A Intersubjetividade Contemporânea: os desvalidos de Eros
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7/28/2019 A Intersubjetividade Contempornea: os desvalidos de Eros
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A Intersubjetividade Contempornea: os desvalidos de Eros
Francimar Duarte Arruda
Em cada poca o homem estabelece seu prprio dilogo com o mundo. Ora enfatiza
seu carter impondervel, e por isso mgico, ora capta sua profunda simetria. Todas essas
falas so complementares e ajudam na decifrao daquilo que mais do que o enigma da
natureza, ou seja, o seu verdadeiro mistrio. Significa que quanto mais deciframos os
enigmas da natureza, mais e mais amplos aparecem os limites do desconhecido, o mistriodo mundo. Aqui, mistrio no se ope a razo como se fora seu limite, ele seu horizonte.
A razo continuamente desafiada a conhecer um processo que no conhece termo, e hoje,
esse processo se chama intersubjetividade. A famosa frase de Sartre O inferno o outro
se materializou e tornou-se a aporia que inaugura o sculo XXI. Entende-se por aporia a
dificuldade lgica da qual no se pode sair, objeo ou problema insolveis. Eis o horizonte
de nossas reflexes, caminhar procura do outro como busca de si mesmo, busca essa que
se tornou um problema em nossa poca. Porque?
Todas as nossas relaes com o mundo tem uma constituio intersubjetiva. O fato
de a coisa percebida ser perceptvel por outros introduz a referncia a outrem na
constituio mesma da coisa, enquanto coisa presumida; precisamente o horizonte de
perceptibilidade , esse reverso invisvel do visvel, que remete ao outro. H, entre a posio
do outro enquanto aquele que percebe e a admisso desse invisvel em relao s coisas,
uma relao recproca. Todo sentido tem finalmente dimenses intersubjetivas; toda
objetividade intersubjetiva, enquanto o implcito aquilo que um outro pode explicar.
Mas, sobretudo esse papel fundamental e absolutamente primitivo da intersubjetividadeganha seu sentido maior quando estendido a outros registros que no a representao;
quando ele mais operado que proferido, mais vivenciado que representado. A ento, na
semntica do desejo que essa textura mais manifesta. Ora, evidente que o desejo, como
modo de ser junto aos seres, s desejo humano se a visada no apenas desejo do outro,
mas desejo do outro desejo, isto , solicitao. E aqui se enlaam outros temas a serem
percorridos: sentido, corpo, vida, reconhecimento, palavra, em suma, a prpria
intersubjetividade.
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A dimenso intersubjetiva do desejo a verdade profunda da existncia humana, na
medida em que, visa a estruturar a constituio do sujeito, enquanto ser de desejo, em seu
autntico existir. Escutemos uma fala que fundamenta esse tema.
Hegel (1957) foi o primeiro pensador a tocar neste tema da intersubjetividade. A
extraordinria intuio do filsofo consiste em mostrar que uma conscincia s chega a ser
propriamente conscincia atravs do reconhecimento de outra conscincia; eu s sou
conscincia porque o outro me v como conscincia. Portanto, no da prpria conscincia
que a gnese do sentido procede. Ela antes habitada por um movimento que a mediatiza e
que eleva sua certeza verdade. Sabe-se que Hegel chama de conscincia, na
Fenomenologia do Esprito (1957:37), a simples manifestao do ser do mundo por umatestemunha que no se sabe a si mesma. Antes da conscincia de si, a conscincia
simplesmente a manifestao do mundo ou um ser-na-vida. Esse primeiro trao, comanda o
segundo, isto , o que est em questo a produo do si da conscincia de si e este se
prefigura no desejo, se toma a si como desejo. Como?
