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A INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

ACERCA DA COMPETÊNCIA TRABALHISTA: MÁCULA AO PRINCÍPIO

DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA E

OUTRAS OFENSAS À CONSTITUIÇÃO

Marina Freitas de Andrade

Artigo apresentado no VIII Congresso Internacional de

Direito Constitucional em Natal/RN em 30 de abril de 2010

RESUMO

O presente artigo refere-se aos estorvos ocasionados pelos Tribunais Superiores

Brasileiros ao restringir a competência da Justiça do Trabalho, a qual foi claramente

ampliada após o advento da Emenda Constitucional n.º 45/2004. Discorre-se sobre

decisões judiciais que vão de encontro à Constituição, usando como exemplos da

interpretação restritiva do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça a

fixação por parte destes tribunais da competência da Justiça Comum para processar e

julgar ações de cobrança de honorários de profissionais liberais (Súmula 363, STJ) e

ações sobre trabalhadores temporários, mesmo contratados de forma irregular. Serão

expostas as graves consequências de tais restrições, especialmente em relação ao acesso

à justiça e ao princípio de separação dos poderes, ressaltando-se que, para correção de

todos esses atentados à Constituição Federal, faz-se mister a adoção definitiva de

posição interpretativa ampla, obediente ao princípio da máxima efetividade dos direitos

fundamentais e à intenção do legislador constituinte originário quando da elaboração da

referida emenda.

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PALAVRAS CHAVE: Competência Trabalhista. Emenda Constitucional n.º 45/2004.

Interpretação restritiva. Tribunais Superiores. Acesso à justiça. Princípio da Separação

dos Poderes.

1. INTRODUÇÃO

O artigo analisará a jurisprudência dos tribunais superais acerca da competência

material da Justiça do Trabalho, cuja definição torna-se extremamente conturbada em

decorrência da falta de esclarecimentos acerca do real alcance da expressão “relação de

trabalho”, introduzida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

Tendo em vista o princípio da separação dos poderes e o direito fundamental ao

acesso à justiça, será exposto que as decisões analisadas ficam muito aquém das

expectativas e misteres legais e sociais, comprometendo seriamente os mandamentos

insertos na Carta Magna.

Com efeito, cuidaremos do tema proposto considerando perspectivas do Direito

Constitucional, dos princípios e da força normativa da Colenda Carta de 1988, a fim de

colocar em primeiro plano a norma constitucional.

O principal objetivo é mostrar os sérios danos que a jurisprudência restritiva

causa à ordem constitucional e à classe trabalhadora. Atentando então para os perigos de

se manter tais entendimentos, procurar-se-á despertar as inteligências jurídicas à

necessidade de combatê-los, garantindo, assim, o respeito a diversos direitos e garantias

fundamentais.

Para a realização desta pesquisa, lançar-se-á mão principalmente de quatro

métodos científicos: o método histórico, o método argumentativo, o método analítico e

o método dialético.

Por este ser um estudo realizado no âmbito das ciências humanas, o método

histórico mostra-se dos mais eficientes, vez que permite a análise das fontes do direito –

materiais e formais – que trataram da definição da competência da Justiça do Trabalho

em diferentes épocas.

O método analítico também servirá de base para o desenvolvimento do artigo,

através do desmembramento do tema principal em tópicos e a análise mais profunda de

cada um deles, surgindo, então, conclusões.

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Ademais, devido à discordância entre a posição defendida por este estudo e o

entendimento das Supremas Cortes, o método dialético apresenta-se também

indispensável. De fato, aqui se pretende abordar diversos pontos de vista e, por certo,

suas correspondentes antíteses, com o intuito de chegar a uma conclusão sintética

quanto às manifestações analisadas.

Por fim, será utilizado de forma relevante neste artigo também o método

argumentativo, típico da Ciência do Direito, visando ao convencimento sobre a certeza

de determinada premissa.

2. A COMPETÊNCIA TRABALHISTA APÓS A REFORMA DO JUDICIÁRIO

É bastante recorrente no âmbito doutrinário e jurisprudencial a afirmação de que

a Emenda Constitucional n.º 45/2004 ampliou sobremaneira a competência material da

Justiça laboral, especialmente ao estabelecer que compete a esta Justiça especializada

processar e julgar os conflitos oriundos da relação de trabalho, ao invés de somente as

tradicionais querelas empregatícias. É pacífico, portanto, o entendimento que tal

expressão veio alargar a jurisdição trabalhista ao suprimir do texto legal a palavra

empregador, utilizada anteriormente.

