A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte...
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A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO
TRIBOLÓGICO DO CORTE POR ARRANQUE DE APARA
João Amaro da Silva Fernandes
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Mecânica
Orientadores: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa
Prof. João Paulo Davim Tavares da Silva
Júri
Presidente: Prof. Rui Manuel dos Santos Oliveira Baptista
Orientador: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa
Vogais: Prof. Jorge Manuel da Conceição Rodrigues
Prof. Gabriela Belinato
Junho 2017
i
“Life is measured in achievements not years alone” Bruce McLaren
ii
Agradecimentos
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer aos meus pais por me terem sempre guiado
e apoiado no meu percurso académico, gostaria também de agradecer a todos os colegas com quem
me cruzei ao longo do mesmo e que de alguma forma contribuíram para as circunstâncias em que
hoje me encontro.
No caso particular deste trabalho gostaria de agradecer ao Professor Pedro Rosa pela sua tremenda
disponibilidade e paciência e por me ter dado a oportunidade de trabalhar sob a sua orientação.
Gostaria ainda de agradecer aos colegas Diogo Silva e Pedro Sousa e funcionários, como o técnico
de laboratório Farinha, que diariamente me acompanharam e se cruzaram comigo nos laboratórios de
tecnologia mecânica sempre com uma palavra de incentivo e conselhos técnicos valiosos bem como
toda a equipa do Núcleo de Oficinas do Instituto Superior Técnico (NOF).
iii
Resumo
Os processos de corte por arranque de apara são utilizados no fabrico de muitos componentes e
sistemas do nosso quotidiano por permitirem combinar uma elevada flexibilidade na maquinagem de
geometrias complexas com um bom rigor geométrico e dimensional das peças maquinadas. Porém, o
mecanismo através do qual ocorre a remoção de material ainda não está perfeitamente
compreendido, nomeadamente no que respeita aos fenómenos base que influenciam a condição
tribológica na interface de contacto entre a apara e a ferramenta.
A presente dissertação aborda o efeito que a presença de Oxigénio tem no mecanismo de formação
de apara. Foi desenvolvida uma bancada de ensaios para permitir a realização de ensaios de corte
ortogonal em condições laboratoriais controladas. Esta montagem experimental permitiu controlar
vários parâmetros, nomeadamente a atmosfera envolvente à ferramenta de corte. Os ensaios foram
realizados utilizando uma atmosfera inerte de Árgon e uma atmosfera ativa de Oxigénio. Os provetes
de corte foram fabricados em AA1050 e chumbo tecnicamente-puro. A influência do Oxigénio no
mecanismo de formação de apara foi avaliada através da observação morfológica da apara e da
monitorização das forças envolvidas no processo de corte. Os resultados mostram que a atmosfera
inertes tende a reduzir a pressão específica de corte e a aumentar o enrolamento da apara. Porém, o
AA1050 mostrou menor sensibilidade ao Oxigénio relativamente à liga de chumbo.
Palavras-Chave: Corte ortogonal, experimental, atmosfera ativa e inerte, forças de corte.
iv
Abstract
Metal cutting is one of the most used industrial processes to give every day parts and materials their
final form. Despite its technical and economical relevance, the efforts made in the studying of this
process still show a lack of knowledge even on basic phenomena related with mechanical strain near
the tool cutting edge and with the tribological conditions at tool-chip interface.
The present work presents a study of experimental nature on orthogonal metal cutting in order to
estimate the influence of the atmosphere on the oxidation of freshly formed surfaces and its influence
on the global process.
Experimental development consisted on the construction of a test bench that allowed orthogonal metal
cutting to take place under standard laboratory conditions with special concern on the surrounding
medium. The development of this apparatus allowed direct confrontation with practical issues related
to the process, allowing to fairly increase the state of knowledge on this matter.
Inspection of chip morphology and force monitoring allowed to confirm the influence of the atmosphere
on the process. Pure oxygen and argon were used in order to promote active and inert atmospheres
respectively on the cutting of technically pure lead and 1050A aluminium. The surrounding of the
cutting zone with an inert gas while performing the cut of lead showed a reduction on the cutting forces
and friction coefficient also altering the chip morphology. These results are consistent with the
literature on this matter. Aluminium cutting, despite giving inconsistent results, showed a tendency to
give lower friction coefficients values, when cut under an inert atmosphere. Debate over these results
was presented on chapters 4 and 5 of this dissertation.
Keywords: Orthogonal metal cutting, experimental, active and inert atmospheres, cutting forces.
v
Índice
Agradecimentos ........................................................................................................................................ ii
Resumo ................................................................................................................................................... iii
Abstract.................................................................................................................................................... iv
Índice ........................................................................................................................................................ v
Lista de figuras ....................................................................................................................................... vii
Lista de tabelas ........................................................................................................................................ x
Nomenclatura .......................................................................................................................................... xi
Abreviaturas .......................................................................................................................................... xiii
1. Introdução ........................................................................................................................................... 14
2. Fundamentação teórica ...................................................................................................................... 17
2.1 Corte por arranque de apara ........................................................................................................ 17
2.1.1 Corte ortogonal ...................................................................................................................... 17
2.1.2 Modelos analíticos ................................................................................................................. 19
2.1.3 Formação da apara ............................................................................................................... 22
2.2 Tribologia ...................................................................................................................................... 25
2.2.1 Atrito ...................................................................................................................................... 26
2.2.2 Quantificação do atrito ........................................................................................................... 30
2.2.3 Natureza das superfícies ....................................................................................................... 33
2.2.4 Lubrificação ........................................................................................................................... 36
2.3 Modelação numérica do corte ortogonal. ..................................................................................... 37
3. Desenvolvimento experimental .......................................................................................................... 40
3.1 Bancada de ensaios ..................................................................................................................... 40
3.2 Instrumentação e aquisição de dados .......................................................................................... 41
3.2.1 Força...................................................................................................................................... 41
3.2.2 Deslocamento ........................................................................................................................ 43
3.2.3 Captura de imagem ............................................................................................................... 46
3.2.4 Aquisição e processamento de sinais ................................................................................... 47
3.3 Ferramenta de corte ..................................................................................................................... 48
3.3.1 Fixação e posicionamento ..................................................................................................... 49
3.3.2 Anel difusor ............................................................................................................................ 49
vi
3.3.3 Polimento e recondicionamento ............................................................................................ 50
3.4 Integração do aparato experimental ............................................................................................. 51
3.5 Levantamento da espessura das aparas ..................................................................................... 53
3.6 Materiais utilizados ....................................................................................................................... 54
3.6.1 Chumbo ................................................................................................................................. 54
3.6.2 Alumínio ................................................................................................................................. 54
3.6.3 Propriedades mecânicas dos materiais ................................................................................ 55
3.7 Procedimento experimental e plano de ensaios .......................................................................... 55
4. Análise e discussão de resultados ..................................................................................................... 57
4.1 Validação do procedimento experimental .................................................................................... 57
4.2 Influência da atmosfera no chumbo ............................................................................................. 59
4.3 Influência da atmosfera no alumínio ............................................................................................ 61
4.4 Influência da atmosfera no processo ........................................................................................... 63
4.5 Correlação entre estimativas teóricas e experimentação ............................................................ 66
5. Conclusões e perspetiva de trabalho futuro ....................................................................................... 69
5.1 Conclusões ................................................................................................................................... 69
5.2 Perspetiva de trabalho futuro ....................................................................................................... 69
Referências ............................................................................................................................................ 72
Anexos .................................................................................................................................................... 75
vii
Lista de figuras
Figura 1 - Termos usados no corte ortogonal; a) representação tridimensional do processo, onde
podem ser identificadas as velocidades de corte Vc e de saída, Vs ; b) representação bidimensional,
geralmente conhecida como geometria de corte, mostrando as variáveis que influenciam o processo.
(Cristino, 2007) ....................................................................................................................................... 17
Figura 2 - Hodógrafo do corte ortogonal. (Cristino, 2007) ..................................................................... 18
Figura 3 - Representação dos mecânicos de formação da apara, em que a ferramenta se move da
direita para a esquerda; a) observação do equilíbrio da apara na ação das forças transmitidas através
da interface apara ferramenta e através do plano de corte; b) modelo de Ernst-Merchant que descreve
o comportamento da apara como um corpo rígido. ............................................................................... 20
Figura 4 - Campo de linhas de escorregamento; a) proposto por Lee-Shaffer para o corte ortogonal, b)
círculo de Mohr. ...................................................................................................................................... 21
Figura 5 - Zonas de corte existentes no processo de corte por arranque de apara. ............................. 23
Figura 6 - Modos básicos de formação da apara; a) apara contínua; b) apara lamelar; c) apara
descontínua; d) apara com aresta postiça formada; e) apara com formação de fissura. ...................... 24
Figura 7 - Influência das condições de atrito no comprimento de contacto e na curvatura da apara. .. 25
Figura 8 - Distribuição de tensões na face de ataque da ferramenta; a) normais; b) de corte; c) zonas
de colagem e deslizamento na face de ataque da ferramenta. ............................................................. 26
Figura 9 - Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando
a tensão de atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal. São
apresentadas duas curvas (A e B) geradas a partir da lei do atrito de Bay. .......................................... 30
Figura 10 - Ensaios típicos de quantificação de atrito; a) representação esquemática do ensaio de
pino-no-disco. b) Geometria típica de um provete de ensaio em anel. (Candungo, 2009) ................... 33
Figura 11 - Aspeto real de uma superfície acabada: a) Esquema representativo das impurezas que
afetam a superfície dos metais; b) Forma geométrica de uma superfície vista ao nível microscópico. 35
Figura 12 - Decomposição do perfil de uma superfície mostrando os elementos que constituem a sua
textura (Rodrigues, 2006). ...................................................................................................................... 36
Figura 13 - Técnicas de simulação numérica; a) FEM; b) SPH ............................................................. 38
Figura 14 - Fase de projeto máquina ferramenta de corte ortogonal; a) câmara de controlo da
atmosfera; b) pormenor nos componentes móveis; c) pormenor da ferramenta de corte com anel
difusor. .................................................................................................................................................... 40
Figura 15 - Máquina ferramenta corte ortogonal. ................................................................................... 41
Figura 16 - Curva de calibração da célula de carga piezoeléctrica. ...................................................... 42
Figura 17 - Bobine de indução magnética; a) fase de projeto; b) peça final. ......................................... 44
Figura 18 - Sensores de deslocamento montados na sua posição final. .............................................. 44
Figura 19 - Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de sinal à entrada e à
saída. ...................................................................................................................................................... 45
Figura 20 - Curva de calibração para os sensores de deslocamento. ................................................... 46
Figura 21 - Interface gráfica programada em LabView. ......................................................................... 48
viii
Figura 22 - Acessórios do dispositivo de fixação da ferramenta de corte; a) desenho técnico da placa
metálica; b) desenho técnico cubo metálico; c) desenho técnico suporte micrómetro; d) acessórios
integrados no dispositivo de fixação. ..................................................................................................... 49
Figura 23 - Anel difusor; a) desenho técnico; b) peça final. ................................................................... 50
Figura 24 - Esquema de polimento da face de ataque da ferramenta; a) ferramenta sem acessório,
com danos na aresta de corte; b) ferramenta com acessório. ............................................................... 51
Figura 25 - Representação esquemática do aparato experimental implementado. .............................. 52
Figura 26 - Aparato experimental a) extremidade do canhão eletromagnético, existente (esquerda),
fabricada (direita) b) aparato experimental funcional. ............................................................................ 52
Figura 27 - Exemplo de apara cotada através do software Autocad. .................................................... 53
Figura 28 - Fases de fabrico do provete de chumbo; a) lingote fundido; b) peça final. ......................... 54
Figura 29 - Provete de alumínio; a) desenho técnico; b) provete final. ................................................. 55
Figura 30 - Comparação qualitativa de forças de corte e penetração em função do tempo; a)
resultados Cristino (2011); b) resultados deste trabalho. ...................................................................... 57
Figura 31 - Forças de corte e de penetração, resultantes de um ensaio a um provete de chumbo, para
uma espessura de corte de 0.150mm, em função do deslocamento para condições quasi-estáticas e
de alta velocidade ................................................................................................................................... 58
Figura 32 - Comparação de valores da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro
em função da espessura de corte para diferentes condições de velocidade de corte e lubrificação. ... 58
Figura 33 - Condição da superfície maquinada do provete de alumínio após um ensaio em condições
quasi-estáticas. ....................................................................................................................................... 59
Figura 34 - Forças de corte para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para
diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte. .................................................................... 59
Figura 35 - Forças de penetração para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte
para diferentes condições de atmosfera e de velocidade de corte. ....................................................... 60
Figura 36 - Pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função espessura de
corte para diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte. ................................................... 61
Figura 37 - Forças de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes
condições de atmosfera. ........................................................................................................................ 61
Figura 38 - Forças de penetração para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para
diferentes condições de atmosfera. ....................................................................................................... 62
Figura 39 - Pressão específica de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para
diferentes condições de atmosfera. ....................................................................................................... 62
Figura 40 - Coeficiente de atrito em função da espessura de corte para a gama de ensaios planeada à
exceção do corte de alumínio em condições quasi-estáticas. ............................................................... 63
Figura 41 - Aparas resultantes do corte ortogonal; a) 0.020mm alumínio oxigénio AV; b) 0.020mm
alumínio árgon AV; c) 0.040mm chumbo oxigénio AV; d) 0.040mm chumbo árgon AV; e) 0.15mm
Chumbo oxigénio QS; f) 0.15mm Chumbo árgon QS. ........................................................................... 64
Figura 42 - Logaritmo do raio de enrolamento da apara em função da espessura de corte para a gama
de ensaios planeada com a exceção dos ensaios de alumínio em condições quasi-estáticas. ........... 65
ix
Figura 43 - Ângulo do plano de corte em graus em função da espessura da seção de corte. ............. 66
Figura 44 - Forças de corte e de penetração para alumínio AA1050 em função do deslocamento do
provete respeitantes ao corte real e simulado no software DEFORM, com e=0.15mm e Vc=204m/min.
................................................................................................................................................................ 66
Figura 45 - Forças de corte e de penetração reais e resultantes de simulação numérica para alumínio
AA1050 em função do coeficiente de atrito, e=0.150mm e Vc=204m/min. ............................................ 67
Figura 46 - Corte ortogonal de alumínio AA1050 para e=0.150mm, Vc=204m/min a) simulação
numérica com µ =0,7 b) experimental. ................................................................................................... 68
Figura 47 - Quantificação da folga do conjunto guia + carro móvel; a) deslocamento do carro em
função da carga aplicada; b) aparato experimental utilizado. ................................................................ 71
x
Lista de tabelas
Tabela 1- Valores das constantes do modelo proposto para a caracterização mecânica do chumbo
tecnicamente puro e do alumínio AA1050. ............................................................................................ 55
Tabela 2 - Plano de ensaios. .................................................................................................................. 56
xi
Nomenclatura
Apresentam-se de seguida os principais símbolos utilizados nesta dissertação e o seu significado
Ao - Área transversal de corte
b - Largura de corte
Fc - Força de corte
Fp - Força de penetração
Fa - Força de atrito
FN - Força normal
k - Tensão de corte máxima
Ks - Pressão específica de corte
Lc - Comprimento de contacto
m - Fator de atrito
P - Pressão normal de contacto
R - Força resultante
Ra - Rugosidade média
Rc - Grau de encalque
Vc - Velocidade de corte
Vs - Velocidade de saída da apara
VAB - Velocidade no plano corte
Wc - Potência de corte
Z- Taxa de remoção do material
AB - plano de corte AB
Símbolos gregos
α - Ângulo de ataque
β - Ângulo de atrito
xii
σ - Ângulo de saída
𝑒 - Espessura de corte
𝑒’- Espessura da apara
ϕ - Ângulo do plano de corte
𝜏𝐴𝐵- Tensão de corte no plano AB
𝜏𝑖 - Tensão média de corte na superfície de contacto
µ - Coeficiente de atrito
xiii
Abreviaturas
AV - Alta velocidade
QS – Quasi-estático
ASTM - American Society for Testing and Materials
FEM - Finite Element Method
SPH - Smoothed Particle Hydrodynamics
ALE - Arbitrária Lagrangeana
PCB - Printed Circuit Board
AC - Corrente alternada
CC - Corrente contínua
LDT - Linha de descontinuidade de tensão
14
1. Introdução
O corte por arranque de apara envolve diversos fenómenos físico-químicos complexos que tendem a
dificultar a compreensão e a modelação dos processos de maquinagem. Isto tem promovido a
investigação teórica através da utilização de técnicas de simulação numérica para resolver as não-
linearidades e a interdependência entre os fenómenos físicos considerados nos modelos teóricos do
corte por arranque de apara. Porém, nem os programas de simulação numérica mais recentes
parecem conseguir encontrar uma solução completa para uma gama alargada de condições
operativas. Esta divergência parece indiciar a ausência da contabilização de algumas contribuições
fenomenológicas nos modelos conceptuais do corte por arranque de apara.
