A INSERÇÃO ACADÊMICA E ESPORTIVA DA PRIMEIRA TURMA ... · da primeira turma feminina no Colégio...

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11 A INSERÇÃO ACADÊMICA E ESPORTIVA DA PRIMEIRA TURMA FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO. Por Liliana Adiers Lohmann ______________________________________ Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho como requisito parcial ao título de Mestre em Educação Física. Abril, 2005

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A INSERÇÃO ACADÊMICA E ESPORTIVA DA PRIMEIRA TURMA

FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO.

Por

Liliana Adiers Lohmann

______________________________________

Dissertação apresentada ao programa

de Pós-Graduação da Universidade

Gama Filho como requisito parcial ao

título de Mestre em Educação Física.

Abril, 2005

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A INSERÇÃO ACADÊMICA E ESPORTIVA DA PRIMEIRA TURMA

FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO.

LILIANA ADIERS LOHMANN

Apresenta a Dissertação Banca examinadora

__________________________________________

Prof Dr. Sebastião Josué Votre. - Orientador -

__________________________________________

Prof. Dr. Victor de Andrade Mello.

__________________________________________

Profª Drª Ludmila Mourão.

Abril, 2005

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Dedico esse trabalho a meu filho Aaron,

pela sua paciência e amor,

Meu companheiro Jorge,

sempre presente em minhas inquietudes,

A meus atletas e amigos,

que compartilharam o caminho.

14

AGRADECIMENTOS

À minha família em Porto Alegre, por me incentivar na busca e conquista dos

meus sonhos.

A Jorge e Aaron e Solange, pelo tempo concedido, e amor incondicional.

À Universidade Gama Filho e seus dedicados profissionais, que me

acolheram ainda adolescente e influenciaram profundamente minha vida.

Ao Colégio Militar do Rio de Janeiro, pelo suporte constante.

À Giannina, amiga incansável, que contribuiu significativamente na obtenção

da qualidade desse trabalho.

A meus companheiros de mestrado, minha alegria por compartilhar com

vocês esse momento.

A meu orientador, Prof. Dr. Sebastião Josué Votre, pelo carinho, paciência e

condução desta pesquisa.

À Profª Drª Ludmila Mourão e Prof. Dr. Victor de Andrade Melo, pela

contribuição dispensada no enriquecimento desta pesquisa.

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LOHMANN, Liliana Adiers (2005). A inserção acadêmica e esportiva

da primeira turma feminina no Colégio Militar do Rio de Janeiro

(Dissertação de Mestrado), Rio de janeiro: PPGEF/UGF.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre.

RESUMO

A pesquisa tem por objetivo identificar e analisar as representações sobre a inserção acadêmica e esportiva da 1ª turma feminina no Colégio Militar do Rio de Janeiro a partir de 1989. A História Cultural e a Representação Social orientaram a realização deste estudo. A metodologia aplicada é qualitativa, de caráter etnográfico, com dados provenientes de revistas e jornais, de 1988 a 1995; de três entrevistas individuais de elite feminina, ex-alunas que iniciaram e terminaram sua formação escolar no Colégio; e de três entrevistas individuais de elite masculina, um professor e dois militares que atuaram com elas em todo o processo de escolarização. Conclui-se que: havia diferenciação na aplicação das normas para com as alunas, o tratamento realizado pelo segmento administrativo era cuidadoso, e a educação física era menos protecionista, ajudando a disciplinar e a conduzir parte do processo de adaptação e continuidades das atividades escolares das alunas, fortalecendo o empenho das mesmas em praticar os diferentes esportes oferecidos pelo Colégio, o que proporcionou o progresso das praticantes e a conquista de medalhas nas competições esportivas. O apoio sistemático e organizado, administrado pelo comando, foi decisivo para a inserção feminina no esporte, e conseqüentemente, na obtenção das vitórias de 1994 e 1995. Palavra-chave : Representação Social, Educação Física, Gênero, Militar.

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LOHMANN, Liliana Adiers (2005). The academic and sporting insertion of

the first feminine group in Rio de Janeiro Military School. ( Master

Dissertation) Rio de Janeiro: Gama Filho University (Graduate Program

on Physical Educacion)

ADVISER: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre.

ABSTRACT The research objective is to identify and to analyze the representations on the academic and sporting insertion of the first female group in the Rio de Janeiro Military School, beginning in 1989. The Cultural History and the Social Representation guided the process of this study realization. The applied methodology is qualitative, with ethnographic character, using magazines and papers’ data, from 1988 to 1995; three individual interviews of student female elite who have already concluded their formation in the mentioned school; and three individual interviews of male elite - one teacher and two militaries who accompanied them in their entire school progress. We can reach the conclusion that: there was differentiation on the rules application to the female students, treatment realized by the management staff was careful, and the physical education was less protectionist, assisting on the discipline and leading a part of the adaptation process and the prosecution of the female pupils school activities, strengthening their determination on practicing the different sports offered by the school, which provided the practicing’s progress and the medals conquest in the sports’ competitions. The systematic and organized support, managed by the command, was decisive for the female insertion in the sport, so, on reaching the 1994 and 1995’s victories. Key Words: Social Representation, Physical Educacion, Gender, Military.

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SUMÁRIO

Página

LISTA DE ANEXOS................................................................................ ix LISTA DE IMAGENS.............................................................................. CAPÍTULOS

x

l. INTRODUÇÃO................................................................................

11

1.1 – O PROBLEMA..........................................................................

14

1.2 – OBJETIVOS.............................................................................

16

1.3 – JUSTIFICATIVA.......................................................................

16

1.4 – COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO: DO ACESSO MASCULINO À INSERÇÃO FEMININA..................................

17

Il. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO............................... 26 2.1 – REFERENCIAL TEÓRICO..................................................... 2.2 – REFERENCIAL METODOLÓGICO........................................

26

30 lll. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS........................................

39

3.1 - O CONTEXTO DA INSERÇÃO ACADÊMICA FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO:............................

39

3.1.1 - Os motivos institucionais e pessoais para realização do concurso de admissão e a interação inicial em um ambiente militar............................................................ 39 3.1.2 - O tratamento dispensado e as expectativas no convívio escolar das alunas com a instituição militar... 50

3.2 - A INSERÇÃO ESPORTIVA FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO:...........................................

68

3.2.1 - A educação física e o segmento feminino no Colégio Militar do Rio de Janeiro................................ 68

3.2.2 - As competições e a inserção feminina........................ 72 3.2.3 - Vicissitudes da educação física.................................. 85

18

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................

90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................

95

ANEXOS................................................................................................. 98

19

Página

LISTA DE ANEXOS

A – As trinta primeiras alunas................................................................. 98

B – Entrevistas em jornais......................................................................

B1 – Invasão feminina foi um sucesso no concurso........................ B2 – As mulheres chegam ao exército............................................ B3 – Da escola de órfãos ao ensino qualificado..............................

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101

C – Roteiro para entrevista de elite feminina..........................................

102

D – Roteiro de entrevista de elite masculina..........................................

102

E – Entrevista masculina 01 – Edvan.....................................................

103

F – Entrevista masculina 02 – Coronel Arume.......................................

108

G – Entrevista masculina 03 – Coronel Mosqueira................................ H – Entrevista feminina 01 – Clarice......................................................

111

117

I – Entrevista feminina 02 – Márcia........................................................ 131

J – Entrevista feminina 03 – Flávia........................................................ 151

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LISTA DE IMAGENS

Página

Fotografia 01 – Portão de entrada do Colégio Militar do Rio de Janeiro

Fotografia 02 – Mansão da Baronesa de Itacurussá..............................

Jornal 01 – O Globo, 22/06/95................................................................

Jornal 02 – O Globo, 25/04/89, primeira parte .....................................

Jornal 02 – O Globo, 25/04/89, segunda parte .....................................

Jornal 03 – O Globo, 06/07/93................................................................

Jornal 04 – O Globo Tijuca, 22/06/95.....................................................

Revista 01 – Aspiração 1989, p. 90........................................................

Revista 02 – Aspiração 1994, p.84.........................................................

Revista 03 – Manchete Especial 1995, p.42..........................................

Revista 04 – Verde Oliva 1989, p.17......................................................

Revista 05 – Verde Oliva, 1989, capa....................................................

Revista 06 – Domingo, 02/06/93, p. 53..................................................

Revista 07 – Domingo, 02/05/93, p.54...................................................

Revista 08 – Aspiração 94/95, p.55........................................................

Revista 09 – Aspiração 95/96, p.89........................................................

Revista 10 – Aspiração 95/96, p.89........................................................

Revista 11 – Aspiração 95/96, p.85........................................................

Revista 12 – Aspiração 95/96, p.84........................................................

Revista 13 – Aspiração 94/95, p.33........................................................

Revista 14 – Aspiração 95/96, p.98........................................................

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

A atuação da mulher nas forças armadas verificou-se de forma mais

efetiva na 1ª guerra mundial, antes dos movimentos de reivindicação da

participação efetiva delas em todas as profissões; muitas colaboravam na área

da saúde, nos hospitais de retaguarda e campanha, ou contribuindo com seu

empenho, nas fábricas de material de guerra. Na 2ª grande guerra a mulher

participou também da área logística, trabalhando nos quartéis-generais e

Estados-maiores.

Nas décadas de 60 e 70 as mulheres “foram convocadas a desempenhar

missões de combate, no constante estado de guerra de Israel, e nos

movimentos revolucionários na África e América Latina”1, sendo que a partir

desse momento, nunca mais deixaram de exercer essas funções.

Atualmente, a maior parte dos países ocidentais vem aceitando mulheres

em suas forças armadas, ainda com restrições, principalmente em atividades

consideradas de risco e de rigor disciplinar. Nos Estados Unidos, Inglaterra,

França e Israel, elas fazem parte do quadro permanente, exercendo todo tipo

de funções, incluindo as atividades operacionais como marines, pára-

quedistas, pilotos e combatentes.

Na América do Sul elas passam por dois processos simultâneos, que

segundo D’Araujo (2003), ocorreram pela redefinição das relações civis

1 VERDE OLIVA 1988, P.10

12

militares, e pela ampliação dos direitos civis, políticos, econômicos e sociais,

contribuindo por afirmar a igualdade de direitos entre sexos, etnias, crenças e

gênero.

No Brasil podemos destacar, no século XIX, a participação voluntária de

Ana Néri, pioneira da enfermagem, operando nos bancos de sangue, na guerra

do Paraguai e nas batalhas de Corrientes, Humaitá e Assunção; na 1ª e 2ª

guerras mundiais.a “presença da Missão Médica e do Corpo de Enfermeiras da

Força Expedicionária Brasileira; podemos evidenciar a atuação da Major

Enfermeira Elza Cansação Medeiros”2 como uma das representantes

brasileiras de destaque na 2ª guerra mundial.

Atualmente, segundo a Constituição, as mulheres brasileiras estão isentas

do serviço militar, porém é permitida a prestação de serviço militar voluntário,

segundo critérios de conveniência e oportunidade de cada Força Armada.

O histórico de ingresso pioneiro é iniciado na Marinha, em 07 de julho de

1980, pela criação do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, com

atuação na área técnica e administrativa e depois, em 1º de janeiro de 1998,

com a efetiva integração das militares femininas aos corpos de quadros da

Marinha, com acesso ao corpo de Engenheiros, corpo de Intendentes, quadros

de médicos, cirurgiões-dentistas, de apoio à saúde e técnico da Marinha. Com

isso, a mulher passa a ter igualdade de condições nas promoções e cursos,

embora não possa ascender ao posto de Almirante3.

A Aeronáutica admitiu mulheres em 1º de agosto de 1982, proporcionando

ingresso aos postos de 2º tenente, 3º sargento e cabo. Em 1996 tornou-se a 2 VERDE OLIVA, 1988, p.10. 3 O posto de Vice-Almirante é o 3º mais alto posto da Marinha e até onde as mulheres podem progredir, o segundo é Almirante-de-Esquadra e o primeiro é o de Almirante.

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primeira força armada a admitir mulheres para a formação de oficiais em uma

Academia Militar – Academia da Força Aérea, em Pirassununga, nos

quadros de Intendência, Infantaria e Aviadores, mas de forma semelhante ao

que ocorre na Marinha, as mulheres não podem ascender hierarquicamente ao

posto de Brigadeiro4.

No Exército, em 1992, a carreira militar feminina iniciou na Escola de

Administração do Exército em Salvador, com as primeiras 49 oficiais tenentes

do quadro complementar. Em 1996, as mulheres passaram a atuar como

militares temporárias em diversas áreas e graduações e em 1997, no Rio de

Janeiro, o Instituto Militar de Engenharia matriculou as 10 primeiras alunas; no

mesmo ano, a Escola de Saúde do Exército formou a primeira turma de oficiais

médicas, dentistas, farmacêuticas, veterinárias e enfermeiras de nível superior.

Em 2000, elaborou-se o curso de formação de saúde, para Sargentos

Auxiliares de Enfermagem. O posto hierárquico máximo que as mulheres

podem atingir no Exército é o de General de Divisão5 através do Instituto Militar

de Engenharia.

As forças armadas contam ainda com os Colégios Militares, Escola

Preparatória de Cadetes do Exército, Colégio Naval e a Escola Preparatória de

Cadetes da Aeronáutica. Essas instituições permitem o acesso masculino às

suas respectivas academias militares, com exceção para os Colégios Militares

do Exército, onde os alunos deverão realizar concurso de admissão.

Nossa pesquisa realizou-se no Colégio Militar do Rio de Janeiro, a mais

4 O posto de Major-Brigadeiro é o 3º mais alto posto da Aeronáutica e até onde as mulheres podem progredir, o segundo é Marechal-do-Ar e o primeiro é o de Brigadeiro. 5 O posto de General de divisão também é o terceiro mais alto posto do Exército, o segundo é o de General de Exército e o primeiro de Marechal.

14

antiga instituição educacional militar masculina do país, que manteve sua

constituição inicial até 1989, quando de seu centenário.

Nesse ano ocorreu “a grande inovação”6, o ensino que era destinado

apenas aos homens, passava também a admitir mulheres a partir da 5ª série

do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. O ingresso seria

realizado através de concurso público. O Colégio do Rio de Janeiro contou com

7099 candidatos concorrendo a 120 vagas, das quais 2604 eram meninas -

para 30 vagas e 4495 eram meninos - para 90 vagas.

1.1 - O PROBLEMA :

Em 1993, quando a autora deste trabalho, Liliana Lohmann, ingressou

como professora de Educação Física nessa instituição, as alunas já vinham

freqüentado a escola por quatro anos e percebia-se um tratamento

diferenciado, com relação à aplicação das normas, quando comparadas ao

grupo masculino. A escola ainda não estava adaptada para o atendimento às

necessidades decorrentes da presença feminina.

Algumas providências estruturais foram realizadas com o acesso feminino,

tais como os locais para troca de roupas e banheiros adequados, contratação

de uma professora para administrar aulas de dança e Ginástica Rítmica

Desportiva. Já a preparação das pessoas que atuariam com elas no processo

educacional, na parte administrativa e no processo de interação do segmento

masculino com as alunas, não se alterou adequadamente, o que gerou

6 A ASPIRAÇÃO/ COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO – Edição do centenário, 1989, p. 89.

15

problemas na adaptação, na interação e nas expectativas das alunas no

convívio escolar.

Com a passagem do comando para o Coronel de Infantaria Codevila

Pinheiro, formado pela Escola de Educação Física do Exército, verificou-se

forte incentivo à prática das diferentes modalidades esportivas na Educação

Física, e a contratação de novos professores7.

O comandante providenciou o retorno dos alunos às competições

estudantis estaduais8, o que possibilitou a primeira participação feminina,

culminando com os seguintes resultados: o 1º lugar geral no Intercolegial –

1994 e 1995; 1º lugar geral na Copa Fanta – 1994 e o 1º lugar nos Jogos das

Escolas Públicas Federais - 1995; a obtenção desses resultados coincidia com

a conclusão das atividades escolares da primeira turma feminina e com a

virada esportiva do Colégio.

Vêm ocorrendo modificações progressivas no processo de ingresso

feminino nos Colégios Militares: A admissão à 5ª série do ensino fundamental e

1ª série do ensino médio, passou a ser realizada em igualdade de condições,

não existindo mais uma proporção fixa de concorrentes masculinos e

femininos; As vagas passaram a ser ocupadas por ordem de classificação,

independentemente do sexo. Hoje, cerca de 48% do total de alunos do Colégio

Militar do Rio de Janeiro são alunas, para 52% de alunos; Os resultados

esportivos não ocorrem de forma tão consistente quanto naquele período.

É a seguinte a questão central em nosso estudo: 7 Revista Aspiração 95/96, p.87. Fazia parte da Seção de Educação Física: 05 novos professores contratados por concurso público para o cargo de professor efetivo; 04 professores contratados pela DEPA, 06 professores contratados pela Associação de Pais e Mestres, 11 professores efetivos, todos de Educação Física. 8 O colégio Militar participou do Intercolegial até 1991, quando a direção vetou suas próximas participações em competições escolares. Isso ocorreu por causa de brigas entre as torcidas do colégio e algumas escolas presentes na final do Voleibol masculino dessa competição.

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“Quais Representações podem ser evidenciadas com a inserção

acadêmica e esportiva da primeira turma feminina no Colégio Militar

do Rio de Janeiro?”.

1.2 – OBJETIVOS :

1. Contextualizar o ambiente em que se processou a inserção acadêmica

e esportiva da 1ª turma feminina no Colégio Militar do Rio de Janeiro

através de registros em revistas e jornais, nos períodos entre 1988 e

1995.

2. Identificar e analisar Representações masculinas e femininas sobre a

inserção acadêmica e esportiva, explorando os registros de memória

sobre sua inserção.

1.3 – JUSTIFICATIVA:

O pioneirismo da 1ª turma abriu portas para a entrada de outras mulheres

nas escolas militares do exército. Uma vez que tenho interesse especial em

estudar contextos de entrada pioneira de mulheres em redutos masculinos,

interessei-me em aprofundar-me nos aspectos referentes à inserção feminina

no colégio militar .

A pesquisa sobre “A inserção acadêmica e esportiva da primeira turma

feminina no Colégio Militar do Rio de Janeiro” permitirá emergir uma história

recente, oferecerá novas perspectivas e conscientização das experiências

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vividas por essa primeira turma de alunas em uma instituição tradicionalmente

masculina. Tornará visível sua história através de uma investigação contada

através do ponto de vista feminino e masculino, bem como das relações

estabelecidas nesse contexto.

1.4 – COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO: DO ACESSO

MASCULINO À INSERÇÃO FEMININA :

Fotografia 01 - Setembro de 2003. Portão de entrada do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 267, Maracanã, Rio de Janeiro.

Caxias propôs um Colégio Militar que atendesse às necessidades

decorrentes dos males da guerra. Por duas vezes encaminhou ao Senado

projeto nesse sentido. O primeiro foi realizado em 1853, e apesar das

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explicações, que se fazia necessário lançar vistas “paternais em benefício dos

que morreram ou se inutilizaram nos campos de batalha, defendendo a honra

militar, as instituições e os sagrados direitos”9, o pedido foi negado. O segundo,

em 1862, foi adiado em virtude das dificuldades financeiras pelas quais o Brasil

passava.

Com a participação do Brasil na guerra do Paraguai, agravaram-se as

condições dos militares combatentes. O Visconde de Tocantins, irmão de

Caxias, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, iniciou uma

subscrição popular em todo o país, para angariar fundos e colocar em prática o

sonho de Caxias. Foi bem sucedido em sua empreitada, e em 1867, com a

dupla finalidade: de custear o asilo, onde seriam acolhidos e tratados os

servidores do país, e o de conceber um educandário, onde os filhos órfãos de

militares mortos em campanha pudessem ser atendidos. Estava criado o Asilo

dos Inválidos da Pátria.

Em 1888 Thomaz Coelho assume como Ministro da Guerra, decidindo

juntamente com a Associação Comercial do Rio de Janeiro e o Asilo da Pátria,

comprar o palacete da Baronesa de Itacurussá, incrementando em 09 de

março de 1889, o Imperial Colégio Militar, com a missão de “educar os filhos

órfãos dos militares efetivos, reformados e honorários do exército e da

armada”10.

A união somente conseguiu realizar a compra para instalar o Colégio

Militar, firmando ao comprometer-se não fechar as suas portas. Caso isso

ocorresse, os terrenos e todas as construções e dependências, daquele

9 VERDE OLIVA, 1989, p.18. 10 VERDE OLIVA, 1989, p.18.

19

momento em diante, retornariam à Associação Comercial do Rio de janeiro.

Fotografia 02 - cedida pelo comando em fevereiro de 2004. Mansão da Baronesa de Itacurussá. Atual sede do comando do Colégio do Rio de Janeiro.

O primeiro Comandante foi o Cel. Dr. Antônio Vicente Ribeiro Guimarães,

que iniciou as aulas com 44 alunos, no dia 06 de maio de 1889. Essa data

tornou-se referência para comemoração dos próximos aniversários do Colégio

Militar do Rio de Janeiro.

A cada ano foi se fortalecendo o ingresso e a formação do educandário.

Em 1894 o Coronel Costallat assumiu o comando. Na sua direção, a primeira

turma formou-se com 7 alunos. O retrato do primeiro colocado, José Ferreira

da Graça Couto, inaugurou o Pantheon de honra11, e o Esquadrão de Cavalaria

foi estruturado, saindo em desfile no dia 15 de novembro, e recebendo da

11 Sala com fotografias dos alunos de maior destaque intelectual do colégio.

20

população “as mais vibrantes palmas de elogio pelo garbo e correção dos

pequenos soldados”12.

Em 1900, com o Comando do Cel. Alexandre Barreto, ocorreu o

recebimento de canhões Krupp, e a organização da Bateria de Artilharia.

Nesse período a escola já ultrapassava a casa de 500 alunos.

Em 1912 o Colégio já tinha seu nome firmado, um corpo docente

capacitado, e a disciplina bem alicerçada, passando a servir de modelo e

inspirando à criação de outros colégios pelo Brasil13.

Em 1927 com Alcântara Júnior, foi inaugurado o Estádio de Atletismo

Carlos Caetano Miragaya e foi construído o pavilhão de Educação Física -

General Areas Júnior e o pavilhão para aulas - Felisberto de Menezes.

O Colégio Militar na década de 30 foi marcado por um período de

transição, que proporcionou mudanças nas diretrizes do ensino e nos

uniformes. Os alunos perderam o direito de transferência direta para as

Escolas Militares do Exército.

Em 6 de maio de 1939, com o cinqüentenário do Colégio Militar do Rio de

Janeiro, o Presidente Getúlio Vargas declarou feriado em todos os

estabelecimentos de ensino secundário do país; o Colégio era considerado

“uma tradição do exército e um orgulho para o país”14. O comandante naquele

momento era o militar do Estado Maior e Engenheiro Oscar Fonseca, que

trabalhou na ampliação das instalações do Colégio. Ele contribuiu também para

a criação da Associação dos ex-alunos dos Colégios Militares.

12 A ASPIRAÇÃO/ COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO – Edição do centenário, 1989, p. 15. 13 Até então, os alunos que estudassem nos colégios Militares poderiam seguir carreira no exército cursando diretamente a as academias militares, sem prestarem provas. 14 A ASPIRAÇÃO/ COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO – Edição do centenário, 1989, p. 35.

21

* * *

O final da década de quarenta foi um período de conflito entre as escolas

tradicionais da Tijuca. As Rivalidades ocorriam entre o Colégio Pedro II,

Colégio Marista São José e a Escola Federal de Química, o que foi-nos

contado na minissérie sobre “Os Anos Dourados”, da rede Globo de televisão

e evidenciado pela repórter Elizabeth Marins - Jornal o Globo de 25 de junho

de 1989 (vide p.46 desse trabalho).

A minissérie também revelava a nostalgia dessa década e a relação

estabelecida com as alunas do Instituto de Educação. Elas passavam em

frente ao Colégio Militar da Tijuca flertando com os meninos de farda mas,

porém sem nunca passarem do imponente portão de ferro da entrada. O ex-

aluno Ivan Cavalcanti Proença, aluno da Tuma de 48, na revista Aspiração

(1989 p. 75), relembra sua história nos contando que :

“O bonde Malvino-Reis, sete e dez da manhã, passava ali na 28 de Setembro,

antes de entrar na Pereira Nunes. Cheio de uniforme cáqui, pasta debaixo do

braço. Às vezes no estribo. E elas, de azul e branco, sentadas, seguravam a

pasta da gente, gentileza que às vezes facilitava a abordagem. Elas desciam

depois, lá na Mariz e Barros. Mas, romantismo à parte, no fundo sabíamos que

elas sonhavam mesmo era com o cadete, belamente fardado, espadim e tudo:

resultaria no célebre casamento professora/tenente.”

Nesse período expunha-se a “disciplina rígida, a alta qualidade de ensino”

e a ascensão almejada pela classe média carioca. Estudar no educandário

22

representava “um símbolo de status para a família e garantia de futuro

promissor” para seus componentes (anexo B3).

Durante os anos de formação, estruturação e fortalecimento da instituição,

muitos alunos tornaram-se personalidades ilustres, em diferentes campos de

atuações, e dentre eles, podemos destacar: Osvaldo Aranha, Ministro do

governo Vargas, que conquistou o posto de chanceler e secretário geral da

ONU; o engenheiro Júlio Régis Bittencourt, que foi homenageado com seu

nome na rodovia que liga São Paulo ao Paraná; o General Lyra Tavares, que

teve papel destacado na 2ª guerra mundial e se tornou imortal na Academia

Brasileira de Letras em julho de 1970; o técnico da seleção Brasileira de futebol

na copa do mundo de 50, Flávio Costa, e o nadador Brasileiro Cyro Delgado,

medalha de bronze na Olimpíada de Moscou; os ex-presidentes da república:

Vargas, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e João Batista

Figueiredo; o ex-ministro da Aeronáutica Délio Jardim de Matos; os atores

Jorge Dória, Agildo Ribeiro, Jardel Filho, Castrinho, além dos músicos, Ivan

Lins e Artur Moreira Lima, são exemplos dentre muitos outros.

* * *

No final da década de oitenta uma nova fase é inaugurada na relação da

sociedade civil com o colégio, foi realizado um concurso de admissão para o

acesso das primeiras alunas.

Nesse período, o Ministro do Exército General Leônidas Pires Gonçalves

desativou alguns Colégios Militares e valorizou o ensino de outros, os

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considerados de maior necessidade, através de uma destinação preparatória

para o ingresso na Academia Militar das Agulhas Negras15. Permaneceram os

colégios de Manaus, Fortaleza, Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

As provas ocorreram no Colégio Militar e na Universidade do Estado do

Rio de Janeiro. A primeira avaliação foi a de matemática, com apenas 504

candidatos aprovados dos 7099 inscritos; em seguida aconteceu a prova de

História e de Geografia, permanecendo 263 candidatos, e por último, a prova

de Português contemplando os 120 finalistas (90 meninos e 30 meninas).

O acesso das alunas foi divulgado pela imprensa escrita, conforme

veremos a seguir:

O assunto foi destaque no Jornal com o seguinte título: “Invasão Feminina

foi um sucesso”, referindo que “O Ministério do Exército resolveu acabar com o

privilégio dos homens e permitir que também as mulheres freqüentem seus

bancos escolares” e que a “surpreendente procura ... justifica-se na opinião das

aprovadas quando se sabe que a qualidade de ensino de primeiro e segundo

graus na rede pública e privada é fraca. O jeito é pular o muro para dentro dos

quartéis em busca do ensino reconhecidamente de qualidade” (anexo B1).

Segundo o Departamento de Ensino e pesquisa do Exército, que permitiu

a admissão de alunas na 5ª série, abrindo séries subseqüentes a cada ano, o

objetivo é: “preparar mulheres que possam, dentro de um período de sete

anos, entrar para o exército, como já ocorre com a Marinha e na Aeronáutica”

(anexo B2), expondo ainda que:

15 O ingresso na academia das agulhas negras é restrito ao segmento masculino, que deverá inicialmente freqüentar a terceira série do ensino médio na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas.

24

“o fim da discriminação foi marcado pelas inscrições para o concurso em

outubro, quando... meninas submeteram-se a uma prova de seleção,

disputando 30 vagas. Porém, não foi difícil perceber que a preferência ainda

era dos homens, pois as vagas para o sexo masculino eram 90”; e ainda: “a

invasão feminina, num dos últimos redutos masculinos, foi de tal forma bem

sucedida que se chegou a comentar que elas é que foram as grandes

vencedoras do concurso, pois mais da metade dos 504 aprovados era do sexo

feminino”.

Já se previa naquele momento que as mulheres não parariam no ensino

fundamental e médio, mas prosseguiriam na busca de uma carreira militar no

exército ou nas forças armadas, segundo informa a direção do Colégio do Rio

de Janeiro nessa mesma entrevista: “é fundamental a preparação militar das

meninas para que elas possam, mais tarde, se quiserem, tornar-se oficiais das

forças armadas.”

A matéria intitulada: ”Da escola para órfãos ao ensino qualificado” (anexo

B3), informou que em 1989, com o centenário do Colégio Militar, quebrava-se

um “novo tabu”, o ensino que era administrado apenas para o sexo masculino,

passa a admitir o feminino em seus quadros. Várias adaptações foram feitas,

banheiros e vestiários foram reformados, “as salas passaram a ser divididas

entre meninos e meninas, as aulas de ginástica foram adaptadas para não

comprometer a feminilidade das alunas. Contudo elas terão que obedecer à

mesma disciplina. Deverão tomar posição de sentido e prestar continência

como qualquer militar”.

Abaixo podemos verificar a fotografia das 30 alunas aprovadas no

25

concurso do Colégio Militar do Rio de Janeiro e a listagem das alunas

aprovadas no concurso de admissão em 1989:

0321/0 – Clarice Echardt

0660/1 – Márcia Couto

0661/9 – Flávia Schimiedt

0016/6 – Mariana Magaldi

0062/0 – Clarissa Valdez,

0327/7 – Bárbara Varago

0349/1 – Bruna Sarmento

0446/5 – Flávia de Assis Oliveira

0447/3 – Juliana Guimarães

0269/1 – Mylena de Carvalho

0315/2 – Camila Diegues

0490/3 – Luciana Mendes

0502/5 – Ana Caroline de Souza

0517/3 – Ana Acióli

0522/3 – Maria Lúcia da Costa Bastos

0564/5 – Ana Carolina Silveira

0322/8 – Marly D”Almeida

0456/4 – Cristina marques

0129/7 – Patrícia Rennó

0181/8 – Camilla Rodrigues

0635/3 – Daniele bastos

1407/6 – Tânia Cristina de Andrade.

0182/6 – Priscila Fernandes

0571/0 – Najla Farah

0573/9 – Danielle Nonato

0579/3 – Verônica de Paula

0618/9 – Fernanda Bittencourt

0626/4 – Christianne Vaiani

0525/2 – Ana Paula de Medeiros

0527/2 – Christianne Basílio

Revista – 01 Aspiração 1989, p.90. “As trinta primeiras alunas doColégio Militar do Rio deJaneiro”.

26

CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO - METODOLÓGICO

2.1 – REFERENCIAL TEÓRICO:

No Brasil, com a segunda onda do movimento feminista entre os anos 60 e

70, verificamos a necessidade “de um investimento mais consistente em

produção de conhecimento... com o objetivo de compreender e explicar a

subordinação social e a invisibilidade política a que as mulheres tinham sido

historicamente submetidas” (Meyer, 2003, p. 12).

Esse momento foi marcado por forte repressão política no contexto

nacional. No ano de 1964, as mulheres representavam focos de resistência ao

autoritarismo vigente. Inspiradas no feminismo europeu e norte-americano,

enfrentavam críticas “dos setores conservadores e, também dos

progressistas”16 frente às suas propostas de atuação. Nesse período, o

movimento feminista brasileiro não se identificava diretamente com as classes

sociais, nem contestava as estruturas de dominação do país, mas se propunha

a aprofundar questões culturais e a formar um campo específico de atuação.

Através do processo de redemocratização, o movimento feminista no

Brasil passou a se denominar “movimento de mulheres”17, com uma atuação

política que compreendia grupos diferenciados.

Avanços significativos da luta das mulheres no Brasil se iniciam com a

16 IV Conferência Mundial sobre a Mulher,.Beijing, China, 1994, p. 288 17 IV Conferência Mundial sobre a Mulher,.Beijing, China,1994, p. 288

27

transição democrática da década de 80. O país começa a reorganizar-se com

base no diálogo com a sociedade civil que se reforça, e em 1983 nascem os

Conselhos Estaduais da Condição Feminina e dos Direitos da Mulher,

culminando com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em

1985.

Segundo Louro (2002, p.16), foi nesse contexto de “efervescência social e

política, de contestação e de transformação, que o movimento feminista

contemporâneo no Brasil ressurge”, mobilizando-se “como estudiosas,

docentes, pesquisadoras – com paixão política. Surgem os estudos da mulher.”

A mulher passou a ter visibilidade cada vez mais acentuada em diferentes

segmentos da sociedade e suas lembranças e “histórias de vida; fontes

icnográficas, de registros pessoais, de diários...” passaram a ser utilizados por

pesquisadores/as, considerando que tais registros “tinham origem numa

trajetória histórica específica que construiu o lugar social das mulheres e que o

estudo de tais questões tinha (e tem) pretensões de mudanças” Louro, 2002,

p.19).

Com a Constituição Federal de 1988, avanços de “extrema relevância

para a condição da mulher no país”18 resultam na elaboração de um

documento básico de propostas feministas – a “Carta das Mulheres aos

Constituintes”, com base no qual se desenvolveu um amplo trabalho de

convencimento junto aos congressistas.

Como resultado parcial de tal momento, a Constituição prevê a proteção

das estruturas familiares não legalizadas e das mães solteiras, o fornecimento

18 Conferência Mundial sobre a Mulher. Beijing, China,1994, p. 288

28

à população de informações e de meios para decisão livre sobre planejamento

familiar, a maior oferta de creches e escolas maternais, o incentivo ao trabalho

da mulher, a proibição das discriminações de qualquer natureza (sexual, racial,

étnica, física, etária, de orientação sexual, por exemplo) e a igualdade entre os

sexos, dentre muitos outros direitos.

A inclusão de mulheres nas forças armadas e nos Colégios Militares, é

parte do processo de democratização e da expansão da igualdade de

oportunidades na sociedade brasileira. As mulheres passaram a ocupar

lugares, a compartilhar espaços que eram de dominância masculina e este

contexto converge para a inserção feminina no Colégio Militar do Rio de

Janeiro

Concordamos com Meyer (2003, p.17) em que existe uma “articulação

intrínseca entre gênero e educação”, porque a noção de educativo amplia-se.

Educar engloba um complexo de forças e de processos no interior dos quais

indivíduos aprendem a se reconhecerem como homens e mulheres nas

sociedades e grupos a que pertencem.

Este estudo, escrito no feminino, atende ao que se propõe em Louro

(1995) de atentar para os processos de construção de gênero, raça e classe

que se interferem mutuamente e não são resultados de uma imposição

unilateral da sociedade. Entretanto diferentemente do que ela propõe (2003,

p.42), não se questiona “toda a noção de cultura, arte, estética, educação”

experenciada na sociedade e na escola.

Focalizamos o ambiente escolar, com seu espaço delimitado, que

estabelece os lugares, institui o que se deve, o que se pode ou não realizar,

29

aponta modelos aos quais os indivíduos se reconheçam ou não, enfim, ao

aprendizado prático realizado em seu interior.

Louro (2002, p.83 - 84) afirma que “é indispensável que reconheçamos

que a escola não apenas reflete as concepções de gênero e sexualidade que

circulam pela sociedade, mas que ela própria as produz”. Ela indaga:

“Por que observar a construção das diferenças?...porque na instituição das

diferenças estão implicadas relações de poder” e que através da “linguagem,

as táticas de organização e de classificação, os distintos procedimentos das

disciplinas escolares são, todos, campos de um exercício (desigual) de poder.”.

Nesse contexto, a linguagem é uma forma de expressão a ser

considerada. Ela demarca os lugares de gênero “... pelas adjetivações que são

atribuídas aos sujeitos, pelo uso (ou não) do diminutivo, pela escolha dos

verbos, pelas associações e pelas analogias feitas entre determinadas

qualidades, atributos ou comportamentos e os gêneros” (Louro, 2002, p.67).

