. Humberto Theodoro Junior42, Luciano Rodrigues

Machado43, Pedro Luiz Nigri Kurbhi 44 apontam no mesmo sentido, ao

38 Esse mesmo doutrinador, Eros Grau, salienta que os princípios são dotados de valores

que regulam a aplicação das demais normas. Enquanto as normas podem ter mais de uma interpretação, os princípios devem ter sempre a mesma (GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 134.).

39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 72.

40 “Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”. 41 DELGADO, José Augusto. O contrato no código civil e a sua função social. Revista

Jurídica, São Paulo, n. 322, 2004. 42 DELGADO, José Augusto. O contrato... cit., p. IX. 43 Em um segundo momento, este autor chama os princípios de cláusulas gerais.

(MACHADO, Luciano Rodrigues. A função social e a legitimação para a causa. In MAZZEI, Rodrigo (Coord). Questões Processuais no novo Código Civil. Vitória: Instituto Capixaba de Ensinos, 2006, p. 324.).

44 KURBHI, Pedro Luiz Nigri. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 129.

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afirmar que a evolução da teoria contratual fez com que a mesma fosse

acrescida de novos princípios: o da função social do contrato , da boa-fé

objetiva e do equilíbrio econômico45 para o primeiro; da função social do

contrato e da boa-fé objetiva para o segundo; e da equidade, boa-fé

objetiva, lealdade contratual e manutenção dos contratos firmados para o

último.

Aliás, os próprios Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria

de Andrade Nery46 salientam que o que chamam de cláusulas gerais é

o que uma parte da doutrina prefere denominar de princípios explícitos.

Para eles, assim como para Bobbio, esta classificação não faz sentido

na medida em que, no momento em que o princípio torna-se explícito,

ele assume a condição de norma, e deixa de ser regra de

interpretação.

Mas o que seriam as cláusulas gerais?

b) As cláusulas gerais

Nelson Nery Junior47 explica que as cláusulas gerais são formulações

genéricas e abstratas, contidas em lei, cujo conteúdo deverá ser preenchido

pelo juiz no caso concreto. As cláusulas gerais são, ademais, normas de

ordem pública48.

Vale notar que apesar do conteúdo abstrato das cláusulas gerais, elas

não podem ser confundidas com as lacunas.

45 Humberto Theodoro Junior define este princípio como sendo a proteção do contratante

contra a lesão e a onerosidade excessiva (THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 11). Ao nosso ver, este princípio poderia ser classificado como um sub-princípio da boa-fé objetiva.

46 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código...cit., p. 141. 47 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos...cit., p. 408. 48 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 143. Sobre este

assunto, serão tecidas considerações mais específicas no item 3.3.1.2 infra.

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Como foi dito, as lacunas existem em caso de falta de

regulamentação49. As cláusulas gerais, por sua vez, são normas expressas

no ordenamento que, por vontade do legislador, possuem um conteúdo

indeterminado. Aliás, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery, as cláusulas gerais representam a positivação dos

princípios gerais.

Tampouco há como se afirmar que o julgador deverá se utilizar dos

padrões estabelecidos pelo artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil

para supressão das lacunas (analogia, costumes e princípios gerais do

direito), a fim de preencher o conteúdo dessas cláusulas gerais. Este é,

também, o entendimento de Jorge Tosta50.

Canaris51 salienta que o juiz, freqüentemente, fará uso dos princípios

gerais para preencher o sentido de tais cláusulas. Este posicionamento, no

entanto, é no mínimo curioso ao se considerar a classificação adotada pelos

Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: sendo a

cláusula geral a concretização de um princípio geral, como o juiz pode se

utilizar do segundo para decidir sobre a primeira? Na realidade, o que o juiz

poderá fazer é, em uma interpretação sistemática, dar uma aplicação

conjugada à cláusula geral e ao princípio, assim como ele pode fazer com a

utilização de dois princípios.

Ao nosso ver, as cláusulas gerais conferem liberdade ao julgador para

preencher o seu conteúdo. Se quiser fazer uso de algum dos elementos

49 Segundo Bobbio, as lacunas podem ser classificadas em: a) impróprias ou ideológicas,

quando a situação é regulamentada por lei que, no entanto, não pode ser considerada a mais justa. Admitindo-se a interpretação “contra legem”, não há, nestes casos, como se falar em lacunas propriamente ditas, b) próprias, quando o sistema não oferece um meio de solução para os problemas que lhe são apresentados, cabendo esta solução ao intérprete, c) objetivas, quando decorrentes do desenvolvimento de uma sociedade e do surgimento de novas relações, e; d) subjetivas, quando decorrentes de ato atribuível ao próprio legislador, que podem ser, d1) involuntárias, decorrentes do descuido do legislador ou, d2) voluntárias, quando o legislador distribui apenas diretrizes, em razão da complexidade de determinada relação. Estas últimas, o próprio Bobbio afirma que “não são verdadeiras lacunas. Aqui, de fato, a integração do vazio, deixado de propósito, é confiado ao poder criativo do órgão hierarquicamente inferior” (BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 138-145). As cláusulas gerais, ao nosso ver, se consagram como essas lacunas subjetivas voluntárias, que não são verdadeiras lacunas.

50 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 79. 51 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento... cit., p. 123.

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previstos pela Lei de Introdução, poderá fazê-lo. Entretanto, não há nada

que o obrigue a agir neste sentido52. As possibilidades conferidas ao juiz

para preenchimento do conteúdo das cláusulas gerais serão mais

detalhadamente tratadas no item 4.1.1.1, ao analisarmos as sentenças

determinativas.

c) os conceitos legais indeterminados

Os conceitos indeterminados, ainda segundo Nelson Nery Junior e

Rosa Maria de Andrade Nery53, distinguem-se das cláusulas gerais, à

medida que , uma vez identificado pelo juiz o conteúdo do conceito

indeterminado, a lei já prevê a solução para aquele caso – hipótese na

qual os conceitos indeterminados se transmudam em conceitos 52 Em artigo, denominado “As sentenças determinativas e o juiz”, Graziela Marisa

Gonçalves salienta que: “Diante das situações que se afastam da tipificação legal e que exigem a interferência do Judiciário para que se alcance o equilíbrio nas relações, o juiz não se eximirá de decidir por lacuna ou por obscuridade da lei, já que deverá recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito (art. 126 do CPC) e às regras de experiência comum (art. 335 do CPC), que só serão utilizadas se não houver disposição expressa sobre o assunto.

Estes dispositivos vão ao encontro do estatuído nos artigos 4º e 5º da LICC, culminando este último com o fim último visado pela sentença: atender aos fins sociais e às exigências do bem comum. Como já exposto anteriormente, o julgador observará o caso concreto, mas também deverá levar em consideração a repercussão que sua decisão terá na sociedade, pois a sentença é a exteriorização do Poder que representa- o Judiciário. Daí a necessidade de buscar a justiça. Na dúvida quanto à melhor aplicação da lei, o juiz empregará a decisão que dignifique a pessoa humana, como manda a Carta Maior (art. 1º, III).

O Código Civil de 2002, por sua vez, possui uma estrutura que o mantém atual, facilitando a integração do julgador com as mudanças e complexidades sociais. Seu sistema propicia a interpretação e a aplicação da lei de forma a torná-la mais próxima dos conflitos, alcançando as soluções de forma mais justa.

Deve-se, portanto, solucionar as questões litigiosas a partir da análise conjunta do direito positivo, que é um sistema fechado, com as cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que formam o sistema aberto” (GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças determinativas e o juiz. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.100). Ousamos fazer duas observações em relação ao texto exposto. Em primeiro lugar, ratificamos a diferenciação entre lacunas e cláusulas gerais, também no tocante à forma de solução dessas duas figuras. Além disso, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados integram o sistema positivado, formando um sistema semi-aberto (ou semi-móvel, conforme classificação de Canaris antes citada). Não nos parece correto afirmar que o sistema positivo é um sistema fechado e as cláusulas gerais e conceitos indeterminados formam um sistema aberto. Aliás, Eros Roberto Grau, vai além, afirmando que mesmo os “princípios gerais de direito”, que estão implícitos no ordenamento, sendo fundados no direito pressuposto, fazem parte do direito positivo. (GRAU, Eros. Ensaio... cit., p. 142.).

53 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 141.

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determinados pela função. Esta distinção é igualmente aceita por Judith

Martins -Costa 54.

A previsão expressa da solução a ser dada ao caso concreto não

acontece, no entanto, com relação às cláusulas gerais que conferem amplos

poderes ao juiz. Aliás, é exatamente por isso que elas são passíveis de

críticas. De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,

as cláusulas gerais por

“conferirem certo grau de incerteza, dada a possibilidade de o juiz criar a norma pela determinação de conceitos, preenchendo o seu conteúdo com valores. Pode servir de pretexto para o recrudescimento de idéias, como instrumento de dominação por regimes totalitários ou pela economia capitalista extremada”55.

d) Algumas divergências doutrinárias sobre as distinções existentes

entre cláusulas gerais e conceitos indeterminados. Considerações gerais

sobre a existência de discricionariedade judicial.

Tal como ocorre com os princípios a doutrina também diverge no que

se refere a classificação e definição dos conceitos indeterminados e

cláusulas gerais, apesar do consenso entre grande parte dos doutrinadores

quanto ao fato de que a utilização desses métodos confere uma maior

mobilidade ao sistema e um maior poder ao aplicador do direito (ainda que,

conforme se demonstrará, não haja concordância quanto à existência de

discricionariedade judicial ou aos poderes criativos do juiz).

Tercio Sampaio Ferraz Jr.56 classifica os conceitos indeterminados em

a) normativos, que exigem uma valoração de comportamento, como “mulher

honesta”, “dignidade”, e; b) discricionários, que são os conceitos

indeterminados não relacionados ao comportamento , como, por exemplo,

repouso noturno e ruído excessivo.

54 COSTA. Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999, p. 327-328. 55 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit., p. 410. 56 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1980, p. 96.

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Para o doutrinador português Antonio Menezes Cordeiro57, o conceito

deve ser considerado como indeterminado sempre que for polissêmico,

vago, ambíguo, poroso ou vazio. Ou seja, sempre que não permitir a

comunicação vaga quanto ao seu conteúdo. Esse doutrinador não faz a

distinção tecida por Rosa Nery e Nelson Nery Junior no sentido de que para

ser considerado conceito indeterminado, a norma deve prever a

conseqüência jurídica resultante após o preenchimento do conceito. Para

ele, basta a indeterminação quanto ao seu conteúdo. Complementarmente,

sobre a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, salienta o

doutrinador que tais conceitos se tornam juridicamente atuantes mediante

sua complementação com valorações feitas pelo próprio juiz, caracterizando

assim uma decisão discricionária, orientada por vetores como a finalidade

que levou o ordenamento a prever a indeterminação. Desrespeitada essa

finalidade, está caracterizado o vício de desvio de poder.

Com relação às cláusulas gerais, define o doutrinador: “são

proposições jurídicas que em relação ao seu contexto normativo,

compreendem conceitos muito gerais e muito indeterminados, se relacionam

com previsões muito gerais ou sejam muito abastractas (...)”58.

Jorge Tosta59 também defende que as denominadas cláusulas gerais

seriam uma espécie do gênero conceitos jurídicos indeterminados.

Entretanto, este doutrinador discorda do posicionamento de Menezes

Cordeiro, acima transcrito, de que tal conteúdo seria preenchível pelo juiz no

exercício de sua função discricionária. Segundo sustenta , o preenchimento

dos conceitos indeterminados são assim classificados: a) conceitos de

vaguesa comum, preenchíveis com as máximas de experiência, e; b)

conceitos de vaguesa social60, preenchíveis com base em parâmetros das

morais e bons costumes, consiste em uma atividade interpretativa-integrativa

57 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra:

Almedina, 1997, p. 1180 -1184. 58 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé... cit., p. 1180 -1184. 59 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 57-58, 88. 60 De acordo com esta classificação a função social do contrato se enquadraria como uma

norma de tipo aberto de vaguesa socialmente típica.

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a ser feita pelo juiz com base nos princípios gerais do direito. Ou seja: cabe

ao juiz, em um primeiro momento, definir o conceito no caso concreto e,

posteriormente, subsumí-lo à hipótese legal.

Neste contexto, a discricionariedade judicial estaria restrita aos casos

em que: a) o juiz deve agir de acordo com os seus critérios de conveniência

e oportunidade, como por exemplo nas hipóteses do artigo 21 do Código

Civil, que prevê que o “juiz adotará providências” para fazer cessar eventual

violação à vida privada ou o artigo 29 também do Código Civil que deixa a

critério do juiz o momento adequado para converter os bens móveis em

imóveis ou em títulos garantidos pela União, ou; b) nas hipóteses em que lhe

é autorizado julgar com eqüidade, como no artigo 413 do Código Civil. Estas

normas, o autor denominou de normas abertas em sentido lato , em

contraposição às normas de tipo aberto em sentido vago acima citadas.

E Eros Grau61 vai mais além, negando a existência de conceitos

jurídicos indeterminados62. De acordo com esse estudioso, os conceitos

são abstratos e sobrevivem como abstração. São idéias universais, não

passiveis de indeterminação. Os conceitos tidos como indeterminados

seriam, portanto, noções, e não conceitos. E mais: o doutrinador chama a

atenção para o fato de que isto não é mera questão terminológica63.

Segundo seu entendimento , a aplicação dos conceitos indeterminados

ocorreria mediante a formulação de juízos de oportunidade64, de onde

61 GRAU, Eros. Ensaio... cit., p. 224. 62 Esta denominação é criticada pelos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery que afirmam preferir a expressão conceitos legais indeterminados, na medida em que a indeterminação se relaciona à norma e não à sua forma (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 13, p. 141).

63 Nas próprias palavras: “Esse entendimento será por certo contestado- o que, aliás, já ocorreu, no curso de debate em um congresso- sob o argumento de que estou apenas substituindo nomes (“conceitos jurídicos indeterminado” por “noção”). A mim me encanta a tranqüilidade e segurança dos gênios-para-si mesmos, donos de respostas para tudo, que disparam em qualquer situação ou circunstância, sem perda de tempo na prática de exercícios aos quais os antigos se dedicavam, a leitura e a reflexão” (GRAU, Eros. Ensaio... cit., p.228.).

64 Eros Grau, citando Forsthoff (1973, p. 17-18), salienta que: “Os parâmetros para tal preenchimento - quando se trata de conceito aberto por imprecisão - devem ser buscados na realidade, inclusive na consideração das concepções políticas predominantes, concepções essas, que variam conforme a atuação das forças sociais (GRAU, Eros. Ensaio... cit., p.226).

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decorreria a discricionariedade judicial, por ele negada. As noções, por

outro lado, seriam aplicadas mediante a formulação de juízos de

legalidade. Nesta linha de raciocínio, Eros Grau65 afirma que a

discricionariedade judicial propriamente dita não pode ser confundida com

a interpretação do direito, que exige “um agente capaz de raciocinar e,

portanto, não idiota” ou com o fato de a decisão, em determinada

instância, não poder mais ser anulada ou reformada por outro órgão

(como ocorre com as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal).

A discricionariedade judicial consistiria, portanto, no fato de o julgador não

estar vinculado a qualquer “standard” estabelecido por outra autoridade, o

que jamais ocorre, tendo em vista que, no mínimo, o julgador estará

vinculado aos princípios gerais de direito.

Ronald Dworkin66 também faz esta diferenciação entre a “capacidade

de julgar” e a discricionariedade judicial propriamente dita. Para ele, a

“capacidade de julgar” deve ser entendida como “discricionariedade judicial

em sentido fraco”. Também deve ser entendida como “discricionariedade

judicial em sentido fraco”, a discricionariedade assim qualificada pela

impossibilidade de revisão da decisão. A discricionariedade propriamente

dita somente existiria nos casos em que o juiz não está vinculado a nenhum

padrão.

Neste ponto, Dworkin discorda de Eros Grau, ao afirmar67 que

“o poder discricionário de um funcionário não significa que ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom senso e eqüidade, mas apenas que sua decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que temos em mente quando colocamos a questão do poder discricionário”.

Na verdade, não nos parece que os princípios gerais mencionados

por Eros Grau sejam controlados pela autoridade a que Dworkin faz menção.

65 GRAU, Eros. Ensaio... cit, p. 200. 66 DWORKIN, Ronald. Levando... cit., p. 51. 67 DWORKIN, Ronald. Levando... cit., p.53.

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Esta posição é veementemente contestada por Celso Antonio

Bandeira de Mello 68, para quem:

“a imprecisão, fluidez, indeterminação, a que se tem aludido, residem no próprio conceito, e não na palavra que os rotula (...). Não há palavra alguma (existente ou inventável) que possa conferir precisão às mesmas noções que estão abrigadas sob as vozes “urgente”, “interesse público”, “pobreza”, “velhice”, “relevante”, “gravidade”, “calvice” e quaisquer outras do gênero”.

Seguindo esta linha de raciocínio, o jurista conclui (embora esteja

tratando da discricionariedade administrativa que será a seguir mencionada),

que o preenchimento dos conceitos indeterminados faz, de fato, com que o

aplicador do direito exerça atividade discricionária.

Observe-se que nenhum dos doutrinadores acima defende que o juiz

estaria restrito aos limites da lei, o que, aliás, seria totalmente descabido

diante da atual concepção do direito. A divergência supra mencionada, seja

no tocante à definição da discricionariedade judicial, seja no tocante à

classificação dos conceitos indeterminados, cláusulas gerais e princípios

gerais do direito, ao nosso ver, refere-se mais a uma questão terminológica

do que de conteúdo.

Entretanto, também no tocante à extensão dos poderes conferidos ao

juiz, a doutrina e jurisprudência divergem. Novamente reportando-nos aos

ensinamentos de Jorge Tosta 69, nas hipóteses em que ao juiz são dadas

várias opções, apenas uma é a correta no caso concreto. Ou seja, ainda no

exercício do poder discricionário, o intérprete não teria liberdade. E mais, ele

chega a afirmar que este é um ponto que diferenciaria a discricionariedade

judicial da administrativa, na qual o intérprete sempre teria a opção de

escolha entre uma ou outra situação.

A este argumento, contrapõe-se aquele sustentado por Celso Antonio

Bandeira de Mello70 (parece-nos que com razão) tratando, da

68 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade judicial e controle

administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 21. 69 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 91. 70 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit., p. 42-43.

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discricionariedade administrativa71. Sustenta o autor, existirem hipóteses nas

quais é impossível que se encontre apenas uma decisão correta. Os

aplicadores do direito são seres humanos racionais. Nesta qualidade, cada

um é capaz de formar a sua própria idéia sobre determinada questão, sendo

inviável um consenso entre todos, em se tratando de exercício de função

discricionária. Tercio Sampaio Ferraz Jr.72 também defende a impossibilidade

de se encontrar uma única solução como sendo a correta.

Exemplo disso é a possibilidade de alteração de entendimentos

jurisprudenciais muitas vezes já pacificados. Ou seja, em determinado

momento, tinha-se como consenso que a melhor solução (ou a solução

“correta”) era uma e, em seguida, a melhor solução passou a ser outra. Não se

trata de hipótese rara na jurisprudência dos Tribunais e, muitas vezes, a

alteração de entendimento não vem acompanhada de uma alteração nos

costumes locais (que poderia justificá-la). A título de exemplo, podemos citar as

decisões que defendiam a possibilidade de o Tribunal conhecer de ofício de

cláusulas nulas, entendimento este modificado, conforme recente jurisprudência

71 Embora Jorge Tosta tenha sustentado que este seu posicionamento não teria

aplicabilidade com relação à discricionariedade administrativa, mas apenas no tocante à discricionariedade judicial, a argumentação tecida por Bandeira de Mello e acima exposta contrapõe-se à tese à levantada por Jorge Tosta (TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 71).

72 Nas palavras do doutrinador: “Na verdade, porém, a decisão jurídica ocorre em situações onde não há aquela simetria entre alternativas e conseqüências, sendo a decisão não um ato de escolha da ótima solução, mas uma opção pela alternativa que satisfaz os requisitos mínimos de aceitabilidade. Isto explica que o decididor tenha o seu ato regulado por princípios contraditórios de um ângulo estrito, mas conciliáveis se pensarmos no critério de satisfatoriedade” (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência... cit., p. 97.).

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que será a seguir referida73. Ou ainda em caso mais extremo, relativo à

responsabilidade de fiador em contrato de fiança: o Superior Tribunal de

Justiça, em um primeiro momento, entendeu pela responsabilidade do fiador

ainda após o decurso do prazo do contrato de locação, quando presente

cláusula no sentido de prorrogação da obrigação até a efetiva entrega de

chaves74. Em seguida, este entendimento foi alterado, sob o argumento de

73 As recentes decisões apontam no sentido da impossibilidade de reconhecimento de

ofício de cláusulas nulas. Neste sentido: 1) EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. REVISÃO DE OFÍCIO DO CONTRATO, PARA ANULAR AS CLÁUSULAS ABUSIVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DA 2ª SEÇÃO.

- Não é lícito ao STJ rever de ofício o contrato, para anular cláusulas consideradas abusivas com base no Art. 51, IV, do CDC (STJ, 2ª seção, Embargos de divergência 702.524/RS, Min. Rel. Nancy Andrighi; Relator para acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, j. 08.03.2006). As decisões mais antigas eram no sentido da possibilidade de revisão de ofício:

1) “Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Código de Defesa do Consumidor. A nulidade da cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada há de ser reconhecida, não só no plano do direito material, mas também no processual. Ineficaz será a proteção deferida com o reconhecimento de seus direitos, se a defesa em juízo pode ser sensivelmente prejudicada.

Hipótese em que o ajuizamento do processo no foro de eleição praticamente inviabiliza a defesa. Possibilidade de declaração, de ofício, da nulidade da cláusula em que se preestabeleceu o foro, bem como de que se decline da competência, ainda sem prévia provocação. (STJ, 2ª Seção, Conflito de competência 20969/MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 11/11/1998 - grifamos)”.

2) RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊ NCIA. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 458 E 535 DO CÓD. DE PROC. CIVIL NÃO CARACTERIZADA. CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. CABIMENTO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. ADMISSIBILIDADE. MULTA CONTRATUAL. VALIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA PELA TAXA REFERENCIAL. POSSIBILIDADE. MULTA POR EMBARGOS PROCRASTINATÓRIOS. SÚMULA 98/STJ.

I – Inexiste julgamento extra petita no reconhecimento da nulidade de cláusulas contratuais com base no Código de Defesa do Consumidor, mormente quando havia pedido de refazimento das contas da dívida.

II – Inocorre a alegada violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, eis que os temas foram devidamente analisados, não tendo o condão de macular a decisão, a ponto de anulá-la, o fato de não ter o tribunal encontrado a solução buscada pelo recorrente. A negativa de prestação jurisdicional nos embargos declaratórios só se configura quando, na apreciação do recurso, o tribunal de origem insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida e não foi, o que não corresponde à hipótese dos autos.

Recurso especial parcialmente provido (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 369069/RS, Min. Rel. Castro Filho, j. 25/11/2003).

74 Fiança. Renunciabilidade do direito a exoneração, respondendo o fiador pelas obrigações pactuadas até a desocupação do imóvel locado, é válida a cláusula mediante a qual renuncia ele ao direito de exonerar-se da fiança, ainda que a locação se tenha prorrogado por prazo indeterminado.

Recurso Especial conhecido pela alínea ''c'' do autorizativo constitucional e provido. (STJ, 4ª Turma, Recurso Especial 3821/RS, Min. Rel. Barros Monteiro, j. 04/12/1990, DJ

29.04.1991).

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que a fiança, como obrigação de favor, deveria ter interpretação restritiva 75.

Mais recentemente, alguns julgados retomaram o posicionamento inicial, no

sentido da responsabilização do fiador em havendo previsão contratual

expressa76.

Ronald Dworkin77 também reconhece a impossibilidade de se

estabelecer uma decisão como sendo a mais correta. Segundo o doutrinador

norte-americano, ao julgar, o juiz precisa emitir juízos sobre filosofia política

e moral que são inevitavelmente diferentes daqueles proferidos por outros

juízes.

75 CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO DE CONTRATO POR TEMPO

INDETERMINADO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. RESPONSABILIDADE DO GARANTE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 214/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Na fiança firmada em contrato de locação, o garante não responde pelas obrigações futuras que não anuiu, advindas após a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, sendo irrelevante cláusula contratual prevendo que estará obrigado até a entrega das chaves. Súmula 214/STJ. Precedentes.

2. O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente e no sentido mais favorável ao fiador. Destarte, a existência de cláusula genérica, na qual locatário e fiador outorgam mutuamente poderes para receberem citações, intimações e notificações judiciais e extrajudiciais, um em nome do outro, não supre a necessidade de anuência expressa do fiador quanto à eventual prorrogação de contrato de locação.

3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 5ª TURMA, Recurso Especial 712560/SP, Min.Rel. Arnaldo Esteves Lima,

18/08/2005- DJ 03.10.2005, p. 325). 76 CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO

DETERMINADO. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. EXONERAÇÃO DA FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. MORATÓRIA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. COMPENSAÇÃO DE VALORES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL TIDO POR VIOLADO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp

566.633/CE, firmou o entendimento de que, havendo, como no caso vertente, cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação destes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado.

2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ).

(...) Recurso Especial improvido. (STJ, 5ª TURMA, Recurso Especial 827047/SP; Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, j.

06/03/2007, DJ 19.03.2007 p. 389). 77 DWORKIN, Ronald. Levando... cit., p. 198.

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Em que pese a dificuldade de se estabelecer a correta decisão em

alguns casos, é inegável a necessidade de se tentar obter uma

uniformização da jurisprudência, inclusive com o objetivo de garantir

aplicabilidade ao princípio da igualdade. Ou seja, embora não se possa

garantir que a jurisprudência pacificada seja a correta (mesmo porque, como

já dito, ela está sujeita a modificações), deve-se primar por uma tentativa de

uniformização dos entendimentos nos Tribunais.

Passível, portanto, de crítica é a súmula 400 do Supremo Tribunal

Federal, segundo a qual: “Decisão que deu razoável interpretação à lei,

ainda que não seja a melhor, não autoriza Recurso Extraordinário pela letra

“a” do artigo 101, III da CF”. De qualquer forma, vale salientar que, embora

não tenha sido revogada, após o advento da Constituição de 1988 e em

razão da atual redação do seu artigo 105, III, “a” esta súmula deixou de ser

aplicada por parte da jurisprudência78. Tal entendimento não se estendeu,

contudo, à súmula 34379, que trata da ação rescisória e apresenta situação

análoga à da súmula 400. Vale mencionar, no entanto, que é entendimento

pacífico a não aplicação desta súmula 343 em caso de violação à

Constituição Federal. Complementarmente, merece menção o fato de que

embora de forma incipiente, percebe-se um movimento de parte da

jurisprudência para tentar relativizar o conteúdo da referida súmula. Em

78 Conforme entendimento de Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa: “A súmula 400

perdeu quase todo o seu prestígio e raramente é invocada no STJ para não conhecimento do Recurso Especial. Outrora, no STF, ela e as Súmulas 282 e 356, combinadas, constituíam obstáculos dificilmente ultrapassáveis para o conhecimento do recurso extraordinário (sem contar que, antes, em geral, o recorrente precisava vencer o óbice da argüição de relevância). “O enunciado n; 400 da Súmula do STF é incompatível com a teologia do sistema recursal introduzido pela Constituição de 1988 (STJ- 4ª TURMA, REsp 5.936-PR, rel. Ministro Sálvio Figueiredo, j. 4.6.91, deram provimento, v.u, DJU 7.10.91, p. 13.971). (...). (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor, 2006, nota 3 ao art. 255 do RISTJ, p.1932.).

79 “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. O extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo também tratou do assunto em sua súmula 3: “Descabe ajuizamento de ação rescisória quando fundado em nova adoção de interpretação do texto legal”, súmula esta igualmente passível de críticas por também violar o princípio da igualdade.

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julgamento de Agravo de Regimental 460.43980, ocorrido em 17 de agosto

de 2006, o Ministro Carlos Veloso, em bem fundamentado e elaborado voto

vencido, sustentou a inaplicabilidade da referida súmula em casos de

violação reflexa à Constituição Federal.

e) considerações sobre a discricionariedade administrativa

Neste contexto convém mencionar que a teoria da discricionariedade

judicial teve origem na teoria da discricionariedade administrativa criada para

justificar a liberdade conferida por lei ao administrador em determinados

casos pré-estabelecidos.

A discricionariedade administrativa consiste no poder81 conferido a

determinados agentes da administração para, no caso concreto: a)

preencher determinado conceito indeterminado; b) decidir se determinado

ato deve ou não deve ser praticado no caso concreto, o momento em que

ele deve ser praticado e a forma pela qual ele deve ser praticado, e; c)

decidir entre duas ou mais alternativas.

A discricionariedade judicial, a seu turno, consiste no poder

conferido aos magistrados para agir nos termos acima, ressalvadas as 80 CORREÇÃO MONETÁRIA DE CONTAS DO FGTS. AÇÃO RESCISÓRIA: APLICAÇÃO

DA SÚMULA 343. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO: ÂMBITO DE DEVOLUÇÃO. 1. Ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485), para rescindir decisão que condenara a autora a recompor perdas do FGTS com os denominados "expurgos inflacionários", liminarmente indeferida, por impossibilidade jurídica do pedido, com fundamento na Súmula 343 ("Não cabe ação rescisória, por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais"). 2. RE fundado na contrariedade aos artigos 5º, II, XXXV e XXXVI; 7º, III; e 22, VI, da Constituição, nenhum dos quais tem a ver com o problema da aplicabilidade, ou não, da Súmula 343, em matéria constitucional. 3. No julgamento do recurso extraordinário, ao menos no juízo preliminar de seu conhecimento, é incontroverso que o Supremo Tribunal há de circunscrever-se às questões constitucionais expressamente aventadas na sua interposição. 4. No tocante ao RE interposto na ação rescisória, particularmente, contra decisão que indefere a inicial, é da jurisprudência do Supremo Tribunal que o recorrente há de voltar-se contra as razões desse indeferimento; e não, às questões de mérito enfrentadas na decisão rescindenda (STF, Pleno, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 460.439/DF, Min. Rel. Carlos Veloso, j. 17/08/2006).

81 Com relação a este ponto, Celso Antonio Bandeira de Mello ensina que, muito embora se fale em poder discricionário, a discricionariedade é muito mais um dever do que um poder. Ao se conferir um poder discricionário a determinado agente da administração, objetiva-se, na realidade, que por meio deste poder ele realize uma determinada função, da qual ele é incumbido. Ou seja, ele tem o dever de exercer esta função. O poder discricionário é apenas um meio para desempenho desta função. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit., p. 15).

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discussões já mencionadas e que têm igual aplicação no âmbito da

discricionariedade administrativa no tocante ao preenchimento do

conceito legal indeterminado.

Ademais disto, em ambas as teorias o intérprete deve buscar, quando

possível, a conduta excelente objetivada pela norma82, de modo a cumprir a

sua função de boa administração.

É ai que se encontra, ao nosso ver, a principal distinção entre ambas

as discricionariedades. O administrador deve sempre buscar a melhor

conduta possível, sob pena de invalidade do ato, passível de controle

jurisdicional. Ou seja, se o administrador - perante duas opções objetivas

na qual uma é, objetivamente definida como melhor do que a outra-, optar

pela pior, o seu ato será passível de controle pela via jurisdicional. Em se

tratando apenas de uma questão de conveniência e oportunidade, o

Judiciário não poderá intervir, sob pena de violação ao princípio da

tripartição de poderes.

Em se tratando de ato de discricionariedade judicial, por sua vez, a

mesma será controlável pela possibilidade de revisão das decisões (por

meio de recursos) e pelo princípio da motivação das decisões judiciais.

Eventualmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei, a decisão

poderá ser atacada também por ação rescisória. Entretanto, a revisão será

sempre feita pelo próprio Poder Judiciário83.

Uma outra diferença interessante e que merece ser apontada

consiste no fato de que o órgão da administração pode agir, no exercício

de função discricionária em nome próprio, como parte interessada, o que

não acontece com o Judiciário que sempre exerce a função de terceiro

imparcial.

82 Deve-se deixar consignado que em alguns casos há real impossibilidade de se decidir

qual será a solução ideal. Nestes casos a discricionariedade realmente adquire um aspecto mais amplo e o Judiciário não poderá intervir na opção feita pela administração, conforme entendimentos de Celso Antonio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit, p.40).

83 LEITE, Luciano Ferreira. A discricionariedade administrativa e controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 40.

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f) o poder criativo do juiz

Paralelamente a esta discussão sobre a discricionariedade judicial

surge outra, relacionada ao poder criador do juiz. Graziela Marisa

Gonçalves84 afirma que ao preencher o conteúdo da lei, o juiz agirá com

discricionariedade, exercendo o seu poder criativo. Ronald Dworkin85

também afirma expressamente que a alguns “casos difíceis” seguem

situações novas, para as quais o juiz deve “criar o direito”. Soraya Regina

Gasparetto Lunardi86, por sua vez, mesmo reconhecendo que ao preencher

o conteúdo das normas o juiz age com poder discricionário, afirma que este

não se confunde com um suposto poder criador, para ela inexistente. A

doutrinadora sustenta a sua posição afirmando que os juízes formulam, ao

preencherem as normas, juízos de fato e não de valor. Daí a impossibilidade

de se afirmar que eles criam direito.

Embora reconhecendo a divergência existente na denominação que

se dá ao poder atribuído ao juiz, por uma opção de método, preferimos não

estudar esta a questão em profundidade. No presente trabalho, utilizaremos

indistintamente ambas as expressões (discricionaridade e poder criador)

para retratar os maiores poderes conferidos ao magistrado por meio do

Código Civil de 2002.

Em que pese a existência destes poderes também é importante

salientar que, não se trata de afirmar que o julgador passou a ter um poder

ilimitado. A discricionariedade não se confunde com a arbitrariedade. A

discricionariedade, como já dito, será sempre passível de controle por meio

dos recursos, ação rescisória e pelo princípio constitucional da motivação

dos atos e decisões.

84 GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças... cit., p. 94. 85 DWORKIN, Ronald. Levando... cit., p. 128. 86 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença determinativa re-conhecida. In

NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 155.

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2.3.1 Considerações finais sobre o sistema de codificação adotado

pelo Novo Código Civil

Vale reiterar que, acertadamente, parece-nos que grande parte da

doutrina afirma que a utilização dos conceitos indeterminados87 e das

cláusulas gerais confere um maior “poder criativo ao julgador” (novamente

ratificamos a existência de divergências com relação a esta denominação).

Aliás, deve-se exatamente a este poder a existência de diversas críticas à

técnica adotada.

É curioso notar que essa discussão não é nova: tanto assim que ao

final do século XIX, após as grandes codificações, quando se atribuía ao

Estado o monopólio da criação do Direito e vigorava o dogma da

completude, surgiu, em contraposição, a teoria da “Escola Livre do Direito”88,

que defendia uma maior liberdade ao seu aplicador89. Como leciona

Francesco Ferrara90, os defensores deste método foram acusados de querer

gerar uma situação de anarquia e insegurança jurídicas. Observe-se que

essas críticas coincidem com as formuladas por parte da doutrina atual com

87 Como bem assinalado por Celso Antonio Bandeira de Mello, a moderna doutrina alemã

tende a afirmar que os conceitos indeterminados somente teriam esta característica “in abstrato”. Perante o caso concreto, eles seriam sempre facilmente definíveis. Celso Antonio Bandeira de Mello critica esta doutrina, sob o argumento de que nem sempre isto ocorre. Os conceitos indeterminados podem permanecer fluidos perante o caso concreto (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit., p. 22.).

88 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 122. 89 Conforme salienta Francesco Ferrara, ao tratar também do tema da Escola Livre do

Direito, não havia consenso entre os doutrinadores sobre a amplitude da livre criação do direito: se devia ser aplicada apenas em casos de lacuna, como forma de interpretação lógica ou em ambos os casos, dispensando, inclusive, o juiz de motivar suas decisões. Há também os que defendem que se trata apenas de uma nova denominação dada à interpretação lógica do direito, divergências estas que, conforme se demonstrou, também existem atualmente no tocante à aplicação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados, ressalvadas as peculiaridades de cada caso (FERRARA, Francesco. Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis. Interpretação e aplicação das leis. ANDRADE, Manuel A Domingues (Trad.). Coimbra: Armênio Amado, 1987, p. 166-169.).

90 FERRARA, Francesco. Ensaio... cit., p. 167-174. O próprio Francesco Ferrara assume posição bastante conservadora e contrária a esta Escola ao afirmar que: “o juiz pode aplicar princípios da lei a casos novos, dar a princípios da lei um sentido novo, desde que não vá ao encontro de novas normas. (...) Os dois poderes são divididos e assim devem estar. Decerto, o juiz nem sempre pode dar satisfação às necessidades práticas, limitando-se a aplicar a lei; alguma vez se encontrará em momentos trágicos de se sentenciar em oposição ao seu sentimento pessoal de justiça e equidade, e de aplicar leis más (p. 173-174).

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relação às cláusulas gerais e conceitos indeterminados: o aumento da

discricionariedade judicial pode acarretar em um poder excessivo do juiz e

comprometer a segurança jurídica. Posteriormente, no início do século XX,

Carlos Maximiliano igualmente tratou do assunto 91.

Posição curiosa é a adotada por Antonio Junqueira de Azevedo92 que

critica a estrutura do Código Civil de 2002, não porque este supostamente

conferisse maiores poderes ao magistrado, mas sim porque ele teria surgido

já defasado. Segundo este doutrinador, o Código Civil de 2002 foi elaborado

sob o paradigma de que o juiz deveria ter um maior poder criador (em

contraposição à escola da exegese anteriormente citada). Entretanto,

segundo ele, o paradigma que vigora atualmente não é o de conferir maiores

poderes ao magistrado, mas sim o de retirar do Judiciário algumas questões,

com recursos à arbitragem e aos órgãos de classe específicos (como por

exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários, a OAB, o Conselho Regional

de Medicina). Ademais, o doutrinador também salienta que de nada valem

as cláusulas gerais sem que se dêem diretrizes para a sua aplicação, sob

pena de as cláusulas se transformarem em um jogo retórico. Segundo ele, o

Código Civil de 2002 não estabeleceu estas diretrizes.

Entendemos que o Código Civil trouxe uma série de inovações ao

direito civil. Os benefícios trazidos pela utilização das cláusulas gerais e já

91 Já no início do século XX, Carlos Maximiliano escreveu: “Quanto melhor souber a

jurisprudência adaptar o Direito vigente às circunstâncias mutáveis da vida, tanto menos necessário se tornará por em movimento a máquina de legislar. Até mesmo a máquina defeituosa pode atingir os seus fins, desde que seja inteligentemente aplicada.

(...) Com prescrever ao juiz, ora implícita, ora explicitamente (CC, antiga introdução, arts. 5º

e 7º, hoje 3º e 4º) que em determinados casos recorra à equidade, ou aos princípios gerais do direito, de certo modo o elevam às funções de legislador. O mal possível, daí resultante, seria menor do que o anterior, causado pela antiga prática de sobrestar no julgamento do feito e esperar, em França - pelo refere às câmaras, no Brasil- pela intervenção autêntica...

Antes o arbítrio regulado, circunspecto e tímido, de magistrados, sujeito à revisão por um tribunal superior, do que o apelo a um tribunal independente, político e mais ou menos apaixonado (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16,ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 61).

92 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de código civil (atualmente código aprovado) na questão da boa-fé objetiva nos contratos (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado com remissões ao novo código civil (Lei 10.406 de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2004,p. 155-157.).

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mencionados93 são maiores do que os prejuízos que podem ser causados

pela utilização de tal método (desde que a magistratura, em especial e toda

a comunidade jurídica, de forma geral, estejam bem preparadas). Aliás,

como bem ressaltou Jorge Tosta94, ainda sob a égide do Código Civil de

1916, tido como um sistema fechado, a criatividade do juiz não pode ser

impedida, mesmo que contra legem. Tanto é assim, que a jurisprudência

passou a reconhecer o direito de a companheira perceber alimentos e

receber a meação dos bens, por exemplo. Muito melhor, portanto, a situação

atual, na qual o poder criativo é claramente conferido ao magistrado, de

modo a viabilizar a adaptação da legislação ao progresso social. Este

posicionamento foi também adotado por Cláudio Luiz Bueno de Godoy95,

para quem:

“a segurança jurídica não está, exclusiva ou essencialmente na lei, na descrição de critérios normativos, porque sempre passíveis de interpretações diversas. (...) A segurança, nesses casos, o que garante é a necessidade de fundamentação das decisões do juiz e a possibilidade de sua revisão”.

Por outro lado, se a tendência atual é a da “fuga” do Judiciário, por

meio de recursos a órgãos de “justiça privada” devidamente

regulamentados, isto não impede que o Judiciário esteja aparelhado para

julgar os casos que lhe forem submetidos. A presença das cláusulas gerais,

princípios do direito e conceitos indeterminados não faz com que os

cidadãos, querendo, não possam recorrer às câmaras arbitrais ou aos

demais órgãos que, em cada caso específico, se utilizam do poder de

93 A edição do Novo Código Civil consistiu exatamente em uma resposta a parte da

doutrina que criticava o sistema fechado do Código Civil de 1916: Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr: “Um direito positivado, como é o atual, tende a estreitar, em nome do valor e da certeza e do predomínio da lei como fonte básica, o campo de atuação do intérprete, dando-lhe poucas condições para recorrer com eficiência a fatores extrapositivos, como os ideais de justiça, o sentimento eqüitativo, os princípios do Direito Natural” (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência... cit., p. 84.).

94 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 18. 95 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função social do contrato de acordo com o novo

código civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 191.

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decisão. Ademais disso, novamente reportando-nos aos ensinamentos de

Cláudio Luiz Bueno de Godoy96, em casos que envolvem partes em

condições extremamente desiguais (como as relações de consumo e

trabalhistas), as formas de mediação e arbitragem nem sempre alcançam a

justa composição, havendo imperiosa necessidade de atuação judicial.

Por fim, com relação às diretrizes, deve-se salientar que o Código

Civil, de fato, prevê diretrizes para interpretação das cláusulas gerais nele

previstas. Tanto assim que, por exemplo, nos termos do artigo 413, o juiz

pode reduzir eqüitativamente determinada penalidade, entendendo-a

excessiva. A questão que se impõe e que Antonio Junqueira de Azevedo

deixa sem resposta é: esses paradigmas serviriam para limitar a função dos

juizes? Eles somente poderiam agir nos casos expressamente previstos em

lei? Este é um dos pontos a ser debatido a seguir.

2.4 Algumas considerações sobre o Direito Alternativo

Conforme ensinamentos de Paulo Luiz Neto Lobo97, diferentes

escolas, correntes e tendências jurídicas atribuem às suas teses a

denominação de direito alternativo. Todas têm em comum a insatisfação

com o Direito estatal e a rejeição ao positivismo jurídico e jusnaturalismo

tradicional.

Referidas escolas podem ser assim classificadas da seguinte forma:

a) direito alternativo em sentido estrito , que baseando-se no pluralismo

jurídico, considera jurídicas emanações normativas reconhecidas da

comunidade (como os costumes); b) uso alternativo do direito, que parte de

normas jurídicas reconhecidas pelo Estado, aplicando-lhe uma função social.

Trata-se, na realidade, de um esforço de aplicação e hermenêutica, e; c)

crítica do direito total, que vê o direito como um obstáculo a ser removido na

luta de classes.

96 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 189. 97 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil alternativo. In CHAGAS, Silvio Donizete (Org.).

Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica. 1994, p. 11-20.

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No Brasil, a Escola do Direito Alternativo ganhou ênfase à época da

ditadura militar, principalmente no Rio Grande do Sul.

De acordo com os seguidores deste movimento, não se trata de

conferir poderes ilimitados ao juiz, que estaria sempre vinculado aos

princípios constitucionais; ou seja, de acordo com os próprios seguidores do

Direito Alternativo, este consiste de uma prática hermenêutica que, de

“alternativa”, efetivamente nada tem. Trata-se, em síntese, da crítica ao

positivismo e formalismo exacerbados.

Conforme ensinamentos de Luiz Vicente Cernicchiaro98: “O juiz

precisa tomar consciência de seu papel político; integrante de poder. Impõe-

se-lhe visão crítica. A lei é meio. O fim é o Direito. Reclama-se do

magistrado, quando o necessário, é ajustar a lei ao Direito”.

Segundo esta linha de raciocínio, parece-nos que o movimento do

Direito Alternativo acolhido e divulgado no Brasil mais se assemelha ao uso

alternativo do direito, mencionado por Paulo Luiz Neto Lobo99.

