A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR PARA DECIDIR O CASO PENAL...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Paula Carolina Martins A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR PARA DECIDIR O CASO PENAL DIANTE DA PROVA PRODUZIDA NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Paula Carolina Martins

A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR PARA DECIDIR O CASO

PENAL DIANTE DA PROVA PRODUZIDA NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR.

CURITIBA

2010

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A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR PARA DECIDIR O CASO

PENAL DIANTE DA PROVA PRODUZIDA NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR.

Curitiba

2010

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Paula Carolina Martins

A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR PARA DECIDIR O CASO

PENAL DIANTE DA PROVA PRODUZIDA NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Uni-versidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Aline Guidalli Pilati.

Curitiba

2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

Paula Carolina Martins

A (im)parcialidade do julgador para decidir o caso penal diante da prova

produzida na investigação preliminar.

Este trabalho de conclusão de curso foi julgado para a obtenção de título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2010.

__________________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador de Monografias do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _____________________________________ Profª. Aline Guidalli Pilati

Universidade Tuiuti do Paraná Membros: _____________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná _____________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

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Tudo o que um sonho precisa pa-

ra ser realizado é alguém que a-

credite que ele possa ser realiza-

do.

Roberto Shinyashiki

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DEDICATÓRIA

Aos meus Pais, por todo o amor e paciência durante toda

a minha vida.

A Prof. Rosane Kolotelo Wendpap, que a cinco anos a-

trás, com uma conversa de mãe, me fez chegar até aqui.

De forma, que a gratidão hoje é inexplicável.

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AGRADECIMENTO

A minha orientadora, Prof. Aline Guidalli Pilati, que

no decorrer deste trabalho me auxiliou com uma

paciência imensurável. Muito Obrigada.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11

2. A IMPARCIALIDADE DO JULGADOR 13

2.1 CONCEITO DE IMPARCIALIDADE 14

2.2 DISTINÇÃO DE IMPARCIALIDADE E NEUTRALIDADE 17

3. SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: INQUÉRITO PO-LICIAL

20

3.1 CONCEITO 21

3.2 NATUREZA JURÍDICA: PROCESSO OU PROCEDIMENTO? 24

3.2.1 Inobservância das garantias do Contraditório e da Ampla Defesa 25

3.3 OBJETIVO 28

3.4 DILIGÊNCIAS A SEREM REALIZADAS NO INQUÉRITO POLICIAL: ANÁLISE DO ARTIGO 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

29

3.5 ARQUIVAMENTO 34

4. A CONTAMINAÇÃO PSÍQUICA DO JULGADOR E JURADOS DI-ANTE DOS ELEMENTOS COLHIDOS DURANTE A FASE INVES-TIGATÓRIA E OS MEIOS PARA EVITÁ-LA

36

4.1 COMPETÊNCIA EM DECORRÊNCIA DO JUÍZO PREVENTO 36

4.2 A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR NO JUÍZO DE ADMISSIBILI-DADE DA ACUSAÇÃO: RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DA DENÚNCIA

38

4.2.1 Breve análise das hipóteses de rejeição da denúncia: análise do artigo 395 do Código de Processo Penal

38

4.2.2 A contaminação do julgador que recebeu a denúncia com base nas evidên-cias contidas no inquérito policial para atuar no deslinde do processo penal.

43

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4.3 A CONTAMINAÇÃO DO JURADO NO TRIBUNAL DO JÚRI 46

4.4 IMPOSSIBILIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA APE-NAS EM ELEMENTOS COLIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. ANÁ-LISE DO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

47

4.5 DESENTRANHAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL DOS AUTOS DO PROCESSO-CRIME

49

4.6 PROJETO DE LEI 156/09: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACU-SAÇÃO PELO JUIZ DAS GARANTIAS

50

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55

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RESUMO

O objetivo desse trabalho é o estudo da imparcialidade do juiz frente a investi-gação preliminar. Sendo necessário saber o conceito de imparcialidade, a distin-ção dela para a neutralidade. Bem como, o conceito de investigação preliminar, sua forma, a autoridade competente e sua natureza jurídica. Passando ao estudo da contaminação do juiz quando em contato com o inquérito policial. A difícil manutenção de sua imparcialidade com o Código de Processo Penal atual. E, por fim, as soluções apresentadas no Projeto de Lei 156/2009 para a garantia do sis-tema acusatório.

Palavras Chaves: Princípio da Imparcialidade; Investigação Preliminar; Inqué-rito Policial; Denúncia; Sentença; Direito Processual Penal.

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda o princípio da imparcialidade do julgador ao receber

e julgar o mérito no processo penal. Princípio, este, que fundamenta todo o sistema

acusatório, vigente de forma precária, no Brasil. Trata-se de um pressuposto processu-

al, em que o juiz se encontra entre as partes e acima delas, evitando julgamento ten-

dencioso que prejudique a outra parte.

Ensina TOURINHO FILHO que “não se pode admitir juiz parcial. Se o Estado

chamou para si a tarefa de dar a cada um o que é seu, essa missão não seria cumprida

se, no processo, não houvesse imparcialidade.” (2009, p. 18)

O presente estudo pretende investigar a higidez da imparcialidade do julgador

diante das provas colhidas na fase preliminar e colacionadas aos autos. Em outras pa-

lavras: é possível a contaminação psíquica do julgador que interferiu na fase investiga-

tiva, ao determinar e deferir a produção de provas? Ademais, é mantida a imparciali-

dade do juiz que, ao proceder o juízo de admissibilidade da acusação ou julgar o caso

penal, tenha em mãos a fase pré-processual, a qual ignora as garantias do contraditório

e ampla defesa?

A fim de tentar responder tais indagações, a análise passará pelo sistema in-

quisitório em que o suspeito/indiciado/acusado, é considerado um mero objeto no

transcorrer da persecução criminal. De forma, que se torna impossível a vigência dos

direitos assegurados pela Constituição Federal, dentre eles o contraditório, a ampla

defesa e a publicidade. A investigação preliminar é a fase pré-processual em que se

encontra regida por tal sistema.

O inquérito policial, meio adotado para a investigação preliminar no ordena-

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mento jurídico brasileiro, trata-se, como se verá adiante, um procedimento administra-

tivo. E, devido a essa classificação de procedimento, as garantias oferecidas no inciso

LV, do artigo 5º, da Constituição Federal não possuíram, e ainda não possuem, aplica-

bilidade. No decorrer do trabalho, esse ponto será estudado com mais afinco.

Por fim, outro ponto que será investigado, neste estudo, são os meios a se evi-

tar a contaminação psíquica do juiz e dos jurados (estes últimos no procedimento afeto

aos crimes dolosos contra a vida) diante da prova produzida na esfera extra-judicial: o

desentranhamento do inquérito policial e o juiz das garantias.

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2. A IMPARCIALIDADE DO JULGADOR

O Estado atraiu para si a função de administrar a justiça, excluindo-se dessa

forma qualquer outro meio de persecução penal. A fim de exercer o poder jurisdicio-

nal, sem prejuízo da imparcialidade, deve o Estado-juiz manter-se inerte – ne procedat

iudex ex officio - e equistante das partes. E, junto a isto, não há como se pensar em um

juiz imparcial se a ele não forem oferecidas algumas garantias. Dessa forma, a Consti-

tuição Federal, nos incisos do artigo 95, de forma a proteger a sociedade, assegura ao

magistrado a vitaliciedade, inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.

O princípio do juiz imparcial é um dos fundamentos do Estado de Direito. E,

reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça como uma condição sine qua non do

devido processo legal1.

Parte da doutrina, como NUCCI, apresenta o princípio da imparcialidade do

julgador como uma terceira vertente do juiz natural: “o princípio do juiz imparcial de-

corre do juiz natural, afinal este sem aquele não tem finalidade útil.” (2009, p. 47) Da

mesma maneira, NERY JUNIOR:

“A garantia do juiz natural é tridimensional. Significa que: 1) não haverá ju-ízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de se submeter a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial.” (2010, p. 126)

Entretanto, alguns estudiosos, como Artur César de Souza2, entendem pela e-

xistência do princípio do juiz imparcial independente do princípio do juiz natural. Em

outras palavras, não há a identificação dos dois princípios. Enquanto, o juiz natural é

1 Habeas corpus nº 146.796 - SP (2009/0175180-7) 2 Em sua tese de Doutorado, apresentada a UFPR em 2005, intitulada “A Parcialidade Positiva do Juiz e o Justo Processo Penal.”

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um pressuposto de existência do Juiz3 e da função jurisdicional, a imparcialidade figu-

ra como requisito dessa mesma função.

O princípio do juiz imparcial é elemento intrínseco do sistema acusatório.

Tendo como uma de suas características4, o juiz permanecer inerte durante a coleta de

provas, conforme leciona LOPES JR: “a forma acusatória caracteriza-se pela: (...)

mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo

no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo.” (2008, p.

58). Segundo o autor, essa é a característica mais criticada, pois frente à imperfeição

dos atos realizados pelas partes, o magistrado deve se abster de suas atividades instru-

tórias e decidir o caso com o material probatório incompleto/defeituoso.

2.1. CONCEITO DE IMPARCIALIDADE

Considerado um dos princípios em que os juízes mais relutam em aceitar, a

imparcialidade consiste, segundo RANGEL, no afastamento de influências sobre a

forma que o juiz decidirá. De forma, que este, o Juiz, possui uma obrigação com a ver-

dade, devendo fornecer o que pertence a cada um. (2010, p. 21)

Segundo ALVES “Imparcial é, pois, aquele que não se expõe às conveniências

de outrem, senão à sua própria consciência e aos comandos de racionalidade do pro-

3 SOUZA, 2005, p.109. 4 Outras características elencadas pelo autor são: “a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; (...) d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resis-tência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convenci-mento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição. (2008, pg. 58).

