A IMPORTÂNCIA DA LEI 6.766/79 PARA O CRESCIMENTO … IMPORTANCIA DA... · ri Lefebve (1999), foi o...

11
230 A IMPORTÂNCIA DA LEI 6.766/79 PARA O CRESCIMENTO ORDENADO DA CIDADE The importance of Law 6.766 / 79 for the ordered growth of the city Thaís Martins Silva 1 Júlia Marques Fernandes 2 Marcos Esdras Leite 3 1 UNIMONTES Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social [email protected] 2 UNIMONTES Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social [email protected] 3 UNIMONTES Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social [email protected] RESUMO Um dos problemas desencadeados pelo crescimento desordenado das cidades é o surgimento ou manutenção de propriedades em situações irregulares. Para que esse crescimento não seja ex- cessivamente descontrolado, necessário se faz que o município controle e fiscalize a ocupação e distribuição da população no solo urbano, a fim de evitar superlotação em determinadas regiões e em contrapartida outras regiões sejam despovoadas. O ordenamento jurídico brasileiro possui instrumentos capazes de garantir o desenvolvimento regular do meio urbano, entre eles a Lei de Parcelamento do solo urbano, que trata das formas de estruturar o espaço da cidade.Assim, o objetivo desse trabalho é analisar a importância da Lei 6.766/79 para o crescimento ordenado da cidade e a consequente repercussão social, jurídica e econômica que imóveis irregulares trazem aos seus proprietários e ao município. A lei 6.766/79 definiu o loteamento e o desmembramento como formas regulares de parcelar o solo urbano e vedou o parcelamento em situações que fe- rem o caráter sanitário e de segurança pública, além de preconizar a necessidade de existência, no espaço urbano, de áreas destinadas a sistema de circulação e implantação de equipamento urbano e comunitário, tudo para o funcionamento adequado do ambiente urbano. Palavras-Chave:Parcelamento do solo urbano; loteamento; desmembramento; parcelamento irregular.

Transcript of A IMPORTÂNCIA DA LEI 6.766/79 PARA O CRESCIMENTO … IMPORTANCIA DA... · ri Lefebve (1999), foi o...

230

A IMPORTÂNCIA DA LEI 6.766/79 PARA O CRESCIMENTO ORDENADO DA CIDADE

The importance of Law 6.766 / 79 for the ordered growth of the city

Thaís Martins Silva1

Júlia Marques Fernandes2

Marcos Esdras Leite3

1UNIMONTESPrograma de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social

[email protected]

2UNIMONTESPrograma de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social

[email protected]

3UNIMONTESPrograma de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social

[email protected]

RESUMOUm dos problemas desencadeados pelo crescimento desordenado das cidades é o surgimento ou manutenção de propriedades em situações irregulares. Para que esse crescimento não seja ex-cessivamente descontrolado, necessário se faz que o município controle e fi scalize a ocupação e distribuição da população no solo urbano, a fi m de evitar superlotação em determinadas regiões e em contrapartida outras regiões sejam despovoadas. O ordenamento jurídico brasileiro possui instrumentos capazes de garantir o desenvolvimento regular do meio urbano, entre eles a Lei de Parcelamento do solo urbano, que trata das formas de estruturar o espaço da cidade.Assim, o objetivo desse trabalho é analisar a importância da Lei 6.766/79 para o crescimento ordenado da cidade e a consequente repercussão social, jurídica e econômica que imóveis irregulares trazem aos seus proprietários e ao município. A lei 6.766/79 defi niu o loteamento e o desmembramento como formas regulares de parcelar o solo urbano e vedou o parcelamento em situações que fe-rem o caráter sanitário e de segurança pública, além de preconizar a necessidade de existência, no espaço urbano, de áreas destinadas a sistema de circulação e implantação de equipamento urbano e comunitário, tudo para o funcionamento adequado do ambiente urbano.

Palavras-Chave:Parcelamento do solo urbano; loteamento; desmembramento; parcelamento irregular.

