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A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MODELO DE G ESTÃO INTEGRADA DA POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS M ARIANA SIQUEIRA CARVALHO OLIVEIRA LUCICLEIA SOUZA E SILVA ROLLEMBERG FERNANDA ALVES DOS ANJOS

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A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO

INTEGRADA DA POLÍTICA NACIONAL DE

ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS

MARIANA SIQUEIRA CARVALHO OLIVEIRA LUCICLEIA SOUZA E SILVA ROLLEMBERG

FERNANDA ALVES DOS ANJOS

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Painel 42/128 Organização em rede para a gestão Interfederativa de políticas públicas

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO

INTEGRADA DA POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS

Mariana Siqueira Carvalho Oliveira Lucicleia Souza e Silva Rollemberg

Fernanda Alves dos Anjos

RESUMO

O artigo apresenta a trajetória exitosa de institucionalização do modelo de gestão integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Desde o

início, a Política Nacional tem enfrentado grandes desafios, como a invisibilidade do tema e a necessidade de integração de atores para uma resposta mais efetiva à

questão. Como o tema é transversal e intersetorial, havia baixa adesão dos órgãos, além da ausência de monitoramento e avaliação, e de uma estrutura adequada de coordenação. As autoras do texto participaram do processo de institucionalização do

novo modelo ao assumirem posições estratégicas de condução das mudanças. Assim, o texto se apropria de percepções de campo, bem como de análise documental e bibliográfica sobre a matéria. Após as análises, observa-se que o novo

arranjo institucional, iniciado em 2011 e efetivado em 2013, conta com articulações intragovernamentais e intergovernamentais, com os demais Poderes, organismos

internacionais e sociedade civil, e traduzem-se em instâncias, redes e processos que dão conta da complexidade do tema. A ONU reconheceu a iniciativa como boa prática, tendo sido apresentada à Relatora Especial sobre o tráfico de pessoas

(Bangcoc, 21-22 maio de 2014), e no 13o. Congresso de Prevenção Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas (Catar, 13 abril de 2015).

Palavras-chave: Tráfico de pessoas. Política, plano. Modelo de gestão. Mecanismo

de monitoramento. Intersetorialidade. Governança.

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INTRODUÇÃO

Diversas pessoas se arriscam e saem de suas cidades para outros

estados ou países, com promessas diversas, como as mais variadas ofertas de um

emprego melhor , de um relacionamento amoroso, de viver ou estudar em outro

país, de ter acesso a culturas diferentes, mas acabam enganadas e caindo em

situações de exploração pelo tráfico de pessoas.

Segundo o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do

Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo –

2000), instrumento já ratificado pelo Governo brasileiro pelo Decreto no 5.017 de 12

de março de 2004 , a expressão Tráfico de Pessoas significa:

o recrutamento, o transporte, a transferência, o al ojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à

situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.

O tráfico de pessoas é considerado uma das mais graves violações dos

direitos humanos neste século não somente pelos métodos cruéis utilizados e pela

complexidade do crime, mas pelo fato de afrontar diretamente a condição humana.

São distintas explorações, como a exploração sexual, em condições análogas à de

escravo, para remoção de órgãos, casamentos servis e essa diversidade e

complexidade com que elas ocorrem acabam por dificultar o seu combate. Por isso,

deve ser compreendido como uma questão social complexa e que envolve, em

muitos casos, a privação de liberdade, autonomia e de seus projetos de vida, além

de envolver diferentes formas de exploração e usos da violência. Hoje, é um tema

de grande importância para o Brasil, seja pela sua incidência dentro do país e seja

entre os seus nacionais vivendo no exterior. Pode-se afirmar que o tráfico de

pessoas é a forma moderna da escravidão 1 , ainda invisível para boa parte da

sociedade brasileira e mundial. (Brasil, 2013, p. 216).

1

A expressão “escravidão dos tempos modernos” é inclusive o slogan do Freedoom Project financiado pela rede de televisão internacional CNN. Outra expressão comumente utilizada é “escravidão contemporânea.” Veja Justin Guay, The Economic Foundations of Cont emporary

Slavery.

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Apontado pelas Nações Unidas como uma das atividades ilícitas mais

lucrativas do mundo, o tráfico de pessoas faz milhões de vítimas no mundo todo. E

foi da reflexão desse problema mundial e da preocupação com a identificação desse

fenômeno internamente, bem como com a identificação de diversas vítimas

brasileiras no exterior, que vários órgãos do Governo brasi leiro se uniram para a

aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, ocorrida

em 2006, e do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP),

lançado em 2008. Contudo, havia baixa adesão dos órgãos aos princípios e

diretrizes da Política Nacional e à consecução das metas do I PNETP. Não havia

uma estratégia de monitoramento e avaliação das metas, nem uma estrutura

adequada de coordenação da política pública.

O novo Modelo de Gestão Integrada da Política Nacional, colocado em

prática pela Secretaria Nacional de Justiça, a partir de 2011, possui estruturas,

sistemas e ações que, pautados na transversalidade e intersetorialidade, permitiram

maior efetividade e transparência na execução das metas. A arquitetura desse

modelo de gestão expressa um novo arranjo de governança, focado no

compartilhamento de responsabilidades, no intercâmbio de fluxos e na integração

de ações, e que se evidencia na visibilidade e importância que o tema hoje possui

no país.

Assim, o presente estudo abordará o novo arranjo institucional de

governança da Política Nacional e os mecanismos e fluxo de monitoramento e

avaliação proposto para a implementação dos planos nacionais de enfrentamento ao

tráfico de pessoas.

