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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 A importância da interdisciplinaridade na prática da reabilitação física de amputados Silvana Maria Sasso Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO Paraná, [email protected] Veridiana Lúcia Stachowski Kuss Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO Paraná, [email protected] Jussara De Bortoli Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO Paraná, [email protected] Emerson Carraro Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO Paraná, [email protected] Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade 1. Introdução e Referencial Teórico Vivemos em um mundo impulsionado por constantes transformações e adaptações, onde impera a busca por tecnologias e conhecimentos cada vez mais avançados, os quais se aplicam a todas as áreas da nossa sociedade/comunidade. A construção do conhecimento é um movimento constante, necessário e deve prezar pela sua pertinência, ou seja, todo saber produzido deve contextualizar seu objeto. Sousa Santos (2002) refere que a evolução da ciência deve ocorrer não somente no paradigma científico, mas obrigatoriamente deve alcançar também o paradigma social, pois para ele, além de sobrevivermos necessitamos saber viver. Por muito tempo o estudo da ciência foi direcionado para a fragmentação dos fenômenos, atualmente seu grande desafio é desconstruir esse modelo, pois se tem dado ênfase aos saberes disciplinares, mas a realidade e os problemas que vivenciamos são cada vez mais polidisciplinares e globais. Foi decorrente desta problemática que acabou por se perpetuar o enfraquecimento de uma visão global, gerando assim a fragilidade do senso de responsabilidade e solidariedade (MORIN, 2003). Desta forma se faz de extrema relevância o debate sobre a interdisciplinaridade, pois como afirmam alguns autores que direcionam seus trabalhos a esta temática (CALLONI, 2006; FAZENDA, 1992; 1999; MORIN, 2003; VASCONCELOS, 2002) é por meio das discussões que poderemos nos transpor a essa realidade, pois a interdisciplinaridade é um eixo articulador e não excludente, e faz parte de um movimento que busca a superação da disciplinaridade.

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

A importância da interdisciplinaridade na prática da reabilitação física de amputados

Silvana Maria Sasso Universidade Estadual do Centro-Oeste –UNICENTRO – Paraná, [email protected]

Veridiana Lúcia Stachowski Kuss Universidade Estadual do Centro-Oeste –UNICENTRO – Paraná, [email protected]

Jussara De Bortoli Universidade Estadual do Centro-Oeste –UNICENTRO – Paraná, [email protected]

Emerson Carraro Universidade Estadual do Centro-Oeste –UNICENTRO – Paraná, [email protected]

Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade

1. Introdução e Referencial Teórico

Vivemos em um mundo impulsionado por constantes transformações e adaptações, onde impera a

busca por tecnologias e conhecimentos cada vez mais avançados, os quais se aplicam a todas as áreas da

nossa sociedade/comunidade. A construção do conhecimento é um movimento constante, necessário e deve

prezar pela sua pertinência, ou seja, todo saber produzido deve contextualizar seu objeto. Sousa Santos

(2002) refere que a evolução da ciência deve ocorrer não somente no paradigma científico, mas

obrigatoriamente deve alcançar também o paradigma social, pois para ele, além de sobrevivermos

necessitamos saber viver.

Por muito tempo o estudo da ciência foi direcionado para a fragmentação dos fenômenos, atualmente

seu grande desafio é desconstruir esse modelo, pois se tem dado ênfase aos saberes disciplinares, mas a

realidade e os problemas que vivenciamos são cada vez mais polidisciplinares e globais. Foi decorrente

desta problemática que acabou por se perpetuar o enfraquecimento de uma visão global, gerando assim a

fragilidade do senso de responsabilidade e solidariedade (MORIN, 2003).

Desta forma se faz de extrema relevância o debate sobre a interdisciplinaridade, pois como afirmam

alguns autores que direcionam seus trabalhos a esta temática (CALLONI, 2006; FAZENDA, 1992; 1999;

MORIN, 2003; VASCONCELOS, 2002) é por meio das discussões que poderemos nos transpor a essa

realidade, pois a interdisciplinaridade é um eixo articulador e não excludente, e faz parte de um movimento

que busca a superação da disciplinaridade.

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Vale ressaltar que nos momentos atuais uma grande preocupação dos profissionais de saúde,

pesquisadores, docentes, governantes e da população é como encontrar uma maneira de oferecer uma

atenção à saúde adequada. E quando nos referimos mais especificamente ao atendimento a pessoas com

deficiência esta preocupação se faz mais evidente, uma vez que segundo Perez (2012) é grande a parcela da

população mundial que apresenta algum tipo de deficiência.

Neste sentido a interdisciplinaridade deverá ser desenvolvida a partir da verdadeira cooperação entre

os saberes, e isso só será possível se as pessoas que detêm diferentes conhecimentos trabalharem integradas.

Para que a saúde possa ser apreendida em toda a sua dimensão, são necessários saberes capazes de articular

dinamicamente as dimensões biopsicossocial dos indivíduos. Isso requer que o trabalho em saúde seja

desenvolvido por meio de práticas integradas e vejam o homem no seu contexto (CALLONI, 2006).