A investigação teórica do mecanismo de formação da apara teve inicio no século passado pelo
desenvolvimento de modelos teóricos que permitissem modelar o comportamento mecânico do
material desde o instante em que a ferramenta toca no material até à formação e escoamento da
apara sobre a face de ataque da ferramenta. Durante a formação da apara ocorre uma deformação
plástica severa do material, em condições de alta taxa de deformação e elevada temperatura. Isto
motivou o desenvolvimento de novos modelos constitutivos e técnicas experimentais de calibração
para permitir modelar o escoamento plástico do material de uma forma mais realista. Porém, mesmo
com a utilização de modelos constitutivos sofisticados e ensaios mecânicos dedicados parece
continuar a existir diferenças entre as estimativas teóricas e experimentação.
As condições severas de formação e escoamento da apara promovem a iniciação e o coalescimento
de fissuras no material. Este mecanismo de fratura é essencial para permitir que a ferramenta de
corte avance através do material. Para que este mecanismo de fratura dúctil ocorra é necessário o
fornecimento de energia adicional para formar as novas superfícies da apara e a superfície
maquinada da peça. Por esta razão, a tendência atual tem sido à da contabilização da contribuição
da tenacidade à fratura nos modelos teóricos. Porém, continuam a existir dúvidas se a contabilização
deste fenómeno será suficiente para encontrar uma solução geral para o problema do corte ortogonal.
Muitos investigadores têm referido que a energia dissipada por atrito tem uma contribuição muito
significativo no valor da energia total para a formação da apara. Esta afirmação é inquestionável e
observável na prática pela importância que é atribuída aos óleos industriais. Porém, alguns destes
investigadores reforçam que o valor da energia dissipada durante a formação de apara é muito
superior aos valores previstos pela teórica matemática da tribologia. Estes investigadores defendem
que não é suficiente a utilização da teoria da plasticidade e da teórica da mecânica da fratura dúctil
para uma modelação correta do mecanismo de formação da apara sem a correta contribuição dos
mecanismos tribológicos. Deste modo, parece fundamental o desenvolvimento de estudos
compreensivos da condição tribológica na interface de contacto entre a apara e a ferramenta em
condições semelhantes às condições operativas dos processos de maquinagem.
15
A análise tradicional do atrito no corte por arranque de apara, bem descrita em Childs (2006), não
considera as reações das superfícies recém-geradas com elementos químicos existentes no meio
envolvente, seja este meio líquido (p.ex. emulsão de corte) ou gasoso (p.ex. sopro de ar-comprimido).
Esta abordagem desconsidera os fenómenos químicos e a sua influência no enrolamento da apara,
mesmo tendo em conta a elevada sensibilidade dos metais à oxidação. Do mesmo modo, desvaloriza
os efeitos químicos dos aditivos existentes nos fluidos de corte, distorcendo a real contribuição do
coeficiente de atrito ao longo da face de ataque da ferramenta.
Durante o corte de metais são geradas novas superfícies virgens e quimicamente ativas devido à
propagação de fissuras, em condições de alta temperatura pelo calor gerado pela deformação
plástica e na presença de meio envolventes ativos. Estas circunstâncias potenciam o aparecimento
de pontos de soldadura entre a face recém gerada da apara e a face de ataque da ferramenta,
especialmente na presença de fortes tensões compressivas (Bowden e Rowe 1956). No entanto,
mesmo em condições de maquinagem a seco, este fenómeno nem sempre se verifica. Isto implica
que alguns gases ou vapores presentes na atmosfera são capazes de inibir a formação de pontos de
soldadura. De facto, existem estudos que sugerem que os filmes de óxido podiam influenciar o
escorregamento da apara, principalmente porque a sua presença evitava o contacto metal-metal
(Bowden e Tabor 1954). Rowe e Smart (1963) testaram provetes de aço macio num torno
convencional, controlando a atmosfera envolvente, fazendo incidir um jato de gás diretamente na
interface apara-ferramenta, e concluíram que a ausência de oxigénio no corte resulta em forças de
corte mais elevadas e na deterioração da qualidade de acabamento da superfície maquinada, quando
comparadas com condições de atmosfera ambiente. Mais tarde, Williams e Stobbs (1979)
demonstraram experimentalmente que, tanto o alumínio como o cobre, apresentavam valores das
forças mais baixas para velocidades de corte de 2mm/s em câmara de vácuo. Por outro lado, o corte
do aço macio nestas mesmas condições apresentava forças de corte mais elevadas quando
comparados com o corte à pressão atmosférica. Mais recentemente foram ainda levadas a cabo
experiências utilizando vapor de tetraclorometano como lubrificante numa câmara inicialmente em
vácuo, onde se verificou a redução do coeficiente de atrito na interface apara-ferramenta em
condições de corte ortogonal de uma liga envelhecida de alumínio 2014 (Wakabayashi, Williams e
Hutchings 1993). Cristino (2011) encontrou a mesma tendência no corte de chumbo, verificando uma
redução das forças de corte e maior enrolamento apara com a redução da percentagem de oxigénio
no meio envolvente. Estes estudos mostram a importância dos lubrificantes gasosos no corte de
metais (Wakabayashi 1993). Porém, uma análise mais detalhada mostra a incerteza que existe sobre
o real efeito da oxidação ou não oxidação, das superfícies recém geradas, no coeficiente de atrito e
consequentemente nas forças envolvidas nos processos de corte. Os estudos anteriores foram
realizados em condições operativas muito distintas o que invalida a comparação dos resultados.
Deste modo, importa a realização de ensaios com diferentes atmosferas em condições operativas
comparáveis.
A presente dissertação é motivada pelo trabalho desenvolvido por Cristino (2011), procurando
contribuir para a compreensão da influência do oxigénio existente na interface de contacto apara-
16
ferramenta para a condição tribológica do corte ortogonal. O documento está estruturado em cinco
capítulos, incluindo a presente introdução. O segundo capítulo faz uma breve introdução aos
fundamentos considerados relevantes para a compreensão do trabalho desenvolvido na presente
dissertação e está dividido em três subcapítulos. No primeiro subcapítulo, são apresentadas as
definições básicas do que se considera corte ortogonal, caso particular do corte por arranque de
apara e é feita uma breve referência aos fenómenos associados à formação da apara. O segundo
ponto aborda a tribologia introduzindo o tema do atrito, os seus mecanismos e técnicas de
quantificação. O terceiro ponto passa por uma breve apresentação sobe a modelação numérica do
corte ortogonal, para mais tarde auxiliar no projeto da bancada de ensaios.
O terceiro capítulo faz referência ao desenvolvimento experimental do presente trabalho, onde é
apresentado o aparato que foi construído com a finalidade de controlar o maior número de variáveis
operativas possível e possibilitar a avaliação da influência do oxigénio no mecanismo de formação da
apara. São mencionados os principais desafios à sua construção e as soluções adotadas para a
resolução dos mesmos. Ainda no terceiro capítulo apresentam-se os materiais estudados e é definido
o procedimento experimental a executar.
O quarto capítulo refere-se à discussão dos resultados obtidos, começando por uma análise da
morfologia da apara, da espessura e do raio de enrolamento da apara para diferentes condições
operativas. Na segunda parte deste capítulo são analisados os resultados obtidos para as forças de
corte, comparando com o trabalho desenvolvido por Cristino (2011) em chumbo tecnicamente-puro
analisando as diferenças entres tipos de materiais entre condições de corte quasi-estáticas e
dinâmicas o que permitiu uma melhor interpretação dos resultados obtidos para a liga de alumínio
1050A. Por último são apresentadas no quinto capítulo as conclusões e perspetivas de trabalho futuro
resultantes deste trabalho.
17
2. Fundamentação teórica
Devido ao facto da modelação do corte por arranque de apara ser caracterizada por um elevado
número de parâmetros, é importante a introdução e compreensão de definições básicas do processo
de corte. Neste capítulo são introduzidos os conceitos teóricos que servem de suporte aos
desenvolvimentos teóricos e experimentais apresentados na presente dissertação.
2.1 Corte por arranque de apara
Esta secção apresenta uma descrição dos mecanismos de formação da apara com base no
pressuposto de que os processos de corte por arranque de apara podem ser analisados usando
modelos baseados simplesmente na teoria da plasticidade e da tribologia clássica. Esta aproximação
é considerada na generalidade das análises teóricas e na maioria das principais contribuições para a
compreensão do corte ortogonal.
2.1.1 Corte ortogonal
Os processos de corte por arranque de apara envolvem geralmente um escoamento plástico
tridimensional cuja complexidade tende a dificultar o estudo e a compreensão do mecanismo de
remoção de material. Como alternativa é possível considerar o escoamento da apara em condições
de deformação plana, permitindo representar as componentes vetoriais da força de corte e o campo
de deformações da apara num plano bidimensional (Merchant, 1944). Esta forma simplificada de
analisar o processo tem sido muito utilizada, nomeadamente nos trabalhos que envolvem a
comparação entre estimativas teóricos e medidas experimentais.
Figura 1 - Termos usados no corte ortogonal; a) representação tridimensional do processo, onde podem ser
identificadas as velocidades de corte Vc e de saída, Vs ; b) representação bidimensional, geralmente conhecida como geometria de corte, mostrando as variáveis que influenciam o processo. (Cristino, 2007)
A representação esquemática da Figura 1.a) permite correlacionar o escoamento real da apara com a
versão simplificada e compreensiva do corte ortogonal, através do estudo de um plano paralelo ao
escoamento da apara e perpendicular à aresta de corte da ferramenta. A face de ataque da
ferramenta sobre a qual ocorre o escorregamento da apara é considerada plana sem utilização de
quebra apara. A outra superfície da ferramenta é denominada de face de saída da superfície
maquinada do componente (Figura 1.b). O ângulo diedro reto entre a face de ataque e o plano da
18
secção de corte é designado por ângulo de ataque, α, enquanto o ângulo diedro reto entre a face de
saída e à superfície recém-formada da peça é denominado de ângulo de saída, σ. A espessura da
secção de corte do material a remover é denominada espessura de corte, 𝑒, que por simplicidade é
considera constante apesar de na realidade esta poder variar no decorrer do processo de corte. A
Figura 1.b) apresenta também a espessura da apara, 𝑒’, como resultado da transição do material
cortado através de um plano de corte AB onde ocorre um máximo das tensões de corte e contêm a
aresta de corte da ferramenta. A posição deste plano é feita relativamente ao plano da velocidade de
corte e é denominado por ângulo de corte, ϕ.
A razão entre a espessura de corte e a espessura da apara denomina-se por grau de encalque, Rc e
permite obter experimentalmente o valor do ângulo de corte medindo a espessura da apara, através
das seguintes relações:
𝑅𝑐 =
𝑒′
𝑒=
𝐴𝐵 ∙ cos (ϕ − α)
𝐴𝐵 ∙ sin (ϕ)= 𝑐𝑜𝑡ϕcosα + sinα (1)
ϕ = cot−1 [
𝑅𝑐 − 𝑠𝑖𝑛𝛼
𝑐𝑜𝑠𝛼] (2)
Através da condição de incompressibilidade é possível obter a velocidade da apara, Vs :
𝑉𝑠 =
𝑉𝑐
𝑅𝑐
(3)
onde Vc é a velocidade de corte e pode ser observada na Figura 1. a)
A velocidade através do plano de corte, VAB pode ser obtida com base no hodógrafo da figura
seguinte, através da seguinte equação:
𝑉𝐴𝐵 = 𝑉𝑐
cos 𝛼
cos( ϕ − α) (4)
Figura 2 - Hodógrafo do corte ortogonal. (Cristino, 2007)
19
No corte ortogonal a reação da peça sobre a ferramenta é simplificada a uma única força aplicada na
aresta de corte e denominada por força resultante, R. A determinação desta força é normalmente
realizada experimentalmente através da medição de duas componentes ortogonais de força: uma na
direção do corte onde se mede a força de corte Fc e outra na direção ortogonal onde se mede a força
de penetração Fp.
Na maioria dos casos a energia consumida pela força de corte é superior à energia consumida na
direção ortogonal, sendo esta última negligenciada no cálculo da potência de corte, Wc, que é então
dada pela seguinte equação:
𝑊𝑐 = 𝐹𝑐 ∙ 𝑉𝑐 (5)
A pressão ou potência específica de corte, KS, pode ser interpretada como um parâmetro que avalia
a eficiência do processo de corte. Este coeficiente tem pois as dimensões de uma potência por
unidade de volume de material cortado por unidade de tempo e também de uma força por unidade de
superfície.
𝑊𝑐
𝑍=
𝐹𝑐 . 𝑉𝑐
𝐴0. 𝑉𝑐
=𝐹𝑐
𝐴0
= 𝐾𝑠 (6)
onde A0 é a área transversal da espessura da apara antes do corte, definida como o produto da
espessura de corte pela largura (Figura. 1).
2.1.2 Modelos analíticos
Ao longo dos anos, diversos esforços foram feitos para descrever o processo de formação da apara.
Este esforço foi já sumarizado por diferentes autores como Zorev (1966) e Armarego (1969) entre
outros. De uma forma geral estes modelos baseiam-se na teoria da plasticidade e utilizam o grau de
encalque para descrever a geometria do processo. Na presente seção são apresentados em primeiro
lugar pressupostos habitualmente assumidos no estudo do corte ortogonal e em seguida diferentes
modelos analíticos para este processo. Discussões sobre a sua validade podem ser encontradas nas
referências (Zorev, 1966) e (Armarego, 1969).
Postulados
A aplicação da teoria da plasticidade ao estudo do corte por arranque de apara pode ser simplificada
pela utilização do modelo de corte ortogonal, que conduz a uma condição de deformação plana. Esta
condição particular de deformação plástica pode ser assumida quando a largura da apara é muito
superior à espessura de corte (rácio superior a 20). Para garantir condições de corte livres a aresta
de corte da ferramenta deve ter uma largura superior à peça a cortar, a aresta de corte deve ainda
ser afiada para que as forças de atrito na face de saída possam ser desprezadas, não se
considerando por isso o raio de afiamento da ferramenta e a contribuição do contacto na face de
20
saída. O processo de formação da apara é ainda considerado como sendo estacionário desprezando-
se fenómenos dinâmicos, tais como vibrações, propagação frágil de fissuras ou fenómenos de apara
aderente. O material da peça também é considerado rígido perfeitamente plástico, não sendo
considerado o comportamento elástico e o encruamento implícito nos materiais reais de engenharia.
A existência de elevadas extensões plásticas permite que as extensões elásticas sejam desprezadas.
O comportamento do material é considerado independente da taxa de deformação, da temperatura e
dos efeitos de inércia.
De todas as resistências a vencer, as únicas consideradas são as de deformação plástica da apara,
concentrada no plano de corte (modelo idealizado do plano de corte sem espessura) e a de atrito
entre a apara e a face de ataque da ferramenta. Existem ainda outros modelos onde se considera a
mecânica da fratura dúctil, no entanto estes por serem mais complexos não são descritos neste
trabalho.
Ernst-Merchant
Ernst-Merchant (1941) apresentaram a primeira análise completa, denominada solução do ângulo de
corte. A análise foi elaborada assumindo que a apara se comporta como um corpo rígido e que esta
se mantem em equilíbrio pela ação das forças transmitidas na interface apara ferramenta e através
do plano de corte, Figura 3. a). Este modelo é baseado numa representação simplificada das
tensões existentes no processo de corte ortogonal, apresentando algumas limitações.
Figura 3 - Representação dos mecânicos de formação da apara, em que a ferramenta se move da direita para a
esquerda; a) observação do equilíbrio da apara na ação das forças transmitidas através da interface apara ferramenta e através do plano de corte; b) modelo de Ernst-Merchant que descreve o comportamento da apara
como um corpo rígido.
Da interpretação do diagrama de forças da Figura 3. b) temos que:
𝐹𝐶 =
𝐴0 ∙ 𝜏𝐴𝐵
sin (ϕ)∙
cos (𝛽 − 𝛼)
𝑐𝑜𝑠(ϕ + β − α) (7)
21
Expressão na qual ϕ é desconhecido. No processo de corte a geometria global não é conhecida a
priori. Toma-se então o postulado de que ϕ assume o valor que conduz à condição da força de corte,
Fc mínima para as condições de corte, minimizando assim o trabalho realizado durante o processo de
corte. A aplicação de este princípio à equação anterior possibilita a obtenção de ϕ minimizando Fc em
relação a este.
𝜕𝜏
𝜕ϕ=
𝑅
𝑡0
[cos(𝛽 + ϕ − α) cos(ϕ) − sin (𝛽 + ϕ − α)sin (ϕ)] =𝑅
𝑡0
cos(𝛽 + 2ϕ − α) = 0 (8)
de onde resulta para ϕ :
2ϕ + β − α =𝜋
2 (9)
e o valor mínimo de Fc
𝐹𝑐 =
𝐴0𝜏𝐴𝐵cos (𝛽 − 𝛼)
[1 − sin (𝛽 − 𝛼)] (10)
As equações (9) e (10) mostram ainda a relação entre o ângulo de atrito, β, o ângulo de ataque, α e a
força de corte Fc.
Lee-Shaffer
Lee-Shaffer (1951) aplicaram a teoria da plasticidade ao corte ortogonal, analisando a distribuição de
tensões e de deformações numa zona plástica triangular “ABC”. O método das linhas de
escorregamento foi empregue para propor uma solução que satisfizesse as condições de tensão e
velocidade para o mecanismo de formação da apara contínua. O modelo idealizado do plano de corte
foi aplicado, onde toda a deformação ocorre num plano que se estende desde a aresta de corte da
ferramenta até ao ponto de intersecção da superfície livre de trabalho com a apara. A tensão de corte
máxima em toda esta zona é 𝜏𝐴𝐵 = 𝑘 (a tensão de corte no plano) e os dois sentidos desta são
indicados pelos dois pares de linhas de escorregamento.
