A Influência Sociológica na Formação de Tribos Urbanas na Segunda Metade do Século XX: Uma...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH A INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS GRUPOS BEATS, MODS, HIPPIES E PUNKS Novo Hamburgo 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALEKELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCHA INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS GRUPOS BEATS, MODS, HIPPIES E PUNKSNovo Hamburgo 20092KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCHA INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS GRUPOS BEATS, MODS, HIPPIES E PUNKSTrabalho de Conclusão de curso apresentado como requisito parcial à

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH

A INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS

GRUPOS BEATS, MODS, HIPPIES E PUNKS

Novo Hamburgo

2009

2

KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH

A INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS

GRUPOS BEATS, MODS, HIPPIES E PUNKS

Trabalho de Conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Design

de Moda e Tecnologia pelo Centro Universitário Feevale

Orientador: Henrique Alixannder Grassi Keske

Novo Hamburgo

2009

3

KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH

Trabalho de Conclusão do curso de Design de Moda e Tecnologia, com título “A

INFLUÊNCIA SOCIOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE TRIBOS URBANAS NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XX: UMA ANÁLISE ACERCA DA MODA NOS GRUPOS

MODS, HIPPIES, PUNKS E PÓS-PUNKS” submetido ao corpo docente do Centro

Universitário Feevale, como requisito necessário para obtenção do grau Bacharel em Design

de Moda e Tecnologia,

Aprovado por:

_______________________________________

Prof. Ms. Henrique Alixannder Grassi Keske

Orientador

_______________________________________

Prof. Ms. Magna Lima Magalhães

Banca examinadora

_______________________________________

Prof. Ms. Rodrigo Perla Martins

Banca examinadora

Novo Hamburgo, 2009.

4

Agradecimentos

Dedico essa monografia a todas as pessoas

que, em algum momento da história do

mundo, questionaram os acontecimentos da

sociedade vigente e acreditaram que pudessem

mudar o mundo. Com elas, vemos a moda de

uma maneira ainda mais social, política e

cultural.

Agradeço à minha família pelo apoio

constante, não apenas durante essa faculdade,

mas durante toda a vida. Aos professores, em

especial ao meu orientador, Henrique Keske,

pelo apoio e ótima orientação ao longo desse

trabalho. Aos colegas e amigos, pelo apoio

constante, em especial àqueles que,

interessando-se por esse instigante assunto, me

acompanharam na análise dos filmes, livros e

documentários. Muito obrigada!

5

(...) não é apenas assistir o show de uma

banda. É ver a história em ação. – jornal Mail

on Sunday, setembro de 1973. (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.171)

6

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo analisar os fatores sociológicos das décadas de

50 a 70, a fim de compreender de que maneira e por quais razões formaram-se grupos sociais

urbanos, com ideologias e indumentárias específicas, em caráter de contestação às vigentes na

sociedade do momento. Para isso, foi feita pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo,

buscando compreender os fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e de moda do

período em questão. Por fim, analisamos os grupos sociais beats, mods, hippies e punks,

compreendendo as diferenças dos mesmos com os padrões em voga na sociedade de então.

Palavras-chave: moda, tribos urbanas, sociedade, cultura, beats, mods, hippies, punks.

7

ABSTRACT

The present study aimed to analyze the 50's to 70's decades sociologic facts, focused

on understanding which way and for what reasons urban social groups has formed, with

ideologies and specific clothing in contestation character to those prevailing in society. A

bibliographic research has been made in a qualitative character, seeking to comprehend this

period's social, politic, economic, cultural and fashion factors. Finally, analyzed the following

social groups: beats, mods, hippies and punks, understanding the differences between those

and the society's standards in vogue at the time.

Keywords: fashion, urban tribes, society, culture, beats, mods, hippies, punks.

8

ÍNDICE DE IMAGENS

Figura 1 – Mulher vestida com look extremamente masculino e militarizado.

(http://modahistoria.blogspot.com/2008/06/dcada-de-40-moda-e-guerra.html) ..................... 23

Figura 2 – Capa da revista brasileira “O Cruzeiro”, deste período, ilustrando o uso de chapéus.

(http://www.robertoseciosp.flogbrasil.terra.com.br/foto15755770.html) ............................... 25

Figura 3 – Referência aos primeiros conjuntos combináveis entre si usados na década de 40.

(http://almanaque.folha.uol.com.br/) .................................................................................... 26

Figura 4 – Europa devastada pela guerra. (http://upload.wikimedia.org/) .............................. 27

Figura 5 – Anúncio publicitário do período, mostrando as facilidades trazidas pelos novos

eletrodomésticos. (http://www.bibi.org/) .............................................................................. 29

Figura 6 – Anúncio publicitário do período, retratando a típica dona de casa.

(http://www.rostinhosbonitos.com/) ..................................................................................... 35

Figura 7 – Lanchonetes drive-in, onde os jovens da época costumavam se reunir.

(http://www.antiquewhs.com/) ............................................................................................. 38

Figura 8 – O ator James Dean no filme “Rebelde sem Causa” (Rebel without a Cause).

(http://childofthemoon.blogspot.com) .................................................................................. 42

Figura 9 – A atriz Marilyn Monroe. (http://www.fashionbubbles.com/) ................................ 51

Figura 10 – “New Look de Dior”: cintura marcada e ancas arredondadas.

(http://www.fashionbubbles.com/) ....................................................................................... 52

Figura 11 – Look Chanel da década de 50: tailleur em tweed, debruado (variante do

pespontado), composto de casaqueto sem gola e saia ligeiramente abaixo dos joelhos.

(http://www.honors.umd.edu/) ............................................................................................. 54

Figura 12 – A atriz Ava Gardner. (http://www.twolia.com/blogs/daily-beauty-break/) ......... 55

Figura 13 – A atriz e cantora Brigitte Bardot. (http://images.huffingtonpost.com/) ............... 56

Figura 14 – O ator Marlon Brando, no filme “Um Bonde Chamado Desejo”, levando a

camiseta branca às ruas. (http://curtocircuitocinema.zip.net/) ............................................... 58

9

Figura 15 – Jovens passeando na King’s Road. (http://www.nickelinthemachine.com/) ....... 59

Figura 16 – A estilista Mary Quant. (http://prosimetron.blogspot.com/) ............................... 60

Figura 17 – Cartaz da Bauhaus (http://www.danwymanbooks.com/artandthought.htm) ........ 71

Figura 18 – Cena do filme “Velvet Goldmine”. .................................................................... 78

Figura 19 – O cantor David Bowie. (http://colunadallas.wordpress.com/2009/04/03/60-fatos-

da-vida-de-david-bowie/) ..................................................................................................... 78

Figura 20 – O estilo “glam” da banda New York Dolls. (http://www.laughinsam.com/) ....... 79

Figura 21 – Warhol e sua turma. (http://www.amoeba.com/) ................................................ 80

Figura 22 – A atriz Sue Lyon, a “Lolita” do filme homônimo, lançado em 1962 e dirigido por

Stanley Kubrick. (http://www.imdb.com/) ............................................................................ 82

Figura 23 – A modelo Twiggy, com sua maquiagem típica do período, que destacava os olhos

com cílios postiços, muito rímel e até traços de delineador que simulavam cílios longos.

(http://www.wgsn.com/) ...................................................................................................... 84

Figura 24 – Mary Quant (à esquerda) e sua criação de maior notoriedade: a minissaia.

(http://www.writedesignonline.com/) ................................................................................... 85

Figura 25 – A atriz Jane Fonda no filme Barbarella (1968): ícone da moda futurista da década.

(http://www.boston.com/) .................................................................................................... 86

Figura 26 – A moda futurista de Paco Rabanne. (http://www.marcosabino.com/) ................. 87

Figura 27 – O sonho futurista mostrado no desenho animado “Os Jetsons”, criado pela Hanna-

Barbera. (http://geopolicraticus.wordpress.com/) ................................................................. 87

Figura 28 – Os Beatles, no começo da década de 60. (http://dowloadsforfree.blogspot.com/) 88

Figura 29 – A banda Rolling Stones. (http://altacultura.wordpress.com/) .............................. 89

Figura 30 – Adolescentes enlouquecidas pela presença dos quatro garotos “liverpoolianos”.

(http://colunadallas.wordpress.com/) .................................................................................... 94

Figura 31 – Cartaz do filme “Embalos de Sábado à Noite” (Saturday Night Fever), ícone da

era disco. (http://pianoambiente.blogspot.com/) ................................................................... 99

Figura 32 – A atriz Farrah Fawcet. (http://childofthemoon.blogspot.com/) ......................... 101

Figura 33 – Rolling Stones. (http://ettelefoneminhacasa.files.wordpress.com/) ................... 106

Figura 34 – Capa do disco “Have You Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow?”

(http://piggy-sakura.blogspot.com/) .................................................................................... 107

Figura 35 – Jovens com cartaz dizendo “amor, não guerra”. (http://www.montanha.bio.br/)

.......................................................................................................................................... 109

Figura 36 – Hippies com seus cabelos longos e lenços nos cabelos. (http://www.uff.br/) .... 111

10

Figura 37 – “Amor livre”, calças saint-tropez e estampas psicodélicas.

(http://childofthemoon.blogspot.com/) ............................................................................... 112

Figura 38 – Cena do documentário The Filth and the Fury. ................................................ 114

Figura 39 – Cena do documentário The Filth and The Fury. ............................................... 116

Figura 40 – Cena do documentário The Filth and the Fury. ................................................ 116

Figura 41 – Vestígios do estilo hippie. (Cena do documentário The Filth and The Fury) .... 119

Figura 42 – Vestígios do estilo mod. (Cenas do documentário The Filth and the Fury) ....... 119

Figura 43 – Sex, a loja do casal McLaren e Westwood. (http://beautyandthedirt.com/) ....... 120

Figura 44 – Roupas fetichistas da loja Sex. (Cena do documentário The Filth and The Fury)

.......................................................................................................................................... 121

Figura 45 – A primeira formação da banda Sex Pistols: Marlock, Rotten, Steve Jones e Paul

Cook. (http://www.thriptwire.com/y) ................................................................................. 121

Figura 46 – O Sex Pistol Johnny Rotten. (http://www.jmnews.com.br/) ............................. 122

Figura 47 – O público após o primeiro show da banda Sex Pistols. (Cena do filme “A festa

nunca acaba”) .................................................................................................................... 124

Figura 48 – Jovem “cabeludo”, ainda herdando o estilo dos roqueiros dos anos 60 – visual que

logo seria substituído pelos cabelos arrepiados, influenciados pelos Sex Pistols. (Cena do

documentário The Filth and The Fury) ............................................................................... 125

Figura 49 – Siouxsie Six na platéia de um dos shows da banda. (Cena do documentário The

Filth and The Fury) ............................................................................................................ 126

Figura 50 – Fãs do Sex Pistols em um show da banda. (Cena do documentário The Filth and

The Fury) ........................................................................................................................... 126

Figura 51 – Jovens “uniformizados”, massificando a imagem punk. (Cena do documentário

The Filth and The Fury) ..................................................................................................... 130

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13

1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: ACONTECIMENTOS SOCIOLÓGICOS

DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E SUA INFLUÊNCIA NA MODA E NO

COMPORTAMENTO DA

SOCIEDADE...........................................................................................................................19

1.1 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE NO MUNDO DA

MODA......................................................................................................................................19

1.2 O MUNDO PÓS-GUERRA: A REVOLUÇÃO CULTURAL E O SURGIMENTO DE

UM NOVO MERCADO DE MODA.......................................................................................28

1.2.1 Fatores Sociológicos.......................................................................................................28

1.2.2 Moda...............................................................................................................................51

1.2.3 O nascimento do Rock ................................................................................................. 64

1.2.4 O nascimento do Design Modernista............................................................................73

1.3 DÉCADA DE 60: A DÉCADA QUE MUDOU O MUNDO.............................................74

1.3.1 Fatores Sociológicos.......................................................................................................74

1.3.2 Revolução feminina, sexual e familiar..........................................................................83

1.3.3 Moda ...............................................................................................................................85

1.3.4 O fim e a retomada do Rock........................................................................................ 92

1.3.5 A Arte modernista..........................................................................................................99

1.4 DÉCADA DE 70: DO DECLÍNIO DO “PAZ E AMOR” À REBELDIA DA

ANARQUIA...........................................................................................................................101

1.4.1 Fatores Sociológicos.....................................................................................................101

1.4.2 Moda..............................................................................................................................103

12

2 UMA ANÁLISE DE MODS E HIPPIES..........................................................................105

2.1 MODS...............................................................................................................................105

2.2 HIPPIES............................................................................................................................111

3 UMA ANÁLISE DOS PUNKS..........................................................................................116

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................136

REFERÊNCIAS....................................................................................................................131

13

INTRODUÇÃO:

Desde o início da segunda metade do século XX, no período que sucedeu à Segunda

Guerra Mundial, o comportamento dos jovens vem sendo influenciado por movimentos e

fenômenos políticos, econômicos e sócio-culturais. Tais mudanças de comportamento

contemplam ideologias, perspectivas de vida e críticas sociais e refletem-se na sua estética,

envolvendo aspectos corporais, indumentária e moda.

A análise do reflexo desses fatores sociológicos nas tribos urbanas ajuda a

compreender a moda nos dias de hoje, uma vez que, cada vez mais, as tendências seguem o

ciclo do bubble-up, onde as informações saem das ruas e chegam às passarelas:

Os movimentos radicais representam um desvio das convenções culturalmente

constituídas e “todos eles ilustram a peculiar tendência ocidental para tolerar

violações dramáticas das normais culturais” (McCRACKEN, 2003, p. 111).

Tratando-se de movimentos inseridos na moda, Mesquita os denomina como “anti-

moda”, explicando que este comportamento “pode nascer de uma atitude pessoal ou

de um grupo que, a princípio, não teria nenhuma pretensão de lançar tendência ou

idéias. Na maioria das vezes são vistos com estranhamento e considerados

subversivos ou transgressores” (2004, p. 26). Contudo, este movimento encontra-se

na via oposta ao trickle-down e é chamado de bubble-up (RUSCHELL, 2009, p.5).

A maneira com que as pessoas de um determinado período ou grupo social se vestem é

um reflexo do que acontece ao seu redor e da maneira com que elas percebem tais

acontecimentos. Assim como a análise da estética pode nos ajudar a entender um determinado

período histórico, a análise do período histórico pode nos fazer compreender por que as

pessoas vestiam-se ou portavam-se de determinada maneira.

Tais informações podem ser percebidas de maneira ainda mais forte nos grupos mais

jovens, uma vez que os mesmos prendem-se menos a convenções e tradições sociais, e

14

vivenciam com maior intensidade os acontecimentos da sua atualidade. Da mesma maneira, é

entre os grupos mais jovens que acontece em especial um agrupamento entre os semelhantes

por idéias ou ideologias, mais do que por questões de classes sociais.

Sendo assim, acreditamos que esse estudo ajudará não apenas a compreender o

processo de desenvolvimento da nossa sociedade através do comportamento e indumentária

dos jovens, mas também a perceber melhor como as tendências chegam até nós nos dias de

hoje.

Em função da necessidade de confirmar a influência dos fatores sociológicos no

comportamento e na moda dos jovens que se agrupavam em tribos urbanas na segunda

metade do século passado, iniciamos um estudo da história da sociedade da época, bem como

a compreensão do conceito de “moda” e sua relação com as sociedades, sendo influenciada e

influenciadora.

Segundo Érika Palomino, em A Moda, a moda é um sistema que acompanha a

indumentária e o tempo, integrando o simples uso da roupa no dia-a-dia em “um contexto

maior, político, social, sociológico”:

Você pode enxergar a moda naquilo que escolhe de manhã para vestir, no look1 de

um punk2, de um skatista3 e de um pop star4, nas passarelas do Brasil e do mundo,

nas revistas e até mesmo no terno que veste um político ou no vestido da sua avó.

Moda não é só “estar na moda”. Moda é muito mais do que a roupa.

Você enxergará melhor a moda se conseguir visualizar uma evolução. Pense no jeito

que as pessoas se vestiam nos anos 70 e depois nos 80 e tente, ainda, achar um

denominador para o que as pessoas usavam na década de 90. Essas mudanças é que

são a moda. Ao acompanhar/retratar/simbolizar essas transformações, a moda serve

como reflexo das sociedades à volta. É possível entender um grupo, um país, o

mundo naquele período pela moda então praticada.

Sabemos que uma moda pode regular formas de vestir, de pentear-se, etc. A palavra

“moda” vem do latim modus, significando “modo”, “maneira”. Em inglês, moda é

fashion, corruptela da palavra francesa façon, que também quer dizer “modo”,

“maneira” (PALOMINO, 2003, p.14).

1 Maneira como chamamos o visual completo de uma pessoa, incluindo sua roupa, acessórios e até maquiagens e penteados. 2 Ver capítulo 3. 3 Adepto da prática do “skate” (ou, no caso, podendo referir-se também à pessoa que apenas adere ao estilo de vestir utilizado na prática do esporte). 4 Celebridade da música pop.

15

A professora Ana Claudia de Oliveira, em seu texto de apresentação do livro Moda e

Linguagem, da socióloga Kathia Castilho, confirma essa teoria, dizendo que “na construção

do corpo, assim como na das roupas de cada época, estão instalados os valores que ganham

forma e voga em configurações estéticas que se encadeiam ciclicamente. (...) Intimamente

imbricada às feições do sujeito que cada época faz emergir como uma das suas expressões, a

moda é, dentre essas, talvez, a expressão mais significante, que faz circular o sistema de

valores partilhado pela coletividade com as suas regras de conduta. (...) Na moda e por ela, os

sujeitos mostram-se, mostrando os seus modos de ser e estar no mundo, o que os posiciona

neles” (CASTILHO, 2004, p.9).

Oliveira afirma ainda que a maneira como a pessoa veste-se e mostra-se proporciona

fatores pelos quais “se posiciona e desempenha seus papéis no contexto sociocultural. (...) O

sujeito adota figurativamente um determinado tipo de parecer, que é uma declaração de sua

identidade, suas crenças, suas convicções e seus valores” (CASTILHO, 2004, p. 12).

Ainda no mesmo contexto, Hoffmann (2008), citando Braga (2006), afirma que

“moda é código de pertencimento”:

É o código que identifica a maneira de pensar, a que grupo pertencer. Se ela é

código de pertencimento, pressupõe-se que esta moda contemporânea permite a

‘pluralidade, a diversidade de diferenciações’. É transitar pelos vários estilos, pelas

várias modas, pelos vários grupos e trocar influências e experiências formando um

sistema cultural (HOFFMANN, 2008, p.15).

Por essas razões supracitadas, acreditamos que ideologias5 comuns, bem como gostos

afins, motivaram os jovens a se agruparem em grupos, que posteriormente passariam a ser

chamados de tribos. Os pensamentos e anseios desses jovens acabam por serem exteriorizados

por conceitos estéticos que trazem imbricados em si uma série de valores imateriais. “A

indumentária sempre foi uma forma de o sujeito expressar-se e ‘ser expressado’”, como

afirma Marcelo Martins, no prefácio do livro acima citado (CASTILHO, 2004, p.19).

5 De acordo com Clifford Geertz, no livro “A Interpretação da Cultura” (1989), ideologias são coleções de propostas políticas, “talvez um tanto intelectualizadas e impraticáveis, mas, de qualquer forma, idealistas”, podendo ser também chamadas de “romances sociais”.

16

Depois de uma “Era da Catástrofe” (1914-1947), marcada pelas duas grandes guerras

mundiais, pelo surgimento da alternativa socialista, por crises econômicas, o mundo entrou

numa espécie de "Era de Ouro" (1947-1973), um período com um “extraordinário

crescimento econômico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira

mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável”

(HOBSBAWN apud LOPES, 2006). Seria nesse período, a “Era de Ouro”, que os jovens

iniciariam sua revolução sociocultural, agrupando-se em tribos em busca de um ideal comum:

Apesar da divergência entre a visão de mundo dos adultos e a dos jovens, estes, com

seu sistema de valores próprio, só acabaram se manifestando mais declaradamente a

partir dos anos 50, quando surgiu a chamada “cultura da juventude”, dentro e fora

dos Estados Unidos, reflexo da expansão do capitalismo em busca de novos

mercados consumidores. E foi através dos meios de comunicação que essa cultura se

difundiu no interior desses mercados (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.6).

Ainda sobre o surgimento das modas jovens, vemos a análise de Trinca:

As modas jovens marginais rompiam com o gosto imperativo e com as leis de

conveniência e exibiam um afastamento total com o valor estético dominante,

provocando o excesso para desagradar, surpreender e chocar, principalmente as

gerações mais velhas e as típicas famílias burguesas. Até então, não seguir a linha

dominante da moda indicava que se era pobre. A partir dos anos 60, isso significava

muito claramente o que é ser livre (TRINCA, 2005, p.4-5).

Por esses motivos acima citados, iniciaremos nosso trabalho contextualizando os

acontecimentos da “Era da Catástrofe” e entendendo o que aconteceu na “Era de Ouro” para

compreendermos o agrupamento de jovens em grupos sociais, calcados muito mais em ideais

comuns do que em características demográficas e de classe socioeconômicas. Como veremos

a seguir, um dos maiores destaques dentre tais interesses norteadores das culturas jovens é a

música, que tem tido um grande papel de “aglutinar adolescentes desde o final dos anos 50,

quando se estabelecem os teenage lifestyles6” (PALOMINO, 2003, p.44).

6 Estilos adolescentes.

17

Acreditamos que esse estudo ajudará não apenas a compreender o desenvolvimento da

nossa sociedade através do comportamento e indumentária dos jovens, mas também a

perceber melhor como as tendências chegam até nós nos dias de hoje, ampliando a

compreensão acerca desse fenômeno social complexo chamado moda. Essa compreensão é de

imensa validez para profissionais de moda, uma vez que é necessário entender esse tipo de

perfil comportamental e suas necessidades materiais para traçar perfis de público-alvo

precisos.

O problema de pesquisa a nortear o desenvolvimento deste trabalho é: “O que

influenciou o agrupamento de jovens em tribos, determinados por comportamentos ou gostos

comuns e exteriorizados pela indumentária e movimentos musicais na segunda metade do

século XX?”.

A hipótese sobre a qual trabalharemos é a de que os movimentos e fenômenos

políticos, econômicos e sócio-culturais influenciaram o comportamento dos jovens, fazendo

com que eles tivessem comportamentos que refletiam na sua estética.

O conceito de “tribo” ou “(neo) tribalismo” (FEITOSA, 2003) baseia-se a partir dos

estudos do sociólogo Michel Maffesoli, servindo o mesmo para definir os tipos de

agrupamentos realizados pelas sociedades contemporâneas:

É para dar conta desse conjunto complexo que proponho usar, como metáfora, os

termos de “tribo” ou de “tribalismo”. Sem adorná-los, cada vez, de aspas, pretendo

insistir no aspecto “coesivo” da partilha sentimental de valores, de lugares ou de

ideais que estão, ao mesmo tempo, absolutamente circunscritos (localismo) e que

são encontrados, sob diversas modulações, em numerosas experiências sociais

(MAFFESOLI, 1998 apud FEITOSA, 2003, p.3).

Definimos o período a ser estudado em função de que, embora “algumas práticas de

agrupamentos juvenis específicos já tenham sido identificadas no período anterior ao pós-

guerra7” (FEITOSA, 2003, p.1), foi depois da mesma que, em função da prosperidade

financeira atingida pelos Estados Unidos e pelo sentimento de oposição aos modelos

governamentais, que grupos comportamentais específicos passaram a se formar. Até então, os

conceitos de “cultura jovem” e de “juventude” não estavam de fato consolidados (FEITOSA,

2003). 7 O autor refere-se à Segunda Guerra Mundial.

18

Nosso objetivo geral é evidenciar a influência dos fatores sociológicos na estética e

comportamento dos jovens de grupos urbanos nas décadas de 50 a 70. Como objetivos

específicos, temos:

• Analisar os fatos históricos e sociais mais relevantes nas décadas em questão;

• Analisar a moda e os movimentos culturais em voga na cultura de massa em

cada uma das décadas estudadas;

• Identificar quais fatores sociológicos que influenciaram a formação dos grupos

estudados;

• Analisar a moda e os movimentos culturais utilizados pelos grupos de

contracultura do mesmo período.

A fundamentação teórica deste trabalho está baseada no estudo de acontecimentos

históricos e teorias de moda. Trabalharemos com pesquisa “qualitativa”, baseada em análise

de registros bibliográficos, bem como filmes e registros de mídias voltadas para o público

jovem do período estudado.

A monografia divide-se em três capítulos. No primeiro capítulo, contextualizamos o

histórico socioeconômico da sociedade do período em estudo, correlacionando-o com a

estética predominante, permitindo assim que possamos usá-la de comparativo à estética

relacionada à contracultura8 do mesmo período.

No capítulo seguinte, serão abordados os grupos hippies e mods, bem como sua

relação com a moda e o meio. Apresentaremos as influências que o contexto sociocultural do

período exerceu sobre o agrupamento dos jovens em busca de ideologias, bem como tal

agrupamento influenciou a maneira com que os mesmos se mostravam à sociedade. No

terceiro capítulo, trabalhamos em cima da mesma abordagem, porém contextualizando o

grupo punks.

8 A contracultura se caracterizou por uma contundente crítica ao predomínio da racionalidade. A ênfase na linguagem verbal é uma das manifestações desta racionalidade, (...). Como alternativa, se propunham as imagens, o corpo, a música, a arte, a emoção, o místico, o lúdico (GUERRA, 1996 apud CARVALHO, 2007).

19

1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: ACONTECIMENTOS

SOCIOLÓGICOS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E SUA

INFLUÊNCIA NA MODA E NO COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE

1.1. – A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE NO

MUNDO DA MODA

A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), que se dizia ter sido feita para pôr fim a

todas as guerras, acabou sendo o ponto de partida para uma série de grandes conflitos. Os

efeitos da Grande Depressão9 somaram-se a sentimentos nacionalistas e ao totalitarismo nazi-

fascista desenvolvidos no período, dando origem àquele que seria o conflito com maior

número de vítimas em toda a história da humanidade. Deixando mais de 70 milhões de mortos

e tendo mobilizado mais de 100 milhões de militares, a Segunda Guerra Mundial (1939 –

1945) mudaria completamente os rumos do mundo.

O líder Adolf Hitler tinha como objetivo criar uma “nova ordem” na Europa, com base

nos princípios nazistas, excluindo e eliminando determinadas minorias étnicas e religiosas –

tais como Judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová –, assim como deficientes físicos e

homossexuais.

9 A Grande Depressão, também chamada por vezes de Crise de 1929, foi uma grande crise econômica que teve início em 1929, e que persistiu ao longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial. Considera-se o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX (Blog Manifesto Marxista, disponível em: http://manifestomarxista.blogspot.com/).

20

Em primeiro de setembro de 1939, com a invasão da Polônia por Adolf Hitler, tem

início aquele que seria o maior confronto da história da humanidade: a Segunda Guerra

Mundial. De um lado do confronto havia “um bloco de países regidos por líderes totalitários

tentava conquistar o planeta através da força, criando uma tirania global”. Já no lado oposto,

encontravam-se “as potências democráticas - com ajuda decisiva da URSS comunista -

lutavam para defender a soberania de sua aliança, detendo a marcha do nazi-fascismo”

(Revista Veja Especial Online - Segunda Guerra).

Segundo Judt (2007), o domínio de Hitler caracterizava uma guerra muito mais civil

do que militar:

(...) nos países ocupados pela Alemanha nazista, da França à Ucrânia, da Noruega à

Grécia, a Segunda Guerra Mundial constituiu uma experiência primordialmente

civil. O combate militar formal ficou restrito ao início e ao final do conflito. Entre

esses dois momentos, a guerra foi caracterizada pela ocupação, repressão,

exploração e pelo extermínio, em que soldados, tropas de assalto e policiais

dispunham das rotinas e das vidas de milhões de prisioneiros (JUDT, 2007, p.27).

Em dois de setembro de 1945, a guerra teve seu fim oficializado. Depois de a

Alemanha ter sido tomada pelos russos e de Hitler ter se suicidado, o país se rendeu, dando

fim ao conflito. O Japão se rendeu aos Aliados10 depois de ter tido duas bombas atômicas

americanas lançadas em seu território – nas cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Em outubro do mesmo ano, os países vencedores reuniram-se em Londres,

objetivando a decisão das condições da paz. Assim, firmou-se entre eles a divisão da

Alemanha e, posteriormente, a de Berlim – o que ocasionou a construção do Muro de Berlim,

que foi mantido até 1989.

Embora a guerra houvesse terminado, a maior parte da Europa encontrava-se abalada e

destruída. As perdas advindas deste conflito, segundo Judt, foram de dimensões inestimáveis.

A União Soviética apresentava cerca de 25 milhões de sem-teto e a Alemanha cerca de 20

milhões. “A paisagem urbana coberta de escombros constituía a lembrança mais imediata da

guerra recém-acabada” (JUDT, 2007, p.30). Além disso, muitas ferrovias, rodovias e pontes

haviam sido explodidas. Cerca de dois terços da frota mercante francesa haviam sido 10 Os “Aliados” da Segunda Guerra Mundial foram os países que se opuseram as “Potências do Eixo” e eram formados principalmente pela União Soviética, pelos Estados Unidos e pelo Império Britânico. As Potências do Eixo, por sua vez, tinham como principais membros a Alemanha, de Adolf Hitler, A Itália, de Benito Mussolini e o Japão, de Tojo Hideki.

21

afundados. Embora praticamente toda a Europa tenha sido devastada, foi na parte oriental que

os maiores horrores aconteceram:

No Leste e Sudeste Europeu, as forças de ocupação alemãs foram impiedosas (...).

Na União Soviética, 70 mil vilarejos e 1.700 cidades de pequeno porte foram

destruídos durante a guerra, além de 32 mil fábricas e 64 mil quilômetros de

ferrovias. Na Grécia, dois terços da frota da Marinha Mercante, vital para o país,

foram perdidos, um terço das florestas foi arrasado e milhares de vilarejos foram

riscados do mapa (JUDT, 2007, p.31).

O mesmo autor, ainda sobre as perdas advindas do conflito, afirma que:

A Ioguslávia perdeu 25% dos seus vinhedos, 50% do gado, 60% das estradas, 75%

das terras cultivadas e das pontes em vias férreas, uma em cada cinco residências,

bem como a terça parte do limitado potencial da indústria do país (...).