2 OBJETIVOS

Produzir análises sobre a condução da política de enfrentamento ao

tráfico de pessoas no Brasil; informar sobre os mecanismos e fluxos de

monitoramento e avaliação propostos para a implementação dos planos nacionais

de enfrentamento ao tráfico de pessoas, e demonstrar a institucionalização de

sucesso do novo modelo de gestão integrada.

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3 METODOLOGIA

Este artigo enfoca uma interação do comportamento entre atores que

mobilizam instituições para o desenvolvimento de políticas públicas em determinado

contexto histórico. Nesse sentido se produz uma análise qualitativa sobre a gestão

integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com uma

revisão bibliográfica sobre o modelo, bem como fontes documentais sobre o tema

(decretos, estudos, documentos técnicos, relatórios de atividades entre outros2).

O texto se apropria ainda de percepções de campo tendo em vista que as

autoras do texto participaram desse processo de institucionalização do novo modelo

ao assumirem posições estratégicas de condução das mudanças.

4 A CRIAÇÃO DA POLÍTICA E PLANOS NACIONAIS

A primeira ação concreta brasileira de enfrentamento ao tráfico de

pessoas foi a assinatura em 2001 de projeto de cooperação técnica internacional

entre a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (SNJ/MJ) e o

Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). Executado entre

2 Dado o volume de documentos produzidos para a gestão integrada da Política Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico, apresentamos o rol dos principais consultados para a elaboração deste artigo:

Decreto no 5.948, de 26 de outubro de 2006, que institui a Política Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas;

Memória em relação ao I PNETP – Relatório, Carta de Belo Horizonte;

Relatório do processo de facilitação e das discussões no âmbito do GI e da CETP/DEJUS/SNJ

para a construção do modelo integrado da política e do plano nacional ETP;

Memória das 02 reuniões preparatórias do GI;

Decreto no 7.901, de 04 de fevereiro de 2013 e da Portaria Interministerial n

o 634, de 25 de

fevereiro de 2013, que instituem a coordenação tripartite, o grupo interministerial e o II PNETP;

Memória das reuniões realizadas pelo GI;

Termo de Referência de funcionamento da Coordenação Tripartite e do GI;

Metodologia sobre a gestão integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;

Metodologia sobre o sistema de monitoramento e avaliação do II PNETP;

Informações contidas nos Relatórios de Monitoramento do II Plano Nacional de ETP, nos Relatórios Semestrais da Rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante e no Relatório de Avaliação Externa sobre

o Progresso do II Plano

Conjunto de guias, manuais, relatórios, pesquisas, publicações e documentos produzidos pela Secretaria Nacional de Justiça em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e

Crimes (UNODC) sobre o fenômeno do tráfico de pessoas;

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2001 e 2005, o projeto “Medidas contra o Tráfico de Seres Humanos no Brasil”

concentrou-se estrategicamente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e

Goiás: os dois primeiros tem os maiores aeroportos internacionais do país; os outros

dois foram identificados como importantes locais de origem de vítimas brasileiras.

Para além do projeto de cooperação técnica internacional, e já

incorporando definitivamente o tema na agenda nacional, pela primeira vez foram

incluídas duas ações específicas no Plano Plurianual (PPA) para os anos de 2004-

2007, sob responsabilidade do Ministério da Justiça: uma voltada para a capacitação

de profissionais da rede de atenção às vítimas, outra para a realização de

diagnósticos sobre o tráfico de seres humanos no Brasil (CAMPOS, OLIVEIRA &

GAMA, 2011, p. 233 e 234).

Com a ratificação brasileira do Protocolo de Palermo em 2004,

instrumento internacional de enfrentamento ao fenômeno do tráfico de pessoas,

houve a indução do planejamento e implementação de ações e políticas públicas

focadas em três eixos: prevenção, repressão e atendimento às vítimas. Esse

processo desencadeou a aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas em 2006, que estabeleceu as diretrizes nacionais para o

combate ao crime e foi construída a várias mãos, com o esforço dos órgãos públicos

e da sociedade civil.

Para dar expressão e concretude às diretrizes da Política, foi aprovado o I

Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 3, pelo Decreto no 6.347, de

08 de janeiro de 2008, com metas concretas para a atuação do Estado Brasileiro

num determinado tempo. Ambos os documentos passaram a exigir uma ação

integrada entre os diversos Ministérios, além da cooperação com outros poderes,

entes federados e sociedade civil.

A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, desde o

início da sua implementação, tem enfrentado grandes desafios, como: 1) a

necessidade de uma adequação dos marcos normativos às diretrizes internacionais,

capazes de dotar os agentes públicos de ferramentas para o seu enfrentamento; de

alertar a sociedade brasileira que tal crime existe e é recorrente em nosso contexto;

3 Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasil: Ministério da Justiça, 2008,

p. 12.

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2) provocar as distintas políticas públicas para respostas integradas a esta questão;

3) produzir informações mais qualificadas para o diagnóstico do tema no contexto

brasileiro; 4) a necessidade de integração de vários órgãos e poderes, além da

sociedade civil, setor privado e organismos internacionais, para que as ações sejam

efetivas.

Ocorre que, apesar de se tratar de um tema transversal e intersetorial, no

início da implementação da política identificou-se que havia uma baixa adesão dos

órgãos aos seus princípios e diretrizes e, por conseguinte, à consecução das metas

do I PNETP. O Relatório Final deste I Plano Nacional4 procurou revelar à sociedade

o que foi realizado. Todavia, como não havia uma sistemática de monitoramento e

avaliação efetiva, este documento teve muito mais uma característica de relatar

ações realizadas, em especial as entregas do Ministério da Justiça, do que produzir

análises sobre os alcances e desafios encontrados.