Figura 4 - Campo de linhas de escorregamento; a) proposto por Lee-Shaffer para o corte ortogonal, b) círculo de
Mohr.
22
Considerações semelhantes podem ser aplicadas ao estado de deformação num ponto. Nesse caso,
existe uma relação simples entre as deformações principais. A partir daí, segue-se que as
deformações normais εα e εβ sobre as direções de tensão de corte máxima são zero. Por outras
palavras, não há variação no comprimento ao longo das linhas de escorregamento. Deve haver uma
solução de linhas de escorregamento consistente com a solução de linhas de escorregamento
descrita anteriormente. Ao considerar o movimento relativo da ferramenta e o trabalho do material,
pode ser demonstrado que a velocidade das partículas ao longo das linhas de escorregamento é
constante e ABC move-se como um corpo rígido. Através de AB há uma descontinuidade na
componente tangencial da velocidade que produz a deformação plástica necessária para se formar a
apara. Assim, na solução de Lee-Shaffer, o corte tem lugar apenas no plano de corte.
Pela geometria calculada com recurso ao plano de Mohr pode demonstrar-se que a solução de Lee-
Shaffer resulta na seguinte expressão para o ângulo do plano de corte ϕ:
ϕ + 𝛽 − 𝛼 =𝜋
4 (11)
A força de corte, Fc, pode ser obtida, considerando o equilíbrio da região ABC. Dado que a superfície
BC está livre de tensões, a força sobre a ferramenta é igual à força sobre a superfície AC. Pode-se,
portanto, demonstrar que:
𝐹𝑐 = 𝑘 ∙ 𝐴𝐵̅̅ ̅̅ (1 + 𝑐𝑜𝑡ϕ) (12)
Lee-Shaffer perceberam que a equação (11) poderia não se aplicar quando 𝛽 =𝜋
4 e 𝛼 = 0 uma vez
que com esses valores ϕ seria zero e a espessura da apara, e‘, seria infinita. Considerou-se, no
entanto, que essas condições de baixa inclinação e de atrito elevado levam à formação de uma
aresta postiça (apara aderente junto à aresta de corte da ferramenta), como foi observado por Herbert
(1926) e Boston (1930). Para contemplar este ponto, uma segunda solução foi apresentada por
(Lee,1954) para uma nova geometria onde se considera a formação de uma aresta postiça na face da
ferramenta.
2.1.3 Formação da apara
Uma característica particular do corte por arranque de apara é o facto de que o objeto das
observações, a zona onde a deformação ocorre, não fazer parte do produto final, mas sim, pertencer
ao material removido a este sob a forma de apara. O limite da zona afetada não é determinado de
antemão pela geometria da ferramenta de corte, desde que somente uma superfície da apara esteja
em contacto com a ferramenta. O facto de a superfície exterior da apara ser livre conduz à
formação de diferentes tipos de apara e à obtenção de diferentes curvaturas, dependendo do
material de trabalho e das circunstâncias de corte.
23
Zonas de corte
Na figura seguinte são esquematizadas as três zonas típicas de deformação plástica no processo de
corte, onde Lc é o comprimento de contacto:
Figura 5 - Zonas de corte existentes no processo de corte por arranque de apara.
A primeira zona estende-se desde a aresta de corte da ferramenta, através de um plano, conhecido
como plano de corte, até à superfície do material, limitando as zonas de material antes e após
deformação plástica, conhecida como a zona de corte primária. A segunda região ocorre ao longo da
face de ataque da ferramenta, denominada zona de corte secundária, resultando do atrito na
interface apara-ferramenta. Um fenómeno similar ocorre na zona de corte terciária, uma vez que a
nova superfície maquinada ainda está momentaneamente em contacto com a face de saída da
ferramenta.
Tipo e forma das aparas
A apara removida por uma ferramenta de corte pode ser classificada como contínua ou descontínua.
Na formação descontínua da apara, a forte deformação plástica tende a dividir a apara em
segmentos, ou pode ocorrer rotura. Geralmente, materiais frágeis tendem a formar aparas
descontínuas. A alteração dos parâmetros de corte, tais como, o aumento da velocidade de corte, o
aumento do ângulo de ataque (positivo) ou a lubrificação da área de corte, tendem a promover a
formação de uma apara continua. Já, por exemplo, o aumento da espessura de corte tende a
produzir uma apara descontínua, facto verificado por (Rosenhain, 1925). Os fatores que influenciam
a formação de aparas descontínuas foram estudados teoricamente e experimentalmente por alguns
investigadores como (Cook, 1954) e (Lee, 1954).
Em determinadas circunstâncias é ainda possível observar a formação de uma aresta postiça de
corte, também conhecido como o fenómeno de apara aderente que ocorre na face de ataque da
ferramenta. Este é um fenómeno intermitente e dos principais fatores a influenciar a rugosidade da
superfície maquinada. Quando uma apara aderente cresce o suficiente, esta é arrancada da face de
ataque e escoa ao longo da mesma, mas também ao longo da face de saída, podendo
inclusivamente provocar danos na peça final.
24
Em suma, um grande número de fatores determina o tipo de apara que se obtém em determinadas
circunstâncias de corte. Estes fatores estão intimamente relacionados com as propriedades
mecânicas e químicas do material de trabalho, a afinidade metálica entre o par apara-ferramenta e os
parâmetros de corte. A revisão da literatura demonstra que este não é um assunto consensual
no entanto segundo Cristino (2007) é usual distinguir entre cinco modalidades básicas de
formação da apara, as quais se encontram esquematicamente representadas na figura seguinte.
Figura 6 - Modos básicos de formação da apara; a) apara contínua; b) apara lamelar; c) apara descontínua; d)
apara com aresta postiça formada; e) apara com formação de fissura.(Cristino, 2007)
Na Figura 6. a) esta representada uma apara continua com uma espessura constante e um grau de
deformação uniforme, este tipo de apara é comum à maioria dos materiais dúcteis. As aparas
contínuas estão geralmente associadas a um bom acabamento superficial e forças de corte estáveis,
no entanto estas podem-se tornar indesejadas na medida a sua dimensão pode interferir com o
operador ou interferir na zona de corte provocando danos na peça final, nestas condições é
geralmente utilizado uma ferramenta com quebra aparas como solução para estes problemas.
Existem casos onde a eliminação da apara pode ser difícil, nestes casos ou em casos de produção
automatizada, são muitas vezes preferíveis aparas descontínuas. A apara serrilhada, Figura 6. b), é
uma apara contínua com espessura e grau de deformação não homogéneos. A apara descontinua
presente na Figura 6. c), ocorre geralmente em condições de elevadas deformações ou quando o
material de trabalho é frágil. Sob estas condições, a apara é segmentada, dando origem a uma
apara descontínua. Na mesma figura são ainda possíveis de observar dois fenómenos de formação
da apara normalmente indesejados, a formação de aresta postiça de corte, Figura 6. d), e a
formação de uma fenda que se propaga no material à frente da ferramenta, Figura 6. e). Este
último pode ocorrer no corte de materiais frágeis, de materiais que com uma estrutura heterogénea
ou que contenham inclusões, tornando a direção de propagação da fenda aleatória.
25
Influência do atrito na formação da apara
Devido aos limites geométricos, o processo é muito sensível às condições de atrito na face de ataque
da ferramenta. Reduzindo o coeficiente de atrito, o ângulo do plano de corte, ϕ, aumenta e a
espessura da apara reduz-se. Deste modo, a área do plano de corte reduz-se, o que leva a uma
redução da força exigida para o processo. As condições livres da geometria e do contacto no corte
estão ilustradas na Figura 7.:
Figura 7 - Influência das condições de atrito no comprimento de contacto e na curvatura da apara.
As condições de operação na interface apara-ferramenta podem ser caracterizadas como adversas
para o acesso do lubrificante. A formação da apara é igualmente acompanhada pela exposição de
superfícies recém-formadas à atmosfera envolvente, suscetível de oxidação das mesmas. Estas
superfícies são quimicamente muito ativas e causam circunstâncias tribológicas particulares no que
diz respeito à adesão, difusão, etc.
As condições físicas na interface ainda não estão totalmente clarificadas. No entanto, é consensual
que no corte de uma apara de largura finita, b, existe uma zona de adesão, zona 1 da Figura 8. c),
que está rodeada por uma zona de escorregamento, zona 2 da Figura 8. c), em que a apara e a
ferramenta estão separadas fisicamente antes do afastamento da apara em relação à ferramenta de
corte. Se a transição da zona de adesão para a de escorregamento ocorre instantaneamente, como
sugerido por (Schey, 1983), ou gradualmente, como concluído por (Cook, 1954), depende talvez da
combinação de materiais presentes. É nesta zona que a atmosfera e o lubrificante podem ter grande
influência.
2.2 Tribologia
As condições em que se encontram as superfícies de contacto desempenham um papel importante
no corte ortogonal. Desde influenciarem o acabamento até à proteção do material da peça contra a
corrosão e a abrasão. O escorregamento da apara sobre a superfície de ataque da ferramenta
promove fenómenos de adesão e abrasão, promovendo a deformação e por vezes a fratura do
material da peça. A ciência que estuda a mecânica do contacto entre superfícies é denominada
tribologia e é comum quantificar a dificuldade do escorregamento entre materiais através da utilização
26
do coeficiente de atrito. Porém, as propriedades das superfícies exteriores diferem daquelas do
material base e obriga a uma revisão do conceito tradicional de atrito utilizado no corte ortogonal.
Figura 8 - Distribuição de tensões na face de ataque da ferramenta; a) normais; b) de corte; c) zonas de colagem
e deslizamento na face de ataque da ferramenta.
2.2.1 Atrito
Atrito refere-se à força que se opõe ao movimento relativo, ou tendência para tal, entre duas
superfícies em contacto. Atrito e desgaste não são propriedades características dos materiais,
representam sim uma característica indicativa de como um par de materiais reage, em contacto, num
certo ambiente quando sujeito a determinadas forças que tendem a promover o movimento relativo
entre os materiais. O conceito de atrito divide-se ainda entre atrito estático e atrito dinâmico.
A Força de atrito não é, no entanto, uma força fundamental. Não existe consenso sobre o que
realmente causa o atrito. É, no entanto, compreendido que o atrito se deve a um conjunto de
mecanismo que atuam simultaneamente, mas que se manifestam de forma diferente em diferentes
circunstâncias. Tudo isto torna o estudo do atrito extremamente complexo envolvendo diferentes
mecanismos ativos como; lubrificação, mecânica dos fluidos, mecânica dos sólidos deformáveis,
ciências dos materiais, física e química de superfícies, termodinâmica, etc. Por estas razões, tabelas
de coeficientes de atrito devem ser aplicadas com cautela, tanto mais quanto a diferença entre as
condições simulativas e as que foram usadas nos ensaios tribológicos.
Nos processos de maquinagem a consideração adequada da área de contacto, da força normal
aplicada e da direção do escoamento de material requer a utilização dos modelos de atrito que
representem o melhor possível a realidade. Existem fundamentalmente três leis de atrito, com
interesse nos processos de corte e de deformação plástica. Estas leis podem ser generalizadas
como:
Lei de Amonton-Coulomb (Teoria das Asperezas)
Lei de Prandtl (Teoria da Adesão)
Lei de Wanheim-Bay (Modelo Misto)
27
Lei de Amonton-Coulomb
A lei do atrito de Coulomb, também conhecida como a lei clássica do atrito, é baseada em trabalhos
desenvolvidos anteriormente por Leonardo da Vinci e Amonton (1663-1705), e é definida
matematicamente por:
μ =
𝐹𝑎
𝐹𝑁
=𝜏𝑖
𝑃 (13)
Onde, µ representa o coeficiente de atrito adimensional, FN a força normal à superfície de contacto,
Fa a força de atrito resultante do efeito da aplicação da força normal, τi é a tensão média de corte na
superfície de contacto e P a pressão normal de contacto. A equação (13) mostra que para um
coeficiente de atrito constante a tensão de corte cresce na mesma razão que a pressão de contacto.
Esta equação é apenas válida quando satisfaz este critério. A teoria de plasticidade indica que a
equação (13) só é aplicável para baixas pressões tendo em conta que para pressões elevadas esta
relação deixa de existir (Ali, 2001). Devido aos valores elevados de pressão hidrostática a que são
sujeitos os diversos processos de deformação plástica e corte de metais, os valores da pressão
normal podem atingir valores superiores ao da tensão de corte do material fazendo com que o valor
do coeficiente de atrito baixe consideravelmente atingindo valores pouco realista.
Lei de Prandlt
Para solucionar as limitações verificadas na lei do atrito de Coulomb, a lei de atrito constante ou
simplesmente a lei de Prandtl, assume que a tensão de corte é proporcional à força necessária para
que ocorra deformação plástica do material, resultando a seguinte expressão:
τ𝑓 = m. τ𝑚á𝑥 = m. k (14)
Nesta formulação (14), m representa o fator de atrito ou fator de proporcionalidade e varia de
0 (condições de atrito nulo) a 1 (condições de atrito máximo geralmente com ocorrência do
fenómeno de adesão), k corresponde a tensão de corte máxima do material.
Tal como o coeficiente de atrito, o fator de atrito é dependente de parâmetros como a temperatura, a
pressão, a velocidade, o meio envolvente e a solubilidade dos materiais envolvidos (Brown e co-
autores, 1969). Atendendo que estes parâmetros podem variar ao longo do processo, é de esperar
que o coeficiente de atrito varie ao longo da interface de contacto. O uso do valor médio do
coeficiente de atrito é razoável para o cálculo de forças mas pode levar a erros consideráveis quando
aplicado para determinar a distribuição de tensão na interface de contacto, conforme descrito por
Schey (1983). Igualmente, como no caso da distribuição de tensão, não é correto usar o valor médio
do coeficiente de atrito para prever a microestrutura dos materiais envolvidos no processo.
28
Conforme discutido por Dieter (1976), a análise acima foi realizada para o caso de atrito de
deslizamento na interface, facto este frequentemente descrito na física elementar. No caso extremo,
verifica-se uma situação onde a tensão de corte que atua na superfície de interface é máxima (igual
ao valor da tensão de corte puro) e constante, nesta situação deixa de existir o movimento relativo na
interface entre a apara e a ferramenta de corte.
Usando o critério de plasticidade de Von Mises, o coeficiente de atrito máximo é:
μ =𝑘
𝜎𝑒
=
𝜎𝑒
√3⁄
𝜎𝑒
(15)
Portanto, o valor do coeficiente de atrito definido pela equação (15) pode ser considerado como o
valor limite, isto é se μ ≥ 0.577, não pode existir movimento relativo na interface. A equação (15)
mostra ainda que se o coeficiente de atrito na interface entre a apara e a ferramenta de corte é
constante, então a razão entre a tensão de corte e a tensão normal é constante ao longo de todo o
comprimento de contacto.
Contudo, apesar deste constrangimento teórico para a existência de movimento relativo na interface
entre dois corpos, na prática este aspeto nem sempre é verificado. Estudos anteriores realizados por
vários investigadores encontraram valores muito superiores ao limite teórico, Zorev (1966) obteve μ =
0.6-1.8, Kronenberg (1966) 0.77-1.46, Armarego e Brawn (1969) 0.8-2, Finnie e Shaw (1956) 0.88-
1.85, Usui e Takeyama (1960) 0.4-2, etc. Como pode ser observado, os valores de coeficiente de
atrito obtido nos processos de corte de metais estão muito acima do valor limite teórico μ=0.577. Por
outro lado, os valores do coeficiente de atrito utilizados na previsão e modelação numérica para
caracterizar as condições de deslizamento na interface, são sempre inferiores ao valor limite. Na
simulação de processos de corte, Stenkowsky e Mon (1990) usaram μ=0.2, Komvopoulos e
Erpenbeck (1991) 0-0.5, Lin, Pan e Lo (1995) 0.074. Os resultados da simulação numérica parecem
estar em boa concordância com os resultados obtidos experimentalmente (Astkhov, 2006).
Lei de Wanheim-Bay
A teoria de adesão considera que as superfícies são rugosas e possuem vales e picos, assunto
abordado em pormenor mais à frente nesta dissertação. O contacto entre dois corpos ocorre apenas
em pontos específicos, resultando numa área real de contacto, sendo esta uma fração da área
aparente de contacto. Devido a valores reduzidos da área de contacto, a pressão aplicada é
frequentemente elevada. Bowden e Tabor (1964) afirmaram que o fenómeno de adesão ocorre nas
zonas em contacto e a força necessária para romper esta ligação é a medida de atrito. Analisando a
deformação plástica de asperezas de forma isolada, Bowden e Tabor (1964) apresentaram uma
explicação teórica para o coeficiente de atrito, na lei de Amonton.