No entanto, discussão bastante conflituosa e atual versa sobre o alcance da

expressão “relação de trabalho”. Esta ultrapassa os limites impostos pela relação de

emprego, cujos elementos fático-jurídicos essenciais a sua existência são a necessidade

de a prestação de trabalho ser realizada por pessoa física, de maneira não-eventual,

pessoal, onerosa e sob subordinação. Presentes todas as características aqui citadas1, há

entre as partes uma relação empregatícia.

Embora para a constatação da existência de relação empregatícia seja necessário

apenas verificar a presença dos requisitos acima listados, definir os traços que

diferenciem categoricamente as relações de trabalho no mundo dos fatos não é tarefa

simples. Não há especialidades próprias das relações trabalhistas nem definição que

1 Sérgio Pinto Martins também indica a alteridade como um dos requisitos para existência da relação de emprego. É por meio deste requisito que o trabalhador exerce suas atividades, sem assunção de qualquer risco. (MARTIS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2008.)

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estabeleça características específicas que acusem de maneira inequívoca a existência de

relação de trabalho.

Na busca dos limites entre laços trabalhistas e outros de natureza diversa,

Mauricio Godinho Delgado ensina que mesmo que algum dos elementos componentes

da relação empregatícia esteja ausente, mas ainda reste o trabalho humano prestado de

maneira onerosa, subsistirá a relação de trabalho. Há, portanto, entre esta e relações de

emprego uma diferença de gênero e espécie.

André Araújo Molina vai mais além ao asseverar que:

Relação de trabalho é toda atividade humana, física ou inteletual, remunerada ou não, executada para obtenção de resultados produtivos. Em todos os contratos de atividade, em que existam obrigações de fazer, realizadas por uma pessoa natural, existe relação de trabalho em sentido lato.

Servindo-se de estudos de Direito Comparado, o conceito de relação de trabalho,

para a doutrina italiana é “o dispêndio que um homem faz de energia destinada à

utilidade de uma outra pessoa”2.

Portanto, de todas as definições transcritas acima, infere-se a amplitude do

conceito de relação trabalhista e a ausência de uma lista de peculiaridades sine qua non

para configuração da relação de trabalho.

Fortes dúvidas enfrentadas pelos tribunais em questões acerca da competência

partem da dificuldade que o Judiciário tem em alcançar este conceito em sua inteireza.

Existem no mundo fático muitas relações que, apesar de em alguns aspectos

demonstrarem o contrário, são trabalhistas, uma vez que há a prestação de labor através

de uma pessoa física. É dever dos intérpretes e aplicadores do Direito classificar

corretamente cada figura sociojurídica, se empregatícia, trabalhista, exclusivamente

civil ou consumeirista, de acordo com o contexto específico em que ela se insere.

No entanto, a existência de decisões em desconformidade com estes conceitos

leva à conclusão de que, nos tribunais nacionais, não se está conseguindo apreender o

2 POGGETTI, Donata; GASPARINI, Maurício. A Nova Súmula n. 363 do Superior Tribunal de Justiça e a competência material da justiça do trabalho para cobrança de honorários profissionais – retrocesso pretoriano. Revista LTr, vol. 73, n.º 04, Abril de 2009.

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real alcance do artigo 114, CF. Ora adota-se postura restritiva, ora ampliativa e, para

caracterização ou não de determinada figura sócio jurídica como relação de trabalho,

são usadas premissas controvertidas e argumentos parcos e insuficientes. Dessa forma,

surgem muitas situações nas quais a competência material da Justiça Laboral é

indevidamente restringida, conforme análise feita a seguir.

3. A INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Ao se servir de critério interpretativo teleológico e histórico, torna-se cristalino

que a intenção do legislador constituinte reformador, ao editar a EC n.º 45/2004, era a

de ampliar a competência material da Justiça do Trabalho. Seguindo essa diretriz,

constata-se que a referida norma não está sendo aplicada de forma devida pelo Supremo

Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme recentes

decisões jurisprudenciais.

Utilizando expressão de autoria do ilustre doutrinador Luís Roberto Barroso, o

que está ocorrendo nas últimas instâncias é a interpretação retrospectiva da referida

norma constitucional. Essa atividade hermenêutica consiste em dar a texto legal novo e

transformador um sentido conservador, destoante do contexto social em que se insere,

muito aquém dos misteres e anseios sociais.

