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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 2672 A IMPRENSA LUSITANA E SUAS CONEXÕES COM O BRASIL: A EDUCAÇÃO NACIONAL E O NACIONALISMO CATÓLICO EM PORTUGAL (1927-1930) 1 Mauro Castilho Gonçalves 2 O presente estudo pretende compreender a atuação de António Simões Ferreira Figueirinhas (1864-1945) na condição de intelectual da imprensa periódica lusitana, desde um veículo específico (Educação Nacional), num espaço temporal demarcado (segunda metade da década de 1920), na confluência entre o pensar e o agir, com atenção direcionada aos seus grupos de pertencimento e as redes de convivência que criou (SIRINELLI, 2003). Ator do político (RÉMOND, 2003; ROSANVALLON, 2010), Figueirinhas atuou no campo da educação escolar, na imprensa educacional e na editoração de livros dedicados ao professor primário (BARREIRA, 2015). A partir de referenciais do catolicismo oficial em voga e nas orientações mais gerias da Ação Católica (GRAMSCI, 2011), atento à movimentação cultural e política do Integralismo Lusitano e ligado ao grupo que gravitava em torno de Antônio Oliveira Salazar (GONÇALVES, 2016), esse livreiro do Porto instituiu uma base sólida de produção de ideias e atuação, consubstanciada na longevidade do periódico que dirigiu e nas relações com o poder estatal, que nunca abandonou. Algumas perguntas norteiam o estudo em questão: de que forma e a partir de quais propósitos, Figueirinhas apropriou-se da imprensa como canal de produção de ideias e atuação política? Como se fez liderança, junto ao professorado lusitano, a partir do periodismo? Integrava, portanto, o universo das elites culturais (SIRINELLI, 1998) e dos intelectuais lusitanos? No Dicionário de Educadores Portugueses, dirigido por Nóvoa (2003), há uma referência que motivou a pesquisa em epígrafe. O livreiro do Porto esteve no Brasil em 1929 e, sua estada, resultou na publicação de um relatório de viagem no jornal que dirigia e, posteriormente em livro, editado por sua Casa Editora. Intitulado Impressões sobre a instrução no Rio de Janeiro e São Paulo, o conteúdo tornou-se fonte preliminar para 1 Pesquisa realizada com o apoio do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, sob a supervisão do Prof. Dr. Justino Pereira de Magalhães. 2 Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP e docente da Universidade de Taubaté, SP. E-Mail: <[email protected]>

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2672

A IMPRENSA LUSITANA E SUAS CONEXÕES COM O BRASIL: A EDUCAÇÃO NACIONAL E O NACIONALISMO CATÓLICO

EM PORTUGAL (1927-1930)1

Mauro Castilho Gonçalves2

O presente estudo pretende compreender a atuação de António Simões Ferreira

Figueirinhas (1864-1945) na condição de intelectual da imprensa periódica lusitana, desde

um veículo específico (Educação Nacional), num espaço temporal demarcado (segunda

metade da década de 1920), na confluência entre o pensar e o agir, com atenção direcionada

aos seus grupos de pertencimento e as redes de convivência que criou (SIRINELLI, 2003).

Ator do político (RÉMOND, 2003; ROSANVALLON, 2010), Figueirinhas atuou no

campo da educação escolar, na imprensa educacional e na editoração de livros dedicados ao

professor primário (BARREIRA, 2015). A partir de referenciais do catolicismo oficial em voga

e nas orientações mais gerias da Ação Católica (GRAMSCI, 2011), atento à movimentação

cultural e política do Integralismo Lusitano e ligado ao grupo que gravitava em torno de

Antônio Oliveira Salazar (GONÇALVES, 2016), esse livreiro do Porto instituiu uma base

sólida de produção de ideias e atuação, consubstanciada na longevidade do periódico que

dirigiu e nas relações com o poder estatal, que nunca abandonou.

Algumas perguntas norteiam o estudo em questão: de que forma e a partir de quais

propósitos, Figueirinhas apropriou-se da imprensa como canal de produção de ideias e

atuação política? Como se fez liderança, junto ao professorado lusitano, a partir do

periodismo? Integrava, portanto, o universo das elites culturais (SIRINELLI, 1998) e dos

intelectuais lusitanos?