Nas suas primeiras análises, nas quais o efeito da pressão normal foi considerado independente da
tensão de corte, o valor máximo obtido para o coeficiente de atrito foi de 0.2. Para alguns metais em
29
condições de atmosfera controlada (p. ex. no vácuo ou aquando da utilização de uma atmosfera
inerte) este valor pode aumentar significativamente. Para incorporar este fator, esta teoria foi
posteriormente modificada de modo a incluir o efeito combinado entre as tensões de corte e normais
bem como o aumento das áreas de contacto, chegando-se à seguinte formulação:
μ =
𝑓
√3(1 − 𝑓2) (16)
Onde 𝑓 é uma constante que representa a tensão de corte na interface de contacto, sendo que para
ligações fortes o seu limite é 1 e reduz-se à medida que a força na ligação diminui. Bay (1976)
modificou a equação anterior tendo substituído o valor 3 por β, que representa a percentagem da
área da superfície realmente capaz de entrar em contacto com a outra representando-se como:
μ =
𝑓
√𝛽(1 − 𝑓2) (17)
A equação (17) indica a condição para o início de um deslizamento mais grosseiro. O deslizamento
começa quando as condições máximas de atrito estático são atingidas e as ligações separam-se.
Neste instante a resistência de atrito é nula, mas seguidamente novas ligações são formadas
repetindo-se o processo. A resistência estática de atrito permanece ao longo de uma distância da
ordem de 10-4
cm quando o movimento começa. (Rabinowicz, 1951)
Nas teorias de Bowden e Tabor é considerada de forma isolada a deformação de cada impureza.
Porém, maioritariamente nos processos de corte e deformação plástica, a pressão na interface entre
a peça e a ferramenta é elevada fazendo com que as asperezas se deformem aumentando a área
efetiva de contacto. A necessidade de se considerar a interação entre asperezas vizinhas fez com
que este problema fosse estudado por Wanheim, Bay e co-autores (1985). Estes estudos foram
resumidos por Bay (1985). Considerando a área real de contacto e a deformação plástica das
asperezas, o estudo propôs um modelo de atrito que assume que o atrito e a pressão são
proporcionais simplesmente até o limite da proporcionalidade.
𝜏
𝑘= 𝑚. 𝛼 (18)
Onde α (que não deve ser confundido com o ângulo de ataque de uma ferramenta de corte)
corresponde à relação entre a área real de contacto e a área aparente.
A lei do atrito de Amonton e a teoria de adesão de Bowden e Tabor têm uma aplicabilidade limitada.
Para além do limite de proporcionalidade, a deformação das asperezas favorece a ocorrência de
interações entre si nas superfícies dos materiais. Nestas condições a variação do atrito com a
pressão deixa de ser proporcional, sendo que para pressões elevadas aproxima-se do valor máximo.
30
Quando a área real de contacto iguala a área aparente, o modelo de atrito constante (lei de Prandtl)
apresenta-se como o mais adequado. Este modelo assume que a inclinação das asperezas é baixa,
sendo que estas condições são verificadas ao longo de todo o intervalo de interesse. Os estudos
realizados por Bay (1985) tiveram em conta a inclinação das asperezas, obtendo-se como resultado
um novo modelo de atrito e novas curvas de atrito mais compreensivo, evoluindo-se para uma nova
lei.
O modelo geral de Wanheim-Bay, diz que o atrito numa interface em contacto é proporcional à tensão
normal nos casos em que este assume valores baixos, 𝑝
𝜎𝑒⁄ < 1.5, mas tende para um valor
constante a altas pressões normais na interface de contacto 𝑝
𝜎𝑒⁄ > 3. Esta formulação é
apresentada como se segue:
𝜏 = 𝑓. 𝛼. 𝑘 (19)
Na qual o 𝜏 é a tensão de atrito, 𝑓 é fator de atrito, α a razão entre a área real de contacto e a
aparente, k é a tensão de corte máxima do material.
A Figura 9. mostra uma representação esquemática das leis de atrito discutidas anteriormente,
apresentando a evolução da tensão de corte em função da pressão normal de contacto para
diferentes leis. Verifica-se, no entanto, que para pressões baixas as leis de atrito de Coulomb e Bay
confundem-se entre si.
Figura 9 - Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando a tensão
de atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal. São apresentadas duas curvas (A e B) geradas a partir da lei do atrito de Bay.
2.2.2 Quantificação do atrito
A quantificação do atrito torna-se progressivamente mais complexa à medida que se procurar
reproduzir com mais rigor as condições operativas dos processos. Esta quantificação tem na maior
parte das vezes um caráter qualitativo para permitir comparar trabalhos realizados por diferentes
investigadores. A medida do coeficiente de atrito é geralmente feita com base em metodologias
31
simples para que possam ser replicadas noutros laboratórios. A primeira metodologia foi
implementada por Leonardo da Vinci, através da observação do escorregamento de um objeto num
plano inclinado. Progressivamente foram sendo introduzidos outros métodos para quantificar não só o
atrito do par tribológico, mas também a influência de outros parâmetros tais como a lubrificação,
pressão de contacto, temperatura, etc.
O cálculo do atrito, geralmente com base na medição da força de atrito, requer o uso de equipamento
experimental oneroso e por vezes de utilização complexa em condições laboratoriais controladas
(Stachowiak, 2004). A qualidade e precisão destas medidas permite melhorar significativamente a
compreensão dos mecanismos tribológicos e auxiliar em questões energéticas e de fiabilidade da
indústria.
Existem diferentes métodos para a quantificação de atrito, sendo que uma boa parte deles, encontra-
se descrita nas normas ASTM por parte do comité D-2, entre outras publicações (Cristino, 2007), tais
como os métodos bloco no anel (ASTM D2714) e o pino no disco (ASTM G 99-95a). De entre os
métodos descritos na norma ASTM os indicados para recriar as condições nos processos de corte
por arranque de apara e de deformação plástica são os métodos de pino-no-disco e o de ensaio de
anel (Carilho, 2007)
As máquinas de ensaios tribológicos são aparatos que servem para medir atrito ou desgaste em
condições controladas, e são frequentemente utilizados nas mais diversas investigações realizadas
na área da Tribologia. Este aparato deve ser selecionado cuidadosamente permitindo recriar as
características críticas de atrito ou desgaste sem a complexidade associada aos processos reais de
fabrico.
A máquina de pino-no-disco é talvez a máquina de ensaios tribológicos mais utilizada para avaliar o
coeficiente de atrito em zonas com deformação plástica local e deformação elástica. Neste
equipamento o pino é pressionado contra um disco em movimento rotativo (Figura 10. a) na página
seguinte), sendo, portanto, o coeficiente de atrito obtido através da medição da força normal aplicada
e a força tangencial através de um dinamómetro. O ensaio de pino-no-disco permite obter um bom
controlo experimental das variáveis envolvidas no processo, sendo que é fundamentalmente esta a
razão do crescente interesse pelo seu uso relativamente a outros tipos de ensaios (Stachowiak,
2004).
A geometria básica de um sistema de pino-no-disco consiste na utilização de um pino com secção
circular ou ponta hemisférica que desliza sobre uma superfície plana de um disco em rotação. O
diâmetro do pino e a espessura do disco dependem do caso em estudo, mas devem ser selecionados
de forma a promover a rigidez de todo o sistema.
O acabamento superficial de ambos os componentes (pino e disco) deve coincidir com as condições
experimentais que se pretendem reproduzir, sendo que um dos principais parâmetros é a rugosidade
superficial, Ra. Para evitar o efeito de forças indesejadas ao sistema, as faces dos discos e pinos
devem ser paralelas e o disco deve rodar concentricamente. Nos aparatos frequentemente
32
encontrados no mercado, a carga é aplicada no pino através do uso de um sistema de alavanca de
pesos calibrado, e o paralelismo do sistema garantido através do uso de contrapesos. É de salientar
ainda que as máquinas de ensaios de pino-no-disco trabalham frequentemente em condições
extremas de pressão de contacto e velocidades relativas na interface de contacto de forma a
deliberadamente se acelerar o processo de desgaste, diminuindo assim o tempo efetivo dos ensaios.
Estas condições extremas não são, portanto, necessárias para a avaliação do coeficiente de atrito, já
que o atrito pode ser avaliado em apenas uma volta do disco em contacto com o pino.
Recentemente, vários autores argumentaram que o ensaio de pino-no-disco é inadequado sendo
incapaz de reproduzir o valor das pressões de contacto envolvidas no processo, a temperatura do
processo e o fluxo de material frequentemente encontrado nas aplicações industriais (Grzesik, 2002).
No caso do fluxo de material é dito que a apara desliza sobre a face de ataque apenas uma vez,
sendo que nos ensaios de pino-no-disco o pino desliza na mesma zona várias vezes durante o
ensaio. Em resultado disso, várias propostas alternativas ao pino-no-disco foram sugeridas por vários
autores, como por exemplo Olsson e co-autores (1989), Hedenquist e Olsson (1991) e Zemzemi e co-
autores (2007).
Um outro tipo de ensaio frequentemente utilizado para calibração do atrito, principalmente nos
processos de forjamento, é o ensaio de anel. Neste ensaio, um provete anelar com dimensões
específicas é comprimido e deformado entre pratos. A partir do controlo da variação da altura e do
diâmetro interno do provete em cada fase do ensaio, é possível sem instrumentos especiais de
medida obter o fator de atrito, m, através da interpolação com as curvas teóricas de calibração.
Contrariamente à maioria dos métodos, este método não necessita de medição da força, sendo
suficiente o controlo dimensional do provete durante cada fase do ensaio.
Na Figura 10. b), encontra-se representado o comportamento típico de dois provetes anelares
idênticos, obtidos após a realização do ensaio de anel com uma mesma redução de altura (Δh). Um
dos provetes comprimido encontra-se em condições de atrito reduzido (Figura 10. b3), enquanto o
outro em condições de atrito elevado (Figura 10. b2). Verifica-se, portanto, que nos dois casos o
comportamento do anel durante o ensaio é expressivamente diferente. Na condição de baixo atrito, o
diâmetro interior do anel aumenta, enquanto no caso oposto verifica-se uma diminuição do mesmo.
Note-se que em ambos os casos há um aumento do diâmetro exterior.
33
Figura 10 - Ensaios típicos de quantificação de atrito; a) representação esquemática do ensaio de pino-no-disco.
b) Geometria típica de um provete de ensaio em anel. (Candungo, 2009)
A utilização deste método prevê a aplicação de uma série de pressupostos simplificativos, o que pode
conduzir a erros e incertezas (Loveday e Books, 2000). Além disto, uma vez que os valores obtidos
por este método variam com vários parâmetros entre os quais a velocidade relativa, e a pressão de
contacto, faz com que qualquer estimativa do atrito seja apenas um valor indicativo (as condições de
lubrificação podem variar em cada fase do ensaio).
Apesar de este tipo de ensaio ser amplamente utilizado, ele só é adequado para classificar
qualitativamente a qualidade dos lubrificantes ou o acabamento das superfícies das ferramentas, pois
não é ideal para a obtenção de valores quantitativos fiáveis para fins de modelação. Os valores
obtidos são altamente dependentes dos pressupostos assumidos para o cálculo das curvas de
calibração, sendo que para reduções de altura inferiores a 20%, o método não é muito sensível
estando muito dependente do grau de qualidade da caracterização mecânica do material (Loveday e
Books, 2000), (Petersen e co-autores, 1997).
2.2.3 Natureza das superfícies
Geometria e acabamento
Quando se tenta compreender o fenómeno de atrito entre duas superfícies, é necessário conhecer
detalhes específicos acerca das superfícies envolvidas (Myers, 1999). Conforme visto anteriormente a
força de atrito entre superfícies depende das forças de interação entre elas (i.e., da sua natureza
química) e da dureza e tensões de cedência de cada material (da sua natureza física).
Todas as superfícies obtidas por processos de fabrico (como p. ex. maquinagem, forjamento) não são
totalmente planas ou lisas, quando observadas numa escala microscópica, facilmente se constata
que possuem irregularidades, apesar de muitas vezes parecerem perfeitamente polidas à vista
desarmada (Jamari e Schipper, 2006). Estas irregularidades encontradas na superfície são
geralmente denominadas de asperezas, sendo que a sua origem pode ser atribuída a diversos
fenómenos tais como: à fratura dos materiais, à formação de óxidos, a alterações metalúrgicas, à
34
deposição de material na superfície e à solidificação de líquidos. Quando dois corpos entram em
contacto entre si este dá-se inicialmente ao nível das asperezas.
O tipo de deformação que ocorre (elástica, elasto-plástica, plástica) durante o contacto de superfícies
depende do valor da carga normal aplicada, da micro-geometria e das propriedades dos materiais em
contacto. Vários investigadores (Thomas,1999 e Burakowski e co-autor,1999) concluíram que a força
de atrito depende das propriedades específicas dos materiais envolvidos e da área de contacto
estabelecida entre ambas as superfícies. É importante referir que em muitos casos as propriedades
dos materiais podem ser diferentes em relação ao que era de se esperar, ou por diferenças entre a
área real e a aparente ou por as asperezas apresentarem gradientes de dureza (p.ex. devido ao
fenómeno de encruamento da deformação plástica de materiais). A diferença entre a área real e a
aparente pode ainda ser promovida pela existência de partículas estranhas aos materiais em
interação como camadas de óxidos, existência de bolsas de gás ou líquido, condensação de
vapores, impurezas sólidas, etc. De facto, estudar o atrito na interação de metais corresponde
também ao estudo dos seus óxidos, pois excetuando-se casos muito específicos é impossível
encontrar uma superfície completamente isenta de contaminantes. Na melhor hipótese, a superfície
normal de um metal estará coberta de camadas absolvidas de moléculas de gases e/ou outros
contaminantes.
A orientação macroscópica das asperezas (textura superficial) está diretamente dependente do
processo utilizado para a sua obtenção podendo variar desde grandezas atómicas a macroscópicas.
Existem casos em que a geometria da superfície é causada pelos efeitos localizados, como por
exemplo, a presença de elementos microestruturais mais duros, a fratura local ou o efeito da
corrosão que pode atacar a superfície de forma aleatória. Mesmo após um cuidadoso polimento é
impossível fazer com que a superfície a nível atómico esteja totalmente lisa (Carilho, 2007) pelo que,
torna-se importante distinguir entre derivações macroscópicas (desvios), flutuações, rugosidades e
micro-rugosidades (Figura 11.) relativamente à superfície teórica ideal.
No caso do processo de corte por arranque de apara, por exemplo, as ferramentas de corte deixam
nas superfícies saliências e depressões que, embora tendo uma altura pequena em relação às
dimensões globais da peça, podem influenciar a resistência da peça a esforços mecânicos ou à
corrosão. Assim, quando se analisa detalhadamente uma superfície cilíndrica obtida por torneamento
a sua geometria não coincide exatamente com a de uma superfície cilíndrica circular reta, pois as
suas geratrizes apresentam rugosidades e ondulações, o mesmo se passando com as diretrizes. Uma
vez que as superfícies resultantes do fabrico não coincidem com as superfícies geométricas
pretendidas; diferindo estas tanto na dimensão, como na forma, será necessário em cada caso definir
as variações consideradas admissíveis. No que respeita às dimensões (e também à forma), isto
é conseguido definindo-se tolerâncias, enquanto no caso do grau de acabamento da superfície é feito
através da definição da rugosidade.
35
Figura 11 - Aspeto real de uma superfície acabada: a) Esquema representativo das impurezas que afetam a
superfície dos metais; b) Forma geométrica de uma superfície vista ao nível microscópico.
Após breve introdução das características superficiais obtidas nos processos de fabrico, interessa
estabelecer algumas medidas que são usadas para medir a rugosidade, designadamente, as
rugosidades Ra, Ry e Rz. Essas grandezas de medição de rugosidade serão definidas com base na
linha média, a qual se define como sendo a linha paralela à direção geral do perfil, traçada de modo
a que, no comprimento da amostragem, a soma das áreas superiores, compreendida entre ela e o
perfil efetivo, seja igual à soma das áreas inferiores.
A rugosidade média aritmética, Ra, é definida como a média aritmética dos valores absolutos das
ordenadas de afastamento (yi) dos pontos do perfil de rugosidade em relação à linha média,
dentro do comprimento de medida (Figura 12.a) e é obtida pela equação (20):
𝑅𝑎 =
1
𝐿𝑚
∫ |𝑦𝑖|𝐿𝑚
0
𝑑𝑙 ≈1
𝑛∑|𝑦𝑖|
𝑛
1
(20)
A rugosidade Ry define-se como à distância vertical entre o pico mais alto e o vale mais profundo,
dentro do comprimento de medida (Figura 12. b), e por último a rugosidade Rz, corresponde a média
aritmética dos cincos valores de rugosidade superficial parcial existente no comprimento de medida
(equação 21). A rugosidade parcial Zi é a soma dos valores absolutos das ordenadas dos pontos de
maior afastamento, acima e abaixo da linha média no comprimento de amostragem (Figura 12.c).
𝑅𝑍 = 1
5∑|𝑍𝑖|
5
1
(21)
36
Figura 12 - Decomposição do perfil de uma superfície mostrando os elementos que constituem a sua textura
(Rodrigues, 2006).
Contribuição dos óxidos superficiais no coeficiente de atrito
Do ponto de vista prático, o par metal-metal é provavelmente o parâmetro tribológico mais estudado.
Nos casos em que a interação de dois corpos é realizada na presença de camadas de óxidos,
diferentes tipos de comportamento podem ser observados, dependendo principalmente das
características do óxido e da pressão superficial a que está sujeita a superfície do metal. Na prática,
o atrito entre superfícies pode provavelmente ser considerado como interação entre superfícies
compostas por óxido-óxido, óxido-metal ou metal-metal. Nos dois primeiros casos as características
destes óxidos representam uma contribuição na variação do coeficiente de atrito face ao par metal-
metal uma vez que as características mecânicas destes óxidos são diferentes das do metal base.