Da análise do formato tradicional nesta gestão política num primeiro ciclo,

foram verificado os problemas: 1) baixa adesão dos órgãos à Política Nacional e

Planos Nacionais; 2) invisibilidade do tema; 3) necessidade de integração de vários

atores envolvidos; 4) Ausência de estratégia de monitoramento e avaliação.

Ademais, era flagrante a ausência de uma estrutura adequada de coordenação da

política pública.

Este diagnóstico foi identificado quando o Departamento de Justiça,

Classificação, Títulos e Qualificação – DEJUS, por meio da Portaria SNJ no 10, de 9

de maio de 2011, tornou-se responsável para coordenar as ações de enfrentamento

ao tráfico de pessoas.

O processo de construção do II Plano trouxe à tona elementos que

justificavam este diagnóstico preliminar e alimentaram a necessidade de se avançar.

Tal processo foi desenvolvido de forma participativa, com a realização de Plenárias

Livres (inspiradas em modelos conferenciais como as Conferências Livres realizadas

no âmbito da Conferência Nacional de Juventude e na Conferência Nacional de

Segurança Pública), nas quais houve a inédita participação de comunidades de

4 Relatório Final de Execução do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasil: Ministério da Justiça, 2010. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=

{A0E63080-7609-4BA9-9BFD-75EEB60B35A1}>

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brasileiros residentes no exterior (parceria com o Ministério das Relações

Exteriores), colóquios, diálogos com os Ministérios, análise dos compromissos

internacionais assumidos pelo governo brasileiro, pesquisas entre outros

instrumentos e espaços. (ANJOS & OLIVEIRA, 2012, p. 79)

A proposta do II PNETP, vinda deste processo tão diversificado de

debates e interações, foi levada ao II Encontro Nacional da Rede de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas, realizado entre 7 e 9 de novembro de 2011, em Recife – PE,

com a presença de mais de duzentas instituições de diversos segmentos sociais. O

II Encontro Nacional foi, assim, a reunião mais ampla da rede brasileira de

organizações governamentais e não governamentais que enfrentam o tráfico de

pessoas em suas diversas expressões. Durante o encontro foi possível consolidar o

II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas com a promoção de

debates para a coleta de contribuições para a elaboração do seu sistema de

monitoramento e para a constituição do Comitê Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas, o CONATRAP. (Ministério da Justiça, 2013, p. 229)

Assim, com a mobilização para a construção participativa do II PNETP, o

referido Departamento identificou as falhas de gestão da Política Nacional, e

conseqüentemente a necessidade de se consolidar um modelo de integrado que

fosse mais efetivo, participativo, responsivo e transparente.

Para a criação do II PNETP elaborou-se estratégia qualificada para que

houvesse um real avanço na gestão das ações de ETP. Primeiro, identificou os

gargalos gerenciais e políticos da consecução da Política Nacional e dos seus Planos.

Em seguida, propôs novo modelo de gestão integrada, a partir de um amplo processo

participativo, que foi levado aos parceiros e, finalmente, à Presidência da República,

que culminou com a publicação do Decreto no 7.901, de 4 de fevereiro de 2013.

Com a consolidação do novo modelo foram instituídas as duas

importantes estruturas para a coordenação das ações de Enfrentamento ao Tráfico

de Pessoas, ou seja, a Coordenação Tripartite da Política Nacional e o Comitê

Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – CONATRAP, bem como foi

delegada a atribuição à Coordenação Tripartite para, por meio de portaria

interministerial, aprovar o II PNETP e a constituição do Grupo Interministerial para

seu monitoramento e avaliação, o que ocorreu por meio da Portaria Interministerial

no 634, de 25 de janeiro de 2013.

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5 O NOVO ARRANJO INSTITUCIONAL: A REFUNDAÇÃO DO MODELO

Um formato tradicional de gestão pública setorial não daria conta de

enfrentar com eficiência, efetividade e transparência um tema complexo como o

tráfico de pessoas. O novo modelo que culminou com o Decreto, acima citado, é o

resultado do esforço em várias frentes de se qualificar a implementação pelo

Governo Federal de ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas em três

abordagens: prevenção, repressão e responsabilização dos autores, e atenção às

vítimas. Assim, mais do que criar novos espaços que assumam a função da

implementação da Política Nacional e dos Planos Nacionais de enfrentamento ao

tráfico de pessoas, é necessário definir como deve ser gerenciada uma área que

depende de todas as demais para ser exitosa5.

A gestão integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas traduz-se na articulação e coordenação das seguintes instâncias, redes e

processos mapeados, a saber:

i) Coordenação Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

(CETP): órgão instituído no âmbito do Departamento de Justiça,

Classificação, Títulos e Qualificação para que atue como

coordenação executiva da Política Nacional e dos seus Planos

Nacionais, bem como de todos os demais espaços e processos

vinculados;

ii) Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas; composta pelo Ministério da Justiça (Secretaria

