A historia das_barragens_no_brasil

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barragens segurança de barragens Brasil

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

H58

A história das barragens no Brasil, Séculos XIX, XX e XXI : cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens /[coordenador, supervisor, Flavio Miguez de Mello ; editor, Corrado Piasentin]. - Rio de Janeiro : CBDB, 2011.

524 p. : il. ; 29 cm

Inclui índiceISBN 978-85-62967-04-7

1. Barragens e açudes - Brasil - História. 2. Comitê Brasileiro de Barragens - História. I. Mello, FlavioMiguez de. II. Piasentin, Corrado. III. Comitê Brasileiro de Barragens. III. Título: Cinquenta anos do ComitêBrasileiro de Barragens

11-6197. CDD: 627.80981CDU: 627.82(81)

20.09.11 22.09.11 029752

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Comitê Brasileiro de Barragens - CBDB Agradecimentos

O Comitê Brasileiro de Barragens externa seus agradecimentos às empresas abaixo relacionadas pelo apoio que possibilitou a confecção deste livro que resume o desenrolar de importante

segmento da História do Brasil.

Arcadis Tetraplan S/A

Banco Bradesco S/A

Camargo Corrêa Energia e Construções S/A

CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais

CESP - Companhia Energética de São Paulo

CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

Construtora Norberto Odebrecht S/A

Construtora Queiroz Galvão S/A

Construtora Andrade Gutierrez S/A

COPEL - Companhia Paranaense de Energia

DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras S/A

Eletronorte - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A

Engevix Engenharia S/A

Furnas Centrais Elétricas S/A

Geobrugg Ag - Protection Systems

Grupo Energia

Intertechne Consultores S/A.

Itaipu Binacional

Jeene Juntas Impermeabilizações Ltda.

Light S/A

Mc Bauchemie Brasil

Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A

Norte Energia S/A

Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura Ltda.

Sto Antonio Energia

DIRETORIA CBDB

Presidente: Erton Carvalho

Vice-Presidente: Fabio De Gennaro Castro

Diretor Secretário: Paulo Coreixas Junior

Diretor Técnico: Brasil Pinheiro Machado

Diretor de Comunicações: Miguel Augusto Z. Sória

Diretor Adjunto: Marcos Luiz Vasconcellos

Diretor Adjunto: Ademar Sérgio Fiorini

FICHA TÉCNICA

Coordenador / Supervisor: Flavio Miguez de Mello

Editor: Corrado Piasentin

Projeto Gráfico: Modonovo Design - Marina Hochman

Diagramação: Modonovo Design - Marina Hochman / Natália Seiblitz

Revisão de texto: Margarida Corção

Gráfica: Impressul Indústria Gráfica

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índiceíndice Prefácio

Apresentação

Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil

A Comissão Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e Três Anos de Excelência

História do Comitê Brasileiro de Barragens

Um Século de Obras contra as Secas

As Barragens Construídas pelo DNOCS

Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil

Usina Hidroelétrica de Marmelos Usina Hidroelétrica de AngiquinhoUsina Hidroelétrica de Itapecuruzinho

A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana

A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso

As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS

A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste

Furnas no Século XX

A Eletronorte e as Barragens da Região Amazônica

A História das Barragens no Paraná

Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG

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Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul - CEEE

Companhia Energética de São Paulo - CESP

Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina - Energisa

Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL

Breve Memória sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2010

As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil

A Nova Face das Empresas Estatais frente à Expansão da Oferta de Energia Hidroelétrica no País

As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos

A Evolução do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil

A Evolução da Legislação Aplicada às Barragens

Centros de Pesquisas Tecnológicas Aplicadas a Barragens - Introdução

CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho

Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia

O Laboratório de Hidráulica HIDROESB - Saturnino de Brito SA

O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT

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Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos de Furnas - LAHE

O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC

Anexos

Anexo 1 - EntrevistasEduardo Larrosa BequioGuy Maria Villela PaschoalHélio Mendes de AmorimJoão Camilo PennaJosé Candido Capistrano de Castro PessoaLuiz Carlos QueirozMario SantosMurillo Dondici RuizOlavo Augusto Vieira

Anexo 2 - DepoimentosJosé Gelazio da Rocha e Antônio Dias Leite

Anexo 3 - Diretorias do CBDB

Anexo 4 - Seminários Nacionais de Grandes Barragens

Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e Médias Centrais Hidroelétricas

Anexo 6 - Congressos Internacionais e Reuniões Anuais e Executivas

Anexo 7 - Sócios Coletivos e Mantenedores

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Prefácio Prefácio

Em comemoração aos 50 anos de existência do Comitê Brasileiro de Barragens – CBDB – filiado à International Commission on Large Dams (ICOLD), apresentamos o livro “A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI”. Pretendemos, assim, registrar a história das barragens brasileiras, resgatando os principais personagens que contribuíram para o desenvolvimento da nossa engenharia, envolvendo não só homens públicos, mas também empreendedores do setor privado e pesquisadores.

As barragens surgiram em decorrência da necessidade de se usufruir dos benefícios do uso múltiplo dos recursos hídricos para a população brasileira. O livro retrata as primeiras barragens construídas no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) teve um papel importante com a construção de açudes para irrigação, abastecimento de água das cidades e pequenos núcleos populacionais. Essa política, que previa a formação de reservatórios no semi-árido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanência do sertanejo no seu ambiente natural, amenizando os processos migratórios para a Região Sudeste do País. Além da contribuição nos métodos construtivos das barragens, principalmente as de maciços de terra, houve um grande desenvolvimento nas áreas de hidrologia e meteorologia. A SUDENE, dirigida pelo economista Celso Furtado na década de 1960, implementou um plano de desenvolvimento regional embasado em estudos dos recursos naturais, envolvendo mapeamentos pedológicos, águas de superfície e subterrânea, climatologia, hidrologia, piscicultura, entre outras ciências que serviram de suporte para projetos de irrigação e construção de barragens.

O livro aborda com abrangência o desenvolvimento tecnológico para a construção das barragens brasileiras a partir de 1950, quando se iniciou o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro. O primeiro trabalho de inventário dos rios da Região Sudeste foi elaborado pela Canambra Engineering Consultants Limited, grupo de grande competência, que colaborou, juntamente com algumas empresas brasileiras, na formação dos nossos engenheiros na área de recursos hídricos e projetos de barragens. No Brasil foram iniciadas as construções de grandes barragens, apoiadas em estudos e projetos de alta qualidade. Os técnicos brasileiros foram influenciados principalmente pelas organizações americanas United States Bureau of Reclamation e US Army Corps of Engineers. Paralelamente, para suporte tecnológico desses empreendimentos, foram criados vários centros de pesquisas, os quais fazem parte dos pontos importantes abordados nesta publicação. O aparecimento e o desenvolvimento das empresas construtoras de barragens constituem fatos de grande relevância.

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Este livro registra as primeiras hidroelétricas construídas no país, selecionadas por região. Apresenta, também, uma significativa documentação sobre o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) extinto no inicio da década de 1990, o qual realizou vários trabalhos apreciáveis nas áreas de abastecimento de água, irrigação e geração de energia elétrica, sendo também responsável pelas obras de controle de cheias em todo país. As empresas subsidiárias da ELETROBRAS: FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ELETROSUL, bem como as dos estados de Minas Gerais (CEMIG), São Paulo (CESP), Rio Grande do Sul (CEEE) e Paraná (COPEL), aparecem documentadas com a história de suas formações, incluindo os empreendimentos realizados e as respectivas estratégias de desenvolvimento.

A usina de Itaipu Binacional, pertencente ao Brasil e ao Paraguai, está retratada com a sua história e importância, não só para a geração de energia elétrica, como também para a integração dos dois países.

Destaca-se na Região Amazônica o relato do projeto e construção da usina de Tucuruí, a maior hidroelétrica brasileira, dotada de eclusas para a navegação do rio Tocantins, realçando a importância da Região Amazônica como continuidade do uso dos nossos recursos hídricos.

A preocupação do CBDB em defesa do desenvolvimento sustentável do País está comentada nos tópicos sobre a evolução do licenciamento ambiental para os empreendimentos hidráulicos, no que se refere à construção das barragens e seus impactos. A legislação sobre a segurança das barragens, que faz parte do programa de trabalho do CBDB, é também citada nesta publicação.

Finalmente, este livro é dirigido a um público abrangente, visando, principalmente, o leitor interessado na história contemporânea do desenvolvimento brasileiro, sem a exigência de que ele seja possuidor de conhecimentos técnicos sobre o tema.

Erton Carvalho PREsIDENTE DO CBDB

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Reservatório de Tucuruí

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Apresentação

Flavio Miguez de Mello“Águas são muitas, infi nitas... E em tal maneira é grandiosa que, querendo, a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.” Pero Vaz de Caminha, 1500.

Apresentação

Com a proximidade do cinquentenário do Comitê Brasileiro de Barragens CBDB surgiu, em reunião do Conselho Deliberativo, a proposta do engenheiro Manuel de Almeida Martins de que se editasse um livro comemorativo versando sobre a história da engenharia de barragens no Brasil. A proposição foi aceita com entusiasmo, cabendo a mim a tarefa de produzir o livro e publicá-lo no aniversário de cinquenta anos do CBDB, em outubro de 2011. Outras entidades publicaram livros de escopo semelhante: a ABMS publicou Cinquenta Anos de Geotecnia em 2000 e a ABGE publicou a Edição Comemorativa dos Trinta Anos, em 1998.

Este livro é lançado em difícil momento para os investidores, estatais e privados, em empreendimentos para qualquer das di-versas fi nalidades de barragens dadas às vigentes difi culdades de aprovação, licenciamento e distorções legais que propiciam prio-rização soluções mais poluentes, de questionável segurança e de menor economicidade. A propósito, cabe realçar as palavras de Paulo Skaff, presidente da FIESP ao analisar as tendências atuais (2011) do setor elétrico: “O Brasil assiste a desqualifi cação de suas fontes de energia mais competitivas e abundantemente disponíveis. Essa distorção já contaminou a legislação ambiental brasileira e, mais recentemente, comprometeu o planejamento energético. O Brasil está desperdiçando impor-tantes potenciais hídricos ao limitar, emocionalmente, o dimensionamento dos reservatórios das barragens.” No mesmo sentido, a ministra Miriam Belchior, do Planejamento alertou (2011): “Acreditamos que será possível, de fato, Belo Monte ser um exemplo de implantação de usina hi-droelétrica na Região Amazônica ... exceto os que tenham uma posição ideológica e não técnica (sobre meio ambiente), os demais serão convencidos

de que está sendo feito todo o esforço, envolvendo todos os atores, para que a implantação de Belo Monte seja um sucesso de sustentabilidade social e ambiental.”

No início dos trabalhos, a Diretoria do CBDB emitiu uma circular a todos os sócios comunicando a intenção de publicar este livro e incentivou os associados a se apresentarem como voluntários na preparação dos diversos capítulos que haviam sido programados. Como voluntários não apareceram, e como o assunto a ser abor-dado no livro é demasiadamente extenso no tempo, superando um século, e no espaço, por abranger o vasto território nacional, tive que selecionar alguns voluntários que gentilmente aceitaram a tarefa e desempenharam a função de redatores com maestria e objetividade. Entretanto, mesmo assim, como são muitos os aspec-tos enfocados, o livro acabou apresentando uma certa concentração de capítulos em um autor.

Ao iniciar a tarefa me deparei com grandes difi culdades provenien-tes das importantes perdas para a Profi ssão de inúmeros expoen-tes da engenharia nesses pouco mais de dez anos que separam as publicações das outras associações da edição do livro do CBDB. Essas perdas de quase uma geração inteira de notáveis pioneiros dos tempos das mais importantes conquistas tecnológicas e da fase pioneira da implantação de grandes barragens para as mais diversas fi nalidades bem como da época das grandes difi culdades para identifi cação, planejamento, projeto, construção e operação de barragens e reservatórios, fi zeram com que a tarefa se tornas-se árdua em função da busca de documentos, relatórios, foto-

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grafias e depoimentos que formassem as bases para o relato de uma história de mais de um século de conquistas que merecem registro. Os que atualmente atuam em implantação de barragens podem não imaginar que, por exemplo, para visitar pela primei-ra vez o local da hidroelétrica de Salto Grande em Minas Gerais, o engenheiro John Cotrim gastou duas semanas a cavalo.

Por sorte tive o privilégio de conviver profissionalmente com alguns dos mais destacados atores daquele período e que já nos abandonaram. Estive com alguns desses atores com frequên-cia em certas longas fases do exercício profissional tais como

os engenheiros Flavio H. Lyra, John R. Cotrim, Léo A. Penna, Arthur Crocchi, E. Von Ranke, Victor F.B. de Mello, Carlos Al-berto Pádua Amarante, Epaminondas Mello do Amaral Filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, Antônio José da Costa Nunes, Francisco de Assis Basílio, José Machado e José Cândido Castro Parente Pessoa com os quais tive oportunidades de angariar va-liosos depoimentos sobre aspectos de vivências profissionais pas-sadas. Com vários outros atores do passado tive contatos menos extensos, mas de elevado interesse no relato de experiências pro-fissionais tais como Mário Penna Bhering, César Cals de Oliveira Filho e consultores como Manuel Rocha e Porland Port Fox.

Usina hidroelétrica Serra do Facão

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Desses contatos pude extrair há anos, informações de elevado conteúdo histórico, algumas das quais relato neste livro. Esses contatos, dos quais guardo recordações as mais preciosas, foram em parte devidos à minha atuação profissional na engenharia, à minha atuação na Universidade e às minhas atividades no CBDB e em outras entidades técnicas. No CBDB, embora não seja o mais velho, devo certamente ser o mais antigo por ter sido chamado muito jovem a apoiar as atividades em sua sede. Prova-velmente foram esses fatores que levaram o Conselho do CBDB a me indicar como responsável pela edição desse livro. Alguns relatos apresentados em capítulos deste livro foram obtidos diretamente desses contatos dos que nos precederam na Profissão. O livro foi enriquecido com textos, entrevistas e informações de al-guns dos mais destacados profissionais que atuam na engenharia de barragens em nosso País.

Procurei congregar neste livro narrativas sucintas, porém objetivas, de todas as principais atividades que resultaram na implantação de tantas barragens que trouxeram progresso e bem estar ao nosso povo desde o Século XIX. Considerando que a história recente é mais conhecida por aqueles que acessarem esse livro, é de se notar que há, em quase todos os capítulos, uma ênfase maior na história remota, de mais difícil caracterização. Dessa forma há uma ênfase nas primeiras barragens para saneamento, para controle de cheias e, principalmente, para combate às trágicas consequências ocasionadas pelas secas e para produção de energia elétrica. Sobre esse aspecto há um capítulo resumindo as primei-ras hidroelétricas nas diversas regiões do País, com destaque para as primeiras usinas hidráulicas para fornecimento público de energia elétrica: Marmelos no Sul-Sudeste, construída ainda no Século XIX por Bernardo Mascarenhas, Angiquinho implantada no Nordeste por Delmiro Gouveia e Itapecuruzinho, implementada na Re-gião Amazônica por Newton Carvalho, pai do atual presidente do CBDB, engenheiro Erton Carvalho. O relato mais detalhado dessas barragens pioneiras retrata a imagem das imensas dificul-dades logísticas de acesso, de obtenção de materiais e de aqui-sição de equipamentos. Mesmo assim, os que nos precederam conseguiram, nas mais adversas condições, implantar barragens e hidroelétricas em até menos de um ano, prazos presentemente ina-

creditáveis dadas as atuais delongas e dificuldades legais, de aprova-ção, de concessão e de licenciamento ambiental, além de oposições dos auto-proclamados ambientalistas nacionais e estrangeiros.

Com uma longa história tão rica a ser resumida num espaço tão curto, o livro inevitavelmente contém omissões pelas quais des-de já peço desculpas. Não foi possível mencionar todos os atores e relatar todas as inúmeras atividades de implantação de barragens que ocorreram por mais de um século nesse tão vasto território nacional. Presentemente, só considerando as grandes barragens, no Brasil há bem mais de mil dessas estruturas em operação e, se consideradas as barragens de rejeitos, ultrapassa-se a casa das duas mil grandes barragens.

O presente livro é resultado do apoio e do incentivo de muitas pes-soas entre as quais cabe destacar especialmente a constante com-preensão e apoio de minha esposa, das quatro filhas que passaram mais de um ano sem minha participação em atividades de fins de semana. Agradeço também aos dirigentes e funcionários do CBDB, o editor Corrado Piasentin, a revisora de texto Margarida Corção e o conselheiro Aurélio Alves de Vasconcelos, presentes e atuantes desde a primeira hora. Agradecimentos são devidos aos autores dos capítulos e aos entrevistados que contribuíram decisivamente para a viabilização do livro. Cabe ainda agradecer os importantes apoios recebidos de diversos profissionais entre eles Alberto Jorge C. T. Cavalcanti, Alberto Sayão, Ana Teresa Ponte, André Luiz Fa-biani, Carlos Henrique Medeiros, Carlos Mazzaro, Cleber José de Carvalho, Delphim Mazon Fernandes, Flavio Pilz, Fernando Pires de Camargo, Gisele Miranda Gomes Reis, Gualter Pupo, Gustavo Nasser Moreira, Heloisa Ottoni, Henrique Frade, Hilton Ahiran da Silveira, John Denys Cadman, José Carlos de Miranda Reis Neto, Jerson Kelman, João Paulo Maranhão Aguiar, José Gelazio da Rocha, José João Rocha Afonso, Julia Ferrer Leal de Araujo, Leila Lobo de Mendonça, Mair Melo Andrade, Margaret Rose Mendes Fernandes, Nicole Schauner, Og Pozzoli, Paulo Coreixas Jr., Ricardo Ivan Bicu-do, Rosana Libânio, Sandra Pereira, Sérgio Pimenta, Simone Idalgo Machado, Talvani Hipólito Nolasco Filho, Teresa Malveira, Vânia Rosa Costa, Viviani Siqueira Vecchi e Walton Pacelli de Andrade.

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Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil

Flavio Miguez de Mello

Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil

O País e seus recursos hídricosO Brasil é um território contínuo de forma quase quadrada, a maior parte do qual se situa no hemisfério sul, desde 4° de latitude norte a 33º de latitude sul e de 40 º a 75º de longitude oeste, compre-endendo 8,5x106 km². Esse grande território tem uma longa fron-teira com todos os países da América do Sul à exceção do Equador e do Chile, com uma extensa costa banhada pelo Oceano Atlân-tico ao longo de 8.500 km. O País abriga a quinta maior popula-ção do mundo. A maior parte dos seus 190 milhões de habitantes vive na Região Sudeste onde as maiores cidades estão localizadas.

Como o País é de tão grande superfície, há diferentes aspectos natu-rais tais como, por exemplo, a quantidade e frequência de precipita-ções, os recursos hídricos, o clima, a geologia, o relevo e a vegetação. O ambiente varia das planícies alagadas da Amazônia Equatorial e do Pantanal ao Planalto Central, da cadeia de montanhas próximas à costa no Sudeste até as planícies do Sul e do Meio Oeste, variando de áreas úmidas ao vasto semi-árido do interior do Nordeste.

“We trust that the results of the study will help the power industry of South Central Brazil to develop on a sound basis in the years that lie ahead.”

“Acreditamos que os resultados do estudo auxiliarão nos anos vindouros o desenvolvimento da indústria de geração do Centro-Sul do Brasil sobre uma base sólida”

John K. Sexton, engenheiro chefe da Canambra, 1966.

A parte central da Região Amazônica é cortada de oeste para leste pelo rio Amazonas, o mais caudaloso e mais longo rio do mun-do, com uma descarga média superior a 200.000 m³/s, formado por dois grandes rios, o Solimões que drena os Andes peruanos e bolivianos e o Negro. Os mais importantes tributários desses rios e os rios da bacia do rio Tocantins que flui de sul para norte, constituem-se nos grandes recursos hídricos do norte do Brasil, apresentando descarga específica média de 35 l/s.km².

A leste desta região encontra-se a região semi-árida do nordeste brasileiro cujos rios são em geral intermitentes, podendo apre-sentar descargas específicas médias tão baixas quanto 3 l/s.km². Nessa área, denominada Polígono das Secas, a incidência solar supera as 3000 horas por ano, a precipitação média anual pode ser de 400 mm ou menos. Nessa área a evaporação média pode atingir 2000 mm/ano e, juntamente com evapotranspiração, pode ser responsável pelo consumo de até 92% das precipitações. A pe-quena espessura da cobertura de solo faz com que haja dificuldade em reter a umidade e, como o substrato cristalino é pouco permeável, só é possível acumular águas subterrâneas em regiões de rochas com fraturas profundas, sendo geralmente esta água insuficiente e de baixa qualidade. Quase todos os rios do Nordeste, com exceção dos rios São Francisco (que é proveniente do Sudeste) e Parnaí-ba, têm regime intermitente em pelo menos parte de seus cursos.

Barragem de finalidades múltiplas de Pedra do Cavalo no rio Paraguaçu na Bahia

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Nesses rios intermitentes, no caso de barragens não muito altas, o tratamento de fundação pode ser feito na primeira estação seca du-rante a construção e a barragem construída durante a estação seca seguinte, muitas vezes sem requerer estruturas de desvio e ensecadeiras.

No resto do País as descargas específicas variam de 12 l/s.km² a 30 l/s.km².

Nos últimos 40 anos o País tem participado intensamente da econo-mia internacional, variando entre a oitava e a décima maior econo-mia do mundo. As secas no Nordeste e o desenvolvimento do País foram os fatores determinantes para a implantação do grande nú- mero de barragens construídas desde a última década do século XIX.

Um olhar para o passado remotoA mais antiga barragem que se tem notícia em território bra-sileiro foi construída onde hoje é área urbana do Recife, PE, possivelmente no final do Século XVI, antes mesmo da invasão holandesa. Conhecida presentemente como açude Apipucos, aparece em um mapa holandês de 1577. Apipucos na língua tupi significa onde os caminhos se encontram. A barragem original foi alargada e reforçada para permitir a construção de uma im-portante via de acesso ao centro do Recife. Há referências tam-bém ao dique Afogados construído no rio Afogados, um braço do rio Capiberibe, por Harman Agenau por 6000 florins para acesso a um forte também na atual região urbana do Recife. O dique tinha três metros de altura e cerca de 2 km de extensão, tendo sido concluído em dezembro de 1644; em 1650 sofreu transbordamento por ocasião de uma grande cheia, tendo cola-psado em vários pontos.

Figuras 1a e 1b - Barragem de Apipucos na cidade do Recife. A mais antiga barragem que se tem registro no Brasil

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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As obras contra as secasO ano de 1877 foi o início da maior tragédia nacional devido a fenômeno natural: A Grande Seca no Nordeste com duração superior a três anos deixou cicatrizes que até hoje são nítidas. O estado do Ceará, uma das áreas mais atingidas, na época com 1,5 milhão de habitantes, perdeu mais de um terço da sua popula-ção de maneira trágica, tendo sido palco de migrações em massa de fl agelados. Somente a partir de meados dos anos oitenta do século passado passou-se a saber que as secas são devidas ao fenômeno conhecido por El Niño no Pacífi co Sul. Muitos anos antes, outro intenso El Niño foi responsável pela retirada dos invasores holandeses de onde é hoje a costa do Ceará. Em 1880, logo após a Grande Seca, o Imperador D. Pedro II que esteve na área atingida, nomeou uma comissão para recomendar uma solução para o problema das secas no Nordeste. As principais recomendações foram a construção de estradas para que a popu-lação pudesse atingir o litoral e a construção de barragens para suprimento de água e irrigação no Polígono das Secas cuja área é superior a 950.000 km². Isso marcou o início do planejamen-to e projeto de grandes barragens no Brasil. A primeira dessas barragens foi Cedros, situada no Ceará e concluída em 1906.

Centenas de barragens foram construídas desde a Grande Seca no Nordeste. Na primeira década do século XX uma membrana de alvenaria ou de concreto era usualmente usada como elemento impermeabilizante interno de barragens de terra. A pequena al-tura das barragens e a rocha sã nos leitos dos rios minimizavam a necessidade de tratamento de fundação. A rocha sã em geral en-contrada nas ombreiras, em vários projetos, conduziu à adoção de vertedouros de superfície simplesmente escavados em rocha sã. Os anos 50 e 60 do século passado foram os anos dourados na cons-trução de barragens para combate às secas. No fi nal do Século XX o DNOCS executou sua última barragem, Castanhão cuja fi nalidade principal foi o abastecimento de água da cidade de Fortaleza.

Recentemente foi lançado o projeto de derivação de parte das des-cargas do rio São Francisco para o Polígono das Secas. Esse gran-de rio que nasce na Região Sudeste em Minas Gerais, tem no seu trecho inferior uma descarga média de longo termo de cerca de 2000 m³/s. No seu estágio fi nal a derivação será de 3,2% desta des-carga para as regiões de seca. Serão construídas diversas barragens, diques, canais, estações de bombeamento e casas de força para

Figura 2 - Barragem de Cedros, uma das duas mais antigas grandes barragens do Brasil (1906)

Figura 3 – Barragem de Castanhão para abastecimento de água à cidade de Fortaleza, CE

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geração de energia. Serão bombeados 63,5 m³/s do rio São Fran-cisco. Durante as estações chuvosas na bacia do rio São Francisco poderão ser bombeadas até 127 m³/s .

A maioria das grandes barragens do Brasil (pela classificação da CIGB) encontra-se na Região Nordeste, a maior parte delas em aterro compactado, sem serem muito altas.

As primeiras barragens para produção de energia elétricaNas regiões Sul e Sudeste a implantação de barragens foi prin-cipalmente direcionada para produção de energia elétrica. No final do Século XIX começaram a ser implantadas pequenas usinas para suprimento de cargas modestas e localizadas, to-das com barragens de dimensões discretas. A primeira usina da Light entrou em operação em 1901, no rio Tietê, para su-primento de energia elétrica à cidade de São Paulo. Inicialmen-te denominada Parnaíba e depois Edgard de Souza, a usina, quando inaugurada, tinha 2 MW instalados; sua barragem ori-ginal com 12,5 m de altura, era de alvenaria de pedra consti-tuída por grandes blocos de rocha gnáissica solidarizados com argamassa, sendo, em grande parte de sua extensão, um verte-douro de soleira livre. Em 1954 a antiga usina foi substituída por unidades de recalque e a barragem alteada para 18,5 m através de reforços em contrafortes e com vertedouro com três compor-tas de segmento de capacidade conjunta de 800 m³/s. No final do século passado, em função das intensas alterações nos co-eficientes hidráulicos de sua área de drenagem devido à ur-banização da cidade de São Paulo e das cidades vizinhas, o vertedouro foi redimensionado com considerável acréscimo de capacidade. Até os anos cinquenta todas as empresas de energia elétrica eram privadas e as suas usinas eram situadas principal-mente nas regiões Sul e Sudeste. A maior parte das barragens eram estruturas de concreto gravidade ou de alvenaria de pe-dra, não muito altas. Presentemente (2011) há 1206 MW ins-talados em hidroelétricas de mais de 50 anos de idade. Muitas

dessas unidades estão sendo agora reabilitadas e repotencia-das. As primeiras grandes barragens do País foram Cedros acima mencionada e Lajes, que entrou em operação em 1906 no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de derivar as águas do ribeirão das Lajes para da usina de Fontes no Rio de Janeiro, na época uma das maiores do mundo.

Em 1934 o decreto federal nº 24643 conhecido como Código de Águas e o cancelamento da cláusula ouro que protegia as empre-sas concessionárias dos efeitos da desvalorização da moeda nacio-nal, passaram a desencorajar diretamente os investidores do setor elétrico. Devido à contenção tarifária e à fragilidade do capital nacional, passou a haver insuficiência de oferta de energia nas décadas seguintes. Os danos ao progresso da Nação foram inten-sos e irrecuperáveis, tendo sido causado intenso estrangulamento na expansão de oferta de energia elétrica. Esse estrangulamen-to fez com que o governo federal e alguns governos estaduais criassem empresas de energia elétrica. Assim, o setor elétrico foi aos poucos sendo estatizado.

Logo após a II Guerra Mundial, a Light, concessionária da mais desenvolvida região do País, construiu diversas barragens e grandes casas de forças subterrâneas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para esses empreendimentos consultores individu-ais prestaram importante apoio tais como Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e Portland Port Fox.

Desde o início dos anos cinquenta as concessionárias estatais pas-saram a se concentrar em empreendimentos de grandes vultos. Por esse motivo as mais importantes contribuições no sentido de desenvolvimento de tecnologias de projeto, construção e opera-ção de barragens são principalmente devidas à implantação de hidroelétricas. Em 1960, devido à desastrosa e desastrada políti-ca de restrição tarifária iniciada pelo Código de Águas que incluiu o não reconhecimento de remuneração de capital empregado em obras de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a capacidade instalada no território nacional era de apenas 5.000 MW, dos quais 3.700 MW provinham de hidroelétricas.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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A evolução do conhecimento dos recursos hidroenergéticos. O legado da CanambraNa primeira metade do século passado, dada a escassez de mapea-mento e as dificuldades logísticas, os recursos hídricos em território brasileiro eram pouco conhecidos e não tinha havido ainda estudos sistemáticos que posteriormente, a partir dos anos sessenta, passaram a ser designados por estudos de inventário. A Light, responsável pelo

suprimento de energia elétrica às mais importantes regiões no Rio de Janeiro e em São Paulo, efetuava estudos dispersos, tendo inclusive atingido as Sete Quedas, sem o conhecimento dos potenciais do rio Grande e do rio Paranaíba, muito mais próximos. Nessa época, John Cotrim, diretor técnico da Cemig, organizou uma expedição pelo rio Grande entre dois potenciais conhecidos: os locais das usinas de Itu-tinga e de Peixoto. Nessa expedição foi identificado o local de Furnas

Figura 4 – Barragem e reservatório de Lajes, uma das duas grandes barragens mais antigas do Brasil (1906)

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que posteriormente deu origem à empresa de mesmo nome. A desco-berta desse potencial causou espanto no meio técnico da época. Como reflexo desse levantamento veio o objetivo da Cemig de efetuar um levantamento dos recursos hidroenergéticos de Minas Gerais. A Cemig solicitou apoio financeiro ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP sigla em inglês). Ao abrigo desse recurso financeiro, Cemig assinou, em 2 de novembro de 1962, um con-trato com a Canambra Engineering Consultants, um consórcio entre as empresas consultoras canadenses, Montreal Engineering Company Ltd. e G.E. Crippen & Associates Ltd. e a americana Gibbs & Hill Inc., para que fosse realizado o inventário dos recursos hidroenergéticos em Minas Gerais. Com a sugestão do Banco Mundial que atuou nesse inven-tário como agente executivo do UNDP, de estender os estudos à toda Região Sudeste considerando a importância desses estudos para a otimização dos investimentos em geração de energia elétrica e como todos os rios que nascem em Minas Gerais atravessam outros estados, o governo federal se interessou vivamente pela iniciativa da Cemig e, em 3 de junho do ano seguinte, os estudos foram estendidos à toda a Região Sudeste através de um contrato assinado entre a Canambra e Furnas. Para tanto, o ministro Gabriel Passos das Minas e Energia e os governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara assinaram em 1 de março de 1963 o Plano de Opera-ção. Inicialmente conhecido como ONU-Cemig, os estudos passaram a ser conhecidos como Canambra. Com esse propósito, o UNDP disponibilizou recursos da ordem de US$ 2,7 milhões, havendo a contra-partida em moeda nacional no equivalente a US$ 3,8 milhões.

Três grupos foram formados, um em Belo Horizonte, um em São Paulo e um no Rio de Janeiro. Os dois primeiros grupos acima mencio-nados desenvolveram o inventário dos recursos hidroenergéticos em relatórios independentes e o grupo sediado no Rio de Janeiro usou os resultados obtidos adicionados a investigações de outras possíveis fontes geradoras, inclusive termoelétricas a carvão, a óleo e usinas nucleares, para formatar o programa final de desenvolvimento ener-gético da Região Sudeste. A área total investigada foi de 1,1 milhão de quilômetros quadrados cobrindo 28.000 km de rios, usando 3.700 horas de voos de reconhecimento, englobando 510 locais de barragem dos quais 264 foram levantados com melhor precisão,

o que demandou aerofotografias de uma área de 516.000 km². Fo-ram identificados como viáveis potenciais que somados atingiram 40.000 MW. Os estudos de inventário constituíram-se em atividade sem precedente, tendo direcionado o desenvolvimento hidroener-gético da região. Nas fases posteriores de implantação das usinas, a maioria esmagadora dos estudos realizados pela Canambra foi posteriormente aprofundada nas etapas sucessivas de projeto den-tro das diretrizes inicialmente estabelecidas. O relatório final foi entregue por J.K. Sexton, diretor da Canambra, a John Cotrim, chefe do Comitê de Direção dos Estudos, em dezembro de 1966.

Considerando o sucesso dos estudos desenvolvidos na Região Su-deste, a Canambra foi contratada para efetuar estudo de mesmo es-copo para a Região Sul. Posteriormente, nos anos setenta, empresas nacionais realizaram estudos de inventário hidroenergéticos nas regi-ões Norte e Nordeste. A partir dos anos oitenta os estudos anteriores começaram a ser revisados e densificados em quase todo o território nacional. Progressivamente as condicionantes ambientais foram ganhando espaço nas definições de projetos em inventários. Um exemplo típico foi a revisão do inventário do rio Paraibuna em Minas Gerais que havia sido feito nos anos oitenta. A partir de poucos anos

Figura 5 – Grupo de Minas Gerais da Canambra trabalhando no escritório central da Cemig

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após seu término, os projetos que pelas exageradas dimensões de seus reservatórios inundariam centros urbanos e grandes extensões de obras de infraestrutura viária, foram progressivamente alterados para reservatórios de menores dimensões, maior número de usinas com quedas mais modestas e pequenos trechos inaproveitados. Fo-ram definidos os aproveitamentos de Picada, Sobragy, Cabuy, Monte Serrat, Bonfante e Santa Fé com pequenas áreas inundadas. Apesar de pequena perda energética em relação à partição de queda proposta nos anos oitenta, os empreendimentos passaram a ser econômica e ambientalmente viáveis, tendo sido implantados a partir do início dos anos noventa. Na usina que fica mais a jusante foi possível a compati-bilização inédita do aproveitamento energético com a canoagem, qua-se sempre objetivos antagônicos. Durante os dias de fim de semana, feriados e noites de lua cheia, são liberados para a canoagem pela bar-ragem de derivação a descarga de 50 m³/s, ideal para a prática da cano- agem, garantindo melhores condições do que as condições naturais.

7a

7b

7c 7d

Figura 6 - John Cadman fotografado por John Cabrera, atolados na beira do rio, mostrando as dificuldades logísticas durante os levantamentos de campo efetuados pela Canambra

Figura 7a - PCH Monte Serrat no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

Figura 7b - PCH Bonfante no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

Figura 7c - PCH Santa Fé no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

Figura 7d – Rafting no rio Paraibuna sobre a soleira vertedora da barragem de derivação de Santa Fé

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Influenciada por essas alterações, a ANEEL contratou a Es-cola Politécnica da UFRJ em 2000 para reestudar toda a bacia do rio Paraíba do Sul com atenção especial aos impactos am-bientais, a menos das usinas existentes ou aprovadas entre as quais o complexo de Simplício. Dessa revisão dos inventários existentes resultou o projeto de mais de cinquenta novos apro-veitamentos, em sua maioria esquemas de baixa queda para

torná-los ambientalmente viáveis. Dentre os aproveitamentos de baixa queda destacam-se as PCHs gêmeas Queluz e Lavri-nhas, assim denominadas por terem todos os equipamentos idênticos. Essas PCHs, com 30 MW cada, construídas no rio Paraíba do Sul a montante do reservatório do Funil, foram concluídas em 2011 e tiveram seus reservatórios condicionados pela infraestrutura viária do local.