Neste caso particular a lubrificação pode representar um papel importante na inibição da oxidação
das superfícies recém geradas, podendo conduzir em certos materiais a um menor consumo
energético nos processos industriais por redução do atrito.
2.2.4 Lubrificação
Em termos funcionais, a lubrificação pode ser definida como a redução do atrito entre duas
superfícies através da redução do nível de interação existente entre as asperezas (Myers, 1999). Um
lubrificante pode ser uma substância sólida, líquida ou gasosa existente entre as superfícies em
movimento relativo entre si. Pode-se considerar, pelo menos localmente, que as superfícies estão
completamente separadas e a resistência ao movimento relativo é causada pela necessidade de
vencer a força de atrito causada pelo terceiro corpo (constituído geralmente por camadas de óleos,
óxidos ou outros corpos estranhos).
Os mecanismos de redução do atrito, entre duas superfícies em movimento relativo podem ser
convenientemente repartidos em quatro regimes (Myers, 1999); (i) regime hidrodinâmico, onde um
interveniente com uma camada relativamente espessa, evita o contacto direto entre as superfícies
em movimento relativo, e consequentemente reduz o atrito entre eles; (ii) regime elasto-hidrodinâmico
em que, para uma camada muito fina de lubrificante sobre altas pressões localizadas faz com que o
lubrificante demonstre as suas características especiais (viscosidade) evitando o contacto direto
entre as asperezas; (iii) camada limite, onde a ação do lubrificante é o resultado da existência de
uma película mono molecular absolvida em um ou ambos os sólidos e que reduzem as forças de
37
adesão que atuam nos pontos de contactos; e (iv) aquele que pode ser chamado de “lubrificação
química”, em que o lubrificante enfraquece ou destrói as ligações soldadas nas asperezas por meio
de ataque químico.
Em todos os casos, o atrito é dependente das propriedades combinadas do fluido lubrificante e a das
superfícies em contacto. Se as superfícies estão completamente separadas, o coeficiente de atrito
dependerá essencialmente das propriedades do lubrificante.
2.3 Simulação numérica
O corte por arranque de apara envolve uma combinação de fenómenos físicos e químicos que
dificulta o estudo e a compreensão do mecanismo de formação da apara. Isto tem motivado o
desenvolvimento de modelos analíticos e computacionais para estabelecer estimativas teóricas para
os parâmetros do processo e avaliar a influência dos principais parâmetros operativos. Porém, as
estimativas teóricas de base computacional têm-se mostrado mais precisas relativamente às dos
modelos analíticos por conseguirem lidar com as não-linearidades e a interdependência entre os
fenómenos envolvidos no mecanismo de formação de apara.
A utilização da simulação numérica tem trazido benéficos significativos para a compreensão do
mecanismo de formação de apara, ainda que existam diferenças entre as suas estimativas teóricas e
a realidade do processo. O interesse da sua aplicação não se restringe a estudos académicos, tendo-
se observado um interesse crescente por parte da indústria para aplicações associadas ao
desenvolvimento de ferramentas de corte e otimização do processo em aplicações de elevada
responsabilidade. No entanto, a seleção de um programa para a simulação numérica dos processos
de corte é uma tarefa difícil uma vez que nem sempre é evidente quais as funcionalidades numéricas
necessárias para permiti modelar os diversos os fenómenos físicos e químicos existentes no
processo. Muitas vezes a seleção é baseada na facilidade de utilização do programa e no tempo de
simulação para alcançar uma solução, desconsiderando a qualidade global da estimativa numérica.
A maioria dos modelos numéricos de maquinagem são desenvolvidos com base no método de
elementos finitos (FEM). Na análise de corte por arranque de apara, as técnicas de Lagrange e Euler
são abordagens típicas, bem como a combinação de ambas, designando-se Arbitrária Lagrangeana
Euler (ALE). Strenkowski e Carroll (1988) utilizam o método de Lagrange com um modelo onde uma
superfície de rutura é pré-definida (Figura 13. b). No entanto, a área de fratura na ponta da
ferramenta não é perfeitamente modelada. O método de Euler assume que o material flutua através
de um volume da malha. No método ALE a malha não precisa de um acoplamento ao material,
podendo mover-se arbitrariamente. A malha é movida durante o cálculo para otimizar o elemento
independente da deformação do material.
Recentemente tem-se observado a aplicação de novas técnicas numéricas na simulação do corte por
arranque de apara, tais como o método SPH (Smoothed Particle Hydrodynamics). O SPH, na Figura
13. a), é chamado de método sem malha (meshfree) e foi criado em 1977 para aplicações de
astrofísica, tendo sido melhorado ao longo dos anos, mostrando-se estável do ponto de vista
38
matemático (Lacome J.L., 1998) para permitir a análise de tensões e deformações, que podem agora
ser calculadas através de leis que vão desde o comportamento de fluidos até à fratura de materiais.
A escolha do software de elementos finitos é um fator importante na qualidade dos resultados e nas
diferentes análises que se podem realizar. Os softwares DEFORM e AdvantEdge são exemplo de
dois produtos comerciais para a simulação de processos de fabrico que incluem módulos de
maquinagem. Estes têm a vantagem de possuírem uma interface gráfica amigável e configurações
predefinidas que tornam o processo de preparação do modelo numérico fácil e rápido, porém, seguir
este tipo configuração impõe algumas restrições na definição do modelo. Existem ainda outros
programas comerciais como o Abaqus menos restritivos, mas com uma maior complexidade para
estabelecer os modelos numéricos. Já o método sem malha pode ser encontrado no programa Ls-
Dyna (Lacome JL, 2001 e Anon, 2006). No âmbito desta dissertação foi utilizado o programa
DEFORM devido à facilidade de utilização e estabilidade de cálculo devido às técnicas de
regeneração de malha (Adaptive Mesh) permitindo resolver as questões relacionadas com as
elevadas deformações típicas dos processos de maquinagem junto ao plano e aresta de corte.
Figura 13 - Técnicas de simulação numérica; a) SPH, b) FEM.
2.3.1 Modelo do numérico do corte ortogonal
Esta subsecção apresenta o modelo numérico do corte ortogonal utilizado na presente tese para a
simulação do corte ortogonal. A simulações serão realizadas com um propósito duplo de (i) estimar o
comprimento mínimo do provete para garantir que o regime estacionário do corte é alcançado, e (ii)
definir a secção de corte para garantir que a máquina de ensaios tem potência suficiente para a
realização do corte. Estes resultados foram também utilizados para avaliar a qualidade destas
estimativas em comparação com as medidas experimentais realizadas durante a tese.
O Deform é um programa desenvolvido pela STFC (Scientific Forming Technologies Corporation) e
está vocacionado para a simulação dos processos de deformação plástica, de corte por arranque de
apara e de tratamento térmico de materiais. Uma das principais vantagens na utilização deste
programa é a capacidade de gerar malhas adaptativas em geometrias complexas, permitindo
39
ultrapassar questões numéricas associadas à existência e propagação de fissuras junto à aresta de
corte da ferramenta. A utilização deste programa permite obter um largo espectro de resultados, dos
quais se destacam pela sua importância a geometria da peça após e durante o processo de
enformação, e a evolução da carga com o deslocamento das ferramentas.
O modelo de elementos finitos consistiu na representação bidimensional do corte ortogonal
considerando condições de deformação plana e isotérmicas. O provete de corte foi modelado a partir
de uma malha estruturada com elementos quadriláteros de quatro nós. O provete de corte foi
constrangido na sua base de assentamento. O modelo do material utilizado foi o rígido-viscoplástico
da equação de Silva (2009) que se encontra descrito na secção 3.4 e foi introduzido através de uma
sub-rotina programada em fortran. A simulação foi efetuada em condições de deformação plana,
considerando estado inicial (transiente) e posteriormente estado estacionário de fluxo do material. Foi
realizada uma análise de sensibilidade à malha entre 2000 a 12000 elementos, tendo sido
considerado um valor de 10000 elementos. Porém, importa referir a importância da distribuição
destes elementos, a qual deverá garantir a existência de pelo menos 12 elementos na espessura da
apara o que conduziu à necessidade de implementar uma janela de refinamento da malha que
acompanha o deslocamento da ferramenta e se desenvolve em torno da aresta de corte da mesma
para garantir estas condições. A ferramenta foi definida por um contorno rígido e não deformável. O
contorno do punção e da matriz foi modelado por meio de elementos de contacto-atrito com base no
modelo de atrito de Coulomb, tendo-se variado o seu valor. A geometria da ferramenta permaneceu
contante durante a simulação com um ângulo de ataque nulo e um ângulo de saída de 7º. A
velocidade da ferramenta foi imposta com velocidade constante, e fazendo variar em dois valores de
baixa e alta velocidade de corte. Foi realizada uma análise de sensibilidade da geometria do provete,
tem-se obtido bons resultados com uma forma paralelepipédica de 30mm de comprimento, 20mm de
altura. As condições geométricas e dimensionais foram posteriormente utilizadas nos ensaios
experimentais de corte. O sistema de unidades utilizado foi o milímetro, segundo e Newton.
40
3. Desenvolvimento experimental
Este capítulo apresenta o aparato experimental, enumerando os principais desafios de conceção e as
soluções adotadas para os mesmos. É ainda feita a caracterização dos materiais utilizados e
definidos o procedimento experimental e o plano de ensaios.
3.1 Bancada de ensaios
De forma a estudar a influência dos gases no corte de metais construiu-se uma máquina para ensaios
de corte ortogonal em condições laboratoriais controladas de forma a permitir controlar o tipo de
atmosfera e observar a sua influência no coeficiente de atrito. Para isso foi projetada uma câmara de
controlo da atmosfera, designada por simplicidade a partir deste ponto por câmara, uma cadeia
cinemática e a instrumentação da montagem experimental. A dimensão da câmara teve em
consideração o espaço necessário para acomodação de todos os componentes, a compatibilidade
com um motor de movimento linear e a necessidade de realização de ensaios em condições similares
à prática industrial dos processos de corte por arranque de apara.
A forma da câmara consiste num prisma retangular por apresentar uma estrutura fechada, adequada
para aumentar a rigidez e controlar a propagação das vibrações provocadas pelos fortes impactos.
Esta estrutura foi planeada para permitir a montagem numa mesa de trabalho metálica de elevada
massa e rigidez. Os trabalhos de corte e soldadura foram realizados no Laboratório de Tecnologia
Mecânica. Com base no modelo de corte ortogonal e nas variáveis a analisar foi escolhida a
instrumentação necessária e considerado o movimento relativo que as peças iriam ter entre si. Na
Figura 14. pode ver-se a fase de projeto da máquina ferramenta.
Figura 14 - Fase de projeto máquina ferramenta de corte ortogonal; a) câmara de controlo da atmosfera; b)
pormenor nos componentes móveis; c) pormenor da ferramenta de corte com anel difusor.
A célula de carga, que realiza a medição das forças de corte e penetração aplicadas na ferramenta, é
fixa ao interior da câmara por 4 parafusos M10. O sistema de fixação da ferramenta tem um
micrómetro encastrado de forma a permitir a definição da espessura de corte. O movimento do
provete, perpendicular à aresta de corte da ferramenta, é assegurado por um carro móvel, onde este
41
é fixo através de 4 parafusos. Neste mesmo carro, que corre dentro de duas guias de esferas está
montado um sensor de indução que mede o deslocamento. As guias de esferas são o mecanismo de
guiamento base das máquinas-ferramenta utilizadas no corte por arranque de apara. A câmara é
fechada com duas placas de acrílico, à frente e atrás, para permitir a visualização do processo, que
são aparafusadas a esta, esmagando um vedante de borracha de 10mm de espessura. A escolha
deste vedante visou permitir que os cabos necessários à instrumentação pudessem ser também
esmagados entre o acrílico e a borracha de forma a garantir um bom isolamento do conjunto. Para
facilitar o acesso ao interior sem que fosse necessário desapertar e apertar todos os parafusos, entre
a realização de cada ensaio, o painel de acrílico frontal tem uma janela, fixa simplesmente com
ímanes, novamente isolada com um vedante de borracha. A estrutura da câmara contém ainda mais
3 furos para alimentação do gás proveniente das botijas e aplicação do movimento ao carro móvel,
isolados, tanto quanto possível. Na figura seguinte é possível visualizar os componentes integrantes
da máquina ferramenta, no interior da câmara.
Figura 15 - Máquina ferramenta corte ortogonal.
3.2 Instrumentação e aquisição de dados
3.2.1 Força
Para a aquisição das forças de corte e penetração envolvidas no processo de corte utilizou-se uma
célula de carga (piezoelétrica) Kistler® 9257A, aconselhado pelo fabricante para a medição de forças
de corte. No caso particular desta dissertação a escolha deste sensor justifica-se pela sua adequação
à gama de forças espectáveis +/- 5000N nas direções x e y e +/-10000N na direção z, resolução de
0.1N, sensibilidade de 5mV/N e pelo facto de a sua área efetiva de trabalho permitir que a zona útil da
ferramenta se encontre fora da área real da mesma, até 25mm, sem adulteração dos valores
medidos. (Kistler, 2016)
42
Amplificação
A baixa voltagem de saída da célula de carga levanta a necessidade de amplificação da mesma
antes da aquisição do seu valor através do computador, para tal, foram utilizados três amplificadores
Kistler® Type 5011B, um para cada canal, apropriados à medição de grandezas mecânicas em
utilização conjunta com a célula de carga 9257A (Kistler, 2016).
Seguidamente é feita uma descrição sumária dos parâmetros utilizados:
Sensibilidade do transdutor, T, para a direção x, y e z respetivamente: Tx= 7.81ρC/N,
Ty=7.89ρC/N e Tz=3.77ρC/N (valores que são propriedades do sensor de força 9257A)
Amplificação, S= 1000
Lowpass filter=OFF
TC=LONG
Os valores fornecidos para a sensibilidade do transdutor permitiram a obtenção de bons resultados
durante o processo de calibração da célula de carga pelo que não existiu necessidade de alteração
dos mesmos. A amplificação utilizada foi escolhida por forma a afastar os valores medidos da gama
de ruído e ainda assim manter o sinal compatível com a gama de aquisição permitida pela placa de
aquisição de dados de +/- 5V.
A calibração da célula de carga foi realizada através de colocação sucessiva de pesos de massa
conhecida, 4,5kg, até uma carga máxima de 13,5Kg. O comportamento linear da célula de carga
nesta gama e a indicação por parte do fabricante da linearidade da mesma, em toda a sua gama de
trabalho foi considerado suficiente para aferir o bom funcionamento da mesma. Na figura seguinte
apresenta-se a curva de calibração onde se representa ainda a equação da reta obtida.
Figura 16 - Curva de calibração da célula de carga piezoelétrica.
y = 0,0096x R² = 1
0,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,12
0,14
0,16
0 5 10 15 20
Car
ga [
Vo
lts]
Carga [Kg]
Carregamento
Descarga
43
3.2.2 Deslocamento
A medição do deslocamento é indispensável no estudo das forças envolvidas no corte ortogonal, uma
vez que permite a obtenção do trabalho realizado pela força e a criação de gráficos força-
deslocamento para uma melhor interpretação dos dados. Por questões de custo associado, de
geometria e do processo em si, destacam-se como mais adequados os sensores resistivos, como um
potenciómetro linear, para os quais existem varias opções comerciais disponíveis, ou os sensores
indutivos que apesar de não estarem amplamente disponíveis apresentam a vantagem de não
necessitarem de contacto físico e por isso não estarem sujeitos a desgaste e menos sujeitos à
captação de ruído proveniente da vibração da estrutura. Por estas razoes, pela sua facilidade de
execução e baixo custo optou-se pelo fabrico de um sensor indutivo cujo funcionamento se baseia no
princípio de indução magnética.
Um indutor consiste num enrolamento condutor (bobine), com ou sem núcleo, no qual a passagem de
corrente elétrica variável no tempo produz um campo magnético também ele variável. Neste tipo de
sensor utiliza-se uma bobine indutora e uma bobine recetora. Dependendo da distância entre as duas
bobines, apenas uma fração do fluxo magnético gerado pela bobine indutora é captado pela bobine
recetora. Quanto maior o fluxo que chega à bobine recetora maior a acoplação entre bobines, o nível
de acoplamento é expresso pelo fator de acoplamento, k. O fator de acoplamento varia entre 0 e 1,
sendo 1 o acoplamento perfeito, este fator é influenciado pela distância entre bobines, a sua forma e
o ângulo entre si. A variação deste acoplamento traduz-se, de uma forma prática e simplificada, numa
variação do valor de tensão que é possível medir na bobine recetora, tornando possível estabelecer
uma relação entre a posição das bobines e o valor de tensão na bobine recetora, se se mantiverem
constantes a tensão e frequência de excitação da bobine indutora.