Nacional de Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública,

Departamento de Polícia Federal e Departamento de Polícia

Rodoviária Federal), Secretaria de Políticas para as Mulheres e

5 Para se idealizar este novo modelo de gestão integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas, além do esforço da equipe do DEJUS, houve o auxílio da consultora especializada Ofélia Ferreira da Silva, contratada por meio de projeto de cooperação técnica internacional com o UNODC (BRA/11/X63). A consultoria tinha como escopo “realizar estudo para a

proposta do modelo de gestão integrada e intersetorial do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”. Os produtos desta consultoria são utilizados como referência pa ra a construção do presente artigo e disponíveis em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-

pessoas/politica-brasileira/gi-monitoramento

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Secretaria de Direitos Humanos, ambas da Presidência da República;

seu papel é coordenar a gestão estratégica e integrada da Política

Nacional e dos seus Planos Nacionais;

iii) Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

(CONATRAP): espaço participativo intersetorial para avanço do tema

no Brasil, composto por órgãos do governo federal, organizações da

sociedade civil, Conselhos Nacionais de políticas relacionadas ao

tema, rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e

Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante,

Comitês Estaduais e do Distrito Federal de Enfrentamento ao Tráfico

de Pessoas, além de convidados do Poder Judiciário e do Ministério

Público. Destaca-se que a previsão de cadeiras para dez Conselhos

Nacionais que dialogam com a temática é uma experiência inédita e

incentivada pela Secretaria-Geral da Presidência da República;

iv) Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do II PNETP

(GI): Grupo formado pelos 17 Ministérios envolvidos na

implementação do II PNETP tem entre suas principais atribuições

monitorar e avaliar o II Plano, em suas metas de curto, médio e longo

prazos até 2016; propor ajustes técnicos e de prioridades; e, coletar,

difundir e disseminar informação entre os organismos

implementadores e para toda a sociedade. O Sistema de

Monitoramento e Avaliação do II PNETP aprovado pelo Grupo e

Secretariado no âmbito da CETP se traduz nas reuniões e entrega de

relatórios sobre o progresso da implementação das metas

quadrimestralmente; há um modelo de apresentação que é seguido

por todos os membros do GI e o relatório de consolidação das

informações é disponibilizado ao público por meio do Portal Justiça;

v) Rede de Núcleos e Postos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas:

a CETP coordena esta Rede de cooperação federativa formada por

Núcleos Estaduais de Enfrentamento Tráfico de Pessoas e os Postos

Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, iniciados por

meio de convênios com o Ministério da Justiça com estados, o DF

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e municípios. Tais estruturas apresentam relatórios semestrais de

atividades que também dialogam com o II PNETP e que são

disponibilizados pelo Portal Justiça, bem como as memórias das

Reuniões Técnicas realizadas com toda a Rede de duas a três vezes

ao ano. A CETP coleta as informações das atividades da rede, por

meio de relatórios semestrais, que também dialogam com as metas

do II PNETP, e as disponibiliza no Portal Justiça.

A refundação do novo modelo de Gestão exigiu o esforço na construção

de um processo de harmonização da atuação dos órgãos e Redes de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas, em especial nos seguintes eixos:

a) Capacitação de atores: voltado para o esforço de construir uma Matriz

Nacional de Formação em ETP 6 , bem como modelos de projetos

pedagógicos e manuais práticos que subsidiassem os ciclos de

capacitações e sensibilizações para o tema;

b) Atendimento: harmonização nos procedimentos de atendimento da

Rede, nos fluxos de encaminhamento dos casos e nos formulários que

geram dados e permitem sua compatibilização em um sistema nacional

básico para gerar estatísticas de monitoramento confiáveis;

c) Aprimoramento de mecanismos de coleta de dados: promoção da

sistematização das pesquisas e dados existentes sobre o tráfico de

pessoas no Brasil e desenhar metodologia para coleta de informações.

Após a elaboração da nova estratégia de gestão da coleta de dados,

fruto da criação coletiva construída pelo Grupo de Trabalho de

Metodologia Integrada de Informação (Estatísticas Criminais) sobre

tráfico de pessoas para o Sistema de Segurança Pública e Justiça –

GT Dados Criminais 7 , foram consolidados e lançados o primeiro

Relatório Nacional, com os dados de 2005 a 2011, e o segundo

Relatório Nacional com dados de 2012;

6 De acordo com a Matriz de Formação. Disponível em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-

de-pessoas/formacao-em-etp 7

Informações sobre a referida metodologia podem ser encontradas no link http://www.justica. gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/metodologia-integrada-de-coleta-e-analise-

de-dados

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d) Fortalecimento da gestão do conhecimento: com a refundação da

gestão e definição de novas estratégias, também se fortaleceu a

gestão do conhecimento, em especial na produção de pesquisas e

estudos sobre o tema, com parcerias reconhecidas internacionalmente

como o International Centre for Migration Policy Development (ICMPD)

e o UNODC. Neste aspecto, registra-se a realização da inédita

pesquisa sobre o fenômeno nas fronteiras secas brasileiras

(“Diagnóstico ENAFRON”), o diagnóstico da atuação da Rede de

Núcleos e Postos que derivou o Guia de Atuação, o Guia de Referência

e o Guia de Formação; o mapeamento de programas e serviços que

podem ser referenciados pela Rede de Núcleos e Postos no

atendimento às vítimas; etc.

Esse novo cenário da gestão integrada da Política Nacional de ETP

revela-se na afirmação de novos princípios gerenciais que impactam positivamente

nesse novo modelo, conforme estudos realizados para a concretização da sua

implementação8.