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cesso e do direito.” (2000, p. 14)

O conceito oferecido por LOPES JR é: “a imparcialidade corresponde exata-

mente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz a-

tuando como um órgão supra-ordenado às partes ativa e passiva.” (2008, p. 122)

O juiz imparcial é aquele que busca nas provas, produzidas em juízo sob o cri-

vo do contraditório e da ampla defesa, a verdade dos fatos, com objetividade e funda-

mento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e

evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou

preconceito.5

A imparcialidade divide-se em subjetiva e objetiva. A falta de imparcialidade

subjetiva consiste no pré-juízo realizado pelo juiz, quando este já conhece o assunto do

caso concreto. Em torno da segunda, a imparcialidade objetiva, segundo LOPES JR,

“diz respeito a se tal juiz se encontra em uma situação dotada de garantias bastantes

para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade.” (2008, p. 125)

O Código de Processo Penal dispõe no artigo 252 e seguintes, as formas de

como se configura a parcialidade do julgador. Trata do impedimento, da incompatibi-

lidade e da suspeição do magistrado.

O impedimento é disciplinado no artigo 252 do referido diploma legal. São

critérios objetivos, em que não se considera o estado de ânimo subjetivo do juiz frente

ao julgamento da causa (FEITOZA, 2010, p. 698). O juiz se encontra impedido de atu-

ar sempre que seu cônjuge ou parente6 compor o processo ou tiver interesse direto no

mesmo, seja em quaisquer dos pólos, passivo ou ativo, ou, ainda, como perito, auxiliar

5 Art. 8º CodEtica MN. 6 Consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau.

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da justiça e autoridade policial. A vedação estende-se se ele próprio exerceu uma das

funções citadas ou testemunhado em processo. Se tiver se manifestado em outra ins-

tância sobre a causa, configurará o impedimento também.

A incompatibilidade figura no artigo 253, do Código de Processo Penal, cuida

da impossibilidade de juízos coletivos estarem presentes magistrados que possuam

entre si vínculos de parentesco, consangüíneos ou afins até o terceiro grau.

A suspeição, segundo FEITOZA, “se referem ao ânimo subjetivo do juiz

quanto às partes.” (2010, p. 698). Disposta no artigo 254, do Código de Processo Pe-

nal, o juiz deve se manifestar quando suspeito e, se não o fizer quaisquer das partes

podem recusá-lo. Esta decorre da relação de amizade ou inimizade, de credor ou deve-

dor, tutor ou curador, ou tenha oferecido conselhos a uma das partes de como proceder

processualmente. Ainda, se o cônjuge, ascendente ou descendente for réu em processo

similar, e houver controvérsia o juiz se encontra suspeito. Ou, se qualquer das partes

tenha julgado demanda em que figurou como parte ele próprio, seu cônjuge, ou paren-

te até terceiro grau.

É de suma importância destacar que o rol estabelecido no artigo 254, do Códi-

go de Processo Penal, é meramente taxativo, conforme se verifica no julgado do Supe-

rior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DE MAGISTRADO FEDERAL. HI-PÓTESES DO ART. 254 DO CPP. NÃO TAXATIVIDADE. IMPROPRIE-DADE DA VIA ELEITA POR AUSÊNCIA DA FASE DE INSTRUÇÃO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO. IMPARCIALIDADE DO JUL-GADOR. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTEN-SÃO, DENEGADA. 1. Se é certo que o impedimento diz da relação entre o julgador e o objeto da lide (causa objetiva), não menos correto é afirmar que a suspeição o vincula a uma das partes (causa subjetiva). 2. Tanto o impedi-mento quanto a suspeição buscam garantir a imparcialidade do Magistrado, condição sine qua non do devido processo legal, porém, diferentemente do primeiro, cujas hipóteses podem ser facilmente pré-definidas, seria difícil,

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quiçá impossível, ao legislador ordinário prever todas as possibilidades de vínculos subjetivos (juiz e partes) susceptíveis de comprometer a sua impar-cialidade. 3. Para atender ao real objetivo do instituto da suspeição, o rol de hipóteses do art. 254 do CPP não deve, absolutamente, ser havido como e-xaustivo. É necessária certa e razoável mitigação, passível de aplicação, também e em princípio, da cláusula aberta de suspeição inscrita no art. 135, V, do CPC c/c 3º do CPP. (HC 146.796/SP, Rel. Ministro ARNALDO ES-TEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 08/03/2010).

Não há como o legislador esgotar as possibilidades de vínculo subjetivo que

podem decorrer da relação do magistrado junto às partes. Por isso, o rol elencado no

artigo 254 é simplesmente taxativo.

Destarte, não há como se pensar em Estado Democrático de Direito e muito

menos na vigência do sistema acusatório no ordenamento jurídico brasileiro, sem um

juiz que seja imparcial.

2.2. DISTINÇÃO ENTRE IMPARCIALIDADE E NEUTRALIDADE

A neutralidade está inserida no princípio da imparcialidade. Constitui-se no

afastamento do Juiz de questões político-partidárias. Definida por SOUZA como:

“A neutralidade dos órgãos jurisdicionais constitui, segundo a vertente clás-sica e tradicional, corolário indispensável da imparcialidade do juiz e da busca objetiva na concretização do ordenamento jurídico.” (2005, p. 30)

Entretanto, NERY JUNIOR afirma que alcançar a neutralidade é um objetivo

impossível, haja vista que ninguém consegue se abster de suas crenças políticas ou até

mesmo religiosas, como explana:

“não se pode exigir do juiz, enquanto ser humano, neutralidade quanto às coisas da vida (neutralidade objetiva), pois é absolutamente natural que de-cida de acordo com seus princípios éticos, religiosos, filosóficos, políticos e culturais, advindos de sua formação como pessoa. A neutralidade que se lhe impõe é relativa às partes do processo (subjetiva) e não às teses, in abstracto, que se discutem no processo.” (2009, p. 137)

Antigamente, acreditava-se que o sujeito era capaz de privar-se de seus pré-

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conceitos, “a elaboração científica se limitaria ao cumprimento rigoroso de certas téc-

nicas preestabelecidas, que conteriam o poder quase miraculoso de conferir cientifici-

dade aos conhecimentos elaborados através delas.” (COUTINHO, 2000, p. 9)

Assim, os estudiosos do direito passaram a justificar a neutralidade sob a i-

gualdade de todos perante a lei. Igualdade esta que deveria ser assegurada pelo Estado.

Desta forma, o juiz encontrava-se acima das partes, concepção que vigora até o mo-

mento. Portanto, “o que se pretende é a preservação da idéia do juiz como um órgão

neutro e imparcial, que por não ter interesse direto no caso, tutelaria a igualdade das

partes no processo”. (COUTINHO, 2000, p. 11)

Destaca-se que o juiz não esta inerte na relação de conhecimento jurídico pro-

cessual. Como explica Coutinho:

“Ele, ao aplicar a lei, atua sobre a realidade, pelo menos, de duas maneiras: 1º, buscando reconstruir a verdade dos fatos no processo e, 2º, interpretando as regras jurídicas que serão aplicadas a esse fato ou, em outras palavras, a-certando o caso que lhe é posto a resolver. Não bastasse estas afirmações pa-ra afastar o primado da neutralidade do juiz, urge reconhecer que o direito, de modo inegável, é ideológico.” (2000, p. 13 e 14)

A neutralidade é um objetivo inalcançável por parte de qualquer sujeito. Entre-

tanto, a imparcialidade é algo que pode ser almejado e, se respeitados os limites pro-

mulgados por lei, ser realmente conquistado.

A imparcialidade deve ser vista como uma garantia e uma obrigação. Uma ga-

rantia para quem procura a intervenção jurisdicional do Estado. E, uma obrigação, para

quem desempenha essa atividade jurisdicional. Porém, Jacinto Coutinho afirma que a

imparcialidade constitui uma meta a ser alcançada.

A emoção não é desvinculada da razão, segundo LOPES JR, assim ele rejeita

qualquer discurso que acredite ser possível essa separação, denominando a neutralida-

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de como um mito. (2010, p. 283)

O magistrado ao sentenciar expressa sua crença, seus valores etc. Como desta-

ca LOPES JR: “é inafastável esse sentire7 por parte do julgador e ele se expressa na

valoração da prova e na própria axiologia, incluindo a carga ideológica, que faz da

norma (penal ou processual penal) aplicável ao caso.” (2010, p. 283)

Diante o exposto, pode ser feita a seguinte afirmação de que não há juiz neu-

tro. E, a imparcialidade constitui um objetivo a ser conquistado.

7 Para o autor, sentire “implica, essencialmente, a atividade (s)eletiva do juiz, que deverá eleger entre as teses apresentadas (acusatória e defensiva) qual delas irá acolher, isso na dimensão probatória. Já no plano jurídico, incumbe ao juiz eleger a norma aplicável e, principalmente, o significado válido da norma. É o momento de discutir e verificar a substancial (in)validade do significado eleito.

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3. SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: INQUÉRITO POLICIAL

Conforme restou adiantado, o inquérito policial contribui sobremaneira para a

contaminação psíquica do julgador que, ao proceder a admissibilidade da peça inicial

acusatória, se socorre dos elementos colhidos pela Polícia Judiciária e que ao proferir

sentença condenatória, não raras às vezes, diante de deficiente instrução processual,

recorre os autos de inquérito (geralmente para condenar, pois se quisesse absolver,

utilizaria o postulado do in dúbio pro reo).

Assim, tendo em vista a relevância do Inquérito Policial para o presente estu-

do, passa-se a analisá-lo de forma mais detida.