Figuras 8a e 8b – PCH Queluz antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a ponte da rodovia Presidente Dutra BR-116

Figuras 9a e 9b - PCH Lavrinhas antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a rodovia Presidente Dutra BR-116

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Alterações nos critérios tarifários e a consequente ampliação de implantação de hidroelétricas Nos anos sessenta e setenta, devido ao estabelecimento do cri-tério da verdade tarifária introduzido no início do governo Cas-telo Branco por Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, um impressionante número de grandes hidroelétricas foram constru-ídas e entraram em operação, algumas das quais entre as maiores do mundo na época.

Nos anos oitenta e noventa um menor número de hidroelétricas entra-ram em operação devido à carência de recursos financeiros das estatais causada principalmente pelos impactos na economia nacional devi-dos aos dois choques do petróleo e a crescente inflação. Entretanto, a concentração de investimentos em poucos, mas grandes empreendi-mentos, continuou, resultando no que mostra a tabela a seguir.

Figura 10 – Local da usina hidroelétrica de Furnas no início de sua construção. A partir da esquerda Flavio H.Lyra, Juscelino Kubitschek de Oliveira,

John R. Cotrim, Benedito Dutra e outros. Todos olhando para o fotografo a menos de Flavio H. Lyra preocupado com a concepção do projeto

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Figura 11 – Casa de força e vertedouro da usina hidroelétrica de Tucuruí

Figura 12 – Usina hidroelétrica de Salto Santiago no rio Iguaçu

Figura 13 – Usina hidroelétrica de Itá em final de construção

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Legenda:N Região Norte S Região Sul SE Região Sudeste NE Região NordesteCO Região CentroesteTE barragem de terraER barragem de enrocamento com núcleo de terraBEFC barragem de enrocamento com face de concretoCG barragem de concreto gravidadeCCR barragem de concreto compactado com roloGA barragem de concreto em gravidade aliviadaCF barragem de concreto em contrafortes

TABELA 1Maiores Hidroelétricas em Operação em 2011

Hidroelétrica Potência Região Tipo de Barragem

(MW)

Tucuruí 8.370 N TE/CG

Itaipu (Brasil) 7.000 S GA/CG/CT/ER/TE

Ilha Solteira 3.444 SE/CO TE/CG

Xingó 3.162 NE BEFC

Paulo Afonso IV 2.462 NE TE/CG

Itumbiara 2.082 SE/CO TE/CG

São Simão 1.710 SE/CO TE/CG

Foz do Areia 1.676 S BEFC

Jupiá 1.551 SE/CO TE/ER/CG

Porto Primavera 1.540 SE/CO TE/CG

Itá 1.450 S BEFC

Itaparica 1.479 NE TE/CG

Marimbondo 1.440 SE TE/CG

Salto Santiago 1.420 S ER

Água Vermelha 1.396 SE TE/CG

Segredo 1.260 S BEFC

Salto Caxias 1.240 S CCR

Furnas 1.216 SE ER

Emborcação 1.192 SE/CO ER

Salto Osório 1.078 S ER

Sobradinho 1.050 NE TE/CG

Estreito 1.050 SE ER

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Extensos reservatórios foram criados para algumas dessas grandes hidroelétricas. Tais reservatórios passaram a propiciar benefícios de regularização de vazões e, consequentemente, otimização de operação e confiabilidade no suprimento de energia elétrica.

Figura 14 – Usina hidroelétrica de Sobradinho. Reservatório de maior área do Brasil

Figura 15 – Reservatório da usina hidroelétrica de

Serra da Mesa, o de maior volume do Brasil

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TABELA 2Maiores Reservatórios

Barragem Área (km²) Volume (km³) Extensão (km)

Sobradinho 4.214 34 350

Tucuruí 3.007 50 170

Balbina 2.360 17 225

Porto Primavera 2.250 20 250

Serra da Mesa 1.784 54 116

Itaipu* 1.350 29 170

*Incluindo a parte do reservatório sobre território paraguaio.

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Desde pouco antes do início dos anos oitenta o governo federal e os governos estaduais passaram a enfrentar grandes dificulda-des para prover recursos necessários para a implantação de novas usinas e de sistemas de transmissão. Um dos casos extremos ocor-reu na implantação da hidroelétrica de Emborcação que, perante à reiterada ameaça da Eletrobras em não cumprir o contrato de fi-nanciamento com a Cemig, esta denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial. Considerando as funestas e intensas consequências ao País em outros empreendimentos financiados pelo Banco Mundial, a Eletrobras foi obrigada a cumprir o contrato. Nas obras federais houve intensa concentração de recursos na construção das maiores usinas, nomeadamente em Itaipu e Tucuruí, e depois em Xingó, ficando as demais obras federais sujeitas às verbas de desmobili-zação. Essas verbas correspondiam aos valores que seriam des-pendidos caso as obras viessem a ser paralisadas. Como esses valores eram insuficientes para manter o ritmo ideal de constru-ção, essas obras ficaram sujeitas a vultosos dispêndios devido aos acréscimos de custo de construção e à maior incidência de juros durante a construção, tendo afetado negativamente as empresas contratadas para fornecimento de serviços e de bens de capital.

A hidroeletricidade nos anos recentesEm 1996, através da Lei 9427, uma importante modificação ocor-reu no setor elétrico com a criação da Agência Nacional de Ener-gia Elétrica. Pouco depois foi instituída a Agência Nacional de Águas e o Operador Nacional do Sistema, entidade, teoricamente privada, que atua na coordenação e no controle da operação das geradoras e dos sistemas de transmissão. Uma segunda alteração na legislação ocorreu em 2004 mantendo o processo de licitação para novos projetos, mas tornando-se vencedor aquele que apre-sentasse a menor tarifa, ficando assim concessionário da usina ou do sistema de transmissão. As transações de compra e venda de blocos de energia no sistema interligado de transmissão são fei-tas sob os auspícios do Mercado Atacadista de Energia através de contratos bi-laterais de curta duração. Todo o planejamento concernente a privatização, alterações operacionais e licitações

para concessões têm sido processado pela ANEEL. Uma em-presa federal (EPE - Empresa de Pesquisa Energética) foi criada para o desenvolvimento do planejamento do setor elétrico. Presen-temente empresas de geração, de transmissão, de distribuição, de comercialização e outros investidores são encorajados a im-plantar usinas de geração e sistemas de transmissão, bem como comercializar a energia produzida ou transmitida.

Devido ao sistema ser interligado em grande parte do territó-rio nacional, as novas hidroelétricas, além de suprirem energia na sua região, promovem benefícios para outras áreas. Como resulta-do, um vasto sistema de transmissão em alta tensão e em extra alta tensão promove a interligação de várias regiões do País ao sul do rio Amazonas unindo os dois maiores sistemas nacionais: o Norte/Nordeste ao Sul/Sudeste/Centroeste. Está programada para fu-turo próximo a interligação entre a margem sul e a margem norte do rio Amazonas. Em 2008 mais de 95% da população tinha aces-so a serviço público de eletricidade compreendendo mais de 99% dos municípios. Uma grande parte do território brasileiro, com exceção de sistemas isolados na Região Norte, é servido por mais de 90.000 km de sistemas de transmissão interconectados em 230 kV, 345 kV, 440 kV, 500 kV e 750 kV.

Em novembro de 2008 a capacidade instalada no País era de 104.816 MW em 1768 usinas geradoras das quais 706 eram hidroelé-tricas, 1042 termoelétricas e duas termonucleares. Nos últimos 10 anos a média anual do aumento da capacidade instalada foi de 3652 MW. Há poucos anos atrás bem mais de 90% da capacidade instalada provinha de usinas hidroelétricas. Ao final de 2008 essa proporção caiu para 74% devido ao planejamento para a diversificação de fontes geradoras e às dificuldades de obtenção de licenciamentos ambientais para barra-gens e reservatórios. Em abril de 2011 a capacidade total instalada no País passou a ser de 112.398 MW. Entretanto, a carga de impostos na geração de energia elétrica é de cerca de 45% da tarifa cheia, o que faz com que, apesar do grande número das grandes usinas hidroelétri-cas que operam há mais de 30 anos estarem teoricamente depreciadas, a energia elétrica disponibilizada no Brasil possa ser a mais cara do mundo devido principalmente a essa elevada carga tributária. Impostos,

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taxas e contribuições mandatórias em uma conta de consumo de ener-gia elétrica em residência de classe média quando comparada ao custo direto da energia fornecida, se situam no entorno de 85%. Presente-mente (meados de 2011) a tarifa média para a indústria no Brasil é de R$ 329/MWh, 134% superior à média das tarifas industriais nos ou-tros países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que se situam em R$140,7/MWh. Em estudo recente a FIRJAN considerou críticos os níveis dos quatorze encargos cobrados sobre a energia elétrica.

Entre 2015 e 2017 muitas das concessões das maiores hidroelétricas e dos sistemas de transmissão estarão vencidas. Pela legislação em vi-gor essas concessões retornarão à União que deverá efetuar licitações para definição de novos concessionários. As hidroelétricas a serem licitadas já estarão totalmente depreciadas, o que, pelo espírito da Lei, deverá fazer com que as tarifas venham a ser consideravelmente reduzidas. As atuais concessionárias terão que se adaptar à nova realidade. Prevê-se que em 2015 cerca de 20% do parque gerador, 70.000 km de linhas de transmissão e 33% dos contratos de distri-buição deverão ter suas concessões licitadas. Em abril de 2011 as grandes concessionárias como CESP, CEMIG e COPEL forma-ram um grupo para discutir o problema e tentar influenciar uma alteração na legislação visando prorrogações das concessões. Fur-nas, por exemplo, poderá perder até 52% do seu atual faturamento caso as concessões que vencem no período acima mencionado,

não venham a ser renovadas. Essas concessões, no caso de Furnas, compreendem a 5000 MW em seis usinas, além de ativos em siste-mas de transmissão. Tem havido por parte das atuais concessionárias e de governos estaduais, intenso lobby para a manutenção das atu-ais concessões. Por outro lado a FIESP defende que a legislação não venha ser alterada ou violentada e que as licitações sejam feitas; considera que com as licitações as tarifas despencarão a níveis de 20% dos atuais, pois os investimentos na construção das usinas e nos sistemas de transmissão já foram amortizados há muito tempo. Para tanto, a FIESP entrou com representação no TCU solicitando intervenção para que providências sejam tomadas no sentido de garantir a execução das licitações de concessão. Entretanto, um dos principais problemas é que, com o elevadíssimo nível dos encargos sobre o fornecimento da energia elétrica, a intensa redução das tarifas que beneficiaria os contribuintes e recolocaria a competitividade da in-dústria nacional no mercado externo, faria com que o governo perdesse arrecadação o que não costuma ser aceito pelos políticos da situação.

Desde a última década do século XX, um grande número de in-vestidores têm atuado na implementação de pequenas centrais hidroelétricas até o limite de 30 MW instalados. A esmagado-ra maioria dessas pequenas usinas tem modestos reservatórios, pequenas barragens, vertedouros de superfície em lâmina livre e casas de força em posição remota em relação às barragens.

Figura 17 – Barragem da PCH Ivan Botelho II (Palestina) em Minas Gerais

Figura 16 - PCH Calheiros 19 MW no rio Itabapoana, entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo

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Hidroelétricas de porte médio são também atraentes a investido-res privados por apresentarem, em relação às empresas estatais, menores custos internos.

Grandes hidroelétricas estão presentemente sendo construídas. As hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, situadas no rio Ma-deira a montante de Porto Velho terão, no seu conjunto, cerca de

6900 MW instalados. O rio Madeira drena uma extensa área da Cordilheira dos Andes na Bolívia. Os vertedouros dessas duas barragens foram dimensionados para as descargas de-camilenares de 82.600 m³/s e 84.000 m³/s, sendo cada um equipado com 20 comportas de segmento de 20 m x 25,2 m. Ambas casas de força abrigarão unidades bulbo operando pra-ticamente a fio d’água. Os reservatórios com área de 258 km² e 271,3 km², inundarão terrenos da Floresta Amazônica. Entre-tanto, a relação entre área inundada em km² e a capacidade instalada em MW é de cerca de 0,08, extremamente baixa em comparação com a média nacional.

Encontra-se em início de construção a hidroelétrica de Belo Monte que terá a capacidade instalada de 11.233 MW no rio Xingu, um dos maiores tributários do rio Amazonas. Esse apro-veitamento está sendo estudado há trinta anos. Por restrições ambientais e com a finalidade de se conseguir o licenciamento ambiental, a barragem de Babaquara que regularizaria o rio Xingu a montante de Belo Monte, teve seu projeto abando-nado e a área do reservatório de Belo Monte que inicialmente era de 1225 km², passou para 516 km². O empreendimento afetará 4300 famílias urbanas e 800 famílias rurais. A hidroe-létrica de Belo Monte terá baixa relação entre a área do reser-vatório e a capacidade instalada: 0,05 km²/MW. A média na-cional é de 0,49 km²/MW. Outras grandes hidroelétricas como Tucuruí (0,29 km²/MW), Itaipu (0,10 km²/MW) e Serra da Mesa (1,40 km²/MW) embora com relações modestas, apre-sentam índices mais elevados. A ausência de reservatórios de regularização no rio Xingu faz com que o fator de capacidade seja muito baixo. Localizada nas proximidades de Altamira, no Pará, a usina aproveitará a queda na grande curva do Xingu. Pelo projeto em processo de licenciamento, serão implanta-das duas casas de força, uma com 11.000 MW com unidades Francis sob 87,5 m de queda líquida e outra, denominada casa de força complementar, com 233 MW com unidades bulbo sob 11,5 m de queda l íquida. A descarga remanescente é a maior que se tem notícia, 700 m³/s, que fluirão pela casa de força complementar.

18 – PCH Cachoeira em Rondônia, pequena estrutura (barragem) de derivação

Figura 19 – Usina hidroelétrica de Monjolinho com vertedouro do tipo lateral

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Figura 20 – Usina hidroelétrica de Santa Clara em Minas Gerais

Figura 21 – Barragem vertedoura da hidroelétrica de Picada em Minas Gerais

Figura 22 – Obras da usina hidroelétrica de Santo Antônio no rio Madeira

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A hidroelétrica de Estreito, também situada na Amazônia, projeta- da para 1087 MW instalados encontra-se (maio de 2011) em início de operação comercial após quatro anos de atrasos devido a demo-ras no licenciamento ambiental e a paralisações referentes a ações judiciais e a atos de ocupação indevida de seu canteiro de obra.

A auto-produção de energia elétrica tem movimentado em anos re-centes várias empresas de grande vulto como a Vale, a Petrobrás, a CSN, a Votorantim e muitas outras. Um exemplo marcante é a Companhia Brasileira de Alumínio CBA que por longo período foi o maior auto-produtor de energia elétrica do País. No início dos anos quarenta a família Carvalho Dias e o empresário, engenheiro e político José Ermírio de Moraes fundaram a CBA para exploração da jazida de bauxita que havia sido identificada nas terras dos Carvalho Dias nas proximidades de Poços de Caldas, MG, e montar uma fábrica de alumínio, indústria eletrointensiva. Em 1942 o DNAEE determi-nou que a São Paulo Light suprisse de energia elétrica a fábrica que estava projetada para ser construída no município de Mairinque, SP. Como a São Paulo Light não dispunha de energia para garantir o fornecimento à CBA, esta requereu a concessão do rio Juquiá-Guaçu e do seu afluente Assungi. A concessão só foi outorgada em 1952.

Em conversa com o autor, o engenheiro Antônio Ermírio de Mo-raes externou as dificuldades que encontrou, sendo um empreen-dedor privado, para a obtenção da concessão. Afirmou ainda que considerava estratégico ter a garantia de produção de pelo menos 50% da energia necessária à sua indústria.

Assim, a CBA deu início à implantação de uma série de usinas no rio Juquiá-Guaçu: em 1958 entrou em operação a hidroelétrica de França com 24 MW, em 1963 Fumaça com 36,4 MW, em 1974 Alecrim com 72 MW, em 1978 Serraria com 24 MW, em 1982 Porto Raso com 28,4 MW, em 1986 Barra com 40,4 MW e, finalmente, em 1989 Iporanga com 36,87 MW. Nesse período, em 1974, a CBA adquiriu da São Paulo Light a hidroelétrica de Itupararanga com 55 MW. Com os principais po-tenciais do rio Juquiá-Guaçu explorados, a CBA partiu para o médio rio Paranapanema, tendo construído as hidroelétricas de Piraju com 80 MW que entrou em operação em 2002 e Ourinhos em operação desde 2006. Figura 23 – Barragem da usina hidroelétrica

de Barra no rio Juquiá, em São Paulo

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Figura 24 - Barragem da usina hidroelétrica de Fumaça, no rio Juquiá, em São Paulo

Figura 25 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Barra Figura 26 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Fumaça

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Os projetos das hidroelétricas da CBA no rio Juquiá-Guaçu fo-ram todos de concepção italiana, com barragens de concreto de gravidade aliviada. Além do acompanhamento constante do en-genheiro Antônio Ermírio de Moraes, o executivo da empresa era o médico Miguel Carvalho Dias que contava com a importan-te colaboração de vários engenheiros de destaque na profi ssão entre eles Carlos Mazzaro, Newton Sady Busetti, Edilberto Mau-rer e Valério Mortara para o qual o autor teve o privilégio de entregar o título de engenheiro eminente pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica em 2000.

Barragens de rejeitosAtividades de mineração representam um importante segmen-to na economia nacional. Devido à legislação ambiental, um grande número de barragens de rejeitos foram construídas ou estão presentemente em construção. A barragem do Germano, a maior do País, que atualmente (maio de 2011) está com 155 m de altura é projetada para atingir 170 m de altura no seu estágio fi nal. Embora não haja um registro de barragens de rejeitos no País, são conhecidas mais de 700 barragens em Minas Gerais e pelo menos 150 outras nos demais estados da Federação. O método de construção mais empregado é o método de mon-

Figura 27 – Antônio Ermirio de Moraes principal executivo do Grupo Votorantim, detentor da CBA

Figura 28 - Usina hidroelétrica de

Piraju no rio Paranapanema entre São Paulo

e Paraná

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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tante. Entretanto, para rejeitos finos a muito finos como na mi-neração de ouro, o método de jusante é empregado. Um projeto não usual foi adotado para a disposição de rejeitos em mina de urânio em Poços de Caldas. Foi adotada uma barragem de terra e enrocamento compactados, com três filtros chaminé internos, para ser construída em três fases. Para impedir que a água de chuva se misturasse com a água percolada pelo ma-ciço da barragem e pela sua fundação, água esta que tem que ser tratada, o talude de jusante da barragem foi projetado para ser coberto com uma face de concreto.

Controle de cheiasPor muitos anos desde 1944, o Departamento Nacional de Sa-neamento, órgão do Ministério do Interior, foi ativo em empre-endimentos de controle de cheias envolvendo a construção de barragens, polders e drenagens. As barragens foram construídas principalmente com o objetivo de evitar cheias em áreas populosas. Os dois mais destacados empreendimentos foram o sistema de controle de cheias do rio Itajaí em Santa Catarina, que inclui três barragens que são somente usadas para controlar as des-cargas afluentes, o sistema de proteção de cheias da cidade de Recife em Pernambuco, que compreende três barragens de ter-ra. O critério de projeto que em geral era adotado objetivava o controle das cheias de período de recorrência de 100 anos ou a maior cheia que tivesse sido registrada. Em 1990 as ativida-des desse Departamento foram abruptamente encerradas e o Departamento extinto. Nos primeiros anos dos anos noventa diversas barragens que antes eram controladas pelo DNOS fi-caram sem qualquer controle e sem responsável pela operação e segurança. Durante a estação chuvosa de 2009 uma grande cheia ocorreu na bacia do rio Itajaí e as três barragens não foram su-ficientes para controlar toda a descarga afluente. Severas con-sequências em grande área alagada no baixo vale do Itajaí com-preenderam impressionantes perdas de propriedades. Presente-mente estados e prefeituras que, em geral, não são capacitados técnica e financeiramente, têm de enfrentar por conta própria os problemas de controle de cheias.

Vias navegáveisA navegação interior permanece sendo o método de transporte mais usual na Região Amazônica onde há longos e caudalosos rios que podem ser usados ao longo do ano todo. Nesse grupo de rios se encontram todo o rio Amazonas, seus formadores os rios Solimões e Negro, bem como extensos trechos inferiores dos seus afluentes, principalmente nos trechos sobre terrenos sedimentares recentes. Nas outras regiões, os poucos empreendimentos de navegação interior existentes são em geral anexos a hidroelétricas. As duas principais bacias com eclusas instaladas em hidroelétricas são as dos rios Tietê e Paraná, em São Paulo e do São Francisco, no Nordeste.

PaisagismoDesde a construção, em 1958, da barragem de Pampulha em que criou um belo espelho d’água na cidade de Belo Horizonte, algu-mas pequenas barragens foram construídas no coração de outras cidades para criação de lagos artificiais como elemento paisagístico. O maior e mais famoso desses lagos artificiais é o reservatório de Paranoá, na capital federal.

Figura 29 - Eclusas da barragem de Três Irmãos sobre o rio Tietê

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Obras de abastecimento de águaBarragens têm sido construídas como parte de sistema de abaste-cimento de água para zonas urbanas e industriais. O mais destaca-do desses sistemas é o sistema de Cantareira para abastecimento de água da grande São Paulo e cidades do vale do Piracicaba. Esse sistema foi construído nos anos setenta e compreende sete gran-des barragens de terra, sete túneis escavados em rochas gnaíssicas e graníticas numa extensão total de 29 km e uma grande estação de recalque subterrânea com capacidade de 33 m³/s. Os dois maio-res sistemas do Rio de Janeiro aproveitam as barragens da Light construídas entre o início do século (sistema Lajes), e as barragens do sistema de derivação dos rios Piraí e Paraíba do Sul (siste-ma PPD). Outro sistema importante é o de Belo Horizonte compreendendo obras hidráulicas de vulto, com captações em barragens no rio das Velhas e no rio Manso. Um sistema que me-rece menção é o sistema para o abastecimento d’água da cidade de Fortaleza. O sistema inclui a barragem de terra do Castanhão com trecho em concreto compactado com rolo, concluída em 1999 com 72 m de altura, represando 4,46 bilhões de metros cúbicos de água sob uma superfície de 325 km² no nível d’água máximo nor-mal. O sistema necessitou da construção de 256 km de canais para suprimento de 22 m³/s para a cidade e para projetos de irrigação, descarga essa que corresponde a 90% de permanência. O mais recente

empreendimento de vulto para abastecimento de água é a barra-gem João Leite construida em concreto compactado com rolo, com 53,5 m de altura e vertedouro de soleira livre sobre a barra-gem. A barragem possibilita o acréscimo de 5,33 m³/s de reforço ao abastecimento das principais cidades do estado de Goiás.

Merece menção a barragem do Ribeirão João Leite, concluida em 2009, a qual é destinada ao abastecimento de água da cidade de Goiânia. O artigo técnico sobre o projeto e a construção desta barragem de CCR com 53,50 m de altura e alas de terra faz parte da publicação do CBDB Main Brazilian Dams III.

Figura 30 – Barragem do Ribeirão João Leite para

o abastecimento d’água da cidade de Goiânia

Figura 31 - Barragem de Pindobaçu na Bahia, aproveitamento de finalidades múltiplas

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Entretanto, um estudo recentemente concluído pela Agência Nacio-nal de Águas revelou que a situação do abastecimento de água em 55% dos 5565 municípios brasileiros está se agravando e deve-rá estar insuficiente em 2015. Serão necessários investimentos de R$ 22 bilhões para garantir a oferta de água de qualidade adequa-da até o ano de 2025. O maior problema da área de saneamento básico, entretanto, se concentra na coleta e tratamento de esgoto uma vez que são poucas as cidades que dispõem de estações com capacidade de tratamento de porcentagens consideráveis dos es-gotos coletados. Esse estudo da Agência prevê a necessidade de investimentos superiores a R$ 50 bilhões até 2025 tendo em vista o precário estado dos sistemas de esgoto sanitário de quase todos os municípios brasileiros. A esmagadora maioria dos esgotos é lançada em corpos d’água (rios, lagos e oceano) sem tratamento.

Finalidades múltiplasBarragens com finalidades múltiplas eram raras no cenário na-

cional devido à estanqueidade dos órgãos federais e estaduais na

definição dos empreendimentos hidráulicos. O primeiro gran-

de exemplo de barragem implantada com finalidades múlti-

plas foi Três Marias com objetivos de regularização do rio São

Francisco, beneficiamento à navegação interior e geração de

energia elétrica. Dessa forma, premido por necessidade de ini-

ciar as obras de Três Marias e de Furnas, o governo Juscelino

Kubitschek foi forçado a definir recursos federais para a implan-

tação da barragem, do vertedouro e do reservatório, enquanto

a Cemig arcou com a casa de força.

Figura 32 - Barragem de Mirorós na Bahia,

aproveitamento para irrigação e

abastecimento de água

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Reservatórios interligados de Paraibuna e Paraitinga

Outro exemplo é a barragem de Pedra do Cavalo na Bahia que con-tribui para o controle de cheias, o abastecimento de água, a produção de energia, a regularização e a irrigação. Importantes empreendi-mentos de finalidades múltiplas são as barragens do alto e médio rio Paraíba do Sul, Paraitinga, Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Fu-nil que contribuem para a regularização de descargas, controle de cheias, geração de energia elétrica e possibilitam o abastecimento do Grande Rio de Janeiro.

A evolução dos segmentos de bens de capital e de prestação de serviços Toda essa atividade em projeto, construção e operação de barragens, bem como em fabricação e montagem de equipamentos, incentivou

a engenharia brasileira, tão dependente de apoio estrangeiro na primei-ra metade do século XX, a se tornar uma das líderes mundiais nesse setor. Muitas empresas brasileiras de projeto e construção se ex-pandiram durante a segunda metade do século XX e presentemente ocupam relevante posição no cenário internacional. Neste mesmo período diversas fábricas de equipamentos mecânicos, elétricos e ele-trônicos se estabeleceram no País e têm suprido a demanda interna e exportado equipamentos para diversos outros países.

Nos últimos 20 anos do século passado o País atravessou um perío-do de severa estagnação econômica quando vinte empreendimentos com barragens do setor elétrico tiveram sua construção suspensa por falta de recursos financeiros. Durante esses anos muitas em-presas brasileiras desenvolveram com sucesso atividades no ex-terior em países de todos os continentes. Depois de passado esse período, a engenharia brasileira voltou a ter um mercado interno robusto com alguns dos maiores projetos do mundo atual tais como as hidroelétricas de Jirau, Santo Antonio, Estreito e Belo Monte, além de diversas hidroelétricas de pequeno e médio porte.

Figura 33b – Barragem e

casa de força de Paraibuna

Figura 33a – Barragem de Paraitinga no final de sua construção

Figura 33c – Diques durante o primeiro enchimento do reservatório

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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O desenvolvimento e o desmonte da engenharia consultivaOs estudos e projetos de barragens no País tiveram duas origens distintas. No Nordeste, tanto no DNOCS quanto na CHESF, havia predominância da engenharia nacional com grandes contingentes de engenheiros formados em nossas escolas, mes-mo que inicialmente carentes de experiência. Nota-se que os projetos do DNOCS eram feitos na sua sede no Rio de Janei-ro antes da mudança para Fortaleza, com influência de eventuais consultores provenientes do U.S. Bureau of Reclamation. Os projetos da CHESF, principalmente na sua primeira hi-droelétrica, Paulo Afonso I, foram feitos no canteiro de obra por equipe nacional com influência de alguns engenheiros es-trangeiros recrutados como imigrantes após o término da Se-gunda Grande Guerra Mundial e de outros que trouxeram marcante influência francesa. Entretanto, nesses dois casos, a força de trabalho e a responsabilidade técnica eram essencialmente nacionais.

Na Região Sudeste, os projetos da Light e da AMFORP eram ni-tidamente comandados, no início do Século XX, por americanos.

A organização da AMFORP veio influenciar na organização da CEMIG, em Minas Gerais, através do engenheiro John Cotrim que também trouxe, em seguida, essa experiência organizacional para Furnas.

Tanto a CEMIG quanto Furnas tiveram seus primeiros grandes projetos elaborados por empresas consultoras americanas. Aos pou-cos, foram se formando importantes e bem estruturadas empresas consultoras nacionais que passaram a atuar nas linhas de frente dos grandes empreendimentos hidroelétricos dessas duas em-presas concessionárias. Outras empresas do setor elétrico con-tavam com projetos desenvolvidos por consultoras suíça, alemã, portuguesa e italiana. Em São Paulo, o governo estadual orientava os projetos dos anos cinquenta para empresas brasileiras ou para um conjunto de consultores individuais, por bacias hidrográficas. Quando finalmente foi enfrentado um projeto de grandes propor-ções, a equipe do contratante, especialmente o engenheiro José Gelazio da Rocha, incentivou os consultores independentes das barragens do rio Pardo a formar uma empresa que pudesse desen-volver a contento o projeto da hidroelétrica de Jupiá, no rio Paraná, de dimensões inusitadas para a época.

Figura 34 - Barragem de finalidades múltiplas de Funil

Figura 35 - John Reginald Cotrim jovem na EBASCO 1942-44

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As hidroelétricas projetadas pelo DNOS no Sul e na Bahia, também já contavam com expressivo contingente de engenheiros brasileiros.

Os anos setenta se caracterizaram por um enorme desenvolvimen-to da consultoria brasileira. Nessa época as empresas de projeto assumiam crescentes responsabilidades em um grande número de projetos de envergadura, principalmente no setor elétrico. Esse desenvolvimento acelerado foi em parte condicionado por lei de proteção ao mercado de consultoria e projeto, conseguida durante o governo de Costa e Silva. A Associação Brasileira de Consul-tores de Engenharia - ABCE analisava cada contratação de con-sultoria externa para detectar se havia similar nacional. Essa lei só foi cancelada sem alarde e sem anúncio no governo Sarney para os projetos do programa de irrigação de um milhão de hectares.

Nos anos setenta quase dez consultoras brasileiras figuravam en-tre as maiores do mundo. Por outro lado, as consultoras brasileiras tinham como obstáculo a lei da informática que prejudicou so-bremodo o desenvolvimento da produção de projetos e, de acordo com o então senador Roberto Campos, tornou o contra- bandista um herói nacional.

Quase todo esse desenvolvimento era calcado em contratos cost plus com empresas estatais do setor elétrico. Essa modalidade con-

tratual foi introduzida pelas empresas americanas de consultoria na segunda metade dos anos cinquenta. Por esse tipo de contrato a consultora era remunerada pelo custo do serviço baseado nos salários de suas equipes técnicas multiplicados por um fator que representava os impostos, os encargos sociais e as despesas diretas, com a adição do seu lucro em função do trabalho efetivamente de-senvolvido. As consultoras a cada mês recebiam antecipadamente de acordo com a programação aprovada e prestava conta ao final de cada mês. Dessa forma passou a haver elevada segurança con-tratual mesmo em regime inflacionário que se acentuou a partir do governo JK. Dessa forma praticamente não havia necessidade de capital de giro, a inflação não era sentida e o risco de inadimplência era muito reduzido. Entretanto, esse tipo de contrato veio causar o desmanche das empresas consultoras na década seguinte.

Em 1979 foi instituído o teto salarial nas empresas estatais, teto este que era o salário direto nominal do Presidente da República, na época o general Figueiredo. Como o salário direto nominal do Presidente não era muito elevado, os salários nas estatais passaram

Figura 36 - Usina hidroelétrica de Volta Grande no rio Grande

Figura 37 - Usina hidroelétrica de Itapebí no rio Jequitinhonha, na Bahia

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a ser achatados. Por terem salários achatados, os funcionários das estatais federais contratantes de serviços de consultoria passaram a não aprovar nos contratos reajustes salariais dos empregados das empresas contratadas. Como a inflação era intensa, as consul-toras passaram a sofrer pressões dos dois lados: as suas equipes demandando reajustes salariais corretos e os clientes não apro-vando esses reajustes nos contratos. O equilíbrio financeiro dos contratos das consultoras foi rapidamente corroído.

A letra desse tipo de contrato pelo custo significava que deveria haver reembolso pelos acréscimos de custos devido à inflação. A inflação se intensificava a cada período, tendo chegado a um pico de mais de 80% ao mês e ao impressionante e quase ina-creditável, para os que não vivenciaram, índice de 13 trilhões e 342 bilhões por cento no período de apenas quinze anos que an-tecederam ao Plano Real. As consultoras, através da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE, pleiteavam in-cessantemente fórmulas de reajustes sem encontrar eco em mui-tas das empresas contratantes. Nessas empresas uma posição de clarividência foi assumida pelo engenheiro João Alberto Ban-deira de Mello que atuava na Eletrobras e que propunha que, além do correto reajustamento, houvesse também o justo reem-bolso dos elevados juros que as consultoras já estavam pagando ao sistema financeiro. Essa proposição sequer foi considerada e só após muito tempo, já com as consultoras descapitalizadas e endividadas, é que uma correção parcial foi admitida nos contra-tos, mesmo assim após 45 dias da entrega da respectiva fatura, ou seja, até 75 dias da execução dos serviços.

Adicionando a esses aspectos deletérios, sobreveio, nos anos oiten-ta, a crise financeira das estatais, principalmente das federais, no-meadamente as que não tinham grandes gerações de energia como era o caso da Light e de FURNAS. Essas outras empresas passa-ram a atrasar sistematicamente o pagamento das faturas, em várias ocasiões por mais de cinco meses. Como para as consultoras, nos contratos pelo custo, os seus técnicos não podiam acumular horas trabalhadas para somente faturá-las quando houvesse recursos nas caixas das contratantes, os faturamentos tinham que ser mensais.

Incrivelmente neste País os impostos incidem no ato do faturamen-to, mesmo que não venha haver pagamento. As consultoras tinham que recolher impostos por serviços que não eram pagos ou que seriam pagos meses depois, corroídos por uma inflação galopante.

No advento do governo Sarney houve um dos muitos planos he-terodoxos no qual teoricamente a inflação seria nula. Foram cria-dos os “fiscais do Sarney” que acusavam às autoridades eventuais aumentos de preços. As contratantes do setor elétricos viraram “fiscais do Sarney” e unilateralmente abateram os multiplica-dores dos contratos alegando que a partir daquele instante não mais haveria inflação. Entretanto, esses multiplicadores haviam sido estabelecidos nos anos cinquenta quando a inflação antes do governo Juscelino ainda era muito baixa.

Finalmente, no auge da crise das contratantes estatais federais, as consultoras foram chamadas para receber parte de alguns atra-sados pagos em títulos que eram chamados de moeda podre, pois valiam no mercado apenas uma pequena fração de seu valor de face, em geral cerca de 25%, mesmo assim quando e só quando eram usados nos programas de privatização. Dessa for-ma, o governo federal desovou empresas nos programas de privatização ganhando dos dois lados.

Daquelas grandes empresas de consultoria de engenharia que fi-guravam como das maiores do mundo, algumas foram reduzidas a níveis pequenos e várias fecharam, tendo originado forte de-semprego no ramo da engenharia e tendo sido criado o termo “o engenheiro que virou suco.”

Mas outros profissionais se reuniram em pequenas empresas, algu-mas delas atuando em segmentos específicos. Algumas dessas em-presas foram gradativamente crescendo e hoje já apresentam grande número de profissionais engajados.

Os contratos, entretanto, devido a essa experiência desastrosa, não mais foram de remuneração pelo custo; presentemente a esmaga-dora maioria dos contratos por prestação de serviços de consultoria

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é por preço fixo, o que transfere para a consultora um risco que deveria ser do empreendedor.

