A importância do trabalho de campo no ensino aprendizagem ... · de observação passiva de uma...
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Eixo temático: 6.GEOGRAFIA FÍSICA E ENSINO. Título do trabalho: A importância do trabalho de campo no ensino-aprendizagem de geografia física. Autores: Fernando José Primo do Nascimento (graduando em geografia UFV – Viçosa, MG) [email protected]; Rosiene de Cássia Fia (graduanda em geografia UFV – Viçosa, MG) [email protected], Leandro Antônio Roque (graduando em geografia UFV – Viçosa, MG) [email protected], André Luiz Lopes de Faria (professor orientador geografia UFV – Viçosa, MG) [email protected].
A importância do trabalho de campo no ensino
aprendizagem de geografia física
Introdução
A ciência geográfica não é tida mais como aquela que apenas enumera e descreve
lugares, relevos, povos, fauna e flora.
Para além da simples descrição, concordamos que é necessário entender a paisagem1
para além daquilo que vemos e, neste sentido precisamos ir a campo não só para observamos,
mas, também, correlacionarmos os diversos elementos que compõem esta paisagem.
No ensino de geografia a aula de campo se torna uma possibilidade de fomentar um
olhar crítico sobre aquilo que se percebe através dos sentidos.
Neste sentido, acreditamos que o trabalho de campo proporciona a possibilidade de
trabalhar o olhar sobre a paisagem relacionando-o diretamente aos conceitos desenvolvidos
em sala de aula.
Desta forma passamos da mera observação/descrição para um posicionamento crítico
de entendimento da relação homem e a paisagem que o cerca.
Mas, ir a campo significa antes de tudo, se preparar para essa aventura pedagógica. É
necessário se ter em mente que professores e alunos devem estar preparados em termos de
conhecimento da área a ser visitada, bem como dos conteúdos a serem discutidos.
Segundo Luzia M. S. Tomita, antes de ir a campo é necessário desenvolver nas aulas
teóricas uma base sólida em relação aos conceitos e questões que serão tratados em campo.2 O
trabalho de campo é o momento no qual se torna possível por em prática os conhecimentos
construídos em sala de aula. Não deve ser confundido como um mero momento de lazer, nem
de observação passiva de uma paisagem.
Acreditamos que o trabalho de campo pode ser um importante instrumento de ensino
aprendizagem de conteúdos da ciência geográfica, e concordamos com Tomita quando esta
diz que estimulando um ensino pautado numa visão crítica, [...] “a Geografia estará
contribuindo para preparar o indivíduo para a sociedade e a prática da boa cidadania”.3
1 Paisagem aqui entendida como todos e elementos que percebemos através de nossos
sentidos. 2 TOMITA, Luiza M. S. Trabalho de campo como instrumento de ensino em Geografia. In:
Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 13, jan. / jun. 1999. 3 Idem.
Objetivos
O objetivo deste trabalho consiste na confirmação da importância de aliarmos teoria e
prática nas aulas de geografia. Neste trabalho daremos enfoque a uma prática ocorrida numa
aula de geografia cujo objetivo era entender a dinâmica da paisagem no litoral do estado do
Espírito Santo.
Objetivos da disciplina Geo 320 - “Dinâmica
fisiográfica do espaço brasileiro”
O objetivo desta disciplina foi o de entender a dinâmica da paisagem do território
brasileiro. Foram trabalhados os conteúdos referentes ao sistema natural brasileiro, sua
evolução geológica e geomorfológica. Discutimos também quais a potencialidades das
paisagens brasileiras bem como os diversos problemas ambientais associados aos diferentes
domínios morfoclimáticos segundo classificação de Aziz Ab’Saber.4
Discutimos acerca das diferenciações do relevo, a teoria da neotectônica, geologia e
geomerfologia das regiões costeiras e, os ambientes cársticos.
A partir dessas discussões em sala de aula foi proposto um trabalho de campo que
incluía uma visita às cidades Marataízes, Piúma, Anchieta e Guarapari, ambas situadas no
litoral do estado do Espírito Santo.
Características da área visita no trabalho de campo
O litoral brasileiro se estende desde o estado do Amapá extremo norte do território,
localizado na zona equatorial até o estado do Rio Grande do Sul na zona temperada sul. A
área na qual ocorreu o trabalho de campo desta disciplina localiza-se no litoral do estado do
Espírito Santo, na região sudeste do Brasil.
