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CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 68, p. 253-271, Maio/Ago. 2013 253 Maria Aparecida de Moraes Silva, Lúcio Vasconcellos de Verçoza, Juliana Dourado Bueno A IMAGEM DO ETANOL COMO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” E A (NOVA) MORFOLOGIA DO TRABALHO Maria Aparecida de Moraes Silva * Lúcio Vasconcellos de Verçoza ** Juliana Dourado Bueno *** DOSSIÊ O objetivo deste texto é a análise das relações e condições de trabalho nos canaviais, resultantes do processo de reconfiguração do trabalho, em face do momento atual, caracterizado pela intensificação do processo de mecanização do corte de cana. Em função da rapidez das mudan- ças ocorridas no processo de trabalho, considera-se que estas relações de trabalho devam ser analisadas no contexto da imagem do “desenvolvimento sustentável” produzida pelas empre- sas sucroalcooleiras e pelo Estado brasileiro. A intensificação da exploração da força de traba- lho no quadro de uma (nova) morfologia combina, de um lado, tecnologias altamente avança- das, e, de outro, aumento da desqualificação da força de trabalho. As reflexões procurarão trazer à superfície a realidade social escondida atrás da ideologia fabricada para sustentar essa atividade econômica. Visa-se a uma análise crítica da ideologia desenvolvimentista inerente a essa produção. A metodologia empregada baseia-se na história oral e observação direta nos canaviais paulistas e alagoanos. PALAVRAS-CHAVE: Relações de trabalho. Condições de trabalho. Capitalismo no campo. Cana-de- açúcar. INTRODUÇÃO Os estudos sobre a produção açucareira no Brasil remontam ao início da colonização portu- guesa no século XVI. De lá para cá, cronistas, pin- tores, biólogos, viajantes, literatos, sociólogos, eco- nomistas, historiadores, cineastas, inter allia, re- gistraram suas análises e impressões sobre a vida social, política, cultural e econômica derivada dessa produção ao longo dos cinco séculos de história. Essa cultura, aliada à exploração de outros recur- sos naturais – pedras preciosas – formaram a base da colonização, que contribuiu para o processo de acumulação primitiva do capitalismo europeu, por meio, não somente da apropriação dos excedentes produzidos pela colônia, como, também, pela sus- tentação do comércio de escravos. A face atual do Brasil, sobretudo desde o último meio século, vem sendo, em boa parte, matizada pelas gigantescas áreas cobertas com cana- de-açúcar, não mais denominada matéria-prima destinada à metrópole, mas commodity, destinada aos mercados globais, segundo a lógica da acumu- lação do capitalismo contemporâneo, no contexto do novo imperialismo, segundo Harvey (2004). Se, no passado colonial, os canaviais concentravam- se na Zona da Mata nordestina, atualmente, a mai- oria deles se localiza na região Centro-Sul, sobre- tudo no território paulista, responsável por quase dois terços de toda a produção do país. 1 São perto * Doutora em Sociologia. Professora livre-docente apo- sentada da UNESP. Professora visitante do Departamen- to de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR. Rua Alvarenga Peixoto, 55 Ap/11. Parque Arnold Schimidt. Cep: 13566-582 São Carlos – São Paulo – São Paulo. [email protected]. ** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Socio- logia da UFSCAR. [email protected] *** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Socio- logia na UFSCAR. [email protected] 1 Em 1997, foram exportadas 3.844.224 toneladas de açú- car. Dez anos depois, em 2007, este montante passou para 12.223.221, havendo um acréscimo de quase qua- tro vezes (IEA, 2009). Segundo dados do MAPA (Minis- tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em 2012, houve acréscimo de 57,5% na quantidade de etanol ex- portada, passando de 1,57 para 2,48 milhões de tonela- das. No que tange à produção, na safra de 2005-2006, foram 15.808.184.000 de litros e, em 2010-2011, este montante subiu para 25.780.404.000, portanto, haven- do um acréscimo de quase 70%, num período de apenas cinco anos. Quanto à produtividade, segundo dados da UNICA (União da Indústria Canavieira), em 1976, era necessária uma tonelada de cana para produzir 45 litros de álcool. Em 2004, esse montante passa para 75 litros,

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A IMAGEM DO ETANOL COMO “DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL” E A (NOVA) MORFOLOGIA DO TRABALHO

Maria Aparecida de Moraes Silva*

Lúcio Vasconcellos de Verçoza**

Juliana Dourado Bueno*** DO

SS

O objetivo deste texto é a análise das relações e condições de trabalho nos canaviais, resultantesdo processo de reconfiguração do trabalho, em face do momento atual, caracterizado pelaintensificação do processo de mecanização do corte de cana. Em função da rapidez das mudan-ças ocorridas no processo de trabalho, considera-se que estas relações de trabalho devam seranalisadas no contexto da imagem do “desenvolvimento sustentável” produzida pelas empre-sas sucroalcooleiras e pelo Estado brasileiro. A intensificação da exploração da força de traba-lho no quadro de uma (nova) morfologia combina, de um lado, tecnologias altamente avança-das, e, de outro, aumento da desqualificação da força de trabalho. As reflexões procurarãotrazer à superfície a realidade social escondida atrás da ideologia fabricada para sustentar essaatividade econômica. Visa-se a uma análise crítica da ideologia desenvolvimentista inerente aessa produção. A metodologia empregada baseia-se na história oral e observação direta noscanaviais paulistas e alagoanos.PALAVRAS-CHAVE: Relações de trabalho. Condições de trabalho. Capitalismo no campo. Cana-de-açúcar.

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a produção açucareira noBrasil remontam ao início da colonização portu-guesa no século XVI. De lá para cá, cronistas, pin-tores, biólogos, viajantes, literatos, sociólogos, eco-nomistas, historiadores, cineastas, inter allia, re-gistraram suas análises e impressões sobre a vidasocial, política, cultural e econômica derivada dessaprodução ao longo dos cinco séculos de história.Essa cultura, aliada à exploração de outros recur-sos naturais – pedras preciosas – formaram a baseda colonização, que contribuiu para o processo deacumulação primitiva do capitalismo europeu, pormeio, não somente da apropriação dos excedentesproduzidos pela colônia, como, também, pela sus-

tentação do comércio de escravos.A face atual do Brasil, sobretudo desde o

último meio século, vem sendo, em boa parte,matizada pelas gigantescas áreas cobertas com cana-de-açúcar, não mais denominada matéria-primadestinada à metrópole, mas commodity, destinadaaos mercados globais, segundo a lógica da acumu-lação do capitalismo contemporâneo, no contextodo novo imperialismo, segundo Harvey (2004). Se,no passado colonial, os canaviais concentravam-se na Zona da Mata nordestina, atualmente, a mai-oria deles se localiza na região Centro-Sul, sobre-tudo no território paulista, responsável por quasedois terços de toda a produção do país.1 São perto

* Doutora em Sociologia. Professora livre-docente apo-sentada da UNESP. Professora visitante do Departamen-to de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos –UFSCAR.Rua Alvarenga Peixoto, 55 Ap/11. Parque ArnoldSchimidt. Cep: 13566-582 São Carlos – São Paulo – SãoPaulo. [email protected].

** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Socio-logia da UFSCAR. [email protected]

*** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Socio-logia na UFSCAR. [email protected]

1 Em 1997, foram exportadas 3.844.224 toneladas de açú-car. Dez anos depois, em 2007, este montante passoupara 12.223.221, havendo um acréscimo de quase qua-tro vezes (IEA, 2009). Segundo dados do MAPA (Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em 2012,houve acréscimo de 57,5% na quantidade de etanol ex-portada, passando de 1,57 para 2,48 milhões de tonela-das. No que tange à produção, na safra de 2005-2006,foram 15.808.184.000 de litros e, em 2010-2011, estemontante subiu para 25.780.404.000, portanto, haven-do um acréscimo de quase 70%, num período de apenascinco anos. Quanto à produtividade, segundo dados daUNICA (União da Indústria Canavieira), em 1976, eranecessária uma tonelada de cana para produzir 45 litrosde álcool. Em 2004, esse montante passa para 75 litros,

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de seis milhões de hectares distribuídos ao longodas bacias hidrográficas e das águas subterrâneasdos aquíferos que atravessam essa região. Se, nopassado colonial, o açúcar era o produto funda-mental, hoje, além dele, o etanol utilizado comocombustível constitui-se, não somente em merca-doria, cuja finalidade é movimentar os automó-veis flex fluel, como, também, na ideologia do com-bustível limpo, sustentável, que vem sendo pau-latinamente fabricada pelo Estado, visando con-templar os interesses de capitais nacionais e in-ternacionais em busca de lucros e apropriação darenda da terra (incluindo as águas).2 Trata-se, por-tanto, de um processo de territorialização do ca-pital, cujas fronteiras estão delimitadas pelos re-cursos naturais – terra e água – e pela ação doEstado para garantir, não apenas a logística dessaprodução – estradas, alcoodutos, portos –, como,também, os subsídios por meio de empréstimosvultosos para a instalação de usinas e financia-mento da produção agrícola em geral (Xavier et

al., 2012). E mais ainda. A criação de normativasinstitucionais para regular o mercado e as rela-ções de trabalho, sobretudo na agricultura, anali-sada mais adiante.