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) cerca de 15,3% da população mundial,

aproximadamente 978 milhões de pessoas apresentam algum tipo de deficiência (PEREZ, 2012). Conforme

o senso demográfico brasileiro realizado no ano de 2010, em nosso país 23,9% da população apresenta pelo

menos uma das deficiências investigadas, e mais especificamente quanto à deficiência física, esta acomete

7% de nossa população (BRASIL, 2012).

A deficiência integra o quadro de condições crônicas, e pode ser congênita ou adquirida, de ordem

transitória ou permanente e é classificada como deficiência visual, de linguagem, de audição, física, mental

ou múltipla (AMIRALIAN, 2000; CAVALCANTE et al., 2009; BRASIL, 2012). É conceituada como perda

ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, gerando níveis variáveis de

incapacidade e desvantagens àqueles que a apresentam (GALHEIGO, 2008).

Muitas vezes referenciada como perda, mutilação ou incapacidade, a amputação remete aos

pacientes, na maioria dos casos, pensamentos negativistas, de invalidez e exclusão. Sendo a amputação um

dos mais antigos de todos os procedimentos cirúrgicos (BRITO, 2005), a qual representou durante muito

tempo, e em certas ocasiões ainda representa a possibilidade de maior expectativa de vida para o homem,

pois proporciona ao individuo submetido a este procedimento uma melhor qualidade de vida.

O conceito referente à amputação diz respeito ao processo pelo qual se separa do corpo, mediante

algum procedimento cirúrgico ou decorrente de algum trauma, um membro ou parte deste. Seu conceito

atual é de cirurgia reconstrutiva e não de simples remoção, e deve ser o primeiro passo para o retorno do

paciente ao seu lugar na sociedade, no âmbito familiar ou acadêmico, sempre tendo em vista a sua

reinserção laboral, seja na função antes exercida ou em uma nova função condizente com suas limitações ou

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dificuldades (CHINI; BOEMER, 2007).

As amputações são consequências de má formação congênita, doenças vasculares, lesões traumáticas

e infecções. Estas complicações podem ter seus efeitos minimizados ou serem evitadas se diagnosticadas

precoce e corretamente (PASTRE, 2005). Assim, facilmente se compreende a necessidade de apoio que

essas pessoas necessitam, independentemente do grupo que estão inseridas na sociedade, pois estão

necessitando de cuidados.

Independente de seu conceito clínico ou de suas consequências, o indivíduo que é submetido à uma

amputação passa a vivenciar novos sentimentos, mudando rotinas e hábitos. Sentida como perda de uma

parte do „eu‟ e que não pode ser minimizada, esta situação implica sempre em uma desvantagem física

permanente, com alteração da satisfação das necessidades fisiológicas, psíquicas e sociais (BOCOLINI,

2000).

É neste contexto que o papel da equipe de saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais,

psicólogos, fisioterapeutas, entre outros) se mostra presente e de suma importância, enfatizando questões

educativas e que promovam o conforto e qualidade de vida, assim como para com os cuidados necessários à

pessoa que foi submetida à amputação, além de estar preparado para auxiliar na reabilitação deste indivíduo.

Devem ainda, prestar auxilio ao paciente em todas as suas necessidades, possibilitando assim, uma

reabilitação adequada e de qualidade. O importante é informar aos pacientes que as amputações

proporcionam qualidade e expectativa de vida sem dor e sofrimento (CARVALHO, 2003).

Muitas vezes essa nova realidade gera dúvidas, angústia e medo onde, pode ocorrer a instalação de

um quadro de dependência ou de incapacidade. O amputado passa a preocupar-se com a dependência, tendo-

a como um futuro associado ao sofrimento, ficando evidente a importância do desenvolvimento harmônico

do processo de reabilitação, pois reabilitar um paciente não é somente devolvê-lo à sociedade como uma

pessoa independente e produtiva, é equilibrar suas necessidades físicas, sociais e morais, apesar da ausência

de uma parte de seu corpo (CHINI; BOEMER, 2007).

De acordo com Bocolini (2000) é necessário aproximar-se do paciente amputado a fim de

proporcionar-lhe melhores condições de vida. Expor que a amputação lhe trará mais benefícios do que

limitações, ou seja, ele terá muito mais vantagens do que desvantagens com a realização deste procedimento,

já que a manutenção do membro em questão não será mais possível. Isto se faz necessário para que sua

perda física passe para um plano de menor importância, pois o preconceito interfere negativamente na

reabilitação.

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De acordo com Marques (2008), estudos que permitam conhecer mais profundamente as

experiências das pessoas para as quais os cuidados são dispensados, possibilitam uma atuação mais

consistente, realçando não somente a singularidade das pessoas em situação de vulnerabilidade ocasionada

pela amputação, bem como o contexto dos cuidados a serem prestados, efetivando desta forma sua

adaptação completa a nova realidade.

Desta forma, achamos de grande relevância o desenvolvimento de pesquisas científicas acerca da

reabilitação de pacientes que sofreram a amputação de algum membro de seu corpo, suas vivências e

principalmente quanto à importância do trabalho interdisciplinar na reabilitação destes indivíduos, haja vista

que uma equipe de profissionais da saúde, que trabalha tendo como foco a interdisciplinaridade, poderá

desenvolver suas ações de cuidado e orientação voltadas ao paciente amputado para ajudá-lo a se adaptar e

alcançar uma melhor qualidade de vida nesta nova fase.