No Dicionário de Educadores Portugueses, dirigido por Nóvoa (2003), há uma

referência que motivou a pesquisa em epígrafe. O livreiro do Porto esteve no Brasil em 1929

e, sua estada, resultou na publicação de um relatório de viagem no jornal que dirigia e,

posteriormente em livro, editado por sua Casa Editora. Intitulado Impressões sobre a

instrução no Rio de Janeiro e São Paulo, o conteúdo tornou-se fonte preliminar para

1 Pesquisa realizada com o apoio do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, sob a supervisão do Prof. Dr. Justino Pereira de Magalhães.

2 Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP e docente da Universidade de Taubaté, SP. E-Mail: <[email protected]>

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entender o envolvimento pessoal e profissional de António Figueirinhas com a imprensa

periódica.

A incursão analítica que realizamos em periódicos de cariz integralista em Portugal3,

afim de detectar conexões possíveis desta orientação com intelectuais católicos brasileiros na

década de 1920, relacionou o nome de Figueirinhas à causa do nacionalismo católico e a

setores do integralismo lusitano. Os principais periódicos criados por este movimento, com

suas bases em Lisboa, no Porto e Guimarães, citavam, com destaque, as iniciativas editoriais

de Figueirinhas (GONÇALVES, 2016).

A atuação de Figueirinhas no periodismo português foi longa e constituída de ápices e

crises. Não foi diferente no campo da produção editorial (NOVOA, 2003; BARREIRA, 2015).

Por essa razão, optou-se por uma demarcação temporal mais restrita, que contempla o final

da década de 1920, mais precisamente entre os anos de 1927 a 1930. Além disso, há algumas

motivações adicionais: foi nesse momento que Figueirinhas visitou o Brasil e Antônio de

Oliveira Salazar consolidou-se como o chefe maior de Portugal, na gênese do Estado Novo.

António Figueirinhas: o sujeito e suas circunstâncias

Com a morte de António Figueirinhas (1945), um grupo de amigos organizou uma

efeméride4 em homenagem ao editor e livreiro do Porto. Tratava-se, à época, de imortalizar o

nome do “notável pedagogo e homem de ação (Editorial, p. 5). Na confluência entre a história

e a memória da escolarização primária lusitana, da imprensa educacional e da atuação

político-doutrinária de Figueirinhas, a plêiade que participou proximamente, ou de forma

mais difusa e indireta, da vida deste intelectual, intentou produzir um lugar de memória.

Denominado “um dos maiores apóstolos da instrução” (p. 7), Figueirinhas era próximo

de Aníbal Valdez de Passos e Sousa, general e antigo diretor geral do Ensino Primário e

Normal. O título que Passos e Sousa confere ao seu texto na efeméride é emblemático: “O

3 São eles: Nação Portuguesa (Lisboa), Vasco da Gama (Lisboa), Integralismo Lusitano – Estudos Portugueses (Lisboa) e Gil Vicente (Guimarães). Além dessas revistas, o jornal católico A Ordem, do Porto também foi objeto de análise. Outra fonte que mereceu destaque foi a efeméride intitulada À memória de António Figueirinhas – 1865-1945 – Preito de homenagem dum grupo de amigos, editada pela Casa Editora Figueirinhas. O material empírico foi pesquisado na Biblioteca Nacional de Portugal, exceto o jornal A Ordem, cujo arquivo localiza-se na Casa D’Alvarez, na cidade do Porto.

4 À memória de António Figueirinhas – 1865-1945. Preito dum grupo de amigos por iniciativa de A. Figueirinhas Lda. Porto, maio de 1945. As referências a esta obra, no corpo do texto, estarão grafadas entre aspas, com a indicação do termo Efeméride e a respectiva página.

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mais competente e dedicado colaborador da Ditadura Militar5 no problema da difusão do

ensino primário” (p. 11). O general deixa explícita a colaboração de Figueirinhas ao regime:

Estava-se em plena Ditadura Militar e aparecimento como Diretor Geral do Ensino Primário e Normal de um militar, causou desconfiança e afastamento em muitos que julgavam o recém-nomeado disposto somente a implantar nos serviços, que ia chefiar, um regime de disciplina, senão mesmo de rigor e intolerância (...) Quis um amigo comum que estabelecesse relações com António Figueirinhas, cuja entusiástica ação em defesa do ensino popular eu já conhecia pela “Educação Nacional”. Essas relações estreitavam-se pouco depois e assim se mantiveram sempre (...) De António Figueirinhas recebeu a Direção Geral do Ensino Primário e Normal apoio firme, esclarecimentos competentes, precisos e sensatos (...) Assim colaborou na obra que a Ditadura Militar quis efetuar no Ministério da Instrução Pública; assim facilitou a minha ação durante a permanência que tive no Ministério (Efeméride, p. 11-12).