Na conferência Rio-92, oficializou-se a no-ção de “desenvolvimento sustentável”, definida noRelatório Brundtland, em 1987, como paradigmapara o desenvolvimento socioeconômico aliado àconservação dos recursos naturais. O Estado bra-sileiro e outros países signatários da Agenda 21

Global se comprometeram a adotá-la como orien-tação para suas políticas de desenvolvimento(Teixeira, 2005, p. 53). Levando-se em conta osproblemas advindos da expansão produtiva docapitalismo em várias partes do globo, vários estu-dos têm mostrado que as práticas relacionadas à

depredação ambiental se chocam com as normativasdessa Agenda institucional. Nos limites deste arti-go, não nos cabe adentrar o debate sobre o concei-to e ou noção de “desenvolvimento sustentável”.Teixeira (2005) faz um balanço desse debate, res-saltando o confronto entre os ambientalistas e oschamados desenvolvimentistas, apoiados na lógi-ca do crescimento econômico, que veem a conser-vação ambiental e a sustentabilidade como obstá-culos. Por outro lado, há autores que criticam oconceito de “desenvolvimento sustentável”. Segun-do Leis (1999, p. 159, apud Teixeira, p. 54), o con-ceito de “desenvolvimento sustentável” faz partede um processo de “[...] adoção oportunista e ins-trumental [...]” por parte dos estados e das empre-sas, de novos valores trazidos pelo ambientalismo,com o objetivo de garantir a continuidade do siste-ma produtivo. Nesse caso, haveria um processode cooptação das noções do ambientalismo parajustificar a lógica produtivista atual.

Para além da noção de “desenvolvimentosustentável”, o discurso do desenvolvimento, emsua concepção mais ampla, tem pautado a discus-são sobre a agricultura em diferentes momentoshistórico-sociais no Brasil e também no contextointernacional. No Brasil, alguns setores da agricul-tura foram apresentados como verdadeiros moto-res do desenvolvimento: isso ocorreu no períododa chamada “agricultura moderna”, e também apartir da década de 1980, com a ascensão da“agroindústria” e dos Complexos Agroindustriais– CAI. Estes podem ser caracterizados pela expan-são da participação do capital internacional, parti-cipação do Estado nas políticas de terras, inova-ções tecnológicas, pesquisas e implantação deinfraestrutura local e presença de grandes gruposempresariais e empresas multinacionais (Herediaet al., 2010).

No que diz respeito, especificamente, àagroindústria canavieira, o discurso do desenvol-vimento promovido pelo setor foi e tem sido bas-tante acentuado. Silva et al. (2013) demonstramque o Estado tem um papel fundamental na ma-nutenção desse discurso, na garantia dos padrõesde acumulação dos capitais nacionais e internaci-

havendo um aumento de 64% (www.unica.com.br -acesso em 30/11/2012). Dentre os estados nordestinos,Alagoas é o maior produtor de cana-de-açúcar. Na safrade 2011/12, foram 27.705 milhões de toneladas; em SãoPaulo esse montante chegou a 304.230 milhões, segun-do dados da UNICA. No que diz respeito ao conjunto dopaís, foram 551.215 milhões de toneladas(www.unica.com.br. Acesso em 03/04/2013).

2 Para produzir um litro de etanol são necessários 13 litrosde água (considerando-se apenas a parte industrial doprocesso produtivo).

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onais e na construção de uma nova “ideologia doetanol”. O Estado conta com a colaboração de em-presários, representantes dos trabalhadores e mei-os de comunicação para difundir essa ideologia. Anova imagem revela os números gigantescos da pro-dução, mas esconde a degradação socioambiental eas formas de superexploração dos trabalhadores.3

No que tange ao aspecto político, o agribusiness

tem sido o símbolo do desenvolvimento econômi-co do país, por meio do saldo positivo do comér-cio exterior, graças ao aumento das exportações,sobretudo de produtos agrícolas, que vem garan-tindo, especialmente nos últimos anos, o saldo po-sitivo da balança comercial do país.4

É importante destacar que a lógicadesenvolvimentista, ao evidenciar as questõesambientais, procura apagar a situação laboral, namedida em que a tecnologia pressupõe o empregode máquinas tão somente. Essa evidência se mani-festa no caso brasileiro nos sítios das empresascanavieiras, nos quais as imagens veiculadas sãoas das grandes máquinas colheitadeiras, onde osoperadores das mesmas não aparecem, bem comoos locais onde estão os cortadores manuais, cober-tos pela fuligem da cana queimada. Por outro lado,tais imagens são ancoradas em normativasinstitucionais que asseguram ou a invisibilidadedos trabalhadores ou a visibilidade dos mesmosinseridos em relações laborais “sustentáveis” soci-

al e ambientalmente.Quanto à degradação socioambiental, mui-

tos estudiosos já apontaram os efeitos negativosdesse monocultivo (Szmrecsány, 1994; Andrade,2009; Thomaz Jr, 2009; Silva e Martins, 2010).Além dos males causados pela queimada de cana(Bosso, 2006; Ribeiro, 2008; Ribeiro, Pesqueiro,2010, dentre outros), há aqueles relacionados aoutras fases do processo produtivo da cana, semcontar que os milhares de veículos empregadosnessa atividade – caminhões, tratores, máquinascolhedeiras, ônibus para o transporte dos traba-lhadores etc. – são todos movidos à energia deri-vada dos combustíveis fósseis. Ainda que tenhahavido o crescimento da mecanização e a proibi-ção das queimadas a partir de 2017 (no estado deSão Paulo),5 nota-se que essa prática ainda conti-nua, pois, ao queimar a palha da cana, diminui-seem 50% a quantidade de água do caule, resultan-do em menores custos advindos do transporte edas operações industriais da transformação da canaem açúcar ou etanol. Outra fonte de poluição re-porta-se à utilização do resíduo gerado no proces-so de destilação do etanol – vinhoto ou vinhaça –como fertilizante. A cada litro de etanol, são pro-duzidos de 10 a 18 litros de vinhoto, espalhadosnos canaviais sob o sistema de fertirrigação. Estu-dos apontam que o poder poluente desse resíduochega a ser cem vezes maior do que o esgoto do-méstico, além dos danos provocados pela alta tem-peratura ao sair dos destiladores (70 a 80 graus)que, ao ser lançado no solo, torna-se prejudicial àfauna, flora, microfauna, além de contaminar aságuas subterrâneas, quando utilizado em grandesquantidades e, sobretudo, durante as chuvas (Plá-cido Jr. et al., 2007; Xavier et al., 2012, p. 44). Aparte que não é utilizada como fertilizante é depo-sitada diretamente no solo. Em décadas passadas,esse subproduto era lançado nos rios, provocan-do o desaparecimento de muitas espécies de pei-

3 A construção da ideologia carregada de elementos sim-bólicos foi analisada por Burke (2009), referenciando-seà fabricação da imagem do poder absoluto do rei LuizXIV. Em artigo recente, Bruno (2012) utiliza essa noçãopara analisar o habitus das elites agrárias do Brasil pormeio da propaganda midiática SOU AGRO. A “fabrica-ção dessa imagem” está presente na letra do samba-en-redo da campeã do carnaval do Rio de Janeiro de 2013,Vila Izabel, patrocinada pela BASF, uma das maioresvendedoras de agrotóxicos no Brasil. A homenagem aosagricultores (familiares?) é sem dúvida uma forma deconfundir e dissimular a maneira de produzir das gran-des empresas do agribusiness. A imagem simbiótica dosamba-agricultura é mais uma empreitada das elites paraassegurar suas vendas no exterior, além de cooptar umdos traços mais importantes da cultura popular.

4 Em recente artigo, Roberto Rodrigues (ministro da Agricul-tura do governo Lula) defendendo a melhoria dos portospara escoamento dos grãos, sobretudo da soja, afirmouque a exportação do agronegócio passou de 24,8 bilhões dedólares em 2002 para 95,2 em 2012, quase quatro vezesmais. Sua tese, “meu porto, minha vida” é a de que essamelhoria traria benefícios não somente para os produtorescomo também para todos os brasileiros (Folha de S. PauloTendências/Debates, 29 de mar. 2013, p.3).

5 Em junho de 2007, o governo do estado de São Paulofirmou com a UNICA o Protocolo Agroambiental visan-do ao fim das queimadas até o ano de 2014 nas áreasmecanizáveis e 2017 nas não mecanizáveis. Houve aadesão de 127 usinas e 23 associações de fornecedoresde cana. Disponível em: http://homologia.ambiente.sp.gov.br/estanolverde/listas.asp. Acesso em 28 de mar. 2010.

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xes, sobretudo no estado de São Paulo.No intuito de desfazer o mito do etanol como

combustível limpo, o estudo de Cardoso et al.(2008) revela que o nitrogênio ativo com atividadequímica e biológica possui potencial para modifi-car as propriedades físicas do ambiente ou da biota,pelos seguintes mecanismos: a) arraste pela águade chuva do nitrogênio contido nos adubos; b)ação de microrganismos no solo, transformandoparte do adubo em gases; c) produção de nitrogê-nio ativo por bactérias existentes em raízes deleguminosas, que transforma o nitrogênio inertedo ar em nitrogênio ativo; d) formação de gasesnitrogenados como produto da combustão de qual-quer combustível.

As considerações precedentes compõem umdos retratos da produção sucroenergética brasilei-ra e visam desmistificar a imagem de energia lim-pa, sustentável, exportada para o mundoglobalizado e também para os consumidores inter-nos. Outro aspecto da insustentabilidade dessaprodução, pouco levada em conta em muitos estu-dos, reporta-se à acumulação por espoliação pormeio da ocupação das terras. A fim de aprofundarnossas reflexões sobre o conceito de acumulação

por espoliação, abordaremos, nos próximos itens,o caso recente da ocupação de terras pelaagroindústria canavieira alagoana e a destruição dasflorestas de babaçu no Maranhão.

