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A imprensa velocipédica em Portugal e na Europa e a importância da comunicação social
local e regional – João Santos (O Jogo)
“Magnifier c’est travail de la presse. Enthusiame est devenu sa tonalité
normale. Elle n'a pas cherché à persuader ses lecteurs mais à imposer son
point de vue. La logique de commercialisation était impeccable : le l'Auto a
organisé une course que seulement un journal pourrait organiser” (Vigarello).
Jornais e ciclismo: a matriz da Volta a França
O vencedor da primeira edição do Tour foi o francês Maurice Garin, um limpa-chaminés de
profissão – daí a sua alcunha “le petit ramoneur”- que conheceu a glória, após cumpridas as
seis etapas, na chegada a Paris e na volta de honra do Parque dos Príncipes. Porém, mais do
que Garin, o verdadeiro vencedor foi Henri Desgrange1 que viu a circulação diária do seu
L’Auto2 aumentar de 30 mil para 65 mil exemplares, um reflexo do fervor que se viveu na
França no começo do Século XX e que acompanhou toda a prova num culminar de 100 mil
pessoas nas bermas da estrada na chegada a Paris. A Volta a França cumpriu-se e foi um
sucesso, dando o mote à ligação histórica dos jornais com o ciclismo.
Para a edificação dessa primeira ligação que acompanha o Tour original, além dos ciclistas,
muito contribuiu o perfil de Desgrange, que nos bastidores alimentava com as suas análises no
L’Auto a corrida que pela primeira vez permitia à França descobrir-se a si própria. O patrão do
Tour era já conhecido nos meios de Paris à altura da sua maior criação: anteriormente, tinha
sido um bom atleta amador na natação e no atletismo e um apaixonado da velocipedia, tendo
batido o recorde da hora francês. Desgrange complementava o esforço físico da sua ligação ao
ciclismo com incursões de produção intelectual. A cultura de exigência que sempre o
acompanhará – será mais tarde lembrado como uma figura autoritária que impunha a sua lei
na corrida, um pouco à imagem recente de Serafim Ferreira, também ele jornalista e director
da Volta a Portugal entre 1982 e 2011. Não se reconhece que Serafim Ferreira terá quebrado
as regras em defesa do melhor interesse da prova mas tal como Desgrange, partilhava a
argumentação cáustica e seguramente apreciaria a polémica citação do director francês - “Le
Tour idéal serait un Tour où seulement un coureur est parvenu à l’accomplir” - tal o seu apego à
luta desportiva entre os seus maiores protagonistas, os ciclistas.
Desgrange, no entanto, sabe que só a noção de grandeza mítica – até sobre-humana – é capaz
de vingar e entusiasmar os seus leitores, ávidos de uma novas leituras diárias sobre as
1 Primeiro organizador da Volta a França
2 L'Auto-Vélo, jornal organizador do Tour de 1903 teve a sua primeira edição a 16 de Outubro de 1900
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façanhas dos seus heróis, valorizados da perspectiva heróica de resistência para além de
qualquer limite. Ora vejamos um dos seus escritos dos primeiros anos no comando da prova:
”L’energie et les ressources musculaires de cet homme sont véritablment inépuisables. D’une
sobriéte tout à fait remarquable en course , Garin peut rester 100 kilometres sans rien pendre,
son estomac, est remarquable et c’est par là que son plus redoutable adversaire, Aucouterier, a
péri".
Esta construção jornalística que se enquadrava na realização dos feitos velocipédicos dos
participantes como cruzadas épicas – e as eram, de facto, na altura – era acompanhada por
uma estratégia comercial do organizador, hoje ultrapassada. Do presente a ligação ao passado
mítico do ciclismo é apenas recuperada, em parte, pelas declarações de punhado de figuras
que, pela sua presença histórica nos media, ainda dispõem de um canal de comunicação com o
povo. Joaquim Gomes3, actual director da prova, é provavelmente o seu melhor exemplo. No
seu discurso fluido e directo, comunica ainda por este velho código dos jornalistas de outros
tempos. Não sendo jornalista, Gomes, contudo, cresceu como atleta pelos jornais que, na
época dourada dos anos 80 e 90, o converteram num ícone e, provavelmente, no último herói
do ciclismo português.
Regressando ao Tour, a narração jornalística na imprensa escrita, na altura, era o único meio
que permitia aos interessados acompanhar a corrida, até então impossibilitada dos meios de
comunicação imediatos como a rádio ou a TV. Para tal desafio, numa França manifestamente
rural, era necessário recorrer a todos os meios possíveis de informar a redacção – Géo
Lefèvre4, era, ao mesmo tempo, repórter, director de corrida e cronometrista, viajava de
comboio e reportava pelo telégrafo. Em Lyon, no final da primeira etapa do Tour pioneiro
chegou mesmo atrasado, facto que relatou nas primeiras linhas da sua crónica: “L’arriveé? Eh
bien, je l’ai manqueé! Ce Garin et ce Pagie, que j’avais vus se restaurer rapidement à Moulins
et s’enfoncer dans la nuit, m’ont précédé à Lyon sur leur simple bicyclette, tandis que je roulais
dans l’express”.
Essa cobertura jornalística da prova, também em sim dotada de um carácter aventureiro era
aproveitada, como o excerto acima referido, para evidenciar as dificuldades próprias que uma
expedição como a Volta a França significava, mesmo para aqueles que não pedalavam. A
semelhança dos factos e "estórias" relatadas nos primórdios da Volta a França com a nossa
Volta a Portugal são indesmentíveis. No convívio actual entre os raros jornalistas "séniores"
que ainda vingam no ciclismo surgem "estórias" das peripécias e dos baptismo dos estreantes
numa classe que anualmente, em Agosto, se reunia para cobrir a prova e relatar as suas
incidências.