Vale ressalvar que a defesa da utilização de critério interpretativo adequado à EC

n.º 45/2004, não representa uma ode a qualquer interpretação causadora da completa

inutilização de outros ramos do direito que regulamentam também formas de prestação

de serviços. Deve haver ressalvas, contudo, bem justificadas e em harmonia com os

mandamentos constitucionais, sob pena de se estar ferindo de morte o fundamento da

República consistente no valor social do trabalho.

Entendimentos jurisprudenciais cujas justificativas são controvertidas e baseadas

em argumentos falíveis não devem bastar para restringir ordens emanadas pela Colenda

Carta.

3.1 Cobrança de honorários de profissional liberal (Súmula 363, STJ)

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Um exemplo de ofensa à Constituição, na qual fica demonstrada a

incompatibilidade entre o texto da Lei Maior e a decisão dos Tribunais é a Súmula 363,

do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação é a seguinte:

Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.

Os argumentos a favor deste enunciado dividem-se ao justificar a competência

da justiça comum, e não da especializada para o processamento e julgamento das ações

de cobrança ajuizadas por profissional liberal contra cliente, utilizando dois motivos.

Ora se alega que se trata de relação jurídica de consumo, ora se sustenta que ela tem

natureza estritamente civil.

Tal debate, contudo, mostra-se inútil, uma vez que considera que a aplicação da

legislação trabalhista, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou do Código Civil

(CC) são importantes para estabelecer qual é o juízo competente para julgamento da

causa.

André Araújo Molina3, em estudo brilhante sobre o tema, solve todas as dúvidas

acerca da competência da justiça laboral para julgar e processar causas que demandem a

aplicação de do CDC ou CC assinalando que:

É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la: se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) se ampara em uma relação de trabalho, é de competência da Justiça Especializada dirimir o conflito, mesmo que para tanto utilize normas dispostas em outros ordenamentos que não a CLT (causa de pedir próxima), tais quais o Código de Defesa do Consumidor, legislação extravagante etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação da própria CLT (parágrafo único do art. 8º).

(...)

Ressalto que a competência é firmada no momento da propositura da ação (art. 86 do CPC), verificando-se in status assertionis a causa de pedir remota exposta na inicial para fixação da competência. Desse modo, pouco importa se após a apresentação da defesa ou mesmo após a instrução processual verificar-se que não se trata de uma relação de trabalho, pois a competência já terá sido fixada e a

3 MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista – critério científico para interpretação do inciso I do art. 114 da CF/88. São Paulo: LTr, 2008. págs. 949, 951 e 952.

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alteração posterior deverá levar ao julgamento de fundo com a conseqüente rejeição do pedido e não remessa dos autos para o juízo competente. O único requisito que realmente importa para a fixação de competência é que a petição inicial traga como causa de pedir remota uma relação de trabalho, pouco importando se essa relação será ou não confirmada quando da instrução do feito.

(...)

Logo, no julgamento das ações oriundas da relação de trabalho sob os cuidados da Justiça especializada poder-se-á aplicar as seguintes legislações: a) nas relações emprego a CLT e subsidiariamente as demais disposições da legislação comum (art. 8º); b) nas relações de trabalho sem subordinação, aplicar-se-á o CDC, o CC/2002 ou a legislação extravagante, conforme a relação com que estaria lidando, sem que haja alteração da competência em razão da aplicação de uma norma ou de outra.

Deve ser dada à Justiça do Trabalho, apta à proteção do trabalhador, a

oportunidade de perceber, em cada caso, a existência ou ausência da relação de trabalho.

Essa é única forma de, efetivamente, fazer-se justiça. Uma súmula generalizadora que

presume que qualquer relação entre prestadores de serviços não é relação trabalhista

engessa o ordenamento jurídico e prejudica a adequação real do direito aos fatos sociais.

Caso verifique que não há relação trabalhista, o magistrado, ao julgar o mérito da ação,

rejeitará o pedido de reconhecimento de vínculo e seus consectários. O que não deve ser

permitido é que a conclusão pela inexistência seja pré-estabelecida pelo STJ, quando é

sabido por todos que os fatos sociais são muito imprevisíveis e variantes, o que exige do

direito grande esforço para regulamentá-los.