O homem deseja e consome aquilo que deseja, e isso num itinerrio que parece no
conhecer termo. Em seu primeiro momento o desejo vive, assim, custa da afirmao do
objeto: ele quer o objeto e, consumindo-o, termina negando esse mesmo objeto, decreta sua
morte. Mas esse processo aparentemente interminvel de desejo e morte, leva a abrir as
portas para um novo momento do processo dialtico, que constitui a anttese do primeiro. O
que acaba sendo a tediosa repetio da alteridade atravs do consumo faz com que a
conscincia se d conta de que o que ela realmente deseja no o objeto, e sim o prprio
desejo. Entretanto, o desejo necessariamente desejo de algo, e o que se transforma neste
momento est precisamente no sentido desse algo. Esvai-se o sentido da multiplicidade de
endereos que define todos os desejos particulares, eles se esgotam. O abandono, a negao
do objeto como desejo e sua morte, desempenham um papel essencial na reconduo domovimento do desejo. Pode-se dizer agora que a conscincia de si desejo porque essa
conscincia passa a desejar a si mesma atravs da negao, da no coincidncia consigo
mesma. Ela j traz em si a negatividade que a torna outra e que obrigando-se a ser outra,
instaura o movimento recorrente do seu verdadeiro sentido, o desejo de Ser. de fato um
outro que no a conscincia de si que a essncia do desejo, e por essa experincia que
essa verdade se torna presente conscincia de si. O desejo de si se desemplica do desejo
de alguma coisa; para isso, ele se busca a si mesmo no outro.
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Uma exegese da conscincia consistiria ento numa progresso atravs de todas as
esferas de sentido que uma conscincia deve encontrar e de que deve se apropriar, para se
refletir a si mesma como um si, um si humano, adulto, consciente. Esse processo nada tem
a ver com a introspeco. No de forma alguma um narcisismo, j que o ncleo do Si
no o Ego psicolgico, mas o que Hegel chama de esprito, isto , a dialtica das prprias
figuras. A conscincia apenas interiorizao desse movimento, que preciso retornar nas
estruturas objetivas das instituies, dos monumentos, das obras de arte, e da cultura. Todo
o livro de Hegel pretende descrever as etapas, em sentido ascensional, meta-fsico, dessa
frequentao da alteridade; a anlise procede ento do nvel mais inferior, com a descrio
do processo da certeza sensvel que inaugura o nascimento da conscincia, e ergue-seprogressivamente, atravessando o reino da autoconscincia, o da razo, o do esprito, o da
religio, para atingir finalmente o referido saber absoluto. A dialtica do desejo integra e
fundamenta um momento importante desse avano do Esprito, j que inventa as instncias
inaugurais do aparecimento da autoconscincia. O desejo a institui e para as nossas anlises
aqui, esse recorte que vai nos interessar como fundamento. Se Hegel encaminha o desejo
para uma simbiose (idealista) com o Absoluto, trata-se de uma opo, uma escolha sua.
Para ns, a dialtica do desejo visa a chegar, precisamente a esta constatao: eu sou eu
e esta afirmao requer a alteridade e esse o nosso problema bsico na atualidade.
A fenomenologia do desejo, sobre a qual nos detivemos um pouco, consiste em
expor o sentido e as condies do desejo. somente se a vida se manifesta como um outro
desejo que o desejo desejo, e essa certeza, por sua vez, tem sua verdade na reflexo
duplicada, na duplicao da conscincia de si que desenvolvida na dialtica do mestre e
do escravo, que d sequncia ao captulo sobre a autoconscincia no texto de Hegel. E,
somente nessas condies de duas conscincias possvel uma emergncia da conscincia
de si no meio da vida. A reflexo pode ser criadora, porque cada momento envolve em suacerteza um no-sabido que todos os momentos ulteriores se empenham em explicar e em
mediatizar, Eis porque Hegel liga o conceito de infinidade a esse trabalho do
reconhecimento mtuo: o conceito de conscincia de si, diz ele o conceito da infinidade
a se realizar na e pela conscincia (1957 p.160). De fato a oposio pela qual cada
conscincia se busca na outra e faz o que faz enquanto a outra tambm o faz (1957
p.152) um movimento infinito no sentido em que cada termo sai de seus limites para
tornar-se um outro. Reconhecemos a a inquietude da vida levada pela oposio e pela luta.
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somente nessa luta pelo reconhecimento que o si revela no ser jamais o que , e nessa
qualidade, ser infinito. Ainda mais se o retiramos da reflexo e o fazemos cair no vivido, no
sentido, na carne, nas emoes. No poderemos encontrar, no mais no exterior dessa
dialtica (reflexo sobre), mas de alguma maneira em sua filigrama, o que se poderia
chamar de carter insupervel da vida e do desejo?
