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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 46 Abr/Jun 2011 >> 2,50 Euros TEMA A imprensa sob revisão REPORTAGENS l Literacia, media e cidadania l Crianças e riscos online ANÁLISE l O uso do Twitter na imprensa regional l Redes sociais ENTREVISTAS ALEXANDRE MANUEL STEVE DOIGT THOMAZ SOUTO CORRÊA

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 46 Abr/Jun 2011 >> 2,50 Euros

TEMA

A imprensa sob revisão

REPORTAGENS

l Literacia, media e cidadanial Crianças e riscos online

ANÁLISE

l O uso do Twitterna imprensaregionall Redes sociais

ENTREVISTAS ALEXANDRE MANUELSTEVE DOIGTTHOMAZ SOUTO CORRÊA

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Mário Zambujal

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José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

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Nº 46 ABRIL/JUNHO 2011

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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TEMAA IMPRENSA SOB REVISÃOO português na nossa imprensa vive tempos difíceis,talvez por os revisores, que já ascenderam às dezenaspor órgão, serem cada vez mais raros. Maiori tariamenteanónimos, quase invisíveis, sentem que, apesar do papelessencial que desempenham na qualidade dos jornais erevistas, só dão por eles quando um erro lhes escapa.Por Helena de Sousa Freitas

REPORTAGEM

LITERACIA, MEDIA E CIDADANIAA importância de uma literacia que forme para a cidadania Por Rita Araújo

"CRIANÇAS E RISCOS ONLINE"Jornalismo e segurançadas crianças na internet Por Ana Jorge

ANÁLISE

O USO DO TWITTERNA IMPRENSA REGIONALProximidade(s) no jornalismoPor Pedro Jerónimo

REDES SOCIAIS Novas regras paraa prática jornalística?Por Catarina Rodrigues

ENTREVISTAS

Alexandre ManuelPor Silas de Oliveira

Steve Doigt Por Carla Baptista

Thomaz Souto CorrêaPor Maria da Paz Treffaut

JORNAL

[40] Dez anos de SIC Notícias Por Carla Baptista

[46] Livros Por Carla Baptista

[48] Sites Por Mário Rui Cardoso

HOMENAGEMDavid Lopes Ramos

JJ|Abr/Jun 2011|3

Colaboram neste número

Ana Jorge (U.N.L., C.I.M.J.)

Carla Baptista (FREELANCE, C.I.M.J., U.N.L.)

Catarina Rodrigues (LABCOM – U.B.I)

Francisco Belard (EXPRESSO)

Helena de Sousa Freitas (LUSA)

José Alves (ILUSTRAÇÃO /PÚBLICO)

José Frade (FOTOJORNALISTA)

Luís Humberto Teixeira (FOTOJORNALISTA)

Maria da Paz Treffaut (CORRESP. EXPRESSO NO BRASIL)

Mário Rui Cardoso (RTP – ANTENA 1)

Pedro Jerónimo (OBCIBER – Observatório de Ciberjornalismo)

Rita Araújo (U. MINHO)

Silas Oliveira (FREELANCE)

Sofia Correia (FOTOJORNALISTA)

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

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TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 39 Julho/Setembro 2009 >> 2,50 Euros

TEMA Os media no ensino superior

Laboratóriosde Jornalismo

ANÁLISE > O futuro da imprensa: O momento crucial> A Informação Televisiva > Olhando as estrelas nas

páginas dos jornais ENTREVISTAS > Daniel Hallin > CristinaPonte e Lídia Marôpo

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ENQUADRAMENTOA Halcon Viagens, em homenagem ao contributo dado aosector turístico pelo jornalista Belmiro Santos e em parceriacom o Clube de Jornalistas, institui o Prémio de Jornalismo deViagens destinado a premiar os melhores trabalhos, publicadosou difundidos nos media portugueses, por profissionais dacomunicação social cujo o tema seja o turismo na sua vertentedas viagens e o papel que represententam no desenvolvimen-to cultural e social das pessoas através das viagens.

REGULAMENTOOBJECTIVOO Prémio de Jornalismo de Viagens destina-se a premiar anual-mente os autores dos melhores trabalhos jornalísticos sobreturismo de viagens publicados no ano anterior, em qualquermeio de comunicação social, independentemente do suporteutilizado, imprensa escrita, online, rádio ou televisão, realiza-dos por profissionais da comunicação social,contribuindosimultaneamente para incrementar o nível de informação dapopulação portuguesa a respeito do tema.

TRABALHOS JORNALÍSTICOS ADMITIDOS A CONCURSOSerão admitidos a concurso todos os trabalhos jornalísticossobre o tema Jornalismo de Viagens, escritos em língua por-tuguesa e publicados ou difundidos em meios de comunicaçãosocial portugueses ao longo do ano, destinados ao grandepúblico.Os autores dos trabalhos deverão ser de nacionalidade por-tuguesa ou residentes em Portugal e devem fazer-se acompan-har da sua carteira profissional. A ausência de carteira profis-sional dita a exclusão do concurso.Os trabalhos podem ser desenvolvidos individualmente oucolectivamente e poderão assumir o formato de imprensa escri-ta, online, rádio e televisão.

CANDIDATURASAs candidaturas ao prémio podem ser formalizadas através daentrega dos seguintes documentos que integrarão o processode candidatura: a) Três cópias da peça jornalística a submeter a concurso (papel,vídeo, pen drive, dvd, cd-rom, ou qualquer outro suporte deuso corrente e com qualidade de leitura e/ou visionamento). b) Declaração de identificação do Autor (nome completo do (s)autor (es), cópia do bilhete de identidade, indicação da mora-da, telefone, fax e e-mail de contacto, cópia da (s) carteira (s)profissional. As peças que se apresentem sem a devida identifi-cação do autor serão alvo de exclusão do concurso.c) Declaração de identificação da peça jornalística (título da peça,identificação do órgão de comunicação social, data de publicaçãoou difusão, declaração a autorizar o Clube de Jornalistas a uti-lizar os conteúdos das peças jornalísticas para fins documentaise de divulgação da cerimónia de entrega do prémio). O Clube deJornalistas confirmará junto do órgão de comunicação social edo (s) respectivo(s) autor(es) a data concreta de publicação oudifusão, e solicitará o nome completo do autor(es), a morada,telefone, fax e e-mail de contacto, a cópia da carteira profission-

al e a autorização para a utilização dos artigosd) As candidaturas podem ser entregues pessoalmente ouenviadas pelo correio, registadas e com aviso de recepção, comcarimbo dos CTT não ultrapassando a data limite e) Os documentos do Processo de Candidatura deverão serinseridos num envelope fechado com as seguintes indicações:- Como endereço: Clube de Jornalistas, Rua das Trinas, 127,R/c,Lisboa- Como remetente: Titulo da Peça Jornalística / Nome do(s)autor(es) / Moradaf) Caso o Concorrente venha a submeter a concurso mais do

que uma candidatura, deverá apresentá-las em processos sepa-rados e autónomos.g) Os documentos que integram o Processo de Candidaturanão serão devolvidos.

PERIODICIDADEOs Processos de Candidatura deverão dar entrada, através docorreio até 31 de Dezembro de cada ano. Os trabalhosentregues após esta data não serão considerados.A decisão da Comissão de Avaliação decorrerá entre os mesesde Fevereiro e Março do ano posterior aquele a que se refere oPrémio.A entrega dos Prémios terá lugar no Clube de Jornalistas nomês de Abril .

PRÉMIOSSerão atribuídos um 1º Prémio e uma Menção HonrosaO valor do 1º Prémio é de 3.500 € (três mil e quinhentos euros)a utilizar na Halcon Viagens , duma só vez , numa viagem àescolha.O valor da Menção Honrosa é de 1.500 € (mil e quinhentoseuros) a utilizar na Halcon Viagens , duma só vez , numaviagem à escolha.

JÚRIO Júri será a única entidade responsável pela avaliação dos tra-balhos a concurso. Caberá ao Júri deliberar sobre os casos omis-sos, avaliar os trabalhos inscritos.O Júri será composta por 3 Membros: a) Dois jornalistas seniores indicados pelo Clube de Jornalistasb) Um representante da Halcon Viagens ; c) Um representante da Associação Portuguesa de Jornalistasde TurismoAs decisões do Júri são soberanas, respeitando o regulamento eisentas de qualquer interferência por parte da entidade promo-tora do Prémio, e não são passíveis de contestação.

COMUNICAÇÃO DOS VENCEDORESOs nomeados serão contactados, por escrito e via telefone,durante os meses que se seguem à entrega das peças a concur-so, e que antecedem o anúncio dos vencedores. Os vencedores do Prémio de Jornalismo de Viagens serãodivulgados no mês de Abril do ano posterior aquele a que serefere o Prémio, em cerimónia pública para atribuição doprémio que decorrerá no Clube de Jornalistas

Prémio de Jornalismo de ViagensHALCON VIAGENS

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A imprensa sob revisãoO português na nossa imprensa vive tempos difíceis, talvez por osrevisores, que já ascenderam às dezenas por órgão, serem cada vezmais raros. Maioritariamente anónimos, quase invisíveis, sentem que,apesar do papel essencial que desempenham na qualidade dosjornais e revistas, só dão por eles quando um erro lhes escapa.

Textos: Helena de Sousa Freitas Fotos: Luís Humberto Teixeira

TEMA

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As gralhas e erros nos títulos nem sempreserão os piores exemplos de mau portuguêsque encontramos na imprensa, mas são,indubitavelmente, os que mais saltam àvista... e mais arreliam. Às letras (quando

não palavras) desaparecidas na hora da impressãosomam-se as falhas a nível da sintaxe, da pontuação e umsem-número de outros lapsos.

Numa mera pesquisa de leitor, isto é, não orientada e sempreocupações de exaustividade, a JJ encontrou de tudo,incluindo fotos trocadas entre artigos, a mesma informaçãoescrita em duas breves distintas publicadas na mesma pági-na ou uma entrada que caiu de pára-quedas na notíciaalheia. Como é isto possível? É a pressa a minar a perfeição?Os jornalistas são descuidados? Não há revisores?

Guilherme Ayala Monteiro, decano desse grupo quedizem ter os dias contados, lamentou que os jornais te -nham reduzido substancialmente as equipas de revisores,“isto nos casos em que ainda os têm”, por ser impossível“dois fazerem o trabalho de seis quando a revisão, muitoexigente em termos de concentração, requer uma para-gem ao fim de duas ou três horas”.

Para Ayala Monteiro, que começou como revisor em1957, no Diário Ilustrado, mudando-se dois anos depoispara o Diário de Notícias, onde permaneceu até 2000, “adetecção de gralhas está actualmente a cargo dos correc-

tores ortográficos, mas há muitas falhas que estes nãoassinalam: palavras em falta, pontuação deficiente,

erros de concordância” e que solicitam um olharhumano clínico e crítico.

VER QUANDO “O TEXTO ESTÁ TORTO”Retirado da imprensa mas a trabalhar para a editora Casadas Letras, do grupo Leya, o ex-chefe da revisão do DNfez o antigo 7º ano do liceu na área de Ciências – “o quefoi um erro, porque do que gosto mesmo é de Letras” –,

complementando a pouca escolaridade “com a leitura dosclássicos e de obras de filólogos”.

“Podia ter sido jornalista, mas escrever para ver os tex-tos cortados, prática comum à época, não era para mim,pelo que fui para revisor”, revelou, assinalando queaprendeu muito com colegas mais velhos, “além de tersido amigo de escritores como Vitorino Nemésio, VergílioFerreira, Fernando Namora ou Augusto Abelaira”.

Mas, mais do que isso, “talvez tenha uma intuição paraver quando o texto está torto”, contou à JJ, assegurandoque, embora prefira a revisão a qualquer outro ofício, otrabalho tem pouca ou nenhuma visibilidade e chega a seringrato: “Podemos descobrir 98 gralhas em 100 que hão-de vir apontar-nos as duas que deixámos passar”.

E ninguém gosta de raspanetes, reconheceu Ayala Monteiro,sublinhando, a propósito, que, das quatro décadas no DN, lheficou a ideia de que “os jornalistas são pouco receptivos a chama-das de atenção sobre o português que escrevem e parece que pre-ferem insistir nos erros”.

MUITO MAIS DO QUE MATAR GRALHASAprender com os mais velhos, como indicou AyalaMonteiro, será ainda uma das grandes escolas do ofício.Helena Ramos, do jornal i, sente-se discípula de “um revi-sor da Imprensa Nacional, que trabalhou até morrer”.

Na altura, “queria aprender português, não pensavavir a ser revisora”. Mas aconteceu e, após substituições decurta duração nas revistas Lux e Lux Woman, seguiu-se aGrande Reportagem e, por fim, o i, onde está há dois anos.

“Aqui somos três revisores, mas nunca trabalhamostodos ao mesmo tempo. A maior parte dos dias, somos doise, muitas vezes, apenas um. Precisávamos de mais um oudois, para que todos os artigos fossem revistos, mas os jor-nais, hoje, têm de ser feitos com poucos meios...”, afirmou.

Para Helena Ramos, “a tarefa dos revisores tem hojemais a ver com a forma, embora haja alguma intervençãono conteúdo, procurando filtrar erros de todos os tipos.Quando o tempo permite, há inclusivamente preocupa-ção com a elegância, evitando-se que as frases tenhamrepetições, sejam foneticamente desagradáveis”.

Ou seja, todo um trabalho que os correctores ortográfi-cos instalados nos computadores das redacções estãolonge de assegurar, ainda que sejam “muito úteis paradetectar grande parte dos erros que os leitores tambémapanham e consideram graves”, ainda que muitas vezessejam sobretudo evidentes.

PORTUGUÊS CONTAMINADO PELA LÍNGUA INGLESAEmbora sinta que só se lembram dos revisores “quandoescapa um grande disparate”, a revisora do i anima-secom situações pontuais, como quando um colega lhe dissejá ter “acordado a meio da noite num sobressalto por selembrar de um erro que escrevera num editorial, verifi-cando, ao pegar no jornal no dia seguinte, que o erro já lánão estava”.

“Os jornalistas são pouco receptivosa chamadas de atenção sobre o portuguêsque escrevem.”Guilherme Ayala Monteiro

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Na opinião de Helena Ramos, os sinais de uma leituraatenta são mais óbvios quando um revisor sabe mesmomuito bem português, sabe usar preposições e pontuar –“as pessoas podem não se aperceber de que uma pessoaassim passou por ali os olhos, mas o texto fica completa-mente diferente”.

O mau uso das preposições e da pontuação constitui,precisamente, uma das suas maiores dores de cabeça,embora também sejam cada vez mais recorrentes “os pro-blemas com quantificadores” e haja “uma ignorância tre-menda de conceitos aritméticos elementares, do significa-do das unidades”.

Ainda assim, neste momento, “o mais desagradável é acontaminação da língua portuguesa pelas construções doinglês, que é subtil, constante e feia”.

“Quando usamos ‘eventualmente’ no sentido de ‘porfim’, como em inglês, perdemos o nosso ‘eventualmente’original, que faz falta. E o ‘antecipar’ em vez de ‘prever’ éoutra praga recente”, exemplificou, apontando ainda ocaso da grafia “S. Petersburgo”, que tem vindo a substitu-ír “Sampetersburgo”. Helena Ramos diz ter aqui um dosseus cavalos de batalha, “pois não há nenhum santo cha-mado ‘Petersburgo’, por muito que se ouça realmente pro-nunciar ‘São Petersburgo’ na rádio e na televisão!”

A DERRADEIRA LINHA DE DEFESAMerrill Perlman, chefe dos copydesks do The New YorkTimes, jornal que tem uma equipa de 150 profissionaispara reler os textos já depois de terem passado pelos edi-

tores, encara o cargo como “a derradeira linha de defesaantes de as notícias chegarem aos leitores”.

A definição é tomada de empréstimo por DanielRicardo, o último dos elementos do gabinete editorial quenasceu com a Visão, em 1993, incluindo, à data, outros trêsjornalistas seniores: José Carlos de Vasconcelos, LuísAlmeida Martins e Afonso Praça.

TEMA A imprensa sob revisão

“Quando usamos ‘eventualmente’ nosentido de ‘por fim’, como em inglês,perdemos o nosso ‘eventualmente’ original,que faz falta. E o ‘antecipar’ em vez de‘prever’ é outra praga recente.”Helena Ramos

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Segundo Daniel Ricardo, “cabia ao grupo controlar aqualidade jornalística dos textos da Visão, bem comogarantir o cumprimento das normas do livro de estilo”, deque é autor.

Embora ainda hoje não esteja propriamente preocupa-do com a ortografia – “que fica a cargo dos três revisoresda Visão, responsáveis por detectar gralhas e erros orto-gráficos” –, mas incumbido de verificar aspectos como acapacidade de sedução dos textos, os ângulos de aborda-gem ou a hierarquização e coerência da informação,acaba, inevitavelmente, por avaliar a qualidade do portu-guês.

“A maior parte dos textos chega-me em condições, masnoto, sobretudo nos jornalistas mais jovens, uma grandepobreza vocabular”, contou o director executivo da Visãoà JJ, recordando que, quando se iniciou na profissão, “alarga maioria dos jovens jornalistas lia muito e publicavatextos nos suplementos juvenis do República e do Diáriode Lisboa, o que fazia diferença”.

SENIORES COMPENSAM ESCASSAS LEITURASDOS JOVENSOutro aspecto distintivo diz respeito à ligação do redactorcom aquilo que produz. “Sinto, nos jornalistas maisnovos, um grande desprendimento face aos textos queescrevem. Ficam claramente à espera que alguém, quenão eles, os releia”, criticou.

Talvez por isso o também autor dos livros de estilo deO Jornal e O Diário já se tenha deparado com frases como

“foram detidas quinze pessoas e dois suecos” ou “há pes-soas que morrem todos os dias”, quando o jornalista que-ria dizer que todos os dias morrem pessoas.

Daniel Ricardo considera que os recém-chegados àprofissão fazem um bom trabalho no terreno mas revelammuitas dificuldades a nível da escrita: “Chegam à redac-ção com uma história interessantíssima, mas não conse-guem passar para o papel a sua intensidade e colorido”.

“A maior parte dos textos chega-me emcondições, mas noto, sobretudo nosjornalistas mais jovens, uma grandepobreza vocabular.”Daniel Ricardo

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TEMA A imprensa sob revisão

A escassez de leituras é igualmente apontada pelodirector executivo da Visão como responsável pelo déficede conhecimento dos novos jornalistas no que se refere àHistória.

“Vale a redacção ser bastante equilibrada, com jornalis-tas mais velhos e mais novos, o que contribui para supri-mir muitos dos erros dados, por exemplo, nos títulos dasfunções ou mesmo nos nomes de políticos do tempo daRevolução”, afirmou, recordando: “Quando entrei para ojornalismo, ai de mim se não soubesse os grandes nomesda República, que distava muito mais dessa altura do queo 25 de Abril da actualidade”.

FALHAS RECONHECIDAS MAS NÃO CORRIGIDAS Mas se os jornalistas são, regra geral, os primeiros respon-sáveis pelos erros de vária ordem na imprensa portugue-sa, não deixa de ser curioso que, de acordo com o relató-rio “Desafios do Jornalismo 2010”, elaborado peloObservatório da Comunicação e pelo Centro deInvestigação e Estudos de Sociologia do ISCTE – InstitutoUniversitário de Lisboa, 71,5% diga que “as notícias estãocada vez mais cheias de erros factuais e imprecisões”.

O relatório, com base num inquérito a jornalistas dosórgãos de maior expressão (grupos RTP, Impresa, MediaCapital, Cofina, Controlinveste, Renascença e jornaisPúblico e i) no qual foram validadas 212 respostas, mostraque 53,6% “concorda” e 17,9% “concorda totalmente” comaquela afirmação.

Só que de reconhecer as falhas a corrigi-las vai uma

longa distância... que esgota a paciência dos leitores.Segue-se, frequentemente, o desaguar das queixas emmissivas ao jornal.

Rui Araújo, jornalista e escritor que esteve como prove-dor do leitor do Público entre Janeiro de 2006 e Novembrode 2007, recorda que muito do descontentamento dos lei-tores se prendia com o “elevado número de gralhas”, tam-bém para ele “inaceitável”.

Alertando que “os correctores ortográficos, sendo umaferramenta útil, não são a solução para tudo e mais algumacoisa”, o ex-provedor sublinhou que “os jornalistas, primei-ros e últimos responsáveis por aquilo que escrevem,devem dominar a língua, o que nem sempre acontece”.

Para isso contribuirá, além dos factores já enunciadospor Daniel Ricardo, a importância dada ao português noscursos de Comunicação Social, que Rui Araújo classificade “assaz relativa”.

A fragilidade acaba por se reflectir nos jornais, onde,como agravante, os revisores são uma espécie “em vias deextinção”, segundo o ex-provedor, que julga ter assistido“a uma redução do seu número” enquanto esteve noPúblico.

Talvez assim se expliquem ironias como a que a JJencontrou na edição de 8 de Janeiro de 2007. Com o ante-título “A correcção”, uma notícia que rectificava a data deingresso de Fernando Correia na TSF, e na qual o entãodirector da estação, José Fragoso, desmentia declaraçõesdo jornalista desportivo, foi maculada pelo próprio título:“Director da TSF demente Fernando Correia”. JJ

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A influência dos media no portuguêsO erro de hoje pode ser a norma de amanhãOs erros de português que os órgãos de comunicação vão publicando, reproduzindo, reiterando,podem ser, posteriormente, adoptados e dicionarizados. Mas, apesar de ser reconhecida a acçãodos media na evolução da língua, importa perceber até onde vai essa influência.

"A o dizermos que o que hoje é erro (desvio ànorma), amanhã pode ser norma, podemosestar a referir-nos à mudança linguística ou à

ortográfica, que são tipos diferentes de mudança", expli-cou Rita Veloso, investigadora do Centro de Linguística daUniversidade de Lisboa (CLUL), ressalvando que algunserros, embora persistentes, dificilmente serão integrados,"ao contrário dos desvios linguísticos sistemáticos".

De acordo com Rita Veloso, os media podem contribuirpara integrar na norma inovações linguísticas, mas nãoerros ortográficos ou relacionados, "como a omissão dealgumas preposições que vemos passar em rodapé nosnoticiários televisivos".

Diferente é a situação de "impacto" e "impacte", porexemplo. Ambas as palavras estão dicionarizadas, "emgrande parte por terem começado a ser usadas equitativa-mente na comunicação social, já que a elevada frequênciade uso nos media incentiva fortemente a dicionarização",esclareceu a investigadora, há 16 anos membro do grupode Linguística de Corpus do CLUL, que inclui os textosjornalísticos na sua base de trabalho.

"Quando se tenta normalizar palavras com base nouso, a imprensa é, de facto, uma fonte muito significativa,tendo a vantagem de estar facilmente acessível, sobretudoagora, com a Internet", afirmou Rita Veloso, licenciada emLinguística pela Faculdade de Letras da Universidade deLisboa, segundo quem os media agem, antes de mais,sobre o discurso de leitores e ouvintes. Ao reproduziremum termo novo como 'empregabilidade', os órgãos decomunicação levam a que este "entre no vocabulário acti-vo dos falantes, para o qual o discurso mediático contribuivivamente", assinalou à JJ.

Deste modo, o facto de "aparcamento" - palavra de

influência hispânica que ainda causa estranheza, apesarde figurar no Dicionário da Academia de Ciências deLisboa - ser empregue por alguns jornais "poderá con-tribuir mais para a sua adopção pelo público do que ofacto de estar dicionarizada", afirmou Rita Veloso.