Primeiramente, o princípio da transversalidade intersetorial em que o êxito

da ação depende da atuação articulada de diferentes setores de políticas públicas e

de organização da sociedade civil, sem privilégios de poderes uns sobre outros,

mantendo-se, contudo, a priorização temática necessária a uma resposta adequada

e adaptada aos casos concretos de tráfico de pessoas; importante destacar que este

princípio também garante que se preserve e reconheça os limites dos processos

decisórios dentro do espaço de gestão integrada (especialmente o Comitê Nacional),

considerando que as ações a serem tomadas a partir de recomendações geradas

estejam ancoradas em diferentes organizações com uma grande diversidade de

rotinas, prioridades, culturas organizacionais etc.

O princípio da co-responsabilidade na tomada de decisão que pressupõe

que o enfrentamento ao tráfico de pessoas não é uma política de responsabilidade

de uma única área de governo – as responsabilidades pela implementação efetiva

8 Estudos realizados por meio de consultoria especializada, com auxílio e a validação da equipe

DEJUS, conforme explicitado previamente.

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são dos diferentes atores governamentais nos aspectos específicos que dizem

respeito às suas áreas; a presença e atuação dos atores articulados podem garantir

o êxito, na mesma medida em que a ausência de atores-chave pode gerar o

fracasso na garantia de direitos das vítimas.

O princípio do respeito ao pacto federativo com enfatiza o respeito às

autonomias, atribuições, compromissos e responsabilidades de cada ator

governamental numa articulação vertical do pacto federativo (níveis federal, estadual

e municipal), ainda que para o nível federal seja recomendável exercer um papel de

apoio e fortalecimento dos demais níveis durante o período de tempo no qual as

políticas estaduais e municipais ainda estejam conquistando mais solidez em termos

de gestão, recursos financeiros e técnicos.

Por fim, o princípio da participação social com estímulo à participação das

organizações da sociedade civil no modelo de gestão integradora para o

enfrentamento ao tráfico de pessoas, considerando que o conhecimento, os

recursos técnicos, a capilaridade e a visão crítica que aportam tais organizações

contribuem para aprimorar a implementação da Política Nacional e dos Planos

Nacionais.

Este novo arranjo institucional contou com articulações intra-

governamentais (pelo menos 17 Ministérios estão envolvidos) e

intergovernamentais, nos três níveis de governo, com os demais Poderes Judiciário

e Legislativo, incluindo o Ministério Público, além de organismos internacionais, dos

quais destacamos UNODC, ICMPD e OIT, tendo sido validado pelo CONATRAP.

A iniciativa, ora narrada, foi reconhecida como uma boa prática pelas

Nações Unidas e foi apresentada à Relatora Especial sobre o tráfico de pessoas,

especialmente mulheres e crianças, na segunda reunião de consulta sobre o

fortalecimento de parcerias com os relatores nacionais em matéria de tráfico de

pessoas e de mecanismos equivalentes (Bangkok, 21-22 maio de 2014).

Ademais, em demandas multilaterais e bilaterais (Egito, Filipinas e

outros), o Brasil tem sido convidado a apresentar tal modelo como uma experiência

a ser replicada. O novo modelo também foi apresentado na IV Reunião de

Autoridades Nacionais em Matéria de Tráfico de Pessoas da Organização dos

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Estados Americanos (Brasília, 4 e 5 de dezembro de 2014) e no side event

“Countering human trafficking in the Americas: building governmental coordinating

mechanisms” organizado pelo UNODC no 13o Congresso de Prevenção Crime e

Justiça Criminal das Nações Unidas (Catar, 13 abri l de 2015).

Para compreender melhor a atuação integrada desses atores em

processos e atribuições no marco da Política Nacional foram elaborados os

seguintes diagramas que apresentam uma visão gráfica numa ação aplicada ao

enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil9:

Ministérios

Conselhos Nacionais

Comitês

Estaduais de

ETP

Observatório

Nacional de

ETP

Vítimas de TP

Sociedade

Grupo

Interministerial de

Monitoramento e

Avaliação do PNETP

Judiciário e

Ministério

Público

Legislativo

Núcleos e

Postos de

ETP

Organizações

Sociais

Fluxo de alimentação: informações de contexto, análises, demandas sobre políticas de Estado nacionais, estaduais e/ou municipais, questões para posicionamento público,

temas para articulação com outros poderes etc

Informação sobre

tomada de

decisão retorna

Prestação de contas

pública

Fluxo entre

atores nos

espaços de

gestão

integrada de

ETP

Organismos

Internacionais

Comitê

Nacional

Coordenação Tripartite

9 Fluxos disponíveis em Propostas para um Modelo de Gestão Transversal Integrada da Política Nacional de ETP, disponível em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-

brasileira/anexo_gi_-monitoramento/gestao-integrada-da-politica.pdf , Ministério da Justiça.

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Não há ainda um histórico de lições aprendidas no Brasil quanto ao

enfrentamento do tráfico de pessoas. Os marcos legais, os modelos institucionais de

serviços e programas públicos, as metodologias de trabalho, as capacidades

técnicas de equipe, os recursos financeiros estão ainda em processo de

consolidação, numa intensa fase de aprendizagem e intercâmbio de práticas. Assim,

enfrentar o tráfico de pessoas é por essência uma inovação na atual gestão de

políticas públicas brasileira.

Com a finalização do primeiro ciclo de implementação da Política

Nacional e o diagnóstico da necessidade de qualificação da gestão para que a

execução do II PNETP, o referido arranjo e a constituição das mencionadas

instâncias foram fundamentais para que as ações trouxessem melhores resultados e

houvesse uma real consolidação desta política pública no cenário nacional.