No horizonte dessa reflexo, assumir o desejo implica cruzar a linha onde a utopia
encobriria o real; seria preciso refletir de novo sobre essa experincia e, ao defrontar-se
com o limite da linha, ampliar-se o horizonte, de forma que, assumir corresponda no a
uma posse, mas a uma entrega dinmica do desejo. Trata-se de abrir mo do ideal de
senhor para viver a diferena da singularidade onde se cultiva o intercmbio, a troca, oespao essencialmente ertico da experincia humana. O outro, cujo desejo o desejo do
outro ao realizar-se nessa mesma dinmica, se realiza como outro, inapossvel na sua
singularidade e, por isso disponvel para a intersubjetividade.
Algum afirma eu quero, frmula acabada da assuno do desejo. Para que o seja,
torna-se mister que ao ver-se barrado ao nvel do enunciado, perca-se no labirinto da
enunciao a fim de viver a experincia como num primeiro momento. Mas, desse
mergulho, o segundo momento da mesma experincia, o sujeito emerge revigorado e
integra esse momento numa dimenso onde o eu quero se deixa investir na realidade da
experincia do querer e completa-se na ao transformadora do real, em que satisfazer o
desejo confraternizar-se com os outros sujeitos no gozo de suas diferenas.
Bem, a reflexo elaborada at aqui sobre o desejo como dimenso primordial do
homem infelizmente, hoje, situa-se no plano do dever-ser. Isto , o desejo tornou-se algo a
ser atingido, quando a bem da verdade deveria ser um pressuposto para a
formao/construo do sujeito. Esse deslocamento origina o nosso dilogo atual com o
mundo que no mais nem magia nem simetria, mas simulao. Os modos de ser ecomportamentos caractersticos do nosso cotidiano, denotam uma dificuldade ou
incapacidade de desenvolver a vivncia de uma subjetividade ou de reconhec-la no outro.
Trata-se de uma anulao da vida interior, substituda pela aderncia ao concreto, imediato,
passando o valor humano a ser determinado pelas posses materiais e a capacidade para a
ao em detrimento do pensamento. O esvaziamento interno prejudica ou anula a
capacidade criadora de simbolizar o sujeito, respaldando assim as experincias objetivas em
significados afetivos. Esta caracterstica se mostra subjacente a diversas facetas
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frequentemente presentes, de modo simultneo ou isolado, nos indivduos gerados pela
cultura do consumo. Do consumismo banal ao Workaholismo e drogadico, do culto ao
corpo violncia, formas incuas, grotescas ou trgicas de divertimento so utilizadas na
vida cotidiana por aqueles que so capazes de se ver apenas como objetos, abrindo no
assim da dimenso de sujeito.
Os grandes progressos no campo da tecnologia geraram importantes mudanas nas
formas de organizao social: a acelerao do tempo de produo e da informao, e a
globalizao da economia repercutiram intensamente na produo de objetos oferecidos ao
consumo, possibilitando o surgimento da massificao do seu uso em diversos setores da
vida. Esta se encontra saturada por informaes, servios e diverses, tendo oentretenimento tomado em larga escala o lugar da cultura enquanto espao de reflexo e
criao de projetos. Estas transformaes modificaram em relao ao perodo anterior, as
formas de pensar, sentir e agir, marcadas agora no mais pela unidade dos grandes ideais
que caracterizavam a modernidade (Deus, Razo, Verdade, Totalidade, Estado, Famlia
etc), construdos numa dimenso temporal ligada a valores de permanncia e continuidade,
mas por uma simultaneidade de tendncias diferentes, por paradoxos, e pela predominncia
da busca do prazer imediato associado a um sentido predominante do flutuante, do
transitrio e do fragmentado. A nfase colocada nos valores e virtudes da instantaniedade
e da descartabilidade como assinala Harvey(1997): so jogados fora no s objetos, mas
estilos de vida, relacionamentos, tradies que se desmancham no ar ao sabor do
mercado. A experincia cotidiana fora a adaptao transitoriedade, ao bombardeamento
de estmulos. Esta volatilidade / efemeridade favorece o surgimento de formas caricaturais
de individualismo com traos exacerbados de narcisismo, enquanto a fuso grupal substitu
as antigas distines individuais. O sujeito precisa aprender a responder rapidamente s
mudanas e desenvolve muitas vezes respostas defensivas, como negaes, idealizaes,especializaes estreitas, excessiva simplificao na apreenso de si mesmo e na
interpretao dos acontecimentos.