O golpe, articulado contra a República em crise, em 1926, foi instado por um conjunto

heterogêneo de forças políticas: desde republicanos reformistas aos integralistas, defensores

da restauração monárquica, que idealizavam uma sociedade fundamentada nos princípios

católicos e no retorno à era medieval. As forças armadas, igualmente divididas, tentaram

aglutinar os elementos díspares. Aos poucos, a figura de Antônio Salazar, intelectual oriundo

dos quadros acadêmicos de Coimbra, católico convicto, aparece na cena política. As idas e

vindas e os conflitos entre facções variadas, caracterizaram esse momento político lusitano

(MENESES, 2011).

No cadinho efervescente da política, dimensão intrínseca do político, Figueirinhas e seu

grupo, articulado e partícipe do cotidiano do periodismo, por meio da ação deliberada e

consciente no interior do jornal Educação Nacional, elegeram a instrução popular e do

associativismo docente bandeiras da crítica ao status quo educacional português, mas nunca

perdendo o apetite com o cardápio oferecido pelo Estado, em diferentes fases de sua

trajetória como liderança jornalística e educacional.

O envolvimento de António Figueirinhas com a imprensa vinha de longa data. Desde os

tempos de estudante, participou ativamente de jornais, fundando, no início da carreira, O

Lafões e O Porto. Porém, o ano chave foi o de 1896, ocasião em que fundou o seu principal

semanário: Educação Nacional (NÓVOA, 2003).

Sininelli (1998) afirma que, desde o final do século XIX, ocorreu uma alteração

importante no panorama da produção cultural, em razão, especialmente, de mudanças em

todos os âmbitos do político: ferrovias, que modificaram o panorama geográfico, incremento

5 Sobre o período da ditadura militar, regime que Salazar e a hierarquia católica portuguesa tiveram uma participação ativa, conferir os estudos de Meneses (2011) e Simpson (2014).

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da produção editorial, o aumento substantivo da imprensa cotidiana, entre outras alterações

de grande porte. Neste cenário de transformações, o intelectual surge como ‘figura da cena

política” (SIRINELLI, 1998, p. 263).

Figueirinhas era parte integrante desse fértil campo intelectual, em pese a força das

“camadas de chumbo” (GRAMSCI, 2011) ainda muito presentes em Portugal naqueles

tempos (final do XIX e início do XX). Esse cenário não inviabilizou a ação das elites culturais6

lusitanas no incremento da imprensa cotidiana e da produção editorial.

O próprio Figueirinhas criou, além do seu jornal, uma editora que publicou um

significativo rol de livros escolares (BARREIRA, 2015). Sua atuação no âmbito editorial

ultrapassou a esfera escolar. A Casa Editora Figueirinhas traduziu autores estrangeiros para

língua portuguesa, com destaque aos catecismos e livros de pedagogia7, bom como a obra de

Orison Swett Marden (1850-1924), escritor, médico e empresário americano, precursor do

chamado Movimento do Novo Pensamento, fundamentado em crenças metafísicas que

articulavam Filosofia e Teologia8.

Dentre as obras de Marden traduzidas e publicadas pela editora de Figueirinhas,

destacam-se: A influência do optmismo e da alegria na saúde física e moral (1923); Os

milagres do amor (1924); Sê perfeito em tudo que fizeres (1924); A atitude vitoriosa(1925);

A alegria de viver ou meio de penetrarmos o segredo da felicidade (1925); A mulher e o lar

(1925); Aperfeiçoamento individual (1926); A formação do caráter (1927); Esforço e

proveito (1929).

Na linha temática privilegiada pelo médico americano, Figueirinhas publicou, em 1922,

um manual dirigido às crianças e jovens intitulado Civilidade, argumentando que “a falta

sensível dum compêndio de Civilidade para crianças e jovens determinou-me a organizar este

livrinho” (FIGUEIRINHAS, 1922). Consta do manual uma longa lista de orientações

vinculadas à higiene, moral, civismo e religião.