3.2 Trabalhador temporário irregular

Seguindo classificação feita por Maurício Gasparini e Donata Poggetti, uma das

espécies do gênero relação de trabalho é o funcionalismo, exercido mediante concurso

público e caracterizado também pela subordinação à Administração Pública. Por força

de decisão liminar preferida com efeito ex tunc concedida em ação direta de

inconstitucionalidade (ADIn) no ano de 2005 pelo ministro Nelson Jobim, foi

reconhecida a competência da Justiça Comum para processar e julgar as ações

envolvendo servidores públicos estatutários e o Poder Público.

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A despeito de tal decisão merecer críticas em razão da ausência de pertinência

temática da entidade que propôs a ADIn - a Associação dos Juízes Federais (AJUFE) -

e do alcance da decisão liminar, tais discussões não serão levadas à fundo no presente

estudo por se distanciar do tema central. Será aceita, portanto, a premissa de que a

Justiça do Trabalho é incompetente para conciliar e julgar as ações envolvendo

servidores públicos estatutários.

Contudo, é importante salientar que a decisão do Supremo Tribunal Federal no

caso acima só subtraiu da Justiça Trabalhista os casos em que a vinculação se der por

típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Assim, a

situação dos falsos servidores temporários, contratados sem observância dos requisitos e

formalidades estabelecidos no artigo 37, IX, da Constituição Federal continua sendo de

competência da Justiça do Trabalho.

Renato Saraiva firma acertada posição no sentido de que:

Inexistindo a necessidade temporária de excepcional interesse público, os falsos trabalhadores temporários não podem ser considerados servidores regidos por regime de caráter jurídico-administrativo. Assim, havendo desvirtuamento da contratação temporária, pela ausência dos pressupostos de validade previstos na Constituição Federal (art. 37, IX), a competência para apreciar referido desvirtuamento é da Justiça do Trabalho, porque – repita-se – excluída a caracterização do liame estatutário.4

Todavia, o STF e o STJ vêm decidindo reiteradamente em sentido contrário ao

esposado pelo doutrinador citado acima. Esses tribunais julgam que o contrato de

prestação de serviço temporário terá sempre caráter jurídico-administrativo, seguindo o

regime jurídico único do ente contratante, ainda que seja prorrogado de maneira

irregular. A prolongação feita nesses moldes não transmuda o vínculo inicialmente

estabelecido de modo a caracterizar relação celetista. Assim, deve ser afastada a

competência da Justiça do Trabalho para fixar a da Justiça Comum.

Nesse sentido, vale observar a transcrição da seguinte ementa:

4 SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: Método, 2009. p. 33.

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EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME ESPECIAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.I - Compete à Justiça Estadual processar e julgar causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores submetidos a regime especial disciplinado por lei local editada antes ou após a Constituição Republicana de 1988.II - Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual amazonense. (grifamos) (CC 720l/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12/12/2008)

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), cuja jurisprudência antes ia de encontro

a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também mudou o seu entendimento para

adequar-se a Suprema Corte, colaborando, assim, com a efetivação desse retrocesso

pretoriano. Foi cancelada, no dia 23/04/2009, pelo Pleno do TST, Orientação

Jurisprudencial 205/TST-SDI-I que indicava a mais correta orientação para a resolução

do conflito de competência em questão.

O texto da referida OJ estabelecia que era de competência da Justiça do Trabalho

dirimir dissídio individual entre trabalhador e ente público se há controvérsia acerca do

vínculo empregatício. Dizia ainda que a simples presença de lei que disciplina a

contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de

excepcional interesse público (artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal) não é o

bastante para deslocar a competência da Justiça do Trabalho se se alega desvirtuamento

em tal contratação, mediante prestação de serviços à Administração para atendimento de

necessidade permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial.

É preciso ter em mente que apenas enquadrar tais relações irregulares entre

trabalhadores temporários e a Administração Pública sob o pálio do regime especial

administrativo pode representar uma grande lesão social. Dessa forma, é possível que as

legislações locais tratem da presente questão das mais variadas formas, sem assegurar

direitos básicos a estes servidores.