Como a interdisciplinaridade não é um tema muito antigo, pois seu conceito surgiu no século XX e,

só a partir da década de 60, começou a ser enfatizado como necessidade de transcender e atravessar o

conhecimento fragmentado (MORIN, 2003), acreditamos que estudar a interdisciplinaridade na reabilitação

de pacientes amputados seja justificada pela real importância da problemática instalada, e por poucas

produções científicas acerca desta temática.

Uma vez que a amputação pode ser entendida pelo paciente como um evento devastador em sua vida,

ele necessitará de apoio e compreensão, tanto de seus familiares quanto dos profissionais de saúde que estão

próximos a ele, para ajudá-lo a encontrar o caminho para as adaptações às mudanças que se fizeram

necessárias, pois somente desta forma o amputado poderá encontrar o equilíbrio que o levará ao encontro de

sua auto-aceitação, e neste sentido acreditamos que um trabalho interdisciplinar desenvolvido junto a este

paciente o auxilia em todo este processo.

2. Objetivos e Procedimentos Metodológicos

O principal objetivo deste estudo realizado no ano de 2012 foi conhecer as vivências dos indivíduos

que foram submetidos a algum tipo de amputação, buscando a identificação da interdisciplinaridade no

contexto da reabilitação física oferecida pelo Projeto Órtese e Prótese (POP).

Para conseguirmos alcançar os objetivos do presente estudo, consideramos que a abordagem

qualitativa seja a mais adequada, uma vez que procura centrar a atenção na especificidade, no individual,

almejando sempre a compreensão dos fenômenos estudados. Pois como Minayo (2004) afirma este tipo de

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abordagem é capaz de “incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às

relações, e às estruturas sociais” (p.10).

Outro aspecto relevante que achamos adequado enfatizar sobre a pesquisa desenvolvida, uma vez que

se trata da abordagem de um grupo específico de sujeitos, os quais podem se encontrar em condições

vulneráveis, é sobre uma das principais características da pesquisa qualitativa, a criação de um vínculo com

o pesquisador como condição para o desenvolvimento da pesquisa, pois como Gonzáles Rey (2005, p. 85)

afirma “uma das características da pesquisa qualitativa é seu acesso a temas que são íntimos e muito

sensíveis para as pessoas pesquisadas”, sendo necessário um envolvimento entre pesquisador e pesquisado,

onde se possa identificar confiança e segurança na relação firmada.

Para chegarmos às particularidades da problemática estudada, entendemos que o estudo de campo

seja o tipo de pesquisa mais adequado para o nosso estudo, uma vez que segundo Minayo (1996, p. 53) o

estudo de campo pode ser compreendido como “o recorte que o pesquisador faz em termos de espaço,

representando uma realidade empírica a ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o

objeto da investigação”.

O estudo foi desenvolvido no Projeto Órtese e Prótese (POP) que é um projeto de extensão

universitário permanente com caráter de prestação de serviços, lotado no Departamento de Enfermagem da

UNICENTRO. Este projeto está em funcionamento desde o dia 15 de julho de 2003, onde o serviço é

ofertado à comunidade regional; é credenciado junto ao Ministério da Saúde e tem objetivo de realizar

avaliação, adequação, treinamento, acompanhamento e dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares

de locomoção às pessoas com deficiência física natural ou adquirida.

Os serviços são oferecidos à população dos municípios que compõe a 5ª Regional de Saúde, que são:

Boa Ventura de São Roque, Campina do Simão, Candói, Cantagalo, Foz do Jordão, Goioxim, Guarapuava,

Laranjal, Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras, Palmital, Pinhão, Pitanga, Porto Ribeiro,

Prudentópolis, Reserva do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Turvo e Virmond. Desta forma, o projeto está

disponível a uma população de aproximadamente meio milhão de habitantes.

Nestes 10 anos de funcionamento do serviço já foram realizados mais de 75.000 atendimentos, entre

sessões de fisioterapia, psicoterapia, atendimentos de enfermagem, avaliações médicas e intervenções

sociais. Atualmente, o projeto tem cadastrado mais de 4.200 pacientes.

O encaminhamento a este serviço é realizado pelas prefeituras dos municípios atendidos, postos de

saúde e serviços de assistência social, para ser avaliado por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar,

composta de médico, enfermeiro, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social; é necessário que o paciente

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apresente: Registro Geral (RG) ou certidão de nascimento, Cadastro de Pessoa Física (CPF), cartão do

Sistema Único de Saúde (SUS), comprovante de residência e encaminhamento médico para que sua

solicitação seja efetivada.

Na consulta, o médico indica e solicita o melhor meio auxiliar de locomoção, tomando como

prioridade a necessidade e as condições físicas do paciente. A partir da indicação, a pessoa em tratamento

começa a receber acompanhamento fisioterápico, psicológico e de enfermagem, com vistas à reabilitação

total. Durante o processo de recuperação, o assistente social trabalha em conjunto para reinserção social e

laboral do indivíduo. Quando o paciente apresentar condições físicas e psicológicas para receber a órtese ou

prótese, é feito o fornecimento do equipamento, com recursos do SUS, ou seja, sem custo para o paciente.