Nos ambientes costeiros, o movimento das ondas, das correntes marinhas e do vento
estão entre os maiores transformadores desta paisagem.
As ondas que chegam até a costa são responsáveis pelo deslocamento de grandes
quantidades de sedimentos oriundos do continente. Segundo Jorge A. Villwock, este
movimento conhecido como “deriva litorânea”, é [...] “um dos processos mais significativos
de transporte de sedimentos ao longo das costas arenosas”. 5
Os ventos, por sua vez, são responsáveis tanto pela formação das ondas quanto do
transporte de areia na superfície. O constante deslocamento das dunas se deve exatamente a
esta força dos ventos. Entre os transtornos causados por esse movimento destacamos a invasão
das áreas urbanizadas que necessitam constantemente remover essa areia.
4 AB’SABER, Aziz. Os domínios de natureza do Brasil – Potencialidades Paisagísticas. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 5 VILLWOCK, Jorge. A. et al. Geologia e Geomorfolia das regiões costeiras. In:
Quaternário do Brasil. Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005. p101.
O nível do mar também exerce papel importante nas mudanças das paisagens
litorâneas. Segundo Villwock, as variações paleoclimáticas e as mudanças do nível do mar,
que dela são resultantes, tem tido um papel importante na evolução das áreas costeiras. Isto
porque o movimento das águas oceânicas é responsável pelo dissecamento da costa. Ainda
segundo Villwock, [...] “a dinâmica costeira é a principal responsável pelos processos de
erosão e/ou deposição que mantêm as áreas litorâneas em constante transformação”.6
Devemos somar e esses fatores a ação do homem.
Em nossa primeira parada na cidade de Marataízes conseguimos constatar como esse
movimento do oceano pode causar impactos sobre as construções humanas. Esta cidade, assim
como inúmeras cidades brasileiras que se encontram no litoral ou no interior do continente,
não passou por um processo de planejamento que levasse em consideração as características
físicas e estruturais do solo ou outros aspectos, como por exemplo, o aumento do nível das
águas oceânicas.
Um dos maiores problemas enfrentados pela cidade no momento, é a constante perda
de terra firme próximo da costa. A avenida que se encontra beira mar está parcialmente
destruída e a força das ondas continua acelerando esse processo. Nesta primeira parada, a
partir dessas observações, discutimos sobre os fenômenos da regressão e transgressão
marinha.
O fenômeno conhecido como regressão marinha diz respeito ao recuo do mar, ou seja,
ocorre uma diminuição do nível do mar. A transgressão marinha, por sua vez, significa o
movimento contrário. A transgressão se refere ao movimento do mar em constante avanço
sobre o continente. Segundo estudos, o registro mais antigo que se possui de uma transgressão
marinha no Espírito Santo data de 5100AP. Este dado pode ser comprovado através da [...]
“presença de uma deposição arenosa, longe do mar atual, mas muito parecida, nas suas
características, com aquelas que atualmente formam os cordões litorâneos de restinga”. 7
Somado ao aumento do nível do mar, a cidade enfrenta ainda a forca das ondas contra
a costa. Numa tentativa de diminuir os danos causados por esse movimento surgiram algumas
propostas entre as quais a construção de três diques. A função destes paredões de pedra que
avançam sobre o mar (figuras 1e 2) é conter as forças das ondas que chegam até a avenida
beira mar que está sendo engolida devido à perda de solo (figuras 3 e 4).
Figura1- Dique para contenção da força do mar Figura 2 – Vista parcial do dique.
Foto: André L. L. de Faria. Foto: André L. L. de Faria.
6 Idem. p. 100.
7 Atlas de ecossistemas do Espírito Santo. SEMA: Viçosa, MG: UFV, 2008. p 219.
Figura 3- Avenida beira mar. Figura 4 – Vista parcial do dique.
Foto: Leandro D. C. Carvalho. Foto: André L. L. de Faria.
Seguimos então para a foz do rio Itapemirim onde pretendíamos observar o fenômeno
do carreamento de sedimentos do interior para o litoral espírito santense. Isso não foi possível
devido ao fato de nosso ônibus ter ficado preso sobre a areia, antes de alcançarmos nosso
destino.
No dia seguinte, já na cidade de Piúma podemos observar os mesmos fenômenos de
transgressão e regressão marinha que ocorrem na cidade de Marataízes. Após breve discussão
seguimos para as cidades de Anchieta e Guarapari.