Segundo Foucault (1979, p. 244), com a aquisição do poder ocorre a

manifestação da resistência, que para ele “são pontos transitórios que se

distribuem também pela estrutura social”.

O estabelecimento do poder propicia relações que formam uma espécie

de rede que se tensiona de acordo com as forças que nela atuam, que passa a

ser exercido em diferentes níveis e pontos da sociedade e da estrutura social.

No Colégio Militar essas tensões têm uma dimensão produtiva, criadora,

instaurando saberes, prazeres, com poucos e insignificantes focos de

resistência atravessando a instituição com a inserção das mulheres nos seus

bancos escolares.

30

2.2 – REFERENCIAL METODOLÓGICO:

No estudo sobre a inserção feminina nas atividades acadêmicas e

esportivas, interessam particularmente as representações construídas por elas

e pelos educadores a respeito desse processo.

Segundo Moscovici (2003, p. 34 - 37) as “Representações” possuem duas

funções: em primeiro lugar, “convencionalizar os objetos, pessoas ou

acontecimentos que encontram”, localizando-as em uma determinada

categoria, um modelo de determinado tipo, partilhado por um grupo de

pessoas. Em nosso trabalho trata-se de representações sobre a “inserção

feminina no Colégio Militar”. O autor esclarece quanto a segunda função, que

elas são “prescritivas”, “se impõem sobre nós como uma força irresistível,

penetram e influenciam a mente de cada um”, implicando um sistema de

imagens estratificadas na memória coletiva, que se reproduz através da

linguagem e reflete um conhecimento anterior. Neste trabalho, vemos a

memória transformada em linguagem.

Moscovici orientou suas teorias para elucidar o processo através do qual

as representações são elaboradas e como as estruturas do conhecimento são

estabelecidas. Elas tornam algo “não familiar” em “familiar”.

Ele afirma que “Todas interações humanas, surjam entre duas pessoas

ou entre dois grupos, pressupõem representações” e que “quando nós

encontramos pessoas ou coisas e nos familiarizamos com elas, tais

representações estão presentes.... são o produto de nossas ações e

comunicações” (Moscovici, 2003, p.40).

31

Moscovici explicita o óbvio: que as experiências e memórias comuns são

o “lócus” de onde nós “extraímos as imagens, linguagens e gestos necessários

para superar o não-familiar” e que a “ancoragem e a objetivação” são modos

de lidarmos com a memória. Para ele “a primeira, mantém a memória em

movimento” conduzindo-a para dentro, classificando de acordo com um tipo e

os rotulando com um nome. “A segunda, sendo mais ou menos direcionada

para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-

los no mundo exterior” tornando o que é desconhecido a partir do que já é

conhecido.

Vemos estreita ligação entre as representações de Moscovici e o objeto

da História Cultural, nos termos de Pesavento (2004, p.17), pois buscamos “o

resgate de sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em palavras,

discursos, imagens, coisas práticas”, ou seja: “um conjunto de significados

partilhados e construído pelos homens para explicar o mundo”.

Segundo a autora, para traduzirmos o mundo a partir da Cultura,

necessitamos buscar “descobrir os fios, tecer a trama geral deste modo de

fazer história, prestar atenção aos elementos recorrentes e, talvez, revelar as

diferenças entre os autores”. Aqui ressaltamos a “História do tempo presente” e

a “Memória” recente dos entrevistados, que vivenciaram os fatos referidos.

(Pesavento, 2004, p.17).

A História do tempo presente capta as representações que estão a se

desenvolver; o narrador é testemunha ocular de um processo que ainda se

desdobra, e de que não se conhece o término. Ele está no centro do processo

vivido e que deve ser objeto de narrativa, o que corresponde “a uma espécie de

32

laboratório, ao vivo, da construção e da aplicabilidade das representações

sociais que se apresentam aos olhos do historiador” (Pesavento, 2004, p. 94).

A Memória, que se textualiza como representação, permite que se possa

lembrar, sem a presença do objeto ou da pessoa evocada, em uma modalidade

chamada de “Mnese”, involuntária, e “Anamnese”, voluntária. A primeira surge

por evocação espontânea ou que pode ser despertada por um ato ou objeto

que reproduzindo uma experiência, permite aflorar uma lembrança; a segunda,

denota um empenho em recuperar o que ocorreu no passado, proporcionando

um sentimento de confiança no acontecido, o que confere veracidade à

rememoração.

Trabalhamos com Coulon (1995), através da etnometodologia, porque ele

rompe com os pensamentos da sociologia tradicional, e confere maior

importância à compreensão do que à explicação, analisando o aqui-e-agora

das interações, apropriando-se de sua ótica e representação, numa abordagem

qualitativa do social.

O autor considera que a relação entre “ator” e “situação” será produzida

por “processos de interpretação”. Esclarece que se deve levar em

consideração o “ponto de vista dos autores, seja qual for o objeto de estudo,

pois é através do sentido que eles atribuem aos objetos, às situações , aos

símbolos que os cercam, que... constroem seu mundo social” (Coulon, 1995,

p.10-15).

Pontua sobre a importância de se observar como os atores do senso

comum produzem e tratam as informações, utilizando a linguagem como

recurso. Revela que o sentido da interpretação “é sempre local”: “uma palavra,

33

por suas condições de enunciação, uma instituição, por suas condições de

existência, só podem ser analisadas tomando em conta as suas situações”

locais (Coulon, 1995, p.32 - 37).

A etnometodologia utiliza-se dos “etnométodos” que são uma lógica do

senso comum “que se tem dentro de si mesmo”, e que permitem

reconhecermo-nos como vivendo num mesmo grupo particular, numa

organização ou instituição local. (Coulon, 1995, p.51)

Utilizamos o “método documentário” para selecionar e ordenar os

acontecimentos passados, de forma a atribuir às “circunstâncias presentes a

sua pertinência passada e suas perspectivas futuras” (Coulon,1995, p.58). A

etnografia constitutiva se fundamenta em alguns princípios característicos: a

disponibilidade dos dados consultáveis (transcrição integral), a exaustividade

do tratamento dos dados, a convergência entre pesquisadores e participantes

(para obter a certeza de que a estrutura descoberta na ação é a mesma que

orienta os participantes da pesquisa) e a análise interacional.

A pesquisa, em seu âmbito principal, é qualitativa, realizada através da

análise de documentos escritos e entrevistas de elite, semi-estruturadas e

realizadas individualmente. Possui características parciais de observação

participante, com os riscos inevitáveis das distorções da memória e do ponto-

de-vista do observador. Conforme já se destacou antes, a pesquisadora foi

professora de educação física dessas alunas, treinadora de atletismo desde

1993, e atuou na conquista dos troféus do Colégio Militar em 94 e 95.

Entretanto, naquele momento não estava em curso o presente estudo, e a

observação foi assistemática e informal.

34

Contextualizamos o ambiente para a inserção da primeira turma feminina,

a partir de dados adquiridos em revistas (Manchete, Aspiração, Verde Oliva,

Carinho, Domingo), jornais (Globo e do Brasil), internet (vide lista no referencial

bibliográfico), com direcionamento de 1988 a 1995, e sobretudo com a

utilização do discurso de elite, discente e docente, nessa composição.

Para a análise das entrevistas contamos com Gill (2003), que nos orienta

para compreender e avaliar as condições de produção do discurso oral através

da captação direta de informações das entrevistas. Assumimos a postura de

Richard Rorty (1994) na análise do discurso, optando conscientemente por uma

abordagem situacional do mesmo.

Rorty (1994, p.31) afirma que “só as frases podem ser verdadeiras e que

os seres humanos fazem verdades ao fazerem linguagens nas quais formulam

frases”. Ele pontua que essa noção de linguagem passa a ser o “meio a partir

do qual são construídas as crenças e os desejos, o elemento terceiro, elemento

mediador, entre o eu e o mundo” (ibidem, p.32), uma criação gradual de um

novo vocabulário que se estabelece com a invenção de novos instrumentos que

vêm tomar o lugar dos instrumentos velhos.

Os instrumentos, para Rorty, são orientados para se fazer algo que não

poderia ter sido pensado anteriormente ao desenvolvimento de um conjunto

particular de descrições ”aquelas que o próprio pesquisador ajuda a

proporcionar” (Rorty, 1994, p.35), para tanto ele afirma que devemos atentar

para a distinção entre o literal (usos familiares) e o metafórico (não familiares)

de ruídos e sinais. Ele considera o que o uso literal dana a interpretação e, por

isso, valoriza o metafórico, expondo que o último, é aquele que nos leva a

35

desenvolver uma nova teoria.

Segundo Rorty, o uso metafórico não tem um significado definido num jogo

de linguagem, e que a única finalidade séria que a linguagem tem, a saber, “a

representação da realidade” “oculta dentro de nós”, que traz o “Espírito à

autoconsciência”, como “alguém que encontrou uma ferramenta que deu o caso

de funcionar melhor para certos fins do que qualquer outra ferramenta” (1994,

p. 41).

Ele afirma que as linguagens são representações e que a verdade delas é

(1994, p.44-45) “ uma propriedade de frases, uma vez que as frases, para

existirem, dependem de vocabulários e uma vez que os vocabulários são feitos

por seres humanos, assim o são as verdades”, e para que utilizemos sua

perspectiva, torna-se necessário que não “tenhamos consciência pré-lingüística

relativamente à qual a linguagem precise de ser adequada, que não tenhamos

um sentido profundo de como as coisas são... que tenhamos apenas a

disposição para usar a linguagem dos nossos ancestrais...usar suas metáforas”

Realizamos entrevistas de elite com três homens envolvidos com o ensino

no Colégio Militar e com três ex-alunas, em duas etapas, vide roteiros:

Na primeira etapa, entrevistamos: um professor de Educação Física –

Prof. Edvan que era o coordenador de educação física na época; o Coronel

Arume, que era o comandante da 1ª companhia de alunos, 5ª série; e o Coronel

Mosqueira, que comandava a arma de cavalaria naquele período.

A análise do discurso masculino de elite permite depreender as

Representações da direção e corpo docente sobre o impacto da presença

feminina no Colégio Militar, bem como as estratégias utilizadas para lidar com

36

as alunas.

A segunda etapa, da análise do discurso do corpo discente, contou com

três entrevistas individuais, de elite, alunas do concurso de 1989 que iniciaram

e terminaram sua formação escolar no Colégio Militar do Rio de Janeiro, são

elas: Clarice Echardt: Aluna graduada19 em grande parte da sua trajetória

escolar, expoente do esporte, que foi homenageada como o destaque esportivo

do colégio em 1994 e 1995. Com a aprovação no concurso, retornou da 6ª série

para a quinta série do ensino fundamental;

19 A graduação é concedida (divisas do exército) aos alunos que se destacarem nos aspectos intelectuais do Colégio, com média superior a 9.5 pontos em pelo menos cinco disciplinas curriculares, naquele período.

Revista – 02 Aspiração 1994 p. 84. Aluna Clarice Echardt:. “Recebe em solenidade na Secretaria deEsportes do Estado do Rio de Janeiro, oprêmio de 20.000 reais e o 1º lugar geralna Copa Fanta” de 1994, destinando-oao Coronel Pinheiro, comandante doColégio Militar do Rio de Janeiro.

37

A segunda informante foi Flávia Schimidt, que além de ser da primeira turma

feminina no Colégio Militar, seguiu a carreira militar, fazendo parte da primeira

turma feminina na Academia da Força Aérea; nas competições escolares

destacou-se nas equipes de Atletismo e Judô do colégio. Também retornou da

6ª série para a quinta série com seu ingresso no colégio.

A terceira informante de elite foi Márcia Couto, que regressou da 7ª série para a

5ª série, com a finalidade de integrar o grupo de primeiras alunas; também foi

aluna graduada, e tornou-se destaque nas avaliações intelectuais e físicas. Ela

Jornal - 01 “O GLOBO” – Tijuca: 22/06/95 p.18”. Flávia Schimidt. Entrevista realizada no13º Intercolegial – OGlobo, pela obtenção do1º lugar na prova doSalto em Altura -feminino, categoria livrenão federada.

38

foi a primeira Comandante feminina do Esquadrão de Cavalaria.

A análise da fala das alunas e dos homens nos permitiu reconhecer os

“Motivos” que impulsionaram as alunas e a instituição a realizarem o concurso

de admissão, a “Interação inicial” com a administração e com os alunos, o

“Tratamento” dos superiores homens, professores e alunos, às

“Expectativas” evidenciadas com o convívio escolar no colégio, o acesso

feminino a “Educação Física” e a inserção feminina em “Competições”.

Enfim, tivemos uma visão tripla das “Vicissitudes” da educação física através

da ótica feminina discente.

Revista - 03 MANCHETE ESPECIAL, 1995, p 42. Márcia Couto. Fotografia da direita einferior esquerda (aocentro).

39

CAPÍTULO IIl

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 O CONTEXTO DE INSERÇÃO ACADÊMICA FEMININA NO COLÉGIO

MILITAR DO RIO DE JANEIRO.

A seguir vamos investigar o processo e admissão das primeiras mulheres

no Colégio Militar do Rio de Janeiro, através da análise de reportagens em

jornais e revistas e da época (1988 a 1995), bem como da literatura que

considerarmos relevante, e sobretudo das falas das três alunas e dos três

educadores, elicitadas nas entrevistas de elite.

3.1.1 - Os motivos institucionais e pessoais para realização do concurso

de admissão e a interação inicial em um ambiente militar:

No discurso dos educadores e responsáveis pelo ensino sobre o contexto

da admissão das primeiras alunas, sobressaem considerações sobre a

realidade do ensino nas forças armadas do Brasil em geral, e do Exército, em

particular.

Os informantes Edvan e Arume enfatizam que o momento de entrada da

primeira turma feminina no Colégio Militar do Rio de Janeiro em 1989, foi

marcado pela opção do Exército em equiparar-se a Marinha e Aeronáutica,

com relação à representação feminina nos seus quadros. Arume (L.176)

40

esclarece que: “só, depois disso, como a Marinha e Aeronáutica, começou a

introduzir o quadro feminino, o Exército começou a pensar”.

Edvan apresenta outras circunstâncias que contribuíram para essa

decisão: uma delas foi o grande número de transferências de militares para o

Rio de Janeiro, proporcionando ensino de boa qualidade aos filhos homens nos

Colégios Militares, e não às filhas mulheres, o que redundava em conflitos

familiares. Além disso, havia a pressão exercida pelo meio civil, uma vez que

as escolas tradicionais estavam abrindo portas para as mulheres no ensino

misto e questionavam o porquê do Colégio Militar não se atualizar.

Mosqueira atenta para a postura feminina naquele período, afirmando que

foi a mulher que fez o Exército equiparar-se às outras armas, foi a (L. 283)

“ascendência da mulher mesmo, a importância da mulher dentro da sociedade”

que resultou na entrada da primeira turma de alunas no Colégio.

Os depoimentos dos dois informantes suportam o que se lê em Meyer

(2003, p.12), em que se lê que no Brasil, na década de 90, os movimentos

feministas buscavam “compreender e explicar a subordinação social e a

invisibilidade política a que as mulheres tinham sido historicamente

submetidas”. Procuravam também definir e qualificar as formas possíveis de

intervenção para modificar tais condições. Tais movimentos contribuíram para

a emergência feminina nas forças armadas. Com efeito, os Colégios Militares

de todo país abrem suas portas para o segmento feminino, primeiro de forma

assimétrica, e depois sem restrição de número.

Já as ex-alunas enfatizam que o momento de entrada da primeira turma

foi marcado pelas suas opções de repetir a quinta série do ensino fundamental,

41

ou mesmo de retornar de séries mais adiantadas. A família de Flávia, por

exemplo, desejava que ela estudasse em um colégio mais forte, estimulando-a

na realização de vários concursos. Sua fala reforça a idéia dessa influência (L.

1575) : “foi mais uma influencia da minha família, por que eu mesma não tinha

noção”.

Flávia na época do concurso era muito nova, não tinha idéia do que era

um Colégio Militar, nem conhecia alguém que estudasse lá, apenas sabia que

era (L. 1577) “um bom colégio, com nome bom”; ainda durante as provas ela

passou a admirar o ambiente e (L. 1579) “quando eu passei então, foi a maior

alegria”, mesmo que tivesse que repetir novamente a quinta série do ensino

fundamental. Vê-se a realização de um projeto da família, em que a decisão de

competir não coube exclusivamente ou propriamente a Flávia.

A família de Clarice, por sua vez, não concordava com a idéia dela em

realizar um concurso para o Colégio Militar; pois seus pais consideravam

remota a possibilidade de êxito, em função da grande quantidade de inscritos

no concurso; além disso, sua filha teria que repetir a quinta série caso

passasse. Clarice insiste em que a decisão foi inteiramente sua pelo ensino e

pelo esporte (L. 463): “queria mudar de colégio”, pois “não gostava do colégio

onde estudava, e pela parte esportiva, por que eu sempre gostei muito de

esporte, tinha um amigo que tinha acabado de entrar no Colégio Militar e falava

muito bem da parte esportiva, e foi isso que mais me motivou”. O amigo falava

do esporte masculino, e Clarice inferia que o mesmo poderia dar-se com as

meninas. A qualidade esportiva a que a aluna se refere pode ser confirmada no

jornal “o Globo – Tijuca” que aborda a “tradição de competência” esportiva do

42

colégio, de conquistar medalhas nas competições em que participava (a

reportagem encontra-se na p.79 deste trabalho).

Márcia enfrentou situação ainda mais séria do que Clarice, pois para

entrar no Colégio Militar retornou da sétima série para a quinta série. Sua

entrada foi em parte motivada pela decisão de fazer companhia a seu irmão

caçula, também candidato ao concurso, ela própria não esperava passar, como

se vê no pedido a seu pai (L. 937): “faz a inscrição pra mim, que eu acompanho

ele, eu não vou passar nesse negócio mesmo, então eu acompanho ele, ajudo

ele a achar a sala, averiguar o nome e tal, porque você não vai poder entrar,

mas eu inscrita vou poder... aí foi assim né?”.

Num certo sentido, poder-se-ia dizer que as alunas não conquistaram o

espaço no colégio e sim que tal espaço foi concedido pelo Exército. Entretanto,

em nível macro, entendemos que tal conquista foi a conseqüência do esforço

desencadeado pelas mulheres em sua trajetória de ascensão e inclusão social

iniciados na década de 80, com a transição democrática, e consolidados pela

Constituição Federal de 1988.

* * *

Os treinamentos dos desfiles para a primeira formatura geral iniciaram

duas semanas antes de começarem as aulas. Flávia estranhou o regime, logo

no primeiro momento de sua estada no Colégio (L. 1586): “de repente você

ficar marchando no sol do Rio de Janeiro, aqui, aqui, era uma coisa de

maluco”, mas diz que inicialmente não questionava ou reclamava de nada por

43

ser uma coisa nova e diferente, e ela até que gostava.

No dia 13 de fevereiro de 1989 teve início o ano letivo marcado por várias

solenidades. Os novos alunos e as novas alunas entraram pelo portão principal

e em seguida ocorreram a abertura do ano letivo e a apresentação das novas

turmas em uma formatura geral. As trinta alunas foram distribuídas em cinco

turmas de quinta série, com seis meninas em cada uma. Tratava-se, portanto,

de experiência de turma mista, o que indica avanço da proposta pedagógica do

Colégio Militar, no que concerne a questões de distribuição de meninos e

meninas na escola. Além disso, a proporção diminuta de menores em cada

sala favorece rápida absorção, por essas, das normas da escola, de destinação

masculina. Em março após terem adquirido os fundamentos da instrução

militar, elas vestiram o uniforme pela primeira vez – saia calça e camisa cáqui

com frisos vermelhos, da cor da boina; e no dia 6 de maio realizaram a

passagem pelo portão principal do Colégio, batendo continência como os

demais alunos da escola.

Revista - 04 Verde Oliva, 1989 ANO XVII, nº 123, p.17 Aluna/o trajando os uniformesoficiais da escola e prestandocontinência após a passagemsimbólica pelo portão principal doColégio.

44

Márcia ficou inicialmente envergonhada, pois era a novidade feminina na

escola, o fato dela ser a mais velha, contribuíram para que se sentisse assim,

mas, explica que no geral, as meninas tiveram uma mesma atitude, de

deslumbramento inicial, (L. 1069) “a gente chegou deslumbrada, muito feliz da

vida, achando que aquilo ali ia ser um paraíso”. Entretanto, tal atitude durou

pouco, e a realidade não se fez esperar (L. 1070) “... a gente não tinha

maturidade nem malícia suficiente para saber que aquilo ali, para virar um

paraíso a gente tinha que ter cuidados, entendeu?” era com todo mundo”. Há

uma objetivação das preocupações e cautelas das meninas na palavra

cuidado, ancorada no contexto inicial de suas vivências no colégio, em que

todas as instâncias são referidas: “era com todo mundo”. Interpretamos sua

referência a cuidado à questão da pouca idade com que ingressaram na

escola; por serem praticamente crianças; as dificuldades para lidar com o

assédio da imprensa, ao trato com os professores, com os superiores militares

e com os rapazes, tanto os da mesma idade quanto os mais velhos, nesse

novo ambiente.

Clarice diz que, demorou para aprender a conviver nesse ambiente,

atribuindo a demora de tal aprendizagem à falta de estrutura da escola. Ao

referir que, no decorrer das atividades, várias mudanças na forma de

tratamento foram realizadas pelos militares, assegura que (L. 858) “eles

tinham medo de falar com a gente, eles não estavam preparados para

receberem meninas... nessa fase de mudança”.

No discurso feminino tivemos claras evidências de uma atitude cautelosa

e de um processo distintivo de tratamento para com as alunas. A convivência

45

inicial é apresentada como conduzida com diferenciação; duas dificuldades

foram evidenciadas, a primeira, com relação ao fato de elas serem meninas

pré-adolescentes e de o segmento docente masculino, não estar preparado

lidar com meninas nesta situação; a segunda dificuldade diz respeito às

atitudes adotas com elas e ao tratamento prestado para com os alunos e as

alunas.

Durante grande parte de seu percurso acadêmico, as alunas da primeira

turma ficaram de alguma forma em evidência. Há registros nos veículos de

informação militares, bem como na imprensa civil, de parte da interação inicial

no primeiro semestre de 1989 e em 1993, com a passagem delas para o

ensino médio.

Dentre o grupo das trinta primeiras alunas, Márcia Couto foi destaque,

conforme pode ser verificado na capa da revista militar Verde Oliva, de 1989.

Revista - 05 Verde Oliva, 1989

ANO XVII, nº 123, CAPA Aluna Márcia Couto trajando osuniformes de gala da escola.Ela está posicionada na praçacentral onde são realizadas asformaturas gerais.

46

O jornal “O globo” do dia 25 de abril de 1989 com a matéria “Colégio

Militar, a austeridade com jeito jovem aos 100 anos”, enfatiza que “A presença

feminina na instituição ocorre sem problemas de adaptação”. A manchete

sugere renovação e manutenção de valores, com integração das alunas na

rotina do Colégio.

Nessa entrevista a repórter Elizabeth Marins associa os aspectos

históricos da instituição com a qualidade de ensino praticada no Colégio, com

ênfase para o processo integrativo, destacando a ausência de preconceito:

“Sem preconceitos, ele completa seu centenário com garotos e garotas dentro

de seus muros”. O prestígio do Colégio Militar é apresentado como consolidado

no imaginário da cultura carioca: “estudar no Colégio sempre foi visto como

símbolo de status”. Na leitura diagonal dessa reportagem, podemos destacar

os seguintes aspectos:

1. A presença feminina na Instituição ocorre sem problemas de adaptação.

Jornal – 02 (primeira parte) “O Globo” 25/04/89 – Elizabeth Marins

47

2. Para marcar este importante marco na história da instituição será realizada uma sessão solene na Assembléia Legislativa. 3. No dia 6 de maio, as festividades serão realizadas na sede do educandário.... e contarão com a presença do Ministro do Exército. 4. Na década de 50, os pais aprovavam e incentivavam os namoros das filhas com os alunos do estabelecimento, conforme mostrou a “minissérie “Anos Dourados” da TV Globo.

A relação inicial estabelecida entre os superiores homens e as alunas,

segundo Edvan (L. 75) “não foi assim, muito contraditória em relação a muitos

professores aqui dentro” e que (L. 90) “não foi tão agressiva assim, porque

logicamente, a grande maioria dos professores do CM na época em que as

meninas entraram, 1989, já existiam mais da metade dos professores,

Jornal – 02 (segunda parte) “O Globo” 25/04/89 – Elizabeth Marins

48

professores civis”. O processo se dava diferentemente da sua época de aluno,

quando a maioria dos professores eram militares coronéis que optavam por

exercer o magistério no final de suas carreiras. Ele alude à disciplina e ao

tratamento severo efetuado quando o colégio era freqüentado apenas por

rapazes,.e a experiência escolar rígida enfrentada por ele como aluno do

Colégio Militar do Rio de Janeiro. Agora, como professor civil, não percebeu

dificuldades especiais no relacionamento, ele que convivia com alunas em

outras escolas onde trabalhava.

O professor Edvan nega o pressuposto das dificuldades de integração,

desautorizando-o em duas expressões, ’não muito contraditória’ e ‘tão

agressiva assim’. Esperava-se mais dificuldade. A fala do professor permite

inferir que o imaginário masculino temia mais confrontos, conflitos de natureza

singular e que não puderam ser verificados por ele em seu dia-a-dia no Colégio

Militar.

Para Mosqueira, sua relação inicial com as alunas (L. 321) “foi

sensacional,” o que atribuiu em parte ao contexto (L. 323) “quem viu o colégio,

quem viveu o colégio como homem, só o homem todo dia, e viveu a fase da

primeira turma, com essas 30 meninas, e hoje vivem aí as alunas, espalhadas

por todas séries, a gente vê que o colégio mudou, mudou, mudou o próprio

relacionamento dos alunos entre si, o próprio comportamento, até disciplinar”.

Ele parece relacionar à entrada das alunas um maior equilíbrio no

comportamento dos rapazes. Elas teriam de diminuir a agressividade, que um

convívio apenas masculino gerava no ambiente escolar; e de amenizar as

atitudes dos alunos na escola, proporcionando uma relação mais equilibrada e

49

saudável com o convívio.

O Coronel Arume foi designado pela direção do Colégio Militar para

comandar a primeira turma de alunas (1ª companhia de alunos/as) e como

militar, encarou sua designação para as atividades de comando delas como

uma (L. 207) “missão” especial, fora da rotina. Diz, explicitamente que para ele

(L. 201) “foi uma grande honra, naquela época eu recebi, foi até um prêmio,

porque a maioria dos oficiais estava pleiteando essa função”. Ele não estava

acostumado a lidar com alunas ou meninas, sua experiência se baseava na

condição de ser pai de três meninos, apesar disso, seu desempenho foi

adequado, e seu contato com elas (L. 195) “foi até uma relação muito boa,

dada às circunstâncias”. Arume contribuiu, sem sobressalto, para a integração

das alunas no Colégio. O fato de a maioria dos oficiais estar pleiteando a honra

do comando ilustra de forma veemente que não havia ‘medo’ de assumir tal

cargo. Ademais, eles tinham a Marinha e a Aeronáutica com mulheres em seus

quadros, e sabiam o que esperavam.

* * *

Identificamos as seguintes “representações” sobre a inserção acadêmica

Feminina através da categoria “motivos” institucionais e pessoais para

realização do concurso de admissão e sobre a categoria “interação inicial” em

um ambiente militar através da análise de reportagens em jornais e revistas da

época (1988 a 1995) e das falas das três alunas e dos três educadores

entrevistados.

50

Os “motivos” encontrados para a inserção feminina no Colégio

relacionavam-se à necessidade de “equiparação” do Exército com a

Aeronáutica e a Marinha, que já possuíam mulheres atuando em seus quadros

e a “pressão” exercida pelo meio civil, em função do momento de abertura

política vivenciada pelo país e, conseqüentemente, pelo “direito” conquistado

pelas mulheres na sociedade brasileira Já para as alunas, sobressaiu ora a

“influência familiar”, pela qualidade de ensino e tradição do estabelecimento,

ora o “auxilio” ao irmão na localização e realização das provas, e por fim pela

“parte esportiva forte” que o colégio já possuía.

A “interação inicial” dos funcionários com as alunas ocorreu “sem

contradições” por parte dos professores, que já atuavam com alunas em outras

escolas; para os militares foi “muito boa”, compreendida como uma “missão” e

tornou-se “sensacional” porque auxiliou na aquisição de equilíbrio

comportamental dos alunos. Para as alunas, foi marcada ora pelo

“deslumbramento inicial”, elas achavam que estudar na escola seria estar num

paraíso, ora ”tudo era novidade e sem questionamentos”, ora elas adotaram

uma postura “tímida” , pelo ambiente rigoroso e pelo assédio constante da

imprensa.

3.1.2 - O tratamento dispensado e as expectativas no convívio escolar das

alunas com a instituição militar :

O tratamento dispensado às alunas pelos professores e superiores, e

sobretudo pelos rapazes, no contexto geral da escola, foi marcado por algumas

51

poucas tensões entre o segmento masculino e o feminino, que merecem

comentário. Segundo Clarice (L. 677) “no começo isolaram a gente” reportando-

se ao fato da quinta série ser mantida em local que não permitia o acesso das

outras séries e que isso fez ela sentir-se tratada como um (L. 680) “bicho do

mato” no início. Entretanto, a separação de grupos de idades diferentes era

estratégia dos internatos e dos externatos de tempo integral, por razões de

natureza moral, educacional, e por motivos de segurança.

Com relação aos alunos, Clarice afirma que enquanto uns diziam que

achavam muito bom ter meninas no colégio, outros reagiam falando que (L.

526) “não era lugar de mulher... que tinha que continuar só homem mesmo”. Os

rapazes reproduzem e ampliam o imaginário masculino, para quem o lugar da

mulher não era no Exército nem nos Colégios Militares.

Segundo Márcia, elas eram consultadas sobre qualquer medida a ser

implementada e que dissesse respeito às alunas. Por um lado, a jovem

estudante era (L. 1087) “protegida” com esse tipo de atitude, (L. 1090) “a gente

sentia um cuidado muito grande, com relação a gente, né?” Nossa

interpretação é que tal cuidado não pode ser lido como infantilizador, e sim

como de uma perspectiva emancipadora da educação para a cidadania, em

que as alunas construiriam sua própria trajetória como corpos-sujeitos. Por

outro lado a inexperiência, associada ao medo de errar, criava um clima de

insegurança, de ensaio-e-erro sui geriris (L.1081): “parecia que todo mundo

estava pisando em ovos, entendeu?”. Essa forma de conduzir o tratamento,

pela parte administrativa, confrontava as características de comando básico do

militarismo, a superioridade da hierarquia e o cumprimento das determinações

52

superiores, empregada com os rapazes e não seguida inteiramente para o

segmento feminino, o que configura nossa hipótese inicial de que havia

diferenciação na aplicação das normas para comas alunas.

Conforme se pode imaginar, o tratamento dos professores não era

homogêneo. Márcia via um grupo que era indiferente a elas, outro que olhava

pra elas (L. 1158) “atravessado” e uma grande maioria que estava curtindo a

entrada das alunas. Quanto aos alunos de mesma idade, ela concorda em

parte com Clarice, dizendo que havia meninos (L. 1302) “hostis, meninos que

tavam a fim de arranjar uma namorada, e meninos que tavam achando

interessante, diferente, legal, entendeu?. A hostilidade é compreensível, pela

quebra de privacidade e privilégios de um mundo homogêneo, masculino, com

suas regalias cristalizadas, que era invadido pelas saias, onde era preciso

mudar gestos, palavras, palavrões, atitudes, práticas.

A atitude mais hostil veio dos alunos velhos, que já estavam no ensino

médio, cuja reação às alunas Márcia descreve com o termo (L. 1308)

“ressabiados”. Entendemos que ela está atenuando seu discurso,

apresentando de forma eufemística uma reação masculina, em que os rapazes

mais crescidos não se conformavam com a perda do poder absoluto, e com a

inevitabilidade de o compartilharem com as mulheres.

As palavras do grupo masculino eram suficientemente claras para a

inferência que estamos apresentando (L. 1310) “cai fora, é, sai fora, isso aqui

não é lugar pra vocês”. A naturalização do direito adquirido, com a

conseqüente reação de revolta contra a perda desse direito se expressa no

sentimento de território invadido, e na certeza de que as mulheres não têm o

53

direito de permanecer nesse território, devem cair fora, embora a reação não

foi geral.

Flávia diz que nunca se sentiu (L. 1664) “discriminada por ser mulher

dentro do Colégio”, ela concorda com Márcia quanto à atitude da parte

administrativa, achando que existia uma certa (L. 1666) “proteção”, em virtude

de serem muito novas, achava que a atitude era (L. 1688) “um pouco paternal”,

mas que não via nada de negativo nisso, (L. 1688) “achei que sempre o

objetivo foi beneficiar a gente, atender a gente”. Nossa entrevistada parece não

perceber às questões de diferenciação no tratamento para com elas, ou seja, o

“paternalismo” enfatizado por Flávia permite uma leitura de manutenção da

dependência pela proteção, o que não se coaduna com o processo educativo

de conquista de espaço feminino; por outro lado, é possível interpretar o

cuidado como sinal de responsabilidade pela condução, com a atenção para

que nada desse errado.

Flávia refere-se a essa questão, dizendo que existia uma (L. 1670)

“preocupação que desse certo, né?” pois o nome do Colégio Militar e a imagem

do próprio Exército estava em questão. Além disso a imprensa estava

divulgando a inovação, e o Colégio não podia errar e se alguma repercussão

negativa ocorresse, os efeitos poderiam ser desastrosos. Ela coincide com

Clarice, relembrando do recreio e do local das aulas e das atitudes dos alunos

(L. 1679): “a gente não podia sair de lá para não ter contato com os alunos

mais antigos, iam avançar em cima da gente, não sei, a gente ficava ali meio

isolada” no início. Não há como negar que o medo era também das alunas,

54

pois o isolamento é por elas interpretado como recurso para protegê-las contra

possíveis abusos por parte dos rapazes maiores.

Segundo Edvan no começo, eles não tinham certeza, ficaram receosos

quanto ao tratamento a ser dispensado a elas, era como se (L. 107) “fosse,

sabe, uma filha a mais, que a gente tivesse que tratar com um pouco mais de

carinho... as atitudes um pouco mais sutis”; evidenciando uma postura de tutela

no dia-a-dia. Isso é verificado através de suas próximas palavras (L. 130) “

elas realmente eram tratadas como... as bonecas do colégio Militar”. As

palavras de Edvan são difíceis de interpretar, e abrem um leque de sentidos

possíveis; acostumados a educar e conduzir homens, sugere que eles mesmos

estavam em situação de desafio em termos das estratégias e procedimentos a

adotar para serem condutores de mulheres.

Entende-se pois as palavras de Mosqueira, para quem o tratamento foi

efetuado (L. 362) “com todo cuidado, era até cheio de dedos demais, na minha

opinião” e conclui (L. 384): “elas eram nossos xodozinhos entendeu, na época

até existia uma preocupação muito grande, e ainda tem”. A preocupação no

trato com a diferença era e é um constante. Nosso informante é enfático (L.

388): “agora é minha opinião pessoal, eu acho que nós não somos iguais”,

”somos biologicamente diferentes, tudo, tudo diferente, agora somos dois seres

iguais que vamos fazer as mesmas coisas, cada um dentro de suas

características tem que chegar lá”. A lucidez da compreensão de diferença é

digna de nota, bem como o tratamento curador dispensado a elas (L. 394)

“eram nossos, nossos bibelôs entendeu, eram nossas preciosidades”.

Arume observou também que a escola teve que realizar uma série de

55

mudanças, em função de até então nesse ambiente circularem apenas

homens. Daí a adaptação nas instalações e nas atitudes daqueles que lá

conviviam, confirmam o que Clarice expõe sobre o tratamento inicial. Ele

mesmo sentiu (L. 215) “alguma dificuldade” nessa reiniciação. Além do mais a

mídia era muito assídua, como se o Colégio Militar fosse um ambiente visado.