ACUMULAÇÃO POR ESPOLIAÇÃO NASTERRAS ALAGOANAS

Segundo Lima (2006, p. 101), a evoluçãoda agroindústria canavieira alagoana, entre o perí-odo de construção do Instituto do Açúcar e doÁlcool – IAA até 1990 está constituída por trêsetapas: “[...] a da consolidação do parque usineiro(1930-1950), a do processo de expansão e moder-nização (1950-1975) e a de um segundo surto ex-pansivo ligado ao Proálcool (1975-1989)”. De acor-do com o mesmo autor, no que tange a todo esselongo período, a decisão de expandir as lavourasde cana para os tabuleiros (na década de 1950) foi

o fato “mais importante para moldar a estruturaprodutiva alagoana” (idem, p.101). Mas o que sãoos tabuleiros? Por que eles foram tão decisivos paraos rumos da agroindústria canavieira alagoana?

O geógrafo Manuel Correia de Andrade(1959) descreve os tabuleiros como zonas que seestendem desde o pediplano de Arapiraca (muni-cípio localizado no Agreste Alagoano) até as for-mações do litoral, possuindo em Alagoas muitomaior largura do que em Pernambuco. “Acha-seinclinada, grosso modo, em direção ao mar, alcan-çando quase 200m de altitude a Oeste de Arapiraca,para descer até os 40 ou 50m nas proximidades dapraia onde forma abruptas falésias” (p. 24).

A subida dos canaviais alagoanos para ostabuleiros (até o início da década de 1950 os cana-viais eram tradicionalmente concentrados nas vár-zeas dos vales úmidos) está relacionada a um con-junto de fatores que acarreta economia para a usi-na, como: “por ser plano, é o tabuleiro menos atin-gido pela erosão, facilitando, por conseguinte, amecanização, o tratamento e a colheita da lavoura[...]; nos tabuleiros as canas suportam melhor aestiagem, são mais uniformes e menos sujeitas adoenças.” (Idem, ibidem, p. 56). A iniciativa pio-neira foi da usina Sinimbu que, por meio de umaadubação adequada, logrou êxito na incorporaçãodos tabuleiros (Andrade, 1959 e 1994; Loureiro,1969; Sant’Ana, 1970). Essa experiência bem su-cedida (do ponto de vista do usineiro) foi seguidapor outras usinas do estado. Assim, os tabuleirospossibilitaram uma drástica expansão da fronteiraagrícola da cana, sendo hoje a principal área pro-dutora dessa cultura em Alagoas.

Apesar de as áreas dos tabuleiros se esten-derem do Rio Grande do Norte ao estado de Sergipe(Andrade, 1994), elas se destacam em Alagoas porserem, em geral, mais largas e compridas, quandocomparadas às dos outros estados. No entanto, elasnão são homogêneas: ao sul de Alagoas, os tabu-leiros se caracterizam por sua maior dilatação delargura e profundidade, enquanto ao norte, sãomenos extensos (Lima, 2006). Por isso, atualmen-te a maior concentração de usinas de Alagoas estána microrregião dos tabuleiros de São Miguel dos

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Campos, ao sul do estado.6

Consideramos que essa breve contextua-lização do papel dos tabuleiros na expansão doscanaviais seja fundamental para compreendermospor que, atualmente, Alagoas é líder nordestina deprodução dessa matéria-prima. Todavia, é impos-sível compreender tal liderança se nos limitarmosapenas às potencialidades dos aspectos geográfi-cos. Por trás do período “de expansão e moderni-zação” (Lima, 2006) dessa agroindústria emAlagoas, estão, dentre múltiplos aspectos, váriosepisódios de expropriação. Comecemos investigan-do as expropriações dos pequenos produtores.

No livro Açúcar: notas e comentários,Osman Loureiro, que foi usineiro e ex-governadordo Estado, comete um “ato falho” ao revelar aquiloque ele próprio queria esconder. Vejamos o seguin-te trecho:

A esta primeira primazia quanto à posse de tre-cho geográfico especial, é preciso adir-se a zonados chamados tabuleiros [...] esses altiplanos, ti-dos e havidos de velha data como impróprios àcultura da cana, e apenas admitindo as peque-nas lavouras de subsistência, como a mandioca,a batata e algumas frutas, serviam, entretanto,por igual, para a grande lavoura. Tudo eracontemperá-los [sic] com adubação adequada.As experiências, por eloqüentes, tiveram segui-dores. Em breve, vastos canaviais começaram adesertar-se por esses chapadões, outrora relega-dos por inadequados, e hoje avocados ao serviçode nossa cultura maior. [...] Para quem atravessouessas solidões semidesérticas e hoje entresachadas[sic] de vigorosos canaviais, o coração se lhe desa-perta na antevisão do futuro que nos aguarda (Lou-reiro, 1969, p. 244 e 245, grifos nossos).

Nessa passagem, Loureiro descreve os ta-buleiros de duas formas: a primeira é como áreadas pequenas lavouras de subsistência, enquanto asegunda é como espaço das solidões semidesérticas.

Ora, se esses espaços admitiam as pequenas la-vouras de subsistência como poderiam ser soli-dões semidesérticas? Então, era insignificante onúmero de pequenos produtores nessas áreas? Essaquestão é de suma importância, pois, se aceitar-

mos a premissa das solidões semidesérticas, a ex-propriação dos pequenos produtores nessas áreasteria sido quase nula. Por outro lado, recusandoessa premissa – e adotando a de que seriam áreasocupadas por pequenas lavouras de subsistência–, a vertiginosa expansão da cana nos tabuleirossó poderia ter ocorrido por meio de um “xequemate” nos pequenos produtores.

Heredia (2008) foi a pesquisadora que seaprofundou de forma mais minuciosa nessatemática, em estudo realizado no fim da década de1970 e início dos anos 1980, que incluía pesqui-sas de campo em parte da área que deu origem aomunicípio de Teotônio Vilela (situado namicrorregião dos tabuleiros de São Miguel dosCampos). A autora mostra que os pequenos pro-dutores, inclusive os proprietários, faziam usodessas áreas situadas fora da grande propriedade,denominando-as terras de “hereu” ou “terras semdonos”, onde plantavam para a sua subsistência eessa prática passou para as distintas gerações(Heredia, 2008, p. 60).

Nessa pesquisa, Heredia conseguiu reunirdiversos depoimentos, além de outras evidênciasque comprovam que a expansão da cana para ostabuleiros só foi possível por meio da expropria-ção dos pequenos produtores.7 Dentre os meca-nismos de expropriação identificados pela autora,destacamos os seguintes: 1) boatos de que osusineiros tomariam as terras daqueles que não ti-nham o documento que comprovasse a posse re-sultaram em vendas de terras por um preço muito

6 A microrregião dos Tabuleiros de São Miguel dos Cam-pos é formada pelos seguintes municípios: São Migueldos Campos, Roteiro, Jequiá da Praia, Boca da Mata, Cam-po Alegre, Anadia, Junqueiro, Teotônio Vilela e Coruripe.

7 Conforme o Censo agrícola de 1920, no município deCoruripe (que faz fronteira com Teotônio Vilela), as la-vouras do coco (1.217 ha.), de feijão, milho e mandioca(1.102 ha.) ocupavam uma área plantada superior à dacana-de-açúcar (863 ha.) (Heredia, 1988, p. 49). Noventaanos após o Censo de 1920, a área do plantio de feijão,milho e mandioca foi reduzida pela metade (restando,atualmente, o equivalente a 650 ha, segundo levanta-mento das lavouras do IBGE em 2009), enquanto a dacana-de-açúcar cresceu vertiginosamente, de 863ha para52.238 ha. No tocante à produção agrícola do municípiode Teotônio Vilela, segundo o levantamento do IBGE so-bre as lavouras (realizado 2009), a plantação de cana-de-açúcar é líder, com aproximadamente 1 milhão de tonela-das de cana colhidas numa área plantada de 15.500 hecta-res. A esmagadora liderança só se torna evidente quandocomparamos esses números com os dos cultivos de ou-tros produtos: o que mais se aproxima da cana-de-açúcaré o do feijão, que ocupa apenas 200 hectares de área plan-tada, seguida do milho, com 100 hectares e da mandioca,com inexpressivos 55 hectares de área plantada.

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abaixo do valor de mercado; 2) as usinas compra-vam o lote de um herdeiro, mas, por fim, registra-vam como se a compra fosse da área total de todosos herdeiros; 3) aqueles que não vendiam sua ter-ra, muitas vezes ficavam cercados por grandes pro-priedades e sofriam diversos tipos de pressão, queiam desde fechamento da saída da propriedade,até a invasão paulatina de parte de sua terra (Idem,1988 e 2008).

Essas formas fraudulentas de acumulação eexpropriação remetem ao conceito de “acumula-ção por espoliação,” proposto por Harvey (2004,p. 120-121), ao analisar as formas contemporâne-as de acumulação. Para este autor, traços caracte-rísticos daquelas formas de acumulação, descritascomo restritas ao período da “Acumulação Primi-tiva do Capital” (Marx, 1985), não se extinguiriamao longo da consolidação e expansão mundial docapitalismo, muito pelo contrário: formas de acu-mulação baseadas no uso de fraudes e da violên-cia seriam intrínsecas ao capitalismo.

Mecanismos de expropriação e acumulaçãomuito semelhantes aos descritos por Heredia tam-bém ocorreram (e ainda ocorrem) em nível nacio-nal. O período estudado por Heredia foi marcado,nacionalmente, pelo processo de “modernizaçãotrágica” (Silva, 1999) da agricultura brasileira, queintensificou diversas formas de expropriação depequenos produtores e alterou as relações de tra-balho. Como demonstrou Silva (1999), esse pro-cesso não pode ser entendido somente como im-pulsionado pela lógica da acumulação do capitalagroindustrial. O papel do Estado, por exemplo,foi fundamental para a sua consolidação. Por meioda análise do Estatuto da Terra (ET) e do Estatutodo Trabalhador Rural (ETR), a autora demonstracomo estes mecanismos, que aparentemente po-deriam representar algum avanço para os trabalha-dores, no fundo regulamentaram a intensificaçãoda exploração da força de trabalho (Idem). Na aná-lise do processo de expropriação dos pequenosprodutores alagoanos também não podemos negli-genciar o papel desempenhado pelo Estado.