No entanto, esses números por mais dramáticos que sejam, exprimem apenas parte

do cenário: o lúgubre pano de fundo “físico”. As perdas materiais sofridas pelos

europeus durante a guerra (...) foram insignificantes, comparadas às perdas

humanas. Estima-se que cerca de 36,5 milhões de europeus sucumbiram, entre 1939

e 1945 (...) – número que não inclui mortes naturais nos anos em questão, tampouco

qualquer estimativa de quantidade de crianças não-concebidas ou que deixaram de

nascer, à época e mais tarde, em conseqüência do confronto (JUDT, 2007, p.31).

As dificuldades advindas dos conflitos do período da Segunda Guerra Mundial

submeteram a moda aos rigores da ocasião, segundo Schmid (2004). As roupas desse período

“demonstram com que força a moda reflete a situação econômica e política vigente, a

atmosfera do momento” (LAVER, 1989, p.252). A moda, em especial na Europa, passa a

enfrentar dificuldades, como a falta de tecidos, processos de fabricação e até mão-de-obra.

Essa espécie de recessão transformou de maneira profunda a indústria da moda. “A Segunda

Guerra Mundial demandou um terrível esforço de otimização da produção industrial,

sobretudo, é claro, nos países diretamente envolvidos no conflito” (CALDAS, 2004, p.55). Na

Inglaterra, em especial, o desenvolvimento da moda foi travado e as restrições foram

rigorosas:

22

A falta de materiais tornou-se crítica e, conseqüentemente, o esquema de “utilidade”

e o racionamento de roupas foram estabelecidos em 1941. O primeiro, com

protótipos escolhidos por costureiros como Hardy Amies e Molyneux11, visava

assegurar que os poucos recursos disponíveis fossem usados de maneira econômica

para produzir boas roupas. Regras estabelecidas limitavam a metragem de tecido

para cada categoria de roupa, a qualidade do tecido, o comprimento e a largura das

saias. Algumas roupas não-utilitárias também estavam sujeitas às restrições de

tecido e adornos e ao racionamento (LAVER, 1989, p.252).

Além das limitações de materiais, interesses políticos e questões de segurança também

fizeram com que o mercado têxtil de Paris, até então a capital da moda, fosse bastante

prejudicado:

Em 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia começado na Europa. A cidade de

Paris, ocupada pelos alemães em junho do mesmo ano, já não contava com todos os

nomes da alta-costura e suas maisons12. Muitos estilistas se mudaram, fecharam suas

casas ou mesmo as levaram para outros países.

A Alemanha ainda tentou destruir a indústria francesa de costura, levando as

maisons parisienses para Berlim e Viena, mas não teve êxito. O estilista francês

Lucien Lelong, então presidente da câmara sindical, teve um papel importante nesse

período ao preparar um relatório defendendo a permanência das maisons no país.

Durante a guerra, 92 ateliês continuaram abertos em Paris (Almanaque – Banco de

Dados Online da Folha de São Paulo).

Nesse momento, o estilo de vida e de vestir feminino foi profundamente influenciado

pela situação socioeconômica do momento. Com os homens afastados do lar em função da

Guerra, as mulheres passaram a ter que assumir o comando do lar, participando do mercado

de trabalho. Suas novas atividades, somadas às restrições do período, tornaram seu estilo mais

austero, masculinizado e militarizado. “A forma era de ombros quadrados, reta, de corte

masculino, fazendo eco ao corte das fardas” (LAVER, 1989, p.252). Essa silhueta, vinda do

final da década de 30, perdurou até o final da guerra. As roupas e os sapatos eram pesados, o

11 Edward Molyneux, estilista britânico. Tinha sua carreira estruturada na França, mas durante a Segunda Guerra Mundial transferiu-se para Londres, retornando a Paris após o término da mesma. 12 Nome que se dava às casas de varejo para senhoras das altas classes sociais da época. (SCHMID, 2004)

23

que ficava ainda mais evidente no corpo esguio da mulher francesa, como se pode ver na foto

a seguir:

Figura 1 – Mulher vestida com look extremamente masculino e militarizado.

(http://modahistoria.blogspot.com/2008/06/dcada-de-40-moda-e-guerra.html)

Embora alguns ateliês continuassem abertos, a alta-costura estava restrita apenas às

mulheres de comandantes alemães, de embaixadores em exército e às poucas demais mulheres

abonadas que, mesmo naquele momento, continuavam tendo condições de permitirem-se esse

tipo de luxo.

Na Grã-Bretanha, foram criadas pelo Fashion Group of Great Britain, comandado por

Molyneux, 32 peças de vestuário para serem produzidas em massa. Esse seria o princípio do

prêt-a-porter, conceito que se desenvolveria com maior intensidade nos Estados Unidos, já

ganhando um caráter de moda e tendência. Outra raiz do prêt-a-porter a se desenvolver na

Europa, durante a guerra, foi a expansão dos catálogos de venda por correspondência, que

continham os últimos modelos e através dos quais se podia comprar produtos de moda de

qualquer lugar e receber em casa com facilidade.

Com isso, intencionava-se desenvolver roupas atraentes, mesmo com as restrições

impostas à confecção de moda. O estilo ainda era militar, com corte reto e masculino. Os

ombros das jaquetas eram acolchoados em formas angulosas e largos cintos. Os tecidos eram

resistentes e pesados, como o tweed. As saias eram um pouco mais curtas, ligeiramente acima

24

dos joelhos, com pregas finas ou leves franzidos. As calças compridas e os vestidos que

imitavam duas peças traduziam a praticidade necessária naquele momento.

A escassez também fazia com que muitas mulheres reaproveitassem roupas dos seus

maridos, o que contribuía ainda mais para a masculinização do visual:

Era muito comum que as mulheres reaproveitassem as peças masculinas,

principalmente os casacos e abrigos pesados, calças e macacões, sempre ajustados

por cintos, dando uma silhueta bastante angulosa entre a cintura e as extremidades.

E se na década anterior o abotoamento das roupas era feito pelas costas, em 1940 ele

passa pra frente, com o intuito de simplificar a vida feminina e tornar a roupa mais

utilitária (Blog Trendy Twins, disponível em:

http://www.trendytwins.com.br/2009/06/special-twin-da-moda-moda-e-

guerra.html).

A seda e o náilon eram itens escassos naquele período, o que fazia com que as meias

finas estivessem fora de circulação. Em seu lugar, usavam-se meias soquetes ou as pernas

nuas, que, eventualmente, recebiam uma pintura na parte de trás, simulando as costuras das

meias.

Havia poucos cabeleireiros, e também menos tempo para ser dedicado às práticas da

beleza, uma vez que as mulheres passavam a ter que trabalhar. Assim, os cabelos estavam

mais longos do que na década anterior e eram presos com grampos, que também podiam ser

usados para formar cachos. A maquiagem igualmente era improvisada em casa e alguns

fabricantes ofereciam a possibilidade de recarregar os batons, uma vez que a produção de

metal estava toda sendo destinada à indústria bélica.

Chapéus eram bastante utilizados nesse período, tanto em função do pouco tempo e

dinheiro que as mulheres dispunham para gastar em cabeleireiros tanto quanto para dar graça

ao visual simplificado ao qual a mulher estava sendo submetida (Almanaque – Banco de

Dados Online da Folha de São Paulo). Uma série de modelos, bem como adornos afins,

estavam sendo usados: desde os maiores e mais elaborados, com flores e véus, até alguns

menores, em feltro, alinhando-se ao mesmo estilo militar das vestes.

25

Figura 2 – Capa da revista brasileira “O Cruzeiro”, deste período, ilustrando o uso de chapéus.

(http://www.robertoseciosp.flogbrasil.terra.com.br/foto15755770.html)

Mesmo com o racionamento, as tentativas de boicote por parte da Alemanha e o

quadro de destruição, a moda sobreviveu à guerra. A escassez de tecidos e as normas de

racionamento levaram as mulheres a reformar suas roupas e utilizar materiais alternativos –

tais como viscose, raiom e fibras sintéticas. Essas habilidades adquiridas foram também de

grande importância mesmo depois do final desse período, em especial para as mulheres de

classe média, que tinham o anseio de estar na moda, mas não tinham recursos suficientes para

isso.

A escassez de materiais em quase todos os setores e em todos os países envolvidos nos

conflitos fez também que buscassem o desenvolvimento de novos materiais para a produção

de objetos e móveis. Dentre esses novos desenvolvimentos, podemos destacar os flexíveis e

duráveis recipientes de polietileno, que passaram a ser conhecidos como Tupperware.

Enquanto que Paris encontrava-se isolada pela guerra e sem condições de ditar e

abastecer a moda mundial como fazia anteriormente, os norte-americanos passaram a

desenvolver e produzir sua própria moda. Assim, e buscando praticidade, criaram conjuntos

cujas peças pudessem ser combinadas entre si, o que permitia múltiplos looks com uma menor

26

quantidade de peças. Com isso, tinha-se o início do sportswear13 americano, que influenciaria

a moda da década seguinte, inclusive na Europa.

Figura 3 – Referência aos primeiros conjuntos combináveis entre si usados na década de 40.

(http://almanaque.folha.uol.com.br/)

Com o final da Guerra, o clima na Europa era de miséria e desolação:

Fotografias e documentários da época mostram fluxos patéticos de civis impotentes

atravessando paisagens arrasadas, com cidades destruídas e campos áridos. Crianças

órfãs perambulam melancólicas, passando por grupos de mulheres exaustas que

reviram montes de entulho. Deportados e prisioneiros de campos de concentração,

com as cabeças raspadas e vestindo pijamas listrados, fitam a câmera, com

indiferença, famintos e doentes (JUDT, 2007, p.27).

13 Moda esporte.

27

Figura 4 – Europa devastada pela guerra. (http://upload.wikimedia.org/)

Mesmo assim, a libertação de Paris, em 1944, causou euforia: “a alegria invadiu as

ruas, assim como os ritmos do jazz e as meias de náilon americanas, trazidas pelos soldados,

que levaram de volta para suas mulheres o perfume Chanel nº5” (Almanaque – Banco de

Dados Online da Folha de São Paulo).

Enquanto a Europa tinha a moda profundamente prejudicada pela guerra, outros países

vivenciavam um desenvolvimento do mercado, com um aumento da produção dos produtos

de moda. Nos Estados Unidos, a guerra acabou intensificando o desenvolvimento da

tecnologia da confecção, iniciado na década de 30:

Com a resolução de alguns problemas, como a grade de tamanhos (inexistente até

então), ficou muito mais fácil produzir em escala industrial. Nascia o ready-to-wear

(pronto para vestir), expressão que será traduzida, ao pé da letra, para prêt-a-porter

pelos empresários franceses Jean-Claude Weil e Albert Lempereur, em 1948, após

uma viagem para conhecer os métodos norte-americanos, dentro do quadro de

intercâmbio estabelecido pelo Plano Marshall14 (CALDAS, 2004, p.56).

14 Explicaremos na página 32.

28

O prêt-a-porter, que até então era tido “como uma espécie de estepe para tempos

difíceis” (Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo), tornou-se a maior e

mais moderna vertente do ramo da moda, que permitia que as mulheres seguissem a moda

com facilidade e praticidade.

Nesse período também pôde ser percebido um crescimento também no mercado

brasileiro. O bloqueio das importações provocado pela guerra fez com que as maisons

nacionais passassem a fabricar seus próprios produtos. “É o início da confecção de vestuário

em grande escala, fora do âmbito das costureiras e modistas” (SCHMID, 2004, p.24).

1.2. – O PÓS-GUERRA: A REVOLUÇÃO CULTURAL E O SURGIMENTO DE

UM NOVO MERCADO DE MODA

1.2.1. FATORES SOCIOLÓGICOS:

Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo apresentava um crescimento econômico

excepcional, “embora alguns países subdesenvolvidos, do terceiro mundo, fossem mais lentos

e esta expansão estivesse muito mais vinculada aos países capitalistas desenvolvidos”

(HOFFMANN, 2008, p.29). Nos Estados Unidos, por exemplo, a economia passava por um

grande avanço, marcado, dentre outras coisas, pela institucionalização do “mito do modelo do

ano”. Carros, geladeiras e aparelhos domésticos em geral eram comprados e descartados na

mesma velocidade. “Surgia um novo padrão de conforto: era o estilo de vida americano

(american way of life), recheado de produtos luminosos que seriam a chave da felicidade para

o consumidor” (LOPES, 2006). Esse fato era possível, uma vez que:

Os Estados Unidos estavam vivendo um momento de prosperidade e confiança (...).

Melhores condições de habitação, desenvolvimento das comunicações, a busca pelo

29

novo, pelo conforto e consumo são algumas das características dessa época

(Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo).

Figura 5 – Anúncio publicitário do período, mostrando as facilidades trazidas pelos novos

eletrodomésticos. (http://www.bibi.org/)

O país norte-americano assumia de fato o posto de grande potência capitalista.

Enquanto os outros países haviam saído completamente arrasados, os norte-americanos não

contabilizavam perdas tão consideráveis. Isso porque “desfrutavam de uma vantagem

especial: haviam tomado parte de uma guerra internacional, sem que seu território estivesse

na área do conflito” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, P.14). A maneira com que o mundo se

dividiu após o final da guerra foi de suma importância para essa disseminação da cultura

norte-americana pelo mundo:

Por volta de 1947, após a vitória dos aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França e

União Soviética), o sistema internacional de estados foi dividido em dois blocos: a

Europa Ocidental e a América Central e a do Sul sob influência cultural, ideológica

e econômica estadunidense, e a maior parte da Ásia e o leste europeu, sob domínio

soviético. A partir da ordem mundial, passaram a ser criadas duas ideologias, dois

pólos de poder de influência: de um lado o capitalismo, representado pelos Estados

Unidos, e do outro o comunismo, através da União Soviética. Conforme Hobsbawn

30

(2003), a União Soviética possuía um sistema socialista baseado na economia

planificada, partido único15, de igualdade social e falta de democracia. Já os Estados

Unidos defendia a expansão do sistema capitalista, baseado na economia de

mercado, sistema democrático e propriedade privada. (BIASUS, 2008, p.35)

Para os comunistas, o ideal de vida estava baseado no igualitarismo, “que distribuía as

riquezas produzidas pela grande indústria”. Já para os capitalistas, a felicidade era “um

resultado individual, garantido pelo consumo de bens que tornariam a vida mais amena e

prazerosa” (ARBEX, 1997 apud BIASUS, 2008, p.36).

O governo norte americano estava consciente de que “o desmantelamento da

economia de guerra e a desmobilização dos militares poderiam trazer uma nova crise

econômica – como a que ocorreu no início da década de 30 –, pois os seus principais

mercados consumidores (os países europeus) encontravam-se economicamente arrasados após

o conflito” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, P.14). Políticas de emprego foram implantadas e o

consumismo foi induzido à população, a fim de que a demanda econômica do mercado

interno não caísse, suprindo a ausência dos negócios internacionais.

O forte avanço comunista na Europa chamou a atenção da Inglaterra, na pessoa do

estadista britânico Winston Churchill que, consciente da situação desfavorável de seu país,

pediu socorro aos Estados Unidos a fim de bloquear esse avanço:

(...) Winston Churchill foi o primeiro a perceber o forte avanço do comunismo,

iniciando pressão para que o Ocidente encontrasse uma estratégia para deter o

avanço soviético. O parlamentarismo britânico alertava para a criação, por Moscou,

de uma cortina de ferro16 no leste Europeu, que impediria qualquer influência ou

ajuda do capitalismo à Europa Centro Oriental. A Inglaterra, devido à sua grave

crise econômica, não podia mais enviar ajuda em armas e dinheiro aos monárquicos

gregos e ao Partido Democrático da Turquia. Este país solicitou aos EUA que

assumissem a responsabilidade de manter o governo. (BIASUS, 2008, p.35)

15 Partido Comunista (BIASUS, 2008) 16 Expressão utilizada para designar “a fronteira que dividiu a Europa em duas áreas de distintas influências política e econômica, do final da Segunda Guerra Mundial até o final da chamada Guerra Fria. Durante esse período, a Europa Oriental esteve sob o controle político e/ou influência da União Soviética, enquanto que a Europa Ocidental esteve sob o controle político e/ou influência dos Estados Unidos da América” (BIASUS, 2008, p.35).

31

Assim, segundo Brandão e Duarte (1990), uma grande campanha destinada a legitimar

essa conduta foi instaurada no país. A essa campanha, iniciada no ano de 1947, deu-se o nome

de “Doutrina Truman”17, por ter vigorado durante o governo do presidente Harry S. Truman.

Esse ano é tido como o marco inicial da ruptura entre as superpotências que até então

eram aliadas: Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A tensão

entre as duas superpotências – os Estados Unidos e a União Soviética – estava instaurada e

ambas passaram a disputar as áreas de influência internacional (BIASUS, 2008). A essa

espécie de conflito deu-se o nome de Guerra Fria e, segundo Lopes (2006), ele serviu de

justificativa para que os Estados Unidos utilizassem toda a sua força política a fim de afastar a

“ameaça vermelha” (o comunismo) de suas áreas de influência, o que, na concepção deles

mesmos, seria o mundo inteiro. O país se auto-intitulava “guardião da democracia ocidental”,

disposto a fornecer ajuda a qualquer país “ameaçado pelo comunismo” (BRANDÃO;

DUARTE, 1990).

Lopes afirma que a caça aos comunistas atingiu níveis de “paranóia coletiva”, onde

eram tidos como lemas frases impactantes como “better dead than red” (numa tradução literal

“antes morto do que vermelho”, numa analogia ao comunismo):

Havia também um clima de histeria anticomunista com denúncias e “caça às

bruxas”, comandada pelo senador Joseph McCarthy, de onde se originou o termo

macarthismo. Difundia-se a crença de uma conspiração comunista comandada por

uma rede de espionagem. Instilava-se a ética conformista, principal componente

para a perpetuação de uma sociedade que exigia o aumento artificial do consumo,

estimulando falsas necessidades (CARMO, 2000, p.29).

Tal posicionamento radical era um reflexo do conservadorismo da sociedade

americana que, estando presa a valores ultrapassados, “mantinha oficialmente a segregação

racial, o que afastava um grande número de pessoas do ‘sonho americano’ e liberdade (leia-se

liberalismo)” (LOPES, 2006).

Esse confronto político, militar, econômico e ideológico entre as potências

supracitadas e seus aliados nunca chegou a tornar-se um conflito de fato. Apesar disso, foi 17 A Doutrina Truman consistia em um conjunto de práticas aplicadas pelo governo norte-americano, no período da Guerra Fria, a fim de conter a expansão do comunismo. Assim era chamada por ter sido iniciada pelo então presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman.

32

suficiente para “aprofundar o abismo que separava o Ocidente capitalista do mundo

comunista” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.15).

Enquanto que as duas superpotências encontravam em situação de prosperidade, a

maior parte de seus aliados se encontrava em situação de desolação, totalmente arrasados pela

guerra.

O governo norte-americano prontamente arranjou uma maneira de ajudar os seus

parceiros capitalistas se reerguerem: o Plano Marshall. Tal medida tratava-se de “um

instrumento econômico e financeiro de cristalização da área de influência americana na

Europa Ocidental e tentativa de estabilização da economia européia ocidental” (VIZENTINI,

2004 apud BIASUS, 2008, p.36). Tinha como objetivo a concessão de uma série de

investimentos públicos e empréstimos a juros baixos, a fim de facilitar o fim da crise na

Europa Ocidental. Tal facilitação objetivava um único fim: repelir o socialismo que ameaçava

uma expansão. A França, o Reino Unido e a Alemanha Ocidental foram os países mais

beneficiados por tais investimentos. Esses países capitalistas largamente destruídos pela

guerra puderam iniciar a sua reconstrução com o auxílio desse plano norte-americano. Como

resposta ao Plano Marshall, a URSS criou, no ano de 1949, o Conselho de Ajuda Mútua

Econômica (COMECON), a fim de garantir auxílio mútuo entre os países socialistas

(BIASUS, 2008).

Esse auxílio do governo norte-americano, na realidade, tinha como intenção a

imposição de um “modelo econômico multinacional, fundamental para a manutenção da

supremacia econômica externa dos Estados Unidos” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.16). De

qualquer forma, boa parte dos cidadãos norte-americanos discordava desse posicionamento e

temiam que uma nova guerra de fato se concretizasse.

A Guerra Fria ficou marcada, também, pelo início da corrida espacial. Os dois países

travaram uma forte disputa pela liderança da exploração do espaço (Almanaque – Banco de

Dados Online da Folha de São Paulo).

Da mesma maneira como se diz que esse conflito nunca chegou a se concretizar, “de

fato”, ele também não teve um fim, de fato. Após a descoberta de mísseis soviéticos em Cuba,

o presidente norte-americano Kennedy pressionou o primeiro-ministro soviétco Nikita

Kruschev para a retirada dos foguetes. Com isso, o mundo esteve próximo de uma guerra

nuclear, até que estabeleceu-se um compromisso formal entre os dois países: a União

Soviética faria a retirada dos mísseis, enquanto os Estados Unidos respeitassem a soberania de

33

Cuba. Assim, foi estabelecida uma “coexistência pacífica” entre as duas potências, embora

tenha ficado reforçada “a existência de um impasse atômico que permanece até os dias atuais”

(BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.43).

Dessa forma, estabeleceu-se uma nova ordem mundial:

Com o fim da Guerra Fria, restou apenas um mundo em desordem, e em colapso

parcial. A idéia alimentada pelos porta-vozes americanos, de que a velha ordem

bipolar podia ser substituída por uma nova ordem baseada na única superpotência

restante, tornou-se irrealista. Tudo havia mudado com a guerra. As conseqüências

econômicas e políticas do colapso da União Soviética e da Europa Ocidental foram

ainda maiores. O fim da Guerra Fria provou não ser o fim de um conflito

internacional, mas o fim de uma era para o mundo inteiro. Mas, embora todos

pudessem ver que o antigo mudava, havia uma incerteza sobre a natureza e as

perspectivas do novo fundamental na economia mundial e, conseqüentemente, na

sociedade. (BIASUS, 2008, p.36)

Paralelo aos conflitos de interesses políticos e econômicos e, principalmente depois do

fim dos mesmos, a população norte-americana gozava da situação na qual o país se

encontrava:

O desempenho da economia norte-americana possibilitou (...) a elaboração e a

difusão de uma cultura de consumo para a classe média branca. Com o país perto do

pleno emprego e com uma economia voltada para o apoio material aos seus aliados

da Segunda Guerra Mundial, milhões de norte-americanos viram-se livres da

condição de subsistência em que se encontravam na crise da década de 30

(BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.17).

Os avanços econômicos, somados com o retorno dos maridos ao lar, depois de um

longo período fora de casa, afastados pela guerra, geraram um grande crescimento no índice

de natalidade nos Estados Unidos, fenômeno denominado baby boom:

34

Numa época em que não faltavam empregos – nos países de Primeiro Mundo –, o

aumento populacional, que seria em um país de Terceiro Mundo motivo de

preocupação, era, para os norte-americanos, motivo de “euforia”: o aumento da

população (...) era também um aumento no número de consumidores, o que se traduz

em um impulso para uma sociedade de consumo (LOPES, 2006).

Os autores Brandão e Duarte (1990) contextualizam essa relação entre o surgimento

do baby boom e suas conseqüências na sociedade de consumo norte-americana:

(...) a cultura consumista norte-americana prosperou num mercado em rápido

crescimento. Como as limitadas ambições dos anos 30 deram lugar às grandes

esperanças da era do pós-guerra, a família de dois filhos tornou-se inadequada para

o estilo de vida consumista da sociedade norte-americana. A explosão demográfica,

fonte de preocupação nos países subdesenvolvidos, para os Estados Unidos garantia

uma demanda de consumidores em constante aumento. Os soldados de volta a casa

(e a suas noivas) estavam decididos a recuperar o tempo perdido: a população

aumentou 33% entre 1940 e 1960. Portanto, a expansão econômica veio

acompanhada por uma explosão demográfica (...), para que novos norte-americanos

usufruíssem e participassem da emergente cultura de consumo (BRANDÃO;

DUARTE, 1990, p.19).

O baby boom era, também, uma conseqüência de uma sociedade que vivenciava

valores tradicionais e apresentava índices realmente baixos de divórcio. Os valores

conservadores estavam de volta: as pessoas casavam cedo e tinham filhos (Almanaque –

Banco de Dados Online da Folha de São Paulo). O modelo de família tradicional estava em

voga naquele momento:

Havia uma nítida distinção de papéis entre homens e mulheres. O lar era

considerado o “destino natural” da mulher e o homem exercia o papel de “chefe da

casa”. Para as meninas recomendava-se a boneca como o brinquedo que melhor se

adequava ao perfil de uma futura mãe. As donas de casa, preparadas para a

maternidade, davam ao marido as desculpas de que este precisava, para encontrar,

fora de casa, com prostitutas ou com amantes, o livre exercício de sua fantasia

sexual. Mulher desquitada não gozava de boa reputação (CARMO, 2000, p.21).

35

Figura 6 – Anúncio publicitário do período, retratando a típica dona de casa.

(http://www.rostinhosbonitos.com/)

As garotas, além de serem educadas para o casamento e a maternidade, tinham uma

série de padrões de comportamento exigidos pela sociedade. Mas o mundo estava começando

a mudar, e algumas garotas já se rebelavam contra as tradições:

As jovens eram separadas em dois tipos: as moças de família, que impunham

respeito social, futuras rainhas do lar que conservavam sua inocência sexual,

mantendo-se virgens como garantia de honra até o casamento; as moças levianas,

que, desviando-se do bom caminho, permitiam certas intimidades físicas com os

rapazes e, conseqüentemente, ficavam mal-faladas. O cinema, principalmente o

francês, era considerado pernicioso para a conduta da jovem. As revistas alertavam

que os rapazes podiam até namorar moças levianas, mas não queriam casar-se com

elas. (...)

As garotas mais ousadas começavam a usar calça comprida e a aceitar “carona” na

garupa de lambretas ou, ainda, a namorar na intimidade reclusa dos automóveis,

com o risco de manchar sua reputação se fossem vistas em situação de intimidade

com um homem ou se saíssem com muitos rapazes. (CARMO, 2000, p.21-22)

36

Por outro lado, existia em meio à sociedade “um impulso generalizado de satisfazer os

desejos reprimidos durante a guerra. A explosão cultural verifica-se em todos os campos (...)”

(MOUTINHO; VALENÇA, 2001 apud HOFFMANN, 2008, p.34). O crescente

desenvolvimento da tecnologia fez com que os meios de comunicação (fotografia, disco,

cinema, rádio, televisão, etc.) passassem a atingir um grande número de pessoas, dando

origem ao que chamamos de “cultura de massa”:

Ao contrário das culturas erudita e popular, a cultura de massa não está ligada a

nenhum grupo social específico, pois é transmitida de maneira industrializada, para

um público generalizado, de diferentes camadas sócio-econômicas. O que temos,

então, é a formação de um enorme mercado de consumidores em potencial, atraídos

pelos produtos oferecidos pela indústria cultural. Esse mercado constitui, na

verdade, a chamada “sociedade de consumo” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.11).

Além da explosão cultural acontecendo, o jovem estava mais independente

financeiramente. Com a reestruturação dos lares e a “prosperidade e pleno emprego da Era do

Ouro” (HOBSBAWM, 1998 apud HOFFMANN, 2008, p.40), mães e filhos também estavam

no mercado de trabalho. Esse fato aumentava o poder de consumo das famílias, fazendo com

que o jovem não mais precisasse ajudar nas despesas domésticas, sobrando mais dinheiro para

seus consumos pessoais.

A população mundial estava mais jovem do que nunca, e o nascimento de uma cultura

jovem global despertou interesse de fabricantes de bens de consumo que passaram a produzir

produtos específicos para esse “novo consumidor”. Os produtos destinados a esse “novo

alvo” iam “do jeans ao fast food18, passando pelo cinema, pela televisão e, é claro, pela

música” (LOPES, 2006).

Essa era uma “juventude abastada e consumista, que vivia com o conforto que a

modernidade lhes oferecia” (Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo).

Os jovens desse período passam a ser o tipo de consumidor que, a partir de então, viraria

“tudo de cabeça para baixo”. É o que a editora de moda Diana Vreeland definiu como

Youthquake ou “Terremoto Jovem” (PALOMINO, 2003, p.58). Dessa maneira:

A cultura jovem tornou-se a matriz da revolução cultural no sentido mais amplo de

uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes

18 Numa tradução literal, “comida rápida”. Maneira com que chamamos as comidas de lanchonetes.

37

comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e

mulheres urbanos (HOBSBAWM, 1998 apud HOFFMANN, 2008, p.41).

Uma boa parte da indústria cultural estava sendo destinada a estes jovens, e para eles

também um mercado especializado se formava. Uma vasta gama de produtos, como

“pranchas de surf, radinhos de pilha, revistas, filmes e, principalmente, (...) discos de música”

(BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.19) estavam sendo produzidos.

Maria Rita Kehl, em artigo na revista Outro Olhar, contextualiza esse processo

evolutivo, baseada em estudo de Isleide Fontenelle sobre a expansão da marca McDonald’s,

onde se fala sobre a emergência dessa cultura adolescente na sociedade norte americana na

década de 50, “anos dourados do pós-guerra”:

A “cultura dos jovens” de que se passa a falar nos anos 60 começara bem antes e já

se podiam vislumbrar todas as suas características no início dos anos 50. Era um

perfil de um adolescente diferente das gerações anteriores, em função de seu

“número, riqueza, autoconsciência. Tratava-se da primeira geração de adolescentes

(...) privilegiados. A figura do adolescente que de tal modo emergia era associada,

sobretudo, à vida urbana e encontrava seu habitat na high school19 – que parecia

transformada num cosmos em si mesmo – com os clubes, as atividades esportivas e

outras atividades e lugares acessórios como a drugstore20, o automóvel, o bar para os

jovens.” Uma geração vista como problemática, mas, também, como espelho refletor

da sociedade americana do pós-guerra: “muita da insistência sobre os jovens como

consumidores – novo e gigantesco mercado que se abria à venda de Coca-Cola,

goma de mascar, balas, discos, roupas, cosméticos, acessórios para carros e carros

usados – podia ser transmitida, apesar dos tons de escândalo, ao prazer secreto de

ver confirmada a filosofia do consumo que representava uma bíblia de bem-estar

americano” (KEHL, 2007, p.44).

19 Nível escolar que equivale ao Ensino Médio brasileiro. 20 Farmácia, drogaria.

38

Figura 7 – Lanchonetes drive-in, onde os jovens da época costumavam se reunir.

(http://www.antiquewhs.com/)

Essa infinidade de novos bens de consumo surgia impulsionada pela prosperidade

financeira e para impulsionar o consumismo. A fim de manter a economia interna do país

estável e em contínuo crescimento, os fabricantes e as agências de publicidade encarregavam-

se de incentivar os cidadãos a consumir cada vez mais:

O norte-americano de classe média devia acreditar na prosperidade econômica do

país. Toda a economia e o avanço científico dos anos de guerra se voltavam agora

para o lar. Um universo mágico de fabulosas máquinas (eletrodomésticos) surgia

para resolver todos os problemas do homem comum, apesar de alguns desses

aparelhos serem supérfluos e totalmente inúteis. O consumismo era o melhor

antídoto contra o comunismo, servindo de propaganda e mostrando ao mundo toda a

abundância e superioridade material do povo norte-americano (BRANDÃO;

DUARTE, 1990, p.17).