Vale salientar, de qualquer forma, que este uso “alternativo” do direito

encontra, inclusive, respaldo no ordenamento pátrio. Nelson Nery Junior100

afirma, com razão, que o que existe de real e concreto neste movimento é a

utilização dos instrumentos legais atribuídos ao magistrado com o objetivo

de tornar as normas menos rígidas. Tais mecanismos consistem na

possibilidade de o magistrado controlar a inconstitucionalidade das normas

no caso concreto , e de interpretar a lei com o objetivo de alcançar o seu fim

social, nos termos do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (e do

princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previsto).

Salienta o autor101 que esta realidade se distingue da encontrada na

Itália, por exemplo, onde os poderes do juiz são muito mais restritos do que

no Direito Brasileiro. Este fato fez com que teses contrárias ao direito

98 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito alternativo. Disponível em

<http://campus.fotuneciti.com/clemson/493/jus/m07-011.htm>. Acesso em 22 Out 2005. 99 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit,, p. 11-20. 100 NERY JUNIOR, Nelson, Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 151. 101 NERY JUNIOR, Nelson, Princípios ...cit., p. 151.

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alternativo, que afirmam que este viola o estado de direito, tenham surgido

no direito pátrio de forma descabida.

Aliás, como anotam os doutrinadores, desde sempre a jurisprudência

tem feito uso do direito alternativo. Arnoldo Wald 102, após discorrer sobre as

dificuldades encontradas pela jurisprudência brasileira em razão das

desigualdades existentes nas mais diversas regiões do país, conclui que tais

desigualdades fizeram surgir o Direito Alternativo facultando que, em alguns

casos, os Tribunais Superiores julgassem mais com base na eqüidade103 do

que no direito. José Fernando Vidal de Souza 104, sem fazer qualquer

menção ao direito alternativo (não obstante o seu artigo esteja em coletânea

sobre o tema), defende a aplicação do poder criativo do juiz e o recurso à

eqüidade como forma de se atingir a verdadeira Justiça.

Nelson Nery Jr.105 aponta como exemplo deste uso, o entendimento

de que o recibo de sinal é considerado justo título para fins de aquisição do

imóvel por usucapião ou a validade do compromisso de venda e compra

sem registro106. Paulo Luiz Neto Lobo107 também constata esta realidade,

apontando como exemplo a aceitação à tese da desconsideração da

personalidade jurídica (antes da sua positivação pelo Código de Defesa do

Consumidor e mais recentemente pelo Código Civil) e a aceitação da

sociedade de fato, também antes da sua positivação.

102 WALD, Arnoldo. O novo código civil e a evolução do regime jurídico dos contratos.

Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 130, 2003, p. 45.

103 Sobre a noção de eqüidade, faremos breves comentários no item 3.3.1.4, embora reconheçamos que um completo entendimento de seu alcance e de suas variantes exija um complexo e dedicado estudo ao tema.

104 SOUZA, José Fernando Vidal de. Justiça e eqüidade. In CHAGAS, Silvio Donizete (Org.). Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 120.

105 NERY JUNIOR, Nelson, Princípios ... cit., p. 151. 106 “(...) Detém o “gaveteiro” legitimidade ativa para postular em nome próprio a revisão

judicial das cláusulas contratuais, não importando a data em que foi celebrada a transferência, uma vez que de referidos negócios jurídicos decorrem direitos aos cessionários, que não podem ficar à margem de qualquer regulamentação. Não é viável que o Poder Judiciário ignore uma prática utilizada em larga escala e aceita pela sociedade em geral que, diariamente, centenas de pessoas celebram os chamados “contratos de gaveta” (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 755140/SC, Min. Rel. Gomes de Barros, DJ 29.06.05).

107 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit., p. 11-20.

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Visto deste modo, parece-nos que o Direito Alternativo foi, realmente,

acolhido pelo Novo Código Civil que previu de forma bastante evidente as

cláusulas gerais e, principalmente, foi elaborado com fundamento nos

princípios da socialidade, eticidade e operacionabilidade.

É interessante notar que ao concluir o seu artigo Direito Civil

Alternativo, Paulo Luiz Neto Lobo108 sustentou que a visão não conformista

do direito se deparava com três alternativas: a) o uso ao direito alternativo,

nos moldes acima expostos; b) o desenvolvimento crescente da regulação

de condutas por associações, câmaras de arbitragem e convenções

coletivas, ou; c) “a efetivação de novas leis editadas na direção

emancipadora e da cidadania participativa, de um direito material vincado

pela justiça social, para que o exercício desses direitos se torne realidade

crescente”.

Parece que com a edição do Código Civil de 2002, o legislador optou

pela terceira hipótese. Ou seja, o direito alternativo deixou de ser alternativo.

A busca da justiça social e da dignidade da pessoa humana passou a ser um

imperativo decorrente do próprio Código. Não obstante, vale lembrar o já

citado ensinamento de Antonio Junqueira109, no sentido de que a segunda

opção também têm sido posta em prática no ordenamento pátrio.

O curioso é que esta positivação dotada de normas abertas tenha

surgido justamente (mas não apenas) no ordenamento civil, o ramo do

direito mais refratário a mudanças e transformações, em razão da sua

tradição que remonta ao direito romano 110.

108 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit., p. 11-20. 109 ver item 2.3.1 supra sobre o assunto. 110 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit., p. 11-20.

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3 O DIREITO DOS CONTRATOS

Seguindo uma tendência presente também nos ordenamentos

alienígenas, a Constituição de 1988 abandonou, definitivamente , a dicotomia

existente entre direito público e direito privado, originária do Direito Romano

e, não somente tratou de normas estruturais do Estado como também de

vários assuntos concernentes ao direito privado111.

A Constituição de 1988, sob forte influência dos Direitos Coletivos da

segunda geração (socialidade e fraternidade), consagrou como seu princípio

basilar, o da dignidade da pessoa humana, fazendo com que parte da

doutrina passasse até mesmo a falar em direito civil constitucional112. Com

isso, o Direito Civil passou a ter que ser interpretado segundo a Constituição

Federal113.

Judith Martins-Costa 114 aponta que a Constituição pode regular o

direito privado de três formas: a) por meio de leis que podem ser específicas

ou se apresentarem sobre a forma de cláusulas gerais ou atos

111 SILVEIRA, Michele Costa da. As grandes metáforas da bipolaridade. In COSTA, Judith

Martins (Org). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48. Neste mesmo sentido COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos para uma visão abrangente da função social dos contratos. In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações - Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 45.

112 Rui Geraldo Camargo Vianna na apresentação da obra VIANNA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org). Temas atuais de direito civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 11. TARTUCE, Flavio, A função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 63.

113 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 63. 114 COSTA, Judith Martins. Mercado e solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé

nas relações de consumo. In COSTA, Judith (Org). A Reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 630.

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administrativos específicos; b) por meio de normas que impeçam ou limitem

a eficácia da norma infra-constitucional, ou; c) em caso de lacuna, pela via

da concreção, por meio de princípios.

O Código Civil de 2002, veio, por sua vez, consagrar os princípios da

eticidade115, operabilidade116 e socialidade117 trazendo figuras como a da

“função social” do contrato, da empresa, da propriedade, entre outras, todas

relacionadas, em última análise, ao princípio da dignidade humana.

Em síntese, o Código Civil de 2002 tornou mais concretos os

princípios constitucionais que ganharam ênfase com a Constituição de 1988,

conferindo maiores possibilidades de aplicação da Carta Maior. Neste

contexto, as alterações sofridas pelo direito real, empresarial e contratual

tornam-se inegáveis118.

Paulo Velten119 resume bem a influência do Novo Código Civil ao

direito empresarial, ao afirmar que:

“o novo sistema de direito privado (no qual a Constituição se insere, como visto alhures) sepulta com pá de cal a visão egoística e puramente econômica da empresa, conferindo-lhe uma nova concepção por um prisma sociológico, embora permaneça existindo quem sustente, por absurdo que pareça, que a função social da empresa é gerar lucros”.

115 Isto é, possibilidade de o aplicador do direito integrar a norma de forma ética. Segundo

ensinamentos de Miguel Reale, a eticidade se traduz no desapego ao formalismo e utilização das cláusulas gerais e conceitos indeterminados (REALE, Miguel. Visão geral do novo código civil. Revista de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 9, 2002, p.12.).

116 Segundo o qual as normas foram previstas da forma mais prática possível, de modo a facilitar a sua interpretação e aplicação, fazendo as devidas distinções entre institutos que outrora foram objeto de dúvidas (como por exemplo, prescrição e decadência) e, novamente, utilizando-se de recursos como as cláusulas gerais e conceitos indeterminados.

117 Consistente na prevalência dos princípios sociais sobre os individuais. 118 Esta posição não é unânime na doutrina. Flavio Tartuce afirma que o Código Civil

deveria ter melhor “descrito e explicado” os princípios constitucionais, de modo a conferir-lhes uma maior “concreção normativa”. Neste ponto, parece-nos que a discussão retorna a conveniência da utilização das cláusulas gerais, método adotado pelo legislador civilista e que é por nós apoiado. De qualquer forma, é inegável que o Código Civil consagrou os princípios sociais trazidos pela Constituição (TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 63.).

119 VELTEN, Paulo. Função social do contrato: cláusula limitadora da liberdade contratual. In NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 434.

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E, nesta linha, o doutrinador afirma, com acerto, que a nova lei de

falências é um exemplo de como esta função social das empresas pode ser

implementada. Isto é, com a nova visão do direito empresarial, obviamente,

o lucro continua sendo o objetivo imediato da empresa. Entretanto, tal

objetivo não pode mais ser exercido em prejuízo da sociedade.

Em outras palavras: a função social deve ser vista como uma vertente

dos princípios da sociabilidade e solidariedade humanas, consagrados pela

Constituição de 1988, e, em sentido amplo, como decorrência do princípio

da dignidade da pessoa, e o direito privado, como não poderia ser diferente,

deve ser interpretado em consonância com a Constituição Federal120.

Neste estudo, centraremos as atenções nas conseqüências trazidas

ao direito das obrigações e, mas especificamente, aos contratos,

conseqüências estas que se fizeram notar, principalmente, pela utilização

das cláusulas gerais abaixo referidas.

Antes, contudo, é necessário tecer algumas considerações gerais

sobre a teoria contratual.

3.1 Da teoria contratual clássica ou liberal

O pensamento liberal predominante nos séculos XVIII e XIX, a época

posterior à Revolução Francesa, era contrário a qualquer intervenção do

Estado na economia. O positivismo - como sistema fechado – ganhou força

nesse período, juntamente com o surgimento das grandes codificações,

sendo a primeira delas o Código de Napoleão121. Tratou-se da época do

surgimento do Estado Moderno e do nascimento do Judiciário como órgão

estatal, e do juiz – que devia julgar de acordo com as normas reconhecidas

pelo Estado – como funcionário deste 122.

120 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 107. 121 Conforme já mencionado no item 2.2 supra, a sistematização e codificação do Direito

não podem ser atribuídas às “intenções” da burguesia durante o período da Revolução Francesa. Trata-se de uma evolução complexa, datada da época dos comentaristas medievais, no primeiro fenômeno de recepção do Direito Romano.

122 Conforme entendimento consagrado pela escola da exegese (TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 12.).

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É desse contexto o resgate da teoria contratual clássica - já vigente

ao tempo do Império Romano 123, fundada no princípio básico que é o da

autonomia da vontade, apenas limitado pela ordem pública e pela lei.

Conforme ensinamentos de Jean Carbonnier124:

“Há de advertirse en todo caso que la autonomia de la voluntad no há implicado nunca un supuesto jurídico-legal de valor absoluto, pues inclusive el aserto filosofico vertido en 1804 solo se incorporó al Código Civil después de haberse atenuado restrictivamente”.

Não se trata, no entanto, de posição unânime. Artur Marques da Silva

Filho125 assinala que a partir do século XVIII a autonomia absoluta da

123 Nos dizeres de Caio Mario da Silva Pereira: “O Direito Romano, resumindo talvez

milênios de evolução da idéia contratual, já enunciara a regra, como caráter absoluto e irrefragável, de um postulado da sua vida social e política, fundada no mais extremado individualismo. O seu Código Decenviral proclamava com toda a rigidez que se tornava em direito aquilo que a língua exprimisse: “Cum nexum faciet mancipiumque, uti lingua nuncupassit ita ius esto”. Perdendo embora aquele sentido próprio do direito quiritário, a regra subsiste, não tão absoluta, mas verdadeira. O contrato obriga os contratantes. Lícito não lhes é arrependerem-se, lícito não é revogá-lo senão por consentimento mútuo, lícito não é ao juiz alterá-lo ainda que a pretexto de tornar as condições mais humanas para os contraentes (...) Foram as partes que acolheram os termos de sua vinculação, e assumiram todos os riscos. A elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação de princípio de eqüidade, salvo a intercorrência de causa adiante minudenciada”,... (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 4ª ed. vol. III. São Paulo: Forense 1978, p. 15-16.). Deve-se mencionar, no entanto, que este entendimento não é pacífico. Otavio Luiz Rodrigues Junior aponta indícios de que o Direito Romano aceitava a alteração das cláusulas pactuadas desde que tivesse havido alteração na situação existente por ocasião da contratação (teoria da imprevisão). Conclui-se, pois, que esta posição, adotada por Caio Mario da Silva Pereira e também por outros doutrinadores, tais como Paulo Carneiro Maia, Arnoldo Medeiros da Fonseca e Eduardo Espínola, fundada na suposta pobreza da expressão “rebus sic stantibus” é insustentável, (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos - Autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35-36). E mais: Cristiano Heineck Schmitt sustenta que a teoria da autonomia da vontade é proveniente do direito canônico, não do Romano (SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 40).

124 “Há de se advertir, em todo o caso, que a autonomia da vontade nunca consistiu em um pressuposto jurídico-legal de valor absoluto, pois, inclusive, a premissa filosófica de 1804 somente foi incorporada ao Código Civil depois de haver se atenuado restritivamente”: (tradução livre) (CARBONNIER, Jean. Derecho Civil- Tomo II - El derecho de las obligaciones y la situación contractual. Tradução da primeira edição francesa com notas sobre o direito espanhol de RUIZ, Manuel M. Zorrilla. Barcelona: Casa Editorial, 1960, p. 127).

125 SILVA FILHO, Arthur Marques da. Revisão judicial dos contratos. In BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Contornos atuais da teoria dos contratos . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 123.

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vontade passa a ser preponderante, sendo que tão somente em fins do

século XIX é que surgiram teorias contra o individualismo exagerado. Seja

de uma ou de outra forma, a verdade é que se existiam limites à autonomia

da vontade, quando das codificações individualistas, estas limitações eram

extremamente tímidas e raras.

Antonio Menezes Cordeiro126 chega a afirmar que os dois grandes

pilares do Código de Napoleão foram os seus artigos 544 e 1134/1; o

primeiro relativo à propriedade, e o segundo que dispõe que: “as

convenções legalmente formadas valem como lei para aqueles que a

fizeram...”. Esse doutrinador explica, ainda, que essas duas regras

apenas proclamaram com clareza o que já era bem conhecido no direito

anterior.

Além da autonomia da vontade127, foram também identificados outros

princípios tidos como corolários a este, a saber128:

a) a liberdade contratual – que englobaria tanto a liberdade de

contratar, consistente na faculdade de celebrar determinado contrato, como

também na liberdade contratual em sentido estrito, ou seja, a liberdade de se

126 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução... cit., p.LXXXIX. 127 Sobre a utilização da denominação autonomia da vontade e autonomia privada, convém

ressalvar que alguns doutrinadores preferem diferenciá-las, conforme se demonstrará mais adiante, no item 3.3.1.1. Entretanto, esta diferenciação não é uníssona, sendo que as expressões são, muitas vezes, utilizadas como sinônimas.

128 Os “princípios” acima mencionados são, na realidade, características dos contratos segundo a teoria contratual clássica. A adoção da denominação de todas ou algumas dessas características como princípios é divergente entre os doutrinadores. Apenas para exemplificar (sem criar polêmicas a respeito do assunto, que não constitui o objeto principal do presente trabalho): Segundo Fernando Noronha, “os dois princípios verdadeiramente essenciais, nata concepção, eram os da liberdade contratual e da viculatividade do acordado” (NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais (autonomia privada, boa-fé e justiça contratual) São Paulo: Saraiva, 1994, p. 43). Para Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Junior, a teoria da autonomia da vontade conduz a três princípios: a liberdade contratual, a força obrigatória do contrato e o efeito relativo do contrato (LYRA JUNIOR, Eduardo Messias Gonçalves. Os princípios do direito contratual. Revista de Direito Privado, v. 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.138). Ademais, seguindo a conceituação de Nelson Nery Junior exposta mais adiante no sentido de que as normas positivadas não constituem em princípios, o consensualismo não poderia ser visto como tal, na medida em que há norma expressa no sentido de que os atos jurídicos serão válidos se atenderam à forma prevista ou não defesa em lei.

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estabelecer o conteúdo do contrato 129. Nas palavras de Fernando

Noronha130, a liberdade contratual

“seria um somatório das várias liberdades”: a liberdade de contratar ou de deixar de contratar, a de eleger as pessoas com quem se contratar, a de determinar o contrato a ser celebrado, típico ou atípico, a de negociar o seu conteúdo e, por último, a de adotar a forma, verbal ou escrita, tida por mais conveniente e o da obrigatoriedade ou vinculatividade do contrato”.

O ensinamento de Pedro Luiz Nigro Kurbhi131 é também neste

sentido. Esse autor salienta ainda, que com a massificação da sociedade,

não apenas a liberdade contratual foi restringida, como também a liberdade

de contratar, em alguns casos, como, por exemplo, a que se refere aos

serviços públicos;

b) a obrigatoriedade do contrato, ou seja, a vinculação das partes

ao estipulado. Deste princípio surgiu a máxima “pacta sunt servanda”, ou

seja, o contrato faz lei entre as partes. Conforme ensinamentos de Otávio

Luiz Rodrigues Junior132, a autonomia da vontade tem como alvo o

momento da estipulação. O princípio da obrigatoriedade consiste: i) no

dever recíproco de observância do contrato pelas partes e sucessores; ii)

na intangibilidade e irretratabilidade do acordado, salvo mediante comum

acordo e a impossibilidade de intervenção judicial, e; iii) na

impossibilidade de o juiz rever o contrato, nos casos excepcionais de

129 Paulo Nalin ensina que liberdade de contratar, qualquer pessoa tem, desde que seja

capaz. A liberdade contratual é a liberdade para definir as cláusulas do contrato (NALIN, Paulo. A função social do contrato no futuro código civil brasileiro. In NERY JUNIOR, Nelson; NERY Rosa Maria de Andrade (Coord.). Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 12, 2002, p. 57.).

130 NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 43. 131 KURBHI, Pedro Luiz Nigri. A intervenção... cit., p. 126. 132 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão...cit., p. 22.

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nulidade, resolução ou rescisão133, hipóteses em que lhe caberia tão

somente declarar tais fatos.

c) o efeito relativo dos contratos, segundo o qual os contratos

firmados entre as partes não podem prejudicar ou beneficiar terceiros, e;

d) o consensualismo, que consiste na idéia de que a vinculação das

partes ao acordado dispensa qualquer formalidade.

É certo, contudo, que a teoria contratual clássica, nos moldes acima

referidos, foi logo influenciada pela necessidade cada vez mais crescente da

interferência do Estado, tendo, conseqüentemente, passado por algumas

adaptações.

O período pós-guerra culminou na crise do pensamento liberal e no

nascimento do estado social. Ademais, o desenvolvimento da sociedade, o

aumento populacional e a massificação das relações sociais fizeram com

que, paulatinamente, se percebesse a necessidade cada vez maior de

relativização da autonomia da vontade, por meio da ampliação do conceito

de ordem pública134.

A intervenção do Estado – seja por meio do legislativo, seja por meio

do judiciário – era uma necessidade inquestionável, principalmente nos

casos que envolviam partes em desigualdade de condições ou contratos não

negociados.

Por meio do legislativo, o Estado passou a intervir criando normas

para determinados tipos de contratos, como é o caso dos contratos de

locação e dos contratos de trabalho, tendência essa denominada de

dirigismo estatal (ou dirigismo contratual) tendo resultado na identificação de

133 Assim entendida como: 1) Extinção normal: execução do acordado; 2) Extinção anormal:

prestações não podem ou não devem ser satisfeitas por força de: a) fatos anteriores ou concomitantes a sua conclusão: nulidade ou anulabilidade: ausência de forma, agente capaz, objeto lícito ou vícios de consentimento e sociais, b) fatos posteriores: b.1) resolução - por inadimplemento. Se dá por declaração judicial e é inerente aos contratos bilaterais e comutativos. Pode ser culposa. É facultado à parte pedir a execução voluntária, b.2) Inexecução involuntária: caso fortuito ou força maior - sem responsabilidades, salvo nos casos de teoria do risco. Teorias: adimplemento defeituoso e inadimplemento substancial, c) resilição: distrato (bilateral) ou denúncia (unilateral).

134 Neste sentido, WALD, Arnoldo. Um direito para a nova economia: a evolução dos contratos e o código civil. In WALD, Arnaldo; et al. Direito e internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. e CARBONNIER, Jean. Derecho... cit., p. 127 e 131.

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um novo princípio básico dos contratos, qual seja, o princípio da supremacia

da ordem pública. Assim, o princípio da autonomia da vontade acabou por

ser parcialmente afetado.

Nas palavras de Caio Mario da Silva Pereira135:

“Esse princípio (da autonomia da vontade) não é absoluto e nem reflete a realidade social na sua plenitude. Por isso, dois aspectos da sua incidência devem ser encarados seriamente: um diz respeito às restrições trazidas pela sobrevalência da ordem pública e o outro vai dar no dirigismo contratual, que é a intervenção do Estado na economia do contrato”.

Os ensinamentos de Maria Helena Diniz136 tampouco divergem.

Segundo esta doutrinadora, a autonomia da vontade, entendida pelo

reconhecimento de que a capacidade do indivíduo lhe confere a faculdade

de agir conforme a sua vontade está entre os princípios basilares de todo o

ordenamento, juntamente com o da solidariedade social, que objetiva

conciliar os interesses individuais e coletivos. Esta doutrinadora cita,

também, as inúmeras normas que surgiram após 1916, derrogando em parte

o “pacta sunt servanda”.

135 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições... cit., p. 22-23. 136 DINIZ, Maria Helena. Curso… cit., p. 45.

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Sob essa linha de pensamento, muitos juristas137 passaram a

distinguir os princípios da autonomia privada e da autonomia da vontade: a

autonomia privada seria a faculdade de o particular manifestar a sua

vontade, desde que nos limites da lei. Teria, portanto, uma característica

objetiva. A autonomia da vontade, por sua vez, mais subjetiva, consistiria na

possibilidade de contratar a vontade, livre de vícios.

A partir desta distinção e com base nas considerações acima, pode-

se concluir que com o declínio do Estado Liberal, o princípio basilar do

direito dos contratos não seria o da autonomia da vontade, mas sim o da

autonomia privada, embora em um primeiro momento, o princípio da

autonomia privada tivesse características muito mais amplas do que tem

atualmente, conforme se demonstrará a seguir.

Novamente nos reportando aos ensinamentos de Otavio Luiz

Rodrigues Junior138, a autonomia privada, na sua função mais ortodoxa,

seria fundada nos seguintes princípios: a) a supremacia do interesse e

ordem públicos sobre os particulares; b) a colocação do negócio jurídico

como espécie normativa, porém, em caráter subalterno (ao contrário do que 137 De acordo com Luigi Ferri “Igualmente criticable me parece la opinión que prefiere

hablar de autonomia de la voluntad mejor que de autonomia privada. Las expresiones podrián parecer a primera vista sinônimas, pero no lo son. Quienes hablan de autonomia de la voluntad em realidad desconocen el problema mismo de la autonomia privada (problema que visto desde el ângulo subjetivo, se indentifica, como veremos em seguida, com la busqueda del fundamento de poder reconocido a los particulares de crear normas jurídicas) y dan relieve a la voluntad real o psicológica de los sujetos que, según esta oponion, es la raiz o la causa de los efectos jurídicos, en oposicion a quienes, por ele contrario, vem más bien en la declaracion o em la manifestacion de voluntad, como hecho objetivo, o em la ley, la fuente de los efectos jurídicos” (FERRI, Luigi. La autonomia privada. MENDIZABÁ, Luiz Sancho (Trad.). Madri: Editorial Revista de Derecho Madrid, 1969, p. 5-6.). Igualmente criticável parece-me a opinião dos que preferem a expressão autonomia da vontade à autonomia privada. As expressões não são sinônimas, embora aparentem ser, a primeira vista. Aqueles que falam em autonomia da vontade desconhecem o problema da autonomia privada (problema que visto do ângulo subjetivo, se identifica, como veremos, com a busca do fundamento do poder conferido aos particulares de criar normas jurídicas) e dão relevo à vontade real ou psicológica dos sujeitos que, segundo esta opinião, é a raiz ou a causa dos efeitos jurídicos, em oposição àqueles que, pelo contrário, vêem melhor a declaração ou a manifestação da vontade como feito objetivo, e na lei, a fonte dos efeitos jurídicos – tradução livre). Fernando Noronha (NORONHA, Fernando. O direito... cit., p.111-112) e Paulo Velten apontam no mesmo sentido. Este posicionamento, no entanto, não é pacífico (VELTEN, Paulo. Função... cit., p.416.), já tratando do Direito dos Contratos no Novo Código Civil e, em especial, de sua função social, insiste em apontar a autonomia da vontade como um de seus princípios basilares.

138 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão... cit., p. 27-28.

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ocorria com a autonomia da vontade que via o negócio jurídico como lei

privada); c) a limitação da autonomia privada pela lei, e; d) a autonomia

privada vista como um poder outorgado pelo Estado aos indivíduos.

Noberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”139,

datada de 1982, já falava da autonomia privada, mesmo reconhecendo que os

limites impostos pela lei à vontade de contratar eram, àquela época, bastante

reduzidos. Ao tratar da hierarquia existente no ordenamento jurídico e dos

limites formais e materiais estabelecidos entre as diversas normas, este jurista

afirma que na passagem da lei ordinária para o negócio jurídico, ou seja, para a

esfera da autonomia privada, predominavam os limites formais sobre os

materiais. Isto é: no tocante à autonomia privada o legislador preocupa-se muito

mais em regular a forma do que o conteúdo dos contratos. Apenas em algumas

situações excepcionais (como por exemplo ao tratar do testamento) é que o

legislador se preocupou com o conteúdo.

Com isso se conclui que o princípio do consensualismo foi

também de certo modo relativizado. Como forma de ordenar certas

regras de segurança, alguns contratos passaram a exigir determinadas

formalidades para a sua concretização (como é o caso da venda e

compra de imóveis que somente pode ser formalizada mediante

escritura pública ou do próprio testamento). São os limites formais,

mencionados por Bobbio.

O princípio da obrigatoriedade do contrato sofreu, igualmente,

algumas restrições em decorrência de pressões da realidade econômica e

social, pressões essas que resultaram na aceitação da teoria da imprevisão

139 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 57-58.

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e da resolução por onerosidade excessiva 140.

Mais uma vez, reportando-nos ao ensinamento de Caio Mario da Silva

Pereira141, percebemos que a referida teoria da imprevisão consistiu em uma

evolução da cláusula rebus sic stantibus, adotada na Idade Média142 e que,

em razão do individualismo exacerbado dos séculos XVIII e XIX, perdeu

prestígio, tendo sido resgatada após a Primeira Grande Guerra, que “trouxe

um completo desequilíbrio para todos os contratos a longo prazo”, embora

com grande resistência, seja da jurisprudência, seja dos doutrinadores.

Otavio Luiz Rodrigues Junior143 cita um julgado de 30 de março de

1916 (Compagnie Genereale d’Eclariage de Bordeaux X Ville de Bordeaux)

como marco do renascimento da cláusula “rebus sic stantibus” e menciona a

Lei Faillot, uma lei emergencial e transitória, editada durante a 1ª Guerra,

que previa a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por qualquer

140 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições... cit., p. 137-140, “Passada a fase do

esplendor individualista, que foi o século XIX, convenceu-se o jurista de que a economia do contrato não pode ser confiada ao puro jogo das competições particulares. Deixando de lado outros aspectos, e encarando o negócio contratual sob o de sua execução, verifica-se que, vinculadas as partes aos termos da avença, são muitas vezes levadas, pela força incoercível das circunstâncias externas, a situações de extrema injustiça, conduzindo o rigoroso cumprimento do obrigado ao enriquecimento de um e ao sacrifício de outro. Todo o contrato é previsão, e em todo o contrato há margem de oscilação do ganho e da perda, em termos que permitem o lucro ou o prejuízo. Ao direito não podem afetar essas vicissitudes, desde que constritas na margem do lícito. Mas, quando é ultrapassado um grau de razoabilidade, que o jogo da concorrência livre tolera, e é atingido o plano do desequilíbrio, não pode omitir-se o homem do direito, e deixar que em nome da ordem jurídica e por amor ao princípio da obrigatoriedade do contrato, um contratante leve o outro à ruína completa e extraia para si o máximo de benefício. Sentindo que este desequilíbrio na economia do contrato afeta o próprio conteúdo de juridicidade, entendeu que não deveria permitir a execução rija do tipo ajuste, quando a força das circunstâncias ambiente s viesse a criar um estado contrário ao princípio de justiça no contrato. E acordou de seu sono milenar um velho instituto que a desenvoltura individualista havia relegado ao abandono, elaborando então a tese da resolução do contrato por onerosidade excessiva da prestação”.

141 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições... cit., p. 137-140. 142 Conforme mencionado anteriormente, Otavio Luiz Rodrigues Junior aponta indícios da

existência desta cláusula no Direito Romano (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão... cit., p. 33.). Ademais, Carlos Alberto Bittar Filho defendem que a revisão do contrato teve suas raízes no Código de Hamurabi: “Se alguém tem débitos a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá, neste ano, dar o trigo ao credor, deverá modificar a sua tábua de contrato e não pagar juros por este ano” (BITTAR, Carlos Alberto. A teoria da imprevisão: evolução e contornos atuais. In BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Contornos atuais da teoria dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 95.).

143 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão... cit., p. 29.

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uma das partes ou a sua suspensão pelo juiz, como o primeiro marco

normativo francês (a Itália, antes disto, já havia expedido o Decreto Real nº

739/15) a possibilitar tal rescisão.

No Brasil, o primeiro julgado a adotar essa teoria144 - que até então

não possuía nenhum respaldo legal e era criticada por parte substancial da

doutrina - data de 1930, quando o magistrado Nelson Hungria reconheceu e

admitiu a intervenção no contrato por motivo superveniente em caso no qual

se discutia a pretensão de um promissário comprador a obrigar um

promissário vendedor a vender-lhe um imóvel que lhe tinha sido locado pelo

prazo de vinte anos. Isto porque, do contrato de locação constava cláusula

prevendo que, decorrido o prazo ajustado, o locatário poderia exercer a

opção de compra por preço já pré-definido. No entanto, isto tornou-se

irrisório, por ter desconsiderado a imprevisível valorização ocorrida na região

em que ele se situava 145.

O princípio dos efeitos relativos do contrato foi igualmente afetado,

por exemplo, pelos contratos coletivos (como os de trabalho e de

consumo146), e pela previsão da possibilidade de intervenção de terceiros

nos contratos já concluídos, como ocorre com a ação pauliana. E também

pelos contratos coligados, que, conforme classificação de Cláudio Luiz

Bueno de Godoy147, “o questionamento sobre relações jurídicas, porque

decorrentes de uma única operação global, far-se-á opondo pessoas que,

tomadas individualmente, não integram, necessariamente, um mesmo

contrato”.

144 Aliás, de uma análise do caso verifica-se que o julgador foi, inclusive, além. Ele não

adotou somente a teoria da imprevisão, mas, principalmente, a quebra da base objetiva do contrato: foi considerado, quando do julgamento, a intenção das partes por ocasião da contratação original.

145 PEREIRA, José Luciano Castilho. A teoria da imprevisão e os limites sociais do contrato no novo código civil. Implicações no direito do trabalho. In MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo código civil. São Paulo: LTr, 2003, p. 383-384.

146 Neste ponto, merecem especial destaque os artigos do Código de Defesa do Consumidor que tratam da responsabilidade por vício do produto e do serviço (artigos 18 e seguintes), prevendo a responsabilidade solidária GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 148-149.).

147 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 155.

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Aliás, nessa linha da relativização do princípio da autonomia privada,

em busca do reestabelecimento do equilíbrio nas relações contratuais e da

manutenção da ordem pública, foi editado o Código de Defesa do

Consumidor (Lei 8.078/90)148, “uma grande novidade legislativa”, que

“demonstra a sua preocupação com a ordem pública, mas também com o

interesse social”, “que se volta à defesa da parte mais fraca”, em busca da

“eqüidade”149, autorizando de forma expressa a intervenção do juiz nos

contratos de consumo, alterando a situação até então vigente na qual não

havia permissão expressa a esta intervenção.

Deve-se mencionar também que o Código de Defesa do Consumidor

antecedeu o Código Civil no seu caráter social, conforme se infere da

redação do seu artigo 1º, segundo a qual:

“O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inc. XXXII 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi 150 bem salientou que

com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, tanto o direito

privado material como o processual sofreram profundas modificações. No

campo do direito privado material, a autora mencionou, entre outras, a

previsão das nulidades de pleno direito, com a efetiva limitação da

autonomia da vontade.

Apesar de toda essa evolução, no entanto, é certo que a concepção

tradicional clássica continuou predominante - e ainda hoje é adotada por

doutrinadores e aplicadores do direito. Estes doutrinadores apenas

passaram a ver algumas limitações (a ordem pública e o dirigismo estatal)

ao princípio da autonomia “da vontade”, sem, no entanto, tirar do mesmo a

sua função de princípio basilar do direito contratual.

148 PEREIRA, José Luciano Castilho. A teoria, p. 386. 149 PEREIRA, José Luciano Castilho. A teoria, p. 386-387. 150 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade abusiva que incita a violência

[dissertação] São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997, p. 105.

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Em julgamento do Recurso de Apelação 720830-0/0 pelo Egrégio

Tribunal de Justiça de São Paulo, ocorrido em 04 de abril de 2006, de

relatoria do Excelentíssimo Desembargador Antonio Benedito Ribeiro Pinto,

no qual se discutia a responsabilidade da locatária pela conservação da

estrutura do imóvel, restou decidido que apesar de disposição legal, prevista

na Lei de Locações (uma lei de interesse social e ordem pública151) prever a

responsabilidade do locador, a responsabilidade do locatário é que deveria

prevalecer, por força de disposição contratual152.

Embora ao tratar de assunto diverso (a relação entre os direitos

fundamentais e o direito privado e a aplicação das normas constitucionais no

Direito Privado), Canaris153 bem notou esse fenômeno:

“Uma segunda genuína incumbência de protecção consiste em assegurar tão amplamente quanto possível que o acto de autonomia privada pelo qual se restringe um direito fundamental se baseia, não apenas formalmente, mas também materialmente, ou seja, facticamente, numa decisão livre da parte contratual afectada. Estamos, aqui, perante um problema elementar do direito dos contratos, desde sempre conhecido, sobre cuja pertinência e necessidade de solução, mesmo a partir de uma postura de fundo liberal, existe consenso, em princípio, desde há muito, pelo que também neste aspecto não existem objeções de princípio contra um recurso à função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela”.

151 “A nova lei do inquilinato - Lei 8245/91 - que introduziu modificações de caráter

substantivo e processual nas locações dos imóveis urbanos, é norma de ordem pública, de eficácia imediata e geral,... Alcançando as relações jurídicas estabelecidas antes da sua edição (STJ, Recurso Especial 126966/SP, Min. Rel. Vicente Leal, j. 25/03/1999).

152 “...É bem verdade que, por expressa disposição legal, o locador é obrigado a “manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel (Lei 8.245/91, artigo 22, inciso III), vale dizer, tanto na aparência quanto a estrutura. Entretanto, e aqui reside um ponto fulcral à justa composição da lide, há ajuste contratual (cláusula quinta) a obrigar a locatária por obras ou reparações necessárias no imóvel, na forma do “pacta sunt servanda”.

(...). A lição de Orlando Gomes: “O principal efeito do contrato é criar um vínculo jurídico entre as partes. Fonte das obrigações, é tamanha a força vinculante do contrato que se traduz, enfaticamente, dizendo-se que tem força de lei entre as partes”. “O contrato deve ser executado tal como se suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quem assume obrigação contratual tem de honrar a palavra empenhada e se conduzir pelo modo que se comprometeu” (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 161.) (TJ/SP, 25º Câm. D. Privado, Apelação 720830-0/0, Rel. Desemb. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, j. 04/04/2006).

153 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. SARLET, Ingo Wolfgang e PINTO, Paulo Mota (Trad.). Coimbra: Almedina, 2003, p.73.

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É chegada a hora de se alterar definitivamente essa concepção,

principalmente em razão do advento do Código Civil de 2002, adotando-se.

de forma ampla , a teoria moderna ou social.

3.2. Da teoria contratual moderna ou social

Como mencionado no item 3.1 acima, mesmo depois da entrada em

vigor do Código de Defesa do Consumidor - que trouxe uma nova roupagem

ao direito contratual - renomados doutrinadores, talvez até mesmo por

preconceito em razão do cunho social atribuído à legislação consumerista (e

agora também ao Código Civil de 2002), resistiram em aceitar essas novas

características do contrato154.

Fernando Noronha155 firmou-se de modo contrário a essa resistência.

Segundo ele, a teoria da vinculação do contrato tem como pressuposto a

premissa de que os interesses particulares contratados estão em harmonia com

o direito coletivo. Entretanto, não é possível conceber o contrato sem os demais

valores fundamentais da sociedade ocidental, que seriam a ordem e a justiça.

Portanto, a liberdade, no direito dos contratos, constituiria o “núcleo essencial”

do princípio da autonomia privada. A justiça, conforme o princípio da justiça

contratual e a ordem seriam a segurança decorrente do principio da boa-fé

contratual. São estes os três princípios básicos do direito dos contratos.

154 O caráter social do contrato foi bem percebido e explicado por Ronaldo Porto de

Macedo Jr.: “O Direito social é essencialmente contraditório e polêmico (no sentido etimológico dospolemos gregos). Não há apenas um direito, tal como pensado pela doutrina liberal, mas sim direitos, visto que não há apenas uma Norma, mas um regime de normalidades provisória e flexivelmente integradas. Daí ser costume dizer-se que estamos na era dos direitos e não na era do direito. (...) O Direito social não completa as lacunas do Direito Civil ou de qualquer outro ramo formal do Direito. Neste sentido, o direito do consumidor não é um complemento dos Direitos Comercial e Civil tradicionais. Ele formaliza de maneira explícita a nova racionalidade típica do Direito Social. Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o consumerismo brasileiro introduz o conflito no interior do Direito de maneira jamais tão radicalmente explicitada, ao menos no âmbito do Direito Privado nacional. Por fim, o acordo também pressupõe sacrifícios e concessões mútuas. (...) Contrato, no âmbito do Direito Social, refere-se não a uma categoria bem definida, mas a uma ordem contratual, à medida em que se alteram os princípios e regras de julgamento que determinam a experiência jurídica contratual” (MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 87.).

155 NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 99.

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Parece-nos que tem razão este jurista ao afirmar, ainda antes da

entrada em vigor do Novo Código Civil, que os princípios relativos ao direito

dos contratos já deviam ser vistos sob a ótica social. Ou seja, a autonomia

da vontade, que na teoria clássica assumia posição central, foi substituída

pela autonomia privada e passou a co-existir com os princípios da boa-fé e

da justiça contratual, em constante equilíbrio e permanente tensão.

A adoção da teoria contratual moderna antes mesmo da promulgação

do Novo Código Civil foi também compartilhada por Nelson Nery Junior156

que defendia a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do

Consumidor – de cunho social – a todos os contratos:

“O Código Civil regula as relações jurídicas civis, vale dizer, as relações entre as pessoas naturais e jurídicas entre si e em face das coisas que possam ser de sua titularidade (...). Isto não significa, entretanto, que não possa ser aplicado a outras relações jurídicas, distintas da relação jurídica civil e comercial. (...). Frise-se que a recíproca também é verdadeira, pois os preceitos, por exemplo, do CDC, podem ser aplicados às relações civis e comerciais. Aliás, o direito das relações de consumo tem sido o responsável pelos notáveis progressos por que tem passado o direito civil desde o início da segunda metade do século XX, como anota autorizada doutrina”.

Ronaldo Porto de Macedo Jr.157 igualmente defendeu essa tese ao

afirmar que com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor

tornou-se mais fácil o questionamento – que já havia surgido com os dois

projetos de Código Civil e adquirido intensidade com a promulgação da

Constituição Federal - dos princípios que dominaram a teoria contratual

clássica. Este também é o entendimento de Jorge Alberto Quadros de

Carvalho Silva 158 e de Rogério Ferraz Donini159 que, especificamente em

156 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit., p. 403. 157 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos... cit., p. 279. 158 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas abusivas no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25. 159 DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição federal e a concepção social do contrato. In

VIANNA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org). Temas atuais de direito civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 70.

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relação à boa-fé, ressalta-a como um princípio da teoria contratual clássica,

embora fosse “pouco aplicada” e “raramente lembrada”, entre outros.

Aliás, a teoria de Rogério Ferraz Donini160 vai ainda além. Este jurista

reconhecia, já na vigência do Código Civil de 1916, a possibilidade de o juiz

rever os contratos de modo a reestabelecer o equilíbrio entre as partes, o

que seria feito com fundamento na Constituição Federal, no artigo 5º da Lei

de Introdução ao Código Civil e artigo 29 do Código de Defesa do

Consumidor, que equipara a consumidor todas as pessoas expostas a

práticas abusivas, inclusive as contratuais.

De qualquer forma, parece-nos que com a entrada em vigor do

Código Civil de 2002, qualquer discussão sobre o fato da teoria clássica dos

contratos estar desatualizada restou superada – apesar da resistência, ainda

existente, como demonstrado acima – de parte da doutrina e da

jurisprudência.

Isto porque, conforme será analisado nos itens a seguir, os princípios

mencionados pelos doutrinadores adeptos da teoria contratual moderna

foram positivados, tendo passado a exercer a função de cláusulas gerais161.

Logicamente, assim como ocorre com os princípios inerentes à teoria

contratual clássica, na moderna também há dissenso entre os doutrinadores

acerca da “classificação” e da “denominação” de tais princípios e/ou

cláusulas gerais. Apesar disso, todos eles são unânimes sobre à essência

destes com relação à sua função social e de eqüidade.

Essa conclusão torna-se flagrante na análise da posição de Ronaldo

Porto Macedo Jr.162 que aponta o princípio do equilíbrio como o “novo

princípio imprescindível para a compreensão da racionalidade jurídica do

Direito Social”. Entretanto, o doutrinador demonstra que esse princípio baliza

pelos mesmos valores constantes das cláusulas gerais da função social do

160 DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição... cit., p. 78. 161 Destacamos que estarmos nos utilizando da classificação adotada por Rosa Maria de

Andrade Nery e Nelson Nery Jr. conforme item 2.3 supra. Reiteramos, contudo, que alguns doutrinadores ao se referirem às cláusulas gerais consagradas pelo ordenamento – como, por exemplo, a da boa-fé, denominam-nas princípios.

162 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos... cit., p. 89-96.

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contrato, da autonomia privada e da boa-fé objetiva, que serão a seguir

estudados. Segundo ele, as características principais do princípio do

equilíbrio seriam a justiça das relações contratuais, o fato de que o juízo do

equilíbrio deve ser flexível e adaptável às mudanças sociais e deve atender

à função social do contrato.

Conseqüentemente, a necessidade de adaptação da teoria contratual

clássica tornou-se inconteste 163. Ademais, dado a técnica legislativa utilizada

pelo referido ordenamento- com a utilização das cláusulas gerais, que, como

se viu, aumentou os poderes do juiz - essa necessidade tornou-se, também,

urgente.

É de se notar que como bem assinala Antonio Lordi164, a teoria

contratual moderna é uma tendência mundial que abrange tanto os paises

do “common law”165 como aqueles que adotam o civil law166, como é o caso

do Brasil. Assinala o referido doutrinador, inclusive, que em que pesem as

diferenças entre os dois sistemas, há necessidade de se estabelecer uma

teoria contratual global como forma de incentivar as relações internacionais

e propiciar maior segurança jurídica. O doutrinador assina , também, os

esforços da União Européia neste sentido. É o caso da diretiva 93 da União

Européia sobre os contratos de consumo, segundo a qual: “a cláusula não é

163 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit, p. 415-416: “Muda-se o perfil político ideológico

do Código Civil, de liberal (CC/1916) para social (CC 2002), com a utilização de técnica legislativa mista, principalmente com a adoção das cláusulas gerais, como são as da função social do contrato, a função social da empresa, a função social e ambiental da empresa e, por fim, a da boa-fé objetiva. Pode-se falar, com o nosso homenageado, em socialidade para caracterizar-se o perfil do novo Código Civil. (...) Em certa medida o sistema já exigia essa postura dos contratantes. Ocorre que na falta de disposição legal expressa, a submissão dos contratantes àqueles princípios gerais do contrato anotados pela doutrina e jurisprudência ainda era muito incipiente. Com a entrada em vigor do Código Civil, as regras tornaram-se expressas. Não há como negar-se a dar ao contrato a função social, observadas as demais cláusulas acima mencionadas, entre as quais avulta, pela sua importância e funcionalidade, a da boa-fé objetiva”.