Esta perspectiva de atuação encontra ressonância no que a literatura tem

convencionado descrever como redes de gestão. São os espaços de produção de

políticas públicas em que as redes são entendidas como fundamentais para lidar

com problemas complexos, onde há múltiplos atores envolvidos, em que interagem

agendas locais e centrais, com recursos escassos e demanda crescente por

participação cidadã.

Dessa forma, o Ministério da Justiça e em seguida os parceiros mais

próximos como a SPM/PR e a SDH/PR (que haviam sido convocados no início do

processo de construção da Política Nacional em 2006) foram sensibilizados a

abraçar a ideia de refundação da gestão da Política Nacional de ETP. Os Ministérios

envolvidos com o tema e novos atores foram inseridos no processo e o trabalho final

foi então, referendado pela Presidência da República.

Dentro do Ministério da Justiça, o trabalho da equipe da Coordenação

Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e da assessoria e direção do

Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, com o apoio de

consultorias especializadas e pontos focais de outros órgãos, foi essencial para que

tal modelo fosse aplicado e – mais ainda – sustentado ao longo dos últimos anos.

Além do Ministério da Justiça e de sua Secretaria Nacional de Justiça

e demais órgãos como Secretaria Nacional de Segurança Pública, o Departamento

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de Polícia Federal, Departamento de Polícia Rodoviária Federal, contribuíram

ativamente para esse processo a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a

Secretaria de Direitos Humanos, ambas, da Presidência da República.

Entre os principais objetivos deste modelo de gestão integrada da Política

Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas estão: 1) Proceder com uma

verificação permanente e continuada dos avanços e dificuldades técnicas,

conceituais, legais, políticas e/ou institucionais para a implementação dos Planos

Nacionais; 2) Negociar e acordar soluções para as dificuldades e desafios

institucionais de implementação dos Planos Nacionais, a serem compartilhadas

entre os atores envolvidos no enfrentamento, em parcerias entre as instituições de

diferentes pastas, governamentais e não governamentais, e entre os diferentes

níveis do pacto federativo; 3) Mapear as temáticas sobre as quais se necessita

tomar decisões e proceder com encaminhamentos adicionais relacionados à Política

Nacional; 4) Gerar procedimentos regulares nas três áreas da Política (atenção às

vítimas, responsabilização e prevenção) contribuindo para que se incorporem com o

tempo de forma sólida nas rotinas de programas e serviços públicos; 5) Ampliar e

aperfeiçoar a atuação de instâncias e órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico

de pessoas, na prevenção e repressão do crime, na responsabilização dos autores,

na atenção às vítimas e na proteção de seus direitos; bem como 6) Fomentar e

fortalecer a cooperação entre órgãos públicos, organizações da sociedade civi l e

organismos internacionais no Brasil e no exterior envolvidos no enfrentamento ao

tráfico de pessoas.

O monitoramento e a avaliação deste novo Modelo de Gestão Integrada

da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas se fazem, em primeiro

lugar, pelo acompanhamento sistemático do funcionamento contínuo e efetivo das

instâncias que o compõem, ou seja, Coordenação Tripartite, CONATRAP, Grupo

Interministerial, CETP e Rede de Núcleos e Postos, por meio de indicadores como

realização de reuniões e produção de relatórios, memórias e atas, além de análises

periódicas da efetividade dessas instâncias feitas por agentes externos ou internos .

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Destaca-se que o Sistema de Monitoramento e Avaliação do II PNETP –

que pelas suas metas também monitora o grau de sucesso do novo modelo de

Gestão Integrada da Política Nacional – bebeu da fonte de referências nacionais e

internacionais para estabelecer um sistema próprio que fosse eficaz para uma

política pública transversal e intersetorial.

No Sistema de Monitoramento e Avaliação do II PNETP atuam o Grupo

Interministerial de Monitoramento e Avaliação do PNETP10, a Coordenação Tripartite

e o Comitê Nacional de ETP e a CETP. De forma sucinta, o fluxo de monitoramento

envolve os seguintes momentos: os Ministérios que compõem o Grupo

Interministerial enviam seus relatos à CETP/SNJ/MJ que compila as informações e

as submete tanto a Coordenação Tripartite quanto à Comissão Permanente de

Monitoramento do II PNETP do CONATRAP. Ambas instâncias produzem uma

análise crítica sobre o relatório, indicando lacunas e progresso na implementação do

II Plano. Por fim, a Coordenação Tripartite apresenta a devolutiva dessas análises

ao Grupo Interministerial e, em seguida, o documento é publicado para o acesso da

sociedade, conforme fluxograma11:

10

Metodologia disposta no Termo de Referência do Grupo Interministerial, disponível no portal do Ministério da Justiça. Disponível em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-

pessoas/politica-brasileira/gi-monitoramento 11

Fluxos disponíveis em Propostas para um Modelo de Gestão Transversal Integrada da Política Nacional de ETP, disponível em <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-

brasileira/anexo_gi_-monitoramento/gestao-integrada-da-politica.pdf>

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Os indicadores do II PNETP podem ser vistos e monitorados por meio dos

relatórios quadrimestrais periodicamente publicados no Portal Justiça 12.