O POP faz parte do Serviço de Reabilitação Física da UNICENTRO, que conta ainda com a Clínica

Escola de Fisioterapia e com o Ambulatório de cuidados de Enfermagem a Pacientes Portadores de Feridas

Crônicas. Esses serviços são oferecidos à população na modalidade de projetos de extensão permanentes e

funcionam nas dependências do Campus CEDETEG, em Guarapuava.

Para alcançar os objetivos propostos por esta pesquisa, optamos por utilizar a técnica de entrevista

com roteiro para a coleta das informações, juntamente com a técnica da observação participante, e com

utilização do diário de campo. Os dados para a pesquisa foram coletados primeiramente no POP, e com

posterior abordagem dos indivíduos selecionados para o estudo, para que o convite à participação da

pesquisa fosse formalizado, bem como explanação dos objetivos da mesma, onde foi obtida a autorização

por escrito dos participantes e aplicação do questionário através da realização da entrevista.

O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário semiestruturado, contendo

perguntas abertas e fechadas que contemplam os objetivos propostos pelo estudo, instrumento que foi

elaborado pelos responsáveis pela pesquisa.

Minayo (1996, p. 87) considera a entrevista uma “conversa com finalidade”, partindo de um roteiro

que serve de facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. A mesma autora

em trabalho semelhante relata que a observação participante “é uma estratégia de observação como forma

complementar de captação da realidade empírica” (MINAYO, 2004, p. 135).

A entrevista com roteiro possibilita que se discorra sobre o tema proposto, sem respostas ou

condições pré-fixadas pelo pesquisador, embora este se mantenha atuante, permitindo, ao mesmo tempo,

revelar a situação do entrevistado. As entrevistas e aplicação dos questionários foram gravadas e,

posteriormente transcritas e analisadas, com a técnica de análise de conteúdo.

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Com o presente estudo, que objetiva uma abordagem com seres humanos, as diretrizes e normas

regulamentadoras de pesquisas desta natureza, contidas na resolução do Conselho Nacional de Saúde, nº

466/2012, foram mantidas e respeitadas.

3. Justificativa do eixo escolhido

Acreditamos que a escolha pelo eixo temático “Teoria e Prática da Interdisciplinaridade” seja

conveniente, pois nos permite abordar a interdisciplinaridade como instrumento articulador e facilitador

utilizado pelos profissionais da saúde que atuam no Serviço de Reabilitação Física da UNICENTRO, serviço

este que tem grande importância regional, pois é o serviço conveniado ao Sistema Único de Saúde que

presta atendimento a uma população de aproximadamente meio milhão de pessoas.

Oferecer aos amputados um atendimento interdisciplinar é de suma relevância, pois como afirmam

Chini e Boemer (2007) a perda de parte do corpo é dolorosa e impõe ao amputado um novo modo de viver,

de estar no mundo, de se relacionar alterando e distorcendo sua existência, a partir deste momento o

indivíduo deverá se adaptar, readaptar, aprender a viver novamente assumindo uma nova perspectiva do

mundo para si, para os outros, para os objetos e para o futuro. Neste sentido uma equipe de saúde que

trabalhe de forma interdisciplinar, conseguirá proporcionar ao seu usuário a reabilitação tão almejada.

4. Resultados e Discussão

O grupo estudado foi composto por 15 pessoas com idade média de 56 anos, variando entre 21 a 82

anos. Dos entrevistados 93% são homens, 60% deles são casados ou moram com cônjuge, 73% têm filhos

sendo uma média de quatro filhos.

Quanto ao tempo de amputação este variou entre 1 ano até 27 anos, sendo a média de 11 anos, destas

amputações 33% são decorrentes de doenças vasculares, 26% de acidentes de trabalho, 20% devido

acidentes de trânsito, aparecendo em proporções menores e iguais acidente com animais peçonhentos,

infecção e câncer com 7% da amostra. Toda a amostra pesquisada apresenta amputação em membro inferior,

sendo que o nível de amputação da amostra corresponde a 31% abaixo do joelho curta, 37 % abaixo do

joelho longa, 25 % acima do joelho longa e 7% apresentava desarticulação coxofemoral. No entanto vale

ressaltar que um dos indivíduos desta amostra apresenta amputação bilateral de membros inferiores.

Ao serem questionados quanto ao que sentiram anterior e posteriormente a cirurgia de amputação, os

entrevistados referiram sentimentos parecidos nas duas fases, entre eles medo, conformação e desanimo,

mostrando poucas mudanças nestas duas fases. Este fato pode ser devido aos entrevistados relembrarem os

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sentimentos vivenciados logo após a amputação, ou seja, no pós-operatório imediato.

Quanto ao que foi sentido por eles antes da amputação a maioria relatou se sentir conformado e

aliviado. Sentimentos que estavam relacionados com a expectativa pelo fim das dores. Sentimentos de

tristeza, perda e mutilação do corpo foram citados em proporções consideráveis, igualmente como sinais de

depressão: falta de estímulo para as atividades corriqueiras, desespero, irritabilidade frequente frente a

problemas simples do dia-a-dia.