3 Actual director da Volta a Portugal e antigo ciclista de nomeada nas década de 80 e 90
4 Jornalista francês que terá tido a ideia original da Volta a França sugerindo-a a Henri Desgrange como
estratégia para aumentar a circulação do L’Auto
3
Um outro elemento não negligenciável no sucesso empresarial da Volta a França, que
eventualmente terá tido uma replicação com a organização da Volta a Portugal, dizia respeito
à sua segunda audiência, após os leitores: o mercado de anunciantes. Assim, no Tour, as
tiragens na ordem das dezenas de milhar da primeira edição – há o registo da edição especial
de 93 mil exemplares no final da primeira etapa do Tour original – eram complementadas com
a venda do espaço publicitário que se apoiava quase exclusivamente na indústria de
fabricantes de bicicletas que atravessava nula altura uma fase de forte expansão.
Tal situação hoje é impensável. Separados da organização das provas velocipédicas, a
imprensa escrita não comercializa espaço publicitário e os anunciantes, por sua vez,
deslocaram-se para a imprensa especializada conduzindo aquilo que podemos identificar como
uma dupla deformação: a redução mediática do espaço dedicado ao ciclismo nas publicações
genéricas e dedicadas ao grande público e o encaminhamento de receitas publicitárias para
uma imprensa especializada de escassa qualidade (em Portugal) que não chega ao coração do
adepto comum de ciclismo.
O papel das empresas jornalísticas na organização das grandes voltas
Reconhecendo ainda o papel pioneiro da empresa jornalística no lançamento e construção do
ciclismo tal como o conhecemos, transformando uma ideia arriscada num projecto
financeiramente estimulante, importa frisar que, componente essencial do sucesso, foi a
noção da cobertura jornalística contínua que acompanhava as provas. Na prática, o ciclismo,
quando bem tratado jornalisticamente ainda conserva o ADN do passado: a cobertura
jornalística de uma Grande Volta é um intenso folhetim renovado – e romanceado - dia após
dia durante três semanas e, por vezes, nas distintas competições com mais pergaminhos que
se desenvolvem no decorrer da temporada. Por sua vez, a modalidade velocipédica implica no
jornalismo escrito um outro tipo de acompanhamento distinto das restantes modalidades
populares. Neste caso, não se trata somente da descrição das etapas e resultados do dia-a-dia
competitivo, existem ainda as reportagens alargadas, e as entrevistas que reproduzem o pulsar
quotidiano do pelotão e das suas figuras. Este rol de possibilidades jornalísticas no passado
facilitou a edificação da Volta a França e de várias outras competições que hoje ainda são os
pilares do ciclismo, tal como sustentou a Volta a Portugal e os seus heróis.
Assim, reconhecemos que a empresa jornalística se afirmou como um dos pilares deste
desporto encarregando-se, durante anos, da sua sustentabilidade económica. Actualmente
essa sustentabilidade é garantida organizadores privados que obtêm grande parte das suas
receitas pelos direitos de transmissão televisivos – o ciclismo é o desporto gratuito por
excelência, no qual não se paga entrada – um dos factores de descontentamento
contemporâneo entre quem protagoniza a modalidade (os ciclistas, o pelotão e as equipas) e
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quem proporciona o palco (os organizadores). 5Completam o bolo, as receitas de
patrocinadores e das autarquias que pagam para receber a prova.
A Volta a França, como sabemos, desempenhou um papel pioneiro nesta conjuntura de auto-
gestão da modalidade, substituindo-se, em dada medida, aos órgãos reguladores e
institucionais tais como a União Ciclista Internacional ou mesmo a Federação Francesa de
Ciclismo. Noutros países, emulando o sucesso da prova gaulesa, as apostas jornalísticas na
organização de corridas de ciclismo, como forma de angariação de novas receitas,
estabeleceram o desenvolvimento de novas competições, duas das quais destacam-se das
restantes, a Volta a Itália e a Volta a Espanha.
De uma forma sumária, cumpre-nos descrever a criação destas provas-nação: em Itália, o Giro
d’Italia – ou simplesmente Giro – teve origem em 1909. Em Espanha, a Volta a Espanha – ou
mais usualmente, a Vuelta – realizou-se, pela primeira vez em 1935.
Assim, em Setembro de 1908, três jornalistas – Cougnet, Costamgan e Morgagni – tomaram
em mãos a criação da Volta a Itália, seguindo de perto o molde francês. O projecto foi
precedido pela organização, com sucesso, de uma Volta a Itália automóvel criada por um jornal
concorrente, o Corriere Della Sera que, por sua vez, preparava-se para a realização de uma
grande prova velocipédica. A primeira edição do Giro será organizada pela Gazzetta Dello
Sport6, um jornal fundado em 1896 resultante da fusão de dois semanários desportivos, Il
Ciclista (Milão) e La Tripletta (Turim), ambos dedicados ao desporto das duas rodas sem
motor. A corrida rosa – assim também é conhecida pela camisola do líder da prova ser dessa
cor, a mesma no qual, ainda hoje, o jornal é impresso – organizou-se assim com partida e
chegada a Milão após percorridos 2448 quilómetros num total de oito etapas.
O objectivo da organização do Giro foi amplamente conseguido. O sucesso da empreitada foi
aproveitado, logo nesse ano, para alterar a periodicidade bissemanal para a edição trissemanal
até, por fim, em 1913, data a partir da qual, aproveitando o lançamento de uma nova edição
do Giro alcança a actual periodicidade diária.
Outra competição histórica que teve origem nos jornais foi a Volta a Espanha. A edição
inaugural da Vuelta celebrou-se apenas em 1935, 32 anos após a empreitada francesa e 26
anos depois da sua congénere italiana. Na linha de frente da organização encontrou-se o
Diário Informaciones e o seu director, Juan Pujol. O contexto de agitação política em Espanha –
a Guerra Civil espanhola que levou inclusive à suspensão da Volta a Portugal – acompanhou a
afirmação da popularidade da prova disputada, por norma, na Primavera. A prova voltou a
organizar-se em 1936, mas foi posteriormente suspensa até 1941, esgotada a guerra interna.