QUANDO O JORNALISMO PECA POR EXCESSOMas existem outros aspectos interessantes na relação dosórgãos de comunicação com a língua. "Decerto com a me -lhor intenção, os media incorrem, amiúde, num excessode zelo, difundindo uma hipercorrecção. É o caso da uti-lização, quase em regime de exclusividade, de 'melhor',em detrimento de 'mais bem'. Tal deixa implícito que 'maisbem' está sempre errado, quando o seu emprego é válidoem determinadas situações. Por exemplo, é tão correctoperguntar 'Passava-me melhor o bife?' como indicar'Quero o meu bife mais bem passado'", clarificou.

Para a investigadora, que um dia pensou ser jornalista,os media são sensíveis à questão da língua e absorvemalgumas críticas, como comprovam os plurais "líderes" ou"cadáveres". "Estas palavras eram, geralmente, pronunci-adas como 'lídères' e 'cadávères', mas alguém mais conser-vador terá protestado e, de repente, nos media, começoua dizer-se 'líderes' e 'cadáveres' com 'e' mudo na penúltimasílaba. Problema: os singulares 'líder' e 'cadáver' passaramigualmente a ser ditos com 'e' mudo, o que está erradomas se ouve com frequência na televisão", exemplificou.

Para a também docente na Faculdade de Letras, "istomostra que, quando se tenta corrigir um erro muitoenraizado na nossa gramática, temos um efeito de dominóde hipercorrecção, gerando-se novo erro. E se, no casoreferido, o primeiro estava a caminho de entrar na norma,o segundo está muito longe disso".HSF JJ

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Jornalismo escolar e universitário

Com tento na línguaSe o poeta se faz aos 10 anos, como escreveu Maria Alberta Meneres, também o jornalistapode nascer muito antes de pisar pela primeira vez uma redacção, com os jornais e revistasescolares a assumirem aí um papel fundamental.

C onsciente disso, Eduardo Jorge Madureira, direc-tor do projecto Público na Escola e coordenadordo Concurso Nacional de Jornais Escolares,

declarou no 1º Congresso Nacional "Literacia, Media eCidadania", realizado a 25 e 26 de Março na Universidadedo Minho, que "os jornais com erros de palmatória naprimeira página, isto é, erros gramaticais, erros de con-cordância, aqueles que se diferenciam claramente dasgralhas, são excluídos de imediato".

"Num jornal diário, em que por vezes há notícias achegar à redacção em cima do fecho, os erros podem jus-tificar-se, ser tolerados, mas num jornal escolar, que é feitocom tempo, não - é forçoso que dois ou três professoresassegurem a revisão", sublinhou.

Para Eduardo Jorge Madureira, "mesmo tratando-se deum jornal escolar - ou sobretudo por isso - é fundamentalque os textos estejam escritos num português correcto,pois um erro reproduz-se facilmente". E se tal já é graveentre a comunidade estudantil, "pior se torna em certasregiões - que as há - onde o jornal da escola é o únicomedia impresso de cariz local a que a população tem aces-so", afirmou num workshop de jornalismo escolar quedinamizou durante o congresso em Braga.

TOLERÂNCIA ZERO ÀS GRALHASA noção de que o cuidado com o português deve acom-panhar quem faz um jornal ou revista, seja para umaaudiência aparentemente limitada ou para o público emgeral, foi igualmente manifestada por João Figueira, coor-denador da Cadernos de Jornalismo.

A revista, nascida em Abril de 2007 para divulgar os

melhores trabalhos elaborados por alunos da cadeira deJornalismo Escrito, leccionada pelo ex-jornalista do Diáriode Notícias na Universidade de Coimbra, quis destacar aimportância da língua de uma forma original. Assim, aprimeira edição incluiu um convite singular: o leitor quedetectasse mais gralhas e incorrecções conquistava ocargo de revisor de provas da publicação a título vitalício.

"Com a mensagem, tentámos, de forma algo irreverente,descartar-nos da responsabilidade por eventuais erros quetivessem passado", contou, divertido, o coordenador darevista, neste momento a caminho do sétimo número,reconhecendo, porém, que uma preocupação séria com oportuguês acompanha cada edição da Cadernos.

"A língua é um bem de primeira linha e uma dasmatérias-primas do trabalho jornalístico. É através delaque levamos os acontecimentos ao público, pelo que des-curá-la revela um enorme desrespeito por quem nos lê",assinalou João Figueira à JJ.

Para o docente da licenciatura e do mestrado emComunicação e Jornalismo em Coimbra, "a Cadernosprocura ter 'tolerância zero' em relação às gralhas, mas estassão escorregadias e metem-se onde não são chamadas,havendo sempre uma ou outra que escapa à revisão".

Contudo, o objectivo permanece inabalável, fruto da preocu-pação inerente à formação de bons profissionais e do hábitoadquirido no ofício: "Nos meus tempos de jornalista, os revisoresainda eram comuns nas redacções. No entanto, eu lia o queescrevia parágrafo a parágrafo, atentamente. Preo cupou-mesempre muito que a prosa saísse o mais limpa possível, poisquem a ia rever também era falível e podia deixar passar os erros.E, afinal, era eu quem assinava o texto". HSF

TEMA A imprensa sob revisão

Eduardo Jorge Madureira: "Os jornais com erros de palmatória naprimeira página, isto é, erros gramaticais, erros de concordância,aqueles que se diferenciam claramente das gralhas, são excluídosde imediato."

João Figueira: "A língua é um bem de primeira linha e uma dasmatérias-primas do trabalho jornalístico. Descurá-la revela umenorme desrespeito por quem nos lê."

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"O Balsemão é lelé da cuca"e outras gafes com históriaDas gralhas na imprensa quase se pode perguntar, como das cartas de amor, quem as nãotem? Mas há algumas que, pelo insólito ou picaresco, sobreviveram na memória dos leitores,havendo na Internet registos que as recuperam.

A2 de Agosto de 1978, Marcelo Rebelo de Sousa, àdata jornalista do Expresso, colocou no meio deum texto uma apreciação pouco amável sobre o

proprietário do jornal, Francisco Pinto Balsemão. A frase"O Balsemão é lelé da cuca" terá entretido a equipa derevisão durante uns bons minutos. E em seguida divertiuos leitores, já que não foi apagada.

O episódio - que terá forçado Rebelo de Sousa a pedirdesculpas a Balsemão, quando este o confrontou com aautoria do comentário - integra uma espécie de ane-dotário jornalístico, do qual nenhuma publicação sairáilesa.

Quatro décadas como revisor no Diário de Notíciaspermitiram a Guilherme Ayala Monteiro reunir um bomnaipe de histórias. Uma das mais conhecidas data de 26

de Junho de 1968, quando o Diário de Notícias deixoupassar, entre os pequenos anúncios, um relativo à vendade "colchões de molas" em que o segundo "c" de "colchões"não viu a letra de forma...

"Um colega descobriu a palavra errada na fase deprovas e andou a mostrá-la, pondo toda a gente a rir. Oproblema é que, com a brincadeira, não a corrigiu", con-tou Ayala Monteiro, acrescentando que "o caso não foiúnico, pois uns certos 'colchões de arame' padeceram domesmo mal", para gáudio dos leitores e "satisfação dosanunciantes", que lucravam com a animação.

Na altura, "os pequenos anúncios eram muitos e, nãoobstante o DN tivesse mais de 40 revisores, era difícil nãofalhar nada".

Contudo, as asneiras impressas não resultavam exclu-

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sivamente da distracção de quem revia. "Os tipógrafos,por malandrice ou para nos pregarem partidas, deixavampassar gralhas ou criavam-nas, sobretudo em palavrascomo "carvalho", em que bastava tirar o 'v'... Quando se iaapurar responsabilidades, já os tipó-grafos se tinham desfeito das provas",recordou com bonomia.

Não admira, pois, a lista de episó-dios que o antigo chefe de revisão doDN relata de cor, sem precisão denomes ou de datas mas com amemória viva da graça.

Ainda antes do 25 de Abril, um"ilustre economista" viu-se descritocomo "ilustre comunista" e, já depoisda Revolução, estava o actual presi-dente da Fundação CalousteGulbenkian, Rui Vilar, no Governo,quando o seu nome saiu no jornalcomo "Rei Vilão", contou AyalaMonteiro.

E como o DN não tinha exclusivi-dade na publicação de disparates,"certa vez, o Diário da Manhã colocou em título que oCardeal Cerejeira, então adoentado, experimentara 'sen-síveis senhoras' em lugar de 'sensíveis melhoras'. E era ojornal oficial do regime!"

O PÚBLICO ERROUO gesto de reconhecer um erro, de o assumir publica-mente, não será fácil, nem mesmo quando se trata "ape-nas" de uma gralha, mas o Público decidiu encarar a situ-ação com humor e, a 5 de Março de 2009, assinalou o seu19º aniversário com três páginas do suplemento P2 dedi-

cadas às "grolhas e dsparates" que havia dado à estampaao longo da sua jovem existência.

O artigo do diário inclui não apenas exemplos de gra -lhas - como quando, a 26 de Outubro de 2000, o corrector

ortográfico substituiu os nomes dospolíticos ucranianos Victor Iuschenkoe Pavel Lazarenko por VectorCheinhos e Papel Laçaremos - mastambém de lapsos geográficos oumatemáticos.

Nos Balcãs, além de retirar aTirana o estatuto de capital daAlbânia para o ceder a Pristina, suacongénere kosovar, o Públicoescreveu, na primeira página, queconfrontos no Kosovo haviam causa-do uma "centena de feridos, entre osquais pelo menos 20 soldados france-ses da Kfor, 63 polícias da UNMIK e80 manifestantes".

Textos assinados por jornalistasinexistentes, como Birkenau Aqui eAgora, legendas que contrariam o

que a foto mostra, manchetes que a realidade desmentiu -caso da que, a 3 de Dezembro de 2007, deu a vitória ao"sim" num referendo venezuelano chumbado por 51% dapopulação - são outros dos exemplos convocados noextenso artigo de mea culpa assinado pelo jornalista LuísFrancisco.

Também no caso do Público, ainda que em moldes dis-tintos dos do Expresso, nem o "patrão" está a salvo. Poruma troca nas habilitações literárias, o suplementoEconomia já converteu o engenheiro químico Belmiro deAzevedo em engenheiro electrotécnico. HSF

TEMA A imprensa sob revisão

"Os tipógrafos, por malandriceou para nos pregarem partidas,deixavam passar gralhas oucriavam-nas, sobretudo empalavras como "carvalho", emque bastava tirar o 'v'..."

"Certa vez, o Diário da Manhãcolocou em título que o CardealCerejeira, então adoentado,experimentara 'sensíveissenhoras' em lugar de 'sensíveismelhoras'. E era o jornal oficialdo regime!" Guilherme Ayala Monteiro

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Gramáticas, dicionários, vocabulários, prontuá-rios e manuais de redacção e estilo são os instru-mentos mais idóneos e úteis nesta tarefa, embo-

ra a pressa e a comodidade (ou a preguiça) levem a quealguns se limitem a interrogar o camarada mais próximoou tido por mais sabedor quando têm uma dúvida, ouescrevam o que lhes parece remetendo a correcção parao desk ou para o revisor, quando existam (mesmo umconsumo não exaustivo dos media leva a crer que hojequase não existem ou a sua competência é fraca). Osprontuários, geralmente em papel, os correctores instala-dos em computadores e os livros de estilo são recursosfrequentes, e, não sendo infalíveis nem explicando tudo,ajudam a evitar erros grosseiros e a alijar as responsabi-lidades do locutor ou do escriba. Há prontuários melho-res do que outros, mas, embora os use muitas vezes, des-confio deles em geral. Baseiam-se em obras ditas científi-cas, nunca indiscutíveis, e são autoritários, como peque-nas bíblias ou alcorões que nem sequer invocam a cauçãodivina.

Não gosto do prontuário que me quer obrigar a escre-ver Liverpul em vez de Liverpool (se querem mesmoaportuguesar tudo, então escrevam Piscina de Fígado).Nem do que aceita Yorkshire mas proíbe York, ou do queconsente York mas proíbe Nova York (forma corrente noBrasil, como o já foi em Portugal, e análoga à espanholaNueva York). Não gosto do que me quer convencer daexistência de «ilhas Maurícias», sabendo eu que há umailha Maurício, nem da convicção geral nos prontuáriosde que a ilha é Maurícia, sabendo eu que noutras línguaseuropeias o nome dela é do género masculino(Mauritius, Mauricio, Maurice, referindo-se ao holandêsMaurício de Nassau). Os prontuários são úteis, mas usa-

dos «em termos hábeis» ou «com pinças». Servem tam-bém para nos divertirmos com os seus lapsos e incon-gruências. Quanto a correctores informáticos, da pri-meira vez que consultei um vi que ele ignorava a dife-rença entre corrector e corretor. Em português europeuou africano isto era grave. Entre mim e o corrector igno-rante que o jornal instalara, a prova acabou nessemomento; chumbou e faltou à segunda chamada emOutubro.

Após este intróito, abordo um caso da actualidadepolítica e mediática. Não tem importância esma-gadora, não faz com que ninguém perca o sono,

nem fará (espero) adormecer ninguém. Tal como nãoquero estimular o stress, não faço concorrência à cafeínanem aos ansiolíticos. É todavia actual: que acontece comcertas profissões se procurarmos pô-las no feminino (ouvice-versa, embora isso seja menos menos frequente)? Opretexto de actualidade é proporcionado pela novaPresidente da República Federativa do Brasil, que insiste,com a suficiente autoridade que o poder de Estado lheconfere, em ser denominada presidenta. Dilma Rousseffnão está a inovar tanto como julga (ou eu julgo que julga),pois a palavra já existia em espanhol, língua oficial dequase todos os países que rodeiam o Brasil e do único paísque rodeia Portugal. O vocábulo presidenta (entre cujasacepções estão as de «jefa del Estado» e, em termos colo-quiais ou familiares, o de «mujer del presidente») é reconhe-cido pelo Diccionario de la Lengua Española da RealAcademia (22ª edição, 2001; eles não fazem negócios orto-gráficos), que vincula uma vintena de academias dessalíngua, mantendo presidente como forma comum(«comum de dois») para os dois géneros. Entre nós, uma

A presidenta e outros usos do género Informar-se e reflectir sobre questões linguísticas faz parte do trabalho jornalístico, pois o usotanto quanto possível correcto das línguas utilizadas profissionalmente deve ser uma dasnossas preocupações.

Texto: Francisco Belard

Há prontuários melhores do que outros,mas, embora os use muitas vezes, desconfiodeles em geral. Baseiam-se em obras ditascientíficas, nunca indiscutíveis, e sãoautoritários, como pequenas bíblias oualcorões que nem sequer invocam a cauçãodivina.

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grande amiga de Portugal que estimo e admiro, Pilar delRío, mulher de José Saramago, insistiu em que é presiden-ta e não presidente da Fundação que tem o nome do mari-do infelizmente falecido. Pilar é andaluza e está no seudireito.

Se, no âmbito espanhol, a forma presidenta faz correrpouca tinta (que eu saiba), em português suscita maioresdivergências. Há no Brasil importantes meios de comuni-cação que preferem chamar presidente a Dilma, lembran-do que a palavra é comum aos géneros masculino e femi-nino («comum de dois», repito), ou seja, invariável, semtentarem impedir Dilma de impor presidenta.

Diz a Wikipedia (não recomendo a Wikipedia, uso-a com cautela...e caldos de galinha) brasileira:«segundo o dicionário Houaiss, presidenta é a

forma feminina de presidente. O Aurélio, ao explicar o sig-nificado de presidente, define que a palavra pode serusada no masculino e feminino, e também acata o uso depresidenta, que por sua vez é definida como “esposa dopresidente” ou mulher que preside» (note-se a semelhan-ça entre a definição do Aurélio, óptimo dicionário, e a dotambém notável dicionário hispano-americano da RealAcademia, atrás citado).

No Brasil houve quem tentasse convencer o poder deque a forma presidente era mais correcta e não masculi-na (servia para os dois géneros; também não dizemosregenta, inteligenta, doenta, resistenta). Mas Dilma, sabendomais de economia do que de línguas, já tinha aquelaideia de afirmação do seu triunfo político como mulher.Ao felicitá-la depois da vitória, a Presidente argentinaCristina Kirchner ter-lhe-á-dito: «Bienvenida al club, pre-sidenta». Ao ser eleita, Cristina pedira à imprensa e aoGoverno argentino que lhe chamassem assim. No sítioweb da Casa Rosada, palácio presidencial, e nos jornais, asenhora Kirchner é presidenta. Mas essa adaptação já seusava em espanhol; lembre-se como exemplo vetusto oromance de Leopoldo Alas («Clarín») La Regenta (A

Corregedora na tradução portuguesa). Não vejo grandeinconveniente nas duas formas, incluindo aquela em quealguns verão exacerbado feminismo verbal. DilmaRousseff orgulha-se de ser a primeira Presidente doBrasil, que só tivera homens no cargo; não lhe bastouporém ser a primeira mulher a presidir. Vangloriar-se deser «a primeira Presidente do Brasil» até talvez valessemais, sabendo-se que nunca nenhum homem poderágabar-se de ser o primeiro Presidenta do Brasil. Mas o queimporta é que ela fique contente (ou contenta, que tam-bém se usa em espanhol).

Embora insistindo na actualidade, um dos valoresmais fortes do jornalismo, não temos de adorá-la de joe -lhos. Não proponho, claro, que se fale da guerra doPeloponeso, ou mesmo da Crimeia, como se fosse a gue-rra na Líbia. Simplesmente acabo de recordar, graças aoatento e atencioso jornalista José Mário Costa, responsá-vel pelo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (www.ciberduvi-das.com), que eu próprio já abordara a questão dos géne-ros em profissões e cargos («O sexo das profissões», nacoluna “Passagem das Horas”, Expresso, 12-11-2005).Escrevi na entrada dessa crónica: «Será discriminatóriodizer a presidente, passando a ser obrigatório a presiden-ta? (...)». Nessa altura não havia uma Dilma no cenário,nem uma Angela Merkel que, sem o imaginar, originouem Portugal a dúvida de ser chanceler ou chancelerina.Não tendo poderes de presciência, lembro-o para notarque é relativo o conceito de actualidade. O assunto nãoera então muito actual? Pois é-o agora, ainda mais.Presidente, residente, regente, agente... servem para os doisgéneros como invariáveis e ninguém tem de ficar ofendi-do/a. A ideia de que acabar em /a/ converte uma palavraem feminina não tem sustentação linguística; depende dapalavra, da sua origem, do significado e até do uso social.Caso contrário, jornalista, linguista, poliglota, idiota, anar-quista, budista e nudista ficariam despidos da invariabilida-de de género, devendo (se «eles» não fossem mulheres)terminar em /o/.

TEMA A imprensa sob revisão

Que acontece com certas profissõesse procurarmos pô-las no feminino(ou vice-versa, embora isso sejamenos frequente)?

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A Lisgráfica imprime mais de 15 milhões de exemplares por semana de revistas, jornais,

listas telefónicas e boletins.A Lisgráfica é a maior indústria gráfica da Península Ibérica. Apenas na área de publicações, é responsável pela impressão de mais de 100 títulos diferentes. O que significa dizer que todos os dias a maioria dos portugueses tem contacto com os nossos produtos.

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Universidade do Minho acolheu especialistas em Educação para os Media

A importância de uma literacia que forme para a cidadania “Precisamos de uma educação para os media mais efectiva”. Aafirmação pertence a Felisbela Lopes, pró-reitora para a Comunicaçãoe Imagem da Universidade do Minho (UM), que falava na aberturado 1º Congresso Nacional sobre “Literacia, Media e Cidadania”, quejuntou nos dias 25 e 26 do passado mês de Março, cerca de 300especialistas. Felisbela Lopes afirmou que da trilogia patente nadesignação do congresso “pode nascer um espaço público dinâmico”,com cidadãos “capazes de ver inteligentemente os media”. Por seuturno, Isabel Almeida, que participou no evento em representação daministra da Educação, corroborou a ideia ao defender que “a escoladeve responder ao desafio de educar cidadãos com competênciasacadémicas e sociais”.

Texto: Rita Araújo

REPORTAGEM Literacia, Media e Cidadania

Felisbela Lopes falando na sessão de abertura

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Aorganização do congresso foi coordenadapor Manuel Pinto e Sara Pereira, investi-gadores do Centro de Estudos deComunicação e Sociedade (CECS) da UM,a quem a Entidade Regula -

dora para a Comunicação Social (ERC)encomendou um estudo sobre o panoramada educação para os média em Portugal quefoi apresentado no primeiro dia do encon-tro.

Na sessão de abertura, Manuel Pintodescreveu a educação para os média comouma “área de grande dinamismo”, tendoconsiderado o orador José Ignacio Aguaded(responsável pela conferência inaugural)como “um dos focos desse dinamismo”.Aguaded, investigador da Universidade deHuelva (Espanha), descreveu a realidadeem que vivemos como “mediatizada”, uma “sociedade deecrãs” que constroem a realidade. “É preciso interpretar,conhecer, criticar, saber consumir os media de forma inte-ligente”, referiu este especialista. Defendendo que “a edu-cação e a comunicação são duas caras da mesma moeda”,José Ignacio Aguaded referiu-se a um “educomunicador”,mais do que a um educador ou comunicador. O professorespanhol defendeu também a união de esforços de dife-rentes sectores da sociedade, para que seja possível desen-volver competências críticas e atitudes inteligentes relati-vamente aos media. “A preocupação não deve ser só dosprofessores, mas sim um esforço conjunto destes com ospais, os políticos, e os media”, concluiu.

O congresso ficou também marcado pela insistêncianaqueles que são considerados por Sara Pereira como doisdos vectores estruturantes da educação para os media: ainvestigação e a formação. A este propósito, a investigado-

ra da UM lamentou que esta área tenha“pouco espaço” na formação de professores eeducadores e alertou para a necessidade deintegrar a educação para os media nos curri-cula escolares e envolver igualmente a comu-nicação social na promoção desta temática.

Vítor Reia-Baptista, investigador naUniversidade do Algarve, também apon-tou a formação como o caminho a seguirpelos media. Segundo este professor, osmeios de comunicação “já têm demonstra-do que sabem entender” a sua função nocontexto da educação para os media. Emrelação ao congresso, Reia-Baptista realçou

a sua importância no “contexto nacional, educativo emediático”.

PAQUETE DE OLIVEIRA: “MEDIA NÃO TÊM DE SER EDU-CADORES DO POVO”O provedor do telespectador da RTP, Paquete de Oliveira,foi outro dos intervenientes nos debates do congresso,tendo falado sobre o papel dos media e assegurando nãopartilhar da “tese clássica” de que “a televisão, ou osoutros media, têm de ser os grandes educadores dopovo”. “Podem é beneficiar de todo um trabalho conjuntopara promover a literacia dos media”, contrapôs. O pro-fessor destacou, por outro lado, o estudo apresentado

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sobre a situação da educação para os media em Portugal,afirmando que este faz “um levantamento muito interes-sante sobre as milhentas coisas que se fazem por esse paísfora” em diversos contextos.

Há cinco anos a desempenhar funções de provedor,Paquete de Oliveira, que agora está de saída do cargo,reconheceu que “quanto mais os espectadores têm umacapacidade crítica e quanto mais reflectem a literaciamediática, mais podem ser cidadãos contributivos paraque os media efectivamente possam qualificar-se”. O pro-fessor destacou ainda a interacção dos media com todas asoutras instituições como o contributo mais importante“para que a literacia mediática seja uma realidade” quecontribua para o exercício da cidadania.

Os dois dias de trabalhos contaram ainda com a parti-cipação de quem trabalha diariamente com a educaçãopara os media num contexto mais prático, como é o casode Eduardo Jorge Madureira, coordenador do projecto“Público na Escola”, ou de Tito de Morais, impulsionadorda iniciativa “Miúdos Seguros na Net”. Eduardo JorgeMadureira sublinhou a importância atribuída aos jornaisescolares porque, defendeu, é elaborando um jornal quese percebe que tipo de problemas levanta a sua produçãoe como funciona um meio de comunicação. “Um jornalescolar é um importante instrumento de participação e deeducação cívica”, destacou.

