A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NAS OPERAÇÕES DE … · Operaciones de Paz surgieron en el...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE ESTHER PORFÍRIO DE VASCONCELOS R. FULY A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU: O CASO DA SOMÁLIA Belo Horizonte 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

ESTHER PORFÍRIO DE VASCONCELOS R. FULY

A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU: O CASO DA SOMÁLIA

Belo Horizonte

2014

ESTHER PORFÍRIO DE VASCONCELOS R. FULY

A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU: O CASO DA SOMÁLIA

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientadora: Marinana Andrade e Barros

Belo Horizonte

2014

Agardeço à Deus pela sabedoria. Aos meus pais e familiares

pelo apoio incondicional e pelas orações. Aos mestres por todo

aprendizado durante esses anos, e à minha orientadora e

professora Marinana Andrade e Barros pela atenção e

paciência, e por ter me guiado até aqui.

RESUMO

As Operações de Manutenção da Paz surgiram no contexto de pós Segunda Guerra

Mundial como uma ferramenta para auxiliar os territórios destruídos pelos conflitos,

além de contribuir para a reconstrução da paz e da segurança do país devastado.

Além disso, houve a universalização do debate do tema de Direitos Humanos, que é

de grande importância tanto para a ONU quanto para as operações de manutenção

de paz. Na Somália, devido à complexidade e a gravidade da guerra civil, foram

autorizadas duas operações de paz, a UNOSOM I e II que mostraram ser incapazes

de monitorar o cessar fogo e proteger os direitos humanos dos somalis.

Palavras-chave: Operações de Manutenção da Paz. Direitos Humanos. Somália.

RESUMEN

Operaciones de Paz surgieron en el contexto posterior a la Segunda Guerra Mundial

como un instrumento para ayudar a los territórios destruidos por El conflicto y

contribuir para La reconstrucción de la paz y la seguridad del país devastado. En

este contexto, se universalizo el debate en torno a lós Derechos Humanos, que es

de gran importancia tanto para la ONU como para las operaciones para el

mantenimiento de la paz. Em Somalia, debido a la complejidad y la gravedad de la

guerra civil, les permitio dos operaciones de paz, la ONUSOM I y II que demostraron

ser incapaces de controlar el alto el fuego y proteger los derechos humanos de los

somalíes

Palabras clave: Operaciones para el Mantenimiento de la Paz. Derechos Humanos.

Somalia

LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1- Mapa da região do deserto de Ogaden

LISTA DE SIGLAS

AMB- Administração Militar Britânica

CIJ- Corte Internacional de Justiça

CS- Conselho de Segurança

DPKO- Departamento de Operações de Manutenção da Paz ECOSOC- Conselho Econômico e Social das Nações Unidas MINUSTAH- Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti ONG- Organização Não Governamental ONU- Organização das Nações Unidas

SNA- Aliança Nacional da Somália

SNL – Liga Nacional Somali

SNM- Movimento Nacional Somali

SYL- Liga Jovem Somali

UNITAF- Força Tarefa Unificada

UNOSOM- Operação das Nações Unidas na Somália UNTSO - Agência das Nações Unidas para a Supervisão da Trégua

USP- Partido Unido Somali

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 7

2. AS OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS ........................................ 8

2.1 Histórico das Operações de Paz .................................................................... 8

2.2 O papel do Departamento de Operações de Manutenção de Paz e do

Conselho de Segurança nas Peacekeeping ...................................................... 10

2.3 Tipos de Operação de Paz ............................................................................ 12

3. DIREITOS HUMANOS E OPERAÇÕES DE PAZ ........................................... 14

3.1 A Internacionalização dos Direitos Humanos e as Operações de Paz ...... 15

3.2 As condutas dos peacekeepers e os Direitos Humanos ............................ 18

4. ESTUDO DE CASO: SOMÁLIA ...................................................................... 21

4.1 A colonização e a luta pela independência ................................................. 21

4.2 Guerra do Ogaden (1977-1978) e Início da Guerra Civil na década de 90 . 23

5. CONCLUSÃO ................................................................................................. 28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 30

7

1. INTRODUÇÃO

O século XX foi marcado por duas Guerras Mundiais que causaram grande destruição e

morte. Com o fim da II Grande Guerra, em 1945, foi criada a Organização das Nações

Unidas (ONU) com o objetivo de manter a segurança e a paz mundial. Devido aos

massacres ocorridos durante a Guerra, houve possibilidade de que o tema de Direitos

Humanos fosse debatido internacionalmente, principalmente após a assinatura da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

Para os neo-institucionalistas como Robert Keohane (1989) as instituições internacionais,

como a ONU, podem estimular a cooperação internacional entre atores racionais,

reduzindo os custos das transações e as incertezas, criando um ambiente mais

harmonioso para os Estados colaborarem em benefício mútuo e diminuindo as chances

de conflito. O alto grau de interdependência entre os Estados estabeleceriam um

processo contínuo de cooperação.

Segundo Keohane e Martin:

Instituições podem facilitar a cooperação ajudando na resolução de

conflitos distribucionais e assegurando aos Estados que ganhos serão

igualmente divididos com o passar do tempo, por exemplo, através de

revelação de informação sobre as capacidades militares de membros de

alianças. (KEOHANE; MARTIN, 1994, tradução nossa).1

Durante a Guerra Fria, a maioria das hostilidades ocorria entre Estados que buscavam

garantir a soberania de seus territórios contra invasão externa. Neste contexto, foi

autorizada a primeira operação de paz em 1948, com objetivo de monitorar o conflito

entre árabes e israelenses. Com o fim da bipolaridade entre os Estados Unidos da

América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), novos embates

começaram a surgir no cenário internacional. A ONU passou a intervir mais intensamente

em conflitos intraestatais, com o objetivo de evitar que novos conflitos eclodissem ou

1Institutions can facilitate cooperation by helping to settle distributional conflicts and by assuring states that

gains are evenly divided over time, for example by disclosing information about the military expenditures and capacities of alliance members (KEOHANE; MARTIN, 1994).

8

resolver aqueles que já tinham iniciado. Desta forma, as operações de paz tornaram-se

cada vez mais importantes no sistema ONU, sendo autorizadas pelo Conselho de

Segurança, órgão responsável pela manutenção da paz e segurança internacional.

No caso estudado sobre a Somália discute-se quais foram as consequências para a

eclosão da guerra civil e a autorização das duas operações de paz, a UNOSOM I e

UNOSOM II (United Nations Operation in Somalia), ambas não bem sucedidas. Além

disso, há uma análise da importância do respeito e a não violação dos Direitos Humanos,

que são ferramentas essenciais para o êxito das Operações de Manutenção da Paz da

ONU.