Por sua vez, os anos 1943 e 1944 não assistiram à realização de qualquer edição,
5 Ideia lançada em 2011 que visava a criação de uma Liga Privada de Ciclismo para repartição dos
direitos televisivos e que decorreria paralela à União Ciclista Internacional 6 Principal jornal desportivo italiano cuja primeira edição data de 3 de Abril de 1896
5
correspondendo tal vazio à II Guerra Mundial. O regresso em 1945 é promovido por um outro
jornal, o diário YA, que se responsabilizará pela corrida até 1948. Em 1950, após o lapso de um
ano, o mesmo jornal permanece na organização mas pelo último ano.
A Vuelta somente voltará a ser disputada em 1955, correspondendo tal missão organizativa ao
El Correo Español – El Pueblo Vasco, que se responsabilizará, num período de afirmação e
desenvolvimento por um total de 26 edições – até 1979. Dessa data em diante, a Vuelta é
organizada pela Unipublic, empresa organizada na realização de eventos desportivos, por sua
vez comprada, em 2005, pelo Grupo de comunicação Antena 3. Actualmente, a posse da
Vuelta reside na ASO7 (Amaury Sports Organisation) que detêm 49% da Unipublic.
Os resultados destas operações organizativas, como vemos, intimamente ligadas à origem da
cobertura jornalística desportiva moderna, visavam, assim o podermos dizer, o benefício
económico traduzido quer no aumento das tiragens e respectivas vendas associadas às provas,
quer ao aumento do investimento publicitário e, não negligenciável, o incremento da difusão e
popularidade da publicação.
A imprensa portuguesa e o ciclismo
A ligação da imprensa portuguesa ao ciclismo, à semelhança de outros países europeus, vem
de longa data e colhe o fruto da descoberta do prazer velocipédico do início do século XX que,
desportivamente, irá conduzir à organização da primeira Volta a Portugal em 1927, numa
iniciativa conjunta de duas publicações, o Sports e o Diário de Notícias. Coube a estas
entidades a organização do evento, mas não sem a crítica da concorrência que, na altura,
denunciava o apoio da UVP-FPC à iniciativa da concorrência. A questão económica está na
base de tão aceso conflito cujo termos facilmente se comparam à contemporaneidade do
conflito JN-FPC na atribuição da Volta a Portugal pós-2001. Senão vejamos a título de
curiosidade um texto de 1927, recuperado na obra de Ana Santos, Volta a Portugal em
Bicicleta - Territórios, Narrativas e Identidades8.
"[Conselho director da UVP] Lançou-se de alma e coração, e não sabemos se com
alguma coisa mais, nos braços dos Sports e do Diário de Notícias e atirou com a porta
na cara do Sporting e do Século fazendo-lhes constar à falta de melhor desculpa, que
não o interessava a sua prova porque era...comercial"
7 Empresa do grupo EPA (Éditions Philippe Amaury) responsável pela organização de vários eventos
desportivos como a Volta a Espanha, Critérium du Dauphiné, Paris–Roubaix, Liège–Bastogne–Liège, La Flèche Wallonne, Paris–Tours além de eventos motorizados como o Rally Dakar. 8 Obra da socióloga Ana Santos publicada em 2011, provavelmente, a mais completa obra produzida
sobre o ciclismo português
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A Volta a Portugal prosseguirá na sua associação aos jornais nas décadas seguintes, apesar da
interrupção da organização da prova de 1928 até 1931, finalmente retomada ainda com o
Diário de Notícias(DN) e o Sports até 1935. Segue-se nova interrupção derivada da Guerra Civil
Espanhola e novo período de Volta a Portugal, entre 1938 e 1939, com os mesmos
organizadores - o jornalista Raul Oliveira mantêm-se ao comando da prova nos anos 1940-
1941 em associação com o C.A.C.O (Clube Atlético de Campo de Ourique).
A Segunda Guerra Mundial força a suspensão da prova retomada apenas 1946 por Raul
Oliveira suportado pelo Diário de Notícias e pelo Mundo Desportivo. Em 1947 é a vez do Sport
Lisboa Benfica comandar a organização do evento, dando lugar à UVP-FPC em 1948-1949. O
Diário do Norte (1950-1951) assinala o termo da liderança de Raul Oliveira na sucessivas
organizações da prova. Em 1952, o Diário do Norte e o Norte Desportivo organizam a
competição já com Anacleto da Ponte no comando, mas não conseguem impedir a paragem de
dois anos. A prova é retomada em 1955 (UVP-FPC e Mundo Desportivo), seguindo-se dois anos
(1956-1957) nos quais a UVP-FPC assegura a responsabilidade sobre a prova. O Diário Ilustrado
organiza a prova entre 1958-1960 dando lugar a quatro edições organizadas sob a
responsabilidade da UVP-FPC. Em 1965, é uma associação de jornais que coloca a prova na
estrada: Diário de Notícias, Jornal de Notícias(JN) e Mundo Desportivo. A UVP-FPC organizará a
prova entre 1966 e 1970 e a retomará em 1974. No intervalo 1971-73 é a vez da
Sonarte/Publirama colher os louros da competição também apelidada de GP Robbialac. O pós
25 de Abril de 1974 força a nova suspensão apenas superada pela UVP-FPC que organizará a
corrida no período 1976-1981. De seguida, no chamado período de estabilidade, entra em
cena o Jornal de Notícias que, pela mão de Serafim Ferreira, organizará a prova entre 1982 e
2000. Este período de importante repercussão mediática e de expansão do ciclismo levará à
internacionalização da prova mas, sobretudo, dotará o ciclismo de estruturas profissionais com
consequentes melhorias do nível qualitativo dos seus praticantes. Nesta nova época dourada
do ciclismo, outros jornais surgem à liça como organizadores de corridas: é o caso do Grande
Prémio Correio da Manhã, sucessivamente organizado entre 1989 e 1996, ou do Grande
Prémio Capital, com edições entre 1990 e 1996. Paralelamente, nos anos 80 e 90, são
organizadas múltiplas edições do Grande Prémio O Jogo e Grande Prémio Jornal de Notícias.