Trechos de publicação de autoria de Carlos Eduardo Brisolla5 mostram

claramente o prejuízo que tal deslocamento irá acarretar aos trabalhadores:

5 A competência da Justiça do Trabalho e os casos de desvirtuamento de contratos temporários com a Administração Pública. BRISOLLA, Carlos Eduardo. Disponível em <http://www.cursotoga.com.br/v2/artigos/A%20COMPETENCIA%20DA%20JUSTI%C3%87A%20DO%20TRABALHO%20E%20OS%20CASOS%20DE%20DESVIRTUAMENTO%20DE%20CONTRATOS%20TEMPORARIOS%20COM%20A%20ADMINISTRACAO%20PUBLICA.pdf>

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Nem é preciso dizer que a experiência nos demonstra que a própria Administração Pública nos casos levados a Juízo questionando tais relações é a primeira a alegar a irregularidade destes contratos, até porque, como tais contratos são nulos pela ausência de concurso público ou processo seletivo, a Administração se beneficia de sua própria torpeza, sonegando direitos rescisórios, já que a declaração de nulidade lhe beneficia e implica em tal restrição aos pagamentos de verbas relativamente a estes contratos.

Lamentável, portanto, a adoção cada vez mais veemente de tal posicionamento,

uma vez que ele é completamente desfavorável aos trabalhadores e cria situação

extremamente adversa ao cumprimento dos direitos trabalhistas.

4. MÁCULA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

O artigo 2º da Constituição Federal adota expressamente como balizador da

forma de organização dos poderes do Estado o princípio da separação dos poderes.

Imutável por força do artigo 60, § 4º, inciso III, este princípio representa uma

importante garantia, já que, se apenas um único órgão concentrasse em si todo o poder,

o respeito às liberdades individuais e aos direitos fundamentais estariam seriamente

comprometidos.

Dessa forma, diz a Constituição que são poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A independência entre os

três poderes é garantida pelo estabelecimento de funções precípuas e exercidas

predominantemente por determinado poder. Sobre a harmonia que deve existir entre os

órgãos do poder político, Dirley da Cunha Junior apud José Afonso do Silva6 ensina que

não obstante a independência orgânica, no sentido de não haver entre eles qualquer subordinação ou dependência no que tange ao exercício de suas funções, a Constituição Federal instituiu um mecanismo de controle mútuo, onde há “interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e

6 JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 875.

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indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente os governados”.

Pois bem. Apreendendo então o conteúdo do referido princípio constitucional,

será vista sua aplicabilidade hoje em âmbito nacional, considerando, especialmente, a

relação entre os poderes Legislativo e Judiciário.

É sabido por todos que o nosso tempo é gravado por profunda apatia política,

descrença na efetividade das leis e no sistema representativo, escândalos envolvendo

crimes cujos acusados são detentores do poder político e agruras de toda sorte que

abalam a democracia e violam obstinadamente os direitos fundamentais da população

de nosso país. Nesse contexto social de inércia dos representantes eleitos pelo povo, o

papel do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, além de

guardiões da legislação federal e da Constituição da República, também é visivelmente

político.

O cotidiano jurídico mostra que, por diversas vezes, os Tribunais Superiores,

frente a duas interpretações juridicamente bem fundamentadas e plausíveis,

posicionaram-se decidindo qual seria a forma que melhor satisfizesse politicamente os

interesses sociais. Isso ocorre como uma maneira de direcionar a eficácia de

determinada norma, que é moldada conforme os acórdãos exarados. Muda-se, portanto,

o entendimento que se tem a respeito da interpretação de determinada regra, o que acaba

por ocasionar uma mudança na aplicação dessa lei quase tão transformadora quanto a

introdução de nova norma no sistema jurídico.

As decisões tomadas pelo Judiciário em processos de mandados de injunção

também demonstram uma participação ativa e política – até mesmo legislativa – do

Supremo Tribunal Federal. A tal participação influente e atuante dos órgãos

jurisdicionais, mormente do Pretório Excelso, dá-se o nome de ativismo judicial.

O mestre Luís Roberto Barroso7, ao definir o ativismo judicial diz que

o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está

7 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática.

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associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.

Conclui-se, portanto, que o ativismo judicial por si só já mostra, de certa forma,

desequilíbrio entre os três poderes. No entanto, esse fenômeno da atualidade funciona

como um “mal necessário”, principalmente nos casos em que é dado ao mandado de

injunção efeito concreto, solucionando episódios casuísticos cuja resolução restava

impossibilitada devido à ausência de norma regulamentadora. Aqui, o Poder Judiciário

age para suprir a negligência dos legisladores e dar efetividade máxima aos direitos e

garantias fundamentais.