Indicaram que de uma forma ou de outra tiveram que aceitar a perda do membro, o que foi

perceptível através das indicações de sentimentos de conformação com a situação enfrentada. Alguns

entrevistados sentiram-se excluídos ou descriminados e apontaram a tentativa de negar a existência da

necessidade de realização do procedimento cirúrgico, pois relacionaram o evento da amputação de um

membro com menores oportunidades de conseguir um emprego futuramente. Enfatizaram ainda que o apoio

e o trabalho da equipe de saúde do POP fez diferença durante este processo de adaptação.

O momento que antecede a amputação é muito complexo e tumultuado, e faz surgir insegurança,

ansiedade e sensações dolorosas, muitas vezes não somente dor física, mas também psicológica. Segundo

Silva (2010), o bem-estar é muito mais que a simples ausência de sensação dolorosa, é um estado composto

de completa harmonia entre o corpo e a mente, pois o turbilhão de emoção emanado ultrapassa os aspectos

físicos, relacionando-se intimamente com o emocional do ser. Assim, quando o indivíduo apresenta

insatisfação ou alguma enfermidade relacionada ao seu corpo, logo esse desequilíbrio instalado irá interferir

diretamente em seu psiquismo.

Podemos perceber na maioria dos relatos que antes da cirurgia eles apresentavam inúmeros

sentimentos concomitantes, às vezes até sentimentos opostos, e que esse emaranhado de sensações deixava-

os confusos, inseguros e vulneráveis.

Essa nova condição de vida pela qual os pacientes serão submetidos lhes remete insegurança quanto

ao novo estilo de vida, preconceito relacionado ao próprio corpo, fazendo com que a imagem que têm sobre

suas delimitações fiquem destorcidas. De acordo com Albuquerque e Falkenbach (2009), a imagem corporal

é a representação mental do corpo, é a forma como vemos e pensamos o nosso corpo, também é a forma

como acreditamos que os outros nos vêem. Com a perda de uma parte do corpo o indivíduo pode ter uma

brusca alteração da imagem corporal, pois é através dela que se desempenham funções importantes na vida.

Ela serve como modelo para a execução de uma atividade motora consciente, que é ensaiada

subconscientemente antes de sua execução.

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As pessoas amputadas trazem inscritas em seus corpos características que as diferenciam de outras

pessoas. Chini e Boemer (2007) acrescentam que perder parte do corpo é doloroso e impõe um novo modo

de viver, de estar no mundo, de se relacionar. Para o paciente amputado falar sobre o corpo amputado é uma

tarefa difícil e nomeá-los deixa aparentemente mais visíveis as diferenças e imperfeições, ou seja, perder

parte do corpo altera toda uma existência.

Quanto ao relatado pelos entrevistados após a cirurgia de amputação, os sentimentos de alívio,

conformação e tranquilidade foram mencionados em maiores proporções, sempre relacionados com a

diminuição da dor. Entretanto sentimentos de desanimo, nervosismo e medo da invalidez foram lembrados,

assim como a presença das dores fantasma.

Chini e Boemer (2002) enfatizam que a amputação interfere na relação entre o indivíduo que perdeu

os membros inferiores e o seu corpo, pois esta se torna alterada, modificando inclusive a forma de olhar o

mundo, as pessoas, e as coisas do cotidiano. A perda de um membro acaba por distorcer a sua existência,

quando a partir deste momento, o indivíduo deverá se adaptar, readaptar, aprender a viver novamente

assumindo uma nova perspectiva do mundo para si, para os outros, para os objetos e para seu futuro.

Apesar da cirurgia de amputação ser vista como traumática e dolorosa, na maioria dos casos em que

é realizada, ela tem como prioridade tratar a causa que compromete a vida do paciente, e talvez se a conduta

adotada fosse a manutenção do membro afetado, o paciente poderia estar correndo sérios riscos de evoluir

para o óbito.

Logicamente a amputação é uma situação que nenhum ser humano está naturalmente preparado para

enfrentar, pois utilizamos nossos membros, inferiores ou superiores, em todos os momentos da nossa vida,

para realizar tarefas desde as mais simples até as mais complexas. Portanto, quando o individuo encontra-se

diante deste quadro, ele experimentará um estado de desequilíbrio, insegurança e principalmente medo da

perda, e só conseguirá suportar e vencer esse desafio com apoio, ajuda, incentivo e aceitação, tanto por parte

de si mesmo quanto advindo das pessoas ao seu redor.

Inúmeras mudanças são relatadas no cotidiano de pessoas que sofreram amputação, as mais

expressadas pelos participantes da pesquisa neste contexto foram às dificuldades relacionadas à realização

das atividades de vida diária, entre elas foram afetadas a locomoção e o trabalho, ou até mesmo a

oportunidade de conseguir um emprego. Cerca de 80% dos entrevistados citaram estas como as principais

dificuldades enfrentadas por eles. Em menores proporções foram evidenciadas as dificuldades em realizar as

necessidades corporais básicas tais como ir ao banheiro, tomar banho, e atividades de lazer como sair para

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passear, dançar, praticar esportes entre outros.

Conforme o cenário que vivemos na atualidade, o da produção capitalista, um indivíduo considerado

apto para o trabalho é aquele que tem um corpo forte, jovem e sadio. Ao defrontar-se com o tema trabalho,

Silva (2010) refere que, quanto maior a intensidade de utilização do corpo, mais o perfil mecanicista deste se

manifesta na idéia de força. Um corpo forte aproxima-se da idéia de um corpo máquina, mesmo não

aplicando de forma direta o intelecto na atividade laborativa, a força muscular é investida no rendimento do

trabalho.

Portanto, é justificável a preocupação dos entrevistados frente a sua situação trabalhista, pois podem

não apresentar as condições necessárias para continuar desenvolvendo a mesma atividade laboral que era

exercida antes da amputação, ou as limitações expressadas por eles podem ser tão significativas a ponto de

impedi-los de realizar qualquer trabalho. Muitas vezes as opções de empregos que surgem necessitam que o

amputado contemple algumas exigências, como ter pouca idade, ser alfabetizado ou possuir grau de

escolaridade elevado e não apresentar limitações significativas.

Foram mencionados pelos pacientes como dificuldades enfrentadas por eles no seu dia-a-dia, fatores

ou aspectos que se encaixam nas questões referentes às barreiras arquitetônicas. Foi observado nesta

pesquisa que a necessidade de subir escadas ou de locomover-se em via pública remete-os a ter que

enfrentar obstáculos físicos decorrentes da falta de acessibilidade, como nos locais que não possuem

elevador ou rampa de acesso, não ter barras de proteção ou corrimão, ter que desviar de buracos e objetos

dispostos em locais que impedem a passagem do cidadão, esteja ele fazendo uso de cadeira de rodas para

transporte, utilizando uma prótese ou até mesmo aquela pessoa que não apresenta deficiência alguma.

As dificuldades expressadas anteriormente acarretam em mudanças de vida, essas dificuldades estão

relacionadas com algumas interferências nas atividades diárias, pois 67% dos amputados referiram que a

amputação dificulta, mesmo que em graus variados, a realização de tarefas rotineiras como equilibrar-se,

levantar da cama, manutenção da marcha durante a deambulação, deambular com mais rapidez que o normal

e em superfícies fofas ou lisas, e utilizar o transporte coletivo.

Devido às dificuldades em realizar atividades do cotidiano, algumas adaptações na vida e no

ambiente dessas pessoas precisam ser efetuadas, pois inicialmente o amputado necessita do auxílio de um

cuidador, que geralmente é um membro da família, para realizar ou auxiliar na realização de todas ou quase

todas as atividades diárias, como podemos observar através dos relatos:

A questão da dependência está fortemente ligada com a capacidade ou não do amputado em realizar

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as atividades diárias, ou seja, atividades que permitam o atendimento das suas necessidades básicas por meio

do funcionamento corpóreo. Entretanto, a necessidade que o amputado sente de auxílio modifica a maneira

de pensar sobre seu corpo, pois como Silva (2009, p. 405) afirma: “a imagem que o indivíduo amputado

passa a ter de si é de uma pessoa deficiente, incapaz, muitas vezes se tornando um incômodo para a família e

as pessoas próximas a ele. Depender de alguém até para a mais simples das atividades gera um sentimento

de inutilidade, tristeza e até mesmo rejeição do próprio corpo”.

Para que esses cidadãos retornarem a realizar as atividades que lhes eram cotidianas a necessidade de

construção de políticas públicas que garantam justiça social, igualdade de oportunidades e ao mesmo tempo,

aprender a conviver com as diferenças. Uma vez que a inclusão do amputado deve ocorrer de forma que às

diferenças e as necessidades de cada um sejam respeitadas, e não na tentativa de igualar todos

institucionalmente, pois as necessidades de cada indivíduo são diferentes (RODRIGUES, 2009).

O mesmo autor ainda diz que este é um processo que exige ajustes nas redes de assistência e

providências que possibilitem o acesso imediato e definitivo a convivência. O fortalecimento das unidades

básicas de saúde e o desenvolvimento de serviços especializados se fazem necessários para que o contexto

da dependência se transforme em uma maior autonomia nas ações do cotidiano, inclusão social, geração de

renda e como consequência a melhor qualidade de vida.

Como forma de alcançar uma qualidade de vida satisfatória através da independência, concordamos

com Mendes (2009), que enfatiza que os profissionais da saúde devem ter uma atuação especial junto ao

paciente amputado e suas famílias, orientando-os no processo de reabilitação e promovendo a sua

independência e autonomia.

Logo após a perda do membro o paciente necessitará de toda a ajuda que possa ser fornecida a ele,

pois estará recuperando-se do procedimento cirúrgico com queixas prováveis de dor, cansaço, sonolência ou

a falta do sono, e também pode apresentar tristeza e choro fácil levando ao desejo por isolamento, que pode

ser decorrente da sensação de incapacidade, inutilidade, invalidez e não aceitação da autoimagem devido a

alteração corporal causada pela amputação.