164 LORDI, Antonio. Relazione sull’incontro buona fede. Equitá. Equity tunutosi il 5.5.1999 presso l’università Bocconi di Milano nell’ âmbito del seminário Autonomia Privata ed Equilíbrio Contrattuale. Disponível em <http://www.jus.unith.it/cardozo/Review/Contract/Lordi1>. Acesso em 27 mai 2007 e LORDI, Antonio. Toward a common Methodology in contract law. Disponível em: <http://www.ec.europa.eu/consumers. com>. Acesso em 27 mai 2007.

165 Sistema jurídico que tem como base o estudo de casos. O “common law” é adotado pela Grã Bretanha e por grande parte dos paises de língua inglesa.

166 Sistema jurídico fundado em normas escritas.

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justa quando contrária à boa-fé”167. No entanto, ele menciona a grande

resistência dos paises do “common law” em aceitar tal unificação,

principalmente em razão das diferenças conceituais existentes sobre a boa-

fé, e que serão abaixo referidas.

Carlos Ferreira de Almeida168 igualmente reconhece os esforços no

sentido de se unificar o direito contratual europeu. Este doutrinador refere,

inclusive, o interesse de alguns em se estabelecer um Código Civil europeu.

Entretanto, mostra-se menos confiante com relação a este cenário. Segundo

ele, a questão da unificação é eminentemente política e de difícil

concretização.

3.3 Dos contratos no Código Civil de 2002

3.3.1 Das cláusulas gerais

O título V do livro I da Parte Especial do Código Civil de 2002 (dos

contratos em geral) apresenta, logo de início, dois dispositivos (artigos 421 e

422) que contêm quatro cláusulas gerais e que, ao nosso ver, são de

fundamental importância para a compreensão do atual panorama do direito

dos contratos. São elas: a autonomia privada, a função social do contrato, a

boa-fé objetiva e a ordem pública.

Não pretendemos, neste estudo, tecer considerações detalhadas e

aprofundadas sobre cada uma destas cláusulas nem sobre as suas

conseqüências. A questão, interessante e complexa, merece por si só um

estudo específico.

O que tentaremos fazer a seguir é traçar considerações gerais sobre

cada uma das cláusulas, de modo a demonstrar como a teoria contratual

moderna foi acolhida pelo Novo Código Civil, bem como quais são as

conseqüências desse novo ordenamento. Para tanto, partiremos dos supra

mencionados artigos do Código Civil. 167 “A term is unfair if contrary to the requirement of good faith” (uma cláusula é injusta

quando contrária ao princípio da boa-fé - tradução livre). 168 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I - Conceito, fontes - Formação. Portugal:

Almedina, 2003, p. 58.

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66

Dispõe o artigo 421 do Código Civil que: “Art. 421. A liberdade de

contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Da leitura deste dispositivo, conforme ensinamentos de Nelson Nery

Jr e Rosa Maria de Andrade Nery169, é possível identificarmos três cláusulas

gerais nele presentes, a saber: a autonomia privada, a função social do

contrato e a ordem pública, esta última tida, conforme se demonstrará

adiante, como limite da autonomia privada. Note que estas cláusulas

constituem exatamente a positivação de dois dos princípios citados por

Fernando Noronha 170 antes da edição do Código Civil (autonomia privada e

justiça contratual).

3.3.1.1 Da cláusula geral da autonomia privada

Conforme mencionado anteriormente, a autonomia privada consiste

na possibilidade de o particular contratar, desde que nos limites da lei. Paulo

Velten171 a conceitua como uma “faculdade deferida pelo Estado ao

particular, de auto- regulamentar seus próprios interesses e negócios,

conforme sua liberdade contratual, nos limites da lei”. Também, neste

sentido, aponta Mario Julio de Almeida Costa172, complementando que a

boa-fé sobre a qual nos referiremos adiante, é um dos limites de tal

liberdade.

A presença da cláusula geral da autonomia privada no artigo 421 do

Código Civil torna-se inquestionável, na medida em que este dispositivo

prevê a “liberdade de contratar em razão e nos limites da função social do

contrato”.

A propósito, com relação a este ponto, é de se salientar que embora o

legislador tenha se referido à liberdade de contratar (a qual, conforme

169 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código... cit., nota 2 ao artigo

422, p. 335. 170 NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 43. 171 VELTEN, Paulo. Função... cit., p. 411. 172 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito das obrigações. 9ª ed. Coimbra: Almedina,

2004, p .97.

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mencionado anteriormente, no item 3.1 supra, consiste em apenas uma das

vertentes da liberdade contratual), a melhor interpretação, sem sombra de

dúvidas, é a que entende o dispositivo como se referindo amplamente a

todas as vertentes da liberdade contratual.

Em outras palavras: a análise do referido dispositivo vem apenas

corroborar a teoria contratual moderna acima mencionada, segundo a qual

liberdade contratual não é retirada dos cidadãos (e nem poderia ser, por

decorrer do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana).

Entretanto, essa autonomia é limitada pela função social do contrato 173 que é

a segunda cláusula geral.

Há quem defenda174 que a função social do contrato é a razão de ser

da liberdade contratual, ou seja, a liberdade contratual somente existiria em

razão de sua função social. De qualquer forma, a redação dada ao artigo 421,

segundo o qual a liberdade de contratar será exercida “em razão da função

social do contrato” é objeto de críticas por parte da doutrina 175, para quem não

se pode limitar a autonomia privada desta forma, deixando a critério do

intérprete a definição sobre o que é a função social do contrato, sob pena de

se passar dos abusos do individualismo à opressão do estatalismo.

Manifestando-se contrariamente a estas críticas, Arnoldo Wald176 conclui que:

173 Antonio Manuel da Rocha Menezes e Cordeiro adota uma posição curiosa a respeito da

função social: “Não há, pois, que falar em função social e econômica dos direitos ou outras posições jurídicas, mas antes que apurar, face a cada situação, até onde vai o espaço de liberdade concedido pela ordem jurídica, utilizando, para tanto, todas as dimensões da interpretação (...) A referência à função social e econômica do direito constitui, deste modo, uma relíquia da Ciência Jurídica francesa, tendo actuado quando, sob o império de um exegetismo intenso, não era possível retirar das normas , que estabelecessem direitos, mais do que níveis permissivos imediatos. E mais, complementa o autor que: “A tese aqui defendida da inexistência, como princípio dispositivo, de uma função social e econômica, não impede a sua presença como factor de política legislativa, enquanto regras de solidariedade social, guarnecidas, muitas vezes, a nível constitucional, devem levar o intérprete, aplicador a, aquando da ponderação de situações singulares, ter em conta os efeitos dos exercícios individuais, nas suas projecções sociais e econômicas” (CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé... cit., p. 1232.).

174 SOARES, Renzo Gama. Breves comentários sobre a função social dos contratos. In NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 451.

175 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p.197. 176 WALD, Arnoldo. O novo... cit., p. 49.

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a) o legislador não afirmou que a função social é a única exercida pelo

contrato, que obviamente exerce também uma função econômica, b) a função

social é aquela que o contrato exerce na sociedade e abrange todos os seus

aspectos (técnico, econômico e social), que serão a seguir tratados.

3.3.1.2 Da cláusula geral do respeito à ordem pública

Como já dito, o desenvolvimento da teoria contratual moderna fez

com que a autonomia da vontade, fosse, gradativamente, limitada pela

ordem pública (que, conseqüentemente, foi tendo o seu conteúdo cada vez

mais ampliado, inclusive para abranger noções econômicas).

Trata-se, na realidade, do princípio do respeito à ordem pública (ou à

cláusula geral, definida por Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery

Junior177), que não se confunde com as normas de ordem pública, conforme

distinção pouco mencionada na doutrina, mas bem observada por Antonio

Junqueira de Azevedo178.

Segundo o autor:

“Evidentemente, quanto a esse outro conceito do “bando dos quatro”179, a ordem pública - um tipo de situação da qual se fala tanto - há, é claro, normas de ordem pública, são as cogentes. Estas continuam, sem problemas. O problema real do conceito indeterminado de ordem pública existe quando se fala em “princípio de ordem pública” e não em “regra” de ordem pública. A regra de ordem pública é a cogente, mas quando se fala em princípio, aí não há definição e a tendência hoje é recusar este emprego vago. Na verdade, deve-se também fazer a distinção entre a ordem pública de direção, que era aquela econômica, própria da primeira metade do século- e a ordem pública de proteção às pessoas mais fracas- que se reflete em muitas normas cogentes. A ordem pública de direção, encarada como princípio, deve hoje ser limitada à dignidade humana”.

177 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit, p. 335. 178 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências... cit., p. 157.). 179 Nome utilizado pelo autor para se referir aos quatro princípios do direito contratual

moderno: ordem pública, função social, boa-fé e interesse público.

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Renzo Gama Soares180 também afirma que a ordem pública é um

princípio limitador da autonomia privada. Para Humberto Theodoro Junior181,

a ordem pública é um conceito indeterminado e aberto, relativo a princípios

que informam o ordenamento jurídico e sobre os quais as partes e o

Judiciário não têm disponibilidade.

Parece-nos que todos estes conceitos se referem ao princípio da

ordem pública como limitador da autonomia privada, que não se confunde

com as normas de ordem pública tratadas, por exemplo, pelo artigo 2.035,

parágrafo único182 do Código Civil e que serão a seguir estudadas.

Esta distinção, contudo, está longe de ser pacífica. Ruy Rosado de

Aguiar Júnior183 afirma que a ordem pública que está no artigo 2.049,

parágrafo único do Projeto (artigo 2.035 parágrafo único do Código Civil

aprovado) é uma cláusula geral com a qual se faz: a) a classificação das

leis, ou, b) a avaliação das cláusulas contratuais.

Flavio Tartuce184 afirma ainda, que de acordo com o “princípio da

ordem pública”, o contrato não pode trazer preceitos em conflito com a

moral, com os bons costumes e com as normas de ordem pública, caso da

função social do contrato. Apesar de fazer esta menção à moral e aos bons

costumes, ele conclui que o princípio da supremacia da ordem pública

estaria “mais relacionado com as normas de direito público”.

A exata delimitação do conceito de ordem pública neste caso é de

extrema importância e tem relação direta com a questão dos poderes

conferidos ao juiz para intervenção do contrato, que será mais adiante tratada.

Deve-se salientar, no entanto, que apesar de toda a evolução da

teoria do contrato, não há como negar que a regra é a de que ele deverá ser

180 SOARES, Renzo Gama. Breves... cit., p. 450. 181 THEODORO JUNIOR, Humberto. Homologação de sentença estrangeira. Ofensa à

ordem pública. Revista do Advogado - AASP, ano XXVI, Nov/2006, p. 76-77. 182 Art. 2035, parágrafo único: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de

ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e do contrato”.

183 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto de código civil - As obrigações e os contratos. Revista dos Tribunais, v. 775, maio, 2000. p. 24.

184 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 148-153.

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cumprido. As hipóteses de revisão dos contratos ou de sua rescisão, embora

mais freqüentes do que outrora, continuam sendo exceção. Flavio Tatuce185

afirma, com certa razão, que esta conclusão pode ser inferida dos artigos

389, 390 e 391 do Código Civil186.

Este doutrinador chega a criticar o Código Civil brasileiro por não

conter disposição expressa no sentido de que o contrato faz lei entre as

partes, a exemplo do que ocorre nas legislações portuguesa187, italiana188,

espanhola189 e argentina190, por exemplo.

3.3.1.3 Da cláusula geral da função social do contrato

Paulo Velten191 ensina, com propriedade, que a função social não é uma

figura própria das ciências jurídicas. Relaciona-se, com efeito, a todas as

ciências, na medida em que todas buscam a verdade, tendo como destinatário

o ser humano, que somente se realiza plenamente em sociedade.

185 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 154. 186 Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros

e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor. 187 CC, Artigo 406, I. Este mesmo dispositivo admite exceções à regra do “pacta sunt

servanda”, em razão de acordo entre as partes ou da vontade da lei. Mario Julio de Almeida Costa salienta que esta alteração pode decorrer de providências legislativas, vontade das partes ou intervenção judicial (COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 283.).

188 CC, Art. 1372 Efficacia del contratto. I l contratto ha forza di legge tra le parti. (Art. 187. Eficácia do contrato: O contrato faz

lei entre as partes - tradução livre). 189 CC, Art. 1.091. Las obligaciones que nacen de los contratos tienen fuerza de ley entre las partes

contratantes, y deben cumplirse al tenor de los mismos. (Art. 188, CC- As obrigações que nascem dos contratos tem força de lei entre as partes contratantes e devem cumprir o teor dos mesmos - tradução livre).

190 Art. 1197: “Las convenciones hechas em los contratos forman para las partes uma regla a la cual deben someterse como a la ley mesma” (Art. 1197: As convenções feitas nos contratos formas para as partes uma regra que deve ser respeitada como se fosse lei - tradução livre).

191 VELTEN, Paulo. Função... cit., p. 411.

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Desta forma, a função social dever ser vista como relacionada à

atuação do ser humano em benefício da sociedade.

Daí a se indagar: qual seria o fim social do contrato? É neste ponto

que reside a importância das cláusulas gerais acima mencionadas: propiciar

ao julgador o estabelecimento do sentido da norma, em determinada época

e contexto social, de modo a manter a legislação sempre atual.

Exemplo disto é o conceito da função social do contrato, um conceito

amplo e impreciso que, no decorrer do tempo, pode alcançar os mais

diversos significados, cabendo ao juiz determiná-lo no momento adeqüado.

Como bem salienta Rogério Ferraz Donini 192, a função social do

contrato sempre fez parte da teoria contratual. Entretanto, sob o prisma do

liberalismo, entendia-se que ela seria alcançada pela simples atuação dos

contratantes.

No atual momento histórico, entendemos que a função social do

contrato adquire um aspecto muito mais amplo. Conforme já foi dito, as

cláusulas gerais consagradas pelo Código Civil de 2002 vieram apenas

confirmar os princípios constitucionais e a valorização do indivíduo e do

princípio da dignidade da pessoa humana. E a função social do contrato

surge implícita na Constituição Federal, como forma de propiciar o

desenvolvimento econômico e alcançar alguns dos objetivos da República

Federativa do Brasil que, nos termos do artigo 3º, I a III da Carta

Constitucional, são os de

“I- construir uma sociedade livre, justa e solidária, II- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e III – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Tanto é assim que o artigo 170 da Carta Magna estabelece a ordem

econômica como a forma para se alcançar este objetivo, assegurando “a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

192 DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição... cit., p. 74.

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Da análise destes dispositivos, Sidnei Turczyn193 conclui que:

“é bastante clara a função do Estado Moderno de perseguir o desenvolvimento econômico como alvo principal a ser alcançado, inclusive como meio de atingimento das demais formas de desenvolvimento (social, cultural e educacional), todas elas dependentes, no entanto, do desenvolvimento econômico”.

Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi 194 igualmente afirma

que a regulação das atividades econômicas por meio da intervenção do

Estado autorizada pela Constituição Federal, em especial por seu artigo

170, pressupôs “tornar mais efetivas as garantias básicas nela previstas”.

Complementarmente, tem-se que o principal elemento para o

atingimento do desenvolvimento econômico é o contrato. Por isso é possível

falar em função social do contrato como sendo a utilização do contrato para

desenvolvimento econômico, com o objetivo de “assegurar a todos a

existência digna, conforme ditames da justiça social” e “construção de uma

sociedade livre, justa e solidária”.

Miguel Reale195 segue esta mesma linha de raciocínio ao relacionar o

ato de contratar com a livre iniciativa, consagrada pela Constituição de 1988,

como um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito.

Também defendendo a previsão da função social do contrato na

Constituição Federal, Flavio Tartuce196 ensina que a mesma encontra

respaldo também no artigo 1º da Carta Maior, que trata da dignidade da

pessoa humana. Por sinal, este doutrinador inclui até mesmo a função

social do contrato como uma espécie do gênero função social da

propriedade, consagrado expressamente pela Constituição Federal197.

193 TURCZYN, Sidnei. O sistema financeiro nacional e a regulação bancária. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 255. 194 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade... cit., p. 108. 195 REALE, Miguel. A função social dos contratos . Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br>. Acesso em Mai 2007. 196 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 200. 197 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 206.

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Parece-nos, inclusive, que foram estes raciocínios que levaram os

professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery198 a afirmar

que a aferição da função social do contrato deverá ser feita com “base em

valores jurídicos, sociais, econômicos e morais” e que, sob o prisma do

Estado social,

“o contrato estará em conformidade com a sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF, 3º, I) e da justiça social (CF 170, caput), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF 1º III), não se ferirem valores ambientais (CDC, 51, XIV), etc... Haverá desatendimento à função social quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato, b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes, c) quando quebra-se a base objetiva ou subjetiva do contrato, etc...”199.

Especificamente com relação aos valores sociais (igualdade entre as

partes), o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Luciano de

Castilho Pereira200, salienta que tais valores devem ser adaptados às

circunstâncias de cada região do Brasil. Aduz ele, acertadamente , que não

se pode dar o mesmo tratamento a dois contratos idênticos, um firmado na

Avenida Paulista, em São Paulo, e outro no interior de Minas Gerais, em

uma região extremamente pobre.

Arnoldo Wald201, por sua vez, tece considerações a respeito dos

valores econômicos, salientando que, por vezes, “a função social do contrato

consiste em manter íntegras as prestações das partes, mesmo quando são

onerosas, para evitar que a vantagem de alguns seja a causa do prejuízo da

maioria” ou que as decisões causem impacto em direito de terceiros, que

não são parte no contrato. Como exemplo, cita os casos de seguros em

198 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 336. 199 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 336. 200 PEREIRA, José Luciano Castilho. Liberdade de contratar. Limites impostos pela função

social do contrato. Disponível em <http//www.tst.gov.br/artigos>. Acesso em 20 Mar 2007, p 5.

201 WALD, Arnoldo. O novo... cit., p. 51-55.

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grupo e de previdência, para, enfim, concluir que “o grande desafio do nosso

tempo certamente é o de conciliar o econômico e o social, submetendo

ambos ao direito”.

A relação da função social do contrato com o princípio da

dignidade humana foi, magistralmente, reconhecida pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo em decisão monocrática proferida pelo

Desembargador Adilson de Andrade no julgamento do agravo de

instrumento 468.303.4/1 -00:

“Nessa ordem de idéias, inegável que a função social dos contratos limita a liberdade contratual, através de normas de ordem pública e de prevalência dos direitos e interesses coletivos sobre os de natureza individual. Além disso, o § único do artigo 2035 do atual Código Civil ratifica a já assegurada função social do contrato, atrelada, como se disse, à limitação da liberdade contratual. A bem da verdade a questão vai além daquilo que previu o legislador ordinário, pois dentre os vários princípios que sustentam as bases constitucionais de proteção ao consumidor encontra-se o da dignidade”.

O entendimento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery, mencionado acima, de que a função social do contrato está

relacionada à paridade de tratamento entre as partes e com a boa-fé é

também adotado por Maria Helena Diniz202 e Luciano Rodrigues

Machado203, Cláudio Luiz Bueno de Godoy204, bem como por parte da

202 DINIZ, Maria Helena. Comentários ao código civil- Parte especial - Livro complementar.

São Paulo: Saraiva, 2003, p. 183. 203 MACHADO, Luciano Rodrigues. A função... cit., p. 332. 204 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 133.

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jurisprudência205. Diga-se que Cláudio Luiz Bueno de Godoy206 vai além ao

afirmar que a operatividade da função social do contrato se dá como forma

de interpretação dos contratos, de modo a prestigiar a sua manutenção (o

que tem influência direta para o equilíbrio das partes), e também, em seu

aspecto negativo, no exercício do controle dos contratos.

Entretanto, não se trata de um posicionamento pacífico. Segundo

parte da doutrina207, a cláusula geral da função social do contrato se

relaciona apenas aos efeitos do contrato perante a sociedade (âmbito

externo do contrato). Neste contexto 208, citam-se os seguintes exemplos de

desvirtuamento da função social: o ajuste simulado do contrato para

205 1. EMBARGOS INFRINGENTES. SEGURO DE VIDA. RENOVAÇÃO ANUAL

AUTOMÁTICA. RECUSA DA SEGURADORA. CANCELAMENTO. ABUSIVIDADE. 1. É abusiva a conduta da seguradora que, em razão da redução de sua margem de lucro causada pelo envelhecimento de seu cliente, obsta a renovação do contrato do consumidor idoso, que certamente encontrará dificuldades insuperáveis para contratar um seguro similar com outra companhia. 2. A admissão da contratação em massa em nosso ordenamento está adstrita ao cumprimento integral do dever de boa-fé do fornecedor, que deverá garantir a continuidade da prestação dos serviços nas relações cativas de longa duração. 3. Caso em que a imposição da renovação do contrato não fere a liberdade de contratar, instituto delimitado pela função social do contrato. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (TJ/ RS, 3º Grupo de Câm. Cíveis, Embargos Infringentes 70019207281, Rel. Des.: Paulo Sergio Scarparo, j. 04/05/2007);

2) COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Rescisão - Aquisição de bem imóvel - Atraso no pagamento das prestações – Ajuizamento da ação após regular notificação - Oferta de contestação indicando problemas de ordem financeira – Realização de depósito dos valores devidos – Ausência de impugnação - Possibilidade de opção de cobrança ou rescisão assegurada somente à autora ferindo legislação consumerista vigente – Pagamento realizado a afastar prejuízo da autora e a assegurar o acesso a moradia em prol da ré – Função social do contrato atendida – Improcedência da ação – Sentença confirmada – Recurso improvido (TJ/SP, 7ª Câm. Dir. Privado, Apelação cível 450.057-4/1-00, Rel. Des.: Elcio Trujillo – j. 13.09.06), 3) Trecho do voto proferido em julgamento de Recurso Especial 691.738 de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi: “O artigo 1.488 do CC/02 consubstancia um dos exemplos de materialização do princípio da função social dos contratos, que foi introduzido pelo novo código. Com efeito, a idéia que está por trás dessa disposição é a de proteger terceiros que, de boa-fé, adquirem imóveis cuja construção – ou loteamento- fora anteriormente financiada por instituição financeira mediante garantia hipotecária”. (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 691.738, Rel Min. Nacy Andrighi).

206 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. p.159. 207 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. XI. VELTEN, Paulo. Função... cit.,

p. 437. Para Fabio Ulhoa Coelho, a função social do contrato estaria relacionada aos “direitos difusos e coletivos” (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35-38). Não necessariamente estes direitos referem-se a efeitos externos. Um contrato de seguro que atinge um grande número de segurados pode ser tido como um direito coletivo, conforme se demonstrará no item 4.2.3.2 infra. E, neste caso, a função social estaria relacionada aos efeitos internos do contrato.

208 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 437.

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76

prejudicar terceiros, a divulgação de publicidade enganosa ou agressiva, a

comercialização de viagens com o objetivo de explorar o turismo sexual ou a

prostituição infantil, entre outros. Nestes casos, terceiros podem opor-se aos

contratos. E, paralelamente, em razão desta cláusula geral, terceiros (aos

quais Pedro Oliveira da Costa209 denomina de terceiros qualificados)

estranhos ao contrato não podem mais se comportar como se este não

existisse, em detrimento, por exemplo, dos interesses de um dos

contratantes. Se o fizerem, poderão ser responsabilizados pelos danos

decorrentes.

Neste sentido, no âmbito interno do contrato (entre os contratantes)

não haveria como se falar em função social, mas em quebra da boa-fé

objetiva.

Humberto Theodoro Junior210 afirma categoricamente que a própria

expressão função social está em contradição com a relação interna dos

contratantes, na medida em que função se refere a “papel a desempenhar” e

social relaciona-se à sociedade.

Calixto Salomão Filho 211 igualmente acolhe a tese de que a função

social se refere apenas aos efeitos externos do contrato. Entretanto, este

autor traz um novo enfoque. De acordo com os seus ensinamentos, a função

social é relacionada a efeitos institucionais212 do contrato, assim entendidos

aqueles que: a) são de cada indivíduo e da sociedade, mas com utilidade

distinta para cada indivíduo e para a sociedade, e; b) que são reconhecidos 209 “Por meio e em razão da função social, o contrato se impõe mesmo àqueles que dele

não fizeram parte, os quais, tendo conhecimento do vínculo, devem-lhe respeito, não podendo praticar atos que saibam prejudiciais ou comprometedores da satisfação do direito alheio, consubstanciado no contrato” (COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos... cit., p. 58.).

210 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 13. 211 SALOMÃO FILHO, Calixto. A função social do contrato. Primeiras anotações. Revista

de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 132, 2003, p. 17-24.

212 Na realidade, o autor faz referência a interesses institucionais como expressão sinônima de interesses difusos. Entretanto, critica a classificação de direitos difusos utilizada no Brasil com base no Código de Defesa do Consumidor sobre a qual faremos referências no item 4.2.3.2 infra, salientando que esta classificação tem como base os sujeitos da relação jurídica (visão processual), quando na realidade, o mais aconselhável, seria que ela tomasse como base o objeto dos direitos. O que ele acaba por concluir é que os direitos difusos e coletivos não se distinguem entre si.

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como direitos, pelo menos, pela Constituição. Em razão disso, conclui ele

que a previsão da função social do contrato no Código Civil veio

complementar o sentido dos interesses processuais de controle difuso e

social (como, por exemplo, ação coletiva).

Ruy Rosado de Aguiar Junior213, por sua vez, não menciona

expressamente nem a possibilidade, nem a impossibilidade de a função

social se referir aos efeitos internos do contrato. Segundo este doutrinador:

“Houve completa alteração do eixo interpretativo do contrato214. Em vez de considerar-se a intenção das partes e a satisfação de seus interesses, o contrato deve ser visto como um instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade, onde encontra a sua razão de ser e de onde extrai a sua força - pois o contrato pressupõe a ordem estatal para lhe dar eficácia (...) Devo concluir que somente se enquadra na sua função social o contrato que, sendo útil, é também justo. A realização da função social do contrato, portanto, agora prevista expressamente no Projeto, exige que, para a sua compreensão e interpretação, atenda-se ao valor da “Justiça”.

Parece-nos, contudo, inegável que a orientação deste jurista é a de

incluir o equilíbrio contratual como uma das características da função social

do contrato. Esta conclusão é confirmada pelo Enunciado 22, elaborado na

jornada de direito privado sob sua coordenação científica: “a função social

do contrato, prevista no art. 421 do novo CC, constitui cláusula geral, que

reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e

justas”.

Entendemos ser correta a posição de que a função social diz respeito

a toda a sociedade. Entretanto, considerando que os standards de um

contrato podem servir de paradigmas para outros casos, que o desequilíbrio

em um contrato pode trazer conseqüências a terceiros e, principalmente, o

fato de que o contrato é tido como forma de se alcançar o desenvolvimento

213 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto... cit., p. 19. 214 A utilização da função social do contrato como elemento para interpretação deste é

também anotada por Luciano Rodrigues Machado (MACHADO, Luciano Rodrigues. A função... cit., p. 336.).

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social, com o objetivo de constituir uma sociedade “justa e solidária”, parece-

nos que não há como excluir a paridade das partes do conceito de função

social do contrato. Renzo Gama Soares215 compartilha deste entendimento

ao afirmar que um contrato que preveja condições desproporcionais para

ambas as partes não é socialmente interessante, podendo concorrer,

inclusive, para o aumento da desigualdade social. É o caso, por exemplo, de

um aumento abusivo nas mensalidades dos planos de saúde, ainda que em

conformidade com o reajuste previsto contratualmente.

Aliás, conforme afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery, a cláusula geral da boa-fé objetiva pode ser vista como uma das

vertentes do princípio da função social do contrato.

O contrato, portanto, deve ser entendido como instrumento de

convívio social e de preservação de interesses da coletividade. A

relativização dos efeitos do contrato ganha, nesse contexto, uma nova ótica.

O contrato passa a interferir em toda a sociedade. Em outras palavras, o

contrato deixa de ser visto apenas como “res inter alios”.

Apesar da amplitude que o conceito de função social do contrato 216

confere ao aplicador do direito, infelizmente, parece-nos que a temida

resistência à nova visão contratual já está se impondo.

De acordo com o enunciado 23 da Jornada de Direito Civil:

“A função social do contrato, prevista no artigo 421 do NCC, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua os seus ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses meta individuais ou interesse relativo à dignidade da pessoa humana”.

215 SOARES, Renzo Gama. Breves... cit., p. 454. 216 Importante mencionar que a função social do contrato já foi referida em outras épocas,

com sentido diverso do hoje estudado. Caio Mario da Silva Pereira, afirma que a função social do contrato seria a de obrigar as partes a cumprirem o avençado, de modo a propiciar o sentimento de segurança (“pacta sunt servanda”) (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições... cit., p. 15-16). Fernando Noronha também assevera que toda lei tem sempre uma função social. É necessário apenas que se identifique qual é essa função em determinada época (NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 83). Neste mesmo sentido, DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição... cit., p. 74.

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O professor Nelson Nery Junior217, com quem concordamos, critica

essa conclusão, afirmando que ela disse menos do que deveria. Segundo

ele, “o processo interpretativo é complexo. É fora de dúvida de que a função

social tem magnitude constitucional e não apenas civilística”. A conclusão da

jornada de direito civil, neste sentido, procurou limitar a função social do

contrato e hipóteses não previstas pelo legislador. Não deveria tê-lo feito.

Estas críticas, contudo, não são uníssonas. Otávio Luiz Rodrigues

Junior218 vê nestes enunciados uma forma de melhor interpretar o artigo 421

do Código Civil.

A tendência de restringir a função social dos contratos, que é por nós

criticada, igualmente se faz sentir em alguns julgados. A título de ilustração,

podemos citar o acórdão proferido em julgamento de Recurso Especial

691738/SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi 219, que assim decidiu:

“(...) Naturalmente, como toda a criação humana, o sistema é passível de falhas. (...) Assim também ocorrerá com o princípio da função social dos contratos. Para que essa evolução possa se verificar, todavia, é necessário que esse princípio seja, reiteradamente, submetido ao duro teste da realidade. Somente a prática demonstrará quais os limites em que o magistrado transitará em sua aplicação. Por isso, é importante, em cada caso, relembrar o que levou o legislador a introduzir essa inovação em nosso sistema jurídico e, especificamente, para cada caso concreto, verificar se há harmonia no sistema, se há uma situação de fragilidade de uma das partes, e se dado a tudo isso, a aplicação do princípio se justifica”.

217 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos… cit., p. 421. 218 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão... cit., p. 142. 219 STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 691738/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/05/2005.

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3.3.1.4 Da cláusula geral da boa-fé objetiva

Além das cláusulas gerais acima mencionadas, o artigo 422 do

Código Civil prevê ainda que: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios da probidade e boa-fé”.

Esse dispositivo trata, novamente, de uma cláusula geral: a da boa-fé

objetiva que, como já foi dito acima, ao nosso ver e ressalvada a existência

de posições contrárias, decorre diretamente do princípio da função social do

contrato.

Parece-nos que não existem dúvidas com relação ao fato de que

referido dispositivo consagra, efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva resulta do “dever de agir de acordo com

determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura,

honestidade, para, como veremos na exposição subseqüente, não

frustrar a confiança legítima da outra parte ”220. Ou seja, por meio deste

princípio tutela -se a confiança de quem acreditou que a outra parte

procederia de acordo com os padrões de conduta comumente aceitos

pela sociedade.

Esse dever de confiança ou de cooperação é subdividido pela

doutrina. Flavio Tartuce221 cita os deveres de informação, de lealdade,

probidade. Carlos Ferreira de Almeida222, ao tratar do direito português, que

assim como o brasileiro consagra o princípio da boa-fé objetiva na teoria

contratual, acresce a estes o dever de sigilo e de diligência, salientando não

ter esgotado o rol dos deveres anexos à boa-fé.

Ademais, da teoria da boa-fé objetiva também decorre a teoria da

quebra da base objetiva do contrato, segundo a qual uma alteração nas

condições naturalmente pressupostas pelas partes pode gerar a revisão ou

até mesmo a rescisão do contrato firmado.

220 NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 136. 221 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 173. 222 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 176-184.

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Para Judith Martins-Costa 223 esses deveres acessórios ao contrato

objetivam operacionalizar a solidariedade, fazendo com que o contrato atinja

a sua função. Isto é, os deveres anexos à boa-fé encontram como limite

referida função social, nas palavras de Gustavo Tepedino e Anderson

Schreiber224.

Neste ponto, é importante consignar os ensinamentos de Otavio Luiz

Rodrigues Junior225, no sentido de que, apesar deste caráter abrangente e,

de forma geral, plurissignificante da boa-fé, ela “não pode se transmudar em

remédio genérico, ministrável em toda e qualquer situação ao sabor do mais

puro juízo da eqüidade”, sob pena de ter “as suas funções desnaturadas,

transformando-na em um fetiche retórico”. Este mesmo alerta é feito por

Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber226. Assinalam estes autores que, se

na vigência do Código de Defesa do Consumidor, o conteúdo da boa-fé

objetiva era utilizado de forma indiscriminada, como referência ética

genérica, sempre com o obje tivo de proteção ao consumidor hipossuficiente,

tal uso no Código Civil de 2002, que trata, no mais das vezes, de relações

paritárias, traz o risco de absoluta falta de efetividade nas soluções dos

conflitos de interesses.

É importante deixar consignado, ainda, que a boa-fé não se confunde

com a eqüidade227, consistente na possibilidade de, em situações

excepcionais, o juiz decidir o caso concreto com fundamento em juízos

particulares seus. A boa-fé é uma regra geral, consagrada pelo sistema.

Antonio Lordi faz igualmente esta distinção228. No “common law” a diferença

223 COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 634. 224 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé objetiva no código de defesa do

consumidor e no código civil (arts 113, 187 e 422). In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações - Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 35.

225 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão... cit., p. 139. 226 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 33. 227 Neste contexto interessante menção deve ser feita ao Código Civil Holandês que,

segundo Antonio Junqueira de Azevedo, optou por se utilizar da expressão “exigências da razão e eqüidade”, como sinônima da boa-fé objetiva.” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências... cit., p. 154.).

228 LORDI, Antonio. Relazione... cit.

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entre lei (law) e equidade (equity) é tanta a ponto de existirem (hoje em

menor número do que no passado) Tribunais separados para julgamento de

questões por eqüidade229.

A boa-fé, ainda conforme ensinamentos de Judith Martins-Costa230 é

comumente vista sob três aspectos: a) função interpretativa; b) fontes de deveres

jurídicos, e; c) como limite do exercício de direitos subjetivos. Este também é o

entendimento de Humberto Theodoro Junior231, para quem o artigo 113 do

Código Civil232 teria consagrado a função interpretativa, o artigo 422233 consistiria

em fonte de deveres jurídicos (obrigação acessória de agir segundo os princípios

de probidade e boa-fé) e o artigo 187234 caracterizaria a boa-fé como limite

do exercício de direitos subjetivos, ou seja, vedação ao abuso de direito.

De qualquer forma, ainda com referência aos aspectos da boa-fé, vale

mencionar que Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, embora

compartilhem do ensinamento acima235, vão além, afirmando que a boa-fé

como fonte de deveres anexos, na sua forma negativa, impede o abuso de

direito (de modo que não haveria necessidade de se falar em coibição do

abuso de direito como uma característica própria da boa-fé).

Estes dispositivos que denotam a função da boa-fé também se fazem

notar na legislação estrangeira.

A título de exemplificação, vale mencionar que o artigo 239236 do

Código Civil Português trata da função interpretativa da boa-fé, enquanto os

229 EMMANUEL, Steven L; KOWLES, Steven. Contracts. Nova York: Emmanuel Publishing

Corp, 1993, p. 242. 230 COSTA. Judith Martins. Mercado... cit., p. 634. 231 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p.19-20. 232 Os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos do

lugar de sua celebração. 233 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em

sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. 234 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes.

235 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 37. 236 Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia

com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.

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artigos 227 e 762, sobre os quais trataremos mais adiante, tratam da boa-fé

como obrigação acessória de agir, nas fases pré-contratual, contratual e pós

contratual237. A vedação do abuso de direito, por sua vez, vem expressa no

artigo 334238, de redação semelhante ao nosso artigo 187. A legislação

portuguesa também consagra a boa-fé em outros dispositivos, como o que

atribui valor jurídico aos usos (art. 3º, nº1 239), ao comportamento na

pendência da condição (arts. 272240 e 275, nº 2) e à admissibilidade da

resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias

(art. 437º, nº1241). Como bem salienta Mario Julio de Almeida Costa242: “a

moderna disciplina das obrigações – como aliás , o direito em geral-

encontra-se muito imbuída da idéia de boa-fé”.

O Código Civil italiano também possui previsão da boa-fé como fonte

de deveres (nas fases pré-contratual, de execução e pós-contratual),

conforme artigos 1337243 e 1375244, bem como método de interpretação

237 Neste sentido também são os ensinamentos de Mario Julio de Almeida Costa (COSTA,

Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 267.). 238 É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites

impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

239 1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.

240 Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.

241 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

242 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 100. 243 Art. 1337 Trattative e responsabilità precontrattuale (Tratativas e responsabilidade pré-

contratual) Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono

comportarsi secondo buona fede (1366,1375, 2208). (A parte, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato devem se comportar de açodo com a boa-fé).

244 Art. 1375 Esecuzione di buona fede (Execução segundo a boa-fé) Il contratto deve essere eseguito secondo buona fede (1337, 1358, 1366, 1460). (O

contrato deve seguir o princípio da boa-fé)

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(artigo 1.366)245.

A legislação argentina não distoa deste cenário. O artigo 1198246 do

Código Civil reconhece a boa-fé como fonte de integração do contrato ao

prever que “los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de

buena fe y de acuerdo con lo que verosímilmente las partes entendieron o

pudieron entender, obrando con cuidado y previsión”.

Todas estas leis tiveram inspiração na doutrina e jurisprudência alemãs,

desenvolvidas com fundamento no artigo 242 do Código Civil Alemão, segundo

o qual: “O devedor está obrigado a realizar a prestação como exige a boa-fé

aliada à atenção dos usos e tráficos”247. Apesar disso, como relata Carlos

Ferreira de Almeida248, a boa-fé pré-contratual somente passou a constar de lei,

na Alemanha, em 2001, com a reforma do Código Civil (BGB, § 311, nºs 2 e 3).

Também é este o ensinamento de Dário Moura Vicente249.

Note-se, contudo, que a existência de previsão da boa-fé objetiva na

legislação não implica, necessariamente, a afirmação de que os paises acima

citados adotaram sistemas semelhantes ao brasileiro, com a utilização das

cláusulas gerais e aumento dos poderes do juiz para intervir nos contratos.

Comentando a legislação Argentina, Guido I Risso250 afirma, com

fundamento no artigo 1137 do Código Civil, estar perante uma realidade

fechada, que não torna possível a interação necessária para cumprimento

245 Art. 1366 Interpretazione di buona fede (Interpretação de boa-fé). Il contratto deve essere interpretato secondo buona fede (1337, 1371, 1375) (O contrato

deve ser interpretado de acordo com a boa-fé) (tradução livre). 246 Art.1198. - Os contratos devem ser celebrados, interpretados e executados de boa-fé, de

acordo com a intenção das partes, e com o que elas predeterminaram) - tradução livre. 247 Neste sentido PIZARRO, Thiago Rodrigues. Alteração da base objetiva do negócio

jurídico no código de defesa do consumidor [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2005, p.84. e REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. Disponível em <http://www.miguelreale.com.br>. Acesso em 5 mai 2007.

248 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p.169. 249 VICENTE, Dário Manuel Lentz de Moura. Responsabilidade pré-contratual no código

civil brasileiro de 2002. In II Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, nos dias 17 a 25 de novembro de 2003. Disponível em <http://www.cjf.gov. br/revista/numero25/artigo05- artigo da internet>. Acesso em 23 mar 2007.

250 RISSO, Guido I. Economia y derecho acerca de la instrumentalización económica del derecho. Buenos Aires: Garcia Alonso, 2002, p.51.

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da função sócio-econômica do contrato. Este doutrinador segue fazendo

uma análise crítica deste sistema e da forma como está estruturado o poder

judiciário na Argentina.

Embora reconhecendo a importância do tema, por uma questão de

corte metodológico, nos abstemos, neste momento, de tecer considerações

detalhadas sobre o sistema adotado por cada país para intervenção do juiz

nos contratos. Tratando-se de matéria de alta indagação e complexidade,

seria necessária uma análise detalhada da legislação de cada país.

Vale também mencionar que, não obstante a boa-fé tenha aplicação

nos países do “common law”, o seu alcance é menor do que aquele

defendido nos do “civil law”, o que, em parte, justifica a já mencionada

resistência à unificação da Teoria Contratual. De acordo com Steven L.

Emmanuel e Steven Knowles251: a lei contratual segue a teoria objetiva dos

contratos, ou seja, deve-se considerar o que seria razoável para uma pessoa

aceitar em um contrato. Entretanto, Dário Manuel Lentz de Moura Vicente252

assinala que no sistema do “common law” rejeita-se a responsabilidade

extracontratual, admitindo-se apenas a imputação de danos causados “in

contrahendo” nos termos da responsabilidade extracontratual. Esta diferença

é também sentida por Antonio Lordi253.

251 EMMANUEL, Steven L; KOWLES, Steven. Contracts... cit., p. C-1. 252 VICENTE, Dário Manuel Lentz de Moura. Responsabilidade... cit., p. 2. 253 “3. Problema che presenta anche risvolti di carattere pratico essendo stata recepita nel

Regno Unido la dirrettiva CE 93/13 in tema di contratti del consumatore, la qualse espressamente prevede che “a term is unfair if contrary to the requirement of good faith. 4. Tuttavia, a differenza del civilian, l’attenzione della dottrina inglese non si è soffermata tanto sul contenuto del concetto, quanto sulla sua stessa ammissibilità, in um ordinamento in cui il diritto dei contratti è visto como il portato della cd. Adversarial ethic di matrice mercantile che si fonda sul principio che lê parti sono i migliori giudice dei propri interessi e che si oppone ad uma ethic of co-operation di origine continentale e che autorizza interventi corretivi e perequativi del contenudo contrattuale”. (3. O problema que se apresenta, ainda que de resultado prático é a recepção, no Reino Unido, da diretiva CE 93/13 sobre o tema de contrato de consumo, que, quase expressamente prevê que: “uma cláusula é abusiva se contrária à boa fé”. 4. Todavia, diferentemente do civil law, a atenção da doutrina inglesa não se detém, tanto em relação ao conteúdo do conceito, como em relação à sua admissibilidade, em um ordenamento no qual o direito do contrato é visto como um retrato de adversidade ética de matriz mercantil, fundada no princípio de que as partes são os melhores juízes do seu próprio interesse e que se opõem a uma ética de cooperação de origem continental, e autoriza a intervenção corretiva e eqüitativa no conteúdo contratual- tradução livre) (LORDI, Antonio. Relazione...cit.).

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Por sua vez, Carlos Ferreira de Almeida254 assinala que: “a

responsabilidade civil pré-contratual começa a vencer a resistência dos

sistemas de “common law” (ainda que transfigurada em responsabilidade

contratual), e vem logrando referências em textos de vocação

transnacional”.

Cabe-nos fazer menção - novamente, sem pretender esgotar o

assunto- a alguns institutos que a doutrina255 aponta como corolários à boa-fé

objetiva, apesar de não estarem, na maioria dos casos, previstos em lei: a) a

“supressio”, consistente da renúncia tácita ao exercício de determinado direito

em razão da inércia em exercê-lo, b) tu quoque, consistente na situação

instalada por um indivíduo que tenta tirar proveito de determinada situação

estabelecida por ter violado uma norma jurídica. A título de exemplo, a

doutrina cita um condômino que fere determinada norma do condomínio, e

depois exige punição de outro condômino que violou a mesma norma, e; c) a

vedação do venire contra factum proprium , consistente do dever de um

indivíduo de manter o seu comportamento anterior em atenção ao

princípio da lealdade. Esta tese tem sido amplamente aceita pela jurisprudência

254 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 169. 255 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 169-182. Carlos Ferreira de Almeida trata do

instituto do “venire contra actum proprio” ao se referir, no direito português, à responsabilidade civil pré-contratual em razão da violação do princípio da boa-fé objetiva (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p.186.). Thiago Rodrigues Pizarro inclui também a “exceptio doli”, consistente da “possibilidade de impedir o exercício de uma posição jurídica que em tese está de acordo com a norma jurídica, sob a alegação de que o seu autor incorre em dolo e viola a boa-fé”. Reconhece ele, no entanto, que tal doutrina está em decadência, não mais atendendo às necessidades do Direito. Enumera também a impossibilidade de alegação de nulidades formais quando a parte tenha participado do negócio (PIZARRO, Thiago Rodrigues. Alteração... cit., p. 107.).