A despeito de diversas críticas acerca da legitimidade democrática das decisões

judiciais, da politização da justiça e dos limites da capacidade institucional do

Judiciário, o ativismo judicial, se feito de forma responsável, não deve ser combatido

severamente pelo simples motivo de que caracteriza uma interferência do poder

Judiciário no Legislativo.

Tomando o exemplo da atribuição de efeito concreto ao mandando de injunção,

percebe-se claramente que, apesar de ser tida como afronta à independência dos poder

Legislativo, trata-se de medida louvável que empresta maior efetividade aos direitos

fundamentais. É atuação digna de aplausos que se justifica constitucionalmente, devido

à Constituição, no artigo 5º, § 2º, ter estabelecido que o rol constitucional de direitos e

garantias fundamentais não é taxativo, e, ainda em obediência ao princípio da máxima

efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

Aproximando a discussão ora proposta do tema deste estudo, é necessário

ressaltar que o que se quis demonstrar até aqui é que nem sempre a atuação do poder

Judiciário em âmbito legislativo acarreta prejuízos à sociedade. Nas situações ilustradas,

o que ocorre é justamente o inverso. A invasão do Judiciário se dá, inclusive, para suprir

a inércia dos legisladores, acarretando uma louvável complementação de atuações

insuficientes no âmbito do Congresso Nacional. Resta preservada, assim, a harmonia

entre ambos.

Contudo, nem sempre a participação dos tribunais se dá no sentido de expandir o

sentido e o alcance da Constituição. Há também decisões extravagantes e desastradas,

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destoantes de diversas normas de índole constitucional que acabam por prejudicar

diversos cidadãos. A tendência de se deslocar a competência da Justiça do Trabalho

para a Justiça Comum é claramente um exemplo deste segundo caso.

Ao restringir a competência da Justiça Trabalhista, conforme visto nos exemplos

da elaboração da Súmula 363 do STJ e dos trabalhadores temporários irregulares,

percebe-se que os tribunais estão ultrapassando os limites constitucionalmente impostos

e comprometendo seriamente a independência e a harmonia entre os poderes políticos.

O poder Judiciário como intérprete maior da Constituição é que deve, em

primeiro lugar, preservar as normas que emanam do texto constitucional. Apesar de, em

alguns momentos, acabar invadindo a esfera do Legislativo, não pode suprimir

totalmente o papel do poder legiferante.

Alguns membros da magistratura e ministros dos Tribunais Supremos, ao

decidirem reiteradamente conflitos de competência de forma a sbstrair da Justiça

Trabalhista matérias que são de sua competência, não agem para corrigir um minus

interpretativo, nem tampouco para preencher lacunas, mas para tábula rasa de

determinação emanada pelo poder constituinte derivado. Não agem na ausência deste,

mas sim a despeito do que este poder preconiza, ignorando completamente o artigo 114

da Colenda Carta.

Como visto anteriormente, se com a expressão “relação trabalhista” o legislador

quis abranger todas as relações em que há trabalho humano prestado a outrem e

realizado por pessoa física, não cabe a juízo algum a tarefa de restringi-lo, ao arrepio de

norma fundamental. Patente, portanto, é a existência de mácula ao princípio da

separação dos poderes, porquanto tal intromissão na independência do Poder

Legislativo vai de encontro às normas de hierarquia mais alta do ordenamento jurídico.

5. ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA

Catalogado na nossa Carta Maior no artigo 5º, inciso XXXV, o acesso à justiça

aparece no ordenamento jurídico nacional como direito fundamental. Com efeito, sua

importância em âmbito internacional deriva também da Declaração Universal dos

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Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, que, em seu artigo 8º, estabelece que toda

pessoa terá direito de recorrer contra atos que violem os direitos fundamentais

reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

De início, vale lembrar que todos os direitos fundamentais derivam diretamente

das exigências básicas da dignidade humana. Por exigências básicas devem-se

compreender todas aquelas das quais o ser humano necessita para exercer plenamente

seus direitos e viver de forma digna. Aqui, por oportuno, vale ressaltar a diferença entre

os significados dos verbos necessitar e querer, que diferem quanto ao elemento volitivo.

Não se escolhe do que se necessita; tais necessidades simplesmente são frutos da

condição humana que impõe o atendimento de certos misteres tais como ingerir

alimentos e água, se comunicar ou descansar após longos períodos de esforço.