O catolicismo marcou a formação pessoal e profissional de Figueirinhas. A formação

em Teologia no Seminário de Viseu e sua relação próxima com a hierarquia católica, lhe

6 O conceito de “elites culturais” está, neste artigo, fundamentado nas contribuições de Sirinelli (1998): “Porque sempre é possível propor uma definição empírica de um homem de cultura. Sob esta classificação podem estar reunidos tanto os criadores como os ´mediadores´ culturais (...) As elites culturais tomam a cor dos debates cívicos, mas também contribuem para lhes dar os seus tons” (Sirinelli, 1998, p. 261; 265).

7 Um deles, bem conhecido nos meios católicos portugueses, foi o do abade francês René Bethléem intitulado Catecismo da Educação, publicado no ano de 1927. O trabalho de Figueirinhas com traduções vinha de longa data. No início do século XX, traduziu e adaptou Lições de Pedagogia, do pedagogo L. Chasteau, dirigido para alunos das escolas normais, reeditado no final dos anos de 1920.

8 Localizamos na Biblioteca Nacional de Portugal uma extensa bibliografia de Marden, traduzida pela Casa Editora A. Figueirinhas. A divulgação da obra deste intelectual americano continuou mesmo após a morte de António Figueirinhas. Pretendemos, num futuro próximo, examinar com mais acuidade essas conexões.

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rendeu subsídios teóricos e práticos para atuar no campo da imprensa. Seu principal

semanário, Educação Nacional, teve vida longa, com algumas interrupções, que não

comprometeram a inserção de Figueirinhas nos meios políticos e eclesiásticos lusitanos

(NÓVOA, 2003; BARREIRA, 2015).

Figueirinhas, apesar de seu vínculo político com grupos estatais e eclesiásticos, não

mediu esforços para defender a sua principal causa cultural e comercial: o negócio dos livros

escolares e a divulgação do seu legado editorial. Para Nóvoa (2003), o que definiu a atuação

do livreiro do Porto, foi sua insistência em consolidar-se no mercado dos livros: primeiro com

a Cassa Editora e Livraria A. Figueirinhas, mais tarde com a Empresa e Livraria Educação

Nacional.

Sua viagem ao Brasil, em visita às cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, sinalizou seu

vigor editorial e a necessidade de divulgar seu negócio de maneira atingir “novos mercados”.

Seu relatório foi publicado no semanário9, sob sua direção, em várias edições e, em 1929,

editado em livro por sua própria editora. Intitulou Impressões sobre a instrução no Rio de

Janeiro e São Paulo. Na apresentação, Figueirinhas deu o tom de sua empreitada:

Em propaganda literária, fui ao Rio de Janeiro e S. Paulo, onde demorei o tempo preciso para que o barco que viajei – General Osório – fosse à Argentina e regressasse. Aproveitei o melhor possível esses breves dias, no desempenho melhor da minha missão, sobrando-me ainda alguns dias, que dediquei a visitas a escolas primárias e normais das duas cidades. Na Educação Nacional expandi as impressões ligeiramente colhidas nessas visitas, impressões que no nosso meio pedagógico, despertaram grande interesse. (FIGUEIRNHAS, 1929, p. 1, grifo do autor)

Alguns temas foram privilegiados por Figueirinhas em seu relatório de viagem que,

como afirmado, foi publicado, na íntegra, nas edições do seu semanário. Como um “homem

das letras”, o livreiro do Porto, reconhecia a força ativa do periodismo na divulgação e na

formação da opinião pública. Numa das edições de 1930, asseverou sobre a função política e

cultural da imprensa, iluminado pelas palavras do escritor, poeta e dramaturgo francês, Vitor

Hugo (1802-1885):

A imprensa é a força porque é a inteligência. É o clarim vivo da humanidade; toca alvorada dos povos, anunciando em voz alta o reinado do direito (…) a imprensa é a santa e imensa locomotiva do progresso que leva a humanidade para a terra de Chanaan, a terra futura onde não haverá em torno de nós senão irmãos, e, por cima de nós, o céu. A Imprensa é a voz do mundo, é o dedo indicado do dever, é o terror do traidor e do covarde. Por isso os maus a perseguem. De todos os círculos, de todos os esplendores do espírito humano, o mais largo é o da Imprensa; seu diâmetro é o diâmetro da