Alguns oficiais no afã de acertar tiveram atitudes mais amenas, com relação ao

tratamento às alunas: Suas palavras traduzem a busca da compreensão da

diferença (L. 226): “faziam até alguma distinção das meninas, tratavam até de

forma mais, vamos dizer, aceitavam mais os erros, do que aceitavam dos

alunos, né?”.

Weeks (2000, p. 65) afirma que “dentre os múltiplos espaços e as múltiplas

instâncias onde se pode observar a instituição das distinções e das desigualdades, a

linguagem é, seguramente, o campo mais eficaz e persistente... a linguagem não

apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula,

mas produz e pretende fixar diferenças”. Entendemos o comportamento

“cuidadoso”, a atitude de dependência das alunas, que necessitariam de uma

atitude mais condescendente do segmento mais forte, apesar de não ser a

intenção formal.

O tratamento dispensado às alunas pelos superiores e pelo professor no

contexto geral da escola demarcam o que Louro (2002, p. 62) configurou como

fixadores “de diferenças, porque demarca os lugares de gênero” através dos

diminutivos empregados, pelas associações e analogias feitas com as

bonecas. A proteção dos professores era compreensível em virtude da pouca

idade das alunas, e por outro lado: os alunos mais velhos eram

preconceituosos, possivelmente por também não terem sido preparados para

56

lidarem com o acesso feminino no Colégio.

Portanto entende-se que os conflitos maiores enfrentados pelas alunas

diziam respeito ao convívio com os alunos mais antigos que entendiam o

Colégio como um reduto masculino durante os cem anos de sua inauguração e

hostilizavam as alunas pelo que consideravam invasão de seus espaços. Não é

clara a referência a despreparo dos militares quanto ao tratamento.

* * *

Comentemos agora as expectativas do convívio escolar das alunas com a

instituição militar. O concurso selecionou trinta alunas com boa qualidade

intelectual. Elas despertaram admiração no ambiente militar, propiciando um

movimento positivo à continuidade do processo de acesso feminino no exército.

No início tudo era novidade mas com o passar dos anos pesou o

treinamento e execução da ordem unida para as formaturas gerais20. Clarice

coloca que (L. 537) “na sétima série eu já odiava, pensei várias vezes em sair

do colégio, por que não via sentido nesse militarismo às vezes ‘burro’, era

muita coisa sem sentido”. Referindo-se a repetição dos mesmos ritos todos os

dias (L. 542) “você começa a não ver mais sentido, perde o significado, então

você começa a questionar”. Não saiu do colégio por que começou a (L. 551)

“matar a formatura”; e que levava tudo muito a sério, (L. 558) “quando eu

comecei a não levar tanto a sério é que, o que me permitiu ficar”. Clarice

20 As formaturas gerais são realizadas semanalmente. Ocorre a apresentação de todas as séries e armas do colégio em desfile militar da praça central da escola, para tanto realizam-se também o treinamento de instrução militar de preparação para as formaturas gerais.

57

demonstra inconformismo, ela só superou suas dificuldades com os aspectos

militares de sua formação transgredindo as regras. Por não ser ouvida inventou

suas próprias soluções para permanecer e continuar com a parte esportiva, seu

prazer e objetivo inicial.

Conforme o tempo foi passando, Márcia percebeu (L. 1170) “que aquilo

era pra mim, que eu gostava que ter que me submeter a uma, disciplina, que

eu gostava de ter regras pra seguir, que eu gostava que essas regras

funcionassem pra que eu pudesse me destacar nelas entendeu?”.

Ela cedo observou que as pessoas que (L. 1135) “se destacavam na parte

intelectual tinham seu valor, tinham o seu destaque, até a hora de sair do

colégio, e isso mexia comigo... achei isso muito motivante entendeu?” e

quando percebeu que a parte da Educação Física interferia nessas avaliações

então (L. 1139) “foi tudo pra mim”; (L. 1149) “eu sabia que tinha minhas

limitações, então eu queria compensar na parte física, porque embora tivesse

um peso menor, né? era aquilo que me levantava no final”. Ela comprometeu-

se com as tradições militares e tornou-se exemplo dentro da instituição.

Flavia por sua vez, logo verificou que (L. 1623) “a gente não estava ali de

favor”, procurava participar de tudo. Ela relembra que a parte administrativa

sempre deixou a (L. 1715) “regra do jogo clara com a gente, aquela coisa de

hierarquia, da disciplina” então já esperava que eles fossem cobrar muito das

alunas; esperava que o esquema (L. 1738) “fosse mais rígido, tratamento de

quartel, mas como a gente é aluno... mas a cobrança existia”. Refere-se a

amenização nas aplicações das normas para com elas, e que isso se

adequava parcialmente à questão de serem alunos e não militares, porém

58

reforça novamente as contradições de um esquema de cobrança militar para o

masculino e outro adotado para com o feminino.

Os alunos no final do ensino fundamental ascendem por nota ou por

escolha, a uma arma do exército. Em cada arma aprendem-se os fundamentos

e particularidades desenvolvidas por cada segmento. São elas: a infantaria

com aprendizagem básica do manejo de fuzil, a comunicações, com

fundamentos básicos do rádio amadorismo, a artilharia, com o manejo de

canhões; e a cavalaria com os fundamentos da equitação.

Clarice escolheu a arma de Artilharia, Márcia e Flavia a de Cavalaria.

Para Flávia, ir para a arma de Cavalaria, foi o que proporcionou a sua

permanecia no Colégio. Ela começou a questionar o uniforme, a questão do

cabelo preso em coque, o uso de brincos e maquiagem discreta, como se elas

fossem militares, (L. 1778) “ éramos adolescentes... não quero mais e tal, enchi

o ‘saco’, aí foi quando eu fiz prova pra federal de química e pra CEFET, mas eu

não tive coragem de sair” em função de estar já no colégio quatro anos e

desejar pertencer a Cavalaria, o que ocorreria naquele ano. As atitudes de

Flávia mostram evidências das mudanças ocorridas no seu comportamento

durante o processo escolar , se compararmos com o que inicialmente dizia, que

não ”questionava nem reclamava de nada” e agora, pelas dificuldades

enfrentadas na adolescência, adotava uma postura mais contestadora para

com as cobranças das normas. Aqui verificamos que com o passar dos anos

escolares, a administração adequava a forma como executava a cobrança da

norma para com o segmento feminino.

Para Márcia esse momento foi como se tivesse (L. 1191) “revivido a

59

quinta série no primeiro ano... por causa do uniforme que é diferente... foi outra

badalação”. Ela refere-se ao novo assédio da imprensa ocasionado pela

conquista de um dos últimos espaços masculinos dentro da escola, a entrada

para as armas no ensino médio.

A Cavalaria, naquele período, era a arma de maior dificuldade de

ingresso. Um dos critérios para adentrar era possuir as melhores notas na

primeira série, outra característica era a habilidade na condução do cavalo, o

que era verificado em avaliação prática.

A jornalista Andréa Magalhães em “o Globo” (p. 60 - deste trabalho) expõe

o momento vivido por Márcia em sua passagem para o ensino médio. Podemos

destacar nesta entrevista os seguintes aspectos abordados pela jornalista:

“Márcia Couto é a primeira aluna da Cavalaria”; expõe o fato de que para

vencer os preconceitos e poder ir para a Cavalaria “basta mostrar

competência”; que a aluna sonhava com o ingresso no exército e cursar “uma

Agulhas Negras para meninas”; que a “a farda cáqui e vermelha, ajuda a

camuflar seus dezessete anos”, que Márcia não responde as provocações,

“mostrando que é preciso ter jogo de cintura para não sair da linha militar”; que

ela é uma adolescente como outra qualquer, “trocando as esporas pelos

ursinhos de pelúcia, Márcia revela seu lado de menina moça... ela mostra que

gosta de ser ver livre das pesadas botas... de pensar no namorado”; que a

escola é a sua casa: “nas suas duas casas , a da família e o colégio, procura

sempre ser carinhosa e disciplinada”; revela ter “feito a escolha certa ao

ingressar no colégio porque “conseguiu se adaptar e vencer a batalha da

disciplina e do bom rendimento”.

60

Abaixo podemos acompanhar esta entrevista:

Jornal - 03 Andréa Magalhães - Jornal “O Globo – Tijuca”: 06/07/1993 “Derrubando preconceitos – No Colégio Militar, Márcia Couto de 17 anos é aprimeira aluna de Cavalaria”.

61

Segundo a reportagem da Revista de Domingo do JB (1993, p. 53-56)

com o título “Outra guerra dos sexos”, quatro anos após o ingresso as

pioneiras estão “perfeitamente integradas. Elas organizam festas, solenidades,

participam dos desfiles, aventuram-se em competições e até comandam

turmas”, mas ainda não “venceram o desafio de tomar o espaço vago no

Pantheon de fotos21 e figurar na galeria dos melhores”. Essa vitória selaria “de

uma vez por todas, as conquistas das mulheres na instituição”, deixando os

“meninos irados dentro dos coturnos”, o fato das meninas conseguirem

“vencerem mais essa batalha”. A reportagem informa que “para menina não há

guerra perdida” porque elas almejavam habilitarem-se a uma escola de oficiais

e cursar uma academia militar, como o segmento masculino efetuava e que

“elas enfrentam uma ‘batalha’: não existe ainda curso militar de formação

superior para mulheres”.

A jornalista expõe o processo de inclusão feminina na instituição; Inicia

sua reportagem identificando as funções e características ditas “femininas”

“organizam festas, solenidades, participam dos desfiles”, e até “aventuram-se

em competições.. comandam turmas”, como se fosse até então inconcebível tal

proeza para as mulheres, no entanto, aos poucos, muda a tônica de suas

observações, dizendo que alunas foram ocupando o seu espaço no Colégio

Militar; revela a dificuldade masculina em conviver com a ascensão feminina e

a rivalidade que ainda existia na convivência. Enfatiza que por parte do Colégio

Militar e do Exército, ainda existiam restrições ao segmento feminino e que

21 O “Pantheon” consiste em uma homenagem da escola aos melhores alunos do Colégio. Para se pertencer a ele deve-se em todos os sete anos de estudos ter-se notas iguais ou superiores a 9,5 em todas as disciplinas estudadas e em todos anos cursados no colégio. Apenas onze alunos conseguiram realizar essa façanha em seus 104 anos de existência.

62

esta conquista deveria ser realizada pela determinação existente dentro de

cada mulher.

Quanto ao rendimento, a repórter diz que: “os garotos estão tendo que

aturar, as meninas têm as melhores notas”; podemos verificar isso nos estudos

da sociolingüística (Trudgill, 1974, por exemplo), que comprovam que as

mulheres estão mais próximas do padrão culto, enquanto os homens têm

menos domínio das regras da língua culta.

A reportagem descreve que o sucesso das alunas, despertam “até

ciúmes” na ala masculina; e as reações dos alunos frente a presença feminina

no Colégio: “No aniversário do centenário do colégio, a imprensa deu destaque

para elas. Esqueceram que nós, homens, levamos nas costas a fama da

instituição durante todos estes anos”, reclama um aluno da 1ª série do ensino

médio, e ainda: “Elas tiraram a liberdade dos garotos, sentencia um ex-aluno,

enquanto outro rebate: “A presença delas tornou o colégio ainda melhor”,

demonstrando os sentimentos contraditórios que a presença feminina

despertava no segmento masculino do colégio;

Conclui expressando que as alunas sabiam que ao ingressarem no

Colégio Militar do Rio de Janeiro, estariam “invadindo um território até então

dominado pelos homens, com a missão de provar que não lhes faltava

competência para estudar em salas de tradições centenárias” e que

ultrapassado o “primeiro desafio – o da adaptação e do preconceito – “cabe

agora mostrarem, no 2º grau, suas habilidades militares”.

Na próxima página podemos verificar os dados analisados na revista de

Domingo do JB:

63

Revista - 06 DOMINGO. JB, Ano 17, Nº 887, 02/06/93, p.53. “Outra Guerra dossexos”. Imagem de fundocom as fotografias dosalunos destaques noPantheon.

Revista – 07 DOMINGO – JB, Ano 17, Nº 887, 02/05/93, p. 54. “Outra Guerra dos sexos”- Fotografia de MárciaCouto com os seguintesdizeres : “Márcia Coutoensaia galopes diários nocolégio. Dizem osmeninos que ela arrasacorações em uma sela”.

64

Segundo Arume, a qualidade “excepcional” das alunas que entraram no

concurso de admissão foi conseguida porque ocorreu uma seleção muito boa,

e que (L. 271): “o pessoal elogiava muito, achavam pela forma como elas se

portavam né?, a educação, tudo” propiciaria um movimento positivo de

continuidade feminina, elas demonstraram que o direcionamento realizado pelo

exército na condução do processo de inserção feminina deu certo, pois

tornaram-se figuras exemplares dentro da instituição escola/exército.

Segundo Edvan, a expectativa girou em torno da conclusão das suas

atividades escolares, de que houvesse igualdade com o segmento masculino, e

que elas pudessem ingressar nas preparatórias do exército e depois em sua

academia militar. Isso fica evidente nas próximas linhas (L. 154): “acho que elas

acreditavam que, ou acreditaram que quando terminasse a sua, u, u, o 2º grau

aqui na época,... que o exército já estivesse preparado para recebe-las, acho

que essa foi à expectativa”.

Para Mosqueira, ocorria uma expectativa muito grande por parte de quem

trabalhava com elas, quanto à projeção do futuro delas, e em contrapartida, a

falta de expectativa da instituição, no que ele descreveu como (L. 403)” a gente

cria os elefantes e deixa eles crescendo, depois ele pisa na gente, fala hi!,

pisou na gente, é, nós alimentamos com leite ninho ali, com vitamina, cresce,

fica enorme e pisa na gente, é! Pisou na gente”, e complementa ainda dizendo

que (L. 405) “nós é que alimentamos, deixamos ficar daquele tamanho”

referindo-se a questão do exército ter iniciado a inserção feminina pelos

Colégios Militares, elas terem cumprido adequadamente suas missões e eles

terem demonstrado descaso com a continuidade delas no Exército. Nesse

65

período ainda não existia um curso de formação superior para mulheres no

Exército22.

Em 1993, 330 alunas já estudavam no Colégio Militar do Rio de Janeiro.

Das 30 pioneiras, 24 permaneciam, as outras, acompanharam seus pais em

transferências. Nesse momento outra situação se apresentava causando

problemas para as alunas, a autorização de transferências para séries mais

adiantadas de alunas filhas de militares. As três entrevistadas demonstraram

frustrações quanto ao acesso delas, sem concurso de admissão, prejudicando

a conclusão de suas atividades escolares como a primeira turma feminina a

formar-se na caserna.

Clarice designou-as como (L. 743) “janelonas” explicando que as pioneiras

passaram por um concurso desgastante enquanto as outras vieram através de

seus pais militares transferidos, entrando nas séries finais do colégio e

prejudicando as formaturas delas como a primeira turma feminina.

Flávia sentiu-se insatisfeita (L. 1965) “por que a gente esperou tanto

tempo para se formar como a primeira turma de meninas, eu deixei, repensei

minha decisão de sair do colégio por causa disso, e elas entraram no terceiro

ano” esclarecendo que (L. 1971) “a gente ficou muito chateada”.

Márcia acrescenta que (L. 1173) “a única vez que eu tive problema, em

termos de me rebelar com alguma coisa, ficar com raiva de alguma coisa, foi

quando a regra não funcionou pra mim “ e que o que marcou-a negativamente

foi a entrada de (L. 1194) ”um monte de gente transferida” sem passarem pela 22 Cabe esclarecer que o Exército foi à última arma a possibilitar a entrada, em seus quadros, do segmento feminino. Uma vez dada a possibilidade de ingresso feminino, a nível fundamental e médio, o exército manteve-se praticamente imóvel, não possibilitando, ao final dos estudos das alunas, o implemento do segmento de oficiais femininos na Escola Preparatória de Cadetes do Exército e futuramente na Academia das Agulhas Negras, somente em 1997 oportunizou a entrada feminina no Instituto Militar de Engenharia (IME) no Rio de Janeiro.

66

seleção à qual elas se submeteram no início.

As três entrevistadas são unânimes no relato de suas frustrações com

esse fato, advertem que a escola poderia ter aguardado um pouco mais antes

de permitir o acesso a séries posteriores as suas, com alunas transferidas.

Restavam apenas o segundo e terceiro ano do ensino médio para que elas se

formassem e passassem a fazer parte da história do colégio, uma vez que nele

se valorizava tanto a tradição Isso também demonstra o descaso aludido por

Mosqueira, e a real importância dada ao acesso feminino, evidenciando que as

alunas estavam à margem do processo e ainda não faziam parte das tradições

centenárias do colégio.

Apesar do ocorrido, Márcia diz que estudar no Colégio Militar do Rio de

Janeiro é uma experiência (L. 1536) “que eu desejo pros meus filhos... que eu

não perdi nada , eu ganhei a minha vida.. e que se um filho meu estivesse na

mesma situação que eu, eu diria, vai que você não vai se arrepender”

* * *

Identificamos as seguintes “representações” sobre a inserção acadêmica

feminina através da categoria “tratamento” dispensado às alunas e sobre a

categoria “expectativas” no convívio escolar das alunas.

O tratamento adotado pelos superiores homens foi “cuidadoso”, elas eram

os ”xodozinhos, os bibelôs”; foi “receoso” e “amenizado”, com cobrança

diferenciada das normas; eles tinham um cuidado especial com as alunas,

protegendo-as das dificuldades, o que proporcionou o isolamento dos recreios

das alunas e do contato com os alunos mais antigos. Esses tiveram seus

67

espaços invadidos e reagiram da forma como puderam, com palavras do tipo

“cai fora, isso aqui não é pra vocês”, “isso aqui não é lugar pra mulher” são

exemplos do tratamento realizado por eles.

O convívio das alunas com a Instituição encaminhou suas expectativas

para questões como “se destacar; dar valor a parte intelectual e física;

pertencer a uma arma”, foram positivas, mas também puderam ser associadas

às expectativas negativas no convívio escolar, tais como “esperavam que fosse

mais rígido, que houvesse uma cobrança maior da disciplina e da hierarquia; os

treinamentos militares perdem o significado”; Os entrevistados expuseram suas

preocupações com o futuro militar delas, com a “projeção do futuro”, em função

de, na conclusão de suas atividades escolares, o exército ainda não ter tomado

nenhuma providência quanto ao ingresso das mulheres nas forças armadas; de

que ocorresse “igualdade de oportunidades” e elas pudessem cursar uma

Academia Militar do Exército, adquirindo equiparação ao segmento masculino;

e que ocorresse a “entrada das mulheres no exército”, em função de suas

qualidades especiais; as reportagens e a revista direcionam as expectativas

para se vencer o ”desafio de tomar o espaço vago na galeria dos melhores” e

fazer parte do Pantheon de honra do colégio e “colocar um rostinho feminino

naquele espaço”, uma “vitória que vai selar de uma vez por todas, as

conquistas das mulheres nessa instituição”, dizendo que elas tinham a “missão

de provar competência” porque invadiram um “território dominado pelos

homens”, ultrapassaram o primeiro desafio (o da adaptação e do preconceito) e

agora enfrentam o segundo, “de mostrar suas habilidade militares”.

68

3.2 - A INSERÇÃO ESPORTIVA FEMININA NO COLÉGIO MILITAR DO RIO

DE JANEIRO.

Analisaremos a seguir a inserção feminina nas aulas de educação física,

sua participação em competições internas e externas, através da análise de

reportagens em jornais e revistas da época (1988 a 1995) e do discurso de

elite; e as vicissitudes da educação física segundo as entrevistas de elite

feminina.

3.2.1 - A educação física e o segmento feminino no Colégio Militar do Rio

de Janeiro:

O currículo de educação física no Colégio Militar do Rio de Janeiro em

1988, segundo a revista Aspiração (1988, p. 63-64), era composto de acordo

com as diretrizes estabelecidas pela Divisão de Ensino e Pesquisa (DEPA).

As atividades efetuadas pelas alunas nas aulas de educação física,

coocorriam com a prática das seguintes modalidades esportivas: atletismo,

natação, basquetebol, voleibol, handebol, esgrima, judô, ginástica olímpica e

tênis de mesa, realizadas de forma mista. As aulas de ginástica rítmica e dança

eram privativas para as alunas, enquanto os rapazes praticavam a modalidade

de futebol de campo

Havia duas aulas por semana, com dois tempos consecutivos de 50

minutos cumprindo um total de 90 horas anuais. As/os alunas/os de 5ª série e

de 6ª série cumpriam cerca de oito aulas seqüenciais de cada modalidade,

69

realizando um rodízio de conhecimentos esportivos, sendo que a partir da 7ª

série ela/es poderiam selecionar e praticar o esporte com o qual mais se

identificassem.

O Colégio contava também com escolinhas comunitárias, de todas as

modalidades praticadas nas aulas de educação física, fora do horário

convencional das aulas. As escolinhas contavam com uma parcela significativa

de alunos/as do colégio e também com o acesso de pessoas da comunidade.

Edvan reporta-se ao início das atividades escolares das alunas, indicando

que a educação física do Colégio Militar possuía características diferenciadas,

com relação ao contexto geral do Colégio. Ele refere-se ao “paternalismo” que

ocorria com a parte administrativa, e que o mesmo não ocorria nas aulas

práticas. Isso em função delas terem entrado na quinta série com as aulas de

educação física mistas, com idade cronológica aproximada, e também por que

(L. 128) “não houve muito, muito melindre com relação aos alunos e alunas”.

Clarice expõe que o modelo de educação física era (L. 2049) “bom, por

que permitia a você conhecer as modalidades e te dava chance de se

especializar em alguma coisa” e que a infraestrutura do Colégio era (L. 2053)

“excelente, para nível escolar, eu acho que pouquíssimos Colégios no Rio de

Janeiro tem a infra-estrutura que o Colégio Militar tem para a parte esportiva”23.

As aulas de educação física e as escolinhas extraclasses abriram as portas

para sua escolha profissional, de tornar-se professora de educação física, (L.

2190) “se hoje sou professora é, tudo isso começou no Colégio Militar, com a

23 O Colégio Militar do Rio de janeiro possui um parque esportivo que conta com uma piscina olímpica e outra para adaptação, uma pista de Atletismo com 372m, três quadras externas: uma para handebol, outras para Basquetebol e Voleibol, um campo de Futebol, um ginásio poliesportivo e outro ginásio para ginástica de trampolim e olímpica, sala de Judô, sala de Esgrima e sala de Musculação.

70

chance que eu tive de estar mais perto do lado esportivo”. Ela elogia o aspecto

esportivizante adotado tanto nas aulas quanto nas escolinhas, o que é

evidenciado principalmente nos clubes esportivos, com formação para

competição.

Flávia gostava de praticar esporte e de tudo que envolvesse treinamento,

relacionando a sua postura ao fato não ter passado por experiência semelhante

na escola em que estudava. Esclarece que (L. 2054) “aqui eu comecei a

gostar, curtia realmente a educação física” e que (L. 2068) “o esporte pra mim

foi muito bom, por que me deu uma coisa de auto-estima muito grande”. Ela

também reforça a questão exposta por Clarice quanto às vantagens

proporcionadas pelo espaço físico e pela prática diferenciada imposta pelo

ambiente escolar. Revela o quanto a educação física influenciou a aquisição de

suas habilidades físicas de forma prazerosa e continuada, além de contribuir

decisivamente na sua formação comportamental.

Mourão e Pereira (1995, p.144) em pesquisa realizada sobre o cotidiano

da educação física escolar comprovam que a “maioria das alunas depende

mais da escola para praticar atividades físicas do que os meninos”, e que isso

representa uma limitação nas opções de prática para as meninas. No caso do

Colégio Militar, isso ocorria de forma diferenciada, pois o espaço destinado a

prática de atividades motoras facilitava a adesão continuada na educação

física, diferentemente do que ocorre na maioria das escolas públicas do estado.

Segundo Flávia, ter passado no concurso para o Colégio Militar foi a (L.

1566) “primeira maior conquista, que eu tive na minha vida... eu tenho o maior

orgulho”. Após a conclusão do ensino médio ela prestou prova para a

71

Academia da Força Aérea, tornando-se também da primeira turma feminina na

Aeronáutica. Ela esclarece que no Colégio Militar (L. 1857) “a grade de ensino

é muito boa, mas a coisa do esporte eu acho muito legal, por que te dá uma

disciplina, te dá uma vontade, me ajudou muito depois na AFA, por que você

chegar lá sem preparo físico ou sem gostar, aí você sofre horrores”.

Ocorriam nesse período dois testes físicos (TEF) por ano, para os quais o

corpo discente deveria treinar-se, e de onde a nota da educação física era

composta. O teste de educação física consistia para o feminino e para o

masculino em provas de 100m rasos (masculino) e 50m rasos (feminino), salto

em distância, salto em altura, teste de 12 minutos, flexões e abdominais em um

minuto (número máximo de repetições) e 50 metros de nado crawl. Em todas

as provas o corpo discente deveria conquistar o melhor resultado possível, o

qual era direcionado para uma tabela de pontos masculina e outra feminina,

com a qual confeccionava-se a média, juntamente com a freqüência às aulas

de educação física. Essa nota influenciava no sistema de nivelamento de

divisas (graduação) utilizado pelo exército e pelo Colégio Militar e compunha a

nota de comportamento a partir da qual, caso o aluno atingisse o limite máximo

(pontos perdidos), ele seria desligado do colégio.

Márcia sabia que o teste de educação física significava uma colaboração

importante para a ascensão e graduação no colégio então (L. 1142) “não era

pra ninguém, eu ficava, eu pulava na piscina, eu só pensava assim, eu me

afogo mas eu chego lá com dez”.

O objetivo de Márcia era tirar dez em todas as provas físicas. Ela queria

compensar a parte intelectual com a parte física, porque (L. 1151) “era aquilo

72

que me levantava no final”. Aqui percebemos o valor empregado às suas

conquistas intelectuais. Ela utilizava os testes de educação física para

ascender no Colégio, porque sabia que quem se destacasse seria valorizado,

pertenceria a elite, se graduaria, seria respeitado.

* * *

Identificamos as seguintes “representações” sobre a inserção esportiva

feminina através da categoria “educação física” segundo os/as

entrevistados/as: ela ocorria de maneira “diferenciada”, permitia uma

“participação extra” das alunas, pela forma como era conduzida. Para as

alunas a educação física era “boa”, porque permitia conhecer as diversas

modalidades esportivas oferecidas e também se especializar em alguma(s) e

que isso ocorria pela “variedade de oportunidades e infra-estruturas

excelentes” que o colégio possuía. Outro aspecto levantado por elas diz

respeito à estruturação emocional, propiciando a aquisição de “auto-estima” e

sua relação com os aspectos de cobrança Intelectual conduzida pelo colégio,

permitindo a “ascensão” e obtenção de graduações.

3.2.2 - As Competições e a Inserção feminina:

Segundo Mourão (2003, p. 126), os estudos sobre a inserção esportiva da

mulher brasileira esbarram na dificuldade de avanço teórico e em “fazer valer

os compromissos políticos de inserção de meninas e das mulheres na prática

das atividades físicas e esportivas”; as políticas públicas não criam condições

73

para que as alunas/mulheres possam romper as diferenças sócio-culturais que

as afastam dessa prática.

Segundo a autora, o nível sócio-econômico influi “poderosamente nas

oportunidades de inserção esportiva da mulher no espaço esportivo brasileiro”

e que a maioria das moças e rapazes que participa de atividades esportivas

competitivas nos clubes provém de famílias das classes média” (ibidem, p. 137-

138). Apenas uma minoria das mulheres brasileiras participa de atividades

esportivas é “para a maioria delas, a escola é o lugar apropriado, normalmente

o único de que dispõe para a prática das atividades físicas e esportivas”

(ibidem, p. 139).

A inserção feminina nas atividades esportivas competitivas no Colégio

Militar iniciou-se através das disputas das olimpíadas internas. Elas ocorriam

entre as turmas da 5ª série, entre as de 6ª série, e entre as de 7ª série do

ensino fundamental. Na 8ª série e no ensino médio eram distribuídos pelas

equipes da 4ª Companhia (8ª série), Cavalaria, Infantaria, Artilharia,

Comunicações passando a ser designadas como “Olimpíada das Armas”. As

competições eram realizadas em todas as modalidades praticadas nas aulas

de educação física e duravam cerca de uma semana.

Clarice expõe que (L. 617) “a olimpíada das armas era muito competitiva”,

e que para ela “aquilo tinha uma dimensão imensa, a olimpíada das armas era

a Olimpíada”, ressaltando o empenho com que as torcidas e equipes se

organizavam e iam assistir aos jogos disputando ponto por ponto os resultados

das competições. Ela informa sobre as rivalidades e às vezes até o (L. 630) “o

preconceito por ser de uma arma e não ser de outra”, mas que quando o

74

assunto era defender o colégio, (L. 639) “a representatividade do colégio,

quando a competição era externa já era outra coisa, uma coisa totalmente

diferente, porque tinham as equipes que eram formadas por membros de

qualquer arma, independente do que fosse”.

Com a continuidade das atividades acadêmicas as alunas passaram a

representar o Colégio em diversos eventos. A escola proporcionava

treinamentos de equipes a partir da 8ª série do ensino fundamental. Isso se

refletiu em uma maior participação do Colégio em competições externas de

nível escolar.

Revista - 09 Aspiração 95/96 p.89 “A marcialidade da formatura da

Cavalaria indicava o prenúncio davitória”. A reportagem reforça a posturamilitar a ser executada durantes osdesfiles de apresentação das equipescompetitivas na olimpíada interna:

Revista - 08 ASPIRAÇÃO - 94/95, p. 55 “Logo no início, a Artilharia se mostraarrasadora. No desfile, vem comhonra, e a torcida traz a raça”. Arevista aborda o tema da olimpíadainterna enfatizando as disputas entreas armas:

75

Mourão (2003, p. 143) configura a política do esporte nacional dizendo

que a cada ano os “governos federais, estaduais e municipais promovem jogos

escolares e “olimpíadas colegiais”. Apresenta duas possibilidades para o tipo

de disputas realizadas: numa, “os jogos representam a manifestação do

esporte escolar, focalizando na participação, experimentação da co-educação

pela via simbólica da prática esportiva e formação da cidadania com co-

responsabilidade” e outra, com os jogos marcados pelo “alto grau de elitismo,

seletividade e competitividade... repetem a façanha dos clubes em torneios

locais e regionais” e que “ muitas escolas brasileiras funcionam como clubes,

Revista - 10 Aspiração 95/96 p.89 “Alunos gritando o nome da arma e agitando as bandeiras, demonstrandomuita animação e vibração na torcida da rainha”. A reportagem revela aimportância dadas pelos alunos e condutores do ensino a representaçãodas armas durante as competições:

76

no que diz respeito ao modo como conduzem o esporte, centradas

exclusivamente na competição”; é nesse caso em particular, que o Colégio

Militar estava inserido.

Enfocaremos agora as realizações esportivas ocorridas no colégio nos

anos de 1994 e 1995, em decorrência da estruturação esportivizante utilizada

pela seção de educação física.

Nesse período o Colégio era comandado pelo Coronel de Infantaria

Codevila Pinheiro24 que determinou ao então chefe da seção de educação

física, Major Arthur, o retorno do Colégio às competições escolares.

Empenhado em cumprir essa missão, este organizou seus professores e

militares para uma participação efetiva, tanto em competições de âmbito militar

masculino25 , quanto a nível escolar masculino e feminino, o que culminou com

os resultados abaixo ilustrados:

24 Revista Aspiração 95/96, p 5. O Coronel Pinheiro era procedente da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Sua formação militar foi eclética. Possuía os seguintes cursos e estágios no país: AMAN, ESEFEs, EsAO, ECEME, CEP, CPEAEx e na Escola de Guerra da Itália. 25 Disputas com: a Escola de Formação da Marinha Mercante, Escola de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros, Escola Formação e Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar, Colégio Naval, Escola Preparatória de Cadetes do Exército e Instituto Militar de Engenharia.

Revista - 11 Aspiração 95/96, p. 85. Painel Comemorativo exposto naRua Barão de Mesquita esquinacom São Francisco Xavier nosanos de 1994 e 1995, com osprincipais resultados esportivosobtidos pelo CMRJ.

77

O professor Edvan percebeu que aumentava o empenho das alunas em

praticar os diferentes esportes oferecidos pela seção de educação física. pois

(L. 459) “elas participavam além, do, vamos dizer, assim, do atletismo,

esgrima, judô, todos os esportes que nós podemos citar aqui, elas tinham

também a parte de dança, e GRD, elas tinham mais eventos esportivos do que

os próprios alunos”. Ele responde às nossas indagações iniciais, de que

poderia ocorrer uma relação entre as atividades praticadas por elas e os

resultados positivos obtidos nas competições esportivas.

Arume manifesta opinião diferente, afirmando que não houve relação

entre os fatos acima, e que foi uma mera (L. 483) “coincidência”. Ele justifica

sua opinião revelando que a escola tem/teve uma quantidade muito boa de

alunos voltados para o esporte dentro do Colégio e que em (L. 486)

“determinadas épocas... o Colégio ganhava tudo” o que disputava.

Nosso entrevistado parece não depositar nas alunas o fator

preponderante, de convergência dos bons resultados. Ele pontua sobre a

importância da atuação dos integrantes do Colégio em práticas diversas e com

grande adesão foi o que favoreceu a obtenção dos resultados positivos

daquele período. Não nega a contribuição coletiva, feminina e masculina,

relembrando que o colégio perdia muitos pontos por não poder contar com o

segmento feminino, pois só participava com o masculino, na contagem geral

das competições escolares.

O incentivo proporcionado à prática do esporte pelo comando do Colégio

fez-se evidenciar com a promoção de títulos aos melhores atletas. Clarice foi

uma das beneficiadas e foi considerada por duas vezes a melhor atleta do

78

Colégio em 1994 e 1995, recebendo placas alusivas a suas conquistas

esportivas. Ela relata que começou a se dedicar mais às competições (L. 761)

“na 8ª série” praticando voleibol nas escolinhas e aulas de educação física

além de participar das competições internas.

Clarice descobriu os treinamentos de atletismo26, fora do horário de aulas,

que permitiram em conseqüência a oportunidade de treinar outras modalidades

e (L. 785) “sempre que me davam uma oportunidade de treinar alguma, eu ia

treinar”.

Flávia gostava de praticar esporte e de tudo que envolvesse treinamento,

relacionando a sua postura ao fato não ter passado por experiência semelhante

na escola que estudara. Ela participou das competições escolares com a

equipe de Judô dizendo que (L. 2560) “não era muito boa” nessa modalidade,

mas que no atletismo obteve bons resultados, inclusive no seu último ano

obteve a medalhe de ouro na prova de salto em altura, categoria livre não-

federada e a de prata no revezamento 4X100m, ambas no Intercolegial de

1995.

Flávia destaca a importância da educação física proporcionando suporte

em sua adolescência, propiciando que se tornasse uma pessoa mais plena e

confiante. Comenta ainda que (L. 2558) “a participação da gente foi muito

importante” explicando que o colégio tinha uma tradição boa também na parte

esportiva e que elas fizeram parte disso, começaram a (L. 2558) “ganhar

medalhas pra, pra somar, pra resultados do colégio”, referindo-se a sua

conquista no Intercolegial de Atletismo. As palavras de Flávia enfatizam a

26 A entrevistada treinava Atletismo com a professora e autora desse trabalho. Nesse período ela foi à única técnica Feminina a atuar com treinamentos de modalidades esportivas individuais ou coletivas.

79

composição masculina/feminina nas competições em que o Colégio passava a

participar, de nível estadual, e que se fez necessária para a conquista dos

resultados esportivos obtidos de forma inédita pela escola A reportagem

seguinte expõe a tradição de competência do Colégio Militar em ganhar

medalhas em suas participações esportivas:

Jornal – 04 “O GLOBO” – Tijuca: 22/06/95 p.18”. Entrevista realizada no 13º Intercolegial .

80

Márcia fazia parte da Arma de Cavalaria. Ela executava semanalmente

treinamentos para as solenidades oficiais além de atuar com a equipe de

Dança do Colégio. A equipe de Dança participava competitivamente e se

apresentava em solenidades militares, em aberturas e encerramento de jogos e

na Olimpíada das Armas.