Todavia, para a gestão cotidiana do referido sistema, foram se

identificando obstáculos e soluções que visaram superá-los. Buscamos refletir no

quadro a seguir esses desafios:

12

Como são visualizados por meio de complexas matrizes, é possível acessá-los em:

<http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/gi-monitoramento>

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Obstáculos Soluções

Queda da participação de um ou mais

Ministérios

Reuniões bilaterais

Acesso à Secretaria Executiva do

Ministério

Troca permanente de pontos focais nos

demais órgãos envolvidos

Memória bem registrada do

desenvolvimento das ações

Reunião de atualização dos novos atores

Mudança de equipe da

CETP/DEJUS/SNJ/MJ

Rotinas de trabalho bem definidas

Esforço de capacitação e atualização dos

novos membros

Sistema de Monitoramento e Avaliação

do II PNETP em formato manual

Sistema informatizado em negociação

com a SDH/PR para o aproveitamento da

plataforma de monitoramento do PNDH3,

conforme a metodologia de

monitoramento do II PNETP

Demora na aprovação final do marco

legal do II PNETP e do novo Modelo de

Gestão Integrada

Instâncias em alguma medida

funcionando informalmente antes da

formalização

Estratégias de acompanhamento

constante dos fluxos de aprovação, para

solução imediata de gargalos

A este processo, soma-se, no início de 2014, a publicação dos Relatórios

Semestrais 13 da Rede de Núcleos e Postos de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas, que complementa a visão do alcance das ações realizadas no âmbito dos

Estados, DF e Municípios como entregas para a Política Nacional de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas e para o monitoramento das metas que esperam resultados

de uma cooperação federativa para o tema.

13

Os relatórios semestrais foram desenhados e aprovados pela Rede de Núcleos e Postos para

serem implementados a partir de 2014. Tais instrumentos buscam revelar informações sobre as ações desenvolvidas pela Rede, a riqueza das atividades realizadas, espelhar os instrumentos de coletas de dados, dando maior transparência e insumos para a gestão da Política e dos planos

nacionais. Uma consultoria técnica foi contratada para auxiliar na construção deste instrumento. Para saber mais sobre os relatórios semestrais, acesse em: <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-enfrentamento/1o-relatorio-semestral-da-rede-de-nucleos-e-

postos>

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Assim, com a execução do novo modelo de gestão verificou-se a alta

adesão dos órgãos envolvidos, que pode ser verificada, de forma inicial, por meio do

funcionamento contínuo e efetivo das instâncias com reuniões periódicas que vêm

ocorrendo da seguinte forma: a) Coordenação Tripartite – Reuniões mensais; b)

Grupo Interministerial – 6 Reuniões Quadrimestrais e 5 Relatórios de Monitoramento

produzidos; c) CONATRAP –3 Reuniões anuais; d) Rede de Núcleos e Postos de

ETP, já tendo sido realizadas dez reuniões técnicas entre 2011 e 2014.

Para sanar a invisibilidade do tema, buscou-se atribuir novo status ao

tema, o que pode ser checado via órgãos governamentais nas três esferas de

governo informados e qualificados; demais poderes sensibilizados e envolvidos com

o tema (CPIs, novos Projetos de Lei, envolvimentos dos atores do sistema de justiça

etc); sociedade civil conscientizada por meio de campanhas e outras ações de

sensibilização; e meios de comunicação envolvidos com o tema, com produção

específica (novela, reportagens especiais, publicações etc.).

Intensificou-se a integração de atores em instâncias específicas já

identificadas, bem como em espaços de integração e troca de informações e

experiências institucionalizados.

Vale registrar, que no início de 2015 foi publicado o Relatório da

Primeira Avaliação Externa de Progresso do II Plano Nacional de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas14. Esse documento reúne análises sobre o funcionamento

do sistema de monitoramento e o progresso das 115 metas e 14 atividades do II

PNETP. Essa primeira avaliação tinha por objetivo apresentar os principais

resultados dos primeiros 19 meses de execução do II PNETP, visando aperfeiçoar

a execução do sistema de monitoramento e avaliar o nível de progresso das metas

e das atividades.

14

Avaliação sobre o progresso do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (II PNETP). Brasil: Ministério da Justiça, 2014. Disponível em <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/arquivos-geral/avaliacao-do-ii-

pnetp_publicau00e7u00e3o.pdf>

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Para esta avaliação externa realizada durante o processo de

implementação do II Plano, pretendia-se conhecer como estavam os primeiros

passos da intervenção, sendo possível realizar ajustes ainda em curso e projetar

expectativas de alcance e cumprimento da ação conforme objetivos esperados.

Ademais, essa avaliação intermediária permitiu realizar uma análise

profunda sobre os avanços e as dificuldades encontradas pelos órgãos na execução

de suas metas e subsidiará a adoção das estratégias necessárias para as tomadas

de decisões que permitirão uma melhor execução do II PNETP, para os últimos dois

anos de sua vigência, que se encerra em 201615.

Para o sucesso da iniciativa, foi fundamental a liderança qualificada da

Secretaria Nacional de Justiça na estruturação do novo modelo de Gestão

Integrada, com a priorização interna do tema; o engajamento e comprometimento da

equipe da Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; o envolvimento

significativo de todos os órgãos envolvidos, incluindo os demais Poderes,

estimulados pela constância e efetividade das ações; funcionamento permanente e

efetivo das instâncias do novo Modelo de Gestão Integrada; formulação de parcerias

de sucesso com organismos internacionais, em especial UNODC e ICMPD; o

fortalecimento da cooperação federativa com a Rede Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas e a sensibilização e engajamento de meios de comunicação.

