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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL A HUMANIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA DO ESCRITÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Ana Geórgia Santos Donato Alves Fortaleza - CE Agosto - 2008

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

A HUMANIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA DO ESCRITÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA

DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

Ana Geórgia Santos Donato Alves

Fortaleza - CE Agosto - 2008

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ANA GEÓRGIA SANTOS DONATO ALVES

A HUMANIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA DO ESCRITÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA

DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Lilia Maia de Morais Sales.

Fortaleza - Ceará 2008

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___________________________________________________________________________ A474h Alves, Ana Geórgia Santos Donato. A humanização do ensino jurídico no Brasil : a experiência do escritório de prática jurídica da Universidade de Fortaleza / Ana Geórgia Santos Donato Alves. - 2008. 118 f. Cópia de computador. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2008. “Orientação : Profa. Dra. Lilia Maia de Morais Sales.”

1. Ensino jurídico – Brasil. 2. Psicologia jurídica. 3. Universidade de Fortaleza. I. Título.

CDU 34:37(81) ___________________________________________________________________________

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ANA GEÓRGIA SANTOS DONATO ALVES

A HUMANIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA DO ESCRITÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA

DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lília Maia de Morais Sales

UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dr. Rosendo Freitas de Amorim UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dr. Fernando Basto Ferraz UFC

Dissertação aprovada em: 25 de agosto de 2008.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida.

Aos meus pais, Jocira, por tanta compreensão e aceitação dos caminhos por mim

escolhidos, e Agapito Jorge (in memoriam), por ter sido o maior incentivador de meu êxito

profissional. Seu espírito de alegria, força, luta, superação e persistência me acompanharão

para sempre.

Ao meu filho, Gustavo André, razão de todos os meus esforços e a tradução do

verdadeiro amor.

Aos meus irmãos, Ana Virgínia, que mesmo longe, torce pela minha felicidade, e Jorge

Augusto que, mesmo tão silencioso, preocupa-se comigo.

Ao meu marido, Paulo André, pela compreensão de minha ausência e por tanto

incentivo acadêmico e profissional.

À ex-chefe e amiga Dra.Lúcia Cruz, pois sem ela a concretização desse trabalho, não

seria possível.

Às grandes amigas Lysia e Cibelle, por tantos anos de demonstrações de carinho e

fidelidade, e Roberta Teles, Ludmilla e Andréa Vale, pela grande torcida e incentivo em meus

passos profissionais.

À minha orientadora, Lília Sales, pelos ensinamentos, apoio e imenso incentivo na

realização do presente trabalho.

À professora Núbia Garcia, uma grande profissinal, que contribuiu de forma tão

carinhosa para a concretização desta dissertação.

Para todos aqueles que, de alguma forma, torcem por mim e querem minha felicidade.

O meu muito obrigada!

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RESUMO

O presente estudo propõe-se a fazer uma análise do ensino jurídico no Brasil, demonstrando que atualmente não há mais espaço para o dogmatismo e o exclusivo positivismo em sua metodologia. Da criação de um curso jurídico voltado para atender aos anseios da elite política e à vontade do Estado no começo do século XIX, foi preciso repensar os objetivos a serem alcançados por estes cursos, pois o Direito não poderia ficar inerte a tantas mudanças sociais, políticas e econômicas. A Portaria nº 1.886/94 do Ministério da Educação e Cultura, (hoje as diretrizes curriculares dos cursos de Direito encontram-se na Resolução nº 09/04, também do MEC), provocou uma série de mudanças no ensino do Direito. Elencou meios para avaliação dos cursos jurídicos e exigiu uma série de requisitos a serem obrigatoriamente obedecidos por tais cursos, demonstrando claramente a necessidade da interdisciplinaridade na metodologia do ensino jurídico, devendo este ser baseado no ensino, pesquisa e extensão, assim como a necessidade de harmonia entre a teoria e a prática. O trabalho tem como metodologia a análise da doutrina nacional, as previsões da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a legislação pertinente ao ensino jurídico. No primeiro capítulo foi apresentado o surgimento e o desenvolvimento das universidades e do ensino jurídico no mundo e, posteriormente, no Brasil. No segundo, falou-se da crise que atravessam a sociedade, o Direito e o ensino jurídico. Abordaram-se a necessidade do acesso à justiça, a importância do conhecimento da realidade e a necessidade de conscientização e amadurecimento dos futuros bacharéis em Direito ainda nos bancos universitários, através do uso da interdisciplinaridade e do humanismo como nova metodolgia de ensino. No terceiro capítulo abordaram-se a relevância da ética no ensino jurídico e nas profissões jurídicas, a contribuição grandiosa e significativa dos núcleos de prática jurídica para a formação dos futuros bacharéis em Direito, ressaltando a prática da Mediação, especificamente no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza, e a necessidade de um novo ensino jurídico baseado no humanismo.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Interdisciplinaridade. Ética. Psicologia. EPJ-UNIFOR.

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ABSTRACT

This study proposes to make an analysis of the legal teaching in Brazil, demonstrating that currently there is no space for dogmatism and the exclusive positivism in its methodology. The creation of a legal course aimed to meet the aspirations of the political elite and will of the State at the beginning of the century XIX, it was necessary to rethink the targets to be achieved by these courses, because the law could not be inert to so many social, political and economic changes. The Edict 1.886/94 of the Ministry of Education and Culture, (today the curricular guidelines of the courses of law are in the resolution 09/04, also of MEC) provoked a series of changes in the teaching of law. Registered means for evaluation of the legal courses and demanded a series of requisites required to be obeyed by such courses, clearly demonstrating the need for the union of other sciences in the methodology of the legal teaching, which must be based on teaching, research and extension, as well as the need for harmony between theory and practice. The work has as methodology the analysis of the national doctrine, the forecasts of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, 1988 and the relevant legislation on legal teaching. In the first chapter, was presented the emergence and the development of the universities and legal teaching in the world and, after, in Brazil. In the second, we spoke about the crisis the society, the Law and the legal teaching are going through. Addressed the necessity of access to justice, the importance of the knowledge of reality and the need of awareness and matureness of the future bachelors in Law, still on the benches of the university, through the use of the union of other sciences and humanism as a new methodology of teaching. In the third chapter, addressed the importance of ethics in the legal teaching and legal professions, the magnificent and significant contribution of the nucleuses of legal practice for the training of the future bachelors in Law, emphasizing the practice of the Mediation, specifically in the Office of Legal Practice at the University of Fortaleza, and the need of a new legal teaching based on humanism.

Key-words: Legal teaching. Union of other sciences. Ethics. Psychology. EPJ- UNIFOR.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9

1 O ENSINO JURÍDICO – UM BREVE HISTÓRICO ..............................................15

1.1 O Ensino do Direito na Era Medieval ......................................................................15

1.2 Modelo humanista de universidade e surgimento do direito natural ........................19

1.3 A revolução positivista .............................................................................................21

1.4 Criação dos cursos jurídicos no Brasil .....................................................................22

1.5 A liberdade de ensino no Brasil – Império ................................................................27

1.6 O ensino jurídico na Primeira República...................................................................31

1.7 O Ensino Jurídico na Constituição Federal de 1988 e a Comissão de Ensino Jurídi- co da OAB .................................................................................................................35

1.8 As inovações trazidas aos cursos jurídicos pela Portaria MEC 1.886/94..................40

2 O NOVO ENSINO JURÍDICO.................................................................................46

2.1 A crise no ensino jurídico..........................................................................................46

2.1.2 Possíveis soluções para a crise no ensino jurídico ........................................48

2.2 O Estado e o acesso à justiça .....................................................................................56

2.3 A busca do Direito.....................................................................................................59

2.4 A importância do conhecimento da realidade para o estudante de Direito ...............61

2.5 O uso alternativo do Direito ......................................................................................67

2.6 Dialética e interdisciplinaridade ................................................................................71

3 O EPJ COMO CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO HUMANIZADO .....75

3.1 O EPJ - Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza........................75

3.2 O EPJ e o acesso à justiça..........................................................................................78

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3.3 Ética: indispensável na profissão jurídica .................................................................83

3.4 Integração entre Psicologia e Direito na prática da mediação no Escritório de Práti-ca Jurídica da UNIFOR .............................................................................................86

3.4.1 A relevância da Psicologia para o Direito .....................................................86

3.4.2 A prática da mediação no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza ........................................................................................................90

3.4.3 O ofício do mediador.....................................................................................93

3.5 Um novo modelo pedagógico....................................................................................98

3.5.1 Perfil do docente jurídico ..............................................................................98

3.5.2 A contribuição que a prática real representa para os futuros bacharéis.......101

CONCLUSÃO........................................................................................................................106

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................110

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INTRODUÇÃO

Diante de tantas mudanças sociais, vive-se uma crise de valores e de comportamento

familiar e social. O Direito não pode manter-se distante dessas mudanças, exigindo-se uma

revisão e questionamento de todos os conceitos, uma quebra de dogmas e a descoberta de um

novo caminho, no propósito de que a Academia exerca um papel de destaque perante a

sociedade.

No mundo acadêmico e no social, questiona-se se os cursos jurídicos terão condições de

responder a esses desafios de modo concreto, isto é, se estes cursos serão capazes de atender

aos anseios da sociedade e se eles conseguem acompanhá-la em tantas mudanças.

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão acerca do ensino jurídico no

Brasil, levando em consideração a metodologia utilizada pelo corpo docente dos cursos

jurídicos e a influência desta metodologia na formação dos futuros bacharéis em Direito. Com

base nessa reflexão, pretende-se demonstrar que o ensino jurídico no Brasil ainda requer

aprimoramentos profundos para que efetivamente se garanta uma formação acadêmica

adequada aos desafios a serem enfrentados.

Observou-se que o desprepraro e, em alguns casos, a falta de compromisso do corpo

docente em preparar os alunos para um aprendizado humanizado do Direito, juntamente com

o número elevado de cursos jurídicos atualmente no Brasil, tornaram o curso de Direito uma

preferência entre os jovens que ainda não sabem exatamente qual carreira seguir.

Isso traz consequências negativas para a sociedade: a presença de advogados que não

possuem uma verdadeira vocação para o exercício da profissão e mais, profissionais sem

ética.

No primeiro capítulo, para uma melhor compreensão do tema e até mesmo como uma

comparação ao ensino jurídico atual, foi traçado um breve histórico acerca do ensino jurídico

no Brasil. Abordaram-se o surgimento e o desenvolvimento das universidades e do ensino

jurídico no mundo, e, mais especificamente, no Brasil.

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Foi traçado um panorama histórico que fala do ensino do Direito na Era Medieval,

passando pelo modelo humanista de universidade e o surgimento do Direito Natural, seguindo

com a revolução positivista. Ainda no primeiro capítulo, fez-se um relato sobre a criação dos

cursos jurídicos no Brasil, com suas características, aspectos relevantes e pontos positivos e

negativos.

Ressaltou-se que as elites políticas brasileiras tiveram grande influência na criação das

universidades no Brasil, visto que as propostas imperiais sobre a implantação dos cursos

jurídicos no Brasil nunca estiveram dissociadas das possibilidades de um controle mais

próximo do Estado.

Os cursos jurídicos no Brasil não se organizaram para atender às expectativas jurídicas

da sociedade, mas sim aos interesses do Estado. Por isso, não formavam advogados ou

técnicos voltados para dar vazão as demandas da sociedade civil, porquanto se prestavam a

atender às prioridades judiciais do Estado.

Em seguida, tratou-se da desvinculação do ensino superior da figura do Estado com o

chamado ‘ensino livre’, que, nem por isso, tornou-se um ensino de qualidade; ao contrário, os

últimos anos do Império podem ser considerados um dos piores momentos históricos do

ensino jurídico, pois traduziu a crise do Estado Imperial e mostraram as imensas dificuldades

políticas e legais para viabilizar novas transformações e soluções curriculares.

A Primeira República não ofereceu grandes contribuições para a formação do advogado,

visto que foi um período de grande carência informativa. A partir dos anos 80, a OAB –

Ordem dos Advogados do Brasil passsou a preocupar-se com a qualidade dos cursos jurídicos

e a incentivar sua requalificação, devido à sua expansão desordenada por todo o Brasil.

Em 1991, o Conselho Federal do OAB instituiu a Comissão de Ciência de Ensino

Jurídico, que tinha como função inicial fazer um diagnóstico da situação do ensino do Direito

e do mercado de trabalho para advogados e, com base nesses dados, efetivar uma proposta de

correção das distorções encontradas.

A abertura de dispositivos constitucionais sobre a avaliação e a qualidade de ensino em

1988 criou condições que proporcionaram a aprovação do Estatuto da OAB: a Lei nº 8.906,

de 4 de julho de 1997, fazendo com que este órgão obtivesse um papel de maior revelância no

cenário nacional.

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A Portaria nº 1.886/94, do Ministério da Educação e Cultura, editou as primeiras

diretrizes curriculares para os cursos de Direito e trouxe consideráveis mudanças positivas nos

cursos jurídicos. Dentre elas, a mais relevante para a presente dissertação é a obrigatoriedade

de estágio de prática jurídica.

Referida Portaria tinha uma proposta curricular visivelmente interdisciplinar, aberta a

novos ramos do conhecimento, como requistio para a formação do ensino jurídico e a

formação prática. Até a sua publicação, os cursos jurídicos eram exageradamente positivistas.

O novo currículo da Portaria nº 1.886/94 demonstrou que os cursos jurídicos não

estavam apenas voltados para a formação das elites administrativas ou para a estrita formação

do advogado, como fora no passado.

Agora, suas diretrizes apontavam para a formação de profissionais aptos a responder às

demandas sociais quanto ao direito fundamental de acesso à justiça, exercida nos núcleos de

prática jurídica das faculdades de Direito. Atualmente, as diretrizes curriculares dos cursos

jurídicos estão presentes na Resolução nº 09/2004 do MEC, sendo citado diploma jurídico um

verdadeiro espelho da Portaria nº 1.886/94.

No segundo capítulo, demonstrou-se que, tendo em vista as grandes mudanças sociais e

a crise pela qual passa o ensino jurídico, atualmente exige-se do Direito uma contribuição

para a solução desta crise, através de uma aproximação entre sociedade e Academia. A

mudança deve começar com a mudança da metodologia em sala de aula, sem menosprezar

uma preparação técnico-jurídica.

O profissional do Direito deve estar consciente dos problemas sociais e da realidade na

qual está inserido, para que possa aplicar a ciência jurídica de acordo com os anseios sociais e

com os preceitos do humanismo. O curso de Direito é um curso eminentemente humanístico,

pois lida diretamente com os desejos, dores, traumas e sentimentos do ser humano.

Ainda no segundo capítulo, abordou-se o uso alternativo do Direito, visto que esse

movimento prega a negação que as tarefas de interpretação e aplicação do Direito sejam

eminentemente científicas, ressaltando-se a importância de interdisciplinaridade do ensino do

Direito como forma de seu aprimoramento.

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Finalmente, no terceiro capítulo, abordaram-se a composição, funcionamento, estrutura

e objetivos do Escritório de Prática Jurídica – EPJ do curso do Direito da Universidade de

Fortaleza, no atendimento gratuito judicial e extrajudicial à comunidade.

Ressaltou-se a adequação da UNIFOR às exigências da Resolulçao nº 09/04, no que se

refere ao estágio de prática, assim como a satisfação da instituição em realizar uma atividade

voltada para a concretização do princípio de acesso à justiça dos menos favorecidos

economicamente, cumprindo, assim, sua função social.

Em um trabalho acerca da formação acadêmica do profissional do Direito, ressaltou-se a

ética. O compromisso do corpo docente na formação ética dos estudantes de Direito deve ser

uma constante, mas nem todos consideram que esta seja sua missão pedagógica. A ética deve

ser fazer presente desde o começo dos cursos jurídicos para uma completa formação do futuro

bacharel em Direito. Sua importância é salutar na atuação dos estudantes de Direito nos

núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito, que devem agir de maneira consciente,

cordial, discreta, solidária e com conhecimento técnico.

Em seguida, foi referida a ligação entre a Psicologia e o Direito no atendimento à

população carente no EPJ – Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza,

ressaltando a relevância desta ciência para o mundo jurídico. Demonstrou-se que o

ordenamento jurídico contempla elementos psicológicos, sociais, ideológicos, e não somente

os aspectos jurídicos e leis codificadas.

Falou-se também da necessidade de conhecimentos de Psicologia na prática da

mediação nos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito, para que o atendimento se

torne verdadeiramente eficiente.

Quanto aos casos que chegam ao EPJ - Escritório de Prática Jurídica da Universidade de

Fortaleza, estes são analisados e uma sessão de mediação é marcada, caso haja necessidade. A

Mediação é realizada por alunos do Escritório, sob a orientação de professores mediadores

capacitados.

Como justificativa da abordagem da mediação, dentre os meios alternativos de solução

de conflitos no presente trabalho, deu-se pelo fato de que a Mediação mais se adapta à

resolução de problemas familiares, sendo o Direito de Família o ramo mais explorado da

ciência jurídica no EPJ da Universidade de Fortaleza.

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Tratou-se também da atividade do mediador, ressaltando as qualidades pessoais que este

deve possuir na prática da mediação. Lembrou-se que a mediação, no EPJ, é realizada pelos

estudantes do curso de Direito, e quando se fala nos requisitos que um mediador deve possuir,

está se falando também do estudante do curso de Direito.

Como características principais do mediador, foram relacionadas a maturidade, atenção,

afeição, respeito pelo próximo, conhecimento da realidade social e discrição.Para que o

estudante do curso de Direito chegue ao estágio de prática com essas características, é

indiscutível o estudo de outras disciplinas, como Sociologia, Psicologia, Antropologia,

Economia, devendo a interdisciplinaridade se fazer presente durante todo o decorrer do curso

jurídico.

No último ponto da presente dissertação, foi abordado o perfil do docente do curso de

Direito atualmente, pois, para que haja profissionais preparados recém-saídos das faculdades,

é preciso, antes de tudo, que a mudança no ensino do Direito comece no corpo docente. O

ensino jurídico deve ser fundamentado na ética, consciência, comprometimento social,

solidariedade e humanismo. A grande oportunidade de se utilizar dessas qualidades é no

estágio de prática jurídica exigido hoje pela Resolução nº 09/04 do MEC.

Ressaltou-se a necessidade da harmonia entre a sociedade e a Academia para que os

cursos jurídicos sejam considerados mais próximos da sociedade e que tragam para aquela a

concretização de seus direitos, principalmente, o direito fundamental de acesso à justiça.

A formação de uma consciência para a cidadania, para os ideais de justiça e para luta

pela paz social deve fazer parte da preparação profissional do corpo docente dos cursos

jurídicos e este deve pautar suas aulas na valorização do ser humano.

A publicação da Portaria Ministerial nº 1.886/94 trouxe grandes e consideráveis

contribuições para o ensino jurídico no país. Com ela, houve a tentativa de conciliação entre

ensino, pesquisa e extensão.

Surgiu um novo modelo pedagógico, que deixou para trás o ensino dogmático e

positivista do Direito, dando ensejo à interdisciplinaridade na ciência jurídica, demonstrando a

necessidade de mudança na metodologia adotada pelo corpo docente dos cursos jurídicos.

No atendimento aos assistidos no EPJ, os estudantes de Direito deparam-se com as mais

diversas situações e problemas sociais, econômicos e familiares, tendo a oportunidade de

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intervir nessa realidade como modificadores sociais. Os estudantes passam de teóricos para

agentes modificadores da realidade social.

Ao fim, apontou-se como fundamental que os futuros bacharéis em Direito tenham um

ensino jurídico baseado na interdisciplinaridade, consciência, desenvolvimento crítico e

solidariedade para que possam exercer a profissão escolhidas por eles, conscientes de sua

função jurídica e social.

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1 O ENSINO JURÍDICO – UM BREVE HISTÓRICO

No presente capítulo abordou-se o surgimento e o desenvolvimento das universidades e

do ensino jurídico no mundo e, mais especificamente, no Brasil.

Foi feita uma abordagem histórica que vai do Direito na Era Medieval, passando pelo

modelo humanista de universidade, pelo surgimento do Direito Natural, pela revolução

positivista, pela a criação dos cursos jurídicos no Brasil Império até as mudanças advindas

com a Constituição Federal de 1988 e com as legislações pertinentes ao ensino jurídico, como

a revogada Portaria nº. 1.886/94, a Resolução nº 09/94 do MEC e a Lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação.

1.1 O Ensino do Direito na Era Medieval 1

O início do ensino jurídico na tradição ocidental remonta à Baixa Idade Média. Houve

em Roma, no período da jurisprudência clássica, escolas de direito, que chegaram até a

definir-se programaticamente, dando origem às escolas de pensamento jurídico, que se

dividiam entre proculianos e sabinianos.

Os primeiros, seguidores de Labeão, republicano aberto às inovações, e os segundos,

seguidores de Capito, imperial inclinado à autoridade e à tradição. Mas é preciso salientar que

a universidade medieval não gera diretamente a universidade propriamente dita.

Depois dos séculos XII a XV, iniciou-se um período de declínio, quando a nova ciência,

isto é, a ciência moderna, será gestada freqüentemente fora da universidade. Passa, assim por

uma grande transformação no final do século XVIII e início do século XIX, tornando-se

auxiliar indispensável dos novos Estados.

A universidade dividiu-se em dois grandes modelos: o norte-americano e o europeu. A

escola de direito propriamente dita começou em Bolonha e fez ali uma união entre o direito

1 Tópico baseado na obra de José Reinaldo de Lima Lopes (2000).

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justinianeu e a ferramenta intelectual da filosofia grega. Segundo José Reinaldo de Lima

Lopes (2000, p.114),

No oriente, a continuidade viva do império foi impondo reformas contínuas ao direito vigente, de modo que o texto justinianeu foi perdendo importância como direito aplicável, substituído por Basílio, o Macedônio (867-886), e seu filho Leão, o Filósofo (866-912), por uma coleção nova (Basílicas).

O início da tradição do ensino do direito deve ser relacionado com o ambiente cultural

em que se vivia: o universo dos homens letrados era majoritariamente eclesiástico e esses

monges ou religiosos tinham uma afinidade com os textos que chegavam do passado.

O clérigo era treinado na escrita e na leitura e todo aquele que desejava aprender a ler e

a escrever deveria entrar para uma escola que era conventual, monástica ou episcopal. Fazia-

se, pois, clérigo e se submetia à disciplina da Igreja.

Esse início deve ser relacionado também ao mundo de normas em que se vivia. Não

havia nesse tempo, na Europa medieval, um Estado centralizado suficientemente forte para

almejar qualquer monopólio de poder militar ou jurídico, portanto, sem exércitos nacionais,

sem direito nacional, sem burocracia e sem cortes de justiça uniformes. Assim, o ambiente

normativo era plural: costumes variados de região para região, de localidade para localidade,

e, conseqüentemente, diversas regras para diferentes estamentos.

Na restauração do direito clássico, no que se refere aos textos do direito romano,

Justiniano, reinando em Constantinopla, sonhava com a tradição latina. Era um restaurador e

reacionário, haja vista que: “tudo que era bom, para ele, estava no passado e sua missão seria

restaurar aquele passado, militar e culturalmente.” (LOPES, 2000, p.117).

Justiniano acreditava que a jurisprudência de seu tempo era decadente.

Concomitantemente, havia o interesse prático e o espírito codificador-simplificador que já

preocupava Teodósio II: existia um enorme material jurídico acumulado e contraditório, todos

os juristas gozavam de igual autoridade e eram citados igualmente.

Justiniano aboliu todos os livros dos juristas, e salvou apenas os maiores do período

clássico. Proibiu toda referência à obra dos jurisconsultos não incluída no Digesto

(compilação dos textos dos jurisconsultos) e mandou queimar os manuscritos dos

jurisconsultos excluídos.

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O Digesto, publicado em 533, contém material de 39 juristas, desde o mais antigo

(Mucius Scaevola, morto em 82 a. C), até o mais recente (Modestino, perfectus vigilum em

244 d. C.). (LOPES, 2000, p.117). Os trechos eram bastante contraditórios e foram

organizados por assunto, em 50 livros, os quais tinham como objetivo restaurar a clareza e a

confiabilidade do direito clássico.

Diante do texto de Justiniano, os juristas latinos medievais tiveram a mesma reverência

que todos tinham perante os textos que chegavam do passado. Porém, em torno desse (que

não era sagrado), podiam desenvolver uma arte nova: aplicar a dialética, a tópica e a retórica.

Pela primeira vez, em relação ao direito romano, foi tratado, progressivamente, como

uma totalidade, visto que a abordagem dos textos do Digesto fazia-se num contexto

completamente distinto daquele em que foram originados: houve a mudança da base da

sociedade de escravocrata para um regime feudal, com uma descentralização extrema da vida

civil.

Esse processo durou mais de um século, de tal forma que se chegou ao final da Idade

Média com esta consolidação acabada. Era direito vigente e mudava constantemente, com

edição de novos cânones conciliares, ao contrário do direito romano que todos conheciam e

que não era um direito vigente da mesma forma. O direito romano era o direito de uma

civilização extinta.

Mas a cristandade latina considerava-se herdeira do Império, assim como havia herdado

o cristianismo latino, as línguas românicas e assim por diante. Mesmo com a existência de

outras fontes do direito, adotava-se o direito romano como objeto de reflexão, como um

depósito de saber e ciência.

A universidade foi uma invenção medieval e somente a partir dos séculos XI e XII

pôde-se reconhecê-la. Questão de extrema importância era o treinamento dos juristas

estudantes antes de se tornarem tal juristas.

[...] O ensino medieval compunha-se de duas grandes linhas. Os homens poderiam ser treinados em artes liberais ou artes mecânicas. As artes liberais convinham aos clérigos, homens livres e que manejariam a escrita e a literatura. As artes mecânicas convinham aos artesãos e trabalhadores manuais. Todos se colocavam a serviço de um mestre, que os treinaria nas suas artes. (LOPES, 2000, p.120).

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As artes liberais aprendiam-se nas escolas conventuais, monásticas e nas que se

organizavam em torno das catedrais. Depois de treinados nestas artes liberais, os estudantes

poderiam buscar o estudo das disciplinas maiores: direito, teologia, medicina.

Nesses campos diversos, surgiram os centros de excelência que se destacaram: Paris,

Bolonha, Salerno, Montpellier, Pádua, Orleans, Oxford. O Direito dividiu-se em estudo de

cânones (Direito canônico) e leis (Direito civil ou imperial, ou cesáreo, ou romano, conforme

se chamava em lugares diferentes).

Na universidade medieval valorizavam-se os padrões universais, a busca da

objetividade, e todo o sistema atendia ao ceticismo e à dúvida. O papel do mestre era colocar

em dúvida as explicações fáceis, para obter uma solução mais clara das contradições. Tratava-

se de organizar artificialmente a dúvida, que mais tarde se converteu em dúvida metódica. Era

o ceticismo metodológico que implicava em considerar a ciência um saber aberto.

Sociologicamente, a universidade criou uma comunidade de treinamento e formação.

Os juristas surgiram com a universidade medieval. Foi o estudo universitário do Direito

que permitiu enfrentar as disputas entre o Direito secular e o canônico, os Direitos reais,

feudais, comunais e corporativos. Lopes lembra (2000, p.122):

A universidade não é um conjunto físico de instalações e não tem uma sede quando se inicia: trata-se de uma corporação de alunos ou professores e funciona onde houver lugar. As aulas são dadas onde o professor conseguir alugar um espaço, ou na sua casa, ou em algum recinto cedido pela comuna, ou pela Igreja, ou por um convento, etc.

A idéia de sistema surgiu quando os escolásticos do século XII transformaram toda

decisão ou norma em parte de um todo chamado Direito. O todo servia para interpretar a parte

e vice-versa. Nasceram a idéia de sistema e, juntamente com ela, suas antinomias, lacunas,

interpretação e exegese.

Os medievais transformam o texto num pré-texto de discussão. Mas era preciso que a

discussão terminasse com uma opinião certa e o primeiro passo metodológico foi o de se

considerar que um texto tem uma unidade e não pode haver contradições. Caso isso aconteça,

ela deve ser eliminada. A verdade está no texto todo e para responder a qualquer questão é

preciso conhecer tudo, todo o Digesto.

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“Será preciso interpretar, inserir o texto no todo, para poder concluir qualquer coisa.

Conhecer a autoridade implicava, porém, conhecer os textos e os textos na sua completude”.

(LOPES, 2000, p.128).

Essas foram as bases do ensino do direito medieval: um texto de autoridade com

autoridade, somado à regra de que a verdade está no todo e não na parte. O método pressupõe

a autoridade de um texto e ao mesmo tempo a lacuna e contradição desse texto, resultando a

dialética de resolução dos opostos. Esse sistema se construiu dentro de um ambiente de

debates. As disputas intelectuais na Idade Média, particularmente nas universidades, deram

aos juristas um estilo argumentativo. Assim, não só os textos justinianos, mas também os

textos das disputas começaram a formar a tradição jurídica.

A universidade medieval mudou completamente a partir do século XVI: perdeu parte de

sua importância e do vigor que tinha. Perdeu professores durante a Reforma, quando muitos

passaram a ser perseguidos quando não professam a religião do príncipe ou do Estado. Elas

passaram a ser dominadas pela teologia e o pelos debates teológicos, tanto nos países

católicos quanto nos protestantes e reformados.

Devido ao crescimento da ordem nacional soberana, muito do Direito romano, objeto de

uma cultura jurídica universitária que tomava o texto como objeto de razão universal, perdeu

importância. Lopes afirma (2000, p.214): “Ao lado do direito romano, os juristas precisavam

inteirar-se cada vez mais do direito nacional, pátrio, régio ou costumeiro, fruto da vontade ou

da tolerância do soberano.” As escolásticas e as escolas jurídicas italianas (cujo berço fora a

universidade medieval) cederam lugar às instituições e culturas novas: a vida comunal, o

debate entre imperador e papa. As universidades opuseram-se à soberania nacional e às

academias.

1.2 Modelo humanista de universidade e surgimento do direito natural 2

Em termos de cultura e pensamento, o modelo medieval foi substituído pelo modelo

humanista e, logo em seguida, pelo predomínio do Direito natural moderno. Entre os séculos

XVII e XIX, a universidade perdeu o papel de liderança intelectual.

2 Tópico e datas de documentos baseados na obra de José Reinaldo Lima Lopes (2000).

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O humanismo jurídico tentara desqualificar a jurisprudência anterior, tachando os

comentadores de ignorantes da história, desconhecedores das muitas interpolações bizantinas

feitas na compilação do Digesto.

A nova filosofia dos séculos XVI e XVII distinguia-se das linhas de pensamento

aristotélico: surgiu a dúvida. Seja em relação a qualquer autoridade exterior à razão ou com

relação aos sentidos, foram colocadas em dúvida até as aparências mais sólidas. A tradição,

nestes novos termos, não ajudava a caminhar na estrada do saber, ela era um entrave, eivada

de equívocos. Cada um devia descobrir a verdade, sem apoio de autoridades.

Na modernidade, a imposição de uma vontade alheia só fez sentido para com os

incapazes, a pessoa capaz não se curvava diante da autoridade ou da tradição: curvava-se

apenas diante da razão de sua própria consciência. A ciência nova era antiescolástica.

Juntamente com o surgimento de uma nova ciência, surgiram também os Estados nacionais

modernos: um soberano que pretendia exercer o monopólio da legislação e da jurisdição.

A velha sociedade de ordens (dos guerreiros, religiosos e trabalhadores) cedeu lugar a

uma vida crescentemente aburguesada, na qual os deveres feudais e pessoais se

transformaram em prestações pecuniárias.

Tais mudanças tiveram relação com o Direito natural: o ser humano é, essencialmente,

para os modernos um indivíduo que se associa; tal sociabilidade corresponde a uma tendência

natural, mas não é sua condição existencial ou sua natureza, no sentido medieval. O Direito

natural moderno deveria ser uma regulação das individualidades, um mínimo que permitisse a

convivência dos opostos. Deveria garantir a paz.

Segundo Lopes (2000, p.219): “[...] Estudando direito natural o jurista estaria

dispensado de estudar toda a moral. Isto é determinante para a formação nova do jurista que,

pouco a pouco se separa da investigação teórica moral.”

O Direito natural moderno pertenceu aos letrados, professores, burocratas e, sobretudo,

aos eruditas que, aos poucos, foram preparando as condições intelectuais para o advento dos

códigos. Ele foi ensinado num ambiente diverso do Direito natural clássico: desapareceram as

comunas livres e as universidades medievais.

O Direito foi ensinado de modo axiomático, porquanto a função do professor era,

primeiramente, ensinar os princípios; a função do aluno era aprendê-los e deles derivar as

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aplicações singulares nos casos concretos. Quanto ao papel dos juristas, com a modernização

do Estado e a conseqüente transformação do príncipe ou do soberano de supremo juiz em

supremo legislador, estes (juristas) foram obrigados a cindir política e jurisprudência.

Alguns passaram a fazer parte das comissões legislativas, organizadoras das reformas

das ordenações régias, ou do próprio Estado. Ao longo de décadas prepararam os códigos

ilustrados ou jusnaturalistas, pois:

[...] Os estados periféricos da Europa deixam-se governar pelos monarcas absolutos esclarecidos ou ilustrados. Portugal, Espanha, Prússia, Áustria, Rússia, enfim a imensa maioria dos Estados europeus conhece seu absolutismo ilustrado. O desejo de governar é o desejo de promover a modernização da vida econômica: o interesse maior do príncipe já não é manter a paz ou fazer a justiça, mas promover a prosperidade do reino. Para promover a prosperidade é preciso organizar tudo. O direito precisa ser radicalmente reorganizado, e os juristas da corte antes que prudentes à moda antiga precisam redigir novas leis. (LOPES, 2000, p. 221).

Restou claro que a preocupação do governo era com a prosperidade e a modernização da

vida econômica. Para que a prosperidade do reino fosse atingida, foi fundamental uma

organização, principalmente de novas leis.

1.3 A revolução positivista 3

No século XIX, uma terceira onda de transformações atingiu o ensino do Direito: o

advento do positivismo. Seu impacto foi progressivo, visto que não atingiu, de uma hora para

outra, o ensino do Direito e a dogmática jurídica.

O Estado moderno, em processo de transformação para o Estado liberal, conseguiu

estabelecer-se com a centralização de suas fontes normativas, com a centralização da

jurisdição e com o ideário do constitucionalismo. Isto fez com que os juristas elegessem um

objeto e o privilegiassem: a lei, o ordenamento jurídico.

O positivismo impôs uma ruptura com o senso comum que, como se sabe, tende a ser

conservador e fixista. A legislação do Estado liberal pôs fim a todo o Direito anterior e seu

instrumento privilegiado foi o código: uma lei que dispunha sistemática e completamente

sobre um assunto determinado. O código opôs-se à falta de sistema das ordenações anteriores,

constituindo-se uma ameaça à velha ordem.

3 Tópico e datas de documentos baseados na obra de José Reinaldo Lima Lopes (2000).

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Em 1804 entrou em vigor o Código Civil dos franceses, o Código Napoleão. Savigny

opôs-se à codificação do Direito alemão, em nome da tradição popular e do “Espírito do

Povo”. Defendeu o mundo antigo, inclusive o modelo antigo de professor: aquele que criava a

ordem jurídica pelas suas intervenções ‘científicas’ e não se submetia à ordem criada

arbitrariamente (não cientificamente) pela legislação. Porém, era um projeto fadado ao

fracasso, pois sua viabilidade dependia de não haver um estado legislador liberal

A partir do positivismo surge a filosofia do Direito. Ela investigava o método e o objeto

que os discursos jurídicos concentram. Fato é que o Direito, sendo o conhecimento apenas das

leis e do direito positivo, já não fazia a reflexão sobre seu próprio saber e suas condições de

validade. “[...] Esse exame passa à filosofia do direito, que se cria no século XIX. Ela é

herdeira laicaizada e secularizada da tradição jusnaturalista.” (LOPES, 2000, p.225).

Em Portugal, a Lei da Boa Razão, de 1769, a Reforma dos Estatutos da Universidade de

Coimbra, em 1772, e uma Junta do Novo Código, em 1778, já anunciavam os novos tempos,

o fim da tradição do Antigo Regime e o nascimento do Estado legislador legalista.

No Brasil vigoraram como leis gerais por toda a vida colonial as Ordenações do Reino

ou Ordenações Filipinas. Foram editadas em 1603 por Felipe II de Portugal. “[...] As

ordenações não foram inovadoras, restrigindo-se especialmente a consolidar o que já havia

nas Ordenações Manuelinas (de 1521) e na Coleção de Leis Extravagantes (obra de D. Duarte

Nunes de Leão, aprovada em 1569).” (LOPES, 2000, p.268).

Com o advento do liberalismo da Independência e do Estado nacional brasileiro, as

Ordenações foram sendo pouco a pouco revogadas; por outro lado, elas impuseram aos

brasileiros uma enorme tradição jurídica, cuja herança ainda pode ser vista debaixo da camada

mais recente de cultura geral.

1.4 Criação dos cursos jurídicos no Brasil 4

A história da idéia da universidade no Brasil revela uma resistência do País a aceitá-la.

Os jesuítas, ainda no século XVI, tentaram trazê-la à colônia, mas foi negada pela coroa

portuguesa. De acordo com Anísio Teixeira (1976, p.245):

A remota aspiração dos jesuítas, no século XVI, de criar a universidade no Brasil, renascida no século XVIII com os Inconfidentes mineiros, repetida dezenas de vezes

4 Tópico baseado na obra de Aurélio Wander Bastos (2000).

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durante o Império, por três vezes renovadas durante a República e sempre negadas, implanta-se timidamente em 1920, incorporando as três escolas profissionais. (Filosofia, Ciências e Letras.)

Na concepção de Walter Vieira do Nascimento (1999, p.203), proclamada a

Independência em 1822, o Brasil passaria a enfrentar, entre tantos problemas, o da sua

estruturação jurídica. Com a independência surgiram vários projetos a partir de José

Bonifácio, durante mais de sessenta anos, sem nenhum chegar a concretizar-se. A idéia teve

êxito somente com a República.

Considerada tarefa das mais difíceis, enquanto se aguardava a concretização de uma

estrutura jurídica consistente e independente, continuou em vigor a legislação de 1821 e as

leis promulgadas por D. Pedro.

Os debates sobre a criação dos cursos jurídicos deram-se durante a Assembléia

Constituinte, paralelamente aos debates pela elaboração constitucional brasileira. Aurélio

Wander Bastos versa (2000, p.1):

Os debates parlamentares sobre a criação dos cursos jurídicos no Brasil, assim como os principais documentos legais que formalizaram a sua instalação em São Paulo e Olinda mostram não só os efeitos dos cursos jurídicos imperiais na formação da nacionalidade e da consciência cívica brasileira, mas também os interesses políticos, econômicos e administrativos subjacentes e detectáveis nos principais pronunciamentos parlamentares e, também, os objetivos das elites brasileiras na definição do Estado que pretendiam instalar e instaurar.

O objetivo inicial dos cursos jurídicos foi a formação da elite política e administrativa

nacional, porém a sucessão dos fatos políticos e o processo de instalação dos cursos

deslocaram para a formação de quadros judiciais (magistrados e advogados) o processo

formativo das elites políticas e só residualmente atendeu às suas proposições iniciais, o que

provocou sucessivas mudanças em sua estrutura curricular.

As propostas imperiais sobre os cursos jurídicos, durante a Assembléia Constituinte de

1823, nunca estiveram dissociadas das possibilidades de um controle mais próximo do Estado

e de uma distância maior do Parlamento. Os inúmeros pronunciamentos na Assembléia

Legislativa mostraram que as elites brasileiras viram o Estado como entidade de apoio às suas

próprias posições. Dessa forma, as elites não sobreviveram independentemente do Estado, o

que atrofiou seu crescimento e dificultou a sua autonomia.

A criação e a formação dos cursos jurídicos no Brasil, como já ressaltado, estiveram

vinculadas às exigências de consolidação do Estado Imperial, refletindo as contradições e as

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expectativas das elites brasileiras comprometidas com o processo de independência. As elites

políticas brasileiras tiveram acentuada influência na criação das universidades no Brasil. A

história da instalação dos cursos jurídicos no Brasil esteve intimamente ligada com as

conciliações entre as elites imperiais e as elites civis.

O incipiente Estado brasileiro, tendo sua estrutura de funcionamento cartorial e eleitoral

controlada pela Igreja, buscou nos cursos jurídicos a solução para a formação de quadros

políticos e administrativos que viabilizassem a independência nacional. Não se pode

desvincular os estudos sobre os cursos jurídicos no Brasil das disputas e lutas políticas que se

travavam durante o processo de consolidação da independência e da formação do Estado

nacional.

No Brasil, o jurista nasceu diretamente ligado às funções de Estado, seja como

funcionário, seja como profissional liberal, para fazer com que o Estado nacional atingisse a

capilaridade desejada. Bastos (2000, p.4) cita que Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, um

dos mais destacados parlamentares do Primeiro Império:

[...] chegava a alegar que a instalação da Universidade na Corte do Rio de Janeiro poderia ser profundamente perniciosa para o bom andamento dos negócios do Estado, por causa das despesas do erário imperial e da pressão que os jovens poderiam representar no processo do andamento político das decisões imperiais.

O novo modelo de curso continuou privilegiando a advocacia e o debate judicial. Lopes

(2000, p.226) adverte que:

[...] Assim, até hoje muita gente fala em ‘curso de advocacia’, e advocacia é imaginada como advocacia judicial. Há, no entanto, uma intimidade do jurista com o poder, e seu estatuto de carreira letrada tende a afastá-lo das condições reais de exercício das interações normativas de fatos entre os diversos atores sociais. A carreira jurídica, em particular a magistratura, é um degrau – o primeiro degrau – para a carreira política. De advogado pode-se passar, pela nomeação do Presidente da Província ou do Ministro (Imperador) a juiz municipal ou juiz de direito, mas tarde a delegado ou Chefe de Polícia. Se bem prestados seus serviços e se o partido certo continuar no poder, e os amigos ricos ainda estiverem no gozo de sua riqueza e influência, passa-se a deputado provincial ou geral.

Na dogmática jurídica colocou-se em destaque a figura do legislador, tendo como

características a impessoalidade, onisciência, um ser consciente, coerente e preciso. Tratava-

se de um organizador e pacificador e não de um distribuidor de justiça.

O sistema judiciário do Antigo Regime foi, pois, integrado em uma ordem social e

política dominada por características que só seriam modificadas com as revoluções liberais do

século XIX. Foi dominado pelo sistema de privilégios sociais sobreviventes do regime feudal

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e corporativo, aliado à união do Estado e da Igreja, e teve na tradição e nos costumes fontes

privilegiadas de Direito.

Daí resta claro que os cursos jurídicos não se organizaram para atender às expectativas

judiciais da sociedade, mas sim aos interesses do Estado. Nem mesmo se prestavam para

formar advogados, técnicos na implementação das demandas da sociedade civil, mas para

atender às prioridades judiciais do Estado.

A localização dos cursos e a sua regulamentação, em 11 de agosto de 1827, sexto ano da

Independência do Império, foram promulgadas com a rubrica do Imperador Pedro I, a Lei de

Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.

Foram criados dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e

outro na cidade de Olinda, cada um com duração de cinco anos e compostos de nove cadeiras.

As disciplinas a serem oferecidas eram as seguintes:

1º ano. 1ª cadeira: Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito

das Gentes e Diplomacia;

2º ano. 1ª cadeira: Continuação das matérias do ano antecedente, 2ª cadeira: Direito

Público Eclesiástico;

3º ano. 1ª cadeira: Direito Pátrio Civil, 2ª cadeira: Direito Pátrio Criminal com a Teoria

do Processo Criminal;

4º ano. 1ª cadeira: Continuação do Direito Pátrio Civil, 2ª cadeira: Direito Mercantil e

Marítimo;

5º ano. 1ª cadeira: Economia Política, 2ª cadeira: Teoria e Prática do Processo adotado

pelas Leis do Império. (BASTOS, 2000, p.36).

Com a Lei de 11 de agosto de 1827, os parlamentares queriam um curso livre dos

fundamentos metropolitanos do Direito e um pouco mais aberto a um Direito Pátrio Civil, o

que, todavia, não era a proposta do Estatuto, afeito ainda ao modelo de Coimbra e totalmente

desvinculado de uma proposta autônoma para os cursos jurídicos.

A proposta curricular do Estatuto de Visconde de Cachoeira, regulamento provisório da

Lei de 11 de agosto de 1827, aprovado em 2 de março de 1825, era significativamente

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diferente do currículo aprovado pela Lei de 1827. Tal Estatuto não representava a proposta

dos parlamentares (consolidada na Lei de 11 de agosto de 1827), mas a proposta do Estado

Imperial. A contradição entre a proposta da lei e a proposta do estatuto era um indicador

visível das contradições do Estado nacional em gestação.

O artigo 10 da Lei de 11 de agosto de 1827 dispunha que: “Os Estatutos do Visconde da

Cachoeira ficarão regulando por ora naquilo em que forem aplicáveis e se não opuserem a

presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que

serão submetidos a deliberação da Assembléia Geral.” (BASTOS, 2000, p.36). Como

conseqüência da conciliação entre os interesses imperiais e parlamentares, passava a

representar a inibição e a frustração das proposições parlamentares de um curso aberto, livre

das condicionantes e influências metropolitanas.

Fato é que Estatuto do Visconde de Cachoeira tinha uma visão integrada do ensino –

para cada conteúdo disciplinar uma forma de ensinar – e, principalmente, deve-se admitir que:

[...] se trata de um dos documentos acadêmicos oficiais no Brasil que insistem na importância dos métodos e modos que deveriam os lentes (professores) utilizar na transmissão do conhecimento, chegando, inclusive, a detalhar linhas de atuação pedagógica e um panorama bibliográfico, para a época, de grande extensão e percepção. (BASTOS, 2000, p.43).

O ensino do Direito Romano na forma do Estatuto do Visconde de Cachoeira foi a base

das questões do ensino do Direito, assim como fora nos inúmeros e incansáveis debates

parlamentares sobre a criação dos cursos jurídicos. Os cursos jurídicos, vinculados à tradição

jurídica portuguesa e sofrendo diretamente a influência da Universidade de Coimbra, não

tinham como fugir desta questão que permeou o ensino jurídico: ensinar ou não Direito

Romano.

Nesse sentido, a cadeira de Direito Romano só foi formalmente introduzida no currículo

jurídico do Império com o Decreto nº. 608, de 16 de agosto de 1851. Juntamente com ela, foi

criada a cadeira de Direito Administrativo, considerada como ramo de conhecimento jurídico

essencial à formação e preparação das elites administrativas do Estado Imperial.

Na verdade, o Decreto nº 608, de 1851, mostrou a fragilidade do Direito pátrio como

fundamento da ordem jurídica, especialmente privada, diante dos efeitos restauradores e

institucionais do Direito Romano. Chegou-se à clara conclusão que mais uma vez as elites

imperiais impuseram-se às elites civis liberais e radicais.

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1.5 A liberdade de ensino no Brasil – Império5

O período que sucedeu a década de 1850 foi decisivo para a história da educação

brasileira, especialmente para o ensino jurídico. A vinculação do ensino do Direito à proposta

de implantação no país de políticas de incentivo à liberdade de ensino, isto é, do ensino

particular oferecido nos próprios estabelecimentos oficiais, por professores livres, provocou

uma verdadeira transformação em toda a estrutura educacional.

Mesmo em franco processo de expansão e crescimento na Europa, no Brasil os políticos

e a sociedade não foram unânimes na sua absorção e reconhecimento, o que provocou

sucessivos esvaziamentos pelo Parlamento de todos os decretos imperiais que procuraram

implantar o novo sistema, o que teve, é claro, efeitos visíveis no andamento do ensino jurídico

até o advento da República e após a sua implantação.

Inovação importante trazida pela República foi a possibilidade de criação das

faculdades livres. Por elas, entendia-se como “os estabelecimentos particulares que poderiam

funcionar sob a supervisão do governo, com todos os privilégios e garantias de que gozarem

as faculdades federais”. (REZENDE, 1977, p. 64).

As propostas de ensino livre, cujos debates foram de grande importância para a

educação brasileira, apareceram sempre associadas à transformação da cadeira de Direito

Eclesiástico em cadeira opcional. Estas surgiram em vários pontos do país, encerrando o

dualismo exercido por São Paulo e Recife e dando início ao pluralismo de cursos jurídicos no

país. Segundo Venâncio Filho (1978, p. 26):

O estabelecimento de novas escolas levou à tendência a um sentimento generalizado de considerar que o aparecimento dessas escolas seria responsável pelo declínio do ensino jurídico. A partir desta época é cada vez mais freqüente a menção à decadência do ensino, esquecendo-se sempre de que só é possível estar em declínio aquilo que alguma vez já foi melhor.

Indicador mais preciso dessa situação foi a intensificação da crise entre o Estado

Imperial e a Igreja, na qual se verificou a intensificação das políticas que pretendiam laicizar

o Estado, retirando da Igreja não só a influência burocrática, mas também o ensino oficial.

Aurélio Wander Bastos (2000, p.65) ressalta:

Genericamente, as propostas de ensino livre, cujos debates foram da maior significância para a educação brasileira, aparecem sempre associadas à transformação da cadeira de Direito Eclesiástico em cadeira opcional. [...] Na

5 Tópico baseado na obra de Aurélio Wander Bastos (2000).

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verdade, a liberdade de ensino não era uma proposta apenas alternativa para as dificuldades do ensino oficial, mas, principalmente, uma alternativa para o ensino oferecido pela Igreja em nível primário e para os educadores livres. A iniciativa privada, em nível superior, de certa forma afastava a Igreja do ensino superior oficial para viabilizar, como ocorreu mais tarde, a organização de universidades católicas.

Paulino de Sousa entendeu que era preciso fundar uma universidade na corte e

apresentou o primeiro e efetivo projeto sobre a criação de uma universidade no Brasil, após a

promulgação da Constituição de 1824, que propôs a criação na capital do Império de um

Conselho Superior de Instrução Pública:

Os problemas criados pela fracassada tentativa de subdividir a Faculdade de Direito em dois cursos, Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, as reações provocadas pela tentativa de se oferecer opcionalmente o Direito Eclesiástico e o interesse de implantar por decreto imperial o ensino livre em todo o país, sem o prévio consentimento da Câmara dos Deputados, através do Decreto 3454 de 1865, não apenas desorganizou o já frágil ensino jurídico, como também provocou o crescimento de seus vícios tradicionais: o patronato e a liberação da freqüência e dos exames continuados e rigorosos. (BASTOS, 2000, p.75).

Fato é que a questão da implantação de uma universidade na Corte foi prejudicada pela

superposta implantação do ensino livre, menos oneroso e com melhores condições de

expansão e atendimento das demandas educacionais do país. Como se não bastasse, esse

modelo estava em plena expansão pela Europa.

Curioso é que, na Europa, os modelos de ensino livre viabilizaram a criação de

universidades, especialmente as católicas. Enquanto que no Brasil, viabilizaram a expansão de

escolas isoladas.

As autoridades não ficaram inertes quanto à idéia de ensino livre. Promulgaram o

Decreto nº. 4675, de 14 de janeiro de 1871, que definiu o processo que se deveria seguir nos

exames dos estudantes das faculdades de Direito e de Medicina, na expectativa de se ampliar

o controle da aprendizagem nas faculdades de Direito.

Na verdade, a proposta legal de ensino jurídico no Império não foi expressiva da elite

imperial governamental, que controlava o aparelho de Estado e transferia para os cursos

jurídicos sucessivos impactos e confrontos com o Legislativo, controlado pelas elites civis e

liberais.

Os inúmeros debates parlamentares neste período indicavam que o currículo da

Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais estava destinado a formar bacharéis para o exercício

da advocacia e da magistratura.

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A expansão da política do ensino livre cada vez mais se desenvolvia como opção de

ensino, e inviabilizou, dessa forma, o ideal conservador da criação da universidade e

concretizou a proposta liberal de multiplicação nacional de faculdades.

O Decreto nº. 1386, de 1854, foi a proposta de ensino que prevaleceu até a Reforma do

Ensino Livre de Leôncio de Carvalho. Citado decreto consolidou o ensino do Direito

Romano, introduziu o ensino do Direito Administrativo como disciplina do Curso Jurídico,

manteve o ensino do Direito Eclesiástico como ensino mais restrito e introduziu a Prática

Forense como forma de ensino.

No entendimento de Luís Carlos de Olivo (2000, p.61), o ensino do Direito sempre

refletiu na história um comprometimento com a ordem social e econômica dominante. Citado

autor lembra que:

[...] Na Alta Idade Média registra-se a predominância do ensino religioso, voltado para a formação de padres. Com o declínio do feudalismo e o surgimento de um novo modo de produção, surgiram as Universidades e a retomada do estudo do Direito tornou-se necessária para resolver as relações jurídicas surgidas entre proprietários de terras, mercadores, banqueiros, nobre e religiosos.

O ensino superior desvinculado da figura do Estado veio com a promulgação do

Decreto nº. 7247, de 19 de abril de 1879, o Decreto de Leôncio de Carvalho, historicamente

conhecido como documento legal que implantou no Brasil a liberdade de ensino e deu nova

estrutura organizacional e curricular às faculdades de Direito.

Tal decreto consagrou como livre o ensino primário e secundário no município da Corte

e o superior em todo o Império. Ao Estado somente restou fazer a inspeção nas escolas e nas

universidades para garantir as condições de moralidade e higiene.

Críticas não faltaram, das mais variadas posições. Desde aqueles que o criticavam pelas

suas limitações, propondo uma reforma mais ampla, até os que o censuravam por entender

que rompia e violava as instituições tradicionais de ensino.

Um dos objetivos desse decreto foi a formação de pessoal administrativo, através do

Curso de Ciências Sociais, e não apenas de advogados e magistrados, através do Curso de

Ciências Jurídicas. Essa novidade aliviou o curso de Direito de um número significativo de

disciplinas e procurou ser mais objetivo na formação do advogado.

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Os inúmeros debates parlamentares acerca do Decreto nº. 7.247, de 1879,

desembocaram para a elaboração do mais significativo documento sobre ensino jurídico no

segundo Império brasileiro: o Parecer de Rui Barbosa sobre Instrução Pública, nascendo,

assim, o Projeto nº. 64 da Comissão de Instrução Pública. Bastos (2000, p.104) afirma:

O Parecer da Comissão de Instrução Pública sobre o Decreto nº. 7.274, de 1879, elaborado por Rui Barbosa (relator), só foi à discussão na Câmara dos Deputados a partir de 13 de abril de 1882, três anos após a publicação daquele diploma legal. A Comissão não se pronunciou, em tese, contra o ensino livre, mas sugeriu significativas alterações na legislação vigente, procurando restringir e acomodar suas aberturas mais radicais. Nesse sentido, procurou limitar a liberdade de freqüência apenas às aulas teóricas, em qualquer curso, e tornar obrigatórias as aulas cujo método fosse de experimentação, verificação ou aplicação, o que caracterizava o experimentalismo do parecer. [...].

Esse projeto, além de redefinir o ensino livre, definiu o sentido e a importância das

disciplinas jurídicas inovadoras, antes definidas na Reforma Leôncio de Carvalho. Ele incluiu

no currículo a disciplina de Sociologia e sugeriu a exclusão do Direito Natural e a do Direito

Eclesiástico.

O Parecer encampava o ideal da liberdade de ensino em relação aos estabelecimentos

oficiais, deixando em aberto essa questão quanto aos estabelecimentos particulares que

poderiam assumir posição diversa. De acordo com o Parecer, nos estabelecimentos oficiais de

ensino superior não se protegeriam nem deveriam dominar opiniões. Ao professor e aluno,

resguardada a moralidade pública, eram facultados o exame e a apreciação de todos os

assuntos referentes às matérias ensinadas.

Fato é que as incursões parlamentares contra a lei do ensino livre foram infrutíferas. Na

prática a discussão trazia, ao nível do ensino jurídico, a grande questão nacional: a separação

entre Estado e Igreja, que influenciou as grandes linhas dos debates parlamentares até a

promulgação da República. Conclui-se que, a partir de 1879, o ensino jurídico no Império

esteve sujeito a dois parâmetros educacionais: o ensino livre e a subdivisão das faculdades de

Direito nos cursos de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais.

A formação dos cursos jurídicos no Império não foi harmônica e equilibrada. Os

inúmeros e incansáveis debates traduzem a resistência institucional para a absorção das

teorias educacionais devido à hipertrofia dos interesses parlamentares sobre os interesses

acadêmicos. Bastos (2000, p.144) é enfático:

Finalmente, não podemos deixar de observar que o ensino superior, especialmente nas faculdades de Direito, nos últimos anos do Império, foi tomado de verdadeiro

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caos que, por um lado, traduzia a crise do próprio Estado imperial e, por outro, mostrava as dificuldades políticas e legais para viabilizar novas transformações e soluções curriculares.

Debatendo-se entre a implementação das faculdades livres e a opcionalidade do Direito

Eclesiástico, as elites políticas e intelectuais do Império não conseguiram articular novos

modelos de organização para o Estado brasileiro.

O que aconteceu foi que o Império sucumbiu frente à sua própria incapacidade para

provocar mudanças na sua estrutura administrativa civil. A falência das faculdades de Direito

traduziu, além da incapacidade para formar advogados, também a incapacidade para formar as

elites administrativas civis.

O Estado Imperial e as elites imperiais já estavam visivelmente desarticulados sob a

pressão das propostas federalistas e descentralizadoras, e, particularmente, do movimento

republicano, recém-chegado nas elites radicais e esclarecidas.

O ensino superior, especialmente nas faculdades de Direito, nos últimos anos do

Império, pode ser considerado um verdadeiro caos, traduzindo, de um lado, a crise do Estado

Imperial e, de outro, mostrava as dificuldades políticas e legais para viabilizar novas

transformações e soluções curriculares.

1.6 O ensino jurídico na Primeira República

Com o advento da Primeira República, a questão do ensino jurídico (assim como todas

as outras questões educacionais) ficou envolvida com a grande problemática do ensino no

Brasil. Fato é que a Primeira República não ofereceu grandes contribuições para a formação

do advogado, haja vista que foi um período de grande esvaziamento formativo, apesar de ser

denominada de República dos Bacharéis.

Os currículos jurídicos da Primeira República, segundo Aurélio Wander Bastos

(OAB..., 1997, p.41), foram retrógrados, sem nenhum teor inovador quanto fora a proposta

republicana. Foram “determinados e amarrados pelas questões do ensino jurídico imperial e

seus esteriótipos”.

Quem atuou incisivamente na desmontagem da estrutura de formação tradicional do

advogado foi Francisco Campos, no governo revolucionário, e Levy Carneiro, no Parlamento.

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Francisco Campos, reformador de ensino de Direito, não contribuiu apenas para modificações nesta área, mas para a profunda reforma da educação no Brasil, enquanto que Levy Carneiro, Ex-presidente da Associação Brasileira de Educação e do Instituto dos Advogados Brasileiros, e primeiro presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, após 1930, proferiu significativos pronunciamentos sobre o fracasso das bases romanistas do ensino jurídico em uma sociedade que se pretendia urbana. De origens e formação intelectuais diferenciadas, influíram, todavia, decisivamente, para provocar rupturas nos fundamentos tradicionais (e feudais) do ensino jurídico para aproximá-lo das necessidades de industrialização e urbanização do Brasil. (BASTOS, OAB..., 1997, p.41).

Assim foi que em 1931 houve a Reforma Francisco Campos, que procurou dar um

caráter nitidamente profissionalizante aos cursos jurídicos. Houve o seu desdobramento em

dois: o Bacharelado e o Doutorado. Ao primeiro cabia a formação de práticos do Direito e ao

segundo a preparação dos futuros professores e pesquisadores dedicados aos estudos de alta

cultura. Essa reforma não obteve o êxito esperado, continuando os cursos de bacharelado no

mesmo nível existente anteriormente e não tendo o doutorado atingido os seus objetivos.

Mesmo assim, a reforma de 1931 teve grande importância para os advogados

brasileiros. Francisco Campos entendia que o conhecimento jurídico não era apenas

verborrágico, mas, assim como outros ramos do conhecimento, um conhecimento de natureza

científica. Ele acreditava que o ensino do Direito deveria abandonar os parâmetros românicos

e também a crença na tradição naturalista. Para ele, o ensino do Direito deveria aproximar-se

de novas áreas do conhecimento, como a economia, o comércio e a teoria política.

As práticas institucionais e curriculares imperiais só vieram a sucumbir com a Reforma

Educacional de 1931, que “diagnosticou o quadro das contradições educacionais brasileiras e

propôs o seu realinhamento às exigências do processo de industrialização e urbanização.”

(BASTOS, 2000, p.399). Para que o advogado tivesse uma formação adequada, a Reforma de

1931 preconizava que o prioritário não era discutir as leis em sua origem divina ou em seu

racionalismo iluminista.

O que o advogado deveria fazer era discutir o Direito enquanto Ciência, a ciência do

Direito como conhecimento sistemático, um conhecimento neutro sobre as contradições e as

divisões da natureza ideológica, política e pessoais. Tal revolução colocou em questão as

instituições tradicionais em que o Estado brasileiro se fundamentava e se apoiava. A

República mudou a forma organizativa do Estado, mas não colocou em questão os

fundamentos de legitimidade do Estado brasileiro.

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A reforma do currículo jurídico de 1931 propôs o ensino de novos padrões de

conhecimento que demonstrassem os anseios das novas elites que eram mais abertas aos

novos padrões do conhecimento científico.

As propostas advindas com a Revolução de 1930, dentre elas, a idéia de integração dos

cursos isolados em universidades, influíram decisivamente nos destinos dos cursos jurídicos,

trazendo profundos reflexos sobre as modernas propostas do ensino dogmático e do ensino

interdisciplinar do Direito. Ainda no âmbito das (tantas) reformas:

Na verdade, a Reforma Francisco Campos de 1931, com as adaptações posteriores a 1935, durante a gestão de Gustavo Capanema no Ministério da Educação, sobreviveu até 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que implementou o projeto de educação da Constituição de 1946, após longos e arrastados debates do Congresso Nacional. (BASTOS, 2000, p.401).

San Tiago Dantas era um romanista que se transformou em um marco referencial do

moderno ensino do Direito. Ele começou sua vida pública com Gustavo Capanema, Ministro

da Educação. (BASTOS, OAB..., 1997, p.46).

San Tiago demonstrou que o raciocínio jurídico deve ser a base do aprendizado jurídico.

Sua grande contribuição para o ensino do Direito foi introduzir a discussão sobre o problema

do método da reflexão jurídica, seu aprendizado e desenvolvimento. Bastos (OAB..., 1997,

p.47 -48) ressalta:

Como se deve ensinar o Direito? Essa é a grande mensagem de San Tiago, e não o que ensinar em Direito. Isto porque, em geral, sabemos o que se deve ensinar em Direito: deve-se ensinar o Código, deve-se ensinar as leis e a doutrina e sua interpretação, mas, nunca fica transparente como se deve ensinar Direito, ou quais as diferentes formas de se ensinar Direito.

Para San Tiago, a base do aprendizado era o desenvolvimento do raciocínio jurídico,

isto é, como ensinar o aluno a pensar juridicamente, a refletir juridicamente sobre os fatos e

sobre a própria lei. Assim a questão sobre a formação do advogado não era apenas aprender

com o Código, mas sim, aprender a pensar o código. Entrou em evidência, assim, a lógica

jurídica. O conhecimento da hermenêutica, técnica de interpretação, não pôde restringir-se à

tradicional interpretação gramatical.

As teorias de interpretação ampliaram-se e foram abertos amplos espaços de reflexão

através da teoria da interpretação gramatical. Bastos (OAB..., 1997, p.48-49) lembra que:

As novas teorias lingüística do Direito podem provocar alterações profundas em toda a estrutura interpretativa gramatical. As teorias de interpretação ampliaram

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significativamente, os métodos de verificação comparada tornaram-se inalcansáveis com os novos recursos informáticos. Consequentemente, o novo problema do Direito define-se como pensar a norma, como pensar o Código. Modernamente, a reflexão jurídica não pode restringir-se ao Código, à correlação de normas entre si, é preciso pensá-las também em função da lógica jurídica, da hermenêutica, dos recursos sociológicos e de dinâmica da própria sociedade.

Quanto ao currículo, a mudança básica no período que vai da República Velha até o

período que se inicia em 1972 ocorre em 1962. Nesse ano, o Conselho Federal de Educação,

através do Parecer nº. 215, implanta, pela primeira vez, um currículo mínimo para o ensino do

Direito (até então todos os currículos eram plenos).

Dessa forma, os cursos jurídicos poderiam se adaptar às necessidades regionais. A

duração do curso continuou fixada em 5 anos, durante os quais deveriam ser estudadas no

mínimo as seguintes 14 matérias: Introdução à Ciência do Direito; Direito Civil; Direito

Comercial; Direito Judiciário Civil (com prática forense); Direito Internacional Privado;

Direito Constitucional (incluindo Teoria Geral do Estado); Direito Internacional Público;

Direito Administrativo; Direito do Trabalho; Direito Penal; Medicina Legal; Direito

Judiciário Penal (com Prática Forense); Direito Financeiro e Finanças e Economia Política

Fato é que a implantação deste novo currículo não alterou muito a estrutura vigente,

pois na prática continuou existindo um curso com rigidez curricular, além de que a

enumeração das matérias demonstrou novamente a tendência a transformar o ensino jurídico

em formador de práticos do Direito, pois havia quase exclusivamente cadeiras estritamente

dogmáticas.

Daí, conclui-se a tentativa de transformar os cursos de Direito em cursos estritamente

profissionalizantes, com a redução (ou quase eliminação) de matérias de cunho humanista e

de cultura geral.

O currículo jurídico de 1962 demonstrou a evidência do fracasso e da ausência de

qualquer proposta modernizadora do ensino jurídico. A Lei de Diretrizes e Bases levou à

promulgação independente do projeto inédito da Universidade de Brasília, em 1962. Bastos,

(2000, p.402) acerca do mencionado projeto, afirma:

A lei que criou a Universidade de Brasília (UnB) em 1962 [...], não apenas representou uma proposta alternativa, de natureza orgânica e estrutural, para o ensino universitário brasileiro [...] como também foi o agente propulsor das medidas que permitiram a implantação de um curso jurídico significativamente inovador. [...] O projeto inclui no currículo as disciplinas de teorias do Direito, assim como incentivou as estudos jurisprudenciais como verdadeira atividade preliminar da Prática Forense, que veio a se formalizar, curricularmente, a partir de 1972.

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O currículo jurídico de 1972 nasceu e se desenvolveu dentro da estrutura política

autoritária, mas nem por isso traduzia formalmente um modelo ou uma proposta autoritária ou

conservadora de ensino.

Ao contrário, sua proposta para o ensino jurídico de graduação era uma proposta aberta,

que, como a proposta de 1931, rompeu com os modelos antiquados de ensino jurídico,

viabilizando o aprendizado formativo aberto e oferecendo alternativas razoáveis de formação

especializada.

Devido ao pleno processo de crescimento quantitativo das universidades brasileiras e às

significativas restrições à expansão do ensino jurídico nas universidades públicas, essa

proposta de currículo mínimo invibializou projetos de currículos plenos, o que foi

extremamente prejudicial ao ensino jurídico. Bastos (2000, p.404) ressalta que:

Na verdade, o currículo de 1972 não pecava pelas suas inovações e propósitos, mas foi desqualificado pelos seus efeitos: o crescimento massificado de alunos e de escolas sem padrões razoáveis de qualidade. Como a proposta de currículo admitia um currículo mínimo ao lado de um currículo pleno, de iniciativa de cada escola, e a legislação não fazia qualquer pré qualificação docente, inclusive para escolas públicas e, como o sistema de pós-graduação não se implantou com a agilidade esperada [...], a seleção e a absorção de professores também não contribuíram para o aprimoramento e a qualificação dos cursos de graduação.

Na verdade, os propósitos do currículo de 1972 foram inovadores, mas presentes em um

quadro político autoritário, decorrendo daí a ausência de mecanismos abertos e transparentes

de decisão, que inviabilizaram a sua aplicação e eficácia.

O currículo de 1972 é o currículo que mais profundamente se diferencia do currículo de

1931 e das mudanças subseqüentes. Incentivou a importância de o advogado desenvolver uma

convivência interdisciplinar com outros cursos de formação dentro de uma universidade.

Porém, esse currículo não alcançou o principal objetivo que propôs: conseguir romper com as

resistências do tradicional currículo jurídico da proposta conservadora de 1962.

1.7 O Ensino Jurídico na Constituição Federal de 1988 e a Comissão de Ensino Jurídico da OAB

Uma das maiores crises do ensino jurídico no Brasil ocorreu no fim do Império e no

início da República, levando praticamente à desarticulação do ensino e das instituições

jurídicas. No fim do Império, como já dito, verificou-se a intensificação das políticas que

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tinham como objetivo retirar da Igreja a influência burocrática e o ensino oficial. Havia uma

confusão entre os interesses parlamentares e os acadêmicos.

Na República, a crise deu-se segundo os seguintes fatores: a desorganização dos

departamentos ou faculdades de direito, o crescimento quantitativo desmesurado dos cursos,

sem qualquer preocupação política com a qualidade (inclusive docente), a crise da didática,

que se manifestou após o início da industrialização e da concentração das atividades

econômicas na cidade, assim como a crise do conteúdo curricular tradicional.

Esse conjunto de fatores, especialmente o crescimento quantitativo dos cursos jurídicos,

com claros efeitos sobre a formação acadêmica, levou a Ordem dos Advogados do Brasil, a

partir dos anos 80, a procurar caminhos que evitassem a perda da qualidade dos cursos e a

incentivar a requalificação do ensino.

Desde a sua fundação, ainda no Império, a Ordem preocupou-se com os problemas de

cultura jurídica. Haroldo Valladão (1977, p.113) relata que a Gazeta dos Tribunais teria sido a

primeira revista jurídica, a qual inspirou a fundação do então Instituto da Ordem dos

Advogados do Brasil, em 1843.

Em 1980, o MEC nomeou uma Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, de

composição plurirregional, tendo como objetivo verificar em profundidade a organização e o

funcionamento dos Cursos de Direito. Segundo Horácio Wanderlei Rodrigues (2002, p.31), a

Comissão foi composta inicialmente pelos professores Alexandre Luís Mandina (Rio de

Janeiro), Lourival Vilanova (Pernambuco), Orlando Ferreira de Melo (Santa Catarina) e

Rubens Sant’Anna (Rio Grande do Sul).

A partir de 1981, com a impossibilidade de comparecimento dos dois primeiros, a

Comissão foi reestruturada, com a inclusão dos professores Adherbal Meira Mattos (Pará),

Álvaro Melo Filho (Ceará), Aurélio Wander Bastos (Rio de Janeiro) e Tércio Sampaio Ferraz

Junior (São Paulo).

Nenhuma decisão sobre a implantação dessa proposta foi tomada pelo Conselho Federal

de Educação. Ela foi totalmente esquecida por este e pelo MEC. Mesmo assim “analisando-se

os currículos de Cursos de Direito, anteriores à edição da Portaria MEC nº. 1886/94 mostra-se

a sua influência efetiva em alguns deles.” (JUNQUEIRA, 2002, p.32).

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O principal fator que levou a Ordem dos Advogados do Brasil, a partir dos anos 80, a

procurar caminhos para evitar a perda da qualidade dos cursos jurídicos e a incentivar a

requalificação de ensino foi, como já dito, a enorme expansão desordenada de novos cursos.

A OAB passou a elaborar mecanismos de manifestação sobre a criação, autorização e

reconhecimento de novos cursos. O que a OAB pretendia evitar era que fizesse parte de seus

quadros e, por conseqüência, do mercado de trabalho, profissionais despreparados, isto é,

preocupou-se em corrigir os desvios da formação acadêmica.

Juntamente a essas crises do ensino jurídico, o Estado brasileiro dava os primeiros

sinais de fragilização com a desarticulação interna do Estado autoritário. Fortaleceram-se,

dessa forma, os movimentos corporativos de massas e de reconhecimento institucional de

novos direito civis, dos quais se destacou e se consolidou o papel da Ordem dos Advogados

do Brasil. Esses fatores contribuíam para fortalecer os movimentos de advogados e de toda

sociedade civil, tendo como objetivo a reavaliação do Estado brasileiro, do Poder Judiciário e

do ensino jurídico.

Na opinião de Flávio Galdino (OAB..., 1997, p.179): “A Ordem saiu muito fortalecida

do processo de democratização. Politicamente forte. Ademais, após o período de lutas,

redireciona as preocupações aos problemas institucionais, de classe, corporativos.”

Com a promulgação da Constituição de 1988, o tradicional e autoritário Estado

brasileiro livrou-se dos propósitos políticos gerais. A atual Constituição é um dos mais

importantes documentos jurídicos da história constitucional moderna.

A Constituição brasileira de 1988 apoiou a demanda sobre a proteção dos novos direitos

civis e fortaleceu o papel constitucional da OAB: “[...] foi o V Encontro de Presidentes do

Conselho Federal da OAB que marcou a tomada de consciência dos advogados para as

questões do exame de ordem e dos estágios, assim como para as questões do ensino jurídico.”

(BASTOS, 2000, p.372).

Como exemplo do fortalecimento da OAB através da Constituição Federal de 1988,

tem-se o inciso VII do artigo 103, que trata da tradicional competência para a proposição de

ações de constitucionalidade, o qual, ineditamente, abriu espaços de atuação para o Conselho

Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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A Constituição Federal resguarda a autonomia das universidades, sem aberturas para

avaliações corporativas, fato que prevaleceu com a promulgação na nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394/96.

O artigo 207 da Constituição Federal dispõe: “As universidades gozam de autonomia

didático-científica, administrativa e patrimonial, e obedecerão ao princípio de

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

De acordo com Shwartzman (1988, on line), no que se refere à autonomia, esta engloba

autonomia didático-científica, administrativa e autonomia de gestão financeira e patrimonial.

Segundo o autor, quanto à autonomia didático-científica:

As universidades devem ter plena liberdade de definir currículos, abrir e fechar cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação e de extensão. Elas devem ter, também, plena liberdade de definir suas linhas prioritárias e mecanismos de financiamento da pesquisa, conforme regras internas.

Ainda segundo o autor (1988, on line), significa que as universidades poderão se

organizar internamente, como melhor lhe convier, e, finalmente, quanto à autonomia

financeira e patrimonial, versa o autor que o princípio básico a ser seguido é o da dotação

orçamentária global, com plena liberdade de remanejamento de recursos entre itens de

pessoal, custeio e capital. Com as novas aberturas do ensino jurídico, a sua importância

qualitativa e quantitativa nas universidades exige uma requalificação, uma rearticulação

estrutural dentro das universidades.

Em 1991, o Conselho Federal da OAB instituiu a Comissão de Ciência e Ensino

Jurídico, composta por Álvaro Villaça de Azevedo, Edmundo Lima de Arruda Júnior, José

Geraldo de Sousa Júnior, Paulo Luiz Netto Lobo, Roberto Armando Ramos de Aguiar e

Sérgio Ferraz.

Essa comissão tinha como função inicial levantar dados e análises e fazer um

diagnóstico da situação do Ensino do Direito e do mercado de trabalho para advogados, a fim

de, com base neles, efetivar uma proposta concreta de correção das distorções encontradas.

O diagnóstico e a proposta elaborados pela comissão foram apresentados na XIV

Conferência Nacional da OAB, realizada em Vitória (ES), em setembro de 1992, e podem ser

encontrados no livro editado pelo Conselho Federal da Ordem, intitulado OAB- Ensino

Jurídico – diagnóstico, perspectivas e propostas. Em 1992, a Comissão de Ensino Jurídico da

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OAB encaminhou questionário científico a especialistas em ensino do Direito de todo o país,

solicitando-lhes que oferecessem um diagnóstico e soluções para a crise do ensino jurídico.

No entanto, as soluções apresentadas foram muito heterogêneas, principalmente no que

se refere aos indicadores de qualidade. Ainda em 1992, a Comissão encaminhou outro

questionário, endereçado aos dirigentes dos cursos jurídicos. Nesse segundo questionário, a

Comissão reuniu sugestões dos especialistas e as de seus membros, desenvolvendo um quadro

provisório e experimental dos indicadores de avaliação. Paulo Luiz Netto Lôbo (OAB...,

1997, p.58) lembra:

Em 1993, a Comissão analisou os dados do questionário com o concurso de outros especialistas, classificando os indicadores e divulgando a primeira avaliação global dos cursos jurídicos no Brasil. Os indicadores utilizados foram provisórios, com intuito de provocar a discussão de sua pertinência. Ao longo de 1993, em promoção conjunta com a Comissão de Especialistas de Ensino do Direito, do MEC, então instalada, realizaram-se três seminários regionais e um nacional dos cursos jurídicos, envolvendo as comunidades acadêmica e profissional, colhendo-se sugestões sobre três temas interligados: qualidade, currículo e avaliação.

Em 1994, as duas Comissões (Comissão do Ensino Jurídico da OAB e a Comissão de

Especialistas de Ensino do Direito do MEC) empenharam-se em converter em ato normativo

as diretrizes curriculares dos cursos jurídicos, consolidando as recomendações dos seminários.

A abertura de dispositivos constitucionais sobre a avaliação da qualidade de ensino

criou as condições que proporcionaram a aprovação legislativa do atual Estatuto da OAB: a

Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1997, tornando, a OAB, visivelmente, mais efetiva e incisiva.

Quanto ao ensino jurídico, o inciso XV, do artigo 54 da Carta Magna, dispõe que

compete ao Conselho Federal ‘colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar,

previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento

ou credenciamento desses cursos. Na opinião de Aurélio Bastos (2000, p.374):

Esse dispositivo, que não tem efeitos administrativos, viabiliza, todavia, a ação da OAB no processo de criação de novos cursos e avaliação dos cursos reconhecidos, permitindo que ela não apenas colabore para o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, mas também contribua na apreciação prévia de projetos de criação de cursos de Direito por instituições universitárias e no seu subseqüente reconhecimento ou credenciamento.

Com a promulgação do Estatuto, a legitimidade de atuação da OAB ultrapassou os

exames de ordem e os estágios profissionais, permitindo-lhe intervir, no processo formativo,

no funcionamento de cursos. Ressalte-se que tal posicionamento normativo, como

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instrumento emergencial único, é conseqüência do efetivo fracasso das políticas públicas de

avaliação e qualificação dos cursos jurídicos no país.

Fato é que a OAB ampliou o seu papel e passou a exercer uma definitiva influência no

processo de criação e expansão do ensino superior, principalmente centralizado na sua

Comissão de Ensino Jurídico. O Estatuto da OAB diz que esta deve opinar previamente nos

pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação dos cursos de Direito. A

autorização é uma competência que o estatuto ou qualquer lei não pode transferir à OAB, do

mesmo modo que o reconhecimento, figura administrativa mais frágil, que tem natureza

confirmativa da autorização.

Daí, conclui-se que a OAB não tem competência para autorização de cursos. Em

contrapartida, opinando previamente sobre o pedido de criação, influi na decisão das

autoridades competentes.

A política de criação, autorização e reconhecimento de cursos jurídicos está definida

pelo Decreto nº. 2.306, de 1997, tanto para as propostas de universidades, de centros

universitários, como para instituições de ensino superior em geral.

1.8 As inovações trazidas aos cursos jurídicos pela Portaria MEC 1.886/94

Finalmente, em 30 de dezembro de 1994 (com vigência obrigatória a partir de 1997),

foram editadas, por Portaria Ministerial, as primeiras diretrizes curriculares para os cursos de

Direito: A Portaria MEC nº. 1.886/1994.

Citada Portaria fixava as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo dos cursos de

Direito. Continha uma série de orientações que, obrigatoriamente, teriam que ser levadas em

consideração, tanto em relação à grade curricular como no tratamento que deve ser dado aos

conteúdos das matérias. Tais dispositivos deveriam ser obedecidos por todos os cursos

jurídicos do país.

Convém lembrar que a Portaria nº. 1.886/94 teve como pressupostos, segundo Junqueira

(2002, p.51): o rompimento com o positivismo normativista, a superação da concepção de

educação como sala de aula e de que só é profissional do Direito aquele que exerce atividade

forense, a negação da auto-suficiência do Direito e a necessidade de um profissional com

formação integral (interdisciplinar, teórica, crítica, dogmática e prática).

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Baseado em Paulo Luiz Lôbo Netto (OAB..., 1997, p.58), resumidamente, as inovações

advindas com a Portaria 1.886/94 foram: composição tríplice e interligada das matérias de

formação fundamental; formação profissionalizante e prática; interdisciplinaridade interna e

externa; projeto pedagógico que possibilite a formação técnico-profissional e sóciopolítico do

bacharel em Direito; obrigatoriedade de pesquisa e extensão; existência de acervo

bibliográfico mínimo; homogeneidade entre os cursos noturno e diurno; monografia final com

defesa pública; adequada disciplina do estágio curricular, sob a responsabilidade de um

núcleo de prática jurídica; integração de atividades complementares desenvolvidas pelos

alunos; e possibilidade de escolha de áreas de concentração.

A Portaria nº 1.886/94 cita os indicadores para avaliação dos cursos jurídicos e, no que

se refere ao quadro docente, seu objetivo maior foi sinalizar às instituições sobre a

necessidade de mais investimentos em professor com doutorado e mestrado e em uma maior

dedicação deles às atividades docentes, como fatores de elevação de qualidade do ensino.

Uma grande e especial contribuição da Portaria está voltada para a prática jurídica,

complementando os dispositvos do Estatuto da OAB (artigo 9º) e o seu Regulamento Geral.

Quanto ao estágio, um dos pilares da organização didático-pedagógica do curso jurídico

cumpre ser desenvolvido no núcleo de prática jurídica, não apenas como espaço físico, mas

com estrutura acadêmica própria.

As instalações para no núcleo de prática jurídica devem conter secretaria, dependências

para simulações, computadores, espaço para atendimento de assistência jurídica, funcionários

próprios, acesso a tribunais, entre outros equipamentos. No que se refere ao estágio, na visão

de Eliane Junqueira (2002, p.47):

[...] houve uma série de avanços no texto da Portaria MEC nº. 1886/94. Entre eles, cumpre destacar: (a) o estágio deixou de denominar-se de prática forense para passar a chamar-se prática jurídica. [...]. Os estágios sempre estiveram voltados apenas para a prática do foro, como se aí residisse todo o Direito. O mundo contemporâneo tem caminhado em muitos outros sentidos. Hoje as assessorias e consultorias, os institutos paraprocessuais, como a arbitragem, e pré-processuais, como a mediação, entre outras realidades, todas jurídicas, demonstram a necessidade de uma formação prática bem mais ampla; (b) houve a fixação de uma carga horária mínima de atividades em 300 horas; (c) a definição de que compunham o estágio atividades práticas, simuladas e reais; (d) a Portaria também avançou ao dividir a prática em simulada e real, qualificando-a. Isto significa que, naquilo que for possível, a prática deveria estar vinculada a situações reais da vida profissional, como nos serviços de assistência jurídica, patrocinados por grande parte dos Cursos de Direito nacionais. [...]; e (e) foi criado o Núcleo de Prática Jurídica como órgão encarregado, dentro de cada curso, de implementar e orientar as atividades de estágio desenvolvidas pelos alunos.

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E, mais especificamente, sobre o Núcleo de Prática Jurídica:

[...] assim dispunha a Portaria MEC nº. 1.886/94: (a) será coordenado por professores do curso (impedindo, com isso, a utilização de outros profissionais da área jurídica que não sejam docentes – nesse sentido, resgatou a dignidade profissional do magistério); (b) deverá funcionar em instalações adequadas, tendo exigido a criação de verdadeiros laboratórios de Prática Jurídica. Esses laboratórios deveriam estar estruturados para o atendimento ao público e para propiciar o treinamento das atividades profissionais dos principais operadores dos cursos jurídicos . (JUNQUEIRA, 2002, p.48).

A Portaria 1.886/94 foi clara: mostrou que a visão do curso de Direito não é apenas um

conjunto de disciplinas e atividades, mas um conjunto de conteúdos, que se desenvolvem

através de disciplinas e atividades diversas. Ela tem uma proposta curricular essencialmente

interdisciplinar, é aberta a novos ramos do conhecimento, como requisito para a formação do

raciocínio jurídico, e a formação prática.

Até a sua promulgação, os currículos jurídicos eram exageradamente positivistas, onde

se tinha um conhecimento genérico, dogmático e pouco rígido para a solução de problemas.

Esses currículos sempre foram resistentes a um ensino interdisciplinar, pois eram apoiados em

fundamentos sociológicos, políticos e econômicos de conhecimento jurídico.

As práticas curriculares não eram sensíveis às exigências jurídicas empresariais, os

currículos anteriores à Portaria 1.886/94 sedimentaram uma metodologia de ensino que parte

dos códigos para os problemas e não dos problemas para os códigos. As aulas eram de

natureza meramente discursiva, com exposições doutrinárias alheias ao conhecimento

experimental, transformando, dessa forma, a liberdade de aprender e de pensar.

O novo currículo da Portaria nº. 1.886/94 demonstrou que os cursos jurídicos não

estavam apenas voltados para a formação das elites administrativas e judiciais ou para a

estrita formação do advogado, como fora no passado, mas para a formação de profissionais

aptos a responder às demandas da cidadania e do desenvolvimento econômico e científico.

O advogado precisa ser preparado juridicamente para dirimir conflitos, resolver e

encaminhar a solução de problemas, baseado na legislação, jurisprudência e doutrina. O

Direito deve ser ensinado a partir do reconhecimento do problema, mas sem desprezar os

códigos, a lei e a doutrina.

Como resposta institucional à crise da expansão do ensino superior (principalmente dos

cursos jurídicos), a Lei nº. 9.131, de 24 de novembro de 1995, veio a ser completada pela Lei

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nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a nova Lei de Diretrizes a Bases da Educação, que, em

situação inédita no Brasil, definiu as competências e os procedimentos da autoridade

educacional. Bastos (2000, p.380) adverte : “ [...] Na prática as bases da educação brasileira

estão definidas por uma lei de competências (Lei nº. 9.131/1995) e por uma lei de matéria e

política educacional (Lei nº. 9.394/1996) não mais, por conseguinte, por uma única lei de

diretrizes e bases da educação nacional.”

Dessa forma, as bases referenciais da nova política educacional brasileira definiram-se

em função da Lei nº. 9.131, de 24 de novembro de 1995, e da Lei nº. 9.394, de 20 de

dezembro de 1996. A Portaria MEC nº. 1.886/1994 estava em total sintonia com o Estatuto da

Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil e a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (Lei nº. 9394/1996). Álvaro Melo Filho (OAB..., 1997, p.120-121) versa que:

A sintonia e a convergência de filosofia e ditames da LDB e da Portaria nº. 1.886/94 propiciarão aos cursos jurídicos condições e possibilidades de uma reflexão mais profunda de como induzir e produzir a melhoria de qualidade [...] para evitar a postura imobilista, desatenta às mutações sociais e incompatível com a natureza conceitualmente dinâmica do ensino jurídico [...].Com a reengenharia feita no ordenamento jurídico-educacional (nova LDB e Portaria nº. 1.886/94) os futuros profissionais do Direito receberão uma formação que os habilitará a atuar não só como garimpeiros extraindo, da ordem jurídica posta, soluções para os problemas do dia-a-dia como se fora um metal precioso em estado bruto, mas também conduzindo-os a agir como artífices de peças de uma bela joalheria [...].

Tais institutos estimulam os novos modelos de aprendizagem, permitindo que o ensino

curricular do Direito atenda às demandas das atividades práticas, assim como às exigências de

integração com a pesquisa e os projetos de formação de docentes e extensão. Segundo Bastos

(2000, p.408):

[...] Esta sintonização de atividades e propostas criou as condições propícias para que o ensino jurídico venha incentivar a transmissão dos códigos e se transforme em uma proposta para ensinar os alunos a pensarem os códigos, contribuindo para a produção inovadora do conhecimento jurídico e para o processo de consolidação democrática do Brasil.

Atualmente, as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Direito

encontram-se inteiramente recepcionadas na Resolução nº 09, de 29 de setembro de 2004, da

Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação, órgão que compõe o Ministério da

Educação (MEC). Essa Resolução revogou a Portaria nº 1.886/94, sendo considerada um

legado daquela. Mudou-se a lei, mas se mantiveram, em sua maioria, as disposições da

Portaria Ministerial nº 1.886/94.

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O curso jurídico não mais se caracteriza pelo descompromisso com a qualidade de

formação do profissional. Não é mais uma sala de aula com baixo investimento e alto

rendimento, onde precisava somente do professor, lousa e giz. Ou, como se pôde mostrar no

início de sua implantação: um curso no qual os estudantes eram preparados para servir aos

anseios das elites ou de quem estava no poder.

Juntamente com as rápidas mudanças na sociedade, assim aconteceram as mudanças no

ensino do Direito. O mercado de trabalho não deseja somente um mero conhecedor de leis,

mas sim um ser humano que tenha consciência e conhecimento de como interpretar a lei e o

Direito, realizando, assim, uma atividade de pensar o Direito.

Hoje a meta são os padrões elevados de qualidade, exigindo-se mudanças de atitudes e

de práticas pedagógicas, além de forte investimento pessoal e material. O objetivo maior das

novas legislações acerca do ensino jurídico, é que tais cursos ministrem uma educação

jurídica preocupada, primeiramente, com o ser humano.

A idéia ultrapassada do ensino do Direito foi, aos poucos, sendo substituída pelo mestre

que faz com que seus alunos “pensem” o Direito e mais: é preciso que o operador saiba

interpretar a norma jurídica adequada ao caso concreto, daí a grande valia dos escritórios de

prática jurídica dos cursos de Direito. A repetição das leis já não é suficiente para formar um

profissional devidamente capacitado para atuar como transformador social, que exige, cada

vez mais, um envolvimento com a interdisciplinaridade de conhecimentos e com a prática

jurídica.

As dificuldades pelas quais passa a Academia, principalmente no que se refere ao

ensino do Direito quanto à metodologia adotada em sala de aula, como o excesso de

disciplinas teóricas e o professor como mero repetidor dos códigos, são motivos de variadas

discussões na seara do ensino jurídico.

A tentativa é de superar a crise no Direito, nas universidades e no setor docente, fazendo

com que o estudante aprenda de maneira interdisciplinar e, acima de tudo, humanizada. Esse é

o objetivo da Resolução nº 09/04: organizar o ambiente acadêmico, oferecendo um ensino

jurídico de qualidade e com uma metodologia adequada para a valorização do ser humano.

Ainda se encontram obstáculos para a implantação de alguns pontos vigentes da citada

Resolução, mas é certo que a publicação da Portaria nº 1.886/94 e a posterior publicação da

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citada Resolução trouxeram grande otimismo a quem verdadeiramente se preocupa com a

qualidade do ensino do Direito e, principalmente, aos professores comprometidos com um

ensino interdisciplinar e humanizado, isto é, preocupados com um ensino de qualidade.

A interdisciplinaridade e a humanização, juntamente com a prática jurídica quando

atingidas pela maior parte dos estudantes dos cursos de Direito, irão operar uma

transformação de grande valia nos operadores do Direito, no sentido de exercerem uma

profissão de maneira ética, humana, colocando em evidência seu papel de cidadão e, acima de

tudo, a valorização do ser humano.

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2 O NOVO ENSINO JURÍDICO

No presente capítulo abordou-se a crise no ensino jurídico, demonstrando-se suas

causas, conseqüências e possíveis soluções. Apresentou-se, ainda que de maneira concisa, a

atuação do Estado no que se refere ao acesso à justiça dos menos favorecidos

economicamente, quando da procura por um atendimento judicial ou extrajudicial nos

escritórios de prática jurídica das faculdades ou centros de Direito. Citam-se a relevância e as

conseqüências na sociedade que decorrem do ato dessa busca pelo Direito.

Citou-se como de suma importância e necessidade urgente a aproximação entre o

conhecimento da realidade social e os estudantes dos cursos jurídicos que pode ser

concretizada por meio da modificação da metodologia de ensino jurídico utilizada atualmente

para um ensino jurídico que coloque o ser humano como ator principal da ciência do Direito.

O uso do movimento do “Direito Alternativo” é dado como uma tentativa de se buscar a

valorização do ser humano, tendo como conseqüência o surgimento de uma sociedade mais

justa e igualitária. Mas para que isso aconteça, deve-se começar com a conscientização do

corpo docente dos cursos jurídicos na demonstração de que o Direito não se trata somente de

processo ou de lei.

O Direito, para cumprir seu verdadeiro papel na sociedade, deve ser estudado e

interpretado juntamente com outras ciências, com a utilização da interdisciplinaridade, isto é,

a necessária conexão do estudo e da interpretação do Direito com outras disciplinas, como

Sociologia, Psicologia, Antropologia, Pedagogia.

2.1 A crise no ensino jurídico

A crise pela qual passa a Ciência do Direito, juntamente com a crise no ensino jurídico,

não se trata de uma crise isolada, porquanto tem reflexos nas ciências sociais, nos processos

educativos e na própria sociedade. Lembra Antônio Carlos Wolkmer (1995, p.75):

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[...] Os fundamentos metafísicos, racionais e formais que sustentaram durante séculos as formas de saber e de racionalidade dominantes, não mais mediatizam as inquetações e as necessidades do presente estágio da cultura burguês-capitalista. Os modelos culturais, normativos e instrumentais que justificam o mundo da vida, a organização social e os critérios de cientificidade tornam-se insatisfatórios e limitados, abrindo espaço para se repensar padrões alternativos de referência e legitimação.

Constata-se uma crise que atinge a organização da sociedade, os valores e até o

comportamento familiar e pessoal, mas de acordo com Paulo de Tarso Ribeiro (1988, p.83),

não fossem as transformações sociais que ocasionaram um aumento brutal de complexidade

das sociedades modernas, o Estado moderno não teria passado por tantas transformações.

Ainda com relação às mudanças sociais (LADINSKY; FRIEDMAN, 2005, p.205),

ressalta-se que o processo de mudança social passa por três etapas: primeira, a definição de

um problema; segunda, escolhem-se os meios para aliviar o problema e, finalmente, a terceira,

os resultados dos meios apreciados e a situação redefinida.

O Direito tem íntima ligação com essas mudanças sociais, visto ser um instrumento

institucional que tem como objetivo assegurar a paz e a ordem na sociedade. O Direito reflete

as percepções, atitudes, valores, problemas, experiências, tensões e conflitos na sociedade.

Note que os processos legais refletem os problemas sociais, as insatisfações coletivas e a direção na qual se move a solução coletiva dos problemas, os interesses diversos e em conflito que se referem ao processo de tomada de decisões e, sobretudo, a natureza incremental da mudança social. (LADINSKY; FRIEDMAN, 2005, p.206).

Warat (OAB..., 1996, p.219) lembra que a década de 90 começa mostrando a crise do

ensino do Direito como efeito da crise civilizatória do fim do milênio. Caracteriza-se esta

crise por uma humanidade ameaçada por sua própria tendência à auto-extinção.

O autor supra citado lembra também que se fazem presentes novas formas de alienação

que irradiam sua força inibidora na área do Direito, ocasionando, como já dito, um novo tipo

de crise no ensino jurídico. Ele denomina essa crise que afeta o Direito de crise de

trivialidades, pois a alienação começa a passar pelas trivialidades, como os sonhos, os

sentimentos e os valores.

O Direito não pode se manter distante dessa crise. Essa época de crise tão profunda

exige que haja um revisão e questionamento de todos os conceitos, uma quebra de dogmas e,

finalmente, uma necessidade de se buscar novos caminhos.

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Joaquim Falcão (1984, p.41) entende a crise como uma perpetuação continuada aos dias

de hoje, das características fundamentais do modelo de ensino jurídico importado de Portugal

para o Brasil, em 1827, por D. Pedro I.

Não se pode desvincular, jamais, que “A crise da formação do jurista é parte intrínseca

desde a instituição dos primeiros cursos de Direito no Brasil em Olinda e São Paulo no ínício

do século passado”. (SANTOS, 1989, p.44-45). As faculdades de Direito, historicamente, não

assumiram uma função destinada à profissionalização.

As escolas de Direito foram criadas para atender às necessidades de um Estado nacional

em emergência. Devido a isso, é que o ensino jurídico privilegiou a formação política em

lugar de uma formação jurídica. Antônio Alberto Machado (2005, p.96) versa que:

[...] Em São Paulo, os bacharéis foram recrutados para os mais importantes cargos do Estado, e suas carreiras profissionais se expandiram pelas diversas instâncias do legislativo e do executivo – como senadores, deputados, presidentes de conselho e presidsentes de província, diplomatas etc- e, em menor escala, pela magistratura e pelo magistério.

Fato é que desde então o ensino jurídico pouco mudou, mas a sociedade mudou muito

quanto às suas necessidades. Daí surge a crise oriunda do conflito entre o que a sociedade

espera do Direito e o que as faculdades oferecem para a sociedade. Mas a pergunta que intriga

o mundo acadêmico e o social, diante de tantas mudanças sociais e em meio a essas crises,

tanto a social, como a do ensino jurídico, é: se os cursos de Direito terão condições de

responder a esses desafios de modo concreto?

2.1.2 Possíveis soluções para a crise no ensino jurídico

O Direito não é só ciência formal, mas também ciência social e filosófica. Cláudio Souto

(OAB..., 1996, p.91) ressalta que:

A Sociologia do Direito é, atualmente, o ramo mais desenvolvido da prespectiva científico-social do jurídico, e tende a formar, juntamente com outros saberes sociais científico-empíricos sobre o Direito (a exemplo da Antropologia Jurídica), uma ciência social do Direito relativamente autônoma, referida apenas à Sociologia Geral, esta vista como ciência do social em geral.

Nesse contexto é preciso que o Direito seja aplicado da melhor maneira possível, isto é,

deve-se evitar uma aplicação literal do Direito, baseada somente no texto da lei, visto que a lei

abstrata pode ganhar sentidos imprevisíveis na concretude da aplicação.

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Herkenhoff (1997, p.22-25) faz a diferença entre interpretação e aplicação da lei: “A

aplicação é uma tarefa lógica, a interpretação é muito mais que tarefa lógica, é arte, é ciência,

é consciência, é mergulho na vida e no ser humano.” E completa: “ A lei deve servir ao

Direito. Porém, nem sempre cumpre o papel que a legitima”.

Para que a crise do Direito seja solucionada é preciso que se modifique primeiramente a

idéia e a aplicação do Direito. Como visto hoje, o Direito passou a ser instrumento de

dominação social, mostrando somente uma idéia rasa do que seja o jurídico. Os operadores do

Direito devem relê-lo.

Mas para que se possa alcançar tal façanha, é preciso começar pela raiz: modificação

dos cursos jurídicos. Outro questionamento que se faz presente é: que espécie de profissional

do Direito se deve formar? Baseado na idéia deste novo profissional, é que se tornará viável

qualquer proposta de reforma do ensino jurídico que consiga ajudar a sociedade a superar essa

crise.

O ensino jurídico no Brasil hoje caracteriza-se pelo seu tradicionalismo e

conservadorismo. Trata-se de um curso eminentemente dogmático, marcado pelo ensino do

que está nos códigos. Para Nalini (2002, p.28):

Positivar as regras jurídicas é essencial, para não privá-las de exigibilidade. Meras recomendações não disporiam de coercibilidade e perderiam a sua principal característica. Todavia, o Direito não se reduz à norma posta. Esta nem sempre consegue contemplar a complexidade das situações que se propõe a abarcar. A realidade é sempre mais rica e inesperada do que a capacidade de prever todas as hipóteses.

Isso se deve à influência do positivismo no pensamento e na cultura jurídica dos

brasileiros. Esse ensino conservador desconhece as reais necessidades sociais. Para Horácio

Wanderlei Rodrigues (1993, p.116):

[...] As salas de aula transformam-se em lugares de reprodução de leis mortas que se chocam com a realidade social. O aluno é preparado para trabalhar com códigos e estes são insuficientes para embasar atividades profissionais que busquem atender aos diversos e conflitantes interesses sociais. A prática jurídica embasada unicamente no direito positivo só pode servir a grupos e classes dominantes, mantendo marginalizados os oprimidos e dominados. O positivismo, como teoria antimetafísica, prende-se à análise da norma positivada do Estado e, dessa forma, não consegue superar o direito posto, apenas reproduzindo-o.[...] Reduz o Direito à lei e busca apenas fazer da legalidade um sistema unívoco, fechado e completo.

Surge, então, o exegetismo que, na opinião de João Batista Villela (1974, p.40),

constitui uma visão inteiramente falsa do ensino jurídico fazê-lo consistir somente em um

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aprendizado das leis em vigor. Em vez de dar ao aluno um instrumental que lhe permita

intervir na construção de uma sociedade melhor, limita-se a oferecer-lhe soluções normativas

dentro de um conceito histórico que não será o de amanhã.

A concepção jusnaturalista, embora antítese do positivismo, também é reducionista.

Coloca o Direito fora da sociedade, construindo uma visão do mundo unívoca, consensual e

não democrática. Tem por base a revelação dogmática, em observação empírica. É estruturado

sobre a crença de valores naturais e imutáveis. Horácio Wanderlei Rodrigues (1993, p.121)

diz que :

[...] historicamente os paradigamas positivista e jusnaturalista têm sido as visões do mundo que têm justificado e embasado as diversas práticas jurídico-políticas dos vários profissionais do Direito. A realidade é que ambos são insificientes para embasar uma verdadeira práxis jurídica em qualquer de suas variadas formas. A complexidade social contemporânea, principalmente nos paíse do terceiro mundo - como é o caso do Brasil – não pode ser explicada e muito menos solucionada apenas por normas estatais ou ideais transcedentes. A condição subumana na qual de encontra a grande maioria da população brasileira é uma realidade que necessita de saídas concretas para as quais o Direito, dentro desses parâmetros clássicos, não encontra respostas.

Ambos, positivismo e jusnaturalismo, produzem visões parciais do fenômeno jurídico

que não representam a realidade. Ambos desvinculam o Direito da sociedade, esquecem de

sua eficácia. A realidade da qual o Direito faz parte é dinâmica e somente pode ser

reconhecida através de métodos também dinâmicos que acompanhem as evoluções. O ensino

jurídico não pode ficar estagnado no tempo. Ele deve evoluir no ritmo das mudanças sociais.

Na visão de Ada Pellegrini Grinover (OAB..., 1996, p.42): “O profissional do Direito

não pode dispensar uma preparação técnico-jurídica, independente das atividade que ele vá

desempenhar, isto é certo. Menosprezar a dimensão técnica do Direito é cair em equívoco,

pois toda ciência necessita de instrumentos técnicos”.

A técnica tem função importante, disso não se duvida, mas ela deve estar a serviço das

finalidades que o Direito se propõe alcançar: finalidades jurídicas, mas também finalidades

sociais e políticas. O operador do Direito não pode dispensar a formação sociopolítica, isto é,

humanista e interdisciplinar.

Segundo Miaille (1984, p.49), “o direito nunca está só” e “se torna compreensível

unicamente em relação com outros fenômenos sociais.” Dito isto, resta claro que o fenômeno

jurídico não pode ser estudado isoladamente, assim como também não o pode somente através

de critérios exclusivamente jurídicos. É preciso uma abordagem interdisciplinar.

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O profissional do Direito deve estar a par dos problemas sociais e entendê-los, e para

que tal desejo se concretize é preciso começar tal preparação nos bancos das universidades.

Um curso jurídico meramente técnico não prepara o estudante para a importância do fator

social, para o humanismo. Milton Paulo Carvalho (OAB..., 2001, p.210) assim define o

humanisno:

Num sentido moderno, o humanismo significa o contemplar toda criação humana, aplicando o senso estético na apreciação das artes, interpretando a história, conhecendo e explicando os comportamentos individuais e as reações sociais na sua multíplice variedade, exercitando a retórica e cultivando a literatura e a arte de bem expressar.

O estudante de Direito e até mesmo qualquer profissional que atue na seara jurídica não

podem dispensar uma formação sociopolítica. Ada Pellegrini Grinover (OAB...., 1996, p.43)

cita alguns exemplos para melhor ilustrar essa idéia:

O advogado que se dedique exclusivamente às lides forenses não poderá satisfazer-se com o conhecimento técnico-jurídico, quando se defrontar, por exemplo, com causas que envolvam questões de terra, que demandam a compreensão dos conflitos entre propriedades e apossamentos; ou quando se trate de processos trabalhistas, a exigirem o conhecimento das relações entre capital e trabalho; ou quando se deparar com lides envolvendo o riquíssimo substrato social das relações de consumo; ou , ainda, quando tiver que ajuizar uma demanda coletiva, em defesa nos novos interesses meta-individuais que, por se enquadrarem nos conflitos de massam, implicam sempre um tratamento político. Sem falar nas hipóteses em que o Direito Positivo não dá resposta aos novos conflitos(pense-se me algumas hipóteses atinentes a mercado de capitais, à informática, ao leasing,aos contratos mistos atinentes aos apart-hotéis), ocasião em que o advogado deverá buscar a solução no ordenamento jurídico como um todo, incluindo seu abstrato sociológico.

Pode-se afirmar que a união entre a formação técnico-jurídica e formação sociopolítica

é imprescindível para que o profissional do Direito ocupe um lugar de relevante função numa

sociedade em transformação. À medida em que ele aprofunda sua concepção humanística,

social e jurídica da vida, há uma mudança na sociedade.

A reforma no ensino jurídico não se limita a modificações na estrutura curricular, mas

sim, no modo de ensinar o Direito. É necessário estimular uma nova mentalidade dos

docentes, que devem primar pela análise e interpretação das normas jurídicas, despertando

uma postura crítica por parte dos estudantes, formando sua consciência jurídica.

As novas diretrizes curriculares dos cursos de Direito, pelas inovações que incluem, podem ser um instrumento importante no processo de superação de uma parte considerável das crises existentes em nível de educação jurídica – mas somente se a reforma que delas se originar estiver alicerçada em, pelo menos dois pressupostos básicos: (a) a superação do positivismo normativista, [...] e (b) a substituição da educação tradicional por um modelo educacional crítico, reflexivo, interativo e inovador.[...].(OLIVO, 2000, p.138).

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Tal questão está intimamente ligada ao problema do método. O ensino do Direito é um

ensino discursivo: o professor fala e o aluno escuta. É basicamente o ensino das instituições e

o ensino dos textos legais.

É preciso que se supere o método do raciocínio dedutivo simplista, que não permite

trabalhar fora do âmbito estreito da legalidade. Estudar Direito não é apenas conhecer dogmas

e neles enquadrar casos fictícios ou reais e chegar-se a uma conclusão, antes disso é preciso

pensar, analisar, interpretar o Direito de maneira social e humana.

Horácio Wanderlei Rodrigues (OAB..., 1996, p.106) fala que há um vício que

acompanha as aulas expositivas nas disciplinas dogmáticas. Ele chama de ‘código comentado’

e diz que, através dessa ‘técnica’, o professor lê os artigos do código referentes ao conteúdo

da disciplina que ministra e explica aos alunos o ‘significado’ de seus textos. Para ele, essa

técnica não deve ser totalmente abolida, pois trata-se de um instrumento didático-pedagógico

importante na área jurídica. O que não se deve fazer é reduzir o ensino do Direito ao ensino

das leis.

Para Horácio Wanderlei Rodrigues (OAB..., 1996, p.106), o “código comentado” é

apenas um momento na formação dos operadores jurídicos, que devem ter a agilidade para

adaptarem-se às constantes mudanças da sociedade e, conseqüentemente, às mudanças dos

textos legais.

Devem ser utilizadas novas técnicas substituindo, óbvio que parcialmente, as aulas

magistrais por seminários, pesquisas, leituras dirigidas e trabalhos de grupos. É fundamental

que o estudo tenha caráter interdisciplinar, utilizando a técnica da aplicação dos

conhecimentos a problemas reais ou imaginários. Somente dessa forma a preparação técnico-

científica ficará completada pela visão sociopolítica. (GRINOVER, OAB...,1996, p.44-45).

Todo curso universitário deve primar pelo estudo do humanismo, transcedendo à

dogmática, mas é no curso de Direito que tal objetivo toma extrema relevância, visto tratar-se

diretamente com os anseios, desejos, traumas, dores, angústias dos seres humanos.

Mais importante do que transmitir ao estudante o conhecimento de toda a legislação de

maneira detalhada e extensiva, é essencial fornecer-lhe os conhecimentos e instrumentos

necessários para a pesquisa e encontrar a lei para o caso concreto.

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É na busca de um dispositivo para o caso concreto através do atendimento aos assistidos

que os estudantes dos cursos jurídicos realizam seu estágio de prática nos núcleos de prática

das faculdades de Direito. Mas não é somente a busca por esse dispositivo que é importante

nesse estágio: a aproximação do aluno e do assistido faz com que o estudante se depare com

uma realidade que não é de seu mundo.

O ensino do Direito não pode preocupar-se somente com a preparação técnica do

estudante, preocupar-se somente com o conhecimento dos códigos. O estudante precisa ter

conhecimentos gerais, como Sociologia, Economia, Filosofia, para que conheca os problemas

da sociedade em que se situa e repense o Direito no momento de aplicá-lo.

Paulo de Tarso Ribeiro (1988, p.82) ressalta que “[...] o Direito não é um sistema

fechado e independente, mas antes atua em um sistema social na plenitude de suas inter-

relações e articulações com os demais subsistemas que integram, em sua complexidade

dinâmica, a sociedade como um todo”.

É fundamental que os estudantes dos cursos jurídicos tenham a consciência de que,

como futuros juristas, têm um papel a desempenhar no processo de transformação social.

Benedito Calheiros Bonfim (OAB..., 1996, p. 82) lembra:

[...] os conhecimentos ministrados nos cursos jurídicos, pelo seu caráter, em greral, abstrato, conduzem os alunos à alienação, o faz com que, ao ingressarem na vida profissional, surpreendam-se com a realidade com que se defrontam. Despreparados, não sabem se expressar, nem articular, em sua maioria, de forma inteligível, a pretensão que desejam formular em juízo. Porque nunca foram persuadidos a adquirir o gosto e o hábito da leitura, não sabem escrever corretamente. Por falta de conhecimento da realidade e ausência de senso crítico, decepcionam-se, por igual com a Justiça, porque não imaginavam que esta possuísse os mesmos defeitos e virtudes, os mesmos acertos e erros de todas as instituições humanas.

O conhecimento da realidade é de grande relevância para que o estudante do curso de

Direito perceba com o que vai se deparar no decorrer de sua atividade profissional, seja esta a

advocacia, Ministério Público, Magistratura ou qualquer outra atividade da área jurídica.

O distanciamento dos fatos, da sociedade, de seus anseios, desejos e traumas somente

coloca o estudante do curso de Direito em uma redoma onde ele se aliena, engana-se, ilude-se

com sua própria noção do que seja real, onde ele, envolto em seu mundo, acredita ser aquele o

único.

A proposta de Rui Barbosa no sentido de colocar o ensino jurídico na modernidade era

de que o ensino deveria fundamentar-se numa metodologia científica, admitindo-se somente

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as realidades verificadas segundo os preceitos rigorosos da lógica experimental. (ROCHA,

OAB..., 1996, p.195).

Esse método seria baseado na observação real dos fatos e na sucessão natural de causas

e efeitos, conforme a sociologia da época. E mais: ele sugeria a supressão do currículo dos

cursos de Direito das cadeiras, tidas por ele como metafísicas, como Direito Eclesiástico e

Direito Natural, sendo esta última substituída pela cadeira de Sociologia. (OAB..., 1996,

p.195).

Mesmo que haja uma reforma do ensino do Direito através da grade curricular, não se

pode esquecer de uma preparação de índole técnico-científica, unindo-a com a preparação

sociopolítica, visando a formar um estudante conhecedor da dogmática, mas atento e

consciente para a importância política e social do Direito, preocupado com as exigências e

valores fundamentais da pessoa humana.

Rodrigues (1988, p.106) diz que a maioria das propostas apresentadas para a solução da

crise do ensino jurídico fala da necessidade de uma alteração curricular que introduza um

currículo mais flexível, que concilie a teoria e a prática de forma harmônica, e que permita a

sua adaptação às realidades sociais e regionais; a substituição da aula-conferência por uma

aula mais participativa, como a aula-dialogada e o seminário; a implantação de um ensino

interdisciplinar, visando a desenvolver a visão crítica do fenômeno jurídico e a adequação do

Direito à realidade social; e, finalmente, aumentar a qualificação do corpo docente e exigir

maior dedicação do corpo discente. E o mesmo autor rebate afirmando que:

O problema do ensino jurídico não se reduz a questões curriculares e didático-pedagógicas. Currículo e metodologia do ensino são meras consequências de uma estrutura de pensamento e de uma prática já estabelecidas; são consequências do senso comum teórico dos juristas e quanto à questão da interdisciplinariedade ressalta que: A interdisciplinaridade não se realiza em um conjunto de disciplinas estanques – isto é multidisciplinaridade- mas sim na análise do objeto a partir de categorias pertecentes a vários ramos do conhecimento em um mesmo momento, buscando apreender todos os aspectos deste objeto, em sua integridade. Para isso não se precisa mudar currículos e introduzir novas disciplinas. (RODRIGUES,1988, p.107-108).

Diante das mais variadas soluções para crise do ensino do Direito, a de Warat (OAB...,

1996, p.221-222) é que mais de adapta ao objetivo do presente trabalho:

Particularmente penso que o fundamental, na tentativa de superação da crise civilizatória, passa pelo esforço de superação das trivialidades, pelo aprofundamento dos afetos. Nisto reside o amor como força política. [...] Sempre pensei que aprender era lago muito maior que o domínio de uma informação técnica-legal. A aprendizagem do Direito, como algo vinculado à dignidade, à solidariedade, à

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autonomia, à justiça social. Por certo que para aprender isto é preciso que se estimule aos alunos para o amadurecimento dos afetos. Assim, ajudando-os a amadurecer emocionalmente estarão mais abertos para a aceitação das diferenças, a recepção do novo e a produção criativa do mundo. Porque isto é aprender Direito: ser criativo, aberto ao novo e predisposto à solidariedade. O resto é a crise.

Aqui encontra-se o papel do corpo docente dos cursos jurídicos: despertar a consciência

crítica de seus alunos, retirando-os de suas próprias realidades e demonstrando que há outro

mundo fora os seus. Fazendo que com estes tenham contato direto com a realidade e com os

problemas sociais, políticos e, principalmente, econômicos da sociedade.

Apesar da crise civilizatória e da crise do ensino do Direito com a qual se depara, há que

se buscar uma solução para estas. É preciso que haja um ensino jurídico preocupado com o ser

humano, seus anseios, suas dores e frustrações. Deve-se colocar o estudante do curso de

Direito frente a essa realidade como uma forma de conscientização e aprendizado de onde ele

vai atuar profissionalmente.

Pouco adianta um ensino jurídico baseado na leitura da legislação e de códigos se não se

mostra o que está histórica e verdadeiramente por trás daquela norma. É preciso colocar o ser

humano acima de toda e qualquer legislação para que se possa chegar à conclusão de qual

dispositivo caberá ao caso concreto.

A Resolução nº 09/04 do MEC exige que os estudantes dos cursos jurídicos realizem

atividades de prática real nos chamados Núcleos de Prática Jurídica das faculdades e Centros

de Direito. Os núcleos de prática das faculdades de Direito, mais precisamente, o EPJ –

Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza, o qual será objeto de estudo no

terceiro capítulo, prima por esses valores humanitários. O estudante do curso de Direito,

estando frente a frente com um assistido, tem a oportunidade de deparar-se com a realidade.

É como se ele fosse colocado em outro mundo, um mundo o qual ele sabia que existia,

mas ainda não conhecia. A prática jurídica oferece-lhe essa oportunidade: presenciar um

mundo até então desconhecido para o aluno, mas ao mesmo tempo permitindo a descoberta do

mundo real de boa parte da população menos favorecida economicamente. Para Carlos

Aurélio Souza (2002, p.17):

[...] entre uma visão puramente dogmática e crítica do Direito, sob vieses ideológicos, a prática neutraliza essa visão parcial: não é mais um homem virtual, ideal, para o qual se destina o Direito, alienado das realidades sociais, utópico, diríamos, mas a prática trabalha com homens reais, com seus problemas jurídicos, concretos, bem definidos e demarcados pela dialética dos contratos ou do processo.

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Com a modificação do ensino jurídico, através da conscientização dos docentes, e,

conseqüentemente, dos discentes, com uma mudança no paradigma sobre o conceito do

Direito, é que se pode amenizar a crise no ensino jurídico, crise do Direito e crise social.

É preciso que haja uma plena noção de que o estudo e o ensino do Direito devem estar

intimamente ligados a outras ciências, como Sociologia, Psicologia, Filosofia, Antropologia,

para que o ser humano seja cada vez mais valorizado.

O ensino do Direito somente através da leitura dos códigos coloca o ser humano em

estado de esquecimento, como se ele tivesse um papel secundário na ciência do Direito. Em

todas as ciências, qualquer que seja seu objeto de estudo, o ser humano tem o papel principal

e primordial em todas as descobertas.

A ciência do Direito, que lida com emoções, dores, traumas, sonhos, frustrações, deve

ter como foco a premissa de que o ser humano deva ser tratado da maneira mais valorizada

possível para que se possa oferecer à sociedade uma sensação de tranqüilidade e de segurança

em relação a seu envolvimento com problema jurídico.

Através da modificação do ensino jurídico, com a colocação do homem no centro da

ciência jurídica, pode-se sair da crise, visto que a sociedade parece intrigada com o Direito,

para um estágio de paz, entre esta e o Direito, isto é, uma plena adequação entre o que a

sociedade deseja e o que o Direito oferece.

2.2 O Estado e o acesso à justiça

O ser humano organizou-se em grupos sociais. Esses grupamentos são diferenciados

entre si através do povo, da época, do local e da cultura. Entretanto, sempre tiveram algo em

comum: a existência de regras de convivência. Sem essas regras, mesmo que estas sejam

costumeiras, seria impossível a vida em sociedade, pois a liberdade plena é incompatível com

a convivência harmoniosa em sociedade.

À medida que essas sociedades evoluíram, tornando-se complexas, surgiu também a

necessidade de se regrar a forma de exercício de poder dentro delas. Foi preciso, assim,

instituicionalizar o poder e as formas de acesso a ele.

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A ordem é fundamental em qualquer grupo humano, pois se cada membro do grupo se

comportasse da maneira como bem entendesse, a vida social seria completamente instável.

José Albuquerque Rocha (1995, p.20) enfatiza:

A idéia de que a vida social se rege por uma ordem é tão verdadeira a ponto de ser o pressuposto teórico de toda ciência social, certo só haver ciência onde existe regularidade, isto é, a existência de comportamentos de acordo com regras, única realidade capaz de possibilitar a generalização dos comportamentos, condição indispensável para fazer ciência.[...].

Mas como manter essa ordem? A forma histórica de manutenção da ordem nas

sociedades modernas é o Estado. Com ele as regras sociais também passaram a ser

institucionalizadas, dando origem à legislação.

Para cumprir seu objetivo social de garantir a ordem, o Estado emite regras de conduta,

denominadas direito. A aplicação dessas regras é assegurada ou pela aceitação do grupo ou

pela imposição através da força exercida pelo Estado, em casos de desobediência. (ROCHA,

1995, p.21).

As normas de convivência transformaram-se, assim, em normas de controle, seja do

Estado pela sociedade, assim como controle dos indivíduos e grupos sociais pelo próprio

Estado.

Mesmo com a existência e a instituição de normas sociais e estatais, não foi possível

evitar a má administração dos conflitos, pois nem sempre esssas normas foram respeitadas.

Decorrência disso, surgiu a necessidade de se criar normas que definissem as formas pelas

quais seriam resolvidos os conflitos e insatisfações. Daí a origem do direito processual e da

jurisdição. (RODRIGUES, 1994, p.22).

Como conceito de jurisdição, Rocha (1995, p.23) diz que: “A jurisdição é justamente a

instância que realiza a função de interpretar e aplicar, coativamente, as normas jurídicas de

modo terminal, garantindo a certeza e a segurança dos direitos de que carece a sociedade para

reproduzir-se na história”.

Segundo ele, trata-se de uma atividade indispensável a todo ordenamento jurídico, pois

coloca um ponto final no debate sobre o sentido, o alcance e a validade das normas, assim

como transforma as proposições normativas abstratas e gerais em disciplina efetiva de fatos

concretos e reais.

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Quando o Estado legisla, fixa normas que permitem a existência e o desenvolvimento

da sociedade. No ato de aplicação dessas normas, exerce a atividade jusrisdicional,

protegendo um direito que foi descumprido. Agindo dessa maneira, prima pela ordem e pela

sobrevivência da sociedade.

O Estado deve ter a capacidade de recompor as relações sociais de acordo com o

Direito, as quais os indivíduos ou grupos de indivíduos possam recorrrer, quando seus direitos

forem desrespeitados. José Eduardo Faria (1984, p.5) cita que:

[...] o direito comtemporâneo passa a ter de enfrentar, obrigatoriamente, conflitos, tensões, necessidades e interesses – enfim, problemas, concebidos como questões abertas, infinitas e intermináveis, para os quais existem diferentes soluções simultaneamente possíveis, mas conflitantes entre sim, dificultando, pois, uma decisão. Deste modo, o direito irá aparecer sob uma forma pouco ortodoxa, como um sistema de decisões, lidando com a escassez de consendo, com as crises, com a diferenciação social, a compor uma ordem necessariamente aberta e instável, dada a sua relação a problemas ou gupos de problemas.

O Estado tem que oferecer condições adequadas para que a sociedade, um grupo e até

mesmo um único indivíduo, ao se sentir lesado, tenha a oportunidade de recorrer ao Poder

Judiciário para rever seu direito. Ainda no que se refere à jurisdição, Rodrigues (1994, p.24)

lembra que:

[...] O estado contemporâneo é intervencionista; e tem de sê-lo, para que possa cumprir sua função social. Quem em última instância zela pelos seus objetivos é a jurisdição: é ela que os indivíduos, as coletividades e o próprio Estado recorrem, sempre que esse objetivo maior, denominado por muitos de bem comum, não é atingido.[...] Incorporada contemporaneamente em um estado intervencionista e que possui funçao social, é nesse quadro que deve ser compreendida. Sua atividade deve ser voltada ao cumprimento dos objetivos fixados pelo Estado em qual está inserida; na fixação desses é indispensável levar em consideração as necessidades e aspirações da sociedade. É esse elemento que lhe confere legitimidade.

Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, diz que “O Estado

prestará assistência integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O

Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza firmou convênio com estas

Defensorias Pública do Estado do Ceará para o atendimento da sociedade em seu campus.

É o Estado atuando, oferecendo as condições necessárias e fundamentais para que

qualquer cidadão que se sinta lesado em seu direito, possa procurar uma solução para a

satisfação de sua pretensão junto ao Poder Judiciário, através do direito processual. Rodrigues

(1994, p.29) lembra: “Sempre que um direito não for respeitado espontaneamente, não há

como fazê-lo legitimamente senão através do processo”.

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O processo é entendido atualmente como, além de instrumento da garantia dos

tradicionais direitos individuais, garantia dos direitos coletivos e difusos, incluídos aí os

novos direitos políticos e os direitos sociais.

Não é somente um instrumento técnico, possui também conteúdo ético, para que sejam

realizados seus escopos sociais e políticos. E esses, para que sejam legítimos, devem

representar as mais verdadeiras aspirações da sociedade. (RODRIGUES, 1994, p.25-26).

Nesse diapasão é que deve haver a efetividade do processo, isto é, a capacidade do

direito processual e do sistema onde ele está inserido eliminar concretamente, com justiça, as

insastifações e os conflitos, para que o Direito seja cumprido.

2.3 A busca do Direito

É de grande importância a interdisciplinaridade para os estudantes dos cursos jurídicos,

tanto no aprendizado das disciplinas teóricas, como e, principalmente, nas disciplinas práticas,

nos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito. É preciso o conhecimento de

algumas disciplinas que, mesmo estando ligadas ao Direito, estão fora da grade curricular para

que o assistido sinta-se protegido pelo Direito.

De fundamental importância para o crescimento e amadurecimento dos estudantes de

Direito, é o atendimento à população carente nos núcleos de prática das faculdades. É a partir

daí que os alunos “acordam” para a verdadeira realidade, como já dito.

Mas qual a importância desses núcleos para a população? Quais as consequências que

ocorrem no núcleo da sociedade quando os assistidos buscam seus direitos através das

universidade?

A realidade e a força prática das regras de Direito devem servir para a realização dos

direitos concretos. Deve haver constantemente essa luta contra a injustiça. Ihering (1996, p.

46) com primazia lembra que:

Quem defende o seu direito, defende também na esfera estreita deste direito, todo o Direito. O interesse e as consequências do seu ato dilatam-se portanto muito para lá da sua pessoa. O interesse geral a que então se liga não é somente o interesse ideal de defender a autoridade e a majestade das lei, mas o interesse muito real, muito prático, que em todos se manifesta e todos também compreendem, mesmo aqueles que daquele primeiro interesse não têm a menor inteligência, em que a ordem estabelecida da vida social, na qual cada um pela sua parte é interessado, seja assegurada e mantida.

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Para o citado autor, a defesa e a busca de um Direito é quase um dever para com a

sociedade. Para ele, cada qual é um lutador nato pelo direito, no interesse da sociedade.

Ihering (1996, p.49) afirma que, onde há justificativa essencial da função que os núcleos

de prática jurídica exercem na sociedade e sua verdadeira importância quando o autor diz que,

na luta pelo direito, mesmo que um seja impelido pelo mais prosaico interesse, outro pela dor

de uma sofrida injustiça, um terceiro pelo sentimento de dever, todos trabalham na luta contra

o arbítrio.

E mais: partindo do motivo vulgar do interesse de alguém em buscar seu direito, eleva-

se à conservação moral da pessoa para atingir a cooperação do indivíduo na obra comum da

realização da idéia do direito.

A luta pelo direito não está restrita ao direito privado ou à vida particular. Quando um

assistido dirige-se aos escritórios de prática jurídica, estende-se mais longe: repercute

diretamente na sociedade, podendo-se afirmar que repercute até na nação, pois “Uma nação

não é afinal senão a soma de todos os indivíduos que a compõem, e sente, pensa e opera como

sentem, pensam e operam os indivíduos”. (IHERING, 1996, p.49).

O atendimento à sociedade nos escritórios de prática jurídica, em sua maioria, trata-se

de direito privado, como o Direito Civil e, mais especificamente, o Direito de Família. Daí,

poderia imaginar-se que a procura desses núcleos para a defesa de direitos privados não

surtitia efeito algum na sociedade e nos povos.

Acontece com maior ênfase a transformação na sociedade através da defesa de um

direito privado. A partir desta busca, o cidadão dará a prova maior de que acredita no Direito.

É o que diz Ihering (1996, p.63):

O direito privado, e não o direito público, é a verdadeira escola de educação política dos povos; se alguém quiser saber como um povo defenderá, se for preciso, os seus direitos políticos e sua política internacional, bastará examinar a forma porque o simples particular defende os direitos próprios da vida privada.

O fato de alguém dirigir-se a um núcleo da Defensoria Pública do Estado e de lá ser

encaminhado para um escritório de prática jurídica de uma faculdade de Direito, demonstra a

busca por socorro e a real necessidade de um Direito efetivado.

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A busca pelo Direito reflete diretamente na comunidade à qual o assistido pertence. Há

também grandes repercussões e conseqüências em toda a nação. É como se cada indivíduo

que fosse buscar seu direito “acordasse” seu vizinho para fazer o mesmo.

Quantos direitos ficariam adormecidos se não fosse pela luta, pela busca do direito de

um conhecimento, de um vizinho que comentou nas redondezas. O sentimento imediato que

se nutre no próximo é de esperança, pois se ele viu que o direito de seu vizinho foi dado, ele

acreditará que assim acontecerá com ele.

O atendimento nos escritórios de prática dos cursos jurídicos, além de obeceder às

exigências da Resolução nº 09/04 do MEC, ajuda a sociedade a buscar seus direitos e, o que é

mais importante: opera transformações significantes nessa sociedade e até mesmo na nação.

2.4 A importância do conhecimento da realidade para o estudante de Direito

O ensino jurídico no Brasil foi marcado historicamente por sua desvinculação da

realidade social e por suas constantes crises e reformas. Como visto, a preocupação do Estado

nos cursos jurídicos era formar cidadãos que trabalhassem em prol do status quo.

É fundamental para o homem estar continuamente em interação e comunicação com os

outros. A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e

subjetivamente dotada de sentidos, isto é, cada qual tem a idéia do que seja a realidade e,

geralmente, essas noções são diferentes.

Essa realidade modifica-se constantemente, assim como as concepções de vida, de

homem e de mundo se transformam. A partir daí, também há a transformação do

conhecimento.

A realidade tem existência independente de uma vontade, “ é fruto da criação do

homem num dado momento e noutro exerce, na sua objetividade, influência sobre ele. Numa

palavra: o homem é produtor e produto da realidade social”. (LIBÂNIO, 1985, p.64). A

realidade tem íntima ligação com a sociedade, visto que:

[...] a realidade não é simplesmente construída, mas socialmente edificada. A construção da realidade é um processo fundamentalmente social: são comunidades humanas que produzem o conhecimento de que necessitam, distribuem-no entre os seus membros e, assim, edificam a sua realidade. (DUARTE JUNIOR, 2004, p.36).

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O processo de aprendizagem da realidade também pode ser chamado de socialização.

Através dele há transformação e aprendizado pelo homem, pois ele passa a ver o mundo como

vê seus semelhantes. A sociologia do conhecimento diz respeito à análise da construção

social da realidade, porquanto trata das relações entre o pensamento humano e o contexto

social dentro do qual surge. (BERGER; LUCKMANN, 2004, p.15).

Quanto à questão da aproximação e conhecimento da realidade, Duarte Júnior (2004,

p.34) lembra que a realidade propoderante é sempre a do dia-a-dia e, à medida em que há um

afastamento dela, os conhecimentos vão se tornando mais obscuros e nebulosos.

Versa ainda que o saber está ligado com o viver o dia-a-dia e, à medida que

determinadas zonas de realidade se afastam do cotidiano, o conhecimento que se tem sobre

elas torna-se cada vez mais escasso.

Cláudio Souto (2002, p.113) lembra que a Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito

é a ciência que investiga, através de métodos e técnicas de pesquisa empírica, o fenômeno

social jurídico na realidade social total, estudando as relações recíprocas entre essa realidade e

o direito.

José Eduardo Faria (1984, p.19) faz a distinção do objeto de estudo das sociologias

clássicas e contemporâneas quando diz que primeira concentrou a sua atenção no equilíbrio

social e o consenso, enquanto que a sociologia contemporânea preocupa-se com os elementos

de crise, dissenso, clivagem e conflito.

Ressalte-se o caráter social da Ciência do Direito, que não é só fato, como pregam os

empiristas, que não é só valor, como querem os idealistas, e que não é exclusivamente forma,

como insistem alguns positivistas. A Ciência do Direito é uma ciência social na medida em

que trabalha com modelos jurídicos. (FARIA, 1984, p.25).

O aluno tem sua própria percepção de realidade, a realidade de seu mundo, assim como

todo ser humano. Quando ele realiza o atendimento à população nos núcleos de prática

jurídica das universidades (sendo esta quase sempre extremamente carente), depara-se com

um mundo que ele sabia que existia, mas com o qual não teve contato até então.

Pode-se afirmar que a obrigatoriedade de cumprir uma atividade real, nos escritórios de

prática jurídica, faz com que essa experiência transporte o aluno de seu mundo e lhe mostre a

verdadeira realidade social.

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O ensino jurídico não deve pecar pelos excessos de naturalismo ou positivismo. É de

fundamental importância que o aluno tenha contato com a realidade para que tome

conhecimento do que irá enfrentar em sua profissão. E mais: é preciso que a sociedade sinta-

se amparada pelos cursos de Direito no momento em que estes prestam serviços a ela.

Faria (1984, p.48) afirma que é possível verificar que todo o direito positivo tem, em

sua estrutura, uma instabilidade intrínseca, resultante do conflito permanente dos valores

sociais entre e com a própria realidade social. E completa:

A partir daí torna-se evidente que o Direito não é apenas a realização do justo, o fato social ou mera ciência de normas, que os romanos chamavam de Jurisprudência, mas, isto sim, uma realidade histórico-cultural, de natureza bilateral atributiva, vinculando fatos e valores em síntese superadoras e temporárias das tensões sociais, segundo regras de convivência. (FARIA, 1984, p.27).

Profissionalizar os recém-saídos dos cursos jurídicos deve ser prepará-los para enfrentar

essa realidade. É colocá-los a serviço da sociedade, em busca de justiça social efetiva.

É preciso que se construa um novo objeto para a ciência e o ensino jurídico, voltando-os

para a realidade vigente. Para que isso aconteça, deve-se negar os paradigmas que se têm

alternado historicamente como dominantes no pensamento jurídico:

É necessário encontrar uma forma de colocar o Direito a serviço da Democracia, a serviço da comunidade. A crítica histórica aos cursos jurídicos no Brasil tem-se centrado na sua desvinculação da realidade social. É preciso enqualdrá-los nessa realidade, não para a sua estaganação, mas para a sua adequação à justiça social efetiva. (RODRIGUES, 1988, p.111).

Roberto Lyra Filho (1982, p.132) propõe a dialética como método de apreensão do

Direito, dentro de tantas contradições sociais para que se possa superar os positivismos e os

idealismos.

Horácio Wanderlei Rodrigues (1988, p.114) explica que Lyra Filho (1982) vê a dialética

como tendo na totalidade e no devir as suas mais importantes categorias. A sociedade é um

sistema (uma totalidade dialética) em que tudo está inter-relacionado.

O método dialético por ele empregado busca apreender o objeto do conhecimento em

todos os momentos das várias contradições existentes, tanto em nível de infra-estrutura como

de superestrutura, em seu devir histórico, em sua transformação constante.

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Para o citado autor, a dialética visa a apreender a totalidade social em todos os seus

níveis e contradições e é uma das formas de se conseguir uma mudança na aplicação do

Direito. (RODRIGUES, 1988, p.115).

Apesar da crise pela qual passa a sociedade e o ensino jurídico, considera-se a

obrigatoriedade do estágio de prática real pela Portaria nº 1.886/94 um avanço na formação

dos estudantes de Direito.

Somente as aulas teóricas, limitadas às salas de aula, sem levar em consideração o

empirismo, não tem mais lugar nas universidades. O positivismo, unicamente, já não faz mais

parte dos bancos universitários. Os cursos jurídicos cada vez mais abrem-se para o

conhecimento da realidade e, conseqüentemente, da sociedade.

O professor deve pesquisar formas de ensino que mais se adaptem aos seus alunos, aproveitando, quando viável, partes dos métodos e técnicas reconhecidos, procurando estruturar novas fornas de ensino mais ajustadas à realidade pedagógica que tenha de enfrentar.(MELO FILHO, 1977, p.48).

Muito ainda há que ser modificado, é certo. A começar pela conscientização do corpo

docente, que deve primar por um ensino crítico do Direito, mas toda mudança requer tempo e

preparação para que haja verdadeira consolidação de seus propósitos. Os primeiros passos

foram e estão sendo dados para que os recém-saídos dos cursos jurídicos possuam uma

formação humana tão relevante quanto a formação técnica.

2.4.1 A interpretação da realidade

O inciso LXXIV, artigo 5º, da Constituição Federal versa que “o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Para que seja prestada assistência judiciária de modo efetivo e abrangente, é preciso que

se propicie ao interessado todos os instrumentos necessários antes, durante e posteriormente

ao processo judicial e até mesmo extrajudicialmente.

Saliente-se que o acesso à justiça, como direito fundamental, tem aplicação imediata,

não devendo ter tratamento de norma programática. Mesmo sendo considerado um direito

fundamental, é importante que o acesso à justiça seja ampliado, com vistas a alcançar toda a

sociedade.

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Mas qual o público destinatário de uma norma fundamental? Toda a sociedade, sem

exceção? O povo?

Friedrich Müller (2003, p.63) lembra que somente pode se falar em povo ativo quando

vigem, se praticam e são respeitados os direitos fundamentais individuais. Para ele, direitos

fundamentais não são valores, privilégios, exceções do poder de Estado ou lacunas nesse

mesmo poder. Trata-se de normas, direitos iguais, dos cidadãos. Fundamenta juridicamente

uma sociedade libertária, um Estado democrático. E salienta:

Quando o termo ‘povo’ aparece em textos de normas, sobretudo em documentos constitucionais, deve ser compreendido como parte integrante plenamente vigente da formulação da prescrição jurídica (do tipo legal), deve ser levado a sério como conceito jurídico e ser interpretado lege artis. (MULLER, 2003, p.83).

Os cursos jurídicos, em obediência à Portaria Ministerial nº 1.886/94, e, posteriormente,

à Resolução nº 09/04 do MEC, como já explanado com capítulo 1 do presente trabalho,

tiveram que fazer uma série de adaptações em seus currículos, mas, principalmente, em sua

estrututura no que se refere à obrigatoriedade nos núcleos de prática jurídica.

Não existe nenhuma democracia viva sem espaço público. Ele é o espaço do povo, quer dizer, da população: ‘A praça é do povo, como o céu é do condor’ (Castro Alves). Nele oscilam os processos informais da sua participação política, na qual podem apoiar-se aqueles formais de participação: para tornar o povo identificável, abrindo-lhe espaço para que ele se crie – atuando em situações concretas, diante de problemas concretos. (MÜLLER, 2003, p.132).

Fundamental é o papel do educador no que se refere ao atendimento da população no

núcleo de prática das faculdades. A pedagogia está intimamente ligada à antropologia. Essa é

a visão de Paulo Freire (2006, p.13) quando afirma que a educação reproduz a estrutura

dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de produção do homem, segundo ele,

para o homem, produzir-se é conquistar sua forma humana.

Quando os estudantes dos cursos jurídicos atendem à sociedade nos núcleos de prática,

através da palavra, através do diálogo, é que tentam descobrir um problema. Por meio do

diálogo, isto é, quando o assistido conta sua história, abre-se no aluno um novo conhecimento

e, quem sabe, uma nova consciência.

A palavra é um instrumento de comunicação, é, essencialmente, um diálogo. “A palavra

abre a consciência para o mundo comum das consciências, em diálogo, portanto”. (FREIRE,

2006, p.19).

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Voltando à questão do método, para que haja uma mudança significante no ensino

jurídico, no sentido de conscientizar os alunos quanto à realidade que enfrentarão, o método

de Paulo Freire (2006, p.22) diz que a educação verdadeira conscientiza as contradições do

mundo humano e que um método pedagógico de conscientização alcança as últimas fronteiras

do humano. Para ele:

A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não ‘humanitarista’, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camulflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instrumento de desumanização. (FREIRE, 2006, p.45).

No ato de atendimento aos assistidos, antes do aluno saber qual dispositivo que cabe no

caso concreto, é importante que ele escute, que ele interprete o que está sendo dito pelo

assistido. A formação técnica, como já dito, é relevante, mas o ato de escutar o que

determinada pessoa está dizendo em um local onde ela vai, para, supostamente, resolver seu

problema, pode desencadear uma série de descobertas, tanto para o aluno, como para o

assistido.

O estudante de um curso jurídico deve ter a mínima sensibilidade para tentar resolver

um problema real. É preciso que ele tenha o mínimo de consciência sobre a sociedade e sobre

a realidade. Ele deve ser o intérprete das palavras e dos gestos do assistido para que decida

qual dispositivo legal cabe no caso. Falcão (1997, p.147) ressalta:

Assim , desde que há ser humano, há interpretação. Esta é, de certo modo, etapa primordial no processo de identificação ôntica do ser humano. Não há razão sem capacidade de interpretar. [...] Logo, não há razão sem interpretação, ou, noutros termos, é impossível a identidade humana sem a interpretação, pois o ser humano se apercebe de si interpretando. É por intermédio da interpretação do outro e de si próprio que o ser humano se apercebe de sua realidade mesma. A interpretação é, portanto, necessária ao homem.

De acordo com a Escola da Livre Investigação do Direito de Gény (FALCÃO, 1997, p.

161), a solução contida na lei não é plena, isto é, não resolve todos os casos. A interpretação

não tem como adstringir-se aos textos legais, deve amoldar-se à realidade.

Exatamente aqui é que entra em ação as outras ciências: Sociologia, Psicologia,

Pedagogia, Antropologia, isto é, a interdisciplinaridade do Direito. O aluno, no ato de

atendimento à sociedade nos núcleos de prática jurídica, agirá como intérprete. E como tal,

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deverá procurar elementos sociais, humanos e ideais, capazes de chegar a uma solução que

satisfaça o assistido. Assim, descobrirá que norma adequada cabe ao caso concreto.

Para Falcão (1997, p.210), o ato de interpretar corresponde a dar vida ao objeto em

favor do homem. O homem, no ato de aplicar o Direito, tem o dever de bem interpretar,

interpretando também para o social, como consequência de sua sociabilidade.

A Sociologia, solidariedade e humanismo devem fazer parte desta interpretação. Falcão

(1997, p.216) versa que:

[...] o intérprete, para ser merecedor da dignidade que tem, precisa de conhecimentos profundos. E não apenas na área do Direito. Quem pensa saber Direito somente sabendo a respeito do ordenamento jurídico, nada sabe. Não conhece nem o Direito, nem o ordenamento. Não sabe nem que não sabe. Uma sólida base de conhecimentos filosóficos, políticos, econômincos, sociológicos, psicológicos etc. é que faz de alguém um intérprete, conceito que é bem mais largo e profundo do que o simples exegeta mecânico. E estéril.

O ato de elaboração da petição inicial no núcleo de prática jurídica é de grande

aprendizado para o aluno. No atendimento ao assistido, ele extrai de sua fala e de seu

comportamento dados relevantes acerca do problema em questão, mas é na elaboração da

peça processual que este deverá adequar o fato à norma, como também a norma ao fato.

Ao redigir essa peça processual, o estudante vê-se envolvido com o problema do

assistido. Ele faz a leitura desse problema, não só tecnicamente falando, não somente

procurando no ordenamento jurídico qual norma cabe no caso concreto.

Essa análise envolve outras ciências: Psicologia, Sociologia, Antropologia, Economia,

etc. Pouco adianta o aluno possuir somente o conhecimento técnico. É imprescindível que o

estudante do curso jurídico tenha um ensino baseado na interdisciplinaridade.

Ele precisa ter a consciência de que a realidade que ele possuía antes do atendimento à

população nos núcleos de prática jurídica será modificada. Mais amadurecido e consciente

dos problemas sociais, deverá o aluno entender que aquela será a realidade com a qual ele vai

lidar na sua futura profissão.

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2.5 O uso alternativo do Direito1

Depois de explanado acerca da importância do conhecimento da realidade para os

estudantes dos cursos jurídicos, Rodrigues versa que uma maior compreensão do real a partir

de novos conceitos e proposições teóricas não é suficiente.

Torna-se necessária a implementação de estratégias que modifiquem a realidade, para

que seja construída uma sociedade mais justa e democrática. Para ele, as maiores

contribuições foram o uso alternativo do Direito e algumas propostas desenvolvidas com

relações às questões hermenêuticas e didático-pedagógicas.

O uso alternativo do Direito é um movimento teórico-prático originário da Itália,

formado por operadores jurídicos progressistas, principalmente magistrados, que parte da

negação de que as tarefas de interpretação e aplicação do Direito sejam tarefas eminentemente

científicas.

O movimento crítico Direito Alternativo nasceu na década de oitenta, na América

Latina, mais especificamente no Brasil. Não se trata de uma escola jurídica nem de um

movimento homogênio.

De acordo com essa corrente, é fundamental reconhecer a função política do Direito

enquanto instrumento de dominação de classes. Versa que há uma estreita interdependência

entre as relações jurídicas e as relações econômicas, negando a apoliticidade, a imparcialidade

e a independência do juiz.

A constatação da existência de uma crise político-ideologica e epistemológica do

Direito tem como conseqüência a necessidade da construção de uma alternativa viável, que

possibilite a sua recuperação enquanto instância representativa das aspirações sociais. Nesse

espaço nasce o Direito Alternativo como possibilidade de resgate da integralidade do jurídico.

Afirma o caráter político da atividade judicial e a existência de opções de classe por

parte dos juízes. Não nega o princípio da legalidade. Propõe a utilização do direito positivo de

forma alternativa, com o objetivo de propiciar uma prática jurídica emancipadora, voltada aos

segmentos sociais menos favorecidos. Para Rodrigues (1993, p.148):

1 Tópico baseado na obra de Horácio Wanderlei Rodrigues (1993).

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A doutrina do Uso Alternativo do Direito não possui complexidades especiais, sendo suas questões teóricas fundamentais: a) a declaração da natureza política do Direito; b) a concepção de que as relações entre estrutura e superestrutura não são mecânicas [...]; c) e que são notas características do Direito sua generalidade e vagueza.

O movimento cabe dentre das atuais tendências neomarxistas, mas nenhum de seus

defensores entende que uma revolução proletária tenha que realizar-se por meio do Direito.

Seus membros buscam utilizar o ordenamento jurídico vigente de forma diversa da

predominante, numa direção emancipadora, colocando o Direito ao lado dos que não têm

poder. Para Horácio Wanderlei Rodrigues (1993, p.153):

O movimento, em princípio é uma consequência do Direito desenvolvido principalmente a partir do início da década de 70. A falta de resultados concretos, oriunda da ausência de estratégias específicas, levou ao desenvolvimento de uma série de ações individuais e grupais e que em determinado momento começaram a despontar, às quais foi dada essa demoninação.

O Direito Alternativo em relação à maioria dos movimentos críticos anteriores inova no

sentido de que ele faz uma opção pelos pobres. Sua proposta não se reduz ao universo

acadêmico; de um lado, sua proposta desloca o acadêmico para a rua, através do contato

direto com os problemas populares e a utilização do Direito como instrumento de luta.

De outro, traz uma proposta maior de construção de uma sociedade mais justa, na busca

e na luta por uma sociedade socialista e democrática. Versa que frente a uma antinomia

jurídica e uma imprecisão significativa, deve o intérprete escolher aquela opção que esteja

mais compreometida com a Democracia e os interesses das classes e grupos menos

privilegiados dentro do contexto social.

O instrumento principal a ser utilizado no uso do alternativo do Direito é a

hermenêutica. E nesse sentido a própria legislação brasileira, no artigo 5º da LICC – Lei de

Introdução ao Código Civil, adota expressamente a interpretação finalística como critério

necessário à aplicação do direito nacional, quando versa que “Na aplicação da lei, o juiz

atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Wilson Ramos Filho (1991, p.157) diz que a novidade do Movimento está no caráter

classista de sua opção: “ usar o direito estatal no interesse das classes populares e valorizar o

direito alternativo que é produzido pelas mesmas, à margem do direito estatal”. Rodrigues

(1993, p.162) enfatiza que:

O que o movimento Direito Alternativo traz então de novo se encontra exatamente na fixação de critérios básicos a serem adotados, em cada caso, na escolha da decisão a ser tomada. O princípio ( que consciente ou inconscientemente é sempre

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político-ideológico) deve ser a opção pelos pobres, pelos oprimidos, pelas classes e grupos marginalizados e geralmente expropriados de qualquer Direito. O pressuposto interpretativo deve ser o comprometimento com o bem comum, entendido como o da maioria da população.

O futuro bacharel em Direito deve ter a consciência de que, em algumas comunidades,

há a criação de um Direito à margem do Direito estatal, que é aceito pelas pessoas que

compõem aquela comunidade.

Esse Direito paralelo ao Estado não é dotado de legitimidade, não deve ter a força

coativa própria do Direito estatal, mas é primordial que o estudante de Direito tenha

conhecimento da existência desse Direito existente à margem do Direito estatal como forma

de amadurecimento e conhecimento da realidade.

Resta claro, diante do exposto, que o movimento do Direito Alternativo possui como

objetivo maior a construção de uma sociedade mais justa, podendo ser definida como

socialista e democrática.

Por outro lado, esse Movimento tem a consciência de que a instância jurídica não é

revolucionária e que não se pode, a partir dela, modificar a realidade social. Não se acaba

com a miséria, fome, discriminação, violência, falta de moradia, educação, saúde e

saneamento básico por lei ou decreto.

Porém, algumas atividades podem ser desenvolvidas a partir do Direito, como a

conscientização popular, trabalho realizado principalmente pelas Assessorias Jurídicas

Populares, tanto no que se refere aos direitos já positivados e não respeitados, quanto à

reivindicação de novos direitos emergentes.

Esse trabalho se dá na prática forense, podendo ser feito tanto nas próprias assessorias

jurídicas populares quanto através de profissionais como advogados liberais ou da advocacia

sindical ou classista.

Cabe um papel importantíssimo aos docentes e pesquisadores da área do Direito,

devendo eles refletir e divulgar o movimento de uma forma clara, objetiva e engajada, assim

como buscar mudanças efetivas em nível de ensino jurídico. São exatamentes essas mudanças

que viabilizarão a formação de profissionais comprometidos com o novo.

Não se trata de uma nova escola jurídica, como dito anteriormente, mas sim de um

movimento que busca realizar o possível para que se possa fazer justiça social e construir, a

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médio prazo, uma nova sociedade. A aceitação de seus pressupostos político-ideológicos e

epistemológicos implica uma profunda revisão do ensino jurídico, em toda sua estrutura: uma

verdadeira revolução.

2.6 Dialética e interdisciplinaridade

É preciso utilizar instrumentos metódicos para que o estudo do Direito seja um estudo

ligado diretamente à interdisciplinaridade e à realidade, mas, para que isso aconteça, é

fundamental negar os paradigmas que se alternaram na história do positivismo e do

jusnaturalismo.

Faz-se mister adotar novos instrumentos que revelem o direito em sua totalidade e não

somente uma ciência limitada ao positivismo ou jusnaturalismo. Hoje, mais do que nunca, é

preciso e importante que se coloque o Direito a serviço da democracia e da sociedade.

Uma das críticas históricas relacionadas aos cursos jurídicos é sua desvinculação com a

realidade social. É preciso adequá-los a essa realidade para que se possa alcançar uma justiça

social efetiva.

A crise no ensino do Direito é uma questão epistemológica, envolvendo o objeto do

conhecimento, seu conteúdo e o método que é responsável pela sua produção, passando pela

metodologia utilizada na sua reprodução. (FERRAZ JUNIOR, 1977, p.357).

As ciências humanas exigem instrumentos próprios, diferentes de todas as ciências

naturais. Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1977, p.357) salienta que “uma ciência vale-se de

diferentes técnicas. Mas não são as técnicas que decidem sobre o caráter científico da

investigação e sim o método. Ora, a pluralidade de métodos desconcerta o teórico que reflete

sobre o sentido da atividade do cientista do Direito”.

A análise do método é imprescindível quando se fala em crise do ensino jurídico, pois

não basta mudar a forma de transmitir o Direito. É preciso alterar a forma de apreendê-lo para

que se possa conhecê-lo em sua totalidade e transmiti-lo aos estudantes, como forma de

colocar o Direito a serviço da democracia, da sociedade e da justiça social.

A opinião do melhor método a ser utilizado diverge entre tantos estudiosos da ciência

jurídica, mas o que mais se aproxima do objetivo do presente trabalho é o da dialética, pois,

como visto, visa a apreender a realidade social em todos os seus níveis e contradições.

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Lyra Filho (1980, 1982) vê a dialética como tendo na totalidade e no devir as suas mais

importantes categorias. A sociedade é um sistema – uma totalidade dinâmica – em que tudo

está relacionado. O método dialético busca apreender o objeto do conhecimento em todos os

momentos das várias contradições existentes.

Por outro lado, não se deve vê-la como excludente de outras possibilidades existentes,

pois “Uma ciência unimetodista gera um saber monoparadigmático e, portanto, autoritário e

totalitário”. (RODRIGUES, 1993, p.179).

E completa: “A constituição de um saber democrático, talvez poliparadigmático, deve

ser feita a partir de uma visão aberta da realidade, o que importa na utilização de um método

principal, mas não excludente de outros que lhe sejam auxiliares”. (RODRIGUES, 1993,

p.179).

Bastos (1981) defende o desenvolvimento do ensino interdisciplinar como forma de

sincronizar a ordem jurídica e as novas realidades sociais e institucionais. Ele vê como uma

forma de corrigir a defasagem entre o ensino formal oferecido e as expectativas da sociedade,

na interdisciplinaridade, como um instrumento indispensável nessa caminhada. Segundo ele:

Não se deve desvincular o ensino do Direito, enquanto proposta juridicamente consolidada de compreensão e percepção da vida, da própria vida. Assim como o ensino do Direito não pode estar dissociado de sua própria ocorrência judicial, também não o pode de sua ocorrência social. [...] O estudante de Direito não pode ser levado a entendê-lo como uma abstração sem referências práticas, academicismo, ou uma prática sem referências conceituais – o burocratismo. (BASTOS, 1981, p.62).

O ensino jurídico não deve ser completamente desvinculado da realidade. É preciso que

o estudante e o profissional do Direito saibam que a ciência jurídica estará sempre

diretamente vinculada às outras ciências.

Um profissional do Direito que somente leva em consideração a lei em si não atenta

para as transformações sociais. Roberto Aguiar (1991, p.449) compartilha do mesmo

entendimento quanto à interdisciplinaridade, quando versa que:

[...] não há mais a juridicidade isolada, no mundo onde a informação é o poder e a interdisciplinaridade é uma necessidade. As normas jurídicas, em si consideradas, são vazias. É sua interpretação ou sua derrogação por nova norma, que tem vida, e esse vida é dada por fatores transjurídicos e natureza social, política, econômica e cultural. Logo, se o advogado não conhecer de filosofia, de ciência política, da sociologia, dentre outras ciências, corre o risco de se tornar um reprodutor burocrático menor das interpretações dominantes relativas às normas jurídicas.

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O Direito como objeto cultural só pode ser totalmente compreendido através de uma

análise dialética e interdisciplinar, visto que “a compreensão dialética da totalidade significa

não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o

todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das

partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes”. (KOSIK, 1976, p.42).

No ensino do Direito não se pode continuar reproduzindo os princípios hermenêuticos

tradicionais, derivados do dogmatismo jurídico. A forma de se ensinar o direito, através do

positivismo enquando paradigma epistemológico, e o código comentado como metodologia

didático-pedagógica impedem a hermenêutica crítica, de base dialética.

Para que se possa implementar uma educação jurídica comprometida com as mudanças

sociais e com a plena compreensão do Direito, é necessária a utilização nos cursos jurídicos

dessa nova hermenêutica, de base dialética, que coloca o aluno frente à realidade, e mais:

como agente de transformação da realidade, buscando sempre uma interação entre os cursos

jurídicos e a sociedade na busca pela justiça social.

Um novo ensino, concretamente voltado para a realidade social e para as novas

necessidades do mercado de trabalho, pode auxilar na superação dessas crises. Isso depende,

principalmente, das modificações implementadas em nível epistemológico. Para Rodrigues

(1993, p.199-200):

A educação jurídica é o ensino desse Direito, contextualmente construído a partir de determinadas posições político ideológicas, mas apresentado como neutro e comprometido com a justiça e a democracia que a ele se referem. Para que se possa ter um ensino transformador é necessário que ele deixe se ser um aparelho ideológico do Estado – mera instância reprodutora - e se transforme em uma instância orgância de construção de um novo imaginário social e criativo e comprometido com os valores da maioria da população. Sua vinculação deve ser à sociedade civil e não á política. [...] Em resumo, pode-se dizer que em nível de paradigma político-ideológico o que pode ser feito através do ensino jurídico [...] é buscar a construção de um novo imaginário axiológico comprometido com a democracia, a ética, a justiça social e a construção de uma sociedade solidária e não mais individualista.

Isso começa pelos docentes dos cursos jurídicos que devem buscar uma sociedade

democrática e humana, recuperando o ensino do direito do positivismo ou jusnaturalismo e

colocando-o a serviço da justiça social efetiva. É necessária a construção de novas teorias do

Direito compremetidas com esses valores, que permitam a transformação da própria práxis

jurídica.

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Para Rodrigues (1993, p.210), a forma de se alcançar tal objetivo é através da utilização

do Direito Alternativo, pois para que se alcance essa sociedade democrática e repleta de

justiça, é necessário: a) produzir um novo conhecimento, que seja condizente com a realidade

sobre a qual e para a qual é construído; e b) também é preciso buscar na adequação das

práticas jurídicas ao mundo concreto, no qual estas se desenvolvem, assim como ao ideal

maior de efetivação de justiça social. E conclui:

A transposição dessa práxis do Direito Alternativo para o ensino jurídico propiciará a correção de grande parte de suas deformações. Acredita-se que a sua adoção como paradigma teórico e prático propiciará a superação do imaginário tradicional e das práticas ultrpassadas presentes na educação vigente nessa área. A luta não é fácil. Na verdade está apenas começando. Mas é preciso acreditar nela.

Historicamente, o homem só conseguiu evoluir e mudar a realidade no momento em

que começou a sonhar. É importante que haja uma mudança da estrutura do ensino jurídico

que tenha como incentivo a mudança da própria estrutura social.

No caso do ensino jurídico, a manutenção das visões tradicionais, como o positivismo e

o jusnaturalismo, não causa mudanças significativas na sociedade. Somente uma modificação

real e efetiva no ensino do Direito nas faculdades irá gerar a transformação da sociedade, a

qual fará as pazes com o Direito, surgindo, a partir daí, uma sociedade mais justa e pacífica.

É preciso que a sociedade veja os cursos jurídicos como modificadores da realidade, e

mais: como um aliado da sociedade, no sentido de oferecer a cada cidadão a possibilidade de

pleitear judicialmente seus direitos através de profissionais éticos e comprometidos com a

justiça.

Ainda é tempo de se buscar um ensino jurídico comprometido com o social. A união

entre Academia e sociedade somente traz benefícios a ambas as partes: de um lado, a

existência de docentes e discentes conscientes de seus deveres para com a profissão que

escolheram, e, de outro, uma sociedade pacífica que vê seu Direito ser concretizado e o prazer

da sensação de um dos sentimentos mais nobres: o de justiça.

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3 O EPJ COMO CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO HUMANIZADO

No presente capítulo abordou-se a experiência do Escritório de Prática Jurídica – EPJ da

Universidade de Fortaleza, a necessidade da ética para os futuros profissionais de Direito que

atendem no EPJ, os aspectos psicológicos que fazem parte do mundo do estudante do curso de

Direito, principalmente no ato de atendimento aos assistidos do Escritório de Prática da

UNIFOR, assim como a importância da mediação como forma de solução de conflitos no EPJ

e, finalmente, o incentivo a um ensino jurídico humanizado.

3.1 O EPJ - Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza

O EPJ – Escritório de Prática Jurídica, da Universidade de Fortaleza, faz parte do Curso

de Direito do Centro de Ciências Jurídicas. O Escritório é composto pelo estágio simulado

(disciplinas de estágio I e II) e pelo estágio real (disciplinas de estágio III e IV). Os estágios

III e IV compreendem o atendimento realizado nas salas EPJ 1 e 2, através do Serviço de

Solução Extrajudicial de Disputas – SESED e a Secretaria Real, que funciona com as mesmas

atrubuições das secretarias das varas forenses. O EPJ foi criado em agosto de 2000,

subordinado ao Núcleo de Estágio Supervisionado Curricular.

É obrigatório para todos os alunos do Centro de Ciências Jurídicas da UNIFOR e, de

acordo com o Manual do Aluno do EPJ (2008.1, p.7), o escritório possui como objetivos:

proporcionar aos discentes adequada formação profissional, a partir do conhecimento técnico-

jurídico, com bases humanísticas, especialmente através de prática advocatícia judicial e

extrajudicial gratuita; oferecer gratuitamente assistência judicial e extrajudicial gratuita, com

a observância de elevado padrão profissional, respeitados os limites de sua capacidade de

atendimento.

As atividades do EPJ tiveram início no semestre 2000.2, devido à reforma do ensino

jurídico oriunda da Portaria Ministerial 1.886/94, hoje revogada pela Resolução nº 09/04 do

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MEC, como uma tentativa de superação de um ensino jurídico meramente teórico, com aulas

expositivas, vigente no Brasil desde a época do Império.

Citados diplomas legais permitem ao corpo discente a vivência, ainda na universidade,

de situações com as quais irá se deparar em sua futura profissão, através do atendimento à

comunidade carente, no que se refere ao direito fundamental de acesso à justiça. Quanto ao

estágio, houve uma série de avanços no texto da Portaria MEC nº 1886/94.

Entre eles, cumpre destacar: (a) o estágio deixou de denominar-se prática forense para passar a chamar-se prática jurídica.[...]. Os estágios sempre estiveram voltados apenas para a prática do foro, como se aí residisse todo o Direito. O mundo contemporâneo tem caminhado em muitos outros sentidos. Hoje as assessorias e consultorias, os institutos paraprocessuais, como a arbitragem, e pré-processuais, como a mediação, entre outras realidades, todas jurídicas, demonstram a necessidade de uma formação prática bem mais ampla; (b) houve a fixação de uma carga horária mínima de atividades em 300 horas; (c) a definição de que compunham o estágio atividades práticas, simuladas e reais; (d) a Portaria também avançou ao dividir a prática em simulada e real, qualificando-a. Isto significa que, naquilo que for possível, a prática deveria estar vinculada a situações reais da vida profissional, como nos serviços de assistência jurídica, patrocinados por grande parte dos Cursos de Direito nacionais.[...]; e (e) foi criado o Núcleo de Prática Jurídica como órgão encarregado, dentro de cada curso, de implementar e orientar as atividades de estágio desenvolvidas pelos alunos. (JUNQUEIRA; RODRIGUES, 2002, p.48).

Com relação ao Núcleo de Prática Jurídica, assim dispunha a Portaria MEC nº 1.886/94:

(a) será coordenado por professores do curso (impedindo, com isso, a utilização de outros

profissionais da área jurídica que não sejam docentes – nesse sentido, resgatou a dignidade

profissional do magistério); (b) deverá funcionar em instalações adequadas, tendo exigido a

criação de verdadeiros laboaratórios de Prática Jurídica. Esses laboratórios deveriam estar

estruturados para o atendimento ao público e para propiciar o treinamento das atividades

profissionais dos principais operadores do jurídicos. (JUNQUEIRA, 2002, p.48).

A Universidade de Fortaleza firmou convênio com a Defensoria Pública do Estado do

Ceará e com a Ordem dos Advogados do Brasil, no sentido de uma melhor implementação da

Portaria 1.886/94, fazendo com que seus alunos participem ativamente do atendimento

judicial e extrajudicial à população menos privilegiada.

O EPJ dispõe da presença obrigatória de um defensor público designado pela

Defensoria Pública do Estado do Ceará, com carga horária determinada pela Defensoria

Pública para atuar junto ao Escritório, sem qualquer subordinação entre ele e coordenação do

EPJ.

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Todos os documentos devem, obrigatoriamente, ser analisados e firmados pelo defensor

público, de acordo como convênio realizado entre UNIFOR, OAB/CE e Defensoria Pública.

Tais mudanças não foram decorrentes somente da exigência legal da referida Portaria,

mas também da necessidade de a Universidade de Fortaleza cumprir seu papel social, visto a

carência de atendimento satisfatórios na Defensoria do Estado, mais especificamente, na

cidade de Fortaleza.

Esse convênio abriu as portas da Universidade para o atendimento jurídico comunitário

de forma preventiva, litigiosa e extrajudicial, oferecendo uma assessoria jurídica ao

necessitado como exemplos de ensino e de participação social. Para Carlos Aurélio de Souza

(2002, p.16):

De teórico apenas, o Direito passa a ser ensinado na prática.[...] e esta prática tem merecido nas boas escolas um duplo espaço: os núcleos de prática jurídica e a assistência judiciária. Enquanto as primeiras se voltam para a convivência em ambientes, pelo manuseio de cópias de processos [...] acompanhado de aulas sobre prática processual, na assistência judiciária os acadêmicos atendem diretamente o público carente, sob a orientação de advogados (professores da casa ou não).

O EPJ conta com os serviços de profissionais de diversas áreas, como advogados,

docentes do curso de Direito, psicólogos, assim como estagiários dos cursos de Direito,

Serviço Social e Psicologia. Os advogados auxiliares exercem função administrativa, tendo

como objetivo facilitar a comunicação e integração do Escritório. Nota-se, portanto, que

existe uma equipe interdisciplinar que tem como objetivo um atendimento de qualidade ao

assistido, através de uma assistência de outras áreas que estudam o comportamento humano.

O setor de Serviço Social foi instalado em 2004 e tem como exemplos de atividades, de

acordo com o Manual do Aluno do EPJ (2008.1, p.8): orientar de forma educativa os

assistidos sobre assuntos de competência social, tais como direitos e benefícios; encaminhar

os assistidos às Agências de Cidadania, Hospitais, Entidades, Centros Comunitários ou a

qualquer órgão que seja necessário. Segundo Ana Carolina Costa (2004, p.39):

O serviço social prima pela socialização das informações, ação que proporciona ao assistido o acesso ao conhecimento de seus direitos e que poderá até possibilitar, ou não, o processo de mudança da realidade na qual o cliente do EPJ se insere. O serviço social atua muitas vezes como um elo entre os serviços públicos e as demandas apresentadas, disponibilizando um atendimento através de uma linguagem simples e direta. Dessa forma, o papel deste profissional é no sentido de privilegiar a prática cidadã, através da informação, educação e atuação em conjunto, com o objetico de contribuir para a redução de situações de exclusão social, tudo isso no intuito de ampliar a função social do EPJ no acesso à jsutiça pela população.

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Foi implantado no EPJ o setor de Psicologia, para uma adequação entre o Direito e a

realidade social, que tem como atribuição (Manual do Aluno, 2008.1, p.9): a realização de

atendimento psicológico emergencial, uma intervenção psicológica que acolhe o assistido no

exato momento de sua de sua necessidade, ajudando-o a lidar melhor com seus recursos e

limites. Referido aconselhamento visa a facilitar o melhor ajustamento do indivíduo,

ajudando-o na tomada de decisões.

A Psicologia é a ciência que mais se aproxima das relações jurídicas, principalmente no

que se refere às relações que envolvem sentimentos intensos, como as relações familiares,

casos mais comuns nos escritórios de prática das faculdades de Direito, assim como no EPJ,

de acordo com Roberta Teles, coordenadora do curso de Direito da Universidade de Fortaleza

– UNIFOR.

O setor de psicologia é composto por uma psicóloga, uma professora – orientadora e

estagiários do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza disponíveis em todos os

horários de funcionamento do Escritório de Prática Jurídica e intervêm nos atendimentos

realizados no EPJ, quando o conflito necessitar de apoio desses profissionais.

A equipe de profissionais que compõem o Escritório de Prática Jurídica da

Universidade de Fortaleza é preparada para atender à comunidade carente de Fortaleza, no

sentido de colocar em prática o direito fundamental de acesso à justiça.

3.2 O EPJ e o acesso à justiça

A idéia de justiça sempre foi dotada de uma poderosa força motivadora. Em todas as

partes e em todos os lugares, parece haver uma resposta instintiva para o que venha a ser

justiça. Para alguns trata-se da concretização do princípio da igualdade; para outros, justiça

significa sua liberdade individual; alguns entendem que significa receber um salário que possa

lhe proporcionar melhores condições de vida.

Os ideais de justiça são muitos, os mais variados possíveis, dependem de cada indivíduo

e da época em que vivem. Há tamanha subjetividade que se torna impossível determinar de

forma definitiva, pronta e acabada o que é justo ou injusto.

O que é algo justo? Justiça é sinônimo de felicidade? É sinônimo de igualdade? De

liberdade? Ao responder essas perguntas, está-se diante de juízos de valor que existem em

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cada indivíduo. Mas quais interesses humanos têm esses valores e qual é a hierarquia desses

valores frente a conflitos de interesses? Kelsen (2001, p.04) afirma que:

Somente onde existem tais conflitos de interesses a justiça se torna um problema. Onde não há conflitos de interesses não há necessidade de justiça. Um conflito de interesses se apresenta, todavia, quando um interesse só pode ser satisfeito à custa de outro, ou seja, quando dois valores se contrapõem e não é possível concretizá-los ao mesmo tempo se a concretização de um implicar a rejeição do outro.

Nas tentativas de se encontrar valores absolutos, os vários conceitos de justiça surgiram

ao longo da história, mas revelaram-se inadequados e incompletos devido às mudanças na

sociedade e o passar dos tempos. Para Alf Ross (2003, p.320):

Invocar a justiça é como dar uma pancada numa mesa: uma expressão emocional que faz da própria exigência um postulado absoluto. Não é o modo adequado de obter entendimento mútuo. É impossível ter uma discussão racional com quem apela para a ‘justiça’, porque nada diz que possa receber argumentação a favor ou contra. Suas palavras são persuasão, não argumentos [...] A ideologia da justiça é uma atitude militante de tipo biológico-emocional,para a qual alguém, incita a si mesmo à defesa cega e implacável de certos interesses.

Assim, o problema de conceituar justiça torna-se evidente, visto que ao concretizar um

direito rejeita-se outro. E quem não foi satisfeito em sua pretensão, sente-se “injustiçado”.

Note que é o sentimento, a vontade, e não a razão; é o elemento emocional e não o racional

que soluciona o conflito e decide se houve justiça ou não.

De acordo com Gabriel Vale (1999, p.94), todos alcançarão a vivência da justiça quando

existir na sociedade a lei justa, mas do mesmo modo que a idéia de justiça é extremamente

subjetiva, uma lei justa também o é.

Inviável se determinar qual critério deverá ser utilizado para se averiguar se uma norma

é justa ou injusta. Essa análise, sempre dependerá do interesse, da ideologia, do subjetivismo

do indivíduo que pronuncia uma instituição social como justa ou injusta.

A questão de se determinada ordem jurídica é justa ou injusta não pode ser respondida

pelos métodos específicos do positivismo jurídico kelseniano. Mas Kelsen (2001, p.92) sugere

uma função para o ideal de justiça: “Se a idéia de justiça tem alguma função, é a de ser um

modelo para a feitura de bom Direito e um critério para distinguir bom e mau Direito”.

Não existe um critério objetivo de justiça porque a afirmação de que algo é justo ou

injusto é um juízo de valor que se refere a um fim absoluto; tais juízos de valor possuem

caráter subjetivo, pois são baseados em elementos emocionais.

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Sendo assim, impossível uma verificação objetiva de um juízo de valor, pois os homens

diferenciam-se em seus sentimentos e em suas idéias. É esse o motivo pelo qual pensadores e

filósofos da humanidade tentaram, em vão, resolver o problema da justiça: não há

concordância unânime entre os homens do que seja justo ou injusto.

Apesar de inúmeras páginas escritas sobre o conceito de justiça, já previa Hans Kelsen

(2001, p.25):

De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim : uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da democracia da tolerância.

Antônio Carlos Wolkmer (1995, p.173) diz que:

O apelo por um Direito justo nada mais é do que a reafirmação de um novo Direito, um Direito Insurgente, que, sem perder sua dimensão de universalidade, torna-se compatível com a satisfação de necessidades fundamentais de estruturas sócio-econômicas dependentes e periféricas com as da América Latina.

Os cursos jurídicos, devido ao extremo formalismo e positivismo, quando da

conceituação do que seja justiça, tornam o Direito fechado em si mesmo, tendo somente a

visão normativa, na qual não há lugar para as contradições reais pelas quais atravessa a

sociedade.

A concepção de justiça sempre esteve ligada à de harmonia. Ainda é essa a visão

passada pelos cursos jurídicos quanto à idéia de justiça: uma idéia desvinculada da realidade,

concebendo a sociedade e a história como um processo harmônico, em que o conflito é uma

exceção. (AGUIAR, 1995, p.63-64).

Essa concepção transmite ao estudante de Direito uma rejeição para com o assistido no

que se refere ao estágio real nos núcleos de prática jurídica das faculdades. No ato de

atendimento ao assistido no EPJ, o estudante de Direito deve saber que o conflito faz parte da

realidade, faz parte da essência humana. O alcance da justiça dá-se com a resolução dos

conflitos existentes em uma sociedade e não com a ausência destes.

Quando a noção de que o conflito constitui exceção é transmitida aos alunos dos cursos

jurídicos, o ato de assistência à comunidade torna-se, para alguns, uma caridade, um favor e

até mesmo uma obrigação a ser realizada para conclusão do curso de Direito.

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Os professores devem ensinar aos alunos que o conflito é fundamental para o

crescimento humano e para o encontro da verdadeira justiça. A idéia de justiça vinculada à de

paz não traz benefício e amadurecimento para os estudantes dos cursos jurídicos.

A partir do momento em que o futuro bacharel em Direito entende que a idéia de justiça

está ligada à de ausência de conflito, ele vê o assistido exclusivamente como mais um

problema. Pode acontecer que, em seu atendimento no EPJ, o estudante aja somente em busca

do dispositivo do ordenamento jurídico que cabe para aquele caso e não prime por um

atendimento baseado na escuta, na solidariedade, na cidadania e no humanismo.

É preciso que o estudante de Direito veja cada assistido do Escritório de Prática Jurídica

da UNIFOR como pessoa única, que merece toda atenção e profissionalismo. E assim o

fazendo, conseqüentemente, torna-se uma forma de aprendizado, de crescimento e de

amadurecimento, e não somente mais um problema a ser resolvido.

Cada atendimento deve ser único, cada assistido tem suas peculiaridades e deve ser

tratado da maneira mais respeitosa e humana possível. Uma reflexão sobre o que é justiça

deve entender que o mundo possui contradições e conflitos, e a harmonia é exceção. O

conflito e a contradição são meios de se chegar à harmonia.

Para Roberto Aguiar (1995, p.64): “O problema é o de saber o que é justiça a partir do

pressuposto o qual a sociedade é, por sua natureza, dinâmica, desequilibrada e, mas ainda,

conflitiva, saltando por meio de suas próprias contradições, tanto a nível microssocial quanto

a nível macrossocial”.

Ainda para o citado autor (1995, p.67), a idéia de justiça implica o vislumbrar de algo

melhor. Logo, a idéia de justiça é um dever-ser. Ela não analisa como são as coisas, mas

indica como deverão ser. Encarando-a sob uma ótica dialética, pode-se dizer que a justiça é a

busca do melhor, no prisma dos oprimidos.

No ato de atendimento aos assistidos, existe a busca pela justiça, o ideal de justiça

daquela pessoa menos favorecida economicamente. Se a justiça é a busca do melhor, o fato de

a sociedade ter acesso gratuito a atendimento jurídico, social e psicológico, já torna o mundo

melhor, pelo menos, para os oprimidos e os excluídos da sociedade.

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Por mais que não se tenha um conceito pronto e acabado do que seja justiça, por mais

que sua definição seja uma tentativa frustrada, pois ela depende do subjetivismo de cada um,

uma aproximação dela dá-se nos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito.

O que o estudante de Direito realiza no atendimento aos assistidos no EPJ é uma

antecipação do que irá deparar-se em sua futura profissão, independente da carreira jurídica

que escolha, pois o operador do Direito lida com seres humanos, emoções, dores, sentimentos,

em qualquer área da ciência jurídica.

Não é somente a solução dada pelo ordenamento jurídico que lhe cabe encontrar. O ato

de interpretar o Direito exige mais. De acordo com William Simon (2001, p.216), “o

advogado precisa desenvolver um conjunto de práticas que tendem, nos cenários em que

trabalha, a contribuir para soluções justas”.

Acima de qualquer ideologia, o advogado e, especificamente, o futuro operador do

Direito precisam entender que seus trabalhos consistem em lidar constantemente com seres

humanos sempre em busca da felicidade, procurando alcançar a idéia que cada um tem de

justiça.

A justiça será concedida aos assistidos através do Direito, mas na concepção de Rubens

Godoy Sampaio (2000, p.69):

A execução do Direito não implica, necessariamente, a realização da justiça. Mas sua aplicação dever ser tendencial à realização da justiça. A justiça é uma idéia reguladora do Direito, no sentido de que a aplicação do Direito deve sempre, na totalidade das vezes tender ao justo, apontar para o justo, ainda que muitas vezes não consiga, mesmo porque o homem contemporâneo não sabe sequer o que seja justo.

Isto significa que quando os assistidos são atendidos no Escritório de Prática Jurídica da

Universidade de Fortaleza, é um grande passo que a sociedade dá no sentido de se alcançar a

justiça. Por mais que esse conceito seja repleto de subjetividade, o direito de acesso à justiça

está à disposição da comunidade para gozá-lo plenamente.

Se a decisão referente ao processo judicial será justa ou não, isto é uma questão que

depende do caso concreto e da concepção de cada um, já sendo de extrema relevância e

importância as faculdades colocarem-se à disposição da sociedade.

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3.3 Ética: indispensável na profissão jurídica1

O aprendizado técnico é uma gradual evolução sem previsão de termo final, mas

assimilar conceitos éticos e empenhar-se em vivenciá-los deve ser tarefa para a vida toda.

Para Nalini (2004, p.216), “não é fácil treinar para a verdade, para a lealdade, para o

companheirismo e solidariedade quem nasce numa era competitiva, onde se deve levar

vantagem em tudo”.

Mesmo assim, não se pode desistir. Principalmente no que se refere ao futuro bacharel

em Direito, visto que sua responsabilidade é maior do que a de estudantes de outras carreiras,

visto que deve conhecer o que é moralmente correto e eticamente reprovável.

Considerável parcela da responsabilidade pelas deficiências no ensino do Direito é

atribuída aos educadores, que, em sua maioria, nunca se dedicam exclusivamente ao ensino.

Limitam-se a uma aula codificada, na qual não há espaço para a reflexão crítica. Para Nalini

(2004, p.222):

Outra parcela de responsabilidade pelas carências da formação jurídica, não se negue, decorre dos próprios estudantes. Ressalte-se o fato de não conhecerem a realidade do ensino jurídico,quantos atraídos para o estudo do Direito por fatores que não imbricam com o objetivo de aperfeiçoar as carreiras jurídicas. Há uma parcela de estudantes que ingressa na faculdade de Direito sem saber exatamente o que ali encontrará. Parta-se do pressuposto, por amor à argumentação, de que a maioria adentrou conscientemente na faculdade de Direito. Ainda esses, em expressiva maioria, se impregnam do espírito conservador e inerte da academia e resistem às tentativas de transformação (as mudanças importam em esforço maior e necessidade de abandonar hábitos antigos).

Mas, ainda há os professores vocacionados, aqueles que acreditam que o Direito é um

instrumento de solução das controvérsias, de pacificação e harmonização comunitária. Estes

“fazem do magistério um sacerdócio e nutrem a esperança de estar a construir o futuro”.

(NALINI, 2004, p.236).

O fato é que o professor já não se considera responsável pela formação moral e cidadã

de seus alunos, pois na faculdade eles já chegam cidadãos feitos, de caráter e personalidade

formados. E se algum professor preocupa-se com a formação moral de seus alunos, é

considerado sonhador, alvo de críticas e até de piadas.

O estudante que reluta contra mudanças, na tentativa de obtenção de um diploma de

bacharel em Direito de maneira fácil e rápida, sentirá os efeitos de sua opção ao se perguntar 1 Tópico baseado na obra de José Renato Nalini (2004).

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para que serve aquele diploma. Haverá um dia, no Brasil, em que se perguntará quem não é

bacharel em Direito.

Para Nalini (2004, p.190), profissão é a atividade desenvolvida em benefício próprio. À

função social da profissão não é incompatível o fato de se destinar ela a satisfazer o bem

particular de quem a exercita. Conjugam-se ambos os objetivos: adota-se o serviço

contemplando o bem alheio e com o intuito de atender à própria necessidade de

sobrevivência.

Ainda segundo o autor, a profissão deve atender ao apelo vocacional, quem não é

verdadeiramente vocacionado, será tolhido e massacrado como profissional, seja pela rotina

do trabalho, seja pelas restrições impostas ao integrante daquele estamento. Para ele, a

profissão deve ser exercida de modo estável e honroso:

O exercício honroso da profissão quer dizer que o profissional deverá se conduzir de acordo com seus cânones. Espera-se do professor que ensine, do médico que se interesse e lute pela saúde do paciente, do enfermeiro que o atenda bem. Do condutor, que dirija com segurança. Do pedreiro, que construa adequada e solidamente. Do advogado, que resolva juridicamente as questões de direito postas perante seu grau. (NALINI, 2004, p.191).

Ressalte-se como de extrema importância que o exercício profissional ainda deve ser de

acordo com o conceito da dignidade humana. As atividades laborais humanas não existem

para movimentar a economia. Elas são voltadas à realização das pessoas, de maneira a que se

realize, integralmente, concretizando suas potencialidades até a plenitude possível. (NALINI,

2004, p.191).

Todas as profissões reclamam proceder ético, daí a disseminação de códigos

deontológicos de muitas categorias profissionais, que dão relevância ao tema. Nalini (2004,

p.193) ensina:

Deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o complexo de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos do integrante de uma determinada profissão. Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas e comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico.

A Deontologia profissional tem como princípio fundamental agir segundo ciência e

consciência. É essa idéia que deve aspirar todo o comportamento profissional. O primeiro

dever ético do profissional é dominar as regras para um desempenho eficiente na atividade

que exerce.

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Para que isso aconteça, é preciso que esse profissional tenha sido um aprendiz aplicado,

seja no processo educacional formal, seja mediante a inserção direta no mercado de trabalho,

onde a experiência é uma forma de aprendizado.

Mais uma vez torna-se evidente a importância do estágio real nos núcleos de prática

jurídica para que o estudante aprenda como deve comportar-se no futuro, na condição de

profissional. Lá ele é um aprendiz que deverá entender o lado social da profissão que

escolheu.

Deverá comportar-se de maneira cordial, educada, primando pela discrição nos

atendimentos, sendo solidário com os assistidos e com seus conflitos. De forma alguma

deverá zombar ou brincar com o relato de algum problema. Não pode esquecer, jamais, que

está lidando com sentimentos de seres humanos.

De acordo com Nalini (2004, p.195), além da ciência, o profissional deverá atuar com

consciência, pois existe uma função social a ser desenvolvida em sua profissão. Ele não pode

estar dela descomprometido. E quando esta consciência ainda não está formada durante o

curso universitário, cabe ao docente a realização dessa tarefa.

A realização da prática jurídica no EPJ da Universidade de Fortaleza coloca o estudante

de Direito frente à realidade na qual vive. Somente no estágio de prática, isto é, no final do

curso, é que ele terá um aprendizado que lhe servirá durante toda sua vida.

Se o estudante do curso jurídico foi bem orientado nas disciplinas teóricas, onde o

professor deve fazer sempre uma ponte com a prática do Direito, irá tirar de cada atendimento

no estágio real uma lição, sendo ela jurídica, social e humana.

Ideal seria que durante todo o curso jurídico, aos poucos, o estudante fosse criando uma

consciência da realidade, agindo sempre de maneira ética, preocupando-se com o lado social

de sua profissão; mas como dito, os cursos jurídicos pecam pelo extremo positivismo.

A grande oportunidade do estudante de Direito para adquirir consciência e

amadurecimento, juntamente, é claro, com uma boa prática jurídica, é no atendimento aos

assistidos no EPJ. Na visão de Nalini (2004, p.196):

Formar a consciência é o objetivo mais importante de todo o processo educativo. Ela é que avalia o acerto das ações, ela é que permite reformular o pensamento e as opções. Somente ela permitirá coerência ao homem, propiciando-lhe comportar-se

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de acordo com a própria consciência. Por isso é que a formação da consciência, além de ser o objetivo mais importante, resume em si todo o inteiro processo educativo.

A educação tem, em verdade, como fim primordial a formação e a realização da

personalidade, o que significa a constituição de um sujeito consciente de seu papel

profissional, maduro e comprometido com uma interpretação do Direito voltada para o bem

social.

A ética deve servir, não para alimentar discussões teóricas, mas para a vida real, para a

prática existencial de toda e qualquer pessoa. Nalini (2004, p.248) conclui que não se ensinará

tal ética apenas com lições de moral. Será mais eficiente semeá-la nas mentes juvenis – não

necessariamente juvenis em termos cronológicos, mas em vista da vontade de transformar o

mundo.

Afirma ainda o citado autor que a ética é muito mais importante do que o conhecimento

jurídico, pois, se o profissional tiver ética, sem dúvida cuidará de suprir suas deficiências

técnicas. Já o contrário, só o tornará mais lesivo aos interesses do desenvolvimento moral do

Brasil.

Relevante o papel do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza para que

os operadores do Direito do futuro entendam que a ciência jurídica, para atingir seu fim

social, precisa ser trabalhada com ética, consciência, discrição, conhecimento técnico e

solidariedade.

3.4 Integração entre Psicologia e Direito na prática da mediação no Escritório de Prática Jurídica da UNIFOR

No presente tópico será ressaltada a importância da preparação psicológica do estudante

do curso de Direito no atendimento dos assistidos no Escritório de Prática Jurídica – EPJ da

Universidade de Fortaleza, principalmente no ato de realização da mediação, quando esta se

tornar necessária.

3.4.1 A relevância da Psicologia para o Direito

Diante da citada crise do Direito e do ensino jurídico, e de tantas propostas de melhoria

da qualidade do ensino jurídico no Brasil, Horácio Wanderlei Rodrigues (1988, p.138) fala

sobre a reforma no ensino jurídico:

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As novas diretrizes curriculares dos cursos de Direito, pelas inovações que incluem, podem ser um instrumento importante no processo de superação de uma parte considerável das crises existentes em nível de educação jurídica – mas somente se a reforma que delas se originar estiver alicerçada em, pelo menos dois pressupostos básicos: (a) a superação do positivismo normativista, [...] e (b) a substituição da educação tradicional por um modelo educacional crítico, reflexivo, interativo e inovador.[...].

Frente à extrema complexidade das relações sociais, econômicas, políticas e familiares,

os conflitos de interesse são cada vez mais inevitáveis e presentes no cotidiano das pessoas.

Certamente é um período de grandes transformações.

O Estado contemporâneo tem o compromisso de realizar o interesse de cada cidadão

para atingir a justiça social e buscar a construção de uma sociedade mais justa. Atualmente,

não há mais um separação rigorosa entre o Direito Público e o Direito Privado. É o que pensa

Guilherme Calmom da Gama (2002, p.238):

[...] é preciso superar a concepção segundo a qual o Direito Privado – aí inserido o Direito Civil – é a liberdade de cada um de cuidar dos seus próprios interesses, ao passo que o Direito Público apenas trata de estruturar e organizar os serviços sociais para propiciar ao interesse privado sua potencialização e melhor atuação, livre de óbices exteriores.

É importante que se busque hoje a satisfação dos interesses da pessoa humana, e tal

satisfação, dentro do ramo da ciência do Direito, é mais procurada no ramo do Direito Civil,

mais especificamente, o Direito de Família, sendo também o ramo do Direito mais presente

no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza, segundo depoimento da

coordenação do Núcleo, exercida pela professora Roberta Teles.

Mesmo com a superação da idéia de que o Direito Civil faz parte exclusivamente do

ramo do Direito Privado, ele tem como centro a pessoa humana, pois tutela os direitos das

pessoas em um nova forma de relacionamento.

Para Guilherme Calmon da Gama (2002, p.243-244), a valorização dos direitos

fundamentais da pessoa humana, na Constituição Federal de 1988, significa o resgate de uma

certa emocionalidade no discurso jurídico.

Também significa o reconhecimento de que o ordenamento jurídico também se constrói

com elementos psicológicos, sociais, ideológicos e filosóficos que nunca tiveram tamanha

importância no mundo jurídico.

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O Direito Civil lida com a emocionalidade, não significa apenas um conjunto de normas

jurídicas. Para se fazer valer um direito individual é preciso, antes de tudo, sensibilidade.

Deve-se ter maturidade e conhecimento acerca da natureza humana, no sentido de sempre

prevalecer a idéia de solidariedade.

Assim pensa Falcão (1984, p.212) quando afirma: “Ao que parece, o maior nível de

informação está na criatura humana, que é matéria e espírito. Por isso, é vida. É a mais

perfeita forma de vida criada. [...] Logo, o ser humano é superior aos sistemas. Vale mais.”

A atuação do psicólogo no Escritório de Prática Jurídica da UNIFOR é de grande valia,

pois nem sempre o estudante de Direito está preparado para um atendimento que busque a

descoberta do que está verdadeiramente por detrás daquelas expressões faciais fechadas ou

desesperadas. João Baptista e Souza Neto (2002, p.493) lembram que:

É tempo, portanto, de as escolas de Direito darem ênfase à integração com a Psicologia em seus cursos de bacharelado. Não se pretende que o advogado/psicólogo; oui o juiz/psicólogo. Mas é fundamental um operador do Direito atento para as questões da alma. Afinal, lidarão os novos bacharéis com pessoas. E tratar com pessoas é tratar com suas almas. Além disso, as faculdades têm de difundir acultura de que a solução negociada e justa atende à finalidade do ordenamento jurídico de compor litígios. Melhor do que o juiz dizer o Direito, é a própria parte fazê-lo, submetendo-se espontaneamente aos seus próprios limites e parâmetros de Justiça.

Quando acontece uma sessão de mediação nos núcleos de prática, por exemplo, é a

Psicologia que entre em cena, pois o ato de escutar, de colocar as partes frente a frente, as

desarma. Para Libânio (1985, p.94): “A conversa face a face é a grande nutridora de nosso

universo de valores, de conhecimentos, de crenças”. E mais:

A terapia tem vantagem de conseguir efeitos de aliviar a tensão e diminuir, portanto, o impacto da ameaça, de modo suave, alegre mesmo. Neutraliza, amacia as crises, as dificuldades. Na medida em que ela é bem sucedida, o grupo não necessita de lançar mão de mecanismos mais duros e coercitivos. Tende a diminuir a insatisfação do grupo, que está na origem das crises e dissolução do mesmo. (LIBÂNIO, 1985, p. 84).

Acontece de os profissionais dos núcleos de prática conseguirem resolver determinado

conflito através de uma conversa entre as partes ou até mesmo através de uma Mediação.

Mas antes de se tentar o diálogo, é preciso acalmar as partes, que, por vezes,

comparecem ao EPJ nervosas e abaladas, podendo esse comportamento assustar o estudante

de Direito que teve seu conhecimento limitado ao ordenamento jurídico.

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De acordo com Lambert (1975, p.9): “Por sua formação e experiência, o psicólogo

social aprende a levantar os olhos dos interesses estritamente psicológicos e a incluir em sua

perspectiva um mundo social que influi na maneira de pensar, de sentir, de comportar-se e de

interagir das pessoas”.

Da mesma forma, a atuação do setor de Serviço Social também se faz necessária nos

núcleos de prática das faculdades de Direito. Este profissional, sendo experiente, está

verdadeiramente acostumado a lidar com todos os tipos de pessoas e situações entre elas.

Quando uma pessoa carente procura o EPJ, ela está buscando ajuda. Pode estar,

inclusive, desesperada. O profissional do Setor Social deverá atender tal assistido, acalmá-lo e

encaminhá-lo ao órgão competente para a resolução de seu problema.

Esse comportamento, que pode causar certo incômodo no estudante de Direito, foi

facilmente contornado pelo sociólogo, pois “os problemas que interessarão ao sociólogo não

são necessariamente aquilo que outras pessoas possam chamar de ‘problemas’ ”. (BERGER,

2000, p.46).

Como se vê, a atuação dos profissinais de psicologia e de sociologia são indispensáveis

para um atendimento eficiente no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza.

Eles, juntamente com uma preparação humanizada dos estudantes dos cursos jurídicos, são

capazes de significantes melhorias na sociedade.

Nos últimos anos da faculdade terá como requisito para adquirir seu diploma freqüentar

o chamado Estágio Real, cuja obrigação é exigida pela Portarial Ministerial nº 1.886/94, hoje

pela Resolução nº 09/04 do MEC.

Isso pode fazer com que o aluno que foi vítima do chamado ‘ensino codificado’ se

assuste frente à realidade social. Daí a extrema importância de um ensino jurídico baseado,

antes de mais nada, no humanismo.

A participação do aluno na vida concreta do Direito é essencial. A escola não pode ser transmissora inerte da verdade codificada e de alguma orientação jurisprudencial. Ela tem o dever de formar uma consciência crítica do alunado. O novo bacharel deve ser um agente transformador da realidade, imbuído de compromisso de aperfeiçoar o ordenamento. E, antes de a faculdade lhe oferecer tudo isso, é seu dever ético exigir a fidelidade para com esse ideário. (NALINI, 2004, p.227).

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Um ensino jurídico baseado somente no positivismo não oferece aos estudantes

amadurecimento e o verdadeiro conhecimento da realidade. Não o torna capaz de determinar

a verdadeira essência do ser humano.

Para que haja um atendimento adequado no EPJ, é preciso que o futuro bacharel em

Direito seja cortês, educado e capaz de resolver uma demanda, não somente através da

redação de uma peça processual. É preciso que o estudante tenha a sensibilidade de

reconhecer onde se encontra o verdadeiro conflito levado ao EPJ.

Quantos processos judiciais teriam sido evitados se as partes fossem recebidas e tratadas

por profissionais verdadeiramente capacitados para tal, em locais onde seus problemas fossem

resolvidos em uma conversa orientada por profissionais capacitados e estudantes com

formação humanística.

3.4.2 A prática da mediação no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza

Como dito anteriormente, o conflito é necessário na vida do ser humano, pois é através

dele que se operam transformaçõs e melhorias na vida social. É inerente à condição humana.

Ele promove as mudanças sociais e o desenvolvimento individual.

Dada a relevância do conflito na sociedade, é fundamental não evitá-lo, mas sim

aprender como resolvê-lo da maneira mais construtiva para as partes nele envolvidas.

Acontece muitas vezes que o motivo da existência do conflito é decorrente da dificuldade que

se tem de escutar o outro e da ausência ou ineficácia de um diálogo.

Diante de um conflito, têm-se duas alternativas: buscar uma solução amigável ou

provocar a jurisdição. Devido ao elevado número de processos, ocasionando a morosidade do

Poder Judiciário, opta-se pelos meios alternativos de solução de conflitos, que têm como

caracateréstica a celeridade.

Segundo Petrônio Calmon (2007, p.45), a não-efetividade da justiça dá-se devido ao

elevado custo do processo e sua morosidade, como também ao fato de existirem causas

impeditivas do acesso dos menos favorecidos aos meios processuais, os quais não podem

sofrer com a demora da prestação jurisdicional. Segundo ele:

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A inflação processual não deixa de ser vista como fator multiplicador desses problemas mais básicos, pois a enorme quantidade de processos agrava a crise exigindo mais tempo para a conclusão de cada processo, o que diminui a eficácia e aumenta o custo da justiça, refazendo-o o ciclo vicioso.(CALMON, 2007, p.45).

O projeto de criação do Núcleo de Mediação, apresentado à Universidade de Fortaleza,

foi elaborado pela professora Lília Maia de Morais Sales (2003, p.94). A mediação é realizada

por alunos no EPJ sob a orientação de professores-mediadores capacitados.

De acordo com a citada professora (2003, p.94), a mediação de conflitos foi implantada

no Escritório em fevereiro de 2002. Todos os casos que chegam ao Escritório de Prática

Jurídica são analisados e uma sessão de mediação pode ser marcada.

Dentre os meios alternativos de solução de conflitos, a negociação, a conciliação e a

arbitragem, será abordada no presente trabalho a mediação, devido a sua presença e

importância no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza.

Também como motivo, para a abordagem da mediação no presente trabalho, é que esse

meio alternativo de solução de conflitos que mais de adapta à resolução de problemas

familiares, sendo o Direito de Família, como já dito, o ramo mais explorado no Escritório de

Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza. Na visão de Marodin e Breitman (2002, p.474):

As contradições, as queixas, as carências afetivas, a indiferença, o abandono, o convívio com o medo, a agressão, os ressentimento profundos, a violência física ou afetiva poderão estar encobertas ou explícitas nas pessoas que buscam o profissional do Direito para resolver suas disputas. Este profissional nem sempre está capacitado para ser continente e lidar com estes componentes emocionais e subjetivos, especialmente em situações de crises familiares. Daí a riqueza de ser considerada a opção pela Mediação não apenas como um recurso extrajudicial, mas como um recurso de saúde mental para as partes, bem como para os profissionais nela envolvidos, pois com isso se evitará batalhas intermináveis.

Ainda quanto à importância da Mediação para os conflitos familiares, Marilene Marodin

e Stella Breitman (2002, p.482-483) lembram que:

As interações, a estrutura e a organização da família propiciam que seus membros estabeleçam diferentes vínculos emocionais, que se manifestam através dos papéis exercidos pelos seus portadores e nos quais está subentendido um sistema de valores e de expectativas. Ao mesmo tempo que propicia apego, intimidade e amor, a família pode despertar sentimentos de rancor, inveja, dor e ódio. Em decorrência da diversidade de modelos estruturais e diferentes, a família contemporânea passa por crise institucional.[...] A Mediação , atuando nestes momentos, poderá evitar rupturas definitivas ao reestruturar convívios tão essenciais ao ser humano, dado que a família é o grupo primário dos indivíduos, exercendo uma importância fundamental em seu desenvolvimento.

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De acordo com Lília Maia de Morais Sales (2004, p.21), “A mediação é um

procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual um terceira pessoa

imparcial – escolhida ou aceita entre as partes – age no sentido de encorajar e facilitar a

resolução de uma divergência”.

É a intervenção de um terceiro imparcial que, sem qualquer poder de decisão, busca

ajudar os envolvidos em um conflito a alcançar uma solução que seja aceita por ambas as

partes. Quanto aos objetivos da mediação, Lília Sales (2004, p.24) diz:

A mediação possui vários objetivos, dentre os quais destacam-se a solução de conflitos (boa administração do conflito), a prevenção da má administração de conflitos, a inclusão social ( conscientização de direitos, acesso à justiça) e a paz social.

Quando há acordo na mediação realizada no EPJ, ele é reduzido a termo e assinado

pelas partes, pelo mediador e pelo defensor público, constituindo título executivo

extrajudicial, ou encaminhado ao Poder Judiciário para homologação. Caso não haja acordo,

será preparada pelos alunos a petição inicial de ação correspondente.

A mediação é uma possibilidade de intervenção em um conflito através de uma

abordagem interdisciplinar. As ciências mais relevantes para uma mediação bem realizada são

a Psicologia e o Direito, pois há reconhecimento de situações de fato e de Direito em um

processo de mediação.

Os princípios da mediação podem variar de país para país, porém, segundo Lília Sales

(2004, p.23), há consenso sobre alguns deles, como liberdade das partes, não-

competitividade, poder de decisão das partes, participação de terceiro imparcial, competência

do mediador, informalidade do processo e confidencialidade no processo.

Quanto ao significado dos princípios, ainda que de forma resumida, segundo a citada

autora (2004, p.23), o princípio da liberdade das partes significa que as partes devem estar

livres para resolver o conflito através da Mediação, não podendo sofrer qualquer tipo de

ameaça ou coação.

O princípio da não-competitividade versa que se deve deixar claro que na Mediação não

se pode incentivar a competição, isto é, não se pretende determinar que uma parte seja

vencedora ou perdedora, mas ambas que fiquem satisfeitas com a resolução de seus

problemas.

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Quanto ao poder de decisão das partes, fica claro que o poder de decidir como o conflito

será solucionado cabe aos envolvidos; o princípio da participação de terceiro imparcial versa

que o mediador deverá tratar igualmente as pessoas que participam do processo de mediação,

não podendo privilegiar qualquer uma das partes.

No que se refere à competência do mediador, ele deve ser detentor de características

como diligência, cuidado, prudência. O princípio de informalidade do processo significa que

não há uma forma única determinada quanto à realização da mediação.

Finalmente, quanto à confidencialidade do processo, significa que o mediador não

deverá revelar para outras pessoas o que está sendo discutido no processo de mediação, o qual

deve ser sigiloso, e o mediador tem a obrigação ética de não revelar os problemas das pessoas

envolvidas.

Dessa forma, o aluno do curso de Direito da Universidade de Fortaleza, no EPJ,

orientado pelo professor, deverá obedecer aos princípios da mediação. Ele deverá possuir um

mínimo de preparo e conhecimento da importância de seu papel naquele momento.

Resta claro que o aluno deve estar comprometido com a faculdade, com o seu curso e,

principalmente, com a sociedade ao realizar uma mediação. Não se trata somente de sentar

junto às partes envolvidas no conflito e perguntar de maneira distante se há possibilidade de

acordo. É preciso, antes de mais nada, de consciência, dedicação e solidariedade.

3.4.3 O ofício do mediador

O mediador pode ser qualquer pessoa capaz. Não se exige formação acadêmica ou nível

de escolaridade, porquanto ele só precisa ser alguém de confiança das partes. Mas para

exercer esse ofício, é preciso ser capacitado para a prática da mediação.

Além da capacitação técnica, saliente-se que o mediador trabalha com relações

humanas. Deve existir nele uma profunda vontade de ajudar o próximo. É antes de mais nada

uma relação de ajuda para as partes envolvidas.

A atividade do mediador, por vezes, ultrapassa as técnicas da mediação e adentra na

Psicologia. Essa relação de ajuda é definida por Carl Rogers (1977, p.43):

A relação de ajuda pode ser definida como uma situação na qual um dos participantes procura promover numa ou noutra parte, ou em ambas, uma maior

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apreciação, uma maior expressão e uma utilização mais funcional dos recursos internos latentes do indivíduo.

O mediador deve ser transparente e capaz de adotar uma atitude de calor, de atenção, de

afeição, de interesse e de respeito pelo outro. Deve haver um sentimento de respeito e uma

visão aguçada por parte do mediador para que ele não prejudique o processo de mediação.

A maturidade do mediador é requisito para uma mediação bem sucedida, portanto, o

aluno deve ser maduro para enfrentar uma sessão de mediação. É o que ensina Carl Rogers

(1977, p.60) quanto à necessidade de amadurecimento psicológico do mediador:

Isto leva-me a suspeitar fortemente que a relação de ajuda ótima é o tipo de relação criada por uma pessoa psicologicamente madura. Em outras palavras, a minha capacidade de criar relações que facilitem o crescimento do outro como uma pessoa independente mede-se pelo desenvolvimento que eu próprio atingi. [...] Isso mostra que, se estou interessado em criar relações de ajuda, tenho perante mim, para toda minha vida, uma tarefa apaixonante que ampliará e desenvolverá as minhas potencialidades em direção à plena maturidade.

Quando há um acordo do processo de mediação surge um sentimento de paz e alívio

entre as partes envolvidas no litígio, a sensação de que um (talvez imenso) problema em suas

vidas foi resolvido.

Geralmente esse problema é doloroso, pois envolve sentimentos de raiva, amor, ódio,

traição, frustração, etc. Ser mediador trata-se de um trabalho de extrema sensibilidade, mas,

acima de tudo, de uma vontade consciente de solidariedade e amadurecimento.

Dentre as tantas vantagens da mediação, pode-se destacar a contínua e intensa discussão

sobre o conflito, realizada no Núcleo de Mediação do Escritório de Prática Jurídica da

Universidade de Fortaleza.

A atividade do estudante de Direito é de grande relevância no processo de mediação: no

estágio real, oferecido no EPJ, o aluno tentará resolver um conflito entre as partes envolvidas.

Estas, certamente, estão abaladas emocionalmente, pois se encontram envolvidas em um

problema.

O aluno precisa de conhecimento da realidade e da sociedade em que vive para que

possa ajudar as partes na resolução daquele conflito. No processo de mediação, o aluno fará

mais o papel de psicólogo do que de jurista. Sua conduta, em qualquer das ciências,

Psicologia ou Direito, deverá ser, acima de tudo, ética.

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Baseado nos princípios que estão ligados diretamente à funçao do mediador, como os

princípios da competência do mediador e da confidencialidade do processo, sua atuação deve

pautar-se na prudência, cuidado e confidencialidade.

Marinele Marodin e Stella Breitman (2002, p.480) elencam como princípios éticos

fundamentais que regem a conduta do mediador: imparcialidade, neutralidade,

confidencialidade e profissionalização.

Segundo as autoras, na imparcialidade o mediador não poderá defender os interesses das

partes, nem representar nenhuma delas, mas sim valorizar cada uma e criar espaços para

respeito e escuta. Na neutralidade, o mediador deverá respeitar as diferenças entre as partes,

sem interferência nos acordos negociados pelas partes.

A confidencialidade significa que as informações obtidas não poderão ser reveladas sem

o consentimento das partes. Como característica do mediador, a profissionalização prega que,

para ser mediador, há exigência de uma formação adequada no manejo dos conflitos, na

administração das disputas e na busca de soluções que equalizem os direitos e

responsabilidades das partes.

Ainda segundo as autoras (2002, p.480), no exercício da Mediação, “quem a exerce

deverá passar por uma formação teórica prévia e receber treinamento prático específico. É

fundamental ao mediador possuir um excelente nível de autoconhecimento, empatia, respeito

ao outro e escuta continente”.

O mediador não pode impor uma decisão para as partes. Ele possui autoridade no

processo de Mediação, mas somente deve facilitar o diálogo entre as partes para que se

descubra o verdadeiro problema. Muitas vezes, o problema que é passado pelos assistidos

para os profissionais do Núcleo de Mediação não é realmente o que está incomodando as

partes, o que evidencia o conflito aparente.

O mediador deve dar oportunidade aos envolvidos no conflito de se expressar, com a

finalidade de descobrir o que realmente está incomodando as partes (conflito real). Deve dar

oportunidade para que as partes se escutem e compreendam a si mesmas.

O processo de mediação é caracterizado pelo uso da palavra, pelo diálogo. Ele está

presente tanto como atividade do mediador, como entre as partes, pois, como dito, as partes

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devem ficar livres para expressar suas vontades e pontos de vista. Ela tem importantíssimo

papel na Mediação.

A palavre viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o mundo, em comunicação e colaboração. O diálogo autêntico- reconhecimento do outro e reconhecimento de si, no outro – é decisão e compromisso de colaborar na construção do mundo comum. Não há consciências vazias; por isto os homens não se humanizam, senão humanizando o mundo. (FREIRE, 2006, p.21).

E mais: Warat (1985, p.100) destaca a natureza política da linguagem: “Não existem

palavras inocentes. O espaço social onde elas são produzidas é condição da instauração das

relações simbólicas de poder. A dimensão política da sociedade é também jogo de

significações.”

As atitudes, comportamentos e palavras do mediador devem ser comedidos, pois suas

ações podem prejudicar o processo de mediação, fazendo, inclusive, com que a situação

torne-se mais grave.

Dessa forma, o tarefa do mediador torna-se indispensável para uma mediação

satisfatória, mas o aluno do curso de Direito, que durante todo o curso teve suas aulas

baseadas no positivismo, não terá condição de realizar uma mediação, pois a linguagem que

se utiliza no processo de mediação, segundo Warat (2001, p. 35), é a linguagem do coração.

Sua utilização prescinde de teorias e cursos:

Não é possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos, empregando-se a linguagem da racionalidade lógica. A mediação é um processo do coração; o conflito, precisamos senti-lo ao invés de pensar nele; precisamos em termos de conflito, sê-lo para conhecê-lo.[...] Os conflitos reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isto é preciso procurar acordos interiorizados. É por isso que a mediação precisa conhecer outro tipo de linguagem. Ela precisa da linguagem poética, da linguagem dos afetos, que insinue, a verdade e não a aponte diretamente; simplesmente sussurre, e não grite.

A gentileza, a cordialidade, a afetividade e a solidariedade devem fazer parte de todos

os seres humanos, mas no exercício da mediação essas qualidades tornam-se

indispensáveis.Uma mediação mal conduzida repercute, antes de mais nada, nos medos,

anseios, dores e frustraçoes de seres humanos.

Em vez de se encontrar uma solução para determinada divergência, pode acontecer,

inclusive, de um trauma emocional, pessoal ou familiar do assistido que foi à procura de ajuda

no Escritório de Prática Jurídica. Lília Sales (2006, p.95-96) é a favor da capacitação de

mediadores quando afirma que:

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A atuação do mediador, caso não seja adequada, também pode constituir outra limitação material da mediação. Este profissional deve estar capacitado de maneira contínua para a realização de mediações, uma vez que trabalha com relações humanas. Sem a devida capacitação, corre-se o risco do mediador interferir no mérito, realizando, dessa maneira, uma conciliação. Conscientizar os mediadores dessa necessidade constitui um dos grandes desafios dos estudiosos sobre o assunto.

A preparação para a carreira jurídica deve ser dada a partir do primeiro ano do curso,

pois, no final do curso, o aluno irá deparar-se com situações no estágio real, as quais exigirão

dele conhecimento social e histórico, consciência das atividade as quais irá enfrentar em sua

profissão e, acima de tudo, o sentimento de valorização, respeito e solidariedade com o ser

humano.

Segundo Nalini (2002, p.32): “Reconhecer o outro como igual, como igualmente

merecedor de tratamento compatível com a dignidade humana, é uma atitude ética. Essa ética

resultante da idéia comum de justiça que se faz necessária para enfrentar os desafios do

futuro.”

A Psicologia, como dito, faz-se bastante presente no aprendizado dos futuros bacharéis

em Direito. Essa ciência, nos núcleos de prática dos centros universitários, é indispensável

para uma preparação concisa dos alunos e dos profissionais que lá trabalham, visto que:

[...]a possibilidade de um trabalho interdisciplinar entre a Psicologia e o Direito, através da abordagem da moderna Mediação, constitui-se em um recurso que promove a saúde mental não só das partes em conflito, mas também dos profissionais ligados ao sistema legal.[...]Cria-se um novo paradigma no qual estas duas áreas do saber se põem à serviço da Humanidade. Institui-se a preservação da ética da compreensão que acredita na capacidade do ser humano de desenvolver melhores potencialidades do seu ser, fazendo-o um ser lúcido e ético, através da construção de uma cultura de paz.(MARODIN; BREITMAN, 2002, p. 486).

A mediação é um meio célere de solução de conflitos, mas, para Calmom (2007, p.52):

“Ainda que se constate importante progresso em relação à celeridade e economias processuais

[...], observa-se grande clamor social pela efetividade da Justiça, voltado para a qualidade do

serviço prestado e não somente para a obtenção de estatísticas quantitativas consideráveis”.

Importante, como ressaltado acima por Calmon (2007), não são os números e

estatísticas de quantos acordos são realizados em um processo de mediação, nos Núcleos de

Prática Jurídica ou, mais especificamente, no Escritório de Prática Jurídica da Universidade

de Fortaleza.

Fundamental é que a justiça se faça presente na vida dos assistidos, isto é, da sociedade

menos favorecida economicamente. Imprescindível à construção de uma sociedade mais justa

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é que o atendimento da população carente seja feito de forma solidária, justa, correta e, acima

de tudo, humanizada.

É o que pensa Carlos Aurélio Souza (2002, p.19), quando afirma que: “O homem é

entidade real, não objeto de laboratório, apartado da realidade, tem vida, tem reações”.

Ser mediador não é fácil. Despir-se de preconceitos, idéias prontas, acabadas e

conhecer-se a si mesmo é um trabalho árduo. Crescer, amadurecer, aprender, conscientizar-se,

dói.

3.5 Um novo modelo pedagógico

Neste último ponto do presente trabalho, abordou-se o perfil que o docente do curso de

Direito deve possuir atualmente para que o ensino jurídico seja fundamentado na ética,

consciência, comprometimento social, solidariedade e humanismo, e a importâncida da

prática real na formação humana e jurídica dos futuros bacharéis em Direito.

3.5.1 Perfil do docente jurídico

Os males brasileiros residem na falta de investimento no setor da educação. Miséria,

exclusão, corrupção, maus tratos da coisa pública, destruição da natureza, violência, nada

existe de ruim que não possa ser atribuível à falência do projeto educativo de uma sociedade

heterogênea. (NALINI, 2004, p.244).

A idéia de professor como mero transmissor de idéias que agia ou continua a agir como

repetidor das legislação contida nos Códigos reproduz uma visão de mundo nos moldes dos

séculos XVIII e XIX, e, portanto, deve, desaparecer. Vive-se na era da globalização, e o

professor de Direito precisa entender que:

No contexto de globalização política e econômica, de informação e de comunicação, de progresso e de desenvolvimento do mundo e da sociedade produzidos pelo trabalho capitalista, a exigência social da escola e de profissionais adequamente preparados, para desempenhar funções pedagógicas específicas, em nenhum outro momento foi tão evidenciada.(DAMIS, 2002, p.98).

Exige-se uma harmonia entre a sociedade e a Academia, e a prática real traz essa

possível união de forma duradoura se houver consciência da necessidade de uma mudança no

ensino jurídico, a começar, primeiramente, pelo corpo discente.

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Para Nalini (2004, p.241), o novo currículo jurídico representa significativa intenção de

avanço no estudo do Direito. Ele também gerou uma cultura de qualidade total no ensino,

preocupando-se as mantenedoras em qualificar o pessoal docente, em dotar as bibliotecas de

elementos de consulta e em preparar os alunos para as provas de avaliação.

Durante muito tempo, o positivismo técnico-jurídico era tido como a maneira correta e

justa de se ensinar Direito, embora seja uma concepção hoje ultrapassada, pois a formação

jurídica não pode ser desvinculada do ser humano.

O professor deverá buscar outros meios didáticos que despertem em seus alunos

interesse pela disciplina lecionada, utilizando-se da união entre teoria e prática, citando

exemplos do cotidiano e incentivando o aluno à pesquisa.

Ainda hoje há formação de profissionais com conhecimentos restritos que atuam no

mercado de trabalho sem noção da realidade na qual estão inseridos, sem ética, disciplina,

dedicação, amadurecimento.

O currículo pleno deve proporcionar ao aluno, além de um aprendizado teórico, uma

atividade prática ainda nos bancos universitários, como o fazem os Núcleos de Prática

Jurídica dos cursos jurídicos.

Diante de tantas contradições sociais e de rápidas transformações na sociedade, a

dialética pode conferir uma visão crítica do Direito, sem implicar em um reducionismo

mecanicista, pois ela entende a realidade como essencialmente contraditória e em permanente

transformação.

Na visão de Roberta Lia Sampaio Marques (2006, p.214), para a Concepção Dialética,

inovar, em sentido próprio, será preciso colocar a educação a serviço de novas finalidades,

isto é, a serviço de mudança estrutural da sociedade.

A visão crítica do Direito precisa romper com as concepções de Positivismo Jurídico e

Jusnaturalismo no ensino jurídico. O corpo docente das faculdades de Direito precisa

preocupar-se com a formação acadêmica crítica do estudante, passando a noção de que ele

precisa de uma visão crítica e consciente da ciência jurídica.

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Através de uma aula bem ministrada, que desperte no aluno interesse em aprender, mas

também que o desperte para uma consciência crítica, da sociedade e da ciência do Direito, o

professor deve empregar bem as palavras.

No processo de desenvolvimento da consciência, a linguagem desempenha um papel fundamental. Entendida como um complexo sistema de códigos formado no curso da história social da humanidade, ela reproduz os conhecimentos e os valores associados às práticas sociais que se cristalizaram, através dos significados das palavras articuladas em frases, reproduzindo uma visão de mundo.(LANE; SAWAIA, 1995, p.135).

A mudança no ensino jurídico passa, primeiramente, pelo professor. Na visão de

Mizukami (1996, p.60):

[...] o professor é o principal mediador entre os conhecimentos socialmente construídos e os alunos. É ele, igualmente, fonte de modelos, crenças, valores, conceitos e pré-conceitos, atitudes que constituem, ao lado do conteúdo específico da discipluna ensinada, outros tipos de conteúdos por ele mediados. Conhecer quem é esse profissional, sua trajetória escolar,sua formação básica, como ele se desenvolve ao longo de sua trajetória profissional é, sob essa perspectiva, de fundamental importância quando se pensa em oferecer um ensino de qualidade a toda população, assumindo isso como uma função social da escola.

O professor de Direito deverá exercer seu ofício sem uma postura dogmática, mas sim

preocupando-se em manter uma relação com o aluno baseada no diálogo, respeito, ética,

tendo uma visão humanista do mundo.

O ofício do magistério exerce tanta influência nos alunos, seja esta filosófica, social,

política ou ideológica, que Carlos Aurélio Mota de Souza (2002, p.82) afirma que “os

bacharéis serão o que os professores lhes ensinaram, assim como os filhos refletem o que são

seus pais. [...] A linguagem do professor será a linguagem dos bacharéis, a postura do

professor, será a postura de seus alunos, amanhã”.

O corpo docente, assim como o corpo discente das faculdades, devem acreditar que suas

atividades podem modificar e melhorar a realidade. Ambos devem tentar minimizar as

injustiças econômicas, políticas e sociais.

Essa tarefa se torna mais relevante nos Núcleos de Prática Jurídica das faculdades de

Direito, onde há o atendimento à população carente tão necessitada de ajuda, embora nem

sempre jurídica.

A Resolução nº 09/04 oferece como desafio que o professor esteja preparado para

promover o saber jurídico de forma crítica, científica, humanística e ética, tornando o bacharel

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em Direito capaz de enfrentar os benefícios, mas também as dificuldades de um mundo

globalizado.

A formação de uma consciência para a cidadania, para os ideiais de justiça e para a luta

pela paz social deve fazer parte da preparação profissional do corpo docente dos cursos

jurídicos.

Para Aurélio Wander Bastos, no futuro o ensino do Direito definir-se-á pela busca da

solução para problemas que, aliás, é o cotidiano da vida do advogado. No futuro, o professor

não vai chegar à sala para mandar o aluno abrir o Código Civil e ler determinados

dispositivos. Ele narrará ou colocará um problema para ser solucionado juridicamente. O

ensino do Direito no futuro partirá do estímulo para resolver problemas. (OAB..., 1997, p.54).

O professor precisa empenhar-se em oferecer um ensino crítico, consciente, humano,

voltado para as questões sociais. O mecanicismo já não encontra mais lugar nos bancos

acadêmicos e o novo ensino jurídico requer dedicação, antes de tudo, do corpo docente. Para

Nalini (2004, p.237-238):

Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira que já teve concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das profissões liberais. Basta aceitar que sua missão envolve mais do que ensinar Direito. Do autêntico mestre se aguarda transmita lições e prática do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da compreensão....Não se é professor compulsoriamente. O corpo docente da faculdade de Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas odôneas em suas carreiras. Embora o sistema esteja todo comprometido com a inércia, a reforma do ensino juridico pode partir de uma reforma da consciência do professor. Ele poderá transformar o mundo se iniciar uma conversão de sua consciência, pondo-a a serviço da formação integral do jovem perante ele colocado.

Uma observação deve ser feita, dentre as exigências atuais, para se considerar um

professor nas ciências jurídicas, mas que cabe para todos as categorias que exercem o

magistério: somente conseguirá exercer uma atividade de ensino baseada na crítica,

conhecimento da realidade, consciência, amadurecimento e união da teoria com a prática

aquele profissional que realmente tiver vocação para o magistério, caso contrário, toda e

qualquer teoria acerca da mudança de ensino será em vão, será lida, ignorada, sem surtir

efeito algum sobre o leitor.

3.5.2 A contribuição que a prática real representa para os futuros bacharéis

A publicação da Portaria Ministerial 1.886/94 trouxe benefícios para o ensino jurídico.

Com ela, houve uma preocupação de se conciliar ensino, pesquisa e extensão. Foi

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estabelecido um novo modelo pedagógico, demonstrando a necessidade e importância de uma

perfeita harmonia entre teoria e prática.

Para José Augusto Furtado (2008, on line), a Portaria Ministerial nº 1.886/94 foi um

marco significativo no sentido de que ocorressem melhorias no ensino jurídico brasileiro,

exigindo grandes modificações para a formação do docente da área jurídica.

Atualmente, as diretirizes curriculares nacionais do curso de graduação em Direito

encontram-se recepcionadas na Resolução nº 09, de 29 de setembro de 2004, da Câmara de

Educação Superior do Ministério da Educação, órgão que compõe o Ministério da Educação (

MEC).

No ensinamento de José Augusto Furtado (2008, on line), quanto ao conteúdo do Curso

de Graduação, a Resolução nº 09/04 fixou, considerando uma interligação de conteúdos, o

que a Resolução denominou de eixos. São eles: 1) eixo de formação fundamental; 2) eixo de

formação profissional; e 3) eixo de formação prática.

Ainda de acordo com José Augusto Furtado (2008, on line), o eixo de formação

fundamental tem objetivo disciplinar. Relaciona o estudo do Direito com outras áreas do saber

humano, como Antropologia, Economia, Ética, Psicologia e Sociologia.

O eixo de formação profissional tem abrangência dogmática e interdisciplinar, e elenca

como disciplinas dogmáticas essenciais: Direito Constitucional, Direito Administrativo,

Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho,

Direito Internacional e Direito Processual.

Finalmente, o eixo de formação prática tem como objetivo integrar a prática à teoria.

Aqui os núcleos de prática desempenharão um papel fundamental, da mesma maneira que

ocorria com o teor da Portaria nº 1.886/94.

O Estágio Curricular Supervisionado, a cargo dos Núcleos de Prática, aliado ao

Trabalho de Curso e às Atividades Complementares, compõe o denominado eixo de formação

prática.

O artigo 4º da Resolução nº 09/04 estabelece que o curso de graduação em Direito

deverá possibilitar a formação profissional, que revele algumas habilidades e competências

específicas.

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O perfil do profissional do Direito, de acordo com a Resolução nº 09/04, está sustentado

sobre três pilares: ensino, pesquisa e extensão. A partir da união desses elementos, chegar-se-

ia à formação de um profissional que viesse atender às dimensões social, política, técnica,

jurídica e prática do operador do Direito.

O teor da citada Resolução está de acordo com o artigo 205 da Constituição Federal que

diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

No atendimento aos assistidos no EPJ, os estudantes de Direito deparam-se com as mais

diversas situações e problemas socias, econômicos e familiares, tendo a oportunidade de

intervir nessa realidade.

Os estudantes, no atendimento à população, têm a oportunidade de sair da posição de

teóricos, para uma posição que possa modificar o mundo. Tendo sido um aluno orientado por

professores de disciplinas teóricas preocupados com o desenvolvimento crítico, histórico e

humanista da ciência jurídica, o aluno vai passar por essa fase do curso de Direito com uma

considerável bagagem cultural, social e com grandes aprendizados sociais e humanos.

Além de redigir peças processuais, adequando o ordenamento jurídico ao caso concreto,

ele terá a oportunidade de realizar mediações, como meio alternativo de resolução de

conflitos. Não se trata de um favor que a Academia faz para a sociedade. O atendimento nos

Núcleos de Prática deve garantir a dignidade e a cidadania aos excluídos, devendo o

atendimento primar pela agilidade, eficácia e comprometimento com a qualidade.

Os futuros bacharéis em Direito realizam milhares de atendimentos aos cidadãos

brasileiros, operando um trabalho sério e de grande responsabilidade social. Ao elaborar peças

processuais, objetivam o sucesso dos excluídos, na tentativa de se formar uma sociedade mais

próxima do princípio basilar da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana.

O aluno precisa ter consciência de que a obrigatoriedade do estágio de prática o fará

amadurecer para enfrentar a profissão por ele escolhida. Ele precisa de uma formação

humana, crítica e consciente durante todo o curso jurídico nas disciplinas teóricas para que

possa chegar aos Núcleos de Prática amadurecido e capaz de atender à população de modo

eficaz e satisfatório.

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A exclusão social é tão significativa que a negação de um Direito da Pessoa Humana

pode significar um processo de desumanização que, com uma conscientização do corpo

docente e discente dos cursos jurídicos, é reversível. É o que afirma Paulo Freire (2006, p.32):

A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua liberdade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais.[...] A luta pela humanização, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como seres para si, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto da história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos.

A prática jurídica realizada no Escritório de Prática Jurídica da Universidade de

Fortaleza é de grande importância para a qualidade do aprendizado do aluno. A UNIFOR

busca o comprometimento de seus alunos com a camada da população mais pobre, prestando-

lhe serviços jurídicos.

É grande a contribuição que a prática traz para os futuros bacharéis, tanto no sentido

pedagógico, como extensão universitária, mas também como experiência de vida.

O núcleo de Mediação da Universidade de Fortaleza representa um vínculo democrático e humano entre a universidade e a sociedade. Na medida em que cumpre a função social de mediar e resolver conflitos gratuitamente daqueles indivíduos mais carentes que não possuem acesso ao Poder Judiciário, garante o direito fundamental de acesso à justiça. Nesse sentido, também possui o condão democrático de inclusão social daqueles excluídos ao acesso à Justiça. (SALES, 2003, p.99).

Os benefícios são vários, que vão desde o aprimoramento na formação dos novos

profissionais e a realização de um direito fundamental, a saber, o Direito de acesso à justiça,

aos excluídos que sofrem com as mazelas do Estado devido ao número insuficiente de

defensores públicos dos Estados do país.

Como dito no presente trabalho, é hora de a Academia fazer as pazes com a sociedade.

É preciso que esta veja as faculdades como grandes aliadas para a realização de seus anseios e

não como uma entidade distante e inacessível.

Na visão de Nalini (2004, p.244): “A universidade brasileira tem uma hipoteca a

resgatar junto aos excluídos. Se não o fizer, terá decretada a sua insolvência moral,

apressando o seu destino rumo ao nada, como antevêem não poucos pensadores

contemporâneos”. E Carlos Aurélio de Souza (2002, p.14) lembra que:

Investimentos não têm sido poupados, pois sabem as faculdades, pela intensa concorrência em que estão envolvidas, que a busca da qualidade de ensino é vital

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para sua sobrevivência com glória: não basta um belo aparelhamento de prédios, informática ou bibliotecas, sem uma alma, em espírito acadêmico arraigado à filosofia da escola e inserido num universo cultural maior, dentro do país e sobretudo fora dele.

O Escritório de Prática Jurídica da Universidade de Fortaleza é um grande elo entre a

Academia e a sociedade, onde se prima por atendimentos éticos, eficientes, ágeis e, acima de

tudo, humanizados.

O curso de Direito da Universidade de Fortaleza desempenha sua atividade prática no

EPJ, não somente como obediência aos requisitos da Resolução nº 09/04 do MEC, mas com

grande satisfação e comprometimento social, a fim de contribuir para o alcançe de uma

sociedade mais humana, com seus direitos devidamente concretizados.

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CONCLUSÃO

No Brasil, as escolas de Direito foram criadas para atender às necessidades de um

Estado nacional em emergência. Devido a isso é que o ensino jurídico privilegiou a formação

política em lugar de uma formação jurídica.

As elites políticas brasileiras tiveram grande influência na criação das universidades no

Brasil. A história da instalação dos cursos jusrídicos no Brasil está intimamente ligada com os

desejos e aspirações das elites imperiais e civis.

Essa desvinculação somente deu-se com a República e com a Constituição Federal de

1988. Os cursos jurídicos ganharam autonomia didático-científica, administrativa e

patrimonial, como versa o artigo 227 do citado diploma legal.

Mas a metodologia utilizada em algumas faculdades jurídicas ainda hoje estão baseadas

em métodos utilizados no passado. As aulas do curso de Direito são caracterizadas pelo

dogmatismo e positivismo; em sua maioria, o professor fala e o aluno escuta.

O curso de Direito é considerado de baixo investimento, visto que é preciso somente um

professor e um quadro. Também é um curso escolhido por jovens que prestam vestibular e

ainda não sabem exatamente qual carreira seguir, pois ainda não descobriram sua vocação.

A OAB – Ordem dos Advogados do Brasil tem importante função na fiscalização dos

cursos jurídicos, cuja atuação começou devido à sua preocupação com o elevado número de

cursos de Direito espalhados pelo país.

A Portaria nº 1.886/94 do Ministério da Educação e Cultura elencou uma série de

exigências que deveriam ser obedecidas pelos cursos de Direito, operando significantes

transformações no mundo acadêmico. Pode-se dizer que a história dos cursos jurídicos no

Brasil divide-se em antes e depois dessa Portaria.

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Referido diploma legal demonstrou que o curso de Direito não é apenas um conjunto de

disciplinas e atividades, mas um conjunto de conteúdos que se desenvolvem através de

disciplinas e atividades interligadas, primando, assim, pela interdisciplinaridade.

Outra mudança que vale ressaltar é que os cursos jurídicos devem formar seus alunos

baseados na inter-relação ensino, pesquisa e extensão, ressaltando, dessa forma, que o

aprendizado do Direito não deve ficar somente nas salas de aula, mas deve ter ligação com

outras ciências.

Os currículos anteriores à citada Portaria sedimentaram uma metodologia de ensino que

partia dos códigos para os problemas. As aulas eram de natureza meramente discursivas com

exposições doutrinárias alheias ao conhecimento experimental.

O novo currículo da Portaria nº 1.886/94 do MEC demonstra uma profunda mudança no

ensino do Direito, no qual se exige que o aluno busque sua formação no conhecimento de

outras disciplinas que não jurídicas. Foi a descoberta de um Direito que deve ser ensinado a

partir do reconhecimento do problema, mas sem desprezar os códigos, a lei ou a doutrina.

É preciso que haja um ensino jurídico preocupado com o ser humano, seus anseios, suas

dores e sua frustrações. Todo curso universitário possui uma dose de humanismo, mas é no

curso de Direito que a preocupação com o ser humano deve ser ressaltada, visto ser uma

ciência que lida com os sentimentos humanos.

O ensino jurídico baseado na mera repetição das leis já não é suficiente para formar um

profissional devidamente capacitado para autar como transformador social, que exige, cada

vez mais, um envolvimento com a interdisciplinaridade e com a prática jurídica. Não se pode

continuar reproduzindo os princípios hermenêuticos tradicionais, derivados do dogmatismo

jurídico.

Para que as mudanças advindas com a Portaria nº 1.886/94, atualmente presentes na

Resolução nº 09/04 do MEC, aconteçam efetivamente nos centros jurídicos, é preciso,

inicialmente, conscientização e empenho do corpo discente dos cursos de Direito.

Deverá haver o desenvolvimento do ensino interdisciplinar como forma de sincronizar a

ordem jurídica e as novas realidades sociais e institucionais, como tentativa de se corrigir a

defasagem entre o ensino formal oferecido e as expectativas da sociedade.

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A Academia necessita ser útil à sociedade. Uma maneira de corrigir essa questão é

através da atuação dos estudantes de Direito no estágio de prática real, o qual eles têm a

obrigação de realizar para a obtenção do diploma de Direito, de acordo com a Portaria

Ministerial nº 1.886/94, hoje exigido na Resolução nº 09/04 do MEC.

As faculdades de Direito devem dispor de Núcleos de Prática Jurídica que oferecam

atendimento judicial e extrajudicial gratuitos à população carente em seu campus. Os alunos

atendem à comunidade e elaboram a peça processual adequada ao caso.

Para que o atendimento nos núcleos de prática das faculdades seja eficiente, o aluno

deve ter conhecimento de outras ciências, como Sociologia, Psicologia, Economia. Não é

suficiente somente o conhecimento jurídico para atender adequadamente às pessoas.

Com a obediência à interdisciplinaridade exigida pela Resolução nº 09/04 do MEC,

possivelmente o estudante concluirá o curso repleto de conhecimentos sociais, politicos e

econômicos, a respeito da realidade de onde ele está inserido.

É preciso uma forma de desalienação dos futuros bacharéis em Direito, para que eles

tenham consciência de seu papel na sociedade e com o que irão deparar-se na profissão por

eles escolhida.

A sensibilidade, consciência, maturidade e solidariedade são fundamentais na formação

desses alunos. O comprometimento do quadro docente é de grande valia, mas, atualmente, vê-

se que os professores não se sentem responsáveis pela formação humana e ética de seus

alunos, porquanto a sua preocupação é somente com formação técnico-jurídica.

Os núcleos de prática jurídica são espaços dentro das universidades onde se operam

grandes modificações sociais, de acordo com sua função de atendimento à comunidade. É o

local onde se espera que os Direitos dos menos possibilitados economicamente sejam

concretizados.

Um atendimento distante do assistido, em que o estudante somente busque o dispositivo

legal adequado ao caso concreto, não é o objetivo da Academia. Os cursos jurídicos, em sua

maioria, são dotados de profissionais competentes e de grande conhecimento jurídico. O que

lhes falta é a consciência de que o ensino do Direito não deve ser somente a leitura de códigos

e legislação.

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É preciso que se ensine Direito levando-se em consideração o ser humano, sua história,

suas crenças, seus valores, seus anseios, seus medos, seus desejos e seus sonhos. A ética,

consciência, maturidade e conhecimento da realidade devem ser buscados a partir do primeiro

ano de um curso de Direito.

Uma sociedade melhor de se viver e mais justa deve ser construída não somente quando

o profissional sai da faculdade, com seu diploma na mão. Sua construção começa nos bancos

universitários e uma grande oportunidade de concretizar a aproximação entre a sociedade e a

Academia, como dito, é nos núcleos de prática jurídica dos cursos de Direito.

O que se vê nos nucleos de prática das faculdades de Direito são estudantes

juridicamente despreparados, imaturos e socialmente alienados, desconhecedores da dolorosa

realidade que se faz presente nas classes menos favorecidas.

Para muitos, o atendimento à comunidade é feito para agradar ao professor ou como

uma obrigação acadêmica, mantendo-se distante dos assistidos e com pressa de se encontrar o

dispositivo jurídico para o caso concreto.

Em alguns casos, o assistido quer somente ser ouvido e a solução seria seu

encaminhamento para o setor de Psicologia dos núcleos de prática, mas a falta de

sensibilidade, amadurecimento e conhecimento de outras ciências impedem o aluno de assim

proceder.

Há uma ausência de solidariedade e humanismo por parte de alguns alunos, em sua

maioria, descomprometidos com o social, embora não sejam os únicos responsáveis por esse

comportamento, pois são vítimas de uma sociedade altamente competitiva, que dá maior

relevância aos resultados de provas e testes.

Também são vítimas de professores que se se mantiveram distantes de seus discípulos,

professores que se preocupam somente em lhes transmitir o que está nos códigos e na

legislação pátria.

Quando o ensino jurídico colocar o ser humano como base de seus estudos, haverá uma

transformação positiva na sociedade, culminado com a efetivação do Direito de cada cidadão.

Os núcleos de prática jurídica são meios de se conseguir efetivar os Direitos dos menos

favorecidos, através de um ensino jurídico baseado na humanização.

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