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brasileira256. Flavio Tartuce257 assinala ainda o conceito do “duty to mitigate

the loss”, ou seja, dever do contratante de mitigar a sua perda, como

relacionado à boa-fé objetiva.

Observe-se que na classificação anteriormente citada, adotada por

Judith Martins-Costa, a “supressio”, a “tuo quoque” e “venire contra actum

proprium” poderiam ser colocadas como limites aos direitos subjetivos do

indivíduo, enquanto o “duty to mitigare the loss” melhor se enquadraria como

um dever anexo.

Não é demais repetir que, antes ainda da edição do Novo Código Civil

(e antes mesmo da edição do Código de Defesa do Consumidor que

igualmente consagrou esta cláusula geral em seu artigo 51, IV), o dever de

boa-fé objetiva já era exigido por parte da doutrina e da jurisprudência.

256 PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO. JUNTADA. LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES.

SIGILO TELEFÔNICO. REGISTRO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. USO AUTORIZADO COMO PROVA. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA JUNTADA DE DOCUMENTO PESSOAL. ATOS POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESES. ROL EXEMPLIFICATIVO. DEFESA DA INTIMIDADE. POSSIBILIDADE.

- A juntada de doc umento contendo o registro de ligações telefônicas de uma das partes, autorizada por essa e com a finalidade de fazer prova de fato contrário alegado por essa, não enseja quebra de sigilo telefônico nem violação do direito à privacidade, sendo ato lícito nos termos do art. 72, § 1.°, da Lei n.º 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações).

- Parte que autoriza a juntada, pela parte contrária, de documento contendo informações pessoais suas, não pode depois ingressar com ação pedindo indenização, alegando violação do direito à privacidade pelo fato da juntada do documento. Doutrina dos atos próprios.

- O rol das hipóteses de segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizado o segredo quando houver a necessidade de defesa da intimidade. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 605687/AM, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 02/06/2005). PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS

POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". BOA-FE. PREPARO. FERIAS.

1. (...) 2. A mulher que deixa de assinar o contrato de promessa de compra e venda

juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo, expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de fornecimento de escritura definitiva. doutrina dos atos próprios. art. 132 do CC.

3. Recurso conhecido e provido. (STJ, 4ª Turma, Recurso Especial 95539/SP, Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, j.

03/09/1996). 257 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 171.

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Judith Martins Costa 258 e Arnoldo Wald 259são expressos neste sentido.

Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber também notaram este fato, embora

tenham assinalado que ele era mais comum em contratos nos quais as

partes se encontravam em relação de desigualdade260. Flavio Tartuce261, por

sua vez, diz que o princípio da boa-fé objetiva foi, pela primeira vez,

consagrado pelo Código Comercial de 1850, em seu artigo 131, I262,

revogado pelo Código Civil de 2002, embora não tenha tido aplicação

prática.

Otavio Luiz Rodrigues Junior263 faz referência à aplicação do princípio

da boa-fé objetiva antes da vigência do Código Civil de 2002 ao tratar das

formas de extinção do contrato. Para tanto, ele cita: a) a teoria do

adimplemento substancial; que impede a rescisão do contrato pela exceção

do contrato não cumprido, quando uma parte substancial da obrigação foi

cumprida; b) a violação positiva do contrato, que prevê a possibilidade de

rescisão, quando o objeto principal do contrato foi cumprido, mas em

desrespeito com deveres anexos.

Estas duas teorias, inegavelmente, consagram o dever de respeito ao

princípio da boa-fé objetiva. Aliás, o próprio julgado, proferido em 2001,

antes da promulgação do Código Civil, mencionado pelo autor para

exemplificar a teoria do adimplemento substancial da obrigação, faz

258 COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 639. 259 WALD, Arnoldo. O novo... cit., p. 48. 260 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 34. 261 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 168. 262 “A inteligência simples e adequada que for mais conforme a boa-fé e ao verdadeiro

espírito e natureza do contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras”.

263 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão... cit, p. 72.

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expressa menção ao princípio264. Neste sentido, é também o posicionamento

de Thiago Rodrigues Pizarro265.

Entretanto, com sua adoção expressa pelo atual ordenamento, a

aplicação do princípio da boa-fé tornou-se muito mais fácil (e, agora,

obrigatória a todas as relações, e não apenas às relações de consumo)266.

Apesar disto, parte da doutrina critica a fo rma como a boa-fé foi colocada.

De acordo com Antonio Junqueira de Azevedo267, o artigo 422 do

Código Civil é insuficiente por não ser expresso quanto ao fato de se

constituir em uma norma cogente ou dispositiva268, e por não se referir às

fases pré e pós contratual e deficiente, por não fazer menção aos deveres

anexos, às cláusulas faltantes e às cláusulas abusivas. De acordo com este

doutrinador, a cláusula da boa-fé objetiva tem três funções: a) interpretativa,

b) corretiva, e; c) supletiva. Entretanto, estas duas últimas não estariam

previstas no ordenamento.

264 “Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta de última prestação. Adimplemento

substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. (STJ, 4ª Turma, Recurso Especial 272.739/MG, Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, j. 1.3.2001).

265 PIZARRO, Thiago Rodrigues. Alteração... cit., p. 119. 266 Antes da edição do Código Civil de 2002, Judith Martins Costa se manifestou da mesma

forma sobre o Código de Defesa do Consumidor: “Mas não pense que antes do advento do CDC o princípio da boa-fé não vigorava entre nós e que não estava positivado: a positivação é um processo decorrente de qualquer uma das fontes reconhecidas como fontes de produção jurídica, uma das quais é a jurisdição - e, incontroversamente, por via judicial, o princípio já havia sido positivado. A vantagem a que me refiro, decorrente da previsão legal do princípio, é que agora está de certa forma facilitada a tarefa do intérprete/ aplicador, o que deveras é importante numa cultura de legolatria e logomania como a nossa, ainda centrada no fetiche da lei” (COSTA, Judith Martins (Org). A Reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 639).

267 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências... cit., p. 149. Vale repetir que conforme já mencionado acima este doutrinador questiona toda a estrutura e os valores do Código Civil de 2002, e não apenas a cláusula da boa-fé objetiva.

268 Neste contexto, o autor cita, em complemento, o Uniform Comercial Code (Código Comercial Uniforme Americano), que prevê expressamente a impossibilidade das partes disporem da boa-fé.

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Com relação à questão de se tratar ou não de norma cogente, parece-

nos evidente que as partes não podem dela dispor, apesar de ausência de

regulamentação expressa neste sentido. Isto porque o artigo 422 do Código

Civil é tido como uma cláusula geral que decorre de outra cláusula geral, a

função social do contrato, uma norma de ordem pública.

Não se trata, no entanto, de posição pacífica. Humberto Theodoro

Junior269, discorrendo sobre a cláusula geral da boa-fé objetiva, assim se

posicionou:

“De um lado, portanto, o que prevalece na interpretação de um contrato é o sentido que usualmente o ajuste teria na ótica do meio social, se nenhuma ressalva clara se fez na convenção. Em outros termos: o contratante tem, segundo a boa-fé objetiva, que se sujeitar a reconhecer os usos sociais, se não manifestou inequivocamente perante a outra parte sua vontade divergente”.

Com o devido respeito, se se trata de norma cogente, às partes é

vedado manifestar sua vontade divergente porque, por meio deste ato,

estariam dispondo de um direito indisponível.

As demais críticas, ao nosso ver, procedem. De fato, a previsão mais

detalhada da cláusula geral da boa-fé e a sua real extensão poderiam evitar

dúvidas e discussões.

O Código Civil Português, por exemplo, em seu artigo 227, prevê que:

“Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” Observe-se que o referido dispositivo tratou da boa-fé nas fases pré e contratual. A responsabilidade na fase pós-contratual é tratada pelo artigo 762, segundo o qual: “1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. 2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”

269 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 24-25.

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Carlos Ferreira de Almeida270, estudando a responsabilidade pré-

contratual no Direito Português, salienta que além deste dispositivo genérico,

alguns outros específicos tratam do assunto, como por exemplo o artigo 229

que trata do recebimento pelo proponente da aceitação tardia da proposta; o

artigo 898, que trata da responsabilidade do vendedor que não informa o

comprador a respeito da propriedade alheia dos bens vendidos e, ainda, na

legislação especial, o Código de Defesa do Consumidor, o Código de

Valores Mobiliários e o Código do Processo Administrativo.

Ademais, o autor justifica a não inclusão da responsabilidade pós-

contratual neste dispositivo, em razão da necessidade de se conferir

“autonomia institucional” à responsabilidade pré-contratual, o que “não obsta

à aplicação analógica de outro dos regimes de responsabilidade civil para

preencher lacunas”271. Esta mesma divisão é também verificada no Código

Civil Italiano, conforme os artigos 1337 e 1375 do Código Civil, antes

mencionados.

De qualquer forma, todos os aspectos mencionados pelo doutrinador

como omissos já se encontram consagrados pela doutrina, conforme já foi

demonstrado. Além disso, em uma interpretação extensiva do referido artigo

422 do Código Civil é possível extrair-se dele todos estes aspectos272 que

270 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 170. 271 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 174. 272 De acordo com Humberto Theodoro Junior: “O dever de lealdade e boa-fé já atua e

obriga na fase pré-contratual, antes mesmo do aperfeiçoamento do contrato, perdura no momento da definição do ajuste contratual, assim como no de seu cumprimento, e subsiste, até mesmo depois de exaurido o vínculo contratual pelo pagamento e quitação. Neste sentido dispõe o artigo 422 do atual Código Civil” (THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 11.).

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têm sido reconhecidos também pela jurisprudência273. Portanto, a princípio,

273 Sobre a responsabilidade pré -contratual: 1): APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PEDIDO DE VENDA DE CALÇADOS EM FEIRA CALÇADISTA. NÃO ENTREGA DO PRODUTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MINORAÇÃO. 1. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL. A contenda funda-se na discussão acerca da existência de responsabilidade civil pela não entrega de 84 pares de calçados decorrente do pedido de venda realizado em feira calçadista. A demandada justificou que o adimplemento do pedido estaria sujeito à confirmação posterior pela fábrica e que o estabelecimento da demandante não se enquadrava no perfil exigido pela empresa demandada. No entanto, demonstra a autora que por várias vezes entrou em contato com a fábrica, tendo inclusive acostado aos autos correspondência solicitando informações acerca de seu pedido, não obtendo qualquer resposta. Destarte, passível a imputação de responsabilidade civil à demandada por eventuais danos causados à autora em razão da não entrega dos calçados encomendados, mormente em razão da perda de clientela durante os meses em que aguardou a chegada de seu pedido, principalmente durante o período natalino, e a ausência de disposição da empresa em viabilizar a solução da questão. 2. (...). Sucumbência mantida. Deram parcial provimento à apelação e negaram provimento ao recurso adesivo. Unânime. (TJ/RS, 9ª Câm. Cível, Apelação Cível Nº 70014313555, Rel. Des.: Odone Sanguiné, j. 31/05/2006);

2. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. SOLIDARIEDADE PASSIVA. OFERTA DE VEÍCULO USADO. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO E DE QUANTIA EMPRESTADA. VENDA DO VEÍCULO A OUTRA PESSOA ANTES DA ASSINATURA DO CONTRATO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. Tendo em vista que a oferta suficientemente clara e precisa obriga o fornecedor que a fizer veicular, o descumprimento da mesma verificado com a venda do veículo prometido a terceiro gera o dever de indenizar, nos termos do que dispõe o art. 35, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Recurso parcialmente provido. (Turma recursal/RS, Recurso Cível nº 71000919480, Rel.: Ricardo Torres Herman, j. 31/08/2006);

3) RESPONSABILIDADE CIVIL. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO VINCULADO À AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. Rescisão contratual com devolução dos valores pagos corrigidos. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Informação pré-contratual defeituosa que induz o consumidor hipossuficiente a aderir a contrato de título de capitalização. Solidariedade da demandada pelo agir do corretor por esta indicado para comercializar seus produtos. Precedentes jurisprudenciais. Sentença mantida. recurso improvido. (TJ/RS, 10ª Câm. Cível, Apelação Cível 70014210777, Rel. Des.: Paulo Antonio Kretzmannn, j. 08/06/2006).

Sobre a responsabilidade pós-contratual: 1.: APELAÇÃO CÍVEL. INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. RESPONSABILIDADE DO CREDOR. DANO MORAL DANO IN RE IPSA. DESNECESSIDADE DE PROVA. Sendo claro o repúdio à inscrição em cadastros restritivos de crédito, ainda que em ordem judicial de natureza liminar tenha sido de abstenção, manter o cadastramento já efetuado fere o princípio da boa-fé objetiva, que deve ser respeitado inclusive na fase pós-contratual. Evidenciada a relação de causalidade entre o dano moral e a antijuridicidade praticada pelo réu com manter indevidamente o registro do nome do autor no SERASA, impõe-se o dever de indenizar. O dano extrapatrimonial é in re ipsa, pois decorre do próprio fato, dispensando a produção de prova. Apelo desprovido. (TJ/RS, 14ª Câm. Cível, Apelação Cível Nº 70017322116, Rel. Des.: Dorval Bráulio Marques, j. 10/05/2007),

2. APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DO DANO MORAL. A conduta desidiosa da apelada para com o apelante, deixando de cumprir com os deveres anexos e secundários da contratação, posto que sequer examinou o veículo, para afastar a responsabilidade pelo defeito e suas conseqüências, insere-se no dever geral de colaboração que se encontra na fase pós-contratual. Tendo a apelada alienado o veículo, pouco importando se usado ou não, é, sim, responsável por danos que o mesmo apresente, desincumbindo-se desse ônus, apenas se e quando provar que a avaria adveio de mau uso, ou de outra causa, atribuível tão só ao adquirente. Apelo provido. (TJ/RS, 14ª Câm. Cível. Apelação Cível Nº 70014298624, Rel. Des: Judith dos Santos Mottecy, j. 29/06/2006).

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a sua ausência não causará prejuízos maiores ao aplicador do direito. Vale

mencionar, inclusive, que tramitou perante a Câmara dos Deputados projeto

de lei nº 6960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiúza e que tinha

por objetivo, entre outros, alterar a redação do artigo 422 do Código Civil,

para que o mesmo fizesse expressa referência a todas as fases da relação

contratual. Este projeto, porém, foi arquivado em 31 de janeiro de 2007.

Por fim, convém distinguir a boa-fé objetiva da subjetiva, que é aquela

que se contrapõe à má-fé. Ao contrário do que ocorre com a boa-fé subjetiva,

a objetiva independe, para a sua configuração, da vontade das partes

contratantes. Cristiano Heneck Schmitt274 enfatiza que a cláusula geral da

boa-fé objetiva também não pode ser confundida com figuras como a do

abuso de direito, lesão ou práticas comerciais abusivas. Segundo o

doutrinador, as duas primeiras estariam relacionadas à boa-fé subjetiva. A

última (que maior relação possui com o direito do consumidor propriamente

dito) se distingue das cláusulas abusivas por ser mais abrangente. Ou seja,

um fornecedor pode incidir em uma prática abusiva independentemente de ter

ou não firmado um contrato com o consumidor. É o que ocorre, por exemplo,

nos casos de publicidade abusiva ou enganosa. Mario Julio de Almeida

Costa275 igualmente distingue a boa-fé objetiva como norma de conduta, e a

subjetiva, como consciência ou convicção justificada de adotar um

comportamento contrário ao direito. Entretanto, este doutrinador inclui o abuso

de direito como integrante da boa-fé objetiva, o que nos parece mais correto.

Por fim, vale citar curiosa posição adotada por Flavio Tartuce276 ao

salientar que, referindo-se, no artigo 422 do Código Civil, ao “princípio da

boa-fé”, o legislador estaria se referindo à boa-fé subjetiva. Neste contexto, a

boa-fé objetiva- consagrada pelo dispositivo- decorreria da conjugação do

“princípio da boa-fé e da lealdade”. Se o legislador não houvesse feito

menção à lealdade, segundo o doutrinador, ele teria se referido à boa-fé

objetiva.

274 SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas… cit., p. 83-88. 275 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 100. 276 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 179.

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3.4 Artigos do Código Civil que tratam especificamente da intervenção

do judiciário nos contratos

As cláusulas gerais acima expostas, ao nosso ver, já seriam suficientes

para solução de todos os litígios surgidos em questões contratuais.

De qualquer forma, em alguns casos, o legislador optou por

regulamentar a intervenção do juiz.

O artigo 413 do Código Civil277, que prevê a possibilidade de redução

eqüitativa da multa em caso de cumprimento parcial da obrigação; o artigo

572 do Código Civil, que trata da possibilidade de o juiz reduzir o valor da

indenização em casos de locação278; o artigo 581279 do Código Civil, que

277 “A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver

sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e finalidade do negócio”. O Código Civi Italiano também traz disposição neste sentido: Art. 1384 Riduzione della penale: La penale può essere diminuita equamente dal giudice, se l'obbligazione principale è stata eseguita in parte ovvero se l'ammontare della penale è manifestamente eccessivo, avuto sempre riguardo all'interesse che il creditore aveva all'adempimento (1181, 1526-2, att. 163). (Redução da pena: A pena pode ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal for cumprida em parte ou se a pena for excessiva, mas sempre como precaução do interesse do credor (tradução livre). Em sentido um pouco mais restritivo é a legislação espanhola (não trata da multa excessivamente onerosa): “Art. 1.1.54. El juez modificará equitativamente la pena cuando la obligación pirnipal hubiera sido em parte o irregularmente cumplida por el deudor” (O juiz modificará equitativamente a pena quando a obrigação principal houver sido cumprida em parte ou de forma irregular pelo devedor).

A aplicação deste artigo vem-se fazendo sentir na jurisprudência: 1. MULTA CONTRATUAL - Locação de espaço para publicidade – Rescisão contratual – Artigo 413 do Código Civil/2002 – Infração contratual – Penalidade – Multa – Redução eqüitativa – Montante – Manifestamente excessivo – Natureza e finalidade do negócio – Função judicial assegurando a função social do contrato – Sucumbência recíproca – Recurso improvido. (TJ/SP, 35ª Câm. Dir. Privado. Apelação Cível n. 882.077-0/4, Rel. Des. Melo Bueno, j. 24.04.06) e,

2. Consumidor. Contrato de prestações de serviços educacionais. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art. 52, § 1º, do CDC. Aplicabilidade. Interpretação sistemática e teleológica. Eqüidade. Função social do contrato. É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no § 1º do art. 52, § 1º, do CDC. (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 476649/SP, Rel. Min. Nanacy Andrighi, j. 20/11/2003). Embora a ementa deste último acórdão não tenha feito referência expressa ao artigo 413 do Código Civil, a fundamentação do “decisum” nele se fundamentou.

278 Se a obrigação de pagar aluguel pelo tempo que faltar constituir indenização excessiva, será facultado ao juiz fixa-la em bases razoáveis.

279 Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido, não podendo o comandante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional ou o que se determine pelo outorgado”.

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trata da possibilidade de o juiz reduzir o prazo do comodato, em caso de

necessidade imprevista e urgente; o artigo 473280 do Código Civil, que trata

da possibilidade de o juiz intervir para manter o contrato em casos de

resilição unilateral nos quais uma das partes tenha efetuado substanciais

investimentos, entre outros281 são exemplos de previsões da possibilidade

de intervenção do juiz, de modo a assegurar o cumprimento da função social

do contrato, da equidade e da boa-fé objetiva.

Observe-se que nestes casos, a lei já prevê a forma como deve ocorrer

a intervenção do juiz. Portanto, podemos afirmar que estes dispositivos

contêm conceitos legais indeterminados, a serem preenchidos pelo julgador

no caso concreto e que confirmam as cláusulas gerais antes analisadas.

As questões que surgem são: a) poderia o juiz agir de ofício ou

dependeria de provocação das partes?, b) nestes casos, poderia o julgador

encontrar soluções outras que não as p revistas expressamente na lei?

Com relação à possibilidade de o juiz agir de ofício, apesar da

discussão que o tema desperta 282, conforme demonstraremos no item 3.7

infra, temos sustentado que isto somente pode ocorrer quando a lei

expressamente assim previr.

No tocante à possibilidade de o juiz prever outras soluções, parece-

nos que, a princípio, a resposta é negativa.

280 “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita,

opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único: Se, dada à natureza do contrato, uma das partes houver feito

investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.

281 Os artigos 606, 738, 944 são outros exemplos de previsões expressas sobre a possibilidade do juiz intervir e que estão de acordo com as cláusulas gerais antes estudadas.

282 Alguns dispositivos exigem a existência de pedido da parte para que o juiz possa intervir. A doutrina se divide. Parte entende que há necessidade de pedido e parte entende que não há, inclusive nos casos em que a lei expressamente exige. Pedro Luiz Nigro Kurbhi (KURBHI, Pedro Luiz Nigri. A intervenção... cit., p.129) ao comentar o artigo 317 do Código Civil afirma que o ponto comum de todos os dispositivos por ele citados é a possibilidade de intervenção do juiz nos referidos contratos, de ofício, apesar de este dispositivo tratar expressamente da necessidade de pedido da parte. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery também admitem esta possibilidade de intervenção, de ofício, pelo juiz, para revisão de contratos em razão da onerosidade excessiva (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 359.).

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Entretanto, embora nos casos acima citados as previsões legais

apenas tenham confirmado as cláusulas gerais e princípios previstos no

Código, em outras situações elas geraram contradições. E pior ainda: a

previsão de casos expressos fez com que alguns doutrinadores283, adotando

uma visão absolutamente restritiva do conteúdo das cláusulas gerais acima

mencionadas, defendessem que a intervenção do judiciário somente pode

ocorrer nestes casos.

Nas hipóteses de contradições entre as cláusulas gerais e os

conceitos legais indeterminados, entendemos que o juiz poderia agir em

desconformidade com o conceito legal indeterminado, de modo a fazer valer

a cláusula geral da função social e da boa-fé objetiva. Passaremos agora ao

estudo de alguma destas contradições, sem, no entanto, pretender tratar de

todas elas, nem esgotar o tema.

283 Segundo entendimento de Luciano Rodrigues Machado: “Isso não significa que o juiz,

diante de um caso concreto, constatando simplesmente o desequilíbrio das prestações de um contrato, possa determinar a sua revisão ou decretar a sua anulação, invocando a cláusula geral da função social do contrato. Tratando-se dos efeitos internos do contrato, é preciso que o juiz verifique se, no caso concreto, estão presentes todos os requisitos legais de admissibilidade da alteração da declaração de vontade por determinação judicial, sob pena de violar o princípio da autonomia da vontade, reconhecido expressamente por norma infraconstitucional, que tem o fundamento no princípio constitucional da livre-iniciativa. (...) Com relação aos efeitos internos, o princípio da função social do contrato pode ser identificado no estado de perigo, na lesão, na sua resolução por onerosidade excessiva, previstos no novo Código Civil” (MACHADO, Luciano Rodrigues. A função... cit., p. 334). A posição de Humberto Theodoro Junior é também neste sentido: “Na verdade, os caminhos que se abrem para a intervenção judicial no domínio do contrato, não devem ser outros senão aqueles remédios tipificados na lei, como, v.g., a repressão à fraude contra credores, à simulação, à usura, aos negócios atentatórios dos preceitos de ordem pública. (...) Seria pela prudente submissão do caso concreto às noções legais com que o Código tipificou as hipóteses de intervenção judicial no contrato que se daria a sua grande adequação às exigências sociais acobertadas pela lei civil” (THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 105-106.). Pedro de Oliveira da Costa, embora sustentando que não se pode restringir o conteúdo da função social do contrato, concluiu que as hipóteses de revisão e rescisão devem atender os requisitos específicos, presentes em institutos e dispositivos próprios (COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos ... cit., p. 55.).

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3.4.1 Algumas contradições existentes no Novo Código Civil e as

formas de solução das questões delas decorrentes

Assim como toda legislação recém editada, o Código Civil não possui

apenas qualidades. Apesar da boa técnica com que o legislador incluiu as

cláusulas gerais no ordenamento pátrio, em algumas passagens tem-se

claramente a impressão de que ele tentou restringir tais disposições.

Conforme se demonstrará, existe flagrante contradição entre alguns

dispositivos contidos no próprio Código Civil.

Ao tratar da antinomia das normas, Bobbio284 previu este fenômeno,

tendo assinalado a possibilidade de ocorrência de antinomias entre duas

normas gerais, contemporâneas e do mesmo nível, concluindo que a

solução para este conflito é confiada à liberdade do intérprete (“autêntico

poder discricionário do intérprete”), na medida em que os critérios temporal,

espacial e hierárquico não mais podem ajudar.

As possibilidades por ele apresentadas são: a eliminação de uma das

regras, a eliminação das duas ou a conservação das duas (em caso de

incompatibilidade meramente aparente).

No caso concreto, entendemos que se deva adotar o primeiro

parâmetro defendido, fazendo-se com que a cláusula geral, em razão do seu

caráter principiológico, tenha predominância sobre as normas específicas.

284 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 97-98.

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3.4.1.1 Os artigos 478, 479 e 317 do Código Civil – As teorias da

onerosidade excessiva e da imprevisão no Novo Código Civil e

no Código de Defesa do Consumidor

Os artigos 478 e 479 do Código Civil prevêem que:

Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Art. 479. “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

Este dispositivo é objeto de várias críticas.

Em primeiro lugar, o referido artigo relaciona a onerosidade excessiva

à extrema vantagem para a outra parte. Entretanto, uma parte da doutrina 285,

com razão, tem adotado a teoria da onerosidade excessiva com base na

paridade inicial do contrato, independentemente da vantagem (excessiva ou

não) para outra parte. É perfeitamente possível que em razão de

acontecimentos supervenientes, determinada prestação torne-se

excessivamente onerosa para uma das partes, sem que isso implique em

285 Ruy Rosado de Aguiar Junior (AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto... cit., p. 28),

salientou que: “O artigo 478 do Código civil afastou-se da teoria da alteração da base objetiva do negócio, que melhor satisfaz a exigência da justiça contratual, pois permite a intervenção judicial ainda quando inexistente a imprevisibilidade e a vantagem excessiva para o credor e está fundada no exame das condições concretas do negócio jurídico, o que exclui o perigo de um julgamento fundado apenas em considerações de ordem subjetiva”. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery defendem que haverá quebra da base objetiva do negócio quando houver onerosidade excessiva, que nada tem a ver com teoria da imprevisão. Havendo quebra da base objetiva do contrato, o juiz poderá revê-lo (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 340.). Regina Vera Villas Boas Fessel também destaca o fato de o legislador ter previsto “o requisito da vantagem excessiva, ocasionando modificação da teoria, diminuindo seu campo de incidência, posto que pode haver onerosidade para uma das partes, sem, contudo, haver vantagem excessiva para a outra” (FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos históricos relevantes à compreensão da vocação do instituto da responsabilidade civil [Tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002, p. 141.). De acordo com Ilton Carmona de Souza: “A inteligência do art. 2035 amplia o poder do juiz nas relações contratuais, permitindo-lhe alterar o contrato além da teoria da imprevisão” (SOUZA, Ilton Carmona. O pedido genérico na ação de revisão contratual. In MAZZEI, Rodrigo (Coord). Questões processuais no novo código civil. Vitória: Instituto Capixaba de Ensinos, 2006... cit., p. 301.).

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vantagem demasiada para a outra. E, neste caso, ocorrerá um rompimento

na base objetiva do contrato, justificador da rescisão.

Em segundo lugar, afastando-se da teoria da base objetiva do

contrato e da justiça contratual, este dispositivo exige a ocorrência de

acontecimentos imprevisíveis, posição também criticada pelos mesmos

doutrinadores acima citados. Nas palavras de Regina Vera Villas Boas286:

“devem (os aplicadores do direito) utilizar-se da proclamada onerosidade

superveniente à formação do contrato, podendo, todavia, deixar de lado os

pressupostos de extraordinariedade ou imprevisibilidade do fato para não

afrontarem os princípios da Justiça, na solução do caso concreto”.

Por último, ele dá preferência à rescisão contratual, quando, na

realidade, principalmente em razão do princípio da função social do

contrato287, a manutenção do mesmo deveria ser privilegiada, conforme foi

concluído no Encontro de Direito Civil (STJ 22):

“A função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas justas e úteis” e vem sendo defendido, com acerto, pela doutrina288.

Estas críticas fizeram com que o Deputado Ricardo Fuiza

apresentasse o Projeto de Lei 6.960 de 2002, que altera os artigos 472, 473, 286 FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos... cit., p. 140. 287 No tocante à relação entre a função social do contrato e o princípio da sua conservação

que será a seguir tratado, convém assinalar a lição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy no sentido de que a regra interpretativa da conservação não teve origem na sua função social, mas deve ser recompreendido à luz da função social: entre duas interpretações que mantenham os efeitos do contrato, deve-se dar prevalência à que mais se adeqüe à sua função social (GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 172.).

288 FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos... cit., p. 140, Cláudio Luiz Bueno de Godoy salienta que embora o Código Civil não tenha feito expressa menção à conservação dos contratos, tal qual ocorreu no Código Civil italiano (Art. 1367- a seguir transcrito), o mesmo tem sido tomado como princípio. Também cita como exemplos de positivação deste princípio os artigos 144 e 157, § 2º do Código Civil, que tratam respectivamente da manutenção do negócio feito com erro ou com lesão de uma das partes (GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 170-171.). (artigo 1.367 do Código Civil italiano: Conservazione del contratto: Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono interpretarsi nel senso in cui possono avere qualche effetto, anziché in quello secondo cui non ne avrebbero alcuno (1424). – Artigo 1367- Conservação do contrato – Na dúvida, o contrato ou a sua cláusula devem ser interpretados de forma a produzir efeitos, ao invés de não ter efeito algum (tradução livre).

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474, 474, 478, 479 e 480 do Código Civil289. Referido projeto, entretanto,

como já mencionado, foi arquivado em 31 de janeiro de 2007.

Observe-se que o artigo 317 do próprio Código Civil também trata da

teoria da imprevisão. Entretanto, este artigo, embora tenha tido uma redação

mais coerente ao prestigiar a manutenção do contrato, igualmente se

afastou do princípio da boa-fé objetiva ao exigir a existência de motivos

imprevisíveis. Segundo a redação legal:

“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

O Enunciado 17 aprovado pela I Jornada de Direito Civil do Conselho

Superior da Justiça Federal teve por objetivo tentar relativizar o disposto no

artigo 317 do Código Civil. De acordo com referido Enunciado:

“A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis”, constante do artigo 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis”.

289 Se aprovados, referidos dispositivos passariam a vigorar com a seguinte redação: “Art.

472. Nos contratos de execução sucessiva ou diferida, tornando-se desproporcionais ou excessivamente onerosas suas prestações em decorrência de acontecimento extraordinário e estranho aos contratantes à época da celebração contratual, pode a parte prejudicada demandar a revisão contratual, desde que a desproporção ou a onerosidade exceda os riscos normais do contrato. § 1º. Nada impede que a parte deduza, em juízo, pedidos cumulados, na forma alternativa, possibilitando, assim, o exame judicial do que venha a ser mais justo para o caso concreto; § 2º - Não pode requerer a revisão do contrato quem se encontrar em mora no momento da alteração das circunstâncias; § 3º - Os efeitos da revisão contratual não se estendem às prestações satisfeitas, mas somente às ainda devidas, resguardados os direitos adquiridos por terceiros”. (NR)

“Art. 473. Nos contratos com obrigações unilaterais aplica-se o disposto no artigo anterior, no que for pertinente, cabendo à parte obrigada pedido de revisão contratual para redução das prestações ou alteração do modo de executá-las, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. (NR)

“Art. 474. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as prestações do contrato”. (NR)

“Art. 475. Requerida a revisão do contrato, a outra parte pode opor-se ao pedido, pleiteando a sua resolução em face de graves prejuízos que lhe possa acarretar a modificação das prestações contratuais.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação”. (NR)

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Embora, ao nosso ver, a melhor posição seja a de excluir a exigência

de acontecimentos imprevisíveis, não adotada pelo enunciado, tal enunciado

ao menos relativiza o teor do dispositivo.

Posição interessante é a de Flavio Tartuce290, para quem o artigo 317

do Código Civil – e somente este- trataria da teoria da imprevisão para

revisão do contrato, teoria esta que teria pressupostos distintos da teoria da

imprevisão para rescisão do contrato.

Segundo o doutrinador, para a revisão não há como se exigir a

ocorrência de fatos imprevisíveis, de modo que com relação a este ponto o

artigo 317 deveria ter sua redação alterada, sob pena de violação ao

princípio da função social do contrato. Sustenta ainda o estudioso que este

entendimento teria respaldo no disposto no artigo 480291 do Código Civil.

Entretanto, em caso de resolução do negócio, nos termos do artigo 478 do

Código Civil, a demonstração das causas imprevisíveis seria necessária.

Parece-nos, entretanto, que não existem razões para se distinguir a

aplicação da teoria da onerosidade excessiva (e não da imprevisão na

medida em que temos defendido não haver necessidade de demonstração

de fatos imprevisíveis) para casos de revisão e resolução do contrato. Além

disso, mais do que fundamentar a dispensa a fatos imprevisíveis no artigo

480 (que se aplica apenas a contratos nos quais as obrigações devem ser

cumpridas apenas por uma das partes), seria melhor fundamentá -la nos

princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

290 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 255-268. 291 Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela

pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

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Os Códigos Civis italiano e argentino que também consagram o

princípio da boa-fé objetiva trazem disposição no mesmo sentido da

legislação brasileira292. Com relação a este ponto, todavia, a legislação

lusitana foi mais bem sucedida. De acordo com o artigo 437 nº 1 do Código

Civil Português:

“Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do negócio”.

292 Italiano: Art. 1467 Contratto con prestazioni corrispettive. Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la

prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall'art. 1458 (att. 168).

La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell'alea normale del contratto.

La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modificare equamente le condizioni del contratto (962, 1623, 1664, 1923). (Contrato de prestação recíproca. Nos contratos de execução continuada ou periódica de execução diferida, se a obrigação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa em razão de acontecimento extraordinário ou imprevisível, a parte que deve tal prestação pode pretender a resolução do contrato, conforme artigo 1.458. A resolução não pode ser pedida se a onerosidade excessiva decorrer da álea normal do contrato. A parte contra quem for demandada a resolução pode evitá-la, oferecendo-se a modificar eqüitativamente o contrato- tradução live). Argentino: Art.1198.- Los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de buena fe y de acuerdo con lo que verosímilmente las partes entendieron o pudieron entender, obrando con cuidado y previsión.

En los contratos bilaterales conmutativos y en los unilaterales onerosos y conmutativos de ejecución diferida o continuada, si la prestación a cargo de una de las partes se tornara excesivamente onerosa, por acontecimientos extraordinarios e imprevisibles, la parte perjudicada podrá demandar la resolución del contrato. El mismo principio se aplicará a los contratos aleatorios cuando la excesiva onerosidade se produzca por causas extrañas al riesgo propio del contrato. (Os contratos devem ser celebrados, interpretados e executados de boa-fé e de acordo com a intenção das partes. Nos contratos bilaterais comutativos e nos unilaterais de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, por acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, a parte prejudicada poderá demandar a resolução do contrato. O mesmo princípio se aplicará aos contratos aleatórios quando a excessiva onerosidade decorrer de causas estranhas ao próprio risco do contrato” (tradução livre).

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Ao comentar referido dispositivo Mário Julio de Almeida Costa293

ensina que são requisitos para a revisão do contrato por causas

supervenientes, no direito português: a) que a alteração se refira às

circunstâncias em que se basearam a vontade de contratar. Este requisito,

em nosso entender, também se faz presente no direito pátrio, sob pena de

violação à própria boa-fé objetiva, b) que haja uma alteração anormal: neste

ponto, o doutrinador afirma expressamente que a alteração anormal não se

confunde com a imprevisível. Uma alteração previsível pode ser considerada

anormal (como por exemplo a “compra” de uma janela para assistir a um

desfile e a desistência em razão do posterior cancelamento do desfile).

Embora fosse melhor que o dispositivo não trouxesse este requisito - que

pode ser objeto de dúvidas, até mesmo em razão do conteúdo

indeterminado do vocábulo “anormal” - em uma interpretação sistemática

parece-nos que ele não contraria o ordenamento. É que seria possível

sustentar que em sendo uma alteração normal ela estaria incluída no risco

do negócio, não podendo gerar a sua revisão sob pena de violação,

novamente, à boa-fé objetiva, c) que a alteração envolva a lesão de uma das

partes. Novamente o legislador português agiu melhor do que o legislador

pátrio, ao não exigir a vantagem econômica da parte contrária, d) que afete

gravemente o princípio da boa-fé. Parece-nos que sempre que houver uma

alteração da base objetiva do negócio – que é a situação prevista pelo

dispositivo- a boa-fé será afetada, e) que a situação não se encontre

abrangida pelos riscos próprios do contrato, o que, conforme já afirmado e

reconhecido também por Mário Julio de Almeida Costa294 decorre do próprio

princípio da boa-fé, e por fim, f) a inexistência de mora do lesado. Carlos

Ferreira de Almeida295 igualmente afirma que este dispositivo confirma a

adoção do princípio da boa-fé objetiva pelo Código Civil Português.

Retomando a análise dos dispositivos existentes no Código Civil

brasileiro, além das críticas acima indicadas, parece-nos que o artigo 479

293 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 300. 294 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 307. 295 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 176.

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também deve ser objeto de estudo. Isto porque da forma como foi redigido,

este dispositivo dá efetivamente a impressão de que o contrato somente

poderá ser modificado se ambas as partes concordarem com as alterações a

serem efetuadas. Claudia Lima Marques296 prevê este ponto como sendo

uma diferença entre o sistema escolhido pelo Código Civil e o adotado pelo

Código de Defesa do Consumidor, no qual, afirma, o juiz poderia sempre

agir para revisar o contrato. Por tudo o que já se discutiu aqui, esta não nos

parece a interpretação mais correta, principalmente em face do princípio da

manutenção do contrato.

Entendemos que tanto na legislação consumerista como no Código

Civil, o juiz pode agir para integrar o contrato, proferindo sentença

determinativa. Este também é o entendimento de Cássio M.C. Penteado

Jr.297, que acompanha as já citadas lições de Nelson Nery Jr., Rosa Maria de

Andrade Nery e Ruy Rosado de Aguiar.

Vale repetir que tal conclusão é fundada nos ensinamentos de

Bobbio, para quem, em caso de conflitos, deve ser mantida apenas uma das

normas conflituosas. Entendemos que em razão do caráter amplo das

cláusulas gerais e da principiologia adotada pelo Código Civil de 2002 e já

acima debatida, o melhor seria adotar a prevalência das cláusulas gerais da

função social do contrato e da boa-fé objetiva e relativizar a aplicação dos

referidos artigos 478, 479 e 317 do Código Civil.

296 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio à obra Cristiano Heineck Schmitt. Cláusulas

abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 18. 297 PENTEADO JUNIOR, Cássio M. C. O relativismo da autonomia da vontade e a

intervenção estatal nos contratos. Revista de Direito Bancário, 21, jul/set, 2003, p. 219.

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Conseqüentemente, e na esteira do que já ocorre no Código de

Defesa do Consumidor298, não haveria motivo, apesar de expressa

disposição legal, para se exigir na aplicação da teoria da imprevisão prevista

pelo Código Civil, a demonstração da vantagem excessiva para a outra parte 298 No sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não exigir a imprevisão, extrema

vantagem ou irresistibilidade (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor - O novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 215). Em outra obra, Claudia Lima Marques também defende que, de acordo com o Código Civil, em caso de onerosidade excessiva a rescisão deve prevalecer à revisão, que somente poderia ocorrer se oferecida pela outra parte, não podendo ser feita pelo juiz (MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio... cit., p. 18). Judith Martins Costa embora em um primeiro momento dê a impressão de ser contrária a esta tese, posteriormente, a confirma: “O que se tutela é o risco extraordinário, a álea que excede o marco normal, típico do contrato, isto é aquela que supõe o “sacrifício econômico do devedor de modo desproporcionado em relação à correspondente vantagem do credor. (...) Observe-se, contudo, que a norma não exige que a desproporção tenha por causa acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, razão pela qual, apesar da referência, na lei, à excessiva onerosidade, mais proximamente se trata da adoção da base objetiva do negócio”. (COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 649). A jurisprudência também tem se posicionado neste sentido: Processual Civil e Civil. Revisão de contrato de arrendamento mercantil ("leasing"). Recurso Especial. Nulidade de cláusula por ofensa ao direito de informação do consumidor. Fundamento inatacado.

Indexação em moeda estrangeira (dólar). Crise cambial de janeiro de 1999 - Plano real. Aplicabilidade do art. 6º, inciso V, do CDC.

Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior. Recurso Especial. Reexame de provas. Interpretação de cláusula contratual.

(...) - O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter

imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.

- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.

- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial pela prestação do consumidor indexada em dólar americano.

- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (arts. 6°, III, 31, 51, XV, 52, 54, § 3º, do CDC).

- Incumbe à arrendadora desincumbir-se do ônus da prova de captação específica de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela sob pena de violar o art. 6° da Lei n. 8.880/94.

- Simples interpretação de cláusula contratual e reexame de prova não ensejam Recurso Especial. (STJ, 3ª Turma, AgReg. no Recurso Especial 374351/RS, Rel. Min. Nanacy Andrighi, j. 30/04/2002).

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e nem mesmo de acontecimentos extraordinários. Ademais, a manutenção

do contrato em razão da sua função social, sempre teria prioridade à sua

rescisão299.

No entanto, este entendimento tem enfrentado diversas críticas,

sendo que a maior parte da doutrina tem-se afastado dos referidos princípios

(ignorando até mesmo as contradições expostas), preferindo dar aplicação

aos artigos 478, 479 e 317 do Código Civil, distanciando assim as teorias

previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Claudia Lima Marques300 e Arruda Alvim301, nem mesmo mencionam

as contradições.

E Humberto Theodoro Junior, por sua vez defende a impossibilidade

de o juiz intervir no contrato recriando o seu conteúdo. Segundo ele, salvo

nos casos nos quais a lei expressamente autoriza a intervenção, cabe ao

juiz tão somente interpretar o contrato ou negar-lhe efeito 302.

Pensamos que estes pensamentos estão equivocados. Sendo a teoria

da base objetiva mais ampla que a teoria da imprevisão (ocorrendo

imprevisão justificadora da rescisão invariavelmente ocorrerá alteração na

base objetiva), em razão das cláusulas gerais da boa-fé objetiva, da função

social do contrato e do princípio da sua manutenção, na medida do possível,

o juiz deve zelar pela manutenção do contratado.

299 De acordo com Otávio Luiz Rodrigues Junior, no Código de Defesa do Consumidor o

fornecedor está sempre obrigado à manutenção do contrato, enquanto ao consumidor cabe a opção de mantê-lo com a revisão das cláusulas, ou rescindi-lo (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão... cit., p. 217.).

300 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 217. 301 ALVIM, Arruda. A função social do contrato no novo código civil. Revista dos Tribunais,

v. 815, 1992, p. 29. 302 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 26-27.

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3.4.1.2 A anulação do negócio jurídico por lesão

O artigo 157303 do Código Civil prevê a possibilidade de anulação ou

revisão do negócio jurídico por lesão, assim entendida como a aceitação de

uma prestação desproporcional em razão de preemente necessidade ou

inexperiência.

Tratou-se de mais uma inovação do Código Civil que retomou o

regime existente ao tempo das ordenações e constante do esboço de

Teixeira de Freitas304.

A revisão (ou anulação) do contrato por lesão se diferencia da revisão

por onerosidade excessiva. No primeiro caso, a onerosidade já existe no

momento da contratação; no segundo, surge depois, em razão de

circunstâncias supervenientes.

Assim como ocorreu com a revisão por onerosidade excessiva, no

que se refere à lesão, o legislador também optou por exigir outros requisitos

para sua caracterização. Ruy Rosado de Aguiar Junior305 assinala que,

diferentemente do que ocorre no Código de Defesa do Consumidor, o

Código Civil exige, para caracterização da lesão, a preemente necessidade

ou inexperiência da parte. Observe que estes requisitos estão relacionados à

boa-fé subjetiva das partes contratantes.