Assim, tem-se que os direitos fundamentais recebem tal denominação pois

explicitam e concretizam a dignidade da pessoa humana. A vida em sociedade,

especialmente nos dias correntes, torna tais imperativos muito mais numerosos e

complexos. Para se ter uma vida realmente digna, hoje, é imprescindível que um

indivíduo tenha, além de atendidas suas necessidades fisiológicas, também outras que

garantam sua inclusão na sociedade e o pleno desenvolvimento de sua personalidade. É

nesse sentido que o direito ao trabalho, ao lazer, às liberdades individuais e tantos outros

também são considerados indispensáveis.

Pois bem. Conforme visto acima, tendo como núcleo essencial a dignidade

humana, positivou-se também o direito ao acesso à justiça com o objetivo de fazer com

que as pessoas tenham mais proteção aos seus direitos. Através de garantias impostas

legalmente cujo cumprimento é cogente no âmbito dos fóruns e tribunais, as pessoas

dispõem de eficazes armas processuais contra lesão ou ameaça aos seus direitos.

Mais importante que promulgar novas leis que concedem direitos materiais, é

introduzir no ordenamento jurídico meios que garantam sua efetividade em juízo. Caso

contrário, o direito subjetivo dado transforma-se em letra morta, existindo apenas nos

códigos e literatura jurídica.

Neste diapasão, houve mudanças importantes que contribuíram sobremaneira à

efetivação do direito posto em evidência neste estudo. Exemplos disso são a criação dos

Juizados Especiais, o jus postulandi concedido a empregados e empregadores e, ainda, a

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criação de justiças especializadas tais como a Justiça do Trabalho para dirimir certos

conflitos e a ampliação de sua competência pela EC n.º 45/2004.

Ressalte-se que a efetivação do acesso à justiça não se dá somente ao se

possibilitar que os sujeitos levem seus litígios ao aparelho judiciário. A essência deste

direito fundamental está principalmente em promover o acesso dos sujeitos

hipossuficientes – entre eles, o trabalhador – a uma ordem jurídica justa lhes forneça um

julgamento adequado. Para tanto, é imprescindível que as inteligências dos tribunais

adotem como norte, definitivamente, o real alcance da expressão relação de trabalho,

englobando indivíduos que ora estão sendo tidos como não merecedores da proteção

que a justiça especializada lhes oferece.

Neste sentido, claro está que, com o deslocamento da competência da Justiça

Laboral para a Justiça Comum, a jurisprudência está construindo cruéis barreiras entre

os cidadãos e a proteção de seus direitos. Isso ocorre porque, em primeiro lugar, as

limitações jurisprudenciais impostas pelos Tribunais Superiores afastam a aplicação de

diversos princípios peculiares do Direito Processual do Trabalho que beneficiam os

trabalhadores.

Entre os princípios especiais da seara trabalhista afastados, a ausência mais

sentida é a do princípio da proteção. Para Carlos Henrique Bezerra Leite, este princípio

“busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma

desigualdade jurídica em sentido oposto”8. Graças a esta norma protetiva, há em âmbito

processual justrabalhista, a gratuidade do processo, com isenção de pagamento de custas

e despesas em prol dos trabalhadores, a inversão do ônus da prova por meio de

presunções que, em regra, favorecem o trabalhador, entre outras vantagens.

Além desta norma protetiva, há também a aplicação pela magistratura trabalhista

do princípio da finalidade social, do princípio da indisponibilidade e de outros que,

embora não sejam de exclusividade no sítio do direito processual do trabalho, são

aplicados com maior ênfase neste ramo da processualística do que no processo civil,

como, por exemplo, o princípio da busca da verdade real, o princípio da conciliação e o

princípio da simplicidade das formas. Todos indevidamente suprimidos de processos

8 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 74.

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que versam sobre relações que, embora sejam trabalhistas, não estão sendo consideradas

como tal pelos tribunais.

As atribuições dos órgãos jurisdicionais da justiça federal e estadual já são

extremamente numerosas e a Constituição ressalva expressamente da justiça comum as

causas sujeitas à justiça trabalhista. Por isso, além de mais uma ofensa a normas

constitucionais, o fato de causas decorrentes de relações trabalhistas estarem sendo

analisadas por juízes e tribunais com competência já bastante ampla ocasionará maior

morosidade na prestação jurídica.

