A História Constitucional e Governação Angolana

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A História Constitucional e Governação Angolana JOÃO PINTO* Generalidades e questões prévias A História Constitucional que aqui vamos abordar tem a ver com o sucedido com as opções que o Estado Revolucionário de 1975 criou no dia 11 de novembro, embora tenha sido precedido por acordos pré- -constitucionais ou de valor constitucional, como o Acordo de Alvor e os Acordos entre o Estado Português e os Movimentos de Libertação Nacional (FNLA, MPLA e UNITA). Poder-se-á admitir adicionalmente os Estatutos anteriores da Colónia de Angola, a Lei Orgânica do Ultra- mar e até mesmo as Constituições Portuguesas até 1974, anteriores à Revolução de Abril. * João Manuel Francisco, Licenciado em Direito – UnI-Lisboa, 1999/2000, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas – UAL, Lisboa. Estudos Avançados em Ciência Política – Universidade de Lisboa. Doutorando em fase de Tese pela Faculdade de Direito de Lisboa. Pós-Graduado em Estudos Coloniais e Pós-Coloniais – UnI-Lisboa. Pós-Graduação em Direito da Inclusão pela Universidade de Coimbra. Pós-Graduado em Direito Europeu – Uni-Lisboa. Foi Decano da Faculdade de Direito e Vice-Reitor da UnIA, durante dois mandatos desde da fundação até 2014. Professor de Direito Constitucional e Sistema Político na Faculdade de Ciências Sociais da UAN desde 2004. Foi Deputado à Assembleia Constituinte, 2009-2010, Membro efetivo da Comissão Constitucional e em segundo Mandato, 2012-2017, 4.º Vice-Presidente da Grupo Par- lamentar do MPLA.

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AHistóriaConstitucionaleGovernaçãoAngolana

joão Pinto*

Generalidades e questões prévias

AHistóriaConstitucional que aqui vamos abordar tema ver como sucedido com as opções que o Estado Revolucionário de 1975 criou nodia11denovembro,emboratenhasidoprecedidoporacordospré--constitucionaisoudevalorconstitucional,comooAcordodeAlvoreos Acordos entre o Estado Português e os Movimentos de Libertação Nacional(FNLA,MPLAeUNITA).Poder-se-áadmitiradicionalmenteosEstatutosanterioresdaColóniadeAngola,aLeiOrgânicadoUltra-mar e atémesmoasConstituiçõesPortuguesas até 1974, anteriores àRevoluçãodeAbril.

* JoãoManuelFrancisco,LicenciadoemDireito–UnI-Lisboa,1999/2000,MestreemCiênciasJurídico-Políticas–UAL,Lisboa.

EstudosAvançadosemCiênciaPolítica–UniversidadedeLisboa.DoutorandoemfasedeTesepelaFaculdadedeDireitodeLisboa.Pós-GraduadoemEstudosColoniaisePós-Coloniais–UnI-Lisboa.Pós-GraduaçãoemDireitodaInclusãopelaUniversidadedeCoimbra.Pós-GraduadoemDireitoEuropeu–Uni-Lisboa.FoiDecanodaFaculdadedeDireito

eVice-ReitordaUnIA,durantedoismandatosdesdedafundaçãoaté2014.ProfessordeDireitoConstitucionaleSistemaPolíticonaFaculdadedeCiênciasSociaisdaUANdesde2004.

FoiDeputadoàAssembleiaConstituinte,2009-2010,MembroefetivodaComissãoConstitucionaleemsegundoMandato,2012-2017,4.ºVice-PresidentedaGrupoPar-lamentardoMPLA.

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AquiabordaremosasquestõesdoEstadoAngolano,pós-independenteesemesquecerossubsídiosdoAcordodeAlvoreaLeiFundamentalqueserviudemodeloàLeiConstitucionalde1975.Éóbvioqueeramdocumentosprecáriosoutransitórios,monolíticosaté1992,pois,sóem2010,oPaíscriaumnovomodeloerefundaoEstadocomaaprovaçãodaConstituiçãodaRepública deAngola.Neste trabalhonãohaveráanálise sobre os conceitos jusconstitucionais, vamos simdescrever,narrareinterpretar.Pretende-seiràfonte,àsrazõesporviaindiretaouimplícita,queéaHistóriadoDireitoConstitucionalAngolano.AHis-tóriaConstitucionaléespecial,masnãoprescindeaHistóriadoDireito,daFilosofiadoDireitoedaHistória,daHistóriaPolítica,daSociologiaPolíticaedaCiênciaPolítica.

Teoricamente, encontramospensadores comoHegel, Kant, Karl Popper, August Comte, Maurice Duverger, Norberto Bobbio, Van Caenegem, Kelsen, Cabral de Moncada, Jorge Miranda e, entre nós, Adérito Correia e Bornito de Sousa, Raul Araújo, Carlos Feijó, Car-los Teixeira, França Van-Dúnem, etc., por pertencerem à geração dos mestresdoDireitoPúblicoAngolano.Estesautores refletiramsobreaproblemáticaemquestão.ChamamosautoresestrangeirosporrazõesdeDireitoeHistóriadaFilosofiacomparda,servindodemodeloteorético.Aqui,vamosanalisara sucessãonormativaquecriouoEstadoAngo-lano, reorganizouou refundou entre o períodode1975 a 2010.Aquifaz observação, descreve-se e pode comparar-sepor razões culturais,nãosenormatiza,nãoseajuíza,narra-senotempo,espaçoeterritório,sujeitossobreosfeitosaceitesounão.Parece-mequenocasodeAngolaaHistóriadoDireitoConstitucionalnãosedissociadoDireitoPúblicoporserasuafontedireta.

Sobre isto importa reter que os autores sobre a problemática jus-pública obriga falarmos indiferentementedoDireitoConstitucional edoDireitoPúblico, semprejuízodoAdministrativo,Fiscal, FinançasPúblicas,Penal,etc.1

1 Hásempredefalar-seemfontesformaiscomoasleisconstitucionais,derevisãoconstitucionaleaconstituiçãoeoutrosdiplomasrelativosaodireitopúblico,mormenteaorgânicadoexecutivo,legislativoejudicial.Masháfontesmateriais:aquelesquefazemos discursos de opção da política legislativa e os seus melhores intérpretes que ouvem oseuconstituinteecolocamnopapelparaserdiscutidopublicamente,unsremetem-seno silêncio, reservam-se, outros contestam,outros concordam, emendam,melhoram.Podemexistirfontesformais(órgãolegislativoespecífico),fontesmateriaisresultantesdas opções políticas e intelectuais ou morais que fazem acontecer tornar real ou fazer

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Historial da Constituição e Soberania Angolana

A História tem de incluir a narração de acontecimentos contingentes das épocas, dos povos e dos indivíduos – contingentes, em parte, segundo a sua sucessão temporal; em parte segundo o seu conteúdo.

Hegel(2006:26)2

AHistóriaconstitucionaléanarrativa,descriçãodasucessãonorma-tivajurídico-políticasobreaorganizaçãopolítica,materialouformaldoEstado,definindoosseusprincípiosfundamentais,asliberdadesegaran-tias dos cidadãos e a delimitação dos poderes dos órgãos de soberania doEstado,numdeterminadoterritório.SegundoMiranda(2003:25)3,ahistória constitucional pretende chegar às instituições através do estudo dasucessãonormativaconstitucionaledascorrespondentesvicissitudes.

KarlPopper(1957)4 considera que a visão segundo a qual o mundo é imutável,agarrando-seàconvicçãodequeépossívelpreveramudançaporque esta se regepor uma lei imutável, é umapobreza historicista,éestática,pois,os tempos, interesses,mudameosatores também,ouseja,omundoédinâmico,osvaloresmudamdesociedadeemsociedade. Éprecisoter-secautelacomoRessentimentonaHistória,segundoMarcFerro (2007), gerando conflitos entre seres ou instituições por razõesaxiológicas.AHistóriaéummarco,masnuncaéparaviveropassado,servede lembrançacomohumanos, asvitórias ederrotas,osheróis evilões é a vida dinâmica que deve fazer-se através da observação para reorganizarasociedadenavisãodeAugustoComte(1820).AquestãoafricanaedoEstadodeveiraoseupassadobuscaracoesão,memória,os

ofilhosairoudarvida,doabstratoaoconcreto.AsfontesformaissãopolíticascomoaAssembleiaNacionaleoPresidentedaRepública,asfontesmateriaissãomoraisouintelectuaisedãooimpulsoparaaquelesaprovarem,podendoserconstituídoporpolí-ticos,juristas,professores,escritores,filósofos,técnicosouintelectuaiscomvisãosobreasopçõesdapolítica legislativa, incluindoosdoutrinadoresouteóricosquefriamenteanalisamoucomparam,influenciandoaclassedirigente.

2 GeorgWilelmFridrich, in Introdução à História da Filosofia,Edições70.Estefilósofo do século xix foi revolucionário na sua análise dialética sobre os acontecimentos históricos e a providência ou espírito absoluto.Éo comandodahistória dos grandeshomens e das nações que leva à dinâmica dos estados e as suas contradições dinamizam o conhecimento,segundoadialéticahegelianaoulutadoscontráriosqueinfluenciouMarx…

3 Jorge,Manual de Direito Constitucional,TomoI,7.ªEdição,CoimbraEditora.4 A Pobreza do Historicismo, traduçãoportuguesade JoãoCarlosEspada,Caos

Editora,2007.

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feitosedefeitosparacriar-seumasociedadedepaz,democraciaejustiçasocial,casocontrárioéumrecuodesnecessário,éviolento,retrocesso,pobreza,discriminação.Importaumnovohomemeconsequentementeuma nova sociedade política que lembra para não cometer erros ou falhar deliberadamente,étorná-loconsóciodosseusdireitosedeveres.

Fala-sedaprimeiraconstituiçãodeumEstadoquandoelaadquireasoberaniaoualcançaasuaindependênciapolítica,senhoradoseudestinoque pode resultar de uma rutura ou descontinuidade entre o passado e o presente/futurooumerareformadecontinuidade.Aruturaimplicaumarevolução,consequênciadeumgolpedeEstadoeconsequenteafastamentocompulsivo da elite política do Estado e criação de um novo regime político,culturapolíticaou institucional, formanovo tipodeEstadoesujeitosliderantes.Areformapoderesultardepactosentreaselitesquegovernam,influenciandoosistemapolítico,alterandoadesignaçãodosistemadegoverno, cedência de poderesoupartilha,menosoumaisconcentração, avançandopara descentralizaçãooumaior autonomia,passagemdeumsistemasemipresidencialparapresidencialouvice-versa,reforçooudiminuiçãodepoderesdoparlamento,passagemdeEstadounitáriosimples,paraoEstadounitárioregionaloudescentralizado,deumregimemonolíticoparapluralista,etc.

Écomumaruturapolíticaqueosangolanosalcançaramasuasobera-nia,primeiroporrazõespolítico-militares(guerradelibertaçãonacionalde1961a1974),fragilizandoopoderportuguêsoucolonizador,comoconsequências das lutas seculares das autoridades africanas ou a resistên-cia colonial desde o século xv ao xx.Tudoistocontribuiuparaaquedadoregimecolonial,fragilizando-o,comaguerrilhaarmadacomandadapelosmovimentosnacionalistas.Estaguerradilacerouopoderluso,todasas famílias sentiram a fragilidade do regime colonial com os ataques de 1961,eaaprovaçãodaResoluçãosobreaautodeterminaçãodospovosdandoorigemàs independências do pós-SegundaGuerraMundial.Portugal sofre o seu maior golpe com o apoio aos Movimentos Nacio-nalistas (UPA/FNLA,MPLAe,posteriormente,UNITA).OsPartidosUPA/FNLAeUNITAtiveramgrandeapoiofeitopeloOcidente(EUA,França, Inglaterra e países nórdicos) e oMPLApeloOriente (URSS,Cuba,JugosláviaeChina).Éoresultadodaguerrafria,tendoosapoioscomo meio de combates ideológicos da época5.Tudoistovaiprecipitar-se

5 NãodevemosesqueceraobradeHenriKissinger,Anos de Renovação,pp.700ess,Gradiva,Lisboa.Esteautormostraaíasrazõesdosapoios,mastambémreconhece

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coma fragilidadedaeconomiadeguerra,envelhecimentodeOliveiraSalazar e a sua morte em 19706.OgolpedeEstadoacelerouasindepen-dências,forçandoanovaordempolíticaportuguesapós-golpeanegociarcomosmovimentosnacionalistasafricanos,comparticulardestaqueparaaFNLA,oMPLAeaUNITA,assinandooAcordodeAlvor,a19dejaneirode1975, prevendo a criaçãodeumGovernode transiçãoquedeveriaorganizara IndependênciaeaaprovaçãodaConstituição.Porisso, parece-meque este documentodeve servir de base para a nossaHistóriaConstitucionaleSoberania,afastandoaspolémicasecomple-xos de afirmação política ou valorando um e desprezando outro facto7. A Constituição aprovada pelo então Governo de transição como con-sequência doAcordodeAlvor, deve ser a primeiraConstituição (LeiFundamentalde30dejunhode1975)8natransiçãoparaaIndependência,juntamentecomoAcordodeAlvor.Maselanãofoiefetivada,executada,por não se ter organizado o poder político em coabitação por razões ideológicas e rivalidades entre movimentos independentes e subscritores daqueleAcordo.Foiassimque,comosconflitoseconquistadopoderentreosmovimentos,levouaoafastamentodosgruposquenãotinham

afragilidadeideológica,eramaisumatodedesconfiançadaépoca,eranecessárioopor--se aoperigo comunista por razõesdeprincípio, pois as práticas deMobutuSessekomanifestaramumaformadeinteresseestratégico.Oautomostraaindaasquestõesétni-casdequeosmovimentospadeciam.AFNLA,sendovistacomasbasesregionaisouétnicasaonortedeAngola(MuxikongoouBacongo),aUNITA,vistacomasbasesmaisnoPlanaltoCentraleSuldeAngola(UmbundosouOvimbundos)eoMPLAdebaseurbanaedaszonasCentroNorte(Ambundos,MestiçoseBrancos).Parece-mequeabaseétnicaresultavadasafinidadesregionaisouaproximidadeafetiva,maissubjetivaqueobjetiva;lutarparaoderrubedoregimecolonial.Nãomeparecequeaetnicidadetenhasidoapedradetoquedaluta,émaisasimpatiapessoalouconfiançatípicaporrazõesdesegurança.Pois,alutateveumapoiodosmaisostracizadosdoregimecolonial…

6 JuristaeProfessordeFinançasPúblicasdaUniversidadedeCoimbra,MinistrodasFinançasem1926eChefedoGovernoPortuguêsdesde1928/33a1968,apósderramecerebral,sendosubstituídopeloProfessorDoutorMarcelloCaetano,ilustrepublicista,eDoutordoDireitoPúblico,daFaculdadedeDireitodeLisboa,afastadocompulsivamentedopodercomogolpede25deAbrilde1974.

7 AHistórianãopode ser amputada,pois eladeve serdescrita comoela é.Casocontrário,estaremosadiminuiranossaidentidade.Nãoécorretoignorarestesfactos,deixamosde ser homensde ciência, para sermosmerosmilitantes desta oudaquelaideologia,perdendoaalmaquandoeladeixardesermoda.Devemosensinaroqueéjustoenãooqueconvém,sobpenadenegarmo-nosemcasodemudançaspolíticas…

8 EradesignadaporLeiFundamental,foipublicadanoBoletim Oficial,n.º150,de30dejunhode1975.

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muita aderência popular ou potencial estratégico e militar na época na capitaldoPaís,eéassimqueoMPLAproclamouaindependêncianodia 11 de novembro de 1975 e, consequentemente, apresentou umaLeiConstitucional, comumpendormais socialista, não admitindo ademocraciapluralista,mastendooMPLAcomoavanguardadopovoangolano,easFPLAcomoseubraçoarmado.

Lei fundamental de 1975 – Governo de transição para a indepen-dência

Diga-se de passagem que a Lei Constitucional de 1975 teve a sua fontenaLeiFundamentalde1975quantoaosprincípiosfundamentais,salvonasquestõesmaispolítico-ideológicas,masanacionalidade,limitesgeográficos, discriminação, igualdade, racismo, discriminação (artigos3.º,6.º,7.ºa9.º)daLeiFundamentalde1975,aprovadapeloColégioPresidencial9.ALeiFundamentalimpunhacomolimiteaosindivíduosque tenham nascido em Angola e que não queiram manter a nacionali-dade angolana que deviam declarar através de documento escrito a sua renúncia(artigo9.º/3)daquelaLeiFundamental.OsórgãosdeSoberaniaexistiam,ostransitórios(AssembleiaConstituinte,ColégioPresidenciale oAlto-Comissário), Presidente daRepública ePoder Judicial.AoAlto-Comissário,queeraorepresentantedoPresidentePortuguêsedoGoverno, cabia-lhedefender os interesses portugueses (artigos43.º a45.º)daLeiFundamentalde1975.OGovernodeTransiçãoeraoórgãoexecutivotripartidoentreosMovimentosdeLibertaçãoNacional,subs-critoresdoAcordodeAlvoredosrepresentantesdoEstadoPortuguês,sendopresididopeloColégioPresidencial (artigos 46.º a 58.º) daLeiFundamental10.AAssembleiaConstituinte era umórgão transitório,

9 O Colégio Presidencial era constituído por representantes dos três movimentos: MPLA,FNLAeUNITA(LopodoNascimento–MPLA,JoséN’Dele–UNITA,JohnnyPinockEduardo–FNLA).FoiaprovadopeloGovernodeTransição.

10 AoPresidentedaRepúblicaPortuguesacabiadesignarosMinistrosdaEconomia,ObrasPúblicas,Habitação eUrbanismoedosTransportes eComunicações; aFNLAcabia designar osMinistros do Interior, Saúde eAssuntosSociais e daAgricultura ebemcomooSecretáriodeEstadoparaaInformação,TrabalhoeSegurançaSocialedoComércioeTurismo;aoMPLA,MinistrosdaInformação,doPlaneamentoeFinançasedaJustiça,bemcomoosSecretáriosdeEstadoparaoInterior,TrabalhoeSegurançaSocialeparaaIndústriaeEnergia;àUNITA,MinistrosdoTrabalhoeSegurançaSocial,da Educação e Cultura e dos Recursos Naturais bem como os Secretários de Estado

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exerceria oPoderLegislativo, constituía oGoverno, elegeria oPresi-dentedaRepúblicaeaprovariaaConstituiçãodeAngola,vide o artigo 8.ºOPresidentedaRepúblicaseriaeleitoaté8denovembrode1975,iniciando as suas funções, depois de 11de novembro (artigos 80.º/be99.º),daLeiFundamental.OPresidentedaRepública seriaoórgãoque representaria a Nação e o defensor da soberania e guardiã da Lei Fundamental e das leis e constituiria oGoverno (artigo 106.º) daLeiFundamentalde1975.OGovernoeraoresultadodoAcordodeAlvor,ouseja,sóosPartidosqueoassinarampodiamparticipardoGoverno,vide alínea d)doartigo105.º,sendoosseusmembrosresponsáveisperanteoPresidente daRepública, cabendo-lhes as funções eminentementeexecutivasouregulamentaresdasfunçõesdoEstado.Afunçãojudicialcabiaaostribunais,reconhecendoaindependênciadosjuízes,defendoaindependênciaperanteosórgãosdesoberania(Governo,Assembleiae oPresidente daRepública), oSupremoTribunal de Justiça e pelostribunais(artigos111.ºa119.º)daLeiFundamental.Adivisãopolítico--administrativa era de descentralização com órgãos locais eleitos para órgãosregionaiselocais,sendooterritóriodivididoporProvíncias,estasemconcelhos, e estes emcomunasurbanos e comunas rurais (artigos126.ºa13.º),daLeiFundamental.

Primeira lei constitucional de 1975 – Pós-independência: sobera-nia unipartidária

Angola teve a primeira Constituição política efetiva com a procla-maçãoda Independência, em11denovembrode1975, aprovada em 10de novembro, nas vésperas da independência dopaís11, adotandocomoprincípio estruturante deorganizaçãodopoder político, do tipomonolítico,estaformadegovernosustentava-seno«MPLA,constituindoavanguardadaclasseoperáriaecabendo-lhe,comopartidomarxista--leninista,adireçãopolítica,económicaesocialdoEstadonosesforçosparaaconstruçãodasociedadesocialista»eraoconsignadonoartigo2.º

OsistemamonopartidárioencontraasuabasedeapoionoMPLA,eraopartidodoEstadoAngolano.

paraaInformação,edoSecretáriodeEstadodasPescas,videartigos51.ºa55.ºdaLeiFundamentalde1975.

11 Publicada no Diário da República,ISérie,n.º1.

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Órgãos de soberania e separação de poderes no regime socialista

A Lei Constitucional de 1975 não utilizava a expressão «órgãos de soberania»,pois,comojáacimadissemos,asoberaniaeradopovo,mascabiaaoMPLA,Partido-Estado,representá-lo,videartigo2.ºAsociedadenãosediferenciavadoEstado,eraumarepresentaçãoforçada,eraarazãodefalar-sedeórgãosdeEstadoquedeveentender-secomodesoberania,PresidentedaRepública,AssembleiadoPovo(substituídapeloConselhodaRevolução),oGovernoeosTribunaisqueadministravamajustiçaemnomedoPovo,videartigos31.ºa44.ºdaLeiConstitucionalde1975.

O Conselho da Revolução resultava da falta de estabilidade do Estado em todoo território,vide o artigo35.º daquele diploma fundamental. OPresidentedaRepúblicaeraporinerênciaoPresidentedoMPLAeoPresidentedoConselhodaRevolução.

ÉcuriosonotarqueoChefedoGovernoepresidentedoConselhodeMinistrosnãoeraoPresidentedaRepública,doMPLAedoConselhodaRevolução,erasimoPrimeiro-Ministro(artigo39.º).VaiserdepoisdarevisãorealizadacomaLein.º71/76,de11denovembro12.OPRedoMPLApassouaseroChefedoGoverno,presidindooConselhodeMinistrosefazendopartedele,vide alínea a)doartigo1.ºeartigo6.ºdareferidaLeideRevisão.

AAssembleiadoPovo,comoórgãolegislativo,nãoestavainstituídaaté1980,cabendoaoConselhodaRevoluçãoaquelafunçãolegislativa.

Separação de poderes

Nãohavia claramente uma separaçãodepoderes, e o governo erado tipo presidencialista de herança soviética.NaLeiConstitucionalrevistaconsagravaaAssembleiadoPovo,comoórgãosupremo,órgãolegislativo(art.34.º)(instituídaem1980,revisãode11deagosto,comaextinçãodoConselhodaRevolução);oConselhodaRevolução(eraumórgãoprovisórioatéàcriaçãoefetivadaAssembleiadoPovo,art.35.º,fazendoavezdafunçãolegislativaemconjuntocomoGoverno,[art.38.º,b)]eoGoverno(art.40.º).

12 Publicada no Diário da República,ISérie,n.º266,de11denovembrode1976.

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Concentração de poderes e democracia monopartidária ou formal

A Constituição de 1975 tinha uma forma de governo monocrática (poderconcentradoemapenasumórgãooupessoa),dotipopresiden-cialistasocialista,maspreviamecanismosdemocráticosparaaeleiçãodecertosórgãos.Éóbvioqueeraumademocraciapopularformal,porquetudodependiadocentralismodemocrático;inquinandoassimqualquertentativa de debate plural de ideia que carateriza as sociedades abertas: debate de ideias sem que para tal seja censurado ou retalhado por ter posiçõesdiferentesdamaioria(nãoéabsoluto),existênciadediversospartidosparaumprojetodesociedade, independentementedasopçõespolíticas;existênciadetribunaiscomoórgãosdesoberaniacomcompe-tênciadefiscalizaçãodosatosdeoutrosórgãos.

Em1975,estava-seperanteumEstado«democrático»aindaquecomconcentraçãodepoderes,enãodeDireito,nãosendorespeitadatodaequalquerminorianemgarantidaaliberdadedeopçãopolítica,oqueveiodepoisaserconcretizadocomoprincípiodocentralismodemocrático,consignadocomarevisãoConstitucionalde1980,nosartigos31.ºe32.º,alíneas b) ed), eno artigo32.º, quedizia: (b)«asdeterminaçõesdosórgãossuperioressãodecumprimentoobrigatórioparaosinferiores»;(d)«emtodososórgãoscolegiaisvigoraaliberdadedediscussão,oexer-cíciodacríticaedaautocríticaeasubordinaçãodaminoriaàmaioria».Estademocraciaéclaramenteformal,porquereconhecequeasoberaniaemanadopovoangolano,cabendoàsuarepresentatividadeoMPLA-PT,queconstituíaavanguardaorganizadadaclasseoperáriaecabendo-lhe,comopartidomarxista-leninista,adireçãopolíticaparaaconstruçãodeumasociedadesemclasses.Eraoespíritodopreceituadonoartigo2.º

Estávamos perante uma sociedade que em termos formais reconhecia aparticipaçãopopular,mascondicionadanobraçopolíticodoMPLA-PT,como partido da dianteira ou da vanguarda na realização de uma socie-dadesemclasses,ondeademocraciapressupõesempreaparticipaçãopopular, até porqueo seu étimogrego (Demos: Povo,Kratos: Poder)dá-nosaideiadepoderdopovo;osmecanismosdaparticipação13 é que eramobstruídospelocentralismodemocráticoparadoxalmente.Masdevereconhecer-sequeexistiaumaparticipaçãodopovonavidadasociedade,que era uma representação por via do partido com a superstrutura do

13 VideaLeidoPoderPopularn.º1/76.Estediplomapreviaumaparticipaçãopopularemtodasasaçõesdosórgãoslocais,publicadanoDiário da República,n.º29,ISérie.

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Estado;aí,sim,achoqueademocraciadotipoocidentalepluralistanãoexistia e não existiam garantias judiciais porque os magistrados eram subalternos por via do centralismo democrático ainda que a lei dissesse queosmagistradoseramindependentesesódeviamobediênciaàLei.Nãosepodiacontrolarosatosdopartidooudosmembros,podendoseracusadodecontrarrevolucionário.

Relações de poderes – Presidente da República e Governo – Primeiro-ministro

A figura de Primeiro-Ministro aparece como um colaborador «almo-fada»doPRedoPartidodavanguarda,parecendo-nosqueeranomeadodiscricionariamente,dentreosmilitantesoucolaboradoresdeconfiança,porqueoartigo32.º-Cfalava-nosemnomeaçãoeexoneraçãodoPM,edosrestantesmembrosdoGoverno;portanto,édeconcluirqueoPMnãoeraotitulardeumórgãodesoberania,Governo,depoisdarevisãode 1976, acima referida, era sim, quandonomeado, ummembrodogovernoenãotinhacompetênciaspróprias,masdelegadas(art.43.º/2).Salvo em situações de supervisão e acompanhamento das atividades dos comissáriosprovinciais(art.56.º/1).

Poder judiciário

NaLeiConstitucional de 1975, a funçãodos tribunais era tratadaemapenasdoisartigos(44.ºe45.º),nãoeramvistoscomoverdadeirosórgãosautónomosporrazõesdenaturezadopróprioregime.

Enaconstituiçãorevistaealteradaem1978,poraclamaçãopeloComitéCentraldoMPLA-PartidodoTrabalho,aos7dejaneirode1978,nãosefalados tribunaiscomoÓrgãosdoEstado,muitomenoscomoórgãosdesoberania,nocapítuloV(art.49.º/1)diz:«NaRepúblicaPopulardeAngola a justiça é administrada em nome do povo pelo Tribunal Supremo Popularepelosdemaistribunaisinstituídosporlei.»

Ocontroloda legalidadecabia àProcuradoria-GeraldaRepública,que chegava ao ponto de velar pelo estrito cumprimento da legalidade edemaisdisposições legaisporpartedosorganismosdoEstado,enti-dadeseconómicase sociaisepeloscidadãos.Eraoestatuídonon.º1doartigo52.º

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Revisão da Lei Constitucional em 1980 – os avanços e recuos nos poderes do Estado

ComasegundarevisãoConstitucional,ocorridaem11deagostode1980,hádecertamaneiraoprolongamentopolíticodaprimeira,nomea-damentepelaextinçãodoConselhodaRevolução,jáanteriormentedealgumasdassuascompetênciasdedireçãopolítica.

Todavia,enquantoaprimeirarevisãorevelaumpendormarcadamentepresidencialista,asegundaacentua-senosentidodainstituiçãodeumaformadeestadodeopçãosocialistabemdemarcado,pondoatónicanosórgãosdopoderdeEstado-AssembleiadoPovo,ComissãoPermanentedaAssembleiadoPovoeAssembleiasPopulares.

Emtermosgerais,asegundarevisãoinstituiaAPcomoórgãosupremodopoderdeEstado(art.37.º)epresididapeloPR;suprimeafiguradePM(art.53.º/d),porexclusão,comocolaboradordiretodoPR;instituieclarificaoprincípiodocentralismodemocrático(arts.31.ºe32.º).

As reformas políticas e identidade do modelo democrático com-parado

Comovimos, existemvárias formas deGovernos, tomando emcontaosinteressesporproteger,asMonarquiasEuropeiasnãopermitemsucessãoao tronodequalquersúbdito,mesmopropagando-sea igual-dadenostermosdoartigo1.ºdaDUDH.NasRepúblicasencontramosformas de Governo Parlamentar onde o PM ou «Chanceler» é nomeado tomando em conta os resultados eleitorais ou eleito pelos Deputados eleitospelopovo,dágrandelegitimidadeaoChancelercomoacontecenaAlemanha e oPresidente federal tambémeleito peloParlamento.QuernasRepúblicasFederaisouunitáriaseregionaisexistemmodelosdiversificados de formas de governação e de eleição e até de sistemas de partidos(bipartidáriosoumultipartidários),sistemaseleitoraisdemaioriasimplesoumaioritário,proporcionalcomresultadosdeinflacionamentodospartidosoudeflacionandodosmesmos.

As democracias que utilizam o sistema eleitoral maioritários simples sãoconsideradosgovernosunipartidários,maspluralistas,emboraquasesempre os gabinetes sejamdo partido vencedor,mesmoquandoos

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resultadosnãoabsolutos,segundoArend Lijphart(1999:27)14,quandoarepresentaçãoproporcionalconsideradadeconsensual,porrepresentarmelhoradiversidadedasociedade,numestudoaturadoentreosgovernosconservadoresde1951a1964,de1970a1974eaolongodoperíodoentre1979e1997e trabalhistasde1945a1951, de1964a1970, de1974a1979,de1997a2010easurpresaeleitoralde2010queforçouos conservadores a coligarem-se comos liberais, por ter obrigadoostrabalhistasadeixaremopoder,dandoorigemàalternânciapolíticaanó-malaoucoligaçãobipartidáriadeliberaiscomconservadores,levandoaquestão se o sistema maioritário não estar a ceder a sua tendência para a bipolarização ou se vai reduzir a força de um partido ou se a coligação vai resistir ao mandato? Lijphart levanta a questão socioeconómica como sendoagrandediferençaentreconservadoresetrabalhistas,comacrisedoEstadoSocialeasexigênciasdaUniãoEuropeia,parece-mequeasbarreirasserão ténues.Mas,em1997,oPrimeiro-MinistroTonyBlairdefendeuquefaria reformasnosentidodecorrigirosistemaeleitoral,passandodomaioritárioparaodeRepresentaçãoProporcional.Talpro-messa foi parcialmente cumprida com a eleição para os deputados ao ParlamentoEuropeuem1999,masnãoparaaseleiçõesparlamentares,embora haja conveniências políticas dos dois maiores partidos mais beneficiados,segundoWilson(1997:72)15.

Ouseja,todosossistemaspolíticospodemtercontradições,masemtodaselasháumaidentidadeouhistória,razãodeserdascoisas,tradiçãoouculturaresultantedosvaloresquediferemdesociedadeemsociedade,masatéhojereconhece-seaeficáciadademocraciainglesa,mesmocomas suas contradições é a democracia mais antiga e o modelo mais estável dosúltimostrezentosanosdesde1689oudaRevoluçãoGloriosa.Éaidentidade inglesa.Há aindaomodelo americanodeumademocracialiberalecomumPresidenteChefedoExecutivounipessoal,tendoape-nas Secretários que são seus colaboradores e um Vice-Presidente eleito com o Presidente e que preside o Senado que é a Câmara Alta do Poder Legislativo,tendodireitoavotoemcasodeempateepodesubstituiroPresidenteemcasodeimpedimentodaquele.Coisaqueseriaimpensá-velnaEuropa,pelofactodehavernítidaseparaçãoentreolegislativoeoexecutivo;assimcomoparaosamericanosumChefedeEstadonão

14 Modelos de Democracia – Desempenho e Padrões de Governo em 36 Países,EdiçãoBrasileiradaCivilizaçãoBrasileira,2008,RiodeJaneiro,Brasil.

15 ApudLijphart,ob. cit.,p.33.

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eleito eque sejahereditário é contra a sua éticaouprocederpolítico. Éistoqueservedemodelodedemocracias.

AÍndia,comassuascastas,temumademocraciaorientalexemplare estável, comumexecutivodinâmico,mas comumadiscriminaçãoculturalentreHinduseMuçulmanos,nãodeixandodeterasuaidenti-dadepolíticaqueomundoadmira.OBrasildeSarney,CardosoeLulada Silva e agora de Dilma mostra uma pujança respeitável no combate àpobreza, tecnologias, racismo, proteção do ambiente que omundoreconhece,tendoasuaparticularidadecarnavalescaefutebolísticacomosuaidentidade.AArgentinadePerón,Menemeda«dinastiaKitchner»mostra uma pujança económica e intelectual que é uma referência de cooperaçãointernacionalederecuperaçãoindustrialefinanceira.

AChina de várias culturas, economias emodelos democráticosmonolíticosepluralistas, jáéasegundaeconomia,arruinandoavisãodeFukuyamaeHuantington,segundaaqualsónasdemocraciasliberaispodehaveralternância,desenvolvimentoeestabilidade.

NãoháverdadesabsolutasemquestõesdeHistóriaConstitucional,hávaloresquediferemeinfluenciamasconstituiçõesouregimes,sejamdemocráticosbipartidários,multipartidários,autoritáriosoumonoparti-dários,éaopçãodospovos,emboraaextravagânciapossagerarpânico,maspodeobrigar uma reflexãoparamelhor compreensãodosoutros,olhando-oscomosãoenãocomoqueremos.

O direito é resultado dos valores de um povo num determinado ter-ritórioequeaceitam,ounão,osseuslíderes,éistoqueéasoberaniaeestesprotegê-los.

Todos os povos ou Estados criam os seus regimes tomando em conta asuamaneiradeestaresentir,asuahistória, línguas,arte,filosofiaedireitoou,melhor,asua identidade.Nomundoaindaqueglobalizadoondeainformaçãoéavassaladoratodosaceitamourecebemamúsica,agastronomia,atecnologiaeasexperiênciaspolíticas,históricasoufilo-sóficasmasaidentidadeéfundamentalcomo,porexemplo,osfrancesese portugueses designam o seu Chefe de Governo por PM e os espanhóis dePresidentedoConselho,osAlemãeseAustríacosdeChanceler.

Sistemas políticos ou de governos e reforma constitucional

A revisão Constitucional teve sempre em conta os valores estatuídos naLeiConstitucional23/92,de16desetembro,mormentenosartigos158.ºe159.º,todosdaLeiFundamental.

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Levantava-se a questão de saber se o figurino constitucional político dosistemadegovernodeviamanter-seaomodelode1992ouromper-se,seumPresidencialismopuro,fracooumitigado.RaulAraújolevantoutal questão nas suas obras sobre o Sistema de Governos e o Presidente daRepública16.OProfessorFrança Van-Dúnem (2002)17 levantava questões sobre a forma republicana do governo como um dos limites de revisão Constitucional que não constava da Lei Constitucional de 1992.Paranós,eraumaquestãodeclarificaçãodosistemadegovernoe nãodo sistemapolítico, os avançosou recuosnão eram relevantes,oimportanteseriamanterademocraciapluralista,masquantoaosato-res políticos o importante era não desvirtuar o sistema democrático e pluralista18.

Anteprojeto de constituição da primeira legislatura, 1992/2008

Parece-nos que o Anteprojeto apresentado em 2004 inovara em muitas matérias como a valorização do costume secundum legem, lín-guaangolanaequiparadacomaportuguesa,Capital;sobreosDireitos,LiberdadeseGarantiasFundamentais;DireitoseDeveresEconómicos,SociaiseCulturais;PoderLocal19;InstituiçõesdoPoderTradicional,aGarantiaeControlodaConstitucionalidade.Consideramosumaousadianestas matérias e clarificou-se muito bem o essencial sobre os limites do Estado em relação aos administrados ou cidadãos20.Masnão foi

16 Vide O Presidente da República no Sistema Político de Angola,CasadasIdeias,2009,Luanda.

17 EdiçãodoSenadoBrasileiro sobre asConstituiçõesdaCPLP, organizadapeloProfessorFernandoMourão,2002,Brasília,Brasil.

18 JoãoPinho,Direito Administrativo Angolano,UnIAEditoraPublicaçõesUni-versitária,Luanda.

19 SeguindoadoutrinadeVirgíliodeFontesPereira,inO Poder Local: Da Imprecisão Conceptual à Certeza da sua Evolução Em Angola – Contributos para a Hipótese de Um Modelo –DissertaçãodeMestrado,FaculdadedeDireitodeLisboa,UniversidadedeLisboa,1997.

20 OAnteprojetodeConstituiçãodaRepúblicadeAngola,aprovadopelaComissãoConstitucional,videLein.º1/98,de20defevereiro,artigo2.ºOpoderconstituinteéomaiorpoderdaAssembleiaNacional,paragarantirareformadomodelodegovernação,atendendosempreoslimitesformaisemateriaisderevisãoConstitucional.EstaComissãoaprovoueapresentouumAnteprojetodeConstituiçãoaopúblicoangolanoatravésdoJornal de Angola em2004.Depoisda retiradadosPartidosPolíticosdaOposiçãonaComissãojáreferida,elafoiextintaatravésdaLein.º12/04,de17dedezembro.DR,n.º101,ISérie.

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concluído por divergências políticas entre os Partidos Políticos naquela legislatura,tendosidoextintaaquelaComissãoConstitucionalnofinalde2004,porretiradadaComissãodosPartidosdaoposição,porteremtidoumaestratégiadeexigireleiçõesgerais.Emboraexistisseconflitossobreasautarquiaslocaisegovernoslocais.

Discutia-setambémasrelaçõesentreoPoderExecutivoeLegislativo.Poisa legitimidadedosdoisórgãosédemocráticae,como tal,direta,implicandomaior legitimidadepolítica.Comocabe aosdois a funçãopolítica e como tal primária em relação à administração ou executivo deveria haver maior clarificação naquilo que se pode chamar de órgãos de soberania21, quanto aomodode eleição clássicaque seprevia.AoPRcompeteconduziraNação,representa-lainternaeexternamente,porissonãochocaseroChefedeGoverno,típicodosregimespresidenciaisedemocráticos.Mascabe-lhe tambémàassunçãodaresponsabilidadepolíticadaconduçãodoGoverno.Masparaevitar-seconflitosfuturosdevem criar-se mecanismos que possam garantir a estabilidade política esocialdeAngola.Aexperiênciafrancesatemmostradoqueépossíveltalequilíbriocomacoabitação,emcasodemaioriaparlamentardiferentedadoChefedeEstado,videartigo8.ºdaConstituiçãoFrancesade1946.E mesmo que assim não fosse importa sim atender as relações de equilí-brioentreoChefedeEstadoeoParlamento,poisafunçãoexecutivaésubordinadaàfunçãopolíticaelegislativa.Nota-sequehaviaumreforçoouclarificaçãodospoderesdoChefedeEstado,própriodas reformaspolíticas onde a Assembleia Constituinte é normalmente influenciada pela práxis das elites governantes ou por figuras de autoridade excecio-naisoucarismáticas,comoaconteceunaFrançadeCharleDeGaulle22.Nasrelaçõespolíticasosubjetivismoéconstante,ecomoconsequênciaé o temor reverencial àqueles que sempre influenciaram a vida política partidáriaoudoEstado,parece-meserumaquestãodeculturapolíticaque só é fácil romper com a mudança de gerações ou descontinuidade

21 EstamosemposiçãorelativamenteopostaaoconsignadonoAcórdão17/98,poisreconhecemosqueoPresidentedaRepúblicaéoChefedoGovernoporinerênciasdefunções(políticas),sendooPresidentedoConselhodeMinistros,poisnãoémembrodoGovernonoseusentidorestrito,seriaumacontradição,confusãojurídica,serepresentatodosos angolanospodeomais, aquela função (administrativa) é secundária face àsfunçõesdoPresidentedaRepública(primárias).

22 EsteGeneralHeróidaSegundaGuerraMundialliderouaFrançalivreecomandouaevasãodalémdocanalparaFrança.EramuitocarismáticoenacenapolíticaeuropeiacriouosistemadacadeiravaziaquandosetratassedaadesãodaInglaterraàCE.

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política.Agrandequestãonãoestánas funçõesdeChefedeEstadoedoGoverno,parece-nosénaresponsabilidadepolíticaentreossujeitosdaaçãopolíticadoEstadoeasuainterdependência.

AHistóriatemmostradoqueosequilíbrioscriamconsensos,masanossa práxis política tende sempre para o reforço dos poderes do Chefe deEstado.Foiassimem1975e1976,asupressãodafiguradoPrimeiro--Ministro em 1980 e a reabilitação da figura nos anos noventa até ao presentemomento, como reforçodoAcórdão17/1998, doTribunalSupremonasvestes deTribunalConstitucional.A identidadepolíticaresultadanossapráxisenãocomoatoacidental.

Reforma constitucional e clarificação do sistema político e direi-tos fundamentais

A reforma constitucional foi um imperativo da Lei Constitucional de 1992,queeraumdocumentoprecário,transitório,videartigo14.ºdaquelaLeideRevisãoConstitucional23/92,ecompoucasgarantiasnoâmbitodadefesadosDireitos,LiberdadeseGarantiasdosCidadãos;fragilidadesquantoàsgarantiasdaConstitucionalidade.ALeiConstitucional23/92foiaprovadaporumaAssembleiaMonopartidária,aindaquetenhasidosufragadaem1992,elacaducoucomaexistênciadeumanovaAssem-bleia,saídadaseleiçõesgeraisde29e30desetembrode1992,eraumdocumento que remetia para a nova Assembleia todos os atos necessários paraaaprovaçãodanovaConstituição,videon.º3doartigo154.ºdoreferidodiploma,queadmitiaaprovaçãoourevisãoConstitucionalatodootempo,admitindoflexibilidadeenãorigidez,típicadasConstituições,aprovadascommaissolenidade,pluralidadeediscussão.

Constituição de 2010 e a nova ordem política

ComaaprovaçãodaConstituiçãode2010,oEstadoAngolanoreforçouademocraciaeclarificouosistemadegoverno,delimitouasoberaniadoEstado, definiu osDireitos,Liberdades eGarantiasFundamentaisdosCidadãos, bemcomo impôsos limites dosórgãosde soberania eorespeitopelaConstituiçãocomoimperativodeumanovaera;cria-seumanovaéticadoEstado;novaRepúblicaouregimeconstitucionalqueformalmenteéoprimeiropodersoberanodosEstadosmodernos.

AConstituiçãode2010 abriuumprecedentehistórico, o de saberqual é a data da Constituição? De 21 de janeiro de 2010 ou 30 de janeiro

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como consequência do Acórdão do Tribunal Constitucional? Ou de 3 de fevereiro?

ArespostaéqueoPoderConstituinteoriginárioouderivadoéúnico,édomomentodaaprovaçãodaConstituição,porissoéquenemoPresi-dentedaRepúblicapoderecusar-seempromulgá-la,segundoon.º2doartigo234.ºdaCRA23.Apromulgaçãoéumprocedimentoobrigatório,não é possível recusar-se, vetar politicamente, por isso é que éPoderConstituinte,éo fundaourefundaoEstado,decretaumanovaordemsocial,económica,social,culturalepolítica.

As datas de 30 de janeiro e de 3 de fevereiro de 2010 são resultado da continuidadede21dejaneiro,semelanãohaveriaConstituição,assimcomo sem as eleições de 2008 não seria possível legitimar a autoridade doEstadopararompercomumatradiçãoanterior.

AHistóriaConstitucionalAngolanavai servir demodelo sobre aHistóriadasreformaspolíticasnoContinenteAfricano,poisrompecomo paradigma clássico dos sistemas de governo de sociedades democráticas epluralistas,comoModeloPresidencialista-Parlamentar,ondeoChefedoExecutivoetambémoPresidentedaRepública,mascomoconsequên-cia de ser o Cabeça de Lista do Partido ou coligação de Partidos com a maioriaParlamentar.Estemodelodegovernaçãoconstitucionalrompecom a tradição constitucional de separar a eleição do Chefe de Estado nasRepúblicascomaseleiçõesparlamentares,legitimandooChefedoExecutivo oupor via damaioriaParlamentar (Presidente doPartido,SecretárioGeraldoPartidooudacoligaçãocommaisvoto)outambémumPresidentedaRepúblicaqueéChefedoExecutivo,maseleitoemeleiçõesdiferentesouseparadasdaslegislativas.

Omodelo constitucional angolano criou, fundouou refundouumanovaordemconstitucional,comoaconteceucomasConstituiçõesAle-mãs de Weimarde1933,aQuintaRepúblicaFrancesade1958/62eaPortuguesade1976.

Nos modelos ocidentais e orientais as opções foram resultado das suasopçõesoudaquelesqueforamderrotadosnumabatalha,revoluçãoou reforma institucional foi feita uma opção jusconstitucional de rutura oude continuidade (Itália, Japão eAlemanhanopós-SegundaGuerraMundial) e as reformas noLeste (URSS ePolónia,Checoslováquia,Hungria,Letónia,Lituânia eRoménia) quepara alguns era o fimdaHistóriacomoFukuyama.

23 N.º5doartigo158.ºdaLeiConstitucionalde1992.

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A diferença entre todos os regimes é que em Angola houve uma guerra civilefoiopalcodaguerrafria,masasreformastriunfaramquandoaíosregimesforamderrubadosporinfluênciaamericanaeeuropeia;aquioregimetransigiueintransigiu,fazendocomqueopaísperiféricoemsegurança passasse para parceiro e de primeira linha no Continente e naRegião.Organizouaseleiçõesde1992quefracassarampor razõesconhecidasdetodosequesóem2008superoutaltrauma.

Comopós-conflito,reforçouosentimentodeliberdade,segurança,unidadenacional,desenvolvimentocompontes,escolas,hospitais,reforçouosdireitos, liberdadesegarantias fundamentais;alargoue tipificouosdireitoseconómicos,sociaiseculturaisdoscidadãosqueatéaquifoiumsaltoparaorespeitopelacidadania.Mastalnãoseriapossívelsemumsistemapolíticodegovernoqueatendesseaopercursohistórico,àsuarealidadeouidentidadenacional.Esteéofundamentodarazãopolítico--constitucionaldasopçõesde2010.Aopçãoassentanaverdadehistórica.Vamos imitar quem? Seremos iguais em quê? Somos o que somos por razões de todos aqueles que sempre nos fizeram ser o que somos aqui e ali.Importasimvigiar-separadefesadointeressegeralaquiondeesti-vermos,corrigir-seoserroseexaltaroméritodoscidadãoseproteger--seosmaisnecessitadoscomorazãomáximadoEstado.Promoçãodaeducação,urbanismo,saneamento,habitação, investigação tecnológicaecientíficaparaumasociedadedemocrática,críticaeresponsávelsobreosseusdireitosedeveresdecidadania.

AHistóriaéumaaçãohumana,anaturezaéobservadaporsi,porissocabeaoshomensresponderempelassuasaçõesouomissões.Apolíticaéparaoshomensemulheresquetêmconsciênciadesi,oserrosfazempartedestepercurso,cabe-oscorrigi-losquandotiveremoportunidade,massóquandoconheceremondesaíram,ondeestãoeparaondevão!Quemnão sabe isto está perdido e seguindo-o ou tropeças para o abismo onde jáestivesteetentastefugirousofresasangústiasdeterpodidomanter,melhorandoascoisas,éloucuranãosaberisto.ImportaaHistóriaparalembrarenãoparavingar-se,poisestacega…

Angola ao adaptar as reformas políticas procurou adequar a práxis constitucionalàrealidadehistóricadoPaís,criouummodeloqueservirádereflexãoacadémica,poisnãoseguiuapenasosparadigmasexisten-tes, readaptouosistemadegovernode legitimaçãodemocráticaà suaexperiência de consenso político que a maioria parlamentar que governa oPaísoptoucomoénormalnasopçõespolíticase legislativas, temavercomconveniência.Oqueserámelhor?Éoquevivemos?Oescrito?

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O praticado? Vamos inovar? Onde e como? Só é democrata quem sabe respeitar a vontade soberana de quem foi eleito e sabe o que quer! Éumademocraciapluralista,masaprova-seoqueconvémeseacreditaquegaranteestabilidadeéumaquestãodeopçãopolítica.

Para a ciência do Direito importa saber que tais procedimentos são aceitesemqualquerdemocracia,seasleispermitem,seodireitocom-parado tem situações idênticas ou é umanovaordem.Édisto que setratou.AHistóriaConstitucionalpodedescreverounarrar,nãodizqualéomelhordireito!Ehaveráodireitoperfeito?Esteéonossodireito,deveserestudadoecompreendido,seraplicadoerespeitadoportodososórgãosemelhoraroqueseacharoportunoouporimposiçãomoral.

AHistórianãoéumrecuo,nãoéviveropassadoeumadescriçãopara que tenha consciência do percurso e não se cometerem os erros de umageração.AHistórianãoéumjulgamento, istocabeaos tribunaissobreosfactossucedidosnotempo,espaçoesujeitos.Aquidescrevemosoqueaconteceu,paraqueofuturosejapreparadocomcautela.

A Constituição Angolana de 2010 e o sistema de governo compa-rados: África do Sul e Estados Unidos da América

Por isso, vos espanteis de ver uma nação que mal abriu os olhos e já se volta para a constituição da Inglaterra, querendo segui-la como modelo de tudo. Seria desejável, neste momento, que um bom escritor de nos esclarecer relativamente às duas perguntas seguintes: a constituição britânica é boa em si mesma? E, mesmo que fosse boa, poderia convir à França?

Seyes, In o que é o Terceiro Estado?,§724

A reflexão sobre a «Identidade do Sistema de Governo Angolano» resulta do exercício do poder político resultante do Sistema de Governo instituído formalmente coma aprovaçãodaConstituição de 2010.Procuramos comparar com os Sistemas de Governo existentes clássi-

24 TraduçãodeTeresaMendes,CírculodeLeitores,2009.NocalordaRevoluçãoFrancesaéumacríticaàMontesquieueLocke.Oautorpretendiadizerquecadasocie-dade temas instituições juspolíticas atendendo à suaHistóriaPolítica ou identidade.Normalmente, os sistemaspolíticos africanos seguemas potências coloniais, raras asvezesinovam,copiam-seinstituiçõesquegeramfraturasocialoupolítica,atendendoomodeloexógeno.OSistemadeGovernoAngolanoéespecífico,inovadorousui generis no sentido de não existir um que seja tout court igual ao Angolano…

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cos,comoosdoEUA,Brasile,narealidadeafricana,sul-africano,parasabermoscomoélegitimadooPresidentedaRepública,oexercíciodopoderexecutivo,arelaçãocomoParlamentoouolegislativoeojudi-cial, comopoderes,buscandocompreenderasespecificidadesdecadaumdosmodelos,naóticaShugart et Duverger.Éumestudosobreasnormas constitucionais e o exercício de poder numa análise comparada quenãoignoraaHistória,FilosofiaPolítica,TeoriaeCiênciaPolítica.

A separação e interdependência de poderes é uma luta antiga e vem de todas as civilizações segundo Fleiner-Gerster25,desdemuitocedo,opoderdomonarcaougovernanteeravistocomoalgosagrado,simbo-lizandoaforçaeleidoEstado.FoiAristóteles que no período clássico defendeuanecessidadedetrêspoderes,odeliberativooudaassembleia,executivo constituído por magistrados e o judiciário para dirimir os conflitosparticularesresultantedoscontratos.

O debate sobre a separação de poderes foi defendido por Locke e Montesquieunoperíodomoderno,designadodeSéculodasLuzes,defen-dendoanecessidadede limitaçãodospoderesdoRei,porviadeumaleiquedeviaobediência,estacorrentechamou-se«constitucionalista»ou«liberalismopolítico».Noentanto,Aristótelesjádefenderaopoderdeliberativo,executivoejudiciário,noseuTratadodaPolítica.

EmAngola,odebatesobreaseparaçãodepoderesvemdaSegundaRepública(1991/92)oucomasreformaspós-revoluçãode1975-1991,dando origem ao multipartidarismo concretizado na Lei Constitucional n.º23/92,de16desetembro,noentanto,osórgãosdesoberaniaeramoPresidentedaRepública,AssembleiaNacionaleosTribunais.

ComaaprovaçãodaConstituiçãode2010,consagraram-seosseguintesórgãosdesoberaniaoudepoder:oPresidentedaRepúblicaeTitulardoPoderExecutivo, eleito comocabeçade lista dopartidomaisvotado;AssembleiaNacionalunicameralcomduzentosevintedeputados,repre-sentando os círculos provinciais(cincodeputados paracadaProvíncia)ecírculonacionalcomcentoe trintadeputados;osTribunais locaisesuperioresoude jurisdiçãonacional(Constitucional,Supremo,ContaseSupremoTribunalMilitar).

No Sistema de Governo Angolano a responsabilidade política do Presidente daRepública é limitada, só excecionalmente emcaso detraiçãoàpátria,subornoeofensaaoestadodeDireitocomadestituiçãodo Presidente depois de um processo iniciado por 1/3 dos deputados

25 Thomas,Teoria Geral do Estado,§27.º

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em efetividade de funções e a sua aprovação por 2/3 dos deputados em efetividadedefunções.Noentanto,sóédestituíveloPresidentedaRepú-blica,depoisdecondenadopeloSupremoouConstitucional,evitando-seadependênciadoChefedoEstadoaoParlamentohostil,pelofactodesercabeçadelistadamaioriaparlamentar.

Seria bom buscarmos comparar os sistemas de governo angolano como sul-africano e americanopela originalidadede cadaumdeles,semprejuízodoestudoparticularizaroscasossul-africanoeamericano,comjuízosdeCiênciaPolítica,sobrepontosfortesefracos,concluindoo texto sobre a identidade constitucional de cada modelo como resultado dasuaculturajuspolítica,nãoexistindomodelosacabadosouperfeitos.

Assimsendo,existemtodososmecanismosdeseparaçãodepoderesnaConstituiçãoAngolana,nomeadamente:

• Aincompatibilidadedefunçõesnoexecutivo,legislativoejudicial(artigo149.º)

• Existência de competências legislativas absolutas e relativas da AssembleiaNacional,salvoasreservadasaoPresidentedaRepú-blica(artigos164.ºe165.º)

• Existência de um poder judicial comum e especial com poderes de revisão da lei e com decisões de cumprimento obrigatório para todos osórgãospúblicosouprivados(artigos174.ºa179.º)

• Existência de um Tribunal Constitucional com poderes de anulação total ou imparcial de atos políticos, normativos, administrativosou judiciais contra aConstituição (artigos 6.º, 180.º e 226.º), éexemplodistoaFiscalizaçãoabstratasucessivadaConstituiçãode2010,aprovadaporumaAssembleiaConstituinte,semprecedentenacional,salvonaÁfricadoSulpós-Apartheid

• Existência de limites da forma dos atos normativos do Presidente da República,paraDecretosLegislativosPresidenciais,Autorizados,Provisóriosoupróprios,excluindooOGEeasreservadascompe-tênciaslegislativasabsolutasdaAssembleiaNacional(artigos125.º,126.ºe171.ºe172.º)

• ExistênciadePoderdeControloeFiscalizaçãoPolíticadaAssembleiaNacional ao Titular do Poder Executivo e órgãos da Administração paragarantiraboaexecuçãodaConstituiçãoedasleis(artigo162.º)

• ExistênciadepoderesprópriosepartilhadosdoPresidentedaRepú-blica,faceaoParlamento,mormentenomearMinistrosdeEstado,

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Ministros,SecretáriosdeEstado,Vice-Ministros,AltosfuncionáriosmilitaresedeSegurança,servidorespúblicoseinstituiçõesadminis-trativaspararealizarosinteressesnoquadrodoOGE,sujeitando-seafiscalizaçãojudicialdoSupremo,ConstitucionaleContas

• Existência de poderes de fiscalizar e responsabilização do Titular do PoderExecutivocomadestituiçãodomesmo,oveto,aconfirmaçãodovotodoparlamento,autodemissão,promulgaçãoeopedidodefiscalização abstrata preventiva ou sucessiva do Presidente e dos DeputadoseGruposParlamentares(artigos124.º,127.º,128.º,129.º,132.º,228.ºa230.º)

• Aexistênciadepoderespartilhadosepróprios,nomeaçãoeindigi-taçãodemagistradosjudiciaisedoMinistérioPúblico,nostermosdos artigos 119.º/e, f, g, h e i; 180.º/a; 181.º/3; 182.º/2; 183.º/2;184.º/2; 189.º/4 e 5, 190.º/3.Contrariamente ao sistemanorte--americano, osmagistrados judiciais emAngola sãode carreira,ao Presidente cabe apenas confirmar os dos três nomes eleitos pelo PlenáriodoTribunalSupremoindicaroPresidenteeoVice,tendoapenas liberdade na nomeação de Conselheiros no Tribunal de Contasquenãosãodecarreira,pois,noutrosórgãoscolegiaiscabeaoPresidentedaRepública,AssembleiaNacionaleosrespetivosórgãos(ConselhosSuperioresdaMagistraturadoMinistérioPúblicoeJudicial,respetivamente).

• Existência de tiposnormativos e atos do legislativo e executivo,requisitosparaaprovação,alteração totalouparcialdas leisedaConstituição,mormenteoslimitescircunstanciais,formaisemate-riais(artigos125.º,166.º,167.ºa173.º)

Todasasdúvidas26 são razoáveis, resultamda liberdadedeopiniãodequemasfaz,noentantoquerossujeitosquerosobjetossãosemprevistosporângulosdiferenciados,dependendodacapacidadeintelectualdequemosanalisa.Por isso,oPodercomocapacidadede influenciaros outros pode ser exercido por pessoas diferentes mas o efeito dos seus feitos no âmbito das mesmas leis ou costumes dependerá da autoridade dequemexerceopoder,sejaqualforalegitimidade.Porisso,aprática

26 JorgeMiranda,A Constituição Angolana de 2010,InIvstitia2013,n.º1,levantaadúvidasobreofactodeoPresidentesereleitocomosDeputados,nãohaverviolaçãodaseparaçãodepoderes.ÉóbvioquecomoensinaodistintoMestre,nãoexistenumaConstituiçãoformalnormasinconstitucionais...

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201A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL E GOVERNAÇÃO ANGOLANA

nasinstituiçõesfazlei,mascabeaosmaisintuídosouprudentesclari-ficarasdúvidas.

Todos os sistemas de governos democráticos têm pontos fortes ou fracos,como:

Pontos fortes do sistema sul-africano:

1. PresidentedaRepúblicaéoChefedoEstadoedoGovernoeleitopelosDeputados(legitimidadequasediretaporserlíderdopartidocomamaioria)

2. Responsabilidade individual e coletivadoGabinete (Presidente,ViceeMinistros)

3. Cultura judicial sólida4. Dependência direta do Presidente ao Congresso do Partido e à

respetiva disciplina partidária ou partidocracia5. Os Ministros são também deputados ou acumulam funções no

executivoenolegislativo,comexceçãodetrês

Pontos fracos do sistema de governo sul-africano:

1. Facilidadedeconspiraçãodoscolaboradoresemmatériadeindis-ciplina partidária

2. Instabilidade governativa em caso de um parlamento hostil3. Demissão do Presidente em caso de falta de confiança na Assembleia4. Desconfiança da sociedade civil face as diferenças raciais5. Partidarização da administração atendendo a maioria que governa6. Desgaste da maioria governativa ou partido no poder em caso de

altas taxas de desemprego e falta de proteção social

Relativamenteaosistemaangolano,hápontosfortesefracosfaceaosistemasul-africano,nomeadamente:

Pontos fortes do sistema de governo angolano:

1. PresidentedaRepúblicaéoChefedoExecutivo,eleitocomoocabeçadelistadoPartidomaisvotado,eleiçãodiretaporconstardo boletim de voto

2. PossibilidadederenúnciaporrazõespessoaisouautodemissãodoPresidente por razões objetivas

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3. OVice-Presidente é o n.º 2 daLista de deputados às eleiçõesgerais,sendodifícilaexoneração

4. OPresidente delega nosMinistros deEstado eMinistros, quenomeia e exonera livremente

5. IncompatibilidadecomoexercíciodePresidentedaRepúblicaouauxiliar do Titular do executivo com a de deputado

6. InexistênciadeMoçãodeConfiançaouCensura,quandomuitodestituição que deve ser julgado pelos tribunais competentes em casodesuborno,traiçãoàPátriaeofensaàConstituição

7. EstabilidadedoexercíciodopoderdoPresidenteerespeitomútuo,salvoemcasoderenúnciaouautodemissãoeconsequentelimi-tação constitucional

8. FiscalizaçãodoParlamento aoPoderExecutivo/Administração comaprovação e execuçãodoOGE, autorização legislativa,aprovação da Conta Geral do Estado e desde que haja direitos e deveres recíprocos inerentes à legitimidade direta do titular do Executivo que delega nos seus auxiliares a condução da Admi-nistraçãoCentraleLocal.

Pontos fracos do sistema de governo angolano:

1. MaisautonomiadoPresidentedaRepúblicafaceàmaioriapar-lamentar caso seja o líder do partido maioritário ou o mesmo acontece com um Cabeça de Lista que não seja Líder da maioria (atordaagendapolítica)

2. Irresponsabilidade direta dos membros auxiliares do executivo e gestores ao Parlamento

3. Lealdade Política dos deputados à disciplina partidária e ao líder do Partido e seus órgãos em caso de conflito entre a liberdade de consciência e a disciplina partidária, execuçãodoProgramade Governo pelo Executivo e diminuta iniciativa legislativa dos deputados,salvoemquestõesinternasdoParlamento(autoridadepolíticadaliderança)

4. Incipiente cultura judicial em matéria de fiscalização judicial5. Autodemissão do Presidente que obriga o fim do mandato dos

Deputados por hostilidade do Parlamento

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203A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL E GOVERNAÇÃO ANGOLANA

6. Impossibilidade de demissão do Vice-Presidente pelo Presidente emcasodeconflitospolíticos, salvoautodemissão, renúnciaoudestituição

7. «Judicialização»dapolíticanoTribunalConstitucional,emcasode excesso de processos de fiscalização preventiva ou sucessiva dos atos normativos do Presidente ou da Assembleia Nacional e consequentelimitaçãodaspolíticaspúblicas,atendendoaideologiada maioria governante em caso de oposição radical

8. «Radicalizaçãoouvitimização»daoposiçãoparlamentar,obrigandoaaproximaçãocontráriaà ideologia, faceàmaioriaparlamentarquando a representatividade da oposição é minoritária

Pontos fortes do sistema de governo americano:

1. Presidente eleito por umcolégio e nãopor todos os eleitores,evita demagogia e éComandante emChefedoExército,ChefedoExecutivoUnipessoal e nomeia todos os altos funcionários,Ministros(SecretáriosdeEstado),JuízesparaoSupremoefisca-lizado pelo Senado

2. PoderLegislativobicameral (Senado eRepresentantes) comoSenado a poder vetar a designação de todos os altos funcionários comooProcurador-Geral daRepública, Presidente daReservaFederal ouBancoCentral,Ministros ouSecretários deEstado,Chefe do Estado-Maior do Exército

3. IndependênciadosCongressistasfaceàideologiadoseupartido,prevalecendo a responsabilidade perante os eleitores

4. UmaConstituiçãorígida,unitextual,simplesecomumalongevi-dade de mais de dois séculos

Pontos fracos do sistema de governo americano:

1. ObstáculodegovernaçãodoPresidenteeasuaAdministração,emcaso de uma maioria no Senado e na Câmara dos Representantes hostil à Administração para aprovação do Orçamento de Estado FederalouanomeaçãodejuízesaoSupremoeAltosFuncionários

2. A presidência do Senado pelo Vice-Presidente dos Estados Unidos ouauxiliardoExecutivo,quandosetratadeumdosórgãosdoPoderlegislativo,podendoperigarovotoemcasodeempate,decidindo

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paradesempatar,estadosubordinadoaoPresidenteouExecutivoFederal(comoficaaseparaçãodepoderes?),háumainterdepen-dência? Votando? Não inquina autonomia por um voto resultante dealguémeleitoparaoexecutivo?Éumaopçãoconstitucional

3. Operigodosectarismoeconomicista,ideológicoouracialsobreopções políticas ou ideológicas sobre os candidatos para cargos públicos,questionandoosseusvaloressededireitaoudeesquerda,moderado ou radical ou até opção para considerar amigos ou ini-migos nações soberanas e provocar guerra contra outras nações

4. Judicialização das opções políticas do Presidente ou do Executivo porviadarevisãojudicialdosupremoTribunalFederaldosEUA

Comopodemosver,nãoexistemsistemaspolíticosoudegovernosperfeitos,asdemocraciaspodemdegeneraremdemagogia,asmonarquiasemtiraniaseasaristocraciasemoligarquias,diziaAristóteles,interessequehajamoderaçãoecompreensãodasfunçõesdecadaum,paraobemcomum:segurança,bem-estareconómicoesocialparatodosoujustiça...

Cadamodelodedemocraciatemespecificidadesouidentidade,queresultadaHistóriaepráticapolíticaeconstitucional.

ComoProfessordeDireitoConstitucionaleCiênciaPolítica, tenhofeito vários estudos sobre o nosso sistema constitucional e vejo que há virtudesedefeitoscomoemqualquerdemocracia.BastalembrarqueoGoverno Português pratica atos resultantes da exceção económica e que oTribunalConstitucional declarou inconstitucional e geroupolémica.Basta lembrar que no caso SME/Estado Angolano versus Joaquina da Silva(ex-DiretoraNacional)oTribunaldeclarouinconstitucionalauti-lizaçãodeprovascontraaConstituiçãode2010;nocasoSuzanaInglêsda CNE versusUNITA,estarecorreuaoSupremoeestainstânciaanulouoprocessodedesignaçãodaquela;nocasodaseleiçõesgeraisde2012a UNITA impugnou os atos subsequentes da CNE ou Administração Eleitoral e o ato eleitoral de 2012 foi declarado em conformidade com a Constituiçãoealei;noProcessodeFiscalizaçãoAbstrataSucessivadoRegimentodaAssembleiaNacional,osDeputadospediramaoTribunalquesepronunciassesobreoâmbitodafiscalizaçãodoExecutivo,faceao atualSistemadeGovernoPresidencialista-Parlamentar, oTribunalconsiderou que pode haver fiscalização respeitando apenas o que consagra oartigo162.ºdaConstituição,por issoa interpelaçãoaosMinistroséinconstitucionalporserumGovernounipessoal.ÉóbvioqueesteAcórdão

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clarificou uma situação,masnão solucionou a questão dos inquéritosque constam da alínea c)doartigo160.ºdaConstituiçãodaRepúblicadeAngola,poissãocompetênciasorganizativas internasseoPlenáriopode constituir Comissões Parlamentares de Inquérito é porque pode fazer inquéritocomofimdaCPI.Assimsefazaexecuçãoconstitucionalcomfalhaseerros,masmecanismosháparareconhecer-seograndesaltodeumaDemocraciavibranteeplural.

Devemos respeitaras instituições,mesmoquandodiscordamosdassuasdecisões.Cincoanosdepois,aConstituiçãopassoudotestedaesta-bilidade dos processos eleitorais que a Lei Constitucional de 1992 não conseguiu.Qualquerperspetivaserásempredeclarificarcertosinstitutoscomoafiscalização,órgãosessenciaisparaarealizaçãodademocraciae doEstadodeDireito, institucionalização das autarquias locais, comas eleições de 2012nasceuumanova força política (CASA-CE) e oParlamento tem uma geografia social e ideológica sui generis,masnãose nega o pluralismo da nossa Democracia e do Estado de Direito que seconsolidacadadia.

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