E o desejo, como fica? Ele vem embalado numa caixa de preferncia envolta de
purpurina, com manual de instrues para seu uso. Em outras palavras no produzimos o
desejo, ele j vem pronto para uso, s nos resta consum-lo, consum-lo e assim recamos
naquele desejo de qualquer outro, que precisa ser extinto para que eu me sacie. Desejo
morte, onde no h projetos porque no conseguimos produzir nossas prprias imagens
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num movimento de dentro para fora e assim estabelecer nossos prprios fins imaginrios
que cabe faculdade de desejar, perseguir e construir. A isto chamamos liberdade, mas no
como ato isolado, narcsico, mas como construo de um Universal Concreto que atende
pelo nome de vida.
Por conta disso entendemos a importncia das imagens como fundamental na
dinmica do consumo. A publicidade no mais construda apenas na inteno de informar
ou promover um produto, mas para manipular desejos e gostos por meio de imagens que
nos chegam de fora para dentro. O constante lanamento de novas mercadorias e o seu
consumo dependem do controle dos julgamentos pessoais, com repercusso na prpria
percepo da individualidade. A sensibilidade se torna frgil, e a identidade inconsistentepela ateno macia nas imagens e nas impresses causadas. Se anteriormente os
indivduos eram avaliados pelo seu carter, hoje so julgados em funo de suas posses.
pela imagem que se estabelece a identidade no mercado. A busca de um significado para a
vida passa muitas vezes pela falsificao atravs da aquisio de um sistema de signos:
Fake it till you make it, diz o slogan publicitrio de um consultor de imagem de Nova
York (in Harvey, 1997:289).
O processo de produo-consumo, criando iluses de realidade, influencia tambm a
percepo do mundo. Os signos, super-recriando ou hiper-realizando as coisas, segundo a
expresses de Eco (1984), tornam o mundo vago como um fantasma. Baudrillard (1981),
chamando a ateno para o lado sombrio do consumidor manipulado pelo sistema, afirma
que a realidade reinterpretada por meio de um conluio dos indivduos com os meios de
comunicao, que alimentam um simulacro do mundo, reduzindo sua complexidade a uma
srie de imagens. Da termos dito que nossa relao hoje com o mundo uma simulao.
Os meios tecnolgicos de comunicao, ou seja de simulao, no nos informam sobre o
mundo mas o recriam sua maneira, e o transformam em espetculo, como demonstraCerteau (1995); este tanto pode envolver atrocidades como promover periodicamente a
consagrao de heris instantneos, na orquestrao de comoes ou comemoraes
populares, que mobilizam multides em torno de temas reveladores do imaginrio social,
como vitrias esportivas ou a morte de personalidades.
A volatilidade na cultura do consumo decorre tanto da diversidade de estilos e
tendncias presentes ao mesmo tempo num mesmo espao, como da prpria natureza dos
objetos consumidos, que projetados para serem substitudos o mais rapidamente possvel,
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perdem sua objetividade, na conceituao de Hannah Arendt (1972) da capacidade de
resistncia, durao e estabilidade. Enquanto muitas oportunidades de socializao e
desempenho de papis so oferecidos, a constante renovao na produo de significados
torna as coisas fragmentadas e efmeras. O indivduo contemporneo, nas palavras de
Berman (1987:119), encontra-se em um ambiente que promove aventura, poder, alegria,
autotransformao e transformao das coisas em redor, mas ao mesmo tempo ameaa
destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.
O consumo tendo-se transformado na moral do mundo contemporneo, portanto
sobre ele que se equilibra toda uma sociedade que, nas palavras de Baudrillard (1981:244),
se mostra saturada, sem vertigem e sem histria, sem outro alm de si mesma; sabemosque o objeto nada, por detrs dele se estabelece o vazio das relaes humanas, o desenho
quimrico da imensa mobilizao de foras produtivas e sociais que nele vem se reificar.
Baudrillard fala no processo de auto profecia para caracterizar o narcisismo coletivo que
leva a sociedade a confundir-se na imagem que oferece a si mesma, da mesma maneira que
a publicidade acaba por convencer as pessoas dos seus corpos e dos seus prestgios. No
entanto a profecia no possui como substncia ideais futuros ou heris de transcendncia,
mas apenas o reflexo de si mesma e de sua imanncia. A publicidade permite que o
consumidor leia nela a todo momento o que ele e o que deseja ao mesmo tempo em que o
consegue. No h desta forma distncia nem dilaceramento ontolgico. A sutura imediata,
assim sendo, no h conscincia infeliz, porque no h desejo como processo de alcanar a
si atravs do outro, no h nada a alcanar.