Essas queixas e sentimentos irão permanecer por alguns dias e assim que o paciente comece a se

sentir melhor e apresente condições psicológicas, fisiológicas e físicas, este deve ser incentivado, tanto pelos

profissionais de saúde quanto por seus familiares e cuidadores, a realizar, mesmo que de forma parcial,

ações que satisfaçam as suas necessidades. Desta forma o paciente estará sendo encorajado precocemente a

tornar-se novamente independente, o que resultará no anseio pela realização de seu autocuidado,

aumentando a sua autoestima e melhorando a aceitação da mudança de seu corpo.

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Diogo (1997) discute alguns aspectos que podem promover o aumento do desempenho dos

amputados na realização de atividades relacionadas ao autocuidado, uma vez que a maioria deles necessita

de ajuda, ainda mais naqueles casos que o paciente apresenta idade avançada. Portanto, no momento do

banho o amputado deverá ser capaz de locomover-se até o banheiro ou então a realização da higiene

corporal deverá ser realizada no leito, em ambos os casos necessitará de ajuda. Concordamos com o autor

quando cita que adaptações simples como a utilização de cadeira de banho, ausência de degraus, corredores

e portas largas e facilidade no acesso ao banheiro, auxiliam o paciente a realizar sua higiene corporal de

forma independente ou necessitando de ajuda somente para levá-lo até o banheiro.

Assim como a necessidade de auxílio, algumas mudanças simples podem ser realizadas no ambiente

onde o amputado vive, adaptações que irão colaborar para a melhoria da qualidade de vida deste paciente.

Mudanças como o aumento no diâmetro das portas para passagem da cadeira de rodas; deixar utensílios,

aparelhos domésticos e eletroeletrônicos ao alcance do paciente; a retirada de escadas e degraus do

domicilio; a retirada de tapetes e móveis entre outros fatores estarão auxiliando na deambulação do

amputado.

De acordo com Cavalcanti (2001) a dificuldade em locomover-se é muito preocupante, uma vez que

é por meio da locomoção que o indivíduo tem acesso aos diferentes locais para a realização das suas

atividades diárias. Quando o paciente, seja ele idoso ou amputado, encontra-se restrito a acessórios como

cadeira de rodas, muletas ou próteses, este poderá apresentar um declínio funcional na sua mobilidade e

consequente confinamento em casa, na cadeira ou na cama. Estes problemas podem levá-lo a acomodar-se e

não desenvolvendo sua capacidade para o autocuidado. Esta situação pode ser observada através do que cita

Cavalcanti (2001, p. 169): “desta maneira está "entregue" aos seus familiares, dependente para a maioria das

atividades da vida diária e ainda abrindo mão da sua autonomia, muitas vezes para manter e garantir a

assistência até então realizada a ele”.

Atividades sociais, familiares, compromissos de trabalho e de lazer que os pacientes eram

acostumados a realizar antes da amputação podem ser interrompidas após a cirurgia, essa interrupção pode

ser atribuída às dificuldades geradas devido à ausência do membro, ou ao fato de os familiares não

permitirem esta continuidade.

Para Diogo (1997) essa situação faz surgir no paciente um forte sentimento de incapacidade que,

muitas vezes, é reforçado pelos familiares que ao tentar "poupar" o amputado, o deixam sentado ou deitado,

sem qualquer atividade. Isso é ilustrado através da seguinte citação do mesmo autor: “em muitas situações as

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atividades realizadas se restringem a aquelas relacionadas ao lazer e recreação, como assistir a televisão ou

ouvir rádio” (1997, p. 97).

No entanto, cabe neste momento salientar a importância em manter o indivíduo sentindo-se útil, com

alguma atividade a ser desenvolvida, mesmo que esta seja composta de pequenas obrigações, pois a

ausência de atividades pode remeter a sentimentos como inutilidade, impotência e solidão (SALGADO,

1988).

Quando o amputado é estimulado a ter o domínio sobre a sua autonomia, quando ele é o responsável

pela tomada de decisão em seu cotidiano, e quando ele é incentivado a ter uma vida ativa, seja nas relações

familiares, sociais, amorosas ou trabalhistas, este terá a oportunidade de demonstrar aos outros e a ele

próprio que é capaz de realizar qualquer atividade, desde que dentro de suas capacidades.

Ainda no que diz respeito às mudanças e dificuldades vivenciadas pelos pesquisados posteriormente

a cirurgia de amputação, os mesmos lembraram-se da questão da adaptação a nova condição física,

adaptação esta relacionada à protetização, pois o fator que foi amplamente lembrado foi o auxílio que a

prótese proporcionou ao desempenhar as suas atividades rotineiras:

Concordamos com Albuquerque e Falkenbach (2009), quando refere que a amputação provoca uma

modificação permanente na aparência do indivíduo, sendo refletida em alteração de sua autoimagem. Esses

pacientes precisam conviver com situações que lhe eram habituais, reconstruindo esquemas e possibilidades

motoras para cada nova situação vivenciada, quando se adaptam a essa nova condição corporal causada pela

amputação. Desta forma faz-se necessário toda uma nova adaptação e aprendizado através do uso da prótese,

para que ele possa voltar a ficar em pé, reaprender a equilibrar-se, treinar novamente a marcha, tendo a

possibilidade de deambular sozinho sem necessitar da ajuda de outras pessoas.

Oliveira (2000) diz que a conscientização e aceitação da amputação pelo paciente são de grande

relevância para que a reabilitação ocorra, e esta se tornará mais eficiente à medida que a movimentação

corporal deste indivíduo se inicie, devendo estar sob a orientação de um profissional de fisioterapia, o qual

tem um papel significativo neste processo.

Com o aumento da movimentação do amputado, por meio de exercícios como o fortalecimento

muscular do coto, o alongamento dos outros membros e o treinamento de equilíbrio e técnica para

deambulação, o paciente acaba tornando seu corpo mais ativo, sadio, forte e resistente, proporcionando a ele

a capacidade de locomover-se sem precisar estar sempre acompanhado, o reencontro com seus desejos e

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sonhos e, principalmente a aceitação de sua imagem corporal.

Os entrevistados foram questionados quanto à atuação da equipe multiprofissional no decorrer do

processo de reabilitação. Foram estimulados a informar se houve algo que poderia, mas que não foi feito

pela equipe durante este período. Encontramos resultados relevantes, pois cerca de 70% dos entrevistados

consideraram que receberam um bom atendimento dos profissionais, e que consideram a equipe de

reabilitação eficiente, por esclarecer as dúvidas tanto do paciente quanto de seus familiares.

O papel a ser desempenhado por uma equipe que trabalhe de forma interdisciplinar é o de assistir

seus pacientes de forma integral, contínua e resolutiva, pois aqueles que necessitam de hospitalização

apresentam também a necessidade de acompanhamento e cuidados específicos para que sua saúde seja

restabelecida. Esse cuidado deve ser realizado de forma que solucione todas as alterações apresentadas pelo

paciente.

No desenvolvimento de um relacionamento terapêutico entre o paciente e a equipe, os últimos devem

ter sempre em mente que estão interagindo com um ser humano, e para que possa assisti-lo de modo eficaz é

preciso que se desenvolva a aceitação entre as partes envolvidas.

Para que o trabalho da equipe esteja sempre atualizado, correspondendo com as expectativas e

atendendo as necessidades dos usuários torna-se imprescindível que se assuma a responsabilidade de uma

educação contínua, ajudando a melhorar o padrão de assistência prestada no hospital e comunidade,

promovendo a valorização dos recursos humanos em saúde.

Segundo Diogo (1997), durante o processo de reabilitação os profissionais envolvidos devem atuar

junto ao amputado e seus familiares, apoiando suas decisões, respeitando deste modo a autonomia de cada

um, num processo educativo e condizente com as necessidades de cada pessoa. Devendo ser consideradas as

suas limitações físicas, psíquicas e ambientais, as quais seriam as dificuldades que podem interferir na sua

adaptação à nova situação.

Faz-se necessário ressaltar neste momento que o processo de reabilitação compreende todas as

medidas destinadas a reduzir os efeitos das alterações ou patologias que produzem incapacidades e permitir

ao paciente sua integração social. A reabilitação também pode ser entendida como um processo educativo,

criativo, dinâmico e progressivo voltado para a identificação e exploração do potencial do individuo

portador de incapacidade, com vistas à sua integração ou reintegração na comunidade, dando-lhe a

oportunidade de tornar-se ou continuar produtivo e socialmente ativo (MELO; MARTINS, 2009).

Para que este processo seja eficiente e alcance o êxito desejado ele deve ser de responsabilidade de

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uma equipe multiprofissional que atue de forma interdisciplinar, a qual atuará cada um em sua área

específica, de maneiras diversas, em momentos distintos, mas todos com o mesmo objetivo, o de colaborar

para a restauração da independência do paciente ou recuperação do seu nível de função pré-enfermidade ou

pré-incapacidade no menor tempo possível.

Além disso, o apoio da família neste contexto e o interesse do próprio paciente são fatores que devem

ser incentivados pela equipe durante as orientações repassadas, especialmente quanto a questões

relacionadas ao autocuidado e possíveis adaptações.

5. Considerações Finais

Faz-se necessário que os serviços de saúde estejam preparados para atender os pacientes amputados,

contando com uma equipe multidisciplinar que trabalhe de forma interdisciplinar, que poderá oferecer uma

assistência diferenciada, contribuindo muito para sua inclusão no convívio familiar e social, onde se possa

trabalhar com esses pacientes além de sua parte motora. Portanto, devemos considerar a amputação não

como o fim, mas sim o princípio de uma nova fase que, se de um lado mutilou, de outro salvou a vida ou deu

alívio a dor e ao sofrimento.

Para a construção de um modelo de atenção fundamentado na promoção da saúde e que atenda a

todas as necessidades dos usuários, é necessária uma abordagem ampla e integradora dos saberes, cada

profissional, com seu saber específico, compondo diferentes perspectivas, na construção de um projeto

comum.

Quando um serviço está comprometido com a humanização, sua definição é compreendida como um

espaço de convivência que acolhe, cuida e possibilita a utilização de diversos recursos, não se focalizando

apenas na ocorrência da doença.

É deste trabalho pensado conjuntamente que o paciente que apresenta alguma necessidade especial

necessita para recuperar sua autonomia, e o profissional de saúde acaba por experimentar a sensação de que

seu trabalho é valorizado e mais do que tudo, que faz a diferença no cotidiano de seus clientes, se tornando

uma referência para os mesmos.

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