231

O Brasil passou por um vertiginoso e intensifi cado processo de urbanização a partir da segunda metade do século XX, o que se constata através da análise de dados demográfi cos do Instituto Brasileiro de Geografi a – IBGE (2000), que apontam uma população urbana brasileira de 31,3% no ano de 1940 e de 81,2% em 2000. O êxodo rural e o grande crescimento vegetativo da população contribuíram para o desenvolvimento acelerado do espaço urbano, mas para Hen-ri Lefebve (1999), foi o processo de industrialização que desencadeou a formação da sociedade urbana.

O crescimento desordenado do ambiente urbano vem provocando problemas territo-riais, econômicos e de ordem ambiental nas diversas regiões do país.

A distribuição desordenada da população no solo urbano acaba por provocar grandes vazios urbanos em oposição a regiões muito adensadas. Tal situação implica a baixa qualidade de vida urbana em decorrência da falta de estrutura mínima como rede elétrica, escoamento de água pluvial, rede de esgotamento sanitário, entre outros. (BATTAUS, OLIVEIRA, 2016)

A Constituição Federal Brasileira dispõe em seu art. 30, VIII, que cabe aos municípios o adequado ordenamento territorial através do planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano. Bem como determina, em seu art. 182, que a política de desenvolvi-mento urbano a ser executada pelo município, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimen-to das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

Diante disso, instrumentos normativos como a Lei de Parcelamento do solo urbano sur-giram para contribuir e regular esse processo de urbanização brasileiro.

Juridicamente, o parcelamento do solo urbano é regulado pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que teve sua redação alterada pelas Leis nº 9.785/99, 10.932/04, 11.445/07, 12.424/11, 12.608/12 e 13.465/17.

O principal objetivo dessa pesquisa é o estudo da importância do cumprimento da Lei para construção de um meio urbano mais igualitário.

De início aborda-se o processo de urbanização brasileiro e posteriormente levantam-se aspectos do parcelamento regular do solo urbano, de forma a entender, fi nalmente, como se daria o crescimento ordenado da cidade, um objetivo a ser perseguido pelos órgãos municipais, loteadores e citadinos.

PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRO

A urbanização das cidades brasileiras não se deu de forma simultânea e isso por diversos fatores, dentre eles a baixa complexidade funcional das cidades e o pequeno grau de articulação entre os centros, o que resultou em um enorme adensamento populacional nas grandes cidades. O país estava estruturado em torno das metrópoles, realidade que atraiu a atenção de estudiosos em busca de compreender a dinâmica, aspectos e problemas desses centros metropolitanos. (CORRÊA, 2001; PEREIRA, LEITE, 2008).

Contudo, paralelamente ao crescimento das metrópoles, aumentava-se o número de ci-dades grandes e intermediárias e suas respectivas populações, é que a população de centros com mais de 20.000 habitantes iam em direção às cidades médias. A partir de 1950, com incentivo

232

do Plano de Metas, surgiram novos centros especializados e diversifi cados, consequentemente uma produção industrial variada, o que gerou impacto em outros setores produtivos, ocasionan-do uma desconcentração regional da indústria. (SANTOS, 1993; CORRÊA, 2001)

Gomes (2007) ressalta que nas últimas décadas a desconcentração econômica reduziu as desigualdades regionais do Brasil. Com a queda do emprego formal nas indústrias, estas deixaram de se concentrar apenas nas metrópoles e polos industriais dinâmicos começaram a atingir novos centros, entre eles as cidades médias, em um processo denominado por muitos autores como desmetropolização.

A dinâmica das cidades médias, que se traduz na oferta de serviços funcionais e especia-lizados em razão do processo de desmetropolização e reestruturação regional atraiu um grande contingente populacional e com isso a demanda por novos investimentos, a fi m de fortalecer esses novos centros e conferir-lhes importância local e regional.

O espaço urbano tem se tornado lugar de concentração das atividades humanas, o que fi ca evidenciado pelo censo 2010 do IBGE (BRASIL, 2010) que aponta uma concentração de 84,4% da população brasileira em áreas predominantemente urbanas, enquanto apenas 15,6% vivem em áreas rurais.

O processo de urbanização estimulado pelo crescimento do setor industrial evidenciou um aumento demográfi co insustentável nas cidades, havendo uma inversão do local de residên-cia da população brasileira do campo para a cidade. (LEAL, 2013)

Essa discrepância evidencia uma demanda cada vez maior do espaço urbano para a moradia e atividades, sendo que para atender tal demanda é necessária a verticalização das construções urbanas, a fi m de promover uma melhor distribuição do contingente populacional. (ANTUNES, 2018).