Por sua vez, em 2000, o JN deixa de organizar a Volta, mas em 2001 ainda leva a cabo três
provas constantes do caderno de encargos. Depois disso sai de cena dando lugar ao consórcio
PAD/Unipublic, entre 2001 e 2002. Por fim, a PAD/JLS tomará as rédeas da prova no período
2003 até ao presente, garantindo ainda os direitos de organização da prova até 2013.
No total, tendo para o efeito apenas a Volta a Portugal, a imprensa portuguesa através das
suas múltiplas publicações encarregou-se da organização de 38 em 73 edições efectuadas, um
registo impressionante que dota o jornalismo português de uma especial responsabilidade na
criação, edificação e promoção de um evento ainda hoje se mantém altamente popular e,
felizmente, comercialmente rentável para o seu organizador. No entanto, o divórcio da
imprensa com o ciclismo e, em particular, com a Volta a Portugal tem vido a acentuar-se
7
contribuindo para o enfraquecimento do mediatismo da prova aos olhos dos adeptos,
intervenientes directos e respectivo mercado publicitário. A este título observe-se as
declarações de Serafim Ferreira, em entrevista ao Jornal Ciclismo.9
"O que se vem verificando é um corte com a tradição de a modalidade ser suportada
pela imprensa, ter os órgãos de comunicação social como organizadores de corridas. O
JN dava páginas inteiras. O Jogo, que era da mesma empresa, dava páginas. Isto
obrigava os outros a dar também. Em Portugal acabaram com a ligação histórica entre
imprensa e ciclismo. Agora as corridas são quase confidenciais, o que irá afastar os
patrocinadores. Os melhores jornalistas deste país fizeram todos a Volta a Portugal, os
jornalistas batiam-se entre si para ir à Volta. Agora não querem ir. Sabem porquê? Os
jornalistas foram corridos do seio da prova, falta-lhes o cheiro das travagens, o
acelerar das fugas. Falta a vivência, o perfume da corrida".
A constatação de Serafim Ferreira é tão mais visível tanto a ruptura com que o seu anterior
jornal promoveu no ciclismo nos anos seguintes à perda da concessão da Volta a Portugal.
Anterior referência da modalidade, o JN demitiu-se do acompanhamento noticioso da
modalidade que tantos anos acarinhou encetando um boicote parcialmente rompido a cada
Agosto com o envio de um jornalista para cobrir a Volta a Portugal, ignorando quase por
completo o restante calendário. Funcionando como um barómetro que inflacionava o valor da
modalidade junto do público e patrocinadores, a quebra do JN na cobertura velocipédica foi
insanável não sendo, até a actualidade, substituída por outro qualquer orgão de imprensa.
Actualmente, e cingindo-nos apenas à Volta a Portugal, são cada vez menos os jornalistas
enviados pelas redacções tal como é o espaço jornalístico nas diferentes publicações dedicado
à prova. Os diários desportivos não faltam à chamada, mas na última década, jornais como DN
ou Correio da Manhã deixaram de acompanhar in loco a competição com natural prejuízo para
a diversidade da cobertura jornalística da modalidade.
O caso da imprensa especializada
O panorama actual da imprensa especializada em ciclismo atravessa um período de singular
caracterização dada as múltiplas publicações e projectos que anualmente vão surgindo alguns
dos quais com particular longevidade, caso da Bike Magazine. No entanto, dificilmente estas
publicações poderão ser consideradas referências dentro do ciclismo dado o seu
posicionamento editorial: ora se dedicam ao BTT (Bike Magazine, Biking, Freeride, Freebike)
ora abordam a promoção da bicicleta (Jornal Pedal, B-Cultura da Bicicleta) deixando o ciclismo
orfão de qualquer publicação à excepção da revista Ciclismo a Fundo. Acresce ainda que a
cobertura das revistas de BTT se dedica quase em exclusivo à análise de testes e comparativos
de material indo ao encontro de um público interessado em componentes e, de certo modo,
9 Entrevista ao Jornal Ciclismo publicada originalmente a 6 de Fevereiro de 2008
8
pouco informado das diferentes famílias de ciclismo de competição. Paralelamente, estas
publicações, por norma, são complementadas com relatos de passeios e eventos não
competitivos e pouco ou nada se identificam com a ligação histórica da imprensa ao ciclismo
contribuindo, como tal, para o vazio informativo da principal vertente da modalidade, o
ciclismo de estrada. E, mesmo o caso da Ciclismo a Fundo, da mesma editora que publica a
Bike Magazine, dificilmente se poderá classificar esta publicação bimestral no leque tradicional
das publicações de ciclismo dado que, ao contrário da sua publicação gémea espanhola,
privilegia a mesma linha editorial da Bike Magazine, a análise dos componentes e peças da
bicicleta de estrada que obtêm, invariavelmente, o direito de capa de cada edição desta
publicação.
Por sua vez, o último projecto de imprensa especializada ligado ao ciclismo de estrada - e
respectivas vertentes - mas, sobretudo à competição, deu-se pelo nome de Jornal Ciclismo,
publicação quinzenal - inicialmente gratuito, distribuído em lojas de bicicleta e nos principais
eventos velocipédicos e depois lançado em banca – criado por João Santos e José Carlos
Gomes em 2007. Posteriormente teve a sua edição convertida a uma publicação digital
(www.jornalciclismo.com) até Março de 2011. Actualmente, o Jornal Ciclismo apresenta uma
nova direcção, a cargo de José Santos10, que implementou uma filosofia distinta da anterior
publicação que se orgulhava, no seu estatuto editorial, de apresentar, no seu ponto 4 a sua
visão sobre uma das grandes celeumas do presente ciclismo, a dopagem:
"O Jornal Ciclismo assume-se frontalmente ao lado daqueles que lutam contra o
doping, porque entende que esse tipo de práticas fraudulentas impede o
desenvolvimento e o crescimento da modalidade, devido à imagem negativa e ao
descrédito que lança sobre todos os agentes ligados ao ciclismo”.