A partir dos anos oitenta as consultoras menos atingidas pelos im-pactos acima relatados voltaram-se para o mercado externo com o objetivo de substituir os contratos nacionais. Algumas empresas tiveram sucesso e hoje estão presentes em vários continentes.

O desenvolvimento das empresas de construçãoSemelhantemente ao que ocorreu nas atividades de estudos e projetos, a construção de barragens no Nordeste foi efetivada principalmente com equipes do próprio empreendedor, seja o DNOCS ou a CHESF. No caso do DNOCS, apenas em algumas poucas barragens consideradas de grande vulto na época, empre-sas estrangeiras foram contratadas para executar as obras civis. O DNOCS construiu mais de duas centenas de grandes barra-gens com recursos humanos e equipamentos próprios. Entretanto, as obras mais recentes que datam do final do século passado, foram implantadas por empresas privadas de construção.

A partir de sua fundação até a conclusão da hidroelétrica de Moxo-tó, a CHESF construiu com equipe própria suas barragens e usinas. A partir dessa época, dado o desenvolvimento das construtoras nacionais, estas passaram a ser contratadas para todas as demais obras.

No Sudeste as construtoras estrangeiras foram utilizadas pela Light e pela AMFORP em suas hidroelétricas que são mais antigas, todas com construções compreendidas do início até meados do século passado.

Da mesma maneira, ainda nos anos cinquenta, Furnas contratou para a usina que deu nome à empresa, uma construtora britânica associada a uma empreiteira brasileira. Para essa usina, na época uma das maiores do mundo em capacidade instalada, em altura da bar-ragem e em potência dos seus equipamentos de geração, outra em-presa brasileira com experiência restrita à construção de estradas foi contratada para erguer a barragem auxiliar de Pium-I, tendo socorrido os empreiteiros principais na elevação rápida do núcleo da barragem de Furnas. Com a experiência adquirida essa empre-sa assim como outras que se capacitaram, já nas obras seguintes, assumiram a condução das construções.

Figura 38 - Usina hidroelétrica de Xingó no rio São Francisco

Figura 39 – Usina hidroelétrica de Furnas logo após o enchimento do reservatório

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A CHEVAP, encarregada da implantação da barragem em abóbada de Funil, contratou uma empresa nacional para a bar-ragem principal e outra empresa nacional para a barragem de terra de Nhangapi, na época a segunda maior barragem desse tipo no País. Furnas, ao assumir a responsabilidade da cons-trução da usina do Funil, substituiu a empresa construtora da barragem principal por uma empresa dinamarquesa, hoje de controle nacional.

A CEMIG, ao ser instituída, assumiu usinas de portes pequeno e médio que vinham sendo implantadas por empresas nacionais. Sua primeira grande obra, a usina de Três Marias, foi constru-ída por empreiteira americana, mas posteriormente, empresas brasileiras passaram a ser contratadas à exceção da hidroelétri-ca de São Simão que, após acirrada concorrência internacional, foi delegada a uma empresa italiana.

As grandes empresas brasileiras atravessaram a recessão econô-mica e a desaceleração das obras no País nas décadas de oitenta e noventa, partindo com muito sucesso para empreendimentos no exterior. Com a intensificação dos investimentos em obras hidráu-licas no País, as empresas construtoras têm atuado com intensidade semelhante à do passado, nos anos setenta. A ampla dissemina-

ção de pequenas e médias centrais hidroelétricas que ocorreu nas duas últimas décadas, fez com que surgisse considerável número de novas construtoras no País.

Perspectivas para o futuroAs dificuldades no licenciamento ambiental e as incertezas que sem-pre rondam os processos de aprovação de projetos hidroelétricos têm causado impressionante perda na matriz energética limpa que costumava orgulhar o País. São muitas novas centrais geradoras termoelétricas poluidoras, entretanto de muito mais fácil licencia-mento ambiental e aprovação na ANEEL, inclusive as térmicas a óleo e a carvão. Há duas usinas nucleares em operação e uma em construção. Essas usinas têm sofrido das indecisões políticas, todas elas tendo tido seus cronogramas de implantação constan-temente refeitos e suas obras se arrastado por duas a três décadas,

Figura 40 - Barragem da usina hidroelétrica de Mascarenhas de Moraes, antiga Peixoto, concluída em 1956. Na margem esquerda o

vertedouro complementar, construído em 2002

Figura 41 - Usina hidroelétrica de São Simão

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onerando sobremaneira os seus custos pela forte incidência dos juros sobre os capitais investidos durante as suas prolongadas construções. Entretanto, Angra II que levou 24 anos em constru-ção, pode operar até hoje (maio de 2010) há mais de uma década sem licenciamento ambiental e sem licenciamento da CNEN.

O acréscimo de capacidade de geração em empreendimentos sem possibilidade de armazenamento de energia, tais como usinas eólicas, térmicas, nucleares e hidroelétricas a fio d’água, sinali-zam para dificuldades de atendimento de demanda na ponta em diversos centros de carga no País. Para o bem da economia e do meio ambiente, há imperiosa necessidade de se ultrapas-sar as resistências dos que se dizem ambientalistas e se voltar à implantação de hidroelétricas com grandes volumes úteis de reservatório para se recuperar a capacidade de regularização de vazões e, consequentemente, de energia. O atual modelo do se-tor elétrico contribui para essas dificuldades por não contemplar qualquer remuneração para a regularização de descargas que beneficiem a operação do sistema interligado.

Pelo atual planejamento energético o País enfrenta a necessi-dade de instalação de cerca de 5000 MW/ano. Tendo em vista esse desafio, as classes dirigentes têm pressionado licenciamen-tos ambientais de grandes centrais geradoras como ocorreu nas duas usinas em construção no rio Madeira e presente-mente na hidroelétrica de Belo Monte cujo licenciamento está sendo obtido por etapas, o que é no mínimo inusitado: o único licenciamento obtido até agora (maio de 2011) foi con- cedido em janeiro de 2011 para instalação do canteiro de obra. Isso, associado às interrupções provenientes de ações judiciais ou do Ministério Público ocorrendo na maior hidroelétrica em construção, comprova a incerteza dos empreendedores em assumir tais riscos. Embates entre membros do governo e do licenciamento ambiental têm provocado demissões em vá-rios níveis, até no nível ministerial. Eventuais paralisações, devidas à ação de vândalos em canteiros de obra e ao Ministé-rio Público que questiona licenças ambientais, contribuem para a elevação de prazos e de custos já que os juros reais no Brasil

permanecem há décadas como o mais elevado do mundo, hoje em 6,8% a.a., quase três vezes superior ao do segundo colocado, a Hungria, com 2,4% a.a.

As perdas de energia elétrica no sistema interligado e nos sis-temas de distribuição atingem em 2011 cifras elevadas, entre 15% e 17% da geração. Parcela expressiva dessa perda vem de ligações ilegais. Além de serem esperados acréscimos de consu-mo devido ao desenvolvimento industrial, verifica-se também que o consumo domiciliar médio no Brasil ainda é muito inferior ao de países desenvolvidos, sendo pouco mais de um décimo do americano, e pouco inferior ao verificado na Rússia e na África do Sul. Estima-se que o consumo total de energia elétrica no País evolua em média com acréscimos de 4,8% ao ano, passan-do dos 456,5 TWh verificados em 2010 para 730 TWh em 2020. O consumo médio residencial deverá passar dos 154 kWh/mês em 2010 para 191 kWh/mês em 2020. Entretanto, o máximo histórico de 180 kWh/mês registrado antes do racionamento de 2001 só deverá ser ultrapassado em 2017.

No passado recente (2000 a 2011) tem sido registrado im-pressionante número de apagões, vários dos quais abrangen-do extensas regiões densamente habitadas. Considerando a relativa fragilidade dos sistemas de transmissão e as cres-centes demandas na ponta de carga, prevê-se a continuidade e mesmo o agravamento dessa situação.

O controle de cheias permanece nebuloso no futuro próximo. A falta de um órgão de âmbito nacional para controlar e implemen-tar obras hidráulicas com esse objetivo é imperioso já que os cursos d’água são em geral intermunicipais e mesmo inter estaduais. O setor elétrico através do ONS despacha algumas hidroelétri-cas levando em conta o controle de cheias. O exemplo mais ní-tido são as hidroelétricas do vale do rio Paraíba do Sul cujo rio principal, por atravessar uma sucessão de importantes cidades de médio porte e servir de abastecimento de água a grandes núcleos urbanos, tem uma regra operativa que privilegia a regularização de vazões e o controle de cheias.

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Historicamente a implantação de eclusas para navegação interior sempre vieram a reboque de algumas hidroelétricas ao contrário do que acontece em países europeus cuja tradição da navegação fluvial sempre esteve arraigada ao desenvolvimento viário, vindo como sub-produto a geração de energia elétrica. Consolidando essa deformação brasileira, tramita no Congresso um projeto de lei que obriga os investidores em hidroelétricas de implantar siste-mas de navegação onde possível, onerando ainda mais as novas usinas hidroelétricas.

As constantes e recentes valorizações das commodities no mercado internacional indicam para o futuro a permanência das atividades em mineração e, consequentemente, da construção de barragens de rejeitos cada vez maiores e mais frequentes.

As deficiências previstas no curto prazo para o abastecimento da crescente demanda por água nas cidades e distritos industriais,

têm feito com que planejadores do setor considerem alternativas dispendiosas, incluindo a captação de água de baixa qualidade a grandes distâncias (médio Tietê para São Paulo e sub-médio Pa-raíba do Sul para o Rio de Janeiro), com grandes recalques (Ju-quiá para São Paulo) ou na regeneração de águas em estações de tratamento de esgotos (Alegria para o Rio de Janeiro), por exemplo, onerando sobremaneira as futuras captações, aduções e tratamentos de água.

Homenagem aos membros de juntas de consultoresDurante o projeto e construção das mais importantes barragens brasileiras, engenheiros e geólogos consultores de grande proje-ção na profissão, brasileiros e estrangeiros, participam de juntas de consultores. Depois de Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e

Figura 42 - A partir da esquerda os consultores da São Paulo Light: Samuel Chamecky, Karl Terzaghi, Othelo Machado e Casemiro Munarski (Foto do Acervo Paulo Chamecki)

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Figura 43 - Arthur Casagrande, John Cabrera, Gurmukh Sarkaria e Flavio H. Lyra

em inspeção de campo em Itaipu

Figura 44 - Professor Manuel Rocha, pesquisador, fundador e diretor geral do Laboratório de Engenharia Civil sediado em Lisboa. Destacada atuação na CIGB e em consultoria de barragens em vários paises, inclusive no Brasil.

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Portland Fox mencionados acima, outros consultores participa-ram de juntas tais como Roy Carlson, Manuel Rocha, Charles Blanchet, James Libby, James Sherard, Barry Cooke, Don Deere, Victor F. B. de Mello e Flavio H. Lyra que são aqui mencionados como homenagem àqueles que já faleceram.

Esses profissionais altamente qualificados deram valiosas contri-buições ao projeto e construção de grandes barragens e formaram engenheiros e geólogos brasileiros que presentemente trabalham como consultores no Brasil e no exterior.

Figura 45 - Rubens Vianna de Andrade, Flavio H. Lyra, Arthur Casagrande e Julival de Moraes em

inspeção nas obras de Itumbiara

Figura 46 - Consultor Roy Carlson por ocasião da sua

condecoração pelo governo brasileiro entre Carlos

Alberto de Padua Amarante e Victor F. B. de Mello

durante o XII SNGB, em São Paulo abril de 1978

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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Os 5 primeiros presidentes da CIGB de 1931 a 1961

4 5

1. G. Mercier - França - 1931-1934

2. M. Giandotti - Itália - 1937-1940

3. A. Coyne - França - 1946-1952

4. G.A. Hathaway - EUA - 1952-1958

5. J.F.R. Pinto - Portugal - 1958-1961

1 2

3

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49

A Comissão Internacional de Grandes Barragens -Oitenta e três anos de excelência

Flavio Miguez de Mello

A Comissão Internacional de Grandes Barragens -Oitenta e três anos de excelência

A Comissão Internacional de Grandes Barragens CIGB nasceu na França,

numa época em que havia intensa atividade em implantação de barragens,

notadamente na Europa e nos Estados Unidos. Nos anos vinte muito havia

que ser aprendido em projeto e construção de barragens e o intercâmbio de

conhecimentos passou a ser de nítida importância. Na época, a mecânica

dos solos e a geologia de engenharia não haviam ainda sido fundadas,

os critérios de projeto de estruturas de concreto eram rudimentares e a

hidráulica fluvial enfrentava pela primeira vez na maioria dos países

que implantavam barragens e reservatórios, obras em rios muito caudalosos.

Corria o ano de 1925 quando, em reunião da Associação Francesa para

o Progresso da Ciência ocorrida em Grenoble, foi manifestada a importância

do estabelecimento de uma comissão de caráter internacional voltada

para grandes barragens. Em 1926, em assembléia da Conferência

Mundial de Energia em Basel, a delegação francesa apresentou formalmente

a proposta de criação da Comissão Internacional de Grandes Barragens.

A proposição foi aceita, assim como o apoio ofertado pelo governo francês,

tendo sido instituído o Comitê Francês de Grandes Barragens sob a

Societé Hydrotechnique de France. A proposta foi formalmente aceita

pela Conferência Mundial de Energia no ano seguinte, 1927, na

assembléia de Cernobbio (Itália).

Figura 1 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 - Flavio Lyra, presidente do CBGB e G. Brown, presidente CIGB

Figura 2 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 - G. Brown, presidente CIGB, Flavio Lyra, presidente do CBGB, Mauro Thibau, ministro de Minas e Energia e John Cotrim, presidente de Furnas

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Page 55: A historia das_barragens_no_brasil

50

A assembléia que constituiu a CIGB ocorreu no dia 6 de julho de 1928 com a participação de seis países: Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido, Romênia e Suíça. A assembléia do Conselho Executivo da Conferência Mundial de Energia aprovou a CIGB por unanimidade em Londres no dia 3 de outubro de 1928. Desde então, reuniões executivas foram realizadas todos os anos a menos dos anos exceto durante a II Guerra Mundial, de 1940 a 1944. Já demonstrando seu dinamismo, a CIGB promoveu seu primei-ro congresso internacional em Estocolmo em 1933. Desde então a cada três anos a CIGB promove seus congressos que são, reco-nhecidamente, de elevado interesse técnico sobre assuntos os mais atuais. Seus anais são verdadeiras seções transversais da tecnologia de cada época que nos permitem visualizar o desenvolvimento dos conceitos e critérios de projeto e de construção de barragens. Como exemplos históricos pode-se mencionar os trabalhos de Karl Ter-zaghi de 1933 sobre as investigações das características dos solos quanto a sua viabilidade para a construção das barragens de terra e de Wolmar Fellenius sobre cálculo de estabilidade de barragens de terra.

Em 1967, considerando seu já grande vulto, a CIGB passou a se tornar independente da Conferência Mundial de Energia. Do seu primeiro estatuto até o estatuto de 1967 poucas alterações signifi-cativas ocorreram. Encontra-se presentemente (2011) em propo-

sição por um comitê ad hoc novo estatuto que vem corrigir lacunas do estatuto vigente. Desde sua fundação com apenas cinco países membros, a CIGB vem continuamente crescendo, tendo atingi-do 26 países antes da II Guerra, 56 países em 1967, 56 países em 1980, 72 países em 1990, 81 países em 2000 e 92 países em 2010, cifra esta que representa mais de 90% da população mundial.

Além dos seus anais de congressos e simpósios, a CIGB publica boletins sobre temas específicos, fruto do trabalho dos seus comi-tês técnicos que congregam profissionais os mais destacados em diversos países do mundo, tornando, assim, esses documentos em relatórios do estado da arte sob o ponto de vista global.

A CIGB mantém atualizado o registro mundial de grandes barragens (barragens com mais de 15 m de altura ou em condições especiais) contendo as principais características das barragens em todos os países membros e em alguns países não membros da CIGB. Desse registro não constam apenas as barragens de rejeitos. Apesar do re-gistro das barragens no Brasil estar incompleto, o registro da CIGB atualizado em 2010 revela a importante posição do Brasil relativa a outros países com mais de mil grandes barragens construídas:

Figura 3 - 14° Congresso CIGB Rio de Janeiro 1982 – Pierre Londe (presidente) e Joannes Cotillon (secretário geral)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

1 CHINA > 40 0002 USA 9 2653 íNDIA 5 1014 JAPãO 3 0765 CORéIA DO SUL 1 3026 CANADá 1 1667 áFRICA DO SUL 1 1148 BRASIL 1 0119 ESPANHA 987 10 TURQUIA 74111 FRANçA 62312 MéXICO 58313 ITáLIA 54214 REINO UNIDO 51915 AUSTRáLIA 50716 IRã 501

Page 56: A historia das_barragens_no_brasil

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Desde a sua fundação a CIGB teve 22 presidentes, sendo dois brasileiros (F. Lyra e C. Viotti), 126 vice presidentes, sendo seis brasileiros (F. Lyra, D. Fernandes, F. Miguez, F. Budweg, C. Viotti e

E. Maurer) e dez secretários gerais, todos franceses. A participação brasileira se fez sentir desde os anos sessenta em participações em diversos comitês da CIGB. Desses comitês foram coordenadores (chairmen) F. Lyra, F. Budweg, J.F. Silveira e F. Miguez.

A CIGB sempre teve como foco a promoção e divulgação da tecnologia de planejamento, projeto, construção e operação de barragens. Nos anos sessenta a CIGB passou também a enfatizar a segurança e a reabilitação de barragens, nos anos setenta passou a ser grande divulgadora de progressos na engenharia ambiental, nos anos oitenta liderou a divulgação tecnológica aplicada a barra-gens de rejeitos de mineração, nos anos noventa também abriu os campos de compartilhamento dos recursos hídricos de rios transna-cionais e de gestão integrada da água, conscientização do público e na primeira década do Século XXI, abriu discussão sobre mudanças climáticas globais e planejamento de recursos hídricos escassos.

Figura 4 - K. Höeg, ex-presidente da CIGB

Figura 5 - Reunião do Comitê de Meio Ambiente da CIGB em Madrid, 1973.

Desde o final dos anos 60 a CIGB dedica especial atenção aos temas socioambientais. Na foto os dois primeiros presidentes deste

Comitê Flavio H. Lyra e Pierre Londe. Entre os dois, o autor

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Page 57: A historia das_barragens_no_brasil

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A CIGB fechou o ano de 2010 com 92 comitês nacionais que, no seu conjunto, congregam mais de 10.000 membros individu-ais dentre os mais destacados profissionais que presentemente atuam em empresas públicas e privadas, universidades, institui-ções de pesquisa, consultoras, construtoras, fabricantes, agências governamentais e organizações não governamentais.

Figura 6 - 70° Reunião Anual CIGB - Foz do Iguaçu 2002 - Ospina (ex vice-presidente) recebendo homenagem do presidente Varma

Figura 7 - Congresso de Brasília 23O CIGB 2009 – Mesa da

Questão 90 - Arthur Walz, Flavio Miguez de Mello, Maria Bartsch, Margaret Rose Mendes Fernandes

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 9 - Homenagem ao professor Victor F. B. de Mello no 23O CIGB, Brasília 2009

Figura 8 - Congresso de Brasília 23o CIGB 2009 – Da esquerda para direita Edilberto Maurer (pres.CBDB), Pham Hong Giang

(pres. Comitê do Vietnam), Luis Berga (pres. CIGB), Jia Jinsheng (pres.eleito CIGB)

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Page 59: A historia das_barragens_no_brasil

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Figura 10 - Presidente Varma, secretário geral J. Lecornu e a

secretária Nicole Schauner

Figura 12 - A secretária Margarite Chapelle recebendo homenagem em 1967, uma placa entregue por sua filha

Nicole Schauner (ao microfone) que a substituiu após 25 anos de serviço desde 1948. Nicole assumiu a secretaria

da CIGB em 1967 permanecendo até o presente (2011). As duas foram responsáveis pelo eficiente suporte à

CIGB ao longo dos últimos 63 anos

Figura 11 - Congresso de Brasília 23O CIGB 2009 - Michel de Vivo secretário geral e

Luis Berga presidente da CIGB

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 60: A historia das_barragens_no_brasil

6. C. Marcello - Itália - 1961-1964

7. J. Guthrie Brown - Reino Unido - 1964-1967

8. G.T. McCarthy - EUA - 1967-1670

9. J. Toran - Espanha - 1970-1973

10. C.F. Gröner - Noruega - 1973-1976

11. F.H. Lyra - Brasil - 1976-1979

12. P. Londe - França - 1979-1982

13. C.A. Dagenais - Canadá - 1982-1985

14. G. Lombardi - Suíça - 1985-1988

15. J.A. Veltrop - EUA - 1988-1991

16. W. Pircher - áustria - 1991-1994

17. T.P.C. van Robbreck - áfrica do Sul - 1994-1997

18. K. Höeg - Noruega - 1997-2000

19. C.V.J. Varma - índia - 2000-2003

20. C.B. Viotti - Brasil - 2003-2006

21. L. Berga - Espanha - 2006-2009

CIGB - Presidentes de 1961 a 2009

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Page 61: A historia das_barragens_no_brasil

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Flavio H. Lyra e Delphim M. Fernandes. Os responsáveis pela consolidação e pelos primeiros anos de sucesso do CBDB

Page 62: A historia das_barragens_no_brasil

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História do Comitê Brasileiro de Barragens

Flavio Miguez de Mello

História do Comitê Brasileiro de Barragens

A pré-históriaEm 1936, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito Filho, ao regressar do Segundo Congresso Internacional de Grandes Barragens realizado pela Comissão Internacional de Grandes Bar-ragens CIGB em Washington, USA, trouxe consigo o firme propó-sito de criar em nosso País uma entidade filiada à CIGB. Na época a CIGB tinha apenas 26 comitês nacionais e havia intensa ativida-de de projeto e construção de barragens em todos os países mais evoluídos. Saturnino de Brito, maravilhado com as perspectivas dos benefícios para o Brasil que eram decorrentes da ampla di-vulgação de experiências de outros países, conseguiu encontrar receptividade do engenheiro Luiz Vieira que conduziu a então instituída Comissão Brasileira de Grandes Barragens.

Entretanto, após poucos anos e ainda nos anos trinta, com o afastamento do engenheiro Luiz Vieira do Departamento Na-cional de Obras Contra as Secas DNOCS, a Comissão Brasileira de Grandes Barragens teve suas atividades paralisadas, não mais tendo contato com a CIGB e acumulando seguidos débi-tos financeiros não cobertos por mais de vinte anos referentes às contribuições anuais à CIGB.

Somente em 1957, por iniciativa do engenheiro José Cândido Cas-tro Parente Pessoa, então diretor geral do DNOCS, a Comissão Brasileira de Grandes Barragens veio a ser reativada. Foi indicado para presidente da Comissão o engenheiro Casemiro José Munar-ski que na época estava fazendo o projeto da barragem de Orós,

empreendimento de maior destaque no País. O engenheiro Antônio Alves de Noronha, que presidia a Associação Brasileira de Pontes e Grandes Estruturas, convocou um grupo para reorganizar a Comissão, tendo convidado a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos para integrar esse grupo. O engenheiro Chamenski, que presidia a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos, envidou esforços para conjugar essa associação com a Comissão. Nesse período de cinco anos a Comissão ficou vinculada ao Ministério de Viação e Obras Públicas. Por esse motivo havia dificuldades da

Figura 1 – Saturnino de Brito Filho e Theophilo Benedicto Ottoni Netto

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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manutenção das obrigações financeiras da Comissão com a CIGB, obrigações estas que novamente não vinham sendo cumpridas.

Os primeiros anos da história O grupo constituído pelas associações de Pontes e Grandes Estruturas e de Mecânica dos Solos elaborou os estatutos do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB e trabalhou para que fossem arreca-dados recursos financeiros que cobrissem os débitos com a CIGB. Dessa forma, na última hora, os recursos levantados junto a em-presas privadas foram entregues à CIGB no dia anterior à abertura da reunião executiva de 1961. Constava da pauta da reunião executiva a nova exclusão da representação brasileira dos quadros da CIGB. A CIGB retirou da pauta a nova exclusão da representação brasileira e o CBGB pode participar dessa reunião executiva e do VII Con-gresso Internacional, ambos realizados em Roma, época em que a CIGB apresentava crescente participação de comitês nacionais que naquele ano já eram 48.

O estatuto do CBGB foi aprovado em assembléia realizada no Clube de Engenharia no dia 25 de outubro de 1961. Pelo estatuto o conselho era composto por 12 membros, três indicados pela ABMS, três indicados pela APGE e seis eleitos em assembléia pelos sócios individuais. A diretoria, composta pelo presidente, dois vice-presidentes, um diretor secretário e dois diretores tesoureiros era eleita pelo conselho, sendo os membros da diretoria partici- pantes do conselho. Nessa primeira assembléia foi eleita por aclama-ção uma diretoria presidida por Antônio Alves de Noronha que teve como secretário o engenheiro Lucio Washington. A assembléia seguinte foi convocada para o dia 24 de janeiro de 1962. Nessa segunda assembléia foi eleita a diretoria presidida pelo engenheiro Flavio Henrique Lyra da Silva, tendo como diretor secretário Sydney Gomes dos Santos que foi substituído por Delphim Mazon Fernandes a partir de 25 de março de 1963.

Figura 2 – Casemiro José Munarski ao lado de João Alberto Bandeira de Mello

Figura 3 - Antônio Alves de Noronha, primeiro presidente do CBDB de outubro de 1961 a início de 1962

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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O grande impulso que estava ocorrendo no Brasil no campo da implantação de barragens no pós-guerra e principalmente nos anos cinqüenta, notadamente no Nordeste com a construção de açudes com dimensões sensivelmente superiores aos anteriormente cons-truídos e com a necessidade de promover a instalação de grandes hidroelétricas, tornou-se necessária a difusão de conhecimentos na área da engenharia de barragens e de tecnologias correlatas. Dessa forma, uma atuação efetiva junto à CIGB foi encarada como uma necessidade premente. Antes dessa fase, as barragens eram de dimensões mais modestas (a primeira barragem com altura superior a 50 m foi Boqueirão das Cabaceiras, na Paraíba, em 1956) e as hidroelétricas eram de pequeno e médio portes para os padrões atuais. Foi nessa época que, com parcos recursos humanos, grandes açudes começaram a ser construídos como Orós e Banabuiú (Arrojado Lisboa), ambos no Ceará, e hidroelétricas de grandes proje-ções a nível internacional estavam começando a ser projetadas e construídas como Furnas, Três Marias, Jupiá e Paulo Afonso. O País estava entrando em uma era de realizações de grande vulto.

A necessidade de uma associação técnica ativa no campo das bar-ragens era indispensável para a evolução da tecnologia nacional. O CBGB passou a ter importante suporte de Furnas já que o presidente do CBGB era diretor técnico de Furnas e seu diretor secretário no CBGB era seu principal assistente na diretoria técnica de Furnas. A sede do CBGB passou a ser parte de uma sala da diretoria técnica de Furnas. Os engenheiros Flavio Lyra e Delphim Fernandes, presidente e diretor secretário respectiva- mente, permaneceram nesses cargos por quatro diretorias até 1976 quando o engenheiro Flavio Lyra, por ter sido eleito presidente da CIGB, se afastou da presidência do CBGB.

Os eventos nacionaisDesde 1962 o CBGB passou a atuar nos moldes da CIGB, promovendo seminários nacionais de grandes barragens e apoian-do atividades de comissões técnicas. Os trabalhos apresentados nos seminários são o perfil do desenvolvimento da tecnologia apli-cada a projeto e construção de barragens no País. Nos primeiros seminários o número de trabalhos era modesto mas, a partir do Sexto Seminário em 1970, o número de trabalhos passou a ser expressivo, constituindo uma importante contribuição para a divulgação de experiências profissionais. Em cada sessão técnica sempre houve um relato do respectivo tema feito por um profis- sional de reconhecida experiência e destaque no âmbito nacional. Nos primeiros cinco seminários os temas eram li-mitados a apenas três. A partir do VI Seminário realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1970 e até a presente data, os seminários passaram a ter quatro temas.

Interessante notar pelo temário do primeiro seminário realizado em julho de 1962, o estágio inicial da tecnologia no País. Os temas foram: Métodos de investigação de fundações de barragens; Disponibilidade, no Brasil de organizações e de equipamentos para construção de grandes barragens; Disponibilidade, no Brasil, de laboratórios para ensaios e experiências, ligados ao projeto e à construção de barragens.

Figura 4 – Antônio José da Costa Nunes, vice-presidente do CBGB em vários mandatos

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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Já no Segundo Seminár io , rea l izado em São Paulo em junho de 1963 aparece a dedicação do CBGB à segurança de barragens com o tema Acidentes em barragens. Essa dedicação passou a ser manifestada em diversos seminários posteriores assim como temas relativos à tecnologia de estu-dos, concepção, cálculo e construção de barragens e operação de reservatórios.

A auscultação de barragens apareceu a partir do IV Seminário realizado no Rio de Janeiro em outubro de 1985. Temas sobre meio ambiente passaram a ser freqüentes já a partir do VIII Seminário, realizado em São Paulo em novembro de 1972. A partir de 1980, no XIII Seminário realizado no Rio de Janeiro, barragens de rejeitos passaram a freqüentar os temários.

Considerando a importância da maximização de benefícios propiciados pelas barragens, desde o XIV Seminário realizado em Olinda os usos múltiplos de reservatórios passaram a ser realçados. Análises de risco começaram a ser discutidas desde 1987 no XVII Seminário Nacional realizado em Brasília. Como reflexo das altera-ções no modelo do setor elétrico, a partir de 1997 passaram a serem discutidos temas institucionais e o retorno com maior intensidade de investimentos privados na implantação e operação de barra-gens hidroelétricas. Os esforços do CBDB pelo estabelecimento de uma legislação sobre a segurança de barragens e das interfaces com órgãos concedentes e de licenciamento ambiental passaram a ser debatidos nos seminários mais recentes já no Século XXI.

Após os nove primeiros seminários realizados no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, a diretoria do CBGB passou a realizar seminá-

Figura 5 – Mesa de abertura do XIII SNGB – Rio de Janeiro 1980 – Flavio H. Lyra, Carlos A. P. Amarante, Delphim M. Fernandes, Licinio M. Seabra

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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rios em diversos outros centros, com grande sucesso. Dessa forma foram realizados 10 seminários no Rio de Janeiro, 3 em São Paulo, dois em Curitiba, dois em Fortaleza, dois em Belo Horizonte, um em Olinda, um em Brasília, um em Aracajú, um em Foz do Iguaçu, um em Salvador e um em Belém.

Considerando as crescentes atividades de implantação de pequenas centrais hidroelétricas, o CBGB passou a organizar simpósios sobre pequenas e médias centrais hidroelétricas a partir de 1998.

Os eventos internacionaisConsol idando sua projeção internacional , o CBGB tem colaborado efetivamente com a CIGB pela participação em diversos comitês técnicos desde os anos sessenta. Com esse mesmo objetivo, o CBGB editou importantes livros sobre barragens brasileiras: Topmost Dams of Brazil (1978), Dams in Brazil (1982), Dams in the Northeast of Brazil (1982), Main Brazilian Dams (1982), Large Brazilian Spillways (2002), Main Brazilian Dams II (2000), as duas edições de Highlights of Brazilian Dam Engineering (2000 e 2006), Diversion of Large Brazilian Rivers (2009), Main Brazilian Dams III (2009), Desvios de Grandes Rios Brasileiros (2009), Dicionário de Barragens (2010). Também foram publicadas diversas traduções dos boletins técnicos do CIGB.

Quanto a eventos internacionais, o CBGB teve seu batismo em 1966 na reunião executiva da CIGB realizada no Rio de Janeiro com extremo sucesso. Na ocasião os participantes tiveram a

oportunidade de visitar obras de grande vulto que estavam em construção no País.

Em 1982 o CBGB foi novamente anfitrião de uma reunião executiva no Rio de Janeiro, seguida de um congresso internacional. Mais uma vez os participantes ficaram vivamente impressionados com o vulto das obras que foram incluídas nas diversas viagens de estudo. Nessa ocasião, pela primeira vez foi realizado um simpósio em reunião executiva da CIGB, o que se tornou prá-tica em reuniões posteriores. O Simpósio foi sobre arranjos de barragens em vales estreitos.

Figura 6 - 34a Reunião Executiva - Rio de Janeiro 1966 Flavio Lyra e J. Guthrie Brown

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Em 2002 novamente o CBDB promoveu uma reunião anual da CIGB, desta vez em Foz do Iguaçu com o Inter-nat ional Symposium on Reservoir Management in Tropical and Sub-Tropical Regions.

Em 2009 novamente o Brasi l foi sede de reunião anual e do congresso internacional da CIGB, tendo também real izado o International Symposium on Dams and Reservoirs for Multiple Purposes.

Figura 7 – Simpósio Internacional sobre Arranjos de Barragens em Vales Estreitos – Rio de Janeiro

1982 – Marcos Schwab e Leo Penna

Figura 8 - 14o Congresso Internacional CIGB – Rio de Janeiro 1982 – coronel Mauro Moreira, general Costa Cavalcanti, Delphim M. Fernandes, João Alberto Bandeira de Mello, Carlos Alberto de Padua Amarante, John Cotrim e Pierre Londe

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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A evolução institucional do ComitêSemelhantemente à CIGB que se separou da Conferência Mundial da Energia, no final dos anos sessenta, o Comitê deixou de ter os conselheiros indicados pela ABMS e pela ABPGE.

Objetivando uma ampliação de suas atividades que demanda-riam maiores recursos financeiros, em 1976 o Comitê lançou a campanha de angariação de sócios coletivos e mantenedores que, pelo estatuto da época tinham tantos votos em assembléias quanto as cotas subscritas. Na primeira eleição de conselho realizada em Fortaleza em 1976, uma chapa montada pela Eletrobras colocou no conselho todos os membros menos o Flavio Lyra. Pouco depois houve nova alteração dos estatutos, passando os sócios coletivos e mantenedores serem restritos a elegerem seis membros do conselho.

A partir dos anos noventa, com o objetivo de dinamizar a atuação do CBDB em todas as regiões, foram criados os núcleos regionais.

Presentemente são os seguintes núcleos regionais:

Núcleo Regional - Bahia

Núcleo Regional - Ceará

Núcleo Regional - Goiais/Distrito Federal

Núcleo Regional - Minas Gerais

Núcleo Regional - Paraná

Núcleo Regional - Pernambuco

Núcleo Regional - Rio De Janeiro

Núcleo Regional - Rio Grande Do sul

Núcleo Regional - santa Catarina

Núcleo Regional - são Paulo

Os núcleos têm mantido importantes atividades em suas regiões, destacando-se palestras e simpósios de elevado interesse. Em 1999 o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB foi alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de forma a abranger também as barragens de menor porte inclusive aquelas da grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas.

Figura 9 - 70a Reunião Anual CIGB – Foz do Iguaçu 2002 –

Cassio Viotti (presidente CBDB)

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Em 1999 o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB foi alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de forma a abranger também as barragens de menor porte inclusive aquelas da grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas.

A cada período de três anos, o CBDB, ao renovar seu conselho, tem seis de seus conselheiros eleitos pelos sócios mantenedores e coletivos e doze eleitos pelos sócios individuais. Os membros da diretoria saem desses conselheiros eleitos, havendo a possibilidade de serem nomeados até dois diretores adjuntos com funções específicas. Os ex-presidentes são membros do conselho.

Presentemente (março de 2011) o CBDB conta com um quadro social composto por 1088 sócios individuais, 18 sócios coletivos e 35 sócios mantenedores.