A incorporação das terras dos tabuleirospelas usinas recebeu o estímulo direto do Estado,

por meio do IAA e de diversos programas8 que,naquele momento, objetivava elevar a produtivi-dade do setor e reduzir os custos da produção.Nesse contexto, foram adotadas diversas medidasque acabaram beneficiando as principaisagroindústrias canavieiras do estado, dentre estasse destacam: financiamento público para a com-pra de terras, melhoramento genético da cana eisenção de impostos para importação demaquinários (Heredia, 2008; Lima, 2006; Mello,2002). Essa conjuntura possibilitou uma vertigi-nosa expansão dos canaviais alagoanos, sobretu-do na microrregião dos tabuleiros de São Migueldos Campos.9

No momento presente, a invasão da cana-de-açúcar nas áreas dos tabuleiros está consolida-da. O fato de a atual usina líder nordestina emprodução de cana, situada no município deCoruripe, ter 90% de seus canaviais em terras detabuleiros10 ilustra bem esse processo. Mas enga-na-se quem imagina que, após a expropriação dostabuleiros, tenha acabado o processo de expropri-ação nos canaviais alagoanos, pois os trabalhado-res continuam sendo expropriados pelas usinas –seja em canaviais das terras planas, das várzeasencharcadiças, ou das encostas de grotas e serras.Nessa agroindústria, o trabalho não pago assumetaxas altíssimas. A acumulação por espoliação nãose realiza, apenas, quando a terra é espoliada dopequeno produtor, mas continua em cada metrocortado subtraído do salário do cortador de cana,em cada caso de “canguru” ou “birôla”,11 decor-rente do excesso de trabalho para atingir as metas8 Dentre os principais programas do Estado nesse período

estão: 1) Plano de Expansão da Agroindústria Canavieira(1963); 2) Programa de Racionalização de AgroindústriaCanavieira (1971); 3) Programa Nacional de Melhora-mento da Cana-de-açúcar (1971); 4) Programa Nacionaldo Álcool (1975). Para uma leitura detalhada dessas po-líticas, ver Lima (1998).

9 É válido ressaltar que essa expansão também provocoudestruição da vegetação nativa dos tabuleiros.

10 Conforme depoimento do chefe do setor de recursoshumanos da referida usina. Entrevista realizada no dia21 de março de 2013, no município de Coruripe/AL.

11 “Canguru” e “birôla” são expressões regionais cunhadaspelos canavieiros em Alagoas e São Paulo, respectivamen-te. Significam o momento em que, em razão dos altosníveis de sudorese, provocados pelo calor, eles são acome-tidos por câimbras por todo o corpo, podendo, até mesmo,levá-los, em alguns casos, à morte, como ocorreu a 23trabalhadores no período de 2004 a 2011 em São Paulo.

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mínimas diárias de produtividade, em cada traba-lhador demitido por ter a sua força de trabalhodesgastada prematuramente.

ACUMULAÇÃO POR ESPOLIAÇÃO NASFLORESTAS DE BABAÇU MARANHENSES E ATERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL

Outro exemplo de acumulação por espolia-

ção, embora fora das fronteiras geográficas da pro-dução canavieira, porém dela resultante, reporta-se à destruição das florestas de babaçu no sudoes-te maranhense. Em pesquisa levada a cabo nessaregião em 2007,12 constatou-se um processo deexpropriação de camponeses que aí viviam na con-dição de ocupantes, rendeiros e moradores, pormeio de toda sorte de violência. Ademais da coletados depoimentos com homens e mulheres (70depoentes), foram analisados 85 processos jurídi-cos movidos por camponeses expulsos de suasterras por meio do uso da violência e ameaças demorte, muitos dos quais passaram a viver nas pe-riferias de Timbiras e Codó, cidades maranhenses,hoje fornecedoras de mão de obra para as usinasde São Paulo. Analisando os processos jurídicosmovidos por 85 camponeses expropriados em 2004nos municípios de Coroatá, Timbiras e Codó, cons-tatou-se que essas famílias eram constituídas demoradores que pagavam a renda em produto aodono da terra. Plantavam arroz, feijão, milho, man-dioca e frutas. Além disso, viviam da economiaextrativista do coco babaçu, atividade essencial-mente desenvolvida pelas mulheres. Viviam emcasas de taipa cobertas de folhas da palmeira dobabaçu. No ano de 2004, homens armados desalo-jaram 100 famílias da Fazenda São Raimundo,pertencente a José Ribamar Thomé. Os homenseram mandantes de Ricardo Reis Vieira, que, porintermédio de escrituras falsas, afirmava ser o legí-timo proprietário da terra. Segundo relatos de cam-poneses, a queima das casas foi feita pela Empresado Grupo Maratá, que possui negócios relaciona-

dos ao comércio, agricultura e indústria no Nor-deste. No Maranhão, esta empresa possui exten-sas áreas com pecuária.

Os camponeses não resistiram a este ato deviolência, pois, caso contrário, seriam mortos, se-gundo vários depoimentos. Muitos ainda não re-correram à Justiça em razão do medo de represáli-as por parte da empresa expropriadora. Ademaisda expropriação, a empresa destruiu as florestasde babaçu por meio de máquinas e do fogo. Emseguida, foi semeado capim para o gado. O fogorepresenta o apagamento dos vestígios, das mar-cas da cultura e do modo de vida. Por esta razão,trata-se de uma prática empregada pelos pistoleirossob o mando das grandes empresas e dos latifun-diários. Quanto aos camponeses expropriados deoutra fazenda, denominada Campestre, de 40 milhectares, os depoimentos revelam que a violência,além da destruição material e até mesmo impingindoa morte aos camponeses, produz-lhes o medo, cujadurabilidade impede a ação de resistência, em mui-tos casos. No caso dessa fazenda, em razão do mo-vimento de resistência, uma área de 14.402 hecta-res foi desapropriada pelo INCRA e o Assentamen-to em 2007 estava se iniciando (Silva, 2010).

Esses fatos são fundamentais para a com-preensão do processo de acumulação por espolia-

ção, tendo em vista que a maioria dos camponesesexpropriados se transforma, de um dia para ou-tro, em migrantes e cortadores de cana em São Pau-lo. Por outro lado, as áreas, antes destinadas à pe-cuária do estado de São Paulo, em virtude do au-mento da renda da terra, são vendidas ou arrenda-das para a produção de cana, por meio do movi-mento de territorialização do capital, no qual “[...]o gado paulista sobe, enquanto os homens do nor-deste descem” (Silva, p. 77-78, 2008).

No que tange, ainda, ao processo deterritorialização, observa-se que, com a instalaçãode usinas, sobreleva-se o preço das terras, e atémesmo a impossibilidade de muitos pequenosproprietários se dedicarem a outras atividades agrí-colas, forçando-os ao arrendamento ou à venda dasmesmas. Em estudo recente, Melo (2012) consta-tou que muitos sitiantes da região nordeste do es-

12 Pesquisa financiada pelo CNPq e coordenada por MariaAparecida de Moraes Silva.

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tado são obrigados a isso, em virtude de proble-mas como a proliferação da “mosca do estábulo”;o abandono da manutenção das estradas rurais pelausina durante os períodos de entressafra; os pro-blemas causados às pequenas propriedades vizi-nhas às plantações de cana, cujos pastos são afeta-dos tanto pelo depósito de poeira como doagroquímico que é aplicado nos canaviais paramaturação do cultivo e que, ao atingir os pastos,tem o efeito de secá-los. Com o pasto comprometi-do, o gado perdendo peso e diminuindo os rendi-mentos obtidos com o leite ou com a carne, mui-tos sitiantes se viram forçados a arrendar sua pe-quena propriedade.

A (NOVA) MORFOLOGIA DO TRABALHO

As reflexões à luz da crítica do “desenvol-vimento sustentável” da produção sucroenergéticabrasileira, a partir de nossos achados de pesquisaem São Paulo e Alagoas, conduzem-nos, igualmen-te, a outro viés crítico referente às relações de tra-balho. Para esse intento, incorporamos alguns es-tudos realizados em outros países, a fim deaprofundar a compreensão da lógica da acumula-ção do capitalismo contemporâneo globalizado.

Ao cotejarmos a realidade brasileira comaquela de outros países, observamos que há vári-os pontos em comum, ainda que nesses últimosos trabalhadores sejam imigrantes, portanto, trata-se da mobilidade internacional do trabalho. Tantoem países da América Latina, tais como Argentinae México, como na Espanha, observa-se que areestruturação produtiva no campo seguiu a viada flexibilização produtiva e das relações de traba-lho (De La Garça, 2000). Há a mesma lógica impos-ta pelo modelo agroalimentar globalizado, onde asagriculturas intensivas ou enclaves de exportaçãoutilizam mão de obra migrante ou imigrante, pormeio de contratos temporários regulados pelos res-pectivos Estados (Flores, 2010). No que tange àscondições de trabalho, verificam-se os mesmos tra-ços: precarização, salários baixos, flexiblização,etnificação, discriminação de gênero, precarieda-

de das condições de moradia (Grammont; Flores,2010). Há, assim, impedimento da vida em famí-lia, haja vista que o contrato é individual, além docontrole policial exercido sobre os imigrantes paraque retornem aos seus lugares de origem no finaldo contrato.