Amparados por uma economia em crescimento e incentivados por novos movimentos

culturais, os jovens passaram a criar sua própria cultura, que incluía vestimentas diferenciadas

dos mais velhos e preferências musicais diferenciadas. Embora se fale que a indústria cultural

“inventou” a cultura jovem, o que de fato aconteceu foi uma adaptação da mesma em função

dos anseios que estavam surgindo nesses jovens que cresciam em meio a um mundo de

transformações:

39

Ela (a indústria) foi surpreendida pelo público e teve que se adaptar às suas

exigências. Isso fica claro no caso do rock and roll. O mercado fonográfico

americano no início dos anos cinqüenta refletia o racismo de sua sociedade: havia

música “padrão” para brancos, música para negros e música para brancos pobres. O

mercado musical era dominado por músicas banais que não se identificavam com o

dia-a-dia dos adolescentes, então, esses buscaram a contestação dos ritmos

marginais, procurando na música negra (blues, gospel, jazz e rythm blues) com

elementos do country-and-western (LOPES, 2006).

Os jovens que haviam crescido em meio à insegurança da guerra muitas vezes

encaravam esse “novo mundo”, impulsionado pela indústria cultural e pelas facilidades de

compra, “de uma forma confusa e ansiavam por maiores espaços: mesmo fora do mercado de

trabalho, a necessidade de consumir, criada pelo marketing, fazia emergir o ‘desajuste’ desses

jovens” (LOPES, 2006). Segundo Friedlander (2006), essa nova geração de jovens estava

“amadurecendo e questionando o seu papel na sociedade” (FRIEDLANDER, 2006 apud

BIASUS, 2008, p.51).

Era um período de oposições e contrastes: “enquanto uns consumiam e se encantavam

com as novidades e a fartura, outros entravam em crise existencial para refletir sobre a

multidão submissa e conformada instaurada nesse período” (HOFFMANN, 2008, p.12).

Brandão e Duarte ainda afirmam que:

Com a explosão demográfica e a expansão econômica dos EUA, durante e após a

Segunda Guerra Mundial, a população jovem norte-americana aumentou

consideravelmente. Apesar do progresso e da industrialização, a sociedade norte-

americana permaneceu com valores morais arcaicos e preconceituosos, criando um

vazio e uma insatisfação na juventude, principalmente da classe média.

É dentro desse contexto que surge uma cultura própria da juventude, reflexo de suas

tendências comportamentais de revolta, expressa principalmente pela música, de

forma individualizada ou em pequenos grupos. A partir daí começa a se configurar a

formação de um mercado consumidor constituído basicamente por jovens de

diferentes classes sociais.

Embora estivesse inicialmente fora dos padrões preconizados pela sociedade

estabelecida, a cultura jovem passou a ser devidamente assimilada e comercializada

pela indústria cultural, que a divulgou através dos meios de comunicação, tornando-

a universal (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.12).

40

A identificação desse movimento e a adaptação da indústria para o mesmo rendeu

muitos frutos, em especial para a indústria fonográfica. Enquanto os jovens contestavam a

sociedade, a mesma consumia essa contestação (BIASUS, 2008):

A partir de 1955, quando nasceu o rock and roll, até 1959, as vendas de discos

norte-americanas cresceram 35 por cento a cada ano. Depois de uma pequena pausa,

a invasão britânica de 196321, liderada pelos Beatles, iniciou um crescimento ainda

mais espetacular: as vendas de discos nos EUA, que tinham aumentado de US$227

milhões em 1955 para US$600 milhões em 1959, tinham ultrapassado os US$2

bilhões em 1973 (incluindo agora as fitas). (...) As fortunas comerciais da indústria

de discos nunca tinham dependido tanto de um só gênero musical, dirigido a uma

faixa etária tão estreita (HOBSBAWN, 1990 apud BIASUS, 2008, p.49).

Segundo Brandão e Duarte (1990), foi nesse momento, após o “estouro” de “Rock

Arround The Clock”, de Bill Halley e seus Cometas, através do filme “Sementes de

Violência” (1955), que se iniciou a comercialização da chamada “cultura rock”:

A partir de então, a indústria cultural norte-americana desenvolve-se a mil por hora.

Gravadoras, rádios, cinema e televisão, percebendo o mercado que se abria com o

rock’n’roll e o seu estilo de vida, voltam-se para essa emergente cultura jovem,

estimulando cada vez mais o seu consumo. (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.21)

A vontade dos jovens de se mostrarem diferentes das gerações anteriores era tamanha

que esse aspecto passou, inclusive, a ser usado como estratégia de marketing:

O sucesso crescente (dos Rolling Stones) enfurecia ainda mais os britânicos mais

velhos, e Andrew22 só precisava dar um empurrãozinho para transformar essa

rejeição numa bola de neve perfeita para badalar a imagem rebelde e “selvagem”

dos Rolling Stones. Ciente de que enfatizar a oposição dos adultos aos Stones só

ajudaria a tornar a banda mais atraente para os jovens. Andrew jogava mais lenha na

fogueira, divulgando insanidades hilariantes que a imprensa, sem nem por um

segundo questionar o que ele dizia, se alegrava em espalhar. Coisas do tipo: “Eles

não tomam banho direito e não ligam muito para roupas. Não tocam música

comportadinha, o som deles é cru e masculino.” É claro que o truque deu certo

(RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.59).

21 Falaremos dela na página 96. 22 Andrew Oldhan, agente da banda

41

Ainda sobre a absorção da rebeldia juvenil pela indústria de bens de consumo e

culturais, Carmo (2000) afirma que “através da publicidade e do consumo, o tão contestado

sistema logo se apoderou dos símbolos e valores dos movimentos libertários juvenis brotados

nos anos 60, transformando os sonhos em mercadorias nas prateleiras” (CARMO, 2000,

P.206). O cinema foi um desses nichos da indústria cultural a absorver a rebeldia juvenil e,

automaticamente, influenciar os demais jovens:

Através do cinema difundiram-se novos modelos de comportamento – como heróis

rebeldes vividos por Marlon Brando e James Dean, símbolos de uma juventude

cujos problemas e anseios eram ignorados pela “sabedoria adulta”.

A violência e o inconformismo da juventude do pós-guerra foram o novo filão

descoberto por Hollywood. James Dean (1931-1955) será um dos maiores mitos da

rebeldia e quem melhor sintetizará as inseguranças e a violência sofridas por essa

geração. O filme Juventude Transviada retrata com certo ardor temas novos para a

sociedade conservadora e disciplinadora da época: a rebeldia juvenil, a sexualidade

reprimida e a carência afetiva da solidão em família.

O ator encarnava o personagem e, ainda jovem, morreria em um acidente de

automóvel. Criou-se o mito James Dean, em que os contornos de seus personagens

mesclavam-se à sua vida pessoal. Surgia assim uma maneira diferente e chocante de

encarar à vida: “Viver o mais intensamente, arriscar sempre”.

Os adolescentes identificaram-se de imediato com o angustiado rapaz de classe

média desamparado por um pai retraído e a mãe dominadora. O “personagem” Dean

criava a imagem de um jovem pensativo, melancólico, sentindo-se frustrado e

desorientado. (...)

Uma rebeldia ainda ingênua e um desejo de “viver intensamente” brotavam na

juventude ocidental. (CARMO, 2000, p.31)

A influência do filme Juventude Transviada foi tamanha nesse período que o termo

passou a ser utilizado para designar essa geração, com seu estilo e comportamentos

característicos:

É a chamada juventude transviada, com suas gangues, motocicletas e revolta contra

os professores na sala de aula. Já começava a delinear-se uma consciência etária se

alimentando a oposição jovem/não-jovem. Para a juventude americana, a iniciação

sexual se dava bem longe dos olhos dos pais. Ela ocorria nos bancos dos automóveis

estacionados em drive-ins e estradas desertas, embalada à musica que ecoava no

rádio dos carros (CARMO, 2000, p.32).

42

Essa expansão da rebeldia juvenil, impulsionada por esses ídolos rebeldes e pelo

nascimento do rock’n’roll, foi de suma importância para o surgimento de uma moda

especificamente jovem e sua massificação. O blue jeans torna-se popular através dos jovens

que queriam diferenciar-se dos pais, e esse estilo informal pode ser tido como uma rejeição

dos valores das gerações paternas. O rock e o blue jeans “se tornaram marcas da juventude

moderna, mas minorias destinadas a tornar-se maiorias, em todo país onde eram oficialmente

tolerados e em alguns onde não eram, como na URSS a partir da década de 1960”

(HOBSBAWN, 2003 apud BIASUS, 2008, p.44).

Nesse mesmo sentido, Hoffmann também cita Hobsbawn:

A nova “autonomia” da juventude como uma camada social separada foi

simbolizada por um fenômeno que, nessa escala, provavelmente não teve paralelo

desde a era romântica do início do século XIX: o herói cuja vida e juventude

acabavam juntas. Essa figura, antecipada na década de 1950 pelo astro James Dean,

foi comum, talvez mesmo um ideal típico, no que se tornou a expressão cultural

característica da juventude – o rock (HOBSBAWN, 1998 apud HOFFMANN, 2008,

p.39).

Figura 8 – O ator James Dean no filme “Rebelde sem Causa” (Rebel without a Cause).

(http://childofthemoon.blogspot.com)

43

Nesse mesmo momento, na Europa, jovens proletários que idolatravam Elvis Presley,

vestiam-se de maneira opulenta – o mesmo que aconteceria com os mods na década seguinte,

como veremos no capítulo 2 –: eram os teddyboys. Em sua maioria sem muita instrução, os

teddyboys utilizavam uma indumentária que remetia às altas classes, como maneira de

amenizar a diferença que sentiam em meio à sociedade, por causa de sua baixa classe social e

seus trabalhos em geral braçais. Seu estilo “inclui penteados elaborados (...), paletós

drapeados, engomados, compridos e pseudo-eduardianos (...), sapatos de sola grossa de crepe

(...) e gravatas estreitas” (SHUKER, 1999) .

Alguns grupos de teddyboys tornavam-se violentos, formando gangues e arranjando

brigas em cinemas e bailes:

Os teds haviam ficado à margem da sociedade britânica (...), quando uma série de

incidentes violentos envolvendo delinqüentes juvenis vestidos com jaquetas

eduardianas compridas passou a ganhar cada vez mais espaço na imprensa. Eles

personificavam o exemplo clássico de rebeldia juvenil; bebiam, brigavam,

transavam, desafiavam as convenções e manifestavam-se vestidos como macabros

agentes funerários. Seu uniforme, em particular, chamava atenção crítica para o

número exíguo deles. Seu estilo híbrido era adaptado de uma fusão entre

homossexuais londrinos do pós-guerra – que usavam meios-colarinhos de veludo em

jaquetas eduardianas – e as gangues de motoqueiros do tipo encarnado por Marlon

Brando no filme O Selvagem. Uma gravata amarrada com um cadarço era

adicionada para impressionar, juntamente com calças jeans justas, chamadas

drainpipes (cano de esgoto) ou “drainies”, sapatos de sola de borracha esponjosa e

enrrugada conhecidos como “rastejadores de bordel”, costeletas e cabelo comprido

com muita brilhantina e penteado para frente até o meio da testa. Temperado com

uma dose de rock agressivo, o resultado era um novo espécime de adolescente

(SPITZ, 2007, p.42).

Em meio a esse mundo de transformações e de culturas massificadas surgia aquilo que

daria início ao conceito de contracultura e influenciaria os demais subgrupos sociais que

viriam posteriormente: o movimento beat. Segundo Hoffmann (2008), esse movimento

expressava uma clara manifestação de sentimentos que vinham perturbando a sociedade, em

44

especial os mais jovens. E essa “reação contra o establishment23” teve seu nascimento

justamente onde “a tecnocracia24 atingia o auge de seu desenvolvimento: os Estados Unidos”

(HOFFMANN, 2008, p.43), mais especificamente na cidade de São Francisco.

Iniciado por Jack Kerouac25 e consolidado por seus seguidores – William Burroughs,

Allen Ginsberg e Cassady (HOFFMANN, 2008) –, o movimento beat traduzia-se em “gestos

de desobediência” e tinha como origem “a frustração do meio intelectual que vivia a Guerra

Fria, o temor de uma guerra nuclear26, entre outros conflitos” (TAVARES, 1983 apud

HOFFMANN, 2008, p.42). Essa geração “sem futuro” era composta por estudantes, poetas,

artistas e escritores:

Inconformados, os escritores da chamada beat generation buscavam refletir sobre a

multidão solitária absorvida pela ânsia de segurança, pela submissão generalizada,

pelo conformismo e pela necessidade de identificação com a imagem que a

sociedade exige de cada um (CARMO, 2000, p.29).

O inconformismo e o espírito de contestação desta geração começam de fato e ganham

amplitude com a publicação de On the Road (Pé na Estrada)27, de Kerouac. O livro, tido

como a “bíblia” dessa geração e o iniciador da contracultura, influenciou toda uma juventude

que se deslumbrava com os relatos de vida nômade: “a estrada simboliza a viagem sem rumo

como os conquistadores errantes do faroeste americano de outrora” (CARMO, 2000, p.28).

Escrito em 1951 e publicado em 1957, o livro conta:

23 O sistema, o grupo dominante de uma sociedade (CARMO apud HOFFMANN, 2008). 24 A sociedade onde o aparato industrial atinge o ápice da sua integração organizacional e “na qual seus governantes justificam-se através de especialistas técnicos que, por sua vez, se justificam através de formas cientfícas de conhecimento para além das quais não cabe recurso algum. Tem como característica a capacidade de se fazer ideologicamente invisível, expande seu poder como um imperativo cultural incontestável” (PEÇANHA apud HOFFMANN, 2008). 25 Jack Kerouac (1922-1969), escritor norte-americano tido como o maior ícone e um dos precursores do movimento beat. 26 Naqueles anos, o mundo descobria um novo medo: a ameaça permanente da guerra nuclear (CARMO, 2000, p.29). 27 “On the Road” é o segundo romance de Jack Kerouac, e sua publicação é um evento histórico, na medida em que o surgimento de uma genuína obra de arte concorre para desvendar o espírito de uma época. (...) É a mais belamente executada, a mais límpida, e se constitui na mais importante manifestação feita até agora pela geração que o próprio Kerouac, anos atrás, batizou de beat e da qual o principal avatar é ele mesmo (MILLSTEIN apud BUENO, na introdução de KEROUAC, 2008, p.7).

45

(...) as experiências e atitudes de um grupo de agitados jovens norte-americanos,

loucos para viver emoções fortes e cujos principais interesses na vida, além da

literatura, giravam em torno de viagens, estradas, agitadas festas, jazz, sexo, carona,

drogas. Andavam mal barbeados, cabelos em desalinho, irreverentes e rebeldes.

Através da recém inaugurada rodovia Rota 66 e outras estradas, cruzaram os Estados

Unidos em carro próprio ou carona de um lado para outro. Era um jeito diferente de

viver o mito do vagabundo (CARMO, 2000, p.28).

O termo beat, que contemplava um movimento literário28, poético e comportamental,

podia ser traduzido como beatitude, santificação, mas também como “batida” (do jazz),

embalo, ritmo (“usado também pra expressar cansaço, saturação”). A expressão remetia às

batidas, ao ritmo compassado daquele momento. O nome Beatles, inclusive, derivou da fusão

das palavras beat e beetles29 (CARMO, 2000, p.28). Outros artistas também foram

influenciados pela obra literária de Kerouac:

A questão é que tal geração se multiplicou em muitas. Bob Dylan fugiu de casa

depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de

Pixote, também. Jim Morrisson fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o

livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob

Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack (...), como o

próprio pai fizera, vinte anos antes (BUENO, na introdução de KEROUAC, 2008,

p.12).

Logo a imprensa, contrariando a contestação dos beats criou, com intenção

depreciativa, a expressão beatnik, que consistia da fusão de beat com nik, terminação da

palavra Sputnik, o primeiro satélite soviético lançado no espaço, em 1957. O termo tinha a

intenção de designar “os rebeldes jovens americanos aludindo à suposta simpatia deles pelas

idéias esquerdistas e de revolta contra o conformismo” (CARMO, 2000, p.29).

O movimento beat pode ser considerado uma das expressões mais significativas da

contracultura. Foi com ele que surgiu “o primeiro movimento literário verdadeiramente

28 O estilo literário beat pode ser considerado “laudatório, verborrágico, impressionista, vertiginoso, incontido, ‘espontâneo’, repleto de sonoridade, de gíria, de coloquialismo e de aliterações (...)” (BUENO, na introdução de KEROUAC, 2008, p.11). 29 Besouros

46

popular que acontecia nos Estados Unidos desde a Geração Perdida da Década de 2030”

(PEÇANHA, 1987 apud HOFFMANN, 2008, p.43). Além disso, deixou também marcas na

história da arte tendo como ícone o artista plástico Jackson Pollock31 – amigo de Jack

Kerouac e conhecido como Jack the Dripper.

Para os críticos, eles eram apenas jovens burgueses revoltados com suas próprias

vidas. Mas, rejeitando os velhos valores burgueses, os beats iniciavam um movimento de

valorização da espontaneidade e da natureza, além da “expansão da percepção”, oportunizada

pelas drogas, pelo jazz e pelas religiões orientais (CARMO, 2000, p.28):

Allen Ginsberg (1926-1997) fazia freqüente uso de alucinógenos a fim de ampliar a

percepção e a sensibilidade poética. E todos eles buscavam uma outra ordem

espiritual: a “viagem” interna.

Outro membro, embora mais independente da geração beat, William Burroughs

(1914-1997), mais velho que os demais, se tornara célebre pela variedade e

quantidade de drogas que já experimentara. Seu primeiro livro, Junky (em inglês

“drogado”), de 1953, retrata como ir a fundo no vício. Trata-se obviamente das

“fissuras” provocadas pelas drogas pesadas: dependência, delírios, devaneios e

visões alteradas (CARMO, 2000, p.28-29).

Os beats estavam relacionados com os existencialistas franceses surgidos no pós-

guerra. Tendo como “papa” (CARMO, 2000) o filósofo Jean-Paul Sarte (1905-1980), o

existencialismo era uma corrente de pensamento surgida na França, no período que sucedeu à

Segunda Guerra Mundial:

Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de filósofos franceses refletia sobre a

angústia da existência humana. O impacto da experiência traumática das guerras

mundiais havia gerado ampla discussão entre alguns intelectuais, e se tornara moda

particularmente entre os jovens. Tratava-se do existencialismo (CARMO, 2000,

p.25).

30 Grupo de literários norte-americanos que viviam na Europa, especialmente em Paris, na década de 20. Dentre eles, destacavam-se Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. Além de escritores, alguns músicos do jazz também fizeram parte do movimento. 31 Pintor norte-americano que foi referência no movimento do expressionismo abstrato.

47

O existencialismo era um fenômeno e se espalhava com facilidade pelo mundo. Com a

juventude politizada que se formava no Brasil, não foi diferente. Até as festividades

carnavalescas foram influenciadas por esse movimento, com a criação da marchinha

“Chiquita Bacana”, que tratava de uma mulher existencialista “que só se cobria com uma

casca de banana” (CARMO, 2000, p.25). A repercussão foi tamanha que a música chegou a

ganhar uma versão francesa – e, posteriormente, foi gravada também na Argentina, Itália,

Holanda, Inglaterra e nos Estados Unidos. Toda essa repercussão espelhava o fato de que o

existencialismo era o reflexo de um clima espiritual que atingia o mundo inteiro:

Descrente da capacidade de a humanidade solucionar racionalmente seus problemas,

a juventude do pós-guerra se via tomada por uma sensação de desânimo e desespero.

Isso, porém, não resultava em inatividade absoluta. Os existencialistas, ateus, deram

a essa juventude novas formas de pensar o mundo, a partir do pressuposto de que

existir já é um enorme absurdo.

O primeiro objeto de reflexão filosófica dessa doutrina é o homem, não na sua

essência ou no mundo das idéias, mas na sua existência concreta. Os filósofos

afirmam que somos os arquitetos de nossas vidas, os construtores de nosso próprio

destino, embora submetidos a limitações reais do dia-a-dia. Numa espécie de

inversão da proposição de Descartes (Penso, logo existo), o núcleo seria “existo,

logo penso”. Paralelamente procuram desvendar o mundo interior do ser humano, a

solidão, o sentimento de revolta (CARMO, 2000, p.25-26).

O existencialismo influenciava toda uma geração que se encontrava desolada e

buscava algum sentido na vida. Mas não era apenas sobre os nichos intelectuais que

movimento se refletia:

Com rigor acadêmico, muitos (jovens) mergulhavam na filosofia existencialista;

outros, mais superficiais, direcionavam-se para o que o movimento tinha de mais

evidente: a moda. As famílias mais conservadoras da época viam com apreensão o

perigo que o existencialismo representava para os seus filhos. Para os meios de

comunicação, ele representava um estilo de vida, uma forma de comportamento ou

qualquer atitude excêntrica, criando, assim, certa mitologia em torno do movimento

e de seus seguidores (CARMO, 2000, p.26).

48

Como vemos na análise de Carmo, embora o existencialismo tivesse seu ponto inicial

na filosofia, onde os pensadores buscavam sentido na vida e debatiam sobre o livre arbítrio do

ser humano, o movimento acabou por determinar o comportamento e o estilo de vida de toda

uma geração de jovens que procuravam “encontrar o seu eu”. Com um estilo de vestir que

beirava a melancolia – bem como suas idéias –, esses jovens reuniam-se em cafés,

especialmente em Paris, para beber, ouvir jazz, recitar poemas pacifistas e discutir suas idéias.

A melancolia e a permissividade desses jovens eram apenas um reflexo do mundo em que

viviam e do seu descontentamento com os rumos da sociedade, mas eram vistos de maneira

negativa pelas gerações mais velhas:

A imaginação popular distorcia a figura do existencialista: recusa às normas

estabelecidas, aparência descuidada, cabelos abundantes, amargura e desrespeito à

moral tradicional, entrega aos prazeres da vida. Considerava-se que se preocupavam

apenas em explorar o lado melancólico da existência humana, o desespero, e se

compraziam no tédio. “Existencialista” passou a designar as pessoas que se

desviavam do procedimento usual ou que infringiam as regras estabelecidas.

Jovens com trajes em desalinho, displicentes, com barbas, com casacos de couro

preto, (...) bebiam e dançavam, ouvindo jazz.

Sartre passou a ser o responsável pelo suposto caráter permissivo, em particular dos

adolescentes atormentados da época. “A vida não tem sentido, Deus está morto, não

existe lei moral, o homem é uma paixão inútil”. Ao falar dessa maneira, o filósofo

insuflava os jovens, os rebeldes e os descontentes. Na verdade, porém, Sartre não

traz solução para os adolescentes sem rumo. Mas em todo o mundo, e em particular

no continente americano, foi entendido como a voz da rebelião e da liberdade

(CARMO, 2000, p.27).

Sobre o estilo melancólico dos beats e existencialistas, vemos a análise de Wilson

(1985), citado por Hoffmann (2008):

À medida que os beatniks exageravam os lábios pálidos, os cabelos lisos e as roupas

pretas e o tornavam uma espécie de uniforme de revolta, e que Mary Quant

transformava na última moda. A utilização do preto pelos beatniks vinha das modas

existencialistas do pós-guerra, da margem esquerda de Paris, apesar de o preto ser a

muito tempo o sinal da revolta anti-burguesa. (...) A combinação das influências dos

dandies e dos românticos que transformava o preto numa afirmação estrondosa de

revolta (WILSON, 1985 apud HOFFMANN, 2008, p.49-50).

49

Os beats podem ser considerados influenciadores dos movimentos que viriam em

seguida. Os posteriores mods e hippies podem ser considerados “continuadores de um estilo

de vida, princípios e objetivos delineados por aquela geração”. (PEÇANHA, 1987 apud

HOFFMANN, 2008, p.47).

Nesse momento, com o crescimento dos meios de comunicação, o Brasil já começava

a acompanhar parte do desenvolvimento e dos movimentos que aconteciam nos países de

primeiro mundo:

O rádio era a grande porta de evasão e mobiliza desejos. Concursos de Miss

Universo e de Rainha do Rádio eram verdadeiras guerras. Ângela Maria e Cauby

Peixoto são os dois cantores mais populares da época. Ouvia-se rádio costurando na

máquina Singer com tecidos comprados nas Casas Pernambucanas. (...) Na porta de

casa, apanhava-se o leite em garrafa e nas raras lanchonetes tomava-se milk-shake.

Estavam em uso uma vestimenta sintética, o Ban-Lon32, as jaquetas de couro, as

calças de brim coringa e os mocassins. (...) Ginástica era coisa de academia militar.

Comiam-se frituras sem se preocupar com o nível de colesterol (CARMO, 2000,

p.18).

Carmo (2000) fala ainda sobre o desenvolvimento cultural do país, afirmando que o

Brasil “respira cultura”. No cinema, destacavam-se as chanchadas33 através de nomes como

Dercy Gonçalves, Grande Otelo e Oscarito. Na música, João Gilberto dava início ao

movimento da bossa nova34. As bienais de arte de São Paulo ganham projeção internacional.

As revistas O Cruzeiro e Manchete atingiam seu ápice de vendas, mesmo com altos índices de

analfabetismo: “em um país com tantos analfabetos, as imagens proporcionadas pela

fotografia das revistas abriam uma janela para o mundo” (CARMO, 2000, p.19).

Apesar dessa falta de estudo da população, o avanço cultural proporcionava uma

valorização do futuro que refletia nos ideários dos pais, que sonhavam: “filho meu vai ser

engenheiro, médico ou funcionário do Banco do Brasil” (CARMO, 2000, p.18). O teatro era

visto como algo elitista e trazia sucessos de Nova Iorque e Paris. Mas, aos poucos, foram

surgindo grupos de teatro marginalizados, que se preocupavam em retratar a realidade social

do país e trabalhavam com baixos orçamentos e atores desconhecidos. “Surgia um público

interessado nesse tipo de espetáculo, principalmente o segmento estudantil” (CARMO, 2000,

p.19).

32 Espécie de tecido sintético muito utilizado na época. 33 Espetáculo ou cinema humorístico popular, em que predomina o humor ingênuo, simples. 34 Gênero musical brasileiro surgido no final da década de 50.

50

A massa jovem estudante era a responsável pela maior parte das revoluções culturais

que aconteciam naquele momento. A arte marginal, os movimentos estudantis e a política de

esquerda eram movimentos ativos e interligados:

O país respirava cultura e era mais democrático. O Partido Comunista, mesmo

clandestino, atuava intensamente. Com isso, as greves eram atribuídas a comunistas

e desordeiros. Em São Paulo, uma das maiores greves da década foi a dos trezentos

mil, em 1953, no governo de Vargas, e a dos quatrocentos mil, em 1957, no

governo de Juscelino Kubitschek. (...)

O Rio de Janeiro, como capital federal, vivia e respirava política. Na sede da União

Nacional dos Estudantes (UNE), na praia do Flamengo, os universitários

promoviam acaloradas discussões sobre os grandes temas nacionais e já se

comentava a vida liberal do casal francês Simone de Beauvoir, escritora, e Jean-

Paul Sarte, filósofo, que, na década de 50, moravam em casas separadas e

aceitavam a infidelidade conjugal (CARMO, 2000, p.19-24).

Como podemos perceber, tanto nas artes quanto na política, era a juventude que ditava

as transformações daquele período, no Brasil e no mundo.

1.2.2. MODA:

Após períodos de crise, a moda costuma apresentar uma forte inclinação a aspectos de

luxo e nostalgia de momentos de segurança. O período que sucedeu a Segunda Guerra

Mundial deu origem a um novo movimento de feminilidade e glamour. Com o fim dos

conflitos e da escassez, houve uma reação contrária à militarização e à masculinização das

formas femininas que vinha sendo usada até então:

(...) A mulher quer ser feminina, glamurosa e sofisticada e está cansada das agruras

da guerra. A silhueta se inspira na segunda metade do século 19. Tem cintura

ressaltada, marcada, e volume na saia, que, ampla e larga, fica a 30 centímetros do

chão, com o busto e os ombros valorizados (...) (PALOMINO, 2003, p.57).

51

Tais influências de glamour, feminilidade e exagero vinham de todos os lados:

No cinema as imagens das estrelas de Hollywood, tais como Marilyn Monroe,

tornavam-se ícones femininos; o teatro também encantava um grande número de

pessoas; e ambos contribuíam para que houvesse a necessidade da mulher extravasar

estes desejos, através de alguns exageros na indumentária, que primava pela

elegância (HOFFMANN, 2008, p.35).

Figura 9 – A atriz Marilyn Monroe. (http://www.fashionbubbles.com/)

O estilista Christian Dior35, em fevereiro de 1947, propôs um visual que traduzia

perfeitamente esse anseio. Tratava-se de um visual delicado e chique, com cinturas finas e

marcadas, “ancas” arredondadas com saias amplas e rodadas, ombros suaves e decaídos em

oposição ao look da década anterior e blusas estruturadas. Ainda adornavam o look luvas

longas, estolas de pele, sapatos de saltos altos, jóias e grandes chapéus. A esse visual deu-se o

nome de New Look:

35 Christian Dior (1905-1957) foi um estilista francês que, em 1947, abriu sua própria Maison patrocinado por um magnata alemão. (http://carolnasserstore.wordpress.com/2009/10/01/christian-dior-e-o-new-look-1905-1957/)

52

Quem batiza a nova moda é a editora de moda americana Carmel Snow, da revista

Harper’s Bazaar, que escreve: It’s a New Look (“É uma Nova Imagem”).

A silhueta do New Look se consolida, com muito tomara-que-caia e uma

feminilidade toda especial (PALOMINO, 2003, p.57).

Figura 10 – “New Look de Dior”: cintura marcada e ancas arredondadas.

(http://www.fashionbubbles.com/)

Alguns vestidos “rodados”, amplos e de comprimento na altura do tornozelo

chegavam a levar muitos metros de tecido em sua confecção. Esse exagero causou a ira da

Câmara de Comércio britânica, pois a escassez de muitos produtos ainda assolava o país, e

essa moda era considerada frívola diante da situação em que o mundo se encontrava (LAVER,

1989, p.256-257):

Cercado de polêmicas; muitos achavam que o New Look acentuava as diferenças de

classe, porque era visto como símbolo de opulência e grito de libertação feminino –

as mulheres queriam ser isentadas das responsabilidades que a guerra trouxera para

elas. Seus anseios eram: carinho e proteção. A nova maneira de vestir acabou se

53

tornando uma alavanca para o desenvolvimento da classe média, pois transmitia

uma elegância e bem-estar com a qual toda dona-de-casa queria estar envolvida.