A entrevistada compôs o grupo que realizou a abertura do Intercolegial de

94 e 95, conquistando para o Colégio Militar, nos dois anos consecutivos, a

pontuação máxima e os títulos de melhores desfiles de abertura dos jogos27.

Sobre esse período diz que (L. 1368) “foi maravilhoso, uma das melhores

recordações que eu tenho do colégio, aquela época que eu estava na equipe

de dança” e (L. 1376) “então todo dia de tarde eu estava no colégio, eu não

saía de lá, eu ficava mais lá do que na minha casa.”

Em 1994 o Colégio Militar do Rio de Janeiro conquistou o seu primeiro

título estadual geral, no Xll – Intercolegial. Considerando os resultados obtidos

27 Os títulos conquistados na abertura do Intercolegial 94 e 95 somaram como uma modalidade esportiva para a conquista do Bi-campeonato geral do Colégio Militar.

REVISTA – 12 Aspiração 95-96, p. 84 “A equipe de dançasurpreendeu pelacriatividade da coreografia”. Apresentação da equipe deDança da CompanhiaEspecial de alunos (3ª sériedo ensino médio) naOlimpíada interna de1995.

81

podemos destacar nessa competição os seguintes aspectos: a única

modalidade coletiva que obteve resultados que influenciaram a pontuação geral

foi o handebol masculino com o segundo lugar da competição; foi alta a

quantidade de resultados expressivos nas modalidades individuais28, dois

primeiros lugares gerais no atletismo e natação, um segundo lugar geral no

judô e uma terceiro lugar geral no tênis de mesa. Esses resultados contemplam

as primeiras participações femininas oficiais em competições e a importância

das mesmas na obtenção dos pontos necessários para a conquista desse título

inédito.

Outra competição de que o Colégio participou com resultados positivos e

que repercutiu em benefícios na restauração de parte do seu parque esportivo,

foi a 1ª Copa Fanta. Essa copa foi realizada apenas no ano de 1994 e

premiava através da Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio de

28 As modalidades individuais são divididas em feminino e masculino e em diversas categorias por idades, por exemplo: No Atletismo temos a competição masculina e Feminina das categorias Jovenzinho, Jovem, Livre, sendo que as duas últimas ainda possuem a diferenciação entre atletas Federados e Não Federados.

Revista – 13 ASPIRAÇÃO 1994-1995, p.33 “Aproveitando a olimpíada como

treinamento, as meninas da infantariacontribuíram para o destaque doCMRJ no Intercolegial. ValeuInfantaria”. A revista enfatiza a Armade Infantaria e sua contribuição como segmento feminino no XllIntercolegial em 1994.

82

Janeiro a escola campeã geral com 20.000 reais, além de material esportivo

completo para as equipes que obtivessem a primeira colocação.

Os resultados obtidos na Copa Fanta, seguem os mesmos padrões do

Intercolegial, de 1994. Eles obtiveram o 1º lugar geral no Voleibol masculino e

mantiveram a primazia dos pontos em modalidades individuais, com

participação feminina e masculina, com os primeiros lugares gerais no

Atletismo, Ginástica Olímpica e Ciclismo.

Pudemos perceber que em 1994 teve início a participação feminina em

competições esportivas pelo Colégio. Com o prosseguimento da ênfase

esportiva garantida pelo Comando e o aperfeiçoamento das equipes, muitos

pontos foram somados para que em 1995 fosse conquistado o bi-campeonato

geral do Intercolegial.

A participação feminina foi relevante nas competições individuais do

Atletismo, Natação, Judô e Tênis de Mesa e nas modalidades coletivas

passaram a contribuir na pontuação da contagem geral, podemos destacar: o

8º lugar geral do Basquetebol Feminino, o 4º lugar geral do Handebol

Feminino, proporcionando a conquista do Xlll Intercolegial.

Em 1995 tivemos os Jogos das Escolas Públicas Federais, com a

participação do Colégio Pedro ll, Escola Federal de Química, Escola Técnica

Federal e Escola Federal Nilton Braga. Eles disputaram 3 modalidades

coletivas femininas e masculinas: voleibol, basquetebol e handebol; e a

natação individual feminina e masculina. O Colégio Militar sagrou-se campeão

geral nesse disputa, pela primeira vez uma equipe de esporte coletivo feminino,

83

o voleibol, conquistou o 1º lugar em uma competição. Abaixo temos a

confirmação desses resultados:

A partir de 1985 pudemos perceber um afastamento do poder estatal, de

controle sobre o desporto nacional, delegando cada vez mais autonomia para

as entidades esportivas gerirem suas atividades, isso é constatado por Tubino

(2002, p. 277) “um período chamado de democratização do esporte”. Mourão

(2003, p. 141) complementa essas informações dizendo que a Lei nº 9.615, de

24 de março de 1998, estabelece que os princípios básicos do desporto “são

parte dos direitos individuais da população brasileira”, e que o desporto escolar

em particular deveria ser “aquele praticado nos sistemas de ensino em formas

assistemáticas de educação, devendo-se evitar a seletividade e a

hipercompetitividade, com a finalidade de garantir o desenvolvimento integral

do indivíduo e sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer”.

No Colégio Militar, com a inserção esportiva da primeira turma feminina,

percebe-se a predominância do desporto voltado para a competição, porém

REVISTA - 14 Aspiração 95/96p. 98 “As meninasentraram para ahistória do CMRJcomo a primeiraequipe feminina aconquistar umtítulo”.

84

cabe informar que as aulas de educação física passaram gradativamente a

atender o que se pressupõe hoje ha lei e que os treinamentos e escolinhas

utilizados pelos alunos é que permeavam o esporte competitivo. Essa

mudança na forma de entender e executar o desporto nas aulas, pode ter sido

um dos fatores levantados no problema de nossa pesquisa, a inconsistência de

resultados expressivos após a saída do Coronel Pinheiro do comando do

Colégio.

* * *

Identificamos as seguintes “representações” sobre a inserção esportiva

feminina através da categoria “competições”.

As competições foram o resultado final da política de incentivo à educação

física, às escolinhas e aos treinamentos de equipe. As Olimpíadas das Armas

tinham ”uma dimensão imensa” , eram “as Olimpíadas”, permitiam um certo

“grau de rivalidade” e até a evidência de “preconceito” entre os atletas das

armas, mas também proporcionavam “integração”, quando o assunto era a

“defesa do colégio”. A participação feminina em competições foi “muito

importante”, elas começaram “a ganhar medalhas pra somar resultados do

colégio no Intercolegial”, elas fizeram “parte disso”, pois o colégio tinha

“tradição esportiva e elas passaram a contribuir” também. Segundo as

entrevistadas era “maravilhoso treinar”, o Colégio era como a “segunda casa”

delas. As amplas oportunidades oferecidas ao desempenho esportivo na

escola permitiram que as alunas “fizessem parte disso” e começassem a

85

“somar resultados para o colégio no Intercolegial”.

Para os entrevistados homens, a participação feminina foi mais

abrangente, elas passaram “a participar de mais atividades e eventos esportivo

que os alunos” e a “somar” na conquista de medalhas; “os resultados obtidos

pela escola nas competições foram reflexo de um contingente grande de

adeptos masculinos” e femininos voltados para o esporte naquele período.

As revistas e entrevistas sobre as competições realizadas no colégio e

fora dele, revelam que elas proporcionavam muitos valores positivos, tais como

“honra, raça, marcialidade, animação, vibração, seriedade”.

3.2.3 – Vicissitudes da educação física:

Exporemos agora as frustrações e méritos revelados pelas entrevistadas

de elite com as atividades realizadas pela educação física. Clarice e Márcia,

expõem situações desgastantes relacionadas com essa área.

Durante a final da competição de tênis de mesa do Xlll Intercolegial em

1995, três das quatro finalistas eram do Colégio Militar. Em função do tipo de

torneio eleito para a competição, Clarice envolveu-se em situação conflitante

com a seção de educação física. Ela revelou que caso vencesse sua

adversária (do colégio), o resultado final obtido pelo colégio seriam as

colocações de 1º, 2º e 4º lugares, e caso ela perdesse a final, se obteriam as

colocações de 1°, 2° e 3° lugares no feminino. Isso repercutiria para o resultado

final da competição, ou seja, somado os pontos das colocações masculinas e

as conseguidas pelo feminino, o colégio obteria com a derrota de Clarice, o 2º

86

lugar geral no tênis de mesa, e seria considerado por antecipação campeão

geral do XIII Intercolegial (faltava apenas a participação na competição do

voleibol masculino, que o colégio sagrou-se campeão); caso ela ganhasse, a

escola obteria o terceiro lugar na competição do tênis de mesa e não somaria

os pontos necessários para consagrar-se campeã geral por antecipação

Clarice informa que foi pedido para que ela perdesse a partida e assim

favorecer o colégio na pontuação geral. Foi sugerido que poderia se realizar

uma nova disputa no colégio (L. 666) “a verdadeira final”, para compensar sua

derrota fictícia. O conflito e a pressão foram instaurados, e segundo Clarice (L.

667) “eu queria ser campeã lá, na frente de todo mundo, não era depois na

encolha e tal, mas eu acabei cedendo, ficando em segundo lugar mesmo”.

Para ela tornou-se uma lembrança negativa, (L. 673) “decepcionante, me

incentivaram para eu treinar, treinar e treinar, aí chega na hora “h” pede para

eu perder?”. Entendemos que não havia necessidade real da derrota de

Clarice, nem que fosse realizado esse pedido. A performance da escola foi

superior a conquistada no Intercolegial do ano anterior, não estava ameaçada a

vitória final do colégio. O esforço de Clarice, sua representação dentro da

escola, os treinamentos realizados, foram simplesmente desconsiderados em

favor de um interesse maior, a vitória da escola, em detrimentos da sua vitória

pessoal.

Para Márcia, a maior frustração ocorreu através do teste de educação

física. Ela necessitava dos resultados do segundo teste físico anual para ser

somado as suas notas da parte intelectual, para tornar-se comandante da

Cavalaria no primeiro ano do ensino médio. Sua maior adversária estava 0.5

87

pontos na sua frente, porém não tinha no teste físico o mesmo desempenho

que ela. Durante a realização das provas perdeu-se a pauta com os testes

realizados e segundo ela, não seguiram o que o regulamento previa: que (L.

1242) “quando houvesse qualquer problema com nota, de sumiço, de extravio,

de o que fosse, o que era feito, repetia-se anota anterior”, o que não foi

realizado. Eles deram dez para todas as alunas. O ocorrido provocou inúmeros

contratempos para ela, que se dedicou, estudou com afinco, obteve na prática

média 10.0 enquanto sua colega tinha grau 4.7 no primeiro TEF do ano, e pelo

extravio das pautas, no segundo TEF, foi nivelada igualmente a outra aluna, ou

seja com grau 10.0 para todas as alunas e em todas as provas. Enquanto não

se decidia a quem pertencia o comando da Cavalaria, elas foram se alternando

no mesmo, mas em determinado momento decidiu-se por sua adversária e

com isso, Márcia foi constrangida ao ser retirada do comando da Cavalaria

numa formatura geral (L. 1259) “na frente de todo mundo” e segundo ela (L.

1258) “eu quis morrer” , referindo-se a vergonha que sentiu ao ser exposta

daquela maneira. Esta situação, de imediato, não causou repercussões quanto

a execução e condução do teste de educação física, porém com o passar dos

anos, outras situações impuseram-se, causando problemas na computação de

graus e graduações. Hoje o TEF não é mais executado para os alunos do

Colégio Militar do Rio de Janeiro; as médias da educação física são

confeccionadas pela freqüência às aulas e são conferidas ao somatório dos

pontos perdidos, para o desligamento do Colégio.

Apesar dos episódios ocorridos com as entrevistadas, elas informam que

as frustrações não foram maiores que os méritos de terem atuado com a

88

educação física no Colégio Militar do Rio de Janeiro.

Clarice revela que no período em que estudava no Colégio sua vida

estava passando por várias dificuldades e que ter a (L. 795) “chance de ficar

depois do horário no Colégio treinando, foi fundamental para minha vida” e que

o esporte permitiu ocupar (L. 798) “o meu tempo livre, é me direcionar para

uma coisa saudável”. Ela valoriza a experiência esportiva adquirida com a

educação física no Colégio (L. 799): “respeito, cooperação... o lado competitivo

de saber ganhar, você saber perder... tem hora que você treina e ganha e tem

hora que você treina e perde, tem hora que você não treina e ganha!”

Flávia, Márcia e Clarice insistem sobre a importância de estar envolvidas

com atividades esportivas no colégio durante os horários de treinamento e

escolinhas, elas complementavam suas atividades de educação física com os

treinamentos de equipe e as escolinhas comunitárias. Márcia considerava esse

trabalho (L. 1368) “maravilhoso, nossa eu amava, eu passava dias e dias, eu

passava o dia no colégio”.

Clarice diz que a chance de praticar várias modalidades nas aulas de

educação física e nas escolinhas extraclasse, (L. 845) “ de ter vivido tantos

lados do esporte como eu vivi, somente no colégio... as pessoas que tiveram a

minha vivência foi só em clube, e eu não fui de clube nenhum, só disputava

pelo colégio mesmo, então eu acho que poucos colégios teriam me dado tantas

chances, tantas oportunidades, como o CM me deu”.

* * *

89

Identificamos as seguintes “representações” sobre a inserção esportiva

feminina através da categoria “vicissitudes” com as frustrações e os méritos da

educação física através da ótica feminina de elite:

Algumas frustrações foram observadas na prática da educação física

naquele período: conflitos que geraram “decepção” com relação ao preparar-se

para vencer uma competição e a realização do pedido para que se perdesse

em prol do Colégio e assim antecipar a vitória do intercolegial; outra situação

ocorreu com a realização dos testes físicos, proporcionando um sentimento de

“vergonha”, pela quebra do regulamento nos resultados obtidos, repercutindo

na perda do comando de uma das armas.

Os méritos dizem respeitos ao fato de a educação física proporcionar uma

atividade “saudável” porque direcionava o tempo livre; tinha “valor” porque

permitia “viver vários lados do esporte”, conduzia ao “respeito, cooperação, o

ganhar e perder, treinar e ganhar, treinar e perder, não treinar e ganhar”. A

educação física influenciou a “escolha profissional”, representou um “ganho de

vida”.

90

CAPÍTULO IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No curso da análise, chegamos as seguintes considerações: segundo os

entrevistados, os motivos que impulsionaram o Colégio Militar a autorizar a

entrada de alunas relacionava-se à necessidade de equiparação do Exército

com as demais armas, que já possuíam mulheres atuando em seus quadros; à

pressão exercida pelo meio civil, em função do momento de abertura política

vivenciada pelo país e conseqüentemente, pelo direito conquistado pelas

mulheres na década de 80. Já para as alunas, a abertura de entrada no

Colégio se deu por acaso e por opção pessoal.

A interação inicial dos funcionários com as alunas ocorreu sem

dificuldade por parte dos professores homens; para os militares foi muito boa,

uma missão sensacional, que auxiliou na aquisição de equilíbrio

comportamental dos alunos; para as alunas, foi marcada pelo deslumbramento

inicial, um paraíso em que tudo era novidade, sem questionamentos. O

ambiente rigoroso e o assédio da imprensa temperavam o deslumbramento.

A imprensa registrou sem problemas maiores a adaptação das alunas ao

sistema do Colégio Militar, preconceitos foram superados; estudar no colégio

era visto como símbolo de “status” e passou a sê-lo também para as moças.

O tratamento adotado pelos superiores homens, segundo os informantes,

foi de cuidado especial. O cuidado com as alunas visou protegê-las de

dificuldades previsíveis, o que resultou no seu isolamento dos recreios e do

contato com os alunos mais antigos. Os alunos mais velhos reagiram

91

negativamente por terem seu espaço invadido, consideravam que ali não era

lugar de mulher. Para as alunas os superiores homens pareciam protecionistas,

paternalistas, mas atribuíam tal atitude em função da pouca idade delas; eles

eram indecisos quanto às resoluções e determinações para o grupo feminino.

A imprensa assinalava em que para vencer o preconceito, as alunas

deveriam mostrar competência, com espaço para serem carinhosas e

disciplinadas, para brincar e serem sérias. Elas precisavam vencer o desafio de

tomar o espaço vago na galeria dos melhores, o Pantheon de honra do

Colégio; tinham a missão de provar competência porque invadiram um território

dominado pelos homens; ultrapassaram o primeiro desafio o da adaptação e do

preconceito e agora enfrentavam o segundo de mostrar suas habilidades

militares

As expectativas das alunas centraram-se em questões como se destacar,

dar valor a parte intelectual e física, pertencer a uma arma, por outro lado,

esperavam que o colégio fosse mais rígido, que houvesse uma cobrança maior

da disciplina e da hierarquia. Quanto às expectativas para elas, os homens

entrevistados falam da inexistência de futuro militar, pois o Exército ainda não

tinha tomado providência quanto ao ingresso das mulheres. Não havia

igualdade de oportunidades, elas não podiam cursar uma Academia Militar do

Exército, apesar de suas qualidades especiais e suas grandes capacidades

intelectuais.

A inserção acadêmica das alunas nos permitiu configurar a confirmação

de nossa hipótese inicial, de que havia diferenciação na aplicação das normas,

porém não são claras as referências ao despreparo dos militares quanto ao

92

tratamento , evidencia-se porém, a frustração das expectativas femininas face

a possibilidade de ingresso nas academias militares do Exército que foram

superadas somente à partir de 1997, no Instituto Militar de Engenharia e na

Escola de Saúde do Exército, após dois anos da conclusão da convivência das

alunas no Colégio Militar.

A educação física não era protecionista, embora atuasse de maneira

diferenciada para rapazes e moças, o que permitia uma participação extra das

meninas pela forma como era conduzida. Permitia às alunas conhecer as

diversas modalidades esportivas oferecidas e também se especializar em

algumas, uma vez que a infra-estrutura esportiva do Colégio era excelente.

Elas adquiriram através da educação física variedade de oportunidades e auto-

estima, atenderam ao nível de cobrança intelectual e físico conduzido pelo

Colégio, conseguiram ascensão e obtenção de graduações.

As alunas consideravam que a educação física tinha mérito especial

dentro da escola, porque era uma atividade saudável, direcionava o tempo

livre, tinha proporcionado viver vários lados do esporte através de respeito,

cooperação, saber ganhar e perder, treinar e ganhar, treinar e perder, não

treinar e ganhar. Influenciou a escolha profissional, um ganho de vida, uma

experiência única.

A educação física, as escolinhas esportivas, os treinamentos de equipes,

nos anos de 1994 e 1995, contaram com apoio substancial do comando da

escola. O esporte passou a ser prioritário: as competições foram incentivadas e

as alunas começaram por participar pela Olimpíada das Armas e depois em

competições escolares; as alunas passaram a somar resultados para o colégio

93

no Intercolegial.

A participação feminina sobressaiu porque elas passaram a participar de

mais atividades e eventos esportivos do que os rapazes. Os resultados obtidos

pela escola nas competições escolares foram reflexo de um contingente grande

de adeptos de ambos os sexos voltados para o esporte.

Os depoimentos sobre competições realizadas no Colégio e fora dele,

revelam que competir se associa a honra, raça, marcialidade, animação,

vibração, seriedade. O bom rendimento deveu-se aos alunos e professores,

que tornaram-se mais experientes para obterem resultados, ao apoio do

comando do colégio, e às meninas que melhoravam a cada ano.

A educação física e as competições esportivas ajudaram a disciplinar e

conduzir parte do processo de adaptação e continuidades das atividades

escolares das alunas. Fortaleceu-se o empenho das alunas em praticar os

diferentes esportes oferecidos pelo Colégio, o que proporcionou o progresso

das praticantes e a conquista de medalhas nas competições esportivas. O

apoio sistemático e organizado, administrado pelo comando, foi decisivo para a

inserção feminina no esporte, e conseqüentemente, na obtenção das vitórias

de 1994 e 1995.

As primeiras alunas passaram por construção cultural militar, de modo a

adequar-se aos critérios estéticos, higiênicos e morais dos grupos a que

passaram a pertencer. Através de diferentes mecanismos se lhes inscreveram

as marcas de identidade.

,A visão dos condutores e educadores do Colégio nos permitiu

compreender o processo de construção da identidade militar no grupo feminino.

94

O levantamento das representações sobre sua inserção verificou como se

produziram os discursos e os efeitos que esses exerceram sobre elas;

evidenciaram a aquisição de hábitos, posturas e atitudes duradouras e nos

conduziram à seguinte indagação: “Como se organiza e representa o corpo

feminino adolescente frente ao ambiente militar no Colégio Militar hoje?”

95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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97

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98

ANEXOS

A- AS TRINTA PRIMEIRAS ALUNAS29

1. 0321/0 – Clarice Echardt 2. 0660/1 – Márcia Couto 3. 0661/9 – Flávia Schimiedt 4. 0016/6 – Mariana Magaldi 5. 0062/0 – Clarissa Valdez 6. 0327/7 – Bárbara Varago 7. 0349/1 – Bruna Sarmento 8. 0446/5 – Flávia de Assis Oliveira 9. 0447/3 – Juliana Guimarães 10. 0269/1 – Mylena de Carvalho 11. 0315/2 – Camila Diegues 12. 0490/3 – Luciana Mendes 13. 0502/5 – Ana Caroline de Souza 14. 0517/3 – Ana Acióli 15. 0522/3 – Maria Lúcia da Costa Bastos 16. 0525/2 – Ana Paula de Medeiros 17. 0527/2 – Christianne Basílio 18. 0564/5 – Ana Carolina Silveira 19. 0322/8 – Marly D”Almeida 20. 0456/4 – Cristina marques 21. 0129/7 – Patrícia Rennó 22. 0181/8 – Camilla Rodrigues 23. 0635/3 – Daniele bastos 24. 1407/6 – Tânia Cristina de Andrade. 25. 0182/6 – Priscila Fernandes 26. 0571/0 – Najla Farah 27. 0573/9 – Danielle Nonato 28. 0579/3 – Verônica de Paula 29. 0618/9 – Fernanda Bittencourt 30. 0626/4 – Christianne Vaiani

29 Retirado do Boletim interno nº 36, Rio de janeiro, 27 de fevereiro de 1989. Artigo 25 do R/69 – Concurso de Admissão e classificação do Concurso de admissão para o Colégio Militar do Rio de janeiro em 1989. Em negrito encontram-se os nomes das três entrevistadas de elite do Colégio.

99

B – ENTREVISTAS EM JORNAIS: B1 – Obs: A pesquisadora informa que o acesso a data e ao nome do respectivo jornal não puderam ser confirmados, em função da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) estar realizando a microfilmagem desse período, impedindo momentaneamente o fornecimento exato dessas informações

100

B2 - Obs: A pesquisadora informa que o acesso a data e ao nome do respectivo jornal não puderam ser confirmados, em função da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) estar realizando a microfilmagem desse período, impedindo momentaneamente o fornecimento exato dessas informações

101

B3 - Obs: A pesquisadora informa que o acesso a data e ao nome do respectivo jornal não puderam ser confirmados, em função da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) estar realizando a microfilmagem desse período, impedindo momentaneamente o fornecimento exato dessas informações

102

C - ROTEIRO PARA ENTREVISTA DE ELITE FEMININA:

• O que motivou a decisão de realizar o concurso de admissão para o CMRJ?

• Você sofreu algum problema inicial de adaptação? • Qual foi a atitude de vocês ao entrarem? • Como vocês eram tratadas pela parte administrativa? • Como vocês eram tratadas pelos professores? • Quais foram suas expectativas com o convívio escolar em uma

instituição militar? • Quais foram suas frustrações com o convívio escolar em uma

instituição militar? • Como foi a receptividade dos meninos quanto aos primeiros contatos

com as meninas ? • Você foi punida alguma vez? em que consistia a punição? • Os anos de 94/95 ficaram marcados como de grandes realizações

esportivas do CMRJ na comunidade escolar, você participou dessas competições? Caso afirmativo, relate sobre sua contribuição:

• Qual foi a repercussão dos trabalhos de vocês, na família e na escola? • Pouco foi divulgado ou documentado sobre a conclusão das atividades

escolares de vocês, isso repercutiu de que maneira para você? • Após a conclusão do 2º grau, qual foi sua opção profissional?

Comente a respeito: • Você gostaria de deixar alguma mensagem?

D - ROTEIRO PARA A ENTREVISTA DE ELITE MASCULINA :

• O que você poderia comentar sobre os motivos que levaram o colégio militar realizar o concurso de admissão para meninas em 1989?

• Como foi a sua relação inicial com esse grupo de primeiras meninas no CM?

• Como vocês as tratavam?Havia diferenciação ou não? • Quais foram as expectativas geradas pelo convívio escolar das

meninas em uma instituição militar? • Os anos de 94/95 ficaram marcados como de grande realização

esportiva do colégio militar na comunidade escolar, também culminou com a saída da primeira turma feminina, que relações você percebeu ou não sobre esses fatos?

103

E - ENTREVISTA MASCULINA DE ELITE 01 – 26/08/03 Edvan Lima Filho – Coordenador de E.Física 1989.

1. O que você poderia comentar sobre os motivos que levaram o colégio 5

militar realizar o concurso de admissão para meninas em 1989?30 “ Bom, a princípio, pelo o que nós sabemos da necessidade de as meninas

tinham em entrar no colégio militar, existe a fundação Osório, onde na época

também só existia meninas, em forma de internato e semi-internato, e não tinha 10

alunos, o CM tinha alunos e não tinha alunas, com a quantidade grande de

transferências de militares para o RJ especificamente, pra cidade do Rio de

janeiro, para cursa a ESAO, IME e Escola Superior de Guerra, houve a

necessidade porque a Fundação Osório também não conseguia absorver essa

quantidade grande de alunas na sua instituição, não pelo fato do poder 15

aquisitivo do militar não ter condições de pagar a, colégio de renome, mas por,

o colégio militar seria o ideal, então já existia um estudo no passado pra

inclusão das meninas no colégio militar, porque o CM, pela sua origem, pelo

seu objetivo principal, ela foi, era de assistencial né? Principalmente

assistencial, pra facilitar a vida militar que viesse para o RJ pra cursar, e ter a 20

facilidade de colocar o seu filho no CM, e a quantidade, as alunas sempre

ficavam, ficariam de fora, hoje estudariam na fundação Osório, que realmente

um dos principais pontos era o difícil acesso a Fundação Osório, então houve

um estudo, tipo uma enquête, dentro do ministério do exército pra se abrir, pra

que as meninas entrassem no CM, essa, houve a princípio, houve uma 25

dificuldade, pelos obstáculos, pelos lobs, que foi encontrado, primeiro pela

tradição do CM em si, é de ser de alunos, de ser de preparação formação

preparatória, então não tinha como objetivo principal as meninas no CM, e

segundo, pela dificuldade que se encontravam, as pessoas que foram de

encontro a essas idéia, foi lançado pelo ministério do exército na época, é das 30 30 OBSERVAÇÃO : as partes dos anexos de entrevistas realçadas em negrito são realizadas pelo entrevistador e as que ficam entre aspas, com datilografia sem negrito, pertencem às respostas do entrevistado.

104

tradições, dos que já se formaram, já tinham se formado, já eram coronéis, já

eram generais da ativa, ou militares mesmo que passaram por aqui no CM, e

não viam como objetivo do CM fugir as tradições do que era proposto, ta pelo

DEPA e pelo DEPE, o segundo ponto foi que foi de encontro a isso foi a

tradição que o CM tinha em formar alunos do CM, então acho que 35

principalmente esses dois pontos é que foram levantados, e que foram

abatidos em relação a quantidade de militares que na realidade queriam que

entrassem alunas no CM, e também pelo meio civil, porque essa distinção, já

que já se estava abrindo, grandes colégios tradicionais, colégios de padres,

que já, que já vinham cedido em relação a isso, porque era uma, era, era tirar, 40

jogar de lado as meninas, que não era direito das meninas, se ia de igualdade

para todos, então não havia essa, esse ponto, esse opci principal,se pra

colocar meninas, então realmente acho que o meio civil é que fez uma força

maior para que houvesse no concurso as meninas entrarem no CM. Deixa eu perguntar uma coisa, e porque justamente no centenário do colégio, você 45

lembra de algum comentário sobre isso? Sim, como, como eu havia dito,

esse estudo não foi no centenário do CM, não foi no anos dos cem anos do

CM, essa idéia de entrar meninas no CM já vem de anos e anos, então ela foi

amadurecendo, ela foi amadurecendo nesse, quando chegou próximo ao

centenário do CM, não foi no ano do centenário, 1989 que isso foi decidido na 50

realidade, ele já, havia sido decidido, já a alguns anos anteriores, e mas só que

ele só foi, só foi colocado em prática na realidade pra que se houvesse, eu não

sei, uma alusão essa, em relação a essa, esse centenário do CM, é que

houvesse, não uma quebra de tradições, mas que houvesse uma, uma

abertura, pra que já que, as meninas gostariam de entrar na realidade, então 55

isso foi concretizado no ano do centenário, mas esse estudo já havia sido feito

já, a alguns anos atrás , na minha época mesmo de CM, já se falava em ter

alunas no CM, só que isso é uma piada né? Qual época? Minha época? É. Não foi no século passado na realidade, mas na década de 70, já se falava na

possibilidade do CM, porque é esse, então é, então esse corpo feminino, por 60

isso eu falo que não foi só dentro do próprio colégio militar que isso foi

incentivado, é porque a marinha já havia é introduzido no seu quadro, apesar

105

de ser quadro complementar, mas hã!, o corpo feminino, então eles já tinham

as mulheres já no corpo feminino, então as mulheres fariam, já tinham feito o

concurso, fariam o curso a nível de 3º grau, e depois eram reaproveitadas 65

através de concurso, fariam um estágio da própria força da marinha, e depois a

seguir a aeronáutica, e era aproveitado essa mão, mão de obra especializada,

já eles não tinham condições de colocar a nível de 1º e 2º grau, mas o CM, já

que não tinha como formação sair daqui oficiais do exército, então nada mais

justo, de ter pelo menos uma formação de nível, a nível de ensino fundamental 70

e a nível médio, não estariam formando na realidade a nível de 3º grau”. 2. Como foi a sua relação inicial com esse grupo de primeiras meninas no CM? “ É, essa relação, é minha como professor, do CM, é, ela não foi assim, muito 75

contraditória em relação a muitos professores aqui dentro, que já estavam, eu á

dou aula aqui já a um bom tempo, mais de 20 anos, e tive prazer de ser aluno

do CM, sou ex-aluno do colégio militar, então na minha época realmente eram

só meninas, e lembro até que, só meninos, perdão desculpe, só alunos, e na

minha época no CM, quando uma mulher, uma irmã, uma mãe entrava no CM, 80

ela entrava as 11:15 e às 11:16 o CM inteiro já sabia que tinha uma mulher

dentro do CM, pouco se via mulheres no horário de aulas na realidade,

e sim no horário, dentro da parte administrativa, no horário que não tinha aula,

que eram reuniões de pais e mestres, eram mães que vinham visitar os alunos,

no caso do internato, eram mães que vinham saber junto à sub-direção de 85

ensino ou ou CA, sobre a relação de seus no CM, mas era difícil, que

normalmente vinham os pais aqui, por que a própria mãe se sentia um pouco

constrangida, porque só existiam militares na realidade, homens, então era até

engraçado, entrava uma mulher aqui, geralmente, então a minha relação com

as meninas no CM, ela não foi tão, tão agressiva assim, porque logicamente, a 90

grande maioria dos professores do CM na época em que as meninas entraram,

1989, já existiam mais da metade dos professores, professores civis,não era

tão igualzinho a minha época, na minha época 90% dos professores ou mais

eram militares, coronéis já, já em final de carreira, o quadro do magistério do

106

exército era 90% de militares na realidade, e os professores do CM, e a 95

quantidade de professores do CM, na época que as alunas entraram o CM, já

era o contrário, mais de 90% eram professores civis que trabalhavam 89 em

cursos, cursos preparatórios, trabalhavam em colégios civis, então para vários

professores não foi tão, não foi um baque muito grande, mas espe,

particularmente no meu ponto de vista é eu não achei nada anormal as 100

meninas entrarem aqui, foi uma coisa até, bem, eu vou falar mais a frente

depois, acho que foi dignificante, em relação ao próprio, a estrutura do CM”

3. Como vocês as tratavam?Havia diferenciação ou não? “ Bem, é,num,num,num,é,é, é,é, eu a princípio, é, como nós tínhamos uma 105

relação com os alunos no colégio militar que, existe uma, uma, parte de

disciplina, um pouco rigorosa, é, as alunas quando entraram no colégio militar ,

por serem , menininhas novinhas, tinha alunas, a 1ª aluna que teve aqui tinha

8, 9 anos, tinha alunas de 8 anos, nove anos, dez anos, então era como se

fosse,sabe, uma filha a mais, que a gente tivesse que tratar com um pouco 110

mais de carinho, com um pouco mais, um pouco mais de, hã, hã, ,é,é,as, as

atitudes um pouco mais sutis, mas é, muitos professores, muitos colegas, eles

tratavam até como um, sabe, a aluna fosse bem diferenciada do aluno, e eu

particularmente, conversava muito com os professores, em que a aluna assim

que teve ô, o direito de entrar no colégio militar ela, deveria ser tratada 115

igualzinho aos alunos, sem, sem, sem, diferença nenhuma, ta? Mas realmente

no início, do, do, do, quando as meninas entraram, nos ficamos assim meio

realmente receosos, em relação a tratamento, por que não é que existia uma

agressividade, nem,nem a, a, cobrança da disciplina dos alunos teria que ser

muito mais rígida, das meninas não, tipo as meninas primeiro depois os 120

meninos, ou então as meninas não fazem isso por que os meninos e que tem,

podem fazer isso, eu acho que nós procuramos, principalmente na área da

educação física, é, comandar um troço, uma, uma,as atividades bem, é, bem,

igual em relação aos alunos, então elas não foram tão diferenciadas em

relação aos alunos, primeiro por que elas quando elas entraram numa turma, 125

junto com meninos da quinta série , então elas fariam, elas faziam

107

educação física junto com os alunos de 5ª série, então na área da educação

física não houve tanta mudança assim, não houve muito, muito melindre com

relação aos alunos e alunas, agora no contexto geral do colégio militar as

alunas, elas, elas realmente eram tratadas como, como, bu, bune, tipo assim, 130

as bonecas do colégio militar, as alunas sabe, não, não pode ser igual o

tratamento, na parte de muni, monitoria, na parte de comandante de

companhia, já existia sabe, uma, uma, uma fala, uma,dis, uma, uma, uma, uma

conversação em relação a isso, muito mais, muito mais amena, em relação aos

alunos”. 135

4. Expectativas geradas pelo convívio escolar das meninas em uma instituição militar? “A, no convívio escolar? É o convívio escolar, É, eu acho que a expectativa

que, que, que foi gerada em relação a isso, a grande, a é, foi a mudança que o 140

colégio militar teve em função dos, dá, dá, da parte disciplinar, por ter, ter,tido

uma mudança na parte disciplinar, quer dizer, igualdade dos meninos com as

meninas, acho que essa expectativa ela se tornou, tornou-se única, em

relação, inclusive até aos alunos tá, então o convívio das meninas com os

meninos, é, é, eles tiveram, em relação a expectativa das meninas em relação 145

a isso, é que elas tinham esperança em que na, assim que se formassem,

talvez tivessem também as mesmas, como expectativas, as mesmas, as

mesmas condições de entrar para uma academia, de entrar para uma

preparatória, acho que, não assim como uma expectativa, mas como um,

como, como, como uma ansiedade, como uma vontade é que tivesse, apesar 150

de, de ter esses mesmos direitos, mas quando chegasse sua hora de formada,

já tivesse uma academia a sua disposição, que o exército brasileiro, as suas

preparatórias, as suas academias já estivessem, estivessem preparadas pra

recebe-las, acho que expectativas geradas foi essa,é, que, eu acho que elas

acreditavam que, ou acreditaram que quando terminasse a sua, u, u, o 2º grau 155

aqui na época, como era chamado, hoje dia o ensino médio, é que, que o

exército já estivesse preparado para recebe-las, acho que essa foi a

108

expectativa, essa foi a maior expectativa delas? Acho que foi a maior

expectativa”.