Além disso, as competências da justiça comum nada têm a ver com a relação

trabalhista. Portanto, os juízes trabalhistas são muito mais bem preparados e mais

sensíveis para dirimir os conflitos gerados entre o trabalho e o capital, aptos, inclusive à

ter uma atuação mais ativa na medida em que ajude o trabalhador, de acordo com o

princípio da finalidade social.

Adite-se, ainda, que a o entendimento contrário à competência da Justiça Obreira

também implica gritante desobediência ao princípio hermenêutico constitucional da

máxima efetividade dos direitos fundamentais. Tal como leciona Dirley da Cunha

Junior, o referido princípio “também chamado de princípio da interpretação efetiva,

orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido que maior efetividade

lhe dê, visando a otimizar ou maximizara norma para dela extrair todas as suas

potencialidades”9.

A restrição da competência trabalhista propugnada pelas Cortes Supremas obsta

de maneira violenta e cruel o acesso à justiça, dando efetividade reduzida a tal direito

fundamental, em gritante desconformidade com o que o princípio da máxima

efetividade preconiza.

Em vista do exposto, faz-se mister e urgente que o entendimento jurisprudencial

que parece prevalecer seja completamente reformulado. Decisões jurisprudenciais que

não levam em consideração que a criação da Justiça Laboral e o alargamento de sua

competência são expressões do acesso à justiça e que, com isso, prosseguem castrando a

incidência do conceito de relação de trabalho trazida pelo artigo 114 da Constituição,

merecem veemente repúdio, uma vez que golpeia violentamente a Constituição, seja

9 JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 217.

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desobedecendo o princípio da máxima efetividade, seja obstruindo o acesso à justiça ou

até mesmo ignorando expressas exceções feitas pelos artigos 109 e 110, quando da

definição das competências das justiças federal e estadual.

6. CONCLUSÃO

Após análise das decisões acerca da competência da Justiça do Trabalho para

processar e julgar ações referentes à cobrança de honorários advocatícios e à relação

que envolve falsos trabalhadores temporários torna-se notória e sensível uma tendência

por parte dos Tribunais Superiores em restringir a abrangência do artigo 144 da

Constituição Federal.

No primeiro caso, verificou-se que a jurisprudência não está afinada ao real

alcance da competência material da Justiça do Trabalho, deslocando desta para a Justiça

Comum determinadas causas em que se constata a necessidade de se aplicar o Código

de Defesa do Consumidor ou o Código Civil, quando o critério acertado para se definir

a competência de qualquer juízo é a causa de pedir e o pedido, não a legislação

aplicável a determinado caso concreto.

Já com relação aos julgamentos de ações relativas ao trabalhadores temporários,

o STF vem desconsiderando que, nos casos em que não há o preenchimento dos

requisitos que autorizam essa modalidade de contratação, a relação estatutária mostra-se

inexistente devido ao princípio da supremacia da realidade. Este princípio torna

imperioso o deslocamento para a Justiça Trabalhista, nos termos da antiga Orientação

Jurisprudencial 205 do Tribunal Superior do Trabalho.

Não se pode olvidar que a criação da Justiça Laboral, juntamente com a

ampliação de sua competência devido à nova redação do artigo 114 da Constituição, e

com a aplicação do princípio da proteção, no âmbito processual, são expressões diretas

do princípio da isonomia, cujo significado é que os diferentes devem ser tratados nas

medidas de sua desigualdade. Além disso, garantem também o acesso dos trabalhadores

a uma ordem jurídica justa.

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Portanto, o combate a tais posicionamentos deve ser cada vez mais forte,

refutando-se a tendência atual de se cristalizar interpretações retrógradas. Trata-se de

garantir o cumprimento de vários mandamentos constitucionais como o principio da

separação dos poderes, a competência material da Justiça Trabalhista regulamentada

pela a Reforma do Judiciário, as ressalvas concernentes às causas sujeitas à Justiça do

Trabalho quando do estabelecimento das competências da Justiça Comum, o direito

fundamental do acesso à justiça, o fundamento do valor social do trabalho e, finalmente,

o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

É preciso, pois, adotar-se definitivamente um viés interpretativo amplo, por meio

do combate veemente a posicionamentos equivocados que privam diversos

trabalhadores da devida proteção aos seus direitos, e, consequentemente, de garantir sua

própria dignidade.

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