Figura 10 - Sessão de abertura do XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens - Goiânia 2005. Da esquerda para direita: José Pedro Rodrigues de Oliveira presidente de Furnas, Dilma Roussef ministra de Minas e Energia, Marconi Perillo governador de Goiás, Edilberto Maurer presidente do CBDB

Figura 11 - Como sempre realizado em eventos do CBDB, visita técnica a obras ( barragem de Itaipu)

Figura 12 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004 – Maria Lyra e Heloi José Fernandes Moreira (diretor da Escola

Politécnica da UFRJ, onde Flávio H. Lyra se formou em engenharia)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 70: A historia das_barragens_no_brasil

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Figura 15 - Dirigentes e ex-dirigentes do CBDB

em exposição técnica. Nos eventos nacionais e internacionais o CBDB

promove sempre exposições técnicas de

elevado interesse

Figura 13 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004 – Erton Carvalho (diretor CBDB), Cassio Viotti (presidente da CIGB) e Delphim Fernandes (ex-presidente do CBGB)

Figura 14 - Conselheiros do CBDB com familiares em um dos eventos sociais que são sempre realizados em seminários, simpósios e congressos

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Açude de Cedros, no Ceará. Vista da barragem, do seu dique e de seu sangradouro. Primeira obra de barragem para combate às secas no País. Em operação desde 1906, a barragem é, juntamente com Lajes, no estado do Rio de Janeiro, a mais antiga grande barragem construida no Brasil

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Um Século de Obras contra as Secas

Flavio Miguez de Mello

Um Século de Obras contra as Secas

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte” Engenheiro Euclides da Cunha

O Nordeste é uma região com 1.548.672 km² que corresponde a 18,2% do território nacional, incluindo a totalidade dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Per-nambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Em função de características climáticas, áreas do norte do estado de Minas Gerais e leste do estado de Tocantins são assemelhadas ao Nordeste. Em números redon-dos, o Nordeste pode ser dividido em três partes: O semi-árido com cerca de 800.000 km², o semi-úmido com cerca de 600.000 km² e o úmido com os restantes 200.000 km². O semi-árido é com-preendido pelo Polígono das Secas que tem 936.933 km² e onde chove em média menos do que 800 mm/ano.

As secas são registradas desde o descobrimento. A primeira seca historicamente constatada foi em Pernambuco em 1583. Seguiram-se quatorze secas no Século XVIII, doze no Século XIX e dezoito no Século XX. Uma das secas remotas foi responsável pela expul-são dos holandeses que tentaram se estabelecer no Ceará. Uma curiosa tentativa de minorar o sofrimento dos sertanejos com as secas ocorreu em julho de 1859 quando, por encomenda do Governo Imperial, o navio francês Splendide desembarcou no por-to de Fortaleza 14 camelos que vieram para procriarem e apoiar as populações no transporte pela caatinga do semi-árido. Entretanto, essa tentativa fracassou pela falta de adaptação dos camelos ao solo duro e pedregulhoso.

As secas deixaram marcas que não se apagam por mais que os anos passem. A Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1879 ceifou a vida de mais da metade das 1.754.000 pessoas que residiam na área

atingida pela tragédia. Esse foi de longe a maior catástrofe gerada por fenômenos naturais que ocorreu no País. A tentativa de de-bandada da população interiorana redundou na morte pelos caminhos e na proliferação de doenças como o tifo, o paratifo e a varíola. Na seca de 1915 pereceram 27 mil cearenses e 75 mil emigraram para a Amazônia.

Em 1856 o Governo Imperial instalou a Comissão Científica de Exploração para coordenar os estudos e analisar as soluções para o problema das secas. A Comissão recomendou que fossem efetuadas a melhoria do sistema de transportes, a construção de açudes, a instalação de estações meteorológicas e a transposição das águas do rio São Francisco para a bacia do rio Jaguaribe. Antes dessa Comissão havia apenas um posto pluviométrico em Recife operando desde 1842 e outro em Fortaleza desde 1849. Esses pos-tos em áreas litorâneas não eram referências para a região do semi-árido. O primeiro posto no interior já sob influência da Comissão foi o de Quixeramobim, no Ceará, instalado em 1896. As melhorias nos sistemas de transporte foram discretas em função inicialmente da precária situação financeira ocasionada pela Guerra da Tríplice Aliança e, posteriormente, pelo governo republicano. Quanto à cons-trução de açudes, foram iniciadas apenas as obras da barragem de Cedro em 1884 que só foram concluídas em 1906. As obras de transposição das águas do rio São Francisco só agora, no início do Século XXI, mais de cem anos depois, estão sendo iniciadas, mes-mo assim sob forte oposição ambiental. Dessa forma, quando a mais intensa e prolongada seca atingiu o semi-árido, em 1877, não havia meios de transporte eficientes para a retirada das popula-

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ções interioranas, o primeiro açude não estava concluído e não havia registros pluviométricos no semi-árido. A população do inte-rior, depois de meses de seca, não mais conseguiu se retirar para o litoral, ocasionando mortes em larga escala.

A Grande Seca (1877-1879) de devastadoras conseqüências im-pactou o Governo Imperial, tendo o próprio imperador Pedro II estado no local assolado pela seca. Importante consignar que em sessões sob o comando do Conde D’Eu no Instituto Politécnico situado na Corte, foi debatido amplamente o problema das se-cas no Nordeste. Cabe aqui realçar algumas posições decorrentes desses debates. Os debates retroagiram à proposta de Gabaglia de 1861 que compreendia a perfuração de poços artesianos e a implantação de barragens. O professor André Rebouças havia escrito em 1877 o trabalho “As Secas nas Províncias do Norte”. Rebouças reconhe-cia a necessidade de ações imediatas, principalmente naquela época de início de mais uma seca; defendia a construção de obras estrutu-rais, integradas e definitivas, incluindo poços artesianos, residências cujos telhados captassem águas de chuva direcionadas para cister-nas, construção de barragens e canais, implantação de ferrovias e até dessalinização de água do mar. O engenheiro e escritor Manuel Buarque de Macedo preconizou que o tesouro imperial não dispunha de recursos para implantar tantos projetos, defendendo a implantação de açudes menores e estradas distritais. O engenhei-ro Zózimo Barroso propôs a construção de uma rede de grandes açudes. O geólogo Silva Coutinho também defendeu a construção de grandes barragens. O senador Pompeu e o engenheiro Henri-que de Beaurepaire Rohan salientaram a importância do refloresta-mento extensivo da região. O professor André Rebouças destacou também a importância da instalação de rede telegráfica e melhorias nos portos da província do Ceará para possibilitar a implantação de vias férreas; enfatizou também a necessidade de construção de abrigos e de alimentação para os flagelados.

O Século XX foi iniciado com outra seca no Nordeste. Como de costume, só em época de calamidades é que obras e organismos governamentais são efetivados. Assim, a partir de 1904, foram criadas três comissões: a Comissão de Açudes e Irrigação, a Co-

missão de Perfuração de Poços, e a Comissão de Estudos e Obras Contra as Secas. Essas comissões foram aglutinadas em 1906 na Superintendência de Obras Contra os Efeitos das Secas. Os pre-cários resultados observados levaram, em 21 de outubro de 1909, pela idealização de Francisco Sá, Pires do Rio e Arrojado Lisboa, à criação pelo governo de Nilo Peçanha, da Inspetoria de Obras Contra as Secas IOCS, embrião do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS.

O primeiro inspetor chefe da IOCS foi o dinâmico engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa que, devida à carência de recursos humanos na época, convocou renomados profissionais do Sudeste e do exterior para o desenvolvimento de estudos bastante completos, abrangendo a hidrologia, a geologia, a pedologia, a botânica, a sociologia, a antropologia e a economia. Durante dez anos a IOCS se dedicou a obras de infra-estrutura e promovia apoio aos flagelados assolados pelas secas.

Em 1919, no governo de Epitácio Pessoa, esse órgão passou a se denominar Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas IFOCS. A IFOCS manteve a construção de açudes, tendo implantado mais de vinte açudes públicos com destaque para Forquilha e Quixeramobim, ambos no Ceará, complementando alguns dos açudes com piscicultura incipiente e mesmo irrigação que já havia sido iniciada no açude de Cedro. Com a eleição de Artur Bernardes à presidência da República em 1922, houve a suspensão de todas as obras e a IFOCS qua-se desaparece; seu sucessor, Washington Luiz, eleito em 1926, dá prosseguimento ao processo de inanição da IFOCS. Registra-se que durante os oito anos desses dois mandatos, a soma dos recursos des-tinados à IFOCS representou apenas 20% dos recursos despendidos nos dois últimos anos do governo de Epitácio Pessoa que os antecedeu. Nesse período de carência de recursos sobressai-se, em desenvolvi-mento tecnológico, o aparecimento da “Formula de Aguiar” que serviu de base aos estudos posteriores de hidrologia e dimensionamento de açudes por muitas décadas ao longo do Século XX. Processando dados hidrológicos principalmente das bacias hidrográficas dos rios Quixeramobim e Jaguaribe, o engenheiro Gonçalves Aguiar elabo-rou notável análise hidrológica de caráter determinístico publicada em trabalho intitulado Estudo Hidrométrico do Nordeste Brasileiro.

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Figura 1 - Barragem Lima Campos em construção em 1932

Figura 2 - Barragem do Choró em construção em 1933. Face de montante com lajes de concreto

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Figura 3 - Inauguração do Açude Público Boqueirão em 1957 com a presença do pres. Juscelino Kubitschek e do ministro Lúcio Meira da viação e obras públicas

Figura 4 - Açude Choró – Vista do talude de montante

ao final da construção em 1934

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Com o golpe de estado de 1930, assume a presidência Getúlio Vargas que nomeia José Américo de Almeida para o Ministério de Viação e Obras Públicas que, por sua vez nomeia o engenheiro Artur Fragoso de Lima Campos inspetor geral da IFOCS. Em 1932 Lima Campos faleceu em acidente aéreo, tendo sido substituí-do pelo engenheiro Augusto da Silva Vieira. Em 1932 ocorreu uma seca severa e o canteiro de obra da barragem de Patu que havia sido paralisada em 1923, se transformou em um campo de concentração, um cemitério de quinze mil mortos-vivos. A barragem foi concluída em 1986, 65 anos após o início de suas obras. Seu reservatório, com 71,8 milhões de metros cúbicos de capacidade daria para atender 60% da atual população de Senador Pompeu mas, segundo Fran-cisco Luís de Araújo, residente da Empresa de Assistência Agro-pecuária do Ceará, a irrigação se devidamente implantada po-deria beneficiar três mil famílias, quando apenas 36 famílias são presentemente beneficiadas com a irrigação.

A seca de 1932 marcou profundamente os que sobreviveram aos campos de concentração. Os campos foram criados pela IFOCS em Fortaleza, Quixadá, Quixeramobim, Cariús, Ipu, Patu e Crato, no Ceará, para evitar que os flagelados inchassem as cidades. Cerca-dos por muros e por arames farpados, os flagelados se espremiam como uma massa esquálida e faminta; morriam de desnutrição e de doenças diversas nos “currais de fome”. Propositalmente ignora-dos pela historiografia oficial, os campos de concentração ainda estão vivos na memória dos poucos sobreviventes. Hoje há esfor-ços para que seja tombado o conjunto de edificações na barragem de Patu, onde a empresa inglesa Dwight P. Robinson implantou um canteiro de obra, uma usina termoelétrica, escritório, depósito de explosivos e casas para seus executivos. Os ingleses se retiraram com a paralisação das obras ordenada pelo governo de Artur Ber-nardes. O maior campo de concentração era o de Crato que chegou a ter 65 mil flagelados. Entretanto, o primeiro campo de concentração que se tem notícia foi o campo de Urubu que foi instalado na seca de 1915. Naquela época Fortaleza era conhecida por “loura despo-jada pelo sol” e como ninguém gostaria de visitar a cidade inundada por flagelados, foi formado o campo de concentração do Urubu. Há relatos de mortes por febre tifóide de mil pessoas em uma

só noite no campo do Urubu. Raquel de Queiroz usou a expres- são campo de concentração em seu romance “O Quinze” escri-to em 1930, portanto, antes da seca de 1932, o que comprova a prática nos primeiros anos da República. No livro “Barragem do Patu, os Descaminhos de uma Obra”, Adriano Bezerra relata o ocorrido em 1932 no campo de concentração em Senador Pompeu onde os corpos das vítimas da sede e da fome eram jo-gados em valas coletivas após a extração dos fígados que eram destinados a exames médicos. Os guardas só davam um farelo amarelo, sangue de boi e carne da cabeça de gado como comi-da. Uma epidemia de piolho levou o governo a ordenar que as cabeças fossem raspadas. Era comum passarem em redes mais de trinta mortos por dia cujos corpos eram jogados em valas comuns. Os flagelados que reclamavam das condições a que eram sujeitos, eram classificados como infratores, sendo vio-lentamente penalizados e recolhidos ao sebo, uma pequena gaiola de varas. Os detentos nos campos de concentração eram reduzidos a pele e osso como os filmados pelas tropas americanas ao chegarem aos campos de concentração nazistas na II Guerra Mundial.

Em dezembro de 1945 o presidente José Linhares e seu ministro Maurício Joppert da Silva transformam a Inspetoria no Departa-mento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS que, a partir do ano seguinte sob o governo Dutra se mantém com recursos exíguos e praticamente limitados às obras de construção de açu-des, sem dar seguimento a obras de irrigação e de piscicultura, não havendo recursos para formação de mão de obra, não houve fi-nanciamento para a mecanização para a lavoura e a pecuária, não aconteceu a difusão de insumos, não foram criadas estruturas de estocagem, não houve meios suficientes para a expansão de obser-vações e estudos hidrológicos, não se promoveu acesso a crédito, não se promoveu a monetarização do mercado interiorano que fun-cionava à base de escambo. Nesse período de penúrias o Departa- mento foi dirigido por Luiz Vieira e Vinícius Berrêdo.

Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência, desta vez eleito, o orçamento do DNOCS, ainda que insuficiente, foi duplicado em relação ao orçamento deixado pelo seu antecessor. Dessa maneira

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foram retomadas ou iniciadas as obras de diversas barragens tais como Orós, Araras, Banabuiu, Boqueirão das Cabaceiras e Cocorobó. Nesse período tiveram início os estudos da hidroelétrica de Boa Esperança, posteriormente transferida para a COEBE e, depois incorporada à CHESF.

Ao assumir o governo federal, Juscelino Kubitschek, obcecado pela sua meta síntese de construção de Brasília, drenou de todos

os lados recursos necessários para a implantação da nova capital. O DNOCS não ficou isento a essa insaciável drenagem de recursos e algumas de suas obras ficaram sem recursos e sem crédito.

A mais notável delas, Orós, teve o seu colapso anunciado com meses de antecedência pelos dirigentes do DNOCS dada a inca-pacidade financeira e de crédito para concluir a barragem antes do período de chuvas.

Figura 5 - Barragem Quixeramobim

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rompeu em 1961 a concessão de subsídios à construção de açudes particulares por regime de cooperação e desacelerou a implanta-ção de açudes públicos. No governo de João Goulart o DNOCS passa à categoria de autarquia em junho de 1963 e passa a trabalhar sob a coordenação da SUDENE em ocasiões de emergência.

Após a deposição do governo Goulart, o DNOCS passa a ser gerido por sucessivos coronéis do Exército pouco versados nos problemas do semi-árido. A modalidade tradicionalmente adota-da de executar os empreendimentos por administração direta foi abolida e o efetivo do Departamento passou a entrar em ociosi-dade. Nos governos seguintes a maior atribuição do DNOCS foi a de implantar perímetros irrigados.

Em 1999 assumiu o governo o general João Batista Figueiredo e, em seguida, em paralelo ao segundo choque do petróleo, ocorreu a severa seca entre os anos de 1980 a 1983. A mais importante obra desse período foi a construção da barragem de Açu no Rio Gran-de do Norte, com a capacidade de 2,4 bilhões de metros cúbicos de acumulação. Durante a construção, apesar das advertên-cias da empresa encarregada da fiscalização e de seu consultor Mr. Holtz, engenheiro de carreira no U.S. Bureau of Reclamation, uma argila de baixa resistência foi colocada anexa ao núcleo da barragem se prolongando para montante em forma de tapete im-permeabilizante. Ao final da construção, antes do enchimento do reservatório, houve o colapso do talude de montante da barragem por falta de resistência da camada de solo do tapete impermeabilizante. As autoridades tentaram culpar o consultor, mas o engenheiro José Candido Castro Parente Pessoa logrou provar na delegacia perante a um juiz de direito, a inocência do referido consultor que havia desaconselhado a execução do tapete.

Com a chegada de José Sarney à presidência da República é lançado o programa de irrigação de um milhão de hectares. Para esse pro-grama foi sorrateiramente e oficiosamente quebrada a proteção à engenharia brasileira conseguida por lei no governo Costa e Sil-va. Diversas empresas consultoras estrangeiras desembarcaram no País para surpresa da Associação Brasileira de Consultores

A SUDENE concorreu com eficiência para a divulgação leviana da idéia de que a capacidade dos açudes então existentes seria sufi-ciente para atender à demanda de água do semi-árido para qualquer seca que viesse a acontecer. A política de implantação de açudes foi, então, brecada até que as secas intensas ocorridas no início dos anos oitenta demonstraram o equívoco dessa postura.

O governo Jânio Quadros, além de praticar uma injustificada caça às bruxas com relação aos dirigentes do período anterior, inter-

Figura 7 - Açude Banabuiu

Figura 6 - Açude Mãe d’água

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de Engenharia. Nesta época o autor desse capítulo era o diretor da ABCE encarregado da proteção à engenharia nacional.

A viabilidade da existência do DNOCS passou a ser agenda do governo Fernando Collor de Mello que se instaurou em 1991. Foi instalada uma comissão parlamentar mista tendo resultado daí o relatório de Beni Veras que recomendava a manutenção do DNOCS, mas sujeito a profundas modernizações. As moderniza-ções foram estudadas, mas não foram implantadas no curto governo Itamar Franco nem no primeiro governo de Fernando Henri-que Cardoso, apesar de neste governo ter ocorrida significativa redução de diretores e cargos gratificados. No primeiro dia do se-gundo governo Fernando Henrique Cardoso, 1 de janeiro de 1999, o DNOCS é finalmente extinto por medida provisória, acabando longa agonia. Entretanto, devido a impressionante mobilização de diversos setores da sociedade civil do Nordeste, e do peso do Nor-deste no parlamento, o DNOCS foi ressuscitado em maio de 1999, mas sem dotações orçamentárias suficientes, ficando o órgão nos limites da sobrevivência. A única obra importante foi conseguida pela bancada cearense no congresso: o açude Castanhão inaugurado ao apagar das luzes do segundo governo de Fernando Henrique. Esse açude e o longo canal de adução das águas à cidade de Forta-leza executado em tempo recorde de acordo com o planejamento do engenheiro José Cândido Pessoa, fortaleceu politicamente o então governador Ciro Gomes e o lançou na política Federal. Assim, a era FHC deixou duas grandes marcas na Autarquia: a sua traumática dissolução com seu posterior ressurgimento e a construção da maior barragem do semi-árido brasileiro que incluiu a utilização rara em nosso País, de diques fusíveis.

Nos dois governos Lula houve reestruturação do DNOCS, mas não houve obras de barragens. A SUDENE que havia sido extinta por medida provisória em maio de 2001, foi novamente criada em janeiro de 2007 com o objetivo de reassumir o planejamento regional. A diretoria do DNOCS alertou em 2008 que eram urgentes as obras de recuperação dos açudes Estevam Marinho e Mãe D’Água sob o risco de se tornarem inoperantes e causarem danos irrepará-veis a bens e a vidas humanas, pois há mais de 40 anos não eram

feitas manutenções nessas barragens. Dois anos depois as obras foram feitas com dispensa de licitação. Ao ser lançado o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento com uma verba de um bilhão de reais em 2010, os recursos humanos da instituição não puderam acompanhar a disponibilidade financeira pela sua carência de es-trutura e de pessoal. Na sua época mais ativa, entre 1940 a 1960, o órgão chegou a ter dezessete mil funcionários e fazia as obras por administração direta, com equipe própria. Hoje os funcionários da ativa não passam de mil e oitocentos, havendo mais de doze mil apo-sentados e pensionistas. Depois de passar trinta anos sem renovar seus quadros, a DNOCS pediu abertura de concurso para seiscentas vagas, mas o Ministério do Planejamento limitou a 92. Essa medida não substituiu devidamente os terceirizados, que tiveram que ser demitidos, pois vinham prestando serviços para a atividade fim do órgão, o que é vedado pela legislação em vigor. O diretor geral Elias Fernandes lamenta: “todos os meus funcionários têm cabeça branca”. Da falta de condições do DNOCS e dos perversos cenários das secas surgiram construções de açudes particulares e por outros órgãos federais e estaduais. Implantados em condições questioná-veis, bastou que as precipitações em 2009 fossem 59% superiores à média anual para que houvesse o colapso de 50 açudes só em Canindé, no sertão central do Ceará. Em Targinos, Ceará, 14 barragens colapsaram, muitas delas do INCRA.

Cabe realçar a influência do United States Bureau of Reclamation USBR no combate às secas do Nordeste brasileiro. O USBR foi a primeira instituição americana dedicada ao estudo e desenvolvi-mento de recursos hídricos. Sua missão é o desenvolvimento de projetos de barragens de regularização e irrigação do árido oeste dos Estados Unidos. Ao longo do Século XX o USBR implantou centenas de barragens e mais de duzentos projetos de irrigação no oeste americano. Seu criador em 1898, John Wesley Powell deu origem a uma das mais destacadas instituições de engenharia já formada. Engenheiros do DNOCS e de outras instituições bra-sileiras, inclusive o autor, foram treinar nos seus escritórios, labora-tórios e obras. Alguns dos mais destacados profissionais do USBR, tais como Jack Hilf, W. Holtz e Hoffmann, estiveram dando assistência técnica às obras de barragem do DNOCS.

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As causas das secas no Nordeste ficaram desconhecidas até a primeira metade dos anos 80 quando foi detectada a influência da permanência de temperaturas mais elevadas da água no oceano Pacífico na latitude do Peru, fenômeno conhecido desde os tem-pos coloniais como El Niño. Um El Niño mais prolongado causa no território brasileiro secas no Norte e Nordeste e cheias no Sul. A partir dessa época as secas passaram a ser previsíveis.

Ao analisar as atividades realizadas no combate às secas verifica-se que a descontinuidade na administração das agências de fomento e a alternância dos recursos disponibilizados fazem com que obras iniciadas há várias décadas são descontinuadas ou retardadas. Barra-gens iniciadas ou projetadas no governo de Epitácio Pessoa como

Pedra Branca e Patu foram concluídas muitas décadas depois. A barragem de Orós cuja proposição é dessa época, teve suas obras interrompidas. Quando da primeira fase de construção que eram para ser uma barragem de alvenaria, nasceu no canteiro de obra o Theophilo Benedicto Ottoni Netto que, como engenheiro sênior, viria projetar o vertedouro da barragem. A barragem de Castanhão teve sua construção proposta em 1910 e só foi executada quase 100 anos depois.

Entretanto, nas fases em que o governo federal propiciou condições financeiras adequadas, a IFOCS e seu sucessor DNOCS mostrou intensa atividade, sendo responsável pela implantação de mais de 220 grandes barragens (de acordo com a classificação da CIGB), o que significa cerca de 20% das grandes barragens brasileiras.

Figura 8 - Jack Hilf e José Candido Pessoa. Exemplo de colaboração do US Bureau of Reclamation para o DNOCS

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Flavio Miguez de Mello“Em 1896 há de haver mil rebanhos correndo da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia virará sertão.”

Antônio Conselheiro

O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e as inspetorias que o antecederam foram os órgãos que mais barragens implanta-ram no Brasil. Com o objetivo de promover condições de fixação dos nordestinos cultivando o semi-árido, 214 grandes barragens (de acordo com a classificação da Comissão Internacional de Grandes Barragens) foram implantadas até 1982. Essa cifra mos-tra intensas fases de elevada atividade e outras fases de estagnação, em função do maior ou menor interesse do governo federal.

Nos cento e vinte anos de atividades no combate aos malefícios das secas, atividades que foram originadas das drásticas conse-qüências da Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1889, muitas barragens com características extremamente interessantes foram construídas. Nos primeiros anos do século passado as barragens eram de alvenaria de pedra, chamadas na época de barragens de peso, ou maciços baixos de terra cujo elemento impermeabilizante era um diafragma central de alvenaria. No caso de haver ombreira em rocha sã, o sangradouro podia ser simplesmente escavado numa das ombreiras, dispensando-se revestimentos. Considerando que apenas os rios São Francisco, que flui desde Minas Gerais e o rio Parnaíba que divide os estados do Piauí do Ceará são perenes, os demais cursos d’água do Nordeste são de regime intermitente,

a construção de barragens era, em geral, feita em duas etapas: no primeiro ano se procedia a limpeza e o tratamento de fundação e, no segundo ano, após o recuo das águas, se fazia as obras no leito do rio e nas margens. Até meados do século passado as barragens eram de alturas modestas, sendo que só nos anos 50, em Boqueirão das Cabaceiras, foi implantada a primeira barragem de altura superior a 50 m. Como são muitas barragens, para o presente livro o autor selecionou as barragens do açude de Cedro por terem sido as primeiras grandes barragens do Nordeste e as mais bonitas até hoje, a barragem de Orós por ter tido impressio-nante acidente durante sua construção, a barragem de Engenheiro Ávidos pelo seu arrojado projeto original, a barragem de Cocorobó pelos motivos que determinaram a sua implantação e a barragem do Castanhão por ser a última grande barragem construída pelo DNOCS antes da publicação deste livro.

As barragens do açude de CedroLogo após o término da Grande Seca, em 1880, o Governo Impe-rial encomendou ao engenheiro Jules Revy uma seleção de locais para implantação de barragens com o objetivo da formação de açudes. Dentre os locais selecionados sobressaiu-se o sítio onde foi implantado o açude de Cedro. Já em 1882 o primeiro projeto estava pronto. Esse projeto, entretanto, foi modificado pelo enge-nheiro Ulrico Mursa, da Comissão de Açudes e Irrigação. As obras foram iniciadas em novembro de 1890 e foram concluídas em 1906,

As Barragens Construídas pelo DNOCS

Sangradouro de Castanhão

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sob a direção do engenheiro Bernardo Piquet Carneiro, após para-lisações. O açude só foi verter (sangrar) pela primeira vez em 1924 o que demonstra que, pela falta de dados hidrológicos na época do projeto, o açude ficou super-dimensionado.

O açude se localiza no rio Sitiá do sistema Jaguaribe, controlando uma área de drenagem de 224 km², com uma superfície de 17,45 km², uma capacidade de acumulação de 126.000.000 m³ e uma profundidade média pouco superior a 7 m.

A barragem principal é em arco gravidade de alvenaria, de longo raio de curvatura de 254 m; sua altura é de 18 m sobre as funda-

ções em sienito são, sua extensão de crista é de 415 m, seu vo-lume é de 60.000 m³. O vertedouro (sangradouro) é também em alvenaria, de gravidade, com 7,5 m de altura e com lâmina livre pela crista; seu comprimento é de 209 m e seu volume é de 9.925 m³. Há ainda dois diques de terra, um em cada margem do rio, deno-minados Barragem Sul com altura de 17 m, comprimento de crista de 243 m e volume de 40.724 m³ e Barragem da Lagoa do Forbes com 4 m de altura, 464 m de extensão e 8.473 m³ de volume. A alvenaria de pedra em sua crista, seu eixo curvo e os peque-nos pilares com as grossas correntes aliados à Pedra da Galinha Choca na margem direita da barragem e à esquerda do vertedouro formam um conjunto arquitetônico de rara beleza.

Figura 1 – Açude de Cedro

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A barragem de Engenheiro Avidos, antiga São José de PiranhasA barragem é localizada no rio Piranhas, no município de Cajazeiras, Paraíba, controlando uma área de drenagem de 1124 km². O projeto foi concebido pelos engenheiros Luis Vieira e Vinícius Berrêdo, com a colaboração de Moacyr Avidos, Regis Bittencourt e Lohengrin Chaves.

tando muitos matacões e elevada permeabilidade e a margem direita é constituída por um gnaisse intemperizado. O projeto original da barragem compreende um maciço de terra a montante com talude variável de cima para baixo de 2:1, de 2,5:1 e de 3:1, um núcleo de concreto sob a linha de centro da barragem constituindo-se o prin-cipal elemento de impermeabilização, e um maciço de enrocamento no espaldar de jusante com talude de 1,6:1. A barragem tem 44 m de altura e 340 m de extensão. Na ombreira esquerda as escavações atingiram a 14 m de profundidade. O vertedouro era de crista livre, com ogiva de concreto de 160 m de extensão e cuja calha era constituída por um revestimento do talude jusante em lajes articuladas de concreto armado projetado para um pico de cheia da ordem de 800 m³/s e situ-ado na parte central do corpo da barragem. As tomadas d’água são em duas torres cilíndricas controladas por comportas que aduzem a água para duas tubulações em células de concreto armado.

Consta que o padre Cícero havia dito que a barragem iria colapsar. Realmente, o reservatório era mantido em nível baixo a maior parte do tempo. A barragem havia sofrido recalques e os movimentos provocaram a abertura de juntas na laje do vertedouro. Esses deslocamen-tos se acentuaram após a passagem da cheia de 1963 que chegou, no seu pico, a uma sobre-elevação de cerca de 0,30 m sobre a crista do vertedouro, o que correspondeu a uma hidrógrafa defluente com pico de apenas 55 m³/s. Nesse ano, após a cheia, o engenheiro O. Rice do US Bureau of Reclamation, em inspeção à barragem, recomendou que fosse cons-truído um novo vertedouro na ombreia direita. Foi efetuado um novo estudo hidrológico para verificação da hidrógrafa de projeto, tendo sido definida uma hidrógrafa com pico de 1610 m³/s. Como esta era, nos países ocidentais, uma das quatro barragens com vertedouro sobre o aterro e a única das quatro que sobreviveu durante quase 30 anos de uso, como as sondagens no aterro da barragem revelaram graus de compactação ina-dequados, como a descarga de projeto deveria ser o dobro da descarga original e como essa descarga de projeto era quase 30 vezes superior à descar-ga ocorrida em 1963, foi decidido que o vertedouro sobre a barragem seria substituído por um vertedouro lateral provido de duas comportas de segmen-to de 9 m x 10 m que descarregam as descargas vertidas em uma calha em concreto armado e dissipação em salto de esqui, o que correspondeu a uma escavação de 300.000 m³ e a um volume de concreto de 16.000 m³.

As principais condicionantes do projeto eram: não exigir fundação em rocha sã e o elevado custo devido às dificuldades logísticas para suprimento de cimento ao local da barragem. No local da barragem a margem esquerda é composta por um quartzito decomposto, apresen-

Figura 2 – O engenheiro Moacyr Monteiro Avidos

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Figura 5 - Açude Piranhas durante sua construção

em 1936. Vista do talude de jusante

Figura 3 - Açude Piranhas durante sua construção em 1936. Vista do talude de montante

Figura 4 - Açude Piranhas – Saída das galerias da tomada de água

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A barragem de OrósA barragem de Orós é situada no rio Jaguaribe, conhecido como o maior rio intermitente do mundo, no interior do estado do Ceará, a 450 km da capital Fortaleza. Sua principal finalidade é perenizar o rio e promover a irrigação nos trechos médio e baixo de seu vale. Como finalidades secundárias há a piscicultura e aproveitamento hidroelétrico. Desde os tempos do Império e nos primeiros anos da república uma barragem no boqueirão de Orós vinha sendo considerada. Houve um primeiro anteprojeto desenvolvido no início da Inspetoria de Obras Contra as Secas do qual não se tem notícia por ter se perdido em incêndio ocorrido em dezembro de 1912 na Primeira Seção dessa Inspetoria. A idéia inicial de uma barragem de eixo reto situada na entrada do boqueirão foi abando-nada em 1913, em vista dos resultados das sondagens executadas pelo engenheiro britânico Louis Philips e pelo engenheiro José Gomes Parente. Essas sondagens indicaram no leito do rio uma cavidade no seu topo rochoso de 40 m preenchida por aluviões. A cerca de 200 m a jusante do eixo retilíneo original essa cavidade apresenta profundidades de até 80 m. Para fugir da cavidade duas alternativas de eixo foram indicadas: eixo reto na parte jusante do boqueirão ou eixo acentuadamente curvo na entrada do boqueirão. Em 1919, motivado pela intensa seca que impactou a região, o governo federal contratou a empreiteira americana Dwight P. Ro-binson & Co. para elaborar um novo projeto e implantar a obra sob a supervisão dos engenheiros Charles W. Comstock e J. A. Sargent. A barragem seria em alvenaria de concreto ciclópico execu-tada com apoio de cabo aéreo cujas torres foram instaladas nas duas ombreiras. Todos os trabalhos de levantamentos e prospecções e de projetos de infra-estrutura tais como as instalações das resi-dências e escritórios, acessos rodoviários, ferrovia, eletrificação e canteiro de obra, foram feitos pelos engenheiros A. Pyles, José Visetti, C. P. Cunha, José Wright e George Shobinger.

Nessa fase inicial de construção participava da equipe o enge-nheiro Augusto Benedicto Ottoni. Durante essa fase, no interior do Ceará, nasceu seu filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto,

que viria a ser destacado engenheiro hidráulico e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formando um sem número de engenheiros, incluindo seus filhos, uma neta e o autor desse capítulo. Curiosamente, como será mencio-nado adiante, o engenheiro Theophilo teria atuação de destaque no projeto do vertedouro da barragem de Orós quase cinqüenta anos depois do seu nascimento.

A excepcional cheia ocorrida em 1924 destruiu ensecadeiras e parte do canteiro de obra, tendo havido, no janeiro seguinte, drástico corte de verbas e a conseqüente paralisação das obras no governo de Arthur Bernardes.

Em 1930 estudos adicionais foram realizados sob a orientação do engenheiro Luis Augusto Vieira.

Em 1932 materiais e equipamentos foram retirados de Orós para as construções dos açudes de Pilões, Piranhas e São Gonçalo. A barragem de Orós deixou de ser prioridade mesmo com a intensa seca de 1932. Posteriormente equipe do engenheiro Luiz Vieira elaborou dois estudos, um com barragem de terra e outro com barragem de concreto gravidade, ambos com eixo retilíneo a jusante do boqueirão para evitar a espessa camada de aluvião que havia sido detectada nos estudos iniciais.

Em 1940 foi concluído um túnel com 1600 m de extensão ligan-do Orós ao açude de Lima Campos cuja capacidade de irrigação estava esgotada.

Estudos e investigações geotécnicas efetuadas pelo engenheiro Arthur W. Schneider levaram a professor Casemiro José Munarski a conceber o projeto de uma barragem de terra zonada com grande curvatura em planta para montante com o objetivo de fugir da espessa camada de aluvião. Em outubro de 1958 as fundações da barragem estavam escavadas e tratadas. O maciço da barragem seria erguido após a estação chuvosa seguinte, no decorrer de 1959. Apesar de dispor de um túnel de desvio, Orós foi programada para ter seu maciço totalmente construído em um período seco, como

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era comum nos rios intermitentes do Nordeste. O próprio DNOCS construía a barragem com equipamentos provenientes da recém concluída construção da barragem de Araras.