(...)

A “mulher de Dior” enxergava “o mundo cor-de-rosa” – tinha um marido que

sustentava a casa, enquanto ela cuidava dos jardins e arrumava tudo de maneira fácil

e prática devido ao uso dos eletrodomésticos (Blog Fashion Bubbles, disponível em:

http://www.fashionbubbles.com/2008/flores-e-romantismo-para-o-verao-2009/).

Com isso, podemos perceber que a maneira de as mulheres vestirem-se ia ao encontro

com a maneira com que elas pensavam. Depois de terem os maridos afastados de casa pela

guerra, e verem muitas mulheres perdendo seus esposos, passaram a valorizar mais o

casamento e a família. Uma atmosfera de valores tradicionais pairava no ar:

Nesse contexto, a mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa

dona-de-casa, esposa e mãe. Vários aparelhos eletrodomésticos foram criados para

ajudá-la nessa tarefa difícil, como o aspirador de pó e a máquina de lavar roupas

(Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo).

Embora inicialmente se acreditasse que a moda seguiria o caminho da simplicidade,

acompanhando o rumo tomado em função da guerra, o New Look foi prontamente aceito pelas

mulheres, como jamais alguma outra moda havia sido (Almanaque – Banco de Dados Online

da Folha de São Paulo).

O visual opulento e feminino que influenciava o mundo e incomodava os atingidos

pela guerra não estava presente apenas nas propostas de Dior. A estilista Coco Chanel36

também foi responsável pela definição do estilo feminino do período:

Foi em 1955 que o famoso traje de tweed discretamente pespontado, com botões

duplos e saia abaixo do joelho teve sucesso mundial imediato. Acompanhado de

cinturão e bolsa, com correntes douradas, transformou-se no símbolo do estilo

Chanel (PALOMINO, 2003, p.56-57).

36 Gabrielle Bohnheur Chanel (1883 – 1971), considerada uma das maiores estilistas do século XX.

54

Figura 11 – Look Chanel da década de 50: tailleur em tweed, debruado (variante do pespontado),

composto de casaqueto sem gola e saia ligeiramente abaixo dos joelhos. (http://www.honors.umd.edu/)

Além da indumentária, os cuidados de beleza também foram fortemente

impulsionados nesse momento. Com o fim da guerra, a escassez dos cosméticos também tinha

seu fim, ocasionando uma grande valorização da beleza. Havia uma atmosfera de sofisticação

e uma necessidade de cuidar da aparência:

A maquiagem estava na moda e valorizava o olhar, o que levou a uma infinidade de

lançamentos de produtos para os olhos, um verdadeiro arsenal composto por

sombras, rímel, lápis para os olhos e sobrancelhas, além do indispensável

delineador. A maquiagem realçava a intensidade dos lábios e a palidez da pele, que

devia ser perfeita.

Grandes empresas, como a Revlon, Helena Rubistein, Elizabeth Arden e Estée

Lauder, gastavam muito em publicidade, era a explosão dos cosméticos. (...)

Era também o auge das tintas para cabelos, que passaram a fazer parte da vida de

dois milhões de mulheres – antes eram 500 –, e das loções alisadoras e fixadoras.

Os pemteados podiam ser coques ou rabos-de-cavalo, como os de Brigitte Bardot.

Os cabelos também ficaram um pouco mais curtos, com mechas caindo no rosto e as

franjas davam um ar de menina (Blog Fashion Bubbles, disponível em:

http://www.fashionbubbles.com/2008/flores-e-romantismo-para-o-verao-2009/).

55

Figura 12 – A atriz Ava Gardner. (http://www.twolia.com/blogs/daily-beauty-break/)

Entre as mulheres, dois estilos de beleza marcaram a década. O primeiro, o das

“ingênuas chiques”, teve como ícones as atrizes Grace Kelly e Audrey Hepburn, que tinham

em si naturalidade e jovialidade. O segundo, “sensual e fatal”, era o estilo das pin-ups

americanas, loiras e com seios fartos, e das atrizes Rita Hayworth e Ava Gardner. Apesar

dessa divisão, os maiores ícones e ideais de beleza feminina dos anos 50 foram Marilyn

Monroe e Brigitte Bardot, que traziam em seu estilo uma mescla dos dois supracitados, uma

“devastadora combinação de ingenuidade e sensualidade” (Almanaque – Banco de Dados

Online da Folha de São Paulo).

56

Figura 13 – A atriz e cantora Brigitte Bardot. (http://images.huffingtonpost.com/)

A moda masculina também passava por modificações, levada pelo sentimento

nostálgico. Paletós mais compridos e ajustados, com abotoamentos até o pescoço, calças

apertadas e chapéus-coco formavam um visual com claras influências eduardianas37.

Diferente da moda feminina, que apenas trazia em si uma saudosa influência de uma época

antiga, o look masculino era uma clara imitação das roupas do início do século (LAVER,

1989, p.257-258).

Além das mudanças no visual propriamente dito, havia também mudanças no

comportamento de consumo e nos negócios:

O desejo de moda expandiu-se com força, tornou-se um fenômeno geral, que diz

respeito a todas as camadas da sociedade. Na raiz do prêt-a-porter há essa

democratização última dos gostos de moda, trazida pelos ideais individualistas, pela

multiplicação das revistas femininas e pelo cinema, mas também pela vontade de

viver o presente e estimulada pela nova cultura hedonista de massa (LIPOVETSKY,

2005 apud HOFFMANN, 2008, p.32).

37 O período eduardiano trata-se do período que vai de 1901 a 1910, durante o reinado do Rei Eduardo VII. Embora o mesmo tenha morrido em 1910, os ingleses costumam ampliar a contextualização desse período até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914.

57

Enquanto a moda adulta era ditada por Paris, com a atmosfera sofisticada do new look,

fora de lá acontecia uma revolução jovem, impulsionada por adolescentes que não queriam

mais se vestir como suas mães (HOFFMANN, 2008, p.38):

A fragmentação do sistema da moda liga-se, ainda, à emergência de um fenômeno

historicamente inédito: as modas de jovens, modas marginais, que se apóiam em

critérios de ruptura com a moda profissional. Após a Segunda Guerra Mundial

aparecem as primeiras modas jovens minoritárias, (...) as primeiras anti-modas que,

a partir dos anos 1960, ganharão uma amplitude e uma significação novas

(LIPOVETSKY, 2005 apud HOFFMANN, 2008, p.41-42).

Inspiradas no sportswear americano (LAVER, 1989, p.260), as jovens assumem um

estilo mais despojado, college38, utilizando sapatilhas de balé, calças cigarrete até os

tornozelos, meias soquete e rabos de cavalo, além de saias rodadas e suéteres.

Os meninos, inspirados em ídolos como Marlon Brando e James Dean, se rebelam

utilizando jeans com barras dobradas, jaquetas de couro e camisetas de malha, além de

cabelos bem arrumados, com topetes e costeletas (STEFANI, 2005, p.28). Esse estilo

popularizou-se com o lançamento do filme “Juventude Transviada”, em 1955, onde o

protagonista James Dean caracterizava-se dessa maneira. Antes disso, o filme “Um Bonde

Chamado Desejo”, de 1951, já havia lançado a camiseta, utilizada por Marlon Brando. Até

então, as camisetas eram utilizadas apenas como “roupa de baixo” (underwear).

38 Estilo colegial.

58

Figura 14 – O ator Marlon Brando, no filme “Um Bonde Chamado Desejo”, levando a camiseta branca às

ruas. (http://curtocircuitocinema.zip.net/)

De acordo com Carmo (2000), a esse contexto ainda somavam-se outras características

visuais, como veículos e penteados específicos:

Nessa época os caríssimos automóveis Cadillacs começavam a fazer parte da cena

urbana (...), assim como a jaqueta de couro, a calça rancheira39 e as lambretas. Não

podia faltar a brilhantina40, para fazer o topete igual ao de Elvis, deixando crescer o

cabelo que antes era cortado no estilo “reco” (à escovinha) americano (CARMO,

2000, p.30).

Uma nova forma de comportamento para a juventude estava se formando. Esse novo

estilo era fortemente influenciado pelo rock que, mais do que um gênero musical, era um

símbolo de toda uma geração. Todavia, antes mesmo de o rock de fato se difundir, os jovens

já davam início a comportamentos que se transformariam em um grande fenômeno

revolucionário que influenciaria o estilo e comportamento da juventude por décadas:

(...) a principal diversão dos jovens nos fins de semana eram os bailinhos. De um

lado do salão ficavam os rapazes com topetes emplastados de brilhantina (...). Do

outro lado, as moças com requintados penteados fixados com laquê, vestidos

rodados com muita anágua, cintura fina, sutiãs com enchimentos que deixavam os

39 Nome dado às calças denim (jeans) utilizadas pelos trabalhadores do campo. Foram as precursoras das calças jeans que utilizamos hoje. 40 Cosmético utilizado para fixar o cabelo.

59

seios arrebitados. Muitas garotas ficavam ansiosas esperando não levar um “chá de

cadeira”. A bebida consumida era a Cuba Libre (rum com Coca Cola), enfatizando,

ainda mais, a libertação de Cuba do imperialismo norte-americano.

Dançava-se de rosto colado ao embalo da voz de Nat King Cole ou da orquestra de

Ray Connif. Mas depois de um determinado momento e ao som de Bill Haley, a

juventude “enlouquecia”. Além das sofisticadas pistas de dança dos “salões

alucinantes” havia também os bailinhos realizados na sala de casa ou na garagem ao

som das modernas vitrolas de “alta fidelidade” (hi-fi) (CARMO, 2000, p.34).

Segundo Baudot, nesse período uma “nova juventude aspira a ter acesso às boas coisas

do consumo em voga, e os privilégios se fazem menos gritantes e as diferenças mais

discretas” (BAUDOT, 2002, p.12). Nesse mesmo sentido, Laver afirma que:

A demanda de roupas jovens e sugestivas era grande, apesar de não atendida

imediatamente. Mary Quant abriu sua loja Bazaar na King’s Road, em 1958, a

princípio comprando as roupas, mas logo depois desenhando-as e produzindo-as. Ela

chamou a atenção para a necessidade de um bom estilo jovem e depois mostrou ser a

melhor qualificada para atendê-la (LAVER, 1989, p.261).

Figura 15 – Jovens passeando na King’s Road. (http://www.nickelinthemachine.com/)

Enquanto que, na Europa, a moda jovem explodia através de estilistas idependentes

como Mary Quant, na América do Norte as indústrias do prêt-a-porter iam ficando cada vez

60

mais fortes. Nos Estados Unidos, as técnicas de produção em massa já eram dominadas e as

peças do gosto dos mais jovens já eram produzidas e comercializadas em escala industrial.

Figura 16 – A estilista Mary Quant. (http://prosimetron.blogspot.com/)

Essa expansão do prêt-a-porter vislumbrada nesse período acabou por influenciar

fortemente o mercado da alta costura:

O prêt-a-porter passou a ser o principal pólo irradiador da criatividade, marcando o

declínio da alta-costura, que assiste ao fechamento de suas casas proporcionalmente

à diminuição da clientela. Apenas como parâmetro: de meados dos anos 1950 até

1965, o número de maisons passou de cerca de quarenta para apenas 18. Outros

fatos importantes dos anos 1960 foram as butiques, novo conceito de loja que

incorporou o espírito jovem e sofisticado da moda de vanguarda, e o surgimento do

estilista-criador, aquele que desenvolve coleções prêt-a-porter dentro de seu estilo

pessoal, dando origem ao criador de moda. O termo foi incorporado oficialmente em

1973 pela Câmara Sindical do Prêt-a-Porter dos Costureiros e dos Criadores de

Moda (CALDAS, 2004, p.57).

Embora na Europa o prêt-a-porter ainda não tivesse no mesmo nível de expansão que

se via nos Estados Unidos, o distanciamento da moda tradicional feita pelos grandes

costureiros também era vista e isso ocorria em especial entre os jovens. De acordo com

HOFMANN (2008), o “boom adolescente britânico” iniciado nessa época foi fortemente

61

influenciado pelo fato de as jovens iniciarem-se no mercado de trabalho, em escritórios ou no

varejo, com salários relativamente bons. Se durante a Segunda Guerra Mundial as mulheres

entravam no mercado de trabalho por necessidade, agora elas o faziam “motivadas por uma

forte carga ideológica, em busca da libertação feminina” (HOFFMANN, 2008, p.30).

Tendo “muitas vezes com mais pra gastar do que os rapazes e, naquela época, menos

comprometidas com padrões de gastos masculinos em cerveja e cigarro” (HOBSBAWN,

1998 apud HOFFMANN, 2008, p.39), essas garotas gastavam o seu dinheiro com artigos

femininos como roupas, cosméticos e acessórios, contribuindo para a expansão do mercado da

moda.

É a partir desse momento evolutivo que a moda passa a vivenciar também o ciclo

inverso: as tendências saem do meio – filmes, músicos e até pessoas “comuns” nas ruas – e

chegam até as passarelas. O início desse processo destaca-se através do cinema. De acordo

com Palomino (2003), o ponto inicial dessa influência se dá em 1960, quando Yves Saint

Laurent insere em um desfile na Maison Dior um casaco de couro de crocodilo com vison

preto, inspirado no figurino de Marlon Brando no filme O Selvagem.

Esse fenômeno de “inversão” do ciclo das tendências segue até hoje e é conhecido

atualmente por Bubble Up. Palomino (2003) afirma ainda que “a rua impõe suas vontades, e

essas idiossincrasias ou rebeldias partem – normalmente – dos jovens” (PALOMINO, 2003,

p.44).

E foram os jovens e seus primeiros grupos, surgidos nas ruas de Londres na década de

50 (os teenage lifestyles), que “prepararam o terreno” para que, na década seguinte, a cidade

se transformasse no que é até hoje: “palco para a expressão pessoal por meio da moda”

(PALOMINO, 2003, p.44 e p.59). Seriam também esses grupos que dariam origem às tribos

urbanas, nomenclatura dada a tais subculturas41 na década de 80:

Eles passaram a usar literalmente o que bem entendiam – à sua moda, sem se

importar se estavam ou não “na moda”. Aliás, se não estivessem, melhor ainda. O

conceito das “tribos” é o de usar a moda para sinalizar que se pertence a um grupo,

demarcando seu território.

41 Subculturas são, então, formas expressivas, mas o que elas expressam é, em última instância, uma tensão fundamental entre aqueles no poder e aqueles condenados a posições subordinadas e vidas de segunda classe. Essa tensão é expressa figurativamente na forma de estilo subcultural [...] Durante este livro, eu interpretei subcultura como uma forma de resistência em que contradições e objeções experimentadas a esta ideologia dominante são obliquamente representadas através de estilo. Especificamente eu usei o termo ‘ruído’ para descrever o desafio à ordem simbólica que aqueles estilos parecem constituir (HEBDIGE, 1996 apud FEITOSA, 2003, p.2).

62

É a partir daí que a moda das ruas passa a influenciar os estilistas, cumprindo o

caminho inverso: das calçadas para as passarelas (PALOMINO, 2003, p.44).

Ainda nesse sentido, Caldas (2004) afirma que essa massa de adolescentes, agora com

poder de compra, abriu caminho para o fenômeno “moda jovem”, que teve no jeans o seu

maior ícone. Em conseqüência dessa “onda jovem”, houve “uma grande impulsão de

movimentos de moda oriundos das ruas, que influenciaram diretamente as passarelas,

transformando-se em novos vetores de tendências” (CALDAS, 2004, p.57). Esse estilo

rebelde do período estava presente também nas ruas brasileiras, como conta Carmo (2000),

analisando “os anos dourados”:

Era uma parcela da juventude dourada que intranqüilizava a cidade, bem mais do

que a marginalidade pobre. Usavam seus carros para promover rachas, consumir

bebidas alcoólicas e se enturmar em determinados pontos com os condutores de

lambreta.

(...)

Uma parcela da juventude se encantava com a moda descontraída e rebelde de

Marlon Brando (O Selvagem) e James Dean (o porta-voz dos “rebeldes sem

causa”). A leitura de histórias em quadrinhos, ou gibi, era muito grande entre os

garotos (...). A fotonovela para as moças era um hábito comum. A partir da metade

dos anos 50, a revolução do biquíni começou a inovar nossas praias (CARMO,

2000, p.20).

Nesse momento, começava-se a perceber a democratização da moda, o que seria o

destaque da década seguinte, quando se diria que “a moda é não seguir moda”.

1.2.3. O NASCIMENTO DO ROCK:

Enquanto o mundo vivia um momento de prosperidade financeira e uma grande

“euforia consumista” (NUNES, 2008), uma considerável parcela dos jovens sentia-se

incomodada com os rumos que a sociedade tomava: “uma grande crise existencial se

anunciava, mobilizada por grupos jovens que não aceitavam o conformismo dos seus pais.”

(HOFFMANN, 2008, p.31):

63

Gradualmente os jovens percebem o quanto era ilusório esse sistema de compra e

iniciam uma revolução dentro da cultura e dos valores estabelecidos pela sociedade.

A transformação é impulsionada pelas classes médias baixas, por ser um setor que

não conseguia se desenvolver dentro deste paraíso de oportunidades. A música faz

parte desse processo e vai refletir diretamente nos anseios desta geração que buscava

por uma expressão própria, encontrando no rock’n’roll sua revolta contra o sonho

americano (BIASUS, 2008, p.47).

Esses jovens eram beneficiados pelo desenvolvimento econômico e tecnológico,

porém estavam descontentes com a maneira com que a sociedade de organizava, bem como

suas regras de conduta: “não havia naquele momento canais de expressão ou espaços de

participação satisfatórios. A saída encontrada para mudar este panorama estava na busca de

formas alternativas de viver” (NUNES, 2008, p.13). Eles estavam em busca de um estilo de

vida mais natural, sem o consumismo desenfreado vigente naquele momento:

Detectaram um problema social, mas não tenderam a uma mera projeção, ao

contrário, partiram da remodelação de si mesmos, que incluiu modos de vida,

percepção e sensibilidade, para constituírem novas formas de comunidade, com

novos padrões estéticos e novas maneiras de ganhar a vida. Tudo isso do outro lado

do poder, da família burguesa e da sociedade de consumo (PEÇANHA, 1987 apud

HOFFMANN, 2008, p.43).

Desse sentimento de oposição aos padrões vigentes da sociedade, surge a

contracultura, que daria origem aos primeiros grupos sociais que, mais tarde, seriam

chamados de tribos urbanas:

Da recusa da cultura dominante e da crítica ao establishment42, o “sistema” (como

então se dizia), nasceram novos significados: um novo modo de pensar, de encarar o

mundo, de se relacionar com as pessoas. Da recusa surgia, na verdade, uma revolta

cultural que contestou a cultura ocidental em seu âmago: a racionalidade (PAES,

2002 apud NUNES, 2008, p.13).

42 O que já está estabelecido, as instituições. Também é traduzido como ‘sistema’, isto é, os grupos dominantes de uma sociedade (CARMO, 2000, P.265).

64

Foi em meio a todas essas mudanças sociais e culturais pelas quais o mundo passava

que surgiu o ritmo musical que mais influenciaria o comportamento jovem até os dias de hoje:

o rock and roll43.

Os primeiros roqueiros projetavam o grito primal no cenário nervoso dos grandes

centros urbanos e propunham um novo universo musical, aberto para a vida, com

cheiro e cor. Em um ritmo extremamente dançante (na época podia-se falar que

“quem não dançava não transava”), as letras estavam cheias de carros em alta

velocidade, bailes e garotas, além de exaltação do próprio ritmo. O rock era o “ritmo

quente”, as referências sexuais afloravam, trazendo à tona os assuntos que

interessavam aos adolescentes: os adultos não sacam nada, as relações humanas são

cheias de grilos, espinhas na cara é um atraso de vida, bom é dirigir um carrão a toda

velocidade, mas a melhor coisa que existe no mundo é mesmo o rock’n’roll

(ROBERTO MUGGIATI apud LOPES, 2006).

Do ponto de vista sócio-cultural, como aponta Biasus (2008), pode-se dizer que o rock

representou o fortalecimento de uma ideologia jovem, “com uma política de valores e

intenções próprias”, dentro da qual “o jovem via em si mesmo, e através de seus ídolos, uma

possibilidade real de ser agente de sua própria história”, em contraposição aos ideais vigentes

no período (BIASUS, 2008, p.47). De acordo com Carmo (2000), o rock, naquele momento,

foi um “veículo de descontentamento com um toque de irreverência, expressando as

desesperanças, e se associando à delinqüência juvenil” (CARMO, 2000, p.30). Ele “cativava

um público jovem que começava a fazer desse tipo de música a expressão de seu

descontentamento e revolta” (CARMO, 2000, p.32):

Pela primeira vez, milhões de jovens no mundo são seduzidos por um gênero

musical que consegue se tornar o agente de uma radical transformação no modo de

se vestir, pensar e agir. A sexualidade ostensiva de Elvis provocou uma enxurrada

de sermões indignados. A ala conservadora da imprensa, dos políticos e dos

religiosos esbravejava contra o cantor. Houve quem visse no aparecimento dessa

nova música produto de uma “conspiração comunista” para corromper os valores

morais da juventude americana (CARMO, 2000, p.32).

43 Estilo musical surgido entre o final da década de 40 e início da década de 50, influenciado inicialmente por gêneros musicais afro-americanos e composto por guitarras elétricas, contrabaixo e bateria. Nos primórdios ainda costumava contar com piano ou saxofone como instrumentos bases, instrumentos posteriormente substituídos pela guitarra.

65

O cantor brasileiro Raul Seixas, citado na obra de Carmo (2000), fala sobre o impacto

que sentiu vivendo esse período transformador:

O que me pegou foi tudo, não só a música. Foi todo o comportamento rock. Eu era o

próprio rock, o teddy boy da esquina, eu e minha turma. Porque antes a garotada não

era garotada, seguia o padrão do adulto, aquela imitação do homenzinho, sem

identidade. Mas quando Bill Halley chegou com Rock Around the Clock, o filme No

balanço das horas, eu me lembro, foi uma loucura pra mim. A gente quebrou o

cinema todo, era uma coisa mais livre, era minha porta de saída, era minha vez de

falar, de subir num banquinho e dizer eu estou aqui. Eu senti que ia ser uma

revolução incrível. Na época eu pensava que os jovens iam conquistar o mundo

(SEIXAS, 1990 apud CARMO, 2000, p.33).

Carmo (2000) diz ainda que ele “já nasceu atrevido e abusado”, uma vez que o seu

nome se originou da junção das gírias rock (sacudir) e roll (rolar), numa alusão aos

movimentos sexuais. Nesse mesmo sentido, Biasus (2008), diz que a expressão pode ainda

possuir outras conotações, tais como rocha (pedra), balanço, embalo, diversão, dança e sexo.

Tais significados remetem a algo “rígido, selvagem, radical, audacioso”.

O estilo nasceu em meados dos anos 1950, nos Estados Unidos, e tratava-se de uma

fusão do rythm and blues44 com o country and western45 e “foi datado a partir da revolução

sonora” que foi desencadeada por artistas jovens da época (BIASUS, 2008, p.47):

A trajetória histórica do rock inicia quando o negro escravo trazido da África passa a

expressar suas dores, suas saudades de casa, nas plantações de algodão da América

do Norte, através das canções-de-trabalho, passando depois aos cânticos religiosos –

uma resistência à cultura hostil em que se encontrara. É daí que nasce o blues, um

ritmo que se alterna entre o lamento negro de ser escravo dentro de uma cultura

estranha e as confraternizações festivas de influência branca (BIASUS, 2008, p.47).

Originada em pequenas gravadoras e sendo divulgada por estações de rádio de alcance

regional, a primeira geração de roqueiros que se destacou na década de 50 era

predominantemente formada por negros, como Fats Domino, Chuck Berry e Little Richard. A

exceção era Bill Haley, o único branco nessa primeira leva de destaques. Haley foi o

44 O rythm and blues, “pai do rock”, é o mesmo blues do interior, só que com uma roupagem urbana (MUGGIATTI, 1983 apud BIASUS, 2008, p.47-48). 45 O country era a música rural do “branco pobre” dos Estados Unidos e o western, a música dos cowboys do Oeste (MUGGIATTI, 1983 apud BIASUS, 2008, p.47-48).

66

responsável pelo primeiro grande trunfo do rock: seu sucesso “Rock Arround the Clock”

chegou “ao primeiro lugar das paradas em 1955 e ficou por lá por oito semanas” (LOPES,

2006). Muito do sucesso da música deveu-se ao fato de ela ser parte da trilha sonora do filme

Sementes de Violência (Blackboard Jungle), em uma cena bastante significativa: quando os

alunos rebeldes destroem a coleção de discos de jazz clássico com a qual um bem

intencionado professor tentava lhes ‘enquadrar’” (LOPES, 2006). Embora o cantor fosse

branco, fazia sucesso com músicas tipicamente negras e foi quem criou a primeira banda de

rock, “Bill Haley e seus Cometas”.

Apesar de Bill Haley ter aberto portas para os artistas que viriam a seguir, não foi ele

quem assumiu o posto de maior destaque no movimento, como explica Lopes:

Faltava-lhe o carisma juvenil (ele tinha 28 anos quando “estourou”) e arrogância

sexual para ele se tornasse o rei do rock. Fats Domino também era muito “certinho”

para ocupar esse lugar.

Chuck Berry, negro, de origem pobre, um delinqüente juvenil, não tinha

concorrentes em sua época no que se refere a criatividade musical (ele inventou a

guitarra do rock and roll) e a capacidade poética. Berry foi o primeiro poeta do rock,

em suas letras extrapolou o universo romântico e falou de sexo, trabalho, família,

escola, carro, dança, o sonho de se tornar um astro, ou seja, abriu a “caixa de

pandora” tocando em temas nunca antes abordados.

Berry acabou caindo em desgraça, como seria comum acontecer com os ídolos

roqueiros: acusado de transportar uma menor com objetivos de prostituição, ele foi

para cadeia em 1962, depois de um longo processo marcado pelo preconceito racial.

Quando saiu, Berry foi ofuscado pela “invasão inglesa”, mas a essa altura já tinha

escrito seu nome na história do rock.

Já Little Richard, que mais tarde confessaria sua bissexualidade, era muito pra se

tornar algo como o rei do rock: muito negro, muito selvagem, muito andrógino, um

excesso (LOPES, 2006).

Esse excesso, embora não tenha servido para levar Richard ao estrelato, acabou

influenciando muito do que viria no rock a seguir. Através dele, irrompe o estilo andrógino

de ser e de vestir: “Richard assumiu para si a imagem de um super astro, cercando-se de

luxos, usando maquilagem, (...), delineador, um cabelo que ficava de 15 a 30 centímetros

acima da testa, roupas extravagantes e gritos, e saltos, e gemidos” (LOPES, 2006). Grandes

nomes como Mick Jagger (Rolling Stones), David Bowie e Lou Reed seriam influenciados

pela imagem andrógina de Little Richard.

67

Em meio a todos esses artistas, com seus novos estilos e comportamentos, sentia-se

que ainda faltava algo para que o rock explodisse definitivamente, transformando tudo ao

seu redor. E alguns sabiam exatamente do que se tratava. O caça-talentos Sam Philiphs dizia

que, “se encontrasse um branco com o som de um negro, faria um milhão de dólares”

(LOPES, 2006). E ele o fez. Assim, surgia o fenômeno esperado:

Um caipira de Mississipi de nome Elvis Aaron Presley parecia ser perfeito para

fornecer uma “embalagem” mais vendável ao rock: “Elvis era branco e bonito, tinha

carisma, uma voz de barítono rica e expressiva e um sarcasmo que simbolizava

adolescentes inquietos em fase de crescimento. Suas apresentações sensuais/sexuais,

uma cópia direta da tradição negra, arrebatavam seu público de adolescentes. Ele

possuía uma habilidade inata para fundir elementos de música negra e branca,

criando uma síntese viável comercialmente”. O rock teria em Elvis Presley o rei que

tanto esperava (LOPES, 2006).

Philiphs, dono da Sun Records, viu em Elvis “a figura de um homem branco com o

som e a ginga de um negro” (CARMO, 2000, p.33) e acabou por transformá-lo no ídolo de

uma geração. Seu impacto sobre o comportamento dos jovens atravessou o mundo: “quando

Elvis veio com aquele estilo sexual, agressivo, ele quebrou aquele clima denso de machismo.

Eu vi nele uma liberdade incrível, de sexo, de se mover, sendo homem” (SEIXAS, 1990 apud

CARMO, 2000, p.33-34). Embora o rock’n’roll não tenha sido criado por Elvis, foi na pessoa

dele que a juventude teve o ideal do que seria o seu estilo de vida naquele período.

Assim como Bill Haley abriu portas, mas Elvis Presley que ocupou o posto de

destaque, os Estados Unidos sediaram o princípio do movimento, mas foi a Inglaterra que

teve uma maior influência na profusão do rock’n’roll:

Quando o rock and roll branco de Bill Halley e Elvis Presley desembarcou na

Inglaterra, em meados dos anos 1950, encontrou o cenário musical do país

dominado pelo ritmo do skiffle, um folk46 aceleradinho, ao estilo rockabilly47, cuja

estrela maior era o cantor escocês Lonnie Donegan. (...)

O skifle surgia como um sopro de vida nova num país ainda em reconstrução. Seu

ritmo agitado veio em encontro dos anseios dos adolescentes que queriam se libertar

daquele cotidiano cinza, monótono e antiquado do pós-guerra. Fácil de tocar, (...) o

skiffle se espalhou como germe, arregimentando jovens em cada esquina do país.

46 Música folclórica americana. 47 Subgênero do rock, surgido na década de cinqüenta, com influências da música country do período.

68

Bill Wyman, futuro baixista dos Rolling Stones, foi um deles. (...) O jovem John

Lennon48 também embarcou na onda do skiffle: era o tipo de música que fazia com

os colegas da Quarry Bank Grammar School na banda The Quarry Men, famosa por

servir de escala para os Beatles, com a entrada de Paul McCartney (em 1957) e de

George Harrison (no início de 1958).

A contaminação do skiffle pelo rock de Bill Halley e de Elvis Presley serviu de

rastilho para a explosão do rock inglês. (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.23-24)

Com Elvis Presley e Bill Haley à frente do movimento, o rock’n’roll deixava sua

imagem de “música de negros” – o que ainda gerava um certo preconceito – e de “selvagem”

de lado e ganhava o mundo:

A partir de 1956, juntamente com Elvis Presley surgiria a segunda geração de

roqueiros, a geração do rock clássico que traria consigo a definitiva explosão de

popularidade do gênero. Isso foi possível com o “apaziguamento” da temática das

letras que passaram a se prender em narrativas românticas conjuntamente com um

“branqueamento” dos cantores: a segunda geração era majoritariamente branca:

Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Buddy Holly, entre outros.