2. AS OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS

2.1 Histórico das Operações de Paz

As Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas surgiram com objetivo de

resguardar o sistema de segurança e a paz internacional previsto nos artigos da Carta de

São Francisco. As operações de paz tiveram início em 1948, com o objetivo de criar

condições aos países em conflitos a alcançarem a paz e a estabilidade no território após a

Segunda Guerra Mundial, período em que a hostilidades entre União Soviética e os

Estados Unidos passaram a influenciar o comportamento dos demais Estados no Sistema

Internacional devido ao embate ideológico entre capitalismo e socialismo (ONU, 2010).

Essas operações são consideradas como um meio pacífico de solução de controvérsia

(mesmo não constando no capítulo VI da Carta das Nações Unidas), e devem ser

autorizadas pelo Conselho de Segurança, contendo a missão, os objetivos e as condições

em que as mesmas serão realizadas.

(Operações de Paz) São aquelas formadas por forças dependentes dos órgãos das Nações Unidas e por contingentes militares de pequenas ou médias potências e que são enviadas para os focos de tensão, a pedido ou com o consentimento dos Estados interessados, com o intuito de evitar que a ruptura da paz internacional gere graves perturbações na ordem interna. Estão sujeitas a deveres

9

de imparcialidade e o uso da força apenas para os casos de legítima defesa (LIMA, 2009).

Os conflitos que eclodiram no pós Guerra Fria foram caracterizados pelos confrontos

internos, em que os países mais pobres lutavam principalmente por independência, além

de tentarem superar uma “instabilidade política crônica; desorganização da economia;

anomia social; fragmentação ou colapso” (NOGUEIRA, 2003).A primeira missão para

manutenção da paz foi realizada na mesma data de sua criação, quando foram enviados

observadores militares para o Oriente Médio, a fim de monitorar o cessar fogo entre as

partes envolvidas e fiscalizar o cumprimento do acordo de armistício entre Israel e seus

vizinhos. Esta missão ficou conhecida como Agência das Nações Unidas para a

Supervisão da Trégua (UNTSO), que vigora até os dias atuais2.

A principal característica deste tipo de operação é a intervenção sem uso da força, o

consentimento das partes em conflito, acompanhamento de negociação e principalmente

a imparcialidade. Portanto, esse tipo de operação de paz foi classificado como operações

tradicionais ou de primeira geração (DOYLE, 1996). No início da década de 1990, vários

conflitos armados eclodiam na África, Ásia e Leste Europeu, organizados por grupos

separatistas ou rebeldes que lutavam dentro de suas fronteiras nacionais, o que exigiu da

sociedade internacional uma solução imediata para evitar o rompimento da paz mundial.

Com este novo cenário de conflitos, outros temas passaram a ocupar a agenda

internacional, como a violação dos direitos humanos, genocídio, guerra civil, entre outros.

Dessa forma, o Conselho de Segurança (CS) possibilitou que ocorressem missões de paz

mais complexas, incluindo mais funções e atividades. As operações de manutenção de

paz são estabelecidas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembleia Geral de quem

recebem as missões a serem cumpridas, e que são financiadas por contribuições de

todos os membros das Nações Unidas que estão sob a responsabilidade do Secretário-

Geral da ONU e do Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO).

2Ver em: Dados do Departamento de Operações de Paz. Disponível em:

<http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/untso/>.

10

2.2 O papel do Departamento de Operações de Manutenção de Paz e do Conselho

de Segurança nas Peacekeeping

O Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO) 3 foi criado por Boutros

Boutros-Ghaliem1992 quando assumiu o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas.

Este departamento é responsável por orientar, planejar e apoiar as operações de

manutenção de paz em todo o mundo, trabalhando juntamente com o Conselho de

Segurança (CS), com as partes envolvidas no conflito e com os soldados que atuarão

nestas missões. Além disso, o DPKO elabora políticas e contribui financeiramente para

que tais operações sejam cumpridas conforme mandato do CS e pelo Secretário Geral

(DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES DE PAZ, 2010).

Cada Operação de Paz tem um objetivo específico a ser alcançado, porém, há metas

obrigatórias para todas as operações, que é aliviar o sofrimento humano e buscar

restabelecer a paz do cenário em conflito (DIEHL, 2008). Dessa forma, o DPKO

empenha-se para diminuir os riscos causados tanto para os civis quanto para os soldados

das operações de paz. O DPKO envolve também com a sociedade civil e com

organizações nãogovernamentais, que exerce grande influência na promoção da paz, no

desenvolvimento sócio econômico e no restabelecimento da democracia em um cenário

pós-conflito (DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES DE PAZ, 2010).

Para que as políticas desenvolvidas pelo DPKO fossem mais eficazes, foram criados

quatros principais escritórios: Escritório de Operações - tem objetivo de apoiar as missões

e fornecer políticas estratégicas; Escritório do Estado de Direito e Instituições de

Segurança - busca integrar a área policial e de justiça nas manutenções de paz, a fim de

reintegrar os ex-combatentes na sociedade civil, além de controlar e eliminar as armas,

munições e explosivos; Escritório de Assuntos Militares - tem objetivo de orientar o

Conselho de Segurança para que as missões de manutenção de paz sejam planejadas e

aplicadas de uma maneira mais eficaz; Divisão de Política, Avaliação e Treinamento -

formula políticas e doutrinas para que as manutenções de paz sejam institucionalmente

3O Departamento de Operação de Paz criou as primeiras operações de paz da ONU: a UNTSO e

UNMOGIP.

11

fortalecidas, fornecer treinamento padronizado para as manutenções de paz, além de

avaliar o cumprimento das mesmas4.

De acordo com a Resolução 3101 da Assembleia Geral de 19735,existe uma cota de

financiamento, de acordo com a qual os cinco membros permanentes do Conselho de

Segurança pagam55% do custo das operações de paz. Em contrapartida, os países

desenvolvidos contribuem com uma parcela igual ao seu orçamento da ONU;os países

em desenvolvimento com cerca de 20% de sua contribuição regular, e os países pobres

com apenas 10%. O Conselho de Segurança deve também convidar os países

contribuintes para que seus militares participem de reuniões onde são discutidos temas

relacionados à operação e à segurança da tropa.

É de responsabilidade do Conselho de Segurança determinar quando e onde uma

operação de paz das Nações Unidas deve ser implantada. Porém, para que isso

aconteça, há uma avaliação técnica do território com o intuito de analisar a segurança

militar, civil, e o cumprimento dos direitos humanos e humanitário no país ou em um

território específico onde haja o conflito (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES

UNIDAS, 2010).

No fim destas avaliações, o Secretário- Geral da ONU envia um relatório ao CS6,que

apresentará recomendações para a implantação de uma missão de paz, além de uma

declaração sobre os custos durante a realização das mesmas. Caso haja autorização do

CS, o mesmo irá adotar uma resolução estabelecendo os detalhes a serem desenvolvidos

durante as missões de paz.