Nesse contexto do acelerado processo de urbanização e visando regular a produção de novas áreas urbanas que surgiu a Lei de Parcelamento do Solo urbano, a fi m de controlar a ocupação desordenada do solo urbano e minimizar o impacto social produzido pela “criação urbana”, que nas palavras de Leal (2013) “trata-se muito mais de geração de cidades do que de um verdadeiro processo de urbanização”.

PARCELAMENTO DO SOLO URBANO

O parcelamento do solo pode ser considerado a base do processo de urbanização e não se trata apenas de estruturar o espaço da cidade, mas antes garantir o cumprimento de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, reduzir as desigualdades sociais.

Para isso, o ordenamento jurídico brasileiro possui instrumentos capazes de garantir o desenvolvimento regular do ambiente urbano e coletivo, entre eles a Lei de Parcelamento do solo urbano, que trata das formas de organizar o espaço das cidades.

Parcelar o solo urbano traduz-se no processo de divisão da gleba, para fi ns de ocupação, seja ela para construção de habitação, comércio, indústrias, espaço de lazer, e outros. Mas o que vem a ser gleba? Gleba foi didaticamente defi nida por Scavone como:

233

É a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei 6.766/1979, o que equivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi loteada ou desmembrada sob a vigência da nova lei. Entretanto, mes-mo que não tenha havido parcelamento do solo sob a regulamentação da Lei 6.766/79 com as alterações posteriores, haverá lote e não gleba, se a porção de terra atender, quanto à dimensão, aos parâmetros da lei municipal ou do plano diretor e, além disso, dispuser de infraestrutura básica, assim considerada na exata medida da existência de equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, esgota-mento sanitário e abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, além de vias de circulação (SCAVONE, 2016, p. 114).

Explorar alguns conceitos é importante para compreensão desse trabalho, nesse mo-mento importante distinguir solo urbano de solo rural, uma vez que a lei aqui estudada refere-se tão somente ao parcelamento do solo urbano.

O solo passa a ter qualifi cação urbana quando ordenado para cumprir destino urba-nístico, especialmente a edifi cabilidade e a vialidade (de viário) – que não são por natureza, qualidades do solo. Essa qualifi cação é função das normas urbanísticas que lhe fi xam o destino urbanístico, a que fi ca vinculado o proprietário (SILVA, 2010, p.80).

Quanto à classifi cação de solo rural, a Lei 8.629/93, que regulamenta dispositivos cons-titucionais relativos à reforma agrária, preconiza em seu art. 4º, I, tratar-se de “Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, fl orestal ou agro-industrial”.

Para Scavone (2016, p. 111), o parcelamento será considerado urbano, ainda que rea-lizado em zona rural, se for destinado para fi ns habitacionais, fi cando o parcelador sujeito aos efeitos penais, uma vez que não é permitido loteamento para fi ns urbanos em área rural.

A Lei. 6.766/79 preconiza em seu art. 2º que o parcelamento do solo urbano realizar-se-á mediante loteamento ou desmembramento, classifi cando-os da seguinte maneira:

§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edifi cação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicosou prolongamento, modifi cação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edi-fi cação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modifi cação ou ampliação dos já existentes.

Contudo, deve-se ter em mente que o objetivo do parcelamento do solo não é apenas o fracionamento de gleba em lotes, o espaço transformado tem que apresentar boas condições de habitabilidade, a fi m de facilitar a circulação de bens e pessoas.

A essência da lei estudada está no interesse do Estado em controlar a divisão da terra, que poderá implicar em repercussões negativas para o crescimento da cidade, sendo que o ob-

234

jetivo do parcelamento do solo urbano segundo Rolnik (1999), citado por Garcia; Fernandes (2018, p. 1), é o seguinte:

O objetivo de toda a regulação [como ocorre no tocante à LPSU] seria originalmente este: garantir a sustentabilidade da cidade, do ponto de vista ambiental, e a eqüidade, do ponto de vista social, do acesso do cidadão aos bens e serviços urbanos, às con-dições urbanas, às oportunidades econômicas, educacionais e culturais que a cidade oferece. Afi nal, é para isso que existem cidades; sua natureza é poder ampliar essas oportunidades e desenvolver os cidadãos (ROLNIK, 1999, p. 126)

Para tanto, a Lei 6.766/79 é completa no sentido de prever os requisitos necessários para criação de loteamento, bem como para o desenvolvimento e aprovação dos projetos de loteamento e desmembramento.