Mas, o preo que se paga por essa sutura imediata a insignificncia, termo que
Heidegger (1972) tambm analisou. A insignificncia exprime a perda de sentido, e a
coisificao do mundo em entidades isoladas. O mundo sem sentido, por isso mesmo,
insignificante, ou seja, no revela mais a sua estrutura ontolgica, o ser-relacional. aangstia que revela essa situao, revela o nada do mundo, o nada do mundo ontolgico e o
tudo do mundo ntico que esse da banalidade, do vazio, da simulao, do faz de conta.
Eis o quadro atual de nossa relao com o mundo e o motivo pelo qual a formao
do sujeito no se completa nem no outro, nem em si mesmo. Parece um quadro geral
prematuro, como uma criana que no se formou inteiramente e precisa da encubadeira
para terminar seu processo de completude. Faltam a este ser coisas essenciais para que o
possamos chamar de humano, e os motivos so bem claros: os valores de transcendncia
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so substitudos por bens consumveis, a simultaneidade de tendncias e a consequente falta
de referncias externas e internas mais slidas, geram um vazio de identificaes e de
ideais capazes de cumprir a funo de integrao ou reintegrao, que deveria sustentar
uma consistncia, para si e para o social, da auto imagem ou processo de autoconscincia.
Os heris contemporneos, como assinalou Baudrillard, (op. cit) no esto mais
vinculados a uma cultura de tradio, onde o tempo, ao invs de ser dinheiro, algo a ser
construdo, vivido, respeitado, e que implica aceitar o dilaceramento ontolgico resultante
da vivncia da falta, que o desejo como processo integrador movimentava o sentido da
vida. Oferecendo simulacros, o meio ambiente proporciona valores descartveis no lugar
de valores de dedicao que possam facilitar a integrao. As consequncias desse processoso atitudes nicas e violentas ligados a desiluso, adotados pelo sujeito, que no v mais
no mundo sua morada, fazendo da realidade existente instncia normativa da realidade
ideal, ou, no podendo mudar permanece imerso na iluso, na simulao, caracterstica
maior do eu isolado, narcsico, infantil, prematuro. Neste caso os investimentos nos objetos
ou nos outros se caracterizam pelas idealizaes, portanto no h luta, confronto,
alteridade. Esses investimentos so hedonistas e os objetos externo tornam-se apenas
fragmentos de espelhos refletindo os aspectos dispersos do sujeito ideal porque
parcialmente saciado. O investimento no portanto em outros, mas no prprio eu. O outro
no sendo referncia identificatria, a sustentao para o eu se reduz sua prpria imagem.
No havendo a intersubjetividade, a subjetividade um mero reflexo do que poderia ser.
Esse sujeito carece de desejo prprio como movimento de tomada de si a partir do outro, a
esse sujeito contemporneo chamamos no incio do trabalho de desvalidos de Eros;
somos ns.
Ser ainda possvel desta forma deixar um lugar para a esperana em possibilidades
de constituio de subjetividades mais consistentes? Penso em Pascal (que em 1669 disseuma frase incrivelmente atual: No tendo podido curar-se da morte, da misria, da
ignorncia, os homens resolveram, para serem felizes, no pensar nestas coisas. J passou
at da hora de assumirmos o preo a se pagar para incorporarmos a dor resultante da
aceitao da falta, do vazio e da morte. A partir desta perspectiva, procurar solues por
veredas que nos tornem acessveis um viver criativo, concreto onde se possa construir
solues mais slidas frente ao desamparo da vida cotidiana. Buscando modos de
eufemizar, modos de inventar rasteiras, como na dana da capoeira, utilizando-se da
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possibilidade subjetiva de, caando em terreno alheio, apropriar-se de um modo pessoal,
desejante daquilo que imposto pela forma to radical quanto a morte: a vida.
Nesse sentido, qual o espao que a educao poderia ocupar no encaminhamento de
possveis solues? Todo o mundo, ou quase todo, parece de acordo ao reconhecer que o
sistema de educao deve ser mudado, pois no corresponde s necessidades da nossa
poca.