Além disso, o CS tem a capacidade de ampliar, modificar ou suspender as missões que

considerem apropriadas. Segundo o artigo 25 da Carta das Nações Unidas, todos seus

membros aceitam e concordam com as decisões tomadas pelo CS, já que as mesmas

têm poder de obrigatoriedade entre os Estados membros da ONU.

4Ver em: Dados do Departamento de Operações de Paz. Disponível em:

<http://www.un.org/en/peacekeeping/about/dpko/>. 5Resoluções da Organização das Nações. Disponível em:

http://www.un.org/documents/ga/res/28/ares.htm>. 6O secretário-geral apresenta relatório ao Conselho de Segurança em temas de segurança e paz, incluindo:

Missões de paz e políticas; Questões de segurança regional; Tópicos temáticos, como as mulheres nas operações de paz e segurança, estado de direito dentre outros.

12

2.3 Tipos de Operação de Paz

Conforme explicitado, a primeira autorização da ONU para uma operação de manutenção

da paz foi em 1948, que tinha como objetivo monitorar o cessar fogo entre os árabes e

israelenses. A partir disso, tais operações foram classificadas como tradicionais, ou de

primeira geração, que são constituídas pelo auxilio e monitoramento do território em

conflito realizado por soldados não armados ou com poucas munições, pelo

patrulhamento de fronteiras, pela supervisão da retirada de tropas e pela separação de

forças (DOYLE, 1996).

As operações de primeira geração vigoraram até o fim da década de 1980, e durante este

tempo foram executadas 13 missões compostas tanto por soldados desarmados (forças

de observação), quanto por pessoal armado (forças de paz) 7. As poucas operações

realizadas neste período não significaram que os conflitos internacionais diminuíram, mas

sim, a estagnação do Conselho de Segurança em resolver problemas que surgiram ou

agravaram durante a Guerra Fria devido ao poder de veto que os membros permanentes

possuem.

Desta forma, as missões de manutenção da paz começaram a perder credibilidade, pois

os acordos de cessar fogo não eram mais respeitados, as ações de milícias violavam o

direito internacional humanitário e os Estados e governos ficavam cada vez mais

esfacelados. No final do conflito bipolar, a ONU pôde atuar de uma forma mais ampla

para a manutenção da paz e da segurança internacional, já que durante o conflito,

qualquer tema discutido pelo CS que fosse de interesse dos cinco membros permanentes,

era motivo de impedir que as propostas fossem abordadas.

Entre os anos de 1988 e 1999, foram realizadas 40 operações de paz que passaram a

atuar de uma forma mais complexa do que aquelas observadas nas décadas de 1940 a

1980, desejando que houvesse uma reestruturação e uma organização das sociedades

que se encontravam devastadas pela guerra8. Os conflitos pós-Guerra Fria penalizaram

7Dados do Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Disponível em

<http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/timeline/>. 8Dados do Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Disponível em

<http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/timeline/pages/ninetyi.html>.

13

principalmente os países pobres e em desenvolvimento, em especial os Estados pós-

coloniais e pós-socialistas.

Segundo Fontoura (1999), o aumento das operações de paz se deu pela retomada das

tensões de cunho religioso, étnico ou nacionalista; pelo apoio que as potências da época

deram para as atividades desenvolvidas pela ONU, principalmente na área da

manutenção da paz; e pela “crescente universalização dos valores da democracia e do

respeito aos direitos humanos” (FONTOURA, 1999).

De acordo com Doyle (1996), além de seus objetivos clássicos, foram atribuídos às

missões de paz três pontos principais: promoção da paz (negociação de tratados de paz

entre as partes envolvidas no conflito); a manutenção da paz (prestação de assistência

aos refugiados, recolhimento e destruição de armas usadas pelos combatentes, e

supervisão da instalação de um governo civil provisório); e a construção da paz

(averiguação do cumprimento ou da violação dos direitos humanos, e contribuição para a

reorganização institucional do Estado). Portanto, a segunda geração das operações de

manutenção de paz foram autorizadas cada vez mais pelo CS e envolvem atividades mais

complexas e multifuncionais9. Neste período, a ONU conseguiu desempenhar resultados

satisfatórios em algumas áreas, contudo, não foi capaz de executar com sucesso seus

mandatos nas missões de segunda geração, assim como ocorreu em Namíbia,

Moçambique, Angola e Camboja.

Porém, os maiores problemas enfrentados pela ONU iniciaram-se com a autorização das

missões de imposição de paz, que foram classificadas por Boutros- Ghali como terceira

geração. Segundo o Prof. Henrique Afonso:

A Carta da ONU conferiu ao Conselho de Segurança a responsabilidade de manutenção da paz e segurança internacionais. O Capítulo VII da Carta da ONU traz a competência do Conselho de Segurança sobre a aplicação de medidas que não envolvam o emprego de força armada para fins de solução de determinada controvérsia. Caso as medidas adotadas revelem-se insuficientes, é competente o Conselho para decidir sobre o recurso à força militar a fim de restaurar a paz e a segurança internacionais. As exceções contempladas à proibição do uso da força seriam, portanto, a autorização do Conselho de Segurança e a legítima defesa frente agressão de outros Estados (AFONSO, 2010).

9As Operações de Paz de segunda geração também são denominadas operações multidisciplinares,

multidimensionais ou multifuncionais.

14

Estas operações são autorizadas pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas (ONU,

1945) que objetiva o emprego do uso da força se for necessário para a proteção dos civis

e militares; a imposição do cessar fogo; a proteção para a assistência humanitária e o

auxílio para a reconstrução dos Estados Falhados10. Além disso, pela quantidade de

atores envolvidos nos conflitos intraestatais11, o CS passou a admitir que o consenso e o

consentimento das “principais” partes envolvidas no conflito já bastava para justificar a

operação de paz, enquanto as partes “secundárias” ficariam sujeitas às decisões tomadas

(BORGES; GOMES, 2004). Uma missão de paz como a MINUSTAH, no Haiti, pode ser

considerada um exemplo de missão de terceira geração. Há alguns analistas que dizem

existir uma quarta geração de operações de paz, que inclui os governos transitórios, dos

quais as Nações Unidas exercem funções administrativas, como por exemplo, nos casos

de Kosovo e Timor Leste (BELLAMY et al., 2004).

A mudança e a complexidade dos conflitos no período pós-Guerra Fria trouxe diversas

consequências em relação aos princípios tradicionais das operações de manutenção da

paz que é o respeito à soberania dos Estados, neutralidade nas missões, uso da força

apenas como legitima defesa e o consentimento entre as partes envolvidas no conflito

(DOYLE, 1996). Dessa forma, as missões foram modificando-se gradativamente e

mudando sua forma de atuação.

Entretanto, devemos ressaltar que a evolução das operações de paz gerou uma

preocupação dos países do Sul em relação ao que Herz chama de flexibilização do

conceito de soberania que está relacionado ao forte papel das missões de paz no início

da década de 90, que além de suas tarefas militares, incluiu em suas funções o

monitoramento de eleições, a fiscalização dos direitos humanos, destruição de

armamentos e a interferência nos assuntos domésticos do Estado (HERZ,1999).

