A história do pensamento econômico como teoria e retórica

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A história do pensamento econômico como teoria e retórica Pérsio Arida Resumo:  No artigo, publicado originalmente em 1983, Pérsio Arida argumenta que existem,  basicamente, dois modelos para o aprendizado da Teoria Econômica: o modelo americano (hard science), que ignora a História do Pensamento como norte principal  para desvencilhar os meandros e controvérsias da Teoria Econômica, onde as listas de leitura não datam mais de cinco ou seis anos e, por outro lado, há o modelo europeu (soft science) onde é central o domínio dos clássicos, em prejuízo a sua familiaridade com os desdobramentos mais recentes. Tanto um quanto o outro, são tipos ideais de modelos que visam traços da realidade, objetivando iluminar certos aspectos de interesse. No texto, ambos os modelos são criticados pelo autor. De acordo com a síntese, no modelo americano a Teoria Econômica estaria totalmente assimilada no estágio atual da ciência, por isso os trabalhos recentes é que devem ser estudados. Criado no século XX, após a Segunda Guerra, hegemônico nos grandes centros americanos, estabelece a noção de Fronteira do Conhecimento para a Ciência Econômica. Esta, por sua vez, é diretamente influenciada pelas Ciências Exatas. Nesse modelo, resume-se toda a verdade" do passado da disciplina à exceção dos Textos Seminais, pois ajudariam na formulação de problemas. Também cria a necessidade do uso de livros didáticos (com atualizações contínuas) e exige do pesquisador trabalho constante e árduo. Cumpre dizer que, segundo Arida, nesse modelo a História do Pensamento Econômico seria inútil para o progresso da Teoria; seria entendida como “Erros e Antecipações" da Teoria aceita hoje e, com as mudanças no estado atual da Teoria, reescreveria-se continuamente a HPE  –  a HPE passa a ser, então, História das Ideias, com visões presentificadas do passado. Quanto ao modelo europeu (soft science), a Teoria Econômica está diluída nos textos dos últimos 250 anos. Admite que existem diferentes “matrizes básicas" (Ricardiana, Walrasiana, Keynesiana, Marxista...) que constituiriam diferentes visões de mundo. Aqui, a comparação entre elas é inofensiva. Defende que a leitura dos originais é insubstituível (pouca aptidão ao livro didático) e a Teoria é formulada a partir do resgate de trabalhos passados. No que diz respeito ao estudo da HPE, esse se confunde com o estudo da própria Teoria Econômica. O interesse na HPE seria prático, nortearia tanto a

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A histria do pensamento econmico como teoria e retricaPrsio Arida

Resumo:

No artigo, publicado originalmente em 1983, Prsio Arida argumenta que existem, basicamente, dois modelos para o aprendizado da Teoria Econmica: o modelo americano(hard science), que ignora a Histria do Pensamento como norte principal para desvencilhar os meandros e controvrsias da Teoria Econmica, onde as listas de leitura no datam mais de cinco ou seis anos e, por outro lado, h o modeloeuropeu (soft science) onde central o domnio dos clssicos, em prejuzo a sua familiaridade com os desdobramentos mais recentes. Tanto um quanto o outro, so tipos ideais de modelos que visam traos da realidade, objetivando iluminar certos aspectos de interesse. No texto, ambos os modelos so criticados pelo autor.

De acordo com a sntese, no modelo americano a Teoria Econmica estaria totalmente assimilada no estgio atual da cincia, por isso os trabalhos recentes que devem ser estudados. Criado no sculo XX, aps a Segunda Guerra, hegemnico nos grandes centros americanos, estabelece a noo de Fronteira do Conhecimento para a Cincia Econmica. Esta, por sua vez, diretamente influenciada pelas Cincias Exatas. Nesse modelo, resume-se toda a verdade" do passado da disciplina exceo dos Textos Seminais, pois ajudariam na formulao de problemas. Tambm cria a necessidade do uso de livros didticos (com atualizaes contnuas) e exige do pesquisador trabalho constante e rduo. Cumpre dizer que, segundo Arida, nesse modelo a Histria do Pensamento Econmico seria intil para o progresso da Teoria; seria entendida como Erros e Antecipaes" da Teoria aceita hoje e, com as mudanas no estado atual da Teoria, reescreveria-se continuamente a HPE a HPE passa a ser, ento, Histria das Ideias, com vises presentificadas do passado.