Se o Estado convocou para si a responsabilidade da persecutio criminis, cabe a

ele, salvo algumas exceções8, “a apuração e o esclarecimento dos fatos e de todas as

suas circunstâncias.” (OLIVEIRA, 2009, p. 49)

A investigação preliminar é de suma importância para o Processo Penal. É o

momento em que se reúnem elementos do fato delituoso, bem como, de sua autoria

para a fundamentação da denúncia ou queixa-crime. Em outras palavras, é a justifica-

tiva do processo ou do não-processo, como explica LOPES JR:

“Não se deve começar um penal de forma imediata. Em primeiro lugar deve-se preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não processo. É um grave equívoco que primeiro se acuse, para depois in-vestigar e ao final julgar. O processo penal encerra um conjunto de “penas processuais” que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar.” (2008, p. 208)

Desta forma, evitar-se-á acusações injustificadas, sem o mínimo de preparo.

Segundo LOPES JR (2008), a investigação preliminar pode ocorrer de três

formas:

8 Segundo Pacelli uma das exceções é a atribuição dada ao Ministério Público, nas chamadas investi-gações administrativas. (2009, p. 49)

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- Juiz instrutor: a titularidade da investigação é do juiz, cabendo a este o anga-

riar dados que justifiquem a instauração de um processo ou não. Nos países que ainda

adotam esse sistema, o juiz inquisidor não poderá, de forma alguma, ser o mesmo a

sentenciar, devido a sua contaminação enquanto investigador. (LOPES, 2008, p. 225)

- Promotor investigador: a competência neste sistema é do Ministério Público.

Incumbe ao Promotor coletar dados do fato ilícito, com o auxílio da polícia judiciária.

“Assim formará sua convicção e decidirá entre formular a acusação ou solicitar o ar-

quivamento (visto como não-processo em sentido lato).” (LOPES, 2008, p. 228)

- Investigação preliminar policial: o inquérito policial é o sistema adotado pelo

ordenamento jurídico brasileiro, disciplinado no artigo 4º, do Código de Processo Pe-

nal: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas

respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua auto-

ria.” A titularidade é da Polícia Judiciária – Polícia Civil ou Federal – que possui a

discricionariedade para a escolha de como prosseguir na investigação.

Feitas estas breves considerações, passa-se à análise do regime jurídico do In-

quérito Policial.

3.1 CONCEITO

A despeito do Código de Processo Penal não fornecer um conceito satisfatório

do que seja o Inquérito Policial, é possível encontrá-lo de forma clara na legislação

portuguesa. O Código de Processo Penal Português, em seu artigo 262, item 1, traz o

seguinte enunciado: “O inquérito policial compreende o conjunto de diligências que

visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabi-

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lidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.”

A doutrina o conceitua de forma similar, como TOURINHO FILHO: “Inquéri-

to Policial é um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Civil ou Judiciária

(como a denomina o Código de Processo Penal), visando a elucidar as infrações penais

e sua autoria.” (2009, p.65) Já, LOPES JR, define o inquérito como o “ato ou efeito de

inquirir, isto é, procurar informações sobre algo, colher informações acerca de um fato,

perquirir.”(2008, p. 239)

Segundo RANGEL (2010, p. 94) e FEITOZA (2010, p. 172), o inquérito poli-

cial comporta as seguintes características:

- Inquisitorial: o Brasil adota um sistema misto9 de persecução penal. Isso sig-

nifica dizer que na fase pré-processual o sistema utilizado é o inquisitivo, enquanto na

processual o acusatório.

As autoridades policiais e boa parte da doutrina, como se verá adiante, enten-

dem que no inquérito policial, o indiciado é um objeto sem direito de defesa.

- Oficialidade: a persecução criminal se dá por um órgão estatal, no caso a Po-

lícia Civil ou Federal.

- Autoritariedade: essa característica é fornecida pelo artigo 4º do Código de

Processo Penal, que determina que a investigação preliminar compete a autoridade

policial.

- Indisponibilidade/obrigatoriedade/ legalidade: instaurado o inquérito policial,

não pode a autoridade competente decidir arquivá-lo.

- Formal: todos os atos devem ser escritos ou datilografados e assinados pelo

9 LOPES JR afirma que o Sistema Misto é uma falácia. Pois, as provas colhidas de forma inquisitória na investigação preliminar são levadas ao juiz, sendo que basta a ele produzir um bom discurso, corro-borando essa prova com alguma judicializada, para fundamentar sua decisão. (2008, p.68)

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Delegado competente.

- Sistemático: o inquérito deve ser formado de maneira sistemática, equivale a

dizer que devem seguir uma sequência cronológica.

- Unidirecional: o inquérito policial é direcionado, apenas e tão somente, para

a elucidação do fato delituoso bem como de sua provável autoria. Não cabe a autori-

dade policial emitir juízo de valor, essa função é do Ministério Público quando oferece

a denúncia. A autoridade policial, segundo OLIVEIRA, se manifestará quanto aos fa-

tos e possíveis excludentes de punibilidade, dentre elas a prescrição. Ainda, “acerca da

suficiência ou insuficiência da prova, da existência ou inexistência de crime.” (2009, p.

57 e 58) O relatório elaborado pelo Delegado se restringirá a essas matérias.

- Sigiloso: deve ser resguardado o segredo dos atos de investigação de forma a

possibilitar a esclarecimento do fato e de sua provável autoria. O sigilo deve ser estu-

dado sob dois prismas, o sigilo frente à mídia e o sigilo para o advogado. Quanto a

mídia, seria impossível proceder a investigação se todos os atos futuros da autoridade

policial fossem divulgados na mídia. No entanto, o sigilo oposto ao advogado gera

uma divergência doutrinária. Defensor que o sigilo pode vigorar ao advogado, RAN-

GEL afirma

“O sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive o advogado, pois entendemos que a Lei n.° 8.906/94, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria preju-dicada, bem como a própria investigação.” (2010, p. 97)

E, continua, que se a investigação estiver sob sigilo o advogado não poderá

nem mesmo ter contato com o seu cliente, enquanto perdurar o sigilo. (RANGEL,

2010).

De forma diversa, FEITOZA explica que não pode haver sigilo para o advo-

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gado do suspeito, se este possuir procuração. Se a autoridade policial impuser o sigilo,

incorrerá no tipo penal de abuso de autoridade. (2010, p. 184)

Todavia, no inciso XIV, do artigo 7º, a Lei 8.906 de 1994, que mesmo sem

procuração, o advogado tem direito a examinar e copiar, em qualquer repartição poli-

cial, as peças do inquérito, já realizados e também os atos em andamento, mesmo que

se encontre conclusos à autoridade.

Através da leitura do artigo 20, do Código de Processo Penal, percebe-se que o

sigilo deve ser aplicado para os que não compõem a investigação preliminar. Entretan-

to, quando determinado ato do inquérito exigir sigilo para a sua eficácia, dessa forma é

admitido o afastamento do advogado.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou frente a essa questão com a edi-

ção da Súmula Vinculante 14, que será estudada adiante.

- Discricionário: a autoridade policial pode agir da forma que desejar na inves-

tigação, desde que encontre respaldo legal. A lei não impõe uma ordem de como se

desenvolverá o inquérito. Assim, o delegado de polícia pode escolher qual a melhor

forma de proceder.

3.2. NATUREZA JURÍDICA: PROCESSO OU PROCEDIMENTO?

Quanto à natureza jurídica do Inquérito Policial a doutrina é pacífica, firmando

o entendimento de um procedimento de índole administrativa.

Conforme LOPES JR, a natureza jurídica do inquérito policial se dá pelo su-

jeito titular da competência investigatória. Logo, no Brasil, a Polícia Judiciária é a titu-

lar e, em se tratando de um ente da Administração Pública, só poderá ser conferida

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uma natureza administrativa a ele. Assim,

“a atividade carece do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional e por isso não pode ser considerada como atividade judicial e tampouco pro-cessual, até porque não possui estrutura dialética do processo.” (2008, p. 240)

Por fim, da mesma forma, RANGEL:

“O inquérito é um instituto que deve ser estudado à luz do direito administra-tivo, porém dentro do direito processual penal, já que são tomadas medidas de coerção pessoal e real contra o indiciado, necessitando, neste caso, de in-tervenção do Estado-juiz.” (2010, p. 78)

A divergência doutrinária encontra-se quanto ao direito do contraditório e da

ampla defesa, que será estudado a seguir.

3.2.1. Inobservância das garantias do contraditório e da ampla defesa

Determina o inciso LV, do artigo 5º da CF: “aos litigantes, em processo judi-

cial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e da

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” Como já dito, o inquérito poli-

cial constitui um procedimento administrativo, o questionamento que se faz agora é se

o referido dispositivo terá aplicabilidade a tal ato.

A doutrina diverge quanto à aplicabilidade do direito de defesa na investiga-

ção preliminar. Tem prevalecido a corrente doutrinária que não admite o direito ao

contraditório e a ampla defesa nesse procedimento administrativo. Destarte, explica

TOURINHO FILHO:

“Primeiro, porque no inquérito não há acusado; segundo, porque não é pro-cesso. A expressão processo administrativo tem outro sentido, mesmo por-que no inquérito não há litigante, e a Magna Carta fala dos litigantes em pro-cesso judicial ou administrativo. (...) Ora, se o inquérito não tem finalidade punitiva, por óbvio não admite o contraditório.” (2009, p. 70)

Da mesma forma, RANGEL:

“Desta forma, o operador do direito percebe, nitidamente, que, tratando-se

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um procedimento (e não processo) administrativo com o escopo de apurar a prática de um fato, em tese, dito como infração penal, não há que se falar ou aplicar o princípio do contraditório, pois o indiciado não está sendo acusado de nada, mas sendo objeto de investigação com todos os direitos previstos na Constituição.” (2010, p. 78)

Como visto, tal corrente considera o sujeito investigado como mero objeto do

inquérito, e não se inclui no conceito de “acusados” apresentado pelo referido disposi-

tivo constitucional.