O dossiê da Revista Regiones (2012),publicada na Espanha, sob o título Mercados de

trabajo en la agricultura mediterrânea, reúne arti-gos que tratam das questões acima analisadas nasplantações de hortaliças e morango nas regiões deMurcia e Andalucía. A produção é destinada àexportação para os demais países europeus. Em-pregam-se basicamente imigrantes – as mulheressão em maioria – provenientes do Leste Europeu,da África Central, Marrocos, Equador e Bolívia.As relações de trabalho nessas plantações, segun-do os autores, segue o modelo californiano, isto é,precariedade combinada ao avanço tecnológico e àreestruturação produtiva (Cánovas, 2012, p. 16-20). Essas imigrações são ordenadas e ascontratações em geral são feitas na origem. O go-verno espanhol, visando resolver os problemas dademanda de mão de obra, em 2000, implantou osistema de Contratação na Origem, pelo qual ospaíses da Europa do leste eram os principais for-necedores de trabalhadores para a região deAndalucía. Em 2007, os maiores fluxos eram pro-venientes de Marrocos. A investigadora Reigada(2012, p. 22-26) mostra que a preferência por mu-lheres marroquinas deu-se em virtude de se tratarde uma força de trabalho mais barata. No entanto,no período de 2008 a 2010, em razão da crise eco-nômica na Espanha e o regresso de famíliasandaluzes ao campo, houve a diminuição da pre-sença do número de imigrantes marroquinos esubsaarianos. Para os empresários, governo e re-presentantes sindicais, esse modelo de imigraçãoordenada e temporária é o ideal, pois evita a pre-sença dos ilegais e resolve a questão da demandade força de trabalho nessas plantações.

A política estatal de Contratação na Origemé uma forma evidente de controlar o quantum detrabalhadores necessários à execução de tarefas tem-porárias, por meio de critérios seletivos como gê-

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nero, etnia, idade e, também, garantir o retorno aopaís de origem após o final dos contratos de traba-lho. No caso das mulheres, há a preferência poraquelas com filhos, pois o retorno ao país de ori-gem é mais garantido, em razão do reencontro comos filhos, vis-a-vis os empresários espanhóis.Reigada (2012, p. 25) critica a imagem e o discursodos empresários de que a Contratação na Origem,com a obrigatoriedade de firmar o compromissode retorno, se apresente sob uma “gestão ética ehumana da imigração”.

Por outro lado, a pesquisa de Rodriguez(2011) revela o papel de outro agente importanteneste processo de regulação, o sindicato. Nas plan-tações de frutas catalãs, o sindicato agrícola Unió

de Pagesos é o responsável pelo recrutamento detrabalhadores imigrantes na origem e também pelocontrole despótico exercido sobre os mesmos nosalojamentos nas áreas agrícolas da Catalunha. Aautora, baseando-se nas reflexões foucaultianas,desenvolveu uma singular pesquisa etnográfica nosalojamentos, concluindo que os encarregados,nomeados pelo sindicato para exercerem o contro-le e a disciplina, assemelham-se aos capatazes deescravos da época da Roma antiga. Na verdade, oajuntamento dos imigrantes nos alojamentos criaas condições para o exercício do poder coletivosobre eles, tornando-os dóceis e domesticados paraa aceitação das regras impostas pelos empresários.Os alojamentos se assemelham às prisões, ondeocorre a “gestão fordista dos homens”, produzidapelo Sindicato. Essa autora se refere ao alojamentocomo exemplo de Instituição Total descrita porGoffman.13 Para aqueles que resistem, a única saí-da é a fuga, transformando-se em ilegais, sujeitos àperseguição policial. Caso sejam aprisionados,antes de serem extraditados para seus países deorigem, são submetidos às leis do estatuto do es-trangeiro irregular, pelas quais são enviados a tra-

balhos forçados nos setores produtivos menos ren-táveis da economia. Assim, essas práticas, apro-vadas pelo Parlamento Europeu, resultam da de-bilidade do estado Social e Democrático de Direitoimperante na Espanha. Com isso, o Estado elimi-na a figura do estrangeiro nômade, que circulavaem busca de trabalho nos municípios frutícolas,cerceando o direito de ir e vir consagrado na Cons-tituição burguesa desde a Revolução Francesa nosfinais do século XVIII.

Cada vez mais essas normativas vão se con-figurando como um fenômeno global. Outro paísonde a regulação das relações de trabalho pelo es-tado tem sido posta em prática nas últimas déca-das é o México. Vários programas foram assinadosentre os governos do México, EUA e Canadá, taiscomo: H2-A (entre México e EUA); o Programa de

Trabalhadores Agrícolas Temporários – PTAT –,firmado entre México e Canadá em 1974 (Binfordet. al., 2004). Contrariamente ao que ocorre comas migrações desreguladas internas e asindocumentadas aos EUA, as migrações para oCanadá são estritamente reguladas para impedirdesajustes entre oferta e procura de mão de obra.Diferentemente do Programa Bracero (1942-1964)entre México e EUA, cujas falhas ocorreram emrazão da deserção dos trabalhadores, o Programacom o Canadá possui as seguintes características:retorno da maioria dos imigrantes a seus locais deorigem; provimento da agricultura canadense demão de obra barata, flexível e temporária (Quintana,2003, p. 1). Trata-se, portanto, de uma imigraçãocontrolada e temporária, cujo crescimento foi ex-pressivo com o passar dos anos. Esse mercado detrabalho não somente é regulado quantitativamente,como, também, por meio de critérios seletivos re-lativos ao gênero e etnia. As mulheres viúvas emães solteiras são as preferidas pelos empresárioscanadenses, sem contar a discriminação que ho-mens e mulheres sofrem pelo fato de desconhece-rem os idiomas francês ou inglês e por não serembrancos. O processo de trabalho é rigorosamentecontrolado; as condições de trabalho são marcadaspelo desgaste físico em razão da postura corporal,pois recolhem o morango agachadas ou sentadas

13 A análise dos alojamentos como forma de controle edisciplina da força de trabalho no tempo de trabalho e denão trabalho foi realizada por Menezes (2002) para ocaso dos trabalhadores migrantes do Estado da Paraíbaem usinas do Estado de Pernambuco. Análise similar foielaborada por Cover (2011) para alojamentos de traba-lhadores migrantes paraibanos em usinas da Região deCampinas e Piracicaba, Estado de São Paulo.

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no chão durante jornadas de 10 a 12 horas pordia. Nos alojamentos, há o controle de hábitos,moral e sexualidade (Quintana, 2006). Após o tra-balho de três a cinco meses, os (as) trabalhadores(as) são obrigados (as) a retornar aos seus locais deorigem para, em seguida, imigrarem no ano seguin-te, configurando-se, assim, a imigração permanen-temente temporária. Em razão do tempo de dura-ção desse fenômeno, há, por parte dos empresári-os, a preferência pelos (as) mesmos (as) trabalha-dores (as), cujas condutas lhes são condizentes,selecionando-os (as) pelos respectivos nomes. Esseé mais um fator para a garantia da oferta de traba-lho, segundo suas necessidades, sem, contudo,arcarem com os custos de reprodução dessa forçade trabalho, haja vista que esses homens e mulhe-res não possuem os mesmos direitos sociais elaborais vigentes no Canadá.

Flores (2008) mostra que a ação sindical épraticamente nula no processo migratório no Mé-xico. Ademais, no mesmo estudo, a autora questi-ona a existência do trabalho decente no México,mostrando, ao contrário, que lá predominam tra-ços de vulnerabilidade, precarização e eterna cir-culação nacional e internacional de trabalhadorespara os enclaves agroalimentares globais.

Outros autores têm demonstrado que omodelo de agricultura intensiva de exportação con-tinua sendo considerado como elemento de de-senvolvimento e modernização (Ramirez e Olaizola,2012, p. 5), ao mesmo tempo em que oculta astransformações nas cadeias agrícolas globais e suasconsequências em diferentes âmbitos: a estruturado mercado de trabalho, a relação com o território,os movimentos migratórios e as formas de organi-zação da vida social.

As referências, ainda que incompletas, darealidade laboral de outros países, reforçam o ar-gumento de que a lógica da acumulação do capita-lismo contemporâneo é a mesma nos diferentespaíses, ainda que as particularidades históricassejam diferentes. Assim sendo, notamos que oprincípio da contratação na origem dos trabalha-dores migrantes é fundamental para garantir a for-ça de trabalho imigrante ou migrante nos enclaves

produtivos, com o aval dos Estados.No caso brasileiro, a normativa institucional

que rege a contratação na origem é o Compromisso

Nacional para Aperfeiçoar as Condições do Trabalho

na Cana de Açúcar, firmado em 2009 pelo governofederal, representantes dos trabalhadores rurais e dasusinas. Este documento revela que, nos canaviaisbrasileiros, se estabelece o controle do mercado detrabalho e da gestão das relações de trabalho peloestado e pelas empresas, consubstanciando-se odeclínio do poder sindical. Pelo Compromisso, afiscalização das relações de trabalho cabe às pró-prias empresas, retirando dos representantes dostrabalhadores essa função, haja vista que, sequerpodem adentrar os locais de trabalho semcredenciamento ou prévia autorização dos patrões,buscando soluções conjuntas para possíveis pro-blemas. Consubstancia-se, assim, o rearranjo dasrelações de força e dos conflitos, caracterizado nãosomente pelo enfraquecimento do poder dos sindi-catos, mas, também, pela desconstrução dos confli-tos de classe, agora tratados em mesas de diálogos ede negociações tripartites. Ao invés da verticalização,observa-se a horizontalidade das relações de classe,por intermédio da fabricação de novas matrizesdiscursivas e novas práticas. E mais ainda: esse“modelo” horizontal deveria servir de exemplo paraoutros países da América Latina produtores de açú-car e etanol.