O “novo produto” tinha o rótulo da rebeldia, porém, uma rebeldia “consentida”.

Elvis, por exemplo, que no início da carreira foi censurado pela TV (e não proibido),

tinha que aparecer somente da cintura para cima, uma vez que, a forma que mexia os

quadris era considerada obscena. (LOPES, 2006)

A arrebatadora primeira fase do rock’n’roll teve seu declínio praticamente na mesma

velocidade em que atingiu o topo:

Jerry Lee Lewis, o killer (matador), herdara de Little Richard uma postura muito

agressiva no palco e tinha tudo pra ser o grande astro do rock, mas em 1958, no

auge do sucesso, foi “afundado” por um escâncalo: a imprensa descobriu seu

casamento secreto com uma menina de treze anos. A morte de Buddy Holly em um

acidente de avião em 3 de fevereiro de 1959 é considerada uma espécie de marca

para o fim da primeira explosão do rock. Depois disso, aconteceu algo como uma

parada para que as pessoas se adaptassem à nova realidade, respirassem fundo e

seguissem em frente (LOPES, 2006).

A essa altura da história, a ambigüidade do rock já estava explícita: um movimento

que havia surgido de uma “rejeição de valores a uma sociedade conservadora que faz guerra e 48 Líder dos Beatles.

69

mata em nome do progresso” (LOPES, 2006) havia sido absorvido pelo mercado, “entrando

no jogo” dessa mesma sociedade e “ajudando a engordar suas contas bancárias” (LOPES,

2006). Somado a isso, tinha-se ainda a morte de Buddy Holly, a decadência de Little Richard

e a ida de Elvis Presley para o serviço militar – ele o fez em 1958. Essa série de fatores fez

com que se falasse em um suposto “fim do rock’n’roll” ou, pelo menos, o fim do que ele era

em seu princípio:

Depois de seu apogeu – entre os anos de 1956 e 1958 – o rock’n’roll começou a se

esvaziar, nos EUA, como meio de expressão e revolta de uma geração. A energia

dessa música acabou sendo, cada vez mais, assimilada por uma eficiente indústria

cultural que apenas se interessava em expandir o seu mercado para uma música

jovem. Para isso, vários modismos em matéria de danças e ritmos foram lançados:

twist, calipso, chá-chá-chá, hully-gully, etc., invadindo as “discotecas” recentemente

criadas. Essa maior comercialização também tinha como tática uma maior

aproximação entre adolescentes e adultos, favorecendo o surgimento de astros como

Paul Anka e Neil Sedaka, que apelavam para um rock mais “consumível”, sem tanta

agressividade, com a predominância de baladas mais tradicionais (BRANDÃO;

DUARTE, 1990, p.36).

Ao mesmo tempo, aconteciam acusações de que os disc-jockeys49 recebiam suborno

para tocar determinados artistas e uma onda moralizante espalhava-se por todos os lados.

Diziam que a música despertava o lado selvagem dos adolescentes, “promovendo uma

espécie de volta ao tribalismo” (LOPES, 2006):

O rock’n’roll excita a juventude como os tambores da selva preparando os

guerreiros para o combate. Uma palavra mal colocada ou um pequeno equívoco e

tudo poderá explodir. E as maliciosas letras dos discos de rock’n’roll são um caso

para os departamentos de censura do governo (REVERENDO JOHN P. CARROL

apud LOPES, 2006).

Tamanho foi o impacto desse moralismo que, no início da década de sessenta, o Papa

João XXIII condenou o twist, chamando-o de “dança diabólica”. “Nessa dança, cada um

podia se soltar livremente remexendo os quadris de forma “indecente”, atendendo aos apelos

irresistíveis do sucesso Let’s Twist Again, de Chubby Cheker” (CARMO, 2000, p.35).

49 Profissionais responsáveis pela seleção e execução das músicas em festas e eventos. O que chamamos, comumente, de DJs.

70

Assim, uma série de fatores fez com que o rock perdesse espaço, mas “algo já tinha

acontecido, o rock já havia transformado a cara da juventude” (LOPES, 2006) e esse não

seria o fim da rebeldia exteriorizada em forma de música. Poucos anos depois, na Inglaterra,

uma nova safra de músicos daria origem a um novo movimento. Embora um movimento

ainda maior estivesse por vir, foi com influências do rock cinqüentista que ele aconteceu:

(...) Seria em Liverpool, no começo dos anos 1960, que o rock inglês começaria a se

delinear e a adquirir características próprias. Localizada no noroeste da Inglaterra, a

cidade portuária de Liverpool tinha acesso quase imediato à música que vinha de

fora. Especialmente o rock and roll. Os discos de Jerry Lee Lewis, Buddy Holly,

Gene Vincent, Little Richard, Chuck Berry, trazidos por marinheiros ou por

empregados da marinha mercante, eram distribuídos pelos jovens da cidade assim

que chegavam em terra (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.23-24).

Já em Londres, o cenário era outro. Embora ambas as cidades fossem entusiastas da

paixão nacional pelo skiffle, no final da década de 50, Liverpool e Londres eram bastante

distintas:

Se no norte da Inglaterra a sensação musical entre a garotada eram os sons brancos e

pop de americanos como Elvis Presley, Buddy Holly e os Everly Brothers, em

Londres os mais antenados se ligavam em jazz50 e blues51. Uma divisão que seria

fundamental na delimitação da fronteira que viria a separar os liverpoolianos Beatles

(mais lapidados) dos londrinos Rolling Stones (mais crus). (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.24).

Embora ambas as bandas – os Beatles e os Rolling Stones – fizessem parte de um

mesmo movimento e influenciassem uma mesma juventude, essas diferenças eram

constantemente destacadas. Os Beatles eram tidos como os “bons meninos”, enquanto os

Rolling Stones eram os “maus elementos”, como pode ser percebido no comentário de Tom

Wolfe52, em 1965: “Os Beatles querem segurar sua mão, mas os (Rolling) Stones querem

botar fogo na sua cidade” (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.80).

50 Manifestação artístico-musical surgida nos Estados Unidos, tendo se desenvolvido especialmente entre os negros. 51 Gênero musical cantado e tocado em freqüência baixa. Surgiu com influências de cantos religiosos. 52 Jornalista e escritor norte-americano.

71

1.2.4. O NASCIMENTO DO DESIGN MODERNISTA:

Enquanto que os norte-americanos vivenciam um consumo desenfreado e um conceito

de obsolescência programada53, onde produtos pouco duráveis eram criados a fim de

estimular o consumo, com a troca freqüente dos produtos, na Europa surgia uma idéia que

caminhava no sentido oposto. Criou-se na Alemanha a Bauhaus, uma escola de design

(desenho industrial), artes plásticas e arquitetura de vanguarda. Fundada em 1919 e fechada

pelo governo de Hitler em 1933, foi uma das mais importantes expressões do que chamamos

de Design Modernista (ou Modernismo no design). Fundada por Walter Gropius, tinha a

intenção de fabricar bens duráveis, “com um design voltado à funcionalidade e ao futuro,

refletindo a vida moderna” (Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo).

Gropius acreditava que, com o final da Primeira Guerra Mundial, um novo período da história

estava nascendo e que, em função disso, um novo estilo de design devia ser criado.

Figura 17 – Cartaz da Bauhaus (http://www.danwymanbooks.com/artandthought.htm)

O estilo da Bauhaus, tanto na arquitetura quanto nos bens de consumo, primava por

funcionalidade, custo reduzido e possibilidade de produção em massa. Uma série de aparelhos

eletrônicos e objetos utilitários, tais como móveis, rádios, televisores e máquinas foram 53 A obsolescência programada ou planejada consiste em conceber o produto já pensando em seu descarte e substituição por um novo lançamento.

72

criados de acordo com essa fórmula de linhas simples (minimalistas), equilíbrio e

durabilidade.

O fechamento da escola se deu pelo fato de o governo de Hitler ter considerado que a

escola tinha uma orientação política de esquerda. Foi considerada uma frente comunista

também por possuir uma série de artistas russos tanto no seu quadro docente quanto discente.

Os nazistas diziam que a escola era “anti-germânica” e não aprovavam o estilo modernista.

1.3 – DÉCADA DE 60: A DÉCADA QUE MUDOU O MUNDO

1.3.1. FATORES SOCIOLÓGICOS:

A década de 60 até hoje é conhecida como “a década que mudou o mundo”. Uma série

de revoluções sociais, culturais e comportamentais eclodia por todos os lados. Foram muitos

os fatores sociológicos que contribuíram para essa reestruturação da sociedade, mas

provavelmente um dos de maior destaque foi o significativo aumento da população jovem,

uma vez que os boomers54 nascidos no pós-guerra agora eram adolescentes.

A situação de prosperidade financeira em que o mundo se colocava também contribuía

para mudanças, visto que a cultura estava sendo impulsionada e incentivada:

As transformações culturais e políticas ocorridas nesse período relacionam-se

diretamente com as condições materiais das quais dispunham essas sociedades, que

possibilitaram o desenvolvimento de “ações políticas e culturais inovadoras e

diversificadas, aproximando a política da cultura e da vida cotidiana, buscando

colocar a imaginação no poder” (RIDENTI, 2003 apud NUNES, 2008, p.12-13).

Os países mais desenvolvidos apresentavam, naquele momento, um desenvolvimento

urbano acelerado. Tal crescimento passava a exigir mão-de-obra mais qualificada, havia mais

cargos que exigiam educação secundária e superior. Com isso, as famílias passavam a buscar

uma melhor educação para os seus filhos, a fim de garantir uma melhor renda familiar, além

de status social proveniente da graduação. Assim, a educação passa a ser um dos principais

54 Nascidos durante o Baby Boom.

73

focos dos governos (BIASUS, 2008). O convívio dos jovens no meio universitário contribuiu

de maneira bastante considerável para a formação de grupos por afinidades, bem como para a

troca de informações e disseminação das idéias revolucionárias:

A experiência do campus universitário não apenas significava uma enorme

concentração de jovens num espaço bastante aberto de discussões e questionamento,

que por si só já favorecia o incremento de uma identidade grupal, como também

ajudava a transformar a juventude numa “carreira” ainda mais longa, o que adiava

um pouco mais o contato direto entre o jovem e o “mundo dos adultos” decorrentes,

por exemplo, da profissionalização (PEREIRA, 1983 apud BIASUS, 2008, p.48).

Além dos fatores acima citados, outro fator responsável por desencadear a revolução

da sociedade foi a ampliação do alcance das mídias de massa que levavam a informação com

uma maior velocidade e para um maior número de pessoas:

Com o crescimento econômico, os bens culturais passaram a ser consumidos em

escala industrial: telenovelas, noticiários, coleções de livros e fascículos sobre temas

diversos. Revistas como a Veja, surgida em 1969, demonstram a nova tendência

industrial e “massiva” do consumo cultural, que se consolidaria de vez na segunda

metade da década de 1970 (NUNES, 2008, p.17).

A juventude estava cada vez mais à vontade com a tecnologia das telecomunicações

(HOBSBAWN, 2003 apud BIASUS, 2008) e o fácil acesso às informações não permitia mais

que a mesma fosse mantida alienada como no passado. O programa de TV musical Ready

Steady Go!, por exemplo, surgiu em função da popularização do rock’n’roll e contribuiu com

a sua disseminação pelo mundo:

Os ventos da mudança que impulsionavam o sucesso dos Beatles, dos Rolling

Stones e dos incontáveis conjuntos que pareciam pipocar diariamente no Reino

Unido trouxeram à vida também o programa de TV que serviria de trampolim e

vitrine para todo o pop britânico (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.52).

A mídia deixava a juventude a par do que acontecia de revoltante no mundo, fazendo

com que houvesse uma rebeldia fundamentada e consciente. Segundo Brandão e Duarte

(1990), as críticas apresentadas pelos jovens passavam a ser mais contundentes, “não só

negando os seus valores, mas tentando criar e vivenciar um estilo de vida alternativo e

74

coletivo, contra o consumismo, a industrialização indiscriminada, o preconceito racial, as

guerras, etc.” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.12). Essa negação à cultura vigente é chamada

de “contracultura”. Embora a contracultura fosse uma oposição à massificação da cultura, a

indústria cultural foi de suma importância para a dissipação desse tipo de movimento:

É através da indústria cultural que esses movimentos jovens acabam se expandindo

e se deixando assimilar. Por um lado, introduzem temas e questões até então

ignorados ou pouco discutidos pela maioria da sociedade, como, por exemplo:

drogas, sexo, racismo, ecologia, pacifismo e outros. Por outro lado, evidenciam o

aspecto transformador da cultura jovem que, expressando uma visão crítica da

realidade, acaba por modificá-la, mesmo estando submetida a um rígido processo de

industrialização e comercialização (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.12-13).

Trinca (2005) também disserta sobre essa absorção do espírito de recusa pela

indústria, transformando em moda (modismo) um estilo que seria a antítese da moda:

Para toda uma faixa da juventude dos anos 60, a rejeição tanto das convenções

burguesas como da sociedade industrial moderna traduziu-se numa recusa ostensiva

em relação a qualquer moda. Porém, essa recusa não considerou a força do capital,

força essa que transformou toda e qualquer forma de manifestação numa mera

mercadoria repleta de valor “cultural”. Assim, constata-se que as “inovações” dos

grupos jovens urbanos possuem características comuns: no princípio, surgem como

verdadeiros movimentos de estilos ou anti-estilos, propondo uma panóplia quase

sempre acompanhada de uma visão de mundo e uma estética própria, que se

manifesta por várias formas de expressão, como fanzines55, música, ídolos, etc. Em

contraponto, o conhecimento desses movimentos, no começo restrito a um grupo de

iniciados, acarreta sua própria morte: acabam sendo assimilados pelos meios de

comunicação de massa. Suas propostas são diluídas e reinterpretadas pelos

mecanismos da indústria da moda, da indústria cultural e da produção de

mercadorias, a fim de gerar um aumento do consumo de acordo com a lógica do

mercado (TRINCA, 2005, p.5).

Enquanto que a sociedade gozava de uma prosperidade construída nos últimos anos, a

juventude questionava a maneira com que a sociedade e aqueles que estavam no poder

lidavam com sua nova situação: 55 Corruptela das palavras fan (de fanatic, fã, fanático) e zine (de magazine, revista). Espécie de jornaleco independente, produzido por fãs de música ou cinema, tratando destes mesmos assuntos.

75

Acusavam os engravatados executivos das multinacionais, preparados pelas

universidades, de só se interessarem pelo chamado “mercado” da sociedade de

consumo. Grandes corporações lucravam com a produção de armamentos e produtos

químicos para a matança da guerra, principalmente a do Vietnã. A geração que

nasceu no pós-guerra acusa também os militares que, acomodados em seus

confortáveis gabinetes, mandavam milhares de recrutas para morrer nas frentes de

batalhas e deixavam o mundo em constante estado de alerta para o perigo nuclear

(CARMO, 2000, p.9).

Esse espírito rebelde e consciente do período pode ser comprovado por trecho de

matéria publicada na Revista Intervalo de junho de 1966: “(...) um grupo de jovens

descabeladamente inconformados e rebeldes. Que são contra a guerra, contra a bomba

atômica, contra tudo” (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.86). Nesse mesmo sentido, Garcia

afirma:

Os anos 60, acima de tudo, viveram uma explosão de juventude em todos os

aspectos. Era a vez dos jovens, que influenciados pelas idéias de liberdade “On the

Road” [título do livro do beatnik Jack Kerouac, de 1957] da chamada geração beat,

começavam a se opor à sociedade de consumo vigente. O movimento, que nos anos

50 vivia recluso em bares nos EUA, passou a caminhar pelas ruas nos anos 60 e

influenciaria novas mudanças de comportamento jovem, como a contracultura e o

pacifismo do final da década (GARCIA, 2007 apud NUNES, 2008, p.11).

Carmo (2000) diz que o movimento beat, ao sair de sua reclusão, influencia o

nascimento do conceito de contracultura, “o pacifismo antinuclear, as manifestações contra a

Guerra do Vietnã, os grandes festivais de música, a luta das minorias e dos direitos civis”

(CARMO, 2000, p.30).

Segundo Nunes (2008), essa geração não era mais a favor de “normas burguesas que

pregavam a moral e os bons costumes”. Julgavam as normas da sociedade antiquadas e

hipócritas, bem como os estereótipos vivenciados por seus pais:

Para esse jovens, os que tinham mais de 30 anos, como seus pais e professores, eram

de uma geração educada pela disciplina, baseada nos princípios de autoridade,

hierarquia e ordem, que redundou, por exemplo, no nazismo (CARMO, 2000, p.9).

76

Toda essa revolta pode ser fortemente percebida no final da década, com o boom dos

movimentos estudantis. O ano de 1968 faz história como uma grande ebulição política no

mundo e os jovens saem às ruas para lutar pelo que querem. Rebeliões estudantis acontecem

por todos os lados, baseadas no subjetivismo56.

A Paris de 1968 apresentava um cenário que marcaria a revolta da juventude desse

período. “A contestação dos movimentos de contracultura acendeu a chama da rebelião

estudantil” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.54). O chamado “Movimento de Maio de 68”

pode ser considerado um ícone da revolução jovem da década de 60:

Em discursos nas ruas e nas universidades, em cartazes e muros, os estudantes

franceses deixaram as salas de aula e se mobilizaram para dar a seus professores,

pais e avós, e às instituições e ao governo “lições” sobre os “novos tempos, a

liberdade e a rebeldia” (PIACENTINI, 2008 apud BIASUS, 2008, p.39).

Embora essa movimentação tenha tido na França o seu epicentro, a mesma acabou por

espalhar-se “por várias universidades e ruas dos centros urbanos do mundo: EUA, Inglaterra,

Brasil, Tchecoslováquia, Polônia, China, Japão, etc.” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.54).

A juventude não media esforços para ter sua voz ouvida:

“Com a cidade tomada, o Governo sem poder, o país parado, ouvi-se durante dois

meses a voz da juventude” (Revista Veja, 1969 – “Anos 60: A Década que Mudou

tudo”). Sua revolta era expressa através de manifestações como: pedras, barricadas,

(...), muros pintados com frases como “é proibido proibir”, ruas eram invadidas e

carros eram incendiados. “O poder é considerado como um usurpador de liberdade e

de vida. E foi das gerações imediatamente anteriores, identificados com o sistema,

que os jovens cobraram de volta sua consciência, sua espontaneidade, sua

imaginação e seu sexo”. (Revista Veja, 1969 – “Anos 60: A Década que Mudou

tudo”) O movimento foi extremamente marcante na trajetória de um público jovem

estudantil que cresceu em grande número na Europa da década de 60.

(...)

As manifestações foram intensas. Estudantes entravam em confronto com a polícia e

universidades foram ocupadas. A juventude ansiava por mais liberdade, rejeitando a

ordem estabelecida e a sociedade de consumo. A democracia era cada vez mais

associada à liberdade de pensamento e expressão (BIASUS, 2008, p.38-39).

56 Sistema filosófico que não admite outra realidade se não a realidade do ser pensante. O subjetivismo acredita que a realidade não é o que pensamos, acredita que vai além disso (ABBAGNANO, 2001).

77

Esse quadro não se limitou apenas à Paris. De acordo com Biasus (2008), alguns

países socialistas, incentivados pelas movimentações estudantis na Europa Ocidental,

passaram a reivindicar os seus direitos de liberdade. “Os movimentos ocorreram

simultaneamente, com lutas por mudanças políticas, econômicas e culturais” (BIASUS, 2008,

p.39).

Assim, “a rebeldia foi a ordem da época e a semelhança das roupas impedia classificar

as pessoas em diferentes classes sociais. Esses jovens rebelavam contra a vida de seus pais,

contestando-os e agredindo-os com um visual inusitado” (BRAGA, 2004, p.89). A partir

disso, de acordo com Garcia:

Nesse cenário, a transformação da moda iria ser radical. Era o fim da moda única,

que passou a ter várias propostas e a forma de se vestir se tornava cada vez mais

ligada ao comportamento (GARCIA, 2007 apud NUNES, 2008, p.11).

Com o fim da década, parte dos “adolescentes que chamaram a atenção para os

problemas e necessidades de seu grupo já estavam com vinte e poucos anos. À medida que

sua rebelião perdia a força, a atmosfera começava a mudar” (LAVER, 1989, p.268). Como

afirma Hobsbawn, 2003 apud Biasus, 2008, “uma geração de estudantes mal dura três ou

quatro anos – suas fileiras estão sempre sendo reabastecidas”.

Com essa leva de jovens menos preocupados com questões políticas e sociais, nascia

em Londres o novo fenômeno a movimentar a juventude. Menos político e mais visual, o

Glam Rock (ou Glitter Rock) teve como ícones astros da música como David Bowie, Iggy

Pop, T.Rex e Roxy Music. Entusiastas da liberdade sexual e defensores do bissexualismo, os

glams apresentavam um visual exagerado e andrógino. Tanto garotos quanto garotas usavam

sapatos com enormes saltos ou plataformas, muita maquiagem colorida e brilhante (por isso o

nome Glitter) e cabelos descoloridos ou em cores fortes, curtos e arrepiados. Também

compunham seu visual cílios postiços, paetês e tecidos brilhantes e roupas de couro, como

podemos ver nos filmes “Hedwig: Rock, Amor e Traição” (2001) e “Velvet Goldmine”

(1998), que retratam o período:

As ruas de Londres brilhavam com roupas e maquiagens cintilantes. (...)

78

A juventude (...) criou uma nova tendência baseada na liberação sexual do flower

power. O cabelo comprido e os sinais de paz foram substituídos por sapatos de salto,

maquiagem brilhante e uma nova atração pela nostalgia e pura extravagância

(Velvet Goldmine, 1998).

Figura 18 – Cena do filme “Velvet Goldmine”.

Figura 19 – O cantor David Bowie. (http://colunadallas.wordpress.com/2009/04/03/60-fatos-da-vida-de-

david-bowie/)

79

Mais do que o gênero musical, a performance de palco e o estilo visual definiam o

estilo glam rock, uma vez que bandas bastante diversificadas fizeram parte do movimento. O

glam ainda possuía influências do movimento hippie, mas ao mesmo tempo já trazia

elementos que influenciariam o Punk Rock, como a banda New York Dolls (Dicionário do

Rock, disponível em: http://www.petcom.ufba.br/dicionario/glam.htm).

Figura 20 – O estilo “glam” da banda New York Dolls. (http://www.laughinsam.com/)

De 1962 a 1968, o icônico artista Andy Warhol possuía a discoteca Factory, em Nova

Iorque. A Factory e a fama de Warhol foram o cenário para o movimento que envolvia artistas

da cena musical do momento como o supracitado Iggy Pop e sua banda The Stooges, o cantor

Lou Reed e sua banda Velvet Underground – que atingiu o sucesso graças à produção de

Andy –, Bob Dylan, dentre outros. Nesse movimento surgia a blank generation57 e,

posteriormente, o movimento punk.

57 Geração que deu origem ao movimento sucessor, o punk. Envolvia os personagens supracitados, bem como o artista plástico Andy Warhol e os músicos Iggy Pop, Lou Reed e a banda Velvet Underground, Debbie Harry, dentre outros. Narrada pelo o documentário (1976) e o filme (1980) homônimos e pelo livro “Mate-me, Por Favor” (vide referências bibliográficas).

80

Figura 21 – Warhol e sua turma. (http://www.amoeba.com/)

1.3.2 REVOLUÇÃO FEMININA, SEXUAL E FAMILIAR:

Embora a maior parte das mudanças da década tenha sido protagonizada pelos jovens,

a década também representa um marco na história do comportamento feminino (NUNES,

2008). Nesse momento, a mulher “passa a participar e ocupar melhor seu espaço na

sociedade, não limitando suas tarefas e apenas ‘cuidar do lar’, mas participando de atividades

sociais, culturais e políticas” (HOFFMANN, 2008, p.31).

A mulher estuda, trabalha, busca sua independência e vive os ideais de liberdade do

período, mas não deixa de lado os sonhos políticos coletivos (NUNES, 2008). Junto à sua

participação considerável no mercado de trabalho, a mulher adquire o direito de ter contas em

banco (FARIA, 1997 apud NUNES, 2008) e passa a lutar pela “igualdade de direitos, de

salários e na tomada de decisões” (NUNES, 2008, p.14).

Dentre as inúmeras mudanças sociais surgidas durante esse período, a que causou

maiores discussões foi a revolução sexual (BIASUS, 2008, p.44). Com a criação da pílula

anticoncepcional, permitiu-se uma liberdade sexual nunca vivenciada antes. “Em

conseqüência desse fato, cresceu significativamente o mercado de livros e filmes sobre

educação sexual. A nova regra era ser jovem sensual a qualquer preço” (NUNES, 2008, p.13).

81

A sexualidade, a sensualidade e a revolução sexual – bem como a repressão dos

mesmos – eram assuntos largamente em pauta no momento:

Parecia que estávamos vivendo uma nova moral e uma nova concepção do amor. Os

aspectos ostensivos (fotos, filmes, roupas) confirmavam: nunca o assunto foi tão

abundantemente tratado e retratado. No entanto, se considerar que uma revolução

não se faz com palavra sem imagens, e que a liberdade só existe realmente onde não

é invocada, a insistência com que se falou em liberdade sexual confirmaria menos a

revolução do que a sua repressão (Revista Veja, 1969 – “Anos 60: A Década que

Mudou tudo” apud BIASUS, 2008, p.44).

Esses novos conceitos de liberdade, embora ainda não aceitos em totalidade,

desencadeavam uma revolução em diversos setores, o que já podia ser percebido inclusive na

imprensa de massa:

Com a nova idéia da liberação feminina, observa-se uma transição no pensamento

da sociedade na época. Colunas da Folha de São Paulo (...) publicavam entre

outros, manuais de como conquistar um marido (...).

De um modo geral, o autor (desconhecido) aconselhava às leitoras uma vida social

bastante agitada a fim de que conhecessem várias pessoas, pois ali poderia estar um

pretendente. Outra dica era que as mulheres namorassem mais e não se casassem

com o primeiro pretendente que aparecesse. Foi notória a mudança no

comportamento da sociedade onde até então, a mulher era reprimida e não podia

sequer escolher o marido com quem passaria o resto da vida (NUNES, 2008, p.14-

15).

Como é possível perceber na análise de Nunes, vemos que, juntamente com a

revolução sexual e feminina, vieram transformações no posicionamento da sociedade em

relação ao casamento e, por conseqüência, à família. “Modificaram-se as estruturas de

relações entre os sexos e as gerações” (HOBSBAWN, 2003 apud BIASUS, 2008), bem como

as estruturas familiares. Ocorre um considerável aumento no número de divórcios – em

oposição à década anterior – e percebe-se a formação de novos núcleos familiares. Na Grã-

Bretanha, por exemplo, destacou-se um forte aumento no índice de pessoas que moravam

sozinhas (BIASUS, 2008).

Tudo isso representa uma “quebra significativa de padrões comportamentais

fortemente trabalhados no século XIX” (BIASUS, 2008, p.43-44).

82

1.3.3 MODA:

A década de 60 foi o marco do “fim da moda única”. Uma série de estilos e tendências

despontava pelas ruas e pelas mídias, dando às pessoas pela primeira vez uma possibilidade

de escolha, podendo cada indivíduo escolher a moda que mais lhe agradava.

A liberdade sexual adquirida nesse período se exterioriza no vestuário. Surgem

diferentes estilos, todos valorizando a sensualidade feminina. O estilo “lolita”, por exemplo,

torna sensuais looks quase infantis (PALOMINO, 2003, p.60). Colares de pérolas, pequenos

laços adornando os cabelos, cores pastéis, óculos em formato de coração mesclavam-se com

vestidos curtos e justos:

Figura 22 – A atriz Sue Lyon, a “Lolita” do filme homônimo, lançado em 1962 e dirigido por Stanley

Kubrick. (http://www.imdb.com/)

No ano de 1962, a estilista Mary Quant criava aquela que seria uma das mais ousadas

criações do século: a minissaia:

Com uma simples tesoura, Quant deu à luz a primeira saia em 1962, exposta na sua

loja em King’s Road que detinha desde 1955.

83

O background não poderia ser mais fecundo: Swinging London58 estava a nascer a

partir do bairro de Chelsea, a banda sonora cabia aos Fab Four59 de Liverpool, a

Sétima Arte contribuía com películas como Blow Up, e os ídolos da moda, entre

eles, Jean Shrimpton, Veruschka ou Twiggy alicerçaram um estilo inovador (Blog

Prosimetron, disponível em http://prosimetron.blogspot.com/).

Para os estilistas desse período, “o corpo era um veículo para a criação, uma tela

humana sobre a qual qualquer humor ou idéia podia ser pintada (LAVER, 1989, p.262).

Assim, conforme Stefani:

O corpo é um veículo para comunicar essa rebeldia e desnudá-lo é uma tendência

erótica. O slogan feminista “queime o sutiã” não faz muito efeito, já que a lingerie é

adaptada para aparecer sob a transparência da roupa de cima. O uso de minissaias

saint-tropez60 faz a calcinha feminina virar tanga.

A conjuntura se reflete nas tendências artísticas que então emergem: a arte pop,

filmes e peças revolucionários, carregados de crítica social, o rock'n'roll e novos

estilos literários. No final da década, surgem tendências futuristas e linguagem

oriental (STEFANI, 2005, p.28).

E ainda nesse mesmo sentido, Palomino afirma que:

A modelo Twiggy representa a imagem da década: magérrima, tem o frescor da

efervescente juventude do momento. Para manter o ideal de corpo adolescente, é

preciso muita dieta e exercícios, conforme pregam as revistas femininas. Cabelos

compridos também são muito populares, bem como as perucas, que podem mudar a

personalidade das garotas. Cílios postiços e rímel são obrigatórios (PALOMINO,

2003, p.60).

58 Termo utilizado para definir o momento de efervescência cultural e modernismo que a capital inglesa estava vivendo. 59 “Quarteto fantástico”, como chamavam os Beatles. 60 Calças de cintura baixa, assim chamadas em homenagem ao vilarejo de Saint-Tropez, localizado na praia de Cote D’Azur, na França.

84

Figura 23 – A modelo Twiggy, com sua maquiagem típica do período, que destacava os olhos com cílios

postiços, muito rímel e até traços de delineador que simulavam cílios longos. (http://www.wgsn.com/)

Além de Twiggy, se tinha como ícones de beleza as cantoras Marianne Faithfull e

Françoise Hardy, as atrizes Jean Seberg, Natalie Wood, Audrey Hepburn e Anouk Aimée e as

modelos Jean Shrimpton e Veruschka.