E, por fim, como fundamento de não aplicação do direito ao contraditório, es-

sa corrente afirma que o inquérito policial não possui uma função condenató-

ria/punitiva. Seu objetivo e o levantamento de dados em torno do fato delituoso.

Verifica-se que essa corrente é a aplicada no Tribunal do Paraná, conforme ju-

risprudência abaixo:

AÇÃO DE HABEAS CORPUS LATROCÍNIO INQUÉRITO CERCEA-MENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA PRISÃO PREVENTIVA PRE-SENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO ORDEM DENEGADA. O inquérito policial é procedimento administrativo, apenas informativo, e não se subme-te aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A prova de existência do crime e os suficientes indícios quanto à autoria, bem como a necessidade concreta de tutela da ordem pública, devidamente motivada pela autoridade judicial, são fundamentos suficientes para o decreto de segregação cautelar do agente. Ordem denegada. (TJPR - 5ª Câ. Cri. - HCC 0654660-9 - Guaíra - Rel.: Des. Jorge Wagih Massad - Unânime - J. 25/03/2010)

Contudo, a corrente minoritária entende pela aplicação do artigo 5º, inciso LV,

da Constituição Federal, como explica LOPES JR.

“O ponto crucial nesta questão é o art. 5º, LV, da CB, que não pode ser obje-to de leitura restritiva. A postura do legislador foi claramente protetora, e a confusão terminológica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial (...). Sucede que a expressão empregada não foi só acusados, mas sim acusados em geral, devendo nela ser compreendidos também o indicia-mento e qualquer imputação determinada (como a que pode ser feita numa notícia-crime ou representação), pois não deixam de ser imputação em senti-do amplo.” (2008, p. 300)

É defendido o direito ao contraditório em seu primeiro momento, o que equi-

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vale a dizer o direito à informação. Trata-se do direito do advogado ter acesso ao in-

quérito. Assim, LOPES JR continua a explicar: “o contraditório se manifesta – não na

sua plenitude – no inquérito policial através da garantia de “acesso” aos autos do in-

quérito e à luz do binômio publicidade-segredo.” (2008, p. 301)

Apesar da Lei n° 8.906 de 1994, em seu artigo 7º, já ter garantido o direito do

advogado a acesso de quaisquer autos, o Supremo Tribunal Federal teve de se manifes-

tar nesse mesmo sentido, através da Súmula Vinculante 14:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos e-lementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório re-alizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Mesmo antes da edição da citada Súmula, que se deu no dia 09/02/2009, o

Tribunal de Justiça do Paraná já se manifestava desta maneira, conforme o julgado

abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL - INDEFERIMENTO DE VISTA DE INQUÉRITO POLICIAL APÓS SOLICITAÇÃO DO ADVO-GADO - INVESTIGAÇÃO PROTEGIDA POR SEGREDO DE JUSTIÇA - PRERROGATIVA DO PROFISSIONAL DE TER ACESSO À INVESTI-GAÇÃO QUANTO AOS INDÍCIOS, DILIGÊNCIAS E DADOS COLHI-DOS EM RELAÇÃO AO SEU CLIENTE - SEGURANÇA CONCEDIDA, COM CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. (1) O inquérito policial, como se sabe, não é dotado das garantias do contra-ditório e da ampla defesa. No entanto, é garantido ao advogado acesso aos autos da investigação, seja ela procedida pela Polícia Judiciária ou pelo Mi-nistério Público, ainda que eles estejam gravados de sigilo, em qualquer fase procedimental. (2) Se os autos estão averbados pela restrição do segredo de justiça, o advogado, devidamente munido de procuração, tem o direito de obter vista dos autos para tomar conhecimento dos dados já colhidos pela au-toridade. Tal acesso, contudo, fica restrito às informações relativas ao seu cliente, com o escopo de evitar que tal conhecimento do conteúdo da inves-tigação prejudique seu andamento, relativamente aos demais, bem como em relação à própria natureza de algumas diligências, como por exemplo, a in-terceptação telefônica. (3) É pertinente, legítimo e adequado possibilitar o acesso do advogado aos autos de procedimento inquisitorial com a rubrica do sigilo, em observância ao princípio constitucional da ampla defesa, do di-reito à informação do indiciado e ao Estatuto da Advocacia, ressalvado que tal acesso se circunscreve às diligências e atos relacionados e colacionados aos autos de inquérito em relação ao seu cliente, evitando-se, assim, eventual prejuízo à investigação e procurando resguardar a intimidade dos demais in-

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vestigados. Segurança concedida em definitivo, confirmada a liminar anteri-ormente deferida. (TJPR - 1ª Câ. Cri. em Com. Int. - MSC 0483365-0 - Foro Regional de Rio Branco do Sul da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Oto Luiz Sponholz - Unânime - J. 10/07/2008).

Entretanto, percebe-se que mesmo que se defenda o direito de acesso do advo-

gado ao inquérito policial, os Magistrados deixam claro não se tratar efetivamente de

um direito do indiciado ao contraditório.

Apesar de defender o direito de defesa na investigação, LOPES JR, entende

que esse direito não deve ser exercido livremente, alguns limites devem ser impostos10,

de forma que o inquérito não perca a sua finalidade. (2008, p. 301)

Na verdade, essa corrente apenas inclui o direito à informação no contraditó-

rio. Praticamente,11 toda a doutrina se manifesta de forma favorável a permitir o acesso

do advogado aos autos do inquérito, mas não o denominam como direito ao contraditó-

rio.

3.3. OBJETIVO

Como já dito acima, o objetivo do inquérito é a elucidação do fato delituoso

bem como de sua respectiva autoria, para aquele que for o titular da Ação Penal possa

oferecer a denúncia, sendo o caso. Deste modo, evitam-se acusações infundadas cons-

tituindo-se assim, como destaca LOPES JR, o principal fundamento da existência da

investigação preliminar. Nesse mesmo sentido, RANGEL afirma:

“O inquérito policial, em verdade, tem uma função garantidora. A investiga-ção tem nítido caráter de evitar a instauração de uma persecução penal in-fundada por parte do Ministério Público diante do fundamento do processo

10 Por exemplo: o sigilo dos atos ainda não realizados, como a quebra de sigilo telefônico. 11 Paulo Rangel configura a exceção, como visto no início deste trabalho. Para ele enquanto o inquéri-to estiver em sigilo o advogado não pode ter acesso aos autos e nem acesso ao suspeito.

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penal, que é a instrumentalidade e o garantismo penal.” (2010, p. 75)

Da mesma maneira, FEITOZA afirma que a investigação preliminar tem por

“finalidade apurar o fato que constitua infração penal e sua respectiva autoria, para

servir de base à propositura de ação penal.” (2010, p. 172)

Visto isto, conclui-se, que o objetivo do inquérito policial é a reunião de ele-

mentos sobre o fato delituoso bem como se de sua provável autoria, para embasar a

denúncia que será oferecida pelo representante do Ministério Público.

3.4. DILIGÊNCIAS A SEREM REALIZADAS NO INQUÉRITO POLICIAL: ANÁ-

LISE DO ARTIGO 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O artigo 6º, do Código de Processo Penal, disciplina como a Polícia deve de-

senvolver sua atividade investigatória após o conhecimento do fato. Cada espécie de

delito possui suas particularidades, o que muitas vezes torna-se dispensável algumas

diligências dispostas nos incisos abaixo. É importante destacar, antes que se inicie o

estudo de cada inciso, que os quatro primeiros inciso não acarretam maiores problemas

para a pessoa que será considerada como “indiciado”. No momento em que se deter-

minar que este preste seu depoimento, decorrem inúmeros conflitos frente à Constitui-

ção Federal, como se verá adiante.

Determina o caput do artigo 6º do Código de Processo Penal: Logo que tiver

conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

Dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e con-

servação das coisas, até a chegada dos peritos criminais: em se tratando de delitos

que deixem vestígios, a polícia deve se dirigir ao local. Essa é a primeira obrigação da

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polícia, se locomover até o local do fato delituoso e isolá-lo a fim de evitar a destrui-

ção/contaminação de evidências.

Apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos pe-

ritos criminais: deve ser feita uma leitura conjugada ao artigo 11, do mesmo diploma

legal, devendo os objetos colhidos acompanhar os autos de inquérito e, se proposta, a

denúncia. Esses objetos podem não estar relacionados diretamente ao fato, como ex-

plica LOPES JR: “A apreensão dos instrumentos utilizados para cometer o delito, bem

como dos demais objetos relacionados direta ou indiretamente com os motivos, meios

ou resultado da conduta delituosa, é imprescindível para o esclarecimento do fato.”

(2008, p. 263)

Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas cir-

cunstâncias: um exemplo deste inciso é a oitiva das testemunhas que presenciaram o

ilícito penal.

Ouvir o ofendido: sempre que possível, deve ser realizada a oitiva do ofendi-

do. Em regra, essa é a principal fonte de informação para o esclarecimento do fato

considerado como delituoso.

Ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Ca-

pítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas

testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura: nesse momento surgem os primeiros

problemas, segundo LOPES JR (2008, p. 264). Primeiro, o indivíduo que presta a in-

formação, deve ser informado de que forma o faz, se como suspeito ou como uma me-

ra testemunha.