3. DIREITOS HUMANOS E OPERAÇÕES DE PAZ

10

Entende-se por Estado Falhado aquele que não proporciona mais os bens políticos positivos à população, perdendo legitimidade em seu território. Além disso, o Estado não possui controle sobre suas fronteiras, perdendo autoridade em regiões espalhadas de seu território; o poder oficial costuma restringir-se à capital ou em zonas específicas (ROTBERG, 2002). 11

Conflitos intraestatais é a disputa política e armada entre grupos dentro de um território delimitado (WALLENSTEEN & SOLLENBERG, 2001). Esse território pode ainda não possuir um Estado consolidado e apresentar frágeis estruturas e instituições.

15

3.1 A Internacionalização dos Direitos Humanos e as Operações de Paz

O século XX foi marcado pelos conflitos mais violentos da História da Humanidade

(HOBSBAWM, 1995). Mesmo que relações entre os atores do Sistema Internacional

tenham sido marcadas por divergências, as duas Grandes Guerras apresentaram

inovações tecnológicas nunca vistas e nem utilizadas antes12. Apesar dos altos níveis de

mortalidade e sofrimento na I Guerra Mundial, houve a eclosão da II Grande Guerra, em

1939, que ocorreu em dimensões mais abrangentes do que aquela vista em 1914-18.

Segundo Hobsbawm:

A Humanidade sobreviveu. Contudo, o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não há como prever o breve século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam. (HOBSBAWM,1995).

Com o fim da II Guerra, a sociedade internacional tomou conhecimento da destruição que

o regime nazista ocasionou, principalmente pela morte de milhões de pessoas nos

campos de extermínio. Portanto, essa sociedade não iria permitir que tamanho dano,

extermínio e desordem ocorressem novamente, o que incentivou criação da Organização

das Nações Unidas, em 1945, que foi inspirada na pioneira Liga das Nações.

Neste contexto, houve a criação das operações de paz que agiam principalmente em

conflitos interestatais a fim de controlar as tensões existentes. Contudo, tais operações

de paz ainda não integravam os direitos humanos em seus mandatos e nem nas

operações em campo (DOYLE, 1996). Porém, a redefinição da sociedade internacional no

pós II Guerra Mundial trouxe grandes transformações econômicas, ideológicas e

principalmente pela garantia dos direitos humanos no âmbito internacional, saindo da

esfera estritamente estatal, o que resultou na criação da Declaração Universal dos

12

A I Guerra Mundial utilizou nos campos de batalha os gases tóxicos (gás mostarda e gás de cloro) e a

metralhadora, que elevou os números de baixas (principalmente de civis) provocando uma mudança nas regras dos Estudos Estratégicos (SONDHAUS, 2013).

16

Direitos Humanos, em 194813.A posição dominante do sistema internacional até essa

época era de que os Estados deveriam tratar domesticamente sobre violações dos

direitos do homem, devido à soberania estatal e não intervenção. Porém, houve um

desenvolvimento sociopolítico e histórico no qual resultou no regime internacional dos

direitos humanos que age tanto em esfera global quanto regional.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) é apontada como a primeira

ferramenta de direitos humanos utilizada por uma organização internacional. Divide-se a

Declaração em duas partes: a primeira é sobre os direitos civis e políticos, e a segunda

sobre os direitos econômicos, sociais e culturais: (PIOVESAN, 2009).

Neste contexto, a Declaração de 1948 vem a inovar a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais (PIOVESAN, 2009).

Esta Declaração não vincula ao Estado, já que a mesma não é um tratado, e sim uma

resolução da Assembleia Geral. Mesmo não sendo formalmente vinculante, a Declaração

teve uma grande influência no sistema internacional, pois mostrou-se eficaz em relação

ao respeito dos direitos humanos, pelo fato de ter sido aceita e consolidada como

costume internacional entre os Estados. Segundo o artigo 38 do Estatuto da Corte

Internacional de Justiça (CIJ), entende-se por costume internacional a “[...] prova de uma

prática geral aceita como sendo direito” (Corte Internacional de Justiça, art. 38). Assim, o

costume internacional cria obrigações jurídicas sem precisar da formalidade de um

tratado.

Portanto, houve um reforço da proteção e da não violação dos direitos humanos, que não

deveriam ficar restritos apenas à esfera estatal, mas ser legitimado na comunidade

internacional. Apesar de a Declaração ter sido compreendida como um costume, foi

13

Mesmo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja uma resolução sem força normativa,

acabou por gerar um comprometimento por parte dos Estados membros da ONU.

17

discutida a necessidade de se criar juridicamente um documento que gerasse obrigações

aos Estados para a garantia dos direitos humanos. Deste modo, em 1966, os Estados

aprovaram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que entraram em vigor apenas dez anos mais

tarde. Tais pactos significam um mecanismo de controle das violações dos direitos

humanos, implementando, agora de forma compulsória, a Declaração Universal.

Como afirma Piovesan:

Esse processo de “juridicização” da Declaração começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos – o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que passavam a incorporar os direitos constantes. (PIOVESAN, 1997).

Neste período, houve a necessidade de incluir novos temas na agenda internacional, tais

como: direitos humanos, meio-ambiente, guerra civil, entre outros. Assim, a comunidade

internacional percebeu que milhões de pessoas estavam sofrendo com violação de seus

direitos, com a fome, guerra civil e com a exploração de Estados autoritários (JACKSON,

1990). Todos esses aspectos contribuíram para que as operações de manutenção de paz

fossem reestruturadas, mudando sua forma de atuação e tornando-se mais complexas,

buscando a ordem e a paz em um território em conflito (WEISS, 2001). Dessa forma,

houve um aumento da demanda de intervenções da ONU que buscava solucionar os

conflitos e garantir que os direitos humanos não fossem violados.

Nessa conjuntura, ocorreu a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em 1993,

em Viena. Houve a participação de diversos Estados, bem como de Organizações Não-

Governamentais (ONG’s) e representantes da sociedade civil. A Conferência conseguiu

avançar em alguns aspectos14, impedindo que houvesse regressos sobre a proteção dos

direitos humanos no sistema internacional:

Mais do que todas as outras, a principal conquista conceitual proporcionada pela Convenção de Viena para o mundo pós-Guerra Fria terá sido o reconhecimento deste feito por uma comunidade internacional representada em sua integralidade por Estados soberanos, da universalidade dos direitos definidos na Declaração

14

Alguns desses avanços “dizem respeito à legitimidade das preocupações internacionais com os direitos

humanos, a interdependência entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos e a questão da universalidade de tais direitos” (ALVES, 2003).