Para esta aplicação e com base no trabalho já desenvolvido por Marques (2016), optou-se pela
utilização de bobines planas realizadas a partir de placas de circuito impresso. Para a obtenção dos
sensores foi impresso um desenho das bobines numa folha de acetato, estes desenhos foram
colocados sobre uma placa de circuito impresso pré-sensibilizada com uma camada fotossensível e o
conjunto exposto a radiação ultravioleta durante 10 minutos. Em seguida a placa é imersa em ácido
fosfórico, para remover a camada fotossensível atacada pelos raios UV e depois mergulhada numa
solução de percloreto de ferro para remoção do cobre em excesso. Apenas a zona inicialmente
protegida pelo desenho fica na placa, obtendo-se assim uma PCB com uma bobine em cobre. Este
conceito é distinto do apresentado por Marques (2016) relativamente à geometria e à direção do
movimento; Os sensores permanecem paralelos com uma folga constante e o movimento promove o
desalinhamento dos centros geométricos.
O comprimento da bobine tem em conta a necessidade da medida do deslocamento equivalente ao
deslocamento da guia. O resultado final foram duas bobines retangulares com 90x20mm com 4
espiras de 1mm e 1,5mm de espaçamento entre estas. Uma vez que o movimento do provete é
solidário com a guia, a bobine indutora é colocada na guia (movendo-se com esta) e a bobine
recetora é colocada num suporte especificamente projetado e construído para o efeito, mantendo-se
44
estática ao longo do ensaio. As placas devem ser montadas tao próximas quanto possível. Devido à
soldadura dos cabos na placa, verificou-se que as placas teriam de ser montadas a 2mm uma da
outra.
Figura 17 - Bobine de indução magnética; a) fase de projeto; b) peça final.
Figura 18 - Sensores de deslocamento montados na sua posição final.
Gerador de sinal
A corrente elétrica de excitação da bobine indutora tem de ser corrente alternada, AC, e precisa de
ser controlada em termos de valor e frequência. O valor não deve exceder uma tensão de 10V na
placa recetora (tensão máxima suportada pela placa de aquisição de dados) pelo que não é possível
a ligação direta da bobine indutora à rede pública de 230V. Como tal utilizou-se um gerador de sinais
TTi ® TG120 capaz de gerar sinais de diferentes formas, com tensões entre os 0 e o 20V e uma
frequência entre 1 Hz e 10MHz. Experimentalmente verificou-se que se podia utilizar o valor máximo
da tensão gerada sem exceder o valor máximo admissível para a tensão na placa de aquisição de
dados e que a forma da onda que fornecia melhores resultados era uma onda sinusoidal.
Relativamente à frequência, existe uma frequência de excitação que maximiza o acoplamento entre
as bobines, que se verificou também experimentalmente (fazendo-se variar o valor da frequência e
medindo o valor da tensão na bobine recetora) ser de 8.7MHz, no entanto este valor não foi utilizado
uma vez que gerava interferência com os diferentes dispositivos eletrónicos utilizados neste aparato.
A frequência utilizada fixou-se no valor de 7.1MHz, resultante do melhor acoplamento possível sem
que se verificasse interferência nos restantes dispositivos.
45
Retificador de onda
A placa de aquisição de dados apenas lê sinais de corrente continua, CC, por este motivo foi
necessário retificar o sinal na placa recetora de AC para CC. Para tal foi também fabricada uma ponte
retificadora cujo circuito elétrico e funcionamento se apresentam esquematicamente representados
na figura seguinte.
Figura 19 - Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de sinal à entrada e à saída.
Os componentes eletrónicos foram montados numa breadboard e testada a sua adequação a este
projeto. Os díodos utilizados, D1 a D4, na figura anterior, foram escolhidos com base no trabalho
desenvolvido por Marques (2016) uma vez que os valores de tensão e corrente utilizados são da
mesma ordem de grandeza, optando-se por quatro díodos 1N3819 com uma perda de 0.7V em cada
díodo. A escolha do condensador, C na imagem anterior, foi conseguida através da experimentação
de diferentes componentes até se obter um resultado satisfatório em relação à oscilação do valor da
tensão de saída, reduzindo-se esta oscilação até à centésima de Volt deixando esta de influenciar o
resultado obtido para a posição relativa dos sensores, recaindo a escolha sobre um condensador
cerâmico de 100nF. A resistência representada no circuito serve essencialmente para proteger o
mesmo de eventuais sobrecargas. Após a seleção dos componentes adequados, estes foram
soldados numa placa de circuito impresso, para assegurar maior robustez e minimizar eventuais
falhas no funcionamento. O conjunto foi então montado entre a bobine recetora e a placa de
aquisição, tendo sido testado novamente com resultados satisfatórios.
Calibração
O processo de calibração passou, primeiramente, pela confirmação de que a direção do movimento
escolhido para estes sensores bem como a geometria das bobines eram funcionais. A necessidade
de uma zona linear de funcionamento nestas condições era essencial para a precisão do sensor e
simplicidade de utilização. Para tal foi realizado um teste onde as duas placas foram montadas nas
condições previstas para o seu funcionamento. Realizaram-se marcações de um deslocamento
conhecido, 5mm, ao longo do comprimento das placas, verificando-se que o valor da tensão na
bobine recetora variava linearmente com a posição, excluindo-se apenas a situação em que os
46
extremos das placas se sobrepunham, aproximadamente 10mm em cada extremidade, fixando o
comprimento útil de funcionamento das placas nos 70mm.
Com os resultados anteriores passou-se para a calibração dos sensores já montados no aparato
experimental. Realizaram-se novamente marcações de uma distância conhecida, 5mm, entre a
posição assumida como inicial, onde a guia esta alinhada com o carro e a posição final a 57mm de
distância, posição que representa o fim de curso da guia. Os valores registados permitiram traçar
uma curva de calibração dos sensores permitindo assim relacionar os valores de tensão com o
deslocamento. O processo foi repetido 5 vezes obtendo-se valores iguais até à terceira casa decimal
para todas as posições.
Figura 20 - Curva de calibração para os sensores de deslocamento.
3.2.3 Captura de imagem
Uma vez que o processo de corte acontece muito rapidamente surgiu a necessidade de
utilização de uma câmara de alta velocidade (CAV) Basler® acA2000-340km com uma capacidade de
captura de até 340 frames por segundo com uma resolução de 2 MP para que fosse possível a
observação do processo de modo a avaliar a existência ou não de interferência da apara com o
material a ser maquinado e o levantamento da espessura de contacto da apara com a ferramenta
com recurso a uma dimensão de referência na imagem capturada para posterior comparação com a
dimensão de contacto. A incorporação desta CAV no aparato experimental levou à utilização de um
suporte que colmatasse a necessidade de arrefecimento da mesma e que ao mesmo tempo servisse
de suporte para a iluminação extra, necessária ao funcionamento deste tipo de câmaras.
47
Instalação e configuração.
A utilização deste tipo de equipamento exige um computador com capacidades gráficas, de
processamento e velocidade de gravação de dados elevadas pelo que a esta CAV está dedicada em
exclusivo um computador. Aquando da incorporação da mesma no aparato experimental, esta
encontrava-se desativada há cerca de seis meses tendo sido necessária a reinstalação dos softwares
Matrox Imaging Library® (MIL), Pylon® Viewer e Streams7®, atualização de licenças dos mesmos e
reconfiguração das configurações de imagem.
A otimização das configurações da CAV teve como condicionantes principais dois parâmetros que,
apesar de se pretenderem ambos maximizar, se compreendeu atuarem em sentidos opostos; a
resolução da CAV é tanto mais baixa quanto maior for a frequência de aquisição da mesma. A
imagem obtida durante os ensaios é, portanto, a melhor combinação encontrada entre estes dois
parâmetros, permitindo uma janela de 200x100 pixéis com uma captura de 3100 frames por segundo.
Sendo a velocidade máxima expectável para o ensaio de 3500 milímetros por segundo concluiu-se
ser possível a observação de, no mínimo um, frame por cada 1,13 milímetros de deslocamento do
provete, valor aceitável para a correta interpretação da evolução da formação da apara.
3.2.4 Aquisição e processamento de sinais
Hardware
A ponte entre os sinais enviados e recebidos pelos sensores e atuadores (motor eletromagnético) e o
computador é estabelecida através de uma placa de aquisição de dados National Instruments® USB-
6251 de 24 portas, analógicas e digitais, de entrada e de saída, 16 bit e uma frequência de aquisição
de até 100 000 pontos por segundo. A correta configuração da placa de aquisição exige o
conhecimento das características dos sinais de entrada e de saída. Os sinais recebidos (de entrada)
por se caracterizarem por uma diferença de potencial nos seus terminais, foram conectados em modo
diferencial, sem referência à rede elétrica para evitar o ruído proveniente desta. Um sistema de
medição diferencial responde apenas à diferença de potencial entre dois terminais, positivo e
negativo. O único sinal enviado (de saída) tem a função de enviar um sinal de comando ao relé que
aciona o disparo do canhão eletromagnético, tratando-se de um valor baixo de corrente elétrica. Este
foi configurado como uma saída analógica de voltagem, de 0 a 5 Volts RSE e modo de geração de
um impulso (por pedido).
48
Software
Usando a linguagem de programação Labview no software com a mesma denominação, foi criada
pelo autor uma interface gráfica (Figura 21.) para comando e visualização das variáveis do processo
em tempo real por parte do utilizador. Desta interface fazem parte um gatilho para disparo do canhão
eletromagnético, gráficos de força e de deslocamento no tempo e permite a gravação dos dados
experimentais para um ficheiro “.txt”.
Figura 21 - Interface gráfica programada em LabView.
3.3 Ferramenta de corte
No decorrer dos ensaios de teste foram utilizadas 3 ferramentas diferentes para avaliar a sua
adequação ao processo estudado, no entanto os procedimentos utilizados na sua fabricação, fixação
e posicionamento bem como os acessórios adicionados foram transversais às 3 ferramentas uma vez
que quando projetados uma das especificações a cumprir seria a sua flexibilidade.
A ferramenta selecionada para a realização dos ensaios foi uma ferramenta de aço rápido, devido à
vulgar utilização deste material em ferramentas no corte de ligas de alumínio (American Society for
Metals, 1979). A ferramenta foi fabricada a partir de um buril de aço rápido, através de electroerosão
de forma a garantir o rigor geométrico da mesma e assegurar o melhor afiamento da aresta de corte
possível uma vez que este processo de fabrico permite assegurar tolerâncias até alguns micrómetros.
49
3.3.1 Fixação e posicionamento
A fixação da ferramenta é feita através de um dispositivo fornecido pela Kistler® para esse efeito.
Este dispositivo foi então adaptado, sem alteração das suas características originais, de forma a
permitir também definir a espessura de corte aquando do posicionamento da ferramenta. Para tal
foram projetados e fabricados um conjunto de acessórios que consistem (Figura 22.) em: uma placa
metálica, uma barra metálica que serve de suporte a um micrómetro que nesta se encontra
encastrado e quatro cubos metálicos de espessura inferior à barra metálica por forma a permitirem a
fixação da mesma contra o suporte fornecido.
Figura 22 - Acessórios do dispositivo de fixação da ferramenta de corte; a) desenho técnico da placa metálica; b)
desenho técnico cubo metálico; c) desenho técnico suporte micrómetro; d) acessórios integrados no dispositivo de fixação.
3.3.2 Anel difusor
Apesar do ensaio se realizar dentro de uma câmara que pretende controlar o ambiente no qual se
desenvolve o processo de corte, as grandes dimensões da câmara e a sua capacidade de isolar a
passagem de ar até uma pressão limite no interior da mesma levaram a que se projetasse e
fabricasse um anel difusor (Figura 23.) acessório para a ferramenta de corte, com a função de
direcionar o lubrificante diretamente para a interface entre a apara e ferramenta por forma a reforçar a
sua penetração neste local de difícil acesso.
50
Figura 23 - Anel difusor; a) desenho técnico; b) peça final.
O anel difusor foi fabricado em plástico, cortado com a forma de um prisma quadrangular onde foram
realizados dois furos concorrentes, um furo quadrado de 12x12mm para acomodar a ferramenta e
outro circular de 4mm de diâmetro para injetar o ar perpendicularmente à face de ataque da mesma.
Na face interior do furo quadrado que intersecta o furo circular foi aberto um canal, paralelo à
ferramenta no sentido do seu comprimento, por onde o ar injetado escoa formando uma cortina de ar
que incide diretamente na interface apara-ferramenta.
3.3.3 Polimento e recondicionamento
Polimento
Como referido no capítulo 2.2.3 a rugosidade da face de ataque da ferramenta desempenha um
importante papel nas condições tribológicas. O polimento da mesma influencia diretamente o
coeficiente de atrito global reduzindo-se a contribuição das asperezas da superfície para o mesmo.
A face de ataque da ferramenta foi polida manualmente, utilizando-se lixa de água, com um grão
consecutivamente mais fino, 600, 800, 1200 e 2500. Colocou-se a lixa numa superfície plana e
colocando a face de ataque da ferramenta em contacto com a lixa, sem exercer pressão (apenas com
o peso da ferramenta), realizaram-se movimentos perpendiculares, alterando a direção do movimento
de cada vez que os riscos deixados na ferramenta pelo movimento anterior deixavam de ser visíveis.
O polimento foi finalizado com recurso a um berbequim de alta rotação do fabricante Dremel com
uma boina de polimento, obtendo-se assim uma rugosidade média, Ra, de 0.2µm na direção de
escoamento da apara e 0.3µm na direção perpendicular, condições que se consideram já não ter
influência no valor do atrito na interface apara-ferramenta (Valentino, 2012)
Durante o polimento de uma das ferramentas de teste chegou-se ainda à conclusão que esta ação
junto à aresta de corte da ferramenta comprometia o afiamento da mesma. Quando a lixa é
encostada à ferramenta e executado o polimento, ainda que com pouca pressão, o grão da mesma
atinge a aresta de corte numa direção perpendicular a esta, tornando-a romba. A realização deste
51
problema levou a que se projetasse um acessório, a utilizar durante o polimento, que prolongasse a
continuidade de material à frente da aresta de corte, impedindo assim o seu desgaste. Para melhor
interpretação da situação acima descrita apresenta-se a Figura 24. b) que representa
esquematicamente a ferramenta e o acessório.
Figura 24 - Esquema de polimento da face de ataque da ferramenta; a) ferramenta sem acessório, com danos
na aresta de corte; b) ferramenta com acessório.
Recondicionamento
Cristino (2011) estudou a influência do recondicionamento da ferramenta nas forças de corte.
Aumentando consecutivamente o número de ensaios que uma ferramenta realiza sem
recondicionamento, mostrou que as forças de corte mostram tendência a aumentar. Para que todos
os ensaios pudessem ser realizados nas mesmas condições, conclui-se então ser necessário
recondicionar a ferramenta de corte à sua condição original após a realização de cada ensaio. O
procedimento de recondicionamento passa pela repetição dos dois últimos passos do polimento,
passagem de uma lixa de grão 2500 em duas direções perpendiculares seguida da aplicação do
polimento e passagem com o dremel.
3.4 Integração do aparato experimental
Depois de fabricados e prontos, todos os componentes constituintes do aparato experimental, foi
necessário integrá-los e verificar o bom funcionamento do mesmo. Na figura seguinte encontra-se
uma representação esquemática de todos os componentes utilizados.
52
Figura 25 - Representação esquemática do aparato experimental implementado.
A integração dos componentes revelou a necessidade de executar algumas operações. A
extremidade do pistão do canhão eletromagnético é uma peça amovível para que a ferramenta se
torne mais flexível em termos de aplicações e para que possa ser substituída em caso de dano
causado por sucessivos impactos. Foi necessário tornar o pistão (Figura 26. a) mais longo para
garantir o curso pretendido de forma a se obter um corte a todo o comprimento do provete. Devido à
geometria da viga à qual foi aparafusada a câmara foi necessário fabricar 4 anilhas metálicas para
permitir o correto assentar das porcas na face interior da viga. Na Figura 26. b) seguinte apresenta-se
todo o aparato corretamente integrado.
(a) (b)
Figura 26 - Aparato experimental a) extremidade do canhão eletromagnético, existente (esquerda), fabricada
(direita) b) aparato experimental funcional.
53
3.5 Levantamento da espessura das aparas
O correto levantamento da espessura de uma apara é uma tarefa de extrema dificuldade e acarreta
um elevado consumo de tempo na sua execução. No entanto, devido à necessidade de cumprir
prazos pré-estabelecidos, o autor teve a necessidade de procurar metodologias mais céleres, às
quais está geralmente associado um erro de medição superior. Com a consciência deste facto foram
aplicadas três metodologias diferentes de forma a cruzar os dados obtidos e retirar conclusões sobre
a qualidade dos mesmos.
Em primeiro lugar todas as aparas foram, uma a uma, cuidadosamente posicionadas no mesmo
ponto de focagem de uma câmara de filmar com capacidade ampliadora conectada a um computador
e sem alteração da ampliação utilizada, fotografadas. De seguida fotografou-se no mesmo ponto uma
folha de papel milimétrico. Todas as fotografias foram transferidas para o programa de computador
AutoCAD® 2016 que permite a importação de imagens, definindo qual a escala pretendida. Neste
caso utilizou-se a escala 1:1. Com recurso à fotografia do papel milimétrico estabeleceu-se a relação
entre 1 milímetro e o número de pixels a que esta dimensão equivale no programa, chegando-se à
conclusão que 1 milímetro equivalia a 21.909 pixels: com esta relação foi possível medir a espessura
e o raio de enrolamento das aparas.