Tal instituto dispõe, preliminarmente, no art. 2º, §5º, a infraestrutura básica dos parce-lamentos, que deve ser constituída por equipamentos de escoamento de águas pluviais, ilumi-nação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Além de ser taxativa em seu art. 3º, parágrafo único, quanto às situações em que o parcelamento não é permitido, seja em virtude de caráter sanitário ou de segurança pública:

Art. 3º (...)

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específi cas das autoridades competentes;

IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edifi cação;

V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Cumpre ressaltar que a Lei prevê no art. 4º requisitos mínimos a serem cumpridos para que o loteamento seja aprovado, dentre eles que o loteador destine uma parcela de terra para sistemas de circulação e implantação de equipamento urbano e comunitário, que deverá ser proporcional à densidade de ocupação prevista no plano diretor municipal para a zona em que se situem.

Outro requisito de extrema importância previsto pela Lei de Parcelamento do solo urba-no trata-se da área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) dos lotes, salvo em se tratando de loteamento destinado a urbanização específi ca ou edifi cação de conjuntos

235

habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes.

O art. 12 da lei estudada trata da aprovação do projeto de loteamento e desmembra-mento, e preconiza em seu §1º que desde que aprovado pelo Município ou Distrito Federal, o projeto deverá ser executado em prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação. Além de dispor em seu §2º que em casos de Municípios cadastrados como suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos similares, a aprovação do projeto fi ca condicionada ao cumprimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidão à urbanização. Derradei-ramente, veda no §3º a aprovação de projeto de loteamento e desmembramento em áreas de risco defi nidas como não edifi cáveis, no plano diretor ou legislação correspondente.

Após aprovado, o projeto de parcelamento deve ser submetido a registro imobiliário pelo loteador, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, é o que determina o art. 18 da Lei 6.766/79. A legalidade do loteamento ou desmembramento está condicionada à aprovação, execução do projeto e submissão do mesmo a registro, que será efetuado com lastro em uma vasta documentação.

Estando a documentação em ordem, o registrador comunicará a Prefeitura e publicará edital do pedido de registro por 3 (três) dias consecutivos, que estará sujeito a impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da última publicação. Findo o prazo sem impug-nação, o registro será feito imediatamente. Caso contrário, havendo impugnação, o Ofi cial do Registro de Imóveis intimará o requerente e o órgão municipal ou o Distrito Federal, se este for o caso, para se manifestarem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de arquivamento do processo. Com tais manifestações, o processo será enviado ao juiz competente para decisão. Finalmente, realizado o registro do loteamento, o registrador fará comunicar por certidão o seu registro à Prefeitura, tudo conforme redação do art. 19 da Lei de Parcelamento do solo urbano.

O registrador procederá ao registro do loteamento de forma a indicar cada lote, aver-bando as alterações, aberturas de ruas e praças e as áreas destinadas a espaços livres ou a equi-pamentos urbanos.

Disciplina o art. 21 que caso a área loteada esteja situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro será requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada a maior parte da área loteada. Posteriormente se fará o registro do loteamento em cada uma das demais circunscrições, comprovando perante cada uma o registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em todas.

Bom ressaltar que até aqui cuidamos de tratar das formas legais de parcelar o solo ur-bano, contudo, caso não observados os requisitos e exigências postas pela Lei 6.766/79 para realização do loteamento ou desmembramento estar-se-á diante de parcelamento ilegal do solo urbano, classifi cados por Silva em duas espécies:

236

osa) clandestinos, que são aqueles que não foram aprovados pela Prefeitura Municipal; b) os irregulares, que são aqueles aprovados pela Prefeitura mas que não foram ins-critos, ou o foram mas são executados em desconformidade com o plano e as plantas aprovadas (SILVA, 2010, p.338).