Parece-nos, contudo, que mesmo perante o não preenchimento

destes requisitos, se a parte demonstrar que o conteúdo do contrato não

correspondeu à sua intenção e resultou para ela em uma vantagem

excessiva, com base no princípio da boa-fé objetiva poderá pleitear a revisão

contratual. Trata-se do mesmo raciocínio desenvolvido no item 3.4.1.1 supra.

Entretanto, este caso apresenta uma peculiaridade. É que ao

contrário da onerosidade excessiva, a lesão está diretamente relacionada à

303 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por

inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

304 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto... cit., p. 23. 305 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto... cit., p. 23.

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vontade das partes no momento da contratação. Se, nas palavras de Raquel

Bellini de Oliveira Salles306 “o Código de Defesa do Consumidor adotou a

lesão apenas em sua concepção objetiva, prescindindo do dolo de

aproveitamento para a sua configuração”, neste ordenamento a

vulnerabilidade do consumidor é presumida. Portanto, indiretamente se

exige também o preenchimento do requisito subjetivo.

Tal presunção, contudo, não ocorre no Código Civil. Assim, até

mesmo para evitar abusos, deve-se exigir, nos contratos firmados sob a

égide do Código Civil, ainda que se libere as partes da demonstração da

preemente necessidade ou inexperiência (que resultaria na má-fé subjetiva

do outro contratante), a prova da ausência de boa-fé objetiva. Ou seja, o

ônus da prova de que o conteúdo do contrato não correspondeu à

expectativa das partes caberá, como de regra, a quem fizer a alegação.

Portanto, se uma grande empresa contratar com outra em situações

menos vantajosas, ciente destas condições e aceitando-as com o objetivo de

obter alguma outra vantagem comercial, não poderá, em um segundo momento,

pedir a revisão do contrato, sob pena de violar o princípio da boa-fé

objetivaApenas a título de exemplificação, podemos pensar na seguinte

hipótese: uma grande empresa firma com um Banco um contrato de

exclusividade na folha de pagamentos de seus funcionários pelo prazo de 5

(cinco) anos. Paralelamente, por outro contrato, o Banco se obriga a instalar

um caixa eletrônico na empresa. Comercialmente e por acordo verbal,

estipula-se que um contrato está vinculado ao outro. A empresa não poderá

pretender a revisão da cláusula de exclusividade, por lhe ser onerosa,

desconsiderando a vantagem que obteve com a instalação do caixa. E nem

o Banco poderá retirar o caixa e continuar a exigir a exclusividade, sob pena

de pagamento de multa.

O Código Civil Português trata da lesão de forma “mista” ao dispor,

em seu artigo 257 (incapacidade acidental) que:

306 SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão

dos contratos no código de defesa do consumidor: para um cortejo com o código civil. In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações - Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.317.

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“1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”.

Ao contrário do Código Civil brasileiro, este dispositivo não exige a

demonstração da inexperiência ou preemente necessidade. Aceita “qualquer

causa” como justificativa. Entretanto, também não aceita a simples revisão

por desequilíbrio. Exige que haja uma incapacidade acidental.

3.5 Breves considerações sobre o direito intertemporal. A aplicação

do Código Civil aos contratos firmados anteriormente a 2003

Temos insistido desde o início do trabalho, no sentido de que o

Código Civil de 2002 consagrou um novo direito contratual. E, neste ponto, é

de se perguntar: mas o que ocorrerá com os contratos firmados antes da

entrada em vigor deste Código?

Com relação aos contratos já firmados e concluídos, a questão é de

fácil resposta: não sofrerão qualquer influência.

Entretanto, o problema está nos contratos de trato sucessivo.

Sobre a vigência dos contratos de consumo firmados antes da entrada

em vigor do Código de Defesa do Consumidor, Claudia Lima Marques307

apontou este como um dos temas mais polêmicos e interessantes do direito do

consumidor.

Os contratos sob a égide do Código Civil constituem questão

igualmente complexa, embora o artigo 2.035 do Código Civil tenha nos

ajudado a solucioná-la, conforme se demonstrará a seguir. Dada à

estreita correlação deste tema com o presente trabalho, não poderíamos

ignorá-lo.

Assim, neste capítulo, pretendemos tecer algumas considerações

sobre as linhas que vêm sendo seguidas pela doutrina e pela jurisprudência

sem contudo, esgotar a questão. 307 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 559-554.

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Para tanto, novamente nos reportaremos às teorias construídas

quando da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a fim de

verificar a sua aplicação ao Código Civil.

Segundo Claudia Lima Marques308 existem algumas teorias que

justificam ou não a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a

contratos anteriores à sua vigência.

Em sentido contrário à sua aplicação, costuma-se suscitar o princípio

da segurança jurídica, fundado na proteção ao direito adquirido e ao ato

jurídico perfeito.

Vale dizer, contudo, que para que um direito possa ser qualificado

como adquirido, este deve estar em conformidade com a lei e com o

ordenamento. Um direito obtido de forma abusiva não se enquadra nesta

situação. O princípio da boa-fé objetiva já vigorava no ordenamento jurídico

anteriormente à entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (e,

por óbvio, do Código Civil de 2002). Portanto, com o objetivo de sustentar a

aplicação do Código de Defesa do Consumidor a estes contratos é possível

afirmar que um ato que viole o princípio da boa-fé objetiva não pode ser

entendido como direito adquirido, não sendo passível de proteção. Trata-se

de uma teoria inovadora e contraditória, principalmente por referir-se a

conflitos entre princípios constitucionais. Além do que, como também

assegura Cláudia Lima Marques309, a principal oposição à aplicação das

normas do diploma consumerista às relações já em curso não dizem

respeito ao direito adquirido, mas sim ao ato jurídico perfeito.

O ato jurídico perfeito, com base na definição trazida pelo artigo 6º, §

2º, da Lei de Introdução do Código Civil, é aquele que já se consumou. Mas

o que se deve entender por ato já consumado? A jurisprudência310 tem

considerado que o ato se consuma no momento da sua assinatura, dando

308 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 559-584. 309 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 567. 310 Novamente nos reportando aos ensinamentos de Claudia Lima Marques, a autora cita

como “leading case” o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Adin 493-0, na qual foi relator o Ministro Moreira Alves) (MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 569.

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111

assim, uma visão restritiva ao ato jurídico. Este também é o entendimento de

Maria Helena Diniz311.

Entretanto, esta teoria pode, por vezes, violar outro direito

constitucionalmente garantido, que é o da proteção ao consumidor. Este

ponto deve ser considerado, de modo a se aceitar a análise de cláusulas

contratuais que violem os direitos do consumidor ainda que estabelecidas

anteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor. Jorge Alberto

Quadros de Carvalho 312, ao tratar da validade de contratos de trato

sucessivo firmados anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor,

defende a possibilidade de aplicação de tal ordenamento.

Para ele, o princípio da segurança jurídica não pode ser utilizado sem

levar em conta a ética, a moral e os princípios existentes no ordenamento

jurídico.

Por fim, deve-se também citar a teoria da aplicação imediata das

normas de ordem pública que viria ao encontro da nova visão social do

direito, viabilizando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos

contratos firmados anteriormente à sua vigência.

Após comentar exaustivamente estas teorias, Claudia Lima

Marques313 conclui que a jurisprudência314 optou por uma posição

intermediária, ora aceitando a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor em razão do seu caráter de norma de ordem pública, ora

defendendo que os seus princípios já vigiam no ordenamento anteriormente

a promulgação do CDC, de modo que devem ser aplicados (conforme já se

demonstrou no item 3.3.1.4, quando tratamos da boa-fé objetiva).

Afirma também que a teoria da prevalência da ordem pública e do

princípio constitucional de garantia ao consumidor é que devem ter

aplicação.

311 DINIZ, Maria Helena. Comentários... cit., p.180. 312 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 112. 313 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 583-584. 314 Embora se perceba uma tendência à restrição da aplicação, conforme súmula 285 do

Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual: “nos contratos bancários posteriores ao código de defesa do consumidor incide a multa muratória nele prevista”. (grifamos)

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Todas estas questões podem, sem sombra de dúvidas, ser

novamente suscitadas em relação ao Código Civil. Assim como a

Constituição Federal garante o direito de proteção ao consumidor, também

garante o direito à solidariedade nas relações e a função social da

propriedade (da qual a função social do contrato é tida como corolário).

Entretanto, quanto ao Código Civil, ao que tudo indica, a solução será

mais fácil (apesar, é claro, de que nem sempre será pacífica). Isto porque o

parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil é expresso ao afirmar que

não prevalecerão as convenções que contrariarem a função social do

contrato e da propriedade. Este dispositivo fez com que Maria Helena

Diniz315, que, conforme mencionado anteriormente, com relação a este tema,

costuma adotar uma posição mais conservadora, após uma longa

consideração sobre o princípio da segurança jurídica e impossibilidade de

irretroatividade de lei – ainda nos contratos de trato sucessivo, concluísse:

“Se assim é, incabível seria a existência de direito adquirido ou ato jurídico

perfeito contra norma de ordem pública, aplicável retroativamente a atos

anteriores a ela”. Também este é o entendimento de Flavio Tartuce316.

Ainda é cedo para definir qual posição que a jurisprudência adotará

com relação ao tema. Parece-nos, no entanto, que caminha para a melhor

solução- a sobrevalência das normas de ordem pública é a melhor

solução317.

315 DINIZ, Maria Helena. Comentários... cit., p. 184. 316 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 3105-310. 317 RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPUGNAÇÃO

EXCLUSIVAMENTE AOS DISPOSITIVOS DE DIREITO MATERIAL. POSSIBILIDADE. FRACIONAMENTO DE HIPOTECA. ART. 1488 DO CC/02. APLICABILIDADE AOS CONTRATOS EM CURSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2035 DO CC/02. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS.

- (...) O art. 1488 do CC/02, que regula a possibilidade de fracionamento de hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2035 do CC/02.

- (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ, 3ª TURMA, Recurso Especial 691738. Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 12/05/2005).

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3.6 Dos contratos de consumo antes e após a promulgação do Código

Civil de 2002

O Código de Defesa do Consumidor foi, de certa forma, um

antecessor de grande parte das boas inovações trazidas pelo Código Civil.

De acordo com Claudia Lima Marques, ambos os ordenamentos foram

elaborados com base nos mesmos princípios318.

É certo que existem algumas antinomias aparentes entre eles, sendo

que em relação a determinados assuntos, o Código de Defesa do

Consumidor pode, inclusive, ser considerado mais avançado.

Como já dito acima, em alguns pontos, como por exemplo com

relação à teoria da onerosidade excessiva e aos artigos 478, 479 e 317 do

Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor é mais evoluído. O artigo

6º do Código de Defesa do Consumidor admite a modificação das cláusulas

mediante a ocorrência de fato superveniente, sem fazer qualquer menção à

necessidade do fato ser imprevisível ou da vantagem excessiva para a outra

parte, consagrando, assim, o princípio da boa-fé objetiva.

Mesmo no tocante às já citadas cláusulas abusivas, sobre as quais

teceremos comentários mais adiante (item 4.2.2.1) parece-nos que a opção

feita pelo legislador consumerista de dotar determinadas cláusulas de

nulidade absoluta, permitindo, contudo, a sua integração319, foi um grande e

importante avanço. Por sinal e conforme já mencionado, o Código Civil tem

sofrido críticas de parte da doutrina 320 por não ter dado às cláusulas

abusivas o mesmo tratamento que lhes foi conferido pelo Código de Defesa

do Consumidor.

Ainda uma vez reportando-nos aos ensinamentos de Claudia Lima

Marques, convém notar que estas divergências não são principiológicas.

Defende a autora que mencionadas antinomias se deram em razão dos

diferentes objetivos de cada um dos Códigos. O Código Civil objetiva regular

318 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 553. 319 Ponto este que também é objeto de divergência, conforme se demonstrará a seguir. 320 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências ... cit., p. 149. Neste mesmo sentido

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas ... cit., p. 29. SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas... cit., p. 29.

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relação entre partes mais equilibradas, de modo que as suas disposições

podem ser menos protetivas321.

Entendemos que esta justificativa é plenamente razoável e aplicável a

alguns dispositivos.

Com relação às cláusulas abusivas, como já mencionado,

defendemos que o princípio da boa-fé objetiva, juntamente com o artigo 29

do Código de Defesa do Consumidor que por expressa disposição legal

pode ser aplicado a relações civis e empresariais, cumprem bem a sua

função, não sendo o Código Civil, neste ponto, passível de críticas.

Claudia Lima Marques322 também aponta supostas contradições entre

os artigos 427 e 428 do Código Civil que admitem a revogação da oferta, e o

artigo 35 do CDC, segundo o qual a oferta é irrevogável; entre os artigos 11

do Código Civil e 39 do CDC, o primeiro que admite o silêncio como

aceitação e o segundo que não admite; e o artigo 463 do CC e 48 do CDC,

que tratam do registro do compromisso preliminar. Igualmente concordamos

que em relação a esses pontos as distinções ocorreram em razão dos

objetivos diversos de cada uma das codificações.

Insistimos contudo, que, no tocante a algumas matérias (como por

exemplo com relação à onerosidade excessiva, sobre a qual já nos referimos

no item 3.4.1.1), os dispositivos específicos do Código Civil contrariaram a

sua base principiológica, não merecendo prevalecer.

De qualquer forma, é inegável que ambos os ordenamentos

consagraram a teoria contratual moderna, e, com o objetivo de fazer valer os

seus comandos, fizeram uso de cláusulas gerais, princípios e conceitos legais

indeterminados. Ou seja, os dois ordenamentos são muito similares.

Principalmente no que se refere às relações de consumo, devem ser

interpretados em conjunto, na medida em que os conceitos gerais do direito do

consumidor323 estão, de fato, no direito civil, tais como positivados pelo Código.

321 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 556. 322 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 558. 323 Conceitos como pessoa física, pessoa jurídica, personalidade, prescrição, decadência,

nulidade (este último, ressalvadas posições contrárias sobre as quais nos manifestaremos a seguir).

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Feitos estes esclarecimentos preliminares sobre os contratos no

Código de Defesa do Consumidor, passaremos ao estudo da intervenção do

Estado-Juiz nos contratos regidos pelo Código Civil e também pelo Código

de Defesa do Consumidor.

3.7 Considerações sobre a intervenção “ex officio”

Talvez seja este um dos pontos mais delicados e de difícil definição

do presente trabalho. Dada sua complexidade, certamente mereceria um

estudo específico.

Por isso, não pretendemos, nesta dissertação, esgotar a análise do

assunto, mas apenas tecer algumas considerações sobre o que se entende

por norma ou preceito de ordem pública na doutrina e quais as

conseqüências de tal definição.

Preliminarmente, convém esclarecer a pertinência da discussão deste

ponto no presente trabalho, em razão do disposto no artigo 2.035, parágrafo

único do Código Civil, segundo o qual: “Nenhuma convenção prevalecerá se

contrariar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por

esse Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.

A redação dada ao artigo 2.035 do Código Civil parece-nos pouco

precisa e contraditória. Dispõe referido artigo sobre “preceitos” de ordem

pública para assegurar a função social do contrato e da propriedade (conceitos

estes que são tidos como princípios - ou cláusulas gerais- de ordem pública).

Como já afirmamos, de fato, o Código Civil previu preceitos para

assegurar a função social do contrato. Previu também função social do contrato,

que, em que pesem os entendimentos contrários, aplica-se não apenas como

parâmetro interpretativo ou nos casos expressamente previstos em lei, mas

efetivamente como uma cláusula geral, de aplicação em todos os contratos.

Daí a se perguntar: apenas os preceitos previstos no Código “para

assegurar a função social do contrato” é que são de ordem pública? A

cláusula geral da função social do contrato propriamente dita não pode ser

considerada como sendo uma norma de ordem pública?

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116

Os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery324

defendem que a cláusula geral, por si só, é uma norma de ordem púbica.

Arruda Alvim, em artigo específico sobre a função social do contrato325

conclui que a função social do contrato é uma norma de ordem pública e que

não pode ser afastada por vontade das partes.

Este também é o entendimento de Maria Helena Diniz326 ao afirmar

que os princípios da função social da propriedade e dos contratos como

preceitos de ordem pública iderrogáveis pela vontade dos contratantes.

No item 3.3.1.2 , fizemos referência a ensinamentos de Antonio

Junqueira de Azevedo sobre a diferença entre a cláusula geral da ordem

pública e as normas de ordem pública, estas últimas cogentes. Parece-nos

que o artigo 2.035 do Código Civil trata, efetivamente, destas normas

cogentes, inderrogáveis pela vontade das partes.

Este é o ponto que nos parece mais sensível: é possível a aplicação

das normas de ordem pública – assim tidas como normas cogentes e

iderrogáveis pela vontade das partes - de ofício pelo magistrado?

Das citações acima, parece-nos que esta seria a melhor interpretação

a ser dada à lei.

Este também é o posicionamento do Ministro José Augusto

Delgado327, do Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, tal entendimento pode dar margem a uma grande

insegurança jurídica, principalmente em se tratando de intervenção em

contratos, o principal instrumento negocial e fonte de circulação de riquezas,

considerando-se a amplitude e vaguesa das cláusulas gerais328. Vale dizer

324 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 335. 325 ALVIM, Arruda. A função... cit., p. 31. 326 DINIZ, Maria Helena. Comentários... cit., p. 181. 327 DELGADO, José Augusto. O contrato... cit., p. 30. 328 Aliás, em artigo que trata das cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor,

Anelise Becker chegou a afirmar que as nulidades presentes no Código de Defesa do Consumidor por meio de conceitos indeterminados dependeriam de ação própria para serem declaradas, posição esta com a qual não concordamos, pelas razões que serão expostas no item 4.2.2 infra (BECKER, Anelise. A natureza jurídica da invalidade cominada às cláusulas contratuais abusivas pelo código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 22, 1997, p. 123.).

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117

que o Código Civil unificou o direito das obrigações, revogando o Código

Comercial. Portanto, defender a possibilidade de intervenção de ofício, pelo

juiz, nos contratos, implica em dizer que ele poderia intervir em todos os

tipos de contratos, seja entre pessoas físicas, seja entre grandes

companhias.

Conforme afirma Paulo Velten329, esta posição gera polêmicas. Este

autor cita que Renan Lotufo, em sala de aula, defende que o juiz somente

poderia intervir mediante provocação das partes.

Otavio Luiz Rodrigues Junior330, por sua vez, também advoga a tese

(embora refira-se especificamente à teoria da onerosidade excessiva) de

que o juiz não poderá agir de ofício para alterar as cláusulas contratuais.

Segundo ele, ao fazê-lo o Judiciário estaria abandonando a sua

independência, o que não é possível, principalmente em relações cíveis

caracterizadas pela paridade entre as partes.

Humberto Theodoro Junior331 vai além, afirmando que o juiz somente

pode intervir nos casos expressos em lei para anular ou interpretar os

contratos, não podendo alterar o seu conteúdo. Esta posição foi

acertadamente criticada por Calixto Salomão Filho 332.

Vale mencionar que nenhum destes doutrinadores analisou,

especificamente, o artigo 2.035 do Código Civil, para alcançar as suas

conclusões sobre a possibilidade ou não de o juiz agir de ofício. Fabio Ulhoa

Coelho333, fazendo referência ao artigo 2.035 do Código Civil, reconhece a

possibilidade de reconhecimento de ofício do não atendimento à função

329 VELTEN, Paulo. Função... cit., p. 436. 330 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão... cit., p. 125. 331 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 105. 332 Se assim é, contratos que atinjam interesses institucionais carecem até mesmo de

eficácia, ao menos nas cláusulas capazes de atingir seus interesses. Essa constatação introduz elementos facilitadores e complicadores. Facilitadores, pois, em muitos casos não mais será necessário identificar em estatuto específico regra protetora de interesse institucional cujo descumprimento permita declarar a nulidade do contrato (ou de uma/alguma de suas cláusulas como assinala o autor em outra passagem). É possível negar-lhe eficácia naquilo que fere interesses institucionais simplesmente porque a questão se coloca, segundo os expressos termos do art. 421 do Código Civil, no plano da eficácia e não da validade” (SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 23) (grifamos).

333 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso... cit., p. 35-38.

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118

social do contrato. Entretanto, como este doutrinador restringe a função

social aos efeitos externos do contrato, afirma que apenas nestes casos é

facultado ao juiz intervir.

Apesar disso e reconhecendo que este entendimento obriga seja

conferida uma interpretação bastante restritiva e até mesmo passível de

críticas ao artigo 2.035, nossa tendência é a de sustentar a impossibilidade

de reconhecimento de eventual violação à função social do contrato e da

propriedade de ofício pelo magistrado.

O nosso posicionamento pode ser sustentado com base no artigo 128

do Código de Processo Civil e também nos princípios constitucionais do

acesso à justiça, da livre iniciativa e do contraditório e ampla defesa.

Segundo o artigo 128 do Código de Processo Civil: O juiz decidirá a

lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de

questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.

É de se salientar que o juiz é um operador do direito, não tendo, ao

menos em tese, como condição para o desempenho de sua atividade

conhecimentos relativos a outras áreas como por exemplo , economia,

contabilidade, “marketing”. O “reestabelecimento da função social do

contrato” não nos parece matéria simples. Não raro, exige noções

interdisciplinares, que dependeriam, por vezes, até mesmo da produção de

prova pericial. Aliás, pode ocorrer de o magistrado nem mesmo ter

condições de saber se determinada cláusula é ou não é benéfica às partes

contratantes, se alguma delas não tiver reclamado. Assim, a sua intervenção

de ofício poderia violar o princípio da livre iniciativa.

Por outro lado, para evitar tais equívocos, o juiz poderia nomear um

perito, com conhecimentos nesta área. E, neste ponto, surgiria uma outra

questão: a produção de prova pericial implica custos (arcados pelo autor da

ação, para prova dos fatos constitutivos de seu direito, e pelos réu para

prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor) e

retardos do processo. Isto sem considerar que determinada cláusula pode

ter sido estipulada pelas partes em razão de determinada estratégia

empresarial, desconhecida e/ou intencionalmente ocultada do perito.

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119

Em outras palavras, ao adaptar de ofício determinada cláusula o juiz

estaria julgando além do pedido das partes. Daí para admitir que ele poderia,

sozinho, iniciar um processo, não há nenhuma diferença prática.

Aceitar tal atitude do magistrado talvez iniba as partes de recorrer ao

Judiciário, violando até mesmo o direito constitucional de ação.

Além do mais, as partes poderiam ter violado o seu direito ao

contraditório e à ampla defesa, também constitucionalmente garantido,

principalmente nos casos em que a dilação probatória fosse dispensável, na

medida em que a sua defesa versaria sobre os temas do pedido, e o juiz, por

vezes, na sentença, poderia decidir uma causa totalmente estranha. Portanto,

o próprio princípio constitucional do contraditório e ampla defesa seria um

argumento apto a relativizar o disposto no artigo 2.035 do Código Civil.

Um outro ponto importante, que não deve ser esquecido, é que

referido artigo 2.035 não se encontra no capítulo do Código destinado aos

contratos. Sua inclusão foi feita nas Disposições Finais e Transitórias,

juntamente com outras normas de direito intertemporal.

Vale ressaltar que o próprio artigo 2.035 do Código Civil é uma norma

de direito intertemporal. O “caput” do referido dispositivo prevê que:

“A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.

Em seguida, o parágrafo único afirma que nenhuma convenção

prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública.

Daí se infere que aparentemente, a intenção do legislador não foi a de

conferir ao juiz poderes para intervir de ofício em todos os contratos a ele

submetidos, alterando disposições estranhas ao deslinde da causa, mas

sim, a de evitar que se instaurasse, no tocante ao Código Civil, a mesma

discussão instaurada quando da edição do Código de Defesa do

Consumidor, referente à aplicação do novo ordenamento aos contratos já

firmados, conforme já mencionado no item 3.6 supra.

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120

Ademais disso, levando-se ao extremo este posicionamento de que

por serem as funções sociais do contrato e da propriedade de ordem pública

passíveis de reconhecimento de ofício, surgiria uma nova questão: sendo

normas de ordem pública, haveria necessidade de intervenção do Ministério

Público334 em todas as questões? E sendo iderrogável, não haveria

possibilidade de transação, nem mesmo no tocante a questões

exclusivamente patrimoniais? Qualquer pessoa, ainda que intuitivamente,

responderia, parece-nos que com acerto, negativamente a tais

questionamentos335 não compartilhamos deste entendimento. Sobre ele,

trataremos no item 3.7.1 a seguir.

Em síntese, parece-nos que o fato de a norma ser considerada de

ordem pública – e, portanto, relativa a direitos indisponíveis - não faz com

que possa ser reconhecida de ofício pelo magistrado. O reconhecimento de

ofício, neste contexto, somente tem lugar nos casos expressamente

previstos em lei.

É certo que este entendimento pode ser contestado com o argumento

de que a violação a normas jurídicas cogentes pode gerar, segundo parte da

334 Com fundamento no artigo 82, III do CPC, segundo o qual: Compete ao Ministério

Público intervir: III - Nas ações que envolvam litígios coletivos pela possa da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.

335 Silvio Donizete Chagas sustenta a necessidade de intervenção do MP em todas as lides de consumo, por entender que o código de defesa do consumidor é uma lei de ordem pública (CHAGAS, Silvio Donizete. Código de defesa do consumidor, ideologia, direto e defesa. CHAGAS, Silvio Donizete (Orig.). Lições de direito alternativo. São Paulo: Acadêmica. 1994... cit., p. 154.).

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doutrina336,337, a nulidade do negócio (total ou parcial), caso outra sanção não

tenha sido estabelecida338. Calixto Salomão Filho339 menciona expressamente

a necessidade de declaração de nulidade das cláusulas contratuais que ferirem

a função social do contrato (embora não chegue a analisar a questão da

possibilidade de reconhecimento desta violação de ofício, pelo juiz).

Em contrapartida, seria possível argumentar que esta hipótese não está

prevista no artigo 166 do Código Civil340 (que trata dos casos de nulidades),

nem em outros dispositivos específicos. E, nas palavras de Arruda Alvim341: “as

nulidades são muito poucas e taxativas”, exatamente para “garantir e proteger o

negócios jurídico”. Wilson de Campos Batalha342 também defende que os

casos de nulidade são aqueles expressamente previstos em lei.

Anelise Becker343 assume uma posição mais radical ao defender que

o Código Civil teria adotado a classificação das nulidades previstas no

Regulamento 737 de 1850 (revogado pelo Código Civil de 1916), de modo 336 Carlos Maximiliano defendeu a tese de que a nulidade é uma pena e, como tal, não

pode ser presumida, embora possa ser implícita. Segundo ele, a violação a uma norma de ordem pública somente geraria a sua nulidade se se tratasse de norma proibitiva (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica... cit., p. 221). No mesmo sentido, MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado - Parte geral - Tomo IV. Validade. Nulidade. Anulabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 194 e BEVILACQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1972, p. 273.

337 Deve-se mencionar, no entanto, que este posicionamento não é pacífico. De acordo com ensinamentos de Roberto de Ruggiero é possível admitir a existência de nulidades presumidas: “As causas de nulidade, por mais heterogêneas e multiformes que possam parecer os casos em que o negócio dela sofre, podem reduzir-se a uma das seguintes: a) o negócio vai de encontro a uma disposição da lei ditada no interesse público, isto é, contra os preceitos de caráter obrigatório, inderrogáveis por vontade dos indivíduos (...) Dito isto, compreende-se que nem sempre a nulidade seja expressamente declarada pela lei (nulidade textual) As mais das vezes assim sucede (nulidade virtual ou tácita) (RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil - vol I- Introdução e parte Geral – Direito das pessoas- Tradução da 6ª edição italiana, com notas remissivas aos Códigos Civis Brasileiros e Português pelo Dr. Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 332.).

338 Por exemplo, no tocante à função social do contrato, a revisão do mesmo. 339 SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 17-24. 340 E nem se argumente que trataria de caso de objeto ilícito. Uma cláusula

desproporcional em determinado contrato, nem em tese, pode torná-lo ilícito. Seria conferir ao dispositivo uma interpretação bastante ampliativa, o que não é cabível no caso.

341 ALVIM, Arruda. A função... cit., p. 24. 342 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Defeitos dos negócios jurídicos . Rio de Janeiro:

Forense, 1985, p. 6. 343 BECKER, Anelise. A natureza... cit., p. 123

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que as nulidades são classificadas em nulidades de pleno direito, que são as

previstas em lei de forma taxativa e com “verdadeira precisão matemática” e

as nulidades dependentes de rescisão, que dependeriam de ação própria e

prova. Apenas as primeiras é que poderiam ser reconhecidas de ofício.

Obviamente, a função social do contrato 344 não se inclui nas nulidades

previstas com “verdadeira precisão matemática”.

Essa posição de Anelise Becker parece-nos extremada, e, até

mesmo, isolada na doutrina. Com o advento do Código Civil de 1916 a

doutrina afastou o sistema de nulidades previsto no Regulamento 737345 e

passou a classificá-las apenas em nulidades absolutas e relativas.

Parece-nos também coerente a tese da existência de nulidades

tácitas (presentes em razão de frontal afronta a leis proibitivas). De qualquer

forma, pelas mesmas razões acima expostas, e reconhecendo a fragilidade

desta posição, que admite inúmeras e fundadas críticas, reiteramos o nosso

posicionamento de que, a princípio, as questões relativas à função social do

contrato não podem ser conhecidas de ofício pelo magistrado.

A jurisprudência, conforme será adiante demonstrado, também

diverge sobre a possibilidade de reconhecimento de ofício de nulidades

relativas ao direito material, sendo que tem prevalecido a posição de que o

juiz não pode se pronunciar de ofício sobre cláusulas abusivas346. A seguir,

discorreremos sobre a nossa discordância dessa posição. No aspecto

processual, em especial quando determinada cláusula impede o direito da

parte ao acesso ao Judiciário, parece que, efetivamente, o juiz pode

reconhecer tal fato de ofício.

344 Assim como conceitos de eqüidade e boa-fé, de modo que o autor sustenta que alguns

incisos do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor por este motivo não poderiam ser conhecidos de ofício. Sobre o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, nos manifestaremos mais adiante (BECKER, Anelise. A natureza... cit., p. 123.).

345 Objeto de críticas por muitos doutrinadores, como BEVILACQUA, Clovis. Teoria... cit., p. 276 e de elogios por outros (CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Sistemas de nulidades dos atos jurídicos. Rio de Janeiro: Forense. 1980.).

346 Este entendimento, na realidade, se refere a lides de consumo. Entretanto, se é aplicável nestas ações, com muito maior razão o é em ações cíveis, na qual, em regra, não se presume a desigualdade entre as partes, nem se pretende tutelar a parte contratualmente mais fraca.

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3.7.1 Das matérias de ordem pública no Código de Defesa do

Consumidor

Como dito anteriormente, uma análise dos contratos no Código Civil

não seria completa sem referência aos contratos no Código de Defesa do

Consumidor, seja em razão das semelhanças existentes entre ambos os

ordenamentos, seja em razão da aplicação subsidiária de um sobre o outro

(principalmente do Código Civil ao de Defesa do Consumidor, embora em

algumas hipóteses, como já afirmado, a recíproca também seja verdadeira),

seja em razão da grande incidência dos contratos de consumo na sociedade

moderna.

Uma das grandes discussões do Código Civil no tocante aos

contratos consiste na possibilidade de intervenção, nestes, de ofício, pelo

juiz, em razão do parágrafo único do artigo 2.035 do referido ordenamento.

No Código de Defesa do Consumidor, a discussão ganha um aspecto

distinto.

É que nos termos do artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor:

“O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do

Consumidor, de ordem pública e interesse social,...”.

Observe-se que se trata de um dispositivo muito mais incisivo e

preciso do que o artigo 2035 do Código Civil. Aliás, até mesmo a sua

localização (trata-se do primeiro artigo do Código e não de um dispositivo

“escondido” em meio às disposições finais e transitórias) comprova este fato.

Mas, qual será o alcance deste dispositivo?

Claudia Lima Marques, Antonio Herman Benjamin e Bruno

Miragem347, comentando o Código de Defesa do Consumidor definem, as

normas de ordem pública como sendo as que:

“estabelecem valores básicos e fundamentais de nossa ordem jurídica, são normas de ordem privada, mas de forte interesse público, daí serem indisponíveis e inafastáveis através de contratos”. (...) “as leis de ordem pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares”.

347 MARQUES, Cláudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do

consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 60.

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Em outra passagem348, reiteram que as normas de ordem pública, “são normas de direito privado, mas de aplicação “ex officio” pelo magistrado”.

Voltando mais uma vez à classificação entre normas de ordem pública

e o princípio da ordem pública, tecida por Antonio Junqueira de Azevedo349,

parece-nos que o legislador do Código de Defesa do Consumidor pretendeu,

no artigo 1º, fazer referência ao princípio da ordem pública. Neste sentido, o

Código de Defesa do Consumidor seria um ordenamento de caráter

principiológico.

Não entendemos que todos os dispositivos do Código de Defesa do

Consumidor sejam passíveis de reconhecimento de ofício e referentes a

direitos indisponíveis. Apenas a título de exemplificação, não é razoável que

em uma ação, na qual se discuta tão somente a nulidade de determinada

cláusula, o juiz possa, por exemplo, condenar o fornecedor, de ofício, ao

pagamento de indenização ao consumidor por eventuais danos sofridos em

razão da nulidade da aludida cláusula, com base no artigo 6º do CDC, uma

norma de ordem pública que garante ao consumidor o direito à efetiva

prevenção e reparação dos danos sofridos. Também parece que o juiz não

poderia condenar, de ofício, o fornecedor a devolver o que recebeu do

consumidor em dobro, em uma ação de repetição de indébito. Aceitar-se tal

intervenção seria o mesmo que consagrar, de forma definitiva, a insegurança

jurídica.

Além disso, tal como mencionado anteriormente, admitir que todas as

normas são de ordem pública e interesse social resultaria na exigência da

intervenção do Ministério Público em todas as demandas. Também não

poderiam ser admitidas transações em lides consumeristas, o que contraria

toda a prática forense e até mesmo os princípios da efetividade da justiça e

da economia processual.

Entretanto, como em todas as questões relacionadas ao conteúdo do

conceito “ordem pública” esta também se apresenta controvertida. Silvio

348 MARQUES, Cláudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários... cit., p. 77. 349 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências... cit., p. 157.

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Donizete Chagas350 é incisivo ao afirmar que em razão do disposto no artigo

1º do Código de Defesa do Consumidor, o juiz pode conhecer das matérias

argüidas em benefício do consumidor a qualquer tempo e em qualquer grau

de jurisdição, e o Ministério Público deve intervir, obrigatoriamente, em todas

as lides de consumo.

Entendemos que quando o legislador quis conferir a possibilidade para

que o juiz agisse de ofício, ele o fez expressamente, como por exemplo, no

caso das cláusulas abusivas, que serão a seguir examinadas.

350 CHAGAS, Silvio Donizete. Código... cit., p. 154.

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4 DA INTERVENÇÃO DO JUIZ (COMO

REPRESENTANTE DO ESTADO) NOS

CONTRATOS – CONSIDERAÇÕES DE

ORDEM PROCESSUAL

4.1 A classificação das ações

De acordo com o Código de Processo Civil vigente, as ações podem

ser classificadas de acordo com o provimento jurisdicional pleiteado em: a)

de conhecimento, b) de execução, e; c) cautelar. Podem também ser

classificadas de acordo com o seu procedimento, em ações de rito: a)

ordinário, b) sumário ou c) especial.

Para os fins do presente estudo, a classificação que mais nos

interessa é a que tem por fundamento o provimento jurisdicional pleiteado.

Com relação a esta, pode-se afirmar que a ação de conhecimento objetiva

um julgamento de mérito (provimento declaratório em sentido amplo), a ação

de execução objetiva a satisfação de um direito já presumido pela existência

de um título executivo , e a ação cautelar, por sua vez, tem como função

garantir a eficácia de uma sentença a ser proferida em uma ação de

conhecimento ou executiva.

O objeto de estudo do presente trabalho é a possibilidade de

intervenção do judiciário nos contratos e os limites e contornos de tais

intervenções.

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Não restam dúvidas de que as intervenções do judiciário somente

podem ocorrer por meio de decisões judiciais351 que, por sua vez, são

condicionadas ao ajuizamento de ação por uma das partes interessadas. A

inércia do Poder Judiciário é princípio basilar do processo civil.

É também certo que esta intervenção, na maior parte das vezes,

ocorre por meio de uma decisão proferida em processo de conhecimento

(dentre os quais se inclui também o de embargos do devedor352), não

obstante, em tese, seja possível admitir a intervenção em processo de

execução (por meio de exceção353 ou objeção354 de pré-executividade,

desde que a matéria independa de dilação probatória355), e ressalvadas as

considerações já acima tecidas sobre a possibilidade de intervenção de

ofício.

351 Embora sem ignorar que as decisões interlocutórias possam, por vezes, ter conteúdos

semelhantes aos da sentença (por exemplo, quando deferem uma tutela antecipada, conforme salientado por Soraya Regina Gasparetto Lunardi (LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença... cit., p. 163), por ser a sentença, o pronunciamento judicial que põe fim ao procedimento, acolhendo ou rejeitando a pretensão do autor (e confirmando ou não a tutela antecipada que eventualmente tenha sido concedida), optamos por nos referir às sentenças.

352 Nos dizeres de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Misto de ação e defesa, os embargos inauguram outra relação jurídica processual, de conhecimento. São ajuizáveis por meio de petição inicial, que deve observar os requisitos dos artigos CPC 282 e 283...” (grifou-se), nota 16 ao artigo 736, Código de Processo Civil Comentado, 9ª edição, RT.

353 Para aqueles que entendem que as cláusulas gerais não podem ser conhecidas de ofício. Sobre o assunto - item 3.7 supra.

354 Para os que entendem que as cláusulas gerais podem ser conhecidas de ofício. Sobre o assunto - item 3.7 supra. Não podemos negar que com a atual redação do art. 736, do CPC, segundo o qual: “O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos” (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006), a apresentação de exceção ou objeção de pré-executividade tornou-se mais rara. Entretanto, ela ainda se faz presente em alguns casos, como por exemplo, nas execuções fiscais.

355 Muitas vezes a demonstração do desequilíbrio contratual, por exemplo, relacionado à cláusula da função social da propriedade e da boa-fé objetiva, depende de dilação probatória, em especial de prova pericial.

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4.1.1 As sentenças proferidas em ação de conhecimento

A doutrina tradicional356 sub-classifica as sentenças proferidas em

processo de conhecimento em: a) condenatórias, b) constitutivas, e; c)

meramente declaratórias.

Neste sentido, a sentença condenatória objetiva a condenação do réu

ao cumprimento de determinada obrigação (de dar, fazer ou não fazer ou de

“pagar”357).

A sentença constitutiva, por sua vez, constitui, modifica ou

desconstitui determinada relação jurídica (por exemplo, a anulação de um

casamento, a anulação de determinado negócio jurídico ou a rescisão de um

contrato por inadimplemento).

Não há como negar, contudo, que seja para condenar ou para

constituir ou desconstituir determinada relação, a sentença precisa antes

declarar a sua existência. Daí a se afirmar que as sentenças condenatórias e

constitutivas são também declaratórias em sentido amplo.

356 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada

Pellegrini. Teoria geral do processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 257. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil - Processo de conhecimento. Revista dos Tribunais. 2007, p. 599. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais. 6ª ed., vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 93.

357 Neste sentido, convém mencionar que o Código Civil trata apenas de obrigação de fazer, não fazer e dar, sendo a obrigação de pagar uma espécie da obrigação de dar. Entretanto, para efeitos processuais, o Código de Processo Civil traz um procedimento próprio para a execução de quantia (de pagar), por isso a tratamos de forma específica.

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A sentença meramente declaratória, por seu turno, como o próprio

nome diz, objetiva unicamente a declaração de existência ou inexistência de

determinada relação jurídica358 e, em caráter excepcional, de determinado

fato359.

Pensamos, contudo, que a classificação ternária das sentenças acima

exposta, já não merece mais prevalecer. Deve-se acrescentar, às três

espécies acima mencionadas, as sentenças mandamentais e as executivas.

Convém ressaltar, contudo, que dos doutrinadores antes citados,

defensores da classificação ternária das ações, muitos nem mencionam a

existência das sentenças executivas e mandamentais.

Dos que fazem menção às mesmas, Vicente Greco Filho360 salienta que

a doutrina tradicional enquadra as sentenças executivas e mandamentais na

classificação ternária. É exatamente esta a posição de Cândido Rangel

358 Conforme ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco: “A sentença meramente

declaratória é a mais simples entre todas as sentenças de mérito em sua estrutura lógico substancial, porque se limita à mera declaração, sem nada lhe acrescentar. É de sua essência a afirmação ou negação da existência de uma relação jurídica, direito ou obrigação, ou a de seus elementos e quantificação do objeto. O resultado da sentença declaratória, seja positiva ou negativa, é invariavelmente a sentença - quanto à existência, inexistência ou valor das relações jurídicas, direitos e obrigações. Essa é a sua utilidade social institucionalizada, sabido que a incerteza é fonte de insegurança e desacertos no giro dos negócios e em todos os aspectos da vida em sociedade (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo. Malheiros, 2004, p. 217). A lição de Arruda Alvim é também neste mesmo sentido, embora este autor saliente que com a entrada em vigor da Lei 11.232/2005, que deu nova redação ao artigo 475-N- I do Código de Processo Civil, a sentença declaratória também passou a ser passível de ser executada, nas hipóteses em que se subsumir à hipótese normativa.. De acordo Art. 475-N: São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; (ALVIM, Arruda. Manual...cit., p. 600) Este posicionamento, contudo, não é compartilhado por Ada Pellegrini Grinover, para quem “Acolhendo a lição de Carnelutti, diremos, assim, que a certeza jurídica não é, imediatamente e sem limites, o fim da ação declaratória; o interesse de agir não se limita apenas a debelar a incerteza jurídica, atual e objetiva, mas sim a incerteza que tenha determinado ou possa determinar a explosão de uma lide; e com o dano da incerteza consiste precisamente na lide, a finalidade imediata da ação meramente declaratória consiste na sua composição. O limite da ação declaratória está, assim, senão na atualidade, no perigo da lide” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação declaratória incidental. São Paulo: Universidade de São Paulo e Revista dos Tribunais, 1972, p. 50).

359 A regra é a de que a ação declaratória não se presta para declarar a existência ou inexistência de fatos. Exceção a esta regra é a prevista no artigo 4º, II do CPC que admite a ação declaratória com o objetivo de declarar a autenticidade ou falsidade de documentos (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... cit., p. 220.).

360 GRECO FILHO, Vicente. Direito... cit., p.237.

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Dinamarco361. Este doutrinador adota a classificação ternária das sentenças e,

ao se referir às sentenças mandamentais, afirma que não se trata de uma

quarta categoria de sentença, mas sim que estas compartilham da natureza

condenatória. Também faz ele referência à sentença executiva lato sensu sem,

contudo, afirmar expressamente a que categoria a mesma pertenceria (embora

tratando-na no capítulo destinado às ações condenatórias). Arruda Alvim362, por

seu turno, defende que as sentenças mandamental e executiva seria uma

espécie de sentença constitutiva e/ou condenatória, identificando-a com a

primeira por independer de execução.

Com a reforma introduzida no Código de Processo Civil pela Lei

10.358/2001, no entanto, o próprio ordenamento passou a fazer expressa

menção à sentença mandamental (artigo 14, V, do Código de Processo

Civil). Além do mais, com o advento das leis 8952/94, 10.444/02 e

11.232/05, a sentença executiva ganhou plena aplicação, em contrapartida à

execução autônoma de título judicial. Assim, tem-se tornado cada vez mais

difícil ignorar a existência destas espécies de ação.

Conseqüentemente, alguns doutrinadores passaram a ver as sentenças

executiva “lato sensu” e mandamental apenas como efeito da sentença

condenatória. José Roberto dos Santos Bedaque363 é enfático ao afirmar que

no plano material a classificação ternária é suficiente para estabelecer as

diferentes espécies de sentença. A distinção faz-se necessária apenas quanto

à forma de cumprimento da sentença. De acordo com o autor:

“não há como negar natureza condenatória à sentença cuja efetivação prática é feita em outra fase do mesmo processo. As sentenças executivas ou mandamentais representam mera variação da forma como serão praticados os atos destinados à realização concreta do conteúdo do ato cognitivo: no mesmo processo ou mediante medidas de coerção”.

361 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... cit., p. 195 e 243-244 362 ALVIM, Arruda. Manual... cit., p.600. 363 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Algumas considerações sobre o cumprimento da

sentença condenatória. In ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda (Coord.). Atualidades do processo civil incluindo as últimas reformas (Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006). Curitiba: Juruá, 2007, p. 72.