Assim, é correcto afirmar que, apesar da diversidade de publicações destinadas às bicicletas,
Portugal, face aos países tradicionalmente velocipédicos, apresenta um défice de imprensa
especializada destinada ao ciclismo de competição - em todas as suas vertentes e disciplinas.
Tal penúria coloca a descoberto a ausência de alternativas na imprensa escrita que permitam a
discussão do ciclismo e a promoção das suas figuras junto dos adeptos que acompanham a
totalidade da época velocipédica e não apenas os eventos "Grand Slam" como a Volta a
França, ou entre fronteiras, a Volta a Portugal. Não figurando nas bancas, a discussão de
ciclismo mudou-se, de forma natural, para o meio digital mas ainda a lenta adaptação dos
media tradicionais a novas ferramentas de comunicação, aliada a um modelo de
financiamento e de obtenção de receitas ainda precário tem contribuído para a ausência de
projectos jornalísticos de qualidade.
10
Antigo jornalista do Comércio do Porto e histórico director-desportivo do Boavista tendo vencido duas Voltas a Portugal
9
Elementos na narrativa jornalística
As primeiras crónicas velocipédicas são contemporâneas dos primórdios dos jornais
desportivos, nos seus tempos pioneiros essencialmente dedicadas ao desporto das duas rodas,
então a actividade física de maior interesse despertava. A primeira dessas publicações
designava-se Le Vélocipède illustré e abriu caminho, no final do século XIX a uma miríade de
publicações semelhantes que promoviam já um desporto profissional, dependente das marcas
e da indústria das bicicletas, interessadas em promover os seus produtos. Os jornais
velocipédicos, então já concorrenciais, batiam-se pelos leitores e pelos seus anunciantes.
Como vimos, anteriormente, o melhor meio de captar a audiência era promover organizações
desportivas. Pierre Giffard, director do Vélo, criou assim na idade prévia à Volta a França uma
corrida entre Bordéus e Paris e, mais tarde, uma nova prova de 1200 quilómetros, entre Paris e
Brest e retorno, uma aventura sobre-humana tendo em conta a elevada quilometragem por
estradas, em 1891, dificilmente transitáveis.
No desafio da criação de um evento de maior dimensão, a Volta a França foi a resposta à
iniciativa do Vélo. Aqui chegados importa reflectir sobre o carácter mediático, na perspectiva
da sua narração, destes eventos. A Volta a França foi criada por jornalistas e, ainda hoje, pode
ser considerado um evento mediático na sua natureza. A informação veiculada pela corrida
corresponde a uma narrativa nos quais os jornalistas ultrapassam em muito a sua missão: são
as caixas de ressonância do Tour, mas também os encenadores deste espectáculo, a quem,
igualmente, no caso, se atribuem funções de produção – a escolha do percurso, a extensão
quilométrica das etapas, as dificuldades orográficas e as demais solicitações. Tudo isto se pode
enquadrar numa leitura episódica, destinada a manter de forma diária uma audiência
interessada.
A produção do jornalista da Volta a França, tal como na Volta a Portugal, é contínua, como
anteriormente antecipámos; acompanha a duração da prova e das suas etapas, atribuindo a
cada dia o tom novelístico que se mantêm vigilante sobre as acções dos protagonistas – os
ciclistas – e das suas dificuldades – o terreno. O drama decorre da conjugação destes e outros
elementos inerentes à competição que, jornalisticamente, embora previsíveis e repetitivos,
variam sempre na sua magnitude: todos os dias são determinados vencedores e vencidos
naquilo que, cumprido o último quilómetro, se pode considerar a revelação da intriga.
O exercício jornalístico deste tipo de crónicas no jornalismo actual - em particular nas
publicações internacionais de referência - não variou muito nos seus constituintes, ainda que a
sua formulação seja actualmente distinta dada a mudança mediática que se operou desde as
primeiras pedaladas no Tour. A noção de repetição, como vimos, está presente na vivência
episódica, mas as rotinas das narrativas jornalísticas completam-se com outros elementos nos
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quais se desenvolve, por exemplo, a ideia de Epopeia11, conforme relembrou Roland Barthes e
no qual assenta toda a mitologia do ciclismo e daquilo que, actualmente já desaprendemos a
chamar de "heróis".
Antes porém importante abordar a dimensão temporal de cada corrida, seja a Volta a França
em Julho - um período estival, coincidente com um feriados nacionais de maior relevância, o
14 de Julho, estrategicamente situado a meio da prova - ou a Volta a Portugal, no coração de
Agosto. A duração do evento, apresenta uma cronologia concreta e esperada: um
determinado número de dias para um dado número de etapas, numa viagem que se distingue
de competições como os campeonatos futebolísticos ou de outras modalidades colectivas,
cujos eventos estão dispersos numa noção de calendário-temporada. No Tour, tal como na
Volta a Portugal, à parte da data de partida e da data de chegada, e dos percursos de permeio,
a jornada diária é variável e anacrónica se a compararmos à duração estipulada de uma partida
de futebol. Os quilómetros percorridos são traduzidos em horas de prova, com descriminação
ao segundo, ao mesmo tempo que dentro de margem estimadas, mas nunca concretas, e que,
de certo modo, assemelham-se a jornadas de trabalho ordinárias, com etapas cuja duração
facilmente atinge as 5 e 6 horas.
Esta sucessão de dias é simultânea com a sucessão das etapas e dos elementos que a
constituem e as classificam em etapas planas, de média montanha, alta montanha e contra-
relógio, estas últimas duas tipificações as que mais se desejam na componente dramática da
competição: é nestas etapas, e no seu fluxo de tempo, que a corrida se decide – de certo
modo, culturalmente, também são nestas etapas que as grandes figuras são criadas e
emergem mediaticamente. Nestas etapas são deixadas, para o leitor, as marcas das vitórias
conquistadas, um efeito memória que se prolonga na mensagem escrita e que se reproduz
anualmente com a evocação de antigos vencedores e, noutros países, com a publicação de
anuários. Antes de cada Tour ou cada Volta, já houve o Tour e a Volta anterior e, na sua
sucessão, haverá sempre outro ponto de retorno anual que traduza o mesmo ritual.