A barragem, projetada com 54 m de altura e taludes de 2,5:1 e 2:1 respectivamente a montante e a jusante, ambos abrandados em cotas inferiores, foi executada com espesso núcleo de argila arenosa com-pactada em camadas de 15 cm e taludes externos em enrocamento que envelopava, nos espaldares de montante e de jusante, zonas de solo arenoso compactados em camadas de 30 cm de espessura. O túnel de desvio situado na ombreira esquerda, tornou-se a tomada d’água e foi revestido posteriormente com chapa de aço, apresentando a jusante uma bifurcação para um descarregador de fundo e para a instalação de uma pequena hidroelétrica que só foi licenciada cinqüenta anos depois. Como mencionado acima, na margem direita do reservatório havia sido construído um túnel que conduz descargas do rio Jaguaribe ao açude de Lima Campos com o objetivo de reforçar as vazões para irrigação das áreas a jusante desse açude.

Entretanto, devido à incrível concentração de recursos federais para a construção de Brasília, denominada pelo presidente Juscelino Kubitschek de meta síntese, os demais empreendimentos governa-mentais ficaram com desmedidas carências de recursos. O DNOCS passou a ter sérios problemas na manutenção do ritmo de cons-trução por falta de recursos financeiros para concluir a barragem a tempo, tendo perdido também o crédito junto a fornecedores. Debalde foram os alertas da direção do DNOCS e de seu diretor geral, engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa, quanto ao perigo da não conclusão da barragem antes do período chuvoso. No final do período chuvoso, com a barragem ainda incompleta e sem ser possível as águas afluentes atingirem a cota da soleira do vertedouro ainda em escavação, a barragem começou a ser galga-da. Era nos primeiros minutos da madrugada do dia 26 de março de 1960. Os esforços para conter o colapso da barragem foram inúteis. Cerca de 40% do volume do maciço já executado foi erodido. Várias cidades situadas a jusante foram invadidas pelas águas oriundas do colapso da barragem.

Destaca-se a eficiente atuação das forças armadas no resgate das populações residentes a jusante da barragem. As informações disponíveis dão conta de que apenas um óbito foi registrado, tendo sido por infarto. O acidente e suas conseqüências impactaram a opinião pública e muitos recursos foram angariados de populares e remetidos às vítimas do acidente. A campanha em muitas cidades do País tinha o lema “Orós precisa de nós”. No âmbito externo, real-çam-se as atitudes de países no apoio às vítimas do rompimento

Figura 6 - Galgamento da barragem de Orós

Figura 7 - Barragem de Orós após a ruptura

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da barragem de Orós: Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha Ocidental, União Soviética e Vaticano.

A barragem foi rapidamente reconstruída entre julho de 1960 e janeiro de 1961, tendo sido inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitscheck. Apesar de ter sido o responsável pela carência de recursos que ocasionou o colapso da barragem com graves consequências para as populações de jusante, há um monumento em bronze com a estátua do presidente em tamanho natural.

Entretanto, o sangradouro permaneceu sem ser revestido de concreto. A rocha local é composta por xistos da série Ceará, destacando-se quartzitos xistosos dobrados e extremamente fraturados. Pouco após a reconstrução da barragem, o ver-tedouro apenas escavado, era protegido por uma pequena ensecadeira. Em visita ao local em época em que o reservatório estava com elevado nível d’água, uma alta autoridade federal mandou abrir a ensecadeira. A água escoando a elevadas ve-locidades sobre a rocha altamente fissurada, provocou grande

erosão regressiva que quase comprometeu a estabilidade da ombreira esquerda.

Mais uma vez, após a emergência, recursos foram destinados a concluir a obra do vertedouro. O projeto foi encomendado ao Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito – HIDROESB e idealizado pelo Professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto aproveitando em parte a configuração da encosta erodida e desenvolvendo uma concepção de elogiável arquitetura hidráulica, testada em modelo reduzido. Figura 8 - Erosão na área do vertedouro antes do revestimento de concreto

Figura 9 – Saturnino de Brito Filho, Juarez Távora, Theophilo Benedicto Ottoni Netto e José Cândido Parente Pessoa em visita ao modelo hidráulico reduzido do vertedouro de Orós

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Figura 11 – Vertedouro de Orós em operação

Figura 10 – Açude de Orós

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A barragem de CocorobóNa última década do Século XIX foram travados vários combates entre forças militares do estado da Bahia e, posteriormente, do Exército Brasileiro contra jagunços seguidores da figura mística de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conse-lheiro. Inicialmente pacíficos, desarmados e militarmente despre-parados, os seguidores de Antônio Conselheiro rechaçaram quatro investidas e expedições das forças armadas, tendo sido finalmente aniquilados em seu arraial denominado Belo Monte. Esse terrível episódio de nossa história é magistralmente narrado por Euclides da Cunha que foi testemunha ocular da terceira expedição coman-dada pelo sanguinário coronel Antônio Moreira César, o corta cabeças, que já havia assassinado mais de cem habitantes de Nossa Senhora do Desterro, cidade posteriormente denominada Floria-nópolis em homenagem ao ditador da ocasião, e, cem anos após, também descrita com maestria por Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura em 2010.

Consta que o pedido da construção da barragem de Cocorobó partiu do chefe político local durante a visita, em 1940, do presidente Getúlio Vargas à região e ao segundo Arraial de Canudos, cons-truído em 1909 por parentes e sobreviventes do massacre. Getúlio teria perguntado a Isaias Canário o que poderia ser feito por Canudos e recebeu como resposta: “Um açude Senhor Presidente.”

Os estudos do DNOCS indicaram o boqueirão Cocorobó como o sítio mais indicado para a construção da barragem. Na época, em ne-nhum momento foi cogitado que o sítio selecionado iria submergir o que havia restado de Belo Monte, incontestavelmente de elevado va-lor histórico. Principalmente após a construção, a seleção do local foi questionada por diversos pesquisadores e historiadores, havendo duas correntes distintas: a primeira acusa o governo federal de tentar apa-gar da memória nacional o triste incidente de Canudos, escondendo sob as águas a participação do Exército no conflito. A segunda de-fende a idéia de que o boqueirão era o local mais apropriado para a implantação do açude. Mesmo no local selecionado, o volume d’água

acumulado pelo açude não é suficiente para atender a exploração de todo potencial de solo agricultável a jusante, como ficou evidenciado nas estiagens ocorridas entre 1994 e 2000 quando as demandas fizeram com que o espelho d’água atingisse níveis muito baixos, aparecendo as antigas construções, principalmente a parte superior da igreja de Antônio Conselheiro bombardeada por canhões do Exército.

A barragem, concluída em 1968, é uma estrutura de terra compac-tada, com 34 m de altura, 643 m de extensão de crista e volume de reservatório de 245,3 milhões de metros cúbicos. Na realidade, há

Figura 12 – Prisoneiros da guerra de Canudos

Figura 13 – Estátua de Antônio Conselheiro, tendo ao fundo o açude de Cocorobó

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pareceres de engenheiros e mesmo de arqueólogos como Paulo Zanettini e Erica Gonzáles, que certificam que o local selecionado é na realidade o mais apropriado para a implantação da barragem: a jusante o vale é muito aberto e com espessas camadas de sedimentos e a montante não havia local tão propício para um reservatório.

Entretanto, houve um depoimento do diretor geral do DNOCS no início da construção da barragem ao autor deste capítulo, que justifica a interpretação de que a barragem teria sido construída para afogar a me-mória da Guerra de Canudos concluída em 5 de outubro de 1897. Era mesmo tentador tentar apagar qualquer registro do massacre dos habi-tantes de Belo Monte. Ao final da guerra, mesmo aqueles que se rende-ram com a promessa de não serem mortos, homens, mulheres e crianças foram cruelmente degolados pelas tropas do Exército sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães no incidente conhecido por gravata vermelha. Segundo o engenheiro Euclides da Cunha que esteve no teatro da guerra, “aquela campanha (do Exército) foi o maior crime praticado em território brasileiro.”

O engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa contou que no início das obras da barragem conversou muitas vezes com o Pedrão, principal jagunço de Antônio Conselheiro na fase final dos confrontos com o

Exército. Após o aniquilamento do arraial e de seus ocupantes, Pedrão que havia saído para combater a quinta expedição que chegava com soldados do Rio Grande do Sul, se refugiou nos limites do Piauí com o Maranhão até que uma anistia permitiu que ele retornasse a Canudos. Pedrão faleceu e inaugurou o modesto cemitério que havia sido feito como um dos equipamentos urbanos necessários para a construção da barragem. Como havia sido o primeiro a falecer após a conclusão do cemitério, o engenheiro José Cândido candidamente indicou a cova número um para acolher o falecido. Pouco tempo depois aden-tra um coronel do Exército no escritório do referido engenheiro e passa uma descompostura nele por ter enterrado na primeira cova do longínquo cemitério da obra “um inimigo da república”.

Barragem do CastanhãoOs primeiros estudos do Castanhão datam de 1910 quando o geólogo americano Roderic Crandall realizou para a Inspetoria de Obras Contra as Secas, estudos de locais para implanta-ção de açudes no Nordeste. Nesse trabalho ele identificou o boqueirão do Cunha como sendo um local para implantação de uma barragem que promovesse alguma regularização e que

Figura 14 – Açude de Castanhão

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derivasse as águas do rio Jaguaribe. Oitenta anos após, nos anos noventa, o projeto da barragem foi concluído e sub-metido a intensas e extensas discussões para a obtenção do licenciamento ambiental. Além da extensa área do reservatório, o principal impacto foi a necessidade de reassentamento de quinze mil pessoas que eram residentes na área a ser ala-gada, incluindo a totalidade da sede municipal de Jaguaribara. O projeto foi aprovado no Conselho Estadual do Meio Ambiente em dezembro de 1992 por doze votos a favor e oito contra. Em novembro de 1995 foi expedida a ordem de serviço autorizando o início da construção.

A descrença e a desconfiança permaneciam na população local e os opositores mantinham todas as ações possíveis para evitar que a obra fosse iniciada. Para contornar essas dificuldades foi constituído um colegiado que funcionou como um parlamento, acompanhando as obras com reuniões públicas mensais em que as manifestações eram livres. As discussões que foram mantidas no colegiado se transforma-ram em um documento de importância histórica com 6000 páginas de transcrições de debates, 300 páginas de atas de reunião e 360 fitas gravadas. As principais decisões do colegiado foram relativas ao estabelecimento de uma tabela para indenizações de proprieda-des, à seqüência de pagamentos e às prioridades no processo de transferência da população, incluindo a seleção do local de cada nova moradia, além do redesenho do município de Jaguaribara que teve cerca de 60% de sua área alagada. Nesse aspecto foi importante a transferência de áreas dos municípios vizinhos de Alto Santo, Morada Nova e Jaguaretama para o município de Jaguaribara.

A barragem do Castanhão foi concluída em 1999. A barragem é uma longa estrutura de terra compactada com um trecho em concreto compactado com rolo, com 3.450 m de extensão e 72 m de altura. O vertedouro em concreto gravidade é provido de 12 comportas de segmento de 10 m por 11,55 m, tendo capacidade de escoar a descarga de projeto de 12.345 m³/s com sobre-elevação de 6 m. O reservatório na El. 100 (nível máximo normal de regularização) pos-sui uma área de 325 km² e represa 4,46x109 m³. O canal de derivação se estende por 256 km com a capacidade adução de 22 m³/s.

AgradecimentoO autor agradece à engenheira Ana Teresa Ponte pelas foto-grafias e informações.

ReferênciasCunha, E. – Os Sertões – Editora Record, nona edição, 2007

Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – Barragens no Nordeste do Brasil, 1982

Llosa, M. V. – La Guerra del Fin del Mundo – Seix Barral, 1991

Miguez de Mello, F. – A Century of Dam Construction in Brazil – Topmost Dams of Brazil, 1978

Monteiro, H. P. – Cocorobó, uma Barragem Projetada para Reacender as Esperanças no Futuro ou Apagar o Passado, Conviver, 2009

Lima, P. F. – Castanhão – Conviver, 2009

Paulino, M. A. – Orós, Histórico sobre a Construção do Açude, Conviver, 2009

Sola J. A. – Canudos, uma Utopia no Sertão – Editora Con-texto, 1989

Figura 15 – Açude de Castanhão

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Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil

Flavio Miguez de Mello

blico, pela primeira vez no País, uma experiência de geração e utili-zação de energia elétrica que se tem notícia em território nacional. A energia gerada foi utilizada para acender uma lâmpada, demons-trando que a eletricidade poderia trazer benefícios inestimáveis à sociedade. Os que presenciaram a experiência, embora surpresos, certamente não poderiam imaginar a dependência que a socieda-de viria a ter da eletricidade nos dias atuais. Cinco anos depois, em 1862, ocorreu na Praça da Proclamação, hoje Praça Tiradentes, próxima ao prédio da Escola Central, uma nova demonstração pública de iluminação baseada em energia elétrica, por ocasião da inauguração da estátua eqüestre de Dom Pedro I.

Em 1879 foi efetuado o primeiro emprego comercial do dínamo pela Edison Electric Light Co. em Nova York. Nesse mesmo ano, Dom Pedro II concedeu a Thomas Alva Edison a concessão para introduzir no Brasil os equipamentos de sua revolucionária invenção e inaugurou a iluminação elétrica da estação da Estrada de Ferro Pedro II, atual estação ferroviária situada na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, na época sob a direção de Francisco Pereira Passos. Essa foi a primeira instalação de iluminação elétrica de caráter permanente que foi instalada no País.

Em 1881, por ocasião da viagem de Dom Pedro II a Minas Gerais, o diretor Claude Henry Gorceix da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, fez acender uma lâmpada com energia proveniente de um dínamo acionado pelos detentos da cadeia local.

A primeira instalação no País de iluminação com base em energia elétrica em área externa foi efetivada em 1881 no Jardim do Campo da Aclamação, atualmente Praça da República, no Rio de Janeiro,

Os primeiros tempos - Século XIXRecuamos à distante época dos meados do Século XIX quando não havia ainda exploração econômica de energia elétrica no mundo. Nessa época o Brasil vivia no segundo reinado sob um impera-dor extremamente interessado em todos os domínios da cultura, da ciência e da tecnologia. Não raro Dom Pedro II freqüentava eventos técnicos na Faculdade de Medicina e na Escola Central, esta precursora das atuais Academia Militar das Agulhas Negras e Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. A Escola Central era situada no Largo de São Francisco de Paula, no coração da cidade do Rio de Janeiro, prédio da UFRJ hoje tombado pelo seu valor histórico e conhecido como Alma Mater da Engenharia Brasileira. É do conhecimento de historiadores o intenso interesse do Imperador pelos desenvolvimentos tecnológi-cos que na época encontravam ampla divulgação na Escola Central. Por ocasião de eventos no prédio, o Imperador chegava a ocupar a sala frontal do segundo pavimento (na época o prédio era de dois pavimentos), até hoje conhecida como a sala do trono, de onde despachava com sua equipe de governo.

No ano de 1857, por ocasião de uma homenagem ao Imperador Dom Pedro II no prédio da Escola Central, foi realizada em pú-

Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil

Usina hidroelétrica de Tombos em Minas Gerais. Vista do canal de adução para a casa de força.

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pela Diretoria Geral dos Telégrafos, através de 16 lâmpadas de arco voltáico supridas por dois dínamos acionados por um locomóvel.

Em 1883, o Professor Armand de Bovet, da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, contratado na Europa diretamente pelo governo imperial como um dos docentes para aquela Escola, instalou no ribeirão do Inferno, na bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha, no município de Diamantina, Minas Gerais, a mais antiga usina hidroelétrica do País e uma das mais antigas do mundo. A usina dispunha de uma barragem que criava uma queda de cerca de 5 m, casa de força abrigando duas máquinas Gramme de 8 CV cada, com 1500 rpm, gerando em corrente contínua, acionadas por uma roda d’água de madeira com 3,25 m de diâmetro. A transmissão era a mais longa do mundo na época, com 2 km de extensão (a trans-missão da primeira usina de Niagara Falls tinha 1,5 km). A energia gerada movimentava duas bombas de desmonte a jato d’água para exploração de diamante e, após pouco tempo, passou a ser utilizada também em iluminação. Essa foi a primeira usina hidroelétrica no Brasil, pioneira de um desenvolvimento impar no século seguinte.

No dia 24 de junho de 1883, Dom Pedro II inaugurou, em Campos dos Goytacazes, uma usina termoelétrica dotada de três dínamos, com capacidade total de 52 kW. A iluminação pública contava com 39 lâmpadas de 2000 velas cada. Ao longo de todo Século XIX a iluminação não sofreu sequer uma paralisação noturna, sendo a primeira verificada nas noites de 10 e 11 de junho de 1901.

No dia 15 de novembro de 1884, a empresa Real & Portella colocava em funcionamento a iluminação pública da cidade de Rio Claro no Estado de São Paulo, através de 10 lâmpadas de arco voltaico de 2000 velas cada.

Em 1887 a empresa Companhia Fiat Lux iniciou um serviço de ilumi-nação pública em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com energia elétrica gerada por uma termoelétrica com capacidade instalada de 160 kW.

Em 1887 foi instalada uma pequena usina termoelétrica no Largo de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro, de propriedade da

Companhia Força e Luz. Essa usina manteve uma centena de lâm-padas na região central da cidade com energia produzida por um dínamo de 50 CV. Entretanto, a operação dessa usina teve vida efêmera, não chegando a durar um ano sequer.

Também em 1887 entrou em operação a usina hidroelétrica do ribeirão dos Macacos, localizada em Honório Bicalho, atual mu-nicípio de Nova Lima, Minas Gerais. A usina, de propriedade da Compagnie des Mines d’Or du Faria, aproveitava uma queda de cerca de 40 m acionando uma roda d’água de 20 pás que movimentava dois dínamos Gramme com potência total de 500 CV. A energia era destinada às atividades de mineração, iluminação e esgotamento de água nos túneis da mina de ouro e, posteriormente, à iluminação das residências do acampamento da empresa.

Ainda em 1887, Dom Pedro II acionou a ligação de 60 lâmpadas da Edison Electric Co. na Exposição Industrial que foi instalada no edifício do Paço, então ocupado pelo Ministério da Viação, na atual Praça 15 de Novembro, no Rio de Janeiro.

No dia 7 de setembro de 1889 teve início o emprego da hidroele-tricidade para serviço público no País pela iniciativa de Bernardo Mascarenhas, industrial estabelecido em Juiz de Fora. Nessa data foi colocada em operação no rio Paraibuna, a usina hidroelétrica Marmelos com 252 kW de capacidade em duas unidades gerado-ras acionadas por duas rodas d’água. A barragem, hoje substituída por uma estrutura de concreto gravidade, era um maciço de enro-camento impermeabilizado na face de montante por uma laje de madeira composta de pranchas aparelhadas. A usina encontra-se desativada há décadas, sendo hoje um pequeno museu mantido pela CEMIG à beira da rodovia União Indústria, outro marco histórico do progresso nacional, este devido a Mariano Procópio que obteve do governo imperial concessão para construir e explorar a rodovia inicialmente utilizada por viaturas de tração animal.

Em 1893 era colocada em operação a hidroelétrica Luiz Queiroz no rio Piracicaba, na zona urbana da cidade de Piracicaba, São Paulo. Não havia barragem. A adução era feita por um desvio no

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curso do rio próximo à sua margem esquerda. A casa de força abriga quatro unidades de potências e procedências diversas somando 2,88 MW.

Em 1895 entrou em operação a hidroelétrica de Corumbataí, no município de Rio Claro, São Paulo. Duas barragens, uma no ribeirão Claro e outra no rio Corumbataí, tinham seus pequenos reservatórios unidos por um túnel escavado em rocha. A casa de força abriga duas unidades de capacidades distintas que somam 1,7 MW.

Até a virada do Século XIX para o Século XX as primeiras cidades por unidades da Federação que tiveram serviços públi-cos contínuos de força e luz foram, pela ordem cronológica, Campos dos Goytaca-zes, no Rio de Janeiro (1883), Rio Claro, em São Paulo (1884), Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (1887), Juiz de Fora, em Minas Gerais (1889), Curitiba, no Para-ná (1892), Maceió, em Alagoas (1895) e Estância, em Sergipe (1900).

O início do Século XX (até 1913)Na virada do Século XIX para o Século XX a população brasileira de 17 milhões de habitantes era predominantemente ru-ral, situada não muito afastada do extenso litoral nacional e servida por uma rede ferroviária de 14.000 km, uma das mais extensas do mundo na época. A energia representava pouco na economia nacional

retratada pelas importações de carvão e de querosene que atingiam a apenas 6% e 2% do total das importações do País. A abundância de lenha e a aparente ausência de reivindicações populares para universalização dos serviços de eletricidade faziam com que não houvesse, por parte do poder público, preocupações com o suprimento de energia. Com uma atividade de exploração puramente extrativista dos recursos florestais com base em desma-tamento da Mata Atlântica de forma dispersa e sem registros oficiais, não se desenvolvia a mineração de carvão e nem se considerava possibilidades da existência de reservas de petróleo. O ambiente político era favorável a concessão a empresas privadas, independente da nacio-nalidade, para serviços públicos e exploração de recursos naturais. Como não havia legislação específica, as concessões de serviços de energia elétrica eram dadas pelo governo central, por governos estaduais e mesmo por governos municipais. Nessa época estavam sendo iniciadas várias atividades de implantação de novos serviços de energia elétrica principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais por empreendedores nacionais e estrangeiros. Destes últimos, destaque é devido ao grupo que se tornou a São Paulo Light e a Rio Light. A primeira concessão do grupo foi dada pela Câmara Municipal de São Paulo para serviços de transporte urbano em veículos movidos a eletricidade. Essa concessão da São Paulo Railway Light and Power Co. Ltd., formada em Toronto, Canadá, propiciou a vinda do principal executivo Frederick Pearson que trouxe o advogado e empreendedor

Figura 1 – Usina hidroelétrica de Marmelos

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canadense Alexander Mackenzie e os engenheiros Hugh Cooper e Robert Brown. A empresa passou a operar no País ao abrigo da autorização concedida em 1895 pelo presidente Campos Sales. Nos últimos anos do Século XIX foram iniciadas as obras da primeira usina hidroelétrica da empresa no Brasil, no rio Tietê, a jusante da cidade de São Paulo, denominada na época Parnaíba, hoje Edgard de Souza, que teria inicialmente 2.000 kW instalados. Essa usina foi sucessivamente ampliada até atingir 16 MW instalados. Seu objetivo inicial era atender às necessidades da rede de transportes urbanos e iluminação da cidade de São Paulo.

No Rio de Janeiro a primeira hidroelétrica foi Fontes, instalada pela Light em 1905 com a finalidade de proporcionar iluminação pública e residencial bem como tração para os bondes da capital federal. Em 1908 a usina já tinha 12 MW instalados, sendo ampliada para 24 MW em 1909, tornando-se uma das maiores hidroelétricas do mundo. A barragem era em arco-gravidade situada no alto Ribeirão Das Lajes, com vertedouro de lâmina livre em sua crista.

As hidroelétricas que eram instaladas no início do Século XX eram destinadas a suprir de energia elétrica centros isolados, tendo sido instaladas por prefeituras ou por pequenos empresários para atendi-mento às demandas das suas fábricas. Nesses casos, o excesso de energia era destinado à iluminação pública e domiciliar. Desta maneira surgiram os primeiros concessionários privados nacionais de energia elétrica nas regiões Sul e Sudeste. Com esse perfil de consumo e com os elevados custos da época em que todos os equipamentos eram im-portados, as hidroelétricas eram em geral de portes muito modestos e tinham casas de força em posição remota em relação às barragens. A quase totalidade delas e suas áreas de concessão foram sendo incorporadas por empresas maiores, tendo sido, na quase totalidade, desativadas anos depois.

No Estado do Rio de Janeiro nesse início do Século XX destacam-se, a de Lajes, a implantação das hidroelétricas de Piabanha, Hans e Coronel Fagundes. A segunda hidroelétrica instalada no estado foi Piabanha, construída no rio Piabanha pelos Guinle em 1908. A barragem é uma soleira vertedoura de gravidade em pedra arga-

Figura 2 - Barragem e Reservatório de Lajes

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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massada com 25 m de extensão e altura de 6,7 m. A casa de força abriga duas unidades Francis duplas gêmeas de 3 MW cada.

Em 1911 os Arp instalaram a hidroelétrica de Hans no ribeirão Santo Antônio, em Muri, município de Friburgo com o objetivo de suprir a fábrica de linhas de energia, tendo assumido em seguida a concessão de serviço público do município. A barragem é em con-creto gravidade com soleira vertente livre e a casa de força abriga uma unidade Francis horizontal de 294 kW.

Em 1912 os Guinle implantaram a hidroelétrica de Coronel Fagundes no rio Fagundes, município de Paraíba do Sul, muito próxima à hidroelétrica de Piabanha. Nessa obra trabalhou o en-genheiro Flavio Lyra, pai do então menino Flavio Henrique Lyra que brincava no canteiro de obra e já se familiarizava com barra-gens e hidroelétricas, campo de conhecimento em que se tornaria uma das mais altas expressões mundiais a partir da segunda metade do Século XX. A barragem é em gravidade de pedra ar-gamassada e concreto, com altura de 13 m e 80 m de extensão.

Figura 3 - Casa de Força de Fontes

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Nos 30 m centrais a barragem é vertedoura em crista livre. A casa de força abriga duas unidades Francis de eixo horizontal de 2,4 MW cada.

No início do Século XX em Minas Gerais destacam-se as hidroelétricas de Maurício e Tombos. A hidroelétri-ca de Maurício foi implantada em 1908 no rio Novo, município de Leopoldina pela Cia. Força e Luz Cataguazes-Leopoldina. A construção foi supervisio-nada pelo engenheiro Otávio Carneiro, assessorado pelos engenheiros Pedro Leivas, Alfredo do Paço, Osvaldo Lynch e Henrique Fox Drumond. A barragem com 6 m de altura era vertedoura com crista livre situada na crista da cachoeira da Fumaça. A potência instalada era de 1,3 MW.

Em 1912 foi instalada a usina hidroelétrica de Tombos no rio Carangola, município de Tombos.

A barragem, situada na crista da cachoeira de Tombos, é em concreto gravidade de peque-na altura, constituindo-se em vertedouro de soleira livre. A casa de força abriga dois grupos geradores num total de 2,88 MW instalados.

No estado do Paraná há referência à hidroelé-trica Serra da Prata, instalada por ingleses em 1910 na vertente da Serra do Mar em Paranaguá. Com capacidade de 510 kW, a hidroelétri-ca passou em 1932 da Cia Melhoramentos Urbanos de Paranaguá para a Cia Melho-ramentos Paulistas, para a prefeitura de Paranaguá, para o Departamento de Águas e Energia Elétrica e para a COPEL, sendo desativada em 1970. Em 1911 foi inaugurada a hidroelétrica de Pitangui para suprir de energia elétrica a cidade de Ponta Grossa.

Figura 4 - Barragem de Piabanha. Os contrafortes em primeiro plano são reforços recentes

Figura 5 - Barragem de Coronel Fagundes

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Em Santa Catarina, para suprimento de Blumenau, entrou em operação em 1913 a primeira unidade da hidroelétrica de Salto Weissbach no rio Itajaí Açú. A barragem é uma soleira vertedoura de altura apenas suficiente para promover a derivação de parte das descargas para a tomada d’água que conduz as águas captadas para as turbinas que são alojadas em casa de força abrigada na margem direita. As turbinas de fabricação J.M. Voith são Francis gêmeas de eixo vertical com potência de 1470 kW cada sob a queda nominal de 10,5m com engoli- mento de 19,4 m³/s.

No estado do Rio Grande do Sul as primeiras barragens que se tem notícia para produção de energia elétrica foram construídas a partir de 1911 e entraram em operação em 1912. A barragem Inglês com 4 m de altura e 55 m de extensão, em alvenaria de pedra e concreto ciclópico foi implantada no município de Cruz Alta tendo sua casa de força a potência instalada de 268 kW e a barragem Picada 48, com apenas 2,7 m de altura e 41,5 m de comprimento, em alvenaria de pedra, foi construída no município de Dois Irmãos tendo sua usina a capacidade de 200 kW.

O Estado de São Paulo se destaca nos primeiros anos do Século XX por um expressivo números de pequenas hidroelétricas como as usinas de Santa Alice que começou a operar a partir de 1907, as usinas de Socorro, Rio Novo e Monjolinho, em 1909, Itatinga, São Valentim e Marmelos II em 1910, Capitão Preto, Macaco Branco, Salto Pinhal, San Juan, São Joaquim e Brotas, em 1911, Salto Grande, Bocaina, Votorantim, Chibarro, Esmeril, Turvinho Batista e Sodré, em 1912, Gavião Peixoto, Boa Vista e Quilombo, em 1913. As barragens dessas usinas eram de altura modesta, em geral de gravi-dade em alvenaria de pedra, poucas com contrafortes localizados. A maioria dos vertedouros era sem controle, sendo soleiras li-vres implantadas nos leitos dos rios. A maioria dessas usinas tinha menos do que 1000 kW instalados em sua primeira etapa, a metade delas tive ampliações de capacidade instalada em etapas poste-riores, mas sempre ficando com potências inferiores a 6 MW. Desse conjunto de usinas pioneiras, as hidroelétricas de Monjolinho, Marmelos II, Salto Pinhal e Bocaina foram desativadas nos anos oitenta e noventa do século passado. O destaque dentre essas usinas é Itatinga, com cinco unidades Pelton com potência nominal de 3 MW cada sob 640 m de queda bruta, mas apresentando no conjunto, 10 MW de potência efetiva. A usina encontra-se implantada na vertente oceânica da Serra do Mar, envolvida por densa floresta da Mata Atlântica, no município de

Figura 6 - Barragem vertedoura e canal de adução de Tombos

Figura 7 – Usina hidroelétrica de São Valentim

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Figura 8 – Usina hidroelétrica de Brotas

Figura 9 – Usina hidroelétrica de Gavião Peixoto

Figura 10 – Usina hidroelétrica de Boa Vista

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Bertioga, SP. O reservatório é formado por duas barragens de alvenaria de pedra argamassada com vertedouro de so-leira l ivre. O conjunto arquitetônico da casa de força é majestoso, sendo o acesso o mesmo utilizado desde o início das obras em 1890, feito por via férrea a partir da margem direita do rio Itapanhau, próximo à rodovia BR-101. A usina foi implantada com o objetivo principal de suprir o porto de Santos de energia elétrica.

Em 1913 entra em operação a primeira hidroelétrica do Nordeste Angiquinho, construída por Delmiro Gouveia na margem alagoa-na da cachoeira de Paulo Afonso, com 1,1 MW instalados. A casa de força foi implantada no trecho médio da escarpa granítica da margem esquerda do salto principal. A energia produzida era dire-cionada para a fábrica de linhas e para a vila residencial na localidade de Pedra, hoje Delmiro Gouveia.

Essas pequenas hidroelétricas aproveitando quedas d’água naturais e operando seus reservatórios a fio d’água, tiveram expressivo desenvolvimento nos primeiros anos do Século XX, tendo passado de 306 em 1920 para 1009 em 1930.

ReferênciasDias Leite, A. – A Energia do Brasil, 1997.

Memória da Eletricidade - Reflexos da Cidade, 1999.

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Miguez de Mello, F. – Brazilian Development in Engineering for Dams – Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, 1982.

Miguez de Mello, F. – The Development of the Brazilian Dam Engineering - Main Brazilian Dams III, Comitê Brasileiro de Barragens, 2009.

Prado Junior F.A.A. Ee Amaral C.A. – Pequenas Centrais Hi-drelétricas no Estado de São Paulo Governo do Estado de São Paulo, 2000

Prado Jr., F. A. A. e Amaral, C. A. – Pequenas Centrais Hidrelé-tricas no Estado de São Paulo – Comissão de Serviços Públicos de Energia, 2000.

Saveli, M. - Sinopse Histórica da Eletricidade no Brasil, 1976. Figura 11 – Usina hidroelétrica de Angiquinho

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Usina Hidroelétrica de Marmelos

Adelaide Linhares de Carvalho Carim

IntroduçãoO Brasil foi um dos pioneiros na exploração da energia elétrica. Essa história iniciou-se no final do século XIX, quando Dom Pedro II inaugura, em 1879, na Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Estrada de Ferro Central do Brasil no Rio de Janeiro, a primeira instalação de iluminação elétrica permanente do país, em substituição aos 46 bicos de gás existentes. Neste mesmo ano Thomas Alva Edison havia construído a primeira central elétrica para utilização na iluminação pública na cidade de Nova Iorque.

Em 1881, foi instalada pela Diretoria Geral dos Telégrafos a primei-ra iluminação externa pública do país, em trecho da atual Praça da República, na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1883 o imperador Dom D. Pedro II inaugurou, na cidade de Campos (RJ), o primeiro serviço público municipal de iluminação elétrica do Brasil e da América do Sul. A energia era fornecida por uma usina termoelétrica.

Em Minas Gerais, o interesse pela nova fonte de energia intensificou-se. Empresas de mineração e fábricas têxteis promoveram, nesse período, a construção de unidades de produção de energia hidroelétrica visando a autoprodução. No ano de 1883 entrou em operação a primeira usina hidroelétrica no país, localizada no Ribeirão do Inferno, afluente do rio Jequitinhonha, na cidade de Diamantina, destinada à extração de minério na região. Esta usina

foi desativada cento e quatro anos mais tarde em 1987. Posterior-mente mais algumas usinas entram em operação; em 1885 a Usina Hidroelétrica da Companhia Fiação e Tecidos São Silvestre, no município de Viçosa, a Usina Hidroelétrica Ribeirão dos Macacos, em 1887, ambas em Minas Gerais e a Usina Termoelétrica Velha Porto Alegre, em 1887, no Rio Grande do Sul.

Mas a primeira hidroelétrica de maior porte construída na América do Sul, destinada à produção de energia para utilidade pública, foi a Usina Hidroelétrica Marmelos no rio Paraibuna, às margens da estrada União e Indústria, na cidade de Juiz de Fora (MG). A usina de Marmelos, hoje Marmelos-Zero, entrou em operação em

Usina Hidroelétrica de Marmelos

Figura 1 - “Marmelos Zero” - Primeira Usina Hidroelétrica da América do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública

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5 de setembro de 1889, por iniciativa do industrial Bernardo Mascarenhas, dois meses antes da proclamação da república e apenas 7 anos depois da hidroelétrica de Appleton em Wisconsin na America do Norte.

Bernardo Mascarenhas foi o responsável pela instalação de Marmelos, marco zero da energia hidroelétrica no Brasil, e fundador da já extinta CME - Companhia Mineira de Eletri-cidade em 1888. A Companhia Mineira de Eletricidade foi de extrema importância para a industrialização de Juiz de Fora.

A cidade de Juiz de Fora no final do século XIXA inauguração da usina de Marmelos veio se somar ao pioneiris-mo desta cidade, que começou a ser escrito quando o bandeirante Garcia Dias Paes traçou o chamado Caminho Novo que passava pela margem do Rio Paraibuna, para ligar o porto do Rio de Janeiro

até a principal região mineradora (Vila Rica, Sabará, Mariana, Diamantina e tantas outras). Ao longo deste caminho, às margens do Paraibuna, foram erguidos pequenos povoados, como Matias Barbosa, Santo Antônio do Paraibuna - que em 1965 se tornava Juiz de Fora - Barbacena e outras. Estes eram locais de descanso dos tropeiros que passavam pela região. Por meio deste caminho que efetivamente a história de Juiz de Fora se inicia.

Juiz de Fora prosperou grandemente devido à cafeicultura; havia grandes fazendas de café que eram as bases da economia local. Com a cafeicultura, novos investimentos foram trazidos para a ci-dade, como a Rodovia União Indústria, construída pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage e pela Companhia União Indús- tria, em 1861. Neste ano, Dom Pedro II e representantes ilustres da Corte e da Companhia União Indústria percorreram em di-ligência os 144 quilômetros da primeira rodovia macadamizada brasileira, entre as cidades de Petrópolis e Juiz de Fora. Sua inau-guração trouxe a mão de obra qualificada dos imigrantes alemães, que iniciaram o processo industrial da cidade, com a inserção de

Figura 2 - Juiz de Fora em 1875

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algumas fábricas. Mais tarde vieram os italianos e com eles am-pliaram outros setores como o comércio e a prestação de servi-ços. A estrada deu origem também ao primeiro guia de viagens do Brasil, escrito pelo alemão Revert Henrique Klumb, fotógrafo do imperador, e intitulado “Doze Horas em Diligência - Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”. A Estrada União Indústria existe até hoje em vários e extensos trechos, tendo sido substituída como ligação rodoviária entre Petrópolis e Juiz de Fora pela BR-040.