18

Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esta é a única referência normativa citada no preâmbulo do documento de Viena – além da Carta das Nações Unidas, que lhe serve de base, e dos Pactos Internacionais, que a complementam. O fato é tanto mais significativo porque, diante dele, já não se pode mais, coerentemente, acusar de etnocêntricos os direitos proclamados em 48, nem fazer uso do relativismo cultural como justificativa para sua inobservância. (ALVES, 2003).

Ademais, a Declaração de Viena reforçou que os Estados têm o dever de punir os autores

que violem gravemente os direitos humanos, além disso, universalizou o debate sobre

direitos humanos por diversos atores de diferentes origens políticas, sociais e culturais.

Segundo Krasner (1983), a soberania dos Estados é um ponto fundamental para que haja

a expansão da legitimidade dos direitos humanos, já que os governos auxiliam no

fortalecimento e aprimoramento do regime dos direitos humanos. Desta forma, entende-

se regimes internacionais como “conjuntos de princípios implícitos ou explícitos, normas,

regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos

atores convergem em uma determinada área das relações internacionais” (KRASNER,

1982). Apesar das normas e regras do regime internacional serem de ação estatal

(KRASNER, 1983), as instituições teriam o papel de investigar a implementação e o

cumprimento dessas normas.

Apesar dos avanços das operações de paz desde sua criação, e do debate sobre o tema

de direitos humanos, os conflitos internos que ocorreram na década de 1990 na Bósnia,

Ruanda e Somália, demonstraram mais uma vez que esses direitos eram violados pelos

próprios Estados ou por grupos internos, acarretando em instabilidades, violações e

massacres (BELLAMY et al., 2004). A partir destes acontecimentos, a ONU decidiu

aperfeiçoar as operações de paz baseando-se nos direitos humanos como uma doutrina

fundamental para a manutenção da paz, já que as operações apresentaram-se ineficazes

em manter a ordem e impedir assassinatos em massa.

3.2 As condutas dos peacekeepers e os Direitos Humanos

19

Desde 1998, os capacetes azuis possuem dez regras de conduta pessoal que contribuem

para o melhor desenvolvimento das atividades em campo15. A primeira delas diz sobre o

respeito e a imparcialidade que cada soldado deve ter, além de honrarem seus uniformes

e consequentemente sua nação; a segunda regra é sobre o respeito das leis locais, da

cultura, tradição e costumes; respeitar os cidadãos dos países que estão em atividade,

não aceitando nenhum tipo de recompensa material é a terceira regra; a quarta regra é

não explorar a população local psicologicamente, fisicamente e sexualmente; a quinta

regra é apoiar os direitos humanos, ajudar os enfermos e doentes (UNIDADE DE

CONDUTA E DISCIPLINA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1998).

A sexta regra é de se responsabilizarem pelos equipamentos, pelos veículos e por todos

os materiais relacionados às missões de paz, não podendo vendê-los ou trocá-los;

respeitar os membros das missões, independentemente de sua religião, raça, origem ou

sexo é a sétima regra de conduta; a oitava regra é sobre a preservação do meio ambiente

do país em missão; não consumir álcool em excesso e não utilizar drogas ilícitas é a nona

regra; e a décima é ser confidencial em relação às informações e assuntos oficiais das

Nações Unidas (UNIDADE DE CONDUTA E DISCIPLINA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1998).

Essas dez regras foram criadas pelo Departamento de Suporte no Campo (Departmentof

Field Support), que provê assistência nas áreas de comunicação, direitos humanos,

logística, tecnologia e finança a fim de contribuir para o melhor desempenho das

operações de paz.

As normas internacionais de direitos humanos passaram a ser utilizadas como uma

ferramenta para conduzir as operações de paz durante sua atuação em campo,

abrangendo as áreas militar, civil, política, eleitoral, etc., além de atuar na consolidação da

paz e na reconstrução de Estados que sofreram com conflitos armados (PARIS, 2004).

Os princípios dos direitos humanos passaram a compor as missões com o objetivo dos

peacekeepers cumprirem os acordos de paz e os mandatos baseados em tais direitos,

além de executar atividades relacionadas a este tema.

15

Para mais detalhes ver em: Ten Rules: Code of Personal Conduct for Blue Helmets and We are United Nations Peacekeepers for standards of conduct for uniformed personnel serving in UN field missions and Status, Basic Rights and Duties of UN Staff Members (ST/SGB/1998/19) for standards applicable to civilian staff.

20

Segundo Kofi Annan (1997), ex-Secretário Geral da ONU, os direitos humanos são

fundamentais para que haja paz tanto a nível doméstico quanto a nível internacional, e

como o mesmo é um princípio fundamental das Nações Unidas, os direitos humanos

devem ser implementados, garantidos e não violados em todas as áreas nas quais a ONU

pratica suas atividades, sejam elas nos campos de operações de paz ou na busca de uma

sociedade igualitária, por exemplo.

O programa de reforma da ONU anunciado pelo secretário-geral Kofi Annan, determina:

Os direitos humanos são fundamentais para a promoção para a paz e a segurança, para a prosperidade econômica e igualdade social. Durante toda sua existência como uma organização mundial, as Nações Unidas tem promovendo e protegendo ativamente os direitos humanos, e elaborando instrumentos para monitorar o cumprimento dos acordos internacionais, tendo sempre presente as diversidades culturais e nacionais. Por conseguinte, tem-se determinado que a questão dos direitos humanos está compreendida nas quatro esferas substantivas do programa de trabalho da Secretaria (paz e segurança, assuntos econômicos e sociais, cooperação para o desenvolvimento e assuntos humanitários. (UN doc. A/51/950, parágrafo 78,tradução nossa).

16

Em 1999, foi divulgado por Kofi Annan o boletim “Observância do direito internacional

humanitário”17,e em 2000, o relatório Brahimi18 reafirmou a importância do treinamento

militar e policial das operações de paz nas questões sobre direitos humanos e direito

humanitário. Em 2003, Annan destacou que os direitos humanos são fundamentais para

planejar e conduzir as operações de paz e a atuação dos soldados em campo, que devem

ser exemplos de promoção e respeito à esses direitos.

De acordo com o manual das operações de paz multidimensionais:

16

Human rights are integral to the promotion of peace and security, economic prosperity and social equity. For its entire life as a world organization, the United Nations has been actively promoting and protecting human rights, devising instruments to monitor compliance with international agreements, while at the same time remaining cognizant of national and cultural diversities. Accordingly, the issue of human rights has been designated as cutting across each of the four substantive fields of the Secretariat’s work programme - peace and security; economic and social affairs; development cooperation; and humanitarian affairs (UN doc. A/51/950, parágrafo 78). Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/189/82/IMG/N9718982.pdf?OpenElement>. 17

Para mais detalhes ver: (ST/SGB/1999/13). Disponível em: <http://www1.umn.edu/humanrts/instree/unobservance1999.pdf>. 18

O Relatório Brahimi tem como objetivo estudar as operações de manutenção de paz para realizar recomendações e aprimoramento. Para mais detalhes ver em: <http://www.un.org/documents/ga/docs/55/a55305.pdf>.