Em Anchieta discutimos a formação das falésias. De acordo com Kenitiro Suguio et al.
“ As falésias marinhas constituem costas abruptas, caracterizadas pela erosão devida à alta
energia das ondas”. Ainda segundo Suguio et al. essas formações são comumente esculpidas na
Formação Barreiras8. A Formação Barreiras foi definida por Allaoua Saadi como manchas
sedimentares na forma de lençol que vão desde o Rio de Janeiro até a Guiana9.
As falésias se destacam na paisagem da costa brasileira por sua fascinante beleza (figura
5). Composta por uma série de camadas sedimentares, as falésias atestam o passado dinâmico de
transformação da paisagem através do processo de dissecação e deposição dos sedimentos.
Segundo Saadi:
[...] “sua forma inicial correspondia a rampas dentríticas
coalescentes mergulhando rumo ao nível de base atlântico. Estas
teriam acumulado a sedimentação correlativa de eventos de desnudação, ocorridos como respostas aos eventos de soerguimento
epirogenético que edificaram as superfícies culminantes em diversos
pontos do interior brasileiro”.10
O movimento das marés e os ventos são os principais responsáveis pelas transformações
ocorridas nessas formações litorâneas através da retirada desses sedimentos pelo processo
erosivo. As chuvas também contribuem à medida que retiram esses sedimentos. 8 SUGUIO, Kenitiro et al.Paleoníveis do mar e paleolinhas de costa. In: Quaternário do
Brasil. Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005. p126. 9 SAADI, Allaoua et al. Neotectônica da plataforma brasileira. In: Quaternário do Brasil.
Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005. p 218.
10
Idem.
Ao descermos até o nível do mar percebemos o quão intenso é esse processo de
desgaste da rocha provocado pela ação das águas do mar. Foi possível também observarmos as
diferentes camadas de sedimentos que formam esses paredões rochosos.
Seguimos para a cidade de Guarapari onde encontramos outras paisagens formadas por
dunas, paleodunas, ambientes lagunares e restingas (figura 6).
Figura 5 – Falésias em Anchieta – ES Figura 6 – Ambiente lagunar em Guarapari - ES
Foto: Leandro D. C. Carvalho Foto: Marcelo Mascarenhas
Esses ambientes também passaram por uma intensa modificação desde o início da
colonização portuguesa iniciada nas primeiras décadas do século XVI. Apesar de ser um
ambiente não muito propício para a fixação humana essas áreas foram ocupadas e no caso da
restinga restam apenas 10.000 hectares, de uma estimativa original de 75.000 hectares.11 A
urbanização é identificada como um dos principais processos de degradação desses ambientes
uma vez que muitas vilas foram formadas sobre estes ambientes como, por exemplo, as cidades
de Marataízes, Itaipava entre outras.12
Um dos objetivos de nossa visita à cidade de Guarapari foi a trilha feita no Parque
Estadual Paulo César Vinha, umas das poucas áreas de proteção dos ambientes de restingas no
litoral do estado do Espírito Santo. No parque assistimos a uma pequena palestra com
informações a respeito das diversas espécies e ambientes que encontraríamos em nossa
caminhada pela trilha.
O parque foi criado em 1990 para garantir a conservação da biodiversidade presente
nesta área litorânea capixaba. O parque se localiza na região sul do Estado e faz parte da
reserva de biosfera da Mata Atlântica. Sua área total é de 1.500 hectares composta por praias,
florestas de restinga, lagoas, dunas e alagados.13 A sede do parque se localiza próximo a uma
rodovia de intenso movimento o que facilita seu acesso. Mas, o grande fluxo de veículos
acaba por ser um grande risco para os animais que habitam aquele ambiente. Os monitores do
parque nos relatam que inúmeros animais são atropelados devido a esse fluxo.
A criação do parque segue uma linha de conservação que visa a proteção dos recursos
de forma a manter a estabilidade de um dado ecossistema. A entrada no parque é feita
mediante o pagamento de uma taxa que segundo informações dos monitores estaria ligada a
manutenção dos salários destes.
11
Atlas do ecossistemas do Espírito Santo. SEMA: Viçosa, MG: UFV, 2008. p 99. 12
Idem. 13
Idem. p. 414
Saímos da sede do parque e fomos em direção às praias. Durante nossa caminhada
podemos observar as mudanças que ocorrem na paisagem do parque à medida que nos
aproximamos da praia. O local onde se encontra a sede do parque possui uma vegetação bem
diferenciada daquela que encontramos na área mais próxima ao oceano.