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É também este o entendimento de Athos Gusmão Carneiro364 que se

refere à sentença condenatória de eficácia executiva. Teresa Arruda Alvim

Wambier365 critica expressamente esta posição:

“quando se propõe uma ação mandamental ou executiva “lato sensu”, se pleiteia exata e precisamente o tipo de eficácia que as caracteriza, e, portanto, nesse sentido mais largo, pode-se dizer que também se classificam as sentenças em mandamentais e executivas “lato sensu” em função do pedido pleiteado”.

Parece-nos que não há como incluir as sentenças executivas e

mandamentais na classificação ternária das sentenças, até mesmo em razão

das diferenças substanciais existentes entre cada uma destas espécies366.

Concordamos com parte da doutrina (Pontes de Miranda, Luiz

Guilherme Marinoni 367, Fredie Didier Jr368 e Soraya Regina Gasparetto

Lunardi369, Luiz Orione Neto e Sergio Michel de Almeida Chaim370) que

defende esta classificação quinária, segundo a qual as ações de

conhecimento podem ser classificadas em declaratória, constitutiva,

condenatória, mandamental e executiva.

Luiz Guilherme Marinoni371 aponta enfaticamente que a classificação

ternária das sentenças ignora as necessidades do direito material, de modo 364 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a lei 11.232/05 -

Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? In ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda (Coord.). Atualidades do processo civil incluindo as últimas reformas (Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006). Curitiba: Juruá, 2007, p. 98.

365 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades... cit., p. 98. 366 Neste mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela

específica, arts. 461, CPC e 84, CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 41.). 367 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela... cit., p. 33. 368 DIDIER JR, Fredie. Processo de conhecimento. In DIDIER JR, Fredie; JORGE, Flávio

Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual: as mudanças introduzidas na legislação processual pelas Leis n. 10.317, 10.352 e 10.358, de dezembro de 2001 e pela Lei n. 10.444, de maio de 2002. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 3.

369 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença... cit.,. 160. 370 ORIONE NETO, Luiz Chaim, ALMEIDA, Sergio Michel. Sentenças mandamentais e

determinativas. Revista de Processo, jan/mar, 1987. 371 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela... cit., p. 33.

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que não está de acordo com as novas tendências do direito processual372.

Esta afirmação é, inclusive, comprovada pelas recentes alterações no

diploma processual373.

Vale mencionar que as sentenças executivas e mandamentais – ao

contrário da condenatória – que dava maior prestígio à obrigação pecuniária

– prestigiam o cumprimento da obrigação “in natura”. Feitas estas

considerações, parece inegável o acerto da afirmação de que a classificação

ternária não está em consonância com o direito moderno.

A propósito, esta assertiva ganha ainda mais relevância ao se tomar

em consideração os direitos coletivos e difusos. É que pela classificação

ternária, o juiz não tinha meios para agir sobre a vontade do devedor em se

tratando de obrigações infungíveis. Em outras palavras, se o devedor se

recusasse a cumprir uma obrigação, ou a cessar um ilícito, a única solução

seria a conversão em perdas e danos. E, logicamente, esta solução está

longe de ser efetiva em direitos, como por exemplo, o ambiental. A própria

teoria contratual moderna (inclusive na relação entre particulares, dá

preferência ao cumprimento da obrigação “in natura”). Com as sentenças

executivas e mandamentais esta posição sofre substancial alteração.

Para os que aceitam a classificação quinária das sentenças, a

sentença mandamental é aquela pela qual o magistrado não condena, mas

ordena, sob pena de multa ou desobediência. Ela pode ser proferida em

mandados de segurança, mas também pode ser proferida nas ações para

cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e dar, previstas nos artigos

461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do

372 O mesmo autor assinala que a classificação ternária da sentença foi elaborada com

base na doutrina liberal, de caráter eminentemente patrimonialista, que co-existiu com a Revolução Francesa. Esta classificação consistiu no reflexo do direito material – também sob forte influência do pensamento liberal – sobre o direito processual e também na necessidade política vigente à época e que objetivava despir o juiz de poder. Assim, principalmente em razão do abandono das doutrinas liberais já tanto mencionadas neste trabalho, não é de se estranhar que o direito processual também precisasse se adaptar. Aliás, é por meio do direito processual que o direito material se torna efetivo. Com isso, a doutrina passou a defender com maior ênfase estas novas espécies de sentença que serão a seguir tratadas. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela...cit., p. 41.).

373 Em especial às leis 8.952/1994, 10.444/2002 e 11.232/2005.

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Consumidor (de redação muito semelhante a do artigo 461 do CPC). Trata-

se de uma forma de execução indireta, na medida em que o juiz não faz com

que a obrigação seja cumprida independentemente da vontade do devedor,

mas possui meios de atuar sobre a sua vontade.

Tanto assim que o parágrafo 5º do referido artigo 461 do CPC é

expresso ao afirmar que:

“Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividades nocivas, se necessário com a requisição de força policial”.

E o artigo 84, § 4º, do diploma consumerista também prevê que o juiz

poderá impor multa diária ao réu, independentemente do pedido do autor, se

for suficiente ou compatível com a obrigação.

A sentença executiva, por seu turno, é aquela que independe de um

processo de execução autônomo para ser cumprida. A sua presença pode

ser verificada pela leitura do próprio parágrafo 5º do artigo 461 e também do

parágrafo 5º do artigo 84 do CDC. Segundo estes dispositivos, o juiz pode,

ao invés ou simultaneamente à imposição de multa, impor outras medidas

que garantam a efetividade do provimento final. Ou seja: essa sentença é

auto-executável (assim como ocorre com as sentenças proferidas em ações

de despejo, possessórias, entre outras).

Teresa Arruda Alvim Wambier374 reconhece a existência das ações

mandamentais e executivas “lato sensu” como categorias autônomas,

embora defenda que não há razão para diferenciar as sentenças

mandamentais e as executivas.

As sentenças executiva e mandamental (mesmo a proferida em

Mandado de Segurança) são, em nosso entender, de conhecimento. Por

meio do mandado de segurança, o particular objetiva que o Judiciário

374 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades... cit., p. 93.

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reconheça um direito líquido e certo seu e o faça valer, por meio de uma

ordem.

Conforme classificação de Hely Lopes Meirelles375 o Mandado de

Segurança consiste em “uma ação civil de rito sumário especial, destinada a

afastar ofensa a direito subjetivo, individual ou coletivo, privado ou público,

através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade,...”

Convém salientar, contudo, que os professores Nelson Nery Junior e

Rosa Maria de Andrade Nery376 reconhecem a existência da sentença

mandamental como uma espécie autônoma de sentença, mas não como

uma sentença decorrente de processo de conhecimento.

Com relação à sentença executiva “lato sensu”, Nelson Nery Junior e

Rosa Maria Nery377 adotam uma posição intermediária entre o

reconhecimento destas ações como espécie autônoma e o seu não

reconhecimento. Seguindo a mesma a teoria de Vicente Greco Filho,

defendem que a ação prevista no artigo 461 do CPC é uma ação

condenatória com caráter inibitório e com eficácia executiva-mandamental.

375 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública,

mandado de Injunção, “hábeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 31.

376 “No processo civil há sentenças de conhecimento (meramente declaratórias, constitutivas, condenatórias e determinativas), as de execução, as cautelares e as mandamentais...” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil anotado e legislação processual extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, nota 2 ao artigo 458 do CPC, p. 580).

377 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo... cit., nota 2 ao artigo 461 do CPC, p. 586.

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4.1.1.1 As sentenças determinativas

A origem das denominadas sentenças determinativas não é unânime

na doutrina. Paulo César Aragão378, Luiz Orione Neto e Sergio Michel de

Almeida Chaim379 atribuem-na a Wilhelm Kisch, em sua obra “Beiträge sur

Ueteilslehre”. Soraya Regina Gasparetto Lunardi380 atribui a primeira

menção a este tipo de sentença (denominada de dispositiva) a Otto Mayer.

Chama-se de determinativa 381 ou dispositiva a sentença proferida em

casos nos quais o juiz pode preencher o conteúdo de uma relação jurídica,

em razão de uma liberdade382 que lhe é conferida pela lei (em decorrência,

por exemplo, das cláusulas gerais). Disto decorre a importância do estudo

desta “espécie” de sentença no presente trabalho.

Com base nesta definição, pode-se concluir que as sentenças

determinativas não se enquadram como uma nova espécie, na tradicional

classificação das sentenças em declaratórias, constitutivas ou condenatórias

(e na já não tão tradicional classificação de sentenças mandamentais e

executivas “lato-sensu”). Na realidade, essa classificação é formulada com

base no provimento jurisdicional objetivado pela ação e conferido pela

sentença.

A sentença determinativa pode ser condenatória (ressalvadas as

considerações acima feitas quanto à classificação da sentença condenatória 378 ARAGÃO, Paulo César. Reflexões sobre as sentenças determinativas. Revista de

Processo, abr/jun, 1976, p. 159. 379 ORIONE NETO, Luiz Chaim, ALMEIDA, Sergio Michel. Sentenças... cit., p. 65, que faz

remissão feita a artigo de Paulo César Aragão por nós consultado e citado na nota acima (ARAGÃO, Paulo César. Reflexões...cit., p. 159).

380 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença... cit., p. 49. 381 Na realidade, não há consenso na doutrina sobre o conceito de sentenças

determinativas e dispositivas. Também é chamada de determinativa a sentença que decide relações instáveis ou continuativas, nas quais está incluída a cláusula “rebus sic stantibus”, conforme Ada Pelegrini Grinover (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação... cit., p.31.). Esta mesma doutrinadora denomina de processo dispositivo aquele no qual o juiz exerce o juízo de eqüidade (p. 47). Para Arruda Alvim, as sentenças dispositivas ou determinativas são as que têm por “finalidade específica dispor a respeito das relações dos litigantes, denominando-se também, segundo outros, de sentenças determinativas” (ALVIM, Arruda. Manual... cit., p. 600.). Para efeitos do presente trabalho, chamaremos de determinativa, a sentença proferida pelo juiz no exercício da sua função criativa ou discricionária, conforme já mencionado.

382 Com relação a este assunto, bem como à discricionariedade judicial, reportamo-nos ao item 3.3.1 supra.

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e executiva “lato-sensu”); constitutiva, por exemplo, quando o juiz altera uma

cláusula contratual constituindo uma nova situação jurídica; mandamental ou

executiva lato-sensu383, quando o juiz ao alterar uma cláusula contratual,

estabelece uma obrigação e emite uma ordem para que esta seja cumprida

ou se utiliza de meios coercitivos para alcançar este objetivo. Outros

exemplos de sentença determinativa executiva lato -sensu são as sentenças

proferidas em ações de indenização ou de alimentos. Observe-se que

apenas a sentença proferida em ação declaratória não se enquadra no

conceito de sentença determinativa. Isto porque por meio de uma ação

declaratória o juiz declarará (e não criará) uma relação jurídica. É por este

motivo que Paulo Cezar Aragão384 afirma que a sentença determinativa se

opõe à sentença declaratória.

Segundo Ilton Carmona 385, a sentença determinativa é aquela

fundada no juízo de eqüidade. Sustenta o autor que, em existindo cláusulas

gerais, o juiz poderá julgar por eqüidade386. Portanto, a sentença que julga

uma ação por meio da aplicação de cláusulas gerais, como a da função

social do contrato, é uma sentença determinativa.

Carlos Maximiliano 387 afirma que se recorre à eqüidade para atenuar

o rigor de um texto e o interpretar de modo compatível com o progresso e a

solidariedade humana e para suprir lacunas.

383 Neste sentido são os ensinamentos de Luiz Orione Neto e Sergio Michel de Almeida

Chaim (ORIONE NETO, Luiz Chaim, ALMEIDA, Sergio Michel. Sentenças... cit., p. 65), Paulo César Aragão (ARAGÃO, Paulo César. Reflexões... cit., p. 162.), Soraya Regina Gasparetto Lunardi (LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença... cit., p. 162.) e Graziela Marisa Gonçalves (GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças ... cit., , p. 96.).

384 ARAGÃO, Paulo César. Reflexões... cit., p. 162. 385 SOUZA, Ilton Carmona. O pedido... cit., 294-295. 386 Novamente nos reportando ao item 3.3.1.4, salientamos que a eqüidade pode ser

entendida sobre vários aspectos. Jorge Tosta nega que o juiz aja discricionariamente ao preencher o conteúdo de uma cláusula geral. Por outro lado, afirma ele que a eqüidade (como um ideal de justiça, enquanto aplicado, nos casos expressamente previstos em lei) é uma espécie de poder discricionário (TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 68.).

387 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica... cit., p. 175. Neste sentido, seguindo a classificação de Jorge Tosta, o juiz não estaria preenchendo cláusulas gerais por meio da eqüidade.

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Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery defendem que eqüidade,

no sentido moderno, é a autorização para que o juiz, no confronto entre

norma e fato, aplique a lei atendendo aos seus fins sociais e bem comum.

A orientação jurisprudencial é também neste sentido. De acordo com

o Superior Tribunal de Justiça388:

“A proibição de que o juiz decida por eqüidade, salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não há de ser entendida, no entanto, como vedando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com atenção ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução”.

Graziela Marisa Gonçalves389 afirma que, por meio da sentença

determinativa o juiz exerce um poder discricionário, decidindo segundo a

justiça. Entretanto, o julgamento por eqüidade somente é possível nos casos

expressos em lei, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Civil.

Ao nosso ver, considerando o sentido de eqüidade acima exposto, é

possível sustentar que, ao preencher o conteúdo da cláusula geral ou de um

conceito indeterminado, o julgador recorre ao juízo de eqüidade. Neste

sentido, o raciocínio de Ilton Carmona de Souza parece-nos mais correto do

que o exposto por Graziela Marisa Gonçalves.

As sentenças determinativas podem ser classificadas em: a)

sentenças de pura determinação, que se referem ao direito material

propriamente dito; b) sentenças determinativas com efeitos constitutivos e

condenatórios, quando o juiz, com base na sua discricionariedade, decide se

vai ou não adotar determinado procedimento previsto em lei.

Soraya Regina Gasparetto Lunardi390 também aponta que a sentença

determinativa pode ser classificada segundo sua forma de aplicação em: a)

sentença determinativa processual, para explicar a sentença que regula uma

situação jurídica continuativa e que, portanto, não está sujeita à coisa

388 (RSTJ 83/168) NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código... cit., nota 127,

2, p. 252. 389 GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças... cit., p. 95. 390 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença... cit., p. 151.

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julgada (como por exemplo a que fixa alimentos); b) sentença determinativa

de direito material, consistente na que permite que o juiz interfira nos

contratos, e; c) sentença determinativa hermenêutica integrativa, quando o

juiz concretiza norma imprecisa, ou a interpreta. Este duplo sentido da

sentença determinativa resta patente nas lições de Liebman391 para quem:

“Surge uma questão particular a propósito das sentenças determinativas ou dispositivas, nas quais o juiz decide “segundo as circunstâncias”, ou “segundo a eqüidade” e está revestido em certa medida de um poder discricionário”.

Os Professores Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery392

afirmam que:

“Pela cláusula geral da função social do contrato o juiz pode revisar e modificar a cláusula contratual que implique em desequilíbrio entre as partes. Essa atividade integrativa do juiz (Richterrecht) assume o caráter de direito positivo vinculante, em nome da legitimação democrática do direito e do princípio da divisão dos poderes (Luigi Lombardi Vallauri, Apresentação do livro de Giovanni Orru, Richterrecht, Giuffrè, Milano, 1983, p. VII). A decisão do juiz torna-se norma jurídica, isto é, lei entre as partes, porque o magistrado, com a concretização da cláusula geral da função social do contrato, passa a integrar o negócio jurídico contratual. A atividade jurisdicional deixa de ter o seu caráter tradicional e geral de função substitutiva da vontade das partes pela do Estado-juiz e passa a fazer parte do contrato, como ocorre com a atividade judicial na jurisdição voluntária, com a diferença de que nesta última não há lide. A essa sentença integrativa do juiz dá-se o nome de sentença determinativa.

Ou seja: eles adotam a posição de sentença determinativa em sentido

material, referida por Soraya Regina Gasparetto Lunardi.

391 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença: e outros escritos sobre a

coisa julgada (com aditamentos relativos ao direito brasileiro). 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 23-26.

392 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 12 ao artigo 421, p. 337.

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Vale salientar, no entanto, que não há como sustentar que a sentença

que regula uma situação jurídica continuativa não esteja sujeita à coisa

julgada. Ela se sujeita à coisa julgada enquanto o estado de fato continuar o

mesmo e a parte interessada não ajuizar ação para modificar o conteúdo da

primeira sentença393.

Também é importante salientar que nada impede que uma sentença

determinativa “material”, isto é, proferida em ação na qual o juiz modificou

um contrato firmado entre as partes, refira-se, também, a uma situação

jurídica continuativa, de modo que, alteradas as circunstâncias, possa ser

novamente examinada (se o contrato for de trato sucessivo, por exemplo).

Aliás, a Lei de Locações traz expressas duas hipóteses semelhantes ao

tratar das ações renovatória e revisional do contrato de locação.

Interessante notar que nem sempre ao proferir sentença

determinativa o juiz estará fazendo uso das cláusulas gerais. As cláusulas

gerais serão utilizadas pelo juiz para proferir sentença determinativa nas

hipóteses em que houver pedido das partes. Isto porque, de acordo com a

classificação por nós adotada para efeitos deste trabalho, a cláusula geral

é a norma que contém conceitos indeterminados e não estabelece a

atuação que o juiz deve ter. Portanto, não havendo previsão expressa para

que ele integre o contrato, a integração somente poderá ser feita a pedido

das partes interessadas, ressalvadas as considerações já expostas sobre a

atuação do juiz, de ofício. No tocante aos conceitos indeterminados, por

outro lado, o juiz poderá proferir sentença determinativa quando houver

pedido da parte ou quando a lei assim determinar. É o caso, por exemplo,

da decisão do juiz que reduz a cláusula penal por considerá-la abusiva

(artigo 413 do Código Civil).

393 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia... cit., p. 24-25, ORIONE NETO, Luiz Chaim,

ALMEIDA, Sergio Michel. Sentenças.... cit., p. 66-67 e ARAGÃO, Paulo César. Reflexões... cit., p. 162.

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4.2 Instrumentos processuais que permitem a intervenção do juiz

O juiz pode intervir nos contratos para rever determinada cláusula

contratual, hipótese em que ele proferirá uma sentença determinativa, ou

para declarar a nulidade de determinada cláusula contratual ou de todo o

contrato.

Aliás, a súmula 181 do Superior Tribunal de Justiça é expressa no

sentido de que: “É admissível ação declaratória visando a obter certeza

quanto a exata interpretação de cláusula contratual”.

Partindo-se da premissa de que as cláusulas gerais da função social

do contrato e da boa-fé objetiva, tais como as normas do Código de Defesa

do Consumidor, seriam matéria de ordem pública e que este fato, por si só,

autorizaria a intervenção de ofício do juiz, em tese o juiz poderia intervir, por

uma das duas modalidades acima expostas, em qualquer tipo de ação.

Desse modo, caso um credor ajuizasse determinada ação objetivando

o cumprimento de obrigação pelo devedor, o juiz poderia,

independentemente do pedido, alterar esta obrigação ou alguma outra

cláusula contratual- estranha à obrigação propriamente dita - de modo a

adequá-la ao que ele entendesse estar mais de acordo com a função social

do contrato.

Ou ainda mais grave: Caso um credor ajuizasse ação de execução

para obter a satisfação de determinado crédito decorrente de um contrato

(por exemplo de empréstimo), o juiz poderia, de ofício, alterar o índice de

correção, ou a taxa de juros, e ordenar a emenda à inicial para adequação

do valor executado de acordo com as novas condições por ele impostas.

Em que pese a relevância das cláusulas gerais em prol do interesse

social, conforme item 2.3, entendemos que atribuir tais poderes ao juiz não é

a medida mais adequada.

Vale também reiterar que esta situação não implicaria afirmar que o

juiz nunca pode intervir de ofício. Existem alguns casos em que a lei

expressamente prevê esta possibilidade como por exemplo, para declaração

de nulidade de cláusulas contratuais abusivas (ou até mesmo a revisão das

mesmas, conforme será demonstrado no item 4.2.2.1), de acordo com o

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Código de Defesa do Consumidor (apesar da jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça em sentido contrário) e com o artigo 424 do Código

Civil394, ou para reconhecimento de incompetência relativa em razão de

cláusula de eleição de foro.

Pensamos estas hipóteses se diferenciam das anteriores na medida

em que a parte tem pleno conhecimento (de antemão) da possibilidade de

intervenção, e a intervenção acaba sendo muito mais branda do que se

conferisse ao juiz a possibilidade ampla e irrestrita de que fosse efetuada

qualquer alteração em qualquer das cláusulas contratuais.

Também neste ponto teríamos que enfrentar o problema do ônus

probatório, na medida em que nem toda cláusula nula pode ser reconhecida

independentemente de dilação probatória395.

Em síntese, conforme se demonstrará:

a) a revisão de cláusulas contratuais pode se dar em ações,

individuais ou coletivas, propostas especificamente para este

fim. Não há necessidade, contudo, de que as ações sejam

ajuizadas apenas para este fim, sendo facultada, se for de

interesse das partes, a cumulação de pedidos, nos termos do

artigo 292 do Código de Processo Civil.

a.1) O artigo 292 do Código de Processo Civil admite a cumulação de

pedidos quando eles forem compatíveis entre si, a competência

do juízo e o procedimento forem os mesmos para todos os

pedidos. Com relação ao procedimento, o autor poderá cumular

os pedidos se optar pelo procedimento ordinário (artigo 292, §

2º). Por exemplo, é possível que o autor cumule pedidos de

revisão de cláusula contratual e condenação do réu aos valores

recebidos a maior em razão da cláusula revista, ou de revisão de

394 Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 395 Embora parte da doutrina sustente que a “nulidade de pleno direito é a que pode ser

reconhecida independentemente de dilação probatória”. Neste ponto concordamos com Cristisno Heineck Schmitt ao observar que a nulidade “de pleno direito” citada pelo artigo 51 do CDC objetivou apenas ratificar o caráter nulo das cláusulas (SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas... cit., p. 132.).

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cláusula contratual, declaração de inexistência de relação

jurídica que autorize a cobrança de eventual saldo remanescente

(em razão da cláusula a ser revista) e cancelamento de protesto.

b) O juiz também pode intervir para declarar a nulidade (ou rever)

alguma cláusula abusiva. No tocante à declaração de nulidade,

entendemos que ele pode agir de ofício, de modo que a decisão

pode se dar em ação própria ou de forma incidente. Caso a

declaração de nulidade seja questão prejudicial à lide (por

exemplo, de cobrança), haverá possibilidade, ainda, de

ajuizamento de ação declaratória incidental.

c) A intervenção também pode ocorrer, de forma excepcional, para

declarar a nulidade de todo o contrato, em que pese o princípio

da conservação dos contratos, consagrado pelo Código Civil e

pelo Código de Defesa do Consumidor.

Em razão das peculiaridades próprias ao sistema das ações coletivas,

começaremos tratando das hipóteses de revisão e/ou declaração de

nulidade nas ações individuais para, em seguida, tratarmos especificamente

das ações coletivas.

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4.2.1 Ações de revisão de cláusula contratual

As ações de revisão de cláusula contratual podem estar

expressamente previstas, como é o caso das ações renovatória396 e

revisional de aluguel. Podem, por outro lado, consistir em ações inominadas,

previstas genericamente pelo ordenamento jurídico, como por exemplo

ações revisionais de contratos de leasing de equipamentos industriais.

Observe-se que a revisão, nestes casos, não é apenas de cláusulas

abusivas. Sobre as cláusulas abusivas, trataremos mais adiante.

Esta ação de revisão refere-se a cláusulas que, por exemplo, tornaram-

se onerosas por fato superveniente ou, até mesmo, que já eram viciadas por

ocasião da contratação397 na qual uma das partes se viu em desvantagem

exagerada.

Com relação às ações de revisão nominadas, uma questão

interessante que se coloca relaciona-se à possibilidade de o juiz decidir além

dos limites impostos pela lei. Por exemplo: a ação renovatória foi

originalmente prevista para garantir ao empresário já estabelecido em

determinado ponto o direito à renovação do contrato de locação. De acordo

com a Lei 8.245/91, por meio desta ação, presentes os requisitos, o juiz

deve renovar o contrato, pelo mesmo prazo do último contrato 398 e novo

valor de aluguel, de modo a adequá-lo ao valor de mercado.

396 Embora esta ação objetive a renovação compulsória de locação, decidido o direito do

autor à renovação a ação passa a versar, necessariamente, sobre as cláusulas contratuais que passarão a vigorar para a nova locação.

397 Ao tratar da lesão o Código Civil expressamente prevê a possibilidade de se sanar o vício “se for oferecido suplemento suficiente ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

398 Com relação a este ponto, a jurisprudência não é pacífica. Existe enunciado do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil no sentido de que a renovação deveria ocorrer por cinco anos – que é o prazo mínimo exigido para que o locatário tenha direito à ação renovatória. Por outro lado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta no sentido de que o prazo do contrato a renovar é o do último contrato firmado:

LOCAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA. SOMA DE MAIS DE DOIS CONTRATOS ININTERRUPTOS. PRAZO DA PRORROGAÇÃO. PERÍODO REFERENTE AO ÚLTIMO CONTRATO.

1. Tratando-se de soma de dois ou mais contratos ininterruptos, o prazo a ser fixado na renovatória deve ser o mesmo do último contrato em vigor, observado o limite máximo de cinco anos.

2. No caso, tendo sido o último pacto estabelecido por dois anos, por esse período deve ser prorrogada a locação na renovatória.

3. Recurso especial do qual, pelo dissídio, se conheceu em parte e ao qual se deu provimento nesse ponto.

(STJ, 6ª Turma, Recurso Especial 693729/MG; Min. Rel. Nilson Noaves, j. 22/08/2006).

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Poderia, neste caso, o juiz fixar o prazo aleatoriamente, ou alterar

alguma outra cláusula contratual (prevista em conformidade com a

legislação específica), de ofício ou mediante pedido das partes? Como já

dito anteriormente, de ofício parece-nos que, neste caso, o juiz não poderia

agir. Por outro lado, caso houvesse pedido expresso de uma das partes e o

juiz entendesse que a cláusula a ser alterada estava em contradição com a

cláusula geral da função social do contrato ou da boa-fé objetiva, esta, ao

nosso ver, poderia sofrer alteração. Neste caso, o juiz estaria proferindo

sentença determinativa. Este é também o entendimento de Ilton Carmona de

Souza399.

Em interessante acórdão proferido por Luiz Vicente Cernicchiaro em

20 de agosto de 1998, no julgamento do Recurso Especial 177.018/MG400,

ele entendeu pela possibilidade de o julgador até mesmo contrariar a lei, de

modo a reestabelecer o equilíbrio contratual.

Em mais recente decisão, datada de 10 de fevereiro de 2004 e

proferida em julgamento de Recurso Especial nº 462.937/SP401, o Superior

Tribunal de Justiça acolheu a aplicação da teoria da imprevisão a contratos

de locação, como corolário de aplicação de princípio geral do direito,

salientando que tal aplicação seria devida ainda que não houvesse lei neste

sentido.

399 SOUZA, Ilton Carmona. O pedido... cit., p. 300. 400 “O princípio “pacta sunt servanda” deve ser interpretado de acordo com a realidade

sócio econômica. A interpretação literal da lei cede espaço à realização do justo. O magistrado deve ser o crítico da lei e do fato social. A cláusula “rebus sic stantibus” cumpre ser considerada para o preço não acarretar prejuízo para um dos contratantes. A lei de locação fixou um prazo para revisão do aluguel. Todavia, se o período, mercê da instabilidade econômica, provocar danos a uma das partes, deve ser desconsiderado. No caso dos autos, restara comprovado que o último reajuste do preço ficara bem abaixo do real. Cabível revisá-lo judicialmente”. (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial 177.018/MG, Min. Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 20/08/1998).

401 “As razões, tanto doutrinárias como jurisprudenciais, apresentadas pela autora, quanto à teoria da imprevisão dos contratos deve ser aceita, ainda que não se tivesse previsão legal, como corolário de aplicação de princípio geral de direito, quando, como no presente caso, nitidamente demonstra-se locupletação ilegítima por parte dos locatários, ou seja, a ré. Tal princípio resulta no equilíbrio dos contratos, o que, à espécie presente, verifica-se não mais mantida, sendo justa a revisão, assim que tal ocorrer”. (STJ, 5ª Turma, Recurso Especial 462.937/SP, Rel. José Arnaldo da Fonseca, j. 10/02/2004).

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Estes entendimentos, no entanto, ainda não são uníssonos na

jurisprudência.402 e tampouco na doutrina 403.

Um outro ponto interessante levantado pelo próprio Ilton Carvalho

refere-se à necessidade de ser formulado pedido determinado nas ações

para revisão de cláusula contratual. Este doutrinador defende a necessidade

de tal pedido e, com o devido respeito, e, paradoxalmente, sustenta que a

revisão poderia ser proferida de ofício, pelo juiz.

É de se convir que, se se trata de matéria reconhecível de ofício, o

juiz não precisa se ater ao pedido formulado. Conseqüentemente, a

exigência de que seja formulado um pedido certo e determinado torna-se

despropositada.

Por outro lado, temos defendido a não possibilidade de

reconhecimento deste tipo de matéria de ofício, pelo juiz. Nestas situações,

a discussão sobre a necessidade de formulação de pedido certo torna-se

relevante. Como já mencionado, um dos pontos que, ao nosso ver, tornaria a

possibilidade de reconhecimento de ofício temerária seria o fato de o juiz

não ter qualquer parâmetro para decidir se determinada cláusula é ou não

abusiva ou excessivamente onerosa para cada uma das partes. Assim, sob 402 “CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. REVISIONAL.

PRAZO PARA PROPOSITURA. OBSERVÂNCIA AO TRIÊNIO LEGAL (ART. 19 DA LEI Nº 8.245/91). CARÊNCIA DA AÇÃO.

1. A teor do que dispõe a lei, as partes contratantes podem, a qualquer momento, e obedecidas as vedações nela previstas, fixar, de comum acordo, o valor do novo aluguel, bem como de cláusulas que discipline o seu reajuste. É regra implícita do contrato bilateral. Todavia, na falta de acordo entre os contratantes acerca do quantum a ser pago de contraprestação (preço do aluguel), a solução encontrada pelo legislador foi a ação revisional de alugueres (Lei nº 8.245/91).

2. Contudo, nos termos do artigo 19 da Lei 8.245/91, qualquer tipo de acordo firmado entre as partes, durante o triênio legal, que majore os aluguéis, independentemente de atingir os mesmos o chamado “valor de mercado”, impede a propositura de ação revisional, porquanto o prazo foi interrompido, devendo recomeçar a sua contagem.

3. Proposta a ação antes do decurso desse novo prazo, carece o pedido da autora de possibilidade jurídica.

4. Precedentes (RESP 184.455/MG, 22.948/CE e 62.679/SP). 5. Recurso conhecido e provido para, reformando o v.acórdão de origem, julgar a autora

carecedora da ação, nos termos do art. 267, VI, do CPC, invertendo-se o ônus da sucumbência”. (STJ, 5ª Turma, Recurso Especial 146.513/MG, Min. Rel. Jorge Scartezzini, j. 19/10/1999).

403 Neste ponto, convém repetir os ensinamentos de Humberto Theodoro Filho no sentido de que ainda sob a égide da função social do contrato, o juiz somente poderá intervir nos contratos nos casos expressamente previstos em lei (THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 105.).

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esta linha de raciocínio, é de se concluir que a parte interessada na revisão

precise dar um parâmetro para que o juiz possa julgar e, inclusive, para que

a outra parte possa, eventualmente, se defender.

Deve a parte interessada na revisão apontar a cláusula que entende

ser abusiva. Em regra, o pedido deverá ser feito de forma específica, ainda

que o autor opte por formular um ou dois pedidos de forma alternativa ou

sucessiva.

Vale salientar que, ao nosso ver, o pedido formulado para que o juiz

adeqüe o contrato à sua função social não deve ser admitido, por genérico.

O pedido genérico somente será aceito nas hipóteses expressamente

previstas no artigo 286 do Código de Processo Civil404.

404 Art. 286: “O pedido deve ser certo e determinado. É lícito, porém, formular pedido

genérico: I- nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados, II- quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito; III- quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

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Por fim, um outro ponto igualmente interessante relaciona-se à

legitimidade da parte para propor ação de revisão. De acordo com a teoria

contratual clássica na qual predominavam os efeitos relativos do contrato, a

regra era a de que apenas as partes do contrato poderiam ajuizar ação para

revê-lo. Este posicionamento foi, com o tempo, ganhando mais flexibilidade

na jurisprudência405 e até mesmo na legislação406. Com a entrada em vigor

no Novo Código Civil (e antes, do Código de Defesa do Consumidor), tem-se

defendido que “todos aqueles que forem atingidos pelo contrato de forma

negativa, pelo abuso de liberdade de contratar, estarão legitimados para

formular pretensão em face dos contratantes”407.

Conforme já explanado no item 3.2, com a nova sistemática

contratual, o princípio da relativização dos efeitos do contrato tem perdido

405 Por exemplo, admissibilidade da ação ajuizada por promitente comprador com contrato de

gaveta, hipoteca constituída pelo incorporador sem anuência do promitente comprador, matéria esta inclusive já sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Nos termos da súmula 84: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. Outro exemplo que é igualmente objeto de matéria já sumulada (súmula 308) se refere à não eficácia do contrato de hipoteca firmado pelo incorporador sem a anuência do comprador. De acordo com a súmula 308: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.” Em outro caso envolvendo venda e compra de imóvel financiado e cujo financiamento não foi formalmente transferido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que: CIVIL. PERMUTA DE IMÓVEIS FINANCIADOS PELO SFH, EM QUE CADA PARTE ASSUME O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DA OUTRA, SEM TRANSFERÊNCIA DOS CONTRATOS OU ANUÊNCIA DO AGENTE FINANCEIRO. MORTE DE UM DOS MUTUÁRIOS COM A CONSEQÜENTE QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR RELATIVO AO IMÓVEL DADO EM PERMUTA. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. BENEFICIAMENTO DOS DEPENDENTES DO FALECIDO.

- O seguro habitacional tem dupla finalidade: afiançar a instituição financeira contra o inadimplemento dos dependentes do mutuário falecido e, sobretudo, garantir a estes a aquisição do imóvel, cumprindo a função social da propriedade.

- Se o comportamento das partes, desde o início, evidencia a intenção de ambas de manter o equilíbrio do contrato e de se desvincular totalmente do bem dado em permuta, transferindo para o imóvel recebido em troca todas as suas expectativas e esforços de aquisição da tão sonhada “casa própria”, o seguro decorrente do falecimento de um dos mutuários deve vir em benefício de seus próprios dependentes, na proporção do que for pago pela seguradora.

Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 811670/MG, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 16/11/2006).

406 Possibilidade de anulação de negócio jurídico por fraude contra credores: Nos termos do artigo 158 do Código Civil a fraude contra credores poderá ser anulada pelos credores quirografários que se prejudicaram com o ato. A simulação, por originar em ato nulo, pode ser alegada por qualquer interessado, pelo Ministério Público ou reconhecida de ofício pelo juiz (artigo 168 do Código Civil).

407 MACHADO, Luciano Rodrigues. A função... cit., p. 343.

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força. E a ampliação do rol dos legitimados para propositura de ações de

revisão para terceiros “relevantes” ao contrato é o mais direto reflexo, no

direito processual, desta evolução do direito civil. Em ocorrendo esta

situação, ambos os contratantes – que serão diretamente atingidos pelo

efeito da sentença – deverão constar do pólo passivo da ação. A título de

exemplo, pode-se mencionar a locação de imóvel para exploração de casa

de prostituição. Neste caso, os vizinhos ao imóvel teriam direito de pleitear o

fechamento da casa e cessação das atividades.

4.2.2 Ações relativas às cláusulas abusivas

O primeiro ponto que merece especial atenção é o fato de que, ao

que nos parece, as cláusulas contratuais reconhecidas como nulas pela

legislação, podem ser assim declaradas de ofício, pelo juiz. A título de

exemplificação, podemos citar as cláusulas relacionadas no artigo 51 do

Código de Defesa do Consumidor, 424 do Código Civil, 45 da Lei de

Locações.

Esta conclusão é extraída da leitura dos próprios dispositivos que

prevêem a nulidade, combinados com o artigo 146, parágrafo único408, do

Código Civil de 1916 (que corresponde ao atual 168).

408 “As nulidades dos artigos antecedentes (arts. 166 e 167, CC/02) podem ser alegadas

por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único: Devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos

seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las ainda que a requerimento das partes”.

E, entre as nulidades dos arts. antecedentes (166 e 167 CC/02) está prevista a hipótese da lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito (inciso VII).

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Em síntese, nestes casos, a declaração de ofício é passível de

ocorrer, uma vez que o próprio ordenamento declara as normas nulas e, em

sendo nulas, por expressa disposição legal, a nulidade pode ser reconhecida

de ofício409.

Especificamente com relação ao Código de Defesa do Consumidor,

existe uma discussão sobre se este diploma teria instituído um “novo

sistema de nulidades”. Entendemos que não. O sistema da legislação

consumerista é o mesmo que o instituído pelo Código Civil de 1916,

confirmado pelo Código Civil de 2002. É de se repetir: embora estejamos

sustentando a possibilidade da declaração de ofício das cláusulas nulas, não

entendemos que essa possa se fundamentar no fato de o Código de Defesa

do Consumidor ser uma norma de ordem pública.

Este posicionamento, contudo, está longe de ser unânime. Nelson

Nery Junior410, ao comentar o artigo 51 do Código de Defesa do

409 Neste sentido, a Ministra Nancy Andrighi, em voto vencido no julgamento dos Embargos

de Divergência 702.524 e que será a seguir examinado, decidiu: O entendimento que deve prevalecer é que não há limite para o reconhecimento, pelo juiz ou pelo Tribunal, de uma nulidade absoluta. O micro-sistema introduzido pelo Código de Defesa do Consumidor não pode ser desvinculado dos demais princípios e normas que orientam o direito pátrio, notadamente o Código Civil. Ao contrário, o que deve haver é a integração entre esses sistemas. Conforme bem observado por Claudia Lima Marques, “o CDC é lei especial das relações de consumo, mas não é exaustiva ou com pretensão de completude, como demonstra claramente o art. 7º”, de forma que o Código Civil de 2002 “servirá de base conceitual nova para o micro-sistema específico do CDC, naquilo que couber”. Essa base conceitual representada pelo Código Civil deve ser integrada com o CDC de forma que complete os conceitos postos de maneira aberta neste diploma legal. Assim, conforme sustenta, ainda, Claudia Lima Marques, “o que é abuso de direito, o que é nulidade, o que é pessoa jurídica, o que é prova, decadência, prescrição e assim por diante, se conceitos não definidos no micro-sistema terão sua definição atualizada pelo NCC/2002” (Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil: do diálogo de fontes no combate às cláusulas abusivas”, in Revista do Direito do Consumidor, nº 45, págs 71 a 99, esp. Pág. 92). Nessa linha de raciocínio, vê-se que as nulidades estabelecidas pelo CDC são aquelas mesmas tratadas pelo art. 166, VII do CC/02, que reputa “nulo o negócio jurídico” quando “a lei taxativamente o declarar nulo, ...”. Trata-se de regra semelhante à do art. 145, V do CC/16. Ora, estando as nulidades do CDC incluídas entre as fixadas no artigo 166, VII do CC/02, inevitavelmente a elas também será aplicável o que dispõe o art. 168 e respectivo parágrafo do mesmo CC/02, que determina...” (STJ, 2ª Seção, Emb. Divergência 702.524, Min. Rel. Nancy Andrighi (voto vencido), j. 08/03/2006)

A doutrina também assim se posiciona. Além do entendimento de Claudia Lima Marques, citado pelo voto e já antes referido, podemos mencionar, neste mesmo sentido, os ensinamentos de (BECKER, Anelise. A natureza... cit., p. 123.).

410 GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código brasileiro de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 367.

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Consumidor, afirma que o sistema de nulidades do Código de Defesa do

Consumidor é um sistema próprio, afastado dos sistemas do Código Civil,

Código de Processo Civil e Direito Administrativo. E conclui:

“No regime jurídico do CDC as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito porque contrariam a ordem pública de proteção ao consumidor. Isso quer dizer que as nulidades podem ser reconhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo o juiz ou tribunal pronunciá-las “ex officio”, porque são normas de ordem pública, insuscetíveis de preclusão”.

A jurisprudência411, em algumas decisões já superadas, conforme se

demonstrará a seguir, igualmente se posicionou neste sentido.

Posição curiosa é a adotada por Cristiano Heineck Schmitt412. Embora

este doutrinador defenda que o sistema de nulidades adotado pelo Código

de Defesa do Consumidor é exatamente o mesmo daquele previsto pelo

Código Civil, conclui que a nulidade relativa (ou anulabilidade):

“não interessou ao legislador do Código de Defesa do Consumidor, fazendo uso de normas cogentes, de proteção a interesse público e social, cuja violação importa em nulidade absoluta”, podendo, portanto, ser reconhecida de ofício pelo magistrado.

Isto é: partindo de premissas diversas, o autor chegou à mesma

conclusão alcançada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery

acima exposta. Todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor

podem ser reconhecidas de ofício, por serem norma de ordem pública.

411 “CONTRATO BANCÁRIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.

COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LIMITADOR. TAXA PACTUADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENCIONAMENTO.

I- Questões de ordem pública contempladas pelo Código de Defesa do Consumidor, independentemente de sua natureza, podem e devem ser conhecidas de ofício, pelo julgador. Por serem de ordem publica, transcendem o interesse e se sobrepõem à vontade das partes. Falam por si mesmas e, por isso, independem de interlocução para serem ouvidas. (...)” (STJ, 3ª Turma, Agravo Regimental do REsp 720.439, Min. Rel. Castro Filho, j. 02/08/2005).

412 SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas... cit., p. 132.

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Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva 413igualmente sustenta que o

Código de Defesa do Consumidor deixou de lado o sistema de nulidades do

Código Civil, tendo optado por um sistema de nulidades que prevê apenas

as “nulidades de pleno direito”.

De qualquer forma, seja com base no sistema de nulidades do direito

civil, seja com base no sistema de nulidades do direito do consumidor,

parece que a conclusão da doutrina majoritária414 é no sentido de que as

cláusulas abusivas podem ser assim declaradas de ofício pelo juiz.

Infelizmente, no entanto, na contramão da evolução ora defendida e

alterando o posicionamento anteriormente firmado, a jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça, firmou entendimento no sentido da

impossibilidade de revisão, de ofício, das cláusulas abusivas em contrato

de consumo, sob pena de violação do artigo 515415 do Código de Processo

Civil. Desconsiderou ela tanto o argumento da natureza de ordem pública do

ordenamento como o sistema de nulidades expressamente consagrado pelo

Código Civil. Este entendimento foi formalizado no julgamento dos

Embargos de Divergência 702.524-RS416, ocorrido em 08 de março de 2006,

no qual os Ministros Castro Filho e Nancy Andrighi foram vencidos.

Em síntese, a declaração de nulidade de uma cláusula abusiva pode

ocorrer de ofício, pelo juiz, no curso de uma ação ou a pedido da parte, em

ação específica para este fim.

Vale repetir, no entanto, que a declaração pura e simples da nulidade

da cláusula, seja de ofício, seja a requerimento da parte interessada, não

gera, a princípio, uma sentença determinativa. Ao declarar a nulidade de

determinada cláusula o juiz não exerce o seu poder criativo.

413 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 116. 414 Em sentido parcialmente contrário, Anelise Becker defende que a nulidade com base

em conceitos indeterminados (como por exemplo o artigo 51, IV do CDC) não poderia ser declarada de ofício (BECKER, Anelise. A natureza... cit. p. 133.

415 A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 416 Embargos de Divergência. Relação de consumo. Revisão de ofício do contrato para

anular as cláusulas abusivas. Impossibilidade. Orientação da 2ª seção. (STJ, 2ª Seção, Emb. Divergência 702.524, Min. Rel. Nancy Andrighi (voto vencido), j. 08/03/2006), já antes citado.

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Em alguns casos, no entanto, em razão da declaração de nulidade de

uma cláusula haverá necessidade de adaptação das demais. Neste caso,

podemos falar em sentença determinativa 417.

Deve-se também salientar que especificamente no tocante às

cláusulas nulas previstas no Código de Defesa do Consumidor, a

possibilidade de declaração de nulidade não ocorre, a rigor, apenas nas

relações consumeristas. O artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor

dispõe que “Para fins deste Capítulo e do seguinte418, equiparam-se aos

consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas

nele previstas”.

Ou seja, em uma relação comercial entre duas empresas, estando

uma em posição muito mais forte do que a outra e impondo a esta cláusulas

abusivas, é possível sustentar a aplicação do artigo 51 do Código de Defesa

do Consumidor419.