Segundo Garcia, Fernandes (2018, p. 8) “o parâmetro de separação entre loteamento e desmembramento clandestino e irregular, está expresso na interpretação do caput do art. 40 da LPSU que reza”:

A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notifi cação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não au-torizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

Nas palavras de Silva (2010, p. 338), “o loteamento clandestino constitui uma das pra-gas mais daninhas do urbanismo brasileiro”. Isso porque, segundo ele:

Loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm título de domínio, por isso não conseguem aprovação do plano, quando se dignam a apresenta-lo à Prefeitura, pois o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas dos logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edifi car no lote.

Nos casos de loteamento irregular do solo urbano, a Prefeitura tem competência para embargar a obra e exigir sua regularização. Além da possibilidade do órgão municipal assumir as obras de regularização urbanística, cobrando-se as despesas do loteador. No entanto, tal situação somente poderá ocorrer nos casos em que o loteamento já estiver edifi cado, uma vez que não é aceitável que um núcleo urbano venha a ser privado dos benefícios urbanísticos pelo cometimento de irregularidades por parte do loteador. (SILVA, 2010, p. 339)

É claro que o objetivo desse estudo não é o de analisar pormenorizadamente os requi-sitos para parcelamento regular do solo urbano, mas levantar alguns pontos cruciais da lei que deixam claro se tratar de exigências do legislador preocupado em garantir o crescimento orde-nado da cidade, assegurando o direito de propriedade, mas sem sobrepô-lo ao direito coletivo.

CRESCIMENTO ORDENADO DA CIDADE

Tratar do crescimento ordenado da cidade não é uma tarefa fácil, tendo em vista que o signifi cado da palavra ‘ordenado’ segundo o dicionário Aurélio signifi ca “transmitir uma or-dem; por em ordem; dispor por ordem”. Aqui não se pretende traçar um bula de como a cidade deve crescer, mas sim tratar de alguns aspectos fundamentais para o alcance de um meio urbano menos desigual, mesmo porque seria impossível que o processo de urbanização de todas as ci-

237

dades se desse de forma igual, considerando as peculiaridades de cada uma.Como abordado no tópico sobre o processo de urbanização brasileiro, os movimentos

migratórios do campo para a cidade foram notórios no Brasil a partir do século XX, sendo que a ocupação dos territórios das maiores cidades brasileiras aconteceram de modo complexo, fi cando a ocupação do solo condicionada ao poder aquisitivo das camadas sociais. (BATTAUS, OLIVEIRA, 2016)

Para mudar essa situação e a fi m de que meio urbano apresente melhorias e as ocupa-ções sejam realizadas de forma satisfatória é que se faz necessário a aplicação das diretrizes já fi xadas, sejam em âmbito federal, estadual ou municipal. E aqui, a participação do Município e Ministério Público é fundamental, uma vez que possuem poder de fi scalização.

Assim, a proposta do trabalho no sentido de abordar o crescimento ordenado da cida-de, seria do ponto de vista da importância da regularização da propriedade imóvel. É possível afi rmar que a ordenação da cidade como objetivo a ser perseguido deve partir não apenas dos órgãos municipais, estaduais e federais e do loteador, mas do próprio citadino, na condição de fi scal da lei e de proprietário ou possuidor que faz cumprir a função social do imóvel.

O legislador constituinte preocupou-se em incluir o Direito de Propriedade no rol de direito fundamentais da magna carta, ao lado de outros direitos individuais como a vida, a li-berdade e a igualdade, contudo, não se trata de um direito absoluto, o que implica afi rmar que a propriedade deve atender a sua função social, como exige o art. 5º, XXIII da Constituição Federal. O que não signifi ca tratar de socialização da propriedade, mas que esse direito seja exercido nos limites do interesse econômico e social. A função social estará cumprida desde que o proprietário dê ao imóvel a sua correta destinação. Dessa forma, cumprem a função social um imóvel residencial habitado e uma fazenda produtiva, o que não acontece com um imóvel fechado ou com uma terra improdutiva. (Scavone, 2016, p.13)

Segundo preconiza o art. 182, §2º da CF “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”

Importa salientar que a carta magna previu no §4º do artigo anteriormente mencionado a imposição de sanções àquele que não atribui à propriedade sua função social. Assim, o poder público municipal tem competência para, mediante lei específi ca, exigir do proprietário de solo não utilizado, subutilizado ou não edifi cado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de parcelamento ou edifi cação compulsórios; outras sanções à disposição do órgão muni-cipal são a cobrança de IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Esses são alguns dos efeitos negativos de manter a propriedade de forma irregular.