Depois da década de 40, quando o foco do visual feminino estava na cintura e no

busto, e da década de 50, quando os quadris eram no foco erótico, a década de 60 vem com

novas formas:

Duras e geométricas, eram eróticas no quanto desnudavam (ou quase) o corpo: em

meados da década, as saias chegaram à altura das coxas, os decotes se

aprofundaram, ou as blusas eram transparentes. A roupa de baixo foi adaptada: as

calcinhas ficaram menores para serem usadas com minissaias saint-tropez; as

malhas justas nas pernas entraram em moda à medida que as saias ficaram acima da

parte superior das meias finas (LAVER, 1989, p.265).

A minissaia, criada por Mary Quant, sem sombra de dúvidas foi o grande ícone da

década.

85

Figura 24 – Mary Quant (à esquerda) e sua criação de maior notoriedade: a minissaia.

(http://www.writedesignonline.com/)

Ainda deslumbrados por terem sua própria moda, bem como possibilidade de compra,

os jovens começam sua primeira fase de consumismo exacerbado:

Os modelos mudavam tão depressa que os fabricantes tinham dificuldades para

renovar os estoques com a rapidez necessária. Comparada com a década mais calma

de 70, a de 60 parecia uma corrida frenética das jovens para comprar o último look,

e dos estilistas para produzir o próximo. Mas, diferentemente das tendências de

transição da década de 50, essas mudanças eram a conseqüência de uma incerteza

geral quanto ao futuro e de um desejo de se rebelar. As saias eram mais curtas do

que haviam sido durante o século, mesmo nos dias mais loucos da década de 20; os

cabelos eram compridos e soltos. Essa atmosfera de ruptura também ficou evidente

nas artes: uma nova energia e inspiração produziram a arte pop, filmes e peças

revolucionários em sua crítica social mordaz, novos escritores, um novo estilo

literário, novos músicos tocando um novo tipo de música (LAVER, 1989, p.261).

86

A expansão dos meios de comunicação e da concepção de ídolos juvenis – já iniciada

na década anterior – despertava nos jovens um desejo de imitação: eles queriam ser como

aqueles que admiravam. Manequins, atores e músicos assumiam praticamente um papel

mitológico, no qual a juventude idealizava se espelhar:

A década estava revolucionando a maneira do jovem se vestir, e a televisão passa a

ser um meio em que a moda é divulgada através dos seus ídolos. (...) a moda

divulgada pelo meio passa a ser uma influência no comportamento juvenil

(BIASUS, 2008, p.61).

Existiam também um crescimento da tecnologia, o sonho de o homem ir à lua – que

Neil Armstrong realizaria em 1969 – e utópicas expectativas sobre a vida no século XXI que

deixavam uma atmosfera de sonhos futuristas no ar que refletiam-se em tendências de moda:

A ficção científica e todos os temas espaciais passaram a ser associados à

modernidade e foram muito usados. Até os carros americanos ganharam um visual

inspirado em foguetes. Eles eram grandes, baixos e compridos, além de luxuosos e

confortáveis (Almanaque – Banco de Dados Online da Folha de São Paulo).

Figura 25 – A atriz Jane Fonda no filme Barbarella (1968): ícone da moda futurista da década.

(http://www.boston.com/)

Esse clima se refletia na moda de estilistas como André Courréges, Pierre Cardin e

Paco Rabanne, que apresentavam coleções repletas de materiais plastificados e metalizados,

87

além de formas minimalistas. O desenho animado “Os Jetsons”, criado em 1962, e o filme

Barbarella, de 1968, ilustram bem o sonho futurista da época.

Figura 26 – A moda futurista de Paco Rabanne. (http://www.marcosabino.com/)

Figura 27 – O sonho futurista mostrado no desenho animado “Os Jetsons”, criado pela Hanna-Barbera.

(http://geopolicraticus.wordpress.com/)

A moda proposta por estilistas e produzida pelo prêt-a-porter deste período, mesmo

contemplando diferentes estilos, consistia sempre em visuais elaborados e cuidadosamente

preparados, atentando a mínimos detalhes. Entre os jovens, haviam dois grupos contestatórios

que apresentavam diferentes visuais: os mods – dos quais falaremos no capítulo seguinte – ,

88

que apresentavam um visual impecável e um comportamento narcisista, e os rockers, que

tinham um visual propositalmente sujo e desalinhado. Os próprios Beatles, que

posteriormente apresentariam um visual mais alinhado e cuidadoso, no início apresentavam

uma aparência mais descuidada, com cabelos e barba longos e ligeiramente bagunçados.

Figura 28 – Os Beatles, no começo da década de 60. (http://dowloadsforfree.blogspot.com/)

Mais do que os Beatles, os Rolling Stones apresentavam um visual descuidado de tal

maneira a ponto de tornar-se agressivo para a sociedade da época. O choque causado por eles

fazia com que seu visual fosse assunto constante na mídia:

Eles (os Rolling Stones) são difíceis de descrever. Eles não acreditam em banho (...),

usam roupas velhas e sujas e o cabelo deles é duas vezes maior do que o dos Beatles

e eles nunca se penteiam. – Jornal The Telegram, diário de Toronto, no Canadá,

maio de 1964.

Eles (os Rolling Stones) são chocantes. Visual feio, palavras feias, modos feios. –

Comentário do diário Sidney Morning Herald

Alguns deles parecem atores de pantomima61 que esqueceram de tirar as perucas

antes de sair do teatro. Outros têm o jeito delicado, sensível, de jovens colegiais na

manhã seguinte a uma festa animada. – Comentário do Australian TV Times, 27 de

janeiro de 1965 (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.64-71).

61 Espécie de teatro gestual.

89

Figura 29 – A banda Rolling Stones. (http://altacultura.wordpress.com/)

A rebeldia e a idéia de não se preocupar com o visual e as convenções sociais se

refletia especialmente nos cabelos – compridos e bagunçados – dos integrantes das bandas

que influenciavam a juventude daquele período:

(Os Rolling Stones) viraram o conjunto mais comentado e turbulento do mundo.

Milhares os odeiam, mas eles não se importam. Devem ter falado deles em milhões

de lares no mundo nos últimos meses. Cinco rapazes causaram comoção

internacional e criaram uma moda que pode levar os cabeleireiros à fome. Onde

quer que vão, a confusão não demora a chegar. Homens das cavernas, o conjunto

mais feio do mundo, monstros cabeludos, subumanos, revoltantes e sujos – os

superlativos desagradáveis caem como água do chuveiro (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.67-68, grifo nosso).

1.3.4 O FIM E A RETOMADA DO ROCK:

O movimento iniciado na década de 50 seria ainda mais notório e transformador na

década de sessenta. No começo da década, na América do Norte, diante de um quadro

político-social agitado e conturbado, o rock’n’roll que havia contagiado toda a juventude da

90

década anterior “parecia um modismo adolescente e ultrapassado” (BRANDÃO; DUARTE,

1990, p.43). Naquele momento, um novo tipo de música serviria como canal de expressão

“para a juventude universitária do país refletir sobre os problemas internos e externos”. Esses

novos sons derivavam da folk song, a música folclórica do país, e tinham como precursores

grupos como Kingston Trio, Pete Seege and the Weavers e Peter, Paul and Mary. Mas os

maiores nomes acabaram sendo Joan Baez e Bob Dylan (BRANDÃO; DUARTE, 1990):

Em novembro de 1962, Joan Baez já tinha três álbuns nas paradas e era capa da

revista Time. Uma de suas canções, retirada do repertório tradicional da música folk

– We shall overcome –, tornou-se um dos hinos da juventude universitária que

apoiava o movimento pelos direitos civis dos negros, no qual encontramos Joan

Baez participando de várias marchas de protesto ao lado do líder negro Martin

Luther King (BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44).

Em meio a isso, surge o som de protesto (protest song), como um desdobramento do

movimento folk. Segundo Brandão e Duarte (1990), antes disso até mesmo os artistas mais

politicamente engajados limitavam-se a “recolher temas do repertório tradicional e aplicá-los

à situação da sua época” (BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44). Mas, em 1962, uma grande

revolução na música popular norte-americana teria seu início, com o surgimento da música de

Bob Dylan. Dylan “usava a canção folk como base para letras incrivelmente atuais”

(BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44), onde denunciava fatores como “o racismo, o

militarismo, a corrida armamentista” (BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44), além de

referências místicas e religiosas, advindas de influências da poesia beat na vida do

compositor. Todavia, o grande ídolo de Dylan era “ o cantor Woody Guthrie, veterano das

causas trabalhistas dos anos 30 e que, no final da década de 50, se encontrava abandonado

num hospital de Nova Iorque” (BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44).

Assim, Bob Dylan torna-se o porta-voz de sua geração:

Como muitos jovens norte-americanos do seu tempo, Bob Dylan mostrava-se

desencantado com o mundo que os homens construíram: olhando à sua volta, lendo

jornais e vendo os noticiários da tevê, ele sentia que as coisas não estavam tão

maravilhosas como as pessoas no poder apregoavam. Dylan tinha no cotidiano das

manchetes e reportagens dos jornais e revistas a fonte de matéria-prima para as suas

canções, nas quais o compositor denunciava “os senhores de escravos e os senhores

da guerra” da América. Com isso, Bob Dylan transformou-se numa espécie de

91

porta-voz da juventude norte-americana, principalmente a partir do sucesso de

Blowin’ in the Wind (1963), canção que se tornou mais um dos hinos do movimento

pelos direitos civis dos negros (BRANDÃO; DUARTE, 1990. p.44).

Em 1964, Dylan incluiu uma guitarra elétrica em suas músicas e iniciou um

afastamento dos temas políticos em suas letras Acabou sendo vaiado em um festival e foi

“considerado um traidor do movimento da música de protesto pelos puristas, que só admitiam

violão acústico” (BRANDÃO; DUARTE, 2000, p.45). Apesar da crítica inicial, seu interesse

pelo “rock elétrico” foi o maior responsável pelo nascimento do folk rock62.

Independente das críticas e de seu distanciamento das questões sociais, o cantor

atingiu o estrelato e foi considerado um ícone não só na música, mas também como líder de

uma geração. Tido como o poeta máximo da música de protesto, Dylan “influenciou os

Beatles e praticamente todos os letristas importantes da história do rock” (BRANDÃO;

DUARTE, 1990. p.45).

Enquanto que a América do Norte vivenciava um momento de politização da

juventude universitária e ascensão da música de protesto (BRANDÃO; DUARTE, 1990), o

Inglaterra apresentava o inesperado ressurgimento do rock’n’roll e dava o primeiro passo para

tornar-se aquilo que é até hoje, um dos principais pólos divulgadores da cultura jovem

mundial.

Essa emergência cultural inglesa muito se deveu ao apoio que os Estados Unidos

deram a certos países europeus no período pós-guerra, com a criação do Plano Marshall. Entre

o final da década de 40 e o início da década de 50, quantidades consideráveis de dólares

norte-americanos foram injetados na Europa capitalista, através de empréstimos ou créditos

para compras de alimentos, matérias-primas e maquinários diversos. Com a economia

européia voltando a crescer, tornava-se possível uma assimilação do estilo de vida consumista

norte-americano (BRANDÃO; DUARTE, 1990).

Por uma série de motivos, em especial as questões históricas do país (BRANDÃO;

DUARTE, 1990), a Inglaterra foi quem mais assimilou essa explosão cultural e, mais do que

isso, com o tempo tornou-se ainda mais influente culturalmente. Com isso, o que ocorreu foi a

explosão de uma cultura jovem:

62 De artistas como The Band, The Byrds, Country Joe and The Fish, Buffalo Springfield, Crosby, Stills, Nash and Young, Simon and Garfunkel, Creedence Clearwater Revival, James Taylor, etc. (BRANDÃO; DUARTE, 1990)

92

(...) estudantes oriundos, em sua maioria, das classes trabalhadoras, escolheram o

rock’n’roll como porta de acesso ao mundo da cultura ocidental, dando assim o

primeiro passo para a renovação radical desse estilo de música, criando o som que

ficaria conhecido simplesmente como rock (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.46).

Ainda de acordo com Brandão e Duarte (1990), sabemos que anteriormente o

rock’n’roll havia demorado para chegar na Inglaterra:

Na déacada de 50, devido a problemas de distribuição e à censura da programação

radiofônica (controlada pela estatal BBC), o rock’n’roll levou alguns anos para

chegar ao Reino Unido. Sem uma infra-estrutura que divulgasse o rock’n’roll

(rádios, disc-jockeys, shows, etc.), os jovens ingleses só tinham os discos, mesmo

assim editados com atraso, ou discos importados. Esse vazio foi preenchido pela

onda skiffle, que era a imitação do blues norte-americano. Foi esse movimento que

deu ao rock britânico sua sólida base de blues, através de pioneiros como Alex

Kormer e John Mayall.

Quando o rock’n’roll nrote-americano chegou com maior intensidade ao mercado

britânico, no início da década de 60, chegou misturado com o rythm and blues, o

country, o rockabilly, o calipso, a música negra da Motown, recebendo uma nova

roupagem por parte dos músicos ingleses (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.46).

A partir disso, centenas de grupos musicais começaram a surgir em Londres e

Liverpool, no início da década de 60. Dois deles, em pouco tempo, atingiram um imensurável

sucesso internacional, “modificando de modo profundo não somente a música popular

mundial, mas todo o estilo de vida da juventude” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.47).

O primeiro deles, os Beatles, o “quarteto fantástico” de Liverpool, foram os maiores

revolucionários da música moderna, marcando o início do reinado da Inglaterra como pólo

lançador de música e cultura:

Os Beatles foram uma das maiores bandas de todos os tempos, conhecidos por

liderar a invasão do rock inglês na década de 60. Eles não tiveram apenas o impacto

sobre a música, como traduziram um conjunto de comportamentos diante da moda,

através dos meios de comunicação de massa. (...) a banda encontra seu espaço em

um contexto de crescimento do mercado de consumo voltado para o público jovem

(BIASUS, 2008, p.10).

93

E o outro, os Rolling Stones, foram os “meninos malvados” que conquistaram o

mundo. Com seu estilo agressivo e seus constantes escândalos, fizeram com que a música

fosse o fator menos importante dentro de uma das maiores e da mais duradoura banda de rock

da história:

Os shows dos Stones eram o teatro dionisíaco. Eles entravam no palco e logo se

estabelecia uma atmosfera que era a mais viva demonstração de entendimento

do espírito da época e o mais forte estímulo para ampliar suas conquistas. Mick

Jagger parecia uma labareda de significados cambiantes. Ele era uma mulher, um

macaco, um bailarino, um atleta, um moleque, um poeta romântico, um tirano, um

doce camarada. (...) Ele lograva ser mais diva do que qualquer Sinatra, do que

qualquer Barbra Streissand. Ele se confundia com as pessoas, com as coisas. O

grupo funciona como um organismo. A inteligência saía pelos poros. Mick e Keith

nunca fizeram canções como as dos Beatles, nunca escreveram como Dylan, nunca

cantaram como Winwood ou Paul, mas no palco eles representavam o que havia de

melhor e de mais forte em todos esses (VELOSO apud RONDEAU; RODRIGUES,

2008, p.154, grifo nosso).

A “invasão britânica” foi um movimento musical ocorrido entre 1964 e 1967 e refere-

se a uma sucessão de artistas rock, pop e beat do Reino Unido que alcançaram notoriedade na

América do Norte. Seu marco inicial foi dado pelos Beatles:

A invasão britânica (...) aconteceu em fevereiro de 1964, mas o grande sucesso já se

deu em dezembro de 1963, com o lançamento do compacto “I Want to Hold your

Hand”, que vendeu dois milhões de cópias em uma semana e colocou o mercado

fonográfico norte-americano em agitação, eletrizando a América. Nos primeiros

meses de 1964, eles tinham atingido simultaneamente os cinco primeiros lugares das

paradas. – Billboard, 4 de março de 1964 (BIASUS, 2008, p.20).

A notoriedade que as bandas de rock atingiam nos Estados Unidos movimentava a

mídia do país. O programa de variedades The Ed Sulivan Show, que apresentava grupos de

ópera, ballets e comediantes, agora também levava aos lares americanos os grupos de rock

britânicos. O sucesso foi tamanho que auge de sua audiência deu-se em 1964, com a presença

dos Beatles.

Os Rolling Stones também movimentaram a mídia americana, influenciando a criação

daquela que seria, até hoje, considerada a maior publicação periódica sobre música:

94

Em novembro de 1967, uma dupla de jornalistas de São Francisco, na Califórnia – o

novato Jann S. Wenner e o veteraníssimo Ralph J. Gleason – lançou nas bancas

aquela que seria a vitrine, o palanque e a tábua de ressonância da contracultura

movida a rock: a revista Rolling Stone (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.107).

A rebeldia encantadora desses artistas os transformou em celebridades de uma

notoriedade até então desconhecida. Os Beatles diziam ser “mais famosos do que Jesus

Cristo”. O impacto que causavam sobre a sociedade, em especial sobre os jovens, justificava

esse comparativo deveras pretensioso. “Garotas de todas as classes sociais se viam

envolvidas nas guitarras, nas declarações de amor, no choro, no arrancar de cabelos e nos

desmaios perante os espetáculos” (BIASUS, 2008, p.22).

Figura 30 – Adolescentes enlouquecidas pela presença dos quatro garotos “liverpoolianos”.

(http://colunadallas.wordpress.com/)

Como vimos acima, os Beatles foram os primeiros a “conquistar o mundo”. Quando a

sociedade já estava prestes a se costumar com a revolução causada pelo seu sucesso, os

Rolling Stones chegaram causando um alvoroço ainda maior:

Recentemente lemos num texto fornecido pelo serviço britânico de informações uma

observação curiosa, ou seja, de que, quando os pais já começavam a se acostumar

com os “Beatles”, suas roupas estranhas e suas cabeleiras, surgiram novos grupos

95

musicais ainda mais exóticos em gestos, trejeitos e roupagens, obrigando os mais

velhos (mais “quadrados”?) a um novo período de adaptação.

Entre estes grupos destacam-se os “Rolling Stones”, que é o melhor, uma verdadeira

“brasa”, um grupo “barra limpíssima”, que aos poucos vai ocupando um lugar de

preeminência conseguido à custa de muito esforço, muita luta e muita técnica.

Nesta fabulosa época em que o iê-iê-iê63 domina e manda, é um prazer ouvir um

conjunto formado por rapazes que sabem, como poucos, fazer música de qualidade

superior, música de “gente grande”. – Revista Garotas, de 1966 (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.86).

A juventude estava, de fato, enlouquecida pelo rock and roll e os Rolling Stones

tinham uma grande parcela dessa culpa. Se na metade da década de sessenta “ainda havia um

quê de verniz pop suavizando as arestas mais afiadas dos Stones”, no final da mesma eles “se

apresentavam verdadeiramente perigosos, uma banda de rock and roll tocando com toda a

violência e a sexualidade que isso implica” (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.144): “as

provocações de Mick (Jagger) e dos Stones surtiram efeito: agora, onde quer que se

apresentassem, era grande a chance da banda deixar para trás um rastro de teatros quebrados,

policiais estressados e jovens eletrizados” (RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p.95).

Ainda sobre a atmosfera de devastação causada pelo sucesso dos Rolling Stones, Keith

Richards (1971), citado na obra de Rondeau e Rodrigues (2008), conta que:

Houve um período de seis meses na Inglaterra em que não podíamos mais fazer

shows em salões de baile na Inglaterra, porque nunca conseguíamos tocar mais de

três ou quatro músicas cada noite, cara. Caos, polícia e gente demais, desmaios. A

gente entrava nos lugares e era como se estivesse rolando a Batalha da Criméia64,

pessoas sem ar, peitinhos de fora, garotas se sufocando, enfermeiras correndo para a

ambulância. – Keith Richards65, Rolling Stone, 19 de agosto de 1971 (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.95)

63 Termino que denominava o rock brasileiro da década de 60. Surgiu a partir da expressão “yeah yeah yeah,” presente em algumas letras dos Beatles. 64 Confronto ocorrido ente 1853 e 1856, no sul da Rússia e nos Bálcãs. 65 Guitarrista dos Rolling Stones.

96

1.3.5 A ARTE MODERNISTA:

Dentre a explosão cultural que a década de 60 vivenciava, dando continuidade aos

acontecimentos da década anterior, um dos movimentos mais revolucionários e de destaque a

surgirem foi a Arte Moderna. Contemplando movimentos como a Pop Art, a Arte Conceitual,

a Op Art e o Grafite, a Arte Moderna aproximava os ideais artísticos da realidade das

sociedades modernas.

A Pop Art, sem sombra de dúvida, foi o maior destaque da Arte Moderna. Sendo uma

fusão entre produção cultural e mercado (VITECK, 2007) e tendo em Andy Warhol seu maior

expoente, pode-se dizer que “o surgimento do estilo pop está relacionado com o clima de

otimismo e de crença no futuro que a economia em expansão e os avanços na área tecnológica

propiciavam nos anos 1960” (NUNES, 2008, p.18). Nesse mesmo sentido, McCarthy afirma

que:

A cultura de massa, o gosto popular, o kitsch, coisas por muito tempo descartadas

pelas belas-artes, foram a fonte de inspiração e provocação dos temas culturais

centrais da arte pop (...).

Rejeitando a idéia de que a arte e a vida deveriam ficar separadas, artistas britânicos

e norte-americanos – entre eles, Peter Blake, Richard Hamilton, Roy Lichtenstein,

James Rosenquist e Andy Warhol – passaram a usar os objetos produzidos em

grande escala e imagens fotográficas de jornais e revistas para fazer uma barulhenta

conexão entre a arte e o consumismo mundial do pós-guerra. (MCCARTHY, 2002,

contracapa)

Embora Warhol não tenha sido o precursor desse estilo, foi através dele que o mesmo

teve notoriedade. Possivelmente isso se deva ao bom tino que Warhol tinha para os negócios,

não limitando-se apenas às artes plásticas, mas também ao cinema e à música, como vimos

anteriormente, sobre sua produção da banda Velvet Underground. O próprio Andy fala sobre

o assunto:

(...) Andy Warhol confessou alegremente em The Philosofy of Andy Warhol (…)

que “ser bom nos negócios é o mais fascinante tipo de arte. (...) Ganhar dinheiro é

arte e trabalhar é arte e bons negócios é a melhor arte”. (MCCARTHY, 2002, p.26)

97

Esse movimento artístico consistia numa valorização do que era comum e mundano,

vendo beleza e arte naquilo que cercava as pessoas no dia-a-dia:

Nas mãos de Andy Warhol, caixas de sucrilhos Kellogg’s, pêssegos Del Monte e

sopa de tomate Campbell’s significavam abundância numa escala inconcebível antes

da guerra (...).

Esse era um mundo estranhamente duplicado de objetos à venda. As coisas

representadas nas pinturas estavam disponíveis a pessoas de quase todas as classes,

enquanto as próprias pinturas, que se mostravam altamente vendáveis como

mercadorias de arte, estavam igualmente disponíveis, especialmente quando

reproduzidas como gravuras, pôsteres e cartões postais. Desse modo, os artistas pop

podiam usar o sucesso de mercado de certos produtos amplamente conhecidos para

ajudar a vender seu próprio trabalho. (MCCARTHY, 2002, p.31)

Por outro lado, pode também ser percebida como uma ironia ou crítica ao sistema

capitalista: uma vez que se dava a uma garrafa de refrigerante ou uma lata de sopa o status de

obra de arte, ironizava-se o excessivo valor que aquela geração estava dando aos bens de

consumo:

Ela se caracteriza por trazer para o campo das artes produtos e personagens forjados

na lógica da indústria cultural. Assim, as imagens da garrafa de Coca-Cola ou da

lata de sopa Campbell, que enfatizam o fetichismo das mercadorias66 na transição

para o capitalismo tardio, deveriam constituir forte crítica política à forma como as

produções culturais vêm sendo absorvidas pelo mercado. (VITECK, 2007)

Nesse sentido, Nunes (2008) afirma que podemos perceber a cultura da década de 60,

bem como outros aspectos sociais, como uma representação da voz da juventude,

“revolucionária e insatisfeita com as regras impostas” (NUNES, 2008, p.17).

66 Conceito criado por Karl Marx, que consiste em um fenômeno social e psicológico onde as mercadorias aparentam ter vontades independentes de seus produtores e consumidores.

98

1.4 – DÉCADA DE 70: DO DECLÍNIO DO “PAZ E AMOR” À REBELDIA DA

ANARQUIA

1.4.1. FATORES SOCIOLÓGICOS:

A década de setenta iniciou-se como uma continuidade e um resultado de todas as

transformações ocorridas na década anterior. De acordo com Carmo (2000), “o furacão

contestador dos anos 60 deixou seu rastro em toda a geração dos anos 70” (CARMO, 2000,

p.114). Inicialmente, “sob um clima introspectivo, valorizava-se o direito à diferença, o “estar

na rua”, na continuidade dos movimentos underground e das experiências de vida em

comunidades naturalistas” (CARMO, 2000, p.114).

A idéia de trabalhos independentes emergia não apenas na música, com bandas

experimentais e gravadoras independentes – e com baixo orçamento –, mas também em vários

outros setores de produção, fosse de produtos de consumo material ou cultural:

Criar “cooperativas”, produção “independente” ou “alternativa” – essas são palavras

que ganharam relevância na época. Surge uma literatura marginal com a profusão de

livrinhos, principalmente no campo da poesia. Era a chamada “geração

mimeógrafo”. As pessoas editavam seus trabalhos com recursos próprios, em

pequenas tiragens.

A produção artesanal, mimeografada ou xerocada, muitas vezes era vendida de mão

em mão nos mais diferentes locais: mesas dos botecos, museus, portas dos cinemas,

recintos universitários e teatros. À semelhança dos seguidores da poesia beat dos

anos 50, nos Estados Unidos, as leituras também eram feitas em locais públicos, nos

bares e nos mais variados palcos dos teatros alternativos. (CARMO, 2000, p.115)

No campo da moda, paralelo ao surgimento do conceito de griffe e do grande

surgimento das temporadas de prêt-a-porter, surge a “antimoda”. Nesse momento, a maior

99

parte dos grandes criadores que, até então, trabalhavam com alta-costura em suas maisons,

abrem pontos de venda com coleções de prêt-a-porter.

Continuando a revolução sexual da década anterior, o feminismo ganha força.

Contrariamente a isso, os concursos de miss se popularizam e a obsessão pela magreza resulta

no surgimento de jovens anoréxicas.

A democratização da moda trazida pelo prêt-a-porter aparece também em meio aos

jovens, em uma década em que não apenas uma tribo se destaca:

Movimentos musicais enchem o mundo de referências na “década que o mundo

esqueceu”. A era “disco” (das discotecas) traz o lurex, a boca-de-sino, a plataforma;

o Glam Rock festeja David Bowie, a androginia, o brilho e, finalmente, o punk. Em

meados dos anos 70, em Londres, um punhado de garotos desempregados faz

barulho, sintetizando a atmosfera No Future (“Sem Futuro”, seu slogan) e a falta de

perspectiva; eles protestam com seus alfinetes, roupas rasgadas, muito preto,

jaquetas de couro, coturnos e cortes de cabelo “moicanos”. A principal voz é o

grupo Sex Pistols, que tem em sua formação Johnny Rotten, Sid Vicious e Malcolm

McLaren, casado com a estilista Vivienne Westwood. Na loja do casal, a Sex, o

punk vira moda (PALOMINO, 2003, p.61).

Figura 31 – Cartaz do filme “Embalos de Sábado à Noite” (Saturday Night Fever), ícone da era disco.

(http://pianoambiente.blogspot.com/)

100

1.4.2. MODA:

Na década de setenta, muito do utilizado pelas tribos jovens na década anterior havia

se tornado moda entre as massas. A onda do anti-consumismo iniciada pelos movimentos da

contracultura deixava os brechós em voga, trazendo itens da moda das décadas de 20 e 30

para a indumentária da juventude. Chapéus, roupas em veludo e cetim, estolas de pluma e

outros ícones retro eram utilizados pelos jovens, bem como pelos ídolos hippies como Janis

Joplin e Jimmi Hendrix.

As idéias de produção artesanal e de fuga da urbanização e industrialização traziam à

voga elementos bastante manuais, como o tie-dye67, o patchwork68, o crochê, etc. As estampas

florais, os lenços nos cabelos, os óculos redondos e os detalhes em franjas também haviam

sido herdados dos hippies surgidos na década anterior. O que antes era ideologia e

comportamento, agora era moda, exposto nas vitrines para quem quisesse aderir.

Grandes túnicas, calças amplas e sandálias rasteiras faziam jus às idéias de conforto e

vida simples do momento, mas estavam em oposição às cinturas baixas e grandes plataformas

que também eram usadas no mesmo período.

A disco music, lado a lado com o glam rock confere uma atmosfera de glamour ao

período: tecidos com muito brilho, maquiagens e cabelos exagerados, meias de lurex e

grandes saltos ou plataformas eram os elementos em maior destaque.

Um dos maiores ícones da estética desse momento foi a atriz Farrah Fawcet, com seus

penteados no estilo “pantera”.

67 Espécie de tingimento manual que confere à peça um visual manchado. 68 Trabalho manual que consiste na junção de diversos retalhos de tecidos diferentes.

101

Figura 32 – A atriz Farrah Fawcet. (http://childofthemoon.blogspot.com/)

102

2 – UMA ANÁLISE DE MODS E HIPPIES

2.1 – MODS

Em meio à explosão cultural da Londres da década de sessenta surge um grupo de

jovens extremamente bem vestidos, que chegavam a ostentar uma postura esnobe no seu

vestir (CARMO, 2000 apud HOFFMANN, 2008). Originado em meio aos jovens de classe

média, a esse grupo deu-se o nome de mods, termo derivado da palavra modern (moderno),

pois os mesmos consideravam-se modernistas. Os primeiros mods a surgirem “eram dandies

vindos da classe média alta, muitas vezes judeus, como Brian Epstein, o empresário e

verdadeiro “criador” dos Beatles, que tomara o partido de tudo que era ‘novo’ e ‘moderno’”

(BOLLON, 1993 apud HOFFMANN, 2008, p.52).