As divergncias relacionam-se amplitude que deve ter essa mudana. Trata-se de
adaptar melhor o ensino aos seus fins, sem levar em conta estes fins? Por exemplo, fornecer
s empresas novas formas de qualificao de mo-de-obra da qual precisam a curto prazo?
Fornecer sociedade no seu todo, o estilo de cultura ou de moral que reflita melhor suaevoluo recente? Em outras palavras, devemos adaptar nosso sistema educacional ordem
existente, essa ordem de todas as reformas do ensino?
Ou, ao contrrio, devemos fazer da educao um fermento de ruptura com essa
ordem? No mais lhe dar como tarefa procurar ser um reflexo fiel, e sim um projeto de
outra sociedade a ser criada? No se trata portanto de se adaptar a uma realidade j
existente, mas de se preparar para inventar o futuro. No se trata de uma reforma do ensino,
mas de uma revoluo cultural, de uma mudana no s dos mtodos e das estruturas, mas
do prprio objetivo do ensino.
A orientao de pensamento atual tende a considerar que a mutao em curso, neste
comeo de milnio, no subverte apenas os mtodos e as estruturas das nossas sociedades,
mas os valores e os fins da vida humana, to profundamente quanto a que marcou, h cinco
ou seis mil anos, a passagem da vida de caadores e de pastores nmades de agricultores
sedentrios.
Ora, a mudana atual tem uma amplitude comparvel: no s os limites dos
Estados-naes, mas tambm das culturas e dos valores esto em jogo, e as possibilidade decomunicao entre as idias planetarizaram nossos problemas, incluindo tambm nossa
moral e nossos objetivos.
De agora em diante, nenhum problema, nem o das nossas relaes com a natureza,
nem o da nossa relao com os outros homens e com as sociedades, nem o do nosso
relacionamento com o futuro, com os prprios objetivos da aventura humana e com a f,
poder se resumir aos limites de uma nao, nem mesmo de uma cincia separada de uma
sabedoria, ou seja de uma reflexo sobre os fins. O futuro no pode ser um lugar de
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probabilidades, de extrapolaes dos prolongamentos do passado e do presente, mas o lugar
das possibilidades, isto , da criao e realizao do completamente outro, completamente
novo.
preciso no se enganar de sculo. No estamos mais no sculo XIX, que foi o
sculo das nacionalidades e da tecnociencia , mas s portas do XXI, que dever ser o sculo
do dilogo das civilizaes, da sabedoria.
Tornar-se-ia sbio, ento, pretender a totalidade do desenvolvimento de todas as
riquezas humanas em cada homem e em todos os homem. No existe nenhum ser humano
que no possa, em tese, desenvolver esta ou aquela forma de sensibilidade, de inteligncia
ou de criao que no possa trazer comunidade seu dom insubstituvel. Utopia? Claro, oque seria de ns se no tivssemos algo para mudarmos de lugar; porque utopia no quer
dizer to somente lugar nenhum, mas tambm o prefixo u topos significa fora do lugar.
Como bem diz Ernst Bloch (1976) Ser homem ter utopias, isto , o ser humano um
misto de presente, de transformao e de carncia. Assim, os homens no podem
simplesmente aceitar a situao como definitiva, sem alternativa. Contar, portanto, apenas
com o presente tornar-se prisioneiro dele, voluntariamente. o horizonte do futuro que d
realidade a sua dimenso possvel.
No entanto, parece que estamos prisioneiros hoje, de um social simulado, e essa
situao provoca a escassez. Ela marca todas as relaes entre os homens, tanto a nvel
material, como tambm emocional e espiritual. Coloca em movimento a existncia no
explicitando as consequncias desta, que revela o atual processo de desumanizao. As
consequncias sem referncias de si e do outro, objetivam-se em suas obras e essa
objetivao torna-se alienao, j que os outros roubam-na ou falseiam sua significao.