Outro ponto conflitante encontra-se na nomenclatura oferecida ao ato, pois é

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popularmente chamado de interrogatório policial. Entretanto, interrogatório ocorre em

juízo e com as devidas garantias legais, tais como a obrigatoriedade do defensor e o

seu direito ao silêncio. Assim, quando o inciso remete a leitura dos dispositivos que

disciplinam a matéria do interrogatório judicial, o que couber a esse procedimento de-

ve ser aplicado. No entanto, a doutrina entende que mesmo não presente o advogado o

interrogatório policial deverá ser realizado.

A autoridade policial deve iniciar o interrogatório com a qualificação do indi-

víduo considerado como suspeito. Para alguns doutrinados como TOURINHO FILHO,

o interrogado não pode mentir ou omitir quanto a sua identidade, sob pena de incidir

no tipo penal de falsidade ideológica e de desobediência, como se verifica:

“O direito ao silêncio não confere ao indiciado a prerrogativa de se furtar a fornecer os dados que o qualificam. Se o fizer, haverá, a nosso juízo, o crime de desobediência. Se fornecer dados não verdadeiros, a nosso ver, haverá crime de falsa identidade previsto no art. 307 do CP.” (2009, p. 87)

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça formulou entendimento contrário a es-

te, conforme se verifica nos julgados abaixo:

"Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a conduta do réu, de se atribuir falsa identidade perante à autoridade policial, não se subsume ao delito tipificado no artigo 307 do Código Penal, tratando-se de hipótese de autodefesa, amparado, em última instância, pelo direito constitucional de permanecer em silêncio, consagrado no artigo 5º, inciso LXIII, da Constitui-ção Federal."(REsp 432029/MG, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 16/11/2004). "Na linha de precedentes desta Corte, não comete o delito previsto no art. 307 do Código Penal o réu que, diante da autoridade policial, se atribui falsa identidade para evitar sua prisão (Precedentes)." (HC-46.747, Relator Minis-tro Felix Fischer, DJ de 20/02/06).

Após sua qualificação, o sujeito é informado de seu direito constitucional ao

silêncio, explícito no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, em que pode-

rá permanecer calado durante todo o procedimento.

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Encerrado o ato, deverá ser efetuada a leitura do mesmo frente a duas teste-

munhas. Comumente, essas testemunhas não presenciam o interrogatório, apenas assi-

nam junto ao declarante.

Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações: antes de a-

dentrar ao tópico, é de grande valia destacar, novamente, que o indiciado pode perma-

necer em silêncio, pois não é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Às autori-

dades policias não pode obrigá-lo a participar do reconhecimento e muito menos das

acareações.

O reconhecimento de pessoas e coisas deve seguir às formas estabelecidas no

artigo 226, 227 e 228 do Código de Processo Penal. Podendo envolver, segundo LO-

PES JR,

“Não apenas o suspeito pode ser objeto de reconhecimento, mas também to-das as pessoas envolvidas no fato, inclusive testemunhas. Da mesma forma, são passíveis de reconhecimento todos os objetos que interessam à investi-gação do delito.” (2008, p. 266)

Contudo, como afirma TOURINHO FILHO, o reconhecimento trata-se de

uma das provas mais fracas no processo, consoante se extrai do trecho abaixo

“O reconhecimento é, de todas as provas, a mais falha, a mais precária. A ação do tempo, o disfarce, as más condições de observação, os erros por se-melhança, a vontade de reconhecer, tudo, absolutamente tudo, torna o reco-nhecimento uma prova altamente precária.” (2009, p. 583)

O sujeito que realizará o reconhecimento pode ser induzido a reconhecer o

suspeito, por exemplo, dentre outras pessoas se este estiver algemado, ou, colocam

policiais que já tiveram contato com a testemunha ou ofendido para proceder no mes-

mo ato.

A acareação consiste no momento em que os sujeitos (sejam eles: suspeitos;

testemunhas, ofendidos) são postos frente a frente e questionados, novamente, sobre os

pontos controvertidos entre um depoimento e outro.

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O artigo 229, do Código de Processo Penal, admite a acareação entre:

- Acusados;

- Acusados e testemunhas;

- Testemunhas;

- Acusado ou testemunha e a pessoa ofendida;

- Pessoas ofendidas.

Determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quais-

quer outras perícias: o exame de corpo de delito e as perícias ocorrem nos crimes que

deixem vestígios. Eles podem se incidir sobre o ofendido, indiciado e sobre os objetos

que fizeram parte do ato delituoso.

Lembrando-se, o indiciado, devido as suas garantias constitucionais, não é o-

brigado a realizar quaisquer desses atos.

Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível,

e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes: a Lei n. 12.037 de 2009 regulamen-

tou o inciso LVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que trata da identificação do

suspeito. Assim, dispõe o artigo 3º da referida lei:

“Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identifica-ção criminal quando: I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade ju-diciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da au-toridade policial, do Ministério Público ou da defesa; V – constar de regis-tros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o esta-do de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado.”

Em quaisquer dos casos referidos no dispositivo legal acima, se realizará a i-

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dentificação do indiciado.

Averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, fa-

miliar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois

do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreci-

ação do seu temperamento e caráter: trata-se de um inciso que não deveria possuir

aplicabilidade, segundo LOPES JR. O referido doutrinador propõe uma exclusão de

alguns critérios que compõem o referido dispositivo legal, devendo a autoridade poli-

cial verificar apenas “a atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante

ele.” (2008, p. 269)

Assim, tomando conhecimento do fato delituoso, a autoridade policial deve

proceder na investigação do mesmo. Cabe destacar, novamente, que essas diligências

devem ser realizadas em conformidade com a Constituição Federal, respeitando os

direitos aos quais ela assegura.

Entretanto, se juntado ao processo e posteriormente levantar-se a desconfor-

midade frente à Carta Magna da investigação preliminar, após o juiz ter contato com

todas esses elementos probatórios angariados de forma ilícita, apenas o inquérito poli-

cial terá sua nulidade decretada, devendo ser retirado dos autos, não contaminando o

resto do processo.

3.5 ARQUIVAMENTO

O arquivamento do inquérito não pode ser realizado diretamente pela autori-

dade policial. Terminada a investigação ela encaminha o mesmo ao Ministério Públi-

co, entendendo ser o caso, requer ao juiz o arquivamento.

Entendendo não ser o caso de arquivamento, o magistrado encaminhará obri-

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gatoriamente os autos ao Procurador-Geral, sendo este que decidirá se realmente é ca-

so de arquivamento ou não. O parecer emanado pelo procurador, afirmando que real-

mente deve ser arquivado o inquérito policial vincula o juiz.

Entretanto se o entendimento do procurador for pelo não arquivamento, o arti-

go 2812, do Código de Processo Penal, disciplina que ele próprio poderá fornecer a

denúncia ou designará outro órgão do Ministério Público para fornecê-la.

Determina a Súmula 524, do Supremo Tribunal Federal, “arquivado o inquéri-

to policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a

ação penal ser iniciada, sem novas provas.”

A única maneira de se voltar a persecução penal é se surgirem novas provas

quanto ao fato delituoso.

12 Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquiva-mento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar impro-cedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

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4. A CONTAMINAÇÃO PSÍQUICA DO JULGADOR E JURADOS DIANTE

DOS ELEMENTOS COLHIDOS DURANTE A FASE INVESTIGATÓRIA E

OS MEIOS PARA EVITÁ-LA

4.1. COMPETÊNCIA EM DECORRÊNCIA DO JUÍZO PREVENTO

Determina o artigo 83, do Código de Processo Penal, a prevenção é o critério

para a definição da competência. O juiz prevento é aquele que se manifestou anterior-

mente ao caso. Portanto, nos casos da necessidade de decretação de alguma medida

judicial no curso da investigação preliminar, o juiz que a der estará prevento a causa.

Deste modo o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. COMPETÊNCIA. CRIME PERMA-NENTE. ATUAÇÃO EM TERRITÓRIO DE DIVERSAS JURISDIÇÕES. FIXAÇÃO PELA PREVENÇÃO. CABIMENTO. PRISÃO EM FLA-GRANTE DO CORRÉU EM GUARAPARI/ES, EM FACE DE CONHE-CIMENTO PRÉVIO PELAS AUTORIDADES POLICIAIS DO TRAJETO A SER POR ELE PERCORRIDO. AUTORIZAÇÃO ANTERIOR DO JUÍ-ZO DE VITÓRIA/ES PARA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. HIPÓ-TESE QUE O TORNA PREVENTO. 1. Tratando-se o crime de associação para o tráfico de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo, a competência fixa-se pela prevenção, se autuação se estender por diversas ju-risdições (artigo 71 do Código de Processo Penal). Precedente do STJ. 2. De acordo com o artigo 83 do Código de Processo Penal, torna-se prevento o ju-iz quando, concorrendo dois ou mais juízes competentes, um deles tiver an-tecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou medida a este re-lativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia.3. Ordem parcialmen-te conhecida e, nessa parte, concedida. HC 115483 (2008/0202067-5 - 08/09/2009).

Enquanto alguns doutrinadores, como RANGEL, entendem que a prevenção é

o melhor meio de distribuição de competência, pois o juiz possui um maior conheci-

mento quanto ao caso. Outros, como LOPES JR, entendem que a prevenção deveria

consistir, na realidade, em uma causa de exclusão de competência, conforme se verifi-

ca:

“Deveria ser uma causa de exclusão, pois determinar que o mesmo juiz que

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homologou uma prisão em flagrante ou decretou a prisão temporária ou pre-ventiva no curso do inquérito seja o que irá receber e julgar a causa não é o melhor critério. A prevenção pode fulminar a principal garantia das partes no processo penal: o direito a um juiz imparcial.” (2006, p. 174)

A prevenção não deveria ser critério para a distribuição da competência, por

comprometer a imparcialidade do Juiz.