160

F - ENTREVISTA MASCULINA DE ELITE 02 – 04/11/03. Coronel Arume – Comandante de companhia – 5ª série/1989

1. O que você poderia comentar sobre os motivos que levaram o colégio militar realizar o concurso de admissão para meninas em 1989? 165

“É, u , isso aí foi acontecendo do seguinte forma, hã a marinha e a aeronáutica

já tinham o quadro feminino, já tinha introduzido o quadro feminino na sua, nos

seus quadros né, então o exército tava pensando ainda em introduzir, não

tinha, nem na área de saúde, a única vez que teve, o quadro feminino na área 170

até na área de saúde, foi quando foi para a guerra, o exército ele, ele fez

concurso e é, entraram algumas enfermeiras, inclusive na minha época de

aluno tinha uma enfermeira que era expedicionária aqui no colégio, trabalhava

ali na, aqui na enfermaria do colégio, era uma das expedicionárias, depois aí

não houve mais, terminou o período dessas enfermeiras né , não, não houve 175

uma nova leva di, di, di moças contratadas pra, pra gente, era só, depois disso

como a marinha e aeronáutica começou a introduzir o quadro feminino, o

exército começou a pensar, e pensar, e acho que foi a primeira atitude do

exército com o quadro feminino foi com relação ás alunas, ele abriu concurso

em 8...,88, 89, final de 88 né, abriu concurso, para que as meninas 180

ingressassem em 89, o primeiro ano seria em 89 aqui no colégio e se eu não

me engano, é acho que foi a primeira idéia ali de começar a, a, introduzir, no

ano seguinte se eu não me engano houve a abertura, a criação da escola de

administração do exército, onde houve um concurso pra escola de

administração, em que num dos quadros era aberto tanto pra o sexo 185

masculino quanto para o feminino, mas acho que foi no ano seguinte que foi

introduzido, mas o primeiro passo no exército mesmo talvez tenha sido com as

alunas, né”.

109

2. Como foi a sua relação inicial com esse grupo de primeiras meninas no 190

CM? “Essa , essa relação, ela, eu até comentava né? com, com, com alguns pais é,

mais ou menos fazendo assim, o que é, o que é o destino né? eu sou pai de

três filhos homens, não tenho filha, filha mulher né? E coube a mim ser o

primeiro comandante da, dá primeira turma de, de meninas no colégio, e eu 195

acho que a relação aí foi até uma relação muito boa, todos hã, todas as mães

e os pais em geral conversavam muito comigo, eu, fui escolhido, eu estava até

em outra série, eu fui escolhido pelo comandante da época, para, pra ficar com

as, com as alunas né? Quer dizer é, eu fui designado realmente pelo

comandante, pra, pra ser , o, o comandante da, da, da primeira turma de 200

alunas, e isso não foi, e isso foi, né? pra mim, foi uma grande honra, da, da,

da,naquela época eu, eu recebi, foi até um prêmio, porque a maioria dos

oficiais estavam pleiteando essa, essa função, né? (riso) Porque? eu nem

perce, eu, eu, eu nem pensava que seria, que seria eu né? aí na época o, o

comandante achou melhor, que era o coronel Osório, ele chegou : não, eu vou, 205

vou designar você, me chamou lá no gabinete, você, você vai receber essa

missão de, de, comandar as meninas, de ser o primeiro comandante de,da

companhia de alunas, e eu t sabendo que tem vários outros oficiais que estão

querendo ,assim, pegar essa, essa missão, essa função, mas eu escolhi você,

você que vai,,, ele te deu alguma justificativa pra tanto? Não chegou a dar 210

nenhuma justificativa, não, ele disse que achou que eu seria a pessoa mais

adequada para esse papel.”

3. Como vocês as tratavam? Havia diferenciação ou não? “ Olha, eu, eu senti alguma dificuldade, por que, a minha dificuldade, ela se 215

caracteriza pelo seguinte, primeiro, eu fui aluno aqui do colégio, só tinha

homem, né? Só tra, era aluno, e o colégio sempre foi, aquela, tava dando uma,

tava fazendo uma mudança assim, tremenda né? Era uma mudança quer dizer

dê, di, até de, até de mentalidade, de mentalidade, né? E nós, houve conflito,

não comigo, mas com outros oficiais, é? É, na época tinham outros oficiais, 220

que, que era, ficou muito visado, aquilo, a mídia é,foi muito intensa aqui na

110

época, tinha quase que toda, todo mês aqui tinha um, o, uma revista,uma, um

jornal, pra fazer reportagens sobre as meninas, né? Então, naquela época tinha

uma, é, vamos dizer, uma, fica, ficou muito visado né? Ficou, a, aquele, aquela,

aquela, situação ficou muito visada, e aí, até os oficiais, né? na época , que 225

não, eu procurei me preparar né? Mas alguns oficiais não, faziam até algumas

distinção da, das meninas, tratavam até de forma mais, vamos dizer,

aceitavam mais os erros, do que aceitavam dos alunos, né? Eu procurei manter

sempre aquela, neutralidade, tratar os dois igualmente, né? E eu acho que

consegui, tratava igual, tanto os alunos quanto as alunas, não teve distinção, 230

mas você percebeu assim uma dificuldade da escola num primeiro momento? A dificuldade, primeiro foi, primeiro foi as instalações, as

instalações, a colégio não tinha banheiros feminino, para alunas, o que tinha de

banheiro feminino, era um ou outro, por que tinha professoras, né? Para

alunas, por exemplo, a seção de educação física, teve que fazer uma 235

adaptação em banheiros pra, pra meninas, nos corredores, nos pavilhões,

também teve que se fazer uma adaptação de banheiros para as alunas,

instalações, né? O colégio teve que é contratar, ou pedir auxílio, do quadro

feminino da marinha, acho que se não me engano, vieram algumas, não sei se

foi, foram sargentos, que depois veio, algumas militares do quadro feminino de 240

mas a isso foi um pouco depois né? Foi um pouquinho depois, foi na 8ª série delas né? em princípio nós, é, fizemos, o colégio ele fez, abriu estágio

para pedagogas de universidades, pra estagiar aqui, né? junto a,a 1ª

companhia, que era a companhia de alunas, né? Que ficavam ali, dando apoio,

ou seja, elas fizeram praticamente, um trabalho que não de pedagoga,mas de 245

monitoras de alunas, foi o que foi feito, eu acho que a função delas como

pedagogas, apesar delas serem estagiárias, não seria aquele, seria o perfil de

uma monitora, e acabaram, tanto é que elas ficaram acho que, aquele ano

comigo, e no ano seguinte acho que não houve recontratação de estagiárias de

pedagogia”. 250

4. Expectativas geradas pelo convívio escolar das meninas em uma instituição militar?

111

“ O que acontece é o seguinte, convívio, houve, houve uma, a seleção, ela foi

muito, as vagas para meninas, elas foram bem pequenas em relação ao sexo 255

masculino né?, e aquilo ali , é, fez com que, houvesse uma seleção até, muito,

muito, grande, forte, em cima das meninas, ou seja, as alunas que entraram

aqui no colégio, elas, eram alunas excepcionais, intelectualmente, até na parte

disciplinar, elas eram alunas muito boas né, quer dizer, como é até hoje até o

concurso, apesar de que agora não tem limites de vagas, naquela época tinha 260

um limite, só poderiam entrar em torno de, de, de 15 alunas, 30, 30 alunas né?

e 90 meninos, é acho que é isso mesmo era uma turma de meninas par 3 de

meninos, e na época, é, é, como era, a mídia, é, é, quando foi divulgado que o

colégio abria concurso pra meninas, acho que se eu não me engano, o número

de inscritos femininos era maior que o feminino era maior que o masculino na 265

época , teve até um número maior de meninas inscritas do que de

meninos isso gerou pra você uma expectativa ? Gerou uma

expectativa muito boa por que a seleção foi muito bem feita nè? E aí tinha

alunas excepcionais, intelectualmente e até, também, da, da maneira

disciplinar que eram, elas eram admiradas, por que os oficiais, quando eu as 270

levava em determinadas é, instituições militares, o pessoal elogiava muito,

achavam pela forma como elas se portavam né?, a educação, tudo elas,

gerou uma expectativa muito boa no exército com relação ao quadro feminino

né? da forma como elas vieram, né?

275

G - ENTREVISTA MASCULINA DE ELITE 03 – 22/04/04.

Coronel Mosqueira – Comandante de companhia – Cavalaria em 1989.

1. O que você poderia comentar sobre os motivos que levaram o colégio 280

militar realizar o concurso de admissão para meninas em 1989? “Acho que foi a própria ascendência da mulher mesmo, importância da mulher

dentro da sociedade e a presença das meninas, em outras escolas, bem como

o aumento dá, dá, dá quantidade numérica de dependentes de militares 285

112

também do sexo feminino. Eu acho que isso aí, foram as causas iniciais, que

trouxeram elas para cá. Bem eu não sei, eu vou comentar um troço que na

época me marcou e isso está acontecendo hoje, mas é, naquela época marcou

muito uma visita que teve do chefe da DEPA e eu tava dentro do auditório, e

uma delas levantou e perguntou para o general é como é que o exército, como 290

o exército tava programando o final delas no colégio, ela já estava

na 5ª série já tava com essa preocupação, que eu também tinha, e eu

falava pro comandante da época coronel Osório, coronel ? o que o exército ta

programando pra elas, ta botando essas garotas pra dentro do colégio,

ensinando elas a marchar, a prestar continência, a montar a cavalo, a dar tiro 295

de canhão, a mexer numa arma,num fusil ...aí depois no final chega no terceiro

ano, eles dão um tapinha nas costas delas, e agora você vai ser enfermeira,

isso aí, a gente vai ter que pensar nisso aí; há calma, o exército tem sete anos

pra lidar com esse problema, bem sete anos se passaram e continuam se

passando, está se abrindo novas frentes, mas a garota levantou e perguntou 300

né? não lembro qual delas foi, era uma das trinta, eram só trinta, e levantou e

perguntou: General, é o que vai acontecer com a gente quando chegar ao final

do colégio? O cara foi extremamente infeliz, depois poderiam até ter vaiado ele

até, na minha opinião lugar de mulher é, é no fogão, lá em casa é em frente, a

beira do fogão, em vez de sair de casa, imagina dar uma resposta dessas para 305

uma menina dessas, mas tudo bem vamos tocar, na minha cabeça tinham

que trazer aqui um oficial QCO que não existia, já tinham no exército vários

oficiais do QCO,seria trazer aqui pra fazer uma palestra pra elas, mostrar pra

elas que elas não poderiam ir pra academia no mesmo caminho que os

meninos seguiriam mas poderiam ter outros caminhos, vocês vão sair daqui, 310

vocês vão pegar uma área , se vocês quiserem vestir uma farda, vão área a

fim, numa faculdade, vão ser advogadas, vão ser médicas, vão ser dentistas,

vão ser sei lá, ser fisioterapeutas, depois vão prestar um concurso pra uma

das escolas, escola de saúde ou de administração, vocês vão poder ser

admitidas no exército, hoje já temos aí o IME, nós já temos outras frentes, a 315

própria aeronáutica a marinha,já estão abrindo, então acho que tão, tão , já

estão sendo melhor encaminhadas”.

113

2. Como foi a sua relação inicial com esse grupo de primeiras meninas no CM? 320

“ Minha relação inicial com as meninas eu achei que foi sensacional, primeiro

porque, elas mudaram o colégio, hoje a gente vê aqui no colégio já, de outra

forma, quem viu o colégio, quem viveu o colégio como homem, só o homem

todo dia, e viveu a fase da primeira turma, com essas 30 meninas, e hoje vive

aí as alunas espalhadas por todas séries,a gente vê que o colégio mudou, 325

mudou, mudou o próprio relacionamento dos alunos entre si, o próprio

comportamento, até disciplinar e, ou seja, os hábitos mudaram um pouquinho,

então o que antigamente a brincadeira aqui talvez fosse tacar uma bolinha de

meia, jogando bola no recreio, bola de gude, e outras coisas mais, hoje não é

mais esse tipo de brincadeira que a gente vê no recreio, então já mudou um 330

pouquinho, e a presença da mulher mesmo, vocês entre nós, vai mudando um

pouquinho, como é no meu caso, eu cresci só, só com, com alunos, né? com

meninos, depois fui para academia, só homens, foi minha vida, pra quartel só

homens, e a minha geração já começou a se acostumar um pouquinho com a

presença da mulher no trabalho, o que não aconteceu com eles né? Então eu 335

vou falar essa parte depois tu segura pra você, CORTADO DA ENTREVISTA

ATE ALINHA POR PEDIDO DO ENTREVISTADO. houve um lado paternalista,

como ainda há, porque a mulher também é danada, a mulher ele, ela, ontem

mesmo vi um caso no esquadrão, eles estavam treinando para o 6 de maio,

uma garota do meu tamanho praticamente, veio pedir um troço para o capitão, 340

aí bota as duas mãozinhasassim, capitãooo, aí convive com um troço desses,

não, você entendeu, convive com um troço desses,artimanha feminina mesmo, a gente vê que a mulher utiliza dessas artimanhas, e a gente tem que

podar elas também, até vai nos ensinando a lidar com elas, de uma maneira ,

a relação inicial com elas foi muito boa, e mas foi paternalista, e foi paternalista 345

pelo seguinte, porque elas tinham uma tendência, eu falo no nome da Marli, da

Márcia Couto que era maior, que namorava um aluno do esquadrão na época,

depois a gente vê aí, proibir a namorar, não sei o que, mas naquela época, já

namorava, ela vinha aqui na, na boatizinha nossa, aqui, ela entrava na porta,

114

pegava ele e saía, então a gente acompanha isso aí, isso aí é normal, até eu 350

mesmo, pô não pode? Não pode, tá proibido namorar aqui dentro,não pode,

não sei o que lá, aí aluno está lá fora dando beijinho na aluna, Não tem como coibir completamente. Os dois de boina, bem fardados, sentados no ponto do

ônibus, um adolescente dar um beijinho na adolescente, que é um troço mais

normal, aí eu vou...pra mim, enquanto você está num churrasco civil aqui 355

também eu prefiro que eles pedem para dar uns beijinhos no churrasco civil aí,

do que estar aí num lugar aí mexendo com drogas, metido com gente que não

presta, gente que não presta, é tudo uma questão da gente mudar um

pouquinho a cabeça, mas com o tempo vai mudando”.

360

3. Como as tratavam? “Com todo cuidado, era um, até cheio de dedos demais, na minha opinião,

então eu na época, hoje eu estou estimulando de novo é, a palavra tá proibida

mas bota entre aspas “o trote” né? Então eu briguei aqui, pedi pro coronel,

quando eu digo briguei não, eu batalhei, batalhei pra, pra poder fazer o trote 365

oficial do esquadrão, hoje, eu já estou autorizando o esquadrão de novo aí, ao

trote, a confraternização, por que a palavra trote oficial, o batismo deles nas

armas, e elas foram assistir, algumas delas, aquelas menininhas na época

forma lá assistir, e o trote chegou a um ponto que, todo mundo sujo de lama, já

passando por dentro das trincheiras, já tomaram chá de alfafa, já fizeram a 370

farra toda, e elas ali sentadas ali na arquibancada rindo, o que ia acontecer,

logicamente os garotos tiveram vontade de pegar elas e jogar lá dentro da

346 (?latrina?), corre, corre, aluna pra tudo que é lado, e pega e segura, e eu

pega e não deixa pegar, ficou aquele negócio, mas eu acho que isso faz parte,

foi tratando com muito cuidado, tanto nesse trote chega a um ponto que eles 375

querem jogar até a gente, mas só que é aquilo que eu falo, os alunos não são

malucos,i. i. e eu acho que a grande parte do público do colégio são eles, e na

época que eu senti, joga o capitão, o capitão, eu tava em cima ali com o Júlio

ali olhando, o capitão, o capitão, eu tava de uniforme de educação física, eu

tive que passar uma estribeira na frente deles, eles tinham perdido esse, como 380

já perderam de novo, a gente perde as tradições, perde os valores, pra isso a

115

gente não pode abrir mão, a gente ta perdendo, a gente tem que toda hora tá

resgatando , já regatei uma vez e espero regatar a segunda.......mas voltando,

a relação inicial foi muito boa, eu curti muito elas,e elas eram nossos

xodozinhos entendeu, na época até existia uma preocupação muito grande, e 385

ainda tem, de vez em quando eu corto aqui eles chamarem de meninas e não

sei o que, não são meninas são alunas, e botar elas no mesmo patamar dos

alunos, e eu pessoalmente, agora é minha opinião pessoal, eu acho que nós

não somos iguais, ... somos biologicamente diferentes, tudo, tudo diferente,

agora somos dois seres iguais que vamos fazer as mesmas coisas, cada um 390

dentro de suas características tem que chegar lá, acho que temos que respeitar

as diferenças, eu acho as vezes que ás própria mulheres pecam um

pouquinho, por que querem ser iguais e não são, então nós temos que nos

convencer disso aí. Como nós as tratávamos , já falei, paternalistas, eram

nossos, nossos bibelôs entendeu, era nossas preciosidades, tanto que eu te 395

mostrei ali, as reportagens ali, guardei até hoje, que eu curtia muito.

4. Expectativas geradas pelo convívio escolar das meninas em uma instituição militar? “ Havia uma expectativa grande de quem tava trabalhando com elas 400

exatamente nessa projeção do futuro delas, que, eu acho que já abordei, como

havia também uma, uma, uma, falta de expectativa pro lado da instituição, que

a gente cria os elefantes e deixa eles crescendo, depois ele pisa na gente, fala

hi!, pisou na gente, é, nós alimentamos com leite ninho ali, com vitamina,

cresce, fica enorme e pisa na gente, é! Pisou na gente, ..... nós é que 405

alimentamos,deixamos ficar daquele tamanho, o senhor acha que a entrada das meninas, o momento de 1989, já marinha tinha entrado o grupo feminino, a aeronáutica já tava começando com o grupo feminino,e o exército foi pressionado a ter um grupamento feminino também, mas começou pelo colégio militar, mas não se projetou o futuro delas : “Não 410

foi pelo colégio militar, não? Começou por oficial, pelas oficiais? Nós já

tínhamos oficiais de carreira , antes das alunas, as alunas vieram depois das

oficiais de carreira, eram só enfermeiras né? não tinha, se bem que não, pera

116

aí 89 é 89 não tinha, não tinha, 1ª turma de mulher no exército foi em 92

foram, elas foram as primeiras, elas foram as primeiras, foram as primeiras 415

em todos os sentidos, no exército não tinha ta certo, ... é se assim dissesse, vamos esperar um pouquinho a gente coloca elas nas escolas e gente pensa depois como vai resolver o problema, mas o exército, fez um

pouquinho diferente da marinha e da aeronáutica,pelo menos da marinha, o

exército não tem corpo feminino, é outro equívoco que a gente comete, aí 420

chega e diz que quer botar todo mundo pra grupamento feminino, não existe, é verdade, é verdade, aliás tá acontecendo aqui no colégio, não se você já

notou, eu misturei tudo, acabei com esse negócio isso de grupamento de

homem e grupamento de mulher, nós não temos na sala , a gente tem que ter

um percentual mínimo, tem que estar homem e mulher de dentro da sala, por 425

que quando chega na hora de botar em forma eu vou ter que botar separado,

não tem por que né, não, mas um está de saia outro, não interessa é aluno,

bota em forma, a gente não pode ter essas..., por que a gente não, não tem,

entendeu, não tenho um segmento feminino e um segmento masculino. Eu

tenho só um, os dois sexos, mas entendeu, então é mais ou menos por aí que 430

eu vejo, o exército já comete um erro, quando chega 7 de setembro, quer fazer

um segmento feminino, aí elas ficam chateadas, por que os colegas de turma

não vão desfilar e elas vão por serem mulheres, então fica um troço engraçado.

Interessante, expectativas geradas pelo convívio escolar das meninas em uma

instituição militar, então eu falo, o toque feminino vai, vai aguçar o paternalismo 435

dos mais velhos, vai, vai, até amenizar, vamos dizer assim a rispidez dos

meninos, ou a brutalidade dos meninos, essa, essa, isso aí que , era a

expectativa, acho que foi o que aconteceu”.

440

445

117

H - ENTREVISTA DE ELITE FEMININA 01 – 14/07/03 NOME : Clarice Echardt.

Você tinha que idade quando decidiu prestar prova para o concurso de 450

admissão do Colégio Militar?

“Eu tinha 10 anos, quando estava me preparando, eu faço aniversário no final

de novembro, aí quando eu entrei tinha 11 anos”.Qual sua data de nascimento? “25/11/77 - 25 anos”

455

1. Eu gostaria de saber algumas coisas a respeito do seu trabalho com relação à questão do concurso. Em primeiro lugar, foram seus pais que incentivaram a fazer o concurso ou foi decisão própria? “Não, foi uma decisão totalmente minha, pelo contrário eles até não queriam

que eu fizesse o concurso por que eu já tava na 5ª série eu ia para a 6ª e para 460

entrar no colégio militar eu ia ter que repetir a 5ª, então por causa disso eles

não queriam que eu fizesse o concurso” E você optou a partir de que

situação?“Eu optei por que eu queria mudar de colégio, eu não gostava do

colégio onde eu estudava, e pela parte esportiva, porque eu sempre gostei

muito de esporte, tinha um amigo que tinha acabado de entrar no colégio militar 465

e falava muito bem da parte esportiva, e foi isso que mais me motivou”. Após

esta decisão de fazer o concurso de admissão você fez alguma preparação

para este concurso, para a execução desse concurso? “Eu estudei com a mãe

desse meu amigo, que era um vizinho meu, e a irmã dele também queria, aliás,

foi a irmã dele que me motivou mais a fazer, ela que queria fazer mesmo, e já 470

que ela ia fazer eu resolvi fazer também, porque eu queria mudar de colégio,

fui fazer, e mãe dele sendo professora, ela preparou a gente, mas eu estudei

muito, eu acho que foi a época que eu mais estudei na vida”. Quanto tempo de preparação? “Há foi quase que o ano inteiro, talvez de maio até o final do

ano, mas nas últimas épocas, eu lembro que eu estudava muito, muitas horas 475

por dia”. O que você achou do concurso?“O concurso era muito difícil, é pela

concorrência”. Você tem idéia de quantos alunos eram? “Eram 7200

candidatos pra 120 vagas, sendo pra meninas 30 vagas sendo pra filha de civil

118

04 vagas”. Como é que é? Filha de civil? “Era diferenciado a quantidade de

vagas para filho de civil, filho de militar do exército, da marinha, e da 480

aeronáutica”. Quer dizer que tinha uma situação diferenciada para filhas de militares? “Era para qualquer pessoa, sendo que filhas de militares, com os

meninos também aconteceu à mesma coisa, tinham mais vagas, eram mais

vagas, de 30 vagas pra meninas só 04 eram filhas de civil”. Você foi uma das quatro? “Não porque parece que as vagas destinadas às filhas de militares 485

não foram preenchidas, então tinha uma nota mínima para ser aprovada, então

abriu mais vagas para filhas de civil”. Você lembra da sua classificação? “Não, não teve classificação”. Não teve classificação, foi um total de vagas? “É, e eu lembro também que um dos motivos pra que meus pais não

quisessem que eu fizesse o concurso é que eram só quatros Vagas, e eles 490

estavam me vendo estudar muito e achavam que eu ia me decepcionar por que

eu não ia passar, tava perdendo tempo”. Após você saber que passou, o que aconteceu com a sua vida? “Mudou 100%, mas pra mim especialmente

foi muito complicado, porque essa minha amiga que mais me motivou a fazer o

concurso, que estudou o tempo todo comigo, que foi a mãe dela que preparou 495

a gente, ela não passou, e eu passei. Então foi ruim no sentido que a gente se

afastou, inevitavelmente a gente se afastou, por que é o colégio militar

preenchia muito os horários, eu tive que até que parar de fazer vôlei, que na

época eu tava começando a fazer vôlei na AABB, junto com esta minha amiga

também, e aí por na 5ª série o horário do vôlei era duas horas, teoricamente 500

era para eu sair do colégio ao meio dia, só que eu nunca saia meio-dia, saia

sempre 12:30, 13:30, porque na 5ª série sempre tinha ordem unida, formatura

depois”. Você sabia desse sistema do colégio militar?da questão dessa disciplina, do horário rígido? “Eu sabia que tinha mas, eu não fazia a menor

idéia de como era, de que era tanto quanto era, Esse rigor com o horário, 505

absurdo, não imaginava que era tanto”. Nesse período inicial você tinha o sonho da parte esportiva, que você falou, atendeu essa necessidade no início? “Logo no início não, sim eu tinha as aulas, eu achava, porque eu

sempre fui muito tímida também, e como também era muita novidade, menina

no colégio e tal,eles colocaram muitas aulas de GRD, de hã, essas coisas para 510

119

gente, e eu não gostava dessa parte de dança, e até me decepcionei um no

início”. No início? “No início”.

2. Com a sua vivência na 5ª série você sofreu algum problema inicial de adaptação? 515

“Eu tive problema de adaptação por que eu sou muito tímida e ainda mais com

tanto rigor assim, eu ficava bem isolada, não tinha muito amigos, é tinha

problema também que nessa época não ficava final de semana aqui no Rio,

então, vira e mexe o pessoal fazia festinha, onde as pessoas se conheciam um

mais, mais fora do ambiente do colégio, eu não tinha essa vivência então, eu 520

fiquei bem sozinha”.

3. E a receptividade do pessoal mais velho, você sentiu algum tipo de discriminação? “Alguns, enquanto alguns achavam muito bom em ter meninas e tal, outros 525

tinham o maior preconceito, falavam que não era lugar de mulher, que não

tinha que entrar coisa nenhuma, que tinha que continuar só homem mesmo,

que por causa da gente eles tinham que fazer outras coisas que antes eles não

tinham que fazer, e rolava isso mesmo, de não poder ir lá no nosso pátio, de

dar o exemplo né? Entre aspas, meio absurdo, assim”. 530

4. Quais foram suas expectativas com os primeiros anos, o que aconteceu com você nesses primeiros anos? “Bom no início era tudo novidade eu achava até legal, essa parte da ordem

unida, do coisa, a parte esportiva me decepcionou um pouco, mas aí depois, é 535

já fui me enquadrando melhor, mas aí na 6ª série já não era tão legal a ordem

unida e tal, quando chegou a 7ª série eu já odiava, pensei várias vezes em sair

do colégio, por que eu não via sentido nesse militarismo, as vezes burro, era

muita coisa sem sentido, As formaturas, as formaturas, pelo próprio nome é

uma coisa sem sentido, você ter que chegar no colégio meia-hora antes pra 540

ficar em forma e ficar só ouvindo besteira, lavagem cerebral, que era todo dia a

mesma coisa que se repetia, exatamente a mesma coisa todo dia, você

120

começa a não ver mais sentido nisso, perde o significado, então você começa

a questionar, porque tem que fazer isto, nessas ordens unidas a gente tinha

que ensaiar, tinha uma matéria que ra IM - instrução militar, tem que ensaiar o 545

olhar a direita que a manobra que se faz lá, se uma pessoas errasse ficava

todo mundo repetindo 500 vezes, até que todo mundo fizesse certo, então,

muitas pessoas já começavam a fazer errado de sacanagem mesmo, errando

de propósito pra sacanear os outros, e ficava nessa, só foi provocando rebeldia

nas pessoas”.Durante 5ª,6ª,7ª aconteceu isso com você., o que fez você 550

não sair?“O que fez eu não sair foi eu começar a matar a formatura, porque

quando eu percebi que o esquema era realmente esse, e que não, adianta, eu

tentava até conversar com os sargentos, os comandantes, questionando o

porquê da formatura, porque tinha ouvir repetir as mesmas coisas, se todo

mundo já sabia aquilo, e porque tinha sempre sair tudo certinho, porque quem 555

não sabe fazer não ensaia separado e depois junta com todo mundo que já

sabe fazer, e não tendo respostas para estas coisas eu comecei a matar

formatura, que antes eu era muito certinha, levava tudo muito a sério, quando

eu comecei a não levar tanto a sério é que, o que me permitiu ficar, porque eu

estava mesmo querendo sair do colégio”.E o ensino? O ensino sempre foi 560

muito bom, isso acho que é unanimidade, assim, eu vim de um colégio bom, na

5ª série foi muito tranqüilo pra mim, porque eu já tinha visto a matéria quase

toda, isso me deu uma base muito boa para os outros anos, até a 8ª série eu

fui graduada, mas eu nunca estudei pra isso”.O que é ser graduada? “Parece

que 20%, ou 10% das melhores notas do ano anterior, recebem uma 565

graduação, que acompanha a graduação do exército, então quando você faz a

5ª série, quando vai para a 6ª série, as 10 melhores notas da 5ª série, 10%

melhores notas da 5ª série, recebia a graduação de 3º sargento, e aí era um

símbolo que era inteligente, isso por um lado era bom, mas por outro lado

também gerava discriminação, era motivo de zoar, chacota, então, mas 570

também era argumento pra quando você fizesse uma besteira, mas eu sou

graduada, não é bem assim”.Então nesse período que você começou a matar formatura, com ensino você estava bem, você era graduada, e com a parte esportiva?“Eu comecei mesmo a me interessar pela parte esportiva na

121

8ª série, que eu senti, até então eu fazia a educação física normal, mas não 575

tinha, até acho até que por parte dos professores, não tinha nenhum incentivo

de se montar uma equipe, é treinar uma modalidade especifica, por que era até

a 6ª série a gente fazia todas as modalidades, era obrigado a passar por todas

as modalidades, na 7ª série a gente sendo continuava obrigado a fazer

atletismo, natação, mas dos esportes coletivos você optava por um, e eu optei 580

pelo vôlei., mas na 7ª série a gente tinha só as competições internas, na 8ª

série que começavam mais as competições externas e tinha a preocupação de

se fazer uma equipe pra disputar intercolegial, acho que na 8ª série a que a

gente não participou de intercolegial ainda não, acho que e o só comecei a

participar de intercolegial no 2º ano, acho que nem no 1º ano, no 2º ano”. 585

5. (frustrações) Pelo o que você falou a parte esportiva teve uma importância muito grande, a partir de um determinado momento? O que você pode falar do modelo de educação física que tinha dentro da escola, o que oportunizou pra você? 590

“Eu acho que o modelo em si era bom, porque permitia a você conhecer as

modalidades e te dava chance de se especializar em alguma coisa, não digo

especializar, mas ter mais contato com uma determinada modalidade, a

infraestrutura dessa parte é excelente pra nível escolar, eu acho que

pouquíssimos colégios no Rio de Janeiro tem a infra estrutura que o colégio 595

militar tem para a parte esportiva, agora como qualquer outro lugar existem

bons e maus profissionais, então tinha professor que com turma de 40-50 dava

uma bola e falava joga, a aula inteira era isso, então acho que as próprias

pessoas desanimavam, não se interessavam, começavam a dispersar, a fazer

outra coisa, a brigar e tal, aí pra a aula, dá esporro na turma, aquele lenga-600

lenga e não se produzia efetivamente nada, mas acho que isso era exceção,

poucos professores faziam isso, e é coisa que em qualquer lugar vai ter, gente

que trabalha bem e gente que trabalha mal, mas de modo geral, eu acho que te

abre portas, pelo menos para mim, te abre caminhos, chances de vivenciar

aquela modalidade, até as escolinhas que tinham na época também acho que 605

eram uma boa oportunidade, era pago separado, só que um preço bem mais

122

acessível do que se você fazer em um clube ou algum outro lugar, e tinha a

vantagem de ser dentro do colégio mesmo, um local que você já conhecia o

acesso,já era de fácil acesso, e tal, mas uma coisa que atrapalhava muito era

que só podia entrar de calça comprida, co colégio, mesmo quando você ia 610

praticar alguns esportes, isso no verão é pra que ia todo dia, seis vezes por

semana no colégio, é, fora do horário, ter sempre que levar uma calça

comprida extra na mochila, pra passar do portão tirar, bota e passa pelo portão,

era uma coisa que às vezes desanimava, mas não o suficiente para impedir

que eu fosse até lá”. Dentro das olimpíadas vocês tinham grupos muito 615

fechados de participação, realmente eras muito fechado e unido, o que lembra desse período, já pelas armas: “A olimpíadas das armas era muito

competitiva, tinha duas equipes muito fortes, que eram a artilharia e a

cavalaria, e as outras armas eram bem fracas em termos competitivos, é!, mas

era, acho que isso é até uma característica até do brasileiro mesmo, de 620

ressaltar a torcida, e lutar pelo aquilo, então pra gente aquilo tinha dimensão

imensa, as olimpíadas das armas eram às Olimpíadas, a gente se sentia

competindo, porque ia torcida assistir aos jogos, fazia muito barulho, tinha

musiquinha, tinha tudo, às vezes tinha briga, é, por causa das torcidas, sempre

teve muita rivalidade, principalmente a artilharia e acavalaria na minha 625

época”.Como vocês lidavam com essa rivalidade?“Então tinha gente que

brigava, e deixava de ser amigo de outras pessoas, eu tinha alguns amigos que

foram para a artilharia, mas eu tinha muitos amigos a que na cavalaria também,

é só que esses meus amigos a da cavalaria não eram ligados ao meio

esportivo, mas tinham muita rivalidade e às vezes até preconceito, por ser de 630

uma arma por ser de arma ou de outra, coisa boba, mas era como se fosse

flamengo e Vasco”. Chegava a deturpar o sentido da olimpíada?“Eu acho

que sim, eu acho que sim, se a proposta era unir as pessoas, tornar um bem

comum, a rivalidade era tão grande que, eu acho até que essa rivalidade era

muito instigada pelos próprios professores e comandantes, mas eu acho que 635

isso, isso era incentivado pelos comandantes , essa rivalidade exacerbada,

mas acho que também é coisa de adolescente, todo mundo adolescente, tudo

é muito intenso, e para nossa dimensão é o valor que se colocava nisso, da

123

representatividade do colégio, quando era competição externa, com

competição externa já era outra coisa,uma coisa totalmente diferente, porque 640

tinham as equipes que eram formadas por membros de qualquer armas,

independente do que fosse, mas é geralmente era mais artilharia e cavalaria

mesmo, tinha pouca gente de equipe do colégio, eles de outras armas, mas

tinham também, e as competições fora do colégio, eles incentivam muito a

coisa de defender o nome do colégio, tudo em prol do colégio, até aconteceu 645

um caso, pode contar um caso particular? “Claro. “Esse caso não é ta oficial,

não é oficial em nenhum lugar , mas que me decepcionou muito, e que eu senti

muito, foi em 95, no intercolegial, eu tava competindo tênis de mesa, foram

para a final, as quatro finalistas, três eram do colégio militar e uma era de fora,

então teve a primeira disputa, tinha uma garota do colégio militar, contra a de 650

fora e ela perdeu, não, não, não tinha semi-final, o critério da competição não

tinha semi-final, eu sei que chegou na final, se eu ganhasse, o colégio militar ia

ficar eu, 2º lugar a menina que eu tinha ganhado e 4º lugar a outra, 3º lugar a

de fora, e todas essas colocações faltavam pontos para os prêmio final de

todas as modalidades, aí o comandante do colégio (seção), e professor de 655

tênis de mesa vieram me pedir para perder, o jogo da final para que o colégio

pudesse ficar com 1º,2º e 3º lugares e não 1º, 2º e 4º. Fiquei numa situação

muito difícil, porque, essas pessoas eram quase minhas amigas, e eu tinha

treinado para ganhar, não era para perder, chegar na hora agá e perder, todo

mundo quer ganhar, ainda mais que eu não gostava muito da garota que eu 660

estava jogando contra do CM mesmo, mas eu lembro que eu fiquei muito na

dúvida do que eu ia fazer, ganhei o primeiro set, ganhei o segundo, não podia

ganhar três sets, perdi o 3º, perdi o 4º, todo mundo meio que me pressionando,

eu fiz, aí o comandante da educação física tinha falado que no colégio a gente

disputaria a verdadeira final, que a gente não ia ficar com as medalhas, que 665

elas iam ficar com ele, depois a gente disputaria a verdadeira final, ia ser dada

à medalha ao campeão, só que eu queria ser campeã lá, na frente de todo

mundo, não era depois na encolha e tal, mas eu acabei cedendo, ficando em

segundo lugar mesmo, e aí depois a outra garota veio dizer que eu não perdi

coisa nenhuma, que foi desculpa minha, chegou na hora ela nem quis disputar, 670

124

lá no colégio, eu acabei ficando com a medalha de ouro mas oficialmente é eu

fiquei em 2º lugar”. Isso foi uma lembrança muito negativa?“Foi

decepcionante, me incentivavam para eu treinar, treinar e treinar, aí chega na

hora agá pede pra eu perder?

675

6. E a relação dos meninos com vocês, no início como foi? “No começo isolaram a gente, é!, a primeira companhia, 5ª série, ficava num

lugar bem restrito do colégio, não tinha contato com nenhuma outra série,

nosso horário de recreio era diferente do horário de recreio das outras série,

tentaram assim isolar mesmo a gente, tratar como bicho do mato, a gente só 680

tinha contato com gente de outras séries só depois do horário da aula, fora dali,

mas tinha as festinhas, coisinhas, que depois acabava dando estes contatos”.

7. Com relação a punições, você foi punida alguma vez? Por que motivo foi? 685

“Eu fiz muita besteira, pelo o que eu fiz de besteira, de matar formatura, matar

aula, eu fui até pouco punida, eu fui punida uma vez só. Eu nem lembro o

motivo, acho que nem foi de matar aula, acho que foi comportamento em sala,

uma discussão co a professora” E o que repercutiu naquela época” Acho

que vale falar qual é a punição, né, a punição era ir lá no final de semana ou 690

sábado, ou domingo, ou os dois, ou vários finais de semana, eu fui um final de

semana só, ficar de oito a meio-dia, numa sala estudando, teoricamente, eu fui

punida uma única vez, cheguei ;á às 8 horas fui para a sala , tinha mais uma 4

- 5 pessoas, a gente ficou meio-hora na sala, depois ficou passeando pelo

colégio, foi lá para a educação física, ficou vendo o pessoal, 10 horas a gente 695

foi embora.E prêmios? “Quando eu estava na 8ª série começou um negócio

de legião de honra, até então não tinha legião e honra , começou com negócio,

eu nem sei o que é esse negócio de legião de honra, eu sei que no início eu

não fui legionária, não, era mais alguma coisa idiota desse de militarismo, de

querer hierarquizar pessoas que, é normal era todo mundo aluno, só que eles 700

queriam colocar uma hierarquia mesmo a pessoa sendo aluno, não sei qual a

proposta pedagógica disso, de você colocar crianças dizer que esta criança é

125

melhor quer aquela, e botar um símbolo nela, e fazer ela andar com esse

símbolo, todo mundo sabe que quem não termo símbolo é ruim, quem tem o

símbolo é bom, são valores é muito, muito pesado para você botar numa 705

criança, de uma forma, com critérios tão, pra mim questionáveis, mas tinha

esse negócio de legião de honra, que eu nem sei direito explicar, eu sei que eu

fui, depois eu fui legião de honra, eu nem lembro direito, qual, o que tornava

uma pessoa ser legionária, fora isso tinha os prêmios literários, tinha alguns

concursos literários e tal, que eu nunca ganhei, participei poucas vezes, e tinha 710

os prêmios da parte esportiva, que só começou a ter quando eu estava no

segundo ano também, começaram com o prêmio de melhor atleta do colégio,

que daí eu ganhei esse prêmio, 94, depois em 95, além desse prêmio do

melhor colégio, inventaram o melhor atleta do ano no colégio, inventaram da

melhor atleta da turma que tinha se formado, minha turma foi chamada de 715

Marechal Trompowsky, contra a nossa vontade, a gente queria outro nome

para nossa turma, mas enfim, coisas do exército, eu ganhei esse prêmio

também em 95 de melhor atleta da turma Marechal Trompowsky. Na 8ª série vocês tiveram que escolher uma arma, 1º eu gostaria que você me explicasse o que é arma, depois o porquê da sua escolha, e que escolha 720

foi essa:“É eu acho que a questão de arma é mais uma questão de

organização do colégio né, até 5ª,6ª,7ª e ª série são chamadas de companhias

1ª, 2ª, 3ª, e 4ª companhia aí 2º grau, a divisão já não é mais por série é por

arma, acho que tinha quatro opções arma para escolher, artilharia, infantaria,

cavalaria e comunicações, é, eu acho que a proposta deles era que, mais para 725

que quisesse seguir carreira, pra ter um conhecimento básico do que os

soldados faziam nessas armas, então escolhesse infantaria iria aprender mais

ou menos a manejar fuzil, quem escolhesse artilharia iria aprender mais ou

menos a manejar fuzil, quem escolhesse artilharia, aprendia mais ou menos a

dar tiro de canhão, quem era da cavalaria, aprendia equitação, e comunicações 730

aprendia a mexer com rádio amador. Eu optei por artilharia, mas lógico que não

foi porque eu queria aprender a dar tiro de canhão, eu optei pela artilharia,

pelas pessoas que eu conhecia, que já estavam lê, pelos amigos tinham

vontade de ir pra lá e também pela equipe esportiva, porque as competições já

126

eram por armas, e a artilharia é que tinha melhor equipe, que tinha vencido os 735

jogos quando eu estava na 8ª série, então eu queria ir para a equipe

vencedora, já que nessa época eu estava já muito mais ligada ao esporte, já

fazia vôlei, tinha escolinha separada, fora do horário de aula, eu também fazia

escolinha de vôlei, também incentivada bastante. No lº ano eu comecei fazer

atletismo, tênis de mesa, basquetebol. Nas competições internas fazia tudo, 740

mas eu só treinava atletismo e natação, vôlei e basquete.Nessa época começou a enxertar mais meninas?“Há é! Desde a 6ªsérie começaram a

entra bem mais, a gente chamava de janelonas”. Porque janelonas? “Porque

não tinham entrado pelo concurso, a gente passou por um concurso tão difícil,

pra todo mundo foi desgastante demais, mais que vestibular, e você criança 745

né” “Naquela época o concurso foi só de 5ª série, não tinha do 1º ano né? “Era só da 5ª série” Aí depois começou a entrar outras pessoas como você falou, janelonas, mas eram filhas de militares transferidos? “Filhos de

militares transferidos ou militares falecidos, né! E continuava o concurso de admissão que só na 5ª série? “Pra entrar fora da 5ª série, só filho de militar 750

naquelas situações”.

8. 94/95 foi um momento fabuloso do colégio militar nas competições escolares, foram campeão e bi-campeão do intercolegial geral de todas modalidades e campeão de copa fanta que repercutiu para a escola mais 755

de R$ 15.000,00 para a escola fora em material esportivo, e nesse período foi um período assim, fenomenal também em termos de qualidade tanto dos meninos quanto das meninas, então esse foi um ponto negativo, forte para você, e o ponto positivo, houve? “Houve, demais” fala da sua história nesses intercolegiais: “Bom eu 760

comecei a me dedicar mais às competições mesmo na 8ª série, comecei a,

fazia a escolinha de vôlei e na educação física fazia vôlei também, é, comecei

a participar dos campeonatinhos internos, aí no primeiro ano quando eu

comecei a treinar atletismo também, uma professora maravilhosa me deu essa

oportunidade, acho a pena ressaltar que, eu lembro exatamente, chegou no 765

final do ano eu e uma amiga minha a gente queria emagrecer pras féria, aí do

127

nada a gente decidiu ficar correndo no colégio depois da aula, aí no segundo

dia, só que a gente não conseguia correr nada, porque a gente totalmente sem

saber o do que, que ritmo correr, como correr, no segundo dia que a gente foi

correr a gente deu uma volta, si lá, ou duas voltas na pista, já morrendo de 770

cansaço ou andando, aí chegou um professor, o sargento Antônio, virou pra

gente falou assim; há! Meninas o que vocês estão fazendo? Há! A gente quer

correr e tal a gente quer emagrecer para as férias, aí ele há! Então vocês

gostariam de treinar e tal, e agente disse que gostaria, e indicou uma

professora, a Liliana, pra treinar com a gente, e me surpreendeu muito, a 775

disposição dela de dar treino para gente fora do horário, que não era nenhuma

obrigação dela fazer isso, fora do horário, ainda mais sem cobrar nada, sem

ganha nada por isso, e isso foi muito importante pra mim, porque deu

oportunidade deu ta orientada né?, porque se eu fosse continuar sozinha eu

nem ia continuar, ia chegar uma hora que eu não tava sabendo o que fazer, e 780

daí eu já comecei a treinar, e comecei a treinar mais forte, a partir daí eu me

interessei pelo atletismo, comecei a treinar mais seriamente, e o tempo todo

treinando fora do horário das aulas, e foi daí, que já gostava das outras

modalidades também, também me deu oportunidade de treinar as outras

modalidades fora do horário do colégio, sempre que me dava oportunidade de 785

treinar alguma eu ia treinar, eu sempre gostei muito de conhecer outras

modalidades, foi nessa que eu também tive oportunidade de conhecer esgrima,

acho que pouquíssimos colégios te dão essa oportunidade, eu não me

interessei muito, mas pura questão de gosto, se eu tivesse me interessado teria

chance de eu continuar, acho que o mais importante é isto, te dá a chance de 790

continuar se você quiser realmente, me deu chance de conhecer equitação,que

acho também outros colégios eu não conhecia, ginástica olímpica também é

muito forte no CM, desde da minha época, então esse foi um lado positivo, e

me pegou num momento muito especial também, na minha vida, que eu estava

com várias dificuldades, e essa chance de ficar depois do horário no colégio 795

treinando foi fundamental pra minha vida, nesse momento, de um, meu

problema era ficar ociosa, não ter compromissos e tal, e consegui encaixar isso

com o esporte, de ocupar meu tempo livre, é me direcionar para uma coisa

128

saudável, é que te dá outros valores né? Como respeito, cooperação, acho que

esse outro lado, até o lado competitivo de você saber ganhar, você saber 800

perder, tem hora que você ganha, tem hora que você perde, tem hora que você

treina e ganha, tem hora que você treina e perde, tem hora que você não treina

e ganha é! Então saber lidar com esses sentimentos também foi um outro lado

muito positivo dessa parte esportiva, sem falar do direcionamento pra minha

vida profissional, porque comesse acesso todo, é, cada vez que aparecia uma 805

nova modalidade eu gostava me interessava, então me ajudou a escolher a

minha profissão, acabei querendo ser professora de educação física, embora

na época do terceiro ano a gente fica tão atordoado com um monte de gente

falando um monte de coisa, que eu acabei fazendo, eu não tava tão certa disso

na época, mas com certeza, se hoje eu sou professora é, tudo isso começou 810

no colégio militar, com a chance que eu tive de estar mais perto do lado

esportivo”.

9. Quer dizer que a sua escolha profissional na época foi por outra situação? 815

“Não eu gostava é, eu gostava, eu sabia que eu sempre gostei de esporte, é,

sempre gostava de praticar e tal, mas a minha era se eu gostava só de praticar

ou,porque eu tinha essa noção, que se eu fosse trabalhar com isso eu não ia

ser só praticante, ou se eu gostaria de ensinar isso a alguém, é, por isso eu

fiquei muito na dúvida e acabei fazendo vestibular pra outras carreiras também, 820

também porque a gente fica muito atordoada na época de vestibular com um

monte de gente falando um monte de coisa, faz teste vocacional e deu várias

coisas no meu teste educacional, é! Mas eu também gosto disso, é mas eu

também gosto disso, gosto daquilo, mas é! Hoje em dia não me arrependo nem

um pouco da minha decisão acho que era isso mesmo, e o que fortaleceu pra 825

que essa fosse, essa fosse decisão, foi esse lado esportivo, que a influência

dos pais também nenhuma, muito pelo contrário também, meus pais nem

queriam, é! Meu pai não, minha mãe nem queria que eu fizesse educação

física, o que me ajudou, fortaleceu foi a chance de ter conhecido tão de perto

esse mundo esportivo, foi pelo colégio militar mesmo”. 830

129

10. Você fazendo agora um retrospecto de tudo, desde da sua entrada como concurso, sua vida escolar, sua vida esportiva, essa experiência toda no colégio militar, o que você pode concluir falando da influencia na sua vida de ser a primeira turma feminina e daí para frente: 835

“Acho que a influencia total, é! Molda muito o caráter, o pensamento, e acho

que esse lado, por ser tão rigoroso, me ensinou também a ser muito crítica,

sempre fui muito crítica desde cedo, eu via tanta coisa errada, que eu não

concordava com tanta coisa, que acho isso, foi uma coisa positiva né? Eu

consegui reverter, tem gente que sai meio traumatizado, não quer nunca mais 840

ver militar na frente, revoltado, de uma certa forma eu consegui reverter isso

para um lado positivo, de me tornar uma pessoa crítica, de saber me

posicionar, de aprontar o que eu acho, que eu tenho tal noção, não é o certo,

mas é simplesmente o que eu acho, no lado esportivo de ter tido tantas

experiência como eu tive, poder ter vivido tantos lados do esporte como eu vivi, 845

somente no colégio, que eu vejo hoje em dia, encontrando com outras pessoas

que eu estudo e tal, as pessoas que tiveram a minha vivência foi só em clube,

e eu não fui de clube nenhum, só fazia, só disputava pelo colégio mesmo,

então acho que poucos colégios teriam me dado tantas chances, tantas

oportunidades, como o CM me deu”. No começo foi uma repercussão muito 850

grande o fato de vocês serem as primeiras meninas, imprensa falada, escrita, mostrando o que naquela época?“Dava ênfase que era centenário

do CMRJ, o colégio militar estava fazendo 100 anos e até não tinha tido

meninas, e foi a primeira turma que abriu de mulheres, e aí teve que mudar a

estrutura do colégio, né? Ter banheiros femininos, vestiários femininos, que até 855

então não tinham, o próprio tratamento pessoal dos sargentos, dos

comandantes, eles tiveram que se adaptar a isso, mudar o vocabulário, eu me

lembro que eles tinham medo de falar com a gente, eles tinham medo de falar

coma gente, eles não estavam preparados pra receber meninas, pré-

adolescentes, nessa fase de mudança, esta questão vale a pena colocar 860

também né? Como eram os namoros e tal, eles proibiam você até de andar de

mão dada, mas tudo que é proibido é mais gostoso então servia pelo lado

130

oposto, como era proibido todo mundo queria fazer, e tinha as festinhas e tal, e

a gente depois começou a ficar mais malandrinha e começou a usar isso em

nosso favor, que até 8ª série não tinha nenhum um militar mulher, todos 865

militares eram homem, então por isso era muito fácil matar a formatura na 7ª

série, era só ir para dentro do banheiro feminino, por lei, nenhum homem

poderia entrar dentro do banheiro feminino, então ficava uma coisa absurda,

ficavam vinte das 30 mulheres dentro do banheiro feminino, conversando,

fazendo o maior barulho, e aí quando chegava algum sargento, batia na porta, 870

tava o maior barulho, aí o sargento batia na porta, - hei tem alguém aí?, ficava

o maior silêncio, ninguém respondia, eu sei que tem!, era até uma forma de

ridicularizar os sargentos, coitados, não era culpa deles, - tem alguém aí?

Ficava o maior silêncio - já que não tem ninguém aí, eu vou entrar, aí uma já

começava a dizer - não, entra não, que eu to pelada!, aí pronto! Todo mundo já 875

ria, aí o cara não podia entrar, se tivesse pelada mesmo, não tinha o que falar,

então acabava virando uma coisa muito ridícula, até a questão da

menstruação, não tinha a menor idéia do que era isso eu acho até, não sei não

tinha contato nenhum, com nenhuma mulher, mas era tabu total, então, a gente

começava a usar isso a nosso favor, qualquer coisa que não quisesse fazer, 880

você dizia que estava menstruada, e aí - não, não, então ta, então ta, então

senta aí, vou trazer uma aguinha, então a gente não queria fazer uma

formatura, dizia que estava menstruada, não queria fazer qualquer coisa, dizia,

nisso os meninos ficavam pau da vida com a gente, os garotos da nossa idade,

porque eles não tinham essas regalias, aí na 8ª série já trouxeram uma 885

sargentos femininas acho que da marinha ou da aeronáutica, não aí não era

tanta molezinha assim, porque elas já começavam a anotar quando a gente

estiva menstruada, porque se tivesse essa desculpa mais de uma vez por

mes, já não colavam tanto mais”.

890

11. Dentro do grupo você percebia algum interesse das meninas em seguir carreira? “Tinha menina que tinha essa vontade, os meninos tinham chance de no

primeiro ano ir para o colégio naval, a gente não teve essa chance, eles tinham

131

a chance de no 2º ano ir para a EsPeCEx, a gente não teve essa chance, e 895

eles no 3º de seguir qualquer carreira, e agente também não teve essa chance,

a únicas coisa que a gente teve chance ou de ir pra AFA, a AFA abriu para

mulheres, ou ir para o IME ou ITA, e aí tive amigas, tive uma amiga que foi

para o ITA e lembro de mais uma que foi para a AFA, mas eu como já não

gostava desse lado militar, isso pra mim nunca foi opção, nunca pensei em 900

seguir carreira, mas eu acho isso até uma coisa contraditória”.

12. Mensagem final: “Queria deixar registrado que esse trabalho que você está fazendo agora ta

sendo uma chance de eu falar do que eu gostei e do que eu não gostei, dos 905

aspectos positivos e negativos, e tal, e que lá dentro em nenhum momento eles

se importavam com isso, pelo contrário, era esquema militar mesmo,

obedecem, cala a boca e obedece, é, mas de uma certa forma esse cala boca

e obedece, me fez tornar uma pessoa mais crítica ainda, de querer falar o que

eu penso, de querer demonstrar, e que eu estou tendo oportunidade agora com 910

esse trabalho, mas que lá dentro eles não valorizam isso”.

I - ENTREVISTA DE ELITE FEMININA 02 – 24/08/04 NOME : Márcia Couto. 915

1. O que motivou a decisão de realizar o concurso de admissão para o CMRJ? ”É, a história de eu resolver fazer o concurso, que, foram dois momentos

diferentes, primeiro eu resolvi fazer o concurso depois eu ter passado e 920

resolver me matricular, por que quando eu fiz o concurso não me passava pela

cabeça me matricular, foi? Foi, por que o que aconteceu foi o seguinte, o meu

irmão tava se preparando pra esse concurso, e eu tenho uma relação meio

maternal com o meu irmão, né? a minha mãe trabalhava fora, a gente era

muito pequeno, eu cuidava dele e tal, apesar da diferença de idade ser 925

pequena, i, como o colégio é muito grande, a gente não sabia direito como ia

acontecer a divisão de salas, essas coisas todas, e meu pai tava muito

132

preocupado, o meu irmão muito desligado, de repente se perder e ir para a sala

errada e perder a prova, e aí num dia de domingo a gente tava almoçando em

casa, na segunda-feira meu pai ia fazer a inscrição dele pro concurso, e ele 930

tava fazendo cursinho preparatório e tudo e eu tava fazendo minha sexta série

normalmente, i, aí meu pai, mas e aí, você vai entender, você sabe, é melhor a

gente ir lá um dia antes, no colégio, você conhecer e tal, não, não, não pai,

olha só, a inscrição é muito cara? Aí ele disse não, normal, é tranqüilo, aí eu

falei então faz a inscrição pra mim, por que fazendo a inscrição no mesmo 935

tempo é bem capaz da gente cair na mesma sala, se for por número de

inscrição, ou pelo menos vai ficar próximo, faz a inscrição pra mim , que eu

acompanho ele, eu não vou passar nesse negócio mesmo, então eu

acompanho ele, ajudo ele a achar a sala, averiguar o nome e tal, por que você

não vai poder entrar, mas eu inscrita vou poder, aí foi assim né? eu fui fazer a 940

prova, aí quando acaba, eu tava assim tão despreocupada, que na prova de

matemática que foi a primeira, é, eu fiquei um tempão num determinado

problema lá e esqueci do resto da prova, e chegou no final eu tava cansada,

imagina você, qual concursanda surtada que ia fazer um negócio desses? Eu

tava cansada e não tava mais preocupada, por que eu já sabia que as salas 945

iam ser sempre as mesmas, pras provas né? i, tomava fazer a prova, eu

comecei a fingir que tava fazendo, e não terminei a prova, as três últimas

questões eu deixei em branco, só que quando acaba, nas questões anteriores

tinha questões que muita gente errou e eu por já tá mais a frente, nessa,

nessa, aí, aí nesse momento a maturidade conta né? a malícia pra 950

determinadas coisas, que o pessoal menor não tinha, aí (quando eu tava...??)

eu passei, aí quando eu vi que tinha passado na prova de matemática, a gente

ficou morrendo de rir, e meu irmão passou também na prova de matemática, aí

fomos para a segunda prova, que era estudos sócias, história e geografia,

mesma coisa, há beleza, já tô mesmo inscrita, vou lá com ele, de novo, aí fui e 955

tirei o maior notão, aí passei de novo, i, esse negócio ta ficando esquisito, muito esquisito, aí, tá., aí teve a prova de português,aí teve a redação,e eu,

eu, sempre ia bem em redação, i, aí teve redação, aí beleza, aí depois sai o

resultado final, quanto, eu nunca me esqueço, nunca me esqueço, a, a minha

133

inscrição, a nossa inscrição era 276 e 277, também foi minha, i, aí quando saiu 960

o resultado, num domingo, no jornal, assim, eu falei, há deixa eu ver, peguei

pra ver, aí meu pai falou assim, só falta ter saído 277 e não ter saído 276, aí eu

falei, aí pai para de palhaçada, eu falei assim, para de bobera, não fala isso

não tal, quando eu abri o jornal, 277, não tinha o 276, nossa o meu irmão não passou? Ai meu Deus, eu queria morrer Liliana, imagino, queria morrer, sabe 965

quando você tem vontade de abrir um buraco no chão e você entrar dentro ?

seu irmão com tanta expectativa ! meu irmão tadinho, morrendo de vontade,

sabe,e passou você, e passa eu, ai! E aí? Eu queria me esconder do mundo

aquela hora assim, aí eu falei ai, sem comentários, abafa o caso, vamos fazer

outra coisa, vamos sair, não sei o que, naquela época ainda tinha aquela 970

história de número de vagas separado para filho de militares e de civil, por isso

que meu irmão não entrou, depois a gente veio saber que muitos filhos de

militares entraram com notas mais baixas do que a que ele tinha tirado, há que coisa! Entendeu? Ele não cursou o colégio? Cursou, a eu lembro disso, aí

ele fez concurso dois, no ano seguinte e no outro, aí no terceiro ano que ele fez 975

o concurso foi a mesma coisa, nos três anos ele passava em todas as provas e

não era classificado, no terceiro ano aconteceu a mesma coisa, ele passou na

terceira prova e não foi classificado, só que aí teve aquela história de mandato

de segurança, sei, que um monte de gente entrou, foi quando deu a confusão

que mudaram as regras do concurso, há entendi, eu lembro desse momento, 980

entendeu? aí ele entrou pelo mandado de segurança legal, você já estava lá?

Aí eu já estava lá, Márcia que doideira, aí beleza, aí passei no concurso e tal,

aí eu me lembro que tinha prazo de inscrição, não sei se era até 31 de janeiro ,

era, eu acho que era 31 de janeiro, e eu assim, pai , e eu indo pro Martins, tava

trocando de colégio, eu estudava no Porto Seguro e tava indo pro Martins, e eu 985

com matrícula feita no Martins empolgadaça, por que minhas primas

estudavam lá, as minhas amigas todas estudavam lá, e eu empolgadona, não,

não, Martins, só que meu pai é ex-aluno, aí começou a botar a maior pilha,

não, e tal , você vai, experimenta, a gente tranca a matrícula no Martins, as

aulas começam depois no Martins, você vai ter quase um mês aí pra, pra ver 990

qual é, e tal, vamo lá, pararã, pararã, eu falei caramba isso não vai dar certo, aí

134

fui, beleza, aí então tá, fui fazer matrícula no último dia, aí, e mesmo assim,

naquele dilema, vo não vo, vou não vou, o que eu vou me meter aqui num

colégio que só tem homem, não vai dar certo né? aí, beleza, aí fui lá, fiz a

matrícula, aí começou, primeira semana de aula, aquela confusão, pátio da 995

quinta série fechado, por que os meninos ficaram em polvorosa, aí eu falei

Jesus, o que eu estou fazendo aqui,(riso), aí fecharam o pátio da quinta série? Fecharam, só entrava o grupo da quinta série? É, não, eles deixavam

entrar sexta e sétima, que eram os meninos menores, mas de oitava em diante

não entrava, eu até brinco com meu marido, por que quando eu entrei no 1000

colégio, meu marido tava na oitava série, na época a gente nem sonhava em

se conhecer, i, eu até brinco com ele que eu era inatingível pra ele, por que ele

era oitava série não podia entrar no meu pátio, que legal, é, aí, isso ficou

durante um certo tempo, mas no comecinho, minto, isso não foi na primeira

semana, isso durou algum tempo, aberto o pátio, liberado, assim, a gente 1005

descia, só tinha cantina lá em baixo, no pelotís, onde era a cantina do científico

o segundo grau, aí, a gente, i a gente não usava farda, num primeiro mês né?,

era um uniforme de, aí era um quiprocó danado, aí eu tive que começar a

levar, a levar comida, merenda, pra comer na hora do recreio, por que não

tinha condição de eu descer lá pra comprar, por que era um auê, só por que 1010

vocês desciam lá? era um auê, era um auê, e eu tive muito problema, por que

quando eu entrei lá eu tava já fazendo, pra fazer treze anos, e eu com treze

anos tinha a altura que eu tenho hoje, entendeu? Eu já tinha corpo de, de,

moça, eu não tinha corpo de menina, e as meninas todas outras, tinham dez

anos e eram menininhas, que brincavam de boneca ainda, e eu não, eu já era 1015

adolescente, já, já saia, ia pra festinha e tal, era outra história, imagino, entendeu? Então o que que aconteceu, você imagina, na época, o colégio tinha

1970 garotos, e trinta meninas, das quais 29 eram desse tamanho e eu uma

moça, sozinha no meio daquilo, eu entrei em pânico, assediada, eu entrei em

pânico, por que por onde eu passava parecia assim, que eu era um ET, 1020

imagino, sabe? E, é, tipo, ai olha ela ali, é aquela ali, todo mundo te

apontando, imagina que situação, horrível, horrível”, a gente está entrando na segunda questão:

135

2. Você sofreu algum problema inicial de adaptação? (Foi esse? Nesse 1025

sentido?) “nesse sentido, e eu, eu assim, eu tinha, a gente quando é, é nova, a gente

não, não, tem muita, muita malícia, em termos de relacionamento sociais né?,

a gente não sabe di, diferenciar o joio do trigo, é verdade, com doze, treze

anos de idade,então o que que acontecia, eu me senti num primeiro momento, 1030

eu ficava com vergonha de ta né, em evidência, mas só que todo mundo me

recebeu muito bem, cada um com a sua intenção, né?, hahã! então o que

acontecia,eu, só que eu não sabia fazer essa diferença, então eu fiquei meio

que deslumbrada, num primeiro momento eu fiquei retraída, num segundo

momento eu comecei a me sentir a vontade, eu comecei a ficar meio 1035

deslumbrada e comecei a falar com todo mundo, e a tratar todo mundo bem, aí,

aí danou-se, né? por que aí, é, é, a coisa já tomou um outro sentido, entendeu?

E aí começou, festinha daqui, festinha dali, não sei o que, e o mês se passou, o

Martins lá (riso), o mês se passou , aí teve a tal da passagem simbólica pelo

portão, aí meu pai falou, olha, e aí? Agora a gente vai ter que comprar o 1040

enxoval, né? que é um dinheirão, muito caro, é verdade, né? é, aí o que você

vai querer fazer?aí eu falei, a pai eu vou querer ficar, eu vou ficar, por que aí eu

já tinha tido tempo de ver o colégio, né? de ver o que o colégio tinha a me

oferecer, o que eu vou fazer no Martins? Eu vou ficar aqui, (riso) legal, entendeu? Aí beleza, aí começou né, aí eu fiquei, aí festinha daqui, festinha 1045

dali, não sei o que, aí logo no primeiro ano, eu não me lembro se foi ainda no

primeiro semestre, ou se já foi no segundo, aí me chamaram pra ir no sem

censura, programa? No programa é, aí meu pai não deixou eu ir, por que

nessa altura do campeonato, já tinha saído reportagem, que ia a imprensa lá,

entrevistava a mim, entendeu? Por que era a mais velha? Isso, e eu menina 1050

besta, não sabia o que dizia, e falava as coisas, e repórter você sabe como é,

né? distorce, distorce tudo, e aí já tinha dado confusão por causa de uma

entrevista que eu tinha dado, eu tenho até aqui a entrevista, tinha dado

confusão, eu falei um negócio, a mulher disse outro, aí começaram a falar um

monte de coisa, e tal, aí meu pai falou, não vai não, na época o relações 1055

136

públicas, eu não sei se já era o Cel. Ismael, não sei, não me lembro, você era um bucado visada, é , aí falou, não, não vai não, ela está aqui pra estudar,

sabe? não vai, aí eu fui, aí até quem foi na época, eles chegou a influenciar nisso? da questão do colégio que tinha, você era menor de idade, o que? Dizer se você devia ir ou não devia ir? Não o meu pai disse que eu não ia, 1060

eu tinha treze anos, ele decidia por mim, o colégio falou que queria que eu

fosse, me convidou, meu pai falou não, não vai, claro, não vai e ta acabado,

né?”

3. Qual foi a atitude de vocês ao entrarem? Atitude foi tímida, não foi, 1065

como foi? “Não a gente, a gente entrou, acho que isso foi, foi assim pra todas, todas as

meninas acho que aconteceu a mesma coisa, a gente chegou meio numa di, é

a gente chegou deslumbrada, muito feliz da vida, achando que aquilo ali ia ser

um paraíso, e não deixou de ser não, sabe, só que a gente não tinha 1070

maturidade nem malícia suficiente pra saber que aquilo ali pra virar um paraíso

a gente tinha que ter cuidados, entendeu? Com todo mundo, não era só com

alunos, entendeu? Era com todo mundo, era com pai de aluno, com, com, os

militares, com os professores, a gente tinha que uma postura que a gente não

sabia ter, entendeu? É, era, éramos todas crianças praticamente, eu tava um 1075

pouco mais perto da adolescência, entendeu, mas mesmo assim a gente não

tinha essa vivencia, e não tinha ninguém pra ensinar pra gente, ficava todo

mundo aprendendo junto, entendeu?”

4. Como vocês eram tratadas pela parte administrativa? 1080

“a gente era bem tratada, mas a sensação é que tava todo mundo pisando em

ovos,entendeu? fala mais disso: era assim,é, é, a gente tinha uma, isso tinha

um lado bom, por que, tudo que era feito, a gente era consultada,a gente ta

pensando em fazer, sei lá, em, em botar o vestiário assim, assim, assado,

vestiário da educação física, o que vocês acham, é bem verdade que a gente 1085

não tinha lá essas opiniões todas, mas , a gente se sentia, de certa forma,

protegida com essas ati, com esse tipo de atitude,entendeu? A gente, é, é, ta

137

pensando em, em montar uma escolinha de equitação pra vocês, entendeu? A

legal, mas tudo tinha, é, é, era muito conversado com nossos pais, com a

gente, a gente sentia um cuidado muito grande, com relação a gente, né? 1090

agora claro, tinha também um lado que era um pouco complicado, por que nas

situações em que precisava de alguém chegar e tomar uma decisão, não vai

ser assim, as pessoas ficavam meio, e aí o que a gente faz? sabe? um jogando

a batata quente pra o outro, isso acontecia muito, então, aí o que acontece, é,

então deixa ver se eu me lembro de uma situação, assim, é, bom, quando, 1095

quando começaram a aparecer os primeiros namoricos, nem preciso te dizer

que foi um quiprocó, né? (riso) foi um Deus nos acuda, foi uma confusão

danada, e era coisinha assim, de mãozinha dada, imagina, as meninas tinham

dez anos e tal, i, i, e eu quando foi em maio, logo depois do 6 de maio, eu

comecei a namorar um menino do terceiro ano do segundo grau, namorei com 1100

ele um ano e meio, mas a gente não namorava no colégio, a gente mal se

falava no colégio, a gente se encontrava sempre depois da aula, i, então nunca

rolou assim, de ninguém pegar a gente em nenhuma situação, até por que as

situações não aconteciam lá dentro, as pessoas sabiam, a ela ta namorando

com fulano, entendeu, mas fora, mas não, nunca aconteceu nada assim di, até 1105

por que meu pai não gostava dele nem um pouco, (riso), então eu tomava

todos os cuidados, é, mas, mas assim, então, então o que eu sinto é isso, tinha

realmente, tinha, teve muita dificuldade pra, pra, pras coisas se acertarem, e a

Flávia me conta que na academia, quando ela foi pra força aérea, aconteceu

exatamente a mesma coisa, só que aí ela só falava, é diferente, ali eu tinha 1110

vinte anos quase, né? então, você tem, você sabe, sabe se virar muito melhor,

com as situações, é entendeu? Mas assim, mas as coisas eram, eram levadas,

todo mundo tava muito feliz com aquela situação, entendeu? Então é, o colégio

explorou muito a imagem,do colégio através da gente, e a gente gostava disso,

entendeu? E eles fizeram isso de uma maneira legal, não fizeram isso de uma 1115

maneira, assim é, é, comercial, e tudo mais, era uma coisa que todo muito

tava curtindo junto, então é, é, por exemplo, seis de maio, eles inventaram da

gente fazer um raio, dum, dum numero cem, que era o centenário, o raio do

número cem deitado na grama de uniforme de gala, pssss, eu tenho essa

138

fotografia, e de noite, no mesmo dia tinha baile, e assim, ninguém tinha grana 1120

pra ficar comprando duas túnicas, né? (riso),caramba, mas a gente foi feliz da

vida, i, sabe? tudo a gente achava uma maravilha sabe? E, i, foi uma, uma

troca muito grande, assim, eu pelo menos me senti muito querida, lá dentro, sabe? Apesar dos pesares, tem sempre as exceções, né? é, mais, eu também

tava nem aí, sabe,eu me apoiava em quem me dava força, e azar, eu tava ali 1125

pra curtir a minha e me destacar, e aí o que aconteceu, eu, eu, sempre fui

muito vaidosa, não vaidosa só com, com, esteticamente falando, vaidosa com a

minha pessoa, então eu pensei, pô, já fiz a quinta e a sexta série, agora vou

arrebentar, agora vou fazer de novo, vou arrebentar, né? e aí, foi ótimo na

minha vida, isso foi ótimo, por que eu recomecei, o, o , ginásio né, é, tipo 1130

mandando brasa, estudando pra caramba, i, i, me saindo muito bem,

entendeu? Coisa que eu não fazia no outro colégio, eu sempre fui boa aluna,

sempre passei direto, tudo mais, sempre fui preocupada com isso, mas é, lá a

coisa tomou uma conotação diferente, por que eu vi que as pessoas que se

destacavam na parte intelectual tinham o seu valor, tinham o seu destaque, até 1135

a hora de sair do colégio, e isso mexia comigo, e eu achei isso muito bom,

achei muito motivante, entendeu? Achei muito legal, Desafiador? É, muito

legal, e aí, então quando eu descobri então, que a parte de Educação Física

interferia pra mim foi tudo, (riso), aí, eu na época, não sei se ainda chamam

TEF, é, é TEF, por que pros militares chama TAF, é pra gente é TEF, í, na 1140

época do TEF, não era pra ninguém, eu ficava, eu pulava na piscina, eu nunca

fui uma brilhante nadadora, eu pulava na piscina, eu só pensava assim, eu me

afogo mas eu chego lá com dez, (riso), nossa? E eu chegava, e eu chegava,

nadava,tinha o Cooper, tinha salto em distância,salto em altura, tinha, e eu

tirava dez em tudo, eu acho que eu só não tirei dez uma vez foi na corrida, mas 1145

foi nove e meio, sabe? Mas eu ia desesperada, eu corria igual a uma

alucinada, eu treinava, eu dedicava mesmo, por que eu sabia que também ia

pegar de ta repetindo e tal, eu tinha as minhas limitações, tem sempre aqueles

geninhos, e eu nunca fui gênio, né? eu sabia que eu tinha minhas limitações,

então eu queria compensar na parte física, por que embora tivesse um peso 1150

menor, né?, era aquilo ali que me levantava no final (riso).

139

5. Como vocês eram tratadas pelos professores?tinha civis e militares, assim?

“É a gente sempre foi, assim, in, in, em termos de maioria, como eu te falei, 1155

sem, exceção sempre tem, né? tem, tem sempre aquela, aquele grupo que era

indiferente, que tava ali pra cumprir tabela sabe, e era indiferente a tudo, tinha

aquele grupo que era, que olhava a gente meio atravessado, mas tudo isso era

minoria, atravessado por que? Uns por que não queriam que tivesse entrado

menina lá, outros por que eram despeitados mesmo e achavam que tavão 1160

dando evidencia de mais pra gente entendeu? Mas a maioria esmagadora tava

curtindo tanto quanto a gente, entendeu? A maioria esmagadora, então esses

outros a gente nem, passava por cima, nem, é, nem existia, pra gente sabe?“

6. Quais foram suas expectativas com o convívio escolar em uma 1165

instituição militar? “Olha,é como eu te falei, num primeiro momento eu não sabia muito o que

esperar, por que eu nunca tinha tido uma experiência parecida, né? mas eu,

mas eu achei assim, conforme o tempo foi passando, eu comecei a ver que,

que aquilo ali era pra mim, que eu gostava de ter que me submeter a uma, uma 1170

disciplina, que eu gostava de ter regras pra seguir, que eu gostava que estas

regras funcionassem pra que eu pudesse me destacar nelas, entendeu, as

únicas vezes que eu tive problema, em termos de me rebelar com alguma

coisa, ficar com raiva de alguma coisa,foi quando a regra não funcionou pra

mim, quando foi isso? Quando eu tava, o caso mais marcante, que é uma 1175

coisa que até hoje eu tenho mágoa disso, é a única mágoa que eu tenho do

colégio é essa, que quando eu tava no segundo, do primeiro pro segundo ano,

a gente, eu tava na cavalaria né?, eu fiz das tripas ao coração na oitava série

pra conseguir a classificação, por que quase todo mundo queria ir pra

cavalaria, e era por nota? E era por nota, era por nota, e eu dei o a mais, 1180

ralou, é, aliais, eu digo pro Leo, que foi ele que me salvou, meu marido, por

que na época a gente já tava namorando, comecei a namorar com ele na

oitava série, i, eu tava péssima em matemática, péssima, eu não sabia nada,

140

eu era graduada, mas matemática sempre foi o meu fraco, matemática e

depois física também, i, ele me provou, por que ele, ele sempre teve facilidade 1185

pra essas matérias, e ele me ensinou, me obrigava a fazer exercícios, nem sei

o que, minha média foi lá pra cima, enquanto tava todo mundo tirando cinco em

matemática eu tirei nove e seis,sabe? Todo mundo falando, como foi que você

conseguiu isso?, Há santo Léo (riso), sabe? Mas aí o que aconteceu foi o

seguinte, aí beleza, nós fomos pra cavalaria, aí teve de novo, foi, é, como se eu 1190

tivesse revivido a quinta série no primeiro ano, por que, como, quando foi pra

cavalaria, por causa do uniforme que é diferente e tal, foi outra badalação, mas,

o fato que eu ia te falar, que me marcou, assim negativamente, foi quando a

gente tava indo pro segundo ano, no primeiro entrou é, entrou um monte de

gente transferida, né? i, (e eu era aqui do lado e tal) (não esta compreensível) 1195

né? e entrou uma menina, e hoje eu me dou muito bem com ela, a Camila, i,

uma menina que é muitíssima inteligente, muito inteligente, dessas pessoas

que lê um negócio aqui, e fica na vida dela pra sempre, sabe, ela é muito

inteligente, muito mais inteligente do que eu, mas é o que aconteceu foi o

seguinte, ela entrou vindo do colégio militar de Brasília, graduadona, né? e 1200

houve muita evidência em relação as meninas da primeira turma que estavam

na cavalaria, e ela veio pra cavalaria, ela é filha de coronel dá, de cavalaria,

veio do colégio militar de Brasília com notão, maior que o nosso, mas recebeu

a graduação dela e não entrou na classificação junto com a gente, ela só tinha

o direito de usar a graduação, que que aconteceu, começou a rolar uma 1205

disputa de nota entre a gente, a gente era da mesma sala, né? i, beleza,

estuda daqui, estuda daqui, só descida maluca, estudando que nem uma louca,

foi o ano que meu marido tava em Campinas, e eu só fazia chorar de

saudades e estudar, por que ele só vinha uma vez por mês no Rio , a eu lembro dessa história quando a gente foi na EsPeCEx? Foi lembra? Ele 1210

chorava muito, aí ele chorava de lá, eu chorava de cá, uma beleza, aí é, o que

aconteceu , i eu, falei, falei o que?, vou ficar o que,chorando, então eu vou

estudar pra ocupar minha cabeça, né? e lasquei, lasquei de estudar, estudava,

estudava, estudavaaaa, igual uma doida mesmo, e aí minha nota foi lá pra

cima, só que ficou a cinco da Camila, só que a Camila era gordinha, não fazia 1215

141

nada de educação física, nada, aí o que aconteceu, no primeiro semestre a

nota dela de TEF, a média dela de TEF era 4,7 e a minha era dez, que

aconteceu? aí beleza, foi pro segundo semestre, né? se ela mantivesse o

padrão dela e eu mantivesse o meu, eu ia ficar na frente, no final, por que a

nota intelectual era muito próxima, eu ia ficar na frente, i no ano seguinte, que 1220

era o segundo ano, eu ia comandar o esquadrão, por que na época o terceiro

ano era separado, e eu ia comandante-aluno do esquadrão, era tudo que eu

sonhei na minha vida, né? só o que aconteceu, o pai dela era coronel da ECM,

fazia ECM na época, o que que aconteceu, no segundo semestre era assim,

não sei se, se é assim até hoje? Mas na época pelo menos, a gente faz, a 1225

gente tinha as turmas, cada uma era da sua turma, mas na hora da educação

física existia a turma feminina, agora não é mais, não é mais, existia a turma

feminina, principalmente na hora do TEF, existia uma pauta, com as notas da

turma feminina, não existia uma pauta com as meninas da cento e cinco, com

as meninas da cento e três, com as meninas da cento e quatro, é por que o 1230

TEF era diferente, pois é, era uma pauta única, meninas do primeiro ano do

segundo grau, independente de arma, de o que fosse, né? até por que os

tempos de educação física no horário de aula era tudo junto, né? independente

de arma, di por turma, di tudo, o que que aconteceu, misteriosamente, sumiram

as notas do TEF do segundo semestre, só das meninas da turma cento e 1235

cinco, não sabia disso não, sumiram, sumiram, escafedeu-se, e aí? O

responsável pelas notas, até hoje eu não falo com ele, quando eu passo por

ele no colégio, quem é ele? (XXXXX), que droga! Eu não sabia disso não, nessa época foi o que, 93, eu tava entrando lá, pois é, até aí, nada de

muito grave, embora muito estranho, o problema é o seguinte, o regulamento 1240

do colégio, não sei se é assim até hoje, mas o regulamento do colégio na

época, previa que, quando houvesse qualquer problema com nota, de sumiço,

de extravio, de o que fosse, o que era feito, repetia-se a nota anterior, aí fizeram um novo TEF? Só que eles não fizeram isso, eles nem fizeram um

novo TEF, nem repetiram a nota do anterior, eles deram dez pra todo mundo, 1245

te prejudicaram bem em? não satisfeitos com isso, eu recorri, fui no coronel

Silva Filho, ele simplesmente não falou comigo, o comandante do corpo de

142

alunos andou pra mim, tu foi prejudicada, prejudicadíssima, meu pai foi lá, só

o que que é um civil diante de um coronel? Peixe, que azarão cara, esqueceram isso, aí o que que aconteceu, aí começou o ano letivo do 1250

segundo, eu fiquei as férias todas correndo atrás disso, começou o ano letivo

no ano seguinte, aí primeira formatura geral, aí eu falei pro comandante de

companhia, ó ta acontecendo isso , isso, e isso, você tem que ver o que vai

acontecer, aí beleza, aí tinha, o tal da posição na hora da formatura geral, aí eu

não me lembro direito, se eles tavam revezando, até ter uma decisão, tipo, 1255

botava ela pra comandar num dia depois eu, por que é, até o dia que eu estava

em forma comandando o esquadrão, veio um sargento e falou, olha, sai de

forma, a comandante é a Camila, o que é isso? Eu quis morrer Liliana, na frente de todo mundo? Na frente de todo mundo, na frente de todo mundo, aí você está respondendo a pergunta, quais forma suas frustações com o 1260

convévio escolar... não a única coisa que eu tenho de frustração no colégio

militar e nunca se resolveu, nunca se resolveu, (corte de comentário pessoal) mas quase ninguém soube dessa história comigo, só as pessoas que

normalmente foram procuradas não fazia escândalo nem nada? Não, não

fazia escândalo,é, mas poxa que situação hein? foi horrível, foi horrível,foi 1265

horrível, eu vi assim, um ano da minha vida jogado fora, entendeu? no fundo,não foi jogado fora, mas emocionalmente foi, é, não, pois é , com

certeza, mas assim, i, i, e no finalzinho, como eu não falei nada, no final das

contas ela passou por coitadinha, e eu passei por quizumbeira, por que eu

tinha ido procurar alguém...horrível, a questão da injustiça é uma decepção 1270

muito grande, então pois é, então foram dois erros, duas coisas gritantes,

primeiro sumir as notas, as notas, só de uma turma, quando a pauta era uma

só, então tinha que estar tudo lançado num lugar só, numa única folha, então

se sumiu uma tinha que ter sumido de todo mundo, e não sumiu, segundo, é, é,

tudo bem aconteceu, aconteceu, ninguém ta livre de acontecer esse tipo de 1275

coisa, é eu acho até pelo o que eu conheço (XXXX) ele é desorganizado pra caramba, mas então segue o regulamento, mas o (XXXX) tava de pau

mandado nessa história, na minha opinião, se eu estiver sendo injusta que

deus me perdoe , não olha, eu acho que não, por que eu vou te dizer, na hora

143

que eu fui procurar ele, ele falou, olha, não posso falar nada sobre isso, que 1280

triste, eu, eu, até imagino que ele, por que ele parece ser uma pessoa muito

correta, ele é, muito correta, muito Caxias até, ele só é desorganizado, pois é,

mas assim, ele parece ser uma pessoa muito correta, então a impressão que

eu fiquei da história é que alguém disse pra ele, ó bota tua viola no saco é isso,

e acabou, eu acho que isso pode ter acontecido, entendeu? Eu não acho 1285

nem um pouco difícil de ter acontecido.quem era o comandante da SEF naquela época era o ? ai Liliana, (XXXX) , meu amigo, o (XXX) já era comandante da SEF naquela época, eu já tava lá, eu lembro desse fato, mas isso não foi divulgado, (XXXX), (XXXX), daí eu comecei a bater de

frente com ele, e aí a gente teve vários desentendimentos.” 1290

8. Quais foram suas frustrações com o convívio escolar em uma instituição militar?(Respondeu acima), então essa foi tua maior frustração mesmo? A questão, a questão da injustiça aí, “Foi, eu acho que a única, eu acho que a única, que o resto que aconteceu, 1295

mas é muito sério, é coisa que não, assim que não, que não teve nenhuma

relevância assim”.

9. Como foi a receptividade dos meninos quanto aos primeiros contatos com as meninas? Você já falou né? 1300

“É teve vário, vários, vários tipos de reação, teve é, assim como aconteceu

com os professores, teve meninos é, haviam meninos hostis, havia meninos

que tavam afim de arrumar uma namorada, e meninos que tavam achando

legal, interessante, diferente, entendeu? Os meninos da nossa turma, nunca

tiveram nenhuma reação diferente, por que eles já começaram nessa situação, 1305

e vinham de colégios mistos, então pra eles tanto fazia, né, sabe? Não, não

tinha nada de diferente, mas os antigos lá? Os antigos, us,u, u, us mais

antigos, os do segundo grau, é, eram mais, é, é, ressabiados, eram mais, é, as

vezes a gente escutava uma piadinha quando ia na cantina, uma coisa assim,

tipo, o que vocês estão fazendo aqui? Sabe? Cai fora, é, sai fora, isso aqui não 1310

é lugar pra vocês, não sei o que, por que eram meninos que tavam

144

acostumados a falar o que queriam, a hora que queriam, eles viviam só no

meio de homem, tudo era muito mais tolerado, do que depo, como ficou depois

quando a gente entrou, né? i, mais assim, mas tinha de tudo, sabe? aí, não,

não existia uma maioria mais agrada, não era como nos professores que a 1315

maioria gostou, né? com os alunos era tudo muito dividido, uns detestavam,

hostilizavam mesmo, outros, é, é, vinham em cima, igual urubu na carniça

(riso), e outros ficavam meio assim, i, achavam normal, né? aceitavam, mas ao

mesmo tempo ficavam, meio na saia justa, com medo, que não sabiam como

seria a atitude dos oficiais, e tal, assim como a gente, entendi, entendeu?” 1320

10. Você foi punida alguma vez? em que consistia a punição? “ É a única vez, eu nem sei se isso foi pro meu boletim, por que a última vez

que eu vi meu boletim foi no começo do terceiro ano, não tinha nenhuma

punição, nenhuma advertência nada, aliais eu até hoje sou meio frustrada por 1325

que eu não, eu nunca pulei o muro, (riso), muitas meninas pulavam né? mas

quando eu conto isso pras meninas, Márcia eu não acredito, a Clarice falava que se escondia nas formaturas lá em cima, tem uma foto dela assim, paradona assim, na foto, (riso) as meninas falavam, as meninas pulavam o muro é? Direto, eu era a única, o muro da educação física, lá em baixo? Até 1330

as mais nerds eu sei, a, as que pulavam na, lá perto do museu, pulavam no

esquadrão, elas saiam pra matar aula? É pra matar a formatura, pra matar

aula, e assim, até as mais nerds pularam, e eu não pulei (riso), eu sou péssima

com isso, a aí eu falo pra elas, elas dizem, a Flávia então me sacaneia a beça,

ai mas que decepção eu nunca podia esperar isso de você, (riso), ela pulou o 1335

muro é?deixa que eu vou pegar ela, na próxima, você pulou o muro? (risos) Ela pulou, ela vai falar sem o menor constrangimento, elas falam, maior barato, i,i, i, mas até esqueci o que eu ia falar, punição, a sim a punição, aí, é,

aí beleza, passei sem nada, aí quando chegou o terceiro ano, eu e o (XXXX), o (XXXX), te deu uma punição, to sabendo, eu e o (XXXX), não adianta, não 1340

adianta, não se cruzavam, até ontem, agora ele é candidato a vereador né? aí

ontem ligou a secretária dele, querendo comprar voto, meu e do meu pai, eu

falei, a senhora faz um favor, não liga não, que a gente detesta ele,

145

(riso)...(corte da entrevistadora), ele te puniu por que? Você não vai

acreditar, por que um dia a gente tava, tava, sabe finalzinho de recreio, a gente 1345

fica, vai pra sala, né esperar o professor chegar, eu estava sentada na mesa do

professor, lá na sala? A que legal! Quantos dias você ficou? Fiquei, eu nem

me lembro o que ele me deu, não me lembro, só por que você estava recostada sobre a mesa? É, te deu uma punição? Punição (XXX) né? é por

que ele resolveu que ele queria, que ele queria pegar no teu pé? Ele queria 1350

me pegar, é, de algum jeito, terceiro ano? é, aí ele falou, Márcia, número, aí

eu ,qual é o teu número mesmo? 660/1, 660, a eu me lembro, o da Flávia é 661, você vê como eu lembro? Que coisa doida? (riso), eu lembro da chamada que a gente fazia, isso mesmo, aí, aí, ele, número?, aí eu falei o

que que é coron? ele era major na época, aí ele, não, não sei o que, sentada 1355

aí, não sei o que,a, a o senhor vai me punir? Aí ele, claro, não sei o que,

parara, ahã, aí eu falei, aí beleza, eu falei, 660,ele enche a boca pra falar dessa punição aí, ne? Hahã, eu vou dormir na fila, estátua, escroto.”

11. Os anos de 94/95 ficaram marcados como de grandes realizações 1360

esportivas do CMRJ na comunidade escolar, você participou dessas competições? Caso afirmativo, relate sobre sua contribuição: “É o que eu fazia nessa época, era dança, á você era do grupo de dança! Aquele grupo legal que tinha, da Clarice, das gêmeas, eu era do grupo de

dança, com a marcha, você participou daquela parte da abertura, isso, que 1365

aí a gente ganhou a abertura, por isso que eu viajei pra Campinas daquela

vez, pra dançar lá, legal Márcia”. O que você pode falar daquela parte esportiva, jornal, televisão, á foi maravilhoso, uma das melhores recordações

que eu tenho do colégio, aquela época que eu estava na equipe de dança,

maravilhoso, nossa, eu amava, eu passava dias e dias, eu passava o dia no 1370

colégio, que legal, o dia no colégio, eu ia de manhã pra aula, i, isso até, não

até o segundo ano, até 94, 95 não, 95 eu saí por que era meu ano de

vestibular, aí eu esqueci da vida, fiquei só em função do vestibular mesmo, i,

tanto que eu engordei quase 20 quilos naquele ano, eu parei tudo assim, mas

até antes de 94 mesmo, eu, eu sempre participei de escolinhas, no colégio, 1375

146

então todo dia de tarde eu estava no colégio,eu não sai de lá, eu ficava mais lá

do que na minha casa.”

12. Qual foi a repercussão dos trabalhos de vocês, na família e na escola? “ A a minha família até hoje fala, enche a boca pra falar, que, que eu estudei lá, 1380

que isso que aquilo, que aquilo outro, não sei o que das contas, foi

maravilhoso, todo mundo adorava,i, um monte de mãe de miss lá bater palma,

(riso), não sei o que”.

13. Pouco foi divulgado ou documentado sobre a conclusão das 1385

atividades escolares de vocês, isso repercutiu de que maneira para você? “ A conc, a formatura da primeira turma, você diz? A conclusão é, foi pouco, a gente não sabe quase nada da conclusão, Olha Liliana, eu, eu, me abalei

bem menos com isso, do que com a, no ano anterior quando a gente tava no

segundo ano, veio menina transferida pro terceiro ano, e aí começaram a dar 1390

um enfoque que tava se formando a primeira turma de menina, entendeu? Com

isso eu me abalei, eu me revoltei, falei, gritei aos sete ventos lá, você ta

maluca, surtou? E falava na cara delas, o que é a primeira turma, tu entrou aqui

pelo ralo, não foi nem prela janela, (riso) eu falavas assim, a Clarice chamava elas de entronas, é, (riso) eu falava, esculachava mesmo, eu me dava bem 1395

com muitas delas, mas na hora de surgia esse assunto eu caia dentro mesmo,

e sabe? e não admitia, me rebelava mesmo, agora com relação a iss, essa

coisa que realmente foi pouco, não chegou nem aos pés da badalação que foi

quando a gente entrou e quando a gente foi pras armas, não, não teve nem um

décimo né? da badalação, mas eu não, isso já não me atingiu, por que eu tava 1400

muito envolvida com o vestibular, eu tava muito preocupada, muito angustiada

por que, eu já, já era atrasada dois anos por que voltei pra entrar no colégio, e

meu pai não tinha grana pra pagar particular pra mim, entendeu? Então ele

falou pra mim, olha nem se inscreve pro (?Segrans-Rio) na época, nem se

inscreve, então eu, eu não queria me atrasar mais, pra me formar mais tarde 1405

ainda, por que eu já ia pra faculdade com dezenove anos né? i, i, também não

tinha opção de ir pra uma particular, i direito não é uma careira fácil, i, também

147

meu pai não tinha dinheiro pra pagar cursinho, PH da vida, pra você ter uma

idéia, o PH me ofereceu 55% de bolsa por que eu era graduada, e mesmo

assim o meu pai não pode pagar, entendeu? Teve que ralar sozinha 1410

mesmo,então eu tive, então assim, os professores davam aula é, au, aulas

avulsas, in, in, é cursinho que eles tavão começando na época, era baratinho,

com os professores do colégio, né? então era nessas aulas que eu ia, foi aí

que eu me apeguei, entendeu? e ficavam, quantas vezes, eu aluguei o Nelson

de história, foi um Deus na vinha vida, Juanita ficava depois aula alugando eles 1415

sabe?, fazendo questão de, de prova, i tal, tive que dar meu jeito, então eu,

então eu me anulei completamente, fiquei alheia a tudo isso, entendeu? Quer dizer então que não chegou a te causar problemas isso, não o máximo que

eu participei assim do colégio, de coisas do colégio nesse ano foi o negócio da

olimpíada que a gente fez a, a dança, até que a Viviane montou a coreografia 1420

com a gente e tal, i, foi o máximo, mas, i, i, mas esse negócio do, da

formatura, do final, na época eu também tava passando por um problema na

minha família, minha mãe tava com problema de depressão i tal, i então era

muita coisa na minha cabeça, então essa coisa, isso não chegou a pesar tanto então, essa coisa então passou desapercebido pra mim, não, não é que 1425

não terminou, passou desapercebido mesmo entendeu?, eu não, nem me

toquei com isso”.

14. Após a conclusão do 2º grau, qual foi sua opção profissional? Comente a respeito: 1430

“ Não, então, aí como eu tava falando, eu, eu fui, resolvi fazer direito, até no

começo, no primeiro ano do segundo grau eu fiquei, cheguei a pensar em fazer

medicina tal, mas depois desisti, por que vi que direito que era mais a minha

praia mesmo, tinha mais a ver comigo, i, uma coisa também que pesa muito na

hora da, pelo menos pesou pra mim, é a questão das matérias pro vestibular 1435

né? na hora, tanto fic, eu pelo menos fiquei na dúvida, eu pensei, quais são as

matérias que eu, que eu ia gostar mais de continuar estudando na minha vida,

então tipo, me,me assustava muito ter que ver bioquímica, biofísica, eu tinha

pavor, medicina pesa muito, é (riso), aí eu falei, a não, tô fora, aí, fui, fui pra,

148

pra direito, e aí aconteceu isso, aí, meu pai realmente falou, olha sinto muito, 1440

mas, não, não tem condição, por que na época ainda tinha meu irmão que

estudava, tava em casa, tal, meu irmão hoje faz faculdade particular, mas ele

foi pra faculdade depois que eu já tava casada, mas de qualquer maneira, então não dava mais despesa nenhuma, e foi, ficou de filho único, aí eu fui fiz

inscrição pra, pra todas as públicas, mas eu queria a UERJ, há! Outro lance 1445

curiosíssimo aconteceu na minha vida, minha vida é muito estranha, fui fazer

prova da AFA, você passou na AFA não foi? Você queria ser militar? Não,

mas tinha gente lá que queria né? tinha, antes de concentrar nisso me diz, tinha muita gente que lá no colégio militar pensou que podia entrar na agulha, nas agulhas negras né? que ia terminar o segundo grau, 1450

terminar? É, todo mundo tinha essa esperança, que a, que eles iam, que o

exército se coçar pra abrir como a aeronáutica fez, que terminasse, abrisse, isso foi distante do pessoal lá, ou não? Eu acho que não teve tanta

dimensão assim não, eu acho por que a AFA, o fato da AFA ter aberto, liberou um pouquinho o exército, que dá um status no feminino, a força 1455

aérea,né? é, é, isso aí, é, aí eu acho que, que com, não teve assim a, a

dimensão esperada, por que você foi fazer prova pra AFA menina? Há, meu

pai, que mais uma vez me perturbou, eu lembro que passou você, a Luciana, eu lembro passaram umas cinco meninas? A Luciana, aí a

Fernanda, lembra da Fernanda? Foi, então, Aí fui, fiz a prova, só que assim, a 1460

AFA caia, então aí é beleza, aí eu fiz a, a prova, só que a prova da AFA, é

enfocava as, as matérias que não eram as minhas específicas do vestibular,

coisa que eu não tava estudando, não tava me dedicando tanto, né? então, eu

nem sabias, eu nem imaginava que eu tinha passado, foi mesmas coisas, que aconteceram no colégio, que aconteceram no concurso do colégio, e eu fui, 1465

pro meu pai parar de perturbar, tá bom pai vou fazer, aí, fui fiz, e quando

acaba, aí quando eu fui fazer a, a, prova, não me lembro qual era a

universidade, eu fui, cheguei na UERJ, pra fazer prova, mas não era prova da

UERJ não, era outro concurso, tinha saído já o resultado da UFRJ, as notas da

UFRJ, eu tinha ido bem, mas não tinha saído a classificação, aí eu cheguei pra 1470

fazer prova e encontrei com a Luciana, aí a Luciana virou pra mim e falou

149

assim, eu nem sabia quando ia sair o resultado, não tinha nem noção, aí virou

a Luciana mim , a Márcia olha só, não sei se te interessa, ela falou exatamente

assim, não sei se te interessa saber, mas você passou pra AFA, (riso), a, eu

falei, a Lu, não é possível, você viu o meu nome errado, por que era uma 1475

relação candidato vaga de quase duzentos pra um, aí eu falei, nãao, o que! ta

doida, surtou né? imagina, não, era outra Márcia Cristina, não era eu, aí ela

falou, tenho certeza, não é Márcia Cristina de Freitas Couto, que era meu nome

de solteira, eu falei é, aí ela falou, tenho certeza, caramba, você chegou a ir pra lá? Não, aí, beleza, outra perturbação na minha vida, foi meu pai gozando 1480

no meu ouvido, isso por que ele sabia que eu ia fazer direito, e ele advogado

em? imagina? Imagino, aí, ele, outro, outro perturbação na minha vida, aí ele

falou, não vai lá, por que tinha a tal da concentração inicial, que fazia teste

psicotécnico, preenchia ficha de cadastro, (incompreensível) eu fui, eu fui, aí

só o que aconteceu, aí várias coisas influenciaram pra eu chutar o balde, 1485

primeiro eu cheguei lá, uma desorganização militar né? aquela coisa, aquela

confusão que ninguém se entende, aí, depois me deram um questionário dessa

grossura pra preencher, com umas perguntinhas nada ver, do tipo, você é

virgem? (riso), você usa algum método anticoncepcional? Com que idade você,

você teve sua primeira relação sexual? Eu falei, gente eu não vou? O que 1490

interessa isso? eu não vou me submeter a uma gente desse tipo, (riso) eu

falei, gente , o que que é isso, que país é esse? Sabe? aí eu fui e respondi,

parara, tudo, sem nenhuma preocupação com nada, ta, tanto, tanto, tanto, aí,

beleza, quando foi lá pelas tantas, a gente ficou horas vendo aquelas manchas

de tinta, que tudo era borboleta pra mim, aí eu, a escreve aí no papel o que 1495

você pensa, aí eu, borboleta, borboleta, borboleta, (riso), só o que que

aconteceu, nisso eu fui fazendo as borboletas lá, e pensando o seguinte lá,

antes a gente tinha passado pela tal da concentração inicial, que era pra

marcar dia e hora pra fazer, o, os testes físicos lá em Pirassununga, i, o meu

dia, caía com o dia da prova da segunda fase da UERJ , que era a que eu mais 1500

queria, eu falei ta ruim, é ruim hein, que eu vou largar a UERJ de mão? Pra

fazer um negócio que eu, não, não, não tenho, eu tava já por aqui, o (XXX)

esgotou todas as minhas energias com milico (riso), eu falei, já chega, u, u, u o

150

Léo, que, que na época, a gente já tava pra ficar noivo, já chega um que eu vou

casar, ta bom pra minha vida, (riso) já chega, (riso) aí eu falei, aí lá pelas tantas 1505

a gente tava lá vendo borboletas, tudo escuro na sala do psicotécnico, assim,

aí daqui a pouco eu levantei o braço, (riso), foi muito engraçado, a Flávia fala

que até no dia da formatura deles, eles lembraram dessa história, aí eu levantei

o braço, eu tava bem a frente assim, e a Flávia do meu lado, levantei o braço,

aí o sargento falou pois não, eu gostaria de saber onde que é a saída (riso), aí 1510

não minha filha, ainda falta muita coisa ainda, aí eu disse, moço o senhor não

está entendendo, eu não quero essa vida pra mim, eu quero ir embora, (riso),

ele me olhou com a maior cara, aí parou tudo, ascendeu a luz, (riso), aí sabe,

quando fica aquele burburinho, oooooh! (riso) aí a Flávia falou, que até no meio

da formatura, acho que perguntaram pra ela, e aquela lunática tua amiga, que 1515

foi em embora no meio do negócio? (riso), há! ta muito bem, tá se formando

não sei o que, mas aí tá, fui fazer a prova da UERJ, aí foi a sorte, mas como

nada na vida é fácil, corrigiram a minha prova errada na segunda fase, e eu

não ia passar, aí entra com recurso, aí liguei pro Nelson, Nelson, prova de

história, Nelson aconteceu isso, isso, assim, assim, o gabarito ta aqui, minha 1520

resposta ta assim, o que você acha? Ele falou, Márcia, recorre, e na época, eu,

i, a gente duro igual um coco lá em casa, i, i, o recurso era, era mais uma grana

né? que tinha que dar, era quase o preço da inscrição, Márcia recorre, aí

recorri, aí tu sabe que um ponto e vinte cinco, que é isso, valeu então, aí você entrou na UERJ? Aí eu entrei, por causa desse um ponto e vinte e cinco, 1525

mas nada é fácil na vida né? impressionante né? aí fui, aí fiz vestibular,

estudei que nem uma condenada, e passei pra todas públicas, (riso) aí no final

das contas escolhi fui pra UERJ, por que assim, claro, como era a que eu mais

queria, que eu tava mais dentro, foi o que eu passei em pior classificação, aí

passei pro segundo semestre, as outras todas eu passei lá nas cabeças, mas 1530

ficou na UERJ mesmo? Mas fiquei na UERJ, foi bom fiquei seis meses

descansando, foi ótimo”

15. Sobre toda essa trajetória, você gostaria de dizer alguma coisa? Que ficou assim na sua cabeça? Com vontade de expor? 1535

151

“A eu queria sim, eu queria dizer que é uma experiência que eu desejo pros

meus filhos, e que, as pessoas me perguntam até hoje se eu não me arrependi

de perder esses dois anos, eu digo eu não ganhei, eu não perdi nada, eu

ganhei a minha vida, eu ainda bem falo, ganhei até um marido! (riso), muito

bom, no final graças a Deus, (riso), e é uma coisa que eu desejo aos meus 1540

filhos, e se um filho meu estivesse na mesma situação que eu, eu diria, vai que

você não vai se arrepender.”

J - ENTREVISTA DE ELITE FEMININA 03 - 23/09/04. 1545

NOME: Flávia Schmiedt.

1. O que motivou a decisão de realizar o concurso de admissão para o CMRJ? “Então, eu ta, já fazia a 5ª série num, num colégio da Ilha, né? por onde eu 1550

morava, que era um colégio bom, mas não era um colégio muito forte, o meu

pai sempre quis que eu estudasse, que fizesse, né? a 5ª série, o ginásio e o

segundo grau num colégio mais forte, aí eu me estimulei a fazer concurso no

Pedro II, pro Aplicação, e também, mas eu já tava na quinta série, aí abriu

concurso pro colégio militar, aí minha mãe falou, a não, e não tem nenhum 1555

militar na minha família, então quer dizer, não tinha nenhuma influencia direta,

por ser um colégio militar, eu não conhecia ninguém que estudava no colégio,

então pra mim era uma coisa super distante, mas eu disse, é, vou fazer,

comecei a estudar, estudar, estudar, mas eu acho que eu era muito nova, não

tinha muito bem idéia, do que era o colégio militar, também eu nunca tinha 1560

vindo aqui, aí primeira vez que eu vim, foi no concurso, foi na prova, aí eu

lembro que eu fiz a prova, muito difícil né? Acho que 8000 candidatos pra 120

vagas, era uma coisa de maluco, eu falei, não vou passar, aí fui passando nas

provas né? meio, comecei a curtir vim no colégio, achei legal, fiz todas as

provas aqui e tal, aí quando eu passei, fiquei assim, sabe super emo, foi a 1565

primeira maior conquista, que eu tive na minha vida, foi ter passado pra um

concurso tão difícil, que eu tenho o maior orgulho assim de falar, inclusive meu

152

orientador do mestrado é ex-aluno do colégio, que legal! Ele sempre fala que,

que me, meu orientanda do colégio militar, então, ele sempre fala com o maior

orgulho também, de ter passado nesse concurso, aí quando passei, meus pais 1570

pó, me deram a maior força, a família toda comemorou, então aí, eu vim direto,

né? aí eu comecei a ficar apaixonada, né? desde quando agente entrou,

começou a aprender a marchar, o convívio com as outras meninas, e a coisa

de ser a primeira turma também, né? acho que tudo levou assim, pra mim

tentar, quando eu passei eu vim direto, foi mais uma influencia da minha 1575

família, por que eu mesma não tinha muita noção, idéia? não conhecia

ninguém que estudava e tal, sabia que era um colégio bom, com nome bom,

mas também não tinha idéia do que era exatamente o, o, militarismo, então foi

mais a coisa da minha família, mas quando eu comecei a vir aqui eu comecei a

adorar, então quando eu passei então, foi a maior alegria”. que legal! 1580

2. Você sofreu algum problema inicial de adaptação? “Não,(riso) eu acho que devo tudo por ser militar, não, antes de começar as

aulas a gente veio pra cá, umas duas semanas antes, pra ter ordem unida,

aprender a marchar, e tal, mas você é muito criança, né? então, tudo é festa, 1585

é, não você não tem aquela tendência a resistir, você ficar marchando, de

repente você ficar marchando no sol do Rio de Janeiro, aqui, era uma coisa

assim de maluco, mas a gen, mas eu gostei, sempre gostei, sempre achei o

maior barato, entendeu, não, não tive assim, de questionar nada, de reclamar,

tem algumas meninas com uma postura mais questionadora, eu não, eu, tudo 1590

pra mim era parte assim sabe, de uma coisa nova, diferente até, mais por até

por uma certa mudança de fase né?, de infância pra adolescência, então, eu

acho que cheguei, as aulas eram muito boas, muito puxadas entendeu, então a

parte acadêmica em si, era muito mais difícil que o colégio que eu estudava,

então eu lembro que uma vez eu tirei sete assim, aí eu chorei, chorei,chorei, 1595

por que eu nunca tinha tirado sete na minha vida (riso) aí eu chorava, chorava,

então, nessa parte acadêmica eu tive que começar a estudar realmente muito

entendeu? Mas, com certe, mesmo o concurso e tal, também não foi nada

complicado, e a parte militar também pra mim, não tive problemas de

153

adaptação, mais tarde no segundo grau que eu comecei a questionar mais as 1600

coisas, aí eu fui punida né? que a gente vai falar mais à frente (riso), mas na 5ª

série, no início não, não tive nenhum problema, achei, até por que eu achei que

o colégio, comparando até hoje com o que eu vi na aeronáutica, tava

preparado pra receber a gente, você achou que estava preparado? Eu achei

que estava, comparando com o que eu vivi na AFA, eu achei que tava muito 1605

preparado, por que eu cheguei na AFA, um deles não tinha uniforme pra usar,

é mesmo? Não tinha, eu lembro quando eu cheguei aqui, nosso uniforme já

estavam todos aqui, e eu achei qui, aquela coisa de ser o ano do centenário, a

gente, foi uma coisa super divulgada entendeu?, então também eu acho que

isso contribui, pra fazer um marketing, da instituição também, entendeu? No 1610

ano do centenário, que era um ano em que as atenções da imprensa com

certeza se voltariam para o colégio, por que é um colégio que já formou

grandes personalidades, políticos, presidentes e tudo mais, o fato da gente

estar lá, seria mais uma coisa também, uma parte de divulgação, pra chamar

atenção, realmente chamou muita atenção, chamou, chamou muita atenção, 1615

no primeiro ano a gente tava sempre, por gerou um pouco de ciúmes nos

meninos também, da nossa turma, os mais antigos, e tudo mais, mas é, mas

eu acho que, desde o começo eu adorei o colégio, até hoje eu adoro, morro de

saudades”.

1620

3. Qual foi à atitude de vocês ao entrarem? “Eu acho que a gente sempre buscou, desde o início, ocupar o, o nosso

espaço, a gente sempre quis mostrar que a gente não tava de favor no, no

colégio, que não tinha, foi, a gente fez um concurso, lutou como todo mundo,

então rolava como eu falei, um ciúmes, dos mais antigos, por que vinha muita 1625

impressa, mídia, cada coisa que a gente falava, fazia, né? saía no jornal, eu

lembro que saiu uma matéria na Manchete, né? que é uma revista legal,

conhecida, quando a gente desfilou no sete de setembro a primeira vez,

também é, i, nessa época a primeira colocada já era uma menina, que era a

Fernanda, também, a primeira colocada, então ela que foi comandar, eu lembro 1630

que saiu uma matéria grande no Globo, então, isso gerou, nem tanto os

154

meninos da nossa turma, por que conviviam com as mesmas, mas os mais

antigos, achavam tipo uma injustiça, pô eu tô a100 anos aqui trabalhando, aí

chegam elas pra roubar toda a minha atenção, né? então nisso eu acho que

rolou um ciúmes, mas eu acho que a gente sempre procurou ocupar, participar 1635

de tudo, a gente participava das festinhas e tal, eu lembro que no primeiro ano,

houve uma integração muito legal da turma, quando uma fazia aniversário, toda

turma ia, não sei o que, e tal, então eu acho que a gente sempre procurou,

participar de tudo, nunca ficar numa posição defensiva, sempre é, tanto na

parte de, de Educação Física também, a gente sempre poxa, algumas se 1640

destacaram em algumas coisas, aí, na, na parte acadêmica, muitas eram boas

alunas, aí as meninas , tradicionalmente estudam mais, né? então, houve um

destaque natural nessa parte, depois mais tarde, na, no grêmio também do

colégio, a gente sempre participou na literária, então a gente sempre participou

de tudo, a gente conseguiu uma integração muito positiva com o colégio, a 1645

gente nunca ficou muito, a gente nunca procurou ficar afastada, fazer a nossa

panelinha, e não vivenciar o colégio, a gente sempre vivenciou muito

intensamente o colégio como um todo, tudo, entendeu? Eu acho que a gente

criou uma, uma, relação muito forte, pra todas nós, ainda muito forte com o

colégio, entre a gente também é muito forte, sete anos não são sete dias, né? 1650

muito legal, depois da ter chegado juntas, foi muito maneiro”.

4. Como vocês eram tratadas pela parte administrativa? “No começo ou durante? Durante sua vida acadêmica, o que você quiser relatar, olha eu acho que no começo, como eu falei, eu senti que realmente a 1655

gente tinha muito, sei lá, apoio, o comandante era até o Coronel Osório, não

sei se você chegou a conhecer? Não sei se você chegou a conhecer o, o

Coronel Osório? Cheguei a conhecer de nome só, então, aí eles davam, até

a esposa dele mesmo, acho que eles moravam no colégio, e tal, tavam sempre

perto, participando com a gente dos eventos, e tudo, então, mas a gente tinha 1660

mais um contato com ele e com, com, o Major Arume, então, que era o nosso

comandante também, os sargentos da companhia, mas assim, eu nunca senti

uma diferença de tratamento, do tratamento que eles davam era igual, nunca

155

me senti assim discriminada por ser mulher dentro do colégio, eu senti na

aeronáutica, dentro do colégio nunca me senti, e bem tratada demais, não, 1665

não eu acho assim, que rolava uma certa proteção, até por que a gente era

muito nova, muito criança, então, de repente na época que agente entrou, o

Major tinha filho, filhos da nossa idade, então de repente pra a gente, os filhos

dele, não era muita diferença, e de repente poderia existir por trás uma

preocupação de que aquilo desse certo, né? se desse de repente uma, eles 1670

tavam divulgando tanto, fazendo uma jogada super positiva, se desse uma

repercussão ruim, acontecesse algum problema grave, aí repercussão seria

certamente seria, seria dobrada, certamente dobrada, o retorno de chama

seria muito grande, mas eu acho que eles sempre trataram a gente de uma

forma legal, assim, como uma coisa de, de família mesmo, até eu acho que 1675

rolou uma certa proteção também, eu lembro que no começo, assim que a

gente chegou, a gente não tinha o pátio lá, onde era a primeira companhia,

onde a gente tinha aula, ali a esquerda da, do Palacete da Babilônia, e no

recreio a gente não podia sair de lá pra não ter contato com os alunos , eu

acho que eles achavam que os alunos mais antigos, iam avançar em cima da 1680

gente, não sei, e a gente ficava ali meio isolada, e tal, é uma atitude com

certeza protecionista, eles deviam ter soltado a gente, falado se vira, e a gente

não podia nem ir na cantina do, do segundo grau, da oitava série, a gente tinha

que conviver realmente no nosso mundinho, pelo menos no período do

primeiro ano, aí aos poucos eles foram soltando, aí a integração ocorreu de 1685

maneira natural, mas eu acho que eles sempre foram, procuraram protegerem

um pouco, com medo de acontecer alguma coisa, não sei, acho que era uma

atitude um pouco paternal, mas eu nunca vi nada de negativo nisso, achei que

sempre o objetivo foi beneficiar a gente, atender a gente, i, i, fazer todo

processo, de, de uma maneira profissional, i, da maneira mais adequada pro 1690

colégio e pra gente, também, enquanto menina, enquanto adolescente.

5. Como vocês eram tratadas pelos professores? “Os professores aqui do colégio, que a gente pegou, eram verdadeiras lendas,

né? por que eram caras super antigos do colégio e tal, mas eu acho que 1695

156

também era a mesma coisa, eles tratavam assim di, hum eu, eu acho, não sei

se diferenciavam tanto quanto o pessoal da parte administrativa, eu acho de

repente eles eram, mais assim, aluno é alu, pra eles, aluno é aluno, então não

tinha aquela coisa ela é menina, é menino, de chamar diferente, de tratar

diferente, eu acho que foi super, mais homogêneo, mas sempre trataram bem a 1700

gente tal, eu lembro que tinha professores que são lendários né? até com esse,

esse, esse negócio da internet, a gente, lembra aquele professor, (riso) falava

isso, isso e isso, então, nessa época todos os professores eram muito bons,

era Baltazar, o de português, o Dória de história, o de Geografia o Wagner,

então as pessoas muito marcantes né? que a gente, o Hebert de matemática, 1705

que eu não sei se, não sei se muitos ainda, acho que muitos não estão mais aí,

acho que muitos já se aposentaram, já eram antigos na época, mas eu acho

que eles sempre trataram a gente super bem e tal, acho até que reconheciam

muito a gente por ser boa aluna também, por se esforçar pra acompanhar e

não ficar atrás, a gente se manteve sempre junto e muitas vezes na frente 1710

também, nessa parte de estudo”.

6. Quais foram suas expectativas com o convívio escolar em uma instituição militar? “Eu acho que eles sempre deixaram a, a regra do jogo clara com a gente, 1715

aquela coisa da hierarquia, da disciplina, então isso desde cedo, eu acho que a

gente, até hoje isso se reflete na minha personalidade, o jeito que eu sou, tem

muito, carrega muito desse tempo de colégio militar, e tudo, você aprende a ser

disciplinada né?, então hoje, o pessoal fala, como eu queria ser disciplinada

igual a você, mais é, eu acho que as pessoas esperavam realmente que sei lá, 1720

se eu fizesse uma coisa errada eu podia ficar presa no final de semana, se eu

chegasse, eu não podia chegar atrasada, então eu lembro que, acho na

primeira, uma reunião inicial que eles fizeram com a gente, aí u, o comandante,

foi até o major Arume, que falou assim, olha, eles tem que chegar aqui seis e

meia da manhã, acho que ainda tem que chegar, acho que sim, seis e meia 1725

da manhã, então não adianta chegar as seis e trinta e, e falar, e o pai chegar,e

foi eu quem atrasou, foi você, é , a culpa foi minha, não foi dele, eu não vou

157

deixar o pai preso, eu vou deixar o aluno preso, então desde cedo acho que a

responsabilidade foi passada pra gente, então já esperava que fosse assim,

então eu não tive, que eles fossem realmente cobrar muito da gente, quer 1730

dizer, eu cheguei atrasada por que o meu pai atrasou e tal, eu peguei um

engarrafamento, nada disso colava, então você tinha que estar seis e meia,

com uniforme, ali tranqüila, chegava tinha um corredor polonês, um monte de

gente para olhar o uniforme, eu sabia que se o meu sapato estivesse mal

engraxado,a fivela não tivesse brilhando, eu que ia ouvir, ia ser punida, ouvir 1735

não é nada, pior é ficar aí sábado, como eu já fiquei (riso), esse negócio de

cumprir horário e tal, então já esperava que fosse assim, eu até esperava que

fosse mais rígido, tratamento de quartel, mas como a gente é aluno, eles

cobram e tal, mas sempre tem uma atitude respeitada, por ser um estudante,

você não é um militar ainda, mais a cobrança existia, tinha que cobrar a 1740

continência, prestar continência pra bandeira nacional, cantar os hinos,

marchar, entrar em forma, cumprir horários, quer dizer, a coisa da vida militar

existia na nossa rotina, mas a cobrança, no princípio, naquela fase de

adaptação, era feita de modo a também não matar ninguém, não assustar

ninguém, não era igual uma academia que era uma coisa realmente 1745

apavorante, aqui era uma coisa muito mais lighit, por que a gente era aluno de

um colégio militar, a gente não era militar, então eu já, por que lá também vocês não eram mais crianças né? lá não, então lá realmente era gritaria era

uma coisa complicada de você aturar, então todo o dia eu chorava, há meu

Deus, você fica dois meses sem poder sair de lá, então todo dia eu chorava, eu 1750

dizia, gente o que eu estou fazendo aqui, longe da família, longe de casa, né?

por que era em São Paulo, aqui não, a expectativa já era, engraçado que na

academia eu esperava que não fosse assim, eu não esperava que fosse uma

cobrança tão forte, sabe por que? Você pensava o contrario, pensava que

fosse tranqüilo, eu to entrando, já vou estudar, eu já passei e tal, mas aqui eu 1755

acho que eles tratavam a gente como alunos de um colégio militar, eu

esperava que fosse assim, não foi muito diferente entendeu, aí mais tarde que

eu comecei a, eu tive prob, foi quando eu fui punida e tal quer dizer eu, assim,

algumas coisas eu achava assim, são contra-senso né? pó tava um frio

158

danado, eu não tinha o casaco do uniforme, eu tava com o casaco da 1760

cavalaria, aí o cara foi, não, tira o casaco, pôxa era seis e pouco da manhã frio

e chovendo, vou tirar o casaco? Foi até por isso que eu fui punida, então,

algumas coisas não parecem muito lógicas, as vezes eles colocam na, a, o

regulamento, a lei deles, acima do bom senso, entendeu, ...essa característica

da vida militar, eu acho que na aeronáutica talvez seja um pouco melhor que 1765

no exército, aí mais tarde eu comecei a questionar, na oitava série eu lembro

que eu tive muita vontade de sair do colégio, na oitava série, na oitava série

eu tive, na quinta, sexta e sétima eu tava adorando, na oitava, aí eu tava com

quatorze anos e tal, mais crítica, aí eu comecei a falar, isso aqui é muito chato

não sei o que, esse negócio do uniforme, aí comecei a achar o maior mico 1770

aquele uniforme também, por que no começo aquela saia cumprida, ter que

andar de coque, eu lembro que na época a gente pleiteou muito, usar rabo de

cavalo, por que na verdade, quando a gente entrou no colégio o exercito não

tinha mulher nenhuma, nem sargento, nem oficial, nem médica, não tinha

nenhuma, quando a gente tava aqui é que começaram a entrara as oficiais, 1775

eles começaram a cobrar da gente que andasse de cabelo preso, não sei o

que, brinquinho pequeno, maquiagem clara, tal, como se a gente fosse militar,

a gente não era , éramos adolescente, então na oitava série eu tive uma crise

muito grande de sair daqui, achei que eu não, não quero mais e tal, enchi o

saco, aí foi quando eu fiz prova pra federal de química e pra CEFET, mas eu 1780

não tive coragem de sair, mas passou lá? Passei, na federal de química e não

tive coragem de sair, tem gente que leva as duas juntas né? é, loucura, tem

gente que faz duas faculdades também né? ao mesmo tempo, loucura, mas aí

eu não tive coragem de sair, por que aí eu falava, aí gente, eu to aqui a quatro

anos, aí, eu sempre tive muita vontade de ir pra cavalaria, sempre montei,.... 1785

legais, e nas olimpíadas a cavalaria sempre ganhava muito, e eu gostava de

treinar, não sei o que e tal, eu acha um barato aquela coisa de poder montar,

inclusive foi uma coisa legal, retornando a uma questão anterior , que deu uma

polêmica, quando a gente tava na quinta série, a maioria das meninas se

entusiasmou com o negócio da cavalaria, e o Coronel Osório que era de 1790

cavalaria, ele liberou a gente , acho que um dia, um dia por semana depois do ,

159

do almoço, depois da aula, a gente podia montar, só que isso gerou uma

polêmica enorme por que os alunos da cavalaria no primeiro ano, eles não

podem, eles, eles são muito mais antigos, tavam no primeiro ano, a gente era

da quinta série, tinha acabado de entrar no colégio, e eles não podem montar, 1795

o que eles fazem da primeira vez, eles ficam limpando cavalo, dando comida

pro cavalo do veterano, pra poder montar no segundo ano, e a gente começou

a montar na quinta série, isso deu uma polemica assim, e a gente falou qual é

o problema não sei o que, hoje eu vejo que realmente né? era uma a hierarquia quebrou né? quebrou, por que eles esperavam aquele tempo todo 1800

então, quer dizer, eles não tinham horário pra eles mas como é que tinha pra

gente, entendeu? Então isso deu tanto problema que acabou sendo cortado

depois, é? Acabou, parou, depois quem quis continuar montando aí vinha

sábado, o pai tipo, fazia escolinha de equitação aí pagava por fora como

qualquer outro, mas eu lembro que isso foi uma coisa que eu acho que fizeram 1805

pra agradar, pra motivar a gente, a se integrar no colégio, mas teve uma

repercussão muito negativa, até mesmo pra gente né? por que a gente, eu to

falando, se pode, se pode eu quero, e a gente acabou sofrendo a

conseqüência de ser discriminada, acabou discriminando vocês, é ,

entendeu? mas de repente se eles tivessem pensado um pouquinho, eles iam 1810

saber que os alunos iam ter esse tipo de reação, por que eles tiveram tanto

tempo pra poder ter a facilidade de montar e tal, é e segundo a questão da hierarquia, vai tudo por água a baixo né? realmente qualquer um questiona, foi tudo pra baixo, aí a gente, quer dizer, na oitava já tinha esperado tanto pra ir

par cavalaria, eu falei assim não, não vou, não vou sair não, aí acabei ficando, 1815

aí no segundo ano do segundo grau de novo, eu pensei em sair pra fazer um

cursinho pré-vestibular, que eu tinha uma neurose de não passar no vestibular,

e eu sabia que tinha que passar pra faculdade pública por que o meu pai não ia

poder pagar particular, também nem eu queria pagar na época, não queria

fazer na época, eu queria fazer, queria fazer UFRJ, acabei não fazendo nada 1820

disso (riso), nada disso, aí , mas eu também não tive coragem, tiveram

algumas meninas da primeira turma que saíram pra fazer prova pro PH, ou sei

lá, Miguel Couto, esses cursinhos da época, faziam paralelo né? não algumas

160

decidiram, teve duas que saíram mesmo, é, que falaram há não tal, e eles, aí o

que que eu fiz, eu estudava aqui e fazia o cursinho, algumas matérias em 1825

paralelo, aí passei primeiro num e segundo, quer dizer, é tudo neura da cabeça

da gente, a gente não te idéia de quanto o ensino é forte aqui, a gente não,

a base que a gente tem é muito boa, muito boa.... eu acho que se eu tivesse eu

teria me arrependido muito, aí quando, no terceiro ano o que pesou foi, foi

aquela coisa que, to aqui a seis anos,aqui na primeira turma, e não vou me 1830

formar junto com a primeira turma, aí eu falei a não, não é possível, falei não,

foi oitava, segundo ano e terceiro ano que você teve essas crises? Não foi

oitava e segundo, terceiro não, terceiro eu já tava aqui mesmo, aí eu falei se eu

não passar vou fazer mais um ano de pré-vestibular, mas a oportunidade de

me formar no colégio militar eu nunca vou ter de novo, entendeu? aí 1835

realmente, eu acho que se eu tivesse saído eu teria me arrependido muito,

tanto no segundo grau, por que pra mim o segundo grau foi muito legal, fui da

cavalaria, de poder montar, de ser bicho, eu lembro que adorava pagar trote,

achava um barato participar de tudo aquilo, a gente chegou no primeiro dia,

com a divisa da cavalaria, assim sabe, a gente a maior onda, eu acho que teria 1840

sentido a maior falta, teria me arrependido pra sempre se eu tivesse saído,

entendeu? Por que é, é uma experiência assim, que não dá pra esquecer né?,

cada dia é uma coisa legal, as amizades que tenho aqui até hoje são pó, a

Cristine é minha madrinha de casamento, a Márcia é minha vizinha, a gente ta

sempre junta também, então são amizades muito legais, em que você não faz 1845

em outros lugares, não faz é difícil, não faz, essa ligação é difícil, é difícil... e

com o colégio também existe uma ligação muito forte, muito bom.

7. E as Frustrações? Nessa instituição militar “ Olha, estudar pra mim num colégio era uma coisa super sofrida assim, por 1850

que eu morava longe, aí eu pegava dois ônibus, saía super cedo, mais eu

sempre gostei, sempre tive o maior orgulho, então assim, quando, quando eu

entrei na 5ª, 6ª e 7ª, antes das minhas crises, eu acho que eu não, não tive

frustrações, o colégio atendeu, superou as minhas expectativas, entendeu, por

que eu vinha de um colégio que é, estudar naquele colégio, você acordar 1855

161

colocar o uniforme e voltar, e o colégio pra mim é uma escola de grau, uma

escola só de, a grade de ensino é muito boa mas a coisa do esporte eu acho

muito legal, por que te dá uma disciplina, te dá uma vontade, me ajudou muito

depois na AFA, por que você chegar sem preparo físico ou sem gostar, aí você

sofre horrores, a Luciana, sobre a Luciana não era muito chegada, aí eu acho 1860

que isso também ajuda, aí você faz uma corrida de cinco quilômetros, você

começa a ficar pra trás, ficar pra trás, vai colocando a sua moral lá em baixo,

então eu acho que é, então eu vim pra cá eu achava aquilo um mundo

completamente novo, pessoas novas, a coisa assim de começar as atividades

sociais, festa, namorar, amizade, há não vamos pro cinema juntos, não sei o 1865

que, então tudo isso eu comecei a viver aqui, então eu acho ele que superou a

minha expectativa inicial, em termos de , de ser um colégio, pra mim não era

um colégio, minha vida era o colégio militar, então tudo pra mim, minhas

amizades, giravam em torno do colégio militar, então acho que em termos de

superar frustração eu acho que não, não sei se, mais tarde nessas coisas de 1870

você começar a questionar, e realmente é, você ser militar, você tem que abrir

mão de, não da sua convicção, mas você tem que aprender a engolir muito

sapo né?, então até hoje isso faz parte dá, muitas vezes você quer falar mas

tem que falar sim senhor e pronto, então as vezes aqui tinha, sei lá, tava no

recreio batendo papo, e tem que voltar pra aula, e tinha algumas aulas que a 1875

gente não queria assistir (riso), queria matar, aí vinham os coronéis , vai pra

aula, vai pra aula, isso enche o saco, ainda mais quando você é adolescente,

mas, e eu tava aqui dentro, então eu achava que tinha que me submeter a isso,

se eu não quisesse aquilo eu tinha que ter ido pro Pedro II entendeu? Se eu

tava aqui dentro eu achava que eu também, era do direito do colégio cobrar, 1880

mas se de repente você tava errada na instituição, não ´é a instituição que tá

errada, mas aí eu acho que pra mim frustração foi só quando eu comecei

realmente a questionar, mas o colégio em si, a parte de ensino nunca me

desapontou, a parte de estrutura do colégio também pra mim sempre, então

tinha o maior orgulho quando, eu morava na ilha né? não tem bastante gente 1885

do colégio, mas era um ou outro, então você fazia um curso de inglês, não

tinha ninguém do colégio, você dizia que estudava no colégio, nossa! Não sei o

162

que, sempre era um assunto, então eu tinha o maior orgulho de falar que

estudava aqui, e como foi a primeira turma, é muita gente nem sabia, então já

tem menina no colégio militar? Aí eu falava, eu fui da primeira turma, aí o 1890

pessoal , puxa que legal, então aquilo pra mim, é sempre, sempre tive o maior

orgulho, então acho que não tive frus, nada assim, que eu esperasse do

colégio que ele não tivesse me oferecido, pelo contrário, eu acho que ele me

ofereceu muito mais do que eu esperava, por que eu esperava de repente

continuar naquele mesmo esquema, vim assistir aula e voltar, aqui não quando 1895

acabava a aula eu queria continuar no colégio, eu lembro que, que eu fiz judô,

eu fiz esgrima, eu fazia equitação, tudo eu fazia pra ficar mais tempo no

colégio, eu não queria voltar pra casa, por que pra mim a coisa, eu tenho só um

irmão, que estudava no São Bento que era o dia todo, então a coisa de voltar

pra casa era ficar sozinha, aqui eu podia ficar conversando, não sei o que e tal, 1900

então pra mim era um barato ficar aqui, eu queria, acabava a aula eu ficava o

dia todo antes de voltar pra casa, inventava”.

8. Como foi a receptividade dos meninos quanto aos primeiros contatos com as meninas? 1905

“Ai, da nossa turma ou geral? geral, olha, da nossa turma eu acho que eles

entraram junto com a gente então eu acho que eles é, passaram pelas mesmas

coisas que a gente, não teve, a gente não teve problema nenhum, então o que

acontece, tinha uma integração muito legal com eles também, não era só, não era só, eles estavam habituados né? vindo de casa a maioria né? não era 1910

só entre a gente, agora tem menino que até hoje fala que as meninas

estragaram o colégio militar, é mesmo? Tem um, um menino sempre fazia

essa parte de ginástica aqui e tal , pro seis de maio sempre vai, ele sempre

fala, as meninas que entraram no colégio militar, ele estudava aqui, tava se

formando na época, então, eu acho que alguns eram favoráveis, achavam 1915

legal, há não, um colégio só de homens, meninas vai ficar legal! Mas os mais

tradicionalistas com certeza o colégio militar era deles, era um reduto né? era

um reduto deles, então eles achavam que realmente não tinha que, que

misturar e tal ..., eu tenho até um pai de uma ami , de uma menina que é muito

163

amiga minha, ele, ele é da marinha, agora ele tá na reserva, mas ele era ex-1920

aluno do colégio, na década de sessenta, naquela época de colégio era o

melhor colégio do Rio de Janeiro, aí ele falava pra mim, há não, eu acho legal

você ter passado no concurso mas ele falava - eu sou contra, ele guarda até

hoje todos os uniformes dele do colégio, tem uma super relação com o colégio,

mas ele sempre falava, o que eles vão querer falar pra mim que é contra né?, 1925

mas ele sempre falou – não, eu sou contra, por que eu acho que a trad, pra ele

a tradição centenária pesava mais do que de repente atender uma demanda,

sei lá, social, até por que, se o colégio dos filhos, se foi pros filhos de militares

do exército a princípio, militares não tem só filhos homens, então de repente

veio transferido um filho pode estudar e uma filha não podia estudar aqui, era 1930

uma situação super, deve ter sido injusto eu acho, até por que onera né? não só pela qualidade de ensino, mas onera, é por que ter um colégio desses por

um preço, até hoje deve ser barato, não é nem cem reais eu acho, então é

simbólico,... então é, eu acho que realmente muitos é, não gostavam e tal , aí

quando abriram assim, eu lembro que a Márcia era a menina, por que a gente 1935

era muito menina, a Márcia era um pouco mais velha que a gente, era dois

anos, e os pais então, era a única mais moça, eu lembro que todos eram

apaixonados por ela, mandavam bilhetinho e não sei o que, é um assim, um

ataque em cima da Márcia, coitada... e a gente era muito menina, então a

gente começou a crescer, a ficar mais moça uns dois anos depois, então aquilo 1940

teve um delta ali que, era só Márcia, e ela assim sabe, todo muito de olho nela,

falava não sei o que, falava e falava, inventaram histórias dela, coitada, sofreu

o pato por, por ser a bonitona da época né? todo mundo, arrasava os corações,

ela pagou um pato , tanto que até hoje eu falo assim, Márcia cadê o churrasco

do esquadrão, não aquele pessoal do esquadrão, por que é chato né? é quer 1945

dizer, ela não tinha culpa daquela situação, e ela sofreu um pouco e tal, ela se virou bem, ela é safa, não ela sempre foi muito safa, ela não é assim, uma

garota, se fosse uma garota muito boba, de repente tinha se estressado, a

Márcia não, sempre aproveitou, participava de tudo, era super, tinha uma

liderança natural sobre a gente, até por ser a mais velha e tal, era mais 1950

experiente e tal, e o pai dela era ex-aluno do colégio militar também, então ela

164

já tinha uma convivência com..., por que você não pediu pra entrar, tinha um

concurso e você passou, então você, tava ocupando os seus direitos, mas as

vezes rolava um preconceito, o pessoal falava há, não , não tem que estar e

tal, mais aluno assim, os oficiais se, que ficavam aqui na época, se tinham isso, 1955

nunca expressaram isso claramente, mas é, também nunca percebi nada no

tratamento que indicasse uma contrariedade tão grande, agora os alunos mais

antigos principalmente tinham aquela coisa, as turmas mais, uma turma depois

da gente, menos, mais as que eram mais distantes eu acho que, que não

acharam a menor graça da gente entrar aqui, imagino... agora eu lembrei uma 1960

coisa que me frustrou, você perguntou de frustração, teve uma coisa que

aconteceu com a gente no final, foi muito chata, que a gente estava no

segundo ano e eles deixaram entrar menina no terceiro ano, pela janela né?

que a gente chamava de janeleiros, sem fazer concurso, é mesmo? E isso,

por que a gente esperou tanto tempo pra se formar como a primeira turma de 1965

meninas, eu deixei de, repensei minha decisão de sair do colégio por causa

disso, e elas entraram no terceiro ano, acho que não custava esperar mais,

acho que eram filhas de militares também, não sei, eu achava que não custava

esperar mais um ano pra deixar a gente, não teve nenhum destaque e tal, eles

não fizeram nada de mais, mas assim elas tipo, frustraram as expectativas, 1970

frustrou por que a gente ficou muito chateada,.. é a gente ficou chateada, não

sei se era quem tava aqui, aí militar tem disso, cada dois anos muda o

comando, muda o departamento, então as vezes, foi estranho, foi a gente sai

meio que, é como se fala, saiu entendeu? E a coisa morreu um pouco, acho

que, em relação a ênfase que eles deram quando vocês entraram, entraram 1975

eu achei que caiu, é achei que, foi uma coisa, e essas meninas entraram antes

e acabaram se formando antes do que a gente né? um ano antes, por que elas

eram mais velhas e tal, e isso a gente ficou muito chateada na época, eu

lembro que a gente ficou assim bastante chateada, bastante chateada, a gente

não dava o menor, a gente não respeitava o direito, primeiro por que gente 1980

entrou num concurso na quinta série, eram cento e vinte vagas, então um

concurso muito difícil, então da nossa turma não tem ninguém bobo, todo

mundo muito é muito inteligente, então os alunos, essa coisa lógico que eu

165

entendo que o colégio militar é um colégio feito pra atender aos filhos de

militares e tal, é o exército que banca, por que é o exército que banca o colégio 1985

e tal né? mas eu achava errado é, essa coisa de virem pessoas de fora, sem

as vezes ter condição de acompanhar o que tinha no colégio, por que muitos

não tinham condição, eu acho que isso enfraqueceu um pouco o estudo que

tinha no colégio, isso eu senti ainda quando estava aqui, nos primeiros anos do

segundo grau, não é tipo assim, de maneira sempre foi muito bom, tanto que 1990

na minha vida graças a Deus, o sucesso que eu devo, devo a base que tive no

colégio, mas eu acho que começaram as turmas a ficarem muito grandes, ficou

muita gente, acho que no primeiro ano do segundo grau eu acho que entrou

muita gente, não sei se o pessoal começou a entrar na justiça, algum

fenômeno aconteceu, que entrava sei lá, cinco a dez por turma, começaram a 1995

entrar cem por ano, ficavam assim 11 turmas de primeiro ano, 10 turmas de, aí

assim né? infantaria e pra comunicações ia esse pessoal mais fraco, então era

tipo sectarismo, os bons alunos, concursados, eram da cavalaria e da artilharia

e os outros eram, e isso pra gente também, a gente estudou, ralou pra fazer

um concurso e esse pessoal chega, e muitos não eram aquela coisa de estar 2000

em outros lugares, estavam aqui no Rio, em qualquer colégio, e tinham o

direito de entrar no colégio, então eu acho que a gente merecia um pouco do

nosso trabalho de ter entrar no colégio, embora eu pensasse assim, eu que

tava de favor, a gente sentia, é um, é, coisa chata, coisa de não fizeram nada e

tão aqui do lado da gente, e as vezes, me sentindo mal, tinha as perguntas 2005

bobas... a gente discriminava um pouco, e quando elas entraram também, quer

dizer foi o mesmo caso, só que deixaram que elas, até então não tinham

deixado, por que a gente, isso tava acontecendo desde o primeiro ano, nunca

tinham entrado gente do segundo pro terceiro, a nossa frente, e deixaram e

isso foi , há assim a gente ficou muito chateada, muito, muito, muito chateada, 2010

imagino, por que a gente esperou tanto e não sei o que, curtiu tanto, e acho

que a gente também tem que é, nós sempre fomos boas alunas pro colégio, a

gente nunca decepcionou também o colégio, nunca sei lá, deu algum problema

com nada, fez tudo direitinho, aí chegar e encontrar aquelas meninas, aí a

gente falou há não, aí eu comecei a criticar, você já tem um discernimento, aí 2015

166

fala não, deve ser peixe de não sei quem, não sei, por que realmente não tinha

motivo entendeu? e isso chateou muito, teve um período meio nebuloso né? é acho que no segundo grau da gente, entrou muita gente, o colégio ficou

muito grande entendeu? acho que até os próprios professores deveriam sentir

também, por que você, por que tinha, não é fácil você colocar um professor 2020

aqui dentro, entendeu, aí é , e a gente tinha, uma coisa que eu também senti,

que hoje eu vejo que tem muito, eu venho aqui numa formatura, até que foi

aniversário do meu orientador, que eu curti muito aqui no colégio, foi assim, a

gente tinha muitos professores civis, muito bons, e hoje eu vejo muito pessoal

militar, não é que não sejam bons, mas eu acho a qualidade daqueles 2025

professores antigos não é a mesma, então quando a gente, ... por que são

recém formados, ... fica mais barato né? e eu acho que cai, hoje em dia se eu

tivesse um filho em, em idade de entrar no colégio, eu não sei se eu colocaria,

pela parte de ensino, não pelo resto, mas a parte de ensino eu não sei se é tão

boa como na minha época, acho que no final, será que não existe colégios 2030

melhores? Eu não questionaria isso na época, uma coisa que eu

questiono....eu acho que no, no segundo grau houve essa coisa de entrar muita

gente e tal, então a gente sentiu é, um pouco isso também, de, de ver pó o

nosso trabalho todo, aí chega alguém pela janela, ocupa o nosso espaço... as

turmas ficaram muito grandes, aí começou a ficar chato, por que a gente 2035

sempre foi uma turma super unida, aquela coisa panelinha, daqui a pouco tinha

uns duzentos, trezentos alunos na nossa turma que a gente nem tinha, que eu

nem tinha ouvido falar, pessoas que não, não cresceram com a gente, aí a

gente não tinha o menor é como se fala, algumas viraram nossas amigas,

algumas meninas, alguns meninos, mas assim, a gente continuou sempre 2040

muito unida e nunca colocou, é a gente não se misturou muito, a gente não

respeitava muito, pó esse pessoa chegou aqui, não fez nem concurso nada, a

gente não respeitava muito, a gente não dava muita boa pra eles não, então

ficou uma coisa meio separada.”

2045 9. Você já foi punida alguma vez, qual foi o motivo?

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“ Não pode pular essa pergunta ? (Riso) Não, se você não quiser falar não fala, não tem problema nenhum, Não, não tem problema nenhum, eu até

acho engraçado, por que na AFA, aqui no colégio...

2050 10. Os anos de 94/95 ficaram marcados como anos de grandes realizações esportivas do Colégio Militar na comunidade escolar. Caso afirmativo relate sobre sua contribuição: “Então como eu falei, eu sempre gostei dessa parte de treinar, de esporte, é

uma coisa que também não existia antes de entrar no Colégio Militar, eu não 2055

jogava nem queimado no colégio, não existia, mas aqui eu comecei a gostar,

curtia realmente a Educação Física, única coisa que eu não gostava era de

nadar, até hoje eu od, essa piscina me traumatizou, eu não gosto de nadar,

mas aí eu fazia salto em altura, treinava com o Antônio na época, mas treinava

meio de bobera, mas eu tinha uma marca boa pra quem nunca fez nada, aí 2060

com a minha perna grande eu tinha que fazer isso, uma marca boa pra quem

nunca fez nada, aí eu acho que participei do inter pela primeira vez na 8ª série,

a gente participou do Inter, aí eu acho que nesse ano teve a copa Fanta

também, houve duas competições grandes né?ganhamos, as duas, é a gente

ganhou as duas né? até reformaram o ginásio, não sei o que, aí no primeiro 2065

ano do segundo grau, aí eu acho que eu fui a terceira, no segundo eu fiquei em

segundo e no terceiro eu ganhei a prova, então, então pra mim foi assim super

legal, até na academia eu continuei saltando então, é o esporte pra mim foi

muito bom, por que me deu uma coisa de alto-estima muito grande, então eu

participei do salto em altura nesses dois anos, uma eu fiquei em segundo e no 2070

último eu ganhei, era não-federado, tinha duas categorias, era não federado e

a gente participou do revezamento 4X100 que a gente ficou em segundo, que

era eu a Marly, Andresa e a outra era a Tassiana, foi, foi, e a gente ficou em

segundo, né, então foi assim, agente comemorava pra caramba, a gente curtiu

aquilo, a gente tinha o maior orgulho, por que o colégio tinha uma tradição boa 2075

também, desportiva né, e a gente começou a fazer parte também disso,

também ganhar medalhas pra, pra somar, pra resultados do colégio, também

por que a gente tinha na abertura do Inter, era uma festa cantava, dançava, ia

de abrigo, tinha aquela bandeira, desfilava, a gente curtia muito e nesses dois

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anos a gente ganhou, sempre tinha uma festa depois também que a gente ia 2080

entendeu? Então pra gente aquilo era o maior alegria, então a gente curtia

muito, eu achei que, eu achei muito, assim a participação da gente foi muito

importante, até no Judô eu competi também no Inter, agora que eu lembrei, no

Judô, o Jair treinava a gente, no Judô eu não era muito boas não, teve um ano

que eu fiquei em terceiro, mas foi numa sorte assim, peguei o terceiro, mas não 2085

era o meu forte não, mas aí eu tenho o maior orgulho, eu guardo as minhas

medalhas até hoje lá, guardo os recortes que eu tenho, eu lembro que foi assim

quando eu ganhei o salto né? eu fiquei assim super feliz, foi a última chance

que eu tinha assim de participar da competição e eu ganhei né? então a

medalha eu guardo com o maior carinho. Eu lembro (riso)”2090

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