Posteriormente, a construção da ferrovia Dom Pedro II em 1875, promoveu a comunicação entre a cidade e a corte, que ficava neste momento no Rio de Janeiro. Outro beneficio da estrada foi a melhoria no escoamento da produção cafeeira da Zona da Mata Mineira até o Rio de Janeiro.

Em 1878 funcionavam seis estabelecimentos de ensino, em 1881 ganhava telégrafo, fórum e jornais. Em 1980 os serviços urbanos foram ampliados com bondes de tração animal, telefones urbanos, em 1883, e em 1884, o telégrafo.

Em 1888 Juiz de Fora ganhava a Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas e o Banco de Crédito Real, e em 1889 a primeira

usina hidroelétrica para iluminação pública da América do Sul. Todos estes empreendimentos foram realizados por iniciativa do industrial Bernardo Mascarenhas. A cidade de Juiz de Fora se ilu-minava para o mundo, antes mesmo até que algumas importantes cidades européias. As figuras a seguir mostram Juiz de Fora em 1893 e a Av. Barão de Rio Branco em 1903 ambas pertencentes ao acervo do Museu Mariano Procópio.

Figura 3 - Panorâmica de Juiz de Fora – 1893

Figura 4 - Av. Barão de Rio Branco -1903

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Bernardo MascarenhasBernardo Mascarenhas nasceu em 1846, na fazenda São Sebastião, região de Curvelo, filho de Antônio Gonçalves da Silva Masca-renhas e de Policena Moreira da Silva Mascarenhas, é o décimo filho dentre os 13 filhos do casal.

Aos 12 anos iniciou seus estudos no colégio Caraça, considerado à época, um dos melhores de Minas Gerais. Com 18 anos, recebeu de seu pai 26 contos de reis, como fazia com os demais filhos ao completar esta idade, dinheiro para iniciar a vida como criador de gado e comércio de sal.

A partir da experiência adquirida com os teares de madeira, tocados a mão na fazenda de seu pai, convida dois irmãos para montarem em sociedade uma indústria têxtil, utilizando as mais novas tecnologias da época.

Para aprender sobre tecelagem, viajou para os Estados Unidos onde ficou por 1 ano e meio. Neste período estudou idiomas, mecânica, física, visitou fábricas, adquiriu os maquinários desejados e voltou para o Brasil e, no ano de 1872 em Sete Lagoas, inaugurou as instalações da fábrica têxtil da companhia Cerdo. Alguns anos mais tarde, viaja para a Europa e Estados Unidos com a incumbên-cia de atualizar-se, adquirir novos equipamentos e conhecer a utili-zação da eletricidade na indústria textil. É criada então em Curvelo a companhia Cachoeira (1877).

Em 1882 foi aprovada a lei das sociedades anônimas no Brasil e em 1883 fez-se a fusão das empresas (Cedro e Cachoeira), constituindo a primeira S.A. privada no país.

Figura 5 - Bernardo Mascarenhas

Figura 6 - Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas inaugurada em maio de 1888

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Bernardo Mascarenhas mudou-se para Juiz de Fora em 1886 e ad-quiriu o terreno próximo do Rio Paraibuna e da Rodovia União Indústria, onde pretendia montar uma indústria de tecidos. Neste local, mais tarde, seria erguida a primeira usina hidroelétrica da Amé-rica do Sul. O empresário adquiriu outro terreno perto da estação ferroviária, local mais propício para o escoamento da produção de tecidos. A antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas apre-senta rigorosa simetria com um corpo central em três pavimentos e ladeado por suas extensas alas horizontais em dois pavimentos.

Bernardo Mascarenhas buscava outras fontes de energia em substituição à energia usada que até então era à base de que-rosene. Em 1886, Mascarenhas e o banqueiro Francisco Batista de Oliveira recebem aprovação junto à câmara muni-cipal para explorar a Cachoeira dos Marmelos para produção elétrica e a concessão para a iluminação da cidade e obteve a revisão do contrato original, tendo em vista o uso da iluminação elétrica, em substituição à iluminação a gás. “Me conside-rarei muito feliz se for o primeiro a transmitir força elétrica, pratica-mente utilizável, no Brasil ou talvez na América do Sul” (trecho da carta de Mascarenhas em 1887).

Bernardo Mascarenhas projetou e especificou a usina, fazendo um esboço de próprio punho de como ela seria, aproveitando os recursos naturais de seu terreno, que se localizava próximo à cachoeira de Marmelos. Doou este terreno para a CME Compa-nhia Mineira de Eletricidade, também fundada por ele em janeiro de 1888. A CME foi a responsável pela construção da usina de Marmelos Zero e foi presidida por Mascarenhas até seu falecimento.

No dia 22 de agosto de 1889, foi realizada a primeira experiência com a eletricidade e em 5 de setembro de 1889 ocorreu a inaugu-ração oficial. A nova usina além de atender à iluminação pública da cidade atenderia as máquinas da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas, inaugurada em maio de 1888.

Bernardo Mascarenhas faleceu no dia 9 de outubro de 1899 de um ataque cardíaco fulminante.

“A fábrica de eletricidade será provida de dois excelentes dína-

mos movidos por duas turbinas verticais ou de eixos horizontais,

devendo ter força bastante para alimentar 50 lâmpadas de arco

de 1000 velas e quinhentas ditas incandescentes de 16 velas.”

(Trecho de memorial de Bernardo Mascarenhas para Max Nothman & Co., encomendando o material para a usina)

Figura 7 - Esboço da hidroelétrica Marmelos Zero por Bernardo Mascarenhas

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Posteriormente, foram montadas outras usinas no mesmo local para atender inteiramente à crescente demanda de consumo, como será descrito em seguida.

O edifício da Cia. Mineira de Eletricidade, denominado “Castelinho”, foi construído em 1890, quando ocorreu a inauguração do motor elétrico, que iria ser colocado na fábrica Bernardo Mascarenhas como força propulsora. A edificação, em dois pavimentos, lembra a arquitetura medieval .

Descrição geral da usinaGeologiaA geologia ao longo do rio e suas margens é constituída por afloramentos de rochas charnockíticas, gnáissicas, granulitos e anfibolitos do Complexo Juiz de Fora e parte do embasamento Pré-Cambriano indiferenciado, ambos de idade Pré-Cambriana.

As rochas charnockíticas são gnaisses que sofreram desidratação e descalcinação durante metamorfismo de alta temperatura e pressão média a alta (fácies granulito). Este complexo charno-ckítico acha-se intercalado por faixas com espessuras variádas de granulitos, migmatito, quartzito e entrecortados por diques de anfibolito, gabro e outras rochas básicas e ultrabásicas.

As rochas do complexo charnockítico e do embasamento crista-lino possuem sistemas de fraturas, planos de fraqueza e a típica esfoliação esferoidal que se interceptam originando blocos de rocha sã de dimensões variadas, disseminados no manto intempe-rizado ao longo das encostas e principalmente soltos no leito do rio Paraibuna. Nas ombreiras e encostas da barragem é comum um manto de solo de 5 a 10 m de espessura. O solo residual é constituído de areia siltosa, de cor amarelada com alto grau de erodibilidade. De modo geral, o relevo nas proximidades das usinas caracteriza-se por altas colinas de topos arredondados, vertentes concavo-convexo e drenagem dentrítica.

Figura 8 - Usina de Marmelos - Primeira usina hidroelétrica da América do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública e força motriz para indústria

Figuras 9 e 10 - Edifício da Cia. Mineira de Eletricidade, denominado “Castelinho”.

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Localização e dados técnicos históricos A usina hidroelétrica de Marmelos está localizada no rio Paraíbuna, afluente do rio Paraíba do Sul a 7 km de Juiz de Fora e a 290 km de Belo Horizonte MG, tem como coordenadas geográficas Latitude 21º 43’ Sul e Longitude 43° 19’ Oeste.

A usina foi projetada inicialmente com uma capacidade de geração de 250 kW distribuída em dois grupos geradores monofásicos de 125 kW, fabricados pela Westinghouse, operada sob tensão de 1000 Volts, na frequência de 60 Hz.

Um terceiro grupo gerador com a capacidade de 125 kW foi ins-talado em 1892, quando Juiz de Fora possuia 180 lâmpadas na iluminação pública e 700 para uso particular. Esta usina, denomi-nada Usina Zero, foi desativada em 1896, após a inauguração de Marmelos 1, construída pouco abaixo da usina desativada.

Marmelos 1 contou inicialmente com duas unidades geradoras bifásicas de 300 kW cada, acionadas por turbinas Francis. Em 1898, a usina iniciou o fornecimento de energia para a fábrica de Mascarenhas após a aquisição do primeiro motor elétrico instalado no Brasil. Este motor de 30 HP de potência era de fabricação da Westinghouse. Outro motor elétrico de 20 HP, de fabricação ital iana, foi adquirido na ocasião pela f irma Pantaleone Arcuri & Timponi. O acionamento elétrico dessas fábricas representou à época outro marco histórico, pois a maioria das indústr ias têxteis era movida a vapor com complicados sistemas de transmissão para as máquinas e muitas ainda eram acionadas por rodas d’água.

Nesta época, a cidade de Juiz de Fora passou a viver um intenso desen-volvimento industrial o que demandava aumento na oferta de energia.

Em 1905 foi instalada a terceira unidade com capacidade de 300 kW, no momento em que a CME adquiria a companhia de bondes de tração animal de Juiz de Fora, visando transformá-la em linhas elétricas. Em 1910, Marmelos atinge a potência de

1200 kW com a entrada em operação da quarta máquina de fabricação da Westinghouse, como as demais.

Em 1915 o engenheiro Asdrúbal Teixeiras de Souza projetou a segunda usina Marmelos 2, que foi inaugurada inicialmente com dois grupos geradores de 600 kW de potência cada, fabricados pela empresa americana General Electric e turbinas tipo Francis de 1000 HP, fabricadas pela alemã J. M. Voith. A casa de força foi construída em prédio contíguo ao da usina Marmelos 1.

Com o aumento da geração a CME ampliou sua área de influência na Zona da Mata Mineira, tornando-se concessionária dos serviços de eletricidade de Matias Barbosa, Mar de Espanha, Bicas e Guarará.

Em 1921 e 1922, ampliou-se a potência da usina de Marmelos 2 com a instalação da terceira e quarta unidades geradoras, com capacidade de 600 kW cada uma com as mesmas características técnicas das duas anteriores.

Em 1948, foi construída a quinta unidade, com capacidade de 1600 kW, instalada em uma casa de força adjacente à Usina 1, sendo denominada Usina 1-A. Esta unidade geradora era composta por uma turbina tipo Francis dupla, fabricada pela empresa americana James Leffel e um gerador de fabricação da General Electric.

Marmelos 2 passou então a dispor de capacidade instalada de 4.000 kW.

Em 1952, dois anos após a construção da usina de Joasal, também em Juiz de Fora, última usina construída pela CME, a usina de Marmelos 1 foi desativada.

A usina de Marmelos como é denominada atualmente é com-posta pelas antigas Usinas 2 e 1-A e passou a ser operada pela CEMIG em 1980, quando obteve a sua concessão através do decreto MME 700725 de 08/07/80.

As figuras a seguir ilustram os equipamentos eletromecânicos da usina de Marmelos.

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Figura 12 -Turbina e gerador da unidade 5 da antiga Usina 1 A

Figura 11 - Interior da casa de força da antiga Usina 2 de Marmelos

Figura 13 - Gerador da unidade 1 a 4 da antiga Usina 2

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 15 - Regulador de velocidade da excitatriz Usina 2

Figura 14 - Excitatriz nº 2 semelhante a uma unidade geradora hidráulica - Usina 2

Figura 16 - Painel original das unidades 1 a 4 e excitatrizes 1 e 2, inoperante

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Arranjo geral atual A barragem para a formação do reservatório operado a fio d’água é constituida por uma estrutura do tipo gravidade em alvenaria de pedra com 51 m de extensão e altura máxima de 7,5 m, fundada em rocha sã pouco fraturada. O arranjo da barragem partindo da ombreira esquerda para a direita se constitui por uma descarga de fundo de acionamento motorizado (2,5 x 2,5 m), seguida por um vertedouro de crista livre com 20 m de comprimento, e por um trecho, tam-bém em alvenaria de pedra, onde estão localizadas a antiga tomada de água para o canal de adução da usina Zero e a tomada de água do túnel de adução da usina de Marmelos.

O circuito hidráulico de geração, localizado na margem direita, é composto por um túnel escavado em rocha, seguido por um canal de

adução e duas tubulações forçadas que conduzem a água até as unidades geradoras, vencendo um desnível de 51 m entre o nível máximo do reservatório e o eixo das tubulações forçadas na entrada das turbinas.

Barragem e vertedouroA barragem é do tipo gravidade, de alvenaria de pedra, com um trecho em crista livre vertente com comprimento de 20 m e vazão de 134 m³/s. Possui uma descarga de fundo motorizada (2,5 x 2,5m), com capacidade de 58 m³/s, localizada na margem esquerda. Sobre o vertedouro existe uma passarela que possibili-ta a colocação de flash-boards de até 2,5 m de altura divididos em 10 vãos ao longo de todo o comprimento da estrutura, que permitem o aumento da capacidade do reservatório em períodos secos.

Tomada de águaA tomada de água do túnel adutor, localizada na margem direita, é uma estrutura em alvenaria de pedra possuindo uma comporta moto-

Figura 17 – Vista aérea de montante da usina

Figura 18 - Vista de jusante da barragem e do descarregador de fundo na margem esquerda.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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rizada tipo deslizante (4,50 x 4,20 m) formada por painéis de madeira. Próximo a essa estrutura existe um descarregador de fundo.

Canal de adução desativadoLocalizado e incorporado à barragem, na sua margem direita e junto à tomada de água do túnel adutor, possui uma comporta de madeira acionada manualmente e muro em alvenaria de pedra.

Túnel e canal de aduçãoO túnel adutor tem extensão de 215,80 m e seção em ferradura com 10 m², totalmente escavado em rocha e revestido lateralmente com concreto. Na continuação do túnel existe um canal de adução com 283,40 m de extensão, dos quais 94,40 m são a céu aberto. O trecho coberto, 189 m, situado sob a rodovia, tem seção em ferra-dura semelhante à do túnel. O trecho a céu aberto, em alvenaria de pedra, tem seção de 3,60 x 3,20 m.

Câmara de cargaEntre o canal de adução e as tubulações forçadas, o circuito hi-dráulico de geração conta com uma câmara de carga em alvenaria de pedra. Possui duas comportas na tomada de água, operadas manualmente, e uma terceira comporta para a regularização do nível de água. Na parte direita da estrutura existe um vertedouro complementar, cujas vazões são absorvidas por um canal de concreto.

Tubulações forçadasExistem duas linhas de tubulações forçadas partindo da câmara de carga, uma com diâmetro de 1,30 m (tubulação 1) e outra com diâmetro de 1,50 m (tubulação 2). O comprimento de cada uma delas é de 125,40 m, em planta. Na tubulação nº 2 existe uma bi-furcação com diâmetro de 1,30 m e 81,44 m de comprimento, que alimenta a unidade geradora nº 5, situada na Casa de Força 1-A.

Casa de forçaAs estruturas da usina de Marmelos (Marmelos Zero, Marmelos 1, Marmelos 1A e Marmelos 2) estão localizadas ao longo do rio Pa raibuna e foram assentadas em maciços rochosos sãos.

A casa de força da usina de Marmelos, em alvenaria de pedra, é formada por dois blocos distintos: um deles, com área total de 273 m², abriga quatro unidades geradoras de 600 kW cada e casa de força da antiga Usina 2. As turbinas são tipo Francis, de eixo horizontal e engolimento de 1,9 m³/s. O outro bloco, que foi a casa de força da Usina 1-A, possui uma área total de 201,76 m², abriga uma unidade geradora de 1600 kW. A turbina é tipo Francis, de eixo horizontal e engolimento de 4,67 m³/s.

A casa de força da antiga Usina 1, também em alvenaria de pedra, hoje é utilizada como almoxarifado. A casa de força de Marmelos Zero foi edificada em nível abaixo da Estrada União e Indústria. Suas paredes são em alvenaria de tijolos maciços aparentes, sobre embasamento de pedra, sendo vazadas por vãos com vergas em arcos abatidos em seqüência ritmada. A cobertura de duas águas é recoberta por telhas francesas e tem os beirais ornamentados por lambrequim. Uma pequena torre de seção quadrada e telhado de quatro águas marca a construção. Hoje é Museu da Usina de Marmelos.

Canal de fugaAs paredes do canal de fuga das antigas Usina 1-A e Usina 2 são em alvenaria de pedra.

A Figura 19 a seguir é uma vista geral da usina de Marmelos (casas de força e tubulações forçadas).

O Museu Usina de Marmelos ZeroA CEMIG (na época Centrais Elétricas de Minas Gerais) adquiriu a usina em 1980. A usina de Marmelos Zero se transformou em

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1983 num espaço cultural e museu, após seu tombamento, neste mesmo ano, pelo Patrimônio Histórico Artístico e Cul-tural do município de Juiz de Fora. Em 2005, a usina ganhou um segundo tombamento, desta vez, concedido pelo Insti-tuto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). Esses tombamentos demonstram a suma rele-vância de sua preservação como um prédio histórico. O acervo do museu é composto por objetos particulares de Mascare-nhas, livros de ata e contabilidade dos primeiros acionistas da CME, contas de luz, rascunho da planta da usina, máquina de escrever e de calcular, teodolito, tripés de madeira, painel de controle de energia e uma réplica de um gerador utilizado na época, cuja fabricação era da Westinghouse, além de várias fo-tografias que mostram a construção da usina, assim como fotos de Bernardo e sua família e painéis com pequenos textos informativos. O museu tem como propósito preservar a memória tecnológica e científica da cidade, assim como desta-car a figura importante de Bernardo como sendo o precursor desta idealização e realização deste sonho, no qual a cidade de Juiz de Fora foi escolhida para ser a primeira a se iluminar.

Desde o ano 2000, a administração do museu está a cargo da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF. O convênio firmado entre a UFJF e CEMIG (atualmente Companhia Energética de Minas Gerais) tem como meta aprimorar o atendimento ao público que visita o museu, mantendo-o aberto diariamente.

O Museu Usina Marmelos Zero encontra-se localizado às mar-gens da Rodovia União-Indústria, no bairro Retiro, próximo ao trevo da cidade de Bicas. Está aberto das 8:30 h às 17:00 h, in-clusive nos finais de semana e feriados. De segunda a sexta-feira podem ser agendadas visitas monitoradas por acadêmicos da UFJF, por meio do telefone (31) 3229-7606.

O prédio da fábrica de tecidos de Mascarenhas também se encon-tra preservado. Após a morte de Mascarenhas o prédio passou por

Figura 19 – Vista geral das casas de força da usina hidroelétrica de Marmelos: antigas casa de força 1, 2 e 1A.

Figura 20 - Museu de Marmelos Zero (antiga casa de força Marmelos Zero)

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ampliações e modernizações. A fábrica encerrou suas atividades em janeiro de 1984, deixando como patrimônio sua sede, que foi utilizada para pagamento de dívidas junto ao governo. A mo-bilização de artistas, jornalistas e intelectuais fizeram com que o imponente prédio, localizado na Avenida Getúlio Vargas 200, fosse transformado em um centro cultural em 1987.

Referências CEMIG – Inventário civil – SR/SE Usina Hidrelétrica de Marmelos Relatório Final Novembro 1983.

CEMIG - Usina de Marmelos - Estudo de Viabilidade de Recapacitação e Modernização - 1ª Etapa : Diagnóstico da Situação Atual da Instalação - Setembro 1993.

Cemig Notícia – Mais Energia Para uma Grande Cidade Juiz de Fora - Edição Especial Junho de 1980.

Umada, Fernanda Borges Ferreira Murilo Keith - História das Hidrelétricas no Brasil - Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campo Mourão, 2009.

Lima, Silvânia Duarte – Educação e Turismo uma Forma de Conhecer a História da Usina de Marmelos – Departamento de Geociências – UFJF, 2001

http://www.memoria.eletrobras.com/index.asp

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-eletricidade-no-brasil/historia-da-eletricidade-no-brasil-5.php

http://www.ebah.com.br/historia-das-hidreletricas-no-br-pdf-a91646.html

www.pjf.mg.gov.br/patrimonio/usina_marmelos.htm

www.ufjf.br/centrodeciencias/museu-usina-marmelos-zero/

http://wikimapia.org/701437/pt/Usina-Marmelos

http://www.conotec.com.br/juizdefora.html

http://www.asminasgerais.com.br

Figura 22 - Canal de adução desativado

Figura 21 - CCBM - Centro Cultural Bernardo Mascarenhas

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Usina hidroelétrica de Angiquinho na cachoeira de Paulo Afonso em diferentes regimes do rio São Francisco

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Usina Hidroelétrica de Angiquinho

Aurélio Alves de Vasconcelos

Usina Hidroelétrica de Angiquinho

IntroduçãoInaugurada em 26 de janeiro de 1913, Angiquinho foi a primeira usina hidroelétrica do Nordeste, localizada na margem alagoana da cachoeira de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, próximo ao atual Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, operado pela Chesf.

A Usina Hidroelétrica de Angiquinho tinha capacidade de gerar 1.500 HP (1.102 KW), constituída por três grupos geradores sendo o primeiro de 175 kVA, o segundo de 450 kVA e, o último, de 625 kVA, aproveitando uma queda d’água de uma altura de 42 metros, com tensão de saída em 3.000 Volts. Tinha como objetivo fornecer energia elétrica a indústria têxtil Companhia Agro Fabril Mercantil de propriedade do industrial Delmiro Gouveia, localizada na cidade de Pedra, no estado de Alagoas, atual Delmiro Gouveia em sua homenagem. Sua energia era suficiente para suprir, além da indústria, a bomba d’água que abastecia a cidade, distante aproximadamente 24 km da cachoeira, e também a Vila Operária da fábrica. A usina ocupa-va uma área de 253 hectares e possuía dois conjuntos de instalações, um com 11 casas e 1 escola, e outro com 2 casas, almoxarifado, subestação elevadora, casa de bomba e escada de acesso à casa de força.

A partir de 30 de novembro de 2006, as edificações com o acervo interno e externo e toda a área do Complexo de Angiquinho foi tombado e integrado ao Patrimônio Histórico Artístico e Natu-ral do Estado de Alagoas. O ousado projeto, que continua de pé no meio da caatinga, com sua casa de força encravada nas rochas

Figura 1 – Vista geral da Usina Hidroelétrica de Angiquinho

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íngremes nas margens do cânion do rio São Francisco, levou o desenvolvimento para a região que até então só conhecia a luz tênue de candeeiro. Hoje, Angiquinho, além de ser área de preservação cultural, é um pólo de turismo histórico, educacional, ambiental e cultural. Resgata e cria uma grande oportunidade para todos que desejam conhecer a história da eletricidade do Brasil.

Figura 2 – Casa de força da Usina Hidroelétrica de Angiquinho

Figura 3 - Guindaste usado na fase de construção e montagem da casa de força

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HistóriaNo início do século XX, coube ao capitalista Delmiro Gouveia (1863-1917), com sua proeza de transformar as idéias em realidade, construir o empreendimento pioneiro no campo da hidroeletricidade em pleno sertão nordestino, a Usina Angiquinho, cuja finalidade seria fornecer energia para a fábrica têxtil produtora das linhas Estrela, bem como iluminar sua Vila Operária, ambas da Pedra, no sertão alagoano. Fugido do Recife por desavenças políticas, ele buscou refúgio em Alagoas, onde foi bem recebido pela oligarquia local.

Delmiro Gouveia refugiou-se no sertão alagoano, precisamente em 1903, quando fixou residência no vilarejo denominado Pedra, onde, em breve, seria instalado um curtume para armazenar peles. Logo, consegue recuperar a fortuna perdida no Recife, com investimentos

no comércio exportador de “courinhos” (artigos de pele de bode e cabra) e com amparo financeiro de ricos financiadores norte- americanos. Tomado pelo ímpeto de realizar proezas, sua vida não seria senão uma conseqüência da prática de ousar.

Inicialmente, Delmiro procurou sondar as potencialidades da região para poder colocar em ação a realização de seu sonho. Por volta de 1909, recebeu uma delegação de técnicos norte-americanos, em caráter sigiloso, para estudos no rio São Francisco e na cachoeira de Paulo Afonso, chefiada pelo capitalista Mr. Moore e sob a supervisão técnica do engenheiro Stewart. Sabe-se que os estudos contemplaram a viabilidade do aproveitamento hidrelétrico de um trecho do rio, em virtude do surgimento de condições técnicas e econômicas.

Confirmadas as vantagens, restou acertar as condições comerciais, visando uma cooperação sob a forma de joint-venture, constituída com capital nacional e estrangeiro, cujo objetivo principal era “empreender, em grande escala, o aproveitamento e exploração do vale do rio São Francisco, ou seja, a industrialização da energia hidroelétrica da cachoeira de Paulo Afonso e um vasto plano agrícola-industrial conexo”. Assim, o referido projeto consistia em abastecer e iluminar ci-dades da região, além de mover indústrias próximas à cachoeira e a outros planos de irrigação de terras locais. Apesar dessas conside-rações, os norte-americanos só participariam, de fato, com a expressa autorização dos estados fronteiriços ao rio.

Essa foi a condição para a participação do capital norte-americano no projeto. Contudo, não contava Delmiro com a recusa do Governador de Pernambuco, Dantas Barreto. Diante da negativa, Delmiro chegou até a justificar a proposta do projeto de eletrificação

Figura 4 - Fruto de um caso extraconjugal, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu em Ipu, hoje distrito de Pires Ferreira, no Ceará, em 5 de junho de 1863. Era descrito como um homem sempre disposto a assumir grandes compromissos.

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do Recife, mas não foi suficiente, já que o Governador cate-goricamente relutou: “O negócio que o senhor propõe é tão vantajoso para o Estado que deve envolver alguma velhacaria”. Em decorrência, os estrangeiros pularam fora. Superada a recusa, Delmiro resolveu, então, encabeçar outro projeto ousado. Então, voltou-se para um projeto de construção de uma usina hidroelétrica, para alimentar uma fábrica de linhas em pleno sertão.

Delmiro conseguiu obter vários privilégios do Governo do Estado de Alagoas, entre os quais o direito de explorar as terras improdu-tivas na cidade de Água Branca, Alagoas; a concessão para captar o potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso e produzir eletricidade; e a isenção de impostos referentes à sua fábrica de linhas de costura Estrela, na localidade de Pedra, situada a 23 km da cachoeira. Entre 1910 e 1911, todas essas concessões foram transfor-madas em decretos-lei pelo Estado de Alagoas.

A obra foi realizada mediante concessão do estado de Alagoas ao abrigo do decreto nº 520 de 12/08/1911 de acordo com a Constituição Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Delmiro Gouveia, a produção de linha de coser foi prejudicada, mas a usina permaneceu intacta, não passando de lenda o lançamento dos equipamentos da fábrica e da usina, pelos ingleses, dentro da cachoeira de Paulo Afon-so. A usina permaneceu no local e os equipamentos da fábrica anos depois foram levados para São Paulo. O decreto nº 503, do mesmo ano, havia concedido a isenção de impostos pelo período de dez anos para a exploração de uma fábrica de linhas de costura.

Houve reações contrárias à implantação desse aproveitamento hidrelétrico da cachoeira, sobretudo por parte das imprensas alago-ana e carioca que publicavam manchetes com veementes protestos sobre o assunto. Geralmente, o discurso girava em torno da responsa-bilidade jurídica sobre a exploração do Rio São Francisco, bem como dos consequentes impactos ambientais e econômicos. A tribuna da Câmara Federal também foi palco de embaraçosos discursos, furiosos debates e fracassadas conclusões acerca da célebre conces-são de aproveitamento da maravilhosa queda d’água. No entanto, coube a Delmiro, através da firma Iona & Cia., concretizar o so-

nho da eletrificação. Boa parte desse aval deve-se aos esforços e à petulância de dois alagoanos, o deputado federal Demócrito Gracindo e o consultor jurídico do Estado Alfredo de Maya, os quais souberam como poucos resistir às críticas e fundamentar seus argumentos na Câmara e na Imprensa.

Para construir Angiquinho, Delmiro foi à Europa adquirir o maqui-nário necessário, e acabou por contratar um engenheiro italiano, Luigi Borella, para projetar a empreitada. Também foram contratados engenheiros e técnicos franceses para montar a usina. Como a casa de máquinas da usina ficaria no paredão do cânion do São Francisco, local de difícil acesso, houve quem duvidasse do sucesso da obra.

Contrataram-se, junto à firma inglesa W. R. Bland & Co. os proje-tos iniciais das obras. A parte hidráulica com a alemã J. M. Worth e a suíça Piccard Pictet & Co. Equipamentos elétricos ficaram a car-go da empresa alemã Bergmann & Co. e da suíça Brown Boveri & Co. As turbinas foram encomendadas às casas Bromberg e Siemens Schukert & Co. As tubulações foram fabricadas pela competen-te empresa alemã Mannesmann. Já o maquinismo da fábrica veio da companhia Dobson & Barlow, da Inglaterra.

Para a montagem dos equipamentos da usina, Delmiro requisitou a experiência estrangeira do técnico Anton Wer, da Alemanha, e do engenheiro Emilio Levermann. Em 1912, o engenheiro italiano Luigi Borella veio treinar o corpo técnico e dirigir o complexo hi-drelétrico. Por conseguinte, as caixas com as máquinas e equipamen-tos, vindos da Europa, cruzaram o Atlântico até o porto da cidade de Penedo (AL). Em seguida, foram colocadas em uma barca que subiu o rio São Francisco até atracar na lapinha do sertão, Piranhas.

Na etapa seguinte, os equipamentos foram transportados de trem através da Estrada de Ferro Paulo Afonso até chegar na estação da Vila da Pedra. Por fim, para a conclusão da longa travessia, o maqui-nário da usina percorreu os 24 quilômetros que os separavam até a Cachoeira de Paulo Afonso, em carroções puxados por juntas de bois, com a necessária construção de pontes e estradas adequadas para permitir sua passagem.

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Quem foi Delmiro Gouveia (1863-1817)Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu no dia 5 de junho de 1863, na fazenda Boa Vista, município de Ipu, Ceará, filho natural de Delmiro Porfírio de Farias e Leonilda Flora da Cruz Gouveia.

Em 1868, transferiu-se com sua mãe para a cidade de Goiana, em Pernambuco e depois para o Recife, tangidos pelas secas que periodicamente ocorrem no sertão nordestino e pela morte do pai, quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Em 1872 muda-se para Recife. Em 1875, quando tinha apenas 12 anos de idade abando-na o lar materno e se lança no mundo à procura de emprego que lhe permitisse sobreviver com o mínimo de folga para proporcionar o seu aprendizado, base de sua capacitação necessária a vencer os diversos desafios com que sonhava e que nele tinham a firmeza das idéias-fixas.

De família pobre, teve que trabalhar cedo para se manter e ajudar a mãe. Foi bilheteiro da estação Olinda do trem urbano chamado maxambomba, trabalhando também na estação de Apipucos, bairro do Recife, onde adquiriu posteriormente, quando já acu-mulava riqueza suficiente, um palacete que hoje é propriedade da Fundação Joaquim Nabuco, onde funciona o Instituto de Documentação. Trabalhou ainda como despachante de barcaças.

Interessado na compra e venda de couro e peles de cabras e ovelhas vai para o interior de Pernambuco, casando-se, em 1883, com Anunciada Cândida de Melo Falcão, na cidade de Pesqueira.

Dedicou-se ao comércio e exportação de couro e peles, inicial-mente como empregado da família Lundgren e depois por conta própria, mantendo um grande número de compradores por toda a região Nordeste do Brasil.

Fundou, em 1896, a Casa Delmiro Gouveia & Cia, passando a destruir a concorrência no setor e ficando conhecido como o Rei das Peles.

Dispondo de capital, se engajou politicamente e partiu para outros empreendimentos. Foi o responsável pela urbanização do bairro

do Derby, no Recife, onde só havia manguezais: abriu estradas, ruas, construiu casas e um grande mercado modelo sem similar no Brasil, o Mercado Coelho Cintra, com 264 compartimentos alugados a comerciantes de alimentos e de outros tipos de mercadoria, inaugurado no dia 7 de setembro de 1899.

Os baixos preços praticados no mercado incomodaram a concorrência, havendo por isso desentendimentos com o então prefei-to do Recife, Esmeraldino Bandeira e em decorrência, conflitos com o poderoso Rosa e Silva, presidente do Senado Federal e vice- presidente da República, o que culminou com o incêndio do mercado, no início de 1900.

Figura 5 - Delmiro da Cruz Gouveia

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Hoje, após a reforma realizada em 1924, o prédio do antigo mercado abriga o quartel general da Polícia Militar de Pernam- buco (Figura 6).

Autoritário e de temperamento difícil, à medida que enriquecia criava mais inimigos.

Em 1901, perseguido e com problemas no casamento refugiou-se durante um ano na Europa.

Separado da esposa, em 1902, aos 39 anos, raptou a adolescente Carmela Eulina do Amaral Gusmão, fugindo para Alagoas e fixando-se na Vila da Pedra, uma localidade a cerca de 280 km de Maceió e que na época só possuía seis casas. Passou a comprar e exportar couro e peles, utilizando o Porto de Jaraguá, em Maceió.

Em 1909, inicia os estudos para aproveitamento econômico da cachoeira de Paulo Afonso. Em 26 de janeiro de 1913, capta energia elétrica na queda do Angiquinho, no lado alagoano, através de uma pequena usina geradora de eletricidade, puxando a rede elétrica até a sua fazenda.

Inaugurou, em 1914, uma pequena fábrica têxtil para produção de linha, com a marca Estrela, que logo dominou o mercado nacional, impondo-se também nos mercados da Argentina, Chile, Peru, depois Bolívia, Barbados e até nas Antilhas e Terra Nova.

A fábrica era um modelo de organização, com diversos pavilhões onde ficavam os teares, uma vila operária, ambulatório médico, cinema e ringue de patinação.

Não querendo ficar isolado e para ajudar no desenvolvimento das suas atividades industriais, construiu cerca de 520 km de estradas carroçáveis e introduziu o automóvel no sertão.

Embarcava sua produção através de porto de Piranhas, utilizan-do a ferrovia que ligava Jatobá (atual Itaparica) a Piranhas para transportá-la.

Levou a energia elétrica para a povoação onde ficava a fábrica e depois até a Vila da Pedra.

Passou a idealizar e desenvolver projetos para a implantação de uma hidroelétrica que abastecesse o Recife de energia, o que cau-sou desentendimentos com o então governador de Pernambuco, Dantas Barreto, que o acusava de estar procurando aproveitar-se do seu governo e, por isso, rompeu relações com o industrial.

Seu temperamento sempre difícil, além da tensão em que vivia, e da falta de apoio governamental, produziram uma série de atritos e inimizades, que culminaram com o seu assassinato à bala, no dia 10 de outubro de 1917, aos 54 anos de idade, no terraço da sua casa na Vila da Pedra, hoje município de Delmiro Gouveia.