21

Embora o componente de direitos humanos tenha um papel fundamental nas questões das operações de paz, o funcionamento dos direitos humanos é de responsabilidade de todos. A diretiva da Secretaria Geral consta em sua proposta de 1997 para reforma da ONU, que os direitos humanos devem ser o centro de toda atividade realizada pela ONU (ONU, 2003, tradução nossa)

19.

Em virtude dos aperfeiçoamentos que a ONU realizou nas operações de paz, os direitos

humanos tornaram-se essenciais para a estratégia e os mandatos da mesma. A partir de

então, as operações de paz multidimensionais passaram a relatar violações de direitos

humanos, a treinarem seus oficias com objetivo de promoverem os direitos políticos, civis,

econômicos e sociais dos civis que sofrem com o conflito, além disso, buscam trabalhar

os direitos humanos nas questões de refugiados, crianças-soldados, dentre outros

(CLAUDE; ANDREOPOULOS, 1997).

4. ESTUDO DE CASO: SOMÁLIA

4.1 A colonização e a luta pela independência

A Somália tornou-se colônia italiana em 1904, e em 1936, os mesmos também invadiram

a Etiópia e passaram a dominar o extremo leste da África. A Itália dominava quase todo o

Chifre da África, e a presença italiana nessa importante região significava uma ameaça

para os britânicos, já que os mesmos dominavam o Mar Vermelho e o Golfo do Aden

(BOWDE, 2000). Desta forma, no ano de 1941, durante a II Guerra Mundial, a Somália,

dominada pela Itália, foi ocupada pelos britânicos que retomaram seu protetorado no

norte da África, a região de Ogaden e libertou a Etiópia do domínio italiano. Após a

derrota da Itália, os territórios foram passados para Administração Militar Britânica (AMB),

de 1941 a 1949 (NJOKU, 2013).

19

Although the human rights component has the lead role on human rights issues in a peacekeeping

operation, human rights work is everyone’s responsibility. Consistent with the Secretary-General’s directive in his 1997 UN reform proposals, human rights should be central to every activity under taken by the UN (ONU, 2003, p. 102).

22

Em 1943, foi fundado em Mogadíscio, o primeiro partido moderno da Somália, o Somali

Youth League (SYL) (METZ, 1992), que ganhou força com a organização de movimentos

anticolonialistas e defensores do nacionalismo somali. Segundo Mohamed:

A Somali Youth League (SYL) articulou a necessidade de unidade nacional (...) desencorajando as divisões e rixas entre os clãs. A SYL ajudou os Somalis a perceberem que a única maneira de ter sucesso e vencer a ocupação colonial era unir contra ele. Contra um rival comum, uma consciência nacional estava começando a se formar. A pressão política também ajudou a melhorar a vida: governantes coloniais adotaram medidas para promover o desenvolvimento econômico, melhorar educação e saúde e para o crescimento das comunidades urbanas. O foco principal da SLY, é claro, era acabar com o regime colonial e libertar a nação da influência e dominação estrangeira (MOHAMED, 2009, tradução nossa)

20.

No pós-guerra, o Reino Unido devolveu o deserto de Ogaden à Etiópia, que fazia parte da

Somália, provocando indignação e revolta entre os somalis. Porém, uma decisão da ONU

em 1949 deu à Itália a tutela para administrar temporariamente seu ex-protetorado no sul

da Somália por dez anos. Somente em 1960, as duas colônias (britânica e italiana)

conseguiram independência, e tornou-se uma República, estabelecendo a capital em

Mogadíscio. Após a unificação do norte e do sul, a SYL, grupo político dominante do sul,

passou a agir juntamente com os grupos políticos do norte, Somali National League (SNL)

e United Somali Party (USP) para finalizar por completo a unificação dos territórios

(ISMAIL, 2010).

Contudo, no ano de 1969, a Somália rompeu com o regime democrático que vinha desde

1960 e com o modelo de desenvolvimento que basicamente focava-se no setor primário

(agricultura) e pelo setor secundário, que era constituído por pequenos comerciantes

(ISMAIL, 2010). Desta forma, a República da Somália passava a depender mais

fortemente da ajuda externa para áreas econômicas, sociais e de infraestrutura, o que

desencadeou na insatisfação dos militares com o governo em não resolver os complexos

problemas internos, principalmente em relação à corrupção e em melhores condições de

20

The Somali Youth League (SYL) articulated the need for national unity (…) discouraged division and feuding between clan. The SYL helped Somalis realize that the only way to succeed and overcome colonial occupation was to unite against it. Against a common rival, a national consciousness was beginning to form. The political pressure also helped to improve lives: colonial rules took steps for economic development, better education and healthcare for growing urban communities. The SLY’s main focus, of course, was to end colonial rule and liberate the nation from foreing influence and domination (MOHAMED, 2009).

23

vida para os somalis (ISMAIL, 2010). Por consequência desses, e outros fatores, ocorreu

um golpe militar neste mesmo ano.

Após o assassinato do presidente Shermake por um membro da força policial21, houve

uma reunião no Parlamento para que um novo presidente assumisse a República, e tudo

indicava que o Primeiro Ministro, Mohamed Egaal seria o escolhido, já que a forma de

conduzir a política era similar à de Shermake. Desta forma, o Exército ocupou Mogadíscio

e tomou o poder em um golpe militar, realizado pelo General Mohamed Said Barre, com

objetivo de combater o nepotismo e os obstáculos que impediam o crescimento e

desenvolvimento do país. (METZ, 1992).

Durante a primeira fase do mandato do presidente Said Barre (1969-1974), seu governo

focou-se no desenvolvimento, na resolução de problemas internos e também na

consolidação do regime ditatorial (LEWIS, 2008). O General Barre conseguiu realizar

diversas mudanças na área da agricultura, saúde, indústrias, educação e na emancipação

das mulheres, ou seja, proveu igualdade jurídica às mesmas. Porém, na segunda metade

da década de 1970, a nova fase do regime militar foi caracterizada pelo aumento da

dívida externa e lento crescimento da economia. Segundo Lewis (2008), uma das

características mais importantes dessa nova fase foi a retomada do projeto Pan-Somali,

que tinha o objetivo de criar uma “grande Somália” que foi esquecida no final da década

de 1960 e também de aproximar as relações com os EUA e romper com a URSS.