Por sua vez, a sucessão das grandes corridas nas mesmas datas, acarreta uma dimensão que
ultrapassa o processo de envelhecimento. Nessa medida é possível constatar mesmo o
processo inverso. Nisso, a Volta a França é mesmo um caso sui generis. O Tour, a cada ano que
passa, rejuvenesce, reinventa-se, promove-se na descoberta sem anular a mesma matriz que o
acompanha desde quase sempre. Se o espectador acompanha o Tour ao longo da sua vida até
à sua velhice - e o ciclismo, pelo menos na TV, é um desporto de velhos e donas-de-casa12 -,
pelo menos guardas sempre algo que o rejuvenesce pois as grandes corridas sofrem da
perpétua renovação dos seus heróis e das suas façanhas, mas também na continuidade
melhorada dos seus cenários – bicicletas, estradas, por exemplo. Indo mais longe e rebuscando
11
“Volta a França como Epopeia” texto publicado na obra Mitologias (1957) 12
Comprovado pela análise/perfil do espectador nas diferentes audiências TV
11
ideias de Georges Vigarello13, esta renovação ocorre e, ao envelhecimento do espectador,
assiste-se ao espectáculo eternamente juvenil do Tour.
A cobertura jornalística no ciclismo confronta-se, nos seus primórdios, com o monopólio da
informação na imprensa escrita. A rádio ainda não transmite e a TV aparecerá somente em
1948 (Tour) e em 1957 (Volta a Portugal). Esta condição de exclusividade influencia a descrição
da narração jornalística dos acontecimentos, a que não será alheia as próprias condições de
acompanhamento da prova. Esta liberdade permitirá ao enviado no terreno uma ampla
margem de execução do seu trabalho. Por um lado, é o único narrador de um feito não
presenciado e que será reportado no dia seguinte, por outro lado, essa condição, permite-lhe
trabalhar com alguma independência, que elimina ou diminui as hipóteses de censura
resultante de uma falha grave por muita testemunhada.
Este privilégio, permite assim ao jornalista uma construção concreta da sua narração, em
grande parte ligada ao “filme da corrida”, i.e., a enumeração das vicissitudes desportivas
ocorridas entre os locais de partida e chegada, completada com as classificações e declarações
de protagonistas.
O filme de corrida foi assim, durante décadas, o elemento nuclear da redacção jornalística e
exprime-se num elenco de apontamentos concretos e descritivos e outros de natureza
simbólica. Os atributos reais da crónica jornalista aloja-se num conjunto de elementos
recolhidos junto da organização da prova e que poderemos, de forma comparativa, aliar aos
ditames da própria produção jornalística, a saber:
- Quem? – Qual o vencedor, ou os protagonista do dia (fugitivos, derrotados,
desistentes, etc)
- Quando? – Quando se deu a acção (a que quilómetro? a que hora?, em que situação
de corrida? Em que etapa?)
- Como – De onde surge este acontecimento (Como se deu a vitória? como ocorreu a
queda?, etc)
-Onde – Em que local o acção decorreu (Em que localidade? Em que estrada? Em que
dificuldade orográfica?)
- Porquê? – Como se sucedeu a acção e com que objectivo (Em que táctica que se apoio
a corrida? Com que objectivo ou fim? Qual a estratégia empreendida? Etc)
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Ver “Les Lieux de mémoire” Tomo III
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Podemos assim afirmar que desde as crónicas iniciais do Tour à cobertura da imprensa escrita
da Volta a Portugal visavam a correspondência destes princípios orientadores embora
actualmente o modelo seja repartido com a cobertura dos acontecimentos em directo através
da internet forçando as publicações em papel a novos ímpetos criativos para valorizar aquilo
que se passou no dia anterior e, por isso, já carece de novidade numa análise que, para já, não
se enquadra neste artigo.
Pistas para o futuro
Eis, por fim, o presente do ciclismo português e o seu futuro enegrecido pelos clássicos
elementos da decadência de um desporto que, embora popular - afinal, nunca a bicicleta foi
tão valorizada - vive nos últimos anos em pleno divórcio com todos os elementos que, no
passado, forjaram a sua identidade. Os heróis, pelo menos no ciclismo português, já não o são
- quem, no grande público, conhece o actual mais vitorioso ciclista do pelotão nacional? - o
esforço sobre-humano também já não o é - pois a auto-superação do ciclista amador é-lhe
equiparável.
Resta ainda o contacto com o público mas os gradeamentos e barreiras, credenciais e
autocarros com vidros fumados, tornam distantes as suas figuras maiores que, também, por
sua vez, já pouco são reconhecidas quando passam no asfalto. São um amontoado rápido de
atletas que levam óculos e capacetes incapazes de se distinguirem. Já o próprio público
escasseia nas corridas do calendário e acolhe, cada vez menos, à prova rainha apesar das
"enchentes" anuais. Pior, malgrado a disponibilidade das fontes noticiosas, o público é cada
vez pior informado. Por fim, indo a uma das matrizes da crise do ciclismo, os próprios
jornalistas, elementos cada vez mais arredados e tidos como dispensáveis das caravanas
velocipédicas. Para completar o retrato negro do que nos espera recuperemos novamente
Serafim Ferreira:
Acredita no futuro do ciclismo?
Não acredito. Enquanto não mudarem mentalidades é impossível. O ciclismo
vive de publicidade e esta é potenciada pelos órgãos de comunicação social. Se
estes não vão, não há hipótese de sobrevivência.
Mediante este alerta, simples e directo, provavelmente na sua última entrevista concedida a
uma publicação, surge como pertinente dar voz a outros elementos da caravana jornalística
que, com regularidade, escrevem sobre ciclismo tendo para o efeito sido recolhidas as
opiniões dos jornalistas Fernando Emílio (A Bola), Carlos Flórido, João Araújo e António José
Rodrigues (O Jogo) e Ana Paula Marques (Record), todos com múltiplas experiências de
cobertura jornalística da Volta a Portugal. Eis o exercício pergunta-resposta:
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1) Na sua experiência de jornalista com enfoque na cobertura de provas de ciclismo
consegue enumerar alguns dos atributos que caracterizam e valorizam mediaticamente o
ciclismo diante de outras modalidades desportivas?