Angiquinho atualmenteEm outubro de 1958 a usina Angiquinho perdeu a concessão do aproveitamento parcial da cachoeira de Paulo Afonso, mas con-

Figura 6 - Prédio do antigo mercado que agora abriga o quartel general da Polícia

Militar de Pernambuco

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tinuou a distribuir eletricidade para a cidade de Delmiro Gouveia (antiga vila da Pedra) até 1960, quando foi por fim desativada.

Por intermédio da CHESF e da prefeitura de Delmiro Gouveia, foi elaborado um projeto de recuperação histórica que inclui a restau-ração da usina, da Furna dos Morcegos, onde dizem que Lampião se escondeu, contudo a presença dos cangaceiros na área de Angi-quinho já foi praticamente desmentida, pois não se encontrou qual-quer indício dessa passagem. Depoimentos de cangaceiros do bando afirmaram que estiveram naquela área, mas nunca se esconderam na

Furna dos Morcegos. Além disso, seria incoerente um bando tão articulado como o de Lampião se esconder em um local que tem apenas uma única entrada.

Segundo o projeto de recuperação denominado “Projeto de gestão de Angiquinho”, a usina foi transformada em um ponto de visita-ção turística, que além de proporcionar ao turista comum uma vista diferenciada da cachoeira, bem como atrair profissionais e leigos com interesse de conhecer a história das hidreléricas no Brasil.

Figura 7 - A casa força de Angiquinho localizada à margem alagoana da cachoeira de Paulo Afonso

Figura 8 - Escada de acesso à casa de força

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A Chesf, que investiu R$ 1,5 milhão na recuperação da usina, passou a gestão de Angiquinho à Fundação Delmiro Gouveia (FDG), que liderou o movimento pelo resgate do acervo. “A luta agora é para que Angiquinho de ixe a f i la de espera pelo decr eto do gover no f ederal e Minis-tério da Cultura para o tombamento nacio-nal” , assinala Edvaldo Nascimento, coordenador da FDG.

Passear no sítio histórico de Angiquinho é mover as rodas da história. Nas entra-nhas da usina saem paisagens lunáticas, águas muito limpa mostram o fundo translúcido do Velho Chico. São pedras e rochas e tocas de rio para todos os lados (Figura 13).

Figura 9 – Prédios da usina recuperados

Figura 10 – Interior da casa de força

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Figura 11 – Gerador

Figura 12 – Turbina de eixo horizontal

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Figura 13 - Vista do cânion a partir da casa de força

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O coração começa a bater mesmo na escadaria de metal, que desce 45 metros abaixo das rochas, no caminho da velha casa das má-quinas, que abriga os três geradores Brown Boveri e as turbinas Piccard Pictet, que alimentavam a usina, fruto da cabeça do cearense Delmiro Gouveia.

A descida é adrenalina pura, escadas em espiral, com plataforma para mirante, de onde os olhos captam uma imagem inesquecível do que resta da cachoeira de Paulo Afonso, ou parte dela. A visão do Velho Chico cercado por cânions e corredeiras é colossal, e uma cachoeira transborda na entrada do lago da usina, que iluminou boa parte da região até nos anos 60.

A casa de máquinas continua presa às rochas e é o ponto culminante do passeio. Entrar naquele prédio arrojado e quase secular é sen-tir segurança e êxtase. Principalmente ao abrir as janelas da casa e correr o olho nas rochas, no rio e na bela cachoeira.

Referências1. Governador de Alagoas assina decreto de tombamento do complexo Angiquinho (HTML). Folha Sertaneja (03 de dezembro de 2006). Página visitada em 6 de janeiro de 2008.

2. Projeto Gestão de Angiquinho (HTML) (2008). Página visitada em 6 de janeiro de 2008.

3. Galdino, Antônio – Mascarenhas, Sávio. Paulo Afonso: de pouso de boiadas a redenção do Nordeste - Câmara Municipal de Paulo Afonso, Paulo Afonso-BA, 1995.

4. Revista Continente Documento – Ano I, nº 11 – 2003.

5. Jornal Chesf – CER – Ano IV – nº 235 – junho a novembro/2006.

6. Cachapuz, Paulo B. de Barros – Dalla Costa, Armando. Paulo Afonso I: Imagens de uma epopéia. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2008.

7. Fernandes, Adriana Sbicca; Szmrecsányi, Tamás (orgs.). Empresas, empresários e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: hucitec/Abphe, 2008.

8. Magalhães, Gildo. Força e luz: eletricidade e modernização na República Velha. São Paulo: ed. Unesp, 2000.

9. Sant’ana, Moacir Medeiros de. Pequena história de Delmiro Gouveia, o “Rei do Sertão”. Maceió: imprensa oficial, 1961.

10. Silva, Davi Roberto Bandeira. Ousadia no Nordeste: A Saga Empreendedora de Delmiro Gouveia. Maceió: Fiea/Gijs, 2007.

11. Site www.controvérsia.com.br

12. http://www.turismo.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/noticias-2008/angiquinho-atrai-turismo-de-aventuras-em-delmiro-gouveia/(Texto de Mário Lima) acessado em 17/02/2011).

13. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com content&vieu=article&id=6068Itemid=195(Texto de Semira Adler Vainsencher pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco) Acessado em 17/02/2011.

Figura 14 - Subestação Elevadora de Angiquinho

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Usina do Itapecuruzinho - A primeira hidroelétrica da Amazônia

Erton Carvalho

Usina do Itapecuruzinho - A primeira hidroelétrica da Amazônia

Esta usina está localizada no rio Itapecuruzinho, afluente do rio Manoel Alves Grande, que desemboca no rio Tocantins pela margem direita, no município de Carolina, estado do Maranhão. Foi concebida e projetada no período de 1937/1938 e teve a sua construção realizada no período de 1939/1940. A usina foi constru-ída aproveitando uma queda de 11,50 m (Figura 1). As obras civis foram constituídas por um canal lateral de forma trapezoidal, com 88 m de comprimento e um desnível de 0,30 m, dimensionado para aduzir uma vazão de 2,44 m3/s, que terminava com uma pequena tomada d’água seguida de um conduto forçado com capacidade

de 1,22 m3/s. No local foi implantada uma casa de força que abri-gava uma turbina Francis de 110 kW, com rendimento de 75%, acionando, através de um sistema de polias, um gerador de 120 kVA, 380/220 V, freqüência de 50 Hz e com a velocidade de 750 rota-ções por minuto. As Figuras 2, 3, 4 e 5 mostram a casa de força e seu interior, hoje completamente abandonada e em péssimo estado de conservação. O quadro de comando era de ferro perfilado com painel de mármore polido. Contava, também, com uma pequena subestação que tinha um único transformador trifásico de 11.000 V. A linha de transmissão da usina para a cidade de Carolina tinha

Figura 1 - Cachoeira do Itapecuruzinho

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Figura 2 - Casa de força

Figura 3 - Turbina Francis 110Kw

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28,5 km, sendo que as perdas no transporte da energia foram estimadas em 5,2%. A linha foi implantada com postes de aroeira a uma distância média de 50 m. Na cidade, através de uma subestação abaixadora, a rede pública de distribuição de energia era de 220/110 V.

HistóriaA cidade de Carolina, situada no extremo sul do Maranhão, à margem direita do rio Tocantins, conheceu, nos anos quarenta, sua fase áurea, como a maioria das cidades ribeirinhas banhadas pelo grande rio, único meio de transporte existente na região.

Em 1937, Newton Carvalho, homem de idéias progressistas, iniciou sua luta para convencer um grupo de conterrâneos da necessidade de construir em Carolina uma usina hidroelétrica, aproveitando a bela cachoeira existente no rio Itapecuruzinho, situada a 33 km da cidade.

Naquela época (1937), o Brasil possuia apenas uma potência insta-lada de 847 MW, correspondendo a 0,75% da atual, sendo 192 MW em usinas térmicas e 755 MW em hidroelétricas. Excluindo os grandes centros urbanos, na maioria das cidades, o fornecimento de energia era restrito ao período das 18 às 21 horas. Tratava-se, portanto, para aquela sociedade local de uma obra bastante audacio-sa. Mesmo assim, Newton Carvalho colocou esse empreendimento como a grande meta de sua vida. Vale ressaltar aqui que Carolina era uma das cidades consideradas de oposição ao interventor do estado, Paulo Ramos, e sua classe política bastante temerária quanto às atitudes do citado interventor. Os sócios pretenden-tes exigiram que Newton Carvalho obtivesse do interventor uma autorização para que a usina fornecesse energia para a cidade. A partir daí, ele fez várias viagens a São Luiz, capital do estado, não tendo conseguido ser recebido por aquela autoridade. Por interferência de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, arcebispo do Maranhão, a audiência acabou sendo realizada com sucesso, o que permitiu dar andamento ao início dos trabalhos.

Figura 4 - Gerador de 120 KVA

Figura 5 - Gerador e painel de controle

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Em 1938, Newton Carvalho foi ao Rio de Janeiro, então capital federal, para estudar junto à companhia alemã Siemens a viabilida-de do empreendimento. Viajou às próprias custas e contou com a ajuda de um comerciante alemão, proprietário da Casa Beckgis, para negociar com a empresa a consolidação do projeto e a compra dos equipamentos necessários para a construção da usina.

Retornando do Rio de Janeiro com os dados da usina nas mãos, organizou a firma em 1939, registrando-a no dia 11 de julho do mesmo ano, na Junta Comercial do Maranhão. A empresa de nome Hidroelétrica Itapecuru Ltda., foi então organizada para fornecer energia elétrica ao município de Carolina, com o aproveitamento da referida cachoeira. O capital inicial de 340 contos de réis, dividido inicialmente entre oito sócios, teve, posteriormente, a cooperação de mais seis sócios, cada um contribuindo com 10 contos de réis, totalizando 14 sócios.

A concessão para o empreendimento ocorreu em 16 de novembro de 1939, quando o presidente Getúlio Vargas e seu ministro Fernando Costa assinaram o decreto no 4.888, publicado no Diário Oficial do dia 8 de fevereiro de 1940, que outorgou à sociedade o direito de explorar o referido aproveitamento até a po-tência de 285 kW. O projeto previa a colocação de duas unidades de 143 kW, mas inicialmente só foi instalada uma unidade de 110 kW.

Voltando novamente à capital federal, Newton Carvalho adquiriu da Siemens todos os equipamentos para a instalação da usina. Trans-portados por via marítima até o porto de Belém, seguiram através do rio Tocantins até Carolina, tendo as embarcações atravessado várias cachoeiras, dentre elas a de Itaboca, onde hoje está localizada a usina de Tucuruí. Quando passava pela cachoeira de Itaguatins, perto da cidade de Porto Franco, um dos pesados transformado-res da subestação caiu no rio. Desprovido de equipamentos para içá-lo, foi empreendida uma luta titânica para retirá-lo da água. O sucesso dessa operação só foi possível pelo fato de Newton Carvalho conhecer e fazer uso do princípio de Arquimedes. Com auxilio de mais uma embarcação, esvaziava-as e enchendo-as de água até chegar ao limite de transbordamento tracionava o transforma-

dor e, em seguida, esvaziava a embarcação, permitindo, assim, que o equipamento subisse pelo empuxo a que era submetido.

Após verdadeira epopéia, finalmente o maquinário chegou a Carolina. Para alcançar o lugar escolhido, travou-se outra batalha com o transporte dos equipamentos em pequenos caminhões através de caminhos intricados, utilizados pelos sertanejos locais. Foi assim instalada, às margens do pequeno rio Itapecuruzinho, a primeira usina hidroelétrica da Amazônia.

Para a construção da linha de transmissão foi aberta uma picada da cidade até o local da usina, com o auxílio de um velho teodolito de propriedade do professor José Queiroz, utilizado em um trabalho de topografia para a ferrovia Pirapora-Belém, a qual nunca saiu do papel. O rumo da linha de transmissão foi definido por um piloto da Condor, companhia aérea alemã, que fazia voos entre Carolina e Belém. Foram lançados sacos de areia com bandeiras vermelhas para demarcar o referido caminho. Em sua grande maioria esses marcadores não foram encontrados. Newton Carvalho, ele mes-mo, elaborou a planta da cidade e implantou a rede pública e o sistema de distribuição de energia residencial.

O Decreto nº 15.790, de novembro de 1941, autorizou o funcio-namento da usina e a sua inauguração se deu em 15/11/1941, com uma linha de transmissão de aproximadamente 30 km.

BiografiaPor detrás desta pequena central hidroelétrica, se esconde um episódio heróico que bem reflete a época e o momento histórico em que foi construída. Seu idealizador e executor (Figura 6) teve que vencer obstáculos quase intransponíveis para implantar na Região Amazônica a primeira usina hidroelétrica, em plena ditadura do então presidente Getúlio Vargas.

Newton Alcides de Carvalho provinha de família numerosa. Nasceu em Carolina, em 26 de julho de 1900. Era um dos onze filhos do casal Alípio Alcides de Carvalho e Rosa Sardinha de Carvalho.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Seu pai era originário da cidade de Caxias do Maranhão e sua mãe era oriunda de berço português, nascida em Vianna do Castelo, norte de Portugal. A formação do homem visionário, que pensa-va adiante do seu tempo, não era comum à época: tinha conclu-ído apenas o curso ginasial, o qual lhe proporcionou sólida base cultural voltada para as ciências exatas. Autodidata, dedicou-se com afinco ao estudo da matemática, da física e da engenharia, tendo adquirido por conta própria noções de inglês e alemão. Em sua cidade natal, lecionou matemática e escrituração mercantil a jovens conterrâneos. Ali, participou, também, da construção de uma usina açucareira, ao mesmo tempo em que desenvolvia ativi-dades comerciais. Ainda não havia atingido quarenta anos quando resolveu vender todos os seus bens para conseguir tornar real o sonho de executar o projeto da construção da pequena usina hidroelétrica em Carolina.

Não tendo sido ressarcido de seus investimentos, Newton Carva-lho, decepcionado com a alta inadimplência dos consumidores de energia, principalmente com a da iluminação pública, em 1944, resolveu transferir-se com a família, a esposa Eliza Ayres de Carvalho e seus filhos, para o interior do estado de Goiás.Ali, construiu as usinas hidroelétricas das cidades de Anicuns (1948/1949) e de Santa Cruz de Goiás. Elaborou, ainda, projetos para as usinas de Campos Belos e Babaçulândia, obras porém não realizadas. Em 1949, já radicado em Goiânia, trabalhou na Secretaria de Educação no planejamento e construção de 248 prédios escolares na zona rural. Diversificando suas atividades, elaborou, também, um projeto para a exploração industrial do babaçu. No período de 1961 a 1965 exerceu a função de chefe-geral da limpeza pública da capital do estado. Estruturou o serviço de coleta e destino do lixo, apresentando um estudo sobre o aproveitamento do mesmo, através de tratamento mecânico e biológico, baseado no método di-namarquês, conhecido por “Dano”, altamente avançado para a época.

Faleceu em 25 de outubro de 1969, vít ima de acidente automobilístico, antes mesmo de completar 70 anos. Deixou para a posteridade um exemplo de homem probo, determinado, corajoso e realizador.

Referências1. Notas da família Carvalho

2. Artigo do jornalista Waldir Braga no jornal “Folha do Maranhão do Sul” (25/Julho a 03/Agosto de 1996)

3. Revista Século XX “Gente que fez Carolina” de Paulo Noleto Queiroz, Outubro de 2000.

4. Memória Técnica da Usina de Itapecuruzinho, cópia datada de 1939.

Figura 5 - Newton Alcides de Carvalho

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A Light no Rio de Janeiro,a Cidade Luz Sulamericana

Armando José da Silva Neto e Flavio Miguez de Mello

O desenvolvimento da construção, operação e manutenção de usinas hidroelétricas no Brasil tem um dos capítulos mais im-portantes na criação de uma empresa chamada The Rio de Janeiro Light and Power Co. Ltd, em 30 de maio de 1905.

Liderada pelo advogado canadense Alexandre Mackenzie e pelo engenheiro americano Frederick Stark Pearson, residen-tes no Brasil havia cinco anos, coube a tarefa de implantar e

por em funcionamento no Brasil a empresa que seria referên-cia no desenvolvimento da engenharia brasileira de barragens e usinas hidroelétricas.

Em 1908 foi lançado o primeiro grande desafio: a construção no Ribeirão das Lajes, da usina de Fontes, no Município de Piraí, no Estado do Rio de Janeiro. Essa usina, na época de sua instalação era a maior hidroelétrica da América Latina e a segunda maior do mundo. A barragem era uma estrutura de concreto gravidade em arco de 100 m de raio, com 32 m de altura e crista com 234 m dos quais 134 m eram vertedouro de lâmina livre.

A potência instalada era de 12 MW, mas podendo chegar a 15 MW. Em 1909 foi ampliada com a instalação de mais três unidades geradoras, elevando sua capacidade para 24 MW. O gerente do empreendimento foi o engenheiro Clint H. Kearny, recomendado pelo engenheiro Pearson.

A Light no Rio de Janeiro,a Cidade Luz Sulamericana

“Ter-se-á de reconhecer a importância da contribuição da Light,que deu grandeza ao sistema elétrico brasileiro com projetos ousados, mesmo em comparações internacionais.”

Antonio Dias Leite, 2007

Figura 2 - Frederick Stark Pearson,

primeiro presidente (1904-15)

Figura 1 - Alexander Mackenzie, fundador e segundo presidente (1915-28)

Casa de força de Fontes. Concepção artística do engenheiro José Carlos de Miranda Reis Neto

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Em 1914 foi concluída a barragem de Tócos no rio Pirai e um túnel com 8,4 km de extensão, na época o mais lon-go túnel hidráulico do mundo. Esse túnel passou a derivar as águas do rio Pirai para o reservatório de Lajes, possibilitando o aumento de capacidade de Fontes para 55 MW.

Os dois escritórios da LIGHT nas cidades do Rio de Ja-neiro e de São Paulo foram reunidos em um só visando a ampliação da geração de energia hidráulica já que a demanda naquela época não parava de aumentar em função do desenvolvimento que estava ocorrendo no País.

Figura 3 - Barragem de Lajes construída em 1906 Figura 5 – Saída do túnel de Tócos

Figura 4 - Barragem de Tócos vista de montante

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Em 1921 a LIGHT foi autorizada a construir uma nova usina hidroelétrica nos municípios de Carmo, RJ e Além Paraíba, MG no rio Paraíba do Sul a 150 km da cidade do Rio de Janeiro. A cons-trução da usina ficou a cargo do engenheiro Asa W. Kenney Billings, que era especializado em obras hidráulicas e seus equipamentos.

Inaugurada em julho de 1924, a usina tem um canal de adução com 2,5 km de extensão constituído por diques de terra compactada e trechos em concreto, do lado norte. Com três comportas tipo setor que até hoje são as maiores do mundo, o vertedouro principal é localizado na margem esquerda. As comportas se encontram em operação até os dias de hoje. Há vertedouros de menores capaci-dades equipados com comportas Stoney.

Figura 6 - Engenheiro Asa White Kenney Billings

Figura 7 - Construção da usina hidroelétrica Ilha dos Pombos em 1924

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Com as ampliações realizadas em setembro de 1937, a usina de Ilha dos Pombos atingiu a potência instalada de 167 MW sob 31 m de queda bruta.

Após mais de 55 anos de operação, nos anos 90, foi executada uma reabilitação completa da barragem e de suas comportas, bem como uma repotenciação da usina com aumento da capacidade instalada.

Em março de 1940, a LIGHT foi autorizada a ampliar a Usina de Fontes.

Figura 8 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos – Uma das três comportas setor, as maiores do mundo

Figura 9 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos tendo seus vertedouros reabilitados. Vista de montante.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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O projeto do engenheiro Billings elevou em 26 m a Barragem de La-jes, aumentando a capacidade de armazenamento do reservatório para 1.052 milhões de metros cúbicos.

A ampliação constou de três novas unidades, cada uma com 39 MW, elevando a potência instalada para 172 MW. O alteamento da barragem que passou da soleira vertedora livre em arco gravidade para uma barragem em contrafortes de 63 m de altura, implicou também na construção da barragem e do dique de Cacaria, na barragem do Rio da Prata, no Dique 4 e no Dique 5. A obra foi concluída em 1958. Para permitir a construção foi neces-sário desocupar a pequena cidade tombada de São João Marcos no município de Rio Claro. O reser-vatório havia sido idealizado para ser utilizado para regularizar as descargas que seriam derivadas do rio Paraíba do Sul. Entretanto, o re-servatório jamais foi completamente cheio por dois motivos: o abaste-cimento de água para a cidade do Rio de Janeiro havia passado a depender das descargas efluentes da casa de força de Fontes sem outro tratamento que não a clo-ração e a necessidade de obras adicionais para garantir a estabi-lidade da barragem de Cacaria e do Dique 4. Essas obras foram finalmente executadas nos anos 80.

Figura 10 - Início do alteamento da barragem de Lajes

Figura 11 - Barragem de Lajes após a conclusão

do alteamento

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Apesar dos bons serviços prestados e do estrangulamento das tarifas a partir do Código de Águas em 1934, a Light enfrentava opositores de todas as correntes políticas, desde extremados esquerdistas que se intitulavam de nacionalistas, até o líder da UDN, Carlos Lacerda, que se referia a ela como “o Polvo Canadense”. Nesse cenário, à Light não eram concedidas novas concessões, embora ela tenha estudado em detalhe potenciais no médio rio Paraíba do Sul (Funil, Sapucaia e Simplício) e efetuado estudos que cobriram extensas áreas do território nacional, desde a vertente oceâ-nica da Serra do Mar até as Sete Quedas. Esse cerceamento de novas concessões e a necessidade de ampliação da geração determinaram

a adoção do artifício de se conceber uma ampliação da usina de Fontes pela derivação de descargas dos rios Pirai e Paraíba do Sul. Essa foi a obra de engenharia mais importante no final dos anos 40 e início dos anos cinqüenta. Inaugurada em 1953, resultou na am-pliação de geração em Fontes com a instalação de três unidades Francis de 39 MW cada, denominada Fontes Nova e na implantação da casa de força subterrânea de Nilo Peçanha que, sob a queda bruta de 310 m, aumentou em 378 MW o Complexo de Lajes. Presentemen-te as antigas unidades Pelton de Fontes estão desativadas, restando apenas as três unidades Francis de Fontes Nova e as seis unidades de Nilo Peçanha, todas Francis de eixo vertical.

Figura 12 - Casa de força de Fontes

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Para esta fase da ampliação uma série de obras foram executadas, destacando-se a elevatória de Santa Cecília, a barragem de Sant’Ana, no rio Pirai construída em apenas dois meses, a elevatória de Vigário que dis-põe de unidades reversíveis, as terceiras instaladas no mundo depois das unidades de Traição e Pedreira em São Paulo, também instaladas pela Light, a construção da barragem Terzaghi e do dique Vigário, projeto em que Karl Terzaghi introduziu filtros chaminés em barragens de terra, e a casa de força subterrânea de Nilo Peçanha, de grandes dimensões para a época, que contou com a importante colaboração do geólogo Portland Port Fox. Embora constasse do projeto ori-ginal, a segunda casa de força de Nilo Peçanha ainda não foi construída, ficando as usinas de Fontes Nova e Nilo Peçanha com elevado fator de capacidade. Figura 13 - Barragem de Santa Cecília

Figura 14 - Barragem Santana

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Em fevereiro de 1967 intensa precipitação provocou inúmeros deslizamentos nas encostas da Serra das Araras na área das usi-nas, bloqueando os canais de fuga de Fontes e de Nilo Peçanha. O refluxo de lama inundou a casa de força de Nilo Peçanha causando a paralisação da usina por vários meses para a recuperação dos equipamentos totalmente feita pelos técnicos da Light. Realça-se a coragem dos operadores e a tenacidade da equipe da Light na

recuperação das instalações cuja operação era comandada pelos engenheiros Walter Stukembruk e Henrique Smoka, ambos de elevada competência e dedicação.

Para que a derivação das águas do rio Paraíba do Sul fosse licen-ciada, a Light teve que promover a regularização do rio pela im-plantação da barragem de Santa Branca e contribuído com 40% do

Figura 15 - Desvio Paraíba-Piraí - Elevatória de Vigário, ao fundo dique do Vigário e a barragem Terzaghi

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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investimento na construção das barragens de Paraitinga e Paraibuna, no trecho paulista da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Somente nos anos 90 a Light instalou as unidades geradoras em Santa Branca.

Em 1961 foi concluída a usina de Ponte Coberta, posteriormen-te denominada de Pereira Passos, com 99 MW instalados sob 36 m de queda bruta, aproveitando as águas turbinadas do Complexo de Lajes. A barragem de terra tem 52 m de altura e 231 m de crista. As estruturas de concreto da tomada d’água e do vertedouro, este com 330 m³/s de capacidade de descarga, são situadas na margem esquerda do reservatório. Curiosamente a Light esperou a posse do presidente Castelo Branco em 1964 para oficialmente inaugurar a usina.

Considerando as dificuldades acima mencionadas na obtenção de novas concessões, essa usina foi inicialmente denominada Lajes Auxiliar.

Figura 16 - Presença do Terzaghi (ao fundo) no campo durante a construção da barragem que tem o nome em sua homenagem

Foto 18 - Inauguração da hidroelétrica Nilo Peçanha, Ministro Apolonio Salles,

J.R. Nicholson, João Monteiro

Figura 17 - Canal de fuga de Nilo Peçanha em 1967

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No final do século passado foi desenvolvido o projeto da PCH Paracambi, mais uma hidroelétrica no leito do ribei-rão Das Lajes que presentemente (2011) encontra-se em construção. Essa hidroelétrica terá 25 MW instalados com elevado fator de capacidade.

A Light foi estatizada em 1966 e privatizada em maio de 1996, tendo passado de grupos francês, americano e nacional para, presentemente, ser de controle integral- mente nacional.

Figura 20 - Pres. Castelo Branco e Gallotti, presidente da Light,

em visita de inspeção após o acidente de 1967

Figura 19 - João Gonçalves de Sousa, ministro extraordinário para coordenação dos órgãos regionais, General Ernesto Geisel, chefe da casa militar, Marechal Castelo Branco, presidente da República, Antônio Gallotti, presidente da Light e Geremias Fontes, governador do Estado do Rio de Janeiro em inspeção nas usinas geradoras da Light no dia 4 de fevereiro de 1967, após os acidentes ocasionados pelas intensas precipitações.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 22 - Inundação da casa de força de Nilo Peçanha, inspeção de barco

Figura 23 - O atualpresidente da Light apóster dirigido a ANA e aANEEL, professor da

UFRJ, Dr. JersonKelman, ao ser agraciado

com o título de EngenheiroEminente pela Associação

dos Antigos Alunos daPolitécnica, em 2010

Figura 21 - Construção da barragem de terra de Ponte Coberta, parte da hidroelétrica Pereira Passos

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Alexander Mackenzie, fundador e segundo presidente (1915-28)

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Armando José da Silva Neto e Flavio Miguez de MelloArmando José da Silva Neto e Flavio Miguez de Mello

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Flavio Miguez de Mello

A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso

“They (Light) say now that they could deliver half a million more horse-power from this place alone (Cubatão); and this is but one of the several places that stand around São Paulo and sell more power to its elbow”  Rudyard Kipling*

* “Eles (Light) afirmam agora que podem fornecer meio milhão de cavalos-vapor somente deste local (Cubatão); e esse é apenas um dos diversos lugares que se situam no entorno de São Paulo e que poderão vender mais energia para todos seus cantos.”

Em 1899 o advogado canadense Alexander Mackenzie fundou a The São Paulo Railway, Light & Power Company e iniciou imediata-mente a construção da hidroelétrica de Parnaíba, posteriormente denominada Edgard de Souza, situada na cachoeira do Inferno, no rio Tietê e inaugurada em 1901.

A barragem foi construída em alvenaria de pedra com verte-douro de superfície livre em quase toda a extensão de sua crista. A capacidade instalada inicial era de 2 MW. Em 1954 a antiga casa de força foi substituída por uma estação de recalque com unida-des reversíveis e a barragem foi alteada em seis metros através de

contrafortes e lajes planas, passando a ter 18,5 m de altura. Foram

introduzidas três comportas de segmento com capacidade de

800 m³/s. Nos anos 80, considerando a extrema alteração nos

coeficientes de escoamento da área de drenagem devida à inten-

sa ocupação urbana da cidade de São Paulo e de cidades vizinhas,

nova importante reabilitação foi feita, tendo sida aumentada

a capacidade de descarga do vertedouro. Edgard de Souza foi a

primeira de uma série de obras hidráulicas executadas nas pro-

ximidades da cidade de São Paulo dos últimos dois anos do

século XIX até meados do Século XX.

A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso

Figuras 1a e 1b - Desde os primeiros anos a Light constituiu diversas outras empresas de serviços em São Paulo e no Rio de Janeiro, incluindo fornecimento de gás, telefonia, serviços de bondes e ônibus. Nas fotografias L.H. Anderson, superintendente geral da São Paulo Gas Company e G.E. Seylaz, tesoureiro presidente da Companhia Telefônica Brasileira.

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Com o objetivo de regularizar as afluências à usina de Edgard de Souza, foi construída em 1906 a barragem de Guarapiranga situada no principal afluente do rio Pinheiros, tributário do rio Tie-tê. A barragem é de terra com 15,6 m de altura e 1500 m de crista. Seu volume de 505.000 m³ foi proveniente de área de empréstimo escavada à mão, o solo foi transportado por tração animal e com-pactado apenas com a passagem das carroças. Como elemento de impermeabilização foi executada uma cortina de estacas prancha na linha de centro da barragem. Uma cheia extraordinária nos anos oitenta fez com que fosse executado um vertedouro adicional na ombreira esquerda.

No início da segunda década do século passado, a Light adquiriu da Empresa de Eletricidade de Sorocaba a concessão da hidroelétrica de Itupararanga e concluiu as obras em 1914 com três unidades de 11,1 MW cada.

A intensa estiagem de 1924 fez com que Asa White Kenney Billings, engenheiro americano de elevada competência que vinha de obras na Espanha e no México, construísse, em apenas onze meses, a hidroelétrica de Rasgão, com duas unidades de 9,3 MW, aprovei-tando canal escavado pelos escravos de um proprietário de terras na região de nome Fernão Paes de Barros quase um século antes com a esperança nunca concretizada de achar ouro no leito do rio Tietê. O canal ficou sendo conhecido por Rasgão, tendo posteriormente dado nome à barragem e à usina. A Light descobriu duas unidades Francis de 9 MVA em fabricação no exterior, as comprou e as trouxe para São Paulo. A logística era muito difícil, a maior carroça transportava no máximo 15 toneladas e as estradas eram de tráfego precário. A época era convulsionada por movimentos revolucioná-rios tenentistas como o de 5 de julho que ocupou São Paulo por semanas. O País entrava em estado de sítio. A coluna Miguel Costa – Prestes iniciava a sua longa marcha. O canal aberto à mão teve que ser ampliado e as fundações escavadas, o que demandava explosivos nessa época tão explosiva. A barragem, com 20 m de altura é em arco gravidade. A usina, inaugurada em 1925, tinha o caráter provi-sório, mas operou até 1961 quando foi paralisada devido a excesso de percolação sob a tomada d’água da usina. Nos anos oitenta as estruturas civis da barragem e das duas tomadas d’água do canal

de adução e da casa de força foram reabilitadas tendo em vista o elevado estado de deterioração e os preocupantes resultados das análises de estabilidade que foram realizadas. A barragem teve trata-mento de concreto projetado no paramento de montante, injeções de calda de cimento sob a laje executada no pé de montante e teve reforço por atirantamento, a tomada d’água do canal de adução teve reforço em seus contrafortes e a tomada d’água da casa de força teve tratamento de sua fundação por injeção de calda de cimento a alta pressão com cracagem do solo, tratamento este que só havia sido feito na fundação da barragem de Balbina. A casa de força foi também reabilitada e voltou a operar em 1989.

O maior empreendimento foi conduzido por Billings: o chamado Pro-jeto da Serra que aproveitava descargas derivadas da bacia do rio Tietê para a baixada Santista. O empreendimento foi feito em duas etapas: a usina de Cubatão e a usina de Henry Borden que operavam em pa-ralelo. De montante para jusante, o circuito inicia-se pela barragem de

Figura 2 – Ferdinand M.G. Budweg

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Pirapora no rio Tietê a montante do reservatório de Rasgão. Essa barragem represa as águas até a estação de recalque de Edgard de Souza, reverten-do o curso do rio Tietê. Essa barragem de 43 m de altura em concreto gravidade, concluída em 1956, é provida de um vertedouro de superfície com duas comportas de segmento de 830 m³/s de capacidade. Com as expressivas alterações dos coeficientes de escoamento que ocorreram em sua área de drenagem devido à intensa ocupação urbana que passou de 3,6 milhões de habitantes em 1955 para 15 milhões em 1990, houve a necessidade de ampliação da capacidade de descarga vertida e a proteção à cidade de Pirapora do Bom Jesus que se situa logo a jusante da bar-ragem. Essa cidade era inundada a partir de descargas de 480 m³/s. A condicionante de projeto era conseguir um esquema que permitisse

o deplecionamento do reservatório antes da chegada do pico da cheia, sendo esta amortecida no reservatório previamente rebaixado. Conside-rando a impossibilidade do deplecionamento do reservatório durante a construção por serem baixas (6,40 m) as duas comportas de segmen-to que ocupam quase toda extensão da crista da barragem, a solução

Figura 3 – Esquema do lake piercing

Figura 4 – Execução da ensecadeira dentro do túnel

Figura 5 – Instante da detonação do septo de rocha

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encontrada pelo engenheiro Ferdinand M.G. Budweg foi a execução de um lake piercing, solução única no País.

As obras foram realizadas no início dos anos noventa, tendo sido escavado um túnel de jusante para montante com extensão de 168 m e seção de 48 m² pela ombreira direita até bem próximo ao fundo rochoso do reserva-tório onde, de acordo com o projeto original, deveria ter sido escavada uma depressão (rock trap) para receber a rocha quando da abertura final. Em seguida foram insta-ladas duas comportas de segmento no interior do túnel, foi construída uma ensecadeira de terra no interior

Figura 6 – Saída do túnel em operação Figura 7 - Vertedouro da barragem de Pirapora

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do túnel para proteção das comportas quando da detonação final e detonada uma carga que abriu a entrada do túnel pelo fundo do reservatório.

A obra que incluiu também alargamento da calha natural do rio a jusante da barragem, foi concluída com sucesso em 1993, não mais ocorrendo inundações na cidade de Pirapora do Bom Jesus. A capacidade de descarga da barragem passou para 1450 m³/s.

O circuito hidráulico do Projeto da Serra inclui a barragem e a estação de recalque de Edgard de Souza, situada a montante de Pirapora. Essas duas barragens fazem com que o rio Tie-tê flua de jusante para montante, penetrando no rio Pinhei-

Figura 8 – A estação de recalque de Edgard de Souza

Figura 9 - Barragem de Pedreira ou do Rio Grande

Figura 10 – Miller Lash, presidente de

1925 a 1941

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ros que também flui de jusante para montante pela ação das elevatórias de Traição e Pedreira implantadas no período 1938-1940, alimentando a represa de Billings e daí o reservatório da barragem de Rio Das Pedras.