Figura 27 - Exemplo de apara cotada através do software Autocad.
A principal diferença das seguintes metodologias em relação à primeira é que estas implicam a
destruição das aparas, estas devem ser desenroladas para permitir a correta medição dos valores em
causa.
Na segunda metodologia utilizada, foi feito o levantamento das espessuras através da medição das
aparas com um paquímetro, esta medição foi realizada nos dois extremos da apara (no sentido do
comprimento), em três pontos diferentes ao centro (no sentido da largura) obtendo-se assim três
valores da maior espessura da apara e três valores da menor espessura da apara. Para se estimar a
espessura média da apara foi realizada a média aritmética dos valores obtidos.
54
Por último, todas as aparas foram pesadas e de seguida feito o levantamento do seu comprimento e
largura. Com o conhecimento do valor da densidade dos materiais ensaiados e da geometria da
apara é calculada a espessura média.
Como se sabe,
𝐷𝑒𝑛𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 =
𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎
𝑉𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒𝑎𝑝𝑎𝑟𝑎
(22)
𝑉𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒𝐴𝑝𝑎𝑟𝑎 = 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 × 𝑙𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎 × 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑠𝑠𝑢𝑟𝑎 (23)
logo,
𝑒𝑠𝑝𝑒𝑠𝑠𝑢𝑟𝑎 =
𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎
𝐷𝑒𝑛𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 × 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 × 𝑙𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎 (24)
3.6 Materiais utilizados
3.6.1 Chumbo
O interesse pelo estudo do chumbo justifica-se pela sua quase ausência de encruamento torna este
material praticamente rígido-perfeitamente-plástico, aproximando-o do material ideal utilizado na
maioria dos modelos analíticos e ainda permite simular à temperatura ambiente e baixas taxas de
deformação o comportamento de ligas de aço usualmente utilizadas na maquinagem. O provete de
chumbo (Figura 28. b) foi fabricado a partir de um lingote de chumbo obtido por fundição (Figura 28.
a) e maquinado numa fresadora convencional até se obter a sua geometria final.
Figura 28 - Fases de fabrico do provete de chumbo; a) lingote fundido; b) peça final.
3.6.2 Alumínio
O provete de alumínio (Figura 29. b) foi fabricado a partir de uma barra de alumínio AA1050 e fresado
à sua forma final tendo sido posteriormente recozido durante 2h a 500 graus Celcius para eliminar o
55
encruamento e as tensões residuais. O alumínio AA1050 apresenta-se como alumínio praticamente
puro (99.5%) eliminando a eventual contribuição de elementos de liga nas reações com o oxigénio na
interface apara-ferramenta.
Figura 29 - Provete de alumínio; a) desenho técnico; b) provete final.
3.6.3 Propriedades mecânicas dos materiais
Para modelar comportamento mecânico dos materiais foi utilizada a equação (25) de Silva (2009)
utilizando parâmetros de calibração com came logística. A came logística é a técnica experimental
que permite calibrar os materiais em condições similares ao corte ortogonal, em comparação com a
tradicional came raiz utilizada em processos de forjamento.
𝜎 = [𝐴 + 𝑒𝑚𝜀𝜀𝑛] [𝐵 + 𝐶 𝑙𝑛 (𝐷 + 𝜀̇) ] (25)
𝐴 𝐵 (102) 𝐶 𝐷 (102) 𝑚 𝑛
Pb (99,9%) Came logística 0.2 −1.61 −25 16 −0.37 0.35
Came raiz 0.3 −0.52 −11 5 −0.13 0.26
AA1050 Came logística 0.22 1.34 12.5 0.008 −0.34 0.36
Came raiz 0.45 0.76 13 0.4 −0.19 −0.38
Tabela 1- Valores das constantes do modelo proposto para a caracterização mecânica do chumbo tecnicamente
puro e do alumínio AA1050.
3.7 Procedimento experimental e plano de ensaios
Dado o teor experimental deste trabalho, envolvendo a constante manipulação de um aparato
construído de raiz, foi necessário definir um conjunto de ensaios para validação da máquina de
ensaios e da instrumentação, verificando a exatidão e a repetibilidade dos ensaios e das medidas.
Isto não é mais do que a definição de um procedimento experimental que pode ser consultado no
56
Anexo A. Para garantir a persecução dos objetivos do presente trabalho foi necessário definir um
plano de ensaios com o objetivo de se avaliar as consequências da presença de oxigénio no meio
envolvente ao mecanismo de arranque de apara. Este plano encontra-se definido na tabela 3.
A área de teste do provete é retangular com 30 por 11 mm (comprimento x largura), todos os ensaios
foram realizados em condições de corte ortogonal e o rácio entre a espessura de corte e a largura da
área de teste (<1/100) foi tomada em consideração para garantir que não existiam variações na
largura (condição de extensão plana). A influência dos efeitos de escala foi minimizada ao tentar
controlar a relação entre a espessura corte e o raio da aresta de corte, sendo esta no caso mais
desfavorável de 10.
Caso Material t0 (mm) Vc (m/min) Atmosfera α(º) σ(º)
1 Alumínio
0.150
0.040
0.020
0.15
Oxigénio
0 7
Árgon
2 Alumínio
0.150
0.040
0.020
200
Oxigénio
0 7
Árgon
3 Chumbo
0.150
0.040
0.020
0.15
Oxigénio
0 7
Árgon
4 Chumbo
0.150
0.040
0.020
200
Oxigénio
0 7
Árgon
Tabela 2 - Plano de ensaios.
57
4. Análise e discussão de resultados
Este capítulo apresenta os principais resultados da investigação sobre a influência do oxigénio no
mecanismo de corte por arranque de apara, nas forças de corte e na morfologia da apara. Contudo,
começa por demonstrar a validação do aparato experimental que foi especificamente desenvolvido
4.1 Validação do procedimento experimental
A validação do aparato experimental passou pela comparação das forças de corte com Cristino
(2011) o qual realizou corte de chumbo tecnicamente puro em condições quasi-estáticas. A Figura 30
apresenta a evolução típica e penetração em função do deslocamento da ferramenta para ambos os
trabalhos. Esta evolução mostra uma subida acentuada das forças de corte e penetração no início do
ensaio (zona A da Figura 30.), seguindo-se uma zona subsequente quasi-estática onde as forças se
mantêm praticamente constantes (zona B da Figura 30.) e terminam de forma abrupta (zona C da
mesma figura). Na Figura 30.a), apresenta-se o ensaio de Cristino (2011) realizado com uma
espessura de 0.2mm e largura de 20mm; Enquanto a Figura 30. b) apresenta os valores obtidos na
presente tese para uma espessura de 0.12mm e largura de 11mm. A comparação das curvas mostra
que os resultados são qualitativamente comparáveis.
Figura 30 - Comparação qualitativa de forças de corte e penetração em função do tempo; a) resultados Cristino (2011); b) resultados deste trabalho.
Foi realizada uma avaliação da cinemática da máquina de ensaios em condições de alta velocidade.
Os resultados das forças de corte e penetração nestas condições foram comparados com ensaios em
condições similares da seção de corte, mas realizados em condições quási-estáticas. A Figura 31
mostra a evolução dessas forças nos ensaios realizados em chumbo, em condições quasi-estáticas,
a qual corresponde uma velocidade de aproximadamente 0.15m/min e em condições típicas dos
processos de maquinagem com uma velocidade de aproximadamente 200m/min. Comparativamente,
tanto a força de corte como a de penetração apresentam valores mais baixos, durante o corte a alta
velocidade. Estes resultados não são óbvios, uma vez que a tensão de escoamento do material
aumenta com a velocidade, no entanto, como se irá analisar mais à frente neste capítulo, associado
ao aumento da velocidade está também a diminuição do raio de enrolamento da apara, reduzindo-se
desta forma a área de contacto entre apara e ferramenta e consequentemente o atrito. Assumir que,
apesar de estes dois fenómenos influenciarem as forças de corte em sentidos opostos, o atrito parece
ser o fenómeno predominante.
58
Figura 31 - Forças de corte e de penetração, resultantes de um ensaio a um provete de chumbo, para uma
espessura de corte de 0.150mm, em função do deslocamento para condições quasi-estáticas e de alta velocidade
A Figura 32. apresenta a evolução da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro,
em função da espessura de corte para condições tribológicas comparáveis em ensaios quasi-
estáticos e de elevada velocidade. O ângulo de ataque da ferramenta utilizado foi de 0º. Em ambos
os casos pode ser observado um comportamento típico da pressão específica de corte com aumento
do seu valor com a diminuição da espessura da seção de corte, mas cujo valor absoluto diminui com
a utilização da atmosfera inerte. No entanto, a presente investigação observou valores mais elevados
da pressão especifica de corte em relação a Cristino (2011) para espessuras superiores a 0.1mm.
Esta diferença pode ser induzida por; (i) alterações na textura e rugosidade da face de ataque da
ferramenta influenciando o valor das forças de corte, (ii) controlo do afiamento da ferramenta e (iii)
diferenças metalúrgicas entre os metais utilizados em ambas as investigações.
Figura 32 - Comparação de valores da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função
da espessura de corte para diferentes condições de velocidade de corte e lubrificação.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
0 5 10 15 20 25 30
Forç
a [N
]
Deslocamento [mm]
Fp AVFp QSFc AVFc QS
1
10
100
1000
0,01 0,1 1
Ks
[MP
a]
Espessura de corte [mm]
Seco QS (Cristino, 2011)Lub QS (Cristino,2011)Lub AV (Cristino,2011)Oxi AVArg AVOxi QSArg QS
59
Foram ainda realizados ensaios de corte ortogonal em AA1050 em condições quasi-estáticas e
dinâmicas. Porém, não foi possível obter a formação de apara contínua e uniforme, tendo-se
observado o arrancamento de material da superfície do provete (Figura 6). Isto limitou a utilização dos
resultados obtidos em condições quasi-estáticas para comparação com resultados obtidos em
condições típicas dos processos de maquinagem.
Figura 33 - Condição da superfície maquinada do provete de alumínio após um ensaio em condições quasi-estáticas.
4.2 Influência da atmosfera no chumbo
A Figura 34 apresenta a evolução da força de corte em função da espessura da secção de corte, para
diferentes combinações entre a atmosfera envolvente e a velocidade de corte. A análise do gráfico
mostra que a força de corte aumenta com a secção, sendo o valor influenciado pela percentagem de
oxigénio na atmosfera e pela velocidade de corte. Assim, é possível minimizar a força de corte
aumentando a velocidade de corte (200m/min, AV) e escolhendo uma atmosfera inerte (Árgon AV).
Pelo contrário, os valores mais elevados da força de corte ocorrem para condições quasi-estáticas
(QS, 0.15m/min) e atmosfera ativa (Oxigénio QS).
Figura 34 - Forças de corte para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para diferentes
condições de atmosfera e velocidade de corte.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Forç
a d
e c
ort
e [
N]
Espessura de corte [mm]
Oxigénio QSÁrgon QSOxigénio AVÁrgon AV
60
No que respeita à força de penetração é possível observar igual tendência (Figura 35). A influência da
atmosfera é responsável por uma redução em cerca de 20% das forças de corte, sendo este valor
menos expressivo com o aumento da velocidade de corte. Estes factos são justificados pela afinidade
do chumbo com o oxigénio, formando-se um filme de óxido (PbO, espectável como produto da reação
química entre os dois elementos) nas superfícies recém-geradas, por oposição às características
inertes do árgon que previnem a formação do mesmo. Estes resultados mostraram ainda que apesar
do aumento significativo da velocidade de corte as diferenças entre os dois tipos de atmosfera
persistem; Isto parece indiciar elevada celeridade dos mecanismos de oxidação do chumbo.
Figura 35 - Forças de penetração para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para
diferentes condições de atmosfera e de velocidade de corte.
A representação gráfica das forças de corte facilita o estudo da influência dos parâmetros operativos,
porém, não permite estabelecer uma correlação direta entre a pressão especifica de corte e a tensão
de escoamento do material a maquinar. Neste sentido, faz sentido apresentar a evolução da pressão
específica de corte (Ks) em função da espessura da secção de corte como indicador da eficiência
global do mecanismo de arranque de apara (Figura 36).
A pressão específica de corte mostra ser influenciada pelo tipo de atmosfera e pela velocidade de
corte, em linha com as observações anteriores das forças de corte na Figura 34. Porém, a
comparação entre a resistência mecânica do material e a resistência ao arrancamento da apara
mostra que a eficiência do processo é bastante reduzida e que em parte pode ser explicada pelos
fenómenos tribológicos. Como referência podemos considerar a tensão de escoamento do chumbo
tecnicamente puro quase perfeitamente plástico na ordem dos 20 MPa em condições quasi-estáticas
e de 40 MPa em condições de alta velocidade de deformação. Esta diferença parece indicar um
aumento da resistência mecânica aparente numa ordem de grandeza.
0
50
100
150
200
250
300
350
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Forç
a d
e p
en
etr
ação
[N
]
Espessura de corte [mm]
Oxigénio QS
Árgon QSOxigénio AV
Árgon AV
61
Figura 36 - Pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função espessura de corte para
diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte.
4.3 Influência da atmosfera no alumínio
As figuras seguintes mostram os resultados obtidos para o valor das forças de corte e de penetração
em função das diferentes espessuras ensaiadas, quando se usa uma atmosfera ativa ou inerte, em
condições de alta velocidade (200m/min). Contrariamente ao inicialmente esperado, os resultados
mostram que o valor das forças de corte aumenta na presença da atmosfera inerte de árgon,
sugerindo que o óxido formado nas superfícies recém geradas de alumínio pode desempenhar um
papel lubrificante ou de redução da interpenetração das asperezas. Porém, a diferença não é tão
expressiva quando comparada com resultados equivalentes no chumbo tecnicamente-puro,
indiciando a necessidade de estender o número de ensaios experimentais nestas condições.
Figura 37 - Forças de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes condições
de atmosfera.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Ks
[MP
a]
Espessura de corte [mm]
Oxigénio QSi
Árgon QS
Oxigénio AV
Árgon AV
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Forç
a d
e c
ort
e [
N]
Espessura de corte [mm]
oxigénio
Argon
62
Figura 38 - Forças de penetração para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes
condições de atmosfera.
A Figura 39 apresenta evolução da pressão específica de corte do AA1050 com o tipo de atmosfera e
é em tudo compatível com a evolução da força de corte apresentada na Figura 37. Porém, a
comparação entre a resistência mecânica do material e a resistência ao arrancamento da apara
mostra um aumento aparente da resistência mecânica do AA1050 ao arrancamento da apara. Como
referência podemos considerar a tensão de escoamento do AA1050 quase perfeitamente plástico na
ordem dos 140MPa em condições quasi-estáticas e de 220MPa em condições de alta velocidade de
deformação. Estes resultados estão em acordo com as observações anteriores para o chumbo
tecnicamente-puro com um aumento da resistência mecânica aparente numa ordem de grandeza.
Este resultado é também indicador do aumento no consumo energético do processo na presença de
uma atmosfera inerte quando comparado com a atmosfera de oxigénio.
Figura 39 - Pressão específica de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes
condições de atmosfera.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Forç
a d
e p
en
etr
ação
[N
]
Espessura de corte [mm]
oxigénio
Argon
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Ks
[MP
a]
Espessura de corte [mm]
OxigénioÁrgon
63
4.4 Influência da atmosfera no processo
A Figura 40 apresentada a evolução do coeficiente de atrito (obtidos através do modelo de atrito de
Coulomb, Equação 13) em função da espessura da seção de corte considerando o tipo de atmosfera
e a velocidade de corte. Os resultados obtidos nos ensaios de chumbo demonstram que o coeficiente
de atrito baixa à medida que se aumenta a espessura de corte independentemente da atmosfera
utilizada e da velocidade de corte considerada, é ainda possível observar que quanto maior a
espessura de corte, menor é a diferença do valor do coeficiente de atrito obtido entre as duas
atmosferas. Estes resultados são consistentes com aqueles obtidos por Cristino (2011) que também
verificou uma redução da influência da atmosfera envolvente no processo, à medida que a espessura
de corte aumenta. Os resultados obtidos nos ensaios em alumínio, embora apresentem a mesma
tendência para redução do coeficiente de atrito com o aumento da espessura de corte, não mostram
uma influência clara do tipo de atmosfera no mecanismo de corte. A diminuição do coeficiente de
atrito deveria estar associada uma redução de forças, no entanto tal não se verifica. A diferença nos
resultados parece levantar dúvidas quanto à rigidez do aparato experimental utilizado na
investigação.
Figura 40 - Coeficiente de atrito em função da espessura de corte para a gama de ensaios planeada à exceção
do corte de alumínio em condições quasi-estáticas.
A Figura 41 apresenta exemplos das aparas obtidas durante a realização dos ensaios experimentais.
Enquanto as Figuras 41. a) e b) apresentam aparas resultantes do corte a alta velocidade de uma
apara de alumínio com seção 0,020mm, as Figuras 41. c) e d) apresentam igual para uma apara em
chumbo com 0,040mm, fazendo variar a atmosfera entre oxigénio e árgon. Já as Figuras 41. e) e f)
apresentam-se aparas de 0,150mm resultantes do corte, em condições quasi-estáticas, de chumbo
também em oxigénio e árgon respetivamente. Para melhor visualização, imagens com melhor
resolução são fornecidas no anexo B. É possível observar (quando aplicável) a medição de dois ou
três raios de enrolamento das aparas, este facto está relacionado com as condições de formação da
apara, o menor raio representado corresponde a condições transientes no início da formação da
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Co
efi
cie
nte
de
atr
ito
Espessura de corte [mm]
Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS
64
apara, após o qual o processo evolui rapidamente para condições estáticas, verificadas no raio de
enrolamento seguinte em termos de dimensão. Este foi o raio de enrolamento considerado nas
análises realizadas neste trabalho. A presença do raio de enrolamento de maiores dimensões
corresponde a condições de difícil interpretação de resultados, podendo inclusivamente ter existido
contacto entre a apara e o provete (observado nas imagens captadas dos ensaios).
Figura 41 - Aparas resultantes do corte ortogonal; a) 0.020mm alumínio oxigénio AV; b) 0.020mm alumínio árgon
AV; c) 0.040mm chumbo oxigénio AV; d) 0.040mm chumbo árgon AV; e) 0.15mm Chumbo oxigénio QS; f) 0.15mm Chumbo árgon QS.
As aparas apresentadas na Figura 41 mostram igual tendência nos raios de enrolamento inferiores
quando se promove uma atmosfera inerte em torno do mecanismo de arranque de apara quando
comparados com aquelas resultantes da presença de uma atmosfera ativa. Na Figura 42. são
compilados os valores do raio de enrolamento de todos os ensaios em função da espessura de corte.
O valor do raio de enrolamento de 1000mm é um resultado fictício utilizado para representar uma
apara aproximadamente plana e, portanto, com um raio de enrolamento infinito. As aparas de
chumbo apresentam a evolução espectada da qual se destaca o aumento do raio de enrolamento da
apara com a espessura de corte e com a utilização da atmosfera ativa (obtendo-se inclusivamente
aparas completamente planas nestas condições) quando comparadas com aquelas resultantes dos
ensaios realizados sob uma atmosfera inerte. As aparas de alumínio mais uma vez apresentam um
comportamento não linear, variando a evolução do enrolamento da apara para diferentes espessuras
de corte e atmosferas. Os resultados obtidos para o alumínio devem ter em consideração a análise
dos resultados da Figura 40.
65
A última análise recai sobre os resultados da Figura 43. onde se apresenta o ângulo do plano de
corte em função da espessura cortada, para o plano de ensaios definido. Os resultados do chumbo,
consistentes ao longo de toda a análise de resultados, embora mostrem o aumento do ângulo do
plano de corte quando se passa de uma atmosfera ativa para uma atmosfera inerte, mostram também
incongruência. Associado à redução do coeficiente de atrito à medida que se aumenta a espessura
de corte, que se observou na Figura 40 deveria estar um aumento do valor do ângulo do plano de
corte, facto que não se evidencia nos resultados aqui obtidos, observando-se uma tendência para
que o valor mais baixo do ângulo do plano de corte se verifique para a espessura de corte de
0.04mm. Esta situação vem reforçar as suspeitas da falta de rigidez do aparato experimental, uma
vez que a origem destes dados está na medição das espessuras das aparas, antes e após o corte,
cuja obtenção permite através da equação (1) calcular o grau de encalque, posteriormente utilizado
na equação (2) para a obtenção do ângulo relativo à posição do plano de corte, não tendo, portanto,
qualquer relação com a restante aquisição de dados ou com o aparato experimental.
Figura 42 - Logaritmo do raio de enrolamento da apara em função da espessura de corte para a gama de
ensaios planeada com a exceção dos ensaios de alumínio em condições quasi-estáticas.
0,1
1
10
100
1000
10000
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Rai
o d
e e
nro
lam
en
to d
a ap
ara
[mm
]
Espessura de corte [mm]
Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS
66
Figura 43 - Ângulo do plano de corte em graus em função da espessura da seção de corte.
4.5 Correlação entre estimativas teóricas e experimentação
A simulação do processo de corte ortogonal prevê que esta seja realizada em condições de
deformação plana. Nestas condições simulou-se o corte de uma apara de alumínio AA1050 (após a
realização da caracterização mecânica real deste material no software) com uma espessura de corte
de 0.150mm com o objetivo de averiguar a capacidade deste software em simular a influência da
presença, ou não de oxigénio na atmosfera envolvente no processo de arranque de apara por
utilização de um artifício, variando-se manualmente o coeficiente de atrito entre os valores 0.1 e 0.8,
avaliando posteriormente os resultados.
A Figura 44 apresenta as estimativas teóricas das forças de corte e compara com os resultados
experimentais. O corte de uma espessura elevada (0.150mm), onde é espectável uma influência
menor da atmosfera no mecanismo de arranque, mostra que os valores das forças de corte
experimentais são semelhantes aos valores previstos pelo programa DEFORM.
Figura 44 - Forças de corte e de penetração para alumínio AA1050 em função do deslocamento do provete respeitantes ao corte real e simulado no software DEFORM, com e=0.15mm e Vc=204m/min.
0
5
10
15
20
25
0 0,05 0,1 0,15 0,2
Ân
gulo
do
pla
no
de
co
rte
, ϕ [
Gra
us]
Espessura de corte [mm]
Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
0 5 10 15 20 25 30
Forç
a [N
]
Deslocamento [mm]
Fc AVFp AVFc SIMFp SIM
67
A Figura 45. apresenta as forças de corte e penetração, experimentais e numéricas em função do
coeficiente de atrito. No caso das forças experimentais, o coeficiente de atrito foi calculado através da
equação (13). No caso numérico o coeficiente de atrito é um input do software. Note-se que os
resultados numéricos e experimentais tendem a divergir. Outra observação relevante é a de que, se
se utilizar a mesma equação (13) aplicada aos valores de força obtidos através da simulação, o
coeficiente de atrito não corresponde ao introduzido pelo utilizador no software, sendo repetidamente
inferior a este. Através de diferentes simulações foi ainda possível observar que quanto maior o
coeficiente de atrito introduzido no software (acima de 0.6 e até 0.8) maior é a diferença entre este e
o coeficiente de atrito calculado através da aplicação da equação (13) com as forças de corte e
penetração obtidas por simulação numérica, evidenciando-se uma dificuldade do software em
acompanhar o aumento do coeficiente de atrito.
Figura 45 - Forças de corte e de penetração reais e resultantes de simulação numérica para alumínio AA1050 em função do coeficiente de atrito, e=0.150mm e Vc=204m/min.
As simulações realizadas permitiram ainda fornecer uma estimativa da energia necessária ao corte e
permitiram estimar o comprimento de corte mínimo necessário nos provetes a partir do qual o
processo atinge o regime estacionário. Foi observada a evolução das forças de corte e a inclinação
do plano de corte. Estes valores foram utilizados para a definição da geometria e dimensões do
provete e para ajustar os valores de energia na máquina de ensaios. O comprimento mínimo para
que as condições estacionárias se verifiquem é de cerca de 7mm coincidindo a estabilização do valor
da força de corte com a da posição do plano de corte. A largura do bruto real deve ser tal que não se
exceda o valor potência que a máquina pode fornecer, não esquecendo que o valor obtido na Figura
46. a) corresponde a um provete de largura unitária.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
Forç
a [N
]
Coeficiente de atrito, µ
Fc Real
Fc Sim
Fp Real
Fp Sim
68
a) b)
Figura 46 - Corte ortogonal de alumínio AA1050 para e=0.150mm, Vc=204m/min a) simulação numérica com µ
=0,7 b) experimental.
O comprimento máximo a cortar está relacionado com interferências entre a apara e o provete, uma
vez que se pretende neste trabalho observar a morfologia da apara, qualquer colisão entre estes
poderia resultar em alterações da geometria, invalidando os resultados. Neste caso foi utilizado um
valor baixo do coeficiente de atrito, 0.1, para simular, dentro do possível, o enrolamento espectável da
apara e controlar o contacto entre esta e o provete. Verificou-se que a apara intercetava o provete
para um comprimento de corte de cerca de 31mm pelo que se estabeleceu o comprimento do provete
real nos 30 mm.
69
5. Conclusões e perspetiva de trabalho futuro
Este capítulo sumariza as principais conclusões e contribuições da investigação, alerta para as
limitações encontradas durante os trabalhos e termina com sugestões para trabalhos futuros. As
perspetivas de trabalhos futuros devem ser consideradas por outros alunos que pretendam revisitar o
tema da investigação.
5.1 Conclusões
O presente trabalho tentou contribuir duplamente para o conhecimento existente sobre o processo de
corte por arranque de apara e no desenvolvimento de uma máquina de ensaios que permitisse
realizar ensaios de corte em condições laboratoriais controladas. Esta máquina permitiu a realização
de uma série de ensaios para estudar a influência da atmosfera envolvente e dos óxidos
contaminantes no mecanismo de formação da apara.
A influência da atmosfera no corte de diferentes materiais é evidenciada neste trabalho pela alteração
consistente das forças envolvidas no processo, coeficientes de atrito e morfologia das aparas. Nos
ensaios de corte ortogonal de chumbo tecnicamente puro, foi possível observar que o corte em
oxigénio conduz a valores mais elevados da força de corte, um coeficiente de atrito mais elevado e
um raio de enrolamento da apara superior quando comparados com o corte em condições similares,
mas utilizando uma atmosfera inerte de árgon. Isto demonstra que os óxidos formados nas
superfícies recém geradas podem, de facto, influenciar significativamente a mecânica de formação da
apara aumentando a quantidade de energia necessária ao processo. Estes resultados estão de
acordo com alguma literatura da especializada. No entanto, o corte de alumínio AA1050 apresentou
valores mais elevados de força de corte quando este foi realizado numa atmosfera inerte. Os valores
do coeficiente de atrito e raio de enrolamento da apara foram inconsistentes, obtendo-se resultados
contraditórios para ensaios realizados nas mesmas condições, isto é, na mesma atmosfera. No
entanto foi possível identificar uma tendência para os valores do coeficiente de atrito serem de facto
mais reduzidos na presença da atmosfera inerte, um resultado em linha com aqueles obtidos pela
maioria dos investigadores como Williams e Stobbs (1979) e Wakabayashi, Williams e Hutchings
(1993). Apesar das inconsistências obtidas nos ensaios em alumínio poderem ser parcialmente
atribuídas a erros no procedimento experimental e falhas de conceção da máquina ferramenta, os
ensaios realizados a este material permitiram comprovar a complexidade em torno desta matéria
expondo a necessidade de realização mais ensaios em trabalhos futuros.
5.2 Perspetiva de trabalho futuro
Relativamente ao aparato experimental, este deve estar sujeita a constantes melhoramentos que
permitam melhor a função para a qual foi projetado. No decorrer do presente trabalho foram
identificadas falhas, as quais se aconselham a correção ou minimização antes da utilização do
aparato em trabalhos futuros. A definição da espessura de corte assegurada por um micrómetro com
uma resolução de 0.010mm exigiu que se repetissem ensaios, especialmente para as espessuras
70
entre os 0.020 e os 0.040mm. Aconselha-se, portanto, a aquisição e implementação de um novo
micrómetro com uma resolução mais fina para minimizar a necessidade de repetição de ensaios.
A medição da espessura cortada do provete em cada ensaio, realizada com um paquímetro, apesar
de permitir repetibilidade de resultados mesmo quando medida por diferentes utilizadores, mostrou-se
ineficaz quando estes dados foram cruzados com os valores obtidos para a espessura da apara
cortada e realizados cálculos relacionados com o grau de encalque. Sugere-se que seja
acrescentado ao aparato um micrómetro comparador para que se possa medir a altura do provete a
cada ensaio. Os principais desafios à implementação desta solução conceptualmente simples
prendem-se com a limitação de espaço para o posicionamento do comparador no interior da câmara
e com o facto de esta estar sujeita a vibrações e ruído gerados pelo impacto da guia na mesma,
capazes de impossibilitar o bom funcionamento deste acessório de precisão.
A imagem captada pela CAV, embora permitisse avaliar qualitativamente a evolução do processo,
revelou não ser dotada de uma resolução suficientemente boa para permitir o levantamento de
parâmetros que poderiam contribuir para uma melhor interpretação dos resultados como, por
exemplo, a espessura de contacto entre a apara e a ferramenta. Sugere-se a utilização de um
dispositivo de captura de imagens a alta velocidade com melhor resolução.
Relativamente aos ensaios realizados, como referido no subcapítulo anterior, a complexidade desta
problemática implica a continuação da realização de ensaios, devendo estes ter como foco principal a
compreensão do papel dos óxidos superficiais nas condições tribológicas entre apara e ferramenta.
Sugere-se que os trabalhos futuros incluam diferentes materiais e diferentes condições operativas
como a variação do ângulo de ataque da ferramenta ou a utilização de revestimentos na mesma para
que seja possível ter uma perspetiva mais alargada dos fenómenos identificados.
Poderá ser também pertinente a realização de ensaios a alumínios sucessivamente menos ligados,
se possível pela remoção individual de cada elemento de liga, nas mesmas condições que foram
reproduzidas no presente trabalho, de forma a compreender a contribuição de cada elemento nas
características dos óxidos superficiais formados e perceber se realmente a composição química do
óxido formado pode alterar significativamente as suas características, de lubrificantes a abrasivas,
durante o processo de formação da apara. A serem realizados ensaios nestas condições devem ser
desenvolvidas metodologias que permitam a determinação da composição química dos óxidos
superficiais.
Os erros ou falhas presentes na análise de resultados conduziram à necessidade de investigar a
origem dos mesmos. A generalidade dos resultados obtidos aponta para limitações no
posicionamento da ferramenta de corte (definição da espessura de corte) e da medição da espessura
efetivamente cortada. Estas limitações estão interrelacionadas e, portanto, apesar da repetição de
ensaios para obtenção das espessuras de corte pretendidas (como formar de colmatar a primeira
limitação) o valor da espessura efetivamente cortada pode ter sido enganador e suficiente para que o
71
erro se mantivesse e é aqui apontada como a principal origem dos resultados inconsistentes
presentes na Figura 43. (página 57).
Por outro lado, a consistência dos resultados obtidos para os ensaios em chumbo por oposição aos
resultados obtidos em alumínio permite concluir que a presença ou exacerbação de erros ocorre
quando a carga a que o sistema está sujeito aumenta. Diferentes componentes foram inspecionados
e testados para compreender se o sistema poderia estar sujeito a deformações ou apresentar folgas
de onde resultou a deteção de folga no conjunto guia-carro móvel, utilizado como suporte para o
provete. Um resultado à partida surpreendente visto estes componentes terem sido adaptados de
uma fresadora convencional, potencialmente sujeita a esforços mais elevados do que aqueles a que
foi sujeito o conjunto nos ensaios realizados neste trabalho. Uma análise a posteriori permitiu chegar
à conclusão de que, quando integrado numa fresadora convencional, o conjunto está sujeito a uma
pré-carga imposta pelo peso da mesa da fresadora eliminando esta as folgas presentes neste
trabalho.
Na Figura 47. a) é feita a quantificação da folga em função da carga a que o conjunto está sujeito e
na Figura 47. b) apresenta-se o aparato utilizado para avaliar a folga, onde se tentaram reproduzir as
condições de aplicação da carga nos ensaios, até à gama de carga disponível. É possível observar
que com uma carga de 28kg o conjunto guia-carro se moveu cerca de 0.022mm. Pensa-se que esta é
a principal razão para a inconsistência dos resultados obtidos nos ensaios em alumínio.
a) b)
Figura 47 - Quantificação da folga do conjunto guia mais carro móvel; a) deslocamento do carro em função da
carga aplicada; b) aparato experimental utilizado.
0
5
10
15
20
25
0 5 10 15 20 25 30
De
slo
cam
en
to [
mm
]
Carga aplicada [kg]
72
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75
Anexos
A - Procedimento Experimental
1. Recorrer ao micrómetro e definir a espessura de corte pretendida
2. Apertar a ferramenta (primeiro o parafuso inferior depois o superior)
3. Verificar o posicionamento do Anel difusor.
4. Alinhar o carro que suporta o provete com a guia.
5. Medir a altura do provete antes do corte.
6. Fechar a câmara, colocando a tampa no acrílico
7. Posicionar o pistão do canhão eletromagnético, encostando-o a carro ( este passo
não deve ser ignorado, não só por se mostrar eficaz na redução do ruído mas
principalmente porque tal pode resultar na destruição do canhão)
8. Abrir a alimentação do lubrificante pretendido.
9. carregar o canhão eletromagnético com 180 Volts.
I. ligar o botão “carga”
II. Ligar os cinco disjuntores.
III. Acionar o potenciómetro de forma a se fornecerem cerca de 2,5A, visível no
manómetro analógico, até os multímetros marcarem 180V.
IV. Desligar os cinco disjuntores
V. desligar o botão “carga” e ligar o botão “descarga”
10. Reiniciar a operação dos amplificadores
11. No PC2 iniciar a gravação vídeo
12. No PC1 iniciar a gravação de dados e atuar o botão de disparo do canhão
13. Parar a gravação de dados.
14. Parar a gravação vídeo.
15. Parar a alimentação do Lubrificante
16. Recolher a apara.
17. Aliviar a ferramenta e alinhar novamente o carro com a guia
18. Medir a altura do provete após o corte
19. Recondicionar a ferramenta.
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B- Figuras das aparas.
a)
b)
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c)
d)
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e)
f)