Fernando Emílio (A BOLA)
A primeira vantagem do ciclismo em comparação com outras modalidades
passa pela isenção de bilheteira, permitindo que o público possa presenciar a
corrida, além de ser uma modalidade que se tornou abrangente em termos
mediáticos. Actualmente , o BTT tem muitos praticantes, afronta o ciclismo de
estrada mas não vende nem tem apoio jornalístico.
António Rodrigues (O JOGO)
Esforço/heroísmo dos ciclistas, e a humildade e facilidade de comunicação.
João Araújo (O JOGO)
Desde o desfile multicolor perante quem vê na estrada e na TV, ao esforço com
aparência de inalcançável daqueles forçados do asfalto, às bicicletas,
equipamentos e até carros de apoio, tudo são elementos que despertam
admiração, logo, interesse. As viagens, no pequeno ecrã, que proporciona, os
dramas das vitórias e derrotas, quedas e máscaras de esforço São outras
razões que atraem.
Carlos Flórido (O JOGO)
O esforço dos corredores, considerados dos melhores atletas entre todos os
desportos. O espectáculo e o colorido do pelotão.
O facto de o ciclismo visitar as pessoas à porta de casa e, na sua divulgação,
permitir mostrar locais menos conhecidos.
A abertura dos corredores e técnicos face aos jornalistas, por compreenderem
ser necessária uma boa relação.
Ana Paula Marques (RECORD)
Por ser uma modalidade do povo, que apela à paixão dos adeptos, que se
deslocam no verão, por vezes com temperaturas altíssimas, bem cedo, para a
berma das estradas só para ver passar os ciclistas numa fracção de segundo.
Por ser uma modalidade muito dura, de muito sacrifício para os seus
praticantes. Por último e não menos importante, a sua espectacularidade,
principalmente nas etapas de montanha, que pregam o telespectador à TV.
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2) Como classifica o presente acompanhamento mediático do ciclismo no seu órgão de
comunicação? (face às práticas do passado, face a outras modalidades, face à concorrência,
etc)
Fernando Emílio (A BOLA)
A Bola é o único jornal desportivo que diariamente fala de ciclismo. Em 2011 a
modalidade esteve presente em 336 dias de edição.
Existem modalidades que por várias vezes reclamaram junto da direcção do
jornal pelo facto do ciclismo "ser um desporto com sucessivos casos de doping"
e ter prioridade para outras modalidades.
António Rodrigues (O JOGO)
Já foi melhor (em termos de espaço), mas dada a conjuntura actual e face à
concorrência, é bastante bom.
João Araújo (O JOGO)
Semelhante a concorrência em espaço, é bem menor que num passado recente
(anos 90) e sobretudo desfasado da realidade: o gosto das pessoas pelo
ciclismo é maior que o espaço nos jornais.
Carlos Flórido (O JOGO)
O JOGO reduziu o espaço dedicado ao ciclismo a metade do utilizado há uma
década; a um quarto do utilizado há duas; a um décimo do que lhe era
dedicado há três décadas. Face a outras modalidades, o ciclismo passou do
segundo lugar que ocupava, a seguir ao futebol, ao sexto ou sétimo, depois de
futebol, andebol, basquetebol, hóquei em patins, voleibol e desportos
motorizados, sendo actualmente difícil dizer, face a atletismo, golfe e ténis,
qual a posição que ocupa.
Apesar da quebra muito acentuada, O JOGO continuará a ser o segundo jornal
português que mais se dedica ao ciclismo. Incrível!
Ana Paula Marques (RECORD)
Bem, atendendo à falta de espaço destinado às modalidades ditas amadoras,
até nem me posso queixar do espaço que o Record vai dando ao ciclismo, em
especial às mais importantes provas internacionais e aquelas em que estão
envolvidos os ciclistas portugueses. Admito, porém, que em relação ao ciclismo
que se faz no país e à excepção da Volta ao Algarve e Volta a Portugal, a
atenção dada pelo jornal é muito reduzida. Mas isso deve-se também em parte
ao facto de o ciclismo de hoje em Portugal ser muito pouco atractivo. A
concorrência, principalmente a A Bola, dá mais espaço ao ciclismo nacional,
porque tem um jornalista unicamente focado na modalidade, que vai a todos
as provas.
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3) Quais os constrangimentos a uma maior (e de melhor qualidade) cobertura jornalística da
sua redacção face ao ciclismo? Porque não se escreve mais de ciclismo?
Fernando Emílio (A BOLA)
No caso de A Bola essa questão não se coloca até ao momento, embora
reconheça que existem editores secundários que não têm grande apetência
pela modalidade e que cortam por vezes alguns trabalhos.
Por outro lado e segundo as audiências, o ciclismo é uma modalidade onde as
vendas são pouco expressivas, além de não ter qualquer retorno por parte dos
patrocinadores das equipas.
António Rodrigues (O JOGO)
Preço do papel levou a uma redução do espaço disponível nos jornais.
João Araújo (O JOGO)
Essencialmente a crença das direcções de que desporto é futebol e o resto
paisagem...
Carlos Flórido (O JOGO)
O preço incomportável da cobertura das provas é o maior dos
constrangimentos - logo seguido da sua duração, tornando difícil dispensar um
jornalista para vários dias fora -, apenas se justificando o acompanhamento na
estrada da Volta a Portugal.
Também não se escreve mais sobre ciclismo devido ao descrédito da
modalidade em função dos sucessivos casos de doping e ao empobrecimento
do pelotão português, neste momento bem menos interessante do que, por
exemplo, o comportamento de ciclistas portugueses em equipas internacionais.