Nas proximidades da praia nos deparamos como uma vegetação mais rasteira e de
pequeno porte (figura 7). À medida que se avança rumo ao continente a vegetação se torna
mais arbustiva, com a predominância de arbustos de baixo a médio porte que formam a mata
seca (figura 8).
No início não ultrapassam 1m de altura, mas, podem atingir cerca de 10m nas áreas
mais afastadas. Essa diferença pode ser explicada entre outras causas pelo desenvolvimento
do solo que já é mais expressivo na área mais afastada da praia onde predominam areias.14
Figura 7 – Vegetação de menor porte Figura 8 – Vegetação mais
próxima ao mar. arbustiva no interior do parque.
Foto: Marcelo Mascarenhas. Foto: Leandro D. C. Carvalho.
Encontramos próxima da área litorânea algumas espécies que são típicas de ambientes
muito secos como, por exemplo, os cactos (figuras 9 e 10).
Ainda na região mais próxima ao mar temos a presença de lagos e lagunas. A
vegetação é composta por poucas espécies vegetais que formam grandes massas compactas.15
Figura 9 Figura 10
Foto: Leandro D. C. Carvalho Foto: Marcelo Mascarenhas
14
Idem. p. 118. 15
Idem. p. 112.
Resultados e discussões
A disciplina ao tratar de aspectos empíricos da paisagem e seus processos exige um
nível de abstração elevado nas aulas teóricas. Os processos discutidos em sala de aula
muitas vezes não são passíveis de ser compreendidos de forma satisfatória, devido a não
possibilidade de relacioná-los de forma concreta, com elementos que estejam próximos dos
alunos.
A ida a campo permite transformar aquela representação subjetiva em um dado
visível permitindo que se discutam os processos referentes àquela paisagem e, ao mesmo
tempo possa haver uma correlação com os dados observados.
Devemos destacar que a ida a campo necessita de um planejamento e um cuidado
por parte do professor responsável, para que os objetivos (aliar teoria e prática) sejam
atingidos. As aulas teóricas e os objetivos do trabalho de campo devem estar
correlacionados e deverão ser explicitados para os alunos.
Através dos relatórios dos estudantes participantes do trabalho de campo, podemos
perceber que a ida a campo proporcionou uma compreensão mais eficaz dos conteúdos da
disciplina Dinâmica Fisiográfica do Espaço Brasileiro.
Muitas dificuldades aparecem quando determinadas questões, em geografia física,
são tratadas devido a não possibilidade de observação dos fenômenos e processos
discutidos. São inúmeras as terminologias utilizadas em várias disciplinas que são de difícil
assimilação por parte dos estudantes. Em muitos relatórios podemos perceber que os alunos
não se apropriam de determinados termos, mas são capazes de descrever os processos e os
elementos que os constituem.
Acredita-se que apesar de não haver uma apropriação de determinados termos por
parte do estudante, a ida a campo se mostra importante à medida que os processos e
fenômenos são assimilados e correlacionados com as teorias desenvolvidas em sala de aula.
Devemos ressaltar, que a apropriação dessas terminologias pelos alunos das disciplinas que
trabalham com as dinâmicas da paisagem, entre outras, será devidamente alcançada quando
estes tiverem um contato maior e fizerem um uso efetivo em sua vida acadêmica e no
mercado e trabalho.
Bibliografia
Atlas de ecossistemas do Espírito Santo. SEMA: Viçosa, MG: UFV, 2008.
AB’SABER, Aziz. Os domínios de natureza do Brasil – Potencialidades Paisagísticas. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
SAADI, Allaoua et al. Neotectônica da plataforma brasileira. In: Quaternário do Brasil.
Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005.
SUGUIO, Kenitiro et al. Paleoníveis do mar e paleolinhas de costa. In: Quaternário do
Brasil. Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005.
TOMITA, Luiza M. S. Trabalho de campo como instrumento de ensino em Geografia. In:
Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, jan. / jun. 1999.
VILLWOCK, Jorge. A. et al. Geologia e Geomorfolia das regiões costeiras. In: Quaternário
do Brasil. Ribeirão Preto: Holos Editora. 2005.