O item referente à contratação na origemcorrobora o controle do mercado laboral pelasempresas e impede que as famílias dos trabalha-dores também migrem, posto que o contrato é in-dividual. Após serem selecionados, os trabalha-dores são transportados pelas usinas e destinadosaos alojamentos (nas áreas da cana) ou nas chama-das “casas da usina” (nas cidades), onde a presen-ça das famílias é proibida.

Uma vez apresentado o debate sobre as re-lações de trabalho no contexto da agriculturaglobalizada, retomaremos o caso brasileiro para darvisibilidade aos trabalhos desenvolvidos em di-versas frentes nos canaviais paulistas e alagoanos.Tanto o modelo de agricultura intensiva de expor-tação, como a nova “ideologia do etanol” brasilei-

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ra, reforçam, em seu discurso, o uso intenso dealta tecnologia nos maquinários empregados noscampos. No que diz respeito ao emprego das má-quinas para o corte de cana-de-açúcar, em ocasiãoda entrevista com o gerente de usina de álcool dointerior paulista, foi possível identificar o discur-so do elevado emprego de maquinaria na colheitada cana-de-açúcar, como pode ser verificado naslinhas que seguem:

Lúcio: Pensando no tema do corte manual, a gen-te vê que cada vez tem menos cortadores de cana...Cleiton:14 A tendência é acabar. Acabar não. Anoque vem, provavelmente, a maioria das usinasestarão 100% mecanizadas. Nós vamos ser mes-mo uns dos que vai estar. Ou até a partir de agos-to, 100% mecanizado (...). A tendência é essa, amão de obra está muito difícil e caro de se traba-lhar. Qualquer coisinha o pessoal faz greve aqui,greve ali... E outra coisa, tem que respeitar asNRs 31,15 as leis trabalhistas... Então hoje é me-canização. E outro fato: não vai poder queimar.Pode queimar só as canas que você já tinha anti-ga. Você faz uma programação, manda pra Se-cretaria do Meio Ambiente, pede autorização praqueimar. Nós não fazemos nada sem autorizaçãodo Meio Ambiente. Nada. Tem que pedir anteci-pada a autorização com 72 horas, eles liberam,você tem que ver temperatura, umidade relativado ar... Então é uma coisa bem criteriosa (Entre-vista realizada em julho de 2012, no escritóriode uma usina na região de Fernandópolis/SP).

No transcorrer da narrativa do gerente dausina, fica claro, não só o discurso da colheita to-talmente mecanizada, como, também, a preocupa-ção com a questão ambiental, que levaria a empre-sa a tomar a decisão de interromper o corte manu-al de cana-de-açúcar. Entretanto, no mesmo trechodestacado de sua narrativa, é possível encontraroutras justificativas que passam pela questão fi-nanceira e os custos de se manter uma quantidadegrande de trabalhadores, fazendo cumprir as legis-lações trabalhistas. Em outro momento da conver-sa, o gerente da usina afirma que, segundo cálcu-los realizados pela empresa, o trabalho mecaniza-do representa uma economia de três a quatro reais

por tonelada quando comparado ao corte manualda cana. Na narrativa de Cleiton, os trabalhadoresempregados na colheita manual são invisibilizados,assim como os migrantes:

Lúcio: Tem outra coisa que a gente queria saber:os cortadores de cana não estão mais encontran-do trabalho e a gente queria saber se essa migra-ção diminuiu ou se eles continuam migrando,mas agora para outras atividades.Cleiton: Olha, eu posso falar da nossa região. Nóstemos três municípios que trabalham com a gen-te. O operador, esse pessoal que tá no corte aí, épessoal da região, pessoal antigo que está aquicom a gente.Lúcio: Ah, é pessoal daqui mesmo da região. Temessa característica, então?Cleiton: É. Não temos ninguém de fora. (Entre-vista realizada em julho de 2012, no escritóriode uma usina na região de Fernandópolis/SP).

Os migrantes empregados no corte manualde cana-de-açúcar não são os únicos a sereminvisibilizados no contexto do “desenvolvimento”promovido pelo agronegócio sucroenergético, otrabalho das mulheres também é ocultado nessesetor. Esse contexto tem sido apresentado e deno-minado por Silva (2011) como o “trabalho ocultodas mulheres nos canaviais”. Entre outras refle-xões, a autora mostra que as mulheres têm sidoalijadas do trabalho no corte manual da cana-de-açúcar. Muitas delas estão empregadas em ativida-des que são ainda mais invisibilizadas que aque-las realizadas pelos homens nos eitos dos canavi-ais. Muitas das mulheres que são expulsas do cor-te manual de cana-de-açúcar permanecem no setorcanavieiro, sendo empregadas como “faxineiras doscanaviais” (Silva, 2011, p. 28), em atividades comoa bituca, abrir eito e o recolhimento de pedras noscanaviais. Bituqueiras são as trabalhadoras querecolhem, no chão, os restos da cana deixados apóso corte manual e o carregamento pelo guincho. Asmulheres trabalham em dupla, carregando as“bitucas” de cana para a “rua do monte”, de ondeserão levadas para a usina. “Abrir eito significa cortaras fileiras de cana que estão sobre as curvas denível – sulcos feitos para a drenagem das águasfluviais – antes da utilização das máquinas, poisestas só cortam as canas em terras planas” (Silva,

14 Os nomes das pessoas entrevistadas durante a pesquisade campo que são citados nesse texto são fictícios.

15 Norma Regulamentadora 31 - Dispõe sobre a segurançae saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultu-ra, exploração florestal e aquicultura.

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2011, p. 26). As mulheres empregadas na “pedra”também fazem a limpeza do canavial, retirando aspedras do campo para que as máquinascolheitadeiras de cana possam passar pelo terrenosem obstáculos.

Há, ainda, outras atividades nos canaviaispaulistas que são camufladas no discurso da “ide-ologia do etanol”, que destaca somente o empregode tecnologias elaboradas. Dentre as tarefas reali-zadas manualmente nos canaviais, podemos citar:a retirada de cercas e divisões de currais de pro-priedades arrendadas recentemente para o plantiode cana-de-açúcar,16 aplicação de veneno utilizan-do bomba-costal para eliminar as casas de formi-gas nos canaviais, aplicação de veneno “mata-mato”para eliminar o colonhão e o cipó,17 plantio e car-pa de árvores plantadas pela usina em áreas dereflorestamento. A realização dessas atividades estáinserida em um contexto hierárquico, na medidaem que as trabalhadoras e os trabalhadores encar-regados de executar as tarefas manuais não rece-bem os mesmos direitos que as demais categoriasde trabalhadores da usina – aqueles são excluí-dos, por exemplo, do convênio médico pago pelaempresa com uma cooperativa de saúde, além dereceber o “vale alimentação” com valor inferior aodos demais trabalhadores. Outras irregularidadespersistem na execução das atividades manuais:

Os trabalhadores da Turma do Veneno realizamsuas refeições vestidos com as mesmas roupascom as quais aplicam os herbicidas, o que apre-senta nítidos riscos de contaminação. As turmasdo trabalho manual cumprem um regime de tra-balho de 6X1 (trabalham de segunda a sábado, efolgam apenas aos domingos), enquanto todas asoutras categorias cumprem um regime de traba-lho de 5X1. Sendo o trabalho agrícola manualpraticamente o único para o qual mulheres sãocontratadas (em menor número também traba-lham no Posto de Gasolina da Usina e noalmoxarifado), e sendo as mulheres frequente-mente as únicas responsáveis pelo trabalho do-

méstico e o cuidado dos filhos, resulta que a re-produção social das famílias destes trabalhadoresé prejudicada e precarizada. As consequênciasinevitáveis deste quadro são: (a) as mulheres ocu-pam todo o domingo com as atividades domésti-cas, não lhes restando tempo para o lazer, a soci-abilidade, o acompanhamento da vida de seusfilhos... (b) como as creches municipais não fun-cionam aos sábados, aquelas mulheres que nãopodem deixar seus filhos sob os cuidados de pa-rentes ou outra pessoa de sua rede de sociabili-dade e confiança, se veem obrigadas a pagar umababá para realizar este trabalho, então, remune-rado, e, desse modo, reduz-se ainda mais seusparcos ganhos. Por estas e outras razões é fre-quente, no discurso das mulheres, a comparaçãode sua situação como de “escravidão”, já que “vi-vem para a Usina” (Trecho do diário de campode Beatriz Medeiros de Melo, julho de 2012).

A sensação de viver como “escravo” tam-bém foi descrita pelos trabalhadores e trabalhado-ras do corte manual de cana na usina onde Cleitontrabalha. Ao contrário do que diz o gerente, a mai-oria das pessoas empregadas no corte manual dacana é proveniente de outros estados brasileiros,como Bahia, Maranhão, Piauí e Alagoas. Muitosdos quais receberam, antes de realizar a viagempara o interior de São Paulo, promessas por parteda empresa de que ficariam em alojamentos provi-denciados pela usina, sem necessitar pagar as des-pesas com aluguel. Entretanto, quando chegaramà região de Fernandópolis se depararam com outrarealidade. Muitos despendem um valor de aproxi-madamente 250 reais para viver em uma residên-cia com instalações bastante precárias, sem camas,com espaço bastante reduzido.