A propósito do tema, o Projeto de Lei 156 de 2009, atualmente, em trâmite do

Senado Federal que visa à reforma global do Código de Processo Penal determina, no

artigo 16:

“O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas com-petências do art. 14 ficará impedido de funcionar no processo, observado o disposto no parágrafo único do art. 701.13”

Note-se que, conforme disciplina o projeto, com a finalidade precípua de evi-

tar a contaminação psíquica do juiz, o magistrado que atuou na fase de inquérito auto-

rizando medidas cautelares não poderá julgar o processo penal oriundo de tal investi-

13 Artigo 14 do Projeto de Lei 156 de 2009: O juiz das garantias é responsável pelo controle da legali-dade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido re-servada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: I – receber a comu-nicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federa-

tiva do Brasil; II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 553; III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença; IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial; V – decidir sobre o pedido de prisão provi-sória ou outra medida cautelar; VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las; VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas considera-das urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa; VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investiga-ção; XI – decidir sobre os pedidos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em siste-mas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado. XII – julgar o habeas

corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 447, §1º; XIV – arquivar o inquérito policial; XV – outras ma-térias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação do delegado de polícia e ouvido o Ministé-rio Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 10 (dez) dias, após o que, se ain-da assim a investigação não for concluída, a prisão será revogada automaticamente.

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gação.

4.2 A (IM)PARCIALIDADE DO JULGADOR NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

DA ACUSAÇÃO: RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DA DENÚNCIA

4.2.1 Breve análise das hipóteses de rejeição da denúncia: análise do artigo 395 do Có-

digo de Processo Penal

A Lei n. 11.719 de 2008, deu uma nova redação ao artigo 395, do Código de

Processo Penal, tratando agora das matérias que possibilitam a rejeição da denúncia.

São hipóteses de rejeição da peça exordial acusatória:

A primeira hipótese de que trata o artigo 395, do Código de Processo Penal é a

denúncia for manifestamente inepta. A peça acusatória inepta, segundo OLIVEIRA, é

“a não satisfação das exigências legais apontadas no art. 41 do CPP.” (2009, p. 180)

De forma a dificulta o contraditório e a ampla defesa.

A dificuldade de se exercer o contraditório decorre da falta de elementos na

denúncia para se contradizer. Se a denúncia não descreve de forma clara e completa o

fato supostamente delituoso, como o acusado poderá fornecer a sua versão? Exercer a

sua defesa técnica e pessoal?

É direito do acusado saber sobre o que versa a sua acusação. Assim, a denún-

cia deve descrever de forma clara o fato delituoso, não basta que esta indique que a

descrição do delito encontra-se no inquérito policial juntado a mesma. Como explica

TOURINHO FILHO:

“Necessário, pois, que, na peça acusatória, seja denúncia, seja queixa, se faça uma exposição do fato criminoso, que é a causa petendi, a razão do pedido de condenação. A lei exige tal exposição. Não basta simples referência a pe-ças avulsas ou àquilo que se apurou no inquérito. É preciso descrever o fato. (...) Não pode o Ministério Público ou o querelante, em vez de narrar o fato, limitar-se a dizer que ele está devidamente descrito e caracterizado nos autos do inquérito. Tal peça acusatória é inepta, por não ter sido fetia a exposição.”

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(2009, p. 547 e 548) Quanto à inépcia da denúncia, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou da

seguinte forma:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Denúncia. Inépcia caracterizada. Narração in-congruente dos fatos. Impossibilidade do exercício pleno do direito de defe-sa. Anulação do processo ab initio. HC concedido para esse fim. Ordem es-tendida a outros co-réus, em processo desmembrado. É inepta a denúncia que, contendo narração incongruente dos fatos, impossibilita o exercício ple-no do direito de defesa. (HC 88359, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Se-gunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 09-03-2007).

O artigo 41, do Código de Processo Penal, determina quais requisitos da de-

núncia, são eles:

A exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias: não se trata

apenas de indicar em qual tipo penal o delito se enquadra, mas sim explicar detalha-

damente como se deu a ação do acusado e quais os meios utilizados pelo mesmo. É de

suma importância que a denúncia contenha uma descrição clara e completa, abrangen-

do todas as condutas realizadas pelo acusado, pois o juiz se encontra adstrito aos fatos

narrados na queixa, sendo este o limite de sua sentença.

A qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais possa identificá-lo:

é, segundo FEITOZA, “fundamental que se individualize fisicamente o acusado. Nor-

malmente, isso é possível com o registro, na petição inicial, de seu nome, filiação, data

de nascimento, número de carteira de identidade etc.” (2010, p. 315) No entanto,

quando não for possível a qualificação do acusado, é necessário que o Ministério Pú-

blico forneça elementos de sua descrição que permita a identificação futuramente.

A classificação do crime: esse é o momento em que o Ministério Público deve

enquadrar em qual tipo legal pertence à conduta do acusado. O juiz não se encontra

vinculado a essa classificação, ele esta adstrito, como já dito, ao fato narrado. Destarte,

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não resta prejudicada a denúncia se a classificação se der de maneira incorreta. Porém,

poderá gerar danos gravíssimos a pessoa do acusado, como preleciona FEITOZA: “a

classificação legal incorreta pode acarretar seriíssimas conseqüências para o denuncia-

do, como não ter direito à fiança, não poder ser beneficiário de liberdade provisória

etc., o que exige extrema responsabilidade do acusador.” (2010, p. 316)

E, por fim, o rol de testemunhas conforme o procedimento.

Se não constarem esses elementos a denúncia será considerada inepta.

A segunda hipótese de rejeição da denúncia ou queixa é a ausência de pressu-

posto processual ou condição para o exercício da ação penal: Os pressupostos proces-

suais são divididos, por Afrânio Silva Jardim: existência e de validade. Os pressupos-

tos de existência são elementares ao processo. Não há que se falar em processo se estes

não estiverem presentes. Quanto aos de validez, regulam o desenvolvimento do pro-

cesso.

Outra classificação apresentada pelo referido autor, é a divisão entre pressu-

postos objetivos e subjetivos. Os primeiros, os objetivos, podem ser elencados como

extrínsecos, relacionado a falta de qualquer fato impeditivo14 ou intrínsecos, referente

a obediência do desenvolvimento processual as normas legais. Quanto aos pressupos-

tos subjetivos, sua divisão se dá em torno das pessoas que compõe a relação jurídico-

processual, de um lado o Juiz e de outro as partes.15

Encontra-se outra classificação, oferecida por RANGEL, que subdivide os

pressupostos de validez em positivos e negativos. Logo, os pressupostos de validade

14 Exemplos oferecidos pelo autor são da coisa e julgada e da litispendência. Pg. 55 15 Os pressupostos subjetivos figuram como juiz imparcial, juiz competente, órgão investido de juris-dição. Em relação as partes, avalia-se a capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade de postular em juízo. Exemplos esses oferecidos pelo autor.

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positivos do processo, se referem à competência do magistrado, à capacidade proces-

sual e postulatória do autor e a válida citação do réu. Quanto aos negativos, são eles: à

suspeição, impedimento, litispendência e coisa julgada. (2010, p. 529)

O segundo critério, apresentado no inciso estudado, é em torno das condições

da ação, é para o possível e adequado exercício do direito de ação. (JARDIM, 2007, p.

93) Assim, a divisão oferecida pela maioria da doutrina é a legitimidade, o interesse de

agir, a possibilidade jurídica e, por fim, a justa causa.

A legitimidade deve ser estudada sob dois prismas, de um lado a ativa e de ou-

tro a passiva. A legitimidade ativa, em regra, é do Ministério Público que representa a

sociedade para, como diz RANGEL, o restabelecimento da ordem jurídica. Entretanto,

o Código Penal, em alguns tipos, atribui à legitimidade ativa ao ofendido.

Quanto à legitimidade passiva, se dá em torno do autor do delito, como ensina

LOPES JR: “A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico. Não

se deve esquecer que neste momento não pode ser feito um juízo de certeza, mas sim

de mera probabilidade, verossimilhança da autoria.” (2008, p. 339) A impossibilidade

do juízo de certeza se dá pela qualidade sumária da investigação preliminar.

A segunda condição da ação é o interesse de agir, que consiste, conforme pre-

leciona JARDIM, na intervenção estatal como única forma de se alcançar o direito

alegado. Assim, “o titular da ação deve formular um pedido idôneo, arrimado em ele-

mentos que convençam o Magistrado da seriedade do que se pede.” (TOURINHO FI-

LHO, 2009, p. 200)

A possibilidade jurídica de agir, segundo JARDIM, “diz respeito à possibili-

dade de o Juiz pronunciar, em teses, a decisão invocada pelo autor, tendo em vista o

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que dispõe a ordem jurídica de forma abstrata.” (2007, p. 95) Portanto, o pedido for-

mulado na peça acusatória deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico. A impos-

sibilidade jurídica de agir equivale no Direito Penal à atipicidade do fato. Da mesma

forma, pode se afirmar que a extinção da punibilidade concreta enseja na falta do inte-

resse de agir.

Por fim, a última hipótese rejeição da denúncia, inserta no artigo 395, inciso

III do Código de Processo Penal é a ausência de justa causa para o exercício da ação

penal. A justa causa é definida por JARDIM como:

“suporte probatório mínimo se relaciona com indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e cul-pabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pú-blica.” (2007, p. 97)

A justa causa é um mínimo de elementos probatórios dos fatos narrados na pe-

ça acusatória. Não importa, segundo JARDIM, se a prova é suficiente a uma condena-

ção futura ou não, ela deve constar na denúncia mesmo que seja considerada fraca.

Encontra-se outra classificação em relação às condições da ação. Oferecida

por LOPES JR, a legitimidade é similar à apresentada anteriormente, dentre as demais

estão presentes:

A prática de fato aparentemente criminoso (fumus commissi delicti), deve res-

tar demonstrada de forma clara na peça acusatória a tipicidade do fato.