Ademais disso, o interesse público se sobrepõe ao interesse individual, assim sendo, o direito de propriedade será relativizado quando necessário ao interesse coletivo, como ocorre nas hipóteses de desapropriação por utilidade ou necessidade pública, de requisição administra-tiva e de requisição de bens no estado de sítio. (PAULO, VICENTE, 2014)

Importa ressaltar que, a ordenação da cidade nesse contexto da propriedade regular não

238

se limita apenas a observar a função social da propriedade, mas considerando todo o exposto nesse estudo, corresponde também à necessidade de cumprir as exigências para parcelamento do solo ou promoção de sua regularização.

Nesse sentido é que Lei de parcelamento do solo previu em seu art. 50 punições àquele que:

I- dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fi ns urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fi ns urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrati-vo de licença;

III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afi rmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembra-mento do solo para fi ns urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

A Lei 6.766/79 preocupou-se em estabelecer no art. 40 a competência do Município para regularizar os loteamentos realizados de maneira irregular, a fi m de garantir o desenvol-vimento urbano. Assim, não cabe ao Município apenas a edição de normas para aprovação do projeto de loteamento urbano, mais que isso, possui competência para editar normas para regularizá-los. (BASEI, 2018)

Basei (2018), citando Reschk (2009), salienta que a prevenção contra o surgimento de novos loteamentos irregulares está nas mãos dos órgãos municipais, que devem exercer o poder de polícia, assim que tiverem conhecimento da existência de parcelamento do solo.

Imprescindível ressaltar outras repercussões negativas que imóveis irregulares podem trazer aos seus proprietários ou futuros proprietários e ao Município.

A regularização de uma área proporciona um maior desenvolvimento urbano, alterando signifi cativamente as condições de vida da população. É através da regularização que os pro-prietários podem registrar seus contratos, gerando um direito real oponível contra terceiros, conforme ensinamento de Fabichaki (2017, p. 29) ao citar Gazola (2008).

Nesse sentido também é a seguinte lição de Fabichaki (2017, p. 13):

Quando se adquiri um loteamento que não entrou em conformidade com as Leis, o futuro proprietário pode sofrer com problemas de infraestruturas como falta de água, luz, problemas com a ligação de esgoto. A administração pública deve cuidar da questão ambiental, bem como fazer valer suas normas e fi scalizar para que sejam cumpridas. Pois é através da regularização que há garantia da utilização dos serviços públicos. É uma situação difícil de manter sob controle, haja vista que está tomada de forma generalizada. A preocupação com o meio ambiente se torna evidente ao per-ceber que com o crescente aumento de atitudes irregulares originou-se o aumento de catástrofes nos últimos anos. A falta de água, por exemplo, tem afetado cada vez mais a população com uma frequência considerável.

Saliente-se que, dentre os instrumentos normativos capazes de promover o desenvolvi-mento regular do ambiente urbano o Estatuto da Cidade tem papel fundamental, porque dispõe

239

de mecanismos para efetivação da política urbanística, entre os quais se destacam os constantes do art. 4º:planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimen-to econômico e social; planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e mi-crorregiões; zoneamento ambiental; gestão orçamentária participativa; tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de zonas especiais de interesse social; entre outros. (RANGEL, SILVA, 2009, p. 16)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo verifi cou-se que a Lei de parcelamento do solo urbano é ampla no sentido de disciplinar conteúdo urbanístico, sanitário, civil e penal, contemplando os requisitos neces-sários para o desenvolvimento, aprovação e registro dos projetos de parcelamento do solo.

Depreende-se que o crescimento desenfreado das cidades ocasionado pelo processo de urbanização acelerado gerou um défi cit de habitação regular, provocando o surgimento de par-celamentos irregulares e clandestinos. Tal situação estimula a redução da qualidade de vida dos citadinos e provocam consequências como ausência de abastecimento de água, energia elétrica e esgotamento sanitário e acabam por gerar uma defi ciência na prestação de serviços públicos.