Na ocasião em que as entrevistas foram rea-lizadas, em julho de 2012, encontramos algumasturmas em greve em razão das inúmeras irregulari-dades encontradas na execução da atividade. Umadas trabalhadoras nos apresentou o seguinte rela-to: “o povo diz que a escravidão acabou, mas ain-da não acabou”. A caracterização do trabalho comoescravidão se dá não só pelo fato de a remunera-ção ser bastante reduzida (na safra de 2012 a tur-ma chegou a receber apenas seis centavos pelometro de cana cortada; em outros períodos a tur-ma recebeu de nove a doze centavos pelo metro dacana embolada), mas, também, pela forma

16 Essas tarefas foram encontradas durante incursão emcampo empírico na região de Fernandópolis/SP e descritaspela pesquisadora Beatriz Medeiros de Melo, membro dapesquisa “Novas configurações do trabalho nos canavi-ais. Um estudo comparativo entre os estados de São Pau-lo e Alagoas”, coordenada pela professora Maria Aparecidade Moraes Silva, com o apoio financeiro do CNPq.

17 Tais plantas são consideradas agressivas para o desen-volvimento da cana-de-açúcar.

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desumanizadora como os fiscais tratam os traba-lhadores e as trabalhadoras, comparando-os comanimais. Na imagem do recibo (Figura 1) de umadas trabalhadoras empregadas no corte manual decana-de-açúcar é possível visualizar o valor extre-mamente reduzido pago pela metragem da cana.Há dias em que a trabalhadora recebeu apenas R$7,00.

Os trabalhadores grevistas denunciaram,ainda, as seguintes irregularidades: preço reduzi-do do vale-alimentação (60 reais por mês); a em-presa fazia descontos salariais e do vale-alimenta-ção mesmo quando a falta do trabalhador erajustificada com atestado médico; alguns trabalha-dores tinham que iniciar o corte da cana poucosminutos após a queima do canavial, o que impli-cava a realização do labor sob um calor extrema-mente excessivo. Em razão da intensa mecaniza-ção, é possível constatar que as melhores planta-ções são destinadas às máquinas. Por sua vez, ascanas que estão “deitadas”, desalinhadas, que cres-cem na curva de nível são destinadas aos homense mulheres que têm ao seu lado somente o facãopara “enfrentar” tal atividade, que os suga física eemocionalmente – ao contrário do “palco” prepara-do para a atuação das máquinas, que passam peloscanaviais planos, com o terreno livre das pedrasque as mulheres recolheram anteriormente.

Tamanha intensificação e exploração da for-

ça de trabalho (Silva, 1999, 2004 e 2011; Alves,2007; Verçoza, 2012) ocasionaram inúmeros aci-dentes de trabalho e doenças advindas da ativida-de no corte manual da cana. Um dos trabalhado-res relatou a ocasião em que se feriu gravemente aocortar o próprio dedo com o facão e recebeu porparte da empresa um atendimento após horas desangramento. Ao receber o atendimento, seus cole-

gas relataram ao enfermeiro dausina o que tinha acontecido eque o sangramento estava mui-to intenso. Ao ver o desesperodo trabalhador e seus colegas,o enfermeiro lhes disse: “Cor-tou o dedo, não foi a cabeça”.

O descaso com proble-mas de saúde ocasionadospela atividade também foi re-latado por uma das trabalha-doras: após realizar um exa-me em razão de dores inten-sas na coluna e levar o resul-tado para o médico, recebeucomo resposta a seguinte sen-

tença: “você vai morrer com esse desvio na colu-na”, sem receber a recomendação de qualquer tipode tratamento ou encaminhamento a um afasta-mento por doença adquirida no trabalho.

Durante a realização do corte manual dacana-de-açúcar, muitos trabalhadores são acometi-dos pela chamada “câimbra de nó”.18 Um dos traba-lhadores apresentou a seguinte descrição da sen-sação provocada pela câimbra de nó: “a dor vaientrando pelo pé e aos poucos vai subindo pordentro do corpo como se fosse um inseto. Eu sin-to como se tivesse um bolo se formando no estô-mago, por isso chamam de câimbra de nó”. Umdeles sentiu uma câimbra intensa durante o cortee percebeu que “a morte estava perto e que ela ti-nha uma cara feia”. Seus colegas interromperam otrabalho, solicitando que ele fosse levado para ohospital, mas isso não aconteceu. Alguns dos tra-balhadores estiveram presentes nos canaviais em

18 Outra expressão para se referir às câimbras, além das do“canguru” e “birôla”.

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outros municípios paulistas quando colegas detrabalho faleceram no eito do canavial após sentira “câimbra de nó”. Um deles acompanhou umcolega que perdeu a vida em 2010 no municípiode Monte Alegre:19 “meu colega foi encontrado empé, morreu abraçado com a cana”.

Em meio às narrativas que demonstravam asituação de humilhação no ambiente de trabalho,o tratamento desumanizado era o fio condutor daconversa. Esse teor ficou bastante claro quando asseguintes frases apareceram: “a ordem é acabar como povo”; “O sonho foi entrando por água abaixo”;“O ‘gato’ da usina só quer que a gente morra”; “Ausina só quer ferrar o pobre”; “Ninguém aqui éescravo, ninguém aqui é bicho”.

O cenário de humilhação e desrespeito éconfigurado, também, a partir da relação que seestabelece com os fiscais de turma. Um dos traba-lhadores contou que o fiscal de turma os tratavade forma bastante hostil, exigindo que intensifi-cassem o ritmo da produção. Esse mesmo fiscalameaçou um trabalhador maranhense de morte,dizendo a ele que, se não trabalhasse direito, vol-taria para sua terra “com o paletó de madeira”.

Assim, os elementos apresentados pelos tra-balhadores e trabalhadoras, tais como a elevadaexploração da força de trabalho, o tratamento de-sumano, a humilhação nos eitos de cana e a com-paração com animais e escravos, nada disso pare-ce combinar com a imagem de grandeza e a“sustentabilidade” que caracterizam o “desenvol-vimento” gerado pelo setor sucroalcooleiro. Naspróximas linhas, recorreremos à realidade dos ca-naviais alagoanos para trazer mais experiências quedestoam da grandeza da “ideologia do etanol”.

No tocante aos canaviais de Alagoas, na safra2012/2013, a agroindústria canavieira alagoana con-tou com o uso de 50 máquinas colheitadeiras (todasoperando em parte das terras planas dos tabuleiros).20

O processo de mecanização do corte encontra-se emfase embrionária quando comparado ao de São Pau-

lo.21 O plantio de cana em vastas áreas de topografiaacidentada – sobretudo no norte do estado – é umdos fatores que dificulta (ou inviabiliza) um maciçoprocesso de mecanização da colheita em curto prazo.Em algumas dessas áreas, consideradas até o mo-mento como inacessíveis às modernas máquinascolheitadeiras (guiadas por GPS, equipadas de arcondicionado e movidas com tração por esteiras),ainda transitam burros e mulas carregando cana (gui-ados por cambiteiros, que se abanam com o chapéu,e movidos por tração animal). O cambiteiro é o traba-lhador “que vem com um burro com cangalha, e levaa cana até onde o caminhão está, e depois o cami-nhão leva para a usina”.22

O serviço de cambitagem, que, com a deca-dência dos engenhos, parecia condenado à extinção,continua usual em algumas encostas de Alagoas.Como um transporte que ainda requer amarraçãode feixes de canas cortadas, que, em cada viagematé o caminhão, leva apenas aproximadamente entre20 e 30 feixes de cana no lombo do burro (emtorno de no máximo 100 kg de cana) pode sobrevi-ver na contemporaneidade? Talvez (a) (o) leitor (a)imagine que esse tipo de transporte sobreviva noséculo XXI por ser essa cana destinada a algumaprodução artesanal de cachaça, à produção de umamercadoria inserida em um pequeno mercado de-veras específico, que, por não encontrar concor-rentes, seria competitiva. No entanto, não é dissoque se trata. A cambitagem em questão não leva acana para um engenho que produz alguma cacha-ça especial, ela transporta parte da cana que éesmagada por uma usina de médio porte deAlagoas.23 A cana transportada nesse serviço decambitagem é transformada em açúcar para ser ex-

19 No município de Monte Alegre a média mínima quecada trabalhador deveria cortar por dia era de 12 tonela-das e meia de cana.

20 Conforme informação concedida pelo coordenador deplanejamento e administração rural de uma usina loca-

lizada na região dos tabuleiros de São Miguel dos Cam-pos, em entrevista realizada no dia 21 de março de 2013.

21 Segundo estimativa do Sindaçúcar/AL, em 2011 o cortemecanizado correspondia a 20% da colheita de canaalagoana (Padilha, 2011), enquanto em São Paulo, deacordo com a União da Indústria da Cana de Açúcar(UNICA), mais 60% da colheita já era mecanizada nomesmo ano.

22 Conforme relato de Iracema, no município de Ibateguara/AL, em 14/06/2012, durante entrevista concedida para aequipe da pesquisa, ”Novas configurações do trabalho noscanaviais. Um estudo comparativo entre os estados de SãoPaulo e Alagoas”, mencionada na nota 15 deste artigo.

23 A referida usina fica localizada na Microrregião Serranado Quilombo dos Palmares, área marcada pela grande

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portado para países de outros continentes, viraálcool, que é vendido nos postos de combustível.

Além do trabalho de cambitagem – que érequisitado em áreas de difícil acesso, onde nem amáquina carregadeira de cana e nem o caminhão

se aproximam –, existe, nas encostas maisíngremes, a embolada da cana. Esse ser-viço consiste em emaranhar as canas queforam cortadas por outros trabalhadorespara rolá-las ladeira abaixo, de modo queelas cheguem até uma área que possa seracessada por máquinas carregadeira oupor animais de tração. Para tal tarefa, otrabalhador utiliza um longo cabo de ma-deira que serve como alavanca para levan-tar as canas, que se amontoam cada vezmais a cada levantada. A atividade con-siste em se agachar, colocar o cabo demadeira embaixo do monte de canas, epuxar o cabo para cima, de modo que omonte de cana seja empurrado para bai-xo. À medida que o trabalhador segueavançando morro abaixo, vai se forman-

do um bolo de cana cada vez mais pesado. Próxi-mo ao pé do morro o esforço é ainda maior. Aembolada termina quando o bolo de cana chega aolocal acessível para os animais ou máquinas. Apóso término da embolada, o trabalhador sobe o mor-

ro para embolar mais cana. A jornada detrabalho segue em desce e sobe, em aga-cha e levanta, em puxa e empurra. Esseciclo se repete até acabarem as canas deembolada.