A punibilidade concreta exige “que não se tenha operado uma causa de extin-

ção da punibilidade, cujos casos estão previstos no art. 107 do Código Penal e em leis

especiais, para que a ação processual penal possa ser admitida.” (2008, p. 337)

E, por fim, a justa causa. Dividida sob dois aspectos: presença de indícios de

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autoria e materialidade e o caráter fragmentário da intervenção penal.16

As condições específicas da ação são estabelecidas em lei. Exemplos dessas

condições são: a representação; a requisição do Ministro da Justiça; a autorização da

Assembléia Legislativa, etc. Deverão ser respeitados tais ditames, sob pena de rejeição

da peça acusatória

Se não estiverem presentes os pressupostos processuais e as condições da a-

ção, deverá o juiz rejeitar a denúncia.

Cabe destacar, ainda, que o juiz pode rejeitar parcialmente a denúncia. Pois, se

o juiz pode rejeitar o todo, por qual razão ele não poderá rejeitar parte dela? Entretan-

to, o magistrado deve ser precavido para não alterar ou modificar os fatos e, bem co-

mo, não imputar fatos que o Ministério Público ou o ofendido não tenham se manifes-

tado, visto que estes são os titulares da ação penal. Conforme explicação de RANGEL:

“Se ao juiz é lícito rejeitar toda a denúncia, nos termos do art. 41 c/c 395 (com redação da Lei 11.719/08), ambos do Código de Processo Penal, seria ilógico imaginarmos que não pode rejeitar parte desta denúncia. Aliás, quem pode o mais pode o menos. Porém, repetimos: sem alterar ou mexer nos fatos que lhe foram apresentados. Não lhe é lícito fazer incluir sujeito não incluído na denúncia, muito menos imputar ao acusado fatos que não lhe foram imputados pelo titular da ação penal.” (2010, p. 84)

Da mesma forma, expõe LOPES JR:

“Assim, em situações excepcionais, em que está evidente o abuso acusatório, poderá o juiz proferir uma decisão de ‘recebo parcialmente a denúncia, não pelo delito de homicídio doloso, mas sim de homicídio culposo’, por exem-plo. Da mesma forma, ‘recebo a denúncia, mas afasto desde logo a qualifi-cadora por ausência de justa causa em relação a ela’.” (2008, p. 386)

Diante o exposto, se o juiz pode rejeitá-la integralmente, pode ele também re-

jeitá-la parcialmente.

4.2.2 A contaminação do julgador que recebeu a denúncia com base nas evidências 16“Significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos, mas tão-somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.” (LOPES, 2008, p. 341)

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contidas no inquérito policial para atuar no deslinde do Processo Penal

Determina o artigo 1217, do Código de Processo Penal, que o inquérito será

juntado à denúncia ou queixa. Segundo Paulo Rangel, o inquérito deverá ser juntado à

denúncia para que o juiz tenha um mínimo de suporte probatório para o recebimento

da mesma.

Como dito no início, o inquérito tem por função justificar o processo ou o não-

processo, através da reunião de elementos do fato delituoso bem como de sua autoria.

Destarte, a investigação realizada servirá de fundamento para o recebimento ou rejei-

ção.

Contudo, vale relembrar que a investigação preliminar é direcionada para o

Ministério Público e não ao magistrado. E, seu objetivo é fornecer elementos probató-

rios, em grau de probabilidade, para a propositura da peça de acusação.

Parte da doutrina entende que o inquérito deve ser juntado à denúncia ou quei-

xa, sob o fundamento de se evitar que um inocente seja posto no banco dos réus, as-

sim:

“O juiz, ao receber a denúncia, deve se inteirar dos fatos apurados no inqué-rito e compatibilizá-lo com a peça exordial, pois é inconcebível o recebimen-to o recebimento de uma peça de natureza, colocando uma pessoa no banco dos réus, sem uma análise perfunctória dos fatos narrados.” (RANGEL, 2010, p. 84)

No entanto, a outra corrente, entende que se o inquérito policial for juntado à

peça acusatória o juiz se contaminará, consciente ou inconscientemente, pois haverá

um contato com atos realizados sem um mínimo de contraditório. Sendo que, é ele

quem terá contato direto com os autos de inquérito.

17 Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

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Defensor da segunda corrente, LOPES JR, explica:

“verifica-se que na prática o inquérito policial pode ter relevância no con-vencimento dos juízes e dos jurados. PELLEGRINI GRINOVER aponta du-as razões para esse fenômeno: a) em primeiro lugar, porque quem realiza o juízo de pré-admissibilidade da acusação é o mesmo juiz que proferirá a sen-tença no processo (exceto no caso de Júri); b) em segundo lugar, porque os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz.” (2008, p. 285)

Como solução a contaminação do juiz pelas provas produzidas no inquérito,

deveria ser criado um juízo de admissibilidade da ação. Assim, o juiz que recebe a a-

ção é diverso daquele que sentenciará.

O Projeto de Lei do Senado nº 156 de 2009, que visa alterar de forma integral

o Código de Processo Penal, tem em seu artigo 15 a presença do juiz garantidor, com a

seguinte redação:

“A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, ex-ceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal. §1º Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo. §2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a neces-sidade das medidas cautelares em curso. §3º Os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão juntados aos autos do processo.”

Entretanto, o Instituto Brasileiro de Direito Processual propôs a seguinte e-

menda, de número 7:

“Art. 15. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações pe-nais, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa. § 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo. § 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, nos termos dos artigos 520, § 2º, inc. VIII e artigo 550, deste Código.”

De forma a garantir que o juiz não tenha contato com os atos de investigação,

tal emenda, será abordada em tópico ulterior, dispõe sobre um juiz garantidor que re-

ceberá a peça acusatória.

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4.3. A CONTAMINAÇÃO DO JURADO NO TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri tem a sua existência fundada no inciso XXXVIII, do artigo

5º, da Constituição Federal, configurando uma cláusula pétrea da mesma. Sua compe-

tência se dá em torno dos crimes comuns dolosos contra a vida. É composto por um

juiz, denominado Juiz-Presidente, e por jurados.

Em relação aos jurados, são convocados 25 (vinte e cinco) pessoas para parti-

cipar da sessão de julgamento. No entanto, são necessários no mínimo que 15 (quinze)

compareçam efetivamente para que seja realizado o júri.

O conselho de sentença é composto, após a realização de um sorteio, de sete

jurados. Sorteados os nomes, eles se encontram proibidos de se manifestarem sobre o

caso, trata-se do princípio da incomunicabilidade.

Os jurados, no decorrer da audiência, segundo LOPES JR poderão formular

perguntas,

“Os jurados, verdadeiros juízes do caso penal, poderão formular perguntas, através do juiz presidente, que exercerá o papel de mediador, para evitar que o jurado (leigo que o é) acabe deixando transparecer algum juízo de valor, externando sua posição sobre a responsabilidade penal do réu. Se isso acon-tecer, nada mais restará ao juiz do que dissolver o conselho de sentença e marcar novo júri (estando esse jurado impedido de atuar, por evidente).” (2008, p. 289)

Para os jurados têm vigência as mesmas condições quanto ao impedimento e

suspeição do juiz, estudadas anteriormente.

Os jurados em decorrência, não rara às vezes, de sua própria ignorância estão

sujeitos a pressões e influências políticas, econômicas e, principalmente, midiáticas.

Fazendo com que os veredictos emanados por estes sejam muitas vezes tendenciosos,

pois já possuem um juízo da culpabilidade do réu frente aos fatos. (LOPES, 2008, p.

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309)

O jurado pode até mesmo ser induzido pela decisão de pronúncia emanada pe-

lo juiz, como explica LOPES JR: “especial cuidado deve ter o julgador na fundamen-

tação, para não contaminar os jurados, que como leigos, são facilmente influenciáveis

pelas decisões proferidas por um juiz profissional e, mais ainda, por aquelas proferidas

pelos tribunais.” (2009, p. 278 e 279) Portanto, o magistrado ao pronunciar o réu deve

se limitar a fundamentar a decisão quanto aos indícios suficientes de autoria e a mate-

rialidade do delito.

4.4. IMPOSSIBILIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA APENAS NOS

ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO. ANÁLISE DO ARTIGO 155 DO CÓ-

DIGO DE PROCESSO PENAL

Atualmente, só pode haver condenação com base no inquérito policial se cor-

roborado com as provas produzidas em juízo.

A Lei 11.690 de 2008 concedeu nova redação ao artigo 155, do Código de

Processo Penal, sendo ela agora:

“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

A razão de existência desse dispositivo se dá pela própria característica da in-

vestigação preliminar de ser inquisitorial. Se naquele momento o suspeito, pela maio-

ria dos doutrinadores, é considerado mero objeto de tal ato, não podendo se defender e

muito menos contradizer as informações colhidas, não pode ser admitido que o magis-

trado possa condenar o réu apenas com esses elementos. Constitui uma verdadeira vio-

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lação ao sistema acusatório.

Pois, se o Brasil, conforme leciona parte da doutrina,18 adota o sistema misto,

constituindo a fase pré-processual como inquisitorial e a processual acusatória, a sen-

tença, elemento característico do processo, deve ser embasada nos princípios que cons-

tituem o sistema regente a tal ato, o acusatório.

Quanto à análise do referido dispositivo, destaca RANGEL, que

“a expressão “exclusivamente” não pode autorizar o intérprete a pensar que, se há provas no IP e há provas no curso do processo o juiz possa fundamen-tar sua sentença com base nas duas fases (policial e judicial).” (2010, p. 80)

Conforme dito acima, o magistrado só pode sentenciar embasado nas provas

investigatórias se junto a elas estiver presente uma prova que comprove o mesmo fato,

produzida em juízo com todas as garantias legais, dentre elas o contraditório e a da

ampla defesa.