Biasus, em estudo sobre a influência do estilo dos Beatles na moda, faz uma análise da

indumentária dos mods:

Os principais sinais do original estilo mod eram percebidos nas calças com

comprimento exato para evidenciar a bota de couro de cano médio (os mods

usavam a calça a 17 cm do chão e botas), paletós com dois ou três botões, gravata

fina em tonalidade escura, colarinho branco da camisa branca com as pontas para

dentro do paletó, jaqueta curta de veludo, de caimento perfeito, e impecável ternos

pretos de alta alfaiataria. E para complementar o visual clean69 e elegante: corte de

cabelo french70 com comprimento na altura do pescoço, com ou sem franja. Sua

vida social urbana era impulsionada por um tipo de droga chamada anfetamina e

69 Limpo, no sentido de sem exageros, mininalista. 70 Francês.

103

havia entre eles uma simpatia por toda estética italiana de Lambretas, bebidas com

café expresso e ternos de alfaiataria em lã italiana (BIASUS, 2008, p.57).

Apesar de o visual dos mods parecer algo tradicional e correto, ele trazia em si um

caráter contestatório (HOFFMANN, 2008), de revolta, como afirma Hoffmann: “o dandy era

um herói romântico, numa posição de revolta contra a sociedade que lhe originou, um homem

de passado e de futuro” (WILSON, 1985 apud HOFFMANN, 2008, p.51).

O dandyismo era, e é, tão contraditório como a sociedade que lhe deu origem;

porque acontece que este “período transitório” do capitalismo é permanentemente

transitório, condenado a constante mudança, vomitando repentinamente rebeldes

ambíguos, cuja rebeldia nunca é uma revolução, mas pelo contrário, uma

reafirmação do Eu; o dandy, [...] era, e ainda é, acima de tudo, um anti-

bourgeois71.(WILSON, 1985 apud HOFFMANN, 2008, p.52).

Enquanto uma juventude extremamente politizada invadia as ruas durante esse

período, os mods consistiam em um grupo muito mais estético do que ideológico. Embora

tenham derivado do movimento beat, os mods tinham menor preocupação intelectual e maior

apreço pelo visual. Assim como os dandies, eles “levavam o narcisismo muito a sério. A

aparência para estes jovens era o que realmente importava” (HOFFMANN, 2008, p.52):

Os mods se tornariam mais uma tribo do que um verdadeiro movimento cultural e

social. A sua estética ultrapassaria o estreito quadro de uma fração da juventude: ela

se uniria à grande revolução cultural e social dos anos 60 ingleses. Ela faria parte do

“Swinging London” que mudaria e renovaria de alto a baixo a cultura e a própria

concepção tradicional das elites inglesas (BOLLON, 1993 apud HOFFMANN,

2008, p.53).

Paralelo ao movimento mod, existiam os rockers, seu grupo “rival”. O ano de 1964 foi

o marco desses conflitos:

71 Anti-burguês.

104

A fim de “curar” o marasmo da época, que dispunha de poucos recursos de lazer,

estes grupos espantaram o tédio com atritos que ganharam força através dos

“tablóides” sensacionalistas da época, estendendo estes conflitos por todo o ano

(HOFFMANN, 2008, p.54).

Enquanto os mods apoderavam-se da estética dandy e apresentavam sempre um visual

impecável, os seus rivais tinham um estilo propositalmente agressivo e de aparência suja:

(...) os rockers, ao contrário dos mods, tinham um aspecto rude (...) e usavam o

clássico blusão de couro preto dos motoqueiros americanos, sobre jeans fedorentos e

sujos de graxa. (...) chamavam os mods de mocinhas (...) e os acusavam de traidores

da sua classe. (...) Para os mods este grupo era considerado “grosseiro” e

“retrógrado” (BOLLON, 1993 apud HOFFMANN, 2008, p.53).

Ainda analisando as diferenças entre os dois grupos, podemos citar Biasus (2008):

Os rockers eram uma espécie de Hell’s Angels72 ingleses. Usavam jaquetas de

couro, gostavam de músicas dos anos 50, como Elvis, Gene Vincent, Eddie

Cochran. Os mods não gostavam dos rockers porque achavam que eram

brigões,,machistas e antigos. Os rockers não gostavam dos mods porque eram

garotos de art school73 e usavam roupas efeminadas. (...)

Os rockers possuíam uma característica típica de gangs. As jaquetas de couro e o

topete eram elementos fundamentais de seu grupo, além de fazerem correr com suas

motocicletas pela cidade (BIASUS, 2008, p.58).

O centro desse conflito era este fato de os rockers “acusarem” (BIASUS. 2008) os

mods de traírem a classe operária, pois, embora sua estética e estilo de vida fizessem com que

parecessem ricos – e tivessem sido influenciados por tais –, eles eram em sua maioria da

classe média-baixa ou operários.

72 Violenta gangue norte-americana de motociclistas (RONDEAU; RODRIGUES, 2008). 73 Escolas de arte.

105

Na verdade, essa “traição” da qual os rockers os acusavam e essa maneira blasé74 e

exibicionista de ser apenas mascarava o fato de serem jovens “sonhadores que imaginavam

poder escapar de sua classe de origem e de sua cultura para se juntar aos valores e gostos da

classe média alta e intelectualizada” (BOLLON, 1993 apud HOFFMANN, 2008, p.57),

mesmo que, para isso, precisassem gastar todo o seu salário. “Os operários, sobretudo nos

últimos anos da juventude, antes que o casamento e as despesas domésticas dominassem o

orçamento, agora podiam gastar em luxo” (HOBSBAWN, 2003 apud BIASUS, 2008, p.46).

A filosofia de vida dos mods incluía uma ampla valorização da elegância e do

hedonismo: “sua cultura era deliberada e exclusivamente uma cultura do lazer” (WILSON,

1985 apud HOFFMANN, 2008, p.54). Eles viviam em busca da última moda e circulavam

entre lojas, bares, danceterias. Por mais que tivessem sido influenciados pelo movimento de

contracultura iniciado anos antes, os mods acabaram por se transformar no “símbolo do

consumo generalizado dos anos sessenta” (WILSON, 1985 apud HOFFMANN, 2008, p.54).

Esse consumo, aliado à vaidade, tornava esses jovens “livres” para sonhar (HOFFMANN,

2008, p.54).

Seu estilo opulento, exagerado, e até de certa forma egocêntrico, estava exteriorizado

nos seus mais diversos atos e preferências:

Nas boates, disputavam entre si quem iria lançar o próximo passo de dança e

gostavam de ouvir R&B (rythm and blues) dos negros americanos, por julgarem ser

mais sofisticado do que o rock’n’roll. James Brown era, entre outros músicos da

época, muito reverenciado. Entretanto, mais tarde, estes dois ritmos tenderiam a

formar novos ritmos contemporâneos, os quais ouvimos hoje.

Do comportamento esnobe, blasé que caracterizava estes jovens, alguns chegavam

ao seu extremo: gostar apenas de filmes italianos ou franceses, falar apenas em

francês, freqüentar apenas coffee-shops, entre outras atividades, em que o objetivo

era diferenciar-se e manter o estilo cool de ser (HOFFMANN, 2008, p.55).

O estilo visual dos mods pode ser facilmente identificado e descrito através da estética

de bandas de destaque dessa década, como The Who, Kinks, Small Faces e Beatles. Até os

Rolling Stones, durante esse período, encarnaram um visual dandy, embora apresentassem um

estilo musical diferente das demais:

74 Indiferente, apático, desinteressado pelo que acontece ao seu redor.

106

No espírito da época, os Stones se vestiam como dandies edwardianos

multicoloridos – e Brian era quem mais se esmerava nas roupas, estimulado por

Anita Pallenberg, que agora morava com ele – e aprimoravam seu visual com novos

cortes de cabelo e até experiências com pêlo facial, se levarmos em conta o

bigodinho fino cultivado por pouco tempo por Charlie.

Ou, então, se vestiam como mulheres – provocação suprema – para posar para a

contracapa do compacto americano “Have You Seen Your Mother, Baby, Standing

in the Shadow”. A foto gerou o tititi esperado (...) (RONDEAU; RODRIGUES,

2008, p.93).

A seguir, vemos os Rolling Stones vestidos ao estilo dandy, como os mods do período:

Figura 33 – Rolling Stones. (http://ettelefoneminhacasa.files.wordpress.com/)

Já na imagem abaixo, vemos a capa do compacto supracitado, onde os integrantes da

banda Rolling Stones posam vestidos de mulher:

107

Figura 34 – Capa do disco “Have You Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow?” (http://piggy-

sakura.blogspot.com/)

Embora todas essas bandas acima citadas tenham sido parte desse movimento, em sua

expansão na década de sessenta, foram os Beatles, o maior fenômeno da música britânica do

período, os responsáveis pela massificação do estilo. Eles estavam na mídia, no topo das

paradas, no ideário da juventude e, sendo assim, despertavam um desejo de imitação naqueles

que os idolatravam. Eles, por sua vez, eram influenciados pelo estilo do estilista Pierre Cardin

(BIASUS, 2008).

No estudo de Hoffmann (2008) sobre o movimento em questão, podemos observar a

descrição de Bollon (1993) sobre o estereótipo do visual mod:

Os rapazes usavam cabelos curtos [...] esculpidos com navalha [...]. Usavam calças

de cintura baixa – o que era uma novidade para a época – sem bainha virada e com o

vinco permanente e impecável, casacos curtos com fendas laterais, camisas de largas

lapelas abotoadas e fechadas por estreitas gravatas de lã ou de couro e mocassins

italianos. [...] Quanto às moças, elas se vestiam mais simplesmente. Usavam de

preferência calça comprida, geralmente do tipo fuseau de esqui, com suéter de gola

redonda e sapatilhas, e seus cabelos lisos eram separados por um repartido e cortado

na altura do queixo com, às vezes, uma franja reta sobre a testa [...]. Eram espécies

de “versões inglesas” das jovens “existencialistas” de Saint-Germain-des-Prés

(BOLLON, 1993 apud HOFFMANN, 2008, p.56).

Os mods podiam ainda ser subdivididos em duas categorias:

108

(...) os “scooter boys” e os mods básicos. O primeiro era aparentemente mais rico,

“desfilava” de Lambreta, ou Vespa, em seus ternos “italianos” feitos sob

encomenda. O segundo contentava-se em exibir camisetas pólo, jeans e andava a

pé. Havia também outra distinção entre este grupo: os faces e os numbers.

Respectivamente, um era responvável por lançar manias e o outro possuir apenas

uma elegância anônima. No entanto, todos estes jovens assemelhavam-se num

aspecto: ter na sua aparência o centro de suas vidas (BOLLON, 1993 apud

HOFFMANN, 2008, p.56-57).

O fato de uma série de jovens se unirem em um movimento estético e cultural fazia

com que se formasse uma unidade entre eles. Dentro do grupo, não havia diferenciação social,

afinal o que estava em questão não era “a classe social do sujeito, mas seu comportamento

antimoda que, através da oposição, expressava suas diferentes idéias, seu descontentamento”

(HOFFMANN, 2008, p.52):

(...) Organizando-se em tribos, que se relacionavam por semelhanças de gostos e

estilos que contribuíam para a grande revolução cultural, ao qual foi responsável

por, inclusive, integrar a sociedade, já que para a tribo a classe social não era levada

em consideração, mas o estilo proposto pelo grupo (HOFFMANN, 2008, p.53).

As atitudes, a música e o visual das bandas do período “dimensionaram ainda mais a

rebeldia dos anos 60, frente ao conservadorismo da geração anterior, sinalizando, também,

para um conflito de gerações”. Era como se, através da música e dos movimentos de

contracultura, “essa geração que quebrava paradigmas encontrasse voz” (BIASUS, 2008,

p.29).

2.2 – HIPPIES

O clima de insegurança gerado pelos acontecimentos das últimas décadas (a Segunda

Guerra Mundial, a bomba nuclear de Hiroshima e Nagasaki e a Guerra Fria) estimulou o

nascimento de um “movimento jovem em defesa da paz e do amor que, em contraposição ao

clima de beligerância instalado pelas potências dominantes, clamava por um mundo de paz e

109

tranqüilidade” (FARIA apud NUNES, 2008, p.12). O amor, a fraternidade e a defesa da

natureza eram os ideais desses jovens que lutavam contra as guerras e o consumismo

alimentados pela sociedade de seus pais. “Faça amor, não faça Guerra” era o grande lema

dessa juventude.

Figura 35 – Jovens com cartaz dizendo “amor, não guerra”. (http://www.montanha.bio.br/)

Com um clima de “paz e amor” e a filosofia do “flowerpower”, surge o movimento

hippie. Buscando influências em outras etnias e com um toque de androginia (em função da

moda unissex) e de uma imagem sexual mais agressiva, esse grupo traduz em sua

indumentária o seu estilo de vida despreocupado. “Os americanos de 1969 tinham feito a

cabeça, abraçado o amor livre e se virado contra a guerra do Vietnã” (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.144). Agora sim as idéias de “amor livre” se unem com força total à

vontade de “fazer amor e não guerra”, mostrando que as flores, a rusticidade e o bucolismo

nada mais são do que um sentimento escapista; “com as mulheres usando calças, a revolução

sexual se completa” (PALOMINO, 2003, p.61). Ainda sobre o estilo de vida desse grupo,

Fonseca afirma:

110

Entre suas propostas/experimentos, estavam a vida em comunidades, a alimentação

natural e a família aberta, ou melhor, o amor livre. A “contracultura” constituía o

cabedal teórico de postulações contra as normas e saberes impostos pela sociedade

tecnológica, em que convergiam toda a massa fabulosa de novas e velhas idéias (o

computador, os transplantes, a tecnologia espacial) e um insólito retorno à

Astrologia, ao ocultismo, à cabala, às artes divinatórias, à bruxaria, ao demonismo,

em suma, a velhos cultos pagãos e às religiões orientais (FONSECA, disponível em:

http://albenisio.spaces.live.com/blog/).

Nesse mesmo sentido:

Os hippies (...) assumiram a preferência pela revolução comportamental à revolução

social por meio de suas roupas, adereços e consumo de drogas associado à libertação

da mente e à experimentação. Emerge a vida em comunidade com a adoção de um

estilo de vida mais natural, comida vegetariana e macrobiótica, prática de meditação

e ioga, negação das bebidas alcoólicas e preferência ao uso da maconha, ácido e

cogumelos. Muitos jovens fizeram a opção por um estilo de vida alternativo,

deixando cedo a casa de seus pais em busca de independência e novas experiências.

Fugiam das cidades grandes (...). Lia-se Castaeda, Aldous Huxley e filosofia oriental

(DIAS, 2004 apud BORELLI; ROCHA; OLIVEIRA; LARA, 2009, p.386).

De acordo com Resende (1992), esses jovens, “na sua postura mística ou política,

afastaram-se dos valores dominantes da sua classe social de origem e, desse modo, do

universo cultural parental” (p. 133):

Para os hippies, cair fora dessa camisa-de-força ocidental significava ganhar um

outro lugar, fugindo então simultaneamente ao cerco do espaço físico, institucional e

lógico (...). Para a opinião pública de classe média, são pessoas marginais, na sua

maioria viciada em drogas. Para eles próprios, aquela nova forma de vida

significava uma fuga da máquina e uma volta à natureza, vivendo do próprio

trabalho quase sempre manual. (...) e tanto o misticismo quanto a droga constituíam-

se numa forma de oposição ao racionalismo dominante nas sociedades tecnocráticas

(PEREIRA, 1983 apud TEIXEIRA, 2008, p.11-12).

Esse estilo pode ser visto nos filmes que retratam o período, como “Diários de

Woodstock” (1969) e “Hair” (1979). As calças haviam alargado suas bocas (pantalonas) e

abaixado suas cinturas (saint-tropez). Os cabelos eram compridos e bagunçados e tanto

111

homens quanto mulheres usavam faixas ou lenços na altura da testa. Os óculos eram pequenos

e arredondados e os acessórios eram rústicos. Os rostos eram sem maquiagem e as peles eram

bronzeadas. Os tecidos eram macios e as roupas, predominantemente florais. O estilo da

juventude exteriorizava seus ideais de liberdade, mostrando uma “falta de preocupação com a

estética ‘certinha’ das décadas anteriores” (DEMICHEI, 2009, p.25).

Figura 36 – Hippies com seus cabelos longos e lenços nos cabelos. (http://www.uff.br/)

Estampas psicodélicas, lentes coloridas nos óculos e manchados tie-dye simbolizavam

tanto as influências místicas e religiosas de culturas do ocidente (ROSZAK, 1984 apud

RESENDE, 1992) quanto as “viagens” (alucinações) provocadas por drogas como LSD75 e

mescalina:

(...) um desbunde geral no pop britânico, nutrido pela descoberta do LSD e

observado nas roupas agora multicoloridas dos músicos, no uso de sintetizadores

(...) e na empolgação crescente por experimentação artística (RONDEAU;

RODRIGUES, 2008, p.100).

75 Ácido lisérgico, substância criada acidentalmente num laboratório suíço.

112

Figura 37 – “Amor livre”, calças saint-tropez e estampas psicodélicas.

(http://childofthemoon.blogspot.com/)

Quanto às influências místicas e religiosas, pode-se dizer que:

O misticismo religioso foi, sem dúvida, o lado extremo da contracultura hippie –

como sempre o foi, de resto, de todos os irracionalismos. O que o caracterizou foi a

mistura delirante de todos os êxtases: Tibete, Índia, parapsicologia, zen-budismo,

realismo mágico, discos voadores, astrologia, bolas de cristal, macumba (vodu, para

eles), iluminações psicodélicas e espiritismo puro e simples estavam todos,

misturados no mesmo saco místico da contracultura (MACIEL, 1987 apud

CARVALHO, 2007, p.59).

Como podemos perceber de acordo com todos os autores supracitados, a cultura hippie

trazia em si uma série de influências, todas com um quê de surrealismo, sobrenaturalidade,

magia e alucinação. Ainda segundo Carvalho (2007), a religiosidade desse grupo não era do

tipo que buscava justificativas ou desculpas; estava voltada para a contemplação espiritual,

buscando “o êxtase da união direta com a divindade” (p.60).

Em 1969, cerca de meio milhão de jovens reuniram-se no festival de Woodstock, que

seria considerado historicamente o maior ícone dessa geração.

113

3 – UMA ANÁLISE DOS PUNKS

Musicalmente falando, o movimento punk76 originou-se em 1972, no clube nova-

iorquino CBGB. “Em 1972, um crítico americano chamou de punk o conjunto New York

Dolls. Punk também foi o nome de uma revista lançada em Nova York, em 1975, cujo

primeiro número entrevistou os Ramones.” (CARMO, 2000, p.124) Os artistas Television,

MC5, Dead Kennedys, Stooges, Patti Smith e Velvet Underground também se destacaram e

fizeram parte desse início do movimento. Mas a explosão do mesmo e o surgimento da atitude

punk foram surgir na Europa, em meio ao cenário sócio-político-cultural em que tal sociedade

se encontrava.

Em meados da década de 70 a Inglaterra vivia um momento de estagnação econômica,

com o desemprego atingindo duramente a sociedade (CARMO, 2000). A juventude da classe

operária sentia que não havia perspectivas de futuro. Com isso, surgia um novo movimento,

que seria considerado “um dos fenômenos sociais e culturais mais controversos da história

contemporânea” (VITECK, 2007), mas ao mesmo tempo, um dos mais marcantes:

Sentindo um clima de estagnação, sem emprego e sem nada para fazer, os jovens

vão em busca de atividades e diversão (...).

O ano da explosão punk foi em 1977, com sua fúria e desencanto. Jovens ingleses

lançaram seu grito de revolta e de inconformismo, na crítica à sociedade estagnada.

Viviam num país em recessão e vierem fazer coro à raiva, ao tédio e à frustração da

falta de perspectivas. Tudo isso contribuiu para o aparecimento de uma nova

corrente musical dentro do rock e de um estranho modo de se vestir, bastante

“anormal”, mesmo depois dos excessos provocados pela cultura hippie (CARMO,

2000, p.124).

76 “Punk é uma palavra da língua inglesa que significa maneira podre, mas também pode designar algo sem valor ou pessoas desqualificadas. Punk: inepto, podre, sujo e insano.” (CARMO, 2000, p.124-125)

114

Podemos verificar uma diferença fundamental entre os punks e os hippies:

O punk era, também, a reação contra o otimismo florido e muitas vezes alienado da

geração “paz e amor” e seu sonho psicodélico. Enquanto os hippies originaram-se da

classe média e desejavam o retorno ao campo, os punks eram jovens operários ou

filhos de operários que cresceram nos subúrbios (CARMO, 2000, p.124).

Tendo uma ideologia marcada pela contestação ao sistema capitalista, o punk foi uma

das principais vertentes dos movimentos de contra cultura da segunda metade do século XX

(VITECK, 2007). No mesmo sentido, Carmo se posiciona, afirmando que:

O lema “Não há futuro” torna-se a palavra de ordem de toda uma geração.

Trata-se de uma juventude que, insatisfeita com tudo, busca o espírito de

mudança, lançando críticas e furiosos ataques contra uma sociedade

estagnada, atolada na apatia e viciada (CARMO, 2000, p.127).

Figura 38 – Cena do documentário The Filth and the Fury.

A cultura punk foi construída “a partir de um sentimento de indignação e desilusão”

com os rumos capitalistas que a sociedade estava tomando, bem como com sua lógica

cultural, “suas sociabilidades e sensibilidades” (MORAES, 2008, p.2). Assim, D’Ávila

contextualiza esse movimento:

A compreensão sobre esses grupos de jovens se torna mais abrangente pelo

conhecimento das condições históricas presentes na Inglaterra dos anos 70.

115

Desemprego, crise das ideologias, autoritarismo, foram fatores importantes para

fomentar nos jovens uma descrença com relação ao futuro e aos padrões da

civilização. Inicialmente, houve a ruptura com a geração dos anos 60 e do

movimento hippie, disto resultaram atitudes isoladas de rebeldia contra o sistema,

mas sem uma ideologia que unificasse esses comportamentos como sendo de grupo

(D’ÁVILA, 2009).

Surge uma identidade punk:

Com a intensificação deste processo, indivíduos com afinidades surgidas das

mesmas formas de viver e pensar sentiram necessidade de criar um elemento de

unidade entre as atitudes individuais de descontentamento. Uma identidade passou a

ser estabelecida a partir da música e do visual, sem a pretensão, ainda, de uma

anulação do indivíduo no grupo, como permanece sendo a tônica geral do

movimento punk em nossos dias. Dessa proposta inicial, ou em contraposição a ela,

foram surgindo novas abordagens que se chocam umas com as outras (D’ÁVILA,

2009).

Essa situação pode ser facilmente compreendida no documentário The Filth and The

Fury (2000), que retrata a história da banda Sex Pistols e inicia-se apresentando o quadro

social da Londres da década de setenta, que contribuiu para a revolta adolescente que seria o

estopim do nascimento do movimento punk:

O partido trabalhista, que prometeu tanto depois da guerra não fez nada pela classe

operária. A classe operária estava confusa sobre o seu significado e não percebiam o

que significava a classe operária. Eram tempos frios e deprimentes. Não havia

trabalho. Estavam todos no buraco. Se não nascesses com dinheiro, podias te

despedir da boa vida porque não ias ser ninguém. O germe que deu origem ao Sex

Pistols nasceu daí. (...) A Inglaterra encontrava-se num estado de agitação social.

Eram tempos muito, muito diferentes. Era o caos social completo. Havia distúrbios

por todas as partes. Havia greves por qualquer coisa. As televisões emitiam dia sim,

dia não. As pessoas estavam fartas do velho sistema. O velho sistema não

funcionava. Na escola, no trabalho, em todas as partes: não tens nenhuma

oportunidade. Daí saem a luta social, o ódio e a guerra, o ódio racial. Quando te

sentes impotente, te agarras a qualquer classe de poder para manteres auto-estima

(documentário The Filth and The Fury, 2000).

116

Figura 39 – Cena do documentário The Filth and The Fury.

Figura 40 – Cena do documentário The Filth and the Fury.

Com um visual transgressor, essa geração queria mostrar à sociedade seu

descontentamento com os rumos que a mesma tomava:

Com cabelos cortados no estilo moicano e coturnos pesados, seus trajes têm

simbolicamente o mesmo significado anárquico e desesperado expresso nas letras de

suas músicas: botas, couro, correntes, tatuagens, insígnias nazistas ou do comunista

Stálin. (...)

O estilo compõe uma aparência estranha e agressiva. As garotas aparentavam ter

saído de um bombardeio com maquilagem exagerada, meias furadas ou feitas de

rede de pesca, colar de corrente e cadeado, tecido sintético e o preto como cor

favorita. O resultado desse modo de vestir foi a proliferação do couro correntes,

zíperes e roupas esfarrapadas (CARMO, 2000, p.125-126).

117

A banda Sex Pistols, que é tida como o maior marco do movimento, foi formada por

adolescentes da típica classe operária londrina. “O grupo (...) tornou-se símbolo do

movimento e o colocou em evidência nos meios de comunicação”:

Suas letras expressavam a anarquia e insultavam a família real. Apesar de ser

proibida na BBC, a canção God Save the Queen atingiu o segundo lugar da parada

de sucessos britânica77. Causou embaraços na realeza britânica devido à

proximidade dos festejos do jubileu (25 anos de reinado de Elizabeth II). A letra é

de arrasar. Inicia-se com um pedido, “Deus salve a rainha e seu regime fascista”, e

termina com a afirmação “Não há futuro nos sonhos da Inglaterra”78. O som era um

soco de pura agressão.

Embora outros grupos surgidos no rastro dos Pistols tivessem até mais talento e

posições políticas mais articuladas (The Buzzcocks, The Clash), eram eles que

causavam mais polêmica e se tornaram centro das atenções. Sua música, seu

comportamento apocalíptico e suas opiniões causavam espanto e curiosidade.

Quanto Rotten urrava no microfone “No future”, lançava mais uma pá de terra na

civilização ocidental como um todo (CARMO, 2000, p.127).

Como vemos no documentário supracitado, os garotos que formaram a banda eram

filhos de funcionários da indústria e viviam em meio a dificuldades e a conflitos sociais. O

guitarrista Steve Jones e o baterista Paul Cook conheciam-se já desde a infância, residiam na

mesma vizinhança.

O vocalista Johnny Rotten, filho de imigrantes irlandeses, era uma criança tímida,

quieta, que seguia a religiosidade dos pais. Depois de um coma, aos sete anos de idade, teve

sua capacidade de concentração nas aulas prejudicadas, mas passou a fazer questionamentos

e, logo cedo, a estar envolvido em confusões. Segundo ele, as escolas passavam uma visão

distorcida da realidade e limitavam os jovens para que não questionassem o seu futuro, uma

vez que não tinham perspectiva alguma sobre o mesmo. Dizia que, não tendo futuro, o que lhe

restava era a música. De tais questionamentos sobre o sistema e a sociedade, nasciam o

sentimento e a ideologia punk.

O sentimento de revolta se formava, e precisava de uma face. Em busca de um estilo

que exteriorizasse suas idéias, os garotos iam à Let It Rock, onde encontravam um estilo que

77 O autor cita como tendo atingido o segundo lugar, mas o documentário The Filth and the Fury mostra que, na verdade, foi o primeiro lugar. 78 O verso da banda estava ligado ao lema do movimento: “Não há futuro”.

118

não havia em nenhum outro lugar. A loja, localizada na rua que era referência na moda

inglesa, King’s Road, pertencia ao casal Malcolm McLaren e Vivienne Westwood.

McLaren, que se tornou um dos maiores ícones e responsáveis pela propagação do

punk rock no Reino Unido, teve a sua fama projetada em função da Let It Rock. A loja, que

vendia um estilo baseado numa releitura dos teddyboys da década de 50, transformou o casal

McLaren e Westwood em celebridades entre os músicos e modernos em geral da Londres da

década de setenta. Foi através da Let It Rock que McLaren conheceu os garotos que,

posteriormente, formariam o Sex Pistols:

Se queria vestir algo que os T.Rex vestiam, ia à King's Road (...). Acabava sempre

em Let It Rock, a loja de Malcolm McLaren e Vivienne Westwood. O resto das

lojas de King's Road, entrava e tinhas logo dez maricas a perguntar-te “posso

ajudar?”. Por isso íamos sempre até a loja da Vivienne, e ali ficávamos. Gostava da

roupa, era diferente. (...) Era muito mais rebelde, isso me atraía (documentário The

Filth and The Fury, 2000).

Até hoje, a estilista Vivienne Westwood é conhecida pela criação da “moda punk”.

Freqüentando a loja, os garotos acabaram por tornarem-se amigos de Malcolm McLaren, e

esse fato muito se deveu ao fato de McLaren ter muitos contatos na música. “Parecia conhecer

todo o mundo”, como os mesmos dizem no documentário The Filth and The Fury (2000).

Os garotos freqüentavam a King’s Road, mas incomodavam-se com aquela realidade

que os cercava, com o que havia ali além da Let It Rock, como Johnny Rotten explica no

documentário supracitado:

Passeava para cima e para baixo por King’s Road cheio de ira e ressentimento. As

pessoas eram absurdas, ainda presos às calças largas e sapatos de plataforma, e

cabelo longo bem penteado, fazendo de conta que o mundo não existia. Era um

escapismo que me ofendia. Havia também uma greve de lixo que durou anos e anos

e havia um monte de lixo empilhado e não se davam conta (documentário The Filth

and The Fury, 2000).

119

Figura 41 – Vestígios do estilo hippie. (Cena do documentário The Filth and The Fury)

Figura 42 – Vestígios do estilo mod. (Cenas do documentário The Filth and the Fury)

Enquanto que os garotos criavam um sentimento de revolta com o que acontecia ao

seu redor, McLaren iniciava-se na carreira de produtor musical. Em 1973, depois de a banda

New York Dolls ter visitado a Let It Rock, McLaren tornou-se seu produtor, empolgado pelo

visual da mesma, que mesclava o estilo glitter com sadomasoquismo.

Mas nesse momento, nos Estados Unidos, mais especificamente em Nova Iorque, a

blank generation – formada por Patti Smith, Tom Verlaine (e sua banda Television) e Richard

Hell (com os Voidoids) – estava cansada da “onda de superficialidade e sofisticação da

cultura pop, interessando-se por uma aparência ascética e poética: era o movimento minimal”:

O minimal era uma corrente artística, na qual de exigia apenas o mínimo do artista,

com letras que recuperavam as posturas existencialistas e beat do pós-guerra,

120

acompanhadas de um rock básico e sem quase nenhum efeito tecnológico

(BRANDÃO; DUARTE, 1990, p.80).

Foi a partir disso que Malcolm McLaren percebeu que o estilo do New York Dolls

estava ultrapassado, e deixou a banda e voltou para Londres com novas idéias em mente.

Percebendo que, no mundo do rock, a atitude e a ideologia representavam mais do que a

música, pensou que algo novo podia ser criado.

McLaren rtomou a loja, que agora se chamava SEX, e apresentava roupas com visual

fetichista, em couro, borracha e aplicações de metal. Reuniu-se com os garotos que viviam na

mesma – Steve Jones e Paul Cook – e uniu a eles seu funcionário Glen Matlock. Assim, em

1975, surgia aquilo que logo seria um dos maiores fenômenos do movimento punk: o Sex

Pistols. Mas faltava ainda um vocalista.