9 Jornal Educação Nacional.

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civilização. Falar, escrever, imprimir e publicar são círculos sucessivos à inteligência ativa, são as ondas sonoras do pensamento. (Educação Nacional n. 151, 19 jan. 1930, p. 15)

Com o seu relatório de viagem publicado em Educação Nacional e editado em livro,

Figueirinhas, além do seu interesse em ampliar de maneira transnacional o seu negócio,

apostou na divulgação de alguns temas que, para ele, eram centrais no campo da educação

escolar. Em sua agenda de viagens, elogiou os projetos higienistas da Inspetoria da Educação

Sanitária e Centro de Saúde de São Paulo que

tem um poderoso influxo nas camadas populares, difundindo conhecimentos e práticas de higiene (...) As comemorações do ‘Dia da Saúde’ e da ‘Semana anti-alcoólica’, levando-se a efeito concursos de robustez e um de eugenia (...) A de educação física e escotismo vai estendendo a sua ação a todas as escolar do Estado, aplicando com êxito os métodos preconizados pela eugenia nacional. (FIGUERINHAS, 1929, p. 7; 13)

A política de nacionalização das escolas estrangeiras levado a cabo pela Diretoria Geral

da Instrução Pública paulista, também recebeu críticas elogiosas: “especial destaque o

movimento de nacionalização empreendido pela direção desse ensino”. (FIGUEIRINHAS,

1929, p 12). O autor referia-se à expansão do ensino particular no estado de São Paulo e

estratégia das autoridades educacionais de expandir uma orientação nacionalista à rede

escolar.

Não deixou de registrar e relacionar a imprensa com o “índice de civilização” que,

segundo ele, se expandia por São Paulo: “para mim, um dos maiores índices de civilização

dos povos é a sua imprensa (FIGUEIRINHAS, 1929, p. 14). Disse ter lido os principais jornais

capital paulista e os informes sobre instrução. Numa livraria, se apresentou a Lourenço Filho,

“um dos mais cintilantes e bem apetrechados espíritos que no campo pedagógico tenho

logrado encontrar” (FIGUEIRINHAS, 1929, p. 19) e, em entrevistas à imprensa local,

recusou-se a abordar a situação da instrução em Portugal. Magoado, afirmou:

Um grande diário convidou-me para escrever sobre a Instrução em nossa terra. Prefiro aqui fazer as lamentações, e declinar a honra do convite. A escrever, tinha de dizer a verdade; mas essa verdade fazia-nos corar, porque a língua portuguesa não tem palavras doces para exprimir ideias amargas. (FIGUEIRINHAS, 1929, p. 76)

Esse sentimento negativo demonstrado por Figueirinhas pode ser compreendido à luz

dos imbróglios e tensões que viveu com as autoridades lusitanas da Instrução. Publicou, em

1930 e 1931, respectivamente, “O último concurso de livros primários” e “Carta aberta ao

Exmo. Sr. Ministro da Instrução”, duas separatas do jornal Educação Nacional. Em ambas as

exortações expôs sua frustração em relação à política de concursos de livros didáticos para a

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escola primária. Na ocasião, seus livros e aqueles publicados por sua empresa, foram

rejeitados pelo Ministério. Eram acusados de erros no conteúdo e na forma.

Em sua estada no Rio de Janeiro, Figueirinhas não deixou de, estrategicamente, tratar

do intercâmbio de livros entre os dois países. Numa investida comercial e cultural, o livreiro

do Porto estava atento ao que ocorria nesse mercado, ao expor uma marca da rejeição sentida

em sua terra natal:

O intercâmbio de livros, esse é que se há de estabelecer, tornando-se em breve uma realidade. É preciso que Portugal conheçam distintos escritores e magníficos poetas brasileiros, bons cultores da língua e excelentes filólogos. O Brasil não se pode avistar através dum ou outro escritor azedo, dum ou outro jornal chauvinista. E ai de nós se lá enxergassem Portugal através do mesmo prisma (...) Nem num país nem no outro se deve levar em linha de conta qualquer voz destoante e magoadora do brio de cada um. (FIGUEIRINHAS, 1929, p. 110-111)

Ao visitar o Brasil e algumas das experiências políticas e pedagógicas coordenadas por

lideranças de tendências variadas do movimento da Escola Nova, Figueirinhas não deixou de

destacar o contributo de Francisco Campos, liderança educacional de Minas Gerias. Dedicou

31 páginas do relatório (todas elas, como já afirmado, publicadas em série pelo jornal

Educação Nacional), ao registro de suas observações, incluindo, na íntegra, uma conferência

do Presidente do estado dirigida ao Congresso Mineiro. Atento ao mercado de livros e de

materiais didáticos, ressaltou o investimento mineiro nestes setores: edição de livros

escolares, caixas de giz, mapas e globos geográficos, quadros negros etc. Destacou

dispositivos e aspectos da regulamentação do ensino em Minas Gerais, particularmente no

aspecto relativo à formação de professores nas Escolas Normais que, segundo ele, o estado

mineiro era representativo e paradigmático.

A curta estada de Figueirinhas no Brasil, que resultou num longo e detalhado relatório,

publicado na íntegra em seu veículo de imprensa em Portugal, pode ser compreendida à luz

de algumas questões relativas às circunstâncias nas quais o editor do Porto estava envolvido,

especialmente aquelas que envolvia o mercado editorial de livros didáticos lusitano, com suas

idas e vindas, e as interferências estatais nesse âmbito, provocaram em Figueirinhas reações

díspares, de apoio e crítica, sentimento que por vezes explicitou em seu relato e no corpo do

semanário que dirigia.

A ênfase dada à formação docente e ao ofício do professor primário, tema recorrente no

relatório e nas páginas de Educação Nacional, corroboram a tese de Nóvoa (2003) e Barreira

(2015), segundo a qual o tema do associativismo docente, compôs o repertório discursivo de

Figueirinhas. Nas páginas do jornal em tela, é possível localizar, para além de uma postura

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reivindicativa e militante da causa do professorado, estratégias consistentes que propuseram

a confluência entre as marcas da tradição católica, a simpatia explícita ao fascismo em voga

na Itália, o apoio indireto ao integralismo lusitano e um projeto de consolidar-se como o

principal agente do mercado de livros didáticos e de traduções em Portugal.

O problema da instrução primária e do professor deste segmento, aparecem com

evidência notória no corpo das notícias e no posicionamento dos articulistas, nomeadamente

Figueirinhas, tradicional “defensor” da causa da escola primária portuguesa e do

associativismo docente, temas que marcaram os ciclos passados de Educação Nacional. A

orientação do conteúdo veiculado versa, quase na sua quase totalidade, no papel estratégico

da instrução primária na formação básica das crianças portuguesas, pautada num ideal

civilizatório e higienista, ausente no período republicano.

O jornal tecia críticas à política de ensino primário levado a cabo pelo governo,

afirmando que

É preciso frisar bem que não é com estes programas que a escola portuguesa trará a moralidade ao país. Os programas são puramente materialistas. Não há neles o sopro moral. Metem medo na sua orientação puramente material, sem o pendor da formação do caráter. (Educação Nacional. n. 36, 6 de novembro 1927, p. 1)

Não faltam citações ao modelo implementado pelo fascismo italiano, paradigma a ser

seguido pelo novo bloco de poder, que assumiu a condução do Estado a partir do golpe de

1926, com ênfase à posterior ascensão de Salazar no comando da política. Fundamentando

tal acepção, entram no debate no jornal os temas da moral e do civismo, explicitando a lógica

adotada pelo conselho editorial e as intenções do livreiro do Porto. Numa das seções, divulga

um concurso promovido pelo governo de Mussolini para a elaboração de um “livro escolar”,

com o título “O italiano de Mussolini”, sugestivo para aqueles tempos de reforço do

paradigma nacionalista como ideal civilizatório:

O livro tem que ser a síntese do novo espírito criador, após o advento do Fascismo e deverá ser um guia para os jovens, formando a geração futura dos italianos. Deve dar aos italianos a clara visão do que deve ser um italiano, de caráter, sentimento e patriotismo. (Educação Nacional, n. 39, 27 de novembro. 1927, p.3)

As menções elogiosas ao modelo de escola primária fascista aparecem em várias

edições do semanário em epígrafe. Uma delas, de teor ufanista e adesista, imprime a natureza

política que fundamentava as discussões impetradas por Figueirinhas acerca da relevância

estratégica da escola primária na formação do caráter das crianças portuguesas e seu apoio

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em busca da tão almejada lusitanidade, perdida em tempos de domínio da república. Senão

vejamos:

A escola italiana celebrou o quinto ano do governo fascista, com galhardia, pondo em relevo a obra transformadora que a ele se deve, emergindo os seguintes pontos da sua influência colossal: a) Novos programas para a escola primária; Ensino da religião e da moral cristã; Aumento dos ordenados, com suplementos para o serviço ativo; (…) A constituição da Associação Nacional Docente do fascismo. (Educação Nacional, n. 40, 4 de dezembro de 1927, p. 2)

E, por fim, exalta o triunfo do fascismo italiano:

A Itália marcha ovante, sob a admiração do mundo (…) Os monumentos são preciosos. Ninguém desperdiça um minuto à sombra de Mussolini (...) Os governos fortes e conscientes da derrocada moral que num sopro de vendaval atravessa o mundo, vão assestando suas armas contra o esterquilinho em que a sociedade vai tombando. Vejam o que fez a Itália radiosa, salva da anarquia por Mussolini. (Educação Nacional, n. 69, 24 de junho 1928, p. 4)

O higienismo, igualmente, foi pauta de Educação Nacional. Figueirinhas e o corpo

editorial, exaltavam a necessidade de sua inclusão no ensino primário português, como forma

de suprir o erro histórico de sua supressão do currículo, lacuna que a ditadura recém

instalada deveria corrigir. Numa das edições, o livro do médico escolar José Coelho de

Andrade, Questões de higiene social, foi tratado em resenha elogiosa e, óbvio, não sobraram

críticas à “pedagogia parda” imposta pelo governo:

Os ingleses e americanos dizem-nos que é preciso menor dose de conhecimentos intelectuais, a troca de melhor educação física e de ensino obrigatório e prático de higiene. Os portugueses põem aquela de banda e nesta quase nem fala. Anda tudo às avessas. É o domínio da pedagogia parda. (Educação Nacional, n. 57, 1 de abril. 1928, p. 2)

Figueirinhas, assim como outros articulistas de Educação Nacional, seguindo uma

lógica então muito apreciada por grupos do nacionalismo lusitano, dentre eles católicos

ligados à escola de Coimbra10 e integralistas, destacaram, com ufanismo, a urgente retomada

do debate sobre as políticas ligadas à terra (ruralismo), fundamentadas numa vocação

genética dos lusitanos à cultura vinculada ao agrário, explicitando um aporte calcado no

medievo. Tal cosmovisão deveria, inclusive, ser abordada em segmentos de ensino

específicos, nomeadamente o da formação de professores:

10 Refiro-me ao grupo que gravitou em torno de Oliveira Salazar e do Cardeal Gonçalves Cerejeira, no âmbito, principalmente, da Faculdade de Direito de Coimbra. O mapeamento dessa rede de relações (e de tensões), pode ser verificado nos estudos de Meneses (2011) e Simpson (2014).

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Regresso à terra (…) É preciso que a escola Normal prepare a orientação profissional agrícola (...) Entre nós as aldeias estão desertas. O êxodo para as cidades arranca-lhes os braços que deviam prender-se à terra. O amor ela agricultura perde-se dia a dia, apra se engolfarem no enganador fulgor das cidades, onde tanta gente feliz das aldeias se torna ali desgraçada. Quem há, de novo, chamar iludidos à terra, à aldeia, ao campo? Na escola está o remédio, quando a souberem orientar, mas pagando ao professor, eterno do francês, que trata da educação higiênica e da orientação profissional agrícola, que considera o lavrador uma profissão superior. Lê-se: “…Tudo se exige vivacidade de espírito, um trabalho inteligente, refletido e metódico. Não é tarefa de manobra duma fábrica, onde o operário é o escravo da máquina. O lavrador é o senhor da terra”. (Educação Nacional, n. 66, 3 de junho de 1928, p. 1-2)

No âmbito das discussões em torno do movimento americano da Escola Nova,

Figueirinhas expressou suas posições. Fez críticas à modalidade da coeducação,

denominando-a de “aborto pedagógico”, um obstáculo à ideia de civilização educacional, um

atraso para a instrução primária em Portugal e inadaptável às condições das escolas lusitanas

(Educação Nacional, n. 1, 23 de fevereiro de 1927, p. 1). Em outra edição chegou a intitulá-la

“a lepra da moderna pedagogia” (Educação Nacional n. 3, 20 de março de 1927, p. 2).