Há uma necessidade premente de unir forças no sentido de garantir uma fi scalização mais efetiva desses parcelamentos, tanto pelos órgãos municipais e Ministério Público, quanto pela população em geral, sobretudo àqueles privados do uso dos serviços públicos. Ademais disso, é imprescindível que a Prefeitura municipal providencie e estimule a regularização dos imóveis, de forma a dar-lhes signifi cação econômica e social.

Salienta-se que uma cidade é formada por pessoas e para pessoas e que a construção do meio urbano é promovida em conjunto.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paula Regina. Aspectos jurídicos sobre o parcelamento do solo urbano e o papel do ministério público. Disponível em: fi le:///C:/Users/Simon/Downloads/1297-7497-1-PB.pdf. Acesso em: 25 jul. 2018.

BASEI, Tainá. Regularização Fundiária Urbana: Loteamento Irregular e Clandestino no Muni-cípio de Guaraciaba/SC. Disponível em: fi le:///C:/Users/Simon/Desktop/Artigo-Tain%C3%A1-Basei.pdf. Acesso em: 25 jul. 2018.

BATTAUS, Danila M. de Alencar; OLIVEIRA, Emerson Ademir B. de. O direito à cidade: Ur-banização Excludente e a Política Urbana Brasileira. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n97/0102-6445-ln-97-00081.pdf. Acesso em 20 jul. 2018.BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 20 jul. 2018

BRASIL. Lei 6.766 de 1979. Publicada em 19 de dezembro de 1979. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L6766.htm. Acesso em: 20 jul. 2018

240

BRASIL. Lei 8.629 de 1993. Publicada em 25 de fevereiro de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8629.htmBRASIL. Lei 10.406 de 2002. Publicada em 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htmCORRÊA, Roberto Lobato. Refl exões sobre a dinâmica recente da rede urbana brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 9., 2001, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUR, 2001. p. 424-430. v. 3FABICHAKI, Robson: Loteamentos Clandestinos: Parcelamento Solo. 2017. Disponível em: https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/2395/TCC%20-%20ROBSON%20FABI-CHAKI_RVMRP%20FINAL.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 25 jul. 2018GARCIA, Ricardo Alexandre Rodrigues; FERNANDES, Douglas Rodrigo Damasceno. PAR-CELAMENTO DO SOLO URBANO. Disponível em: http://www.aems.edu.br/publicacao/edicaoatual/sumario/2014/Artigo%206%20-%20PARCELAMENTO%20DO%20SOLO%20URBANO.pdf. Acesso em: 25 jul. 2018GOMES, Fernanda Silva. Discursos contemporâneos sobre Montes Claros: (re)estruturação urbana e novas articulações urbano-regionais. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urba-nismo. UFMG – Belo Horizonte, MG, 2007.Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE. Tendências demográfi cas: uma análise da população com base nos resultados dos censos demográfi cos 1940 e 2000 / IBGE, Coordenação de população e Indicadores Sociais: 2007. Rio de Janeiro: IBGE.Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE. Censo demográfi co: 2010. Rio de Janei-ro: IBGE.LEAL, Rogério Gesta. Comentário ao artigo 182. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 7965. Disponível em:https://pt.scribd.com/document/265261452/Comentarios-a-Constituicao-Do-Brasil-Serie-Idp-Gilmar-Mendes-e-Outros#LEITE, Marcos Esdras; PEREIRA, Anete Marília. Metamorfose do espaço intra-urbano de Montes Claros/MG. Montes Claros: ed. Unimontes, 2008.LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: ed. UFMG, 1999.PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.RANGEL, Helano Márcio Vieira. SILVA, Jacilene Vieira da.O direito fundamental à moradia como mínimo existencial, e a sua efetivação à luz do estatuto da cidade. 2009. p. 16. Disponí-vel em:http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/viewFile/77/132. Aces-so em: 25 jul. 2018.SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1993.SCAVONE, Luiz Antônio. Direito Imobiliário – Teoria e Prática. 10. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2016.SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2010.