Ana Paula Marques (RECORD)
Primeiro, pelo que referi no ponto anterior, falta de espaço, depois porque face
à crise económica, os jornalistas saem cada vez menos em reportagem, ou seja,
fazem a cobertura dos eventos sentados na redacção. Perde-se o contacto com
os intervenientes, sejam eles praticantes, treinadores e organizadores.
4) Na sua opinião, o que fez com que o ciclismo perdesse popularidade na imprensa?
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Fernando Emílio (A BOLA)
Falta de organização das equipas, de alguns organizadores e os casos de
doping. A modalidade perdeu especialistas e credibilidade, além de empresas
proprietárias dos jornais serem bem claras. Somos empresas com fins
lucrativos!
No estrangeiro existe a publi-reportagem em todos os países, os organizadores
compram duas ou três paginas diárias, falam sobre a corrida e promovem os
patrocinadores.
Em Portugal pensam que é obrigatório os jornais escreverem sobre as provas o
que não corresponde à realidade.
António Rodrigues (O JOGO)
Escândalos que abalaram a modalidades, emigração dos protagonistas
portugueses, afastamento das populações em detrimento do espectáculo.
João Araújo (O JOGO)
O arranque das épocas futebolísticas cada vez mais cedo roubou protagonismo
a volta a Portugal. O desinvestimento de patrocinadores no ciclismo também
ajudou a crise. Outras modalidades fazem melhor trabalho de promoção.
Carlos Flórido (O JOGO)
Meia resposta está dada antes.
Falta ainda dizer que, face ao espaço cada vez mais reduzido dedicado a
modalidades, o ciclismo ficou a perder para modalidades cuja pressão
informativa é imensa.
Só em tempos mais recentes o ciclismo terá "acordado" para a necessidade de
serviços de relações públicas. Já veio tarde, encontrando o seu espaço ocupado
por outros, e ainda não encontrou o caminho certo. Nenhuma equipa
portuguesa tem um bom gabinete de relações públicas e sei do que falo. Sou
editor de modalidades de um jornal desportivo e só recebo informação da FPC,
da PAD, de um fornecedor de resultados, de uma associação e de uma equipa
sub-23. Equipas profissionais, zero!
Também faltará à modalidade alguma capacidade para fazer "lobbying" junto
das direcções dos órgãos de informação, algo em que se especializaram outras
como golfe, râguebi, vela ou ténis. Todas estas modalidades venderam com
êxito a ideia de que estão em grande crescimento e podem render grandes
receitas publicitárias a quem nelas apostar.
No pólo oposto está o ciclismo. Para todos os diretores de jornais é a
modalidade do doping e apenas as notícias de novos escândalos têm interesse.
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É também o desporto dos pobres, que não compram jornais. Em vez de criticar
a imagem que se criou, deveria o ciclismo fazer uma introspecção e descobrir a
forma de a alterar.
Ana Paula Marques (RECORD)
Em Portugal, devido ao facto de ano após ano o pelotão ser cada vez menos, as
provas perdem interesse competitivo. Depois os casos de doping. São cada vez
mais os cépticos em relação à modalidade.
5) Qual o futuro do ciclismo na imprensa escrita?
Fernando Emílio (A BOLA)
A situação está a piorar, actualmente apenas A Bola está na estrada os
restantes jornais trabalham na redacção com jornalistas que são...globalizados
e escrevem sobre todas as modalidades, quando não sabem vão ao Google.
Esta situação é extensiva às rádios, de três horas em directo há alguns anos na
Rádio Comercial passou-se a 5 minutos e finais de etapa com 3 minutos.
As organizações principalmente a PAD, ignora as rádios e a imprensa regional e
local, a nível nacional vai pelo mesmo caminho.
Na situação actual o ciclismo não tem argumentos nem jornalistas para
divulgarem a modalidade por culpa dos organizadores, das equipas e
patrocinadores.
António Rodrigues (O JOGO)
Negro. Uma cobertura só faz sentido in loco. A falta de receitas publicitárias
prejudica o corpo redactorial e a capacidade de o jornal mandar jornalistas aos
locais.
João Araújo (O JOGO)
Não sei dizer.
Carlos Flórido (O JOGO)
Uma análise honesta tem de seguir a linha - descendente - dos últimos anos. E
isso diz-nos que o futuro será... nenhum.
- Se a nível internacional forem retiradas todas as vitórias a Armstrong e
continuarem a existir vários escândalos anuais;
- se as figuras internacionais continuarem a desaparecer e as equipas a mudar
constantemente de nome;
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- se a nível nacional continuarmos com um pelotão muito reduzido e fraco;
- se também por cá tivermos mais casos de doping;
- se a relação (distante) do ciclismo com as redacções dos órgãos de
informação se mantiver;
- se a própria Volta a Portugal começar a ser cada vez mais desinteressante
a atenção dedicada ao ciclismo continuará a diminuir até o transformar numa
modalidade residual.
O ciclismo viveu um tempo em que cativava os jornalistas e cobrir uma Volta a
Portugal era uma espécie de curso superior que representava subir um degrau
na profissão. Isso desapareceu e provavelmente nunca mais voltará a existir. É
possível voltar a cativar os jornalistas para o ciclismo, embora difícil, mas isso
passará por perguntar aos próprios jornalistas como o fazer. Talvez eu tenha
algumas respostas. Curiosamente - ou talvez não -, nunca ninguém mas pediu.
Ana Paula Marques (RECORD)
Lamento dizer, mas vai em direcção ao abismo. Há quatro anos, o Record dava
quatro páginas à Volta a Portugal, agora o espaço é reduzido a duas. Há
quatro anos, iam três jornalistas, esteve ano vai apenas um. Depois, tirando
algumas excepções, como tu, no jornal O Jogo, e o Fernando Emílio em A Bola,
não há jornalistas especializados em escrever sobre a modalidade no nosso
país. Eu por exemplo escrevo sobre ciclismo desde 1994, mas hoje tanto posso
estar a fazer uma página sobre o Tour, como amanhã já estar a escrever uma
sobre Roland Garros ou outra coisa qualquer.
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