A Hora e a Vez Da Juventude Org Mauricio Piccin

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Educação, trabalho, cultura e outros direitos da juventude para desenvolver o Brasil e o Rio Grande do Sul

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Educação, trabalho, culturae outros direitos da juventudepara desenvolver o Brasile o Rio Grande do Sul

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Mauricio Botton Piccin(organizador)

Educação, trabalho, culturae outros direitos da juventudepara desenvolver o Brasile o Rio Grande do Sul

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A HORA E A VEZ DA JUVENTUDE!Educação, trabalho, cultura e outros direitos da juventude

para desenvolver o Brasil e o Rio Grande do Sul1a edição: junho de 2010

Organizador:Mauricio Botton Piccin ([email protected])

Coordenação editorial:Valter Pomar

Revisão:Carolina Veloso Costa, Glaucia Cosme e Rafael André Schervenski da Silva

Capa:Lara Coletti

Autores:Adriano Pires de Almeida, Alberto L. Kopittke, Elisa Guaraná, Eloir José

Rockenbach, Felipe Amaral, Hilário Dick, José Ricardo Bianco Fonseca, JoséSilon Ferreira, Mauricio Botton Piccin, Olívio Dutra, Paulo Denisar Fraga, PauloPaim, Rafael Barbosa de Moraes, Tábata Silveira e Vanessa dos Santos Nogueira

Diagramação:Sandra Luiz Alves

Piccin, Maurício Botton, org A hora e a vez da juventude: educação, trabalho e outros direitos da juventudepara desenvolver o Brasil e o Rio Grande do Sul / Maurício Botton Piccin.org –São Paulo : Página 13, 2010.

ISBN 978-85-62508-06-6

1. Políticas públicas – Juventude 2. Mercado de trabalho 3. Cultura 4. Inclusãodigital I. Título II. Almeida, Adriano Pires de III. Kopittke, Alberto L. IV.Guaraná, Elisa V. Rockenbach, Eloir José VI. Amaral, Felipe VII. Dick, HilárioVIII. Fonseca, José Ricardo Bianco IX. Ferreira, José Silon X. Dutra, Olívio XI.Fraga, Paulo Denisar XII. Paim, Paulo XIII. Moraes, Rafael Barbosa de XIV.

Silveira, Tábata XV. Nogueira, Vanessa dos Santos

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser

reproduzida, sob qualquer forma, sem prévia autorização.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO .............................................................................. 7

INTRODUÇÃO: Mais que carregar o pianoe engrossar a passeata .................................................................. 9

Mauricio Botton Piccin

CAPÍTULO 1: Juventude: hierarquia social e relaçõesde poder na luta pela construção de um ator político ............... 13

Elisa Guaraná de Castro

CAPÍTULO 2: Juventude, direitos e emancipação ....................... 33José Ricardo Bianco Fonseca e Rafael Barbosa de Moraes

CAPÍTULO 3: As políticas de juventude no Brasil ...................... 45Adriano Pires de Almeida

CAPÍTULO 4: A juventude conquista seureconhecimento na Constituição ............................................... 55

Paulo Paim

CAPÍTULO 5: Juventude e participação política ......................... 61Olívio Dutra

CAPÍTULO 6: Juventude e cultura: identidade,reconhecimento e emancipação ................................................. 65

Paulo Denisar Fraga

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A hora e a vez da juventude

CAPÍTULO 7: A pior herança ....................................................... 73Alberto L. Kopittke

CAPÍTULO 8: Juventude e Cultura Digital Livre ........................ 85Eloir José Rockenbach e Vanessa dos Santos Nogueira

CAPÍTULO 9: Juventude e meio ambiente .................................. 91Felipe Amaral

CAPÍTULO 10: Juventude, religiões, participação política eesperança ............................................................................ 107Tábata Silveira

CAPÍTULO 11: Diagnóstico da situação da juventudeno Rio Grande do Sul .............................................................. 113

Hilário Dick e José Silon Ferreira

CAPÍTULO 12: A situação juvenil na agriculturafamiliar gaúcha ........................................................................ 127

Nilson Weisheimer

CAPÍTULO 13: O olhar da juventude para desenvolvero Rio Grande do Sul e o Brasil ................................................ 139

Mauricio Botton Piccin

Sobre o autor e organizador .................................................... 155

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Este livro é fruto de um esforço coletivo que desde o início dadécada de 90 várias pessoas vem se somando na reflexão sobre aquestão da juventude e sua diversidade.

A Hora e a Vez da Juventude dialoga com a idéia de que a supe-ração da opressão geracional, da forte exclusão social que vive estesegmento da população e da falta de espaços para que a juventudepossa participar das decisões da sociedade só será possível com oenvolvimento da própria juventude. Além do mais, trabalha com aidéia de que o pleno desenvolvimento da nossa sociedade só serápossível se integrar e incluir as novas gerações através de políticaspúblicas e espaços de interlocuções.

A ampliação do debate sobre as questões que envolvem espe-cialmente a juventude, o surgimento de movimentos e organizaçõesjuvenis, a luta por políticas públicas específicas para a juventude e apreocupação por parte de alguns governos (municipais, estaduais efederal) motivou institutos de pesquisa, intelectuais e organizações aestudarem mais a situação da juventude brasileira. No Rio Grandedo Sul essa demanda não foi diferente e, por isso, este livro tem aintenção de trazer alguns elementos que acrescentem no debate so-bre a agenda atual de bandeiras, reivindicações e políticas públicasnecessárias para o desenvolvimento com distribuição de renda e in-clusão social com um olhar para as novas gerações.

APRESENTAÇÃO

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A hora e a vez da juventude

Os diversos textos que aqui se apresentam são opiniões dos res-pectivos autores e, portanto, podem – inclusive - apresentar contra-dições entre si. A idéia foi exatamente essa, garantir que diversosassuntos fossem abordados por personalidades, intelectuais e ati-vistas da área e que este conjunto pudesse compor uma reflexãodiversa sobre os diferentes temas que abrangem o debate sobre ajuventude brasileira e gaúcha.

O livro apresenta o debate sobre como a juventude é percebidana sociedade capitalista na qual vivemos e como ocorrem as rela-ções de poder entre as diferentes gerações; a luta pelas políticaspúblicas de juventude e pelos direitos específicos deste segmentosocial com a definição de um marco legal na legislação brasileira.

Além disso, o livro mostra um recorte sobre a situação da juven-tude gaúcha e opiniões sobre vários assuntos que envolvem a ju-ventude, como por exemplo, a juventude da agricultura familiar, aviolência entre a juventude, a cultura, meio ambiente, participaçãopolítica e uma discussão sobre a necessária construção de uma cul-tura digital livre nestes tempos de intenso desenvolvimento tecno-lógico.

Por fim, nos desafiamos a condensar alguns apontamentos quepodem compor uma proposta de ações e políticas para a juventudeque possa fazer parte de um projeto de desenvolvimento para onosso país e, de forma especial, para o Rio Grande do Sul, conside-rando a juventude como uma questão fundamental para alterarmosprofundamente a realidade social em que vivemos.

Mauricio Botton Piccin – vice-presidente da UNE de 2005

a 2007 é secretário Estadual da Juventude do PT/RS

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Mauricio Botton Piccin*

Quem nunca ouviu um/a jovem ser reprimido/a com a frase “comamais feijão e arroz” ao tentar tocar em determinado assunto? Ouque, ao tentar fazer algo, ele deveria “deixar primeiro para os maisvelhos”, colocando a juventude sempre em segundo plano?

Pois é, essas são passagens muito corriqueiras na nossa vida.Crescemos ouvindo que um dia será a nossa vez. Que agora, nossaprincipal responsabilidade é nos prepararmos para, talvez, no futu-ro sermos alguma coisa.

Essa visão sobre nós jovens reproduz a opressão geracional in-trínseca da sociedade que vivemos e desenvolve uma idéia domi-nante que a juventude é o momento da vida quando as pessoas es-tão em formação, estão incompletas, sem experiência, sendo, por-tanto, pessoas que precisam ser controladas, reguladas, encaminha-dos para o caminho supostamente correto.

A consequência direta disso é que o jovem é compreendido,muitas vezes, como apontou Denisar, sendo aquele que “faz tarefaspráticas, que engrossa a passeata, que carrega o piano”.

Mais que isso, a juventude permanece completamente invisívelna sociedade. É excluída dos seus espaços de participação, ou quan-do participa é constantemente deslegitimada por sua condição.

INTRODUÇÃO

Mais que carregar o pianoe engrossar a passeata

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Crítica a noção de juventude. Opressão geracional.
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A hora e a vez da juventude

Ao elevarmos estas relações sociais que envolvem a juventudepara o plano dos espaços governamentais executivos e legislativos, ve-remos que essa relação de exclusão e opressão geracional tambémse expressa, resultando na inexistência de direitos, políticas públi-cas e uma quase inexistente participação da juventude, levando aum sério problema de ausência das novas gerações nesses espaços.

Precisamos fazer parte das coisas, até porque somos mais de 25%da população brasileira e somos os mais excluídos da sociedade, nadificuldade de conseguir um emprego, no trabalho precarizado, nadificuldade de ter acesso à educação, na inexistência de alternati-vas culturais e de diversão que não os shopings e as festas apenaspara quem pode pagar, na falta de moradia digna, seja na dificulda-de de acesso ao transporte, entre muitas outras coisas.

O jeito é construir a nossa visibilidade. O jeito é lutar por aquiloque necessitamos e pelo o que é nosso direito. A década de 90 foibrutal para a juventude do nosso país, pois o Estado brasileiro di-minuiu drasticamente o seu papel enquanto promotor do desenvol-vimento e garantidor dos direitos sociais através das políticas públi-cas de educação, saúde, transporte, moradia, saneamento, etc. A ju-ventude foi a mais afetada e sofre as conseqüências até o dia de hoje.

Ultimamente, essa situação melhorou um pouco devido a outraforma de perceber o papel do Estado, a partir das ações do GovernoFederal e, também, devido a uma forma diferenciada de perceber ajuventude como portadora de direitos, tirando-a da invisibilidade so-cial. Isto, na verdade, é fruto da luta da própria juventude brasileira.

Nos últimos anos parece que as juventudes, a partir de sua diver-sidade, compreenderam que era necessário agir para mudar essasituação. A partir do final da década de 90, vários tipos de organi-zações juvenis passaram a se mobilizar pelos seus direitos sociais,políticos, culturais.

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Problemas para a juventude.
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Audiências públicas, conferências, seminários, mobilizações,lutas, estatutos, projetos de leis foram e estão sendo objetos de muitadiscussão da juventude brasileira nos últimos anos, a qual vem con-quistando espaços concretos para mudar a realidade brasileira.

A compreensão de que a juventude é uma fase da vida que mere-ce condições especiais do Estado para viabilizar a construção autô-noma e independente da sua vida tem produzido muitas discussõessobre os direitos específicos da juventude. A idéia de que a juven-tude possui estes direitos desemboca na construção de uma PolíticaNacional de Juventude que deverá garantir estes direitos na esferafederal, estadual e municipal.

Atualmente, de forma destacada, não é possível pensar em cons-truir uma sociedade desenvolvida econômica, social, ambiental epoliticamente sem visualizar mecanismos de inclusão das novasgerações. O processo de desenvolvimento de uma sociedade preci-sa, necessariamente, levar em conta as novas demandas, visões esituações que surgem a partir das novas gerações, pois a questãogeracional sempre será um elemento determinante para o desen-volvimento.

Portanto, queremos muito mais que apenas carregar o piano eengrossar a passeata. Queremos determinar para onde levar o pia-no e qual é o motivo da passeata! Queremos ser vistos não com umolhar para o depois, mas para o hoje, agora, já, pois essa é a hora ea vez da juventude!

* Mauricio Botton Piccin – vice-presidente da UNE de 2005

a 2007 é secretário Estadual da Juventude do PT/RS

Mais que carregar o piano e engrossar a passeata

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Uma etapa de geração que necessita apoio do estado.
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A hora e a vez da juventude

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Elisa Guaraná de Castro*

O que é ser jovem? O que é a juventude? Essas são perguntasque a cada dia ganham mais espaço na mídia, nas ruas, nas escolas,nos partidos políticos... São muitas as respostas possíveis, mas umponto de partida é a compreensão de que juventude é uma catego-ria social e, como tal, forjada dentro de um contexto histórico esocial. No caso, uma categoria social configurada em uma socieda-de hierarquizada: a sociedade capitalista. Jovem é um termo usadoem muitos contextos históricos1. Mas, a categoria social juventude,como a conhecemos hoje, começa a se tornar visível no século XIX.Inicialmente torna-se mais evidente uma concepção geracional queopunha jovens e velhos, ou jovens e adultos. No final do século XXe nesse início do século XXI ocorre um grande impulso no debatesobre juventude. Entretanto, muitos trabalhos tratam juventude comocategoria auto-evidente ou auto-explicativa, tendo como principaisdefinidores a idade e o comportamento. Busca-se estabelecer umaconcepção que localize em qualquer tempo e espaço “a juventu-de”, a partir de um corte etário e de um comportamento associado aesse “momento”. Ou seja, como se os termos juventude e jovemutilizados em diferentes contextos históricos tivessem o mesmo sig-nificado.

CAPÍTULO 1

Juventude: hierarquia social e relaçõesde poder na luta pela construção

de um ator político

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conceito de JUVENTUDE
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A hora e a vez da juventude

A sociedade hoje classifica “jovem” como uma determinada fai-xa da população. Uma definição muito usada é a estabelecida pelorecorte etário de 15-24 anos adotado por organismos internacionaiscomo OMS – Organização Mundial da Saúde, e Unesco – Organi-zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.Essa concepção passa a ser amplamente aceita a partir da Confe-rência Internacional sobre Juventude2 será referência para os estu-dos da época, até os dias de hoje, e procura tornar homogêneo oconceito de juventude. Utiliza, para tanto, dois limites: a menoridade para a entrada no mundo do trabalho (reconhecida internacio-nalmente), e a idade esperada para que se termine a escolarizaçãoformal (fundamental, média e superior).

Pesquisas recentes, e mesmo organismo governamentais têmadotado no Brasil e no mundo uma faixa etária mais extensa, 15 a29 anos. Essa faixa etária é utilizada no Brasil pela Secretaria Na-cional de Juventude (SNJ) e pelo Conselho Nacional de Juventude(CONJUV), ambos criados em 20053. A variação etária pode serainda maior dependendo “de qual juventude” estamos falando. Nocaso da juventude trabalhadora sindicalizada rural ou urbana podea idade máxima considerada se estende aos 32 anos4. Portanto, aprópria definição de juventude a partir de uma faixa etária é um doselementos que expressam as diferentes percepções para se identifi-car a população juvenil.

Contudo, temos hoje dados que demonstram que a juventudebrasileira, seja de 15-24 ou ainda de 15-29 anos sofre com antigose novos problemas sociais. Apesar de ser um período da vida emque estudar é tido como prioridade pela sociedade, ainda temosproblemas graves na situação educacional da juventude brasileira.Falta de acesso, repetência e permanência nas séries do ensino fun-damental, ou seja, evasão. Dos jovens de 15-17anos 34% ainda es-

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Faixa etária, PADRÃO INTERNACIONAL, POR CONVENÇÕES.
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Faixa etária, juventude, contexto do Brasil.
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tão no ensino fundamental; 18-24 anos apenas 12,7% freqüentam oensino superior. Da população brasileira de 18 anos ou mais apenas30% concluiriam o ensino médio5.

Uma das causas mais recorrentes para o abandono escolar das jo-vens é a gravidez, 21,1 %, já dos jovens é por ter conseguido um em-prego, 42,2%.6 Mas a inserção no mundo do trabalho também não éfácil para os jovens brasileiros. O desemprego é maior e os tipos detrabalho são mais precários. Em 2006 a taxa de desemprego7 para apopulação de 30-59 anos eram de 5%. Já para os jovens de 15-17 anoseram de 22,6 %; 18-24 anos eram de 16,7 %; 25-29 anos eram de9,5%8. No entanto, os dados de 2006 da Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílio do IBGE, nos revelam uma realidade mais dura:23,8% dos jovens de 18-29 anos não estudavam e nem trabalhavam.

Mas esses e outros dados mostram também que a população jo-vem não é homogênea.9 Podemos afirmar que um dos principaismarcadores sociais que diferenciam os jovens hoje é o de classesocial, e ainda, a cor da pele, o sexo e o local de moradia são condi-cionantes para a situação que vive a juventude brasileira. Os jovensnão brancos têm as piores condições de vida e são hoje as maioresvítimas da violência, do desemprego e da falta de acesso à educa-ção. Dos jovens de 15-29 anos, 31,3% são pobres, isto é com rendafamiliar per capta de até ½ salário mínimo. Dentre esses, 50,8%vivem no Nordeste, 70,3% são não-brancos (pretos e pardos)10. Aopasso que dentre os mais ricos, 77,7% são brancos11. O número deanalfabetos negros nessa faixa etária é 3 vezes maior que entre osbrancos. Os jovens negros são as maiores vitimas de homicídios, ena imensa maioria são homens: entre os jovens brancos são, emmédia, 69,2 mortes por 100 mil habitantes, entre os jovens pretossão 148,8 mortes por 100 mil habitantes, entre os jovens pardos são140,9 mortes por sem mil habitantes12.

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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Atualizar esses dados
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Outras diferenças também aparecem quando olhamos mais deperto as estatísticas oficiais: 84,9% dos jovens de 15-29 anos vi-vem em áreas urbanas, desses 1/3 vivem em regiões metropolitanase 2/3 em áreas não-metropolitanas; 15,1% vivem em áreas rurais.Apesar de os jovens rurais serem bem menos em quantidade abso-luta, 29,5% dos jovens pobres do país vivem em áreas rurais. Onível escolar do jovem rural é 50% inferior ao do jovem urbano e9% dos jovens rurais são analfabetos. Essa é uma realidade paraapenas 2% dos jovens urbanos. As jovens mulheres continuam acu-mulando o trabalho doméstico da casa com outras atividades, como:estudo e trabalho13.

O debate sobre juventude no Brasil, principalmente a partir dasdécadas de 1980 e 1990, trouxe o olhar da diversidade, para alémdos cortes etários, ou apesar deles, não se fala mais em juventude,mas em juventudes.14 Helena Abramo nos traz, por exemplo, a im-portante reflexão sobre a associação entre juventude, educação elazer, como uma construção socialmente informada: ou seja, quenão pode ser estabelecida senão dentro das relações sociais envol-vidas. Para a autora, essa seria uma concepção que trata a juventu-de como aqueles que estão em processo de formação e que aindanão têm responsabilidades, principalmente por não estarem inseri-dos no mercado de trabalho. Com isto, se exclui o jovem das clas-ses trabalhadoras.15

O entendimento de que a juventude é uma fase da vida e que osjovens estão em transição para a vida adulta está acompanhada daidéia de juventude como período de formação. Vamos retomar essaidéia mais à frente, mas uma consequência dessa percepção é que ajuventude, especialmente a estabelecida pela faixa etária da OMS (de15-24 anos) é definida como “um momento de não trabalho”. Assim,trabalhar não seria uma atividade da juventude. As imagens recorren-

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JUVENTUDES, reconhecer que há tipos de juventude diferente.
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Juventude como etapa do não-trabalho ??
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tes ressaltam a juventude como associada aos movimentos culturais.Talvez isso ajude a compreender os poucos estudos sobre juventudetrabalhadora, especialmente a partir dos anos 1980. Contudo, a juven-tude no Brasil, do campo ou da cidade, trabalha e muito...

Apesar dos esforços em perceber a juventude em toda a sua di-versidade social e cultural, observa-se na verdade, que nem sempreessa diversidade se reflete nos estudos. Estudar juventude signifi-cou, por muito tempo, estudar grupos de jovens nas cidades. Mui-tos desses estudos se concentraram (como veremos em seguida)nas atividades ou comportamento tidos como ‘perigosos’ dos jo-vens. No Brasil, esse tipo de imagem que vinculava juventude aosespaços fortemente urbanizados também marcou as pesquisas.Muitos estudos se voltaram para as chamadas “tribos urbanas”, jo-vens urbanos ligados à cultura, à música, em especial ao rock, aofunk, ao hip hop, mas também grupos que se expressam através demodas específicas – roupas, estilos musicais, lugares que freqüen-tam, estilo de vida, como: os punks, os grunge, os funkeiros, osemos, clubbers, grafiteiros16

Assim falar de juventude carrega uma enorme complexidade paraalém da idade biológica. Como veremos a seguir outros recortes eassociações são recorrentes quando o assunto é juventude.

No entanto, o fato de uma determinada população ser identificadacomo jovem e representar hoje uma porcentagem importante dapopulação total é apenas um elemento para entendermos o peso eos significados de ser jovem e fazer parte da juventude hoje.

De qual juventude estamos falando? Por que, hoje, vemos tantosmovimentos e organizações políticas, culturais e religiosas se iden-tificando como de juventude? Para buscarmos respostas para essase outras perguntas sobre o que é ser jovem no século XXI, temosque dar um mergulho na história.

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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NO Brasil, a questão é diferente, jovem trabalha e MUITO.
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A hora e a vez da juventude

Podemos falar em um processode surgimento dessa categoria social?

Acredito que sim. Se pensarmos no processo histórico de longaduração, podemos dizer que: o surgimento da categoria social ju-ventude, como a reconhecemos hoje, está diretamente relacionadoà formação da sociedade patriarcal burguesa. A hierarquia socialque configura a sociedade capitalista tem um de seus alicerces naestrutura familiar burguesa. Isto é, um “padrão”, “modelo” de fa-mília, monogâmica, heteronormativa, isto é, formada por um casalheterosexual, que tem na figura masculina paterna a representaçãode poder. Nessa configuração social a esposa e os filhos ocupamposições hierarquicamente inferiores. A juventude é uma categoriaconstruída no bojo desse processo de configuração da família bur-guesa, centrada na figura paterna e aonde os filhos aparecem ocu-pando uma posição subordinada.

A categoria social juventude, como hoje a conhecemos, não exis-tia no início da formação da sociedade capitalista. A partir do pro-cesso de consolidação da família burguesa, encontramos a confor-mação da idéia de infância, e a partir do século XIX a figura daadolescência e juventude, associadas às etapas das transformaçõesfísico-biológicas. Esse início da construção de uma concepçãomoderna de juventude marca a identificação dessa população a partirde elementos físico-biológicos e a associação desses com determi-nados comportamentos sociais e psicológicos. Atribui-se determi-nadas características físicas e comportamentais como potencialmen-te “jovens”, tais como, o vigor físico, a rebeldia, a delinqüência.Isto é, como comportamentos esperados como prováveis por aque-les que estiverem nesse período de suas vidas.

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Juventude uma questão biológica?

A crença de que as características biológicas determinam o com-portamento, visões de mundo, posição na sociedade, ainda hoje,estão presentes na definição de juventude. O peso desse imperativose consolidou com advento da Ciência Moderna, período em que oOcidente aprofundou suas descobertas sobre o corpo humano e for-jou uma associação direta entre características biológicas e reaçõescomportamentais psicológicas e sociais. Esse paradigma é consti-tutivo da concepção moderna de juventude.

Não se trata de contestar a diferença física e biológica existenteentre homens, mulheres, jovens, velhos, crianças, adolescentes, esim, observar como essas diferenças tornam-se definidoras da con-cepção senso comum do que significa ser mulher, ser homem, serjovem. Uma percepção que iguala natureza e cultura. Muitas vezes,essa caracterização é reproduzida nos estudos acadêmicos e pelopoder público. Um exercício interessante é observarmos certo sen-so comum de associação entre características biológicas e compor-tamentos esperados, como na tabela abaixo:

Característica biológica Comportamento esperado

Homem Não pode gerar filhos. Hormônios mais equili-

brados que as mulheres. Mais força física, em mé-

dia, do que as mulheres.

Menos sensibilidade, afetividade e capa-cidade para cuidar dos filhos. Menor capacidade de cuidar dos outros. Menos propenso às atividades e espaço

doméstico. Maior estabilidade emocional. Mais competitivo. Maior capacidade concentração e produ-

ção intelectual. Mais afeito ao trabalho na rua, ao traba-

lho braçal.

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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Natureza e Cultura....ir além da questão biológica e da faiza etária, há uma série de questões culturais , sociais, que incidem nas condições de vida da juventude.
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A hora e a vez da juventude

Em primeiro lugar vamos analisar a associação de característicasfísico-biológicas com comportamentos específicos. A juventude écaracterizada, via de regra, como um período da vida onde os“hormônios falam mais alto”. Assim, os indivíduos identificados comojovens podem ser: impetuosos, propensos a se exporem ao risco, dedifícil controle, criativos, abertos a novas experiências, etc. Dois exem-plos de análises a partir dessa definição são emblemáticos: as análisesde “delinqüência juvenil”, e as análises da “juventude revolucionária”.

Característica biológica Comportamento esperado

Mulher Pode gerar filhos. Mudanças hormonais cons-

tantes. Menos força física, em mé-

dia, do que os homens.

Mais sensibilidade, afetividade e capaci-dade para cuidar dos filhos. Maior capacidade de cuidar dos outros. Mais propensa às atividades e espaço do-

méstico. Mais emocional. Menos estável. Menor capacidade de concentração e pro-

dução intelectual. Menos competitiva.

Jovem Constituição física em for-mação. Hormônios em doses mais

altas que nos adultos. Mais força/resistência fí-

sica que em outros momen-tos da vida.

Período de formação da personalidade,de ideais e visões de mundo. Facilmente influenciável. Período de transição = muitas dúvidas,

poucas certezas. Menor capacidade intelectual, de avaliar

e tomar decisões, de pensar além de seusinteresses pessoais imediatos. Maior tendência ao individualismo. Mais instável emocionalmente, difícil de

controlar. Maior atividade sexual. Mais animado, disposto, propensão ao

novo, rebelde, irresponsável. Maior capacidade para assumir tarefas e

trabalho que exigem força física.

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Exemplo da JUVENTUDE nesse cenário de comparação NATUREZA e CULTURA
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Diversos estudos tratam juventude a partir do problema do au-mento da violência. O olhar que associa jovem à delinqüência partede definições que utilizam a concepção de delinqüência juvenil pararetratar as ações de determinados indivíduos que teriam em comuma idade e uma forma de se comportarem. Um dos resultados desseviés de abordagem é a consolidação de definições como “jovensem situação de risco” ou “juventude violenta”, que se torna a basepara alguns programas sociais que pretendem reintroduzir na so-ciedade esses excluídos.

Por outro lado, a inversão dessa percepção é igualmente proble-mática, a que atribui um comportamento revolucionário, transfor-mador, rebelde, inovador ao jovem. Um olhar quase heróico sobrea juventude é recorrente, perpassa muitos trabalhos sobre o tema,nos quais a juventude aparece como o principal agente de transfor-mações sociais e o jovem como o ator social privilegiado. Se estaimagem de juventude parece “positiva”, decorre dela duas outras.

A primeira, a de que é na juventude que definimos o futuro denossas vidas. Talvez em sociedades de “pleno emprego”, o mito doprojeto de vida faça mais sentido. Em sociedades onde reina a desi-gualdade social e o desemprego esta “escolha” do futuro é muitomais sonho que realidade. Segundo, a idéia de que decidimos nos-sas posições político-ideológicas frente ao mundo na juventude. Écomum a imagem que associa juventude e rebeldia, no sentido dequando jovens “podemos tudo”. A idéia correlata é que quandodeixamos de ser jovens e ingressamos no mundo adulto, nos torna-mos sérios e responsáveis, e, portanto menos dispostos a lutar porgrandes transformações sociais. Estas duas perspectivas apontam ojovem como dotado de características que definem determinadosindivíduos a priori e concorrem para uma concepção conservadorade juventude.

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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A hora e a vez da juventude

A definição de juventude na sociedade está em disputa e essadisputa gera relações de poder.

A concepção de juventude construída a partir da relação juven-tude/violência, amplamente difundida na década de 1990, parte dapercepção de juventude como um público alvo e/ou “cooptável”pela violência organizada Essa foi uma construção que teve comoganho a visibilidade da juventude como categoria social e o pesoda violência sobre essa população. Mas, também, consolidou umolhar sobre a juventude como uma população “perigosa”. Uma ju-ventude que deve ser controlada, “salva”, incluída e direcionada,para finalmente por em movimento, o que seria intrínseco à juven-tude, a sua capacidade empreendedora.

Um eixo central dessa abordagem é a concepção de empreende-dorismo, a nova roupagem do “self made man” (o homem que cons-trói a si mesmo) dos velhos primórdios do individualismo capitalis-ta. Ou seja, cabe ao jovem, através da ação de agentes sociais, seresgatar e resgatar a sua localidade. Transfere-se para o jovem atarefa da micro-transformação social, que, multiplicada gerará gran-des mudanças na qualidade de vida da sociedade contemporânea.Construiu-se um olhar, que se tornou hegemônico sobre juventude,e sobre os tipos de ações que podem ou devem ser geradas paraestes jovens em situação de risco. Através, de programas e ações setransforma o “jovem em situação de risco” em “jovem protagonis-ta”. Essa concepção de juventude tem implicações na consolidaçãode uma lógica pontual de se enfrentar a questão, e essa concepçãopode contribuir para afastar os jovens dos tradicionais espaços departicipação política (partidos, sindicatos, movimento estudantil ede organizações religiosas progressistas), e direcionar quais devemser os novos espaços. E, ainda, pode afastar o jovem do debate dasgrandes transformações sociais e das utopias.

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IMPORTANTE: a ideia de juventude está em disputa na sociedade, nas relações de poder.
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Ou seja, as concepções de juventude em disputa geram ideolo-gia, geram políticas públicas, ações do chamado terceiro setor egeram formas de se disputar a sociedade.

Mas uma segunda questão deriva da relação natureza = cultura:a definição de juventude como uma fase da vida. Ser jovem é am-plamente descrito como estar em um período de transição da infân-cia para a vida adulta, um período de formação, de consolidação devalores, desejos, percepções de mundo e projetos para o futuro17.Juventude corresponde a um período específico da vida dos indiví-duos. É evidente que não somos jovens para sempre. Como experi-ência individual, passamos pela juventude, quer nos identifique-mos ou não com ser jovem.

Mas, a valorização da transitoriedade como principal elementodefinidor do ser jovem tem implicações profundas na forma como asociedade percebe os jovens, a juventude, e suas manifestações polí-ticas e culturais. A disputa política e ideológica se dá na sociedadedas mais variadas formas, e, também, entre e com os jovens. Mas,certamente, que pelos jovens serem percebidos socialmente como“em formação” recebem um bombardeio maior da mídia, de partidospolíticos, da família, da igreja, etc. A concepção de “jovem em for-mação” fortalece uma concepção conservadora de juventude.

Essa percepção traz conseqüências, duas idéias correlatas sãointeressantes: 1) de que só os jovens, ou que principalmente os jo-vens, estão em processo de formação e de definição ideológica.Assim, se constrói a idéia de jovens em processo de formação polí-tica, disputados pelas forças e idéias políticas. Um vir a ser. Nessesentido, é sempre uma construção para se formar uma futura gera-ção “melhor”. 2) E, ainda, essa imagem atribui à juventude e, por-tanto aos movimentos, organizações e indivíduos associados à jo-vem e juventude, a imagem de em transição, parcial, incompleto.

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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IMPORTANTE: 2 pontos centrais de crítica à essa ideia de juventude como uma etapa de transitoriedade de faixa etária, em formação, incompleto.
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A hora e a vez da juventude

Sem dúvida que temos construído na nossa sociedade, e não pre-ciso lembrar que é uma característica da sociedade capitalista, adefinição de infância, adolescência e, agora, juventude como perí-odos de formação e educação formal. A experiência da expectativade ser esse um período de formação atravessa a vida dos jovens,seja como possibilidade real, seja como a negação dessa possibili-dade, ou seja, excluídos.

A percepção de período de transição como principal definidorde juventude, ou condição juvenil, constrói a percepção de que ojovem e os movimentos e organizações, grupos associados à identi-dade juventude também são passageiro, efêmeros. Os jovens nãosão percebidos como atores sociais e políticos. E isso se reflete nosespaços de organização e atuação política.

Assim, temos uma percepção reproduzida em nossa sociedadeque valoriza determinados elementos como definidores, identifica-dores dos jovens e da juventude e que reforçam uma posição socialsubalterna. Mas a construção de identidades sociais e políticas éum processo que pode reproduzir, dialogar, negar, entrar em con-flito, romper essas classificações sociais.

Identidade social como formadora de ator político

O processo entre determinado contingente populacional e a for-mação de uma identidade social não é um processo mecânico e nãoocorre em uma única direção. O que leva indivíduos a se identifica-rem e mesmo se organizarem como jovens pode estar relacionado adiferentes elementos: 1) posição social de subalternidade, ou seja,condição de dependência, inferior e subordinada ao status de adul-to expressa no “não acesso” a espaços de decisão, postos de traba-lho e renda; 2) experiências vividas cotidianamente: na família, na

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consequência daquela visão de TRANSITORIEDADE: JOvens não são atores políticos
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escola, no trabalho; 3) outras identidades: artística, manifestaçõespopulares, esportivas; 4) demandas por acesso a direitos, dentremuitos outros.

Nas últimas décadas temos observado o surgimento de grupos,organizações, associações, as mais diversas manifestações políti-cas e culturais, identificadas como juventude. Essa diversidade desituações influi na percepção dos estudos sobre a juventude. O de-bate a respeito da juventude, principalmente a partir das décadas de1980 e 1990, trouxe o olhar da diversidade para além dos cortesetários, ou apesar deles, não se fala mais em juventude, mas emjuventudes. Essa é uma abordagem central para fugirmos de umolhar homogeneizante e percebermos como juventude é uma cons-trução social.

Sem dúvida a idade biológica continua demarcando essa cate-goria social. A percepção relacional que opõe jovem e adulto/ve-lho contribui para entendermos porque a faixa etária varia, se alar-ga e se reduz, de acordo com o contexto social18. Contudo, asmúltiplas representações dessa identidade social, que temos en-contrado no cenário nacional, nos mostram indivíduos casados,solteiros, com filhos, homossexuais, heterossexuais, bissexuais,estudantes, trabalhadores, desempregados, homens, mulheres,negros, brancos, urbanos, rurais, que se identificam como jovens.Isso poderia apontar para a idéia de que não podemos trabalharcom a concepção de identidade social para discutir juventude, namedida em que tamanha diversidade expressaria um fenômenofragmentado.

A leitura que percebe identidade social como expressão de cons-truções fluidas e efêmeras, dissocia configurações históricas e so-ciais como processos que ordenam identidades e suas múltiplasexpressões e ações políticas, culturais, sociais. A identidade social

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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JUVENTUDES!Não podemos tratar a juventude como uma identidade social, ela é fruto de diversidades. Não é algo homgêneo.
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A hora e a vez da juventude

juventude se expressa de diversas formas, mas carrega elementoshistóricos e sociais que demarcam a identificação social de deter-minados indivíduos quer eles assim se identifiquem ou não.

Fugindo do essencialismo: juventude em disputa

Juventude é sem dúvida mais que uma palavra19. Ao acionar ju-ventude como forma de definir uma determinada população, ummovimento social ou cultural, ao usar a palavra jovem para definiralguém ou para se auto-definir, estamos, também, acionando for-mas de classificação que implicam em relações entre pessoas, clas-ses sociais, relações familiares, relações de poder, etc. Isto é, pes-soas que vivem a experiência da vida como jovens, e assim sãotratados.

Juventude definida, seja como revolucionária/transformadora,seja como problema, é, muitas vezes, tratada a partir de uma hierar-quia social que define o papel social de determinados indivíduos emesmo organizações coletivas. Juventude/jovem associado à tran-sitoriedade do ciclo-de-vida ou mesmo biológico, transfere paraaqueles que assim são identificados, a imagem de pessoas em for-mação, incompletas, sem vivência, sem experiência, indivíduos, ougrupo de indivíduos que precisam ser controlados, regulados, en-caminhados, isto tem implicações desde a dificuldade de se conse-guir o primeiro emprego, até a deslegitimação da sua participaçãoem espaços de decisão.

Podemos afirmar que os jovens são colocados em posições desubmissão, seja no espaço da família – principalmente as que re-produzem as estruturas patriarcais mais tradicionais –, seja em es-paços cotidianos da sociedade. Esta situação é ainda agravada nocaso de jovens mulheres e homossexuais.

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Assim, a idéia de um período da vida privilegiado em que a so-ciedade (isto é, a família, a escola, a igreja, as organizações políti-cas, etc.) pode moldar pessoas, gera ações de controle e repressãocom base na idéia de um indivíduo que ainda não é pleno e, portanto,também não é pleno de direitos. É este tipo de construção que legiti-ma ações mais ou menos violentas, por parte dessas diferentes insti-tuições sociais, sejam elas ações de violência física ou simbólica.

As organizações e as muitas expressões identitárias de juventu-de, ontem e hoje, contribuíram para a visibilidade das muitas ju-ventudes. A principal contribuição foi demonstrar que aqueles quesão organizados como juventudes têm algo a dizer sobre ser jovemno mundo de hoje e os problemas específicos que enfrentam.

Juventude: a construção de um ator político

O processo de disputa pela transformação das relações de do-minação na sociedade capitalista teve algumas vitórias importan-tes, como os avanços no reconhecimento dos direitos das mulheres.Na família temos testemunhado mudanças importantes, ainda quenão generalizadas, que rompem com a divisão sexual do trabalho etransformam a relação pais e filhos em uma relação marcada pelodiálogo. Contudo, nossa sociedade ainda é profundamente estrutu-rada em relações que aprofundam cotidianamente as desigualda-des sociais. É uma sociedade que garante como provável, para aimensa maioria dos jovens das periferias urbanas, ou da pequenaprodução familiar rural, a reprodução da sua condição de classe.

O debate sobre juventude nos movimentos sociais no Brasil eem outros países da América Latina vem ganhando fôlego nos últi-mos anos. No entanto, se o debate vem se colocando de forma cadavez mais visível, continua periférico e setorizado. Ou seja, juventu-

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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A hora e a vez da juventude

de tem que se preocupar com juventude, ou ainda, como apontouDenisar, o jovem é tratado, muitas vezes, como aquele que “faztarefas práticas, que engrossa a passeata, que carrega o piano”, masque, ainda não está preparado para construir projetos políticos, quenão a própria juventude20.

Quatro elementos sobressaem nos processos organizativos dosjovens nos movimentos sociais e em partidos políticos: 1) o reco-nhecimento de questões sociais que atingem especificamente a ju-ventude e que geram demandas e lutas específicas; 2) a discussãosobre o papel da juventude, numa perspectiva geracional, na lutapela conservação ou transformação social; 3) a disputa pela legiti-midade e reconhecimento político dos jovens no interior das orga-nizações políticas; 4) a discussão sobre valores, na perspectiva deruptura com antigas formas de dominação, daí a presença do deba-te de gênero em muitas organizações de juventude.

O grande desafio que se coloca é a construção de um ator políti-co. Nesse sentido é a capacidade de articulação desses elementosque tem gerado um debate dinâmico e o fortalecimento das organi-zações de juventude. No entanto, a articulação entre os diferentesmovimentos e organizações de juventude ainda não é uma realida-de. Um papel central que uma juventude partidária de esquerdapoderia ocupar neste cenário seria: contribuir na busca por cami-nhos e na construção política, para a articulação dos diferentesmovimentos e organizações de juventude na construção de lutasunificadas.

A juventude organizada como ator político pode disputar, e jávem disputando, a transformação da realidade brasileira. Isso sig-nifica construir a partir da atuação em organizações de juventude,partidos e movimentos sociais, formulações e ações que garantamo debate e disputa por conquistas setoriais, mas como parte de po-

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4 processos para se organiar nas juventudesUM EXEMPLO DA QUESTÃO PRA CRITICAR A POSTURA DO "JOVEM EM FORMAÇÃO": ENQUANTO É NOMELA ESSA IDEIA DE QUE O JOVEM TEM QUE PASSAR POR VÁRIAS ETAPAS AO ENTRAR NUM PARTIDO, NUM SINDICATO E TUDO AMIS...EM JUNHO DE 2013 TROUXE UMA SÉRIE DE DEMANDAS E OLHARES, TÍPICOS DA JUVENTUDE, LÁ AS OUTRAS GERAÇÕES APREDENDERAM VÁRIAS COISAS,
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líticas estruturais. É nesse processo que se pode construir uma ju-ventude revolucionária, transformadora, ou seja, um ator político.

* Elisa Guaraná de Castro – antropóloga e

professora da UFRural/RJ)

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Notas

1 Ver, História da Juventude, Levi, G. e Schmitt, J., 1968.2 Conferência de Grenoble (1964), ver Weisheimer, 2004.3 Esse também é o caso da definição de juventude da Organização Iberoa-mericana de Juventude (OIJ). A OIJ foi fundada em 1996 após VII Confe-rência Ibero-americana de Ministros da Juventude. Em 2005 lançou aConvenção Ibero-americana de Direitos dos Jovens. Ratificado pelo go-verno brasileiro que atualmente compõe a OIJ.4 Esse é o caso da definição de juventude da Confederação Nacional dosTrabalhadores Rurais no Brasil (CONTAG), bem como da Central Únicados Trabalhadores (CUT).5 Castro e Aquino, 2008:176 Dados da pesquisa Juventude Brasielira, realizada pela UNESCO em2004, in Andrade, E.R; Farah Neto, M., 2007. 7 A taxa de desemprego é calculada de diferentes formas, para o IBGEtrata-se da população que declara estar desempregada dividida pela popu-

Juventude: hierarquia social e relações de poder na luta pela construção de um ator político

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A hora e a vez da juventude

lação economicamente ativa (PEA).8 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD, IBGE, 2006 apudCastro e Aquino, 2008:20.9 Ver Abramo, H. e Branco, P. (orgs.). Retratos da Juventude Brasileira,2005.10 Essas são as designações usadas pelo IBGE para realizar seus levanta-mentos como Censo e a PNAD.11 A distribuição da população branca e não-branca no Brasil é de 47,1% e52,9% respectivamente, Castro e Aquino, 2008:26.12 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, IBGE, 2006);Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS, 2005) apud Castro e Aquino, 2008:26.13 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, IBGE, 2006);Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS, 2005) apud Castro e Aquino, 2008:27 e 28.14 Novaes, 1998.15 Abramo, 1997.16 É impossível nomearmos os inúmeros grupos, movimentos, isto é, aschamadas tribos urbanas. Algumas se tornaram mais conhecidas tanto comoexpressão musical, como pela forma como se vestem e se comportam.Um exemplo foram os grunge, movimento musical que nasceu na cidadede Seattle, Estados Unidos, no final dos anos 1980 e nos anos 1990. Masa forma de se vestir transcendeu o estilo musical e foi adotado por jovensde todo o mundo. Uma tribo urbana mais recente que tem ganhado grandevisibilidade são os emos que também se originaram de um estilo musicaldos Estados Unidos e desde os anos 2000 muitos jovens no Brasil têm seidentificado como tal.17 Ver, Levi, G. e Schmitt, J., 1968; Abramo, H. Branco, P (orgs.), 2005.18 Ver, Bourdieu, P. A Juventude é apenas uma palavra, 1983.19 Ver Margulis, M. La Juventude es más que una plabra, 1996.20 Ver DENISAR, P. O PT e a Juventude: política e concepção. 1993

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José Ricardo Bianco Fonseca*

Rafael Barbosa de Moraes**

Introdução

Atualmente é comum tocarmos no tema “juventude” e aplicar-mos “políticas públicas de juventude”. Contudo, esse tema é recen-te na agenda política do país e não existe uma visão única sobre deque maneira devemos aplicar essa política. Sempre houve, em maiorou menor grau, uma disputa sobre de que forma devemos efetivaruma agenda de políticas públicas para essa parcela da sociedade.

No final dos anos 90 vivemos uma série de acontecimentos en-volvendo jovens, pobres e de classe média, que trouxeram para arenada política a temática juventude. Neste momento a visão que pre-dominava era do “jovem” como um problema social, em conflitocom a legalidade e que causava risco social. Com esse foco eraóbvio que as propostas tratavam de políticas de controle das açõesjuvenis, pois eles eram um risco eminente à sociedade.

Essa visão refletiu em vários setores. Foram ações, propostas ediscursos que reafirmavam esta posição. Era comum escutar ex-pressões de ter que “disputar” a juventude com o tráfico e de quetínhamos uma geração sem limites devido aos pais liberais da gera-

CAPÍTULO 2

Juventude, direitos e emancipação

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A hora e a vez da juventude

ção 68. Dependendo da classe social o discurso era um, mas o con-teúdo era o mesmo.

No início dos anos 2000 diversos segmentos começar a formulare enfrentar essa visão. Um marco importante foi o seminário “Ju-ventude Em Pauta: Políticas Públicas”, em 2002. Esse evento foiorganizando pela Fundação Friedrich Ebert e reuniu gestores, in-telectuais, movimentos e organizações para debater as políticaspúblicas de juventude. Aqui cabem parênteses para mostrar a im-portância do evento. Foi justamente neste evento que conhecemosos principais jovens que debatem juventude até os dias atuais e osprincipais intelectuais que influenciaram e ainda influenciam emnossa formação sobre juventude.

A visão que era construída pela maioria era a de o jovem comoum sujeito de direitos, para alguns um protagonista. O grande desa-fio era justamente enfrentar a visão de jovem como problema, poisaté o momento era a que tinha maior divulgação e aceitação. Aidéia do jovem como categoria social separada de criança e adoles-cente ganhava corpo, assim como a diferença de percepção sobrequais direitos cabia a cada um.

Construir a idéia de jovem como sujeito de direitos esbarravaneste problema também, pois toda legislação brasileira tratava dacriança e adolescente. O estatuto da criança e do adolescente (ECA)é uma importante vitória dos movimentos sociais e dos setores pro-gressistas, contudo a percepção dos direitos dos jovens é diferenteda lógica do ECA.

Por último havia o desafio de construir direitos. Em 2002 vivía-mos em anos neoliberais e sentindo suas piores seqüelas. No dis-curso neoliberal os direitos são trocados por oportunidades, o quetransforma as políticas em formas cada vez mais focalizadas deatender a população. O problema não são políticas focalizadas, pois

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diferenças de Juventude e Criança e Adolescente.
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em muitos casos são necessária, o problema é não serem articula-das com políticas universais e que são baseadas em direitos sociais.

Nosso objetivo neste texto é justamente construir, a partir desseinício de debate, de que forma evoluiu nossa formulação sobre Ju-ventude e as conclusões que chegamos hoje. As ideias que vamosapresentar e defender aqui são fruto justamente de anos deste deba-te, de experiências vividas e de um acúmulo construindo coletiva-mente por diversos atores, que estavam em 2002 ou que se agrega-ram nessa caminhada.

Juventude Problema x Juventude Sujeito de Direitos

Esse foi, sem dúvida, o primeiro debate que tivemos que enfren-tar. A trajetória dele passa pelo projeto juventude, pela formulaçãoe aplicação das políticas públicas de juventude pelas prefeituras egovernos petistas, pelos debates internos e com a sociedade e pelainfluência das ações do Governo Lula. Podemos afirmar sem medoque hoje a visão hegemônica é a de jovens como sujeitos de direitos.

Essa hegemonia foi construída por uma percepção do fato queos anos neoliberais foram cruéis com os jovens. De diversas cate-gorias sociais, os jovens foram uma das mais atingidas no que dizrespeito a acesso a educação, trabalho e direitos sociais. Neste sen-tido os jovens ao invés de serem o problema eram vítimas de umperíodo de falta de acesso a políticas sociais, o real problema en-frentado pela sociedade naquele período.

A ausência histórica do Estado em assistir essa população nesteperíodo é clara nos dados apresentados na época.

40% dos jovens brasileiros viviam em famílias sem rendimento ou

com até meio salário mínimo (IBGE, 2000).

A cada dois desempregados do país, um era jovem.

Juventude, direitos e emancipação

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problemas históricos: anos 90 neoliberais
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A hora e a vez da juventude

A ocupação juvenil era precária, apresentando elevado índice de in-

formalidade.

O desemprego atingia mais intensamente os jovens negros e mulheres.

2/3 da população carcerária do país eram de jovens.

Apenas três em cada 10 jovens tinham acesso ao ensino médio.

Entre os que já pararam de estudar, 51% pararam no ensino funda-

mental e 12% sequer ultrapassaram a 4ª série.

Dos jovens que estudam e trabalham 70% abandonam a escola.

8 milhões de adolescentes tinham baixa escolaridade (5 anos de atra-

so na relação série/idade) e 3,3 milhões não freqüentavam a escola.

A idéia que o jovem é um sujeito de direito vem enfrentar a lacunacriada na visão da juventude como problema/risco, que representa ojovem no presente, e como esperança para o futuro, que representa ojovem como potência. Desta forma, não precisaria expressar preocu-pação com a vida que os jovens levam ou deveriam levar hoje.

Essa ausência de direitos durante o período em que se vive ajuventude torna-se ainda mais cruel pelo fato do prolongamento daexpectativa das pessoas e por conseguinte do período de juventude.Outro fato que agrava é a construção social de beleza nos temposatuais que traz a figura do jovem como o belo e desejado.

Um último fator importante para percebermos a afirmação dajuventude como sujeito de direitos é o contingente populacional dejovens. Chegamos neste ano de 2010 ao pico do número de jovensna pirâmide etária brasileira, nunca antes na história deste país ti-vemos tantos jovens. Esse são alguns elementos que ampliam aindamais a necessidade de perceber o jovem como um setor social pre-sente e não como um período de passagem.

Se essa visão tornou-se hegemônica durante esses anos de efeti-vação de políticas públicas de juventude, podemos dizer também

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exemplos de indicadores
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que o que foi feito foram muito mais ações focalizadas e muitasvezes de escalas muito aquém das dimensões da população e doBrasil. Podemos afirmar que avançamos muito, que essa visão éimportantíssima e que hoje os jovens estão na pauta do desenvolvi-mento do país. Contudo, não aprofundamos de maneira mais diretaquais são os direitos deste setor.

Esse é talvez um dos debates mais importantes e fundamentaispara construir uma política estruturante para juventude. Podemos di-zer que na linha do tempo das PPJs o debate evoluiu assim: primeiroo debate da necessidade de espaços governamentais de juventude,essa era uma das pautas mais presentes em 2002. Depois, avançamosem quais políticas aplicar, com um foco em educação e trabalho.Mas um espaço e duas políticas, que já tem suas pautas, não repre-sentam uma grande novidade na ação governamental. E de fato po-demos afirmar que tivemos importantes ações, mas falta acumular-mos mais sobre de que maneira devemos construir os direitos de ju-ventude e que irão orientar as políticas públicas de qualquer gover-no. Essa é a lacuna que queremos trabalhar ao final deste texto.

Proteção X Emancipação

Esse é um importante debate que nos orienta: as diferenças entreuma política para criança e adolescente e uma política de juventu-de. Nesse sentido, é importante destacar que a formulação queconcebeu a política de criança e adolescente é baseada na doutrinada Proteção Integral. Essa doutrina pressupõe que “É dever da fa-mília, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescen-te, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta-ção... além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, dis-criminação, violência, crueldade e opressão”1. Desta forma, a Cons-

Juventude, direitos e emancipação

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A hora e a vez da juventude

tituição Federal estabelece direitos para proteger esses indivíduos,até atingirem o seu pleno desenvolvimento físico, psíquico, social egarante prioridade no atendimento por ainda se encontrarem numafase de extrema vulnerabilidade.

Considerando esse entendimento constitucional, as políticas pú-blicas para as crianças e adolescentes têm um caráter “protetivo”,estando amparadas pelos objetivos da assistência social (artigo 2032

da Constituição Federal) e pelo §7o do artigo 2273.Percebemos nessa construção que toda a política é orientada em

um conjunto de direitos de proteção. A partir dessa percepção deri-vam as ações e políticas desenvolvidas para essa parcela da popu-lação. Essa é a base que estrutura toda uma cadeia de orgãos públi-cos em diversas esferas de aplicação do ECA.

Essa base, esse norte orientador que é preciso construir na polí-tica de juventude. Se para o ECA a base é a proteção, qual seria abase que orienta a política de juventude.

Os indivíduos jovens, além de não terem o mesmo grau de vul-nerabilidade que as crianças e adolescentes, apresentam outros ti-pos de necessidades e, por isso não demandam da família, da socie-dade e do Estado “proteção”.

Os jovens encontram-se numa fase da vida em que a sua princi-pal necessidade é construir sua trajetória de independência, ou seja,buscam uma inserção social autônoma – é, por isso, que muitasvezes, a participação social é uma das principais exigências coleti-vas dos jovens. Nesse sentido, a emancipação é uma necessidadebasilar da condição juvenil e, por conseqüência, as políticas de ju-ventude teriam um caráter “emancipatório”.

Essa diferença conceitual altera a compreensão atual do Estadosobre a temática juventude, que, principalmente nos estados e mu-nicípios, ainda é confundida com a temática criança e adolescente.

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principal diferente das políticas voltadas para C.A e para JU: Proteção x Emancipação
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O efeito prático dessa mudança estaria na organização das políticaspúblicas, que se desvinculariam das estruturas de assistência so-cial, e no caráter das ações dos entes governamentais que assumiri-am uma abordagem na perspectiva da emancipação dos indivíduose não na lógica da proteção e da tutela.

Importante afirmar que esse sentido de emancipação é amplo epassa por diversas esferas da vida humana. No pensamento repu-blicado foi construída a ideia de igualdade perante a lei, mas essasó pode ser consolidada com igualdade de direitos. A emancipaçãoé um dos pilares fundamentais para construção dessa igualdade. Aeducação pública, gratuita e de qualidade é uma dos conceitos quevisam garantir essa meta e uma condição de emancipação. Sem agarantia de direitos que igualem as condições de emancipação es-taremos colocando uma parcela da população numa eterna depen-dência, ao contrário de emancipar.

Os dados da juventude no período neoliberal nos deixam claroisso. As taxas de desemprego, a precarização, a população carceráriae a evasão escolar são dados que mostram que não foram garanti-das as condições que permitiriam a emancipação de uma parcelaexpressiva da juventude. Esse elemento é importante, pois por mui-tas vezes debatemos educação e trabalho como elementos chavespara atingir os objetivos. Entretanto, só esses elementos não neces-sários para atingir a condição plena de emancipação. Óbvio queeles são elementos chave, mas precisamos ir além.

Direitos Específicos da Juventude

Chegamos assim a conclusão que o eixo estruturante dos direi-tos específicos da juventude é a emancipação plena. A partir desteconceito devemos agora elaborar uma proposta concreta de direi-

Juventude, direitos e emancipação

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Medidas que provam que até então não foram garantidas
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A hora e a vez da juventude

tos que garantam essa meta. Como já afirmamos educação e traba-lho são o ponto chave deste caminho, mas não os únicos. Desta for-ma, iremos aqui buscar uma síntese do que acreditamos que sejam osdireitos específicos da juventude a partir do prisma que abrimos:

a) Direito à Emancipação. Todo indivíduo tem o direito de seindepender. Mas, na fase juvenil essa é uma necessidade pree-minente. Parte da necessidade, que os jovens têm, de construí-rem a sua inserção produtiva e social. Sendo assim, esse direitoconsiste em que o Estado garanta meios e instrumentos para osjovens construírem suas trajetórias de independência e autono-mia. Esse direito se materializa na garantia de subsistência aojovem (emprego ou bolsa trabalho), na garantia de possibilidadede ampliar a sua escolarização e acesso ao conhecimento e nagarantia de moradia emancipada da família.

b) Direito ao Tempo Livre e à Experimentação. Parte do fato deque é nessa fase da vida que os indivíduos mais têm tempo livre,do fato de que é nessa fase em que os indivíduos fazem suasprincipais escolhas de sua vida, seja na dimensão profissional,seja na dimensão afetiva, seja na dimensão política, e da neces-sidade de que para se fazer tais escolhas é preciso experimentaro maior número de possibilidades em todas as dimensões. Sendoassim, esse direito consiste em o Estado garantir meios e equipa-mentos para os jovens processarem as suas buscas. Esse direitose materializa na garantia de acesso à fruição dos bens culturais,na garantia da prática esportiva, na garantia da produção cultu-ral, na garantia do exercício do turismo e do lazer.

c) Direito ao Território. Parte do fato de que das esferas de rela-ção sócio-afetiva da qual o indivíduo estabelece interação nodecorrer da vida (individualidade, família, escola, cidade, traba-

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Direitos e postura do estado que são necessárias para a Juventude
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lho), o território é a principal esfera de relação sócio-afetiva nafase juvenil. A prova disto está na necessidade de “não ficar emcasa”, na produção cultural e na prática de esportes que interagemcom o ambiente, seja urbano ou rural, (skate, grafite, street dan-ce, parkuor). Hoje, os espaços de convivência estão cada vezmais privados. As praças estão sendo substituídas pelos shoppinge quase todo o acesso à diversão é pago. Sendo assim, esse direi-to consiste em o Estado garantir espaços no meio urbano e nomeio rural para o encontro e a convivência. Esse direito se mate-rializa na garantia de espaços públicos acessíveis, onde os jo-vens possam exercer a convivência e, na garantia de mobilidadeonde os jovens possam se deslocar e interagir com o território.

d) Direito à Participação e enfrentamento a opressão geracional.Parte do fato de que a opinião e as ações dos jovens têm menorvalor socialmente e, por isso os indivíduos jovens sofrem uma“discriminação geracional”. Desta forma os jovens não têm es-paços de participação, onde as decisões sejam efetivas, ou seja,que interfiram nos rumos coletivos tanto quanto os espaços departicipação dos cidadãos adultos. Sendo assim, esse direito con-siste em o Estado garantir a possibilidade das novas geraçõesparticiparem das decisões estratégicas da sociedade. Esse direi-to se materializa na garantia de canais de diálogo com poderefetivo de participação nas decisões estratégicas da sociedade ena garantia de espaços públicos e meios para a expressão e co-municação de opiniões. Democratização dos meios de comuni-cação, e meio para a produção de comunicação.

Conclusão

Apresentado tais direitos e elementos da construção do tema ju-

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ventude ao longo dos anos, é preciso deixar claro que essa funda-mentação que apresentamos hoje é fruto de uma evolução e diver-sas sistematizações produzidas em várias esferas. Podemos dizerque as PPJs surgiram de uma necessidade notória, evoluiu para umaexecução no prioritário e cabe agora avançarmos na fundamenta-ção de seus direitos.

Nossa proposta vai justamente ao sentido de consolidarmos es-ses direitos específicos para que a política de juventude, assim comoo ECA, tenha um eixo estruturante. É dessa consolidação que va-mos ampliar ainda mais as PPJs. Esse é o caminho trilhado parauma política que é novidade na sociedade em que vivemos. A pro-teção para as crianças já vem sendo construída há muitos anos, maso jovem como um sujeito de direitos é extremamente atual.

O que buscamos neste artigo é justamente sintetizar de manei-ra sintética linhas de direitos que vem sendo debatida de maneiradifusa ao longo do debate de juventude. Podemos pegar comoanálise o programa setorial de juventude do Lula em 2006, textoque ajudamos a construir, em que temos 4 eixos e 3 deles estãodiretamente ligados aos que propomos. Em 2006 podemos dizerque tivemos uma etapa anterior a que propomos atualmente. Ouseja, é a continuidade de nosso projeto e que temos um passo fun-damental em 2010.

* José Ricardo Bianco Fonseca – assessor da Secretaria

Nacional de Juventude do Governo Federal

** Rafael Barbosa de Moraes – assessor de

Juventude da Reitoria da UnB

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SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE DO PARTIDO DOS

TRABALHADORES, Roteiro para elaboração de um programa de go-

verno sobre o tema juventude, São Paulo, 2006.

Notas

1 Artigo 227 da Constituição Federal2 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, inde-

pendentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância , à adolescência e a à

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A hora e a vez da juventude

velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a

promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa porta-

dora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de pro-

ver à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme

dispuser a lei.3 §7o No atendimento dos direitos da criança e adolescente levar-se-á em

consideração o disposto no art. 204.

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Adriano Pires de Almeida*

O cenário de envolvimento da juventude brasileira no país émarcado pelas lutas dos movimentos juvenis e pelo fortalecimentoda institucionalização do tema pelo Estado, com referência às polí-ticas públicas específicas para este setor.

É fundamental reafirmar que os jovens não podem ser vistos comoresponsáveis pela ausência de perspectivas para o futuro do país e,sim, como parte da solução. Investir na população jovem significacriar as condições necessárias para romper com o ciclo de reprodu-ção das desigualdades e restaurar a esperança na sociedade em re-lação ao futuro do Brasil.

Segundo o censo do IBGE (2000) a população brasileira entre15 e 29 anos é formada por 50,5 milhões de jovens. O Estado (União,Estados e Municípios) não se preparou adequadamente para rece-ber esse enorme contingente de pessoas. Mais ainda, a opção pelodesenvolvimento econômico adotado afastou, de forma irresponsá-vel, essa geração do acesso aos serviços públicos básicos e a direi-tos fundamentais.

Aumentou, assim, o desemprego e a precariedade da ocupaçãoprofissional. Os baixos níveis de escolaridade da juventude perma-necem sendo obstáculos lamentáveis ao desenvolvimento. A vio-

CAPÍTULO 3

As políticas de juventude no Brasil

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A hora e a vez da juventude

lência nos grandes centros urbanos envolve os (as) jovens, de for-ma acentuada, como vítimas ou agressores.

A grande dimensão da temática juvenil na atual conjuntura éresultado de quatro fatores fundamentais: a) a relevância populaci-onal que tem origem no boom populacional do final da década de1970; b) a demanda social no que se refere às estatísticas de exclu-são e vulnerabilidade; c) a importância estratégica para o desenvol-vimento nacional; d) a consideração de direitos específicos.

Principais políticas para a juventude

Em 2005, a Política Nacional de Juventude, lançada pelo Presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva, teve como primeira iniciativa acriação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), do ConselhoNacional de Juventude (Conjuve) e do Programa Nacional de In-clusão de Jovens (Projovem). Em 2008, o Governo Federal reali-zou a 1a Conferência Nacional de Juventude, com a participação de400 mil jovens e a aprovação de 22 prioridades.

A SNJ, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da Repúbli-ca, foi criada com o objetivo de articular todos os programas e pro-jetos destinados, em âmbito federal, aos jovens na faixa etária entre15 e 29 anos. Portanto, pode-se dizer que a SNJ tem cinco linhasprioritárias de ação:

Institucional: atualmente existem organismos de juventude em25 estados e aproximadamente em 700 municípios;

Marco legal: aprovação da PEC, do Plano e do Estatuto; Internacional: o Brasil participa da Reunião Especializada de

Juventude (REJ) do Mercosul; no Congresso Nacional está em dis-cussão a adesão na Organização Ibero-americana de Juventude(OIJ), entidade vinculada à Organização dos Estados Ibero-Ameri-

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Políticas públicas para juventude: POlítica Nacional da Juventude: Secretaria Nacional da Juventude: Consenlho Nacional da JUventude
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canos (OEI); a promoção de acordos bilaterais (Coréia, Moçambi-que e entre outros); também acompanhamento do desenvolvimentodo tema junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e todas assuas entidades subsidiárias;

Participação: Conjuve, Conferência e Encontro de Estudantesdo Projovem Urbano;

Inclusão: integração de políticas estruturais (ex: ampliação dasuniversidades públicas) com a necessidade de políticas compensa-tórias (ex: Prouni).

Estas iniciativas, para obterem sucesso, necessitam ter como baseo fortalecimento e a irradiação da política de juventude dentro dopacto federativo, inclusive consolidando a temática junto à socie-dade civil. No âmbito federal, visando a participação de todos naconstrução e no aperfeiçoamento de políticas para juventude, foiinstalado o (Conjuve).

O Conjuve é o espaço de diálogo entre a sociedade civil, o go-verno e a juventude brasileira. É um órgão consultivo e tem porobjetivo assessorar o governo federal na formulação de diretrizesda ação governamental, promover estudos e pesquisas acerca darealidade socioeconômica juvenil e assegurar que a Política Nacio-nal de Juventude do Governo Federal seja conduzida por meio doreconhecimento dos direitos e das capacidades dos jovens e daampliação da participação cidadã.

O Conjuve é formado por representantes do poder público e dasociedade. Pelo poder público participam 20 membros oriundos deministérios que desenvolvem programas e ações voltados para ajuventude, representantes do Fórum de Gestores Estaduais e da Fren-te Parlamentar de Políticas Públicas de Juventude e das entidadesrepresentativas dos municípios.

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A sociedade civil é representada por 40 membros e participa pormeio de entidades, movimentos sociais, redes de jovens e de orga-nizações não-governamentais que trabalham com os mais diversossegmentos juvenis e de especialistas na temática de juventude.

Esta política se afirma na mudança de paradigmas que ao longodos anos fizeram com que o Estado Brasileiro não enxergasse osseus jovens, acumulando uma dívida social enorme. A Política Na-cional de Juventude, do Governo Lula, considera os jovens comosujeitos de direitos sociais, reconhece a importância da diversidadesocial e cultural juvenil, reafirma também, a necessidade de seimplementar programas que promovam transformações na quali-dade de vida dos jovens brasileiros, assegurando-lhes oportunida-des e direitos de cidadania.

O objetivo é que todas as ações promovidas pelo Governo Fede-ral tenham como base as diretrizes da Política Nacional de Juven-tude, entendendo os jovens como beneficiários das políticas uni-versais e sujeitos de direitos que demandam políticas específicas:

Programa Integrado de Juventude (Projovem): visa ampliaro atendimento aos jovens entre 15 e 29 anos excluídos da escola e daformação profissional. Criado a partir da integração de seis progra-mas já existentes – Agente Jovem, Saberes da Terra, Projovem, Con-sórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã e Escola de Fábrica –tem como meta sair dos atuais 467 mil jovens atendidos e atingir 4,2milhões de jovens até 2010 nas modalidades Projovem Adolescente,Projovem Urbano, Projovem Campo e Projovem Trabalhador.

Programa Bolsa-atleta: apoio financeiro a atletas com mais de12 anos que não possuem patrocínio. O benefício é dividido emquatro categorias: estudantes, nacional, internacional e olímpica/paraolímpica e tem duração de um ano, prorrogável.

Programa Brasil Alfabetizado: promoção de alfabetização para

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Políticas Públicas oriundas da: Política Nacional de Juventude
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jovens acima de 15 anos. Os cursos são promovidos por institui-ções de ensino em um período de oito meses.

Programa Escola Aberta: abertura das escolas públicas nos fins desemana. Pagamento de bolsa a jovens que ministram oficinas.

Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed):recursos para a reforma curricular, melhoria da qualidade e expan-são do ensino médio da rede pública.

Programa Juventude e Meio Ambiente: formação e fortaleci-mento de lideranças ambientalistas jovens em cinco eixos: educa-ção ambiental, fortalecimento organizacional, educomunicação, em-preendedorismo e participação política. A capacitação é feita naforma presencial e à distância.

Programa Cultura Viva: recursos para montagem de Pontos deCultura, com apoio à compra de material multimídia e à realizaçãode atividades envolvendo iniciativas culturais já existentes. Visa for-talecer as manifestações culturais e a produção audiovisual nas co-munidades e nas escolas, bem como o protagonismo juvenil nestesespaços.

Programa de Integração da Educação Profissional ao EnsinoMédio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja):ampliação de vagas em cursos de educação profissional para jovense adultos que concluíram o ensino fundamental, com no mínimo 21anos de idade. Realização de cursos de formação técnica continuada,com validade de Ensino Médio (2.400 horas).

Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio(Pnlem): extensão da distribuição de livros didáticos de portuguêse matemática para o ensino médio. Mais de sete milhões de alunosdo 1o, 2o e 3o anos já foram beneficiados.

Projeto Rondon: estudantes de ensino superior desenvolvem tra-balhos nas áreas de estudo em regiões remotas do Brasil. Promove

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uma aliança entre estudantes universitários e comunidades na bus-ca de soluções que melhorem a qualidade de vida da populaçãoassistida.

Programa Universidade para todos (Prouni): concede bolsasde estudos integrais e parciais em instituições de ensino superiorprivadas para estudantes de baixa renda e a professores da redepública que não tenham formação superior. Alunos do Prouni emtempo integral recebem bolsa de um salário mínimo mensal.

Projeto Soldado Cidadão: atividades de formação e qualifica-ção técnica para jovens egressos do serviço militar com o intuito deprepará-los para o mercado de trabalho.

Programa de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci):Programa de Proteção a Jovens em Território Vulnerável (Protejo):presta assistência, por meio de programas de formação e inclusãosocial, a jovens e adolescentes, entre 15 e 24 anos, expostos à vio-lência doméstica ou urbana ou que vivam nas ruas. O trabalho temduração de um ano, prorrogável por mais um, e tem como foco aformação da cidadania desses jovens por meio de atividades cul-turais, esportivas e educacionais que visem resgatar sua autoestimae permitir que eles disseminem uma cultura de paz em suas co-munidades.

Pintando a Liberdade e Pintando a Cidadania (Pronasci): ospresos aprendem a fabricar materiais esportivos, como bolas de fu-tebol e redes de basquete, além de técnicas de serigrafia e impres-são de materiais diversos. Os produtos têm como destino as escolaspúblicas do país. A participação do preso contribuirá para remissãode um dia de pena para cada três dias trabalhados. No projeto Pin-tando a Cidadania, que tem foco nas famílias dos apenados, as mes-mas atividades serão desenvolvidas pelos parentes dos jovens pre-sos. O objetivo é que, após o cumprimento da pena, o preso retorne

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à família e, junto dela, possa desenvolver na comunidade o traba-lho praticado na prisão. O projeto é articulado com o Ministério doEsporte.

Farol (Pronasci): visa promover a cidadania entre os jovens ne-gros, entre 15 e 24 anos de idade, em situação de vulnerabilidadesocial, em conflito com a lei ou egressos do sistema prisional. Oprincipal desafio é recuperá-los, inseri-los na rede de ensino, nomercado de trabalho e até fazer com que desenvolvam atividadessócioeducativas-culturais, atuando como multiplicadores desse pro-cesso. O projeto é articulado com o Ministério do Esporte.

Praça da Juventude (Pronasci): consiste em construir complexosesportivos em comunidades de alto índice de exposição à violência.

Programa de Esporte e Lazer da Cidade (PELC/Pronasci):são núcleos de atividades esportivas e oficinas artísticas para crian-ças, adolescentes, jovens, pessoas com deficiência e idosos, paraestimular a convivência social.

Marco legal

No Congresso Nacional tramita o Projeto de Emenda Constitu-cional (PEC) para reconhecer, na Constituição Federal, aespecificidade da juventude; o Plano Nacional de Juventude, paragarantir recursos orçamentários para os próximos 10 anos; o deba-te acerca do Estatuto da Juventude, para consolidar os direitos dos(as) jovens. A aprovação destes instrumentos significa o marco le-gal das políticas públicas de Estado.

A PEC no 42/2008, que tramita no Senado Federal (já aprovadana Câmara dos Deputados) versa sobre a constitucionalização dotema juventude e visa estabelecer a regulamentação que asseguraos direitos dos jovens.

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Políticas Públicas para Juventude, marco legal: Plano Nacional da Juventude e Estatuto da Juventude
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Altera a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Consti-tuição Federal e modifica o seu art. 227, incluindo o termo “o jo-vem” no texto da Carta Magna. A justificativa é porque os jovenssão o único grupo social relacionado à categoria etária que se en-contra ausente na Constituição Federal.

Em relação ao Plano Nacional de Juventude, Projeto de Lei no

4530, de 2004, tem um substitutivo e a sua situação no CongressoNacional está à espera de votação na Câmara dos Deputados. OPlano é destinado para os (as) jovens brasileiros(as) com idadesentre 15 e 29 anos. O período de implementação consiste em 10anos, coordenados e subsidiados pelo poder público federal, os es-tados e os municípios, que junto com os conselhos, têm dois anospara elaboração e aprovação dos planos decenais. A cada quatroanos, o Plano será avaliado pela Conferência Nacional de Juventu-de, que será encaminhado para o Plano Plurianual (PPA).

Já o Estatuto da Juventude, Projeto de Lei no 4529, de 2004, temum substitutivo sendo elaborado na Câmara dos Deputados. O rela-tório do projeto deve estar pronto até o final do ano para votação nacomissão especial que analisa o tema. Depois de aprovado na co-missão especial, o projeto terá de ser votado pelo Plenário.

O texto é embasado em dois aspectos: o primeiro deles são osdireitos da juventude: área da educação, do trabalho, da saúde e daparticipação política. O segundo tem relação com a criação do Sis-tema Nacional de Juventude, que integra órgãos já existentes e pre-vê a criação de um fundo, enfim, age na perspectiva de legalizaralgo que, informalmente, a partir da iniciativa dos municípios, dosestados e da União, já existe.

O texto inclui entre as obrigações do Poder Público a viabilizaçãode formas alternativas de participação, ocupação e convívio do jo-vem com as demais gerações; a participação desses jovens na for-

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Características do Estatuto da Juventude.
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mulação e avaliação de políticas públicas específicas e a destinaçãoprivilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a pro-teção ao jovem. A proposta define ainda medidas de proteção aosjovens, como a garantia de acesso à Justiça. É um marco que inserede vez o jovem na Constituição e o torna um cidadão de direitos.

Os espaços na estrutura do poder público, ainda estão em pro-cesso de construção e, por isso, enfrentam inúmeros problemas paraa sua consolidação. As dificuldades passam pela elaboração do de-senho institucional dos órgãos e das políticas, pela definição quan-to à existência, ou não, de orçamento próprio, e, principalmente,nas formas de participação dos jovens na elaboração e gestão daspolíticas. Isto ocorre pela falta de compreensão dos governos sobreo tema, pelas deficiências de formação dos (as) gestores e pela de-sarticulação política destes organismos criados.

Desta forma, ficam os desafios de tornar as políticas públicas dejuventude, em políticas de Estado, para além das ações pontuais degovernos. Será necessário, portanto, fortalecer institucionalmente atemática juvenil, o que pressupõe dar um salto na capacidade de ges-tão, na garantia de recursos financeiros e na integração transversalcom outras áreas, principalmente, com as políticas universais.

Por outro lado, a juventude brasileira, junto com outros setoresda sociedade, deve reivindicar avanços para a inclusão de milhõesde jovens, na perspectiva de melhorar a qualidade de vida em todasas suas dimensões, construindo uma sociedade justa, nãopreconceituosa, que oportunize condições para que o brasileiro possaexercer plenamente sua cidadania, pois temos a convicção que estamudança deverá ser conquistada por todos e todas.

Por meio da inserção no mundo do trabalho, o jovem inseridocontribuirá no aumento da renda familiar, na prevenção e diminui-ção dos índices de violência, na elevação da escolaridade e no acesso

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A hora e a vez da juventude

às políticas universais de saúde, moradia, espaços de cultura, es-porte e lazer.

* Adriano Pires de Almeida – acadêmico em História pela

Unisinos e diretor municipal da Juventude da Prefeitura

de São Leopoldo (RS), coordenador-geral do

Fórum Nacional de Gestores Municipais de Juventude

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Paulo Paim*

“Quero falar de uma coisa, adivinha onde ela anda, deve es-tar dentro do peito, ou caminha pelo ar, pode estar aqui dolado, bem mais perto que pensamos a folha da juventude, é onome certo desse amor”. (Milton Nascimento)

Ao tratar da juventude, também queremos homenagear as mulhe-res, mães e guerreiras que embalam o sono das crianças e constroema humanidade. Queremos nos lembrar dos filhos e filhas dessas mu-lheres, dos nossos filhos, da juventude. Nós temos pensado muitonas crianças, nos adolescentes e nos idosos e isso é muito importan-te, mas não podemos esquecer desta parcela significativa da nossapopulação, que também exige cuidados e atenção: a juventude.

Nesse sentido, a política que defendemos é a de cuidado com ajuventude, de reconhecimento de suas especificidades, de seus an-seios, angústias. Queremos, porém, garantir mais do que um olharespecial para com a juventude, pois lutamos por ampliar os seusdireitos como jovens e cidadãos.

Assim, queremos que a juventude seja reconhecida como porta-dora de direitos, numa visão que possibilita a ampliação da promo-ção de políticas públicas, com o objetivo de empoderar a juventudepara que essa possa construir uma trajetória de independência ebuscar uma inserção social autônoma na sociedade.

CAPÍTULO 4

A juventude conquistaseu reconhecimento na Constituição

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A hora e a vez da juventude

É exatamente nesse sentido que nos engajamos na aprovação daProposta de Emenda a Constituição (PEC) de no 42/2008, apresen-tada pelo Deputado Sandes Junior (PP-GO), e demais signatários, efomos os proponentes da importância Audiência Pública que ocor-reu no Senado Federal no dia 11 de março de 2010, para discutir aPEC com os diversos segmentos de juventude.

A PEC da Juventude olha para o horizonte, de olho no hoje e noamanhã. Ela é universal. Não importa se o jovem é pobre, da classemédia ou rica. Se é negro, branco, índio, cigano. Ela busca garantirpolíticas públicas para todos.

Em termos constitucionais, a PEC da Juventude pretende alterar adenominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição, fazendoinserir nela referência ao jovem. Também pretende modificar a reda-ção do art. 227 da Lei Maior para estender aos jovens a proteção e osdireitos já consagrados às crianças e aos adolescentes, além de pres-crever a elaboração do estatuto e do plano nacional da juventude.

Destacamos outro projeto muito importante para os jovens, queé o Estatuto da Juventude, apresentado pelo ex-Deputado Benja-min Maranhão (PMDB – PB). O Projeto de Lei 4529/2009 é, naverdade, o resultado de um intenso trabalho desenvolvido pelosparlamentares que atuam nas questões juvenis, a começar pela for-mação da Frente Parlamentar em Defesa da Juventude que fez ges-tões visando à criação da Comissão Especial Destinada a Acompa-nhar e Estudar Propostas de Políticas Públicas para a Juventude,instalada em sete de maio de 2003.

Os frutos do trabalho da referida Comissão foram obtidos graçasao intenso trabalho pois, imediatamente após a instalação da Co-missão, foram iniciadas várias atividades no sentido de apurar osproblemas e os anseios dos jovens brasileiros. Para tanto, foramrealizadas audiências públicas temáticas, bem como criados gruposde estudos sobre os temas: educação e cultura; trabalho; saúde e se-

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xualidade; desporto e lazer; família, cidadania, consciência religio-sa, exclusão social e violência; minorias: deficiente, afro descenden-te, mulher, índio, homossexual, jovem do semi-árido e rural.

Em seguida, foi realizada a 1a Semana do Jovem, tendo comoponto alto o Seminário Nacional de Juventude, em Brasília, e quereuniu mais de 700 jovens de todo o Brasil, além de especialistas naquestão juvenil e gestores públicos.

No desenvolvimento de seu trabalho, a Comissão Especial Des-tinada a Acompanhar e Estudar Propostas de Políticas Públicas paraa Juventude realizou viagens de estudo ao exterior, precisamentena França, na Espanha e em Portugal, a fim de verificar in loco asexperiências desses países na implantação e na execução de políti-cas públicas para a juventude. E, em 16 a 18 de junho de 2004, foirealizada, no Minas Brasília Tênis Clube, em Brasília, a Conferên-cia Nacional de Juventude, que contou com a participação de cercade 2.000 jovens de todo o País, representando diversas organiza-ções culturais, estudantis e partidárias.

Dentre os assuntos debatidos na Conferência, estiveram o meioambiente, geração de emprego e renda, e educação. Ao final doevento, foi elaborado um documento reivindicatório com propostasdos jovens sobre políticas públicas, específicas e de qualidade, quetambém serviram de subsídio à elaboração da proposição da PECda juventude que hoje tramita no Senado Federal.

Como vemos, felizmente, nos últimos anos, o debate sobre a “ju-ventude” tem ganhado muito destaque e visibilidade, e isso não épara menos, pois os dados demográficos do IBGE (2007) demons-tram um significativo crescimento da população jovem. Esses da-dos revelam que em 1980 a população jovem de 15 a 29 anos era de34,4 milhões de habitantes, e em 2007 passou para 50,2 milhões,ou seja, um crescimento de 45,9%. As projeções para 2010 são demais de 51 milhões de jovens.

A juventude conquista seu reconhecimento na Constituição

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A hora e a vez da juventude

Outro motivo, que se considera ainda mais relevante em rela-ção à situação da juventude, refere-se à gravidade da exclusãosocial vivida por esta parcela da população. Só para exemplificar1:aproximadamente 50% dos desempregados são jovens; os jovensrecebem em média a metade da remuneração de um trabalhadoradulto pelo mesmo serviço e se for negro e mulher recebe menosainda; os homicídios são responsáveis por 56,8% das mortes dejovens; 57,8% dos presos são jovens; 65,7% dos jovens de 18 a 24anos estão fora da escola; 46,5 milhões dentre os que habitam asáreas urbanas vivem em moradias inadequadas fisicamente; o ní-vel de escolaridade dos jovens rurais é 26,5% inferior aos jovensurbanos e, além disso, o analfabetismo no campo chega a 8% en-tre os jovens.

Por outro lado, os dados demográficos anteriormente referidosdemonstram a existência de um enorme potencial de riqueza para onosso país, pois os jovens representam uma enorme oferta de re-cursos humanos para a construção do crescimento. Assim, reforça-mos a nossa convicção de que os processos de desenvolvimento doBrasil precisam considerar, a cada vez mais, o processo de incor-poração das novas gerações como a forma de integrá-las e criarmaiores e melhores condições de desenvolvimento cientifico, eco-nômico, social, e, com isso, fortalecer a soberania da nação.

A juventude tem que ser protagonista da sua própria história, enós precisamos construir possibilidades para que isso aconteça.Podemos fazer isso ampliando o acesso à educação, à qualificaçãoprofissional e à cidadania, aumentando assim as oportunidades deacesso à saúde, ao mercado de trabalho, ao crédito, à renda, aosesportes, ao lazer, à cultura e ao bem-estar social.

Acreditamos muito nos benefícios que a PEC da Juventude podetrazer. Por esta razão o Estado brasileiro deve dialogar transversal-mente com essa bandeira.

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No governo do presidente Lula, avançamos nas políticas da ju-ventude no que diz respeito às políticas que garantem os direitos dajuventude e, também, na constituição de mecanismos de debate edecisão sobre essas políticas, dentre eles destacamos a criação daSecretária Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Ju-ventude. Queremos avançar ainda mais, a partir de iniciativas comoessa da PEC da Juventude, que asseguram no âmago de nossa Cons-tituição os direitos da Juventude.

Os jovens têm seu próprio modo de ver as coisas, têm seus inte-resses e pontos de vista e a PEC da Juventude abre caminho paraque se garanta a representação desses pontos de vista nas institui-ções sociais e políticas.

Por fim, ainda registramos que apresentamos recentemente aproposta de criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Pro-fissional e Qualificação do Trabalhador (FUNDEP – PL no 274/2003), justamente para ampliar as perspectivas de educação e in-serção profissional para a juventude.

O intuito da proposta é gerar trabalho e renda, melhorando ascondições de acesso ou permanência das pessoas mais jovens nomercado de trabalho. A educação profissional precisa contar comuma fonte segura de financiamento, não somente para sua manu-tenção, mas principalmente para sua expansão e desenvolvimento.As escolas técnicas podem viabilizar um futuro promissor para osjovens. O Governo Lula criou um grande número de escolas técni-cas e o FUNDEP poderá ajudar a criar muitas mais.

* Paulo Paim – senador da República

Nota

1 IPEA (2009)

A juventude conquista seu reconhecimento na Constituição

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A hora e a vez da juventude

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Olívio Dutra*

Parto da experiência própria: Em 1958, tinha 17 anos e algunsdilemas pela frente. Segundo filho de uma família de cinco irmãose parcos recursos. O irmão mais velho já tinha vindo para PortoAlegre em busca de trabalho e da possibilidade de continuar seusestudos. Em São Luiz Gonzaga depois do curso primário (5 anos)não havia escola pública para se ir adiante no colegial ou científico.Já fizera com dificuldade o ginásio – uma escola confessionaldirigida por uma congregação de frades menores conventuais cató-licos norte-americanos – pago com o trabalho de carpinteiro de meupai na marcenaria do colégio.

A União Saoluizense de Estudantes só funcionava nas férias quan-do a moçada das famílias mais abonadas vinha das cidades (SantaMaria, Passo Fundo, Porto Alegre) onde estudavam para visitar seusfamiliares e organizar as atividades festivas da entidade, em espe-cial, o Baile da Rainha dos Estudantes. Tive uma rápida passagemcomo presidente dessa entidade, fui eleito por uma oposição com-posta, na sua maioria, por jovens de condição social parecida coma minha. Esse grupo mais tarde, nos fatídicos anos pós 64, veio aconstituir o embrião que iria lutar e trazer para São Luiz uma Esco-la de 2º grau dentro da Campanha Nacional de Educandários Gra-

CAPÍTULO 5

Juventude e participação política

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A hora e a vez da juventude

tuitos, um movimento de base da Igreja Católica, deflagrado a par-tir do norte do país, por Thiago Gomes. Minha passagem comopresidente da USLE foi rápida porque estava premido pela necessi-dade de trabalhar e já na ante-véspera de prestar o serviço militar.Segui os passos do meu irmão e vim para Porto Alegre. Ele já tinhaido para o Rio de Janeiro onde, depois do serviço militar, entendiaencontrar melhores oportunidades de estudo e trabalho. O que defato aconteceu, incluindo a experiência de, como integrante da de-legação carioca, ser preso, mais tarde, no XXX Congresso da UNE,em Ibiúna (SP).

Há 51 anos atrás um jovem que chegava pela primeira vez emPorto Alegre, com escassos trocados no bolso, parando na PensãoPax, na Rua Riachuelo, adentrava os portões da Fiatecil, alí, naVoluntários da Pátria, descendo de um bonde barulhento, na espe-rança de conseguir um emprego, já que tinha sido aprovado numteste feito uns dias antes. Trazia nas mãos os documentos essenci-ais: Carteira de Trabalho, conseguida ainda em São Luiz, sem ne-nhuma anotação e a certidão de nascimento, retirada no cartório deregistro civil de Bossoroca. Pois aquele jovem viu frustrado o seuprimeiro sonho: Pediram-lhe um comprovante de prestação do Ser-viço Militar ou prova de sua dispensa, a famosa Terceira. E ele nãotinha. Tomou o trem de 2a classe e voltou para São Luiz Gonzaga.Trabalhou com o pai nalgumas construções na cidade e numa grá-fica. Leu tudo o que podia ler na biblioteca pública e na do ginásiodos padres ou por empréstimo de amigos. Em outubro de 59, sen-tou praça no 3o Regimento Dragões do RS de onde deu baixa novemeses depois, como cabo sapador e reservista de 1o categoria.

De novo o dilema: emprego e formação. Aproveitei o tempo dequartel para me matricular e depois concluir, em horário noturno, aEscola Técnica de Comércio. Em 1961 ingressei, por concurso, no

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Banrisul, agência de São Luiz Gonzaga. Daí para diante a luta foitendo outros desdobres.

Comecei por esse relato de minha experiência de juventude naidéia de suscitar reflexões, questionamentos, sinalizar alternativase não patentear exemplos ou apontar caminhos prontos.

Tenho consciência de que milhares de jovens hoje, mesmo defamílias de condições sociais e econômicas melhores que a minhadaquela época, vivem, convivem e enfrentam desafios novos, maissérios e complexos dos que vivi no alvorecer da 2a metade do sécu-lo passado.

Por isso um Partido de Esquerda e do Socialismo Democrático,como o PT, tem de se questionar permanentemente sobre seu papel,não só quando está exercendo mandatos legislativos e executivosno aparelho formal do Estado num determinado momento e con-juntura, em decorrência da democracia radical que defendemos,mas também, fora da institucionalidade, ante temas fundamentais,muito além do pragmatismo político, como o da juventude diantedo mundo e da vida. Questionar-se para não ser um aviador dereceitas ou um vendedor de facilidades em troca de um engaja-mento juvenil passageiro; ou um doutrinador autoritário. Questio-nar-se para que a rebeldia e a indignação dos jovens sejam respei-tadas e possam incendiar de entusiasmo e militância consciente to-das as instâncias partidárias, jamais sendo anestesiadas peloaliciamento por cargos na máquina do próprio partido ou na estru-tura do Estado.

E assim, se questionando, o Partido possa criar com a Setorial daJuventude, espaços cada vez mais arejados e instigantes de educa-ção política, de formação de quadros, capacitação de liderançasque se renovem e se afirmem através de uma participação conscien-te, prazerosa e militante no partido e na representação fora dele,

Juventude e participação política

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A hora e a vez da juventude

nos movimentos, sem cair numa desqualificada disputa por cargosna estrutura das entidades.

A juventude é um momento especialíssimo na vida do ser huma-no. Dependendo de como, em que condições, com que companhi-as, com que gana enfrentamos os desafios, as belezas, as angústiase esperanças dessa fase das nossas vidas, do ponto de vista pessoale coletivo, seremos mais ou menos sujeitos e/ou objetos de trans-formações que sofremos e das mudanças que queremos realizar.

O ideal é que nos transformemos transformando o mundo paramelhor, para cada um e para todos. Esse ideal é a utopia socialistaque acalenta nossos sonhos e nos impulsiona no compromisso de,solidariamente, buscar realizá-los.

O ser humano só se realiza na plenitude se também se realizar nasua dimensão política. E a política será a construção do bem co-mum se protagonizada por milhões de pessoas. Ser sujeito e nãoobjeto da política é o que a faz transformadora.

Essa questão é fundamental para a Democracia e só a juventudeé capaz de assumi-la com a radicalidade necessária.

A participação política da juventude pode e deve ser plural, di-versificada e instigante, sendo o Partido um dos espaços, não o úni-co, onde a individualidade e o coletivo se entrelaçam e as geraçõesintercambiam suas idéias e experiências demonstrando na prática eno dia a dia que o sonho socialista se renova e que um outro mundoé necessário e possível.

* Olívio Dutra – ex-governador do RS,

ex-ministro das Cidades e ex-presidente do PT/RS

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parte da minha conclusão
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Paulo Denisar Fraga*

Para se compreender a relevância da relação entre a juventude ea cultura, não basta tomar esse tema de forma externa, ou dizer,simplesmente, que a juventude é uma das mais contundentes porta-doras das variadas expressões da cultura. Para além disso, o impor-tante é tentar apreender, ainda que de forma geral, o binômio ju-ventude–cultura na sua imanência interna, ou seja, na própria com-preensão do modo de ser da juventude na sociedade moderno-con-temporânea (ou tardo-capitalista).

Isso se torna importante, sobretudo, porque o problema de gran-de parte dos teóricos que trataram sobre a juventude consiste ou emvê-la de forma singular (como se houvesse uma única juventude),ou em não conseguir explicar como se dá a constituição-diferencia-mento de suas várias identidades sem se perder da unidade.

Num estudo intitulado 1968... ou de como a besta deveio imagi-nação, Alejandro Ventura (1994) estabeleceu a tese de que a me-lhor forma para se compreender o comportamento do indivíduo nasociedade capitalista é pelo conflito profundo entre o desenvolvi-mento do potencial criativo versus os bloqueios do sistema, sejamestes de ordem material-externa ou moral-interna.

Muito diferente de ser apenas um “estado de espírito”, “repre-

CAPÍTULO 6

Juventude e cultura:identidade, reconhecimento e emancipação1

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Importante: caracterização da JUVENTUDE como o período mais agudo entre esses conflitos.
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A hora e a vez da juventude

sentação estanque de uma faixa etária”, ou um “mal que se curacom o tempo”, a juventude é o momento da vida em que se dá commaior intensidade esse conflito, que interfere diretamente nas es-colhas e na definição da identidade individual e coletiva das pesso-as. Não podendo ser encerrada apenas pela determinação quantita-tiva de uma condição etária, a juventude se define especialmentecomo momento qualitativo em que o futuro da vida está sendo de-cidido, em que são tomadas as grandes decisões. E, se a juventudecaracteriza-se pelo pico do conflito entre potencial criativo versusbloqueios, então essas decisões e escolhas se dão sob forte tensão esob a figura da angústia.

Albert Camus (1997) mostrou que a saída do homem moderno an-gustiado é a revolta – o que pode adquirir dimensões sociais explosi-vas. Mas essa “revolta” não precisa ser de caráter estritamente políti-co. Pode ser a mais “despolitizada” possível. Na verdade, ela é a buscade uma nova forma de reconhecimento, alternativa àquelas que o siste-ma bloqueou, àquelas que, diga-se assim, eram vinculadas ao que JohnLennon, genericamente, chamou de “sonho”. É fundamentalmente apartir disso que a juventude vai se identificar pluralmente em diversasformas de reconhecimento: na religião, no modismo consumista, nascomunidades alternativas, nos esportes, na política, nas drogas, naviolência, na apatia e no suicídio, na música e nas artes e, portanto,também, nas expressões mais propriamente denominadas comocultura(is). Nada disso impedindo que tais manifestações se comu-niquem ou se rearticulem em diferentes graus entre si.

Ao contrário do juízo simplista e instrumental de uma certa es-querda, é socialmente superficial, historicamente falso e politica-mente equivocado identificar a juventude com o progressismo. Aindaque os jovens tenham sido sujeitos marcantes em muitos eventosimportantes da esquerda, não é possível ignorar, por exemplo, que

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IMportante- conceito de JUVENTUDE: como uma ideia de revolta, mas a revolta também pode ser direcionada para outros caminhos..o sonho da juventude tem que ser canalizado pelo que pensamos de sociedade...
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na Alemanha a juventude nazista era, no tempo do grande PartidoSocial-Democrata Alemão, de Kautsky e Rosa Luxemburgo, muitomais numerosa do que a juventude socialista (IANNI in BRITTO,1968: 237). Assim como não é atualmente plausível desconheceros diversos grupos juvenis, dos skin-heads aos carecas do ABC,que reencontraram na violência a forma bárbara da diversão.

Contra a visão de que a juventude é algo quase “naturalmente”progressista – que bastaria a esquerda agitar as suas bandeiras paraobter a sua adesão –, o melhor entendimento, sobre esse aspectoparticular da formação ideológica juvenil, é o de Karl Mannheim(in BRITTO, 1968: 74), para quem a juventude não é nem progres-sista, nem conservadora. É uma enorme potencialidade em disputa.E é neste sentido que a cultura se investe de enorme valor na defini-ção do modo de ser da juventude, em sua visão de mundo e em suapráxis social e política.

Sobretudo para o ponto de vista crítico, isso se revela explicita-mente caro nos tempos atuais, quando o “novo irracionalismo bra-sileiro”, denunciado por Sérgio Paulo Rouanet (1992), externa odesprezo dos jovens pela cultura erudita, pela teoria e pela filoso-fia, pela música, pela literatura e pelas artes, numa anticultura alie-nada/estranhada, regada por um saber puramente instrumental, quese alimenta narcisicamente atrás de um microcomputador e no con-sumismo mercadológico irrefletido.

Enquanto a direita prega, a seu modo, o fim da ideologia [nãocomo Daniel Bell (1980), que o fez teoricamente, mas como postu-ra tacanha e rebaixada para disfarçar o caráter de sua própria ideo-logia – o da dissimulação fragmentária do saber e da desmobilizaçãosocial], as organizações de esquerda e os setores sociais progres-sistas têm, em contrapartida, uma tarefa iluminista, qual seja, a daretomada do valor do conhecimento, da relação dialética afirmati-

Juventude e cultura: identidade, reconhecimento e emancipação

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Cultura e JUventude: disputa de hegemonia para potencialidade que se constrói.
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A hora e a vez da juventude

va entre as culturas popular e erudita, da relação do homem com anatureza e, assim, do espírito crítico e autocrítico como um todo.

Evitando-se o subjetivismo axiológico, que sem se ater à domi-nação material imagina poder mudar o mundo pregando éticas uni-versais abstratas, trata-se de apostar na formação intelectual críticada juventude, elemento importante para o que Gramsci chamou deluta contra-hegemônica. Embate de idéias e valores, sim! Mas en-raizado na vida real das lutas sociais entre as classes, que hoje nãopodem mais ignorar os temas ecológicos, étnicos e de gênero. Ques-tões estas, entretanto, que só encontram sentido radical se vincula-das ao projeto de uma luta mais geral que arremeta “para além docapital”, como propõe Mészáros (in COGGIOLA, 1997).

A exigência da crítica – como forma da negação em andamento– não deve, porém, soterrar a clareza de que menos importante doque aferir “moralmente” o grau imediato de “politização” da ju-ventude é decifrar dialeticamente o significado social e políticodaquilo que as juventudes estão expressando à sociedade. E ler ascontradições dessa sociedade de modo imanente, na trama das re-lações que constituem o processo de sua totalidade. O conceito dacondição juvenil como torrente de um conflito psicossocial dos in-divíduos pressupõe a noção crítica de um comportamento oblíquoaos sistemas vigentes e, portanto, uma potencialidade de recusa.Mas que também pode virar simplesmente à direita ou ao comodis-mo em sua luta por reconhecimento. A percepção dessas culturasjuvenis como modos contraditórios, porém legítimos, de ser/existirna sociedade capitalista, é um pressuposto para que com elas possadialogar a cultura de intervenção que vem da crítica teórica.

Um filme como Trainspotting: sem limites (1996) ilustra, de modoexemplar, como um jovem pode resolver o seu conflito profundo(potencial criativo versus barreiras do sistema) sendo absorvido pelo

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próprio sistema. Tanto que, no começo do filme, Renton – o perso-nagem principal – diz: “Ter uma vida, ter um emprego, ter umacarreira, uma família, ter uma casa, carros, amigos, ter um futuro...Para que eu iria querer isso? Preferi não ter uma vida. Preferi outracoisa. E os motivos?! Não há motivos. Para que motivos se temheroína!” Ao passo que, no fim do filme, depois de dar um golpenos amigos e arrumar muito dinheiro, se pergunta: “Por que fizisso?” E responde: “Teria várias respostas, todas mentiras”. Daí eleassume que é mau, mas que foi a última vez, que isso vai mudar...E, então, diz: “Agora vou entrar na linha, vou ser como você: tereitrabalho, família, carro, TV, um bom terno...” E arremata, na pers-pectiva do comodismo: “Vou viver esperando o dia de morrer”.

Renton é um jovem que resolveu o seu conflito no interior daperspectiva do sistema capitalista, fazendo entender o significadoda fórmula “de como a besta devém imaginação” – não esquecen-do de que “a imaginação no poder!” era um dos lemas do Maio de1968. Não por acaso, intelectuais sixties engajados, como Gabeirae Cohn-Bendit, subscrevem, menos de 20 anos depois, no honestointeresse de saber o que foi feito dos ideais de sua geração, livroscom títulos conjugados em sintomático passado como Nós, queamávamos tanto a revolução (GABEIRA, 1985). Seu objeto não éapenas um efeito dos ventos comuns da mudança histórica. Vemcrivado pelo poder dos mecanismos de adaptação do sistema, quesempre querem se insinuar como normalidade racional. Veja-se,sobre isso, um ex-líder operário como Lula que, discursando comopresidente de seu país, acha plausível reprisar a retórica positivistaclássica da direita contra o movimento estudantil, segundo a tesede que a espécie humana “evolui” naturalmente da esquerda para adireita conforme a idade. E que o ponto racional de equilíbrio é ocentro2.

Juventude e cultura: identidade, reconhecimento e emancipação

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A hora e a vez da juventude

Isto posto, do ponto de vista da emancipação, a relevância histó-rica do trato do binômio juventude–cultura está em saber se a reso-lução do que se chamou aqui de luta por um novo reconhecimentose dará (re)canalizando as energias das rebeldias juvenis em favordo próprio sistema, ou se se requalificará substantivamente, con-vertendo-se em necessidades radicais, as quais, como disse a pri-meira Ágnes Heller (1978: 179) lendo Marx, constituem uma de-manda cuja exigência qualitativa não pode mais ser satisfeita nosmarcos da sociedade capitalista. Na hipótese dessa reversãodialética, a luta pelo reconhecimento encontra uma chance de su-perar as raias do estranhamento e de se afirmar no novo patamar deum processo de emancipação.

* Paulo Denisar Fraga – professor da Universidade

Federal de Alfenas (MG)

Referências bibliográficas

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CAMUS, A. O homem revoltado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.

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Cohn Bendit. 3.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

HELLER, Á. Teoría de las necesidades en Marx. Barcelona: Península,

1978.

IANNI, O. O jovem radical. In: BRITTO, S. de. Sociologia da juventude:

v. 1 – da Europa de Marx à América Latina de hoje. Rio de Janeiro:

Zahar, p. 225-242, 1968.

MANNHEIM, K. O problema da juventude na sociedade moderna. In:

BRITTO, S. de. Sociologia da juventude: v. 1 – da Europa de Marx à

América Latina de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, p. 69-94, 1968.

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MÉSZÁROS, I. Ir além do capital. In: COGGIOLA, O. (org.). Globaliza-

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ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. 3.ed. Rio de Janeiro: Compa-

nhia das Letras, 1992.

TRAINSPOTTING: sem limites. Direção de Danny Boyle. Inglaterra:

Channel Four Films et al.: Dist. Alpha Filmes e Spectra Nova, 1996. 1

DVD (89 min): son., leg., color.

VENTURA, A. 1968... o de como la bestia devino imaginación.

Montevideo: Jenscet, 1994.

Notas

1 Publicado originalmente em Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 75,

ago. 2007. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/

075rea.htm. Publicado, também, em Juventude.br, São Paulo, ano 3, n. 6,

p. 36-39, dez. 2008. Disponível em http://www.cemj.org.br/publicacoes/

revista_juventudebr_6.pdf.2 Cf. discurso do presidente Lula a empresários e políticos em São Paulo,

no dia 11 de dezembro de 2006, ao receber o prêmio de “Brasileiro do

Ano”, concedido pela Editora Três, que publica a revista IstoÉ.

Juventude e cultura: identidade, reconhecimento e emancipação

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A hora e a vez da juventude

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Alberto L. Kopittke*

Nesse breve texto defendo que o foco prioritário das políticaspúblicas para a juventude, num governo de esquerda e nesse mo-mento da história brasileira, deve ser a implementação de políticaspúblicas transversais de prevenção a violência. E mais do que isso,que o enfrentamento a esse tema deve ser a prioridade na elabora-ção das próprias políticas de segurança pública.

A violência, especialmente entre os jovens brasileiros, está entreas piores – senão a pior – herança que a história brasileira nos legou.

Diferentemente do que a própria esquerda já defendeu o proble-ma da violência não possui uma solução diretamente relacionadacom a diminuição de outros problemas sociais do país, como: amiséria, a desigualdade social e a informalidade do trabalho. Provadisso é que os ótimos resultados alcançados nessas áreas ao longodo Governo Lula, ainda não se refletem (na mesma proporção) namelhora dos índices de violência no país.

Mesmo que a origem desse fenômeno social extremamente com-plexo tenha um grande grau de relação, em sua raiz, com aquelesproblemas sociais mais vinculados à questão econômica, o fato éque hoje a violência possui mecanismos de reprodução próprios notecido social. E, o que é pior, a melhora em indicadores de renda,

CAPÍTULO 7

A pior herança

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A hora e a vez da juventude

pode inclusive potencializar o problema, uma vez que aumenta acirculação de recursos em redes criminosas que, nesse momento,se regulam apenas através da violência.

Por esse motivo, a busca de soluções para o problema da violên-cia deve ser objeto de reflexão específica, para o qual devem serelaboradas políticas públicas também específicas.

Para isso, é fundamental que se compreenda como o Estado bra-sileiro lidou com essa questão ao longo de sua história. A realidadeda segurança e da ineficácia relativa do Estado em reduzi-la é re-sultado de um somatório de fatores culturais, políticos e sociais,que foram se acumulando ao longo da formação histórica de nossanação.

Ao longo do período colonial, mais especificamente a partir dainstalação da Corte de D. João no Rio de Janeiro, nasceram os pri-meiros embriões das instituições policiais brasileiras1. O principalfoco do trabalho dessas organizações era a repressão a qualquertipo de manifestação dos escravos, especialmente os negros (os ín-dios já haviam sido objetos de políticas de extermínio em massa,executadas pelas forças armadas das metrópoles européias, ao lon-go dos trezentos anos anteriores). Como bem destaca Gizlene Neder:

A Guarda Real notabilizou-se pela captura de escravos fugi-

dos, pela destruição dos “malsinados quilombos” (como os

do Morro do Desterro ou de Santa Terza, em 1823), pela pri-

são de capoeiras e pela perseguição, sem tréguas, aos “an-

tros de feitiçaria” e aos candomblés do Catumbi”2

Ao longo de toda a história seguinte, e das seis Constituiçõesque sobrevieram, as forças de segurança pública mantiveram-sevoltadas para a manutenção da ordem social, a proteção do patri-

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mônio das classes mais abastadas, além de sempre terem mantidouma estreita vinculação jurídica, institucional e doutrinária com asForças Armadas, que exerceram firme tutela ao longo da formaçãodemocrática do país.

Finalmente, no contexto da Guerra Fria, a Ditadura Militar pôdedesempenhar de maneira completa seu poder sobre as polícias, co-locando-as totalmente sob a regência militar. Transformadas empolícias políticas3, as polícias civil e militar especializaram-se navigilância e no controle de indivíduos suspeitos, através de órgãos deformação (como o SNI, CIE, CISA, Cenimar, etc), aplicando formasde tortura como método de repressão, sem qualquer preocupaçãocom os direitos humanos e o devido processo legal (a eventual apu-ração dos procedimentos era responsabilidade da justiça militar).

Desse modo, o regime militar nos legou um sistema policial

militarizado; aqui, militarização é vista como um “processo

de adoção e emprego de modelos, métodos, conceitos, dou-

trina, procedimentos e pessoal militares em atividade de na-

tureza policial, dando assim uma feição militar às questões

de segurança pública. Isso significará que, do ponto de vista

operacional, a polícia trabalhará com o modelo de guerra, no

qual o <suposto> criminoso é percebido como o inimigo a

ser eliminado (...) Esses são, apenas, alguns aspectos da he-

rança deixada às corporações policiais pelo regime autoritá-

rio, que devastou as instituições democráticas do país. Para

não falarmos dos métodos empregados para obtenção de con-

fissões: das torturas nos porões das delegacias, do extermí-

nio, pura e simples (...) sempre disfarçados em autos de re-

sistência ou legítima defesa – práticas essas sempre dirigidas

aos excluídos da sociedade.4

A pior herança

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A hora e a vez da juventude

Logo na saída institucional da ditadura militar, nas décadas de80 e 90, nosso país deparou-se com um novo ciclo histórico que, aomesmo tempo, aprofundou ainda mais a incapacidade do Estadobrasileiro em prevenir a violência e propiciou as condições para apior onda de violência de nossa história.

Sob a égide do neoliberalismo, a ideologia do Estado mínimo, aspolíticas sociais passaram a ser percebidas como um perigo às fi-nanças públicas, voltadas tão somente para aplacar a insegurançado capital especulativo global. Através da desregulamentação dasgarantias jurídicas dos trabalhadores, das privatizações, da ausên-cia de políticas sociais estruturantes (como assistência social, saú-de, educação e segurança), sem políticas de estímulo à produçãonacional e ao investimento em infra-estrutura, os governos neoli-berais deixaram a sorte da sociedade nas mãos de um “livre” mer-cado especulativo, aumentando a pobreza e retirando qualquer pers-pectiva de futuro para milhões de famílias.

Em termos culturais esse foi o período histórico do “fim da his-tória”, em que a super hegemonia do consumismo-individualista,acabou com todas as referências coletivas de exercício da cidada-nia, deslegitimando a política e a utopia social.

Este processo econômico/cultural teve profundo impacto na ju-ventude de praticamente todas as nações do mundo ocidental. Asua principal manifestação se deu através de uma adesão culturalda juventude à violência, enquanto mecanismo de construção deidentidade. Ao mesmo tempo, com o aumento do consumo de dro-gas psicotrópicas ilegais, especialmente nas classes altas e médi-as, criou um novo fluxo econômico que encontrou nas áreas so-ciais mais desprovidas de qualquer serviço público, o melhor es-paço para sua estruturação, e na juventude lá residente a sua forçade trabalho.

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Assim, o somatório de uma cultura institucional racista e violen-ta, orientada para uma doutrina militar, por parte das corporaçõesde segurança pública e a realidade de exclusão, adesão à cultura daviolência e do tráfico de drogas, tornou a juventude brasileira alvode um fenômeno social de proporções catastróficas.

Quando pensamos nos problemas que afligem a juventude brasi-leira hoje, os problemas da violência e da insegurança por eles ge-rados são as mais graves das questões. No Brasil atual, de cada dezjovens mortos, sete foram por alguma causa externa (acidentes notrânsito, quedas, afogamentos, queimaduras acidentais e outros aci-dentes, os homicídios, suicídios e demais causas externas) e só trêspor doenças5.

E isso, infelizmente, não é uma realidade exclusiva do nosso país.Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, “grande partedas mais de 500 mil pessoas mortas por armas de fogo no mundotodos os anos são crianças, adolescentes e jovens vítimas do crimeorganizado, de confrontos de gangues ou de ações da polícia”.6

No Brasil, segundo o Datasus, apenas na década de 1990, 112mil jovens morreram assassinados. Segundo Waiselfisz (2003), queestudou estes registros, para o período de 1979 a 2003, mais de 550mil pessoas morreram no país vítimas de disparos de algum tipo dearma de fogo. Dessas, 205.722, ou seja, 44,1% foram jovens entre15 a 24 anos, os quais representam apenas 20% da população totaldo país. Na população total, o número de vítimas por armas de fogocresceu 461,8%. Entre os jovens, esse crescimento foi de 640,3%.7

Quando se analisa as mortes violentas entre os jovens, é impor-tante que se agreguem outros fatores, além dos homicídios causa-dos especialmente por armas de fogo. Merece destaque o númerode jovens vítimas de acidentes de trânsito. Segundo o relatório Youthand Road Safety (Juventude e Segurança no Trânsito, em tradução

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livre), da Organização Mundial da Saúde (OMS), acidentes de trân-sito são a principal causa mundial de morte de jovens entre 10 e 24anos. Todos os anos, quase 400 mil jovens morrem nas ruas e nasestradas do mundo, de acordo com o levantamento. Segundo o re-latório, jovens em pior situação financeira estão mais expostos aosriscos de morrer em uma colisão.8

Recente pesquisa de vitimização realizada em 2009, no municí-pio de Canoas9 comprovou que os adultos jovens, como se observano quadro, são muito mais frequentemente agredidos.

Agressão física e idade das vítimas

X25 AGRESSÃO FÍSICA

IDADE Não% Sim%

De 18 a 21 anos 89.4 10.6

De 22 a 26 anos 93.6 6.4

De 27 a 35 anos 91.4 8.6

De 35 a 45 anos 95.8 4.2

De 45 a 55 anos 98.0 2.0

De 55 a 65 anos 98.6 1.4

De 65 a 75 anos 98.7 1.3

Mais de 70 anos 98.7 1.3

Total 95.8 4.2

Portanto, não é difícil concluir que milhões de jovens convivemcom o conjunto de manifestações de violência, seja como autoresou como vítimas, e que esse é, possivelmente, o problema que maispreocupa e atinge a juventude brasileira.

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Conforme analisamos, o Estado brasileiro, por razões históricasque vem desde a formação de nossa nação, não tem conseguidodesenvolver, de maneira estável e permanente, políticas públicasque apresentem resultados satisfatórios em relação à prevenção aviolência, especialmente em relação aos jovens. Pelo contrário, nãoraras vezes, as próprias polícias são protagonistas de ações de vio-lência contra os jovens.

A distância do universo simbólico da juventude, a falta de formaçãopara a mediação através do diálogo (o que seria suficiente para resol-ver mais de 80% das ocorrências policiais10), a herança histórica deracismo, preconceito e violência e os estereótipos que se formaramentre polícia e juventude tornam esta relação um barril de pólvora.

Existem soluções

Na contramão dessa realidade, um conjunto de experiências,demonstraram a viabilidade na implementação de políticas públicasde prevenção a violência, especialmente em relação à juventude.

Analisando-se as mais conhecidas experiências de sucesso naárea da segurança, é possível identificar um conjunto de caracterís-ticas comuns, como por exemplo: uma compreensão sociológicamais ampla do fenômeno da violência, especial destaque à influên-cia das condições urbanas, a realização de reformas gerenciais naspolícias judiciárias e reformas de procedimento nas polícias osten-sivas, realiza amplos processos de mobilização dos cidadãos atra-vés da cultura e a construção de novos espaços públicos especial-mente voltados para o lazer e a formação da juventude.

Foi nesse sentido que se posicionou a Conferência Nacional daJuventude, que mobilizou mais de 400 mil pessoas em todo o país,quando aprovou a seguinte resolução:

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A hora e a vez da juventude

Assegurar, no âmbito das políticas públicas de segurança,

prioridade às ações de prevenção, promoção da cidadania e

controle social, reforçando a pratica do policiamento comu-

nitário, priorizando áreas com altas taxas de violência, pro-

movendo a melhoria da infra-estrutura local, adequadas con-

dições de trabalho policial, remuneração digna e a formação

nas áreas de direitos humanos e mediação de conflitos, con-

forme as diretrizes apontadas pelo Pronasci.

Nessa perspectiva, vivemos num momento histórico em que essacompreensão abrangente do fenômeno da violência ganhou centra-lidade na formulação das políticas de segurança, em nível federal.Desde o início do Governo Lula tem se envidado esforços para aconstituição de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) ede ações de prevenção, como a Campanha do Desarmamento (queretirou mais de 500 mil armas de circulação). Finalmente, em 2007,o Ministério da Justiça, na gestão do Ministro Tarso Genro, criou oPrograma Nacional de Segurança Pública com Cidadania, oPronasci, que constituiu o primeiro esforço em desenvolver açõestransversais territoriais de prevenção a violência com foco na ju-ventude.

No entanto, apesar da mudança paradigmática que o Pronascirepresenta ele ainda se constitui num Programa (portanto, aindanão é uma Política), executado através da aprovação de projetos(sem garantia de financiamento de longo prazo), e possui um tem-po determinado para sua execução (até 2014). É necessário pensarem meios de estruturação de longo prazo dessas políticas, o seumodelo de gestão e, ainda, uma melhor formulação metodológicapara sua aplicação.

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Políticas públicas de juventude e violência

Durante o Governo do Presidente Lula ocorreu os maiores avan-ços no reconhecimento da especificidade da temática da juventudena construção de um modelo de desenvolvimento mais justo.

Contudo, a gestão dos espaços institucionais vinculados a juven-tude tem priorizado a execução de programas voltados para o tema,como o caso do Projovem. Porém, por mais acertado que seja ofoco e a metodologia do programa (como é o caso do Projovem)isso acaba por despotencializar o papel indutor das secretarias dejuventude (nacional, estaduais ou municipais).

A grande tarefa para que a juventude efetivamente seja incorpo-rada com protagonismo nessa nova era de desenvolvimento, que seabriu com o governo Lula, é incorporar o olhar específico sobre asituação da juventude em relação a todos os direitos sociais e suaspolíticas públicas.

É nesse sentido que o olhar da/para/pela juventude deve ser in-corporado como centralidade na formulação das políticas públicasde segurança. Somente dessa maneira se poderá superar uma pesa-da herança que faz com que questões do passado, como: o colonia-lismo, a ditadura e o neoliberalismo, ainda sejam realidades no pre-sente da juventude brasileira.

Disso depende a possibilidade real para que milhões de jovens,principalmente das periferias das grandes cidades, possam usufruirdas conquistas democráticas e se tornarem sujeitos da construçãode uma nação socialmente mais justa e solidária.

Se for verdade que a violência hoje é uma constante universal dajuventude pobre em praticamente todo o mundo, também é verdadeque a luta contra essa brutal forma de opressão pode ser a mensa-gem de um novo internacionalismo: a partir da juventude, para a

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A hora e a vez da juventude

juventude e pela juventude repensando a construção de suas comu-nidades e da sociedade global que lhes dá identidade.

* Alberto L. Kopittke – secretário Municipal de Segurança Pública

e Cidadania, foi coordenador da 1a Conferência Nacional

de Segurança Pública. Contato: [email protected]

Notas

1 Através de Alvará de D. João, de 5 de abril de 1808, foi criada a Inten-

dência Geral da Polícia da Côrte e do Estado do Brasil, e, logo depois, em

13 de maio de 1809, criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Da

primeira se originaram as Polícias Judiciárias estaduais, as Polícias Civis,

e da segunda as Polícias Militares. SULOCKI, Victoria-Amália de Barros

Carvalho. Segurança Pública e Democracia – Aspectos Constitucionais

das Políticas Públicas de Segurança. Lúmen Júris, Rio de Janeiro: 2007.

Pág. 64.2 SULOCKI, op cit, Pág. 653 Vale lembrar que além das PMs e PCs, existiam desde os anos 1920 (já

no contexto da “ameaça comunista” e do movimento anarquista), as Polí-

cias Políticas, que só foram extintas com a transição democráticas dos

anos 80, como os DOPS estaduais e o DOI-CODI, que tinham como mis-

são “prevenir e apurar os delitos contra a Segurança Nacinoal e a Ordem

Política e Social”. Pág. 1074 SULOCKI, op cit, Pág. 1085 Disponível em http://www.ipas.org.br/teen/acidentes.html6 Disponível em http://www.comunidadesegura.org/pt-br/juventude-e-

violencia/sobre-o-tema7 SILVEIRA, Andréa Maria. Prevenindo homicídios: Avaliação do Progra-

ma Fica Vivo no Morro das Pedras em Belo Horizonte.

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Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas, Curso de Doutorado em Ciências Humanas. Belo Horizonte:

junho de 2007.8 Vide em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u61953.shtml9 ROLIM, Marcos. Pesquisa de Vitimização na Cidade de Canoas. Dez.

2009. Disponível em www.leituraglobal.com10 SILVA, Washington França da Silva. Revista do Fórum Brasileiro de

Segurança Pública, ano 4, Edição 6. São Paulo: fevereiro/março 2010.

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A hora e a vez da juventude

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Eloir José Rockenbach*

Vanessa dos Santos Nogueira**

Num mundo onde a informação e o conhecimento são, cada vezmais, elementos que provocam as transformações da sociedade, tor-na-se necessário discutir as possibilidades de implementação e de-senvolvimento de uma Cultura Digital Livre (CDL). Acreditamosque a mesma se apresenta hoje como um caminho permeado poraspectos tecnológicos, políticos, pedagógicos, ideológicos, econô-micos, sociológicos e vem, envolvendo ações que desencadeiammudanças na forma de pensar e agir da nossa juventude.

Em toda história nunca as informações e os produtos circularamcom tanta rapidez. Os novos meios de comunicação, especialmentea internet, fizeram cair às barreiras fronteiriças do mundo, mas narealidade isso está acessível somente para uma parte da população.O acesso a jornais, museus, bibliotecas, trabalho, arte e cultura di-gital devem ser oferecido a todos, democratizando o saber e facili-tando o desenvolvimento individual e coletivo.

Sabemos que essas possibilidades tecnológicas apesar de influ-enciarem a sociedade em geral, não estão disponíveis para todos enem da mesma forma. Grande parte da população brasileira é atin-gida de forma negativa pela enorme demanda tecnológica em di-

CAPÍTULO 8

Juventude e Cultura Digital Livre

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A hora e a vez da juventude

versos aspectos como a falta de conhecimento, acesso e qualifica-ção profissional.

A tecnologia presente em nosso contexto social cresce a passoslargos e vem moldando a maneira de como nos organizamos, co-municamos e relacionamos no dia-a-dia. Somos continuamente as-sediados para adquirirmos equipamentos de última geração compromessas de melhoramos nossa qualidade de vida e aumentarmosnosso grau de felicidade. Essa grande demanda tecnológica vemcriando novos hábitos e padrões de comportamento, alterando prin-cipalmente o meio familiar, onde pais e mães trabalham em casa oupassam horas em frente à televisão. Os jovens destas famílias quetem acesso irrestrito a equipamentos tecnológicos, se envolve cadavez mais com jogos que estimulam principalmente a competição, eao saírem do mundo dos games reproduzem esse modelo competi-tivo na sociedade.

A grande quantidade de produtos eletrônicos gera uma sucata etrazem um sério problema para a conservação e preservação domeio ambiente. Precisamos alinhar nossa prática com nosso dis-curso. Você sabe o que acontece com o seu aparelho de celularantigo, máquinas de calcular, monitores velhos? A produção de umagrande quantidade de sucata eletrônica exige uma resposta rápida eeficaz, a solução do problema não é apenas tarefa do poder públi-co, mas está nas mãos de toda a sociedade.

Precisamos não só incorporar aos discursos de preservação am-biental uma solução para essa sucata eletrônica, como também pre-ver e executar ações voltadas para essa demanda social. Nesse sen-tido, estamos trazendo para a discussão uma alternativa que vaialém da reutilização da sucata – o cultivo de valores e a produçãode saberes. A CDL se apresenta como um caminho para gerar au-tonomia e conscientização da nossa juventude.

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Entendemos por Cultura Digital Livre, todas as ações que per-passam a utilização de softwares livres, reutilização de sucata eletrô-nica, criação de músicas e obras artísticas com acesso livre a popula-ção, sendo que essas práticas que transcendem o simples fazer porfazer gera uma rede de colaboração, produção e disseminação desaberes alterando a forma de pensar, agir e viver da comunidade.

O sistema produtivo capitalista provoca um determinado perfilde sujeito produtor e reprodutor, capaz de se adaptar e manter suasexigências, incorporado e introjetado nos modos de sentir, viver epensar. Nesse sentido, a busca por profissionais qualificados emdiversas áreas para produzir cada vez mais, vem alimentando asleis do mercado neoliberal. Mas nós podemos e temos o dever decontribuir para formação de sujeitos capazes de saber por que real-mente estão fazendo o seu trabalho, assim modificando os proces-sos e resultados dessa avalanche tecnológica.

Para além dos nossos espaços de trabalho, das nossas casas bemseguras e dos programas de televisão, encontramos muitas iniciati-vas do governo nessa área. São políticas que pensam e integram are-construção da organização cultural da nossa juventude, ofere-cendo alternativas que vem alcançando resultados a curto e longoprazo.

Iniciativas como Casa Brasil, Telecentros e Pontos de Culturaintegram diversas comunidades do nosso país, tais programas cres-cem não só pelo incentivo e fomento das políticas públicas, mastambém porque nesses espaços os sujeitos vivenciam uma culturade colaboração, descobrindo que quanto mais dividimos nossos sa-beres mais eles se multiplicam.

O aprendizado deve ser impulsionado pela curiosidade, pelo inte-resse, pela crise, pela problematização e pela busca de soluções pos-síveis para determinado momento histórico, com a visão de que não

Juventude e Cultura Digital Livre

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A hora e a vez da juventude

são respostas únicas, absolutas e inquestionáveis. Nesse sentido, ossujeitos devem ser criativos, críticos, autônomos, questionadores,participativos e principalmente, transformadores da realidade social.

Esse processo de aprender a aprender se apresenta nas pequenasações do dia a dia, especialmente quando tomamos consciência doporque das coisas. Quando refletimos por que agimos assim e nãode outra forma, por que escolhemos essas e não outras palavraspara expressar nosso pensamento, a partir disto, ampliamos a cons-trução coletiva de sujeitos conscientes, livres e capazes de produzire disseminar um conhecimento efetivamente emancipatório.

A Cultura Digital Livre possibilita aos sujeitos manifestarem suasindividualidades e formar vínculos por afinidades, compartilharexperiências com um acesso rápido a informação, a comunicaçãoe a re-criação de artefatos tecnológicos. Assim a tecnologia comtodas as possibilidades que oferece deve ser utilizada para aproxi-mar pessoas, agregar e compartilhar conhecimentos, especialmen-te estar a serviço do ser humano.

Uma das dificuldades atuais é conciliar a extensão da informaçãoe a variedade das fontes de acesso com o aprofundamento da suacompreensão, em espaços menos rígidos, menos engessados. Temosmuitas informações o que aumenta as dificuldades para escolher quaissão as significativas, cabe a nós, sujeitos conscientes e livres, não sóorientar em relação às fontes de conhecimento existentes, mas tam-bém a descobrir em equipe a melhor forma de selecionar as diversasinformações, transformando-as em saberes compartilhados.

O trabalho com a Cultura Digital Livre apresenta resultados no-táveis na construção do conhecimento da juventude, expondo seuspensamentos e respeitando a opinião do outro. Quando os jovensassumem o comando de seu desenvolvimento, onde eles são res-ponsáveis pelas suas ações em atividades que sejam realmente sig-

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nificativas, vão produzindo sentidos e adquirindo mais autonomia,promovendo uma aprendizagem dinâmica e diversificada.

Um exemplo que se apresenta de fácil acesso e baixo custo é arobótica livre e a metareciclagem, que oferecem opções de se tra-balhar além do conteúdo nas escolas, trabalhando a autonomia, orespeito pela opinião do outro, o trabalho em equipe, a construçãocoletiva e consciência crítica.

Os softwares e artefatos livres, não foram desenvolvidos em suamaioria para um uso educacional, mas se afirmamos que a educaçãodeve preparar sujeitos para a vida, e oferecer situações que ele sejacapaz de resolver problemas e fazer escolhas, a CDL pode ser ummeio de se trabalhar os valores e a resolução de problemas, o contatocom uma comunidade que nos apresenta diversas escolhas, favorecepara a prática escolar além do conteúdo a ser desenvolvido, podendoaproveitar a tecnologia para aproximar pessoas, mostrando que amáquina pode ser utilizada pra expressar sentimentos, não esque-cendo que atrás de um equipamento tecnológico há uma pessoa comemoções, medos, angústias, sonhos e conhecimentos a compartilhar.

Ainda não temos uma política que de conta de garantir o reco-nhecimento e as condições plenas para uma Cultura Digital Livre,identificamos na CDL uma oportunidade de materializar uma prá-tica que conscientize e humanize, com sujeitos comprometidos como desenvolvimento da nossa sociedade. Temos que lutar por condi-ções de vida digna para desenvolvermos nossas ações, e enquantolutamos, vamos gerando uma prática social permeada pela CDL,para que mais sujeitos sejam capazes de entrar nessa busca pelaqualidade de vida no Brasil.

Assim, a constituição da sociedade enquanto espaço de constru-ção e transformação cultural não deve negar sua historicidade, esim conhecer e trabalhar para construir uma história marcada por

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conquistas e superação, a partir dos nossos erros e acertos vamosalterando nosso meio. Essa é uma tarefa que exige esforço, nãopodemos desanimar frente aos desafios encontrados no caminho.

Diante desse contexto permeado pelas desigualdades sociais,diversidade cultural e tecnológica, somos desafiados a trabalhar nosentido de desenvolver uma cultura de colaboração coletiva, nosservindo das possibilidades tecnológicas livres para transformar omeio que estamos inseridos.

O momento em que vivemos atualmente, não permite respostasprontas como fórmulas passíveis de ser empregadas em contextosdiferentes. O clamor social demanda ações que estejam assentadasem espaços de dialogo com a juventude, onde aptidões são apro-veitadas e potencializadas para resolução de questionamentos eproblemas dos grupos.

Diante disto, temos como desafio não só ficarmos na ranhura dosproblemas, mas sim, conseguir, através dos espaços tecnológicos,perfurar a grossa camada de desigualdade que assola nossa socieda-de. O desafio está posto, um desafio por demais tentador quando aforça motriz que impulsiona nossa ação recebe o nome de juventude.

Aproveitar a postura questionadora e contestadora dos jovens nofirme propósito de transformar a realidade em algo que faça senti-do constitui nosso desafio. Assim, não há tempo para esperar... Noscabe agir em prol da nossa juventude.

* Eloir José Rockenbach – ativista/instrutor de Software Livre, Metareci-

clagem e Robótica Livre, cursando Gestão da Tecnologias da Informação

** Vanessa dos Santos Nogueira – pedagoga, especialista

em Gestão Educacional, mestranda em Educação/UFSM

e integrante do Projeto Software Livre Educacional

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Felipe Amaral*

Quando convidado a escrever este modesto artigo, num projetoque pretende trazer algumas reflexões sobre os desafios dos jovenspara o século 21, especialmente convidados para escrever sobre MeioAmbiente e Juventude, me coloquei a pensar qual a relação maisestreita entre meio ambiente e a juventude. Qual a conexão mais pró-xima entre a complexidade da vida, em sua totalidade, na sua dimen-são ecológica e biológica, e a complexidade de apenas uma vida, nasua dimensão temporal, com todo vigor e as incerteza da juventude.Refleti por alguns minutos, tentando achar uma palavra que maisaproximasse estes dois temas, na realidade queria apenas uma pala-vra que pudesse dar a dimensão necessária do tema, devido sua am-plitude, devido o meu desafio, e sem sombra de dúvidas, a palavraque mais aproxima juventude e meio ambiente, é certamente: futuro.

Segui refletindo sobre as conexões e interfaces, pensando emque caminho poderia seguir este artigo, que linhas além dos desafi-os poderiam ser abordadas, e me veio à mente uma frase do cineas-ta, escritor e comediante Novayorquino, Woody Allen, que pensoser apropriada para o momento histórico que passa a humanidade,a crise ambiental, quando diz ele: “o futuro me preocupa, porque éo lugar onde penso passar o resto da minha vida”.

CAPÍTULO 9

Juventude e meio ambiente

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A hora e a vez da juventude

É com esta “tirada”, que pretendo inicialmente embasar o argu-mento de que a questão ambiental se tornou, por tudo que envolveo maior desafio para a juventude do século 21.

Mas de que juventude estamos falando? Uma juventude na suadimensão fisiológica? Uma juventude comportamental, com aridícularidade dos clichês e rótulos, impostos para vender objetose atitudes? Evidentemente que quando colocamos a questão am-biental na pauta, fica expressa a necessidade de tratar temas rela-cionados ao cotidiano de suas vidas, onde esta juventude aconte-ce, pode ser numa periferia urbana, no centro das cidades, na zonarural, em bairros de luxo. Independentemente da classe social,estamos sendo afetados pelo meio em que vivemos, e como con-seqüência do modo como nos relacionamos e ocupamos o espaço,o meio ambiente. Causamos um determinado impacto, que podeser maior ou menor, e seus efeitos recair em mais ou menos pes-soas, de forma mais severa ou mais amena, mas o fato é que esta-mos condicionados a condição ambiental que promovemos. Po-demos chamar de pegada ecológica, as marcas deixadas em nossoplaneta pela atividade antrópica, as quais variam em tamanho eintensidade.

Mas os efeitos, as conseqüências de exploração dos recursosnaturais e seu esgotamento, a pegada ecológica, não afeta com amesma intensidade pobres e ricos, da mesma forma que os recur-sos naturais não estão disponíveis para todos. Atualmente algunssocioambientalistas têm utilizado o termo Justiça Climática, e nãoMudanças Climáticas, para referirem-se as alterações no clima emnível global. Onde os efeitos e a dimensão dos acontecimentos sãodistintos para países periféricos e centrais, e a perspectiva de solu-ções limita-se a investimentos economicamente viáveis para redu-zir os danos ao patrimônio e a perda de vidas.

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Não só na dimensão global identificamos que a questão ambien-tal é eminentemente uma questão de classes, observamos isto emescala geográfica menor. No bairro, na cidade, no estado, no país,independente da estrutura hierárquica política, as mudanças no cli-ma estão afetando, e têm mais impacto sobre os pobres, os periféri-cos, dentre eles milhares de jovens.

Gostaria de fazer uma observação com um exemplo simples so-bre o mais famoso dos problemas ambientais, o aquecimento glo-bal. Os gases do efeito estufa são importantes para manutenção davida na terra, criando condições climáticas favoráveis para nossaestabilidade, sem estes gazes, todo calor emitido pelo sol e refleti-do pela terra, em seus oceanos, por exemplo, seria perdido de voltapara a atmosfera. Somados a estes gases, os particulados suspensosno ar criam uma capa protetora, refletindo calor, evitando que emsua totalidade a energia proveniente do sol chegue à superfície ter-restre, também garantindo que parte desta energia fique armazena-da próxima a superfície. Um manto de gazes e material particuladosuspenso, a grosso modo, é isto o efeito estufa, responsável peloclima na terra. As mudanças climáticas, têm relação estreita com avariabilidade destes gazes na atmosfera, devido o aumento de suaconcentração. O que esta acontecendo é que a maior concentraçãode gazes, concentra mais calor, o que acarreta em mais energia nosistema. Isto se reflete no clima, sendo os fenômenos climáticosmais extremos, mais fortes e mais freqüentes, com isto, os maisvulneráveis são aqueles que vivem em condições mais precárias,em áreas menos valorizadas, mais fragilizadas e expostas, aumen-tando os riscos.

Neste contexto, devemos ter em mente que as alterações climáti-cas são fatores de exclusão social, quando afetam de forma desi-gual as diferentes classes sociais.

Juventude e meio ambiente

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A hora e a vez da juventude

De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS –, exis-tem hoje no mundo mais de 100 milhões de crianças vivendo emcondições de abandono, destas, cerca de 10 milhões são brasilei-ras. Na sua grande maioria sem escolaridade, que sofreu ou sofre,atos ou processo violentos, e a situação complexa e delicada desuas vidas merece uma maior atenção.

O Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, avalia que ocrescente número de “crianças de rua” é um produto da urbanização,da pobreza, da falta de alternativas, tudo estimulado pelo modelo dedesenvolvimento das cidades. A metropolização dos territórios, pro-movido pelo capital especulativo imobiliário, que acena com falsaspossibilidades para reais necessidades, replica o processos de exclu-são urbana, colocando centenas de jovens e suas famílias a margemda urbanização, numa dinâmica de degradação ambiental e social.

Não existem soluções mágicas e prontas para as demandas deestruturação urbana e políticas sociais, que trariam benefícios dire-tos para os jovens. Existe a construção de processos, que podem serlentos, tencionados, mas acima de tudo necessários, educação, saú-de, trabalho, lazer, mobilidade, conforto e meio ambiente, todas asdimensões possíveis de atingir com projetos sérios e contínuos, comuma política de Estado e não políticas de governo.

Para o jovem, aquele que se defronta com um mundo eminente-mente exclusivo e socialmente corrosivo, lidar com as questõesambientais planetárias, parece longe demais da sua realidade. Masindependente de sua realidade, o sistema que gera a exclusão, a“máquina exclusiva”, disponível a poucos para oprimir muitos, gol-peia de forma similar o jovem cambojano, mexicano ou brasileiro,na cidade ou do campo.

Estudo divulgado em julho de 2009, pela organização OxfamInternacional alerta que podemos regressar 50 anos na luta pela

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erradicação da pobreza. Este penso ser o maior problema proveni-ente das mudanças climáticas e que tem uma ligação direta com ajuventude, pois neste período da vida, as condições protéicas enutricionais, condicionam a saúde para o resto da vida, influencian-do na capacidade intelectual, por exemplo. Evidente que devemosestar atentos à redução da produção de alimentos, em virtude deuma maior demanda por agroenergia e produtos para a indústria debase agrícola, como a soja, cana e a celulose de árvores. Estes doissegmentos, agroindústria e agroenergia, estão colocando em riscoa biodiversidade, a agrobiodiversidade e a cultura popular em dis-tintas regiões do mundo. Mas a fome acentuada pela redução decolheitas, devido a alterações do regime de chuvas, de degelo, are-nização e esgotamento do solo, é uma realidade daqueles que estãofora do mundo dos insumos, investimentos e subsídios do agrone-gócio exportador. Alí naquelas comunidades de agricultura de sub-sistência é que vai faltar o alimento, nos supermercados do mundoé onde este alimento vai estar disponível para quem poder comprar.Então, fomentar políticas agrícolas educacionais para os jovens docampo, fomentar as práticas de manejo em culturas permanentes ediversificadas, tecnologias sociais simples, estreitar as cadeias pro-dutivas e ampliar a assistência ao produtor, isto pode favorecer eestimular os jovens a manter-se no campo.

O informe da Oxfam intitulado – Evidências que doem: as mu-danças climáticas, os povos e a pobreza – combina os últimos des-cobrimentos científicos sobre as mudanças climáticas com os tes-temunhos de comunidades espalhadas por mais de 100 países, oconteúdo releva como as alterações no sistema climático estão in-fluenciando a estabilidade dos sistemas produtivos, sobretudo empaíses mais pobres, comprometendo as colheitas e ampliando o es-tado de fome e miséria já endêmicas em muitas regiões do globo.

Juventude e meio ambiente

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Sobre a fome e agricultura, o estudo destaca, que a instabilidadeclimática das estações anuais com a redução das chuvas, está com-prometendo as culturas tradicionais na Nicarágua, Uganda eBangladesh, e que o arroz e o milho, os cultivos mais importantes ebase da cadeia alimentar na Ásia, América e África, estão gradati-vamente reduzindo suas colheitas e a produtividade. Segundo osdados apresentados, até 2020 as colheitas de milho terão uma que-da em torno de 20%, principalmente na África Subsahariana e Ín-dia, regiões já empobrecidas, e que tem a pirâmide etária com suabase maior, com muitos jovens.

O estudo é enfático ao afirmar que se medidas reais, eficientes econtínuas para redução dos efeitos do aquecimento global não fo-rem adotadas e implementadas imediatamente, teríamos um retro-cesso irreparável de 50 anos em todas as conquistas e avanços naerradicação da fome, o que levaria a humanidade a uma tragédiaainda neste século.

O quadro apresentado para a saúde não deixa dúvidas sobre osefeitos das mudanças climáticas, principalmente pela ampliação deepidemias, pestes e enfermidades para regiões onde anteriormentenão existiam registros de casos. Os cálculos estimam que ocorrerãoem média 150 mil mortes a mais ao ano por distintas enfermidades,comparadas aos registros de 1970, principalmente por fatores liga-dos ao saneamento e à expansão de doenças para regiões climáti-cas onde não haviam registros.

Os desastres naturais estão mais freqüentes e mais intensos, coma previsão de triplicar os acontecimentos extremos até 2030, acen-tuando o abismo imoral que separa de forma desigual pobres e ri-cos. Os efeitos disto, como anteriormente comentei, apresentam-selocalizados e distintos em uma mesma região, área ou cidade. Issose deve ao fato de que os mais abastados têm condições de mitigar

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seus danos e recompor suas vidas, enquanto aqueles mais carentese já debilitados economicamente não têm acesso a seguros e a ou-tros meios, como financiamentos para habitação e construção, fi-cando reféns do poder público e do “mercado de caridade”.

O informe da Oxfam, foi publicado simultaneamente ao encon-tro do G-8 na Itália, e trata de temas pontuais e estabelece suascorrelações como a fome, agricultura, saúde, trabalho, água, desas-tres e desabrigados, ou como diria: os refugiados ambientais.

Hoje os desabrigados ambientais, ou refugiados ambientais, so-mam 26 milhões de pessoas e as estimativas indicam um aporteanual de 1 milhão de pessoas. Imagine um jovem em meio a umcampo de refugiados de guerra, como tantos outros na história res-sente da humanidade, agora imagine um jovem vivendo em um cam-po de refugiados climáticos. O que os dois teriam em comum, alémde estar privados de liberdade, é o fato de que estariam fora dosseus locais de origem, seu território, mas acima de tudo, são víti-mas de um mesmo sistema, fruto do modelo de desenvolvimentoadotado pela sociedade ocidental.

O número de refugiados ambientais já supera em quatro vezes onúmero de refugiados de conflitos armados. Se pensarmos quemuitos conflitos armados estão diretamente relacionados à disputapor terras e outros recursos naturais, como petróleo, diamantes, água,podemos afirmar que o número de refugiados ambientais é infinita-mente maior.

A nefasta face do capitalismo, coloca populações em risco emi-nente devido a suas riquezas naturais, é o que podemos chamar de“moléstia dos recursos naturais”, onde as populações ficam a mar-gem das suas riquezas e vulneráveis às vontades e interesses deempresas e governos corruptos, que usam e abusam dos bens natu-rais, levando nações a miséria absoluta com a estratégia desumana

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de abolir investimentos em saúde e educação, além do incentivo aconflitos armados entre tribos e etnias.

Um estudo recente que trata sobre desabrigados ambientais, foielaborado pela Organização das Nações Unidas – ONU, em con-junto com Escritório da ONU para a Coordenação de AssuntosHumanitários e pelo Centro de Monitoramento de Deslocados In-ternos (IDMC), um organismo que normalmente monitora os des-locamentos provocados por conflito armados, o que corrobora coma visão de que refugiados de guerra e refugiados climáticos sãofruto de um mesmo processo, de uma mesma lógica, com efeitosmuito parecidos e dimensões semelhantes, somente distintos emescala, magnitude e geografia; são todos refugiados ambientais.

Assistimos, com espanto e indignação, a consagração de ummodelo político econômico que não leva em conta nosso patrimô-nio natural, nossa cultura e identidade, nossa biodiversidade e ou-tros aspectos endêmicos dos povos. Em detrimento do crescimentoeconômico perdemos oportunidades, geramos um déficit de sus-tentabilidade, desta forma amplia-se e se consolida o modelo in-dustrial predatório e hegemônico, petrodependente, viciado em cré-ditos, que expõem as entranhas da irracionalidade material, mantidapelas guerras e injustiça.

Dentre os dados apresentados pelo estudo da Oxfam, o mais sur-preendente, pelas dimensões e efeitos sobre a economia de regiõesindustrializadas e urbanizadas, refere-se à influência do clima so-bre o regime, e conseqüentemente oferta de trabalho. E neste pontoé onde os jovens mais uma vez ficam expostos e a mercê do siste-ma, mais vulneráveis, recaindo sobre eles, novamente, e mais seve-ramente os reflexos e efeitos das mudanças climáticas.

O aumento das temperaturas pode reduzir o ritmo do trabalho,influenciando diretamente na jornada laboral e saúde dos trabalha-

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dores. Principalmente para aquelas atividades desenvolvidas ao arlivre em cidades localizadas nas regiões tropicais, podendo ter umaqueda de até 30% na produtividade. A queda da produtividade esti-mula o inicio de um ciclo de redução de oferta de postos de traba-lho. Não estamos falando aqui de trabalho que chamaria de “exe-cutivo”, estamos falando do trabalho pesado, mal remunerado ealheio a condicionamentos legais, estamos falando do universo detrabalho dos jovens, da realidade do pouco trabalho disponível paragrande maioria dos jovens, são eles que têm hoje as piores, maisprecárias e mal pagas jornadas de trabalho.

Quando creditamos as alterações climáticas à atividade industri-al humana, estamos muitas vezes, de forma reducionista, restrin-gindo a questão ambiental a apenas o aquecimento global, às mu-danças climáticas, sem perceber que territorialmente todo processode extração de matérias primas e beneficiamento, geram impactosambientais agudos e acumulativos, que muitas vezes não são per-ceptíveis, são assintomáticos, mas afetam de forma drástica a vidadas populações de entorno.

O gigantismo do aquecimento, que como o próprio nome diz, églobal, já é um fenômeno da própria globalização da economia e dainformação, hoje é um produto, e que não está para a coletividade,por apresentar um mosaico de falsas soluções para a crise ambien-tal, como o mercado de carbono, fruto das negociações de Quioto.

Para agir local, devemos pensar localmente, entender o global, masa ação local pode parecer clichês, mas é ali onde a coisa acontece, e seacontece, pode ser mudada, alterada. Jovens, adultos, não importa,podem decidir o futuro, aquele lugar onde estaremos logo adiante.

Pouco avançamos no que se refere à política ambiental, travamosdiariamente um embate com as forças que constantemente colocama natureza como fonte de matéria prima e sumidouro de rejeitos. Um

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embate que transcorre a história da civilização ocidental e que seacentua com o implementar das formas de produção e massificaçãodos meios de consumo. Criando um abismo intransponível entre aque-les que têm acesso aos bens naturais, aqueles que exploram mais de80% de todas as riquezas do planeta, contra aqueles que devem secontentar com os rejeitos e descartes de todo processo industrial.

Vivemos num mundo de desigualdades sociais, historicamenterevelado pela supremacia da força das guerras, dos impérios ex-pansionistas, dos líderes megalomaníacos, das castas e luta de clas-ses. Um mundo que se revela mais excludente quando se agravamos efeitos negativos das atividades humanas. Uma sociedade quepor sua dinâmica funcional e lógica mercantil é naturalmente cons-truída de forma desigual, e acentua este caráter pelos efeitos quetraz e pela dimensão que toma.

A exclusão ambiental é revelada por aqueles que não têm acessoaos recursos básicos como água e terra, ou aquelas necessidadesligadas ao modelo urbano, como moradia, transporte público, sa-neamento e saúde.

O ambientalismo de classe vê o homem/mulher, a máquina, comoum agente transformador do meio, suprimindo o homem/mulhercarne e todas as outras formas de vida. Estamos diante da sociolo-gia da exclusão, que entende a natureza de forma utilitarista, semlevar em conta as conseqüências do seu modelo e padrão de vida,sobre todos os outros grupos sociais ou pessoas.

A relação que os sistemas construídos pelo homem, como as ci-dades, tem com os sistemas naturais é exposta pelo controle doclima, controle de pragas e enchentes, repositórias e reservatóriosgenéticos, além de uma infinidade de utilidades que não sãomensuráveis economicamente e visíveis no cotidiano das cidades edo cidadão urbano.

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Esta relação é mais estreita do que parece e do que se imagina.Estudos mostram que a relação entre o crescimento da demandapor recursos naturais já ultrapassou em 20% a capacidade de re-composição da biosfera, e que esta demanda pode chegar a umataxa de crescimento anual de 2,5%.

As previsões mais alarmantes indicam que até o ano de 2030,cerca de 70% da biodiversidade do planeta tenha desaparecido, istoacarretaria uma catástrofe global, com a queda da produtividadedos solos, a redução das áreas de criação, geração de conflitos poracesso a água, além da possibilidade de acabar com o reservatóriogenético que está contido nas florestas.

Juntamente com a floresta que agoniza, a cultura e tradição dospovos também faz seu chamado de alerta contra a devastação. Seanalisarmos um mapa identificando as regiões de maior riqueza econcentração biológica, e sobrepormos outro mapa onde constemas regiões de mais diversidade lingüística, podemos ver uma nítidasobreposição destes dois patrimônios da humanidade, a lingüísticaprimitiva e a diversidade biológica, ambas consolidadas numa mes-ma área de influencia.

Hoje a maior ameaça aos povos da floresta e sua biodiversidadeestá na exploração dos recursos naturais de floresta em pé, empre-sas e corporações estão presentes em regiões mais inóspitas, paraatravés de pesquisa e prospecção identificar espécies e apropriar-se do saber popular, criar medicamentos, ampliar bancos genéticose patentear produtos ou estratos da floresta.

A etnobiopirataria, que é a pilhagem da natureza e exploraçãodos saberes locais, concentra-se nos países com megadiversidade,e que por sua vez são aqueles chamados países periféricos, os paí-ses pobres. Este fenômeno econômico comercial tem efeitos sobreos jovens, sobre as oportunidades que a biodiversidade poderia tra-

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zer para jovens ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, seringueiros eíndios, jovens da floresta que tem seu potencial extrativista e desubsistência perdidos.

Esta na hora de começar a mudar as regras da economia mundi-al, aproveitar momentos de crise para virar a mesa. Mas não pode-mos esperar uma ação positiva de Wall Street, Davos, ou qualquerrepresentatividade do mundo econômico e do poder, devemos ga-rantir governos locais comprometidos com a conservação e valori-zação da natureza, com políticas de inclusão social não só parajovens, mas também para todos os cidadãos. Colocando países pe-riféricos no status que merecem devida sua riqueza biológica e cul-tural. Não podemos viver num mundo onde os mais ricos em biodi-versidade são os mais pobres em oportunidades.

Tive a oportunidade, através da militância ambientalista, partici-par de encontros regionais de articulação, troca de saberes e expe-riências. No Uruguai ao final de 2008, quando participei a convitedo Núcleo Amigos da Terra Brasil, da Escola de Sustentabilidade.Havia no encontro, dois representantes de cada país da AméricaLatina e Caribe. Lá pude perceber que somos diversos, em cores,tons, gestos, somos uma América de língua espanhola e brasileira,mas de muitas línguas indígenas, somos uma América, somos to-dos distintos, mas lutamos pelas mesmas causas, sofremos com osmesmos problemas, porém temos formas e soluções diferentes.Nossas lutas são sentidos de vida.

Em contato com paisanos da Costa Rica, Honduras e Guatemalae quase todos da América do Sul, notei que as forças atuantes e aconjuntura das lutas socioambientais têm muito em comum, os agen-tes envolvidos no processo de resistência são os mesmos, da mes-ma forma que as forças opressoras são as mesmas, usando do mes-mo modus operandi.

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Estes são momentos únicos onde podemos conhecer outros luta-dores, ambientalistas, produtores, operários, estudantes e campesi-nos. Gente com trajetórias e perspectivas distintas, e na sua grandemaioria jovens.

Estas peculiaridades, especificidades e porque não distinções,devem nortear as políticas públicas locais, estas devem estar base-adas no território, tratando de questões relacionadas à ocupação euso do solo. As políticas devem ser consorciadas, em todo seu viésburocrático; planejamento, enfim, a questão ambiental não podeser meramente uma variável, deve ser a condicionante.

Não tenho dúvida alguma de que quando tratamos a questãoambiental com a importância e magnitude que ela merece, invaria-velmente ou obrigatoriamente, vamos tratar de educação e saúde.E de nada serve o conhecimento estático, uniformizado e uniformi-zante. Necessitamos do conhecimento dos processos de transforma-ção, e aqui cabe espaço para a Educação Ambiental. Este pensar quese propõem a gerar as mudanças necessárias na estrutura sociocultu-ral estabelecida. Esta ferramenta que propõem uma análise crítica eprofunda da sociedade de consumo ocidental pós-moderna.

A EA, carinhosamente chamada, pode gerar subsídios para esti-mular alterações necessárias nos padrões de desenvolvimento econsumo experimentados pela sociedade. Pode ser um instrumentopoderoso, que estimula a ação social comprometida com a aprendi-zagem e a formação cidadã, formando as bases necessárias para oentendimento da questão ambiental que emerge mediante a criseética e moral que passamos.

Esta Educação que entende o indivíduo como agente transfor-mador da sua realidade, que tira o homem/mulher do seu papel deator social e os coloca como autores sociais, na medida em queentende que sua trajetória de vida e suas perspectivas podem ser

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escritas e formuladas a partir de suas reais demandas, através doentendimento da realidade onde se está inserido. Não mais um co-adjuvante dentro de processo de construção social, mas tambémnão um ator principal, mas um indivíduo com capacidade de impri-mir e propor sua visão de mundo, um autor social.

Os fundamentos pedagógicos da educação ambiental têm comobase conceitos da pedagogia moderna, e estão fundamentados emdistintas correntes filosóficas e de ação, que vai desde a vertentetradicional, organizada em conteúdos e ensino seriado, passandopela abordagem humanista, centrada no aluno e que utiliza comométodo a focalização de problemas reais, até a abordagem históri-co-crítica, centrada no conteúdo produzido socialmente e baseadaem condicionantes sociais, econômicos e culturais.

Dentre todas as vertentes e bases teóricas, a abordagem socio-cultural de Paulo Freire é a que podemos dizer ter os fundamentospara as rupturas e gêneses necessárias, baseada numa educaçãoproblematizadora, em que todos se educam entre si, semverticalidades, utilizando-se de temas geradores e situações viven-ciadas pelo grupo, propondo soluções conjuntas. É sem dúvida aabordagem mais transformadora e crítica, mas evidentemente quenão está isolada das outras, e este é o grande diferencial da Educa-ção Ambiental, nada está isolado, restrito, como um sistema fecha-do, mas tudo é interligado e correlacionado, num espaço, num tem-po, numa ação, uma reação.

Como base fundamental a Educação Ambiental, propõem comoprática fundamental do processo educacional a interdisciplinaridade,com o objetivo de desenvolver a autonomia intelectual, social e moraldo educando/aluno, enfatizando o processo de aprendizagem e nãoo conteúdo, onde o professor é o mediador na construção do co-nhecimento.

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Perfeito, todo este arcabouço intelectual, normativo e pedagógicosão fundamentais para construção de uma Educação Ambiental Brasi-leira, com a cara do nosso povo. Mas pensar que a apropriação de taisfundamentos garante a ruptura necessária é ser demasiado ingênuo.

Mediante o estado de caos instalado no sistema educacional na-cional, colocar a responsabilidade de promover a mudança neces-sária nas costas dos professores, falando-se na questão ambiental,não seria o mais apropriado. Acho fundamental a pedagogia inter-disciplinar, mas isto não pode ser o impedimento para proposiçãode incluir nos currículos a ciência Ecologia, além daquela ecologiaincluída na biologia.

Imagine uma disciplina onde o aluno pode ter contato com ossistemas vivos e construídos, ter contato com a legislação, os pro-cessos produtivos e políticos que envolvem a gestão dos recursosnaturais. Algo como anteriormente, chamava-se de Disciplina deMoral e Cívica, evidente que sem a moral católica cristã e o civis-mo militar, mas uma disciplina comprometida com o olhar sistêmi-co ecológico, com o objetivo de informar e passar conhecimentotécnico sobre meio ambiente e ecologia. Já existem experiênciaspromissoras neste sentido, com resultados positivos.

Segue a interdisciplinaridade responsável pelo entendimento darealidade local e formação cidadã holística, mas a Ecologia formaas bases técnicas e políticas para a superação da crise ambiental dasociedade de consumo. Entender os ciclos naturais e da produçãohumana, são fundamentais para a construção de sociedades susten-táveis e a cidadania ambiental, fortalecer e ampliar a EducaçãoAmbiental são necessários, mas discutir Ecologia é emergencial,principalmente com os jovens.

Há algum tempo atrás, escrevi propondo a Ecologia do Oprimi-do, parafraseando o poeta, pensador e teatrólogo Augusto Boal,

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morto em 2009. Uma ecologia que tenha voz, que tenha vez, umaecologia planetária, mas cidadã, transformadora e crítica. Uma eco-logia minha, sua, do cidadão comum, uma ecologia das ruas, umaecologia dos povos e daqueles que lutam pela defesa de todas asformas de vida.

Concluo, afirmando que a questão ambiental, é uma questão edu-cacional, de cultura, mas acima de tudo uma luta de classes. Justiçaclimática é o que queremos.

*Felipe Amaral – ecólogo, gestor

Sócio Ambiental e educador Ambiental

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Tábata Silveira*

“Não creio no deus da sorte dos ricos, / nem no deus do

medo dos opulentos / ou da alegria dos que roubam o povo. /

Não creio no deus da paz mentirosa, / nem no deus da justiça

impopular. / O Deus da minha fé punha a mulher e o homem

acima / da lei e o amor no lugar das velhas tradições”.

(Frei Betto, O Senhor da minha fé, 1969)

Partindo do pressuposto que é sempre interessante estranhar eproblematizar o óbvio, escutemos o que dizem alguns “experien-tes” sobre religião, juventude e política: “Política nada tem a vercom fé!”. “A fé sempre alienou o povo, esse é seu objetivo”. Dizemainda: “Nem jovem, nem ninguém de religião tem que se introme-ter em questões de caráter político”.

Será mesmo que estas duas dimensões estão, ou deveriam es-tar dissociadas? Serão as religiões grandes instrumentos de alie-nação? Será que a juventude religiosa não deve intervir na polí-tica? Uma parcela importante da juventude das igrejas respon-derá, contrariando o óbvio: “Não estão dissociadas, nem devemestar. A fé sem a política é morta e nós queremos ser protagonis-tas da mudança”.

CAPÍTULO 10

Juventude, religiões, participaçãopolítica e esperança

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Como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano, devemos ter olhosna nuca: um passado não muito distante nos mostra os desserviçosque religiosos prestaram contra a vida humana, em nome de umdeus criado à sua vontade. Especialmente membros da igreja cató-lica apostólica romana estiveram ao lado dos opressores durantemuitos séculos, contrariando profundamente os princípios cristãosque lhe deram origem. Que religiosos sempre intervirão na políti-ca, é fato. Fato também é que na maioria das vezes essas interven-ções conhecidas contradizem a defesa da vida do povo, princípioda maioria das religiões, como foi, e ainda é, o caso do extermíniodo povo indígena e do povo negro no nosso continente. Contudo,vale refletir: o grande problema dessa intervenção dos religiososna política é a religião em si ou é a ideologia liberal, conservadora,que se esconde? A questão é que as religiões em si não são umfator de alienação ou de libertação, depende do contexto, da ideo-logia dos atores. Mesmo Engels diz que no império romano o cris-tianismo, por exemplo, foi uma força revolucionária e, depois, vi-rou instrumento de alienação. Contudo, hoje na América Latina ocristianismo exerce um papel progressista importante, uma vez quea religiosidade é uma dimensão presente na vida de grande do povolatino-americano. O Candomblé, vivo até mesmo em Cuba, faz vivaas raízes africanas, a consciência de classe e o sonho de um mundode liberdade.

A fé sem a política é morta. Afinal, em termos simples, de queadianta desejar um mundo melhor sem nada fazer para alcançá-lo?O Reino de Deus, a terra sem males, esses projetos que desejamjustiça, paz, igualdade, focam utopias diretamente ligadas à trans-cendência, característica fundamental de todas as religiões. Por-tanto, nada disso se avista, no plano concreto da realidade, semsaúde pública de qualidade, sem uma educação emancipadora, sem

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uma economia baseada na partilha e na solidariedade, sem relaçõesrespeitosas entre indivíduos. E todos esses pressupostos são neces-sariamente políticos.

Além disso, não era Gandhi, um grande político quando sugeriae lutava por um projeto de sociedade baseado na Paz para o seupovo? E Jesus Cristo, não foi assassinado precisamente por suasconvicções e suas práticas políticas, exigentes da equidade e dajustiça? Ainda Luther King, pastor negro, não fora assassinado exa-tamente por sonhar com justiça racial? Haverá aqueles esquerdis-tas sectários que dirão: “mas a religião é o ópio do povo!”. Serátalvez por falta de conhecimento e de atualidade? Afinal, que tra-dução melhor existe do materialismo dialético para a prática políti-ca cotidiana que o método ver, julgar e agir, proposto pela Teologiada Libertação (cenário progressista latino-americano da igrejacatólica)?Este método parte da realidade concreta do povo (ver),refletindo à luz dos referenciais que dão base à ação libertadora(julgar) e planeja a práxis, a prática refletida que transforma (agir).

Estes que negam o papel libertador das religiões deveriam obterinformações sobre religiões de matrizes afro, que são presentes naresistência quilombola e na luta cotidiana do movimento negro, sobreo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que é fundadopor cristãos e que carrega ainda muito da mística libertadora daigreja católica popular latino-americana, procurar informações tam-bém sobre os partidos de esquerda nascidos na década de 80, comoo Partido dos Trabalhadores, onde suas raízes se dão nas religiões.

As religiões devem sim intervir na política, para forjar o mundoque desejam que é, de acordo com seus referenciais primeiros, ummundo de paz. E a paz pela qual se deve lutar não é a paz silencio-sa, dos cemitérios, dos templos esvaziados, mas a paz colorida dascelebrações ecumênicas, do respeito à diversidade sexual, étnica,

Juventude, religiões, participação política e esperança

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pela paz da participação, do debate de idéias que convergem pelomesmo projeto, a paz que inexiste sem a participação popular, orespeito ao diferente e a justiça social.

De acordo com os princípios comuns que dão base às religiões,são os jovens, as mulheres, os negros, os indígenas, os pobres, osimigrantes, os marginalizados, todos os oprimidos que devemprotagonizar a sua libertação. Vale aqui sublinhar a juventude, éela, em sentido amplo, a dona de uma condição complexa: ser jo-vem tem sido não poder participar das decisões sérias; ter que to-mar decisões sobre a sua vida, mesmo sem as condições necessári-as; é correr alto risco, ser desempregado ou subempregado, ter umaeducação de má qualidade. Apesar do jovem “ter mais vitalidade,um belo porte físico, gozar de um especial potencial criativo”, nãosabemos até que ponto essas características são reais, se tratandode um segmento tão maltratado pelo capitalismo e pelas outras opres-sões históricas legitimadas por este sistema econômico.

Portanto, se nos perguntassem o que é que a juventude das igre-jas quer se metendo na política? Decididamente responderíamos:queremos transformar os espaços de poder em espaços democráti-cos, a serviço da dignidade do povo que hoje padece, especialmen-te da juventude que está sendo exterminada em cifras de guerra. Sedesejarmos ser coerentes com o que dá base para a nossa fé, noscomprometeremos com a construção do socialismo, projeto funda-mentalmente comprometido com a partilha, com a libertação, coma solidariedade e com a justiça.

Amém, Axé, Awêre, Aleluia!

* Tábata Silveira – articuladora nacional da Pastoral da

Juventude Estudantil, 20 anos, militante eclesial há 7

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Referências bibliográficas

BETTO, Frei. Catecismo Popular.Editora Ática, São Paulo, 1992.

BETTO, Frei. KONDER, Leandro. O indivíduo no Socialismo. Fundação

Perseu Abramo. São Paulo, 2000.

KUNG, Hans. Porque ainda ser cristão hoje? Verus Editora, 2004.

ENGELS, Friederich. A origem da família, da propriedade privada e do

estado. Civilização Brasileira, 1978.

Juventude, religiões, participação política e esperança

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Hilário Dick*

José Silon Ferreira**

Um grande desafio é perceber o que está emergindo, para a so-ciedade, no segmento juvenil. Essa percepção, no entanto, e essaemergência baseiam-se não só na “situação”, mas também nos “dis-cursos” que a juventude faz. A compreensão destes “discursos” é oque pode dar elementos importantes para um diagnóstico. O quefaz falta é essa auscultação da realidade juvenil, baseada em cimado que se vê, mas, principalmente, do que se ouve. Trata-se, até, deuma honestidade com a realidade juvenil.

Não há dúvida que as percentagens falam, mas a leitura deve iralém de uma simples matemática. Todos os artigos que acompa-nham esta reflexão podem ser elementos de um diagnóstico, masfalta-nos uma pesquisa quantitativa e qualitativa, atualizada e abran-gente, da situação e do pensamento da juventude gaúcha. Por isso,mesmo sem este “instrumento”, apresentamos reflexões que con-seguimos amadurecer nos anos em que a juventude, além de tudo,foi e é um motivo de encanto porque um diagnóstico que não sejaexpressão de benquerença ativa, não vale.

CAPÍTULO 11

Diagnóstico da situação da juventudeno Rio Grande do Sul

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Atividades dos jovens

Partiremos de uns dados que o Ministério da Justiça, por meiodo Pronasci, oferece nos primeiros resultados em Projeto Juventu-de e Prevenção da Violência1. Entre os muitos dados apresentadosno Sumário Estatístico Simplificado demos uma olhada mais de-morada à tabela 37 que fala da distribuição dos jovens segundo asatividades. São respostas de 13 capitais do Brasil, entre elas PortoAlegre. O que significa que 53,2% dos entrevistados de Porto Ale-gre não costumam ir à missa? Salvador vem em segundo lugar, com35,7%. Na freqüência à boate, quem vai menos para este lugar delazer, é a juventude de Belém, seguida de Salvador. Porto Alegre,entre as 13 capitais fica em 5o lugar. Porto Alegre tem, igualmente,a juventude que vai menos ao shopping, seguida de Rio Branco. Opessoal jovem de Maceió é o que menos vai à prática esportiva, masPorto Alegre é a 11a (entre 13) que mais vai. Porto Alegre é, também,a que tem menos jovem dizendo que participa de grupo religioso; é a3a cidade que diz com mais intensidade que participa de partido polí-tico e, entre 13 capitais é a 7a onde a juventude se afirma católica.Menos católicas são Rio Branco (1o), Rio de Janeiro (2o) e Vitória (3o

lugar). A “mais católica” é Fortaleza.Embora sejam “discursos” de Porto Alegre, a 10a cidade mais

populosa e a 5a capital mais populosa do Brasil, seria este o discur-so dos aproximadamente dois milhões e 500 mil jovens do Rio Gran-de do Sul? Provavelmente não, mas é uma tonalidade que é precisotomar em conta.

Dados do imaginário juvenil

Por falta de outros dados mais amplos, sobre a realidade juvenil

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gaúcha, consideraremos o que nos oferece uma pesquisa de algunsanos anteriores, mas que não deixam de ser um “discurso” que pre-cisamos ouvir2. A pesquisa fala do imaginário social, do imagináriopolítico, do imaginário cultural, econômico, religioso e psico-afetivodo jovem gaúcho. Mesmo considerando que o tempo é outro, paraum diagnóstico a pesquisa oferece elementos importantes.

a) SocialmenteSocialmente, 46% dos jovens gaúchos já moraram em outro

município, sendo os rapazes os que mais migram. Percebeu-se que86,1% dos jovens não-católicos nasceram na cidade. Em SãoLeopoldo, da região metropolitana de Porto Alegre, 83,4% dos paisdos jovens entrevistados nasceram em outro município3 e somente56,7% dos/as jovens nasceram em São Leopoldo. A juventude(58,0%) diz que quer uma escola que seja lugar de partilha de ex-periências e conhecimentos e que seja um meio de ascensão social.Para a juventude gaúcha a família, mesmo que não seja esta quevivenciam, é uma instituição fundamental e necessária Afirmam-no 85,6%. Na família, a mãe é considerada a figura mais importante.A família é a instituição na qual a juventude mais confia. 56,0% afir-mam que os Meios de Comunicação encobrem a verdade e massificama sociedade. Para 52,3% dos/as jovens os movimentos sociais sãoagentes de transformação, chocando-se com 41,7% que dizem queestes movimentos são agentes de manutenção da realidade.

b) PoliticamentePoliticamente é a questão mais confusa. Em 1997 66,2% dos/as

jovens não eram filiados a nenhum partido, destacando-se os jo-vens católicos. 45,3% tinham preferência pelo Partido dos Traba-lhadores. Em São Leopoldo (2006), 13,7% participam e 10,4% gos-

Diagnóstico da situação da juventude no Rio Grande do Sul

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tariam de participar de algum partido político. 70,6% dos/as jovensgaúchos acreditavam na possibilidade de uma sociedade justa e igua-litária e 59,1% afirmava que os direitos do cidadão são fruto daconquista social, sendo forte, igualmente, a tendência em dizer queos direitos são o resultado do cumprimento dos deveres. 76,7% afir-mam que a alternativa mais conveniente para encaminhar a supres-são da opressão e da exploração era fortalecer as organizações po-pulares. Falamos, aqui, no passado, porque o Rio Grande do Sul –anos depois – sofreu um reforço veemente de uma postura ideoló-gica contra tudo que era “popular”, sendo o primeiro Estado ondese verificou o que conhecemos como “criminalização” dos movi-mentos sociais. Na pesquisa realizada em São Leopoldo4 isso seconfirma quando vemos que, embora 49,7% dos/as jovens gostari-am de participar de algum movimento ecológico, 61,1% não gosta-ria de participar de partido político.

c) EconomicamenteSob o ponto de vista econômico, em 1997 43,5% tinham renda

própria e 69,8% ganhavam de um a três salários mínimos e 72,1%trabalhavam, com ou sem carteira, sendo grande a percentagem dosque estavam satisfeitos com a vida que levavam. A brecha entre ricose pobres, para eles/as é fruto da exploração dos pobres pelos ricos.

Um grande desafio é o êxodo rural, motivado pelo trabalho epelo estudo. Quando havia menos ofertas de ensino superior erafácil encontrar milhares de estudantes “de fora” em cidades comoSão Leopoldo. A procura de trabalho é uma das grandes torturas dajuventude. Em 2006, numa cidade de 210 mil habitantes (caso deSão Leopoldo) cerca de 20 mil jovens perambulavam pela cidadeprocurando sobre vivência da família e chance de ser mais autôno-mo. Além disso, as tendências no campo, levam ao discurso de uma

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“nova ruralidade”5. O jovem do campo trabalha desde cedo, mas éum trabalho mal pago e duro, que gera insegurança e dependência,não sendo uma alternativa do projeto de vida que fortaleça as capa-cidades e a auto-estima dos jovens rurais. Agrega-se a isso o cresci-mento da alternativa de “empregos rurais não agrícolas” e, o que émais sério, a falta de possibilidades de permanência para grandeparte das novas gerações. Isso fica dramático nas regiões do RioGrande do Sul que se caracterizam pelo minifúndio. São imensurá-veis as dificuldades para o acesso à terra. A herança da terra jogaum papel fundamental no acesso à terra para as novas gerações.Não é por nada, por isso, que verificamos no Rio Grande do Sul ovigor que tem e teve o Movimento dos Sem Terra, a penetração daVia Campesina, o espraiamento de “acampamentos”, o vigor deuma Pastoral da Juventude Rural. Várias dioceses da Igreja Católi-ca, em geral constituídas por uma região de cerca de 400 mil habi-tantes, em vez de verem crescer seus fiéis se defrontam com a di-minuição deles. Basta dizer que, nos últimos anos, das 18 dioceses,somente seis viram crescer o número de seu “rebanho”.

É significativo que, numa Campanha Nacional contra o extermí-nio da juventude, lançada em 2009, as lideranças do Rio Grande doSul tenham escolhido como viés, para esta discussão, a questão dotrabalho, relacionando extermínio juvenil e trabalho. Pelo discursodos dados da pesquisa realizada em São Leopoldo (2006) não ficaclaro, para a própria juventude, se o trabalho se relaciona com osentido da vida ou se ele deve ser, de fato, prazeroso. Mais do queeixo integrador da pessoa no mundo, na sociedade e consigo mes-mo, o trabalho se veste com o traje ameaçador e pesado da obriga-toriedade6. Neste sentido é interessante a leitura que Nadya AraujoGuimarães faz dos dados da pesquisa do Instituto da Cidadania, de2005, falando do sentido e da centralidade do trabalho como valor,

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como direito e como necessidade7. Pesquisa realizada pelo Datafolhajunto a jovens brasileiros com idade entre 16 e 25 anos mostra que,quando indagados sobre qual é seu maior sonho, destacam-se refe-rências espontâneas ao aspecto profissional: 18% se referem a seformar e trabalhar em alguma profissão específica e 15% fazemmenção a ter uma realização profissional, um emprego ou trabalho.Para o jovem leopoldense o trabalho coloca-se no imaginário delecomo a segunda coisa mais importante para melhorar de vida8.

d) ReligiosamenteReligiosamente, a juventude se vê rodeada por uma forte tradi-

ção, especialmente nas regiões de imigração alemã e italiana. DizRegina Novaes que, “ao lado de outros recortes (...), a religião podeser vista como um dos aspectos que compõem o mosaico da grandediversidade da juventude brasileira”9. A pesquisa que Regina co-mentava dizia que, dos entrevistados de 15 a 24 anos, só 1% sedeclarava ateu. Entre as quatro grandes regiões do Brasil, as regi-ões que mais afirmam sua catolicidade no mundo juvenil é o Nor-deste e o Sul. É no Sul e no Sudeste que aparece mais fortemente aafirmação do agnosticismo e do ateísmo deste segmento da socie-dade. Além disso, para os jovens, a religião é um assunto importan-te a ser discutido com os pais, amigos e com a sociedade. Entre osjovens gaúchos 84,8% afirmam que Deus é Pai, força e luz presen-te na vida; 60,8% dizem que as religiões devem dialogar; 79,2%dizem participar de alguma igreja. Incomoda-os/as o descompro-misso dos fiéis e a ganância dos responsáveis das igrejas; 70,4%dizem que o papel da evangelização da juventude é ajudar o jovempara agir na transformação da sociedade.

Mircea Eliade diz que “o lugar da hierofania é, na realidade, opróprio ser humano”. Para ele a história sagrada não é a história de

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Deus; é história de uma experiência humana sobre Deus. Por isso,talvez, é importante notarmos que a juventude vai-se dando conta,junto com os bispos da Igreja Católica, que ela é uma realidade teo-lógica10 ou um lugar teológico. Como diz o teólogo Clodovis Boff,certas coisas só são percebidas “com o rabo do olho”11. Não é secun-dário dar-nos conta que é a dimensão religiosa que levou a juventudegaúcha a se reunir em grandes eventos como em Passo Fundo, emSanta Cruz do Sul e em Santa Maria, juntando mais de 50 mil jovens.Somente na Igreja Católica havia, em 2001, mas de três mil gruposde jovens que se encontravam sistematicamente toda semana.

e) No mundo da culturaCulturalmente pode-se dizer que a juventude gaúcha gosta de

seu Estado e de suas tradições. A prova é a percentagem juvenil nosCentros de Tradição Gaúcha. 70,1% apreciam a tradição gaúchaporque resgata valores importantes. Houve um tempo em que as“nossas” coisas, os “nossos cantos” não tiveram muita repercus-são, especialmente no mundo universitário. Pelos dados, os bran-cos constituem 84,9% e os negros 8,3%. A juventude branca nãonega, contudo, que tem outras raças em seu sangue. 86,7% afir-mam que a discriminação racial e de sexo precisa ser superado. Emgeral, na família, os filhos têm mais liberdade que as filhas. O prin-cipal valor da vida é a realização pessoal e profissional (38,3%)mas outros 47,7% dizem que o valor da vida está em ser conscientee atuar na sociedade.

Na pesquisa realizada em São Leopoldo (2006) perguntava-seaos jovens pelos vizinhos e vizinhas que não gostariam de ter. Aresposta foi muito reveladora: os mais desejados (como vizinhos)são os colonos vindos do interior, as pessoas de outra raça, as pes-soas politicamente da extrema direita e as pessoas que estão sendo

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processadas; os menos desejados eram os drogados, os alcoólatras,as pessoas muito religiosas e os/as homossexuais.

Perguntava-se, também, aos jovens de São Leopoldo (2006) so-bre situações mais revoltantes. As cinco situações mais revoltantesque apareceram foram a corrupção dos políticos, ter preconceitode cor, queimar florestas, dirigir bêbado e ter que ficar horas nafila. Menos revoltante e policial matar bandido, fazer justiça comas próprias mãos, agredir homossexuais e bandido matar policial.

As instituições (não considerando a família) em que os/as jovensleopoldenses mais confiam são as instituições educacionais, as or-ganizações de jovens, os movimentos sociais, os meios de comuni-cação e a Igreja Católica.

Não tendo outros dados sobre as culturas do lazer e do tempolivre do jovem gaúcho vale a afirmação de Brenner, Dayrell eCarrano dizendo que “é possível afirmar que têm mais acesso aosbens culturais no Brasil os jovens dos grandes centros urbanos, dasregiões Sudeste e Sul do país e, ainda, aqueles que apresentam maiorescolaridade e renda, numa evidência de que a desigualdade socialgera desníveis culturais que reproduzem o círculo vicioso que vemempobrecendo o capital instrutivo dos jovens ao não construir ascondições materiais e socioculturais da possibilidade de que os jo-vens realizem escolhas culturais alternativas”12.

f) E a saúde e a afetividade juvenil?Um aspecto que não se pode esquecer, neste diagnóstico, é o que

se refere à saúde do jovem gaúcho. Fora às questões referentes,com: a gravidez, especialmente das adolescentes, o jovem não me-rece, em geral muita atenção, em parte por causa da “moratóriavital” que ele/ela vive. Destacam-se dois aspectos: o do soro positi-vo (AIDS) e o das drogas. Multiplicam-se, cada vez, os “centros de

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atendimento” às vítimas das drogas, provocando uma preocupaçãointensa a forma como o “crack” está chegando em todo lugar.

Em estudo divulgado pelo Ministério da Saúde, a região Sul doBrasil se destaca com patamares elevados dos números da conta-minação do vírus do HIV. A cada 100 mil habitantes em 2006 ataxa era de 28,3. Os dados são ainda mais alarmantes para o RioGrande do Sul, onde a taxa de mortalidade é a mais alta do país.Em 2007 este número era de 1413. De 1980 a 2007 já morreram18.052 gaúchos e gaúchas por AIDS. Apenas RJ e SP tem maisóbitos que o RS. Mas, o Estado aínda é o líder em mortalidade peladoença, considerando o coeficiente ( por 100 mil habitantes). Apreocupação do movimento de luta contra a AIDS no Rio Grandedo Sul é de que, com a magnitude da AIDS em Porto Alegre, queconta com um dos maiores índices de casos (com 14.701 casos em2006) representando 53,31 casos por 10 mil habitantes, os gover-nos regionais investem muito pouco nesta área, nem utilizando osrecursos federais.

Não há dúvida que o Rio Grande do Sul tem peculiaridades quechamam a atenção: belezas naturais, respeito e cultivo das diversastradições, as variadíssimas festas em nível de município, a presen-ça do imigrantes, a beleza feminina etc. mas há também aspectosfolclóricos e humorísticos que são reconhecidos. Um deles, que sesitua, também, no campo da sanidade juvenil, refere-se à questãode gênero e ao machismo. Restringindo-nos ao mundo da afetivi-dades, veremos que a juventude gaúcha, no relacionamento entreas sexualidades, é claramente defensora da fidelidade. Entre quatroalternativas (fidelidade, liberdade, individualidade e complemen-taridade) a grande opção (54,5%) é a fidelidade13. Em outra pesqui-sa, falando das exigências de um casamento exitoso, entre 15 “con-dições”, a que está em primeiro lugar é a fidelidade14. Tomando em

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consideração os dados da pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz,segundo notícia da Agência Envolverde (05 de março de 2010), napesquisa intitulada Violência entre namorados adolescentes: umestudo em dez capitais brasileiras dizendo que agressões verbais,provocações, cenas de ciúmes, tom hostil e investidas sexuais fa-zem parte do arsenal de violência utilizado por ambos os sexos(49% dos homens e 32,8% das moças reconhecem isso), sendo asgarotas as maiores agressoras e vítimas do violência verbal, fazen-do entender que o problema não é só o machismo masculino, masuma sociedade de dominação machista, que repercussão isso teriano mundo juvenil gaúcho?

Considerações

É significativo o fato de VIGNOLI15 reconhecer quatro gruposde jovens com características específicas: os estudantes universitá-rios (politicamente ativos e organizados), a juventude popular ur-bana (considerada a “juventude problema”), as mulheres jovens(afetadas pela exclusão social etária e de gênero) e os jovens rurais(os menos estudados entre as juventudes). O que se pode perguntaré se para um diagnóstico da juventude gaúcha esta caracterizaçãonos pode ajudar. De alguma forma, sim, porque nos leva aos gran-des bolsões das juventudes e temos, diante de nós, parâmetros defi-nidos para olhar uma realidade. Partindo de um outro ponto de vis-ta, considerando que os grandes gritos da juventude são o trabalho,a educação e o lazer poderíamos ter uma outra divisão dos bolsõesjuvenis se falássemos dos jovens, urbanos e rurais, que só estudam,dos jovens que só trabalham e dos jovens que não estudam nemtrabalham e como os jovens são atendidos no direito que tem aolazer.

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Se, por um lado, deve haver a preocupação que o trabalho, aeducação, a família e o lazer sejam considerados direitos da juven-tude, fica sempre mais evidente – como afirmam as conclusões deDiscursos à beira dos Sinos que todos estes aspectos não sejamsimplesmente atendidos, cuidando que haja trabalho, educação, fa-mília e lazer, mas que estes aspectos sejam “eixos integradores”16,uma realidade que possibilita a pessoa (o/a jovem) a “integrar-se”,a “completar-se”, a “inteirar-se” como indivíduo e como ser social.Uma das condições de todos estes eixos é que o “eixo” exige “rela-ções sociais”. Ultrapassa-se o meramente individual para tomarfeições coletivas. Não basta trabalhar, não basta estudar, não bastater família, não basta ter espaços de lazer. Todos precisam serintegradores. A prova está na situação dos jovens onde não háanalfabetismo e onde não existe desemprego.

Como se não bastassem todas estas preocupações, deve-se estaralerta para o contingente de jovens que não trabalham nem estu-dam. É um contingente expressivo. Como diz GONZALEZ17, “alémdo desemprego aberto, há um desemprego oculto pelo desalento”(115). Talvez assuste ver que 73,0% de meninos de 14 a 17 anosou 12% de meninas da mesma idade não trabalhem nem estudem,mas é mais assustador que essa percentagem é de 13,8% ou 10,2%para jovens/ homens de 18 a 24 anos ou, então de 25 a 29 anos, e de31,8% para moças/mulheres de 18 a 24 anos e 32,6% para moças/mulheres de 25 a 29 anos. Essa realidade valeria também para oRio Grande do Sul? O que teria isso a ver num diagnóstico conside-rando todos os aspectos que conseguimos vislumbrar no social, nopolítico, no cultural e no religioso e mesmo no aspecto da saúde eda vivência afetiva e sexual?

Por isso que lemos nas conclusões de Para além de um monóto-no estribilho – violência e segurança na perspectiva juvenil- o caso

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de São Leopoldo18 a preocupação com certo “economicismo” anteas soluções apontadas, de vez em quando, para a situação da reali-dade juvenil. O jovem, mais do que ser feliz, tem que ser útil. Maisdo que “divertir-se e conviver” o jovem é feito para o trabalho.Está em jogo a construção da autoestima e da cultura da paz.

Conclusão

O grande vazio com o qual nos defrontamos para desenhar esteselementos de diagnóstico da juventude do Rio Grande do Sul foi afalta de dados específicos. Falava-nos bem alto algo semelhante aoque, em nível de Brasil, se conseguiu em Retratos da JuventudeBrasileira. Lançamos estas reflexões também com esta intenção:que surja nas terras gaúchas a vontade urgente de termos dadosmais amplos sobre o que a juventude do Rio Grande do Sul é epensa.

* Hilário Dick – doutor em literatura brasileira, pesquisador

do Observatório Juvenil do Vale – Unisinos

** José Silon Ferreira – acadêmico de Ciências

Sociais na Unisinos, pesquisador

Notas

1 Uma realização do Governo Federal, do Pronasci e Fórum da Segurança

Pública, em novembro de 2009.2 Referimo-nos a O Imaginário do jovem do Rio Grande do Sul – leitura

dos dados de uma pesquisa, pesquisa feita pela Pastoral da Juventude do

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Rio Grande do Sul, analisada pelo Instituto de Pastoral da Juventude (Por-

to Alegre), em 1997. Aplicaram-se 1144 questionários a jovens participan-

tes, ou não, de grupos; a jovens urbanos e rurais, abrangendo todo o Estado.3 Referimo-nos aos dados de uma outra pesquisa intitulada Discursos à

beira dos Sinos – a emergência de novos valores na juventude:o caso de

São Leopoldo. São Leopoldo: Cadernos IHU, ano 4, no 18, 2006.4 Discursos à Beira dos Sinos, o. cit. p. 21.5 Veja-se PEYRÉ, Fernando Ruiz. Nacer en el campo – morir en la ciudad?

Exclusión y Expulsión de los Jóvenes de Áreas Rurales de America Lati-

na, in Revista Electrónica de la Educación, 2008.6 Discursos à beira dos Sinos, o. cit. p. 28.7 Veja GUIMARÃES, Nadya Araujo. Trabalho: uma categoria-chave no

imaginário juvenil in ABRAMO, Helena Wender, BRANCO, Pedro Paulo

Martoni. Retratos da Juventude Brasileira – análises de uma pesquisa na-

cional. São Paulo:Instituto Cidadania e Fundação Perseu Abramo, 2005,

p. 149-174.8 Discursos à beira dos Sinos, o. cit. p. 27.9 NOVAES, Regina. Juventude, percepções e comportamentos: a religião

faz diferença? In ABRAMO, Helena Wendel e BRANCO, Pedro Paulo

Martoni (org.). Retratos da Juventude Brasileira – Análise de uma pesqui-

sa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo e Instituto Ci-

dadania, 2005, p. 263-290.10 CNBB, Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pasto-

rais. Brasília, Edições CNBB, 2007, no 80 e 81.11 BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1999,

p. 327.12 BRENNER, Ana Karina ABRAMO, Helena Wender, BRANCO, Pedro

Paulo Martoni, in Retratos da Juventude Brasileira – análises de uma

pesquisa nacional. São Paulo; Instituto Cidadania e Fundação Perseu

Abramo, 2005, p. 175-214.

Diagnóstico da situação da juventude no Rio Grande do Sul

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A hora e a vez da juventude

13 Veja-se O Imaginário do jovem do Rio Grande do Sul – leitura dos

dados de uma pesquisa, pesquisa feita pela Pastoral da Juventude do Rio

Grande do Sul, p. 78.14 Discursos à beira dos Sinos – a emergência de novos valores na

juventude:o caso de São Leopoldo. São Leopoldo: Cadernos IHU, ano 4,

no 18, 2006, p. 45.15 RODRIGUEZ VIGOLI, J. Vulnerabilidad y grupos vulnerables: un mar-

co de referencia conceptual mirando a los jóvenes in Serie Población y

Desarrollo 17, Santiago de Chile: CEPAL 2001.16 Veja Discursos à beira dos Sinos – a emergência de novos valores na

juventude:o caso de São Leopoldo. São Leopoldo: Cadernos IHU, ano 4,

no 18, 2006, p. 19 e 50.17 GONZALEZ, Roberto. Política de emprego para jovens: Entrar no mer-

cado de trabalho é a saída? In CASTRO, Jorge Abrahão de, AQUINO,

Luseni Maria de, ANDRADE, Carla Coelho de (org.) in Juventude e Polí-

ticas Sócias no Brasil. Brasília: IPEA, 2009, p. 111-128.18 DICK, Hilário e FERREIRA, José Silon. Para além de um monótono

estribilho – violência e segurança na perspectiva juvenil – o caso de São

Leopoldo. São Leopoldo: Contexto Gráfica, 2009, p. 95.

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Nilson Weisheimer*

O propósito deste texto é apresentar uma síntese da atual situa-ção juvenil na agricultura familiar no Rio Grande do Sul e relacioná-la as disposições dos jovens em reproduzir, ou não, o processo detrabalho familiar agrícola. Este empreendimento tem por base osresultados obtidos por meio de uma pesquisa extensa e representa-tiva do universo de jovens ocupados nesta atividade no do Rio Gran-de do Sul (Brasil). Foram realizadas entrevistas estruturadas juntoa 681 jovens de 15 a 29 anos de ambos os sexos em todas as meso-regiões do estado. Como contribuição metodológica, foi propostoum modelo descritivo da situação juvenil que articula quatro di-mensões analíticas: dos recursos materiais, dos processos de socia-lização, das representações sociais e dos projetos juvenis.1

A juventude é entendida como uma categoria social fundada emrepresentações sociais, segundo as quais se atribui sentido aopertencimento a uma faixa etária, posicionando os sujeitos na hie-rarquia social. Os jovens são indivíduos concretos que vivem pro-cessos de socialização específicos como sujeitos históricos. A con-dição juvenil corresponde ao modo como a sociedade constitui eatribui significados às juventudes em determinadas estruturas so-ciais, posicionando-os como sujeitos dependentes e subalternos aos

CAPÍTULO 12

A situação juvenil naagricultura familiar gaúcha

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adultos, enquanto a situação juvenil traduz as diversas configura-ções da condição jovem. O exame da situação juvenil revela osdiversos processos empíricos, condições conjunturais e particulari-zadas das múltiplas juventudes.

Estas definições colaboram para percebermos a juventude comouma categoria multidimensional, que se constitui a partir de umamplo feixe de relações. Em decorrência disto, entendemos que aespecificidade de cada categoria juvenil pode ser apreendida pormeio dos processos de socialização vividos pelos jovens. Ao consi-derarmos as diferenças de classe social, de etnia e de gênero, per-cebemos distinções relativas às posições ocupadas nos espaços so-ciais e conseqüentemente de processos de socialização respecti-vos. Tal posicionamento permite superar a invisibilidade social2, aque diversas categorias juvenis se encontram submetidas.

Esta reconstrução sociológica do jovem não se efetiva por meioda reprodução dos recortes demográficos ou critérios normativosque demarcam os limites etários, nem pela aplicação sem por àprova das categorias pré-estabelecidas a partir da dicotomia rural -urbano, mesmo que oriundas do campo científico. Este é o caso dacategoria “juventude rural”, que é forjada a partir de uma ótica ur-bana que percebe o rural como um espaço da precariedade social,reforçando, mesmo que involuntariamente, o estigma sobre estesegmento. Desta maneira, a homogeneização das diferenças no in-terior de uma categoria mais ampla, como a de “juventude rural”,acaba contribuindo para perpetuar a invisibilidade dos jovens agri-cultores familiares e de outros jovens, na medida em que não reco-nhece as especificidades das diversas situações juvenis.

Buscando definir a categoria social dos jovens agricultores fa-miliares, recorremos ao debate teórico sobre as formas familiaresde produção agrícola. Segundo este, a categoria dos agricultores

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familiares se caracteriza pelo fato da família deter a propriedade dosmeios de produção (nem sempre sendo proprietária de terra) e simul-taneamente realizar o processo de o trabalho na unidade produtiva,buscando efetuar no âmbito desta a transmissão do patrimônio e areprodução geracional do processo de trabalho em condições de in-serção mercantil plena. Este segmento realiza o processo de trabalhofamiliar agrícola, que é o principal meio de socialização das novasgerações na agricultura familiar, transmitindo saberes, valores e umaética do trabalho dos quais depende sua própria reprodução.

No caso dos jovens pesquisados, considerou-se que as relaçõessociais que lhes conferiam sentido e especificidade, resultam daposição ocupada por eles na divisão social do trabalho. Os jovensagricultores familiares constituem uma categoria social específicadevido à sua socialização no processo de trabalho familiar agríco-la. Como eles são membros de uma unidade doméstica que tambématua como unidade de produção agrícola, predomina a instituiçãode saberes, normas e valores do universo da família e do processode trabalho que esta realiza. Com efeito, a socialização realizadaneste contexto produz a incorporação de saberes específicos asso-ciada à configuração de identidades sociais e profissionais ligadasà agricultura. Diferente de outras situações, este é um caso onde otrabalho produz a juventude, uma vez que é ele que posiciona osjovens no espaço das relações sociais. Ou seja, é a socialização noprocesso de trabalho familiar agrícola que produz a categoria dosjovens agricultores familiares.

Analisando a ocupação juvenil na agricultora familiar do RioGrande do Sul, verifica-se que, no início da década de 1990, osjovens de 15 a 29 anos de idade representavam 31,9% do total damão de obra na agricultura familiar3. Conforme os Microdados daAmostra do Censo Demográfico 2000 para o RS, este percentual

A situação juvenil na agricultura familiar gaúcha

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A hora e a vez da juventude

havia se reduzido para 22,77% do total dos ocupados nesta ativida-de. Os jovens formavam o terceiro maior grupo de idade entre osagricultores familiares, registrando uma participação inferior àspessoas de 30 a 44 anos de idade (30,26%) e do contingente de 45a 59 anos de idade (27,68%). Destaca-se que os jovens do sexomasculino representam 14,25% de todos os ocupados, enquanto queas jovens mulheres representam 8,52% do total da ocupação naagricultura família gaúcha.

Considerando a estimativa do percentual da população jovem ocu-pada na agricultura familiar no RS por faixa etária e sexo, verifica-seuma participação um pouco maior dos jovens de 15 a 19 anos (8,34%)do que das outras faixas etárias no total da ocupação nesta atividade.Isto se deve principalmente a participação de adolescentes homens(5,47%). Percebe-se que esta é a maior registrada segundo os cri-térios propostos. Já entre as mulheres ocorre uma participação maiordas jovens adultas, com idades de 25 a 29 anos (3,06%), do que averificada entra as de outras faixas de mulheres jovens.4

Aplicando o modelo descritivo proposto, procedemos à análisedo acesso dos jovens aos recursos materiais relativos à atividadeagrícola, buscando-se identificar o modo como estes se encontramdistribuídos. Os jovens agricultores familiares entrevistados se en-contram vinculados a unidades produtivas com extensão média de31,4 hectares, sendo que 60% dos entrevistados esta em proprieda-des com tamanho inferior a 20 hectares. Sua produção esta 83%voltada para a comercialização, estando integrada principalmentea grandes cooperativas e agroindústrias. O valor bruto da produçãodas unidades familiares de produção não ultrapassa R$30.000,00ao ano para 75% dos casos. A renda agrícola das famílias dos en-trevistados não passa de R$20.000,00 para 86,5% dos entrevista-dos, e a renda familiar total fica neste mesmo valor para 80% deles.

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Isto demonstra que estes jovens se encontram em unidades produti-vas de escassos recursos econômicos. A partir disto, identificamoso acesso dos jovens à renda agrícola. Constatamos que eles têmpouco acesso a estes recursos, que são geralmente controlados pe-los pais. A este respeito, destacamos que as entrevistadas mulherese os jovens adolescentes usufruem em proporção menor essa rendado que os entrevistados homens e jovens adultos.

Com base em um conjunto de indicadores correspondentes a re-cursos acessados pelos jovens, pôde-se avaliar o seu grau de auto-nomia material. Eles apresentam uma baixa autonomia material,situação que se revelou ainda mais aguda entre as jovens mulherese adolescentes. Com isto, evidencia-se que a situação juvenil naagricultura familiar é marcada por uma baixa autonomia material euma distribuição desigual de recursos entre os sexos e as idades.São a partir destas condições materiais que se realizam os proces-sos de socialização dos jovens agricultores.

A socialização foi compreendida como processo socialmenteestruturado de transmissão de saberes, valores e normas sociais, ge-ralmente de uma geração à outra, permitido a inserção interativa dosindivíduos aos grupos sociais. Com base nesta perspectiva, se anali-sou a participação dos jovens no processo de trabalho familiar agrí-cola, sua inserção no sistema de educação formal e em atividades delazer. A socialização no trabalho agrícola é a que os entrevistadosvivenciam de modo mais intenso, em comparação com as demais.

Devido às características do processo de trabalho familiar agrí-cola, que se organiza com base na divisão sexual e etárias de tare-fas, a socialização neste espaço se realiza simultaneamente comouma socialização profissional – no sentido de uma inserção nasrelações sociais de produção que implica uma emersão na culturaprofissional a fim de permitir o desempenho das tarefas e a identi-

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A hora e a vez da juventude

ficação com o grupo de referência – e socialização de gênero, sen-do esta o modo como os indivíduos internalizam e desenvolvem osdiferentes papeis sociais de gênero.

Ao considerarmos a inserção no processo de trabalho familiaragrícola, constamos que os jovens de ambos os sexos apresentamuma elevada participação no trabalho, predominando a participa-ção em tempo integral, com jornadas de trabalho superiores a oitohoras diárias. Contudo, os jovens adolescentes e as mulheres apre-sentam um menor envolvimento que os demais entrevistados.

No que concerne à participação juvenil na divisão do trabalhofamiliar, verificamos que as tarefas administrativas, agrícolas e do-mésticas, são distribuídas de modo diferenciado por sexos e faixasde idade. A primeira é concentrada na figura do pai que atua comochefe do estabelecimento, nas tarefas agrícolas predomina a forçade trabalho de toda a família, enquanto as tarefas domésticas ficamsob a responsabilidade exclusiva das mulheres. As jovens mulheresrealizam múltiplas jornadas de trabalho – principalmente nas tare-fas agrícolas e domésticas – sem ao menos contarem com o reco-nhecimento de seu trabalho como “produtivo”.

Constamos uma nítida diferenciação sexual nesta socialização:os jovens homens vão assumindo, aos poucos, a responsabilidadepela realização de certas tarefas agrícolas, enquanto que o trabalhoagrícola realizado pelas mulheres jovens é invisibilizado por meiodas categorias “toda a família” e a expressão “ajuda”. Elas tambémcompartilham com suas mães a responsabilidade com as tarefasdomésticas que não se limitam ao espaço da casa.

As funções desempenhadas na equação entre unidade domésticae unidade produtiva, revelam as posições ocupadas pelos jovens nahierarquia do grupo familiar. As jovens mulheres realizam as ativi-dades menos valorizadas no trabalho; por consequência, ocupam as

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posições mais subalternas na hierarquia familiar, visto que, com ex-ceção das tarefas domésticas, não exercem nenhuma atividade sobsua responsabilidade exclusiva. Por outro lado, elas encontram-semais integradas ao sistema formal de ensino e alcançam graus deescolarização mais elevados do que os homens de sua mesma idade.

A socialização escolar é diferenciada por sexo e também poridades. Sob este último aspecto, é possível notar que os jovens ado-lescentes registram boa freqüência escolar alcançando escolarida-des maiores do que a verificada entre os jovens adultos. Cabe des-tacar ainda, as dificuldades dos jovens em conseguir conciliar alonga jornada de trabalho na agricultura com o tempo destinadoaos estudos.

Quanto às percepções dos entrevistados sobre a escola, esta évista por eles principalmente como um espaço de interação comseus pares de idade e fator de valorização social, dotando-os deprestígio e permitindo-lhes vislumbrar possibilidades de mobilida-de social. Podemos dizer que os jovens agricultores gaúchos valo-rizam o conhecimento e o espaço escolar, ao mesmo tempo em que,não percebem nela vinculações com o trabalho agrícola. Revelan-do, deste modo, que se encontram entre duas agencias socializadorasconcorrentes e não complementares (o trabalho familiar agrícola ea escolarização formal).

A situação juvenil na agricultura familiar se caracteriza aindapor um baixo acesso às atividades de lazer. Estas formas de socia-bilidade, que foram entendidas como uma forma livre de socializa-ção se restringe, basicamente, aos espaços de convívio da comuni-dade, onde se destacam a frequência à igreja e à prática esportiva,limitada ao futebol. O lazer dos jovens é restrito em decorrência dotempo que eles dedicam ao trabalho e pela escassez de uma infra-estrutura de lazer e de esporte nas comunidades onde vivem.

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Em resumo, entre os jovens agricultores familiares não predo-mina a socialização via sistema formal de ensino ou espaços desociabilidade juvenil, como é comum em outras situações, mas sima socialização profissional realizada no âmbito do trabalho familiaragrícola, diferenciando-se neste processo os papeis a serem desem-penhados por homens e mulheres.

A socialização neste espaço de trabalho possibilita a internaliza-ção de valores que são formas de representações coletivas. Com efeito,a situação juvenil também se define a partir dos sentidos atribuídosaos jovens e os que estes atribuem a suas práticas sociais, ao seugrupo de referência e às representações de si, que são as formas deautoidentidade; processo contínuo de definição de uma identidadepessoal que dá sentido a nós mesmos e a nossa relação com os gru-pos de referência e com o mundo social. Buscou-se, assim, abordaras representações sociais dos jovens agricultores sobre o trabalhofamiliar agrícola, o modo de vida dos pais e suas auto-identificações.

No que se refere às representações que os jovens fazem do traba-lho na agricultura familiar, a maioria deles afirma gostar desta ativi-dade; contudo esta opinião predomina entre os jovens adultos, en-quanto os jovens adolescentes e mulheres revelam uma menor satis-fação. Ao serem questionados sobre como consideram sua participaçãopara os resultados obtidos pela família, a maioria respondeu que émuito importante, enquanto as mulheres adolescentes afirmam que épouco importante. As representações sobre o trabalho mostram-secom diferenças segundo sexo e idades dos entrevistados, sendo queos homens relacionam a agricultura a uma atividade que permite terindependência financeira, enquanto as mulheres enfatizam mais aimportância deste trabalho para a sociedade.

No que se refere às avaliações sobre o modo de vida dos pais,predominam avaliações positivas por meio de respostas em que

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consta ótimo e bom. Sobre este assunto também se verificou que osposicionamentos mais críticos partem das entrevistadas mulheres eprincipalmente das jovens adolescentes. Questionou-se se os jovensgostariam de viver como seus pais e se pretendiam sucedê-los nagestão da unidade produtiva. A maioria deles pretende ser sucessordos pais, sendo que os que não o querem são, novamente, as jovensadolescentes. Elas também manifestam, com maior frequência, apercepção de que não herdarão a propriedade da terra, sendo quepredomina, entre os casos estudados, a expectativa de uma distribui-ção igualitária da herança.

Quanto às formas de auto-identidade acionada pelos jovens naocasião das entrevistas predominam, tanto entre os homens quantoentre as mulheres, identidades socioprofissionais vinculadas ao tra-balho agrícola. Dentre as categorias identitárias, a mais utilizada foide “jovem agricultor familiar”, “jovem trabalhador rural” e “jovemagricultor”. Mais uma vez, observou-se um comportamento diferen-cial entre as mulheres jovens adolescentes, que se identificam princi-palmente como “estudante”. Esta categoria, juntamente com a iden-tificação como “jovem”, forma a maioria de suas respostas. Comoresultado, pode-se concluir que a situação juvenil na agricultura fa-miliar se caracteriza por representações que valorizam o trabalhofamiliar agrícola, sendo estas coerentes com o padrão de sua sociali-zação. Além disto, é possível destacar que, ao assumirem a identida-de social de jovem agricultor familiar, eles buscam positivar sua si-tuação juvenil, legitimando suas capacitações e habilidades como fontede reconhecimento social, ao mesmo tempo em que antecipam suasdisposições em relação ao que pretendem ser no futuro.

Por último, empreendemos a análise dos projetos juvenis. Estesforam entendidos como uma visada consciente do futuro em aber-to, apresentando-se como um esforço reflexivo dos jovens para an-

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tecipar posições desejadas quanto à escolarização, à profissão e àvida futura (conjugal e residencial) que mostram diferenças porsexo e idades dos entrevistados. Os projetos de escolarização sãomais frequentes e amplos entre os jovens adolescentes, com desta-que para as mulheres. Também os projetos profissionais apresentamdiferenças segundo estes critérios, com projetos de permanência naagricultura mais frequentes entre os homens e mulheres jovens commais de 20 anos de idade, enquanto as jovens adolescentes, predo-minantemente, elaboram projetos profissionais não-agrícolas. Es-tas últimas diferem da maioria dos entrevistados também quanto aoprojeto de vida, uma vez que a maior parte delas afirma que nãopretende casar com agricultor, nem residir no meio rural. Estes pro-jetos indicam como os jovens lidam com os papeis que desempe-nham na atividade agrícola e as posições que ocupam na família,assim como suas estratégias de reprodução, ou seja, revelam comoeles avaliam sua situação atual na agricultura familiar.

Em seu conjunto, os resultados deste trabalho demonstram que asituação juvenil na agricultura familiar é caracterizada por uma baixaautonomia material; por uma intensa socialização no processo detrabalho familiar agrícola e pelo predomínio de representações po-sitivas sobre esta atividade.

A partir destes resultados, identificamos as relações entre os pro-jetos profissionais formulados por jovens agricultores familiares e asdimensões da situação juvenil (recursos materiais; processo de socia-lização e representações sociais). Desta forma, constamos que estesprojetos são influenciados pelas oportunidades objetivas de reprodu-ção das unidades de produção familiar das quais os jovens entrevis-tados fazem parte. Contudo, a estrutura objetiva desta reproduçãonão se limita às formas de acesso à propriedade fundiária, mas aefetiva alocação de recursos materiais que possibilitem aos jovens

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dispor de autonomia para tomarem suas próprias decisões e acessaremos resultados de seus esforços produtivos. Isto explica o fato dos pro-jetos profissionais se diferenciarem mais com relação ao grau de au-tonomia material dos jovens do que em relação à condição fundiáriade suas famílias. Verificamos, também, que os processos de sociali-zação atuam como um fator objetivo fundamental, visto que é pormeio destes que se internalizam os conhecimentos, os valores e aética própria do trabalho familiar agrícola, gerando as disposiçõesnecessárias à sua reprodução geracional. Neste sentido, a socializa-ção no trabalho agrícola pode ser percebida como o principal instru-mento na reprodução social na agricultura familiar, porque produzuma nova geração de agricultores familiares.

Por fim, evidenciamos que as representações dos jovens sobre otrabalho agrícola e o modo de vida dos pais revelam-se coerentes comseus projetos profissionais. A interação entre estas representações per-mite-nos compreender melhor as dinâmicas desta reprodução geracionaldo trabalho familiar agrícola que depende da reafirmação não só deuma posição no mundo social, mas, também, de sua visão de mundocorrespondente. Com efeito, pode-se concluir que os projetos profissio-nais dos jovens agricultores derivam da própria situação juvenil naagricultura familiar, com suas diferenciações sexuais e etárias, o queestá presente na estrutura das práticas do trabalho e na incorporaçãodas disposições necessárias a sua reprodução. Com base nisto, expli-ca-se porque, mesmo em condições matérias restritas, predominamentre os jovens agricultores gaúchos os projetos profissionais agríco-las, bem como a tendência evidenciada entre as jovens adolescentes denão querer permanecer nesta atividade.

* Nilson Weisheimer – cientista Social, mestre e doutor em sociologia

pela UFRGS, professor adjunto no CAHL/UFRB

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Notas

1 Esta tese tem como fonte: WESHEIMER, Nilson. A Situação Juvenil na

Agricultura Familiar. Tese. (Doutorado em Sociologia). Instituto de Filo-

sofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/

10183/15908.2 A invisibilidade social é uma das expressões mais cruéis do processo de

exclusão social. Ela se processa pela produção de certo olhar que nega a

existência do outro. Isto implica em negação do direito básico de ter trata-

mento e oportunidades iguais e, neste caso, a negação do próprio direito

ao reconhecimento e à identidade.3 Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 1991.4 Fonte: Censo Demográfico 2000. Microdados da Amostra.

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Mauricio Botton Piccin*

A abordagem sobre o papel estratégico que a juventude deveocupar hoje precisa partir da compreensão de que vivemos a exis-tência de uma “onda jovem” que, em termos relativos, significa umaumento da população em idade ativa, o que pode ter um efeitopositivo sobre a dinâmica do desenvolvimento econômico. Essefenômeno tem sido qualificado como bônus demográfico (IPEA,2009, p. 26).

Esse cenário remete a uma nova perspectiva de leitura sobre osjovens, em que perde força a conotação do segmento juvenil comoexpressão problemática transitória e inautêntica e se fortalece a idéiada juventude como ator estratégico para o desenvolvimento.

Entretanto, o aproveitamento desse bônus demográfico está con-dicionado à necessidade do Estado brasileiro considerar o grandecontingente populacional, que representa a juventude e a sua parti-cularidade quanto à exclusão econômica, social, política e culturalda qual é vítima. Neste sentido, o segmento juvenil possui uma di-mensão inegavelmente estratégica.

Contudo, essa dimensão vai além da densidade demográfica ju-venil ou do grau de exclusão e vulnerabilidade social que hoje temgarantido importância ao tema juventude. O que se constata é que

CAPÍTULO 13

O olhar da juventude para desenvolvero Rio Grande do Sul e o Brasil

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qualquer projeto de desenvolvimento precisa considerar o processode incorporação das novas gerações, como a forma de integrá-las eresponder às novas pautas que certamente surgem. Sendo assim,mesmo no caso de uma mudança dos cenários demográficos no Bra-sil, com a alteração da composição etária da população e com umadiminuição drástica das desigualdades, a questão geracional conti-nuará sendo um elemento determinante para o desenvolvimento.

Portanto, é necessário pensar em um projeto de desenvolvimen-to para o RS e para o Brasil que se aproprie da temática juventude.Não apenas no sentido da conquista de direitos específicos, da re-paração social ou das políticas afirmativas, mas também na pers-pectiva de que os grandes desafios postos para a sociedade se des-dobram especialmente na juventude, ou seja, nas novas gerações.

Para pensar o desenvolvimento social e econômico do Brasil edo Rio Grande do Sul é preciso levar em consideração a necessida-de de formar gerações capazes de dar continuidade aos avançospolíticos, sociais e econômicos que nossa sociedade necessita. Ga-rantir um desenvolvimento integral da juventude no presente au-menta as chances de construir um futuro com soberania, democra-cia e igualdade e, por isso, além de ser sujeito político fundamen-tal, a juventude é estratégica para a construção do projeto de desen-volvimento que o Brasil e o Rio Grande do Sul precisam.

O descompasso nos pampas

A história das políticas públicas de juventude no Rio Grande doSul mantém uma contradição com boa parte da trajetória nacionalrecente. Enquanto prevalecia a formulação das políticas públicas apartir da concepção de juventude como fase problemática no finaldos anos 90, o Rio Grande do Sul experimentava – a partir de 1998,

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com o Governo do Olívio Dutra (PT) – um forte debate sobre anecessidade de incorporar na agenda do Estado o tema da juventu-de enquanto um segmento a ser considerado como portador de di-reitos.

Embora tenha avançado pouco, do ponto de vista da estrutura-ção de uma política estadual sobre juventude, muitas políticas de-senvolvidas entre 1999 e 2002 dialogaram com essa demanda colo-cada pela juventude diversamente organizada. São exemplos: a cri-ação da UERGS (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul), oPrograma Primeiro Emprego, o MOVA (Movimento de Alfabetiza-ção de Jovens e Adultos), programas culturais como o RODASOM,a reestruturação e ampliação das escolas de Ensino Médio e a Cons-tituinte Escolar.

Contraditoriamente, quando a concepção de juventude como umsegmento portador de direitos começa a ganhar espaço e confor-mação na Política Nacional de Juventude, com o Governo Lula apartir de 2002, o Governo do RS recai na mão de forças políticasconservadoras (Governo Rigotto do PMDB, 2003-2006, e GovernoYeda do PSDB, 2007-2010) e coloca na ordem do dia, novamente,a agenda da não-responsabilidade do Estado com a garantia dosdireitos sociais e do seu papel de indutor da economia, do desen-volvimento e da implementação de políticas públicas e de distribui-ção de renda.

Além da política geral de governo atingir principalmente a ju-ventude com a desestruturação do papel do Estado e com o fim daspolíticas sociais, as parcas políticas direcionadas ao público jovemsofrem uma forte influência da concepção da juventude como umaetapa problemática transitória e inessencial, sendo então encaradacom políticas de tutela e controle, que inviabilizam a necessária cons-trução da autonomia tão importante neste momento da vida.

O olhar da juventude para desenvolver o Rio Grande do Sul e o Brasil

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Levante sua bandeira: propostas paraa juventude gaúcha e brasileira

Segundo o Projeto Juventude1, do Instituto de Cidadania, os as-suntos que mais interessam a juventude são: educação, emprego,cultura e lazer. A predominância desses assuntos por parte dos jo-vens se relaciona, em grande medida, não só com a necessidadeconcreta da construção das condições para a sobrevivência, comotambém com a conquista de autonomia e com a necessidade de“viver a juventude”.

Essas questões são expressões de desejos, mas também, ao mes-mo tempo, de necessidades, as quais devem compor os eixos cen-trais de ações e políticas públicas. Neste sentido, seguem abaixoalgumas propostas e apontamentos que possam orientar a constru-ção de uma agenda política para as organizações, movimentos dajuventude e para os governos. É óbvio que estas propostas não pos-suem a pretensão de dar conta de todas as necessidades,especificidades e diversidades das juventudes. Entretanto, repre-sentam eixos estruturantes de uma política que possibilite alterarprofundamente as condições concretas de vida dessa parcela tãoimportante e especial da população.

Tais elementos programáticos procuram estar sintonizados coma conjuntura nacional, na qual existem experiências em curso depolíticas voltadas para a juventude, como o Projovem Integrado,com uma longa discussão a respeito de seus avanços e limites. Levaem conta, também, a situação econômica, social e política do RioGrande do Sul, onde o projeto governante em curso dificulta a pos-sibilidade de os jovens contarem com políticas públicas para cons-truírem de forma autônoma as suas vidas.

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Trabalho e geração de renda para a juventude

O trabalho e a geração de renda para a juventude, atualmente, éencarada como a possibilidade de responder a duas demandas rela-cionadas à vida dos jovens. A primeira, como uma condição paraconquistar sua autonomia e, a segunda, como uma possibilidade decomplementar a renda familiar.

Isso ocorre com maior intensidade de acordo com a situaçãoeconômica geral das famílias e da sociedade. A reestruturação neo-liberal da economia nos anos 90 teve como consequência direta odesemprego estrutural, criando um contingente enorme de pessoasdesempregadas, precarizando as relações de trabalho e os direitostrabalhistas. Essa situação piorou consideravelmente as condiçõesde sobrevivência das famílias mais pobres e isso influenciou aindamais para que os jovens passassem a procurar emprego, na maioriadas vezes, precarizado.

Em que pese nos últimos anos no Brasil ter havido abertura denovas vagas de trabalho e crescimento da economia, a situação decrise do emprego, vivida principalmente nos anos 90, ainda se re-flete nos dias de hoje.

Segundo dados da PNAD/IBGE 2007, a situação social da ju-ventude de 15 a 29 anos no Brasil é a seguinte: 30,6% dos jovensvivem em famílias com renda per capita de até meio salário míni-mo, 53,7% dos jovens vivem em famílias com renda entre meio edois salários mínimos e 15,7% dos jovens vivem em famílias comrenda maior que dois salários mínimos. Podemos observar que maisde 80% dos jovens vivem em famílias que possuem renda per capitade até dois salários mínimos e que, portanto, é nessa faixa da popu-lação que o apelo pela necessidade de trabalhar para ajudar na ren-da familiar é maior.

O olhar da juventude para desenvolver o Rio Grande do Sul e o Brasil

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Segundo dados do IPEA (2009, p. 77) a tendência entre os anosde 1982 a 2007 é o aumento da proporção de jovens que passarama combinar estudo com trabalho. De acordo com pesquisa realiza-da em 2006 pela Unisinos, 68,3% dos jovens da cidade de SãoLeopoldo trabalham. Portanto, o trabalho é uma realidade expres-siva na vida dos jovens.

Estudos do IPEA (2009) demonstram ainda que, entre jovens defamílias com renda per capita menor que ¼ do salário mínimo,24% deixam a escola. Esse número diminui para 6% naquelas fa-mílias com renda per capita entre dois e cinco salários mínimos.

Sendo assim, “Como o grau de concomitância está relacionadoao nível de renda, parece que o fator principal é a capacidade dasfamílias de liberar seus filhos integralmente para a escola; porém,isto não descarta que outro fator seja o próprio desejo dos jovens deprocurar experiência de trabalho” o que fortalece a tese de que otrabalho é uma forma buscada pelos jovens para conquistar suaautonomia (IPEA, 2009 p. 115).

Este quadro leva a uma situação em que a juventude acaba nãoconseguindo conciliar os estudos com a jornada de trabalho e aban-dona a escola, conforme afirma o IPEA (2009, p.177): “os jovenstendem a sair da escola, independente do grau alcançado aos 18anos”. Com uma baixa formação escolar e profissional restam aspiores condições de trabalho, com mais baixos salários, sem cartei-ra assinada, sem direitos trabalhistas e altas jornadas de trabalho.

Portanto, a questão do trabalho e da geração de renda para ajuventude não será resolvida se não houver uma política estruturalque continue desenvolvendo o país e seja responsável pela aberturade mais postos de trabalho. O desemprego é um problema estrutu-ral de toda a sociedade e causa importante das precárias condiçõessócio-econômicas de parcela significativa da população.

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Os programas de juventude voltados à garantia de trabalho erenda para os jovens devem ir além da garantia do primeiro em-prego ou de qualificação profissional, pois estas políticas possu-em efeito prático, principalmente em um momento de grande cres-cimento econômico. Para incidir neste cenário é preciso combi-nar dois tipos de políticas: a) criar as condições para que os jo-vens, principalmente oriundos de famílias de baixa renda, tenhamcondições de concluir seus estudos, diminuindo a entrada preco-ce e em condições precárias no mundo do trabalho; b) regulamen-tar a participação dos jovens no mercado de trabalho e permitir aconciliação com os estudos.

Essas iniciativas geram vantagens indiretas, como uma situaçãode maior conforto no mercado de trabalho, devido à redução dapressão por empregos; a melhoria das condições da competição portrabalho, reduzindo a precariedade e aumentando o poder de nego-ciação dos trabalhadores, pela redução do contingente de mão-de-obra de reserva. Sendo assim, as ações de políticas públicas para ajuventude deveriam passar por:

Desenvolver socialmente e economicamente o Brasil e o RS,para criar mais postos de trabalho;

Reduzir a jornada de trabalho sem a redução de salários, de 44para 40 horas semanais. Esta medida criaria aproximadamente 2milhões de empregos diretos;

Investir em uma pesada política de bolsas para estudantes debaixa renda permanecerem na escola (Ensino Médio) e na Uni-versidade, aumentando assim sua formação para entrar com me-lhores condições no mercado de trabalho;

Aumentar a associação entre o ensino formal (Básico e Mé-dio), com cursos de formação profissional – ampliação do nú-mero de escolas de Ensino Médio técnicas;

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Incentivar (fiscal e financeiramente) projetos alternativos, como:economia solidária, associações e cooperativas formadas por jo-vens;

Exigir das empresas, como contrapartida aos incentivos públi-cos, a abertura de uma parcela de vagas de trabalho voltadas àjuventude.

Educação democrática e popular

Durante os anos 90 e o início do novo século a educação noBrasil foi um dos principais alvos do neoliberalismo. Redução derecursos para seu financiamento, estímulo à expansão do ensinoprivado, mecanismos para acirrar a competitividade e a produtivi-dade entre educadores e instituições de ensino marcaram esse perío-do. Nos anos mais recentes, essas diretrizes de políticas educacio-nais continuam presentes em alguns estados, de forma geral, e noRS de forma particular.

Segundo o informe do Dieese/RS de fevereiro de 2010, os 35%da receita líquida de impostos e transferências que a ConstituiçãoEstadual determina que o Governo deva repassar para a educaçãonão estão sendo cumpridos consecutivamente desde o ano de 2003.Em 2009 o governo gaúcho de Yeda Crusius investiu apenas 26,8%,retirando R$ 1,2 bilhão constitucionais na manutenção e desenvol-vimento do ensino. Portanto, como parte de um projeto neoliberalpara o RS, o governo estadual cortou os recursos para a educação epropôs alterar o plano de carreira dos professores retirando direitoshistoricamente conquistados. Além disso, fechou, segundo a pró-pria Secretaria de Educação, 122 escolas até abril de 2008, extin-guiu 8.305 turmas de estudantes em todo o Estado, retomou a orga-nização multisseriada da educação e colocou a UERGS em uma

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situação calamitosa através do corte de verbas, da não abertura devestibular, da falta de professores.

Em contraste com isso, a partir de 2002, no Brasil, com as polí-ticas do Governo Federal, inverteu-se completamente o sentido daspolíticas públicas da educação. As verbas para financiamento vol-taram a crescer, novas escolas federais e universidades públicasforam criadas e uma política de cooperação entre educadores e ins-tituições foi estabelecida a fim de superarmos os graves problemasda educação brasileira. Desde então, muito tem avançado. Contu-do, uma transformação ainda mais profunda se faz necessária.

Segundo informações do IPEA (2009, p. 92), a juventude aindarepresenta 1,5 milhões de analfabetos no Brasil. Além disso, 38,7%dos analfabetos com 15 anos já frequentaram a escola, o que indicaa necessidade de melhorar as condições e a qualidade do ensinofundamental para combater o analfabetismo.

Há uma elevada distorção entre idade e série: 32% dos jovens de15 a 17 anos ainda cursam o Ensino Fundamental. Os que possuemo Ensino Médio completo são: de 15 a 17 anos, 1,6% dos jovens; de18 a 24 anos, 29,5% e de 25 a 29 anos, 31,7% dos jovens. Isto querdizer que 68,9% dos jovens não se formam no Ensino Médio até os24 anos. Além disso, segundo o IPEA (2009, p. 92), 65,7% dosjovens de 18 a 24 anos estão fora da escola.

Segundo o IBGE, em 2007, 57% dos jovens de 15 a 17 anos dasáreas metropolitanas frequentavam o Ensino Médio e, do meio ru-ral, apenas 31%.

Sendo assim, temos um quadro da educação no Brasil que revelauma baixa qualidade do ensino, uma presença não contínua na es-cola por parte dos estudantes (onde o estudante interrompe e reco-meça os estudos várias vezes), levando a um atraso na idade esco-lar e produzindo séria distorção entre idade e série. Além disso,

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como já referido, constata-se uma tendência dos jovens saírem daescola, independente do grau alcançado, aos 18 anos, o que se con-firma na porcentagem de jovens que estão fora da escola (IPEA,2009, p. 114).

Observa-se que a dificuldade em conciliar o trabalho e o estudoleva a juventude a abandonar a escola. Nessa tentativa de concilia-ção, nota-se uma elevada proporção de matrículas noturnas (41%do total em 2007). Contudo, com uma indisponibilidade de tempopara o estudo extra classe. Sendo assim, as condições precárias deacesso e permanência na escola impedem que a juventude perma-neça estudando por mais tempo.

Além disso, a ineficiência do sistema de ensino é expressa pelaproblemática relação da escola com os jovens. A expressão dessadificuldade pode ser encontrada tanto na rebeldia frente às normasescolares, nos altos índices de fracasso escolar, nas depredaçõesdos prédios, nas atitudes desrespeitosas no convívio escolar, quan-to na apatia de estudantes que se mostram distantes e desinteressa-dos pelas atividades escolares. Ainda que, de forma distinta, todasessas atitudes possam ser compreendidas como formas de resistên-cia e recusa à escola. Diversos estudos creditam grande parte des-ses problemas à dificuldade, ou mesmo à ausência de comunicaçãoentre o mundo da escola e o mundo dos jovens.

Por isso, para mudar este cenário da educação é preciso: Realizar uma revolução pedagógica na escola: efetivação da

democracia nos espaços educacionais a fim de reorganizar com-pletamente a escola e a sua relação com os estudantes; reformu-lação político-pedagógica da escola a fim de incorporar a reali-dade da juventude e alterar o tipo de relação professor-estudantepara a melhor construção do conhecimento de forma libertadora;capacitação dos educadores sobre a temática juventude;

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Transformar a escola em um efetivo espaço público de encon-tro da juventude para a produção cultural diversa, acesso às tec-nologias digitais, sem descuidar do lazer e diversão, rompendo,assim, com sua redução a mero espaço de educação formal, depouco atrativo para os jovens;

Ampliar a rede pública e os investimentos em educação, ofere-cendo mais vagas, valorizando os trabalhadores da educação;

Construir uma pesada política de permanência da juventude naescola, através de bolsas que diminuam a pressão pela necessi-dade de trabalhar;

Dar um caráter profissionalizante optativo ao Ensino Médioem todas as escolas;

Adequar a política pedagógica de todas as escolas das áreasrurais, para que haja uma íntima relação com o meio em queestão inseridas.

Cultura, lazer e o acesso ao território

A organização e a gestão das cidades devem possibilitar os di-reitos juvenis à cultura, ao lazer, à educação, ao trabalho e a outrosbens sociais. Para parcela expressiva da população juvenil, tempolivre não é sinônimo de realização de atividades de cultura e lazer,mas sim de desocupação. Falar em direito cultural implica em criarcondições de produção cultural, compreendida como acesso à cria-ção, produtos, informações, meios de produção, difusão e valoriza-ção da memória cultural coletiva.

Garantir o direito ao acesso à cultura e à produção cultural éuma condição para enriquecer o convívio da juventude e imaginarmundos alternativos, possibilitando que todos tenham iguais capa-cidades de produzir opiniões e manifestá-las. Hoje, os espaços de

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convivência estão cada vez mais privados, as praças públicas estãosendo substituídas pelos shoppings e quase todo o acesso à diver-são é pago. Sem falar da velha constatação de que a própria diver-são foi banalizada e capturada pela lógica comercial da reproduçãocapitalista. Enquanto isso, nos municípios, desde o estado das pra-cinhas infantis já é algo deplorável e esquecido.

Urge universalizar o acesso à cultura, aos bens culturais, ao apoioe à ampliação das práticas desportivas e de lazer, através da consti-tuição de espaços e equipamentos públicos que viabilizem a realiza-ção de projetos coletivos nos marcos da pluralidade e da diversidade.Dessa forma, os jovens podem desenvolver a convivência plural, ad-quirir competências e experiências de trabalho em grupo. Neste sen-tido, é fundamental considerar que o território é a principal esfera derelação sócio-afetiva na fase juvenil. A prova disto está na necessida-de de “não ficar em casa”, na produção cultural e na prática de es-portes que interagem com o ambiente, seja urbano ou rural. Sendoassim, o acesso aos espaços e a garantia de mobilidade da juventudesão questões decisivas e estruturantes para uma política cultural deconstrução da autonomia e independência da juventude.

Para tanto, faz-se necessário: Criar Centros de Convivência da Juventude, mantidos pelo po-

der público e geridos pela juventude. Esses centros devem pos-suir espaços para reuniões, apresentação de bandas e realizaçãode festas, laboratórios de informática para pesquisa e diversão,oficinas diversas, produção cultural (música, teatro, pintura, etc),realização da prática de esportes, etc;

Garantir que todas as escolas das áreas rurais e dos municípiosmenores possuam equipamentos públicos, que permitam à ju-ventude desses locais o acesso ao esporte, lazer, acesso e à pro-dução cultural e à inclusão digital;

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Ampliar o programa federal Pontos de Cultura para todo o RS; Construir um programa de incentivo ao uso da bicicleta, como

meio de transporte econômico, saudável e ecologicamente cor-reto, através da construção de ciclovias e acesso ao ciclismo;

Garantir a integração do transporte público (ônibus, trem emetrô) entre si e com os locais dos Centros de Convivência daJuventude, com passe livre aos finais de semana para a juventu-de até os 29 anos.

Universalizar o meio passe para toda a juventude até os 29anos.

Habitação para a juventude

A construção de uma trajetória de independência e autonomiada juventude depende ainda, em grande medida, da possibilidadedo acesso à moradia. É fundamental para a juventude poder optarpor sair da casa dos pais e conquistar o seu espaço, o seu teto, a suacasa que possibilite morar com a companhia que preferir. Deve serum direito garantido que os jovens tenham acesso à moradia inde-pendente da sua orientação sexual e que isso se articule com aspolíticas de geração de emprego e renda.

Segundo dados do IPEA (2009, p. 33), do conjunto da popula-ção jovem 84,8% vivem em áreas urbanas. Destes, 48,7% vivemem moradias inadequadas fisicamente, segundo os critérios do Pro-grama das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN -Habitat) e do Programa das Nações Unidas para o Direito à Mora-dia. Além disso, há uma grande população flutuante de jovens, nasmédias e grandes cidades, que estudam em escolas técnicas, uni-versidades e centros de ensino, que estão completamente reféns daespeculação imobiliária.

O olhar da juventude para desenvolver o Rio Grande do Sul e o Brasil

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Portanto, a moradia para a juventude é uma condição estruturantepara a sua vida. Faz-se necessária uma ofensiva política específicaque garanta o direito da juventude a sair de casa, ter o seu próprioteto e construir uma trajetória de vida independente. Por isso, é pre-ciso construir uma política de habitação juvenil que permita a cele-bração de contratos com indivíduos jovens, ou com grupos de jo-vens, sem a necessidade de haver relação familiar e/ou heterossexualcom foco em diferentes públicos, como por exemplo, jovens desem-pregados, empregados e jovens estudantes. Além disso, é necessáriauma política de habitação estudantil temporária nas principais cida-des onde haja escolas técnicas e universidades (casas de estudantes).

A participação da juventude

A dimensão da participação no processo de garantia dos direitosda juventude é a chave para a construção de uma sociedade que leveem conta as demandas e as questões geracionais. Somente a própriajuventude é capaz de ter informações mais precisas sobre seus pro-blemas, demandas, desafios e necessidades da sua geração.

Além de todas as bandeiras da juventude, a “participação” é fun-damental para consolidar a conquista dos direitos juvenis. De nadaadianta a juventude diagnosticar seus problemas e deixar para osoutros resolverem. É preciso garantir mecanismos de participaçãono sentido do controle social, na representação política e formula-ção e execução das políticas públicas através de espaços própriosnas organizações, nos movimentos, nas entidades, no parlamento enos governos.

A formulação dos marcos legais da Política Nacional de Juven-tude a partir da inclusão da juventude na Constituição Federal comoum segmento portador de direitos, do Estatuto da Juventude e do

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Plano Nacional de Juventude, ambos em debate na Câmara dosDeputados, são ferramentas que devem garantir amplos espaços departicipação da juventude na definição, acompanhamento e avalia-ção das políticas públicas.

Para isso é necessário consolidar as experiências do GovernoLula, o qual realizou a I Conferência Nacional de Juventude, quemobilizou mais de 400 mil jovens em todo o país, criou o ConselhoNacional de Juventude, que congrega o governo e a sociedade civilatravés das organizações juvenis e, criou também, a Secretaria Na-cional de Juventude ligada à Presidência da República. Contudo,além de consolidar, é preciso aprofundar a experiência e garantirque esteja previsto no marco legal da Política Nacional de Juventu-de todo um sistema que tenha como um dos principais pilares aparticipação da juventude.

Assim sendo, as conferências de juventude (nacional, estaduaise municipais) devem assumir caráter deliberativo para eleger dire-tamente a composição do Conselho de Juventude, empoderandoesse espaço de participação. A existência de um órgão de juventu-de na esfera do executivo deve ocupar um lugar de maior centrali-dade política no governo, de tal modo que reúna as condições polí-ticas necessárias para transpor a opressão geracional que tambémimpera nesses espaços de poder, viabilizando a articulação, coor-denação e a capacidade de políticas públicas de juventude. Por fim,é necessário pensar em mecanismos que incluam as novas geraçõesna representação política no parlamento (municipal, estadual e fe-deral). Somente assim, será possível avançar na inserção da juven-tude no processo de desenvolvimento da sociedade.

* Mauricio Botton Piccin – vice-presidente da UNE de 2005

a 2007 é secretário Estadual da Juventude do PT/RS

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Referências bibliográficas

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sília: IPEA, 2009.

DICK, Hilário. Discursos à beira dos Sinos: a emergência de novos valo-

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TÔ vendo uma esperança! Brasília, fev. 2010. Disponível em: http://

pagina13.org.br/?dl_name=Juventude/T_vendo_uma_esperana_-

_ENJPT_2010.pdf. Acessado em 10 de março de 2010.

Nota

1 Pesquisa realizada pelo Instituto da Cidadania no ano de 2004 com a

finalidade de realizar um diagnóstico da juventude brasileira e orientar a

construção das Políticas Públicas. Esta pesquisa foi chamada de “Projeto

Juventude”.

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Mauricio Botton Piccin é natural do município de Jaboticaba,interior do RS. Filho de agricultores, formou-se técnico em agrope-cuária na Escola Estadual Celeste Gobbato, na cidade de Palmeiradas Missões. Logo depois, ingressou no curso de medicina veteri-nária da Universidade Federal de Santa Maria, onde iniciou umaintensa participação no movimento estudantil.

Desde o início da graduação, participou ativamente do DiretórioAcadêmico da Medicina Veterinária realizando várias atividadespara refletir o papel do médico veterinário na sociedade. Logo de-pois, fez parte da direção da Casa do Estudante Universitário daUFSM. No ano de 2002, Mauricio foi um dos membros da Coorde-nação Nacional da Executiva Nacional dos Estudantes de Veteriná-ria tendo como papel a organização do movimento estudantil doseu curso em todo o país. Em 2003 assumiu a diretoria de extensãoUniversitária da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 2005,Mauricio foi candidato à presidência da UNE, sendo eleito vice-presidente da entidade, cargo que ocupou de 2005 a 2007. Nessaépoca, foi membro da Direção Nacional da Juventude do PT e par-ticipou da Coordenação Nacional da campanha de juventude naeleição do presidente Lula em 2006.

Ao voltar para o Rio Grande do Sul, Mauricio foi eleito secretá-rio estadual da Juventude do PT/RS, passando a ter uma participa-

Sobre o autore organizador

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ção maior na política partidária. Essa densa trajetória no movimen-to estudantil possibilitou participar de vários espaços de articula-ção e debate sobre os movimentos juvenis e suas lutas, em todo oBrasil. Participou das primeiras articulações de construção de umaPolítica Nacional de Juventude e acompanhou a criação, em mui-tos movimentos sociais e populares, da organização específica dejovens.

Na Juventude do PT do RS, já formado em medicina veterinária,Mauricio aprofundou suas reflexões sobre a juventude, acompa-nhou várias experiências de políticas públicas desenvolvidas naesfera federal e municipais e auxiliou na elaboração de diretrizespara os programas de governo das eleições de 2008 e na organiza-ção da política de juventude em algumas prefeituras municipais.

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