4.2 Guerra do Ogaden (1977-1978) e Início da Guerra Civil na década de 90

A região de Ogaden está situada no leste da Etiópia e foi o principal motivo de disputas

entre Somália e Etiópia. O povo de Ogaden é etnicamente somali e foi perseguido pelo

regime etíope desde o final do século XIX. A guerra de 1977-1978 foi considerada a

primeira guerra interestatal na África pós II Guerra Mundial, ou seja, os confrontos

tronaram-se mais complexos, tendo maiores consequências políticas econômicas e

sociais para a Somália (VALERIANO, 2011). Além disso, o conflito somali-etíope estava

21

Supostamente o assassinato do presidente não estava relacionado com os militares golpistas. Entendeu-se que foi um ato de revanche por disputas de Clãs (HAPPER, 2012).

24

inserido na lógica da Guerra Fria, que envolvia a disputa entre os EUA e URSS pela

posição geográfica estratégica que ambos os países possuíam.

Figura 1- Mapa da região do deserto de Ogaden Fonte: Unrepresented Nations and People Organization

Desde 1969, a Somália possuía relações estreitas com a URSS, que era a principal

fornecedora de equipamentos militares e treinamentos de exércitos, e em troca, a Somália

cedia parte de seu território para instalações de bases navais soviéticas. Até 1974 durante

a Revolução da Etiópia, o país era o mais importante aliado dos EUA na região do Chifre

da África, porém, devido à Revolução, houve uma maior aproximação com a URSS, e em

1977 ocorreu o fim das relações com os EUA.

Segundo Visentini (2012), a URSS tentou mediar a guerra por meios pacíficos, enviando

diplomatas e conselheiros militares na região a fim de propor uma negociação e o fim do

conflito, já que ambos os países eram aliados da União Soviética. O General somali, Said

Barre rejeitou a proposta da URSS de criar uma Confederação entre os Estados do Chifre

da África, e expulsou todos os assessores soviéticos do país (WEISS, 1980; VISENTINI,

2010). Desta forma, a URSS deixou de apoiar a Somália e enviou tropas cubanas para

dominar o território.

De acordo com Kruys:

O apoio soviético e cubano foi fundamental na vitória da Etiópia, seja pela cessão de helicópteros, tanques e armamentos em geral, seja pelo envio pelo envio de conselheiros militares e tropas qualificadas - nesse caso principalmente os cubanos. Foi esse apoio que o exército etíope foi capaz de proceder a uma

25

tática de vertical envelopment, isto é, ao transportar os tanques via helicóptero até a retaguarda somali, as tropas da Etiópia foram capazes de cercar as forças dos exércitos inimigos, impossibilitando-lhes o recuo (KRUYS, 2004 apud VISENTINI, 2012).

Portanto, a Somália não perdeu apenas o apoio soviético, mas também se viu isolada na

região, já que grande parte de seus vizinhos apoiaram a Etiópia durante a guerra. Devido

a esta situação, Barre iniciou uma aproximação somali com os EUA, recebendo

investimentos financeiros e armamento, em troca, os EUA ocupou a antiga base naval

que pertencia à URSS em Berbera (METZ, 1992). Após a derrota da guerra contra a

Etiópia, o General somali ordenou a retirada de suas forças do Ogaden. Essa derrota

significou o enfraquecimento do regime e a diminuição do apoio popular ao governo

militar, que ocasionou em consequências negativas sociais, políticas e econômicas para a

Somália.

Após a derrota militar, a Somália entrou em uma crise da qual jamais conseguiu sair. A

guerra de Ogaden não significou apenas uma derrota político-militar, mas também o

fracasso do projeto Pan-Somali que acarretou na profunda crise política, econômica,

ideológica e militar. De acordo com Ismail (2009), os cidadãos já não confiavam mais no

governo de Barre, os EUA não apoiavam e nem investiam o suficiente para reconstruir o

país, o exército estava enfraquecido, e o número de pessoas de etnia somali que vivia em

Ogaden passou a refugiar-se para o país em busca de proteção e refúgio, o que veio

agravar a situação econômica da Somália pela seca que assolou o Chifre da África e

também pelas consequências da guerra.

Diante de todos estes problemas, começaram a surgir diversos grupos armados que

defendiam os interesses de seus clãs. Desta forma, o General Barre foi derrotado e fugiu

do país em 1991. Os grupos vitoriosos estavam divididos e a Somália ficou fragmentada

em diversas regiões e tornou-se o único Estado Colapsado 22 no sistema internacional. Os

principais clãs pertenciam ao Congresso da Somália Unificada (USC), movimento que foi

dividido em dois grupos rivais: um liderado pelo presidente interino Ali Mahdi Mohammed

22

Entende-se como Estado Colapsado como a versão mais extrema do Estado Falhado, ou seja, são

aqueles Estados que não mais proporcionam bem-estar à população; há a deterioração das condições de vida e da infra-estrutura básica devido às precárias condições geográficas, ambientais, de causas externas, e também pelas decisões dos líderes e falhas dos mesmos, que provocam o enfraquecimento do Estado. O Estado Colapsado costuma ser uma mera representação geográfica, havendo um vácuo de autoridade e facilitando a tomada de outras forças que passam a tomar conta do Estado (ROTBERG, 2002).

26

e outro chefiado pelo general Mohammed Farah Aidid, que fundou a Aliança Nacional da

Somália (SNA), em 1992. Outro importante grupo era o clã Isac, reunido no Movimento

Nacional da (SNM), que conquistou o norte somali e autoproclamou a "República da

Somalilândia", que não foi reconhecida internacionalmente (RINEHARD, 2011).

O caos e a fome se alastravam por toda a Somália. Entidades humanitárias estrangeiras

enviavam remédios e alimentos, porém, eram confiscados pelos clãs, principalmente pelo

grupo armado de Aidid. Nos primeiros meses de conflito, foram estimadas

aproximadamente 30 mil mortes (AFRICAN WATCH, 1992) e também houve a

intensificação da pirataria marítima na costa somali que sequestrava navios industriais e

de tripulação, e exigiam resgates milionários (FAGUNDES, 2011). Desta forma, em 1992,

as tropas dos EUA foram autorizadas pela ONU em intervir na Somália, e no ano

seguinte, as tropas norte americanas foram substituídas pelas forças de paz da ONU, a

UNOSOM23, que foi composta por apenas 500 soldados e teve o objetivo de monitorar o

cessar-fogo e proteger a ajuda humanitária que durou até março de 1993 (ONU, 1993).

Porém, pouco depois, em dezembro do mesmo ano, os EUA retornaram com seu exército

na Força Tarefa Unificada (UNIFAT) 24 contra o clã de Aidid, sem derrotá-lo. Contudo, a

pressão da mídia e da opinião pública norte-americana, que eram contrárias ao

envolvimento na Somália, levou os EUA a se retirarem definitivamente em 1995.

Em março de 1993, foi implementada a segunda Operação das Nações Unidas na

Somália (UNOSOM II), que possuía um número maior de contingentes, como cerca de 20

mil soldados e objetivava prevenir a reativação da violência, controlar as ações de

desarmamento das milícias, fiscalizar violações de direitos humanos, efetuar a

recolocação de refugiados e proteger o pessoal e material da ONU e das ONGs, estando

autorizado a utilizar da força caso necessário (WEISS, 1996). Apesar da UNOSOM II ter

23

Resolução 751 do CS pede a todas as partes e a todos os movimentos e facções que facilitem os esforços que a ONU e suas instituições especializadas, bem como as organizações com vocação humanitária levar uma assistência humanitária de urgência à população da Somália, e pede novamente também que haja respeito, garantia e a segurança do pessoal das organizações e que seja garantida a total liberdade de movimento em Mogadíscio e nos arredores, bem como em outras partes da Somália. Na ausência de cooperação, o Conselho de Segurança não exclui a possibilidade de tomar outras medidas para assegurar o encaminhamento da ajuda humanitária. Disponível em <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unosom1mandate.html >. Acessado em 20 de outubro de 2014. 24

Resolução 794 do CS. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/794(1992)>. Acessado em 20 de outubro de 2014.

27

sido criada antes da UNITAF, quando os americanos se retiraram da Somália, o mandato

da UNITAF foi transferido para mesma.

Para lidar com o agravamento da crise na Somália, o Conselho de Segurança estabeleceu a UNOSOM II em Maio de 1993, a primeira operação de paz da ONU dotada poderes de força segundo o Capítulo VII da Carta. Usar a força para além da auto defesa, as forças de paz da ONU foram arrastadas para uma guerra de guerrilha destrutiva com o Senhor da guerra somali de Mogadíscio do Sul General Aidid, que sofreram pesadas baixas. Quando 18 soldados norte americanos apoiaram a operação da ONU, embora não sob o comando da ONU foram mortos em 03 de outubro de 1993 em Mogadíscio, os Estados Unidos decidiram retirar suas tropas dentro de seis meses (OPERAÇÃO DE MANUTENÇÃO DA PAZ, tradução nossa).

25

Após seu mandato ter sido estendido várias vezes, as tropas da UNOSOM II retiraram-se

da Somália, em março de 1995, sem, no entanto, ter obtido êxito na reconciliação dos

clãs somalis. Ambas as operações de paz provaram ser deficientes em pessoal e

equipamentos e, além de mostrarem ser incompetentes em auxiliar na reconstrução do

território e na reestruturação do governo local para trazer, enfim, a paz para a Somália.

Além disso, as operações de paz foram incapazes de defender os somalis da guerra civil,

dos crimes de guerra e dos abusos aos Direitos Humanos que ocorreram entre os clãs

(JACQUIN, 1999). Segundo Navi Pillay (1991), os ataques contra civis, principalmente em

Mogadíscio foram considerados crimes de guerra e violações graves dos Direitos

Humanos, onde houve instalação de “minas, bombas e outros engenhos explosivos em

zonas civis, e utilizaram civis como escudos humanos”.

As constantes brigas internas entre os clãs, principalmente em Mogadíscio, ocasionavam

em torturas e execuções aos indivíduos que não obedeciam às leis específicas de cada

grupo, além de recrutarem crianças para tornarem-se soldados nas forças armadas

(CLAUDE; ANDREOPOULOS, 2007). Segundo um dos peritos que analisa a situação dos

direitos humanos na Somália, Shamsul Bari:

25

Dealing with the deepening crisis in Somalia, the Security Council established in May 1993 UNOSOM II,

the first UN peacekeeping operation endowed with enforcement powers mission under Chapter VII of the Charter. Using force beyond self defense, UN peacekeepers were drawn into a destructive guerrilla war with the Somali warlord of South Mogadishu, General Aidid, and suffered heavy casualties. When 18 US Rangers supporting the UN operation although not under UN commando were killed on 3 October 1993 in Mogadishu, the United States decided to withdraw its troops within six months. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/50web/5.htm>. Acessado em 22 de outubro de 2014.

28

Em Mogadíscio e nas regiões meridional e central do país, as instituições judiciais cessaram de funcionar. Nas zonas controladas por grupos rebeldes, tribunais ad hoc julgam civis e condenam-nos a penas desumanas, sem um processo justo, numa clara violação da lei somali e do direito internacional [...] E é obrigação de todas as partes em conflito, respeitarem as suas obrigações e protegerem os civis, em conformidade com as Convenções de Genebra de 1949 e o Direito Humanitário Internacional (BARI, 2010).

Por consequência de dos complexos problemas apresentados, os direitos econômicos,

sociais e culturais também foram violados na Somália, ou seja, foi desrespeitado o direito

ao trabalho, a uma alimentação adequada, à educação, moradia e saúde, que são direitos

fundamentais à vida humana. Os que mais sofrem com essas violações são as mulheres,

os trabalhadores, os idosos e crianças, que estão mais expostos e são mais afetados com

as violações dos direitos humanos (NAVI PILLAY, 2010).

5. CONCLUSÃO

As operações de manutenção de paz, mesmo não sendo encontradas na Carta das

Nações Unidas, se tornaram um costume para a resolução de conflitos, principalmente

para aqueles que surgiram com as mudanças no sistema internacional com o fim da

bipolaridade.

Os conflitos que passaram a ocorrer com maior frequência dentro dos Estados, fizeram

com que a ONU reformulasse as missões de paz com objetivo de torná-las mais eficazes

em suas operações. As guerras civis passaram a exigir intervenções mais complexas e

eficientes, e dessa forma, o emprego do uso da força, caso necessário, e os direitos

humanos passaram a incorporar essas missões de paz.

Além disso, o aprimoramento ocorrido nas missões possibilitou que a ONU se

aproximasse mais dos organismos regionais, a fim de cooperarem tanto na área de

defesa quanto na área econômica, social e política (BELLAMY et al., 2004). Essa

cooperação está no capítulo VIII da Carta da ONU, no qual está prevista que as

organizações regionais devem agir de forma pacífica para solucionarem os conflitos e

tentarem chegar a um acordo antes de apresentarem o caso ao Conselho de Segurança.

29

Porém, no caso da Somália, na medida em que a crise humanitária se agravava, a força

de manutenção de paz tornou-se incapaz de cumprir sua própria ordem de monitorar o

cessar-fogo, proteger os integrantes da ONU, resguardar os direitos humanos dos civis e

manter suas atividades de assistência para socorro. Apesar da existência da UNITAF e

das duas operações de paz, UNOSOM I e II, não foram capazes de manter e se

abastecer. A Somália vivia (e ainda vive) uma situação caótica de deterioração dos

direitos humanos e humanitários.

Mesmo com todos esses graves problemas, o pessoal das Nações Unidas foi retirado da

Somália em 1995 alegando a falta de condições seguras em Mogadíscio. Além disso, o

apoio humanitário foi deixado sob responsabilidade de organizações não-governamentais

e da Cruz Vermelha. Mesmo após o colapso do Estado da Somália, não houve recursos

do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para fins humanitários e nem para

a árdua tarefa de reconstruir o Estado somali.

30

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