4.2.2.1 Da possibilidade da revisão das cláusulas abusivas

Este é um outro ponto relevante e delicado, merecedor de atenção

especial, principalmente no tocante ao Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à possibilidade de revisão de cláusulas abusivas no Código

Civil, esta parece inegável. É que nestes casos, ao contrário do que ocorre

nas relações de consumo, não há previsão de nulidade absoluta para

cláusulas abusivas (salvo em alguns casos excepcionais, como por

exemplo da estipulação de juros usurários ou no caso do artigo 424 do

417 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 120. 418 Que trata da proteção contratual. 419 Embora o princípio da boa-fé objetiva previsto no próprio Código Civil por si só já

condene esta prática.

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Código Civil420). Assim, com base na cláusula geral da boa-fé objetiva que

deve vigorar em todas as relações e, em última instância, no princípio da

função social do contrato, do qual decorre a necessidade de sua

manutenção, parece que não há como impedir que o magistrado integre a

cláusula abusiva, de modo a reestabelecer o equilíbrio entre as partes e

manter o contrato. Algumas recentes decisões jurisprudenciais421 já têm se

firmado neste sentido (parte delas anterior à própria vigência do Código Civil,

conforme mencionado no item 3.3.1.4 supra).

420 Em algumas hipóteses específicas ele traz esta previsão, como por exemplo no artigo

424, segundo o qual: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Vale salientar, no entanto, que, nestes casos, a cláusula nula não tem influência na essência do contrato, de modo que em nada interfere no raciocínio acima tecido. Entretanto, ainda que a nulidade da cláusula interferisse no objeto principal do contrato, com fundamento no mesmo raciocínio que será a seguir exposto no tocante ao Código de Defesa do Consumidor, com base nas cláusulas gerais da função social e da boa-fé objetiva, se pode, ao nosso ver, sustentar a necessidade de preservação do contrato.

421 Contrato de participação financeira. Embargos de declaração. Disciplina da Lei nº 6.404/76, do Código Civil e do Código Comercial.

1. Julgados monocraticamente os embargos de declaração, o agravo interno provocou o pronunciamento do órgão colegiado, não havendo, portanto, violação dos artigos 537 e 557 do Código de Processo Civil.

2. Não há empeço em nenhum dispositivo de lei federal para que seja cumprida a decisão judicial, que, interpretando o contrato, à luz do princípio da boa-fé objetiva e da vedação de cláusula potestativa, restabelece a igualdade das partes contratantes, coibindo o prejuízo do aderente do contrato de participação financeira que acabou por receber quantidade menor de ações do que aquela efetivamente contratada, em razão da distância entre o momento da integralização do valor e da subscrição das ações, este último ao alvedrio da sociedade beneficiada.

3. Recurso especial não conhecido (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 511769/RS; Min. Rel. Carlos Alberto Menezes, j. 02/10/2003.

Arruda Alvim, em seu já citado artigo A função social dos contratos no novo Código Civil, o finalizou com o seguinte exemplo: Um colega que tem metade da minha idade, em face de um contrato de uma companhia aérea, idealizou um pedido com base na função social. Esse caso foi julgado agora há pouco, há um ou dois meses, no qual uma companhia aérea que tinha que deixar em mão do arrendante uma determinada importância em dólar, uma verdadeira caução para socorrer a determinadas despesas e, se essa caução fosse usada, essa arrendadora tinha o prazo de cinco dias para repor o dinheiro, que desempenharia a função de garantia em mãos do credor arrendante.

Era um contrato liberal, e, numa linguagem crítica, quase que leonino. Bom, então esse colega construiu uma argumentação muito bem feita, submeteu a mim e aí se disse e se postulou em nome da função social, esse prazo de cinco dias não adiantava nada porque a situação econômica não estava fácil e que ele queria que a juíza desse um prazo de 120 dias.

E, na verdade, o que se pediu foi uma dilação, uma dilação desse prazo de 5 para 120 dias. A decisão foi favorável tanto em 1º grau como em 2º grau em razão da função social do contrato.

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154

Entretanto, no tocante às cláusulas abusivas nas relações de

consumo, o assunto adquire um enfoque um pouco mais complexo. Isto

porque, conforme já mencionado, as cláusulas abusivas são, nos termos do

artigo 51 do CDC, “nulas de pleno direito”.

Dentre as características da nulidade absoluta comumente citadas

pela doutrina tradicional de direito civil422 encontra-se a sua insanabilidade

(exceto em casos excepcionalíssimos, como o do artigo 208, 2ª parte 423, do

Código Civil de 1916).

Portanto, a conclusão que se extrairia de uma leitura literal e simplista

deste ordenamento é que a nulidade absoluta da qual são dotadas as

cláusulas abusivas não pode ser sanada, de modo que com relação a este

ponto, não podem ser proferidas sentenças determinativas. Ou seja, em se

tratando de cláusulas abusivas, não seria conferida nenhuma liberdade ao

magistrado que estaria adstrito à lei, só podendo agir para declarar a

nulidade da mencionada cláusula, sendo-lhe vedado agir para integrar o

contrato.

Embora sem analisar especificamente a questão da “sanabilidade”

das nulidades, parece que é este o entendimento de Flavio Tartuce424, para

quem, em sendo possível, a cláusula nula deve assim ser declarada,

mantendo-se o contrato. Entretanto, caso a cláusula nula seja essencial ao

contrato, não haverá outra solução senão a declaração de nulidade completa

do contrato.

Entendemos, no entanto, que embora a nulidade absoluta, seja de

fato, em um primeiro momento, insanável, tal insanabilidade por vezes

comporta exceções, previstas pelo legislador.

No caso das cláusulas nulas o próprio legislador consumerista previu

422 Pontes de Miranda salienta que a nulidade é absoluta. A nulidade relativa (denominação

por ele criticada) é anulabilidade. Neste contexto, a nulidade é inconvalidável (MIRANDA, Pontes. Tratado... cit., p.30-31). Os ensinamentos de Roberto de Ruggiero são no mesmo sentido (RUGGIERO, Roberto de. Instituições... cit., p.335.).

423 Art. 208: “É também nulo o casamento contraído perante autoridade incompetente (arts. 192, 194, 195 e 198). Mas esta nulidade se considerará sanada, se não se alegar, dentro em 2 (dois) anos da celebração.

424 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 104.

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a possibilidade de a nulidade ser sanada. Tanto assim que, consagrando o

princípio da manutenção do contrato, o artigo 6º, V, do Código de Defesa do

Consumidor prevê como direito básico deste a modificação das cláusulas

contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão

em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Em confirmação a tal dispositivo, o parágrafo 2º do artigo 51, do CDC

dispõe que: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o

contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,

decorrer ônus excessivo a qualquer uma das partes” (grifos nossos).

Isto significa que o legislador expressamente previu a possibilidade de

integração das cláusulas abusivas. E, obviamente, esta integração deve ser

efetuada pelo juiz, por meio das sentenças determinativas.

Vale mencionar que tal dispositivo constante do Código de Defesa do

Consumidor apenas confirma o princípio da manutenção do contrato,

prestigiado tanto por este ordenamento como pelo Código Civil de 2002.

Este entendimento é defendido por Cristiano Heineck Schmitt425 e por

Cláudio Luiz Bueno de Godoy426. Também Renata Mandelbaum 427, embora

não trate especificamente da questão das nulidades absolutas, afirma que o

controle judicial das cláusulas abusivas pode dar-se “como instrumento para

a modificação do conteúdo do contrato, no sentido da eliminação das

cláusulas iníquas e da formação judicial de justo e eqüitativo regulamento de

interesses”.

Entretanto, esta tese assim como tantas outras mencionadas no

presente trabalho, também não é pacífica.

425 SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas ... cit., p. 136. 426 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 53: “Em diversos termos, então,

prevalecerá o contrato, assim conservado, o que se verá em capítulo adiante, mercê da anulação da cláusula abusiva, integrando-se o ajuste de acordo com o ordenamento, com normas supletivas, recorrendo-se à função integrativa da boa-fé, também a seguir examinada, para, inclusive, se imporem condutas que permitam atingir o fim contratual, a justa expectativa das partes contratantes. Mas ainda, sempre que não se possa simplesmente anular uma cláusula abusiva, como a do preço, por exemplo, sem a qual o contrato perde a sua eficácia, dá-se mesmo a direta modificação, mediante a regra do art.6º, V da Lei 8.078/90”.

427 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 233.

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Judith Martins-Costa428 entende que em razão do “caput” do artigo 51

do Código de Defesa do Consumidor, a única solução possível seria a

declaração da nulidade das cláusulas abusivas.

De acordo com ensinamentos de Cláudia Lima Marques429:

“Destaque-se também que a nulidade das cláusulas abusivas do artigo 51 do

CDC é absoluta, logo, indisponível à vontade das partes (art. 1º do CDC) e,

pela teoria geral do direito privado, nunca pode ser ‘sanada’”.

Apesar disto, esta autora admite uma exceção ao princípio das

nulidades absolutas: a revisão dos contratos em caso de lesão ou

onerosidade excessiva causada por fatos supervenientes, com base no

artigo 6º, V do Código de Defesa do Consumidor430. Salienta que estas

hipóteses limitam-se aos casos de desigualdade econômico-financeira do

contratado.

Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva431 também afirma que o

artigo 6º, V do CDC constitui uma exceção ao sistema de nulidades

absolutas instituído pelo artigo 51 do CDC.

Entretanto, o artigo 6º, V, do CDC não faz menção a valores

pecuniários, mas sim a prestações desproporcionais.

Daí a nossa conclusão acima exposta de que a exceção à que

Claudia Lima Marques faz menção não deve se restringir aos casos de

desigualdade econômico-financeira do contrato. Sempre que a declaração

da nulidade de uma cláusula contratual exigir a integração do contrato, o juiz

deverá fazê-lo (e, neste ponto, indiretamente estará sanando a nulidade).

428 COSTA. Judith Martins. A boa-fé... cit., p. 327. Vale dizer que esta afirmação foi tecida

pela autora em uma análise sobre as distinções entre as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados, e não em estudo específico sobre o tema das nulidades das cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor.

429 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio... cit., p. 15. Neste ponto, a autora critica o entendimento defendido por Cristiano Heineck Schmitt, que será a seguir explicado no sentido de que as cláusulas contratuais poderiam ser revistas – quando nulas – de modo a preservar o contrato.

430 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p.787. 431 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 121.

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Existe também uma parte da doutrina que adota uma posição

intermediária. Raquel Bellini de Oliveira Salles432, ao tratar especificamente

da lesão, afirma que ao juiz cabe declarar a nulidade da cláusula abusiva e,

em seguida, integrar o contrato, substituindo a cláusula que lhe foi retirada.

Parece-nos que embora se utilizando de um esforço de exegese para não

falar em “sanação de nulidade” da cláusula abusiva, é exatamente isto o que

a autora defende.

Ao nosso ver, a regra deve ser a da declaração de nulidade da

cláusula (e não do contrato). Caso a declaração de nulidade da cláusula faça

com que o contrato seja desnaturado, caberá ao juiz integrá-lo, criando

novas cláusulas que restabeleçam o equilíbrio entre as partes. Segundo

Cristiano Heineck Schmitt433, a “sanação da nulidade absoluta não é regra,

mas sim exceção”.

A confirmar este tese, deve-se salientar que, conforme já foi afirmado,

o Código Civil admite a revisão do contrato, com base no princípio da boa-fé

objetiva. Sendo o Código de Defesa do Consumidor uma legislação de

proteção ao consumidor, seria, no mínimo, contraditório admitir que o

consumidor fosse lesado por ser consumidor e estar submetido a tal

legislação, principalmente porque o Código de Defesa do Consumidor

igualmente consagra o princípio da boa-fé objetiva e da revisão dos

contratos.

Complementarmente, entendemos que o princípio da manutenção do

contrato deve ser aplicado, como regra, subsidiariamente a todas as leis que

prevejam nulidades de cláusulas contratuais (como, por exemplo, a lei de

locações) e que, por razões de corte metodológico, preferimos não abordar

especificamente neste trabalho.

Em outras palavras, podemos afirmar que em termos práticos não há

distinção entre o sistema de revisão do contrato adotado pelo Código Civil e

pelo Código de Defesa do Consumidor no tocante ao princípio da

manutenção do contrato e da sua integração pelo magistrado. A diferença

432 SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio... cit., p. 319. 433 SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas... cit., p. 140.

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substancial existente entre ambos os ordenamentos é que, no tocante às

cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor, o juiz pode (ou

deve) assim declará-las de ofício.

Neste ponto surgem duas novas questões relevantes: a) O juiz pode

ou deve declarar de ofício a cláusula nula? b) considerando que a

declaração de nulidade pode ocorrer de ofício em razão de expressa

disposição legal neste sentido, pode-se afirmar que o mesmo se dá com

relação à revisão? O que ocorreria, neste contexto, quando da declaração

de nulidade decorre a necessidade de revisão?

Com relação à primeira indagação, entendemos que, a princípio, o

juiz deve declarar de ofício a nulidade. Não se trata de uma faculdade, mas

de um dever. Entretanto, a questão é bastante complicada, principalmente

em razão dos efeitos da sentença quando da não declaração de nulidade e

da conservação da coisa julgada. Trataremos, deste caso, mais

detalhadamente, no próximo item.

Quanto ao segundo ponto, pelas mesmas razões expostas ao

tratarmos da função social do contrato no Código Civil, entendemos que o

pedido de revisão, em regra, deverá ser formulado pelas partes, ressalvados

os casos em que a lei expressamente autoriza a revisão de ofício434.

Há que se notar aqui uma questão curiosa: qual deveria ser a postura

do juiz se, ao julgar uma ação em que a declaração de nulidade de uma das

cláusulas gera o desvirtuamento do contrato e na qual não foi formulado

pedido de revisão ou de anulação?

434 E neste ponto devemos indagar se o artigo 6º, V do CDC autoriza esta intervenção de

ofício? Em razão do disposto no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor, poderíamos sustentar esta posição. Entretanto, em capítulo anterior manifestamos as nossas razões para discordar deste posicionamento.

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Em julgamento ocorrido em junho de 1997 o Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo decidiu por extinguir a ação sem julgamento de mérito,

por ausência dos pressupostos de constituição de desenvolvimento válido e

regular do processo435.

E mais: em determinada lide ajuizada, por exemplo, para satisfação

do cumprimento de uma obrigação de fazer, o juiz, verificando a nulidade de

eventual cláusula (ainda que não relacionada especificamente ao objeto da

ação) deveria declarar tal nulidade. Mas, e se esta nulidade ensejasse a

nulidade de todo o pactuado, poderia o juiz integrar o contrato?

Situações como esta são, na realidade, raras. Em razão do excesso

de processos que existem no Judiciário e ainda dos valores liberais que

predominam na sociedade, hipóteses de intervenção “ex officio” nos moldes

acima colocados são quase inexistentes. Também a doutrina não chega a

analisar profundamente estes pontos, embora discuta a questão da

possibilidade ou não da revisão de ofício.

De qualquer forma, em razão da aceitação, cada vez maior, da

intervenção do juiz nos contratos, casos como o acima mencionado poderão

se tornar mais comuns. Fica aqui o convite para reflexão sobre estas

questões, ainda sem solução definida.

435 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 119: “Contrato. Prestação de

serviços educacionais. Pretendida a nulidade de cláusulas contratuais referentes a reajustes de preços- inadmissibilidade – Ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, vez que a declaração de nulidades, como proposto, levaria à completa descaracterização do contrato- Inteligência do artigo 51, parágrafo 2º, do CDC. Recurso não provido (TJSP, 5º Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 281.193-1/SP, Rel. Des Christiano Kuntz, j. 5/06/1997, v.u).

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4.2.2.2 O reconhecimento da nulidade da cláusula contratual, a ação

declaratória incidental e a coisa julgada

Conforme mencionado, é facultado aos contratantes o ajuizamento de

ação para declarar a nulidade de determinada cláusula contratual. A

sentença que reconhecer a nulidade fará coisa julgada com relação a este

ponto, tornando-se imutável, e não mais podendo ser rediscutido,

ressalvadas as hipóteses de cabimento de ação declaratória de

inexistência436 e ação rescisória437.

436 O Código de Processo Civil não trata especificamente desta hipótese. Entretanto, a doutrina

e a jurisprudência têm entendido pelo cabimento de ação declaratória quando ausente algum dos pressupostos processuais de existência (jurisdição, citação, capacidade postulatória quanto ao autor, petição inicial, segundo classificação de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery da ação (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo… cit., p. 147/435.). Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina defendem, igualmente, ser inexistente a sentença que julga o mérito quando ausentes algumas das condições da ação (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da coisa julgada. In DIDIER JR, Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: Jus PODIUM, 2004.). A ação rescisória, por seu turno, teria cabimento nos casos previstos em lei, que são os de nulidade absoluta do processo ou, segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, de rescindibilidade (como por exemplo, o artigo 485, VII do CPC) (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades... cit., p. 287-290.). Sobre o assunto, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery citam o enunciado 7 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, segundo o qual: “Ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver ocorrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita” (RT 629/206) e concluem que a ausência de citação acarreta a inexistência de relação processual em relação ao réu, estando correto o enunciado neste particular. Nos casos de invalidade de citação, o correto é o ajuizamento de ação rescisória. (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo… cit., p. 147 e 435). Teresa Arruda Alvim Wambier também compartilha do entendimento de que a ausência de citação gera vício de inexistência (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades... cit., p. 287). Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina fazem referência a “sentença juridicamente inexistente”, salientando que ela pode também ser reconhecida de forma incidental em um processo ou simplesmente desconsiderada, aceitando-se o trâmite de outra ação. Por fim, estes doutrinadores criticam a denominação “querela nulittatis” atribuído às ações que, na realidade, tratam da declaração de inexistência (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização... cit., p. 254-255.).

437 De acordo com o artigo 485 do Código de Processo Civil, a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando: I- verificar-se que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, II- proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei, IV- ofender a coisa julgada, V- violar literal disposição de lei, VI- fundar-se em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória, VII-depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pode fazer uso, capaz, por si só, de assegurar-lhe pronunciamento favorável, VIII- houver fundamento para invalidar a confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença, IX- fundada em erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. O prazo decadencial para propositura da ação rescisória é de 2 (dois) anos contado do trânsito em julgado da decisão a ser rescindida (artigo 495 do CPC).

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Problema maior surge quando a questão da cláusula abusiva aparece

incidentalmente no processo. A título de exemplo, podemos citar uma ação

de cobrança ou de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Neste caso, alguns cenários tornam-se possíveis: a) a questão é argüida

por meio de ação declaratória incidental, b) a questão, embora não argüida

pelas partes, é reconhecida pelo juiz de ofício, na parte dispositiva da sentença,

c) a alegação de nulidade da cláusula é formulada em contestação tão

somente, ou pelo autor, apenas como causa de pedir da ação e reconhecida na

fundamentação da sentença, e; d) a questão não é alegada pelas partes, nem

reconhecida pelo juiz. Trataremos, a seguir, de cada uma destas questões:

4.2.2.2.1 Questão argüida por meio de ação declaratória incidental

Como é sabido, tão somente a parte dispositiva da sentença é que faz

coisa julgada. Trata-se de expressa disposição do artigo 469 do Código de

Processo Civil438.

Assim, objetivando evitar a proliferação de decisões, e a existência de

julgados contraditórios, vislumbrando a possibilidade de surgimento de

questões prejudiciais ao julgamento de mérito no curso da lide439, a

legislação processual previu a ação declaratória incidental.

A ação declaratória incidental é regulada pelos artigos 5º, 325 e 470

do Código de Processo Civil e tem por objetivo aumentar os limites objetivos

da coisa julgada. Caso surja uma questão prejudicial ao julgamento da lide,

desejando a parte que a decisão sobre este ponto sofra os efeitos da coisa

julgada, deverá ela valer-se da ação declaratória incidental.

438Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance

da parte dispositiva da sentença, II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença, III- a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

439 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery atribuem à ação declaratória incidental os méritos de “evitar a proliferação de demandas, a possibilidade de haver decisões conflitantes e o benefício da economia processual” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo... cit., nota 15 ao artigo 5º, p. 150). Também este posicionamento é adotado por Ada Pellegrini Grinover (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação... cit., p. 116.).

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Trata-se de uma inovação do ordenamento de 1973. Até então, a

ação declaratória incidental era prevista de forma expressa apenas na

modalidade de incidente de falsidade, embora implicitamente a doutrina

vislumbrasse os seus efeitos também na reconvenção, nos embargos à

execução e em processos nos quais não se exige rígida concentração

processual (como é o caso de inventários, sentenças homologatórias de

partilha, etc...)440.

Vale observar que em sendo a ação declaratória incidental ajuizada, a

questão relativa à cláusula contratual se pacifica. Isto porque a matéria

discutida na ação declaratória deverá ser decidida anteriormente 441 ao

pedido formulado na ação principal, e ambas as decisões deverão ser

compatíveis entre si.

4.2.2.2.2 Questão reconhecida, no dispositivo, de ofício pelo juiz

Como temos sustentado, o juiz pode se pronunciar, de ofício, a

respeito da nulidade de cláusulas contratuais.

Se ele o fizer na parte dispositiva da sentença, tal dispositivo fará

coisa julgada. Neste ponto, o efeito será o mesmo que o do ajuizamento da

ação declaratória incidental, conforme já foi acima mencionado.

Se o fizer apenas na fundamentação, a conseqüência será a mesma

que a da questão alegada na inicial como causa de pedir ou em

contestação.

440 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação... cit., p. 105-106 e 116. 441 De acordo com Alfredo Buzaid “No processo civil em que se propõe ação declaratória

incidental, há pluralidades de lides. O vínculo que as une é a interdependência. Há uma lide principal e uma lide prejudicial. A lide principal foi submetida pelo autor à apreciação judicial. Precedem na ordem cronológica, à lide prejudicial. Mas na ordem lógica do julgamento, a lide prejudicial precede a principal” (BUZAID, Alfredo. A ação declaratória no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 389.).

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4.2.2.2.3 Questão alegada na inicial como causa de pedir ou em

contestação e decidida como fundamento da decisão ou

questão não alegada e não decidida

Se decidida apenas incidentalmente ao processo, a questão da

nulidade da cláusula não fará coisa julgada. Obviamente, se a questão não

for discutida no processo, também não se poderá falar em ocorrência de

coisa julgada. Isto significa que a parte interessada poderá ajuizar ação

autônoma para obter tal declaração.

Neste cenário, novamente, é possível vislumbrar quatro situações: a)

quando a nulidade da cláusula beneficiar o réu: a1) o juiz pode reconhecer a

nulidade da cláusula de forma incidente, ou não se manifestar sobre a

questão e julgar improcedente o pedido formulado pelo autor, ou a2) o juiz

pode se manifestar na fundamentação no sentido de que a cláusula é válida

ou não analisar esta questão, e julgar procedente o pedido ou, b) quando a

nulidade da cláusula beneficiar o autor: b1) o juiz pode reconhecer a

nulidade da cláusula de forma incidente ou não se manifestar sobre a

questão e julgar procedente o pedido, b2) o juiz pode se manifestar na

fundamentação no sentido de que tal cláusula é válida ou não analisar a

questão e julgar improcedente o pedido.

A primeira e a terceira situações não terão sérias implicações. Em

sendo as ações de cobrança ou de condenação de obrigação de fazer

improvidas, eventual declaração de nulidade do contrato objeto destas ações

não entrará em conflito com tais decisões442. O mesmo ocorrerá, por

exemplo, com uma ação de declaração de cumprimento de uma obrigação

(fundada, exemplificativamente, na nulidade da cláusula que preveja o

pagamento do saldo residual) julgada procedente.

Problema surgirá quando a ação for provida ou improvida, apesar da

cláusula nula e, posteriormente, se pretender a declaração de nulidade de tal

cláusula.

442 Exceto se o improvimento ocorrer por motivo diverso e, na fundamentação o juiz se

pronunciar sobre a validade de determinada cláusula. Para solução em casos como este – de conflito entre a fundamentação de uma decisão e o dispositivo da outra, trataremos a seguir.

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Vale mencionar que não se trata da discussão relativa à

incompatibilidade de coisas julgadas proferidas em processos idênticos, na

qual tem-se entendido443 pela prevalência da primeira, em que pese a

existência de discussão sobre o tema.

Na hipótese proposta, a incompatibilidade está entre a

fundamentação do primeiro julgado (ou omissão na sua fundamentação) e o

dispositivo do segundo. Apenas indiretamente é que os dispositivos

conflitam entre si. Ou seja, há uma incompatibilidade fática, e não jurídica.

Trata-se de uma questão complexa, que envolve, de certa maneira,

a necessidade de “relativização”444 da primeira coisa julgada. Em casos

envolvendo ações de alimentos, tem-se admitido o posterior ajuizamento

de ação de investigação de paternidade. Note-se que esta situação é

análoga à aqui proposta. Haverá, e é inevitável que haja, incompatibilidade

entre a decisão que julgar procedente a ação de alimentos e aquela que

reconhecer que o réu, condenado ao pagamento de alimentos, não é pai

do alimentando. Nestes casos, a jurisprudência vem aceitando a propositura

de ação de exoneração de alimentos, “relativizando”, assim, a coisa julgada

443 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo... cit., p. 679.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização... cit., p.248. PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa julgada nas ações coletivas. Disponível em: <http://www.pucsp.com.br/tutelacoletiva>. Acesso em Mai 2007.

444 Neste ponto é importante assinalar que a doutrina e a jurisprudência costumam falar em relativização da coisa julgada para admissão de novo julgamento de caso idêntico. Por exemplo: uma ação de investigação de paternidade julgada antes da descoberta das técnicas para efetivação de exame de DNA e o novo julgamento da causa após esta descoberta. No caso concreto, nos utilizamos da expressão “relativização da coisa julgada” em um sentido mais ameno, objetivando a rediscussão de coisa julgada anterior em razão de incompatibilidade fática entre os julgados.

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proferida na ação de alimentos445.

445 1 - Apelação Cível. Investigação de Paternidade. Antecedente ação de alimentos

julgada procedente. Não caracterização de coisa julgada. Exame pericial. DNA. Exclusão de paternidade.

O julgamento de antecedente ação de alimentos se não impede o ajuizamento de ação investigatória posterior, também não determina o resultado desta, mormente no caso em que a paternidade não restou reconhecida. O exame pericial realizado, pelo método DNA, com grau de certeza quanto à exclusão da paternidade, conduz ao julgamento de improcedência da investigatória. Apelação Desprovida.

Acórdão: Há de ser negado provimento ao apelo, (...) Superada a questão da paternidade, no que tange a questão dos alimentos, as quais

foram fixadas em outra ação, cabível, in casu, a interposição pelo apelado de ação de exoneração de alimentos, visto que declarada a exclusão da paternidade.” (TJ/RS, Segunda Câmara Especial Cível, Apelação Cível n° 70003804788, Rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 12/03/2002).

2 - Anterior ação intentada para efeito de prestação de alimentos, nos termos da lei 883, de 21.10.49, tem cunho condenatório e não impede posterior investigação de paternidade, apos o advento da Constituição de 1988, pois a investigatória e de cunho declaratório. Não se confundem as duas ações. A parte não esta obrigada a se submeter a perícia hematologica, porém a sua recusa poderá prejudicar a sua defesa. Agravo provido, em parte. (TJ/RS, 8ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento Nº 596057174, Rel. Des: Antonio Carlos Stangler Pereira, j. 22/08/1996).

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Poder-se-ia argumentar que não se tratam de situações análogas, na

medida em que a ação de alimentos possui intrínseca a cláusula “rebus sic

stantibus”, podendo, portanto, ser revista 446. Entretanto, a possibilidade de

revisão prevista em lei não se estende ao reconhecimento ou não da

paternidade, ou do dever de prestar alimentos, restringindo-se à situação

financeira das partes. Vale dizer: se uma ação de alimentos cumulada com

investigação de paternidade transita em julgado, a mesma não pode ser

revista com relação ao pedido de investigação de paternidade (ressalvado o

entendimento de parte da doutrina que defende a “relativização da coisa

julgada” neste caso em razão do desenvolvimento de técnicas novas como,

por exemplo, o exame de DNA).

Portanto, ao nosso ver as situações são realmente semelhantes,

podendo-se, em tese, sustentar a aplicação da mesma teoria considerada

para o caso da ação de alimentos. 446 O artigo 15 da Lei 5.478/68 prevê que “A decisão judicial sobre alimentos não transita

em julgado e pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados”. A redação deste artigo é criticada pela doutrina, que afirma ser impróprio afirmar que a decisão não transita em julgado. Na realidade, ela pode ser revista por ter implícita a cláusula “rebus sic stantibus” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação... cit., p. 31). Na jurisprudência, contudo, há julgados que afirmam que a ação de alimentos não produz coisa julgada: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ALIMENTOS - DECISÃO IMPUGNADA POR RESCISÓRIA - TRÂNSITO EM JULGADO FORMAL - CARÊNCIA DE AÇÃO - VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 485, V E 535, II E 7º DA LEI 8.560/92 - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

1 - A ação rescisória visa desconstituir sentença que extinguiu o processo com julgamento de mérito, desde que transitada em julgado, quando presentes pelo menos um das hipóteses previstas nos incisos do art. 485, do CPC. Assim sendo, a existência de sentença de mérito, bem como o trânsito em julgado são requisitos essenciais para o ajuizamento da ação rescisória. Na falta de um desses pressupostos, pois, não há que ser admitida a ação por falta de interesse de agir.

2 - A sentença que condena à prestação de alimentos não está envolvida pelo manto da coisa julgada material, vale dizer, não possui a qualidade de imutabilidade que se agrega ao comando da sentença de mérito já não mais sujeita a qualquer impugnação recursal, vez que pode ser revista a qualquer tempo, se houver modificação na situação financeira das partes.

3 – (...) 8 - Recurso conhecido apenas no que tange a divergência quanto ao cabimento da

ação rescisória para desconstituir sentença que condena prestação de alimentos e, neste aspecto, desprovido.

(STJ, 4ª TURMA, Recurso Especial 488512/MG; Min. Rel. Jorge Scartezzini, j. 16/09/2004). O artigo 1699 do Código Civil trata de situação similar, sem, contudo, fazer menção à não ocorrência de trânsito em julgado (art. 1699- Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração no encargo”.

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Isto é, se, após uma condenação advier sentença reconhecendo a

nulidade da cláusula na qual se fundou a ação, o interessado poderá, com

base na teoria acima exposta, pretender a revisão da sentença

condenatória, ainda que transitada em julgado. Trata-se de uma posição

bastante liberal, da qual não estamos tota lmente convencidos,

principalmente por trazer sérias conseqüências ao princípio da segurança

jurídica. Ao nosso ver, as hipóteses de “relativização da coisa julgada”

devem ser expressamente previstas em lei, inclusive para se evitar abusos e

insegurança.

Vale salientar que a sentença declaratória, conforme ensinamentos de

Cândido Rangel Dinamarco447 e Teresa Arruda Alvim Wambier448 possui

efeitos ex tunc. Portanto, admitindo-se como possível a tese acima exposta,

haveria possibilidade, inclusive, de pedido de ressarcimento de eventual

prestação já cumprida, ressalvados, obviamente, os prazos prescricionais e

os casos em que não se admite a repetição (por exemplo, a irrepetibilidade

dos alimentos).

Uma outra solução para esta questão, mais conservadora e conforme

com a sistemática jurídica, seria sustentar o cabimento de ação rescisória

com base em violação a literal disposição de lei. Quando não houvesse

qualquer pronunciamento sobre a eventual nulidade do contrato, a ação

rescisória poderia se fundar na alegação de que deveria o juiz pronunciar tal

nulidade de ofício (neste ponto, novamente entramos na discussão sobre os

limites da discricionariedade judicial, acima exposta). Se o juiz tivesse

analisado a questão, a argumentação seria no sentido de que ele não deu

correta aplicação às leis analisadas449.

Por fim, poder-se-ia afirmar que a questão da nulidade contratual foi

alcançada pela eficácia preclusiva da coisa julgada e, portanto, não poderia

447 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... cit., p. 225. 448 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades... cit., p.99. 449 Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery é cabível ação

rescisória que viole cláusulas gerais, como a da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Nota 18 ao artigo 485 do CPC (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo... cit., p.680.).

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ser rediscutida em ação própria. Esta posição evitaria a ocorrência das

contradições acima expostas. Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery450, “as questões que estão fora desses limites objetivos (da

coisa julgada), naquilo que puderem interferir com o meritum causae, não

adquirem autoridade da coisa julgada per se, mas são atingidas pela eficácia

preclusiva. (...) A eficácia preclusiva transcende os limites do processo em

que foi proferida a sentença coberta pela coisa julgada (eficácia

panprocessual)”.

A questão da eficácia preclusiva da coisa julgada é tratada pelo artigo

473 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “É defeso à parte discutir,

no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a

preclusão”.

Parece-nos, contudo, que a interpretação do referido dispositivo e do

efeito preclusivo da coisa julgada deve se dar de forma restritiva, não

abrangendo o caso em exame (nulidade de cláusula alegada em

contestação apenas ou não alegada), sob pena, inclusive, de contradição

com o sistema processual, tornando sem efeito a necessidade de

ajuizamento de ação declaratória incidental.

450 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo..cit., notas 3

e 4 ao artigo 474 do CPC, p. 619-620.

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4.2.3 Das ações coletivas

Como já vimos, a revisão ou declaração de nulidades de cláusulas

contratuais pode se dar por meio de ações individuais ou coletivas. Sobre as

ações individuais, já nos referimos acima.

Com relação às ações coletivas, alguns de seus institutos, como a

coisa julgada e a legitimidade, por exemplo, recebem tratamento diverso do

tradicional, atribuído às ações individuais. Como leciona Patrícia Miranda

Pizzol451, pela própria natureza do direito coletivo a sua efetiva proteção não

é cabível dentro da visão individualista do processo civil.

Assim, aproveitaremos este tópico para tecer algumas considerações

de ordem geral sobre as ações coletivas e, quando for o caso, relacioná-las

ao objeto primeiro deste estudo, que é a revisão judicial dos contratos.

4.2.3.1 Do microssistema das ações coletivas

As ações coletivas, conforme ensinamentos de Patrícia Miranda

Pizzol452, são reguladas por um microssistema que abrange

principalmente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil

Pública, além da Constituição Federal. Em termos processuais, no

entanto, o Código de Processo Civil deve também ser aplicado, quando

compatível453.

451 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit. 452 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit. 453 Neste sentido, GIDI, Antonio. Cosa juzgada en acciones colectivas in la tutela de los

GIDI, Antonio. Cosa juzgada en acciones colectivas. In GIDI, Antonio. La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia un código modelo para iberoamérica. México: Editorial Porrúa, 2004, p. 273-274.

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Aliás, o tratamento constitucional aos direitos coletivos não é

exclusivo da legislação brasileira. Como ensina Patrícia Bermejo 454 tal fato

também ocorreu na Argentina com a reforma constitucional de 1994455.

4.2.3.2 Do objeto das ações coletivas

O Código de Defesa do Consumidor classificou os direitos coletivos

em: individuais homogêneos, coletivos “stricto sensu” e difusos.

De acordo com o artigo 81 da mencionada lei, esta classificação é

aferida pela natureza de cada um dos direitos e pela condição de seus

titulares.

O direito difuso caracteriza-se pela sua indivisibilidade e pela

impossibilidade de determinação de seus titulares que são ligados entre si

por uma situação de fato. Os direitos coletivos também são indivisíveis.

Entretanto, os seus titulares são ligados entre si por uma relação jurídica.

454 Algunas reflexiones sobre la aplicación del anteproyecto de código modelo de procesos

colectivos para iberoamerica en la república argentina (BERMEJO, Patrícia. Algunas reflexiones sobre la aplicacion del anteproyecto de código modelo de procesos colectivos para iberoamerica en la República Argentina. In GIDI, Antonio. Cosa juzgada en acciones colectivas in la tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia un código modelo para iberoamérica. México: Porrúa, 2004, p. 493.).

455 Artigo 43 da Constituição argentina: “Toda persona pode interponer acción expedita y rapida de amparo, siempre que no exista outro remedio judicial mas idôneo, contra acto u omisión de autoridades públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesion, restrinja, altere o amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifesta, derechos y garantias reconocidos por esta constituicion, un tratado o una ley. En el caso, el juez podrá declarar la inconstitucionalidad de la norma en que se funde el acto u omisión lesiva.

Podrán interponer esta accion contra cualquier forma de discriminación y en lo relativo a los derechos que protegen al ambiente, a la competencia, al usuario y al consumidor, así como a los derechos de incidencia colectiva en general, el afectado, el defensor del pueblo, y las asociaciones que propendan a esos fines, registradas conforme a la ley, la que determinará a los requisitos y formas de organización” ou seja: “Toda pessoa pode interpor ação rápida, sempre que não exista outro remédio judicial mais idôneo, contra ato ou omissão de autoridade pública ou de particulares, com risco de lesão atual ou iminente, que restrinja, altere ou ameace, com arbitrariedade ou ilegalidade manifesta, directos ou garantias reconhecidos por esta Constituição, um tratado ou uma lei. O juiz poderá declarar a inconstitucionalidade da norma em que se funde o ato ou a omissão lesiva, no caso concreto. A ação poderá ser interposta contra qualquer forma de discriminação e com relação a direitos que protejam o meio ambiente, a concorrência, o usuário e o consumidor, assim como a outros direitos coletivos, de forma geral, pelo lesado, defensor do povo e associações com fins específicos, registradas coforme a lei, que determinará os requisitos e formas de organização” (tradução livre).

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Por fim, os direitos individuais homogêneos são, na realidade, direitos

individuais na sua essência456, mas que têm uma origem comum.

Na prática, uma mesma situação pode gerar um direito individual

homogêneo, difuso ou coletivo. Portanto, a classificação do direito em

questão deve ser efetuada de acordo com o provimento jurisidicional

pleiteado, conforme entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de

Andrade Nery457, Patricia Miranda Pizzol458, Kazuo Watanabe459, Marco

Antonio Marcondes Pereira460, Silvio Donizete Chagas461, Pedro Lenza462,

entre outros. A jurisprudência também tem apontado neste sentido463. Por

exemplo, se em razão da poluição de determinado rio, o Ministério Público

ingressa com ação pleiteando a intervenção da indústria que o poluiu, com

base na lei ambiental, estamos diante de um direito difuso. Se, por este

mesmo fato, a Associação dos Pescadores ingressa com ação pleiteando

indenização aos pescadores que foram lesados, estamos diante de um

direito individual homogêneo.

456 OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários ao código de proteção do consumidor. São

Paulo: Saraiva, 1991, p.278. 457 De acordo com estes doutrinadores, o que qualifica o direito como difuso, coletivo ou

individual homogêneo é o conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido deduzido em juízo. O tipo de pretensão material, juntamente com o seu fundamento, é que caracterizam a natureza do direito (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 9, p. 972). Neste mesmo sentido GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código... cit., p. 630-634.

458 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit. 459 GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al.

Código... cit., p. 630. 460 PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. A transação no curso da ação civil pública. Direito

do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 16, 1995, p. 121. 461 CHAGAS, Silvio Donizete. Código... cit., p. 161. 462 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003, p. 102. 463 Conquanto o usufrutuário do serviço público não possa ser equiparado ao consumidor no

sentido literal do termo, pois, seu enquadramento correto será de contribuinte, não o impede de ser favorecido por ação civil pública considerada como demanda de interesse coletivo, cuja titularidade pertença a grupo, a categoria de pessoas ligadas à parte contrária do vínculo contratual ou legal, porquanto, como doutrinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo... cit., 1403.): “O que caracteriza um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo é o tipo de pretensão deduzida em Juízo. Um mesmo fato pode dar origem à pretensão difusa, coletiva ou individual homogênea”. (TJ/SP, 1ª Câmara de Direito Público. Apelação 17.081-5/6, Rel. Des. Demóstenes Braga, j. 03/06/1998. Decisão mantida pelo STJ).

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172

Calixto Salomão Filho 464 critica esta classificação dos direitos em

difusos, coletivos e individuais homogêneos, à qual denomina de processual,

afirmando que a classificação deveria ocorrer com base unicamente no

objeto do direito a ser tutelado (aspecto material). Com o intuito de

fundamentar sua crítica, ele cita o seguinte exemplo: se uma associação

ajuizasse ação coletiva contra determinada empresa acusada da prática de

cartel, objetivando que os seus associados fossem indenizados por terem

comprado determinado produto por preço exorbitante , e a ação fosse julgada

improcedente em razão do reconhecimento da inocorrência de cartel, esta

decisão não impediria que uma nova associação- formada por comerciantes

lesados pela prática do referido cartel-ajuizasse nova ação para obter

indenização pelos prejuízos por eles sofridos o que seria extremamente

injusto.

Entendemos que a possibilidade de ajuizamento de nova ação, no

caso em exame, independe do conceito que é dado a direitos difusos e

coletivos, mas sim, do pedido formulado na ação. No exemplo, de acordo

com a sistemática processual, sob qualquer aspecto uma ação poderia

impedir o ajuizamento da outra, na medida em que: a) ambas as ações eram

distintas (essencialmente em razão de diferentes pedidos), b) a coisa julgada

somente impede o reajuizamento de ações idênticas, e, c) a fundamentação

não faz coisa julgada.

Portanto, ainda que nenhuma distinção fosse feita entre direitos

difusos e coletivos, no caso acima referido seria perfeitamente possível o

ajuizamento de ambas as ações.

Por outro lado, caso a primeira associação houvesse formulado, além

do pedido de indenização, um pedido de declaração da ocorrência de cartel,

e este pedido (que, neste caso, teria natureza de direito difuso) fosse julgado

improcedente, este ponto impediria o re-ajuizamento de ação para nova

discussão sobre o tema.

464 SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 14-15.

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Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi, após tecer uma

elucidativa distinção entre interesses públicos e interesses difusos465,

também opta por classificar os direitos difusos de acordo com critérios

materiais, denominando de “diferenciada” a classificação processual

proposta por Nelson Nery Júnior e acolhida por outros doutrinadores,

conforme acima citado466.

De acordo com esta doutrinadora467: “No caso específico da

publicidade, em qualquer de suas modalidades ilícitas, os interesses em

questão são efetivamente difusos, como difuso é o seu alcance”. Observe-se

que, seguindo a classificação processual, se fosse ajuizada uma ação

coletiva com o objetivo de obter a condenação da empresa que se

beneficiou com determinada publicidade enganosa a devolver aos

consumidores que adquiriram o produto ofertado o valor por eles pago,

estaríamos diante de uma ação para tutela de um direito individual

homogêneo.

465 De acordo com a autora: “as demandas sociais que se baseiam nas unanimidades não

encontram resistência, e, como tais, devem ser reclamadas do Estado, que a elas não pode se opor. Não significa que o interesse público venha a conflitar com o interesse difuso, mas sua dimensão interna é mais complexa neste último. Enquanto o interesse público conforma aqueles deveres do Estado, obrigatório nas políticas pública, o interesse difuso importa num posicionamento da sociedade civil em função de suas próprias ambigüidades, em questões que podem até mesmo alienar a função do Estado” (FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade... cit., p. 112.). O mesmo entendimento é mantido na tese de doutoramento (FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade abusiva que explora... cit., p. 79.).

466 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade abusiva que explora... cit., p. 116.

467 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade abusiva que explora... cit., p. 109.

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Por fim, vale ressaltar que para alguns doutrinadores e parte da

jurisprudência, o direito individual homogêneo só poderia ser tutelado por

meio de ação coletiva quando relativo a lides de consumo468. Hely Lopes

Meirelles469, por sua vez, assume posição intermediária, salientando ser

possível a tutela de direitos individuais homogêneos por meio de ação

coletiva não só nas lides de consumo mas também nos casos de proteção

ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio estético, histórico,

turístico e paisagístico. Nos demais casos (infrações da ordem econômica),

a ação coletiva somente se prestaria à tutela dos interesses coletivos e

difusos.

Para os partidários deste entendimento, que entendem que o

cabimento ou não da ação coletiva deve ser aferida também pelo tipo de

direito em discussão, a correta classificação do direito discutido-se difuso,

coletivo ou individual homogêneo- e a forma como se faz esta classificação

(se pelo pedido formulado ou pelo próprio direito) adquire ainda maior

relevância.