Todos os conjuntos so finalmente tragados pelo o que Sartre (1960) chama de prtico-
inerte, ou seja a organizao social transformada em coisa qual os indivduos sesubmetem como uma necessidade (e no desejo). O desejo jamais pura necessidade mas
apelo e solicitao, mesmo se esse apelo figurado por um gesto. O que marca a distncia
entre desejo e necessidade a aptido do desejo a ser dito, a se transformar em linguagem,
comunicao, intencionalidade, disponibilidade.
fato que uma nova maneira de se situar e compreender o mundo no nasce abruptamente;
ela se apoia em posies existentes, que muitos vezes so enunciadas por indivduos que,
em seu tempo souberam auscultar o crescimento da grama, isto , tiveram olhos para ser
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e ouvidos para ouvir. No que diz respeito mudana de valores. Sorokin (1979) fala de um
mecanismo de saturao. Em sentido figurado, diria-se que difcil determinar antes que
venha a ser atingido, o ponto de saturao da gua que sujamos. este estado
imperceptvel, mas nem por isso menos real, que convm discernir. Da mesma forma, pode
parecer presunoso ou perfeitamente insensato indicar, num mundo dominado pela
economia dos bens e simulao dos afetos, a emergncia de valores ecotizantes de
sociabilidade. Na melhor das hipteses, pode-se considerar isso como a expresso de um
sonho qualquer sem consequncias. Entretanto esta a aposta que se pretende fazer. Para os
mais cticos, prope-se considerar que se trata aqui de aplicar o mtodo do faz-de-conta,
que tem possibilitado avanos cientficos consequentes. Faamos de conta que os feixes dendices propostos ou a articulao das imagens so convincentes. possvel, ento, que
adquiram sentido numerosas atitudes que havamos relegado ao sol dos fatos
provisoriamente inexplicados. possvel, ento que surja esta intuio que, num intenso
facho de luz, d conta de uma configurao que se tinha como obscura ou como resultado
de um mundo em decadncia. possvel, enfim, que se tome conscincia deste mecanismo
de saturao que faz com que um valor ou um conjunto de valores j fatigados cedam o
passo, a outros princpios dinmicos.
Considero este o espao possvel da educao no momento. Se ela uma relao
interpessoal, poderia se configurar como um lugar privilegiado desta proposta existencial
coletiva. Precisamos ensinar velhas lies que, por uma questo de desvio das
contingncias do processo da vida, nos parecem lies novas. Se o simulacro vivenciado
hoje a negao do mundo real, precisamos fazer a negao da negao como proposta
pedaggica e usar o mesmo mecanismo do sistema, ao nvel de contra-discurso. O
mecanismo plausvel, o grande problema quem poder efetiva esse processo de
inverso, esse saber lidar com a coincidentia oppositorum, esse ser que poderia secaracteriza como inaugurador de mundos novos. O professor? Penso que este se encontra
tambm deserotizado e se esquecem que cada poca imagina a que a sucede Benjamin
(1959). E este sonho pode ser um devaneio de vigilia, sendo mesmo assim; dinmico, at
quando se trata de exprimir um paradoxo aparente. No nos esqueamos que o barulho Eros
, ao mesmo tempo o Deus do amor e da morte.
Diante da fragmentao em que o homem se encontra hoje em dia, diante da
desesperana que nos invade, somente mudanas radicais de atitudes poderiam reverter a
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atual quadro de penria. E se talvez, porque no se tenha este ser-professor para nos ajudar
(est combalido), nos resta aguardar a natural exploso que advm certamente quando
negamos um elemento, quando exorcizamos uma dimenso fundamental de nosso ser, que
o desejo. O fantasma da sociedade de consumo, a unidimensionalidade da globalizao, a
banalizao das relaes sociais, so couraas que, por sua prpria rigidez, geram o
estilhaamento, implodem, morrem.
At que isso acontea, o novo momento como uma gestao, como que preenche de
vida. E j que o professor talvez no possa ser o inaugurador desse mundo, h que esperar
na companhia do tempo potico; porque todos ns sabemos que a poesia tem a potncia
criadora ligada ao desejo, desejo do desejo do outro, que nos fala, nos acalenta, dizendo:
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No sou nada
Nunca serei nada
No posso querer ser nada
parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo
Janelas no meu quarto.
Que sei eu do que serei, eu que no sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E h tantos que pensam ser a mesma coisa que no pode havertantos!
Fiz de mim o que no soube
E o que podia fazer de mim no o fiz.
Fernando Pessoa (1960:323)
Aprendi com ele, bom professor, que quando no h desejo, s resta tolerar, e hoje, a!
Haja tolerncia.
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7/28/2019 A Intersubjetividade Contempornea: os desvalidos de Eros
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Referncias Bibliogrficas
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