Quanto ao modelo europeu (soft science), a Teoria Econmica est diluda nos textos dos ltimos 250 anos. Admite que existem diferentes matrizes bsicas" (Ricardiana, Walrasiana, Keynesiana, Marxista...) que constituiriam diferentes vises de mundo. Aqui, a comparao entre elas inofensiva. Defende que a leitura dos originais insubstituvel (pouca aptido ao livro didtico) e a Teoria formulada a partir do resgate de trabalhos passados. No que diz respeito ao estudo da HPE, esse se confunde com o estudo da prpria Teoria Econmica. O interesse na HPE seria prtico, nortearia tanto a Teoria Econmica quanto as polticas econmicas. Os clssicos seriam atemporais e auto-inteligveis, o que descaracterizaria a prpria noo de Histria do Pensamento, pois descontextualiza as obras.

Contra o modelo americano cumpre sublinhar que, a existncia de uma Fronteira do Conhecimento depende do modo de resoluo das controvrsias. Se for por Superao Positiva" (quando se resolve o problema), pode-se admitir tal Fronteira, embora, historicamente, o nmero de controvrsias solucionadas por Superao Positiva" muito limitado. Percebe-se claramente a permanncia de doutrinas opostas por longos perodos de tempo, dessa forma, o estgio atual da cincia no assimilaria por completo o desenvolvimento da Teoria o que, na prtica, retira importncia da Histria do Pensamento Econmico. Arida identifica que foi o programa Neoclssico de pesquisa que possibilitou a formao do modelo americano na Cincia Econmica, como conseqncia desse programa em definir agendas de pesquisa. Essas agendas se devem existncia de pressupostos pr-definidos (Indivduos maximizadores de utilidade) e de uma linguagem comum (formalizao matemtica); crtica de Horkheimer: onde o programa Neoclssico seria ideolgico, afinal, s admite como verdade aquilo que concebido pela sua Teoria (Falsa Conscincia). Por fim, o sucesso desse programa um fenmeno muito mais Retrico do que propriamente Emprico.

Na contramo, como crtica ao modelo europeu, Arida destaca: admitir que a Teoria Econmica s formulada a partir de textos passados implica ignorar a produo recente. Isso fundamentaria-se na noo de Superao Negativa" (no se resolveu) das controvrsias, ou seja, apenas as inverdades e erros estariam presentes no estgio atual da teoria, mas a Superao Negativa" no verificada. Outro aspecto que desvaloriza a produo atual criando grandes desincentivos aos pesquisadores e estudantes.

Adiante, Arida afirma que as Controvrsias no se resolvem Empiricamente, mas atravs de Retrica. Vence quem consegue convencer. a Retrica que permite a homogeneidade do discurso e, consequentemente, a evoluo da Cincia Econmica. E a aderncia s regras de retrica confere carter cientfico Economia".

No h dvidas de que existem diferenas nas cincias sociais e naturais. Na fsica, por exemplo, alguns parmetros de uma equao podem, em princpio, ser reduzidos a um nmero pequeno de constantes naturais, algo que tem sido feito historicamente com sucesso nesse campo do conhecimento humano. Esse no bem o caso da cincia econmica porque os parmetros esto mudando mais rapidamente ao longo do tempo. Nesse sentido, a taxa de obsolescncia intelectual do modelohard science elevada, ao passo que no modelosoft scienceo apelo ao passado pode se mostrar bem ilusrio pela dificuldade de se reconciliar, no presente, teoria com teste emprico.

Mais adiante no seu artigo, Arida defende que o bom desenvolvimento da teoria econmica deve ser feito simultaneamente nas duas frentes. Afinal, a teoria est imersa em um determinado contexto histrico, sujeita a premissas e consideraes especficas. Regras comuns de validao das teorias aceitas por todos no existem. Seguindo a linha de raciocnio do artigo, que apontou inclusive regras do uso da retrica no debate econmico, podemos concluir que a arte de convencer no se distingue tanto da arte de interpretar a realidade atravs de modelos, e no h garantias de superao das questes ideolgicas em uma discusso dessa natureza. Citando Arida novamente, aqui vai mais algumas concluses: 1) A prtica econmica no se conforma a preceitos inspirados nas Cincias Naturais".2) Por que no empreender a auto-reflexo[...], alcanando uma percepo mais aguda dos procedimentos em prtica?".3) Os economistas praticam a retrica sem o saber e, o que pior, dela desconfiando"4) Prescrever ao mesmo tempo o estudo da histria do pensamento e da cincia atual equivale a prescrever erudio e cultura, de um lado, e capacidade analtica e formal, de outro".5) Mas do ponto de vista do aprendizado e desenvolvimento satisfatrio da teoria, o caminho a ser seguido est distante daqueles prescritos pelos modelos Hard e Soft Science. O bom desenvolvimento da teoria econmica deve ser feito simultaneamente nas duas frentes, familiarizando-se tanto com o estudo atual da cincia quanto com os clssicos do passado e tecendo, a partir destes dois saberes, a trama da verdade".