Defendemos que a melhor forma de se classificar o direito em difuso,

coletivo ou individual homogêneo é, efetivamente, pelo pedido formulado na

ação. De qualquer forma, criticamos a posição de que os direitos individuais

468 Segundo Calixto Salomão Filho, após tecer uma interessante consideração sobre o fato

do direito do consumidor não poder ser considerado um direito difuso, conclui que: “Isso porque o mais efetivo meio de acesso à justiça das pretensões individuais não são as ações coletivas, mas sim as novas formas de tutela dos interesses individuais homogêneos. Daí a verdadeira revolução propiciada pelas class actions norte-americanas, incorporadas ao nosso sistema - e limitada apenas, infelizmente, à proteção dos consumidores- através das ações coletivas para a defesa dos direitos individuais homogêneos (CDC, arts.91 e ss), (SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 19). Também Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, parte da jurisprudência já se posicionou neste sentido: “Quando a lei n. 7.347/85 faz remissão ao Código de Defesa do Consumidor, pretende explicitar que os interesses individuais homogêneos só se inserem na defesa de proteção da ação civil quanto aos prejuízos decorrentes da relação de consumo entre aquele e os respectivos consumidores, porque é a proteção deste o objetivo maior da legislação pertinente” (RSTJ 95/93), Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 1004. Entretanto, este mesmo doutrinador, em outra nota, cita decisão em sentido contrário: “O art. 21 da Lei 7.347 de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei 8.078/90), entendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa de interesses individuais homogêneos, legitimando o MP, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (art. 81, § único, III da Lei 8.078/90 (STJ- RT 720/289, acórdão de 21.9.94) (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código... cit., p. 1073.).

469 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado... cit., p. 162.

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homogêneos somente poderiam ser tutelados por ações coletivas, quando

relacionados a lides de consumo. Acreditamos que razão está com Pedro da

Silva Dinamarco, ao afirmar que 470;

“Entretanto, não há motivos relevantes para não admitir também a proteção a essas outras questões, diante da interação do Código de Defesa do Consumidor com a Lei da Ação Civil Pública (CDC, art. 117; LACP, art. 17). Esses estatutos legais em nenhum momento restringem a utilização dessa espécie de ação civil pública apenas em favor dos consumidores; ao contrário, uma interpretação sistemática indica uma aplicação genérica que não restringe a matéria”.

4.2.3.3 Das ações coletivas para revisão de cláusulas contratuais

Independentemente desta discussão que, por sinal, é estranha ao

objeto do presente trabalho, vale mencionar que considerando os conceitos

adotados pelo legislador, em regra, em se tratando de ações para

discussões de cláusulas contratuais, as ações versarão sobre direitos

coletivos “stricto sensu”: beneficiarão pessoas ligadas entre si ou com a

parte contrária por determinada relação jurídica base – no caso, o contrato

cujas cláusulas estão sendo discutidas. Na maioria das vezes, tratarão de

lides consumeristas. É o que ocorre, por exemplo, em uma ação ajuizada

para ter declarada a abusividade do aumento de mensalidades escolares ou

de plano de saúde. Se, no entanto, estas ações objetivarem também a

condenação do réu à devolução dos valores recebidos a maior, este pedido

versará sobre direitos individuais homogêneos de cada um dos

consumidores. Por outro lado, se a ação objetivar a abusividade dos

reajustes dos planos de saúde globalmente considerados, seria uma

hipótese de direito difuso471.

470 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 62. 471 Estes exemplos foram igualmente extraídos dos ensinamentos de Kazuo Watanabe em

Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto (GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código... cit.).

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No entanto, a classificação do direito em questão nos termos acima

expostos não é pacífica. Em julgamento ocorrido no Superior Tribunal de

Justiça, no qual foi relator o então Ministro Ruy Rosado, restou decidido que

a ação para reconhecimento de nulidade de cláusula de correção monetária

em contrato de adesão versaria sobre direitos individuais homogêneos,

embora o próprio relator tenha mencionado que esta mesma hipótese já

havia sido enquadrada, em outras ocasiões, como direito coletivo472.

Como bem assinala Kazuo Watanabe473, a identificação da causa de

pedir e do pedido (que, repita-se, induz à conclusão da natureza do direito

em questão – se difuso, coletivo ou individual homogêneo) é importante

inclusive para fins de definição do legitimado passivo e dos efeitos

decorrentes da ação (litispendência) e da sentença (coisa julgada).

De qualquer forma, o que nos interessa para efeitos do presente

trabalho, é a definição feita acima da possibilidade de existirem ações

coletivas que versem sobre clausulas contratuais.

Tal como ocorre em contratos individuais – até mesmo com muito

maior razão, em decorrência do interesse coletivo envolvido – entendemos

que nestes casos o juiz pode não se limitar a declarar a nulidade

determinada cláusula, mas sim integrar o contrato, de modo a proferir uma

sentença determinativa. Aliás, em se tratando de ações para defesa de

direitos coletivos “stricto sensu”, a discussão sobre a validade ou não de

determinada cláusula contratual é bastante comum (existem inúmeras ações

472 Ação Civil Pública. Ação coletiva. Ministério Público. Legitimidade. Interesses individuais

homogêneos. Cláusulas abusivas. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos quando existente interesse social compatível com a finalidade da instituição. Nulidade de cláusulas constantes de contratos de adesão sobre correção monetária de prestações para a aquisição de imóveis, que seriam contrárias à legislação em vigor. Art. 81, parágrafo único III e art. 82, I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Precedentes.

Recurso conhecido e provido. (STJ, 4ª TURMA, Recurso Especial 168859/RJ; Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, DJ

23/08;1999). Da leitura do acórdão pudemos verificar que além da declaração da nulidade da cláusula, a ação objetivava também a condenação da ré à devolução dos valores pagos a maior, de modo que, neste ponto, entendemos correto afirmar que a ação versaria sobre direitos individuais homogêneos.

473 GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código... cit,, p. 631.

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coletivas que têm por objeto contratos de planos de saúde, bancários,

escolares, como acima mencionado).

Nestes casos, a sentença determinativa terá aplicação a todos os

interessados, conforme se verá a seguir, ao tratarmos da coisa julgada nas

ações coletivas.

Também não podemos ignorar a possibilidade de intervenção do

Judiciário em contratos em razão de violação a direitos difusos. Como foi

mencionado no item 3.3.1.3, de acordo com parte da doutrina474, a cláusula

da função social do contrato relaciona-se especificamente aos direitos

difusos, por tratar dos efeitos de determinados contratos perante a

sociedade. Neste sentido, poderíamos dizer que, ao julgar uma ação coletiva

que verse sobre direitos difusos e que tenha por objeto uma divulgação de

publicidade enganosa ou agressiva, o juiz, sob o fundamento de estar

julgando com base na função social do contrato, poderá igualmente proferir

uma sentença determinativa, assim entendida a sentença proferida pelo juiz

nos casos em que a lei atribui-lhe uma certa liberdade de ação, conforme

mencionado no item 4.1.1.1 supra.

Poderíamos citar, igualmente, como exemplos de aplicação da

cláusula geral da função social do contrato em ações que envolvem

interesses difusos a decisão do juiz sobre a venda de produtos que trazem

prejuízo à saúde do consumidor ou a determinação de fechamento de

determinada casa noturna que incomode a vizinhança ou traga prejuízos ao

meio ambiente.

Observe que nestes casos é mais difícil falar em sentença determinativa,

como a sentença pela qual o juiz integra o negócio jurídico, na medida em que

não há, efetivamente, um negócio jurídico entre as partes envolvidas.

Merece igualmente menção uma situação curiosa, suscitada por

Calixto Salomão Filho 475: Como vimos, este autor sustenta a nulidade das

cláusulas que contrariarem a função social do contrato. Entretanto, salienta

474 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p. 13, VELTEN, Paulo. Função... cit.,

p. 437. e SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 17-24, ressalvadas, com relação a este último, as distinções tecidas no item 4.2.3.2 supra.

475 SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 24.

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ele que, por vezes, o contrato pode produzir efeitos, apesar de tal nulidade.

Neste sentido, qual seria a solução de modo a reestabelecer tal função

social? O próprio autor fornece uma resposta que nos parece bastante

convincente: As partes contratantes deverão ser responsabilizadas pela

concreta lesão do interesse e a indenização será direcionada à reconstrução

do bem lesado (por exemplo, meio ambiente). Esta solução, ao nosso ver,

deverá ser exercida por meio das ações coletivas.

Feitas estas considerações, tendo em vista a admissibilidade da

intervenção do judiciário nos contratos por meio de ações coletivas,

passamos a fazer algumas considerações específicas sobre tratamento

legislativo conferido às ações coletivas.

4.2.3.4 Da legitimação ativa nas ações coletivas

Nos termos do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor são

legitimados concorrentemente para propositura da ação coletiva: I- o

Ministério Público; II- a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III- as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda

que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos

interesses e direitos protegidos por este Código; IV- as associações

legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins

institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código,

dispensada autorização assemblear476.

O artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, com a nova redação que lhe

foi conferida pela Lei 11.448/07, previu, ainda, expressamente a legitimidade

da Defensoria Pública para ajuizamento da ação coletiva. A Lei que institui a

Defensoria Pública em alguns Estados477 também traz esta previsão.

476 Neste ponto vale salientar que conforme ensinamentos de Antonio Gidi, a ação coletiva

proposta pela associação beneficia todos os titulares da categoria, e não apenas os associados (GIDI, Antonio. Cosa… cit., p. 279.).

477 No Estado de São Paulo, a lei complementar 988/2006, que instituiu a Defensoria, foi expressa neste sentido. Esta mesma previsão também se repetiu em outros Estados, como no Rio Grande do Sul (Lei Complementar 11.795/2002), ainda antes da alteração da Lei da Ação Civil Pública.

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Tal alteração na Lei da Ação Civil Pública foi de fundamental

importância por colocar fim a uma antiga discussão existente na doutrina e

na jurisprudência sobre se a Defensoria Pública se enquadraria no inciso III

do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, tendo, portanto,

legitimidade ativa para ajuizamento de ação coletiva e, se, a sua

legitimidade, em sendo admitida, seria ou não restrita apenas às ações

envolvendo lides de consumo.

Dos dispositivos supra citados conclui-se que o legislador optou por

dar legitimidade concorrente 478, exclusiva479 e disjuntiva 480 a diversos entes

para a defesa dos direitos coletivos. Privou, contudo, o indivíduo de propô-la.

O indivíduo, na legislação brasileira, somente tem legitimidade para propor

ações que versem sobre direitos difusos por meio de ação popular, e nos

exatos termos da Lei.

Vale dizer que existe em tramitação um Anteprojeto de Código

Brasileiro de Processos Coletivos, de relatoria de Ada Pellegrini Grinover,

que, inspirado no Projeto de Código de Processos Coletivos para Ibero-

América481, cuja comissão foi também presidida por Ada Pellegrini Grinover

e Antonio Gidi e Kazuo Watanabe482 prevê a possibilidade de o indivíduo

propor ação coletiva, desde que verificada a sua representatividade

478 A legitimação de um órgão não exclui a do outro. 479 Porque apenas as pessoas previstas em lei são legitimadas para a propositura da ação. 480 Não há necessidade de formação de litisconsórcio ou autorização dos demais

legitimados para propositura da ação. 481 O qual, conforme se pode inferir da sua exposição de motivos, tem por objetivo

“padronizar” a legislação coletiva de vários paises. Trata-se de uma proposta bastante difícil de ser implementada, principalmente em razão dos diversos estágios de evolução em que se encontra o tratamento a esta questão em cada um dos paises envolvidos. O Chile, a título de exemplificação, não possui legislação específica sobre o tema (conforme apêndice III, p. 727, La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia um código modelo para iberoamerica).

482 Textos dos dois projetos disponíveis em <http://www.pucsp.com.br/tutelacoletiva>. A última versão do Anteprojeto de Código Coletivo Brasileiro foi apresentada em janeiro de 2007, por Ada Pellegrini Grinover ao Ministério da Justiça.

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adequada. A legislação argentina 483, por exemplo, assim como a americana,

já admitem a propositura de ações coletivas por indivíduos.

De acordo com Anteprojeto brasileiro, a representatividade adequada

não é exigida para as entidades privadas (por exemplo, associações),

seguindo a atual legislação vigente no Brasil. Nestes casos, o entendimento

predominante é o de que a representatividade adequada das associações e

dos demais legitimados é presumida484. Entretanto, o anteprojeto prevê a

possibilidade de dispensa da pré-constituição, verificada a

representatividade adequada. O Código Modelo para Ibero América, por sua

vez, seguindo a legislação norte-americana, optou por prever

expressamente o requisito da representatividade adeqüada também para as

associações.

483 BERMEJO, Patrícia. Algunas… cit., p. 492-494. Neste sentido, a autora assinala ainda,

que a princípio, alguns dos critérios previstos pelo Código Modelo para aferição da representatividade adequada poderiam mostrar-se contrários ao livre acesso à justiça. Salienta mais a resistência da jurisprudência em aceitar a propositura de ações coletivas por indivíduos.

484 É este o entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso, ao tratar especificamente da Lei 7.347/85 (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural, dos consumidores . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 63). No tocante à legitimidade processual, o Código de Defesa do Consumidor seguiu o mesmo modelo da Lei da Ação Civil Pública. Antonio Gidi admite a possibilidade de se verificar a representatividade adequada no caso concreto e, não estando ela presente, não admitir o processamento da ação coletiva. Ao tratar especificamente da repropositura da ação coletiva quando a inicial for extinta por insuficiência de provas, afirma o autor: “Pero hasta el mismo legitimado que propuso la acción colectiva y perdió puede reproponerla? La respuesta a esta pregunta depende de la adecuación del legitimado. Es natural que si el legitimado no fue adecuado representante de los intereses del grupo en acción juzgada improcedente por insuficiencia de pruebas no hay razón para permitir que él proponga la misma acción nuevamente” (GIDI, Antonio. Cosa… cit., p. 280). (Até os mesmos legitimados que propuseram a ação coletiva julgada improcedente, podem repropô-la? A resposta a esta pergunta depende da adequação do legitimado. É natural que se o legitimado não for um representante adequado dos interesses do grupo em ação julgada improcedente por insuficiência de provas, não há razão para se admitir que ele re-proponha a ação. Tradução livre).

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No entanto, em um ponto o Anteprojeto Brasileiro parece limitar a

atual legislação. No tocante à legitimidade da defensoria pública, o

Anteprojeto a restringe para os casos em que os beneficiários são

necessitados ou hipossuficientes485.

A natureza jurídica da legitimação para propositura de ações que

versem sobre direitos coletivos e difusos é bastante discutida na doutrina.

Hugo Nigro Mazzilli486, Flavio Luiz Yarshell487, Pedro da Silva Dinamarco488 e

Pedro Lenza489 defendem tratar-se de legitimidade extraordinária. Para

Rodolfo Mancuso490 e Andrés Bordali Salamanca491 trata-se de legitimação

ordinária, na medida em que:

“não se pode negar que sendo o direito difuso uma “res communes omnium”, o MP, enquanto instituição colegitimada para sua tutela, também tem interesse- superlativamente qualificado- em que aquela tutela ocorra e seja eficaz”.

Segundo os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery492, com quem concordamos, trata-se de legitimidade autônoma para

485 IV – a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos,

quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto de vista organizacional, e dos individuais homogêneos, quando os membros do grupo, categoria ou classe forem, ao menos em parte, hipossuficientes;

486 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses . São Paulo: Saraiva, 2006, p. 60.

487 YARSHELL, Flavio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, 104-105. 488 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação... cit., p. 204. 489 LENZA, Pedro. Teoria... cit., p. 85. 490 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação... cit.,, p. 73. Mais adiante, o autor defende a

legitimidade ordinária também das associações (p. 84-85). 491 Andrés Bortalli Salamanca, doutrinador chileno, trata da questão a luz da legislação

chilena, na qual a figura das ações coletivas ainda não está desenvolvida. Neste passo, ele também não admite que uma sentença proferida em processo que trate de direitos “difusos” possa prejudicar terceiros, também titulares deste direito. (SALAMANCA, Andrés Bordalí. Efectos de la sentencia pronunciada em los procesos de tutela de intereses o derechos difusos. In GIDI, Antonio. La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia un código modelo para iberoamérica. México: Editorial Porrúa, 2004, p. 308.).

492 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo… cit., nota 13 ao artigo 6º do CPC, p. 154.

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condução do processo. Antonio Gidi493 afirma que não se pode classificar a

legitimidade para propositura de ações coletivas sobre o mesmo enfoque

utilizado para as ações individuais. Entretanto, não assume expressamente

uma ou outra posição sobre qual seria a qualidade dos legitimados.

Deve-se ressaltar que a interpretação do artigo 82 do Código de

Defesa do Consumidor não é pacífica, especialmente no tocante à

legitimidade do Ministério Público.

É que o legislador previu, irrestritamente, a legitimidade do Ministério

Público para defesa coletiva.

Entretanto, será que o Ministério Público poderia ajuizar toda e

qualquer ação coletiva?

Kazuo Watanabe494 defende que não se pode admitir a atuação do

Ministério Público para defesa de interesses genuinamente privados, sem

relevância social. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também

aponta neste sentido495.

Neste ponto, surge uma nova questão que é a de definir o que seria

relevância social. Kazuo Watanabe sustenta que questões tributárias

poderiam se enquadrar neste conceito. Entretanto, no entender dos

Tribunais, as questões tributárias não envolveriam interesse social

relevante496.

493 GIDI, Antonio. Legitimación para demandar em las acciones colectivas in la tutela de los

derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia un código modelo para iberoamérica. In GIDI, Antonio. La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogêneos hacia un código modelo para iberoamérica. México: Editorial Porrúa, 2004, p.113.

494 GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código... cit., p. 640.

495 De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça: O MP tem legitimidade para mover ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante (STJ-RDA 207/282 - NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código... cit., nota 3 ao art. 5º da Lei 7.347/85, p. 1073.

496 O MP não tem legitimidade para propor ação civil pública com a finalidade de impugnar a cobrança de tributos (STF - Pleno, RE 195.056-1 RP, rel. Min. Carlos Velloso, j. 9. 12.99, não conheceram, v.u, STF - Pleno, RE 213..631-0MG, rel. Min. Ilvar Galvão, j. 9. 12.99, não conheceram, v.u, RSTJ 127/71, STJ –RDA 218/288, Lex- JTA 153/132, 165/206) NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código... cit., nota 4 ao art. 1º da Lei 7.347/85, p. 1066.

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183

É também esta a lição de Hugo Nigro Mazzilli 497, que fundamenta sua

posição na súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público Paulista498

sem contudo, mencionar como hipótese de relevância social, a cobrança

indevida de impostos. Este doutrinador vai ainda além, admitindo a aplicação

da referida súmula também aos direitos coletivos “stricto sensu”. A posição

adotada por Antonio Gidi499 é igualmente neste sentido. O Código Modelo

para Iberoamérica, por sua vez, é expresso ao exigir o “manifesto caráter

social” dos direitos (artigos 2º e 16).

Todos os posicionamentos acima mencionados, no entanto, são

rechaçados por Pedro da Silva Dinamarco500 que defende a

inconstitucionalidade do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor na

parte em que conferiu legitimidade para que o Ministério Público ajuizasse

ação civil pública para defesa dos direitos individuais homogêneos

disponíveis.

De nossa parte, entendemos que não há qualquer

inconstitucionalidade no referido dispositivo. Em se tratando de caso de

relevância social justifica-se a propositura de ação pelo Ministério Público,

ainda que a mesma verse sobre direito individual homogêneo.

Afora a questão do Ministério Público, parece que os outros

legitimados ativos poderiam agir em qualquer hipótese para defesa de

qualquer tipo de direito coletivo, desde que presentes, no caso concreto, as

condições da ação.

No entanto, muitas vezes a jurisprudência ainda limita esse direito,

restringindo, conseqüentemente, o acesso ao judiciário, tão prestigiado pelo

Código de Defesa do Consumidor.

497 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa... cit., p.95-98. 498 O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que

tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados, c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico.

499 GIDI, Antonio. Legitimación…, p. 116-117. 500 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação... cit., p. 214.

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Esse fato torna-se patente no acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo em julgamento de apelação 52.603.4/2 501.

Sendo o direito tutelado no caso em tela coletivo “lato sensu”, é

inegável a legitimidade do IDEC para postulá -lo em juízo.

Por fim, vale lembrar que a legislação brasileira não consagrou a

legitimidade passiva coletiva (defendant class action), ao contrário do que

ocorre na legislação americana 502 e é proposto no Código Modelo para

Iberoamerica e pelo Anteprojeto Brasileiro em seu artigo 36.

4.2.3.5 Da coisa julgada nas ações coletivas

Com relação a este ponto, o artigo 103 do Código de Defesa do

Consumidor disciplina a questão de forma semelhante ao Código Modelo para

Iberoamerica503 e com o Anteprojeto Brasileiro504. De acordo com o artigo 103

do Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de direitos coletivos ou

difusos a sentença fará coisa julgada ultra partes ou “erga omnes”

limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo improcedência por falta de

provas. Neste caso, não há necessidade de citação de todos os titulares do

direito em litígio, individualmente, para comparecerem e se fazerem representar

na ação ao contrário do que ocorre no processo individual.

Note-se que para estes dois direitos a legislação optou por dar

tratamento idêntico no tocante à questão da coisa julgada. A diferenciação

501 Idec- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- Ação contra empresa mantenedora

de planos de assistência médico-hospitalar, sustentando que esta estava corrigindo indevidamente o preço da prestação de serviços e postulando que fosse condenada, em favor de todos os seus associados com a ré contratantes, a reajustá-los segundo os critérios expostos pelo autor- Ilegitimidade “ad causam” ativa reconhecida em primeiro grau que se mantém (TJ/SP, 5ª Câmara de Direito Privado. Apelação 52.603.4/2, Rel. Des. Marco Cesar, j. 18/09/1998).

502 GIDI, Antonio. Legitimación… cit., p. 117. 503 GIDI, Antonio. Cosa... cit. p. 274. O artigo 33, § 1º do Código para Iberoamérica, no

entanto, vai além, prevendo a possibilidade de repropositura da ação – ainda que em caso de improcedência com provas suficientemente produzidas – no prazo de dois anos contado da descoberta de nova prova.

504 Artigo 12, parágrafos 1º a 4º. Com relação aos §§5º e 6º, o Anteprojeto, assim como o Código para Iberoamérica, possibilita o reajuizamento da ação no prazo de 2 (dois) anos contado da descoberta de provas novas.

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feita entre “ultra partes” e “erga omnes”, nas palavras de Patrícia Miranda

Pizzol505, se referem à própria natureza do direito: o direito coletivo é aquele

limitado a certo grupo ou coletividade, por isso, “ultra partes”. É este também

o posicionamento de Antonio Gidi506 que critica a utilização da expressão

“erga omnes”, assinalando que não é a coisa julgada propriamente dita, mas

a eficácia natural da sentença, que alcança terceiros.

Com relação à questão da repropositura da ação quando julgada

improcedente por falta de provas, algumas questões surgem.

Preliminarmente, deve-se consignar que a prova deve ser uma prova nova,

não analisada pelo juiz por ocasião do primeiro julgamento, existente ou não

àquele tempo507.

Além disso, discute-se se há necessidade de que conste

expressamente da primeira sentença que a extinção se deu por insuficiência

de provas. No entender de Patrícia Miranda Pizzol508 e Antonio Gidi509 tal

menção não é necessária.

Em se tratando de ação para defesa de direitos individuais

homogêneos, a coisa julgada também será erga omnes, em caso de

procedência do pedido510. Além disso, conforme parágrafo 1º do artigo 103

do CDC, os efeitos da coisa julgada nas ações que versem sobre direitos

difusos ou coletivos “stricto sensu” “não prejudicarão interesses e direitos

individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou

classe”. Nas palavras de Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi: “não

havendo identidade de causa de pedir ou objeto, não pode haver eficácia 505 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa.... cit. 506 GIDI, Antonio. Cosa... cit. p. 269. 507 Patrícia Miranda Pizzol sustenta ainda, de “lege ferenda”, a conveniência de alteração

da legislação, de modo a constar expressamente a possibilidade de repropositura em caso de prova técnica indisponível com o objetivo de se evitar discussões com relação a este ponto (PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit.).

508 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit. 509 GIDI, Antonio. Cosa... cit., p. 282. 510 Aliás, estes dispositivos são também criticados por Calixto Salomão Filho para quem

“na verdade, ambos estão dizendo uma única coisa. Os efeitos da coisa julgada só se produzem e só se precisam produzir em relação a quem foi titular, em tese, da relação jurídico-material subjacente. Por isso não é necessário criar uma diferença teórica” (SALOMÃO FILHO, Calixto. A função... cit., p. 15.).

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vinculativa direta da coisa julgada, entre as demandas coletiva e

individual”511.

Vale notar que a repropositura da ação coletiva em casos de

insuficiência de prova não se aplica às ações que versam sobre direitos

individuais homogêneos, o que pode inviabilizar a tutela do direito individual,

por exemplo, no caso das denominadas “small claims” (casos que

individualmente são praticamente insignificantes, não justificando a

propositura de ações individuais).

Para que o indivíduo se beneficie da ação coletiva proposta, deverá

ele requerer a suspensão da sua ação individual caso já tenha sido

proposta. Reportando-nos novamente aos ensinamentos de Patrícia Miranda

Pizzol512, embora o artigo 104 do CDC faça menção, ao tratar do pedido de

suspensão, apenas aos incisos I e II do artigo 103 do Código de Defesa do

Consumidor (direitos difusos e coletivos, nos quais pode ocorrer o transporte

“in utilibus” da coisa julgada, facultada a liquidação e execução da sentença

proferida no processo coletivo), tal pedido também deve ser formulado na

pendência de ação que verse sobre direito individual homogêneo. Ao nosso

ver, qualquer entendimento em sentido contrário seria, inclusive, contrário ao

próprio sistema. A forma de dar ciência ao consumidor bem como os efeitos

da inocorrência de tal comunicação são também discutíveis por não estarem

expressamente previstos. De qualquer forma, tratando-se de discussão

estranha ao objeto principal deste trabalho, por questões metodológicas,

optamos por não nos aprofundarmos neste tema.

O artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor tem aplicação a

todas as ações coletivas por força do microssistema das ações coletivas

instituído pelo artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e pelo

artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor513.

O artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, no entanto, igualmente prevê

os efeitos “erga omnes” da coisa julgada proferida neste tipo de ação. Neste

511 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. A publicidade... cit., p. 196. 512 PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit. 513 Neste sentido PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit.

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mesmo sentido dispõem o Anteprojeto de Código de Processo Coletivo

(artigo 13, § 4º514) e o Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-

América (artigo 33, § 5º, de idêntica redação ao artigo 13, § 4º do

Anteprojeto de Código de Processo Coletivo Brasileiro).

Vale salientar que a Lei 9.494/1997 alterou a redação do artigo 16 da

Lei da Ação Civil Pública, de modo a restringir o efeito “erga omnes” aos

limites da competência territorial do órgão prolator da decisão.

Sem nos aprofundarmos no tema, convém salientar que entendemos

– juntamente com parte substancial da doutrina 515 e, em contrapartida, com

a jurisprudência minoritária516 – que referido dispositivo é inconstitucional e

514 § 4º A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa

julgada erga omnes. Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “O CDC 103

aplica-se a todas as ações coletivas que versem sobre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, ainda que ajuizadas com base na LACP. Essa incidência se dá por força da LACP 21. O regime da coisa julgada da LACP 16, com a redação dada pela Lei 9494/97 não se aplica a nenhuma ação coletiva. Não se aplica porque tem abrangência restrita, sendo que o sistema do CDC 103 é mais completo e atende às necessidades das sentenças proferidas nas ações coletivas. A LACP 16 também não pode ser aplicada a nenhuma ação coletiva por ser inconstitucional, já que ofende os princípios constitucionais do direito de ação (CF 5º XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade. Qualquer modificação na LACP 16 ou no CDC 103 para restringir os limites subjetivos da coisa julgada a território, o que per se é um absurdo jurídico ímpar, abstraindo-se da sua inconstitucionalidade, para que pudesse ter eficácia, deveria ter sido feita não apenas na LACP 16, mas também no CDC 103. Como isso não ocorreu, a L 9494/97 não produziu nenhum efeito. O juiz não poderá restringir os limites subjetivos da coisa julgada como preconizado pela LACP 16: deve aplicar o CDC 103, ignorando aquela norma inconstitucional” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 986).Neste mesmo sentido, é o ensinamento de Pedro Lenza (LENZA, Pedro. Teoria... cit., p. 272-276) e de Patrícia Miranda Pizzol (PIZZOL, Patrícia Miranda. Coisa... cit.).

516 “Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Contrato de Telefonia. Devolução em dobro ao consumidor da quantia indevidamente descontada. CDC. Anatrl. Integração facultativa. Competência da justiça comum. Ministério Público. Legitimidade. Dano Nacional. Efeitos em todo o território nacional. Art. 16 da LACP. Art. 93 do CDC. Dano de difícil reparação.

(...) 3. Doutrina de renome tem postulado que a coisa julgada nas ações coletivas tem efeito

erga omnes, beneficiando todas as pessoas envolvidas e ligadas pela mesma relação de fato em todo o território nacional. Ademais, a empresa de telefonia opera em mais de uma unidade da federação. O dano, em tese apontado, pode ser conceituado como nacional, circunstância que faz repousar a competência no foro da capital de qualquer estado envolvido ou no do Distrito Federal. Nessa circunstância, o limite territorial da competência abrangerá todas as vítimas, fazendo com que o efeito erga omnes vá em benefício de todos onde quer que se encontram, sem se cogitar eventual ofensa ao artigo 16 da LACP. Aplicação do artigo 93, II do CDC.

(...) (TJ/RS, 6ª Turma Cível. Agravo de Instrumento 20050020008609AGI, Rel. Des. Sandra de Santis, j. 27.06.2005).”

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não deve ser aplicado a nenhuma ação coletiva (em especial às ações

previstas pelo Código de Defesa do Consumidor que não foi alterado), além

de ser ineficaz, porque confunde os institutos da competência e da coisa

julgada517 e desconsidera o microssistema das ações coletivas.

4.2.3.6 Algumas considerações sobre o compromisso de ajustamento

de conduta e o inquérito civil

Por fim, embora o objeto do presente trabalho não seja a intervenção da

administração nos contratos, vale mencionar, em se tratando de ações

coletivas, que o Ministério Público e os demais órgãos públicos legitimados

para o ajuizamento da ação coletiva518 poderão intervir em contratos que violem

direitos difusos e coletivos (de modo a assegurar o cumprimento da função

social do contrato e da boa-fé objetiva), por meio da celebração de

compromissos a serem firmados para o ajustamento de conduta519 às

exigências legais, mediante cominações e com força de títulos executivos

extrajudiciais, termos do parágrafo 6º do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública

(Lei 7.347/1985), incluído nesta lei pelo Código de Defesa do Consumidor.

Vale mencionar que tais compromissos devem considerar sempre o

interesse social e a ordem pública do consumidor, de modo que o Ministério

517 Conforme ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa... cit.,

p. 509) e Antonio Gidi (GIDI, Antonio. Cosa… cit., p. 258). 518 Nos termos do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor: União, Estados,

Município, Distrito Federal, entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, destinados à defesa dos direitos coletivos.

519 Nelson Nery Junior salienta que a despeito do veto presidencial do parágrafo 3º do artigo 51, o controle administrativo das cláusulas abusivas não está inviabilizado, podendo ser feito por meio do inquérito civil (GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código … cit., p. 432). Neste mesmo sentido: MANDELBAUM, Renata. Contratos... cit., p.245, SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 126 e SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas... cit., p.150, que esclarece que apesar do veto ao artigo 52, parágrafo 3º, o controle administrativo ainda é possível em razão do artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei das Ações Civis Públicas, aplicável às relações de consumo por força do artigo 90 do CDC (microssistema das ações coletivas). Em sentido contrário, Alberto do Amaral Jr. afirma que “o controle das cláusulas contratuais abusivas, previsto pelo Código de Defesa do Consumidor, é de natureza exclusivamente judicial” (OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários... cit., p. 193.

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Público não poderá, por meio dele, dispor de direitos520. Tais compromissos,

ademais, devem ser submetidos à homologação pelo Conselho Superior do

Ministério Público. Trata-se do denominado controle administrativo 521. Como

ensina Antonio Gidi522, os direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos523 são indisponíveis. Entretanto, o compromisso é, por vezes

admitido, com o objetivo de buscar a efetividade do processo. Ou seja, o

compromisso só é aceitável nos casos de direitos difusos e coletivos quando

tornarem mais efetivas as tutelas pleiteadas. Este também é o entendimento

jurisprudencial524.

Rita di Tomasso525 afirma que tal ajuste nada mais é do que uma

transação. Apesar disso, ela reconhece que esse ajuste não pode versar

sobre direitos indisponíveis, citando o seguinte exemplo: O Ministério Público

poderá aceitar a transação quando o lesante concordar em interromper o ato 520 GRINOVER, Ada Pelegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; et al. Código

… cit., p. 367. 521 A doutrina aponta que o controle administrativo pode também ocorrer pelo Poder

Executivo por meio de órgãos como, por exemplo, as agências reguladoras e o Banc o Central, inclusive com poder sancionador. Além do mais, nos termos do artigo 107 do Código de Defesa do Consumidor, as entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo. Trata-se do chamado controle social, que também é exercido quando as associações orientam os seus associados no tocante à ilegalidade e/ou abusividade de determinadas cláusulas contratuais. Por fim merece menção o controle legislativo, feito por meio da edição de leis (como por exemplo a lei dos planos de saúde, que passou a regular de forma ainda mais específica esta relação, que continua sendo uma relação de consumo).

522 GIDI, Antonio. Legitimación… cit., p. 115. 523 Explica o autor que os direitos individuais homogêneos são indisponíveis. Somente

serão disponíveis se considerados isolada e individualmente, com relação a cada um dos seus titulares (GIDI, Antonio. Legitimación… cit., p.116).

524 Conforme narra Hugo Nigro Mazzili, o primeiro precedente ocorreu um 1980, antes mesmo de haver previsão legal para tanto. Tratou-se do caso da “passarinhada do Embu, 1984”, no qual se admitiu o pagamento da condenação de forma parcelada, com correção e juros. Mais recentemente, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento ocorrido em 04 de junho de 2002 do qual foi relatora a Ministra Ellen Gracie, decidiu que: “em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É por isso o administador, mero gestor da coisa pública, não tendo disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse”. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa... cit., p. 357.

525 TOMASSO, Rita di. Inquérito civil. Direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 16, 1995, p. 115.

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lesivo, reparar o prejuízo ocasionado e/ou providenciar o necessário para

evitar novos danos.

Marco Antonio Marcondes Pereira526 concorda que o compromisso

seja uma transação, embora saliente que não se trata da mesma transação

do direito civil, admitida apenas para direitos patrimoniais de direito privado

(artigo 841 do Código Civil). Afirma este doutrinador que por meio do

compromisso, a indisponibilidade do direito não será afetada, porque o que

será considerada é a maneira de implementação do interesse, sempre de

acordo com um critério de razoabilidade e dada ao ato a devida publicidade.

Por fim, conclui o autor, em raciocínio que nos parece totalmente pertinente,

que embora não haja previsão legal, qualquer legitimado (e não apenas o

Ministério Público e os órgãos públicos) poderá fazer uma transação nestes

termos no curso da ação coletiva, facultada a impugnação por eventuais

interessados. Também neste sentido é a lição de Rodolfo Mancuso527.

Antonio Gidi528 reconhece a existência das referidas limitações ao

conteúdo do compromisso de ajustamento de conduta e em razão delas

prefere não falar em transação. Para ele, o compromisso seria um

“reconhecimento de um dever jurídico e um compromisso por cumpri-lo”.

Este doutrinador menciona ainda que atento a estas limitações, o

legislador americano previu o direito dos membros dos grupos não

“aderirem” ao acordo feito por seu representante, do qual eles devem ser

necessariamente comunicados (right to opt out)529 e que deve

necessariamente ser homologado pelo juiz530. Salienta ele, contudo, que tal

previsão faz-se necessária no direito americano no qual a coisa julgada

alcança terceiros, independentemente do seu resultado.

526 PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. A transação... cit., p. 125-126. 527 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação... cit., p. 140. 528 GIDI, Antonio. Legitimación… cit., p. 116. 529 Nos termos da Rule 23 (e): Dismissal ou compromisse A class action shall not be

dismissed ou compromised without the approval of the court, and notice of the proposed dismissal or compromisse shall be given to all members of the class in such maner as the class directs”.

530 No direito brasileiro, o compromisso de ajustamento de conduta não exige a homologação judicial e tem força de título executivo extra-judicial.

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Por fim, também ao Ministério Público é facultada a utilização dos

inquéritos administrativos para investigação de práticas abusivas, como

forma de obter elementos para decidir pelo ajuizamento de ações coletivas e

para instruí-las. Esta possibilidade é também prevista no artigo 23 do

Anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro.

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CONCLUSÃO

O Código Civil de 2002 consistiu um verdadeiro marco para o direito

brasileiro.

Do ponto de vista formal, inovou pelo grande número de cláusulas

gerais e conceitos indeterminados e, conseqüentemente, pelo aumento do

poder criador (ou da discricionariedade) do juiz. Tal inovação, como se

mostrou, tem sido objeto de crítica por parte da doutrina mais conservadora,

com a qual não concordamos.

É certo que este método já se fazia presente em ordenamentos

anteriores, como por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, sua adoção por um ordenamento da importância e abrangência

do Código Civil pode, efetivamente, ser considerado um avanço.

Do ponto de vista material, o Código Civil de 2002 inovou pelo seu

caráter social, em detrimento ao pensamento liberal predominante no Código

de 1916. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o Código Civil seguiu a

tendência iniciada com a Constituição Federal, tendo tornado mais concretos

muitos dos princípios lá previstos genericamente.

Nessa linha, a aplicação do direito civil passou a objetivar, sobretudo,

a concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça

social. O até então “Direito Alternativo”, que, como tratado no decorrer do

trabalho objetivava exatamente tornar o direito mais social, deixou de ser

“alternativo”, tendo sido positivado pelo atual ordenamento.

Por meio do presente trabalho procuramos demonstrar os reflexos

deste caráter social e da nova forma de codificação escolhida pelo legislador

pátrio, especificamente no tocante à teoria contratual.

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Nesse sentido, apontamos que o diploma civilista, seguindo a

tendência já iniciada pelo Código de Defesa do Consumidor, abandonou a

teoria contratual clássica, tendo optado pela teoria contratual moderna (ou

social) com a consagração dos princípios da autonomia privada, da função

social do contrato e da boa-fé. Estes princípios (ou cláusulas gerais,

ressalvadas as distinções feitas por parte da doutrina e ressaltadas no curso

do trabalho) vêm superando diversos obstáculos impostos pelos juristas

mais tradicionais e, encontrando, felizmente, cada vez mais um campo maior

de aplicação.

Demonstramos também a existência de algumas incompatibilidades

existentes entre certos artigos do próprio Código Civil e os princípios por

este consagrados. Ao nosso ver, a mais importante e que merece especial

destaque foi o tratamento dado à teoria da onerosidade excessiva. Ao exigir

a presença de diversos requisitos, como a imprevisão e o enriquecimento

excessivo de uma das partes, o legislador distanciou-se da cláusula geral da

boa-fé objetiva, expressamente prevista.

Expusemos, no entanto, que, na presença de antinomias como esta, a

solução é dar prevalência aos princípios gerais da teoria contratual. A função

social do contrato e a boa-fé objetiva devem sempre p revalecer.

Notamos também algumas “incompatibilidades” entre o Código Civil e

o Código de Defesa do Consumidor, tendo concluído que: a) em alguns

casos, como por exemplo o tratamento dado à figura jurídica da lesão, a

antinomia é apenas aparente. A diferença de tratamento é justificada em

razão da natureza jurídica das relações reguladas por cada ordenamento, b)

de qualquer forma, havendo efetiva antinomia, o Código Civil, se mais

benéfico, pode ser sempre aplicado às relações de consumo (nesta

hipótese, fazemos referência a questão da integração dos contratos em caso

de nulidade de cláusulas contratuais com o objetivo de preservar o seu

conteúdo). Dependendo da hipótese, ademais, o Código de Defesa do

Consumidor também pode ser aplicado subsidiariamente às relações civis.

Demonstramos também que como conseqüência direta da

conjugação destes dois elementos (abertura e mobilidade do sistema e

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adoção de uma visão social do contrato), houve um considerável aumento

nas hipóteses de intervenção do juiz nos contratos.

Entretanto, seja em razão das resistências apresentadas por parte

dos juristas (que visam restringir a intervenção) e, principalmente, do

tratamento dado pelo parágrafo único do artigo 2.035 à função social do

contrato (como norma de ordem pública, o que amplia as hipóteses de

intervenção) ou da própria discussão a respeito do conceito de função social

do contrato (que, para alguns, se referiria apenas aos efeitos externos do

contrato), a forma como deve ocorrer a intervenção do judiciário nos

contratos, apesar de pouco estudada, é bastante controvertida.

Trata-se de um cenário preocupante, principalmente em razão da

complexidade e relevância do assunto, não apenas no campo jurídico, mas

com reflexos imediatos em todas as áreas. A título de exemplo, podemos

citar os efeitos negativos que a possibilidade de intervenção dos juizes nos

conteúdos dos contratos, se mal administrada, poderá trazer para as

grandes empresas e, conseqüentemente, para o desenvolvimento do país.

Não podemos esquecer que o Código Civil de 2002 unificou o direito

das obrigações. Ou seja, todos os contratos, sejam civis ou comerciais, são

agora regidos pelo referido ordenamento.

Neste contexto, devem ser vistas com cautela afirmações no sentido

de que, por exemplo, o juiz poderia intervir de ofício, em qualquer situação,

com o objetivo de restabelecer a função social do contrato.

Em decorrência desta situação, tentamos sistematizar as nossas

conclusões sobre a intervenção do juiz, da seguinte forma: a) deve-se

privilegiar a manutenção do contrato à sua rescisão, b) a manutenção do

contrato pode ocorrer por meio da declaração de nulidade de determinadas

cláusulas, tão somente, como também pela revisão de cláusulas ou por meio

da integração, pelo juiz, do conteúdo do contrato, hipótese na qual ele

profere sentença determinativa, c) verificando a existência de cláusulas

nulas, o juiz pode agir de ofício, por expressa disposição legal, para declarar

tal nulidade d) nos demais casos, a atuação do juiz depende de pedido a ser

formulado pela parte.

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195

Considerando que esta intervenção ocorre necessariamente, em uma

ação judicial, analisamos diversos tipos de ações nas quais entendemos que

a revisão dos contratos pode se dar. No nosso entender, com exceção das

ações cautelares, tal revisão é possível em todos os tipos de ação, inclusive

nas ações coletivas, apesar das peculiaridades do seu procedimento.

Vários problemas técnico-processuais surgiram, também, em

decorrência da análise de cada uma destas ações. O mais complexo, ao

nosso ver, aparece nos casos em que a nulidade de determinada cláusula é

analisada apenas incidentalmente no processo, não produzindo coisa

julgada, e em um segundo momento a parte pretende ajuizar ação para

discutir tal nulidade. Ou seja, nestas hipóteses há um efetivo risco de existir

uma contradição de fato entre os julgados.

Pensamos que, embora, em tese, seja admissível a rediscussão da

primeira decisão após a declaração da nulidade da cláusula na qual ela se

fundou, a solução ideal seria exigir-se o ajuizamento de ação rescisória para

rescisão da primeira coisa julgada.

Com relação às ações coletivas, vale destacar sua relevância para a

sociedade, retratada pelo fato de sua incidência, cada vez maior, apesar de

alguns percalços de iniciativa até mesmo governamental (como por exemplo

a edição de lei com o objetivo de restringir a abrangência da coisa julgada).

Em razão das peculiaridades inerentes ao procedimento e forma das ações

coletivas, optamos por tecer algumas considerações específicas sobre elas,

especialmente no tocante ao seu objeto, legitimidade para propositura e

eficácia da coisa julgada nela proferida.

Em síntese, não restam dúvidas de que as inovações trazidas pelo

Código Civil de 2002 eram necessárias e, se corretamente aplicadas, terão

resultados bastante significativos.

Entretanto, a necessidade de um bom preparo dos operadores do

direito e dos magistrados, de forma específica, tornou-se imperiosa. Em

razão dos amplos poderes conferidos aos juizes, uma magistratura mal

preparada não apenas representará o risco de toda evolução legislativa

representada pelo Código Civil de 2002 tornar-se letra morta, como também

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tornará efetiva a possibilidade de abusos serem cometidos, em razão da

desvirtuação do sentido das cláusulas gerais previstas.

A continuidade ao desenvolvimento e correta aplicação do novo

Código Civil e, no tocante à matéria do presente trabalho, da teoria

contratual moderna e de suas decorrências no âmbito processual é uma

árdua tarefa atribuída à comunidade jurídica de forma geral. A discussão dos

pontos acima mencionados, em especial dos mais controvertidos, é urgente

e deve ser provocada e desenvolvida.

Esperamos, por meio deste trabalho, ter contribuído para a melhor

compreensão do tema.

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