O vínculo do jornal com o espectro católico era evidente. Mesmo com sua atividade em

prol do associativismo docente e pela instrução pública primária, expressos em várias

páginas do periódico, Figueirinhas não deixou de enfatizar sua sociabilidade com a

hierarquia e o laicato católico lusitano. Sua editora foi a responsável pela tradução, edição e

veiculação da obra Catecismo e Educação, do abade francês René Bethléem, publicada em

1919 e reeditada no final dos anos de 1920 em Portugal.

Em resenha elogiosa publicada no Jornal do Comércio e Colônias e reproduzida por

Educação Nacional, Mario Gonçalves Viana, intelectual próximo a Figueirinhas e presença

marcante nas páginas periódicas, enalteceu a iniciativa da Casa Editora A. Figueirinhas:

A conceituada Casa Editora de A. Figueirinhas, do Porto, praticou um ato verdadeiramente benemérito fazendo publicar em português esta obra valiosíssima, imprensa com todas as licenças eclesiásticas e que eu aconselho vivamente aos pais e educadores, àqueles – dos verdadeiros portugueses – que quer aperfeiçoar-se, formar a sua inteligência e consciência, preparando assim dias melhores para a nacionalidade. A tradução que é escrapulosa – merece ser classificada de notável. Edição corretíssima e apresentação gráfica magnífica. (Educação Nacional, n. 27, de 4 de setembro de 1927, p.3)

A reedição do livro de Bethléem pode ser entendida a partir das críticas lançadas em

Educação Nacional ao projeto de instrução primária adotado há tempos pelo governo

português que, segundo o semanário, não expressava a autêntica educação moral e cívica que

deveria ser veiculada e inculcada nas crianças. Uma das notas publicadas foi explícita em seu

conteúdo: “Os programas são puramente materialistas. Não há neles o sopro moral. Metem

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medo na sua orientação puramente material, sem o pendor da formação do caráter”

(Educação Nacional n. 36, 6 nov. 1927, p. 1).

O regime de exceção imposto pelo golpe de Estado em meados da década de 1920,

recebeu análise propositiva por parte da política editorial de Educação Nacional. José de

Agostinho, próximo à Figueirinhas, assim intitulou um dos seus artigos: “O prelúdio de uma

grande obra”, em referência ao futuro da nação liderado pelo Exército:

Quem elegeu solenemente o Chefe do Estado? Não foram os partidos. Não foram os poderes secretos. Não foram quaisquer portadores do espírito estrangeiro e anarquista. Quem o elegeu foi o país, enjoado e magoado com as demolições, constantes e sucessivas, do seu edifício tradicionalista e progressista, religioso e patriótico (…) E assim, dum modo geral, quem elegeu o chefe do Estado, sancionando a vontade honrada das armas, foram as três forças vivas do país: o Ensino, o Trabalho e a Economia, apoiadas na Justiça, representada com valor e grandeza pelo Exército. (Educação Nacional, n.57, 1 de abril, 1928, p. 1)

Portanto, a pauta que orientou o posicionamento político do jornal, mesclava,

estrategicamente, críticas às condições objetivas das escolas públicas lusitanas, em particular

a primária. Em que pese as intencionalidades de Figueirinhas em se destacar como o

“representante do magistério lusitano”, expressas nos diferentes ciclos de existência do

jornal, a partir do golpe de Estado, as orientações editoriais se alteram para contemplar a

emergente conjuntura que instalou uma ditadura e preparou Portugal para o Estado Novo

salazarista.

De 1927 a 1930, período destacado pela pesquisa, Educação Nacional veiculou em suas

páginas o enaltecimento a um Estado forte, centralizado e católico. De outro lado,

Figueirinhas reivindicou sua condição de livreiro e editor, apontando sua empresa de livros

como uma das alternativas de mudança educacional, social e moral. Defendeu, por meio de

um suporte expresso em sua rede de relações de amizades e contatos, uma nação que pudesse

ressurgir, elegendo a crítica ao passado republicano como uma das estratégias discursivas de

um projeto político, fundamentado na doutrina e tradição católicas.

Referências

A. FIGUEIRNHAS, Ltda. À memória de António Figueirinhas (1865-1945). Preito de homenagem dum grupo de amigos por iniciativa de A. Figueirinhas. Porto, 1945.

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