15

Importante ressaltar que essa avaliação intermediária baseou-se nos quatro primeiros relatórios de

progresso produzidos pelo Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do II PNETP, composto por 17 ministérios, sendo 25 órgãos federais no total. As 115 metas previstas no II PNETP, foram avaliadas em quatro categorias, ou seja, ótimo, bom, ruim e péssimo. Dos resultados

principais apresentado, segundo os indicadores de gestão de progresso,estão: 54 metas foram consideradas com ótimo progresso, 28 metas com bom progresso, sendo 12 metas consideradas com um progresso ruim e, somente, 02 com péssimo progresso. Deste resultado, foi possível, então,

identificar as metas que o governo federal deve seguir avançando e as que devem receber especial atenção nos próximos dois anos de vigência do plano. Por fim, a análise geral das 14 atividades previstas no II PNETP foi positiva e demonstrou que o II PNETP está com progresso de 81,8% da

média geral, o que equivale a um ótimo e bom avanço intermediário de implementação do plano.

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CONCLUSÃO

Os desafios para o enfrentamento ao tráfico de pessoas são inúmeros,

que vão desde a própria complexidade do fenômeno até a invisibilidade do

problema. Contudo, já há alguns anos os órgãos públicos, sociedade civil e agências

internacionais tem se movimentado em busca de soluções para tal questão.

A Refundação do Modelo de Gestão Integrada da Política Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é uma inovação, pois traduz a construção e

formalização de um novo e efetivo arranjo de governança de política pública,

caracterizado pelo compartilhamento de responsabilidades, pelo funcionamento de

intricados fluxos e instâncias, pelo aumento de capacidade local para responder ao

fenômeno e pela complexidade de estrutura que dão conta da transversalidade e

intersetorialidade do tema, e que se evidencia na visibilidade e importância que o

tema hoje possui no país.

Essa iniciativa fundamenta-se também nas seguintes características:

1) consolidação das instâncias e grau de envolvimento dos atores estratégicos;

2) transparência e accountability que permeiam toda a implementação da política

pública, o que gera também uma adequada documentação, memória e publicidade

dos atos; 3) produção de resultados visíveis, monitorados por instrumentos

adequados e periodicamente publicizados; 4) adensamento e capilarização da Rede

Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e de políticas regionais e locais

de ETP; 5) pelos efetivos instrumentos e espaços de controle social, já que a Política

Nacional tem como pressuposto a participação social.

As políticas públicas iniciadas na década passada buscaram envolver

distintos atores governamentais e não governamentais na sua formulação, mas não

logram desenhar um arranjo institucional sustentável para a coordenação integrada

da política nas três frentes previstas no Protocolo de Palermo, ou seja, prevenção,

repressão e atendimento.

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Assim, a formalização do modelo e a liderança política dos atores

envolvidos foi de fundamental importância para agregar os diversos interlocutores na

execução dessa política pública. A instituição do Comitê Nacional de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas foi avanço significativo no fortalecimento dos canais

democráticos de produção e controle social desta política pública.

A complexidade do tema requer o envolvimento de distintos atores a

respostas de diversas políticas públicas para enfrentar essa complexa questão

social. A atuação conjunta e articulada, institucionalizada no marco da refundação

da Política Nacional, com a união de esforços dos mais diversos setores e políticas

públicas, vem gerando respostas mais efetivas para o enfrentamento ao fenômeno.

A intersetorialidade dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas e sua capacidade de diálogo e interconexão com os demais planos

existentes caracterizam fortemente a Política Nacional. O enfrentamento ao tráfico

de pessoas requer uma ação efetiva e eficiente, articulada entre diferentes políticas

públicas. A Política Nacional não objetiva substituir estruturas, sistemas e

procedimentos existentes, mas fazê-los capazes de proteger e assistir as vítimas,

responsabilizar formalmente os perpetradores e seus colaboradores diretos e

indiretos, e promover maior consciência preventiva sobre o crime junto às diferentes

opiniões públicas. Tal princípio deve ser cada vez mais fortalecido na

implementação das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

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REFERÊNCIAS

ANJOS, Fernanda A. dos & Abrão, Paulo. Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil: Perspectivas e Desafios. In: Tráfico de pessoas: uma abordagem para os

direitos humanos. Organização de Fernanda Alves dos Anjos ... [et al.]. – Brasília:

Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2013.

ANJOS, Fernanda A. dos & OLIVEIRA, Mariana S. de Carvalho. Política Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: transversalidade, complexidade e desafios. In: Tráfico de Pessoa e Trabalho Escravo. 1ª edição. Brasília: Edição CNBB. 2012.

CAMPOS, Bárbara P. OLIVEIRA, Mariana S. de Carvalho & GAMA, Ivens M. “O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? Notas sobre a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”. In: Desafios e Perspectivas

para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Coleção Educando para

os Direitos Humanos: Pautas Pedagógicas para Cidadania na Universidade Vol.II.

Brasília: Ministério da Justiça, 2011.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Pesquisa ENAFRON Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira. Secretaria Nacional de Justiça. Brasília, 2013.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Cartilha do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2013.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Propostas para um Modelo de Gestão Transversal Integrada da Política Nacional de ETP. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça,

2012.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Relatório Final de Execução do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça,

2010.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – versão trilíngue. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2008.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2008.

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AUTORIA

Mariana Siqueira Carvalho Oliveira – Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Coordenadora de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2012-2013). Assessora do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça.

Endereço eletrônico: [email protected] / [email protected]

Lucicleia Souza e Silva Rollemberg – Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio

Vargas. Delegada de Polícia Federal. Coordenadora Adjunta de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (desde 05/2012). Ministério da Justiça.

Endereço eletrônico: [email protected] / [email protected]

Fernanda Alves dos Anjos – Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da

Universidade de Brasília. Diretora do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (2011-2015). Assessora do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul .

Endereço eletrônico: [email protected] / [email protected]