A barragem de Pedreira ou do Rio Grande é constituída por dois aterros hidráulicos, um em cada lado das estruturas de concreto da estação de recalque, com 25 m de altura e contendo um diafragma de concreto armado central que vai das fundações até o nível d’água má-ximo normal do reservatório de Billings. O diafragma, além de ser um elemento impermeabilizante, foi também concebido como “protec-tion against burrowing animals and ants” (proteção contra roedores

e formigas) como afirmou Billings em palestra realizada em Lon-dres em 1936. Além dessa barragem, o reservatório de Billings é fechado por outras 13 barragens ou diques, quatro dos quais feitos como aterros hidráulicos e os restantes por transporte animal e com-pactação apenas pelo tráfego das carroças. As águas estocadas na represa de Billings acessam o reservatório da barragem de Pedras situada na crista da serra do Mar onde o rio das Pedras inicia uma sucessão de cachoeiras e corredeiras em direção à Baixada Santista. A barragem de Pedras é uma estrutura de concreto em arco gravida-de com 35 m de altura concluída em 1926, represando as águas na elevação 728,50 m. O Projeto da Serra era concluído pela condução das vazões com 710 m de queda bruta para as casas de força de Cubatão, a céu aberto com oito unidades no total de 661 MW, e Henry Borden, subterrânea, com seis unidades idênticas de 88 MW

Figura 11 – Sir Herbert Couzens, presidente de 1941 a 1944

Figura 13 - A. Gallotti, último presidente da Light envolvendo Rio de Janeiro e São Paulo (1965 a 1974)

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cada. Todas unidades são com turbinas Pelton. A usina de Henry Borden era a ampliação da usina de Cubatão. A instabilidade natural das encostas da Serra do Mar foi um dos fatores para que Karl Terzaghi recomendasse que a casa de força de Henry Borden fosse subterrânea.

Dignas de nota são as unidades das elevatórias de Traição e Pedreira que foram as primeiras unidades reversíveis a serem instaladas no mun-do, seguidas pelas quatro unidades da elevatória de Vigário, instaladas pela Rio Light em 1953.

Nos anos recentes, por imposições ambientais, o bombeamen-to para o reservatório de Billings foi praticamente suprimido, sendo restrito a ocasiões de ocorrência de precipitações intensas com o objetivo de minimizar as consequências das enchentes na cidade de São Paulo e no vale do rio Tietê. Houve, portanto, perda de geração do Projeto da Serra que tanto progresso garantiu a São Paulo.

Figura 12 - Seção transversal da elevatória de Traição

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Figura 1 – Barragem de Macabú

As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS

Paulo Poggi Pereira

A origemO Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS foi um órgão federal que, entre 1940 e 1990, construiu obras hidráu-licas para diversos fins em todo o Brasil, incluindo grande número de barragens. Ele originou-se de uma comissão, criada em 1933, para o saneamento da baixada fluminense, cujos extensos alagadi-ços formavam um ambiente favorável à procriação de mosquitos transmissores da malária, que na época era doença endêmica na região em torno da cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhos se des-tinavam a drenar as terras e protegê-las contra inundações, prin-cipalmente mediante abertura de canais e construção de diques. A ênfase no objetivo sanitário levou, em certos casos, a dimensio-nar a drenagem apenas para escoar as águas da chuva em um prazo que impossibilitasse a reprodução dos mosquitos e permitisse a utilização da terra para criação de gado, que na época era a principal atividade econômica da região. Com a redução da população de mosquitos a malária foi erradicada a ponto de muitas pessoas não saberem hoje que ela existiu.

Por outro lado, após a Segunda Guerra Mundial, os municípios da Baixada Fluminense permitiram a urbanização destas terras com loteamentos inadequados, que não levaram em conta a vulnerabili-dade a inundações de parte da área, o que faz com que hoje muitos logradouros, moradias e empresas sejam periodicamente inundados.

Em 1940 a Comissão para o Saneamento da Baixada Fluminen-se, em grande parte devido à atuação de seu diretor, Engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, foi transformada no Departamento

As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS

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Nacional de Obras de Saneamento, que continuou trabalhando ativamente na Baixada, mas estendeu sua atuação para todo o território nacional.

A partir de 1944 o DNOS foi encarregado de construir barra-gens para usinas hidroelétricas, apoiando programas de eletrifi-cação dos estados; naquela época ainda não existia a Eletrobras nem outro organismo com a atribuição de aplicar recursos federais em eletrifi cação.

Depois foram sendo atendidas solicitações para construção de bar-ragens de outras fi nalidades, o que fez do DNOS, ao longo de seus 50 anos de existência, a entidade nacional que construiu barragens com a maior diversidade de funções.

Nos itens seguintes são apresentadas informações sobre estas barra-gens, reunidas de acordo com suas fi nalidades, e ao fi nal será descrita sumariamente a sistemática utilizada para realizar os trabalhos de construção e a atuação dos engenheiros que lideraram o DNOS.

HidroeletricidadeQuando acabou a Segunda Guerra Mundial o DNOS começou a

construir barragens do programa de eletrificação do estado do

Rio Grande do Sul, passando depois a atuar em outros estados.

O Quadro 1 apresenta a localização e as características principais

destas obras. Com uma única exceção todas elas foram feitas de

con creto, aproveitando o fato de que os locais de implantação eram

ro chosos, com boas condições de fundação para barragens deste tipo.

A primeira barragem de grande porte foi a de Capingui, concluída

em 1949; é do tipo arco-gravidade, construída em concreto sim-

ples com relativamente pouco cimento. Não se dispunha de areia

adequada no local nem muita experiência neste tipo de concreto

na época; face à necessidade de cumprir prazos, o concreto desta

primeira obra não foi feito com a necessária impermeabilidade,tendo sido impermeabilizado posteriormente mediante injeções de calda de cimento.

Duas destas barragens foram feitas com concreto ciclópico, con-feccionado com brita de granulometria pouco mais graúda do que o normal no qual, logo após seu lançamento e durante sua vibração, os operários colocavam manualmente pedras de mão. Era difícil fi scalizar os trabalhos de modo a garantir a correta colocação das pedras de mão; por este motivo, em todas as outras obras foi utilizado equipamento capaz de preparar e colocar concreto feito com agregados maiores, e não foram adicionadas as pedras de mão.

Uma vez que as tensões que ocorrem numa barragem tipo gravida-de, não muito alta, são pequenas, não exigindo grande resistência, adotou-se dosagens modestas, não mais que 200 kg de cimento por m3, para fazer frente ao alto custo do cimento na época, e evitar que o aquecimento que ocorre durante sua hidratação aquecesse o concreto além do limite aceitável, o que poderia resultar na abertura de trincas no maciço; com este mesmo objetivo limita-va-se a espessura de cada camada de concreto colocada durante a construção, havendo casos em que foi de apenas um metro.

Uma providência necessária nas obras feitas no planalto do Rio Grande do Sul foi interromper a concretagem quando a temperatura ambiente ficava muito próxima de zero graus centígrados, porque o cimento poderia ter sua pega prejudi-cada pelas temperaturas excessivamente baixas.

Como de costume, ocorreram problemas técnicos imprevistos nas obras, os quais foram sendo resolvidos pelos engenheiros do órgão.

Uma solução interessante foi a estabilização provisória do teto de um túnel que tinha 1200 m de extensão e seção circular com 9,00 m de diâmetro após ser revestido. A rocha local era basalto, bastante resistente, mas com fi ssuras. Alguns dias após a escavação de alguns metros do túnel, soltavam-se blocos de rocha do teto, o que eventualmente acidentou alguns operários.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 2 – Barragem de Glicério

A solução encontrada foi implantar uma abóbada de concreto simples bombeado, apoiando o teto nas paredes laterais, algumas horas após a abertura de cada trecho de túnel. Nos Estados Unidos eram realizadas estabilizações deste tipo perfurando a rocha do teto do túnel e introduzindo nos furos hastes metálicas especiais, chamadas roof bolts, que prendiam os blocos de rocha superficiais à rocha mais distante da superfície da escavação. O sistema emprega-do evitou colocar os operários em risco perfurando o teto do túnel, dispensou a importação de roof bolts, foi executado com equipamento

e material disponível na obra, e funcionou perfeitamente, impedindo quaisquer outros desabamentos.

Uma novidade tecnológica que o DNOS precisou enfrentar foi a construção da barragem de Ernestina, que consistia em um muro vertical de concreto protendido, engastado na rocha de fundação.

O projeto foi proposto como variante, na concorrência para execução da obra, pela empresa Estacas Franki, cujo diretor técnico

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Figura 3 - Seção transversal da barragem de Pedra

à época era o professor Costa Nunes, que foi ao longo de toda a vida um grande engenheiro entusiasta de tecnologia de ponta.

A barragem foi construída pela empresa proponente e funcionou adequadamente, mas este tipo de obra nunca mais foi adotado, preferindo-se sempre soluções mais simples e menos ousadas. Com exceção da barragem de Canastra, que foi construída em contrafortes sustentando lajes planas de concreto armado, todas as demais obras para hidroeletricidade foram do tipo gravidade, construídas em concreto simples.

A única barragem mais sofisticada foi a de Pedra, no Rio de Contas, na Bahia, uma estrutura tipo gravidade aliviada, com uma altura máxima de 65 m a partir da fundação rochosa.

O projeto original desta obra previa um maciço de enrocamen-to apoiado em fundação de areia, com uma delgada camada de

britas e pedras arrumadas separando o enrocamento da areia da fundação. O diretor geral do DNOS na época, Engenheiro Camilo de Menezes, ficou compreensivelmente apreensivo com relação à solução dada para a fundação; comentou que só ficaria tranqüilo se o projeto previsse a remoção da areia e a colocação do enrocamento diretamente sobre a rocha subjacente. Como não havia condições para alterar o projeto, foi admitida a apresentação de variantes na concorrência para execução da obra, e venceu a barragem tipo gravidade aliviada.

Em 1973 o DNOS encerrou suas atividades na construção de barragens destinadas a hidroeletricidade, uma vez que já existia entidade federal com a incumbência específica de promover a ele-trificação do país. Na última obra de que participou, barragem de Passo Fundo, o DNOS ficou encarregado apenas da orientação técnica e da fiscalização das obras, provindo os recursos da Eletrobras e do governo do estado do Rio Grande do Sul.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 4 – Barragem de Pedra

Abastecimento de água a cidadesO Quadro 2 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para abastecer cidades, informando a localização das mesmas, suas características e os anos de conclusão das obras; algumas delas têm características interessantes.

A Barragem do Rio das Velhas, integrante da tomada d’água do sistema adutor construído pelo DNOS para abastecer Belo Horizonte, Minas Gerais, é de concreto armado, dotada de comportas, e tem fundação em terra. Sua característica mais marcante é a calha do rio ter sido bifurcada em duas alças mediante dragagem;

a duplicação destina-se a ter uma alça conduzindo lentamente água para ser captada, enquanto na outra alça vão sendo removidos os sedimentos que se depositaram enquanto ela esteve em operação, e escoam para jusante as vazões excedentes do rio.

As barragens de Riachão e Pacoti formam um único reservatório, que regulariza a contribuição do Rio Pacoti, a qual é depois aduzida por gravidade, através de um túnel, ao reservatório que abastece Fortaleza, Ceará. O sangradouro é do tipo labirinto, formado por um muro vertical engastado em uma laje horizontal ancorada na rocha de fundação; o sangradouro foi localizado, no único local da área onde existe rocha a profundidade adequada, ponto este

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156Figura 5b – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - condutos forçados

Figura 5a – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - casa de força e adução

encontrado através de uma extensa, porém simples, pesquisa realizada por sondagens a percussão. Aproveitando a existência de rocha de boa qualidade no local, dispensou-se o revestimento do canal de restituição, deixando-se a água escoar pelo terreno após seu vertimento, só tomando precauções para impedir que a água se aproximasse do maciço da barragem do Pacoti.

A barragem de Juturnaíba, no rio São João, fornece água para abastecimento das cidades da Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro. Da mesma forma que a barragem acima mencio nada, ela foi projetada após uma campanha de furos de sondagem a percussão, realizados ao longo do eixo previsto para

a obra, com o objetivo de conhecer os locais onde havia rocha subjacente. Só foi encontrada rocha em uma pequena ilha, na qual foi então implantado o sangradouro em labirinto, a tomada d’água e a descarga de fundo, obras estas realizadas em concreto, com fun-dação em rocha. O restante da barragem foi construído em terra, sobre fundação de argila mole.

IrrigaçãoO grande sucesso do DNOS em matéria de irrigação foi o projeto que irriga aproximadamente 15.000 hectares de arroz no município de Camaquã, no Rio Grande do Sul. A barragem do Arroio Duro fornece água para essa irrigação; com base no volume acumulado, é avaliada, em cada ano, a área que pode ser irrigada, autorizando-se então o respectivo plantio. A barragem é de terra, com funda-

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ção também em terra. Para controlar as infiltrações na fundação, além de outros cuidados habituais, o projeto previu uma cortina delgada de solo-cimento para vedação e um filtro instalado em uma trincheira situada no pé do talude de jusante, que recolhe-ria as infiltrações, caso a cortina não funcionasse adequadamente. Algumas medições de pressão intersticial na fundação, realizadas após a entrada em operação da obra, não indicaram funcionamento adequado da cortina de vedação, mas a barragem não apresentou nenhum problema, graças ao bom funcionamento do filtro.

Quando foi projetada a barragem de Juturnaíba, mencionada no ítem sobre abastecimento urbano, planejou-se implantar irrigação de hortigranjeiros em uma área localizada na margem esquerda do canal do rio São João, imediatamente a jusante da barragem. Esta área podia ser abastecida de água por gravidade, a partir da barra-gem, e sua cota era suficientemente alta para ter boa drenagem, o que é indispensável para evitar a salinização do solo. Quando estavam termi-nando as negociações com uma cooperativa, para implantar o projeto, foi desapropriada uma área de mais de 20.000 ha para formar a reserva de mico-leão dourado de Poço d’Antas; esta desapropriação incluiu a área onde se previa o projeto de irrigação. Foi solicitada a sua liberação, mediante substituição por outra área equivalente para compor a reserva, mas este pedido não foi atendido, abortando assim o proje-to de irrigação. Alguns anos depois os jornais noticiaram a chegada de mico-leões dourados importados da Flórida, Estados Unidos, para povoar a reserva de Poço D’Antas. A atual contribuição da barragem para irrigação resume-se em disponibilizar água para os fazendeiros que quiserem irrigar suas plantações captando água no rio São João, a jusante da barragem.

Entretanto, com o crescente desenvolvimento de Cabo Frio e outras cidades litorâneas, o reservatório de Juturnaíba tornou-se fundamental para abastecimento urbano de água na denominada Região dos Lagos do Estado do Rio.

O Quadro 3 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para irrigação, e informa suas localizações, características e ano de conclusão.

Controle de cheiasAs primeiras barragens para controle de cheias do DNOS foram construídas no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, para proteger Blumenau e outras cidades do Vale.

Iniciou-se pela Barragem Oeste, em concreto gravidade, para depois construir em terra a Barragem Sul e finalmente a Barragem Norte; o DNOS não terminou a construção desta última, mas o Estado de Santa Catarina a concluiu em 1992 e ela está funcionando a contento.

Infelizmente os locais onde podiam ser construídas barragens naquele vale não possibilitavam controlar a maior parte da bacia contribuinte. Terminou sendo necessário complementar as barragens com dragagem do rio Itajaí a jusante de Blumenau, para abaixar satisfatoriamente o nível d’água naquela cidade. Infelizmente o DNOS foi extinto antes de completar esta dragagem, que só foi executada entre as cidades de Blumenau e Gaspar, sem beneficiar esta última cidade nem a área a jusante da mesma.

Outras barragens para controle de cheias foram as de Tapacurá, Goitá e Carpina, na bacia do Rio Capibaribe, no Estado de Pernambuco. Tapacurá é utilizada também para fornecer água destinada ao abastecimento de Recife, e Goitá é utilizada para reter vinhoto, sub-produto malcheiroso da indústria de cana de açúcar, que é liberado somente quando as vazões do rio Capibaribe aumentam a ponto de serem capazes de diluir e dar escoamento ao vinhoto sem criar problemas ambientais.

O controle de cheias de Recife incluiu, além das barragens, a cana-lização do rio Capibaribe na área urbana daquela cidade; o rio teve sua capacidade aumentada mediante regularização e alargamento de sua calha, e substituição de duas pontes, relativamente curtas, por outras de maior vão. Estas obras aumentaram a capacidade da calha, possibilitando não só escoar sem extravasamento as vazões provenientes da área da bacia contribuinte não controlada pelas barragens, como também operar as mesmas liberando vazões

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Figura 6 – Barragem e diques de Tapacurá

relativamente grandes, retendo em seus reservatórios apenas uma

fração da cheia condizente com a capacidade dos mesmos.

Algumas outras barragens do DNOS fazem controle de cheias

como objetivo secundário, sendo o caso das barragens de Pedra,

Pampulha, Flores, Passaúna e Juturnaíba.

A última barragem de controle de inundações construída pelo

DNOS foi Arroio Gontam, na cidade de Bagé, RS, concluída em

1982. Trata-se de uma barragem de concreto simples tipo gravi-dade, cujo reservatório só enche quando ocorrem chuvas fortes, retendo os deflúvios e liberando-os aos poucos, evitando assim, inundações a jusante. A característica especial desta obra é o fato do reservatório estar situado em terras do Exército, que permitiu sua eventual inundação, para evitar enchentes na cidade.

O Quadro 4 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para controle de cheias e informa suas localizações, características e ano de conclusão.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 7 – Barragem e Sangradouro de Arroio Duro

Figura 8 – Barragem de Carpina

Finalidades diversasO Quadro 5 relaciona barragens construídas com finalidades diversas, informando suas localizações, características técnicas e ano de conclusão; nos parágrafos abaixo menciona-se a fi nalidade das mesmas e acrescenta-se alguns detalhes.

A mais importante destas barragens é a do Canal São Gonçalo, o qual drena a Lagoa Mirim, situada no extremo sul do Brasil e é partilhada com o Uruguai. Esta lagoa é usada intensivamente como fonte de água para irrigação de arroz em ambos os países, e, du-rante a estiagem, frequentemente entrava água salgada do oceano na lagoa, pelo Canal de São Gonçalo, prejudicando a irrigação.

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Após entendimentos com a República do Uruguai, o Governo incumbiu o DNOS de construir uma barragem para impedir a entrada de água salgada na Lagoa. A barragem foi localizada a montante da cidade de Pelotas, de modo a não interferir no acesso marítimo àquela cidade, mas a curta distância, para permitir fácil captação e adução de água doce para abastecimento de Pelotas e do porto de Rio Grande; o grande desenvolvimento que aconte-ceu recentemente nesta última cidade aumentou a importância da disponibilidade garantida de água doce criada pela barragem.

O projeto previu uma eclusa, para permitir a continuação da navegação fluvial; uma fábrica de cimento situada em Porto Alegre é abastecida com matéria prima vinda do Uruguai em barcaças que passam pelo Canal.

O barramento é de pequena altura, e atravessa o canal, com 231 m de comprimento. A barragem é constituída por uma estrutura de concreto com uma cortina profunda de concreto armado, engastada em fundação de areia e cascalho, no topo da qual foram instaladas comportas basculantes. Em cota um pouco mais alta há uma passarela onde estão instalados mecanismos de comando das comportas. Quando necessário, as comportas são abertas para deixarem escoar o eventual excesso de água da Lagoa Mirim, e são fechadas na estiagem para impedir que a água salgada do Oceano Atlântico penetre na Lagoa.

Para executar a obra foi aberto um canal de desvio com 120 m de largura e a calha do rio foi inteiramente aterrada no local previsto para a barragem. Após a conclusão dos trabalhos a areia usada para o aterramento foi retirada completamente e o canal de desvio foi reaterrado. A região é aluvionar, e, por causa disso, houve empenho em construir a obra exatamente na calha do rio, uma vez que qualquer mudança de posição poderia provocar divagações do leito do rio com graves conseqüências.

Outra barragem que impede a salinização de manancial de água doce é a do rio Pericumã, ao lado da cidade de Pinheiro, Maranhão; existe ali uma área alagada, onde é obtida água para o abasteci-mento da cidade, criação de gado e irrigação; o alagado também é utilizado para navegação.

Periodicamente ocorrem grandes estiagens, que resultam em retração da lâmina d’água do alagado e intrusão de língua salina proveniente do oceano, prejudicando ou interrompendo as utilizações de água acima mencionadas.

A barragem possui comportas que são fechadas por ocasião das estiagens, mantendo o espelho d’água, impedindo a penetra-ção da língua salina e garantindo a disponibilidade de água doce. Para manter a navegação, um dos dissipadores de energia das comportas funciona também como eclusa, possibilitando o acesso de embarcações vindas do mar até a cidade de Pinheiro.

A barragem do Canal da Flecha tem como finalidade controlar o nível da água na Lagoa Feia, que recebe a contribuição de grande parte dos rios e canais da planície existente entre a margem direita do rio Paraíba do Sul e o mar, na região de Campos – Rio de Janeiro; esta lagoa integra a drenagem da área, mas serve também como fonte de água para irrigação, o que torna importante controlar seu nível.

A barragem de Chapéu D’Úvas controla parcialmente as cheias do rio Paraibuna e aumenta a vazão de estiagem do rio, o que propor-ciona um acréscimo de energia firme em cinco usinas hidroelétricas existentes a jusante, além de aumentar a disponibilidade de água para o abastecimento de água de Juiz de Fora, MG.

A pequena Barragem de Santa Lucia foi construída na zona urbana de Belo Horizonte, com a dupla finalidade de controlar as cheias do rio Leitão e reter seus sedimentos. Os movimentos de terra realizados na bacia do rio Leitão, durante a urbanização da mesma, produziam muitos sedimentos que assoreavam a calha do rio, prejudicando seu escoamento. Esses sedimentos passaram a ficar retidos no reservató-rio da barragem de Santa Lúcia; depois de alguns anos, o reservató-rio da referida barragem ficou completamente assoreado. Por outro lado, ao longo destes anos a urbanização ficou mais consolidada e diminuiu a produção de sedimentos que causavam problemas.

A barragem que existia na Pampulha, em Belo Horizonte, MG, rompeu por erosão interna em 1954, e o DNOS a reconstruiu. Suas

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 166: A historia das_barragens_no_brasil

161

finalidades são recreação, lazer e paisagismo, e realiza também con-trole de cheias, amortecendo as vazões do rio Pampulha, que correm paralelamente à pista do aeroporto da cidade a jusante da barragem.

A Barragem Mãe D’Água foi construída para fornecer água para o laboratório do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A barragem do Flores, que é um afluente do rio Mearim, controla parte das vazões que escoam pelo rio Mearim, ajudando a diminuir as enchentes que inundam a cidade de Bacabal e pode ser usada para aumentar a vazão do rio Mearim durante a estiagem, facilitando assim a navegação; além disso, fornece água para irrigação.

A organização dos trabalhosA construção das barragens sempre foi realizada por empresas em-preiteiras, mas nos primeiros 25 anos de construção de barragens os trabalhos de fiscalização, incluindo a locação, medição e controle de qua-lidade das obras, foram realizados por funcionários do próprio DNOS.

As instalações para construção de cada barragem incluíam um conjunto de casas onde ficavam alojados o engenheiro residente, o topógrafo, o laboratorista e os demais funcionários.

Tendo em vista que as atividades do DNOS se desenvolviam em pra-ticamente todos os estados da Federação, e face à precariedade do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) e do sistema telefô-nico, existentes na época, o DNOS montou uma rede de rádio que chegou a ter 50 estações, para comunicação entre seus escritórios. Havia estações de rádio nas barragens e outras obras importantes, que tinham assim possibilidade de comunicação diária com os escritórios regionais e mesmo com a sede do órgão, no Rio de Janeiro.

Sempre foi uma preocupação dos dirigentes promover a capa-citação dos engenheiros do órgão, para que pudessem cumprir adequadamente suas tarefas. Neste sentido recorreram, entre ou-tras entidades, ao IPT de São Paulo, para proporcionar estágios em

seus laboratórios de solos e concreto, ao US Bureau of Reclamation dos Estados Unidos e até mesmo à UNESCO.

Nos seus últimos 15 anos de atividade o DNOS passou a con-tratar empresas para realizar os trabalhos técnicos de controle da construção de barragens. Os engenheiros do órgão passaram a fiscalizar o trabalho das consultoras que realizavam os trabalhos topográficos, de laboratório, de controle dos serviços, etc.

Em pelo menos duas obras, a empresa consultora procurou evitar relacionamento entre seus engenheiros e os engenheiros da empre-sa construtora, proibindo inclusive que fizessem refeições juntos. Não se sabe se esses cuidados eram realmente necessários, mas ambas as barragens ficaram em excelentes condições.

A orientação técnica do DNOS foi muito influenciada pelo Engenheiro Otto Pfafstetter, funcionário do órgão, autor de muitos projetos de obras importantes, podendo-se citar as barragens En-genheiro José Batista Pereira, Tapacurá e São Gonçalo. Foi autor de importantes trabalhos técnicos, como o livro “Chuvas Intensas no Brasil”. Outro trabalho muito interessante dele foi um sistema para de-signação de número de registro de trechos de cursos d’água, destinado à organização de cadastro nacional de cursos d’água; esta numeração parte da foz dos rios e segue para montante, ao invés de partir das cabeceiras, as quais, muitas vezes, são de difícil definição. Este sistema não é utilizado no Brasil, mas meia dúzia de outros países o adotaram.

Sendo o DNOS um órgão nacional, seus engenheiros tinham que viajar com freqüência, quase sempre de avião, face às grandes distâncias a percorrer e à deficiência das estradas. Antes da adoção de motores a jato e equipamentos modernos para voo por instrumentos aconteciam muitos acidentes.

O primeiro deles foi com José Maia Filho, morto em 1950 ao regressar de uma viagem para contato com a Administração Central do DNOS, em um avião Constellation da VARIG, que bateu em um morro tentando pousar em Porto Alegre com pouca visibi-lidade. Ele dirigia o Distrito do Rio Grande do Sul, e seu nome foi dado a uma barragem que o DNOS construiu naquele estado.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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162

Figura 9 - Hildebrando de Araújo Góes, primeiro Diretor do DNOS

Figura 10 - Engenheiro Camilo de Menezes, Diretor-Geral do DNOS de 1946 a 1961

Muitos anos depois houve um abaixo assinado pedindo para dar o nome do Diretor de Obras do DNOS na época, engenheiro Raimundo Cláudio Correia Leitão a uma barragem que ia ser constru-ída no estado onde ele havia nascido. O Diretor Geral encaminhou o assunto ao homenageado, que respondeu escrevendo que prefe-ria continuar vivo, uma vez que há uma lei proibindo dar nome de pessoas vivas a obras do governo. O Diretor-Geral solicitou que o arquivo lhe remetesse os documentos referentes a este assunto de volta, após passado um ano, como às vezes fazia. Antes de trans-correr um ano o engenheiro Leitão, a quem se queria homenagear, morreu num desastre de avião em serviço. Foi então dado o seu nome à barragem, conforme havia sido solicitado.

Os Gestores O primeiro Diretor do DNOS foi Hildebrando de Araújo Góes, que assumiu a chefia da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense na sua fundação em 1933, e promoveu sua transfor-mação em Departamento Nacional de Obras de Saneamento em 1940, quando Getúlio Vargas era Presidente da República. Dirigiu o

órgão até o ano de 1946, quando foi ser prefeito do Rio de Janeiro, que na época era a capital federal. Ele estabeleceu o sistema de trabalho pelo qual as obras eram executadas por empresas, em vez de serem construídas por administração direta, como fazia o Departamento Nacional de Obras contra as Secas naquela época. Os funcionários do DNOS orientavam e fiscalizavam os trabalhos, fazendo inclusive os levantamentos topográficos necessários para isto. Como a grande maioria das empresas não dispunha de esca-vadeiras para abertura de canais, o DNOS começou a adquirir este equipamento e contratar sua operação com empreiteiros.

Camilo de Menezes, engenheiro do órgão, foi o Diretor-Geral seguinte, tendo ficado 15 anos no cargo. Expandiu as atividades do DNOS para quase todos os Estados e enfrentou com sucesso o desafio da construção de grande número de barragens, com problemas tecnológicos ainda pouco conhecidos no país. Após deixar a direção do DNOS, foi presidente da CHEVAP e diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense.

Uma característica comum aos dois primeiros diretores foi continuar estudando assuntos de engenharia enquanto exerciam a direção do órgão.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 168: A historia das_barragens_no_brasil

163

Figura 11 - Geraldo Bastos da Costa Reis, Diretor Geral do DNOS

Em 1961 o presidente Jânio Quadros nomeou Diretor Geral do DNOS o engenheiro do DNER Geraldo Bastos da Costa Reis, com a missão de transformar o órgão em autarquia, o que conseguiu fazer apesar da renúncia de Jânio Quadros.

Um aspecto interessante de sua gestão foi a compra de 200 esca-vadeiras marca Nobas, da Alemanha Oriental, ao preço total de sete milhões de dólares, pagos em café. Faziam parte da compra peças sobressalentes no valor de um milhão de dólares. Estas máquinas prestaram bons serviços de 1964 até a extinção do DNOS em 1990, necessitando como grandes reparos apenas a substituição periódica dos motores quando acabava sua vida útil e a recomposição da mesa sobre a qual girava o conjunto formado pela cabine e a lança. Provavelmente o fabricante das máquinas não empregava técnicas de obsolescência programada.

Após a revolução de 1964 sucederam-se na direção do órgão qua-tro diretores que ficaram pouco tempo, sendo três deles militares. Em 1967 assumiu o cargo Carlos Krebs Filho, engenheiro do DNOS que imprimiu notável organização aos trabalhos. Fez com que as obras e serviços executados para o órgão fossem pagos na ordem cronológica da apresentação das respectivas medições e faturas na tesouraria. Na sua gestão foram concluídas dez barragens, incluindo a Barragem de Pedra, no rio de Contas, estado da Bahia e a Barragem de Tapacurá, no estado de Pernambuco; inaugurou as obras da adutora do rio das Velhas, que aumentou substancialmente o abastecimento de água a Belo Horizonte.

Em 1974 outro engenheiro da casa, Harry Amorim Costa, assumiu a direção do DNOS e manteve a mesma sistemática de trabalho. Na sua gestão foi concluída a construção da Barragem do São Gonçalo. Deixou o cargo para assumir o governo do estado de Mato Grosso do Sul.

Assumiu então Jefferson de Almeida, que seria o último engenheiro da casa a dirigir o DNOS, o que fez com grande competência, ajudado por sua longa experiência como Diretor Geral Substituto. Na sua gestão foram concluídas as barragens de Carpina, Goitá, Pacoti e Riachão acima mencionadas.

Nos governos dos presidentes João Figueiredo e José Sarney sucederam-se no DNOS diretores que não eram engenheiros do serviço público federal, mas que se dedicaram ao trabalho com afinco e realizaram excelentes administrações. Foram eles:

- José Reinaldo Carneiro Tavares, em cuja gestão foram execu-tados aterros para saneamento de favelas no Rio de Janeiro, foram realizadas obras de defesa contra inundações em cidades às mar-gens do rio São Francisco e tiveram início os estudos do governo federal para transposição do rio São Francisco para o Nordeste semi-árido; saiu para ser superintendente da Sudene, depois ministro dos Transportes e, mais tarde, governador do estado do Maranhão;

- Vicente Fialho, que desenvolveu atividades voltadas para irrigação no Nordeste e deixou a direção para ser ministro da Irrigação, depois ministro de Minas e Energia e deputado federal;

- Paulo Baier, que deu prosseguimento às atividades relacionadas à irrigação no Nordeste e deu grande impulso às obras de controle de cheias no Vale do Itajaí; dirigiu o DNOS até sua extinção.

Ao tomar posse em 1990 o presidente Collor, determinou a extinção do DNOS. As obras e os serviços que o órgão estava executando

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Page 169: A historia das_barragens_no_brasil

164

Figura 12 - Inauguração de uma barragem no Nordeste, vendo-se da esquerda para a direita o Gen. José Costa Cavalcanti, Ministro do Interior, o engenheiro Carlos Krebs Filho, Diretor-Geral do DNOS de 1967 a 1974 e o engenheiro Jefferson de Almeida, que viria a ser Diretor-Geral do DNOS em 1978-1979

foram paralisados. Mais de cem escavadeiras de propriedade do DNOS ficaram paradas no campo, até enferrujar completamente no lugar onde se encontravam. O arquivo técnico do DNOS, que tinha perto de 40.000 desenhos de projeto de obras, foi entregue ao Arquivo Nacional, ficando sem condições de ser consultado. Muitas empresas de engenharia que estavam prestando serviços ou executando obras ficaram numa situação financeira dificílima. Resumindo, foi destruída uma organização que produzia obras e serviços extremamente benéficos e necessários, sem que fos-se criada uma alternativa. Por sorte, somente duas barragens estavam em construção naquele momento: a Barragem de Chapéu D’Uvas, em Minas Gerais e a Barragem Norte, em Santa Catarina. Esta última chegou a ter sua vila residencial do canteiro de obras inva-dida por índios naquela ocasião. Entretanto, graças à atuação dos estados mencionados, a construção dessas duas barragens foi concluída alguns anos mais tarde.

QUADRO 1 - BARRAGENS PARA HIDROELETRICIDADE

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

IVAÍ Ivaí Julio Castilhos 3.000 155 3,50 38.000 1948

IJUIZINHO Ijuizinho Santo Ângelo 1.900 150 3 58.000 1948

CAPINGUÍ Capinguí 18.800 220 22 40.000.000 1949

GUARITA

Guarita

2.000 100 4,50 51.000 1949

FORQUILHA Forquilha Marc. Ramos 4.275 125 3 4.250 1949

DIVISA Divisa 22.000 239 25 20.000.000 1950

SALTO / BUGRES

Santa Cruz

31.500 600 11,50 15.000.000 1951

ERNESTINA Jacuí

Passo Fundo

Passo Fundo Muro de Concreto Protendido 8.500 400 15 250.000.000 1954

CANASTRA Canela Contrafortes / Concreto Armado 11.500 174

24

370.000 1956

SANCHURI Sanchuri Uruguaiana Terra 119.900 896 6 61.000.000 1956

JOÃO AMADO

Guarita Passo Missões

Passo Missões 5.800

200 11

10.000.000 1957

BLANG

Santa Cruz

S. F. Paula

S. F. Paula

S. F. Paula

76.500 507 17 50.000.000 1957

PASSO DO AJURICABA Ijuí Ijuí 2.800/14.000 164 9 5.000.000 1960

JOSÉ MAIA FILHO Jacuí Espumoso 57.600 432

24

10.000.000 1961

BORTOLAN Antas Poços Caldas 9.000

200 11

15.000.000 1956

ANIL Jacaré Oliveira

MG

MG

MG

800 113 8 400.000 1959

PAI JOAQUIM Araguari Sacramento 10.500 188 15 390.000 1960

MACABU Macabu Glicério RJ

Gravidade / Concreto Ciclópico

Gravidade / Concreto Ciclópico 80.000 256 539.000.000 1960

GARCIA Garcia Angelina 16.300 100 19

20

6.500.000 1962

LARANJEIRAS Santa Maria

Santa Maria

Canela 24.000 193 24,50 26.000.000 1965

PEDRA Contas Jequié BA Gravidade Aliviada / Concr. Simples 350.000 440 65 1.750.000.000 1970

FURNAS DO SEGREDO Jaguarí Jaguarí 30.000

582

3.000.000 1972

PASSO FUNDO Passo Fundo São Valentim

Gravidade / Concreto / Terra

Gravidade / Concreto / Terra 130.00/511.30 646 40

15

22

1.560.000.000 1973

XANXERÊ Chapecozinho Xanxerê

SC

SC

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

Gravidade / Concreto Simples

42.700 505 17.700.000

......ITÚ ItaquíItaquí

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

RS

35.000

582 22

80.000.000

......

NOME

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS

CURSO D'ÁGUA

MUNICIPIO UF TIPO / MATERIALVOLUME DO MACIÇO(m³)

EXTENSÃO COROAMENTO

(m)

ALTURA MÁXIMA

(m)

ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO

(m³)

NºANO DE

CONCLUSÃO

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

24

25

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165

QUADRