A Insistência Da Imitação_luiz Costa Lima

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    dossiê

    A INSISTÊNCIA DA IMITAÇÃOLuiz Costa Lima discute seus equívocos na interpretação de Graciliano Ramos e Carlos

     Drummond de Andrade

    Em vez de converter o tema proposto em algo semelhante a uma confissão leiga, equivalente a“confesso sim que errei quando não apreciei o valor do autor x”, pareceu-me prefervel esta!eleceruma reflexão mais ampla so!re a questão do erro cometido em modalidades distintas de escrita"

    #ara quem tenha uma meta previamente esta!elecida, a ser alcan$ada mediante a reprodu$ão deuma f%rmula, a escrita & apenas um meio" ' escrita não tem então mist&rio algum" #ara seupraticante, trata-se apenas de dominar um padrão rotineiro" (uponho que esta modalidade tem noescrivão seu modelo por excelência" (ua fun$ão & reproduzir algo que outro escrivão faria domesmo modo) seu erro consistiria em desviar-se do rotineiro" *ão sei como se d+ a aprendizagemdo escrivão, se h+ escrituras menos !em redigidas ou apenas o mesmo tipo" ' questão do erronãoerro na escrita ou não se pe ou & identificada automaticamente"

    .+ não & o caso para o praticante das chamadas ciências “duras”" Esse acerta ou erra ou, pelarepeti$ão dos procedimentos legitimados, nem sequer ousa falhar" /as o hard scientist  ainda nãoca!e na indaga$ão a ser aqui feita" Como ele tra!alha com conceitos, seu limite ou & o horizonte deconceitos 0+ esta!elecidos ou a !usca de conceituar o ainda desconhecido" 1 novo a conquistar,por&m, ser+ acat+vel desde que este0a formulado em conceitos, tornando-se passvel de ser testado"(e o cientista for da estirpe dos inventores, de *iels 2ohr, de Einstein, de 1ppenheimer ou deoutros poucos, poder+ sa!er que sua desco!erta & passvel de ser desdo!rada" /as, sendo pr%priodos conceitos nas ciências duras reunir 3 unicidade de seu enunciado a possi!ilidade dematerializar-se em uma t&cnica operacional, a inquietude do inventor, mesmo quando exista, não &

    inerente 3 sua condi$ão) ou se0a, não & uma marca que o caracterize" Este segundo caso, porconseguinte, se restringe a uma +rea em que a formula$ão esta!elecida s% adquire dignidade por suainteireza conceitual"

    (ucede que a linguagem conhece, al&m do conceito, campo de maior extensão4 o campo da imagem,de que a met+fora & sua figura mais difundida" *essa extensão, h+ por certo met+foras ornamentais,apenas astutas ou que não passam de aproxima$es do conceitu+vel" /as, como 5ans 2lumen!ergcome$ar+ a explorar nas 6ltimas d&cadas do s&culo passado, h+ “met+foras a!solutas”, isto &, quedizem de uma experiência de mundo que não ca!e na univocidade de um conceito" Como, porexemplo, se poderia conceituar 7mundo89 :ittgenstein dir+ que “o mundo & tudo que acontece”;“all ist”?" *ão sei se os =ittgensteinianos concordarão) a mim a

    formula$ão parece ir@nica e propunha a inconceitualidade do mundo"1 m+ximo da linguagem imag&tica est+ na poesia" Auando Bngaretti escreve sua primeira“/attina” “/8illumino d8immenso” escreve um estado ou instante que não se formula senãopor uma met+fora a!soluta, inscrita por cada particular e pela fon&tica italiana de seus dois versos"

    'o referir-me ao caso da poesia, não pretendo insinuar que a crtica liter+ria se0a entendida comoum gênero liter+rioD (ua luta, neste ponto idêntica a do cientista social e do fil%sofo, & estaro!rigada a !uscar conceitos, sa!endo de antemão que, no m+ximo, alcan$ar+ conceitos fantasmais,ou se0a, afirma$es cu0o lastro metaf%rico, ainda que reduzido ao m+ximo, não provoque adissipa$ão de uma certa plurivocidade metaf%rica" ;(e0a por exemplo o conceito =e!eriano de

     Entzauberung ;desencantamento?, tomado como caracterstico do mundo moderno" claro que o

    desencantamento supe a perda do prestgio do religioso, por extensão do teol%gico" /as significar+isso que o moderno tem uma !ase pr%pria em que assenta9 1u a Entzauberung apenas remete a umem!asamento teol%gico, mantido enquanto denegado9 *a impossi!ilidade de haver um la!orat%rio

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    em que se verifique se o mundo moderno tem tal !ase, a!re-se lugar para a o!ra magistral de2lumen!erg, Die Legitimitt der !euzeit  ;' Legitimidade dos tempos modernos?, que, apesar deseu tamanho e dos argumentos desenvolvidos, não calar+ a polêmica entre os que aceitam ou os quenegam a aludida legitimidade" ;' proximidade que esta!ele$o entre o conceito =e!eriano e anomea$ão da o!ra de 2lumen!erg não & acidental" ' Entzauberung encontra sua formula$ão maisprecisa em A "tica protestante e o espírito do capitalismo, cu0a segunda e mais completa edi$ão &

    de FGHI, ao passo que o livro que, radicalmente, a!re a questão da legitima$ão dos temposmodernos & a #olitische $heologie ;Jeologia poltica? de Carl (chmitt, de FGHH" verdade que oadvers+rio explcito do argumento levantado por 2lumen!erg era o livro !em mais recente de KarlL=ith pu!licado antes em inglês $he %eaning o& histor'( $he $heological presuppositions o& o&the philosoph' o& histor' ;FGMG?" /as, al&m de o pequeno ensaio de (chmitt, por seu cunhoantili!eral, sua defesa da legitima$ão teol%gica das institui$es s%cio-polticas não modernas e poruma for$a argumentativa muito maior, progressivamente ganharia como contraposi$ão so!re o livrode L=ith" Este seu crescimento ainda ganharia peso porque, sendo a primeira versão do livro de2lumen!erg de FGNN, Carl (chmitt o confronta explicitamente na #olitische $heologie OO, de FGPI?

    *ão invoco o exemplo de :e!er, (chmitt e 2lumen!erg para que o desenvolva senão para assinalar

    que h+ uma enorme +rea da experiência humana em que a plena conceitualidade não conta)portanto, em que a imagem, em seus diversos graus, desde a ociosamente ornamental at& ainsu!stituvel, & presen$a o!rigat%ria" (e a imagem ornamental não merece maior cuidado, amet+fora que não se pode su!stituir precisa de uma aten$ão que permanece em seus prim%rdios"

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    (uas vtimas foram o *ão +ernardo de Rraciliano Uamos e o Carlos

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    que a continua$ão da indaga$ão dos primeiros romSnticos viesse a escapar da ênfase em que aindaincorriam nas caractersticas su!0etivas do poeta ou prosador, tal depura$ão e aprofundamentoforam rapidamente postos de lado pela mudan$a de rumo que o romantismo assumiria, emdecorrência da queda de *apoleão e a restaura$ão mon+rquica" 1u se0a, para que o retorno dos reisaos tronos de que haviam estado afastados não levasse a se pensar que o poder resta!elecido seopunha ao nacionalismo que se desenvolvera por rea$ão 3 expansão napole@nica, isto &, que o

    sistema reinante se opunha ao sentimento nacional que se expandira por toda a Europa, a monarquiarestaurada favoreceu, ao lado das cadeiras de letras cl+ssicas, a introdu$ão nas universidades doscursos de literatura" /as de qual literatura senão, enfaticamente, das literaturas nacionais9 1u se0a,a legitima$ão pelo poder do chamado “esprito do povo”, implicando o realce das hist%rias liter+riasnacionais, supunha tanto o afastamento da reflexão filos%fica so!re o pr%prio da literatura tãopresente nas duas s&ries de -ragmentos ;FPGP e FPGY? de >riedrich (chlegel como a permanênciado crit&rio de imitatio, 0+ agora sem o respaldo da ret%rica e sim da hist%ria" 1u se0a, “onacionalismo liter+rio implicou a manuten$ão, sem que os historiadores da literatura disso sedessem conta, da velha imitatio”" #ara que se evitem incompreenses, devo acrescentar que aqualidade do crit&rio de nacionalidade & merit%rio na +rea da poltica) que, como 0+ intua o nosso/achado, em seu ensaio so!re o “Onstinto de nacionalidade”, sua passagem para o campo da

    literatura e das artes & simplesmente desastroso"Em poucas palavras, a “penitência” por meus erros de interpreta$ão seriam a!solutamente in%cuosse não atinasse na urgência do salto que me levaria a enfrentar a questão da dimensão te%ricapr%pria ao discurso ficcional" ' pr%pria afirma$ão das categorias de “discurso” e de “ficcionalidade”serão desdo!ramentos consequentes 3 ênfase na dimensão te%rica" nisso que me tenho empenhadodesde o 0+ mencionado %ímesis e modernidade" ;Z semelhan$a do que dizia acima so!re o estadoapenas inicial da reconsidera$ão da imagem e da met+fora, estou ciente de que o que tenho feitoainda não passa de uma etapa !astante preliminar, que não poder+ depender de um 6nicopesquisador?"

    (eria por certo extrema ingenuidade pensar que o aprofundamento da !ase te%rica impedisse que

    erros interpretativos voltassem a se dar" ' ingenuidade chegaria 3s raias do inacredit+vel, pois o atointerpretativo não se d+ diretamente a partir da !ase te%rica" “Essa funciona como fundamento doqual deriva a ponta operacional da crtica"” ' vantagem imediata da teoria consiste em dar melhorescondi$es para que o analista considere o que est+ sendo levado em conta na opera$ão crtica" 1use0a, para que ele melhor se ha!ilite a seu pr%prio exame" 'ssim, no meu caso especfico, tala!ertura para a dimensão te%rica teve como consequência imediata perce!er mais claramente que oserros 0+ reconhecidos decorriam da insistente presen$a da imita$ão, apenas agora fundada emargumento de ordem hist%rico-social"

    'qui chegado, o pr%ximo passo consistiria em sumarizar como creio que podemos nos armar contraerro tão grosseiro como com frequência cometido" >azê-lo contudo me levaria para al&m do que me

    foi pedido"Luiz Costa Lima & crtico liter+rio e professor em&rito da #BC-U." #u!licou  .ist/ria( -icção(

     Literatura ;Cia" das Letras, HIIN?, A &icção e o poema ;Cia" das Letras, HIFH?, entre outros"

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