Em pesquisa de campo realizadaem Ibateguara, município localizado aonorte de Alagoas, pudemos acompanharo dia de trabalho de uma frente de corte,transporte e carregamento da cana.24 Oscanaviais queimados estavam em morrosimensos, alguns trechos eram tão íngre-mes que, como bem expressou um traba-lhador canavieiro: “para subir a rampa,tem que subir de quatro, tem quadra queaconteceu isso, que o trabalhador não temcondições de subir cortando, que é mui-

quantidade de morros e serras. Durante a pesquisa decampo, uma trabalhadora nos informou que todas asfazendas da usina possuem criação de burros. Um mo-rador de uma das fazendas da usina nos relatou que oserviço do cambiteiro é desempenhado por alguns traba-lhadores canavieiros específicos que são deslocados paracambitagem quando existe necessidade desse serviço.

24 A referida pesquisa de campo ocorreu no dia 21 de janei-ro de 2013, no âmbito da pesquisa “Novas configura-ções do trabalho nos canaviais. Um estudo comparativoentre os estados de São Paulo e Alagoas”, mencionadana nota 15 deste artigo.

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to alto”.25 O risco de quedas era grande, não sópela inclinação acentuada ao extremo, mas, tam-bém, devido aos trechos de erosões e cortes nosmorros. Em determinados casos, essas erosõespodem ultrapassar 4 metros de altura. Algunscortadores de cana nos falaram de amigos que já semachucaram em quedas nesses paredões. Os ca-naviais se estendem até à beira dessas aberturas.Nessas condições, é preciso ter muito equilíbrio eperícia para manusear os facões. Além disso, nãobasta ter esses requisitos, é preciso cortar no míni-mo 5,2 toneladas para manter-se empregado nessausina. O calor era enlouquecedor, não havia umasombra. O ambiente era tão hostil que tornava ex-tenuante até a simples tarefa de subir e descer omorro acompanhando o trabalho alheio. A fuli-gem se misturava à poeira que se misturava ao suor.Imagine para aqueles que estavam cortando cana!Imagine para os que as embolavam!

À GUISA DE CONCLUSÃO

Buscamos, nesse texto, fazer vibrar uma vozdestoante da “ideologia do etanol”. Na introduçãode nosso argumento, remontamos à realidade bra-sileira do século XVI para mostrar as interfaces daprodução de açúcar, a escravização de africanos eo desenvolvimento de uma cultura para o enri-quecimento da metrópole. No desenrolar de nos-sas reflexões, procuramos mostrar que alguns ele-mentos, tais como o incentivo do Estado na per-petuação de interesses do capital nacional e inter-nacional, a superexploração da força de trabalho eo discurso do desenvolvimento gerado pelo setorpersistem e marcam a história da produçãosucroalcooleira.

Trouxemos algumas reflexões sobre a (nova)morfologia do trabalho nos canaviais paulistas ealagoanos no contexto do processo de acumulaçãodo capital globalizado. Nosso intento foi no senti-do de desmistificar, a partir de pesquisas empíricasno eito dos canaviais desses dois estados, a ima-

gem do desenvolvimento sustentável dessa pro-dução, bem como a miséria do trabalho que se es-conde atrás das cortinas desse palco. Vimos, tam-bém, que essa miséria se estende a outros países,não sendo, portanto, uma exceção, porém, fazen-do parte da lógica da acumulação por espoliação

do capitalismo contemporâneo.As condições de trabalho nos canaviais não

podem ser simplesmente consideradas precárias,o que seria eufemismo. Consideramos o trabalhosem as máscaras “protetoras” do Estado brasileiro,signatário das Convenções internacionais do cha-mado “trabalho decente”. Não adjetivamos essetrabalho. Apenas revelamos as cruezas de sua es-sência. Esse trabalho nos canaviais das grotas,morros e serras alagoanas e nos planaltos paulistasnos remete ao mito de Sísifo, personagem que foicondenado por Zeus a empurrar uma enorme pe-dra morro acima, porém, ao alcançar o topo, a pe-dra invariavelmente rolaria morro abaixo, fazendocom que o esforço de Sísifo fosse sem fim. Tanto omito de Sísifo, quanto o labor nesses canaviais,apontam quão degradantes são determinadas for-mas de trabalho. No entanto, existe uma grandediferença entre ambos: enquanto o mito de Sísifo éproclamado ao longo de muitos séculos comoexemplo de trabalho abominável, a imagem mas-carada do labor nos canaviais brasileiros é maisuma das falácias que compõe o mito do “desen-volvimento sustentável” do etanol. Resta-nos per-guntar: “Desenvolvimento” de quê? “Sustentável”para quem?

Recebido para publicação em 05 de abril de 2013

Aceito em 11 de junho de 2013

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Maria Aparecida de Moraes Silva, LúcioVasconcellos de Verçoza, Juliana Dourado Bueno

Maria Aparecida de Moraes Silva – Doutora em Sociologia. Professora livre-docente aposentada da UNESP.Professora visitante do Departamento de Sociologia da UFSCAR. Pesquisadora (1A) do CNPq. Autora, entreoutros, do livro Errantes do fim do século, publicado pela EDUNESP. As linhas de pesquisa se encaixam naSociologia Rural e na Sociologia do Trabalho Rural. Os temas versam sobre trabalho, memória, migração,gênero e raça/etnia, referentes à realidade rural do estado de São Paulo e outras regiões do país.

Lúcio Vasconcellos de Verçoza – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UniversidadeFederal de São Carlos. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Membro dosGrupos de Pesquisa “Terra, Trabalho, Memória e Migração” e “Trabalho e Capitalismo Contemporâneo”. Emsua dissertação de mestrado, analisou o processo de exploração-dominação do trabalho e as formas deresistência construídas pelos trabalhadores nos canaviais de Alagoas. Publicou um capítulo no livro Trabalhoe Capitalismo Contemporâneo. Atualmente, se dedica ao estudo da relação entre trabalho e saúde no univer-so canavieiro.

Juliana Dourado Bueno – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Fede-ral de São Carlos. Membro do Grupo de Pesquisa Terra, Trabalho, Memória e Migração, coordenado porMaria Aparecida de Moraes Silva. Desde 2004, desenvolve pesquisa no interior do grupo na temática dotrabalho rural e relações de gênero. Em sua dissertação de Mestrado pesquisou as trajetórias laborais demulheres e homens empregados em um abatedouro de frangos no interior de São Paulo. Publicou um capítulono livro Questão Agrária e Saúde dos Trabalhadores: desafios para o século XXI. Atualmente, desenvolvepesquisa sobre as experiências de trabalho no processo de produção de flores na região de Holambra (SP).

THE IMAGE OF ETHANOL AS“SUSTAINABLE DEVELOPMENT” AND THE

(NEW) MORPHOLOGY OF LABOR

Maria Aparecida de Moraes SilvaLúcio Vasconcellos de Verçoza

Juliana Dourado Bueno

The aim of this text is to analyze laborrelations and conditions in sugar cane fields whichhave resulted from the labor reconfiguration processas related to the current situation of intensifiedmechanization of the sugar cane harvest. Due tothe rapid changes which have occurred in theharvest, we feel that these labor relations must beanalyzed within the context of the “sustainabledevelopment” image projected by sugar and ethanolcompanies and by the Brazilian government.Intensification of the exploitation of the work for-ce in the setting of a (new) morphology combineshighly advanced technology with increasing under-qualification of the labor force. These reflectionswill aim to bring to the surface the social realityhidden behind the ideology fabricated to sustainthis economic activity. We seek a critical analysisof the developmentalist ideology inherent to thistype of production. The methodology employedis based on oral history and direct observation inthe sugar cane fields of the states of São Paulo andAlagoas.

KEY WORDS: Labor relations. Working conditions.Capitalism in the fields. Sugar cane.

L’IMAGE DE L’ÉTHANOL EN TANT QUE“DÉVELOPPEMENT DURABLE” ET LA

(NOUVELLE) MORPHOLOGIE DU TRAVAIL

Maria Aparecida de Moraes SilvaLúcio Vasconcellos de Verçoza

Juliana Dourado Bueno

Le but de ce texte est d’analyser les relationset les conditions de travail dans les plantations decanne à sucre, suite au processus de reconfigurationdu travail et au moment actuel, caractérisé parl’intensification du processus de mécanisation dela coupe de la canne à sucre. En raison de la rapiditédes changements dans le processus de ce travail, ils’avère que ces relations de travail doivent être analyséesdans le contexte de l’image de “développementdurable” produite par les fabriques de sucre et d’alcoolet par l’Etat brésilien. L’intensification de l’exploitationde la main d’œuvre dans le cadre d’une (nouvelle)morphologie associe, d’une part, des technologiesde pointe et, d’autre part, l’augmentation d’un man-que de qualification de la main d’œuvre. Lesréflexions faites essaient de mettre en lumière laréalité sociale qui se cache derrière une idéologiefabriquée pour soutenir cette activité économique.On cherche à faire une analyse critique de l’idéologiedu développement liée à cette production. Laméthodologie utilisée se base sur la tradition oraleet l’observation directe dans les plantations de canneà sucre des états de São Paulo et d’Alagoas.

MOTS-CLÉS: Relations de travail. Conditions detravail. Capitalisme à la campagne. Canne à sucre.

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