Essa corroboração da prova investigatória com a judicial é muito criticada por

LOPES JR, afirmando que muitas vezes as provas produzidas em juízo não possibili-

tam a condenação do acusado. Assim, o juiz busca, de forma inquisitória, elementos

que possibilitem a condenação do réu, como se verifica abaixo:

“Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação, ao mesmo tempo em que se evitará a função endoprocedimental. Enquanto isso não o-correr, entendemos que os elementos oferecidos pelo IP – à exceção das pro-vas técnicas e das produzidas através do incidente de produção antecipada (ante o juiz) – não devem ser valorados na sentença e tampouco servir de ba-se para uma condenação, ainda que sob o manto falacioso do ‘cotejando com a prova judicial’.” (2008, p. 286)

O inquérito policial, como já foi exaustivamente estudado, destina-se ao Mi-

nistério Público, para o mesmo formar a sua opinio delicti, e não ao magistrado para

18 Dentre os doutrinadores que afirmam a vigência de tal sistema: Aury Lopes JR,

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buscar fundamentos para a condenação do réu. A única maneira de promover um pro-

cesso mais justo é o desentranhamento do inquérito policial da denúncia, como se verá

a seguir.

4.5 DESENTRANHAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL DOS AUTOS DE PRO-

CESSO-CRIME

Diante do exposto no tópico acima, LOPES JR defende que o inquérito polici-

al não deve ser juntado à denúncia como determina o artigo 12, do Código de Processo

Penal.

Antes de adentrar ao mérito dessa questão, é importante diferenciar atos de in-

vestigação de atos de prova. Os atos de investigação, como afirmado no transcorrer

desse trabalho, possuem grau de probabilidade. Enquanto, os atos de prova devem ofe-

recer o juízo de certeza para que o juiz possa fundamentar sua sentença com eles.

(LOPES, 2008, p. 278)

De forma que, todos os atos realizados na investigação preliminar, serão repe-

tidos em juízo, frente ao magistrado competente, com todas as garantias fornecidas

pelo texto constitucional. Apenas desta maneira, deveria o juiz fundamentar a sua de-

cisão.

Pode-se afirmar que, não há razão para o inquérito policial estar presente na

denúncia.

A exclusão do inquérito policial do processo, segundo LOPES JR, alcançaria a

originalidade do processo e evitando a contaminação do juiz em relação a esses atos.

Com o desentranhamento das peças de investigação preliminar, evitam-se sen-

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tenças que contemplem elementos dessa fase. É a forma de impedir os discursos “cor-

roborada com a prova de inquérito,” para justificar a condenação do réu quando não se

tem elementos suficientes para tanto.

O sistema processual penal italiano e espanhol a investigação preliminar não é

juntada a denúncia, de forma a evitar possíveis e constantes, como visto, pré-juízos

quanto aos dados contidos nestes. (LOPES, 2008, p. 285)

4.6. PROJETO DE LEI 156/2009: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO

PELO JUIZ DAS GARANTIAS

O Projeto de Lei 156 de 2009 traz em seu texto a previsão do juiz das garanti-

as, fornecendo vigência efetiva ao sistema acusatório no ordenamento jurídico nacio-

nal. O objetivo do juiz das garantias é explicada por PLACHA SÁ,

“A figura do juiz das garantias – dissociada completamente daquela do juiz do processo – é o assento da busca por um efetivo e não mais mitológico sis-tema acusatório, com estrutura (inclusive, principiológica) que o sustente, para se consagrar no processo penal o modelo democrático; afastando a pos-sibilidade de, nesta fase, existir iniciativa probatória do juiz e preservando assim seu distanciamento a fim de evitar a influência na formação dos ele-mentos que venham a configurar ou antecipar a pretensão de quem quer que seja.” (2010, p. 160)

A instituição do juiz das garantias põe fim à forma inquisitiva da persecução

criminal. Pois, as questões incidentais no curso da investigação preliminar serão deci-

didas pelo mesmo, entretanto não o tornando prevento à causa. A competência transfe-

re-se ao chamado juiz do processo.

O juiz das garantias se encontra distante das provas, não tendo por função ge-

renciá-las. Na realidade, a função desse juiz é a proteção dos direitos do suspei-

to/indiciado no transcorrer de toda investigação preliminar até o recebimento da de-

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núncia. (PLACHA SÁ, 2010, p. 160) Entretanto, segundo CASARA, a proteção dos

direitos fundamentais é estendida também a vítima do delito, conforme se verifica a-

baixo:

“Os juízes das garantias são concebidos como verdadeiros juízes das liber-dades públicas na fase pré-processual e devem atuar na concretização dos di-reitos fundamentais do investigado e da vítima durante a investigação preli-minar.” (2010, p. 170)

Assim, determina o caput do artigo 14 do referido Projeto:

“O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investiga-ção criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe es-pecialmente.”

Entretanto, o parágrafo primeiro, do artigo 15 do Projeto, já comentado quan-

do tratamos da competência em decorrência da prevenção, limita a competência do

juiz garantidor até o momento do recebimento da ação penal, conforme se verifica a-

baixo: “Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do pro-

cesso.” Mas, o Instituto Brasileiro de Direito Processual propôs, através da emenda

modificativa e aditiva n.º 6, a extensão da competência do magistrado até o momento

de recebimento ou rejeição da peça acusatória, oferecendo a seguinte redação: “§ 1º

Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do

processo.”

A emenda propõe uma redação que assegura o princípio acusatório, conforme

explica CASARA, pois o juízo de admissibilidade da ação avalia/valora atos da inves-

tigação criminal a fim de comprovar a Justa Causa. (2010, p. 175)

Se não modificado o referido parágrafo, entrará novamente ao questionamento

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quanto à contaminação do juiz do processo e a perda de sua imparcialidade19 com o

contato aos elementos produzidos na investigação preliminar, devido ao fato de ser ele

quem efetuará o recebimento da ação penal. E, como destaca SILVEIRA, “seguirá o

juiz do processo tendo seu primeiro contato com o caso penal a partir de provas produ-

zidas sem o contraditório e a ampla defesa.” (2010, p. 191)

A atuação desse juiz garantidor foi estabelecida através de duas estratégias,

conforme disposta na exposição de motivos do Projeto:

“a) otimização da atuação jurisdicional criminal, inerente à especialização na matéria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional; b) manter o distanciamento do juiz do processo, em relação à decisão de mérito, distan-ciando-o da prova e de seus elementos de convicção.”

O juiz das garantias é similar ao giudice per le indagini preliminari20 do sis-

tema italiano. Nesse sistema, segundo PLACHA SÁ, não cabe ao juiz a atividade pro-

batória, sua função é decidir quanto às interceptações telefônicas, medidas cautelares

etc. (2010, p. 163)

Outro ponto semelhante, do Projeto de Lei ao Código de Processo Penal Itali-

ano, é em relação à fase judicial. A consagração de um juiz diverso àquele que para a

investigação preliminar, denominado na Itália por giudice dell’Udienza Preliminare.

Conclui-se que não basta a instituição do juiz das garantias, se o juiz que sen-

tenciará é quem receberá a ação penal, composta por elementos produzidos sem os

direitos ao contraditório e da ampla defesa.

19 Segundo CASARA: a atividade judicial exercida na primeira fase da persecução penal pode se reve-lar incompatível com a atividade judicial que se dá após a instauração da instância, com a contamina-ção da imparcialidade do órgão responsável pelo julgamento da causa a partir do conhecimento prévio de elementos de convicção produzidos unilateralmente pelas agências estatais encarregadas da perse-cução penal. (2010, p. 171) 20 Juiz para as investigações preliminares.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O juiz ao receber a denúncia, mesmo que implicitamente, possui um contato

com elementos que foram angariados, não rara às vezes, de forma ilegal. E, esses ele-

mentos são mantidos no processo. Todavia, parte da doutrina afirma que não possui

qualquer problema nesse fato, pois uma prova de inquérito policial não pode servir de

fundamento a condenação de ninguém, como determina o artigo 155 do Código de

Processo Penal. Entretanto, a prova angariada no inquérito policial pode servir de fun-

damento da sentença se corroborada a outra produzida em juízo. O que equivale a di-

zer, se a prova produzida sob o crivo do contraditório for fraca, não sendo capaz de

comprovar o ilícito por parte do réu, o juiz pode buscar provas no inquérito policial e

juntá-las para promover a condenação do acusado.

Assim, como é possível afirmar que o juiz não se encontra comprometido, se

frente a elementos judiciais lícitos que não fornecem dados suficientes a condenação

do acusado, ele convoca as provas produzidas na investigação preliminar, em que o

acusado é considerado como mero objeto, estando sujeito às maiores ilicitudes possí-

veis no decorrer de todo o procedimento. E mesmo assim, o juiz não perdeu a sua im-

parcialidade?

O contato realizado com o inquérito policial, no recebimento da denúncia, in-

fluencia o julgamento do juiz. O magistrado acaba por criar um pré-conceito em razão

dos fatos apresentados pela investigação preliminar.

Diante de todo o exposto, acredito que a corrente, defendida por Aury Lopes

JR, de ser criado um juízo instrutório, em que o juiz que recebe a denúncia não será o

mesmo a sentenciar, é a melhor aplicável no ordenamento jurídico brasileiro.

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E, junto a isto, o inquérito deve ser excluído do processo. Ele é realizado para

fundamentar a denúncia do Ministério Público ou queixa do particular, mas não deve

ser juntado a essas peças, por tudo do que já foi dito.

Assim, é a única forma de se começar a dar vigência, efetivamente, ao sistema

acusatório.

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