Figura 43 – Sex, a loja do casal McLaren e Westwood. (http://beautyandthedirt.com/)

121

Figura 44 – Roupas fetichistas da loja Sex. (Cena do documentário The Filth and The Fury)

Depois de o crítico Nick Kent e o cantor Richard Hell79 terem sido descartados para a

função, a banda resolve tentar um jovem suburbano, de aparência ruim chamado John Lydon.

O teste foi feito na própria loja e, apesar de o garoto não saber cantar, foi aprovado por

possuir postura e comportamento anti-social: era exatamente o que eles buscavam. Ali a

banda iniciava-se e John Lyden passava a ser Johnny Rotten80.

Figura 45 – A primeira formação da banda Sex Pistols: Marlock, Rotten, Steve Jones e Paul Cook.

(http://www.thriptwire.com/y)

79 Músico norte-americano que integrou as bandas Television e Johnny Thunders & The Heartbreakers. 80 Numa tradução literal, “Joãozinho Podre”, em função de seus dentes podres.

122

A entrada de Johnny na banda foi de suma importância para a formação do estilo que

hoje reconhecemos como sendo punk: “Foi o John que marcou o nosso estilo. Rasgões, com

remendos e alfinetes, pinta de vagabundo de terceira. Era pobreza. Se as calças se rompem,

usa-se alfinetes (...)” (documentário The Filth and The Fury, 2000).

Figura 46 – O Sex Pistol Johnny Rotten. (http://www.jmnews.com.br/)

Com uma música de qualidade questionável, mas um visual completamente inovador e

uma atitude que descrevia o sentimento de revolta daquele período, a banda conquistava seu

espaço. Malcolm Mclaren tenta explicar o movimento:

Lá pelo começo dos anos 70, a filosofia era de que você não podia fazer nada sem

um monte de dinheiro. (...) No fundo, acho que foi isto que criou a raiva – a raiva

era simplesmente por causa do dinheiro, porque a cultura tinha se tornado

corporativa, porque a gente não a possuía mais, e todo mundo estava desesperado

para tê-la de volta. Essa era uma geração tentando fazer isso. – Malcolm McLaren,

produtor do Sex Pistols (McNEILL e McCAIN, 1997 apud VITECK, 2007, p.53).

Nesse mesmo sentido, temos a percepção de Carmo:

123

(...) em meados da década de 70, uma tendência predominante do rock’n’roll havia

perdido a vitalidade e o contato com suas raízes. Predominavam os grandes

conjuntos, que se apresentavam em enormes palcos e manipulavam toneladas de

aparelhos de som. Com pretensões orquestrais, tocavam músicas que chegavam a

durar todo o lado do disco. Muitos se transformaram num clichê andrógino. Mas à

margem do rock brotava um gênero novo e furioso, uma revolta contra a cultura pop

da década, que permitiu a proliferação de conjuntos não conformistas (CARMO,

2000, p.125).

Estabelecia-se, assim, segundo o autor, a proposta básica do punk:

O punk rock surge como reação ao estrelismo do rock progressivo81, dominante nos

anos 70 e amparado por eficiente esquema empresarial que envolvia muito dinheiro.

Surge em busca de uma música simples e sem necessidade de grandes aparatos, que

qualquer adolescente com vontade de divertir-se e expressar-se pudesse compor.

“Faça você mesmo” (Do it yourself) é o lema dessa proposta musical, que não

desanima diante da precariedade dos recursos disponíveis.

A maioria das bandas amadoras de garagem, sem qualidade musical, emblematiza

toda a inocência e o retorno à estrutura básica da força primitiva do rock dos anos

50. Valorizava-se muito mais a emoção do que a técnica. O punk explode, então,

com uma música ágil e “autêntica”, em sintonia com as experiências dos jovens no

cotidiano das ruas (CARMO, 2000, p.125).

Pode-se ressaltar, igualmente, as características fundamentais da estética punk em

termos de vestuário:

Segundo a socióloga Helena Abramo, a essa música associa-se também “uma

estética baseada nos mesmos princípios”, isto é, “a utilização de materiais

rudimentares, desvalorizados, provenientes do lixo urbano e industrial’: tecidos de

plástico, cabelos curtos e espetados, calças “remendadas” com alfinetes, camisetas

com furos, coleiras, tachas, jaquetas de couro puído, peças de roupa fora de moda e

os coturnos como calçado (CARMO, 2000, p.125).

Em quatro de junho de 1976, acontecia o primeiro show da banda, em Manchester. Os

Sex Pistols deveriam tocar juntamente aos Buzzcoks, que haviam produzido o show, mas por

81 Estilo musical surgido no final da década de 60, com melodias e harmonias complexas e músicas que chegavam a ultrapassar 20 minutos. Alguns dos destaques do estilo foram as bandas Pink Floyd, Yes e Genesis.

124

falta de preparo, a segunda banda acabou por não se apresentar. Havia apenas 42 pessoas na

platéia, “mas cada uma delas estava sorvendo força, energia e magia”, como narra Tony

Wilson82, o personagem central do filme “A Festa Nunca Acaba” (2002), filme inglês que

retrata o cenário rock da Manchester do final dos anos 70 até o início dos anos 90.

Figura 47 – O público após o primeiro show da banda Sex Pistols. (Cena do filme “A festa nunca acaba”)

Enquanto que algumas pessoas assistiam ao show com expressões de surpresa e até de

espanto, outras pulavam impressionadas com aquela música tão simples, e ao mesmo tempo

tão diferente de tudo com que todos estavam acostumados. Na platéia daquele show, além dos

Buzzcocks, estavam os garotos que posteriormente seriam a mítica e de curta duração banda

Joy Division, o vocalista da também posterior banda Simply Red, e Martin Hannett, que

produziria o Joy Division.

Logo após este show, vemos, no filme “A Festa Nunca Acaba”, Alan Erasmus, sócio

de Tony Wilson, em sua casa, arrancando da parede os cartazes de Pink Floyd83 e David

Bowie. E o próprio Tony, na apresentação de seu programa “So It Goes”, apresentando

“Anarchy in the UK” (dos Sex Pistols) como a música mais importante desde que Elvis havia

entrado nos estúdios de Memphis. Era um marco da transformação: uma nova música, um

novo movimento estava nascendo.

A banda mal havia começado, e seu estilo visual e comportamento já começavam a se

propagar entre a juventude londrina:

82 O jornalista Wilson (1950-2007) era apresentador de programas musicais e fundador do selo musical Factory Records, que lançaria posteriormente bandas de renome como Joy Division, New Order e Happy Mondays. Foi o grande mentor do movimento pós-punk, mas acompanhou a cena punk, em especial a vida do grupo Sex Pistols. 83 Banda de rock progressivo do período.

125

Uma semana tocamos em High Wycombe (...), lembro-me de algumas caras com

cabelos longos. Na semana seguinte tocamos em Nashville e vimos as mesmas

pessoas com os cabelos curtos, t-shirts84 rasgadas. Em cada show se via mais

algumas mais e mais algumas pessoas que se converteram. Os Sex Pistols criaram

novos ambientes. Era fantástico ver o público sendo original. (...) Foram anos

interessantes. Gente sem auto-estima, de repente começaram a verem a si próprios

como bonitos em não ser bonito. As mulheres começaram a valorizar-se, não eram

citadinas de segunda. O punk fez isso, claro (documentário The Filth and The Fury,

2000).

Figura 48 – Jovem “cabeludo”, ainda herdando o estilo dos roqueiros dos anos 60 – visual que logo seria

substituído pelos cabelos arrepiados, influenciados pelos Sex Pistols. (Cena do documentário The Filth

and The Fury)

De repente, muitos daqueles jovens que estavam na primeira fila dos shows, que

acompanhavam a trajetória do Sex Pistols, tinham também suas bandas. Siouxsie Sioux85,

Billy Idol86 e Shane McGowan87 foram alguns dos nomes que, das platéias desses shows,

foram para os palcos e conquistaram a fama, fazendo também parte do movimento punk. O

fato de eles fazerem músicas simples e fáceis, de apenas três acordes, “transmitia a mensagem

de que qualquer um podia. (...) Foi muito rápido e excitante. Pensávamos: isso é o início de

um movimento” (documentário The Filth and The Fury, 2000).

84 Camiseta. 85 Líder da banda Siouxsie and The Banshees. 86 Reconhecido cantor de punk rock, surgido dentre a série de artistas que seguiram o sucesso do Sex Pistols. 87 Vocalista da banda The Pogues.

126

Figura 49 – Siouxsie Six na platéia de um dos shows da banda. (Cena do documentário The Filth and The

Fury)

Foi também dentre os fãs da banda que saiu o último membro a integrar a mesma,

aquele que, mais do que o vocalista Johnny Rotten, seria não só o maior ícone dos Sex Pistols,

mas também um dos maiores do movimento: Sid Vicious. A partir de desavenças entre Rotten

e o então baixista Glen Matlock, acabou por ocorrer o desligamento do segundo da banda.

Vicious estava para formar sua própria banda quando Rotten chamou-o para integrar os Sex

Pistols, antes mesmo do desligamento de Matlock.

Figura 50 – Fãs do Sex Pistols em um show da banda. (Cena do documentário The Filth and The Fury)

O novo baixista tinha um estilo de vida marginal que se assemelhava mais a Rotten do

que qualquer um dos demais integrantes da banda. Enquanto que Matlock acreditava que a

banda podia especializar-se mais, o produtor Malcolm McLaren, que acreditava que o sucesso

127

da banda dava-se justamente pela despreocupação com tudo, inclusive com a própria música,

potencializava ainda mais as desavenças entre o vocalista e o baixista inicial. Sid Vicious,

embora não soubesse sequer tocar, tinha o estilo e atitude que Malcolm e Rotten buscavam, e

que o fizeram um marco do movimento:

O movimento punk tinha um lado dilacerante, simbolizado por uma aparência que

incluía penteados mutilados e alfinetes de segurança nas bochechas, e era

plenamente incorporado por Vicious. Ele e sua namorada norte-americana, Nancy

Spungen, eram viciados desesperados, especialmente em heroína, e suas

brincadeiras amorosas muitas vezes os deixavam cobertos de hematomas (CARMO,

2000, p.128).

Havia nos shows do Sex Pistols uma espécie de interação entre os músicos e a platéia

jamais vista antes. Membros da banda abandonavam o palco no meio de músicas para juntar-

se ao público, além de o vocalista Johnny Rotten ter o costume de conversar com os fãs

depois dos shows. Além disso, pequenos episódios de violência ocorriam, apenas por

contestação:

No momento em que os punks vieram à cena, a sociedade não estava preparada para

este tipo de reflexão e a mídia contribuiu sobremaneira para a criminalização desses

grupos ao difundir de forma sensacionalista os confrontos envolvendo os punks. Nos

shows, por exemplo, cuspiam na platéia e dirigiam xingamentos ao público, que

retribuía com atitudes equivalentes. Com isto, introduziram novas relações entre

palco e platéia, desmistificando uma relação hierarquizada e mitificada entre artista

e seu público. Não pretendiam ser imitados, vendidos, cultuados e massificados,

como eram os ídolos do rock, então procuraram anular as diferenças entre um lado e

outro desta relação ao situar as bandas como produto da atividade de pessoas

comuns (D’ÁVILA, 2009).

Os punks, ao chocarem a sociedade “por sua vestimenta e sua música, passaram uma

imagem de violência que nem sempre correspondia à realidade” (CARMO, 2000, p.124).

Eles, na verdade, não gostavam de violência desmotivada, como acontecia com tribos

anteriores, como os teddyboys. Isso fica claro na declaração do líder da banda Johnny Rotten,

no documentário The Filth and The Fury (2000): “As palavras são a minha arma, não gosto de

violência”. Na verdade, esses pequenos gestos eram apenas uma demonstração de sua revolta

e descontentamento interior, eles não tinham a intenção de disseminar a violência. Marc

128

Bolan, líder da banda T.Rex, no mesmo documentário, confirma essa teoria: “Acho os Sex

Pistols muito credíveis. Tudo se relaciona com violência. Mental, não física”. O autor D’Ávila

também fala sobre essa falsa imagem de violência atribuída ao movimento:

Na opinião de Graig O'Hara, o movimento punk não é um movimento violento:

“Talvez o visual diferente, a música alta e rápida, a raiva e o sarcasmo das letras

punk sejam coisas com as quais a mídia “politicamente correta” tenha dificuldade

em lidar. O punk nunca foi um lugar para pessoas bem comportadas e de moral

puritana” (D’ÁVILA, 2009).

Essa espécie de criminalização do punk que D’Ávila (2009) cita acima também pode

ser vista no documentário supracitado, em matérias sobre a banda em diferentes programas

televisivo da época:

Esse grupo lidera um culto de jovens, como os mods e os rockers dos anos 60. O

culto chama-se punk, a música punk rock. É um rock básico, cru, escandaloso e

grosseiro. (...) Cada vez mais foi difícil arranjar lugares para tocar, devido à

reputação dos punks como problemáticos. Assim, os Sex Pistols tiveram que locar

um strip club, pois nenhum outro local os aceitava. (…)

Nos últimos doze meses o punk rock tornou-se um grito de guerra na sociedade

inglesa. Para muita gente era uma ameaça ainda maior para o nosso estilo de vida do

que o comunismo ou a hiper-inflação e gerou mais entusiasmo do que os outros dois

(documentário The Filth and The Fury, 2000).

Na realidade, a sociedade tradicional, a polícia e o governo, além de chocados,

sentiam-se ameaçados por um grupo de jovens que estava colocando em dicussão todas

aquelas supostas verdades que até então ninguém questionava:

Ao expor o grotesco, ao insultar a sociedade de consumo, ao desprezar os partidos

políticos e ridicularizar a felicidade artificial, os punks representaram um soco na

sociedade tradicional. Exibiam-se a morbidez, o sentimento de vazio existencial,

sintoma da sociedade doente.

À medida que assume uma posição anarquista, o movimento se torna político.

Apontados como “os novos bárbaros” da música pop, os punks não direcionaram

suas revoltas apenas contra o sistema, mas também contra os grandes grupos de rock

que estavam acomodados, renegavam suas origens e já haviam esquecido como era

árduo ter que batalhar pela compra de uma guitarra ou mesmo pela própria

sobrevivência. Com sua anarquia, deram um sopro de vida no envelhecido rock. (...)

129

Muitos interpretam essa postura não como reação ao desespero, mas como atitude

realista no mundo, “tão distante dos sonhos do futuro anunciados pelo pop”. Esses

jovens estavam se lixando para o sistema e, sem grandes pretensões, queriam tocar

em lugares baratos, dividir com os fãs sua energia juvenil e se divertir (CARMO,

2000, p.126).

Independente das críticas da sociedade e da imprensa, bem como das especulações de

gravadoras querendo tornar a banda em objeto de consumo massificado, a banda seguia

fazendo aquilo em que acreditava. Um bom exemplo disso é a música “EMI”, sobre a

gravadora homônima, onde fala que “eles” querem que se produza muito, porém sem razão

alguma.

Mesmo com essa ideologia que os precursores do movimento insistiam em manter

viva, uma massificação do mesmo foi inevitável. Com o crescimento do movimento punk –

incluindo a venda de discos, a adoção de um novo estilo de vida e de vestir – este acabou,

voluntaria ou involuntariamente, por chegar de maneira rápida e impactante “à exposição

pública em massa” (VITECK, 2007, p.53). No final da década, a “atitude punk foi massificada

depois de ter sido desvirtuada pela mídia” (D’ÁVILA, 2009). Então, segundo Viteck:

(...) a “bandeira anarquista88” levantada pelo movimento punk, não levou muito

tempo para também ser absorvida pela indústria cultural, que se apressou em

transformar as roupas e as atitudes punk em moda e os integrantes das principais

bandas, como o (The) Clash e os Sex Pistols, em estrelas do rock. Os mercados de

moda, de discos e a imprensa não demoraram a perceber que a rebeldia podia ser

colocada à venda. (...)

Depois de ensejar uma das mais radicais transformações na música popular, o

próprio punk foi transformado em argumento de consumo. O visual desleixado, as

roupas rasgadas e sujas usadas pelos primeiros punks ganharam a sua versão para

butiques luxuosas. Bandas recém formadas e que tinham feito apenas algumas

apresentações eram contratadas pelas gravadoras, ansiosas por descobrirem os

“novos” Sex Pistols (VITECK, 2007, p.53-54).

Nem a perseguição da polícia nem as críticas da sociedade impediram que a juventude

em geral se rendesse ao movimento, massificando-o. Assim, todo o espírito contestatório e a

real ideologia do punk foram abafados e deixados de lado, enquanto que os mercados cultural

e de moda adaptavam o estilo a bens de consumo. Corrêa (1989 apud Viteck, 2007) explica

88 O termo “bandeira anarquista” deve ser entendido como bagunça, rebeldia, confusão (VITECK, 2007, p.53).

130

que isso se faz possível porque “há uma articulação hegemônica dos meios de comunicação,

paralelamente aos meios de produção, possibilitando um perfeito encadeamento entre

publicidade, mercado e, notadamente, noticiário, em função do que se estabelece a conjunção

e o ciclo de mercado” (VITECK, 2007, p.54).

Essa “absorção” do movimento pela indústria cultural, que “transformou o punk em

algo palatável para as massas” incomodava os idealizadores do mesmo – “pelo menos aqueles

que tinham um comprometimento maior com o movimento” (VITECK, 2007, p.54) –, como

podemos ver na declaração do baixista do Sex Pistols, Sid Vicious, no documentário The Filth

and The Fury:

É uma pena que estes meninos ricos sejam punks. Parece-me repugnante, é como

um exército agora. Uma coisa fashion, chic. Eu não sou chic, nunca podia o ser. Os

punks estragaram, adotando uma imagem de atitude uniforme, quando na verdade

tudo se tratava apenas de “seres tu mesmo”. A imagem punk típica, que se converteu

num “postal punk”, com o moicano preto e apenas isso. Não era assim. Eu nunca

tive dinheiro pra comprar um casaco de couro que custava 50 libras, tratava-se de

fazer tu mesmo. Todos esses grupos ruins que dizem “somos um grupo punk”

estragaram o movimento. Passou a ser um aceite, de volta ao sistema (documentário

The Filth and The Fury, 2000).

Figura 51 – Jovens “uniformizados”, massificando a imagem punk. (Cena do documentário The Filth and

The Fury)

Nesse mesmo sentido, D’Ávila afirma que:

131

(...) isso abalou as estruturas desses grupos que viram as suas propostas serem

esvaziadas do seu sentido original subversivo e entrarem no sistema das mercadorias

como mais um produto disponível ao consumo. Houve um refluxo dos grupos punks

e a mídia declarava a morte deles (...) (D’ÁVILA, 2009).

Viteck também faz uma análise deste processo:

(...) o punk, inicialmente um movimento de guetos e de aversão às massas, foi

exposto ao grande público pela mídia. Virou moda, sua música foi explorada pela

indústria cultural e, quando isso aconteceu, de certa forma ele perdeu uma de suas

principais características que era o “anti-mainstream”89 (VITECK, 2007, p.54).

Podemos ver no The Clash, uma das principais bandas da primeira geração punk

inglesa (1975-1979), um dos maiores exemplos do domínio dos mercados de massa sobre essa

contracultura. Sendo a banda dessa geração que mais tempo durou e maior estrelato atingiu, o

The Clash tanto ajudou a dar origem ao movimento quanto vivenciou a experiência de ser um

dos artistas de mais valor na indústria do entretenimento. O crítico Greil Marcus, citado por

Marcus, explica essa contradição:

O Clash se agarrou a idéias pré-concebidas, mas logo as transformou em suas

próprias idéias, e foi transformado por elas – ou pelo menos Joe Strummer90. Nunca

ficou claro se ele queria ser uma estrela ou se queria que todo mundo o escutasse: na

tradição do rock à qual ele estava tão amarrado, a diferença entre uma coisa e outra

jamais esteve clara. Com uma grande corporação multinacional por trás deles, o

Clash realizou turnês pelos EUA, uma atrás da outra. Em 1982 eles finalmente

entraram no top ten91 dos EUA: fizeram isso duas vezes, com Combat Rock na

parada dos álbuns e com a indelével Rock the Casbah na lista dos singles. A maioria

das pessoas assumiu que o Clash estava trabalhando só para isso, que as heresias do

punk londrino de 1976 eram meramente as roupas velhas de sonhos ruins, mas o

sucesso da banda parecia chocar Joe Strumer. Se o Clash havia conseguido emplacar

seus hits, se um grande número de pessoas estava finalmente contente em escutar o

que a banda tinha dizer, Strummer parecia haver decidido que isso significava que o

Clash não estava mais dizendo nada (MARCUS, 2005 apud VITECK, 2007, p.54).

89 Anti-mainstream pode ser traduzido como contra a corrente, contra as “massas”. 90 Vocalista da banda. 91 Classificação das dez músicas mais ouvidas no momento.

132

Segundo Lopes, “essa tensão presente no rock faz com que constantemente esse estilo

tenha que se renovar: é preciso sempre frescor no grito de rebeldia do rock, para que esse não

seja simplesmente assimilado pelo impessoal ‘sistema’, tornando-se redundante e descabido”

(LOPES, 2006).

Apesar de todas essas condições, de uma “perda” da atitude e da ideologia em

detrimento de uma massificação e palatização de conceitos, “é inegável que o movimento

punk balançou as estruturas da música, da moda e até da política, com seus discursos anti-

materialistas e suas guitarras mal tocadas plugadas no volume máximo” (VITECK, 2007, p.

57-58):

Antes de se emaranharem com a fama e a fortuna, os Sex Pistols e o Clash, por

exemplo, romperam com o cotidiano da ordem estabelecida numa tentativa de expor

a natureza opressiva da sociedade.

Embora tenha sido transformado em produto de consumo pela indústria cultural e

tenha praticamente se esgotado como moda no final dos anos 70, o ideário do

movimento permaneceu (VITECK, 2007, p.57-58).

Durante todo esse período, além dos Sex Pistols e do The Clash, Iggy Pop & The

Stooges, Siouxsie and The Banshees, The Jam e The Stranglers fizeram parte do movimento

punk inglês. O movimento seguia também na América do Norte, mas sem tamanho contexto

sócio-cultural.

133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho surgiu a partir de uma ânsia de compreender os fenômenos sociais

impulsionadores à formação dos grupos que se costuma chamar de tribos urbanas. Sabendo

que eles costumam ser identificados pelo seu gosto musical, pela sua literatura e

principalmente pela sua estética, objetivávamos descobrir quais eram as características

comportamentais intrínsecas nessas características materiais e culturais.

Após esse estudo histórico, comportamental, cultural e de moda sobre o período em

que surgiram as primeiras e mais significativas tribos urbanas, confirmamos que esses grupos

surgem em função de fatores sociais, políticos e econômicos das sociedades em que estão

inseridos. Em geral, tais fatores geram uma revolta que se transforma na criação de uma nova

cultura contestatória à vigente.

Compreendemos, assim, que, através da moda, em sua amplitude geral – não apenas,

mas também através da indumentária – se caracteriza todo um período histórico. Embora se

possa acreditar que, por exemplo, o uso de roupas mais sensuais a partir da década de sessenta

tenha desencadeado uma revolução sexual, o que ocorre é exatamente o inverso: a criação de

tais roupas surgiu, justamente, em função de novas tendências de comportamento que estavam

prestes a ocorrer. As pessoas que lançam tais modismos, em geral, são aquelas que estão

profundamente inseridas no contexto sociológico de seu tempo, podendo assim identificar os

novos comportamentos que, futuramente, substituirão os então vigentes. Assim, podemos

dizer que entre moda e história se estabelece uma relação mutuamente constitutiva.

Para realizar tal estudo e compreensão, existe certa dificuldade em estabelecer

conceitos definitivos sobre o fenômeno moda, relacionado com fatores sociológicos. Da

mesma forma, há uma complexidade em definir e limitar os grupos sociais e seus períodos,

considerando que as transformações mundiais ocorrem de maneira sutil e progressiva,

fazendo com que grupos coexistam em um mesmo período e, mais relevante do que isso, que

134

durante alguns períodos de transição, a sociedade mescle características dos movimentos que

está prestes a deixar para trás com outras dos que estão sendo inseridos em sua realidade.

Partimos, no capítulo inicial, da compreensão do período a ser estudado, considerando

que a ebulição cultural e larga transformação social vivenciadas na segunda metade do século

XX se deram, em especial, nos acontecimentos em torno da Segunda Guerra Mundial,

iniciamos o processo de contextualização histórica com a mesma. Compreendendo os fatores

que desencadearam esse conflito bem como o seu final, temos uma maior facilidade em

entender de que maneira o mundo dividiu-se posteriormente e como se criaram os pólos que,

até os dias de hoje, são os maiores responsáveis pelo comportamento e modismos mundiais.

Após a compreensão desse período e a divisão – capitalista e comunista – que ele

ocasionou ao mundo, bem como a explosão consumista alimentada pelos líderes capitalistas,

iniciamos uma análise acerca dos beats. Embora menos conhecidos nos dias de hoje e de

características muito mais ligadas ao intelecto do que à estética, sabemos agora que seu

movimento foi de suma importância para existência dos grupos que, em seguida, analisamos

com maior profundidade e que se tornariam de grande influência dentro do fenômeno moda.

Precursores das idéias de contracultura, indo contra os padrões de consumo e

ideológicos da sociedade vigente, os beats deixaram um legado cultural e ideológico para a

humanidade; e foi com influências desse legado que os posteriores mods, hippies e punks

puderam dar início aos seus próprios conceitos e ideais.

Estudamos, ainda no primeiro capítulo, a história social, política, econômica e de

moda das décadas sucessoras, nas quais estariam os supracitados grupos. Entendemos, nesse

estudo, a conexão entre os fatores sociológicos vigentes e a moda utilizada pelas massas no

período. Esse entendimento se fez necessário para que, na análise isolada dos grupos,

compreendêssemos o porquê de determinada indumentária tribal. Compreendendo a história,

se compreende o porquê da contestação; compreendendo a estética vigente (moda), se

compreende o porquê da estética do grupo contestatório.

Com o início da análise dos grupos, se percebe uma forte presença da música dentro

dos mesmos. A humanidade sempre utilizou as artes para expressar sua revolta e contestação

e, desde o século passado, a arte mais utilizada para isso tem sido a música. Acreditamos que

esse fato se deve a dois fatores: a música ser de fácil acesso e compreensão por toda a

sociedade, fazendo com que a revolução chegue a um maior número de pessoas; a música

estar fortemente presente entre os grupos mais jovens, dentre os quais costumam surgir as

revoluções.

135

Embora se acredite que, por exemplo, do simples nascimento de uma banda com

músicas classificadas como punks e um determinado estilo de vestir dos artistas, se tenha

surgido um estilo punk, absorvido pelos fãs. Mas, como compreendemos nesse estudo, o

fenômeno é de uma complexidade imensamente maior: tanto a música, quanto a indumentária

surgem de um mesmo sentimento de contestação, sentido por uma série de jovens. Isso

explica o constante surgimento de séries de artistas semelhantes durante o mesmo período – o

que vale igualmente para as artes plásticas, a literatura, o estilo jornalístico, dentre outros

fenômenos artísticos e sociais. Assim, vemos que a pessoa que se estabelece punk, no caso

deste exemplo, não apenas ouve a música punk ou veste-se com a indumentária punk, mas

também freqüenta determinados locais, lê determinados autores e assiste determinados filmes,

opta por determinadas mídias, segue determinado posicionamento político, dentre outras

escolhas intrínsecas aos seus ideais.

O que a música faz, então, conectando as percepções tidas nos dois parágrafos acima,

é levar os ideais contestatórios a um grupo maior de pessoas que, talvez, através de idéias

próprias e com o conhecimento limitado pela sociedade geral não teriam essa percepção dos

acontecimentos sociais, não mudando, assim, seu comportamento em relação a eles.

Com tudo isso, temos a plena certeza de que as tribos também são fatores

sociológicos, sendo influenciadas por e influenciadoras de sua sociedade. Concluímos, com

todos esses fatores analisados, que esses movimentos iniciam como forma de protesto e

acabam absorvidos pelo sistema: essa revolta inicial transforma-se em uma nova cultura e

acaba por influenciar grupos e, por fim, ser absorvida pela indústria cultural e de bens de

consumo, que a aplica a algo palatável para sociedade de massa. Assim, quando a massa

absorve essa nova cultura, inicia-se um novo processo de formação de cultura de contestação.

Porém, mesmo com o suposto fim dos grupos da maneira com que surgiram e com a absorção

de parte de suas características por uma sociedade de consumo, as marcas dos mesmos são

deixadas. Nenhum grupo se dissolve sem deixar sua bandeira ideológica cravada em sua

sociedade.

Concluímos, afirmando que tivemos nosso problema de pesquisa respondido, e nossa

hipótese de trabalho confirmada: o agrupamento de jovens em tribos foi influenciado por

fenômenos políticos, econômicos e sócio-culturais.

Com isso, compreendemos não apenas a história dos grupos da contracultura

estudados, mas também adquirimos uma maior capacidade de compreensão dos grupos que

surgem hoje em dia, bem como compreender de onde surgem muitas dos modismos que

visualizamos nas passarelas e revistas de moda. Sabemos, através deste tipo de estudo, que

136

esses fenômenos que costumamos ouvir serem chamados de “tendências” são na verdade

modismos oriundos de tendências ainda maiores: as de comportamento (ou

macrotendências92).

Dentre o que chamamos de formadores de opinião sempre se encontram pessoas que,

conectadas a diversos fatores que nos cercam – políticos, sociais, econômicos, culturais, de

mercado – absorvem suas características, os compreendem e criam as anti-modas e as

contestações àquilo que não concordam. Com o tempo, a indústria da moda – bem como a

cultural e outras – acabam por absorver e entregar ao mercado e às massas as oposições

daquilo que elas mesmas lançaram. Quando isso ocorre, o ciclo inicia-se novamente.

Todos esses fatores nos levam a confirmar que a moda não se limita, e mais, não se

foca apenas ao vestuário. Nela estão imbricados também fenômenos artísticos – música,

literatura, cinema, artes visuais –, de comunicação – televisão, rádio, mídia impressa –, além

de fatores comportamentais.

92 De acordo com Dario Caldas, o autor de Observatório de Sinais, “macrotendências são grandes movimentos ou correntes socioculturais, que influenciam as sociedades, a cultura, o consumo, por períodos de tempo mais longos. São também chamadas de tendências de fundo, em sociologia” (http://julianadornelles.com.br/texts/noticias_ver/id/232/).

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