ERC PREOCUPADA COM LITERACIA MEDIÁTICAO presidente do Conselho Regulador da ERC, AzeredoLopes, sublinhou a preocupação da entidade reguladoracom “a questão da literacia para os media”, demonstrada,desde logo, através do estudo sobre a situação do sector

encomendado ao CECS. A propósito dessa investigação,bem como da realização de um primeiro CongressoNacional sobre o tema, Azeredo Lopes notou que esta é aprimeira vez que uma “federação de entidades públicas eprivadas de altíssima competência” se juntam no estudo edebate desta temática. Para além da Universidade doMinho (através do CECS), participaram na organizaçãodo congresso o Ministério da Educação, a ComissãoNacional da UNESCO, o Conselho Nacional da Educação,o Gabinete para os Meios de Comunicação Social, a UMIC- Agência para a Sociedade do Conhecimento e a ERC.

Em jeito de balanço, Sara Pereira considerou que o con-gresso “correspondeu a todas as expectativas” e foi “muitoparticipado”. “Foi uma grande satisfação ver a participa-ção, por um lado, de muitos inscritos, mas também ver aparticipação activa de pessoas a colocar questões e a darum testemunho”, afirmou uma das impulsionadorasdesta iniciativa. Em relação ao estudo agora publicado,Sara Pereira acredita que, com este trabalho, “se começoua escrever a história” da educação para os media. “Pensoque este retrato de 10 anos é fundamental para se olharpara aquilo que está feito e para traçar novo caminho”,destacou Sara Pereira.

O encerramento dos trabalhos contou com a presençado Reitor da Universidade do Minho, António Cunha, edo ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão.António Cunha congratulou-se com a realização da inicia-tiva na escola a que preside. O ministro, pelo seu lado,admitiu que “a promoção da literacia para os media ocupacada vez mais os responsáveis pelas políticas públicas” e,nesse sentido, destacou o “esforço de investimento” doGoverno nas áreas do conhecimento e da tecnologia.

REPORTAGEM Literacia, Media e Cidadania

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Vítor Reia-Baptista realçou a importância do congresso no “contexto nacional, educativo e mediático”

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José Ignacio Aguaded sobre Educação para os Media

“Portugal pode ser referência mundial”José Ignacio Aguaded, referência académica no domínio da educação para os media,refere-se a este tema como um “campo de preocupação internacionalque está praticamente por fazer”.

O especialista da Universidade de Huelva(Espanha) afirma que vivemos numa “sociedadecomplexa” dominada pelo “relativismo de va -

lores”. O mundo linear desapareceu para dar lugar a ummundo de links, de mosaicos. E são esses mosaicos que,afirma, constroem actualmente a realidade: “Os media eti-quetam e simplificam a realidade, constroem-na”.

Segundo o investigador – que proferiu a conferência deabertura do Congresso –, os media são hoje parte da pes-soa que somos, pelo que é preciso “desenvolver compe-tências para enfrentá-los de forma crítica e inteligente”.“Os media constroem a realidade de forma sui generis, emuitas vezes não somos capazes de a interpretar porquenão pensamos sobre ela”, critica Aguaded. A verdadeiraquestão, defende, prende-se com a selecção e o desenvol-vimento de um olhar crítico relativamente aos meios decomunicação. O desenvolvimento destas competênciastem de ser feito de forma colectiva, formando pais, educa-dores e professores e juntando diversas entidades numareflexão sobre os media. “É preciso começar por formar osadultos para depois formar as crianças”, afirma.

Aguaded destaca também a convergência, conseguidaneste congresso, de “três campos fundamentais: a litera-cia, os media e a cidadania”. “Portugal tem muitas expe-riências em universidades, em escolas, em meios decomunicação. Concentrar todos esses sectores num con-gresso e começar a fazer coisas de forma colectiva é umachave fundamental para o futuro, porque o futuro cons-trói-se de forma colectiva e com convergência”, afirma oinvestigador. E remata: “Se saírem boas conclusões destecongresso, começaremos a ter um Portugal que será refe-rência a nível mundial”.

MEDIA DEVEM ASSUMIR PAPEL FORMATIVOEm relação ao papel dos media neste contexto, o investi-gador espanhol tem ideias concretas: “Penso que é muitoimportante que os media progressivamente vão assumin-do um papel formativo, porque hoje em dia a sociedadeexige que os meios de comunicação participem activa-mente na formação da cidadania, contribuindo para umacidadania muito mais responsável, democrática, e partici-pativa”. Numa “sociedade de ecrãs”, continua, é precisopensar a “relação das pessoas com os media”. SegundoAguaded, “o factor emocional é uma das chaves para

interpretar uma realidade cada vez mais económica”,sendo que “os media tiveram sucesso sempre que se sou-beram conectar com as emoções das pessoas”.

O investigador apresenta soluções para que os meiosde comunicação cumpram o seu objectivo de informar e,ao mesmo tempo, ajudem na formação de públicos. “Háque renovar o tipo de conteúdo dos media, de maneira aque façamos conteúdos educativos, formativos, e queentretenham ao mesmo tempo”, sugere. Na opinião deJosé Ignacio Aguaded considera que “é possível combinarespectáculo e emoções com educação”, referindo ser esta“a chave de sucesso para o futuro”. E sublinha ainda aimportância da “reflexão entre comunicadores, educado-res, políticos e famílias” como forma de dinamização docampo da educação para os media. R.A. JJ

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Publicação de estudo encomendado pela ERC

Como vai a educaçãopara os media em Portugal?A apresentação do estudo “Educação para os Media em Portugal: experiências, actores econtextos”, investigação que traça um retrato desta área de estudos nos últimos dez anos emPortugal, marcou o primeiro dia de trabalhos do Congresso.

Oestudo, encomendado pela Entidade Reguladorapara a Comunicação Social (ERC) e agora publi-cado em livro, faz um levantamento da situação

no país e propõe algumas orientações relativamente àárea da educação para os media, a partir dos resultadosobtidos. Manuel Pinto, coordenador da equipa daUniversidade do Minho (UM) que realizou esta investi-gação, refere que ainda “há zonas do país que ficam nasombra”, em termos de iniciativas neste domínio. Massublinha: “Estamos num ponto decisivo para ver sePortugal segue o que se está a fazer nesta área a nívelinternacional”.

Estrela Serrano, vogal do conselho regulador daEntidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC),destaca a importância deste “estudo pioneiro” no contex-to da educação para os media, referindo que se trata de“um levantamento sem o qual seria impossívelprosseguir”. “Vai ser possível apresentá-lo ao poder políti-co para que se posicione de uma vez por todas sobre aquestão da importância deste tema para a cidadania”, afir-ma Estrela Serrano. O trabalho encomendado pela ERCfoi coordenado pelos investigadores do Centro deEstudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da UMManuel Pinto e Sara Pereira, e tem como co-autores LuísPereira, Tiago Dias Ferreira e Vítor de Sousa. O objectivoda investigação era o de mapear todo o campo da edu-cação para os media, conhecendo os seus actores e contex-

tos, bem como as debilidades e pontos fortes da área, osquais foram identificados no terreno.

A investigadora Sara Pereira acredita que tanto o estu-do como o congresso sobre Literacia, Media e Cidadania“serão grandes impulsionadores para um trabalho maisactivo nesta área”, constituindo um “ponto de partida”que servirá para “olhar para o futuro a partir do que estáfeito”. Manuel Pinto acentua mesmo que esta investi-gação marcará “um antes e um depois” no panorama daliteracia mediática no país. O investigador confessa, noentanto, ter “a consciência de que a realidade é mais rica”do que revela o estudo levado a cabo, apontando inclu-sive algumas lacunas na investigação. “Há actividades doConselho Nacional de Educação que já vêm dos anos 80e princípios de 90 e que tiveram continuidade na décadae que não estão muito referenciadas”, afirma. “É precisorecuperar isso, porque faz parte da memória”, acrescentao professor.

Sara Pereira explica ainda que “a educação para osmedia não é de todo uma área nova”, sendo que a inves-tigadora do CECS estuda este campo já há cerca de 20anos. A publicação do estudo significa, segundo a profes-sora, que “se começou a escrever a história” no plano daeducação para os media. “Este é um retrato fundamental,essencial, para se olhar para aquilo que está feito e paratraçar novo caminho”, conclui. R.A.

REPORTAGEM Literacia, Media e Cidadania

Sara Pereira e Manuel Pinto

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"Crianças e Riscos Online"Jornalismo e segurançadas crianças na internetO papel dos media na informação sobre a segurança dos mais novosna internet foi um dos pontos de debate da conferência "Crianças eRiscos Online". Como se traça o limite entre alertar e alarmar?

Texto Ana Jorge* Fotos Sofia Correia

Otema dos riscos em que as crianças sepodem envolver quando navegam onlinetem despertado muito interesse, sobretu-do com a entrada massiva e repentina dainternet nas casas portuguesas através dos

programas governamentais E-Escolas. Que papel têm osmedia na informação sobre segurança das crianças ejovens na internet? A conferência "Crianças e RiscosOnline", que aconteceu no dia 4 de Fevereiro, naUniversidade Nova de Lisboa, e se destinou a apresentaros resultados do inquérito a 25000 crianças europeiasentre os 9 e os 16 anos, e um dos seus pais, sobre riscos nainternet, debateu também este papel dos media.

O evento, realizado dias antes do Dia da InternetSegura, efeméride com que todos os anos a ComissãoEuropeia tenta colocar o assunto na agenda pública, re -velou que as crianças portuguesas estão entre as quemenos se expõem a riscos nas suas utilizações da internet:para uma media europeia de 12%, foram 7% das criançasportuguesas que declararam já ter visto ou enviado men-sagens ou imagens sexuais, ter-se envolvido em bullyingonline, ter encontrado estranhos conhecidos online ouvisto conteúdos nocivos.

Este resultado contraria a ideia que os media trans-mitem: tanto Tito de Morais, autor do site"MiúdosSegurosna.net", como as técnicas do Instituto deApoio à Criança Alexandra Simões e Maria João Malhojulgam que têm sido os casos individuais a motivargrande parte da visibilidade deste tema. "Os casos quechegam às notícias são geralmente os de maior drama-tismo, nomeadamente no domínio do desaparecimentode jovens em resultado de contactos através da Internetou do abuso sexual de menores", o que não espelha a rea -lidade e gera um "clima de pânico" que consegue audiên-cias às expensas de um debate mais esclarecido, defende oactivista Tito de Morais. Para o IAC, os media desres -peitam ocasionalmente códigos e leis no tratamento noti-cioso destes casos, como noutros temas relacionados comos jovens, o que levou a que interviesse junto dos jorna -listas em casos de crianças cuja vida estava a ser "devassa-da em público".

No entanto, Gabriela Chagas, jornalista da Lusa, con-sidera que "o tratamento noticioso desta matéria tem hojemuito mais de informativo e preventivo do que sensa-cionalista". O tema tem vindo a conquistar espaço, queratravés de fontes diversas - entre governo, polícia, acade-mia, ONGs ou empresas -, quer com casos concretos, que"têm um efeito de alerta que me parece importante para anossa sociedade que ainda regista baixos níveis de qualifi-cação", nota.

O próprio projecto EU Kids Online "tem tido a preocu-pação de preparar a divulgação aos jornalistas de cada vezque existem novos resultados", refere Cristina Ponte, coor-denadora nacional do estudo europeu: "através da agên-cia de notícias, com um tratamento exaustivo, temoschegado aos jornais gratuitos, aos regionais", a par de ou -tros contactos com jornalistas da imprensa, rádio e tele-visão.

Os media estão, segundo o estudo, entre as principais

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fontes de aconselhamento sobre segurança na internet,como revelou José Alberto Simões, sociólogo e investi-gador do projecto. A par da escola, família e amigos, osmedia têm um papel fundamental na informação àsfamílias, que constituem uma base essencial de apoio àscrianças e jovens. Na verdade, os próprios jovens procu-ram pouca informação nos media digitais sobre estamatéria e recebem-na sobretudo atra -vés dos media tradicionais. GabrielaChagas reconhece a responsabilidadeque daqui resulta para os jornalistas nadivulgação dos riscos e questões desegurança online, mas também subli -nha a dependência face às iniciativas daacademia e das ONGs e da sua aproxi-mação aos media.

"UM CAMINHO A FAZER"Há "um caminho a fazer em conjunto,por cidadãos, media, jornalistas, edi-tores, técnicos" para que se informe apopulação e se respeitem os envolvidosnas notícias, traçam as técnicas do IAC."Se conseguirmos contribuir para notí-cias nem sensacionalistas nem só comnúmeros, com uma mensagem cuidada,podemos alimentar as discussões entrefamiliares e crianças, dar voz aos maisjovens", sugere Cristina Ponte. Os constrangimentos detempo dos jornalistas e a sua falta de preparação em ouviras crianças dificultam um "trabalho jornalístico menosimediato" de incluir as crianças como fontes, refere a coor-denadora do estudo, mas a imprensa pode dar mais voz àcriança sem expor a sua imagem, enquanto a televisãopoderia explorar a visualidade dos desenhos para preser-

var essa imagem. Gabriela Chagas concorda que "ainda sedá pouca voz às crianças, nem sempre é fácil mas con-segue-se".

Alexandra Simões e Maria João Malho notam aindaque "são poucas as notícias em que se divulguem traba -lhos, prémios, acções em que as crianças e jovens são osactores e que transmitam as suas ideias, preocupações,

propostas, trabalhos", algo que requerum trabalho mais activo de comuni-cação. Do lado dos jornalistas, GabrielaChagas aponta o passo seguinte paraeste objectivo: um verdadeiro "compro-misso de honra que faça dos jornalistaspartes activas", com voz nos conselhos eplataformas de instituições que se ocu-pam do acesso à internet e segurançana sua utilização.

Notando um grande interesse porparte das famílias e escolas nestestemas, Tito de Morais considera queexiste espaço nos media para incluirmais perspectivas e explorar o tema,por exemplo, em programas televisivosdurante o dia, para chegar a um públi-co que não usa a Internet, ou em pro-gramas infantis, para chegar ao públicoinfantil. A ideia de uma "educação peloentretenimento", que alimente as

mudanças de comportamentos, como refere CristinaPonte, tem sido trabalhada pelo IAC junto dos argumen-tistas de telenovelas, no sentido de chegar a "váriosestratos sociais da sociedade e despertar consciências".

*Também membro da equipa de investigação do projecto EU Kids Online

Gabriela Chagas: "O

tratamento noticioso

desta matéria tem hoje

muito mais de informati-

vo e preventivo do que

sensacionalista"

Tito de Morais: "Os casos que

chegam às notícias são geralmente os

de maior dramatismo, nomeadamente

no domínio do desaparecimento de

jovens em resultado de contactos

através da Internet ou do abuso sexu-

al de menores"

Daniel Sampaio, Cristina Ponte e Manuel Pinto

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O uso do Twitter na imprensa regionalProximidade(s) no jornalismoDa Internet à agenda dos media, foi rápida a expansão do Twitter. Talcomo há 15 anos, quando o jornalismo ganhou um novo meio para aprática e a difusão de notícias, as rotinas dos jornalistas passaram aincluir esta plataforma de microblogging. Uma ferramenta usada porprofissionais e amadores, do local para o global.

Texto: Pedro Jerónimo* Ilustração: José Alves

Na cauda dos principais títulos de impren-sa em Portugal. É assim que tem (re)agidoa imprensa regional, sobretudo quandofalamos em ciberjornalismo. A meratransposição de conteúdos do papel para

a Internet (shovelware), que o pioneiro Jornal de Notíciascomeçou a fazer há 15 anos (Bastos, 2010), mantém-se nageneralidade dos títulos de imprensa regional. Há,porém, excepções, sobretudo ao nível dos semanários.Apesar de os indicadores apontarem que a tradição aindase mantém - um fecho por semana -, a actualização diáriade conteúdos passou a constar das rotinas dos jornaisregionais. Há mais atenção ao online, se olharmos para osprincipais títulos (Jerónimo, 2010a), porém, há excepções(Couto, 2010).

A utilização do Twitter, mas também o Facebook, nasredacções e pelos jornalistas, é inevitável. São as platafor-mas privilegiadas para as notícias de última hora. O estu-do recente (Jerónimo e Duarte, 2010) deixou indicadoresnesse sentido. A proximidade com os cidadãos, através doserviço de microblogging, permite não só disseminarinformação como também recolhe-la. A expansão e odesenvolvimento das potencialidades das plataformasmóveis, como o telemóvel, permitem-no. É o consumo eprodução de informação em/de qualquer lugar (Jerónimo,2010b).

Mas, até que ponto o Twitter pode servir enquantoserviço colaborativo de produção e circulação de infor-mação? Twitter e jornalismo combinam? Há adequação domeio ao formato?

A amaragem de um avião no Rio Hudson, EUA, a 15 de

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Janeiro de 2009, bem como as cheias na Madeira, Portugal,a 20 de Fevereiro de 2010, são dois exemplos de aconteci-mentos locais ou regionais, que passaram a globais. Emambos os casos, dois nomes comuns: o serviço demicroblogging e Alexandre Gamela, um jor-nalista freelancer que fez uso das actualiza-ções em 140 caracteres - e respectiva rede decontactos - para disseminar a informação. Aparticipação do cidadão ganha uma novadimensão, tal como a proximidade aos acon-tecimentos. O que esperar dos 'profissionaisda proximidade', neste novo paradigmacomunicacional?

PRÁTICAS NAS REDACÇÕES REGIONAISO Twitter tem integrado, cada vez mais, asrotinas dos jornalistas. Mas, até que ponto éuma ferramenta para um melhor jornalismo?

O recente contributo de Mendes (2010)alerta para uma importante rotina dos jorna -listas, que no âmbito regional, se deparamcom uma novidade. "Antigamente nos jornaisregionais e locais, por exemplo, muitas fonteseram o barbeiro... Por causa do acesso das pes-soas à Web, em vez de termos um barbeirotemos 50 mil barbeiros, e portanto é mais difícil aindafazer a filtragem dessa informação. Mas eu acho que, se apergunta é se pode ser fonte de informação? Pode. Agora,tem que passar por todos os crivos e todos os passos deconfirmação que sempre se fez com qualquer fonte, querdizer, tal como um político também temos que fazer a con-

firmação…" (Idem). Uma prática para qual os jornalistasda imprensa regional portuguesa talvez ainda não estãomuito familiarizados, sobretudo quando falamos de ferra-mentas como o Twitter, visto como uma plataforma privi-

legiada para as breaking -news. O estudo de Jerónimoe Duarte (2010) deixa indi-cadores nesse sentido: ape-nas 25% da amostra - dosprincipais jornais regionaisem Portugal - tem uma con-sciência digital. "São, porém,esses títulos que têm retiradopartido das principais poten-cialidades da plataforma,como uma maior proximi-dade, interactividade e par-ticipação com os utiliza -dores, independentementede serem leitores da ediçãoem papel. Há ainda a consid-erar o acesso a fontes e asinformações de última hora.Por outro lado, não estar noTwitter não é sinal de que

não se está atento à realidade digital e aos novos paradig-mas da comunicação. Prova - inesperada - disso foi o factode alguns dos títulos terem manifestado que privilegiam oFacebook. Porém, também há quem, pura e simplesmente,não queira saber. E mesmo os que querem privilegiam nasua maioria o 'shovelware a 140 caracteres' ou o dumping

Até que ponto o Twitterpode servir enquantoserviço colaborativo deprodução e circulação deinformação? Twitter ejornalismo combinam? Háadequação do meio aoformato?

A participação do cidadãoganha uma nova dimensão,tal como a proximidade aosacontecimentos. O queesperar dos 'profissionais daproximidade', neste novoparadigma comunicacional?

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de conteúdos, dos respectivos websites para a contaTwitter. Se o objectivo destes é a promoção, há, contudo,quem vá tentando dar uso aos recursos que tem, experi-mentando o ciberjornalismo de proximidade.

É evidente que as ferra-mentas que a Internet colocaà disposição do cidadãocomum e, igualmente, do jor-nalista, esbatem, cada vezmais, a linha que separa oprodutor do consumidor,provocando efeitos no campojornalístico. Será o usuário doTwitter um "parceiro" do jor-nalista? Ou será uma ameaçado profissional de comuni-cação? O que é e será o jorna-lismo de proximidade?

À velocidade que aInternet apresenta novosdesafios aos media e ao jor-nalismo, importa estarmosatentos, imprensa regionalincluída. Futuros estudos po -derão tentar justificar ou refu-tar os resultados apresenta-dos, nomeadamente, procu-rando do 'lado de lá', nasredacções, a resposta à ques -tão inicialmente formulada.Aliás, esta poderá expandir-se a outros media: Por que é queas notícias - da era digital, móveis - são como são? O que asdetermina: Tecnologia? Stakeholders (jornalistas e/ou uti-lizadores)? Shareholders?" (Jerónimo e Duarte, 2010).

PROXIMIDADE(S)No momento em que se escreve este artigo, decorre umestudo internacional - Espanha, Portugal, Argentina,Colômbia, México, Peru e Venezuela - que procura obser-var que oportunidades se apresentam aos media regio -nais, nas redes sociais (Twitter e Facebook). Relati -vamente à amostra portuguesa, registam-se, para já, indi-cadores de uma busca pela proximidade aos leitores/uti-lizadores. A possibilidade de contacto (rápida e a baixocusto), a recolha de opiniões e de informações parareportagens, são das rotinas de produção mais val-orizadas pelos media regionais.

Para onde uns olham com desinteresse, outros vêemoportunidades. As plataformas digitais estão aí e não hácomo os media regionais ignorarem tal facto. As ruas, feitasde asfalto ou de calçada portuguesa, são, agora, tambémconstituídas por pixeis, onde rapidamente os transeuntesmudam de passeio. Com as novas redes sociais acentua-se

o eu-media, que é o utilizador, em detrimento dos mediade massas. A proximidade também se dá ao nível digital.Estamos na era da instantaneidade e da interactividade emmobilidade. O próximo passo é rumo às plataformas

móveis. Foco o telemóvel, uma extensão dohomem moderno. Uma realidade que potenciaa possibilidade de, entre milhões de eu-media,algum entrar em linha com uma estória. É darelação dos jornalistas e dos medias regionaiscom estas transformações que dependerá osector. Ignorá-las será afastar o que se pretendepróximo.

Referênciasl BASTOS, Helder (2010). As Origens eevolução do Ciberjornalismo em Portugal: Osprimeiros quinze anos (1995-2010). Porto:Edições Afrontamento.l COUTO, Patrícia (2010). CiberjornalismoRegional: Aproveitamento das potenciali-dades da WEB dos nove jornais regionaiscom maior audiência do Distrito do Porto.Tese de mestrado defendida na Universidadedo Porto.l JERÓNIMO, Pedro (2010a). Da Imprensaaos Media Locais Digitais: O caso do distritode Leiria. Estudos em Comunicação, 7,Volume 1, 97-123. Covilhã: LabCom.l JERÓNIMO, Pedro (2010b). MEWS: As notí-

cias e o telemóvel numa cultura de convergência.Prisma.com, 11. CETAC.Media: Universidade do Porto.l JERÓNIMO, Pedro e DUARTE, Ângela (2010). Twitter ejornalismo de proximidade: Estudo de rotinas de pro-dução nos principais títulos de imprensa regional emPortugal. Prisma.com, 12. CETAC.Media: Universidadedo Porto.l MENDES, Marina Chiari (2010). A pluralização dasfontes de informação no ciberjornalismo Português: con-tribuição para a definição de parâmetros específicos dequalidade. Tese de mestrado defendida na Universidadedo Porto.

*Jornalista na imprensa regional, frequenta o doutora-mento em Informação e Comunicação em PlataformasDigitais, das Universidades do Porto e de Aveiro, ondedesenvolve a tese "Ciberjornalismo de proximidade: Estu- do de rotinas de produção na imprensa regional". É licen-ciado em Comunicação Social e Educação Multimedia,pelo Instituto Politécnico de Leiria, investigador doObservatório de Ciberjornalismo e responsável pelo pro-jecto Local Media PT, de observação e investigação dosmedia e do jornalismo de proximidade.

ANÁLISE

"Antigamente nos jornaisregionais e locais, porexemplo, muitas fonteseram o barbeiro... Por causado acesso das pessoas àWeb, em vez de termos umbarbeiro temos 50 milbarbeiros, e portanto é maisdifícil ainda fazer afiltragem dessainformação…

A possibilidade de contacto(rápida e a baixo custo), arecolha de opiniões e deinformações parareportagens, são das rotinasde produção maisvalorizadas pelos mediaregionais

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Redes sociais Novas regras paraa prática jornalística?

As novas formas de relacionamento com as fontes, osdiferentes modos de distribuição de conteúdos, astentativas de captação/fidelização de leitores, a velocidadeinformativa e as dificuldades económicas são algunselementos que podem caracterizar a actividade dos media

no actual modelo comunicacional em rede. A relação entre emissorese receptores tem vindo a ser alterada e para isso tem contribuído autilização das redes sociais. Os media traçam novos caminhos para irao encontro do público e os jornalistas ganham uma nova exposiçãoonde o domínio profissional, por vezes, se dilui com o pessoal. Estetrabalho procura fazer uma análise comparativa entre as regras deconduta para a utilização das redes sociais já avançadas por váriosmeios de comunicação, na tentativa de perceber quais as principaispreocupações enunciadas e se as mesmas interferem ou não com aliberdade do jornalista.

Texto: Catarina Rodrigues*

ANÁLISE

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1.Introdução

OTwitter “é uma fonte muito rica para informaçãoem tempo real. A nossa ideia é que essa informa-ção chegue a todos a quem possa interessar; é

nisso que estamos a focar-nos”1. As palavras são de BizzStone, co-fundador desta rede. O responsável não consi-dera o Twitter uma rede social, mas sim uma rede de infor-mação. Esta ideia reporta-nos para o uso deste tipo deferramentas na actividade jornalística. O número de utili-zadores de redes como o Twitter e o Facebook permite equa-cionar questões fundamentais no jornalismo como o rela-cionamento com as fontes, a ampliação, valorização e dis-tribuição de conteúdos, a fidelização dos leitores e a velo-cidade informativa. São colocados novos desafios à activi-dade jornalística, nomeadamente no que diz respeito àmonitorização da informação. Podemos ainda lembraraqui o conceito mass self communication de Manuel Castells(2009) para explicar uma comunicação que pode ser cen-trada numa só pessoa, mas que também é de massas.

Considerando que os jornalistas representam empre-sas, foram já várias as organizações dos media que elabo-raram recomendações a seguir no que diz respeito à utili-zação da ‘mediasfera’ (redes sociais, blogs, etc.).Referências no jornalismo a nível internacional como TheNew York Times, The Washington Post e BBC, são alguns des-ses exemplos. Em Portugal é de referir o caso da RTP, cujodirector de informação elaborou um conjunto de regrasconstituídas por nove elementos que fez che-gar aos jornalistas da redacção. Estas decisõesganham especial relevância se pensarmos emproblemas concretos como o caso recente deuma jornalista da CNN que foi despedidadevido a uma opinião difundida no Twitter.Como interpretar os direitos individuais e aliberdade de expressão dos jornalistas no

actual ecossistema mediático? Que contributo podem asredes sociais dar ao ciberjornalismo e qual a actuação maisadequada neste domínio? A resposta a estas questõesdeve ser pensada à luz das normas e regras deontológicasque norteiam a profissão, que por sua vez tem vindo aenfrentar algum descrédito, não só pelo trabalho desen-volvido pelos profissionais, mas também pela importânciaque outros actores têm ganho no processo noticioso,incrementando a fragmentação do espaço público. Paraalém disso, no contexto dos 140 caracteres que caracteri-zam o Twitter, e considerando a importância da sua utili-zação, é pertinente repensar a profundidade dos temas eo esforço que implica contar uma boa história.Conjuntamente com a bibliografia, este trabalho terá emconta a análise de exemplos concretos de boas e más prá-ticas, bem como as regras orientadoras de utilização dasredes sociais que têm vindo a ser promovidas nos media.

2.Comunicar em rede

Aideia de mass self communication introduzida porCastells explica uma comunicação que pode sercentrada numa só pessoa, mas que também é de

massas, pois pode chegar a uma audiência global, “estápresente na internet e também no desenvolvimento dostelemóveis” (Castells, 2006). O autor dá o exemplo da colo-cação de um vídeo no Youtube ou da publicação num blog.Castells lembra que “esta forma de comunicação surgiucom o desenvolvimento das chamadas Web 2.0 e Web 3.0,

ou o grupo de tecnologias, dis-positivos e aplicações que sus-tentam a proliferação de espa-ços sociais na Internet”(Castells, 2009: 101). “A mass selfcommunication constitui certa-mente uma nova forma decomunicação em massa –

Face à valorizaçãocrescente dainstantaneidade dainformação e àpluralidade de opiniões einformações, a mediação,fundamental ao exercíciodo jornalismo, é colocadaem causa, e os jornalistas,tradicionais mediadoresna produção deconteúdos, têm visto o seupapel delido pelafacilidade de qualquerpessoa publicar e difundirinformação.

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porém, produzida, recebida e experienciada individual-mente” (Castells, 2006). Scolari2 discorda da utilização doconceito “mass self communication ” neste contexto, poisidentifica esta ideia com a comunicação de um indivíduoconsigo próprio, “uma reflexão silenciosa que fazemosinternamente, dentro de nossa mente”. Uma ideia queefectivamente parece contrariar os fundamentos dacomunicação de massas, merecendo por isso ser repensa-da considerando a ausência de intermediários que carac-teriza muita da informação que é publicada na web, e aconsequente fragmentação do espaço público (Rodrigues,2006). Gustavo Cardoso (2009) defende que passámos domodelo de comunicação de massa, para o modelo decomunicação em rede. “O modelo comunicacional danossa sociedade é moldado pela capacidade dos processosde globalização comunicacional mundiais, juntamentecom a articulação em rede massificada e a difusão demedia pessoais, e, em consequência, o aparecimento damediação em rede. A organização de usos e ligação emrede dos media dentro deste modelo comunicacionalparece estar directamente ligado aos diferentes graus deuso de interactividade que os nossos media actuais permi-tem” (Cardoso, 2009:56). Desenvolvem-se novos paradig-mas da comunicação que vão muito além do jornalismo,mas que o atravessam e obrigam a actividade a repensar-se e reencontrar o seu caminho. “Nas sociedades informa-cionais, onde a rede é a característica organizacional cen-tral, um novo modelo comunicacional tem vindo a tomarforma. Um modelo comunicacional caracterizado pelafusão da comunicação interpessoal e em massa, ligandoaudiências, emissores e editores sob uma matriz de mediaem rede, que vai do jornal aos jogos de vídeo, oferecendoaos seus utilizadores novas mediações e novos papéis”(Cardoso, 2009:56).

Face à valorização crescente da instantaneidade dainformação e à pluralidade de opiniões e informações, amediação, fundamental ao exercício do jornalismo, é colo-cada em causa, e os jornalistas, tradicionais mediadores naprodução de conteúdos, têm visto o seu papel delido pelafacilidade de qualquer pessoa publicar e difundir infor-mação. “A actividade de informação sobre a actualidade,no âmbito da esfera pública, já não é uma actividadeexclusiva dos jornalistas e das empresas mediáticas nasquais a maior parte deles trabalha” (Fidalgo, 2008:2).

Gatewatching foi um conceito cunhado por Axel Bruns

(2005) para se referir à participação do público na produ-ção de informação e à consequente necessidade de rede-finir o conceito de gatekeeping, enfatizando também aideia de prosumer (consumidor-produtor). Por considerarque o conceito de gatekeeping deixou de fazer sentidoperante a facilidade de publicação na Web e o contextoem que esta se desenvolve, Bruns (2005) introduz o con-ceito de gatewatching que associa ao jornalismo participa-tivo e à possibilidade de qualquer cidadão poder colabo-rar no processo noticioso. “Na Web, as práticas de gate-watching são omnipresentes, assim como são comuns aspráticas de gatekeeping noutros meios” (Bruns, 2005: 11).O autor aborda a ideia de colaboração nas notícias tendoem especial atenção alguns exemplos concretos como ossites Indymedia, o Slashdot, a própria Wikipédia, os blo-gues, entre outros. Neste sentido, muitos dos elementosque caracterizavam as funções inerentes ao gatekeepingdeixaram de fazer sentido. Por um lado, a selecção impos-ta pelo simples limite de espaço nos jornais, ou de tempo,na televisão e na rádio, e, por outro lado, a própria enu-meração de critérios de noticiabilidade parece ser alarga-da porque, hipoteticamente, tudo pode ser publicado.Bruns considera o modelo de gatekeeper utilizado pelosmedia tradicionais ultrapassado pela abertura à colabora-ção e pela ausência de mediação e intervenção editorial.O tradicional guardião de portões ou o porteiro passaassim também a ser vigiado. Gatewatching é a “observaçãodos portões de saída da informação noticiosa e outrasfontes, no sentido de identificar material importanteassim que ele esteja disponível” (Bruns, 2005:17). O autorvê assim a necessidade de algumas alterações no própriopapel do webjornalista a quem passará a caber a funçãode direccionar os leitores para as informações do seu inte-resse. Bruns compara estas funções às de um bibliotecá-rio, alguém que “observa o material disponível e interes-sante e identifica informação relevante, com vista a cana-lizar este material em notícias estruturadas e actualizadasque podem incluir guias para conteúdo relevante e excer-tos de material seleccionado” (Bruns, 2005:18). “O gate-watcher combinaria funções de bibliotecário e repórter”(Primo e Trasel, 2006: 8).

Ao utilizar a metáfora do bibliotecário, Bruns adiantaainda que os “bibliotecários” on-line, ao contrário dos tra-dicionais, estão necessariamente envolvidos na publica-ção. Em muitas circunstâncias, qualquer utilizador tem

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possibilidade de aceder directamente a documentos e fon-tes de informação, acrescentando ainda os seus próprioscomentários, “a própria estrutura hipertextual favorece areferência às fontes primárias da notícia, de modo a que orepórter fique livre da necessidade de condensar todos osdados no seu texto” (Primo e Trasel, 2006: 8).

Elementos que, por algum motivo não são publicadosnum jornal, podem ser dados a conhecer num qualqueroutro espaço da Web. Aqui voltamos a uma questão baseque consiste em constatar que, se por um lado, tudo podeser publicado, a verdade é que nem tudo pode ser lido.Bruns fala de um outro conceito, publicizing, que contra-põe a publishing, no sentido de evidenciar a necessidadede dar relevo a determinado tipo de informações para queelas se destaquem, através de links, (Bruns, 2005: 19), etc.Na sua argumentação, Bruns define a relação entre pro-dutores e consumidores numa nova realidade em queestes dois pólos se confundem como “produsers” (Bruns,2005:23). Os consumidores são simultaneamente produto-res. O papel actual do jornalismo passa também porfomentar a participação, sendo que o jornalista não é umsimples mediador.

Talvez seja exagerado falar do fim do gatekeeping, masefectivamente ele ganhou novos contornos, nomeada-mente pela desintermediação do jornalista que obriga arepensar elementos básicos desta actividade profissional.Muitos dos exemplos referidos por Bruns ten-taram sempre distanciar-se do jornalismo,apesar de serem inevitáveis várias semelhan-ças. Face à crescente fragmentação do espaçopúblico, importa repensar a profundidadedos temas e o esforço que implica contar umaboa história. Todas as possibilidades de publi-cação e difusão da informação, bem como aimportância crescente das redes sociais, lan-çam desafios ao jornalista e evocam a necessi-dade de algumas cautelas que permitam sal-vaguardar critérios como a imparcialidade ecredibilidade.

Ramón Salaverría aponta dez ideias3 para aregeneração dos profissionais dos meios digi-tais, entre as quais se encontra a necessidadede criar livros de estilo para os meios on-lineque determinem não só as suas característicasgráficas e técnicas, mas também os seus princí-

pios editoriais e redactoriais (Salaverría, 2010:246). Emmuitos casos apenas são publicados princípios genéricos.“Os livros de estilo existentes servem apenas para deter-minar os princípios editoriais e deontológicos básicos,assim como as normas lexicográficas. Contudo, existe umvasto campo de normas de comportamento profissional,que são especificas da Internet, assim como um amploreportório de princípios estilísticos, que deveriam deter-minar questões como os géneros multimédia utilizados, asnormas específicas de titulação, formas de inserção doslinks, etc.” (Salaverría, 2010:247). Relacionada com estaideia está, segundo o autor, a necessidade de “estabelecernormas de comportamento profissional específicas para oexercício do jornalismo na Internet” (Salaverría, 2010:247).Nesta ideia inserem-se vários elementos que resultam dascaracterísticas próprias do meio em questão, entre osquais regras de actuação em relação às redes sociais, bemcomo normas em relação ao uso de conteúdos enviadospelos utilizadores.

“A bênção e a maldição do mundo digital é a sua varie-dade aparentemente infinita. Oferece notícias, informa -ções e, principalmente, a opinião em milhares de sites,blogues e redes sociais” (Downie e Schudson, 2010). Comodiz Jeff Jarvis, “there is no hot news. All news is hot news”4.Concha Edo (2008) considera que a oferta das redes sociaisnão é tanto informativa como de entretenimento, mas

reconhece a sua importâncianomeadamente no tempo des-pendido pelos utilizadores nes-tes espaços. Segundo TíscarLara (2008) existem cinco aspec-tos que os meios devem consi-derar para conseguir a consoli-dação nas redes sociais: ligação(promover uma relação de pro-ximidade com a audiência); ser-viço (ser úteis aos utilizadores);participação aberta e de quali-dade; orientação e dinamização(um ponto relacionado com aideia de participação); e gestãodo conhecimento.

Muitos órgãos de comunica-ção social avançaram com aenunciação de algumas regras

Talvez seja exageradofalar do fim dogatekeeping, masefectivamente ele ganhounovos contornos,nomeadamente peladesintermediação dojornalista que obriga arepensar elementosbásicos desta actividadeprofissional.

Todas as possibilidadesde publicação e difusãoda informação, bem comoa importância crescentedas redes sociais, lançamdesafios ao jornalista eevocam a necessidade dealgumas cautelas quepermitam salvaguardarcritérios como aimparcialidade ecredibilidade.

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de conduta a serem seguidas pelos seus profissionais rela-tivamente à utilização das redes sociais. Estas medidaspermitem questionar até que ponto não estará em causa aliberdade dos jornalistas ou se apenas devemos interpre-tar aqui uma espécie de extensão das regras éticas e deon-tológicas que regulam a profissão.

3.Porquê regular?

Para melhor compreendermos como se tem desen-volvido esta realidade procedemos a uma análisecomparativa das regras que têm vindo a ser promo-

vidas por alguns meios de comunicação social. Um casoportuguês é o da RTP. José Alberto Carvalho, Director deInformação da estação pública [Este texto é anterior às alte-rações recentemente verificadas no Direcção da Informação daRTP] justificou a criação de um conjunto de medidasdesta natureza com o facto de terem sido identificadassituações em que alguns jornalistas utilizavam a mediasfe-ra de uma forma que colidia com o seu desempenho pro-fissional e com os deveres públicos da RTP”5. O responsá-vel reconheceu ter ido buscar inspiração a outros meios decomunicação que, também em 2009, adoptaram normasrelativamente a estas práticas, como é o caso do The NewYork Times6, The Washington Post7, a Agência Reuters8 e aBBC9, entre outros. Num conjunto de nove regras, estãoelencadas questões relacionadas com a imparcialidadedos jornalistas e com a credibilidade profissional.Vejamos:

1) Nada do que fazemos no Twitter, Facebook ou Blogues(seja em posts originais ou em comentários a posts de outrem)deve colocar em causa a imparcialidade que nos é devida e recon-hecida enquanto jornalista.

2) Os jornalistas da RTP devem abster-se de escrever, “twi-tar” ou “postar” qualquer elemento - incluindo vídeos, fotos ousom - que possa ser entendido como demonstrando preconceitopolítico, racista, sexual, religioso ou outro. Essa percepção podediminuir a nossa credibilidade jornalística. Devem igualmenteabster-se de qualquer comportamento que possa ser entendido

como antiético, não-profissional ou que, por alguma razão,levante interrogações sobre a credibilidade e seriedade do seu tra-balho.

3) Ter em conta que aquilo que cada jornalista escreve, ou osgrupos e “amigos” a que se associa, podem ser utilizados parabeliscar a sua credibilidade profissional. Seguindo a recomenda-ção do “NY Times”, por exemplo, os jornalistas - deverão deixarem branco a secção de perfil de Facebook ou outros equivalentes,sobre as preferências políticas dos utilizadores.

4) Uma regra base deve ser “Nunca escrever nada online quenão possa dizer numa peça da RTP”.

5) Ter particular atenção aos “amigos” friends do Facebook eponderar que também através deste dado, se pode inferir sobre aimparcialidade ou não de um jornalista sobre determinadasáreas.

6) Enunciar, de forma clara, no Facebook e/ou nos bloguespessoais que as opiniões expressas são de natureza estritamentepessoal e não representam nem comprometem a RTP.

7) Meditar sobre o facto 140 caracteres de um ‘twit’ poderemser entendidos de forma mais deficiente (e geralmente é isso queacontece!) do que um texto de várias páginas, o que dificulta aexacta explicação daquilo que cada um pretende verdadeiramen-te dizer.

8) Não publicar no Twitter ou em qualquer plataforma elec-trónica documentos ou factos que possam indicar tratamentopreferencial por parte de alguma fonte ou indiciem posição dis-criminatória sobre alguém ou alguma entidade.

9) Ter presente que todos os dados eventualmente relevantespara fins jornalísticos devem ser colocados à consideração daestrutura editorial da RTP, empresa de media para a qual trabal-ham.

O Sindicato dos Jornalistas lembrou que o poder dosdirectores de informação “jamais pode invadir a esferaprivada dos jornalistas ao seu serviço nem questionar aplena fruição da liberdade de expressão das pessoasenquanto cidadãos”10. Mas José Alberto Carvalho consi-dera que, pela responsabilidade que tem em sociedade“um jornalista nunca é um mero cidadão”11. Esta questãoestá relacionada com a auto-regulação, mas não só. “Oproblema aqui é de cariz tecnológico: é a falsa sensação deliberdade absoluta que estes novos meios proporcionam.Pode parecer que não se está tão exposto, mas isso é ilusó-rio, pois quem escreve num blogue está a divulgar a suaopinião a um público indistinto e que não controla. Tal

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como num jornal. Mas, então, porque não observar asmesmas regras de conduta?12”

No âmbito da recente campanha eleitoral que deco-rreu no Brasil, o jornal O Globo divulgou o “Estatuto dasEleições 201013” onde estão patentes regras editoriais eprofissionais a ser seguidas pelos jornalistas. Um dospontos diz respeito a normas relativas à utilização de blo-gues e redes sociais: “Deve-se evitar a publicação de tex-tos, fotos ou vídeos que possam ser entendidos comofavoráveis a determinada campanha ou indiquem posi-cionamentos partidários. As recomendações aplicam-setanto aos produtos do jornal O Globo quanto a contasindividuais de jornalistas, já que, na prática, qualquerconteúdo publicado nas redes sociais poderá ser associa-do à linha editorial do jornal”. No estatuto está presenteo caso específico do Twitter no sentido em que “fica veda-do ao funcionário do GLOBO a prática de reenvio (“ret-weets”) de conteúdos publicados por partidos políticos oucandidatos. Também não será permitido usar o serviçopara propagar links para sites (pessoais ou institucionais)que contenham propaganda político-partidária, ou quesejam tanto ofensivos quanto elogiosos a determinadocandidato”. Regras básicas do jornalismo como incluirtodas as partes parecem assim alargar-se às redes sociais:“Se, por necessidade profissional, jornalistas precisaremadicionar candidatos ou partidos políticos como “amigos”em páginas do Facebook, Orkut e demais sites de relaciona-mento, devem fazê-lo de forma equilibrada,evitando restringir a prática a apenas umdeterminado candidato ou partido. As incli-nações políticas de jornalistas do GLOBO nãodevem aparecer também em seus perfis pes-soais nesses e em outros sites de relaciona-mento”. Está assim bem presente a ideia denão dar preferência a partidos políticos. Esteponto relacionado com a política é tambémuma preocupação da BBC e da maioria dosexemplos observados.

A National Public Radio (NPR), onde seincluem as estações de rádio públicas dosEstados Unidos, enumera uma série de princí-pios14 onde é referido que “os profissionaisnão se devem comportar de forma diferentenas redes sociais de como fariam em qualquersítio público”. Para além disso e de chamadas

de atenção para as regras éticas que norteiam a NPR e quese estendem à Internet, “os jornalistas têm que confirmartoda a informação encontrada nos meios sociais atravésdos métodos tradicionais de trabalho” ou seja, insiste-seaqui na clássica e fundamental regra de verificação de fon-tes, muitas vezes esquecida.

A agência Reuters15 também fixou algumas regras aosseus jornalistas onde constam aspectos como não dar notí-cias em primeira mão através do Twitter, não usar aWikipédia como fonte, não revelar filiações políticas nasredes sociais ou nos blogues pessoais, entre outras. A pró-pria utilização do Twitter para funções profissionais sódeve existir depois de uma autorização superior.

As normas para o uso de redes sociais do jornal TheWashington Post16, um dos pioneiros nesta matéria, mere-ceram a atenção do provedor do leitor Andrew Alexander,pelo facto de terem sido alvo de algumas críticas por partedos leitores. Por exemplo, estão proibidos os tweets assimcomo a publicação de fotos ou vídeos onde possam serobservadas tendências políticas, religiosas, racistas, ououtras que de algum modo possam colocar em causa aindependência e a credibilidade jornalística. A propósitodo Twitter foi ainda recomendado que os jornalistas nãodevem responder a críticas17.

Os jornalistas do The Wall Street Journal18 receberamvárias recomendações, entre as quais, a necessidade deprecaução ao publicarem informação no Twitter, aconse -

lhando-se, em determinadascircunstâncias, uma conversasobre o assunto com os respec-tivos editores. Não menospre-zar o trabalho dos colegas nempromover o próprio trabalhoforam outras das ideias defen-didas. A propósito destas re -gras, Jeff Jarvis tece algumascríticas, nomeadamente a queconsiste em perder a oportuni-dade de fazer um trabalho cola-borativo. Para Jarvis “o Twitter,os blogs, o Facebook, etc, tambémoferecem a oportunidade paraos repórteres e editores saíremde trás da voz institucional dopapel – uma voz que tem cada

Estas medidas permitemquestionar até que pontonão estará em causa aliberdade dos jornalistasou se apenas devemosinterpretar aqui umaespécie de extensão dasregras éticas edeontológicas queregulam a profissão.

Em situações decatástrofes ou conflito aparticipação dos cidadãosé determinante.(…)Contudo, podemosreconhecer a importânciade indicações quelembram questões como averificação, o rigor, aexactidão, aimparcialidade e acredibilidade.

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vez menos confiança – e tornarem-se humanos. Claro,eles devem misturar negócios e lazer19”.

O jornal The Guardian20 criou regras para os seus jorna-listas envolvidos em blogues e comentários. Alguns jor-nais parecem, apesar das normas impostas, incentivar autilização das redes sociais e a interacção com os leitores.A negação da importância destes espaços pode mesmo serprejudicial. Em todas as regras o que pode não ficar claroé o limite que separa a vida pessoal da vida profissional,ou se quisermos, a dificuldade crescente em separar esfe-ra pública de esfera privada.

4.Conclusões

Autilização do Facebook pelos media é um dadoadquirido, nomeadamente como agregador denotícias, como plataforma de difusão de informa-

ção e até como uma forma de captar leitores. Neste senti-do, reconhece-se a existência de vantagens para os media.A utilização do Twitter, por exemplo, permite ir ao encon-tro de fontes e concretizar uma maior ligação aos utiliza-dores, nomeadamente no que diz respeito à interacção eàs reacções que caracterizam esta forma de relacionamen-to. Quanto às regras promovidas pelos vários meios decomunicação podemos constatar que umas são mais res-tritivas que outras. A restrição pode significar a perda demuitas oportunidades, como alertou Jarvis, nomeada-mente no que se refere à possibilidade de colaboração.Em situações de catástrofes ou conflito a participação doscidadãos é determinante. Os acontecimentos que seseguiram às eleições presidenciais iranianas, realizadas a12 de Junho de 2009, são um bom exemplo disso. Foi nosblogs, no Youtube, no Twitter e em redes sociaiscomo o Facebook que foi possível encontrarinformação que de outro modo dificilmenteseria conhecida. Contudo, podemos reconhe-cer a importância de indicações que lembramquestões como a verificação, o rigor, a exacti-

dão, a imparcialidade e a credibilidade. Alguns casosrecentes têm, até certo ponto, justificado a difusão destasregras de conduta. Em Julho de 2010, Octavia Nasr, jorna-lista que trabalhava há duas décadas na CNN, foi demi-tida por escrever uma mensagem no Twitter a lamentar amorte de Hussein Fadlallah, “guia espiritual” doHezbollah, uma mensagem que teve reacções dosapoiantes de Israel. Mike Wise, repórter desportivo dojornal The Washington Post foi suspenso durante um mêspor transmitir uma falsa informação no Twitter21. A asso-ciação entre o conteúdo publicado nas redes sociais e alinha editorial de um meio de comunicação social podeimplicar a extensão das regras éticas e deontológicas.Transversal aos vários conjuntos de normas já divulgadaspor diversos meios de comunicação social é a preocupa-ção com a isenção, nomeadamente no que se refere apolítica, e com a adopção de comportamentos que colo-quem em causa a credibilidade.

Alguns meios já integraram na sua equipa um gestorde comunidades a quem cabe a tarefa de coordenar ainformação que circula nas redes sociais, blogues, comen-tários, etc. O The New York Times, o ABC.es e o jornalPúblico, têm já um community manager a quem cabe trabal-har com editores e repórteres, bloggers e potenciar o uso deferramentas sociais.

O jornalista tem responsabilidade sobre o trabalho quedesenvolve, tendo em consideração as regras éticas edeontológicas que norteiam a profissão. Isso não deve sig-nificar a ausência de uma interacção com os leitores, hojepossível através das mais diversas formas neste novomodelo comunicacional em rede. A ele cabe hoje tambéma importante função de direccionar os leitores para ainformação relevante.

*Catarina Rodrigues – doutoranda em Ciências daComunicação na Universidade da Beira Interior (UBI)com uma bolsa financiada pela Fundação para a Ciência ea Tecnologia (FCT). Uma parte da pesquisa é realizada na

Universidad Complutense deMadrid (Espanha). É investiga-dora do LabCom – UBI nasáreas de jornalismo, tecnologiasda informação e [email protected]

ANÁLISE redes sociais

O jornalista temresponsabilidade sobre otrabalho que desenvolve,tendo em consideração asregras éticas edeontológicas quenorteiam a profissão. Issonão deve significar aausência de umainteracção com os leitores,hoje possível através dasmais diversas formasneste novo modelocomunicacional em rede.

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Bibliografia

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Notas 1 Co-fundador do Twitter em entrevista ao jornal La Nación, 25 de Abril de 2010, disponível em:http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=1257552 2 http://digitalistas.blogspot.com/2010/01/comunicacion-y-poder-i-manuel-castells.html 3 1. Apostar na reportagem, também na Internet; 2. Verificar primeiro, publicar depois; 3. Completar a informação de últimahora com conteúdos mais analíticos; 4. Inovar em géneros e formatos; 5. Romper a barreira de gerações nas redacções; 6. Nocaso de se integrarem redacções, reforçar sobretudo a divisão digital; 7. Entender a contribuição dos leitores como comple-mentar; 8. Elaborar livros de estilo para os meios digitais; 9. Definir normas deontológicas específicas para o jornalismo naInternet; 10. Renovar o currículo formativo dos cursos de Jornalismo na universidade.4 http://www.buzzmachine.com/2010/06/28/there-is-no-hot-news-all-news-is-hot-news/ 5 Texto publicado no Diário de Notícias, 27 de Novembro de 2009, disponível em: http://dn.sapo.pt/inicio/tv/interior.aspx?con-tent_id=1431795&seccao=Televis%E3o 6 http://www.poynter.org/content/content_view.asp?id=157136 7 http://paidcontent.org/article/419-wapos-social-media-guidelines-paint-staff-into-virtual-corner/ 8 http://handbook.reuters.com/index.php/Reporting_from_the_internet#Social_media_guidelines9 http://www.bbc.co.uk/guidelines/editorialguidelines/assets/advice/personalweb.pdf 10 http://www.publico.pt/Media/sindicato-dos-jornalistas-regras-da-rtp-para-o-uso-de-redes-sociais-nao-podem-ser-ordens_1411760 11 Entrevista concedida à revista Jornalismo e Jornalistas, nº 41, Janeiro/Março de 2010, pp. 16-19.12 Idem.13 http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/06/10/o-globo-divulga-estatuto-das-eleicoes-2010-916832793.asp 14 http://www.npr.org/blogs/inside/2009/10/beats_and_tweets_journalistic.html 15 http://handbook.reuters.com/index.php/Reporting_from_the_internet#Social_media_guidelines 16 http://paidcontent.org/article/419-wapos-social-media-guidelines-paint-staff-into-virtual-corner/ 17 http://www.tbd.com/articles/2010/10/washington-post-editor-no-responding-to-critics-on-twitter-21988.html 18 http://www.editorandpublisher.com/Columns/tweet-and-sour-newspapers-set-new-rules-for-social-networking-59021-.aspx 19 http://www.buzzmachine.com/2009/05/13/missing-the-point-2/ 20 http://www.guardian.co.uk/info/2010/oct/19/journalist-blogging-commenting-guidelines21 http://www.editorsweblog.org/newsrooms_and_journalism/2010/09/lesson_for_journalists_falsifying_tweets.php

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Alexandre Manuelsobre a Imprensa da Igreja Católica

“Há ainda quem confunda o discurso do altar com o discurso dos media”Jornalista e docente de Comunicação Social, Alexandre Manuelescolheu, como tema da sua tese de doutoramento pelo ISCTE –Instituto Universitário de Lisboa, uma análise sociológica da ImprensaRegional da Igreja Católica. Centrou-se nos semanários, porquecobrem, em termos noticiosos e de distribuição, o território de umadiocese. Mas observou um universo de órgãos ligados à IgrejaCatólica em Portugal que é de mais de 700 títulos - somando, noconjunto, uma tiragem média semanal superior a um milhão e 300mil exemplares.

Texto: Silas de Oliveira Fotos: José Frade

Jornalismo & Jornalistas - O percurso que descreves, na tua

apresentação oral, começa por ser o de colaborador da

imprensa regional/local, passa por uma fase de “curiosida-

de” e de “fascínio” por ela, até desembocar na qualidade de

estudioso do fenómeno, de que resulta a tese de doutora-

mento. Como nasceu este trabalho?

Alexandre Manuel - Talvez deva dizer que houve váriasrazões. Além de ter sido na imprensa regional/local que,no final dos anos 60, ainda estudante, publiquei as minhasprimeiras prosas jornalísticas, foi aí também que, durantealguns anos, dirigi um suplemento cultural. Estavamentão “na moda” as chamadas páginas literárias, algumascom a colaboração de figuras da cultura, em especial escri-tores e ensaistas - por vezes assinando com pseudónimo,para desviarem a atenção dos censores. Algumas delaschegaram mesmo a constituir-se em alternativa (a possí-vel) aos suplementos dos diários de Lisboa e Porto, poucoacessíveis aos autores menos conhecidos ou em início decarreira. Para além da modéstia de muitas, e apesar daslimitações da censura, essas páginas terão contribuido

para uma certa descentralização cultural e serviram detreino a alguns que, com tempo, se vieram a impor nopanorama literário e jornalístico.

Acrescente-se o facto de, já jornalista profissional, terdirigido a delegação em Lisboa do Jornal do Fundão, tersido um dos fundadores do semanário Ribatejo (Santarém)e da revista mensal Magazine Regional, que chegou a fun-cionar como suplemento de um conjunto de jornais regio-nais. Além de que tenho sido convidado para intervir emcongressos, seminários, colóquios, e para ministrar, aolongo do País, cursos de formação e reciclagem destinadosa profissionais da imprensa regional.

Com o decorrer do tempo e este multiplicar de expe-riências, fui aumentando o interesse por um meio decomunicação que - apesar de algumas limitações de cober-tura noticiosa e de distribuição, de uma composiçãoempresarial bastante frágil, de um eventual enfeudamen-to a interesses locais e nacionais e da utilização de mode-los predominantemente amadores e proteccionistas - temconstituído importante espaço do exercício regular de lei-

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tura por parte da população. E não apenas na província,mas também junto dos emigrantes e dos migrantes, emespecial nas grandes cidades. JJ - Há dados concretos sobre essa audiência junto das

populações?

AM - De acordo com vários estudos de mercado, cerca demetade da população portuguesa com 15 anos ou maistem por hábito ler ou folhear a imprensa regional/local,havendo mesmo distritos (e não apenas do interior) ondeessa percentagem chega quase aos 70 por cento. Com acuriosidade acrescida de - ao contrário do que sucedecom boa parte da imprensa generalista dita nacional -esses jornais terem vindo a registar ultimamente umaumento considerável das suas audiências.JJ - Sugeres na apresentação do teu trabalho que pode estar

aqui uma explicação para muito do “apetite” que esses jor-

nais sempre despertaram junto dos diferentes poderes polí-

ticos…

AM - Seguramente. E não apenas durante o Estado Novo,mas também em Democracia. De facto, pouco tempo

“Proporcionalmente à população,Portugal é o país europeu com omaior número de publicações e omenor número de cópias porhabitante (75 para cada mil) e asegunda taxa mais baixa da compraregular de jornais.”

“Cerca de metade da população com15 anos ou mais tem por hábito lerou folhear a imprensa regional/local,havendo distritos onde chega quaseaos 70 por cento.”

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depois de Salazar ter assumido o Poder, logo oSecretariado da Propaganda procedeu a um detalhadolevantamento dos jornais de província, para conhecer assuas tendências e melhor saber onde e como actuar.Depois do 25 de Abril, os poderes político-partidários,temendo a sua influência, rapidamente se apressaram amultiplicar os subsídios. Mesmo em relação àqueles emque a grandiloquência do discurso parecia contradizer apobreza da realidade - na expressão curiosa de MárioMesquita. E raramente tais subsídios ajudaram a alterar osmétodos, as mentalidades e as estruturas desses jornais,tendo antes contruibuído para a sua perpetuação.JJ - Mas voltemos à ideia central e às razões que te levaram

a optar por ela.

AM - Acrescento mais duas razões: a escassez de trabalhosdisponíveis sobre o tema e a existência de um conjuntoalargado de títulos cuja dimensão constitui caso irrepetív-el no contexto europeu. Refiro-me concretamente aos jor-nais regionais que, propriedade das dioceses ou deorganismos e instituições delas dependentes (paróquias,seminários, fábricas de igreja e fundações), detêm, a pardas limitações e qualidades próprias do sector onde seintegram, um conjunto de significativas singularidades,muitas das quais eram apenas intuídas.

Neste contexto, prometi a mim mesmo que havia defazer um trabalho sobre o que são, quem faz e quem lêesses jornais da Igreja que, além do mais e porventura

para espanto de muitos, concorrem em termos de audiên-cia comparada com os media laicos, havendo até distritosonde ocupam os primeiros lugares. Apesar de este projec-to ter sido sucessivamente adiado, nunca deixei de fazerrecortes e de guardar toda a literatura que ia encontrandosobre o tema. De tal modo que, quando surgiu a ideia dodoutoramento, nem hesitei. JJ - Que descoberta principal parece adequado referir? Ou,

por outras palavras, que surpresas encontraste?

AM - Mais do que surpresas, encontrei sobretudo confir-mações. Algumas nem por isso menos importantes,porque continuam de difícil entendimento, mesmo juntode alguns dos seus responsáveis. Refiro-me concreta-mente à ausência de um espírito de cooperação, que levacada jornal a fazer isoladamente o que não consegue fazercom outros - nem, porventura, o terá alguma vez deseja-do verdadeiramente. Em causa, por exemplo, a recusa doestabelecimento de parcerias visando a optimização derecursos em termos redactoriais, de distribuição e de mar-keting. O mesmo se poderá dizer em relação a eventuaisfusões, para evitar que haja jornais com objectivos idênti-cos (iguais?) a cobrirem a mesma área, em termos noti-ciosos como de distribuição, e a disputarem os mesmosanunciantes e os mesmos leitores.

Perante o agravamento das dificuldades e, sobretudo,perante as profundas alterações registadas na produçãodo jornalismo, creio que estas decisões constituiriam alter-

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nativas bem mais eficazes do que muitas das que têmvindo a ser postas em prática - da diminuição da periodi-cidade à limitação do número de páginas ou ao aumentodos textos de opinião - em detrimento da notícia e daactualidade, a essência do jornalismo.JJ - E por que é que as boas soluções não são postas em

prática? O que impede a sua concretização?

AM - É uma questão que muitos colocam, até porque algu-mas destas decisões, apesar de regularmente apontadascomo necessárias e urgentes, continuam a ser ignoradas. Eassim irão continuar, porque pô-las em prática exigiria oalargamento de horizontes por parte das diferentes dioce-ses e dos diferentes jornais, ou seja: deixarem a tendênciapara serem a voz do bispo, a homilia do bispo ou o resumodo bispo - na expressão, que cito de memória, do antigodirector do Diário do Minho, hoje presidente do Conselhode Gerência da Renascença, cónego Aguiar de Campos.

Importa esclarecer, no entanto, que esta não é umaquestão exclusiva da imprensa regional da Igreja, nem daimprensa regional de inspiração cristã, mas da generalida-de da imprensa regional. Só que, no caso da imprensa daIgreja, atinge uma dimensão maior, até porque se trata depublicações que, apesar de não estarem organizadasnuma única estrutura (já que são propriedade de diferen-tes dioceses), integram uma mesma Igreja e visam objecti-vos idênticos. E o mais curioso é que, em muitos casos, asua concretização nem seria difícil, limitando-se à reutili-

“Os jornais da imprensa regional daIgreja Católica concorrem, em termosde audiência, com os media laicos,havendo até distritos onde ocupam osprimeiros lugares.”

“Não existe um espírito decooperação. Não há parcerias paraoptimização de recursos, nem fusõespara evitar jornais idênticos namesma área, a disputarem os mesmosanunciantes e leitores.”

“As redacções desta imprensa sãoconstituídas sobretudo por homens,de perfil escolar elevado, mas comordenados baixos e acompanhando atendência da «juvenilização»registada na profissão.”

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zação ou ampliação de recursos já existentes. Parece claroque o desafio actual passa pela valorização técnica e pelaconstrução de novas unidades, sacrificando mesmo títulose tentando definir espaços mais envolventes das diversi-dades regionais.

A esta questão podem juntar-se outras igualmente sig-nificativas: a regular ausência de uma organização empre-sarial e de uma estratégia comercial eficaz; a limitada exis-tência de recursos humanos; um certo imobilismo e, maisgrave ainda, o vício que dá pelo nome de subsidiodepen-dência. É uma herança do passado que, cultivada ao longodo tempo pelos diferentes poderes (entendem-se bem asrazões...), também está muito longe de constituir umexclusivo da imprensa regional da Igreja.

A TENTAÇÃO DE FAZERUM “JORNALISMO DE REVERÊNCIA”

JJ - Nas conclusões da tua tese há uma caracterização geral

deste tipo de imprensa. Como se identificam os jornais que

são propriedade da Igreja Católica?

AM - As sínteses correm sempre o perigo de ser parciais.Mais ainda quando se trata de órgãos que, independente-mente de integrarem a mesma instituição, constituem,entre si, um leque desigual de realidades.

Pode, no entanto, dizer-se que se trata de uma impren-sa vendida por assinatura (são raros os jornais vendidosnas bancas) e quase integralmente dirigida e administradapor padres. As redacções são maioritariamente constituí-das por homens, de perfil escolar bastante elevado (amaioria tem um curso superior e muitos são mesmo licen-ciados em Jornalismo ou Ciências da Comunicação), mascom ordenados baixos e acompanhando a tendência de“juvenilização” ultimamente registada na profissão. Nageneralidade, têm pouca ou quase nenhuma apetênciapela linguagem gráfica e pelas questões de natureza esté-tica, utilizam um visual de duvidosa eficácia, além deserem poucos os que dispõem de qualquer departamentocomercial e menos ainda os que olham o marketing comouma prioridade. JJ - E em termos de conteúdo?

AM - Ainda que sejam, em geral, bem escritos, têmtendência para ignorar algumas regras elementares dastécnicas redactoriais. Confundem com frequência infor-mação com opinião (por vezes descontextualizada e usan-do linguagem proselitista). Tendem a privilegiar a cate-quética em detrimento do acontecimento e da sua actua -lidade e nem sempre conseguem definir os limites queseparam a agressividade da frontalidade. Julgam-se porvezes acima de qualquer crítica e praticam pouco o contra-ditório.

Há os que caem na tentação de tratar o leitor como ummero receptor, um consumidor passivo, e que parecemmais interessados pela apologética do que pelo esclareci-mento. Muitos cultivam uma certa reverência em relação

ENTREVISTA Alexandre Manuel

“Com frequência, informar sobre aIgreja limita-se a ser a transcrição decomunicados ou a reproduçãointegral, sem intervençãojornalística, de documentosepiscopais, incluindo homilias.”

“Entre a hierarquia continua porresolver uma questão de fundo: se aIgreja deve dispor de «púlpitos»próprios para transmitir a suamensagem, ou antes tudo fazer paraestar no lugar onde se faz opinião.”

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à generalidade dos poderes, designadamente dos mem-bros da hierarquia local - bem patente, aliás, no tratamen-to diferenciado que é dado a essas mesmas personalida-des e no modo como são publicados os seus textos. Comfrequência, informar sobre a Igreja limita-se a ser a trans-crição de comunicados ou a reprodução integral, semintervenção jornalística, de documentos episcopais,incluindo homilias - que não são propriamente feitaspara serem publicadas em jornais.

Esta atitude, no fundo, é bastante comum a muitos dosmembros da hierarquia, incluindo porta-vozes, que (comalgumas excepções) continuam a sentir dificuldade emresolver o conflito entre o dogmatismo da fé e o constan-te relativismo do jornalismo; a ponto de, por vezes, con-fundirem o discurso do altar com o discurso dos media.Como afirmava um jornalista a trabalhar há anos nestaárea religiosa, media e Igreja parecem conversar em idio-mas diferentes, sem intérpretes capazes de fazer com queos dois interlocutores se entendam. Além de que o argu-mento do rigor tem servido para justificar a prática dealgum hermetismo, de silêncios e até de um certo secretis-mo, pondo em causa um dos princípios essenciais dequalquer órgão de comunicação: encontrar o denomina-dor comum capaz de atingir o maior número possível deleitores.

Apesar de alterações recentes, alguma da imprensaregional da Igreja parece, de facto, ainda um pouco dis-tante deste objectivo - ou seja, chegar à generalidade dosleitores. Muitos textos, demasiadamente argumentativos,tornam-se incompreensíveis mesmo para católicos prati-cantes e minimamente cultos. Em causa, na prática, aausência de conjugação entre a dinâmica do discurso reli-gioso e do discurso jornalístico; a utilização de frases fei-tas e de uma linguagem pouco acessível e algo afectada; aescolha de protagonistas pouco familiarizados com a lin-guagem da comunicação; a generalizada lentidão nas res-postas dadas (quando dadas) sobre questões da actualida-de; alguma falta de capacidade para entender as conse-quências do que foi dito e a inexistência de verdadeirosgabinetes de comunicação, com profissionais que forne-çam aos media uma informação atempada e capazmentedigerida.JJ - Para além dos jornais regionais, a Igreja Católica não

dispõe de outros títulos?

AM - De muitos, mesmo. Ainda que não se saiba exacta-mente o seu número total (até porque muitos delesescapam ao recenseamento central da própria Igreja)creio não exagerar se disser que devem rondar os 800 títu-los. Refiro-me não só às publicações que dependem dasdioceses ou das suas estruturas, mas também às que sãopropriedade de ordens religiosas, institutos, movimentoslaicos, associações. São maioritariamente constiuídas porboletins paroquiais e interparoquiais, mas há também umgrande número de revistas e publicações catequéticas, decultura e formação. A maioria tem periodicidade mensal,

com tiragens que oscilam entre os menos de mil exem-plares e os mais de 100 mil, somando, no conjunto, umamédia semanal pouco inferior ao milhão e meio de exem-plares.

A estes títulos haverá que ajuntar vários outros, sobre-tudo da imprensa regional/local, que, não sendo proprie-dade das dioceses ou de outras estruturas eclesiais, estão,no entanto, sempre disponíveis para dispensarem a mel-hor atenção à difusão da doutrina e das actividades daIgreja. Muitas dessas publicações integram a Associaçãoda Imprensa de Inspiração Cristã.JJ - Uma última pergunta, que extravaza do âmbito da tua

tese mas é suscitada por ela. Por que motivo a Igreja

Católica portuguesa não conseguiu ter, de modo estável, um

grande jornal de referência e de qualidade? Ou, por que fa -

lharam os projectos que foram tentados nesse sentido?

AM - A última experiência aconteceu, por iniciativa doPatriarcado de Lisboa, com o semanário Nova Terra, em1975 - que, no dizer de alguns dos principais responsáveiseditoriais, terá falhado, entre outras coisas, pelo limitadosuporte financeiro, pela falta de maturação em redor doprojecto, pela impreparação generalizada, pela ausênciade jornalistas em quantidade e qualidade e pela falta decapacidade, por parte da Igreja, para jogar o jogo dosmedia.

O tema tem vindo a ser regularmente retomado eregularmente abandonado. Também agora por razõesfinanceiras, mas ainda porque, entre a hierarquia, conti-nua por resolver uma questão de fundo: se a Igreja deverealmente dispor de “púlpitos” próprios para transmitir asua mensagem, ou se deve antes tudo fazer para estar nolugar onde se faz opinião. Além de que, para sobreviver,um jornal destes exigiria uma substancial alteração com-portamental por parte de muitos hierarcas, que parecemincomodados com a mera presença de jornalistas ou que,como dizia alguém, continuam a olhar o profissional dainformação como uma espécie de “carteiro” que tem aobrigação de entregar aos seus leitores a mensagem rece-bida tal e qual.

PERFIL

O jornalista Alexandre Manuel trabalhou nas revistasFlama (1969-1974), Vida Mundial (1974-1975) e SéculoIlustrado (1974-1976), no Jornal do Fundão (1975-1976) eno Diário de Notícias (1976-1995). Colaborou tambémcom a RTP (1979-1991) e com a RDP (1983-1984). Épós-graduado em Jornalismo (ISCTE/ESCS). O seupercurso docente, nas Ciências da Comunicação, vemdesde 1992, na Universidade Autónoma de Lisboa,onde dirigiu vários cursos de pós-graduação. Émembro do CIES do ISCTE – Instituto Universitário deLisboa.

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Steve Doigt à JJ

O que é o “jornalismode precisão”Steve Doigt, jornalista norte-americano premiado em 1993 com oprémio Pulitzer na categoria de “serviço público”, com umareportagem sobre os efeitos do furação Andrew, publicada no MiamiHerald, passou um semestre em Lisboa, ensinando técnicas dereportagem assistida por computador aos alunos do Mestrado emJornalismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas daUniversidade Nova de Lisboa. Nesta entrevista, explica o que é o“jornalismo de precisão” e afirma que o salto para se publicarem maishistórias destas em Portugal passa pelo interesse dos jornalistasportugueses, até agora muito escasso, e por um acesso mais facilitadoa bases de dados públicas, uma dificuldade sempre presente numpaís ainda longe da prática da “administração aberta” em vigor nosEstados Unidos.

Texto: Carla Baptista Fotos: José Frade

JJ - As técnicas de “jornalismo de precisão” que veio a

Lisboa ensinar fazem parte do leque de novas competências

que os jornalistas devem possuir?

Acredito que são importantes. A filosofia subjacente ao jor-nalismo de precisão é usarmos as técnicas de inquérito e derecolha de informação utilizadas por algumas ciências soci-ais, nomeadamente a sociologia e a estatística, para nos aju-dar não só a encontrar histórias interessantes mas, sobretu-do, a produzir a prova documental e numérica que suportae valida essas histórias. Permite-nos ir para além do simplesuso de anedotas - utilizo esta expressão no sentido daquelesexemplos, por vezes singulares ou pouco representativos,que os jornalistas usam com frequência para ilustrar as suasnotícias, artigos ou reportagens. É suposto que os jornalistasutilizem estas técnicas para tratar de forma relevante osdados recolhidos e produzir as provas que asseguram averacidade dos factos apurados durante a investigação.Utilizamos a palavra precisão porque essa veracidade deveter uma tradução numérica, quantitativa ou visual mais só -

lida do que a fornecida pela opinião impressiva e falível dealguém que os jornalistas citem como fonte de informação. JJ - Essas técnicas dispensam o jornalista de falar com os

especialistas, que corroboram e credibilizam a informação?

Em parte, sim. O jornalista ganha uma grande autonomia naprodução da prova documental e não precisa de maisninguém. Transforma-se na sua própria fonte de informação. JJ - Não existe o risco de fechar o jornalista sobre os seus

interesses particulares de investigação?

Existe, mas apenas quando o jornalista se esquece de fazeraquilo que deve antes de iniciar uma investigação, e queconsiste na necessidade de falar com as pessoas e tentarperceber quais são os problemas mais relevantes que asestão a afectar naquele momento e que seria importantecompreender melhor. Se isso for feito, garantimos que oesforço investigativo vai ser colocado ao serviço dasnecessidades da comunidade. Mas depois já não precisade ir falar com mais ninguém para corroborar o seupróprio levantamento e leitura dos dados recolhidos.

ENTREVISTA

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Passa a ser o perito sem necessidade de recorrer às figurasde “consultores” externos. Eu valorizo muito a inde-pendência que advém da possibilidade de sermos nós arealizar a nossa própria pesquisa e análise. Não sópodemos escolher o assunto, como podemos escolher oângulo e o timing. Existe também a questão da confiança.Não há nenhuma garantia que um investigador fora dojornalismo esteja realmente interessado nas mesmascoisas que nós ou de que os seus resultados sejamcredíveis e não sejam manipulados por outros interesses. JJ - Que garantias existem de que a investigação do jornalis-

ta é credível e desinteressada?

Ah, aquelas que nós próprios formos capazes de fornecer.Quando escolhemos este caminho, não podemos respon-sabilizar mais ninguém se alguma conclusão estiver erra-da. Num jornalismo mais tradicional, se a nossa fonte seengana, podemos atribuir-lhe a culpa. Esse jornalismo émais seguro mas também é tímido porque coloca o jornal-ista numa situação de grande dependência em que muitasvezes se limita a reproduzir informações que não podevalidar. É preciso mais coragem para fazer a sua própriainvestigação e publicá-la afirmando: “vejam que coisainteressante e importante encontrei!”.

Temos de ser nós a dominar as ferramentas de pesqui-sa e a assegurar-nos de que não cometemos erros. Asinvestigações que mobilizam técnicas de precisão têmgeralmente a ver com a análise de grandes quantidades dedados que, pela sua dimensão, necessitam de um trata-mento estatístico computadorizado. Mesmo pequenoserros matemáticos, um número, ou uma fórmula incom-pleta, comprometem a exactidão das conclusões. JJ - Quando é que começou a fazer jornalismo de precisão?

O meu interesse liga-se à própria história do jornalismo deprecisão nos Estados Unidos. Em 1972, Philip Meyer, umrepórter que trabalhava para o Miami Herald, obteve umabolsa de estudos e foi para a Universidade de Harvardestudar ciências sociais. Interessou-se pelos métodos utili-zados para medir e questionar a opinião pública, os inqué-ritos e as sondagens, apercebeu-se que eram técnicas queos jornalistas também deviam saber e podiam utilizar nasua profissão. Escreveu um livro, intitulado “PrecisionJournalism”, que se tornou marcante na minha geração. Eufui um desses jornalistas influenciados pelo trabalho doPhill Meyer, tanto mais que já nessa altura me sentia fasci-nado pelos computadores, ainda muito incipientes e carís-simos, que usava quase como brinquedos. JJ - A aproximação entre o jornalismo e as ciências sociais é

uma ideia antiga. Estou a lembrar-me da escola de Chicago,

dirigida por Robert Park, que começou por ser jornalista e

também levou para a Sociologia qualquer coisa de jornalís-

tico: talvez a avidez por estudar e compreender os proble-

mas da sociedade com urgência, transformando o sociólogo

naquilo que ele chamava o “super-repórter”...

Os sociólogos, os cientistas políticos e os jornalistas fazemcoisas muito semelhante: procuram informação, anali-

sam-na, detectam os padrões e as regularidades, escrevemsobre os seus achados com o objectivo de produzir ecomunicar conhecimento, e fazem-no com transparência.Nestas disciplinas, existe uma exigência dos métodosserem claros, abertos ao exame e ao escrutínio dos outros.Eu acho que o bom jornalismo pode ser muito parecidocom a boa ciência social, com uma diferença: nós temos deo fazer mais depressa. Um cientista político ou um soció-logo podem demorar um ano para publicar um artigonuma revista académica. Nós temos de escrever hoje parapublicar no jornal de amanhã.

Mas, infelizmente, não vejo muita interacção entre pro-fissionais e académicos. Na minha universidade, porexemplo, tenho boas relações com colegas do departamen-to de Geografia, e isso é muito útil porque uma das ferra-mentas que utilizo são mapas computadorizados. Mas, emgeral, a academia e as redacções não falam o suficiente unscom os outros. Os jornalistas têm fama de serem anti-inte-lectuais, não lêem investigação académica e os investiga-dores por vezes estão preocupados com coisas muito limi-tadas e com pouco impacto. Acho que ambos deviam colo-car o foco mais nos verdadeiros problemas sociais.JJ - O jornalismo de precisão poderia chamar-se jornalismo

científico?

Sim. A ideia é usar os recursos do jornalismo para olhar deuma forma profunda e contextualizada para os problemasda sociedade e encontrar explicações para as suas causas. Ostemas típicos do jornalismo de precisão são a análise do com-portamento político, por exemplo, encontrando ligaçõesentre o financiamento das campanhas dos candidatos eeventuais “favores” políticos prestados pelos candidatos elei-tos; a pobreza causada por situações de opressão e desigual-dade que alguns grupos sociais sofrem mais do que outros;a ligação entre criminalidade e zonas geográficas; a relaçãoentre insucesso escolar e exclusão social, ou certos problemasde corrupção ou conduta errada por parte de políticos ouforças policiais que se exercem particularmente sobre gruposmais vulneráveis.. No fundo, qualquer história que obrigue acruzar a informação contida em centenas ou milhares deregistos que seria impossível fazer sem o computador.

Tratados de forma convencional, estes temas transfor-mam-se normalmente em contos morais, ilustrados poralguns exemplos particulares. Com a reportagem assistidapor computador, as desigualdades são reveladas de formatão gritante e comprovada que se tornam muito inquie-tantes para os leitores e, nalguns casos, transformam-seem chamamentos para a acção.JJ - O jornalista deve ser um especialista?

A maioria dos jornalistas são generalistas. Eu não tenhonenhuma especialidade e, ao longo da minha carreira, cobriuma variedade de beats. A reportagem assistida por compu-tador não é em si uma especialidade jornalística e muitomenos hoje, em que o acesso aos programas informáticosque permitem aplicá-la está vulgarizado. Quando eu come-cei a usar estas técnicas, não havia mais ninguém na minha

ENTREVISTA Steve Doigt

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redacção que soubesse trabalhar com uma folha de cálculo.É verdade que ainda hoje os jornalistas resistem muito aqualquer coisa que cheire a quantitativo e a matemática...JJ - Por falar nisso, é preciso saber matemática?

É verdade que os jornalistas odeiam matemática ou têmmedo dela. O meu filho tornou-se jornalista porqueachou que nunca mais ia ter de olhar para um livro dematemática. Mas esta matemática é básica, e hoje os pro-gramas informáticos são tão amigáveis que não é necessá-rio ter conhecimentos de programação. Mas é preciso umasensibilidade e a compreensão de alguns conceitos estatís-ticos. Os computadores só fazem o que lhes dizemos parafazer. Acredito que nas redacções ainda há muita genteque nunca seria boa a fazer este tipo de reportagem por-que são tão resistentes à matemática que se tornariamperigosas se lhes déssemos uma folha Excel e dissesse-mos para fazer qualquer coisa útil! JJ - Sair da redacção é importante para conseguir uma boa

história?

Claro! A história vai ser contada envolvendo as vozes daspessoas afectadas, portanto o jornalista precisa de ir falar comessas pessoas e conseguir que elas lhe contem como aqueleproblema as afecta. Estou sempre a encorajar os meus alunosa sair da frente do computador e muitas vezes eles acham quepodem fazer tudo através da internet. A coisa mais importan-te numa história são as pessoas envolvidas e temos de asencontrar. Não vejo o jornalismo de precisão como um subs-tituto mas como um acrescento do jornalismo tradicional. JJ - São necessários muitos recursos para fazer jornalismo

de precisão?

É necessário uma redacção disposta a integrar estas técni-cas na sua prática e o apoio dos editores. Este tipo dereportagem não é mais rápida, não basta carregar numasteclas e sai uma história mágica. Uma boa reportagem deprecisão pode até demorar mais tempo do que uma histó-ria que utilize métodos mais convencionais.

Também podemos usar estas técnicas em assuntos maisleves. Nem tudo tem de ser importante e complicado e ojornalismo de precisão pode ser só descritivo sem ser ana-lítico. No desporto, por exemplo, há números sobre recor-des, performances dos jogadores, que os leitores que seinteressam por desporto adoram. Uma vez fiz um trabalhosobre raças de cães, quais eram as favoritas para que tipode donos...Tenho uma amiga que fez uma reportagemengraçada sobre os anúncios de encontros nos jornais,contabilizando os atributos que os homens procuram nasmulheres e os que as mulheres procuram noshomens...neste caso, confirmou-se o estereotipo: oshomens privilegiam os atributos físicos e as mulheres estãomais interessadas em encontrar parceiros emocionais. JJ - Em Portugal, praticamente não se fazem reportagens

deste tipo. O que acha que pode ajudar a promover estas

técnicas entre os jornalistas portugueses?

A chave é haver jornalistas que se interessem e comecema utilizar estas técnicas. Se surgirem boas histórias, certa-

“A filosofia subjacente é usarmos astécnicas de inquérito e de recolha deinformação utilizadas por algumasciências sociais, nomeadamente asociologia e a estatística, para nosajudar a encontrar históriasinteressantes e a produzir a provadocumental e numérica que suporta evalida essas histórias.”

“Valorizo muito a independência queadvém da possibilidade de sermosnós a realizar a nossa própriapesquisa e análise. Não só podemosescolher o assunto, como podemosescolher o ângulo e o timing.”

“Não há nenhuma garantia que uminvestigador fora do jornalismoesteja realmente interessado nasmesmas coisas que nós ou de que osseus resultados sejam credíveis e nãosejam manipulados por outrosinteresses.”

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mente que o resto da comunidade jornalística vai tercuriosidade ou vai sentir pelo menos o impulso de dizer:“eu também quero saber fazer isto, não quero ficar paratrás”. Foi exactamente assim que se passou nos EstadosUnidos. Os pioneiros do jornalismo de precisão publica-ram histórias realmente boas que não podiam ser feitas deoutra forma.

Outra coisa que Portugal precisa é um melhor acesso abases de dados públicas. Isto é sempre uma dificuldade,até nos EUA por vezes precisamos de recorrer ao tribunalembora as leis protejam os cidadãos e a liberdade de infor-

mação. Existem agências governamentais portuguesasque fazem um bom trabalho disponibilizando os dadospúblicos num formato compreensível e acessível – oInstituto Nacional de Estatística tem um óptimo website,mas já ouvi queixas de que esta não é a regra. O que sei éque a vossa Constituição diz que a informação é pública eque os cidadãos têm direito de lhe aceder mas depois sur-gem muitas dificuldades.

Os jornalistas deviam começar a pressionar os gover-nos para libertarem mais informação. Por exemplo, dadossobre crimes, devia ser possível e normal uma pessoa irregularmente a uma esquadra de polícia e aceder a umabase de dados com os crimes cometidos num determina-do período de tempo, a localização, o tipo de crime, a horaa que foi cometido. Não seria preciso violar a privacidadede ninguém, não precisamos de saber o nome das pesso-as envolvidas, mas a informação estatística cruzada podedar óptimas histórias.

Dados sobre acidentes de viação também seriamimportante. Eu estou impressionado com a quantidade depessoas que já vi em Lisboa usando muletas! Ponho-me aimaginar que deve ser por causa da condução de loucosque vocês têm por aqui!

Existem perguntas a fazer sobre quem financia os par-tidos em Portugal e de que forma isso pode estar relacio-nado com a corrupção. Seria fantástico se os jornalistas seinteressassem mais por indagar as causas da pobreza, umfenómeno em crescimento devido à crise económica e ao

ENTREVISTA Steve Doigt

“Os jornalistas têm fama de seremanti-intelectuais, não lêeminvestigação académica e osinvestigadores por vezes estãopreocupados com coisas muitolimitadas e com pouco impacto.”

“A coisa mais importante numahistória são as pessoas envolvidas etemos de as encontrar. Não vejo ojornalismo de precisão como umsubstituto mas como um acrescentodo jornalismo tradicional.”

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“O mais importantesão os valores da profissão”JJ - No ambiente tecnológico em que

vivemos, as ferramentas do jornalista

vão-se modificando. O blocos-notas

em papel ainda é útil?

Sim. Muitas vezes não precisamos degravar a conversa toda porque sóvamos citar as partes interessantes.Eu tomo sempre notas, nãonecessariamente em papel, escrevodirectamente no computador,sobretudo se estou a realizarentrevistas pelo telefone.JJ - Falamos muito de mudança no

jornalismo. A minha pergunta é um

pouco ao contrário: numa altura em

tanta coisa muda, o que precisa de

permanecer na prática profissional?

A coisa mais importante são osvalores: uma conduta eticamenteorientada, a busca pela verdade e aindependência dos jornalistas. Estascoisas têm de permanecer ou deixade haver jornalismo. Se pararmos deagir eticamente ou de buscar averdade, passamos a ser agentes dogoverno. Os jornalistas não devemapenas comunicar as iniciativas ouas decisões dos governantes,também têm de as confrontar ecriticar. JJ - Esses valores são a base da

profissão?

Sim. O resto são competênciasimportantes mas que assentam nos

valores da profissão. É evidente queo jornalismo hoje possui formas decomunicar diversas. A internetderrubou as barreiras entre os váriossuportes – a imprensa escrita, atelevisão e a rádio – e,independentemente do meio para oqual trabalham, os jornalistas devemser bons comunicadores multimédia.Na internet, todos trabalhamos damesma maneira. Os sites noticiososdas televisões, dos jornais ou dasrádios são semelhantes. Essauniformidade de linguagem impôsuma destreza e uma habilidadetécnica que se tornou imperativapara os jornalistas.

aumento das desigualdades sociais. Será que todos sãoafectados da mesma maneira pelo desemprego? Ou asmulheres são mais afectadas? Será que as mulheres têm asmesmas oportunidades de emprego em Portugal? Estousimplesmente a atirar perguntas para o ar que podem sertrabalhadas na óptica do jornalismo de precisão. JJ - Acha que o jornalismo de investigação, seja ele de pre-

cisão ou não, está em perigo?

O jornalismo de investigação é uma actividade perigosaporque obriga-nos a olhar para os problemas e muito fre-quentemente os problemas são causados por pessoas peri-gosas. Aqui na Europa e nos Estados Unidos esquecemo-nos disso mas se olharmos para países como o México, oua Rússia, vemos como imensos jornalistas já foram assas-sinados. Outra razão de perigo são os problemas econó-micos da imprensa. O jornalismo de investigação é caro,os jornalistas têm de gastar semanas focados no mesmoprojecto, a empresa tem de estar comprometida com esseobjectivo, existem viagens e despesas relacionadas comobtenção de documentos e outras provas... Mas ainda vejomuito bom jornalismo de investigação a ser feito. Soumembro do IRE [Investigative Reporters], organizamosum prémio anual, recebemos centenas de trabalhos e amaioria são bons. Ainda se faz mas faz-se menos devidoaos cortes orçamentais e isso significa que algumas coisasque se passam na nossa sociedade não estão a receber oescrutínio necessário. Na minha opinião, isso é um gran-de erro. A única coisa que pode tornar os websites das

empresas noticiosas valiosos para os leitores é bom jorna-lismo de investigação. As notícias de entretenimento,sobre celebridades ou desporto, estão disponíveis em todoo lado. Mas o bom jornalismo de investigação, que se diri-ja aos problemas das pessoas, denuncie os problemas eaponte soluções, é muito mais raro e fará com que as pes-soas se voltem para as poucas empresas que ainda estão afazer esse tipo de trabalho. JJ - Quais são as qualidades do jornalismo de investigação?

Falou no chamamento para a acção...

Idealmente, para mim, uma boa história de investigaçãonão precisa que o jornalista se ponha aos gritos. O jorna-lista deve apresentar o problema, falar nas soluções edepois contar a história de uma forma que, quando as pes-soas a ouvirem, elas próprias dirão: “nós temos de fazeralguma coisa, queremos que o governo resolva isto”. Ochamamento para a acção é dos cidadão e um bom jorna-lista de investigação consegue fazê-lo sem tomar partido.Sinto-me desconfortável com a ideia de jornalistas advo-garem uma causa. Podemos fazê-lo apresentando o pro-blema de forma transparente para que as pessoas querealmente têm responsabilidades se sintam compelidas aagir. É a diferença principal que encontro em relação aojornalismo cívico. Quando investigamos, aprendemosimenso, falamos com muita gente e, como seres humanos,ficamos envolvidos, mas um bom jornalista é treinadopara manter os seus sentimentos e opiniões à distância dahistória. JJ

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Thomaz Souto Corrêa à JJ

“Todo o dia morre leitor de papel e nasce leitoreletrônico”“Revisteiro”, como ele mesmo se define, Thomaz Souto Corrêatrabalha há mais de 40 anos no Grupo Abril. Aos 73 anos e,teoricamente, aposentado, continua vice-presidente do ConselhoEditorial, cargo que ocupa desde 2003, e consultor em questõeseditoriais. Não cumpre mais horário fixo, mas é presença constanteno edifício da editora, um prédio moderno e imponente junto àMarginal Pinheiros, em São Paulo.

Texto: Maria da Paz Treffaut Fotos: Alexandre Oliveira

Asala que ocupa, no último andar, com aces-so por um elevador privativo, é um espaçoamplo, com todos os títulos da casa visí-veis. Numa enorme parede branca, conhe-cida como “El paredón”, costuma exibir

cada revista página a página e pratica o que mais gosta defazer: análise editorial. Em tantos anos de Abril, partici-pou do desenvolvimento, lançamento e da reformulaçãode inúmeras revistas. Fora isso, cumpriu dois mandatoscomo presidente da Associação Nacional de Editores deRevistas (ANER) e foi o primeiro presidente latino-ameri-cano do Conselho Diretor da Fédération Internationale dela Presse Périodique (FIPP), que reúne editores de revistasde todo o mundo.

Como se não bastasse, escreve artigos para revistas e,quando pode, livros de gastronomia. Cozinhar é uma desuas grandes paixões: “só faço coisa que engorda”, diz, “eo que faço melhor é arroz de porco”. Vem daí um de seusapreços pela cozinha portuguesa, que conheceu bem,entre 1995 e 2002, quando ia a Lisboa de três a quatrovezes ao ano, a trabalho.

Tal carga horária parece suficiente? Não. Thomaz aindadá aulas na Escola Superior de Propaganda e Marketing eé diretor do Innovation – International Media ConsultingGroup. Assunto para conversar, como se vê, é o que nãofalta.

JJ – Como você vê a formação dos jornalistas aqui? O Brasil

é um dos poucos países que exigia diploma para o exercício

da profissão.

Exigia, está suspenso, o que não quer dizer que não volte.JJ – Sim, muita gente quer que volte. Mas a Abril tem seus

próprios cursos de jornalismo, então, eu queria saber como

você vê essa questão.

Começamos a fazer o curso interno há 28 anos, porque agente percebia que as escolas não estavam formando pro-fissionais que a gente pudesse usar. Não tinha jornalismopara revistas no currículo das escolas. Com algumas esco-las fizemos um programa junto, mas achamos que era pre-ciso fazer um programa nosso, que mostrasse para essesjovens o que era trabalhar em revista: sobre a técnica, osrecursos, como se escreve, como se pagina, técnica noamplo sentido, algo muito prático e objetivo. O cursocomeçou um pouco mais teórico do que é hoje. JJ – O que mudou?

Os alunos continuam a ter palestras com profissionais daAbril mas, em paralelo, desenvolvem projetos de verdade.Eu tenho um cursinho dentro do curso e o trabalho deles éreeditar matérias que tenham sido editadas. A gente querque essa preocupação do que faz uma boa matéria, umaboa revista, esteja na cabeça deles. Esse é o intuito primor-dial. De uns anos pra cá abrimos o leque, já tem on line, de -senho de website, vídeo, estamos começando a nos preocu-

ENTREVISTA

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par com o fato de que o jornalista tem que ter conhecimen-to de outras mídias que, em algum momento, vão compora nossa mídia, e de que num futuro que já está começando,uma revista não tem uma forma só. Tem uma em papel, nosite, nos blogs, até Ipad. Virou uma multitarefa. JJ – Qual o perfil de quem procura?

É curiosíssimo: a idade média deve ser 23 – 24 anos, e elesjá chegam com essas outras disciplinas embutidas. Jásabem fazer site. Coisas eletrônicas, então, dominam. Ocurso é uma “tuitagem” tremenda, sobre o próprio curso,sobre o que estão fazendo. O jovem jornalista que sai daescola já vem com tudo isso, como se fosse de fábrica. Queimpacto isso vai ter no nosso jornalismo? Não sei. No anopassado fiz uma palestra nos Estados Unidos sobre o futu-ro da revista e o título da minha apresentação era “O futu-ro não existe”. Vamos acompanhar o que está acontecen-do hoje. A gente vai se adaptar quando aparecer. Se vocêpega o mundo Ocidental, os homens de oitenta anos, quesão muitos, passaram a vida lendo papel. Num determi-nado momento, apareceu o computador, e não tinha nadaa ver com cultura, era para controles administrativos.Depois, era uma máquina que substituía a de escrever. Eu,por exemplo, fui me adaptando. Acho que hoje sou umvelho até que bem transadinho na questão da eletrônica.Porque tenho curiosidade. Mas tem gente da minha idadeque não faz nada disso. Vamos morrer e, no nosso lugar,

“Num futuro que já está começando,uma revista não tem uma forma só.Tem uma em papel, no site, nos blogs,até Ipad. Virou uma multitarefa.”

“Eu vejo uma ansiedade enorme dosjornalistas de revistas em quereremter suas revistas no Ipad. O Ipadcompletou um ano: como perspectivahistórica não pode ser mais curta. Épreciso tempo para ver como vamosnos acomodar.”

“Se você pega os mais jovens, queestão saindo das escolas, o que eleslêem mesmo de imprensa é muitopouco. Estão se formando nocomputador. Isso significa que se nós,formadores de jornalistas, e aí incluoos nossos esforços, não nospreocuparmos com isso, vamosperder essa batalha.”

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estará o leitor eletrônico. Tomamos uma rasteira do celu-lar, ele se tornou veículo de comunicação e não percebe-mos. Percebemos só depois. Então, é essa meninada quevai decidir.JJ – E ela não tem nenhuma ligação sentimental com o papel.

Nenhuma. Se tem alguma ligação é com a eletrônica.Quem disse que daqui a 15 anos vai ter revista mensal,quinzenal, semanal? Será preciso ter objeto físico? Então ébobagem falar disso. JJ – Essa mudança galopante de tecnologia e integração de

mídias foi acompanhada por uma falta de preparo dos jorna-

listas?

Sem dúvida. Acho que é um dos grandes problemas. Euvejo uma ansiedade enorme dos jornalistas de revistas emquererem ter suas revistas no Ipad. O Ipad completou umano: como perspectiva histórica não pode ser mais curta.É preciso tempo para ver como vamos nos acomodar. AInternet tem 15 anos. É nada! Tem gente dizendo que otwitter já era. Bobagem, vejo a molecada tuitando o tempotodo. Tem gente que segue os jornais no twitter.JJ – Sempre se fala que o jornalista é cada vez menos pre-

parado, lê cada vez menos. Você concorda?

Primeiro acho o jornalista muito generalizante. Acho quehá estágios. Se você pega os mais jovens, que estão saindodas escolas, o que eles lêem mesmo de imprensa é muitopouco. Estão se formando no computador. Isso significaque se nós, formadores de jornalistas, e aí incluo os nossosesforços, não nos preocuparmos com isso, vamos perderessa batalha. Eu fui formado no pensamento de que se vocênão escreve bem, não é um jornalista. Se você escreve bemvai fazer bons artigos longos, curtos, reportagens, vai fazeruma frase de 140 caracteres e um blog melhor. Se nós nãofizermos força na qualidade do texto, ninguém fará. JJ – Você diz as empresas?

Os formadores de jornalistas, mas incluo empresas, por-que hoje, basicamente todas as empresas de jornalismotêm seus cursos para revista, televisão, jornal.

JJ – Os blogs são uma amostra desses textos ruins, né?

São. Quando vejo um blog super mal escrito, que alguémgosta, eu fico louco, quero morrer.JJ – Mas há desses blogs super mal escritos hospedados em

portais importantes.

Mas isso é fato da vida. Se eu quero um blogueiro que éum cara importante, que não sabe escrever, vou ter queconviver com isso.JJ – Porque no blog não existe a figura do copydesk.

Não, eu escrevo e ponho na hora. Mas também corrijo nahora. Não deixo rastros de grandes besteiras. Volta para oar com correção. Eu não vejo na meninada interesse porblogs, acho que é como jornal e revista. Acho que o blog éuma tentativa de colocar no online artigos que poderiamestar no papel. Agora se for bem escrito vou ler no Ipad,no blog, no papel. Quero que meus netos leiam, masagora me pergunto: será que eles lerão Eça de Queiroz?Alguma vez me perguntaram que obras achava funda-mental na formação de um jornalista e eu disse: as obrascompletas de Eça e Machado de Assis. Para saber o que éestilo eu tenho que ler quem tem estilo. JJ – Já que a gente tá falando da questão do conteúdo, há

outro problema. Há uma fronteira cada vez mais tênue entre

o que é assessoria de imprensa, jornalismo. A Abril é uma

das poucas empresas que não aceita convites de viagem. O

que você diria com relação a isso?

Que chances tem o jornalista hoje de trabalho? Não seiquantas escolas há no Brasil, tenho um número de queformam 20 mil jornalistas por ano. Não tenho certeza deque esse número é correto. Mas são milhares, isso eu sei.Para fazer o quê? Para trabalhar nos grandes veículos éque não é. Até porque os grandes veículos querem gentecom experiência e essa moçada vai ter que batalhar. Sevocê leva isso em consideração, quem se formou para serjornalista vai acabar em assessoria de imprensa. Agora,deveria existir na imprensa um mecanismo de proteção.JJ – Contra a sedução das assessorias?

É. Para que os leitores não fossem enganados. Porque hájornalistas que gostam de usar material de assessoria deimprensa, a gente sabe disso. Nós tínhamos um colegaaqui, ficará anônimo, que queria que a gente abrisse umguichê lá no fundo da garagem para receber os assessoresde imprensa. Para eles nem entrarem no prédio – deixa-vam o seu envelope e iam embora. Não tinha conversa,jantar. Porque a gente sabe que a função da assessoria é teseduzir pra você publicar uma coisa que o cliente delequer e não o que interessa ao teu leitor. Se os veículos decomunicação não fazem esse controle é uma pena. JJ – E essa fronteira entre o que é editorial e não é, às vezes,

é bem pouco visível.

Olha, eu sou da escola que não permitia que espaço editorialfosse invadido por mensagem comercial. Fui criado assim.Eu não admito, sei que é meio radical, mas penso assim. JJ – Já que hoje a maioria dos jornalistas viaja a convite, é

possível fazer uma matéria honesta viajando a convite?

ENTREVISTA Thomaz Souto Corrêa

“Alguma vez me perguntaram queobras achava fundamental naformação de um jornalista e eu disse:as obras completas de Eça e Machadode Assis. Para saber o que é estilo eutenho que ler quem tem estilo.”

“Nós tínhamos um colega aqui,ficará anônimo, que queria que agente abrisse um guichê lá no fundoda garagem para receber os assessoresde imprensa. Para eles nem entraremno prédio – deixavam o seu envelopee iam embora.”

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Não sei responder, sem brincadeira. Se a gente não aceitaconvite não faz a matéria porque não tem recursos. Háconcorrentes que dizem: “Nós nunca teríamos dinheiropara levar o nosso repórter para visitar uma fábrica deautomóveis na Alemanha. Então, quando convidam, agente manda. Só que garantimos que não é uma matériapositiva porque foi a convite”. E eu sei? Como vou saber?Você vai pra Alemanha, toma vinho, vai jantar e faz umamatéria imparcial? De acordo com os interesses do seu lei-tor? Ou tem ali uma agradável experiência de viajar praAlemanha? Não sei. Toda essa discussão em torno do con-teúdo gratuito nos serviços digitais é porque custa carofazer – então, não pode ser gratuito. Mesmo que eu seja

New York Times, ou a revista Time e tenha gente no mundointeiro. Esses caras vão fazer as duas coisas? Não vão! Temsempre uma coisa prioritária e um custo adicional. Então,não vou dar de graça. JJ – Agora, com os tabletes, com o The Daily, estamos no

limiar de uma nova fase no mundo das revistas e jornais?

Quinze anos atrás, um pouco mais, eu vi o que viria a ser oprotótipo da revista do futuro numa conferência nosEstados Unidos. O protótipo era um tablet. Muito maior doque o Ipad. Era uma tranqueira que você levava numabanca eletrônica, enfiava num buraco, escolhia as revistasque queria e punha o dinheirinho lá, como você compracoca-cola. A banca eletrônica hoje é a Apple. Que a revista

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1 - Thomaz Souto Corrêa, Alexandre

Wollner, Jan White e Roberto Civita,

analisando os trabalhos inscritos para o III Prêmio

Abril de Jornalismo, 13/04/1978 (Foto: JUSSI LEHTO)

2 - Roberto Civita, de gravata vermelha, presidente do Grupo Abril, e Thomaz Souto

Corrêa, vice-presidente executivo e diretor editorial da Editora, com o troféu entregue aos vencedores do XXIII

PAJ, 26/02/1998 (Foto: KIKO FERRITE)

3 - Thomaz Souto Corrêa, vice-presidente do Conselho Editorial e Consultor para Revistas, durante palestra na

Conferência Ibero Latina Americana de Revistas, no Grand Hyatt Hotel, 14/11/2006 (Foto: HUGO J. TONI)

4 - Lançamento do livro A COZINHEIRA E O GULOSO, em Dezembro de 2008 com Mazzô França Pinto (Foto:

ANDREAS HENIGER)

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do futuro seria alguma coisa plana, que emularia o objetorevista é uma coisa que eu e alguns companheiros mundoafora esperamos há muito tempo. Acho que durante algumtempo poderemos fazer revistas eletrônicas nesse aparelho.JJ – Por que durante um tempo?

Porque eu não faço mais projeção de futuro. JJ – Você acha que é uma coisa temporária?

Não sei o que virá. O que me preocupa é muita conversasobre o futuro do jornalismo: vai acabar o papel? Não vai?Os blogs vão interferir no jornalismo? E os twitters?Minha preocupação é com o futuro do leitor.JJ – Como ele vai ler?

E no quê vai ler, o que vai querer ler. Esse é um círculo emque todo o dia morre leitor de papel e nasce leitor eletrô-nico. Esse círculo está girando – pode ser uma bomba. Aminha preocupação é quem será esse cara daqui a dezanos, porque é ele que vai determinar como quer ler. Éinútil dizer que o tablet é a revista do futuro, vai ver quenão é.JJ – Durante muito tempo se falou na morte do papel em ter-

mos de literatura, mas ao mesmo tempo se falava do fetiche

do objeto livro.

Isso é coisa de gente velha. Eu posso falar porque sou velho.JJ – É isso que eu ia falar. A prova é que, no ano passado, a

venda de livros para kindle já superou a de papel.

Se eu posso comprar livros na kindle e até no e-book nãocompro mais de papel.JJ – Não?

Se tiver no kindle, não compro de papel. Eu sou um com-prador compulsivo e agora sou compulsivo no kindle.Compro livros que tenho certeza de que não vou ler. Nãotenho mais tempo para isso. E essa mesma neurose estáacontecendo on line. Quando procuro um livro que querono kindle e vejo outro, compro também. Meu kindle vaicrescendo. Isso resolve um pouco meu problema de espaço. JJ – Então, pra você o fetiche do papel morreu?

Não, morreu é forte. Em revista não morreu ainda. Em livrodepende. Tenho alguns livros antigos e o objeto me dá muitoprazer: não quero vê-lo no kindle. Mas aí tem o segundoaspecto: eu acho facílimo de ler no tablet. É letra preta sobrefundo branco, eu coloco o tamanho do tipo e a luminosida-de de tela que eu quero. Não tenho problema de ler no ele-trônico. Tinha problema de ler em tela de computador. Jáeste bichinho [diante dele na mesa] levo pra onde quiser. Jálivro de arte, de fotografia, quero ver o papel. No Ipad não éa mesma coisa, por enquanto. Vai depender do futuro. JJ – Se a gente fizer uma relação com o tablet, se estima que

uma revista é lida por quantas pessoas?

Não sei, varia muito. Faz a relação com os sites: revistasque vendem 200 mil exemplares têm três milhões no site.A relação é desproporcional. Não quer dizer que leiamcom a mesma atenção. Mas não posso dar de graça, agente vende revistas. Há revistas lidas por quatro, cincopessoas, mas alguém comprou.JJ – Depois ela foi parar no consultório médico.

Tudo bem, mas o médico comprou, ele assina. Essa receitaé fundamental. JJ – Voltando à questão da qualidade do jornalismo: e as

celebridades?

Isso não é Brasil, é internacional. São raríssimas as mani-festações de seriedade no trato com personalidades.Raríssimas. É todo o mundo meio refém, especialmente aschamadas revistas de consumo, porque você põe umacelebridade na capa e vende mais. Vende mais! JJ – Então é preciso agradar a celebridade.

Tem que agradar, fazer acordo, pagar. Tem gente que paga acelebridade. O fato de ser refém é muito sério. É uma arma-dilha que nós próprios – revistas mais do que jornais – arma-

ENTREVISTA Thomaz Souto Corrêa

“Se não tivermos a preocupação desurpreender nosso leitor com umjornalismo de altíssima qualidade, aíestou falando de criatividade –vamos perder a briga. Vai demorarum tempo...”

“Pesquisas no mundo todo mostramque o leitor adora texto curto comletra grande. Isto não deveria nosimpedir de publicar textos longos.Mas aí eu não faço uma revista só detextos longos. Só uso quando éapropriado.”

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mos sem nos dar conta. E que hoje é muito complexa nomundo inteiro. Vou te contar uma história que me deixouembasbacado esta semana. Fui jantar num restaurante ondevou com frequência e quando cheguei na porta tinha maisde dez fotógrafos. Os flashes espocavam. Simplesmente por-que a Adriane Galisteu e a Daniela Cicarelli [modelos e apre-sentadoras de televisão] estavam jantando lá. Você vê comoa notícia se banalizou. O que é isso?JJ – E tem saída?

Hoje não vejo. A gente teria que criar alguma coisa paracolocar no lugar que fosse tão forte quanto. A menos quevocê repense tudo – estou falando em imprensa feminina,masculina – o que você põe em lugar de? Nossa tarefa écompetir com TV, internet, vídeos e surpreender damesma forma. Só que temos pouquíssimas ferramentaspara isso: palavra e imagem. JJ – Mas essa batalha está sendo perdida, não?

Eu, por enquanto, me recuso a achar que está. Mas se nãotivermos a preocupação de surpreender nosso leitor comum jornalismo de altíssima qualidade, aí estou falando decriatividade – vamos perder a briga. Vai demorar umtempo... Então, temos que pensar no presente do leitor enão no futuro. Um leitor decide se vai ler uma matéria emmenos de dez segundos. Capa de revista leva segundospara a pessoa decidir se compra ou não. Ou somos muitobons e muito criativos ou perdemos a briga.JJ – E os títulos estrangeiros, como Playboy, Elle, Cosmo -

politan, que a Abril trouxe para o Brasil: são interessantes por

serem títulos internacionais? Tolhem a criatividade? Porque,

aqui, a Abril já fazia revistas inspiradas em modelos, mas que

não tinham o título. Por outro lado, a Abril nunca mais teve

uma revista como a Realidade, de grandes reportagens.

Queria que você falasse um pouco sobre isso.

Acho que algumas revistas estrangeiras atraem por doisfatores. Um é o fator marca, porque são conhecidas nomundo inteiro. Outro é que elas têm uma formula que édifícil reproduzir se você não tiver acesso ao segredo defazê-la. Vou dar dois exemplos: Playboy e Elle. Claro queelas embutem os seus segredos, mas são duas marcasmuito poderosas. No Brasil, durante muito tempo, o nomePlayboy foi censurado e aqui se chamava a Revista doHomem. Quando fomos autorizados a fazer Playboy, avenda estourou na primeira edição. Elle também tinhauma sofisticação de marketing que batia neste país, umestilo Elle de vida. Já a Cosmopolitan tem aqui a única edi-ção no mundo que não se chama Cosmopolitan, mas Nova.É uma briga de anos com os americanos. Eles queriam, masa gente falou: “Não, não vamos chamar. Cosmopolitan nãoquer dizer nada pra gente”. Mas eles tinham uma fórmulaà qual a gente queria ter acesso e que foi um sucesso. JJ – Há um caráter de atração para o leitor da mesma forma

que ele compra uma Gucci?

Exatamente, só que quando compro a bolsa Gucci ela é amesma pra todo o mundo. A revista tem que ser feita parao Brasil.

JJ – É uma adaptação.

Você tem que pegar a fórmula que aprendeu a fazer lá forae fazê-la brasileira. Não adianta pegar a Elle francesa e tra-duzir, não vai vender nada. Com relação a revistas degrandes reportagens, eu não acredito mais nisso. É inviá-vel economicamente. É quase como se fosse um livro. Seolho para o meu leitor atual e para o futuro dele, essarevista não tem lugar. Não vejo um jovem comprandouma revista para ler grandes reportagens. JJ – Você não vê lugar economicamente, mas também acha

que não há leitores?

Um é conseqüência do outro. JJ – Aí a gente tá falando um pouco de que os textos longos

são difíceis e que todo o mundo quer coisas curtas.

Pesquisas no mundo todo mostram que o leitor adoratexto curto com letra grande. Isto não deveria nos impedirde publicar textos longos. Mas aí eu não faço uma revistasó de textos longos. Só uso quando é apropriado. Há rarís-simas exceções no mundo hoje de textos longos. Tem afamosa New Yorker, com um milhão de exemplares. É ummilagre. E eu acho que o leitor tá ficando velho.JJ – Meus outros entrevistados aqui na revista do Clube de

Jornalistas – Mino Carta e Alberto Dines – disseram que não

existe imprensa democrática nem pluripartidarismo no

Brasil. O que você acha?

Existe em algum lugar do mundo? Eu acho que não existeo mundo ideal onde vou ser pluripartidário acima de qual-quer outro interesse. Porque o jornalista é um ser humano,tem opinião, tem as suas crenças. Tem os seus interesses.Então, acho que é uma falácia a gente achar que é demo-crático e pluripartidário. Não me parece algo viável.JJ – Você também teve uma experiência como dono de revis-

ta, né?

Ih, queria esquecer! Fui dono por um rápido período enão foi nada bom. Tinha a ilusão de que ia trabalhar comoexecutivo e com um assunto que me interessava muito.Lançamos a revista Gula e me dei conta, rapidamente, queeu não ia conseguir fazer as duas coisas. Vendemos e arevista continuou. Não foi boa experiência.JJ – Já que você fazia tantas revistas aqui, em algum momen-

to foi um sonho ter a sua própria?

Não. O fato de ser dono não muda nada. A ilusão de fazero que eu gostaria na minha revista não existe. Sei que tereiimposições como em qualquer lugar, como sendo empre-gado. Como meu interesse maior sempre foi no métier, noofício, nunca tive a ilusão de que seria um bom dono. Eudivido a humanidade em alguns grupos: os que compramrevista em banca, os que assinam; os que comem alface eos que não comem. JJ – Você detesta alface?

Não, mas quando me perguntam num restaurante: “Osenhor tem alguma restrição alimentar?” Respondo:“Tenho, alface”. Não vou para o restaurante comer alface.E tenho uma teoria de que o mundo se divide em donos epessoas que fazem e trabalham para eles. JJ

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Dez anos de SIC Notíciase o sonho de BalsemãoTexto Carla Baptista

A SIC Notícias comemorouuma década de vida emJaneiro de 2011. Foi o

primeiro canal inteiramentenoticioso a vingar em Portugal,depois das experiências falhadasdos canais regionais CNL, emLisboa, e NTV, no Porto, ligados àPortugal Telecom. Hoje, já tem decompetir com a RTPN, surgida em2004, e com a TVI24, criada em2007.

Representou um salto para amodernidade jornalística na área datelevisão portuguesa, depois doprimeiro canal de notícias porsubscrição ter surgido 21 anos antes,em 1980, com a americana CNN. Em1989, foi lançado o canal Sky News,de Rupert Murdoch e, em 1991, aBBC abriu o canal comercial queemitia 24 horas por dia, o WorldService Television News, renomeadoBBC World

A primeira emissão aconteceu em8 de Janeiro de 2001, alcançando 14100 espectadores de audiênciamédia, conduzida por jovensjornalistas promissores: PedroMourinho, Ana Lourenço e Clara deSousa. Ao nível da direcção,figuravam os nomes de EmídioRangel, Luís Marques, Nuno Santose Alcides Vieira.

Em 25 de Janeiro de 2004 foitransmitido o programa mais vistoda estação até à data, a EdiçãoEspecial dedicada ao estado clínicode Miklos Feher, que registou, deaudiência média, 270 300espectadores. O melhor dia foi a 23de Março de 2003, com 76 800espectadores de audiência média,facto que se deveu à Guerra doIraque. Em Dezembro de 2010, umano “muito bom”, segundo o actualdirector, António José Teixeira, o

canal registou 27 400 espectadores deaudiência média.

Em dez anos, mudou a forma defazer e receber informação emPortugal, ao disponibilizar telejornaisde hora em hora. Tornou-se um localde passagem obrigatório para oscomentadores e a classe política. Aomesmo tempo, o contexto mediático,internacional e nacional, alterou-sebastante neste período. Os canais deinformação enfrentam hoje umambiente ultra competitivo, em quea maior ameaça é representada pelainternet, que afecta todos os media eatinge as audiências maisdisputadas: os jovens e a classemédia e alta com poder de compra eapetência por informaçãoespecializada.

Na festa comemorativa dos 10anos, que incluiu uma sessão comconvidados no Museu do Oriente,destacando-se Adam Bolton, editorpolítico da Sky News e o rosto do“Sunday Live with Adam Bolton”,um programa que misturainformação com sátira política, o“patrão” do grupo Impresa,Francisco Pinto Balsemão,defendeu a necessidadedos media e dojornalismo nummundo emmudança.

Começou porsituar as ameaçasactuais – a liberdadecondicionada pelasegurança; aprivacidade devassadapelas redes sociais; os poderescorporativos que por vezes superamo poder dos estados nação e dasorganizações internacionais; a crisedas instituições clássicas (partidos,sindicatos, igrejas, forças armadas); ocrescimento de fenómenoscontingentes, como as manifestaçõesconvocadas por SMS, as seitas

religiosas, os movimentosinorgânicos de guerrilha urbana, osgrupos de hackers de identidadedesconhecida – para colocar umapergunta: ainda precisamos dosmedia e do jornalismo?

Subjacente a esta questão, estáuma outra: os conteúdos deinformação e de entretenimento comaspirações de qualidade, elaboradospor profissionais, que procuramcumprir regras deontológicastestadas e comummente aceites,fazem sentido na segunda década doséculo XXI?

A revolução tecnológica,justificou, trouxe a ideia de que “ainternet é para todos, é de todos.Toda a gente opina, toda a genteinforma. O princípio geral é de queninguém paga. Tudo é ou deve sergratuito”. Em consequência, osdireitos de autor não são respeitadose a pirataria alastra. Para PintoBalsemão, começa no google, “quenão produz nem um dos conteúdosde media que agrega”, continua noyoutube e provavelmente em cadaum de nós, quando descarregamos e

difundimos materiais deoutros pelas redes sociais.

O excesso deconteúdos já éresponsável pordoençastipicamente pós-modernas.

Balsemão citouNicholas Carr, antigo

editor executivo daHarvard Business

Review, autor de TheShallows: What the Internet is Doingto Our Brains, que identificou a“desordem da atenção dividida”,cujos sintomas são um hábitocompulsivo de abrir a caixa deemails, receber ou enviar sms’s, abriro facebook (estudos recentes noReino Unido indicam que a média

Jornal|Efeméride

Em dez anos,mudou a forma de fazere receber informação em

Portugal, aodisponibilizar telejornaisde hora em hora. Tornou-se um local de passagem

obrigatório para oscomentadores e a classe

política

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entre os trabalhadores de escritórioingleses é repetir estes gestos 30vezes por hora), provocando umadiminuição do pensamentoprofundo, da compreensão, damemorização e da aprendizagem.

A facilidade de acesso, oalargamento da rede, a fragmentaçãodos canais, a contaminação entreemissores (que aparecem alinhadossem critério nos portais agregadores)contribuem também para adesinformação e para a”infantilização”, justificando: “bastair ao ranking dos mais vistos doyoutube e verificar que a tendência éalinhar por baixo. E concluir que,quanto mais informação circula, maisse acentua o alinhar por baixo. Dizerque o youtube também temexcelentes fragmentos de músicaclássica não chega. O número deviewers de música clássica e o dos“top rated” – são milhares contramilhões”.

Se aceitarmos o princípio de quesubir o nível é “vantajoso para salvaro que resta da democracia”, então é

forçoso reconhecer a necessidade deque, “mais do que nunca, é precisoquem seleccione, ordene ehierarquize a informação, seguindoregras deontológicas, o que implicapoder ser objecto de sanções,quando não cumpra”.

É nesta dupla função dedepuração e filtragem que Balsemãofunda o futuro do jornalismo,atribuindo-lhe vários papéis:salvaguardar a liberdade deexpressão; veicular opiniões e pontosde vista diferentes; funcionar comoaguilhão perante a indiferença daopinião pública. Para as cumprir,alguns media estão melhorpreparados do que outros, porquepodem reclamar “a credibilidade dasmarcas que foram cuidadosamenteedificando”.

Identificou os traços essenciais dojornalismo que devem permanecer: aindependência editorial perantetodos os poderes (político,económico, cultural, desportivo e opróprio poder corporativo dosjornalistas); o cumprimento dos

códigos de conduta; o respeito pelosrespectivos estatutos editorais; aaposta na auto regulação comoinstrumento para evitar asintromissões excessivas da regulação.

Citou a teoria dos “trêspatamares” de Neil Postman, em queo objectivo do jornalismo é dar osalto do primeiro patamar, o dainformação seleccionada, organizadae credível, para o segundo patamar,o do conhecimento, ou seja, parauma “informação que tem umponto de vista, nos conduz aprocurar mais informação paracompreender o que se passa nomundo” e daí para o terceiropatamar, o da sabedoria, que “nãoimplica ter as respostas certas, masas perguntas certas”.

E terminou, resumindo: “Osrepórteres transformam os factosem informação. Os editorestransformam a informação emconhecimento. Os grandeseditores transformam oconhecimento em sabedoria. Estareia sonhar?” JJ

PEDRO CUNHA

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New Media, Old News –Journalism and Democracy in theDigital Age NATALIE FENTON (EDITOR)2010, Sage: London.

Texto Carla Baptista

Otítulo diz (quase) tudo sobreo essencial dos 11 capítulosdesta obra, coordenada por

Natalie Fenton, investigadora noDepartamento de Media eComunicação da Universidade deLondres/Goldsmiths. Trata-se deestudar se as linhas mestras quehistoricamente foram desenhando ojornalismo – entendido como umaactividade imersa em relações como sistema político, as práticascomerciais, os quadros reguladores,a inovação tecnológica e as culturasprofissionais – foram alteradas pelaemergência do paradigma digital.Lê-se na introdução que o livroexplora “como as mudançastecnológicas, económicas e sociaisreconfiguram o jornalismo e asconsequências destas mudançaspara a democracia”.

Este projecto tem uma amplitudetão larga que a solução foi dividi-loem questões mais circunscritas, a queos vários capítulos tentam responder,quase sempre apoiados emmetodologias empíricas, que incluemobservação participante nasredacções e entrevistas a jornalistas ea outros actores sociais (activistas,bloguistas, políticos, cidadãos-jornalistas).

Algumas dessas interrogaçõesconsistem em saber se as novastecnologias revitalizaram a esferapública ou, pelo contrário, setransformaram em instrumentos deuma estratégia comercial quepotencia usos menos democráticosdos meios de comunicação? Comomudaram a organização das rotinasprodutivas dentro das redacções e aspráticas profissionais dos jornalistas,a forma como eles recolhem,seleccionam e editam notícias? De

que forma contribuem para o reforçodo jornalismo cívico e promovemuma maior participação dos cidadãosou das ONG’s como fontes deinformação e sujeitos de notícia?

Os autores insistem nanecessidade de uma perspectiva“holística e multi-dimensional” paracompreender o jornalismo e, nessamedida, nunca caem na tentação dereificar a tecnologia, colocando-a nocentro do processo de mudança.

As perguntas são vibrantes, asexpectativas enormes mas asconclusões...frustrantes. Daí adesignação de “velhas notícias” paraclassificar, genericamente, osconteúdos gerados pela maior partedo jornalismo online.

As investigações parcelares aquidesenvolvidas desmitificam a ideiade que a internet, ao criarum espaço ilimitado, setraduz em mais notícias.Desconstroem a assumpçãoda sua capacidade paraligar “comunidades deinteresse”, separadas pelageografia, criando assimuma maior participaçãopolítica. Questionam osganhos associados àvelocidade insuflada noprocesso informativo,quando a tendência é paraincorporar a facilidade de acesso àinformação num jornalismo cada vezmais sedentário que, pouco a pouco,vai perdendo o (saudável) hábito desair da redacção para ir investigar osfactos.

A visão dominante que emerge éuma utilização massiva mas limitadada internet pelos jornalistas, vistacomo um meio que permite “dizerrápido e curto” (a expressão originalé “speed it up and spread it thin”),sacrificando alguns dos valores daprofissão, como a verificação préviadas informações e a busca primordialpor material original. A impressãogeral é tão negativa que algunsautores falam mesmo na substituiçãodo jornalismo pelo “churnalism”(um termo inventado para designar

a mistura de informação pré-feita eincessantemente reciclada via Web) edos jornalismo por “robohacks”(espécie de “piratas robotizados”).

Outra constatação aponta para aperda (definitiva?) do papel dojornalista como um comunicadorcom um estatuto privilegiado paraaceder e controlar o fluxo noticioso.A proliferação de plataformas e afragmentação dos públicos obriga apensar a entidade do público nãocomo uma construção monolítica(todos iguais e a procurarem asmesmas coisas), mas como umamultiplicidade de públicos,conectados por alguns pontos chave.

Se os jornalistas souberemencontrar e promover esses pontosde ligação, utilizando a linguagemmultimédia de forma criativa,

verdadeiramenteconvergente e criandonovas narrativas paraatingir novos públicos,então o jornalismoonline pode vir aoferecer uma visão domundo maiscontextualizada,“texturada” e diversa doque aquela que éveiculada através dosmedia tradicionais.

Numa paisagem digitalcolonizada pelas lógicas databloidização, do entretenimento eda personalização – eternas versõesdo “daily me” – ainda há espaçopara o jornalismo tal como odesejamos, isto é, um discursomarcada pela sobriedade, pelaobjectividade (do método e nãonecessariamente do autor, comorecordam Tom Rosenstiell e BillKovach em Os Elementos doJornalismo) e pela exposição racionalde argumentos relevantes?O livro responde pela positiva, mas émais um manifesto e um apelo do queuma conclusão retirada pelas análisesno terreno, onde as “forças inimigas”,como a personalização, adramatização, a simplificação e apolarização, navegam bem vorazes.

Jornal|Livros

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Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

http://twitter.com/acarvin

A ‘twittar’ a revolução árabe

Étalvez o exemplo de maiorimpacto, até ao momento, deutilização do Twitter para

acompanhamento de um assunto degrande relevância internacional.Andy Carvin, responsável pelaestratégia para as redes sociais daNPR, a rádio pública americana,gastou, nos últimos meses, umamédia de 16 horas diárias a cobrir aonda de revolta no Médio Oriente eNorte de África, através demensagens no Twitter. Enviou umamédia de 400 mensagens por dia,vistas por mais de 30 mil seguidores.

Carvin tem mais de 1600 fontes.São outros jornalistas residentes no mundo árabe eligados à Internet, participantes nas revoltas, membrosde organizações e utilizadores das redes sociais em geral.Escreve mensagens próprias e reenvia as de outros,inclusive da concorrência. Selecciona, entre a profusãode notícias sobre o dominó árabe, as informações que lheparecem mais relevantes. Usa o Twitter para informar epara produzir a informação. Pede voluntários paralegendar vídeos e faz perguntas quando lhe faltamdados. A que mais repete é: “e qual é a fonte?”, porque,afirma, não faz mais do que “jornalismo, apesar de ser narede”. Tem, pois, de verificar a informação que recebe.

O processo de partilha de informação acontece emqualquer lado, no posto de trabalho ou em casa. “ Nãoimagina a quantidade de ‘tweets’ que se pode enviarenquanto está alguma coisa ao forno”, afirmou Carvim,numa entrevista à The Atlantic(www.theatlantic.com/technology/archive/2011/02/curating-the-revolution-building-a-real-time-news-feed-about-egypt/71041).

As fontes de Carvin no Twitter não apareceram poracaso. Começou a reuni-las durante uma viagem aTunes, em que conheceu “bloggers” locais. Depoisexpandiu-as. Este conceito de transmissões eretransmissões de “tweets” em directo e de “live-blogging” tem já alguns anos. Robert Mackey(http://twitter.com/RobertMackey#) acompanhou asmanifestações no Irão, em 2009, de forma semelhante,utilizando o seu blogue The Lede, no New York Times

(http://thelede.blogs.nytimes.com). Opróprio Carvin cobriu as eleiçõespresidenciais americanas, em 2008,com o apoio de cidadãos e ouvintesda NPR. A rádio pública americana,com 860 emissoras locais e 1,5milhões de seguidores no Facebook,tem nas redes sociais um manancialque é aproveitado pelos seusrepórteres.

Curioso é o facto de Andy Carvinutilizar o seu canal pessoal noTwitter, e não o da NPR, para acobertura das revoltas árabes. “Osleitores têm uma relação diferentecom as contas institucionais e com as

contas pessoais. As instituições são vistas comoimpessoais, enquanto que a minha conta é só minha, e aspessoas assumiram que era essa a conta [do Twitter] quedeviam seguir. Quando tenho qualquer questão paracolocar, as pessoas respondem-me rapidamente porquesabem que sou eu”, explicou ao El País.

Curiosa também é circunstância de terem começado,entretanto, a aparecer seguidores a oferecerem-se parafazer donativos, em agradecimento pelo trabalhodesenvolvido. Carvin recusou as ofertas a título pessoal,mas canalizou-as para as emissoras locais da NPR, eabriu um canal no Twitter para esses donativos.Merchandising alusivo ao canal de Andy Carvincomeçou igualmente a ser vendido. E já se ouviramvozes a pedir uma nova categoria dos Pulitzer quepremeie os melhores desempenhos de “live-blogging”.

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www.233grados.com/blog/2011/03/diez-claves-para-entender-el-new-york-times-de-pago.html#more

Quem quer pagar O New York Times?

Depois de uma experiência falhada de dois anos,com o TimesSelect, o New York Times(www.nytimes.com) volta a apostar num modelo

de pagamento dos seus conteúdos digitais, por partedos seus leitores. Mas não todos, como veremos. Entre2005 e 2007, o jornal fez-se pagar pela disponibilizaçãode conteúdos premium, como os textos dos colunistas,mas o modelo afastou leitores e anunciantes, obrigandoo diário a recuar. Agora, voltou-se a um esquema desubscrições variáveis, conforme as plataformas que oassinante pretenda utilizar – mais barato tratando-se deum acesso ilimitado simples ao “site” do NYT, ou maiscaro para quem deseje o pacote completo, com acessovia smart phones ou iPad –, e foi implantada uma“paywall”, um “muro” que se ergue a um não subscritorque tente entrar no “site” para além das 20 visitasmensais gratuitas a que todos têm direito.

O modelo está a ser seguido com atenção porpublicações de todo o mundo. Sobretudo por se tratar deuma solução original e, aparentemente, um poucoobtusa. É que, como se referiu, nem todos têm de pagar.Os leitores fiéis, aqueles que se dirigem directamente ao“site” para ler as notícias do NYT, são os que têm de seconfrontar com a “paywall”. Os consumidoresesporádicos de informação produzida pelo diário nova-iorquino, aqueles que acedem aos seus conteúdosgeralmente através de motores de pesquisa ou seguindoos “links” de agregadores de notícias ou de redes sociais,como o Twitter (www.233grados.com/blog/2011/03/una-cuenta-en-twitter-burla-el-muro-de-pago-del-ny-times.html) ou o Facebook, não têm quaisquer limites deacesso. Parecendo incompreensível, a estratégia procurareforçar receitas a dois níveis, com subscritores e

publicidade. Em primeiro lugar, o diário acredita que osistema atrairá novos assinantes que preferirão pagar ojornalismo de qualidade do NYT, em vez de mudarempara outro jornal ou outros “sites”. Segundo, o modelotem em conta que mais de metade dos consumidores de“sites” de informação entram nas notícias pelaschamadas “portas laterais”, ou seja os motores de busca,os agregadores e, em especial, as redes sociais. A ideia denão limitar o acesso ao NYT por estas vias é, pois, evitarque a “paywall” leve muita gente a deixar de fazerligações para o “site” do Times, para não frustrar os seusamigos nas redes sociais. Em síntese, é uma solução quetem em consideração a importância da distribuição“online”. Mas que tenta equilibrar quantidade equalidade. Os anunciantes na Internet precisam dereferências. Uma delas, que vem crescendo deimportância, é, justamente, o número de pessoas queacedem a um “site”. Sendo uma das formas de medição orastreio do tráfego que chega através de recomendaçõesnas redes sociais. Outra referência é a lealdade de umutilizador. Quantos artigos lê, o que lê e o que é possívelsaber dele. Neste ponto, o novo sistema de subscriçõesdo NYT é fundamental, porque permite juntar essainformação referente aos assinantes, que interessa aosanunciantes, sem sacrificar o outro critério importantepara a captação de publicidade, ou seja o tráfegoilimitado que continua a chegar através das redes sociais.

Por cá, o Público também ensaia um modelo deconteúdos pagos (http://publico.pt/Media/publico-lanca-epaper-e-mais-conteudos-exclusivos-para-o-assinante-digital_1485717). Para seguir com atenção, num tempo emque a “ideologia” da gratuitidade, na Internet, aindaparece longe de se desvanecer.

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Jornal|Sites

www.theblizzard.co.uk

Pague o que quiser

Ojornalista britânico Jonathan Wilson lançou arevista de futebol The Blizzard sem preço decapa. O leitor paga por esta revista trimestral

aquilo que entender que ela merece. A única condição éaceitar pagar um mínimo que cubra os custos deprodução da revista. A fasquia acima da qual cada umdá o que quer é de 30 libras pela assinatura anual pararesidentes no Reino Unido; 40 libras para residentes naUnião Europeia; e 50 libras para assinantes fora daUnião Europeia.

Esta publicação nasceu do desconforto de Wilson e deoutros jornalistas com uma realidade que vemdemonstrada no relatório The State of the News Media2011, do Pew Project For Excellence in Journalism(http://stateofthemedia.org): a escassez de recursos nasredacções, causada pelas quebras na circulação de

jornais e nas receitas publicitárias, que levaram adespedimentos, conduziu a uma situação em que cadavez se aposta menos em notícias aprofundadas. Wilsonquis, então, fundar uma publicação que trouxesse “peçascom profundidade, reportagem detalhada, história eanálise”, recusando “competir com os serviços debreaking news dos media tradicionais”. Faz também partedo ethos da revista conceder inteira liberdade aoscolaboradores – de vários países – para escolherem osassuntos sobre os quais querem escrever e o estilo emque o querem fazer.

O número zero da Blizzard foi um sucesso. Rendeuvários milhares de libras só na primeira hora que foiposta à venda, a ponto de se decidir fazer uma ediçãoimpressa, quando a ideia inicial era apenas distribui-lapela Internet num formato PDF.

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Estudantes de Jornalismo não percam! Quarenta lições – a maior parte emvídeo – sobre os mais variados assuntos: tecnologia, novos media, escritacriativa, investigação, inovação, Jornalismo de cidadãos, no fundo o estado

da arte por alguns dos maiores especialistas americanos.

www.onlineclasses.org/2011/03/08/40-important-lectures-for-journalism-students

Aulas de jornalismo ‘online’

Surgiu, no Reino Unido, uma ferramenta quepermite perceber imediatamente a probabilidadede um texto ter sido plagiado. Trata-se de um

mecanismo simples que funciona por comparação.Insere-se um bloco de texto, que se presume ter sidocopiado, e verifica-se os resultados. Uma rápidapesquisa do sistema informa sobre as eventuaissemelhanças. É mostrado o texto original e a cópia,identificada a quantidade de caracteres que coincidem eas percentagens de texto cortado e mantido. É tambémindicado o autor do texto original e a data dapublicação.

A ferramenta recebeu o nome churnalism, emreferência ao neologismo criado por Nick Davies, naobra Flat Earth News (www.amazon.com/Flat-Earth-News-Award-Winning-Distortion/dp/0099512688). Daviesdescreve uma “predisposição dos jornalistas paratransmitir qualquer material que lhes seja apresentado,seja real ou fictício, importante ou trivial, verdadeiroou falso”. Sendo que “churn”, em inglês, significa“remoer”, “revolver” – no caso, remoer a mesmainformação.

A churnalism só analisa textos da imprensa nacionalbritânica.

http://churnalism.com

À caça de ‘churnalistas’

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INMEMORIAM David Lopes Ramos

Ilustração de André Letria, para um texto de DavidLopes Ramos sobre a Lampreia, publicada narevista Tempo Livre n.º 212 (Fevereiro de 2010)

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Homenagem

CRÓNICA

Vinhos & petiscos crítica e críticos

Nisto da crítica gastronómica, especialidade jornalística de vinhos &petiscos, e como é costume da nossa terra, são mais as vozes do queas nozes. Enganam-se redondamente os que pensam — emboratenham a delicadeza de não o dizer — que têm uma vidinharegalada os que nos jornais escrevem sobre restaurantes, vinhos e

correlativos. Por todos, que somos pouquinhos, pouquinhos..., responde o mais antigo e melhor

de nós, o José Quitério, do “Expresso”, que costuma desabafar perante algumassituações, que não são tão raras como isso: “As companhias de seguros deviam criar,para nós [críticos gastronómicos], um seguro de vísceras”. Tem toda a razão. E dou debarato as vacas loucas, que neste caso os donos dos restaurantes são tão vítimasquanto nós todos somos.

Dito isto, vale também a pena esclarecer que os críticos gastronómicos — pelomenos aqueles com quem me ralaciono e considero, os quais, repito, são pouquinhos,pouquinhos... — não passam a vida a comer e a beber em patuscadas oferecidas,como, uma vez ou outra, se ouve rosnar por aí.

Aprendi com o José Quitério a fazer assim: marcar o restaurante, onde se vai sem avisarpreviamente, em nome de outra pessoa; fazer as provas acompanhado, sempre que tal sejapossível; fazer mais do que uma refeição em dias diferentes e ao almoço e jantar;comportar-se discretamente; pagar em dinheiro que, com cartões de crédito, pode ser-seidentificado; colher o máximo de informação sem dar nas vistas; pagar sempre as refeições,mesmo naqueles casos, que são raros, em que se é conhecido dos donos ou dos cozinheirosdos restaurantes. Quanto a vinhos só escrevo sobre os que compro nas mesmas condições

Morreu David Lopes Ramos. Um profissional probo e rigoroso, umhomem sério e íntegro, um cidadão atento e empenhado, umnotável cronista especialmente numa área que com ele e poucos maisconquistou uma dignidade que não tinha. Mas que dizia, recusando a“especialização”: “O que eu sou é jornalista. E um jornalista dáinformações aos leitores. O máximo de informações.”Em jeito de homenagem, aqui fica um texto, a vários títulos precioso,que a nosso pedido escreveu para a JJ, publicado no nº 5, deJaneiro/Março de 2001.

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que qualquer outro consumidor o pode fazer. Claro que há produtores que me mandamvinhos para provar. Aceito-os, mas os produtores já sabem que só escreverei eventualmentesobre eles quando chegam ao mercado e apenas sobre aqueles que posso comprar. Nosserviços de contabilidade do PÚBLICO são entregues as contas dos restaurantes, de lojasde vinhos e de super-mercados, que poderão servir de prova do que fica escrito.

Há, como se depreende, na minha forma de encarar a crítica gastronómica, umafortíssima componente informativa. As colunas de restaurantes e vinhos que assinoagora no Fugas, suplemento que acompanha a edição de sábado do PÚBLICO, têm apreocupação, antes de mais, de passar informações aos leitores. Porque o que sou há25 anos é jornalista, um jornalista generalista, que sempre fugiu da especialização,tanto mais que, entre nós, quem diga ou escreva duas tretas seguidas sobre umassunto, passa a ser considerado um especialista. Embora seja por aí consideradoassim por alguns, não sou tal. O que eu sou é jornalista. E um jornalista dáinformações aos leitores. O máximo de informações.

Para mim, tudo começou no falecido “o diário”. Saía muito em reportagem por essepaís fora, falava com muita gente... Antes de prosseguir devo dizer, embora se adivinhe,que, desde que me conheço, gostei sempre e muito de comer, primeiro, e aprendi maistarde também a gostar de beber vinho. Na minha família, como em todas as famíliasremediadas portuguesas, valorizou-se sempre muito a comidinha: a de todos os dias,

que nos sustenta o canastro, e a das festas, jornadas de abundância ealegria. Falava com muita gente, gente que me dava informações sobreos petiscos das suas terras e, quase sempre, mos dava a provar. Foiassim que tive oportunidade de conhecer algumas das jóias do nossoartesanato culinário: as alheiras, presuntos, salpicões de Bragança,Montalegre e Vinhais, bem como a posta de vitela barrosã; uma migado lagar, na região de Nelas; uma feijoada de buzinas, em Lagos; aspapas de sarrabulho e os rojões minhotos; as falachas transmontanas; opaio branco de Campo Maior e a sericaia; a sopa de beldroegasalentejana; as túberas e o catalão de Barrancos... e por aí fora.

Deliciava-me e recolhi muita informação, que juntei a outra que encontrava emlivros que lia e leio com um prazer enorme. Um dia concluí que deveria partilhar comos leitores as memórias e a informação que possuía. Isto sucedeu, penso que em 1987.O ambiente começava a ser favorável à publicação destes temas nos jornais. A colunaque José Quitério fundara no “Expresso”, em 1976, tornara-se, rapidamente, numareferência, idem para o “Jornal de Vinhos”, que acompanhava a edição do também jáfinado “O Jornal”. Até à minha saída de “o diário”, em Agosto de 1989, assinei, nosuplemento da edição de domingo, uma coluna que se chamava “Cozido àportuguesa”, complementada com “Sopa de letras”, em que transcrevia trechos deautores portugueses sobre vinhos & petiscos. No “Cozido à portuguesa” escrevi sobrecomidas e vinhos portugueses, mas nunca fiz crítica de restaurantes. Como se adivinhapelo que acima escrevi, a crítica de restaurantes, se feita de forma rigorosa, fica cara aosjornais que a publicam. E “o diário” vivia já uma profunda crise económica. Por isso,nunca propus à direcção do jornal fazer crítica de restaurantes. De qualquer modo, foiem “o diário” que ganhei os galões de especialista em vinhos & petiscos. Não estranhei,por isso, que, quando Vicente Jorge Silva me convidou para integrar a equipa defundadores do PÚBLICO, me tenham proposto, entre outros trabalhos, o da crítica devinhos, primeiro, e de restaurantes, mais tarde. Aceitei com gosto. E assim memantenho. O tema tem, entretanto, cada vez mais relevância. Tornou-se uma moda.Eu, que não sou muito de modas, costumo dizer que esta é uma moda boa. Emboranão me dê só alegrias. A minha filha Joana, que condescendia em, por vezes, aceitaralguns dos meus convites para ir a restaurantes e que me levou à descoberta dasurpreendente comida japonesa, agora responde-me: “Mas é para escreveres? Se é paraescreveres, não vou. Ficas muito sério, quase não falas... Não vou.”

Como eu a percebo. Se fosse eu, também não ia. David Lopes Ramos

INMEMORIAM David Lopes Ramos

O tema tem cada vezmais relevância.Tornou-se uma moda.Eu, que não sou muitode modas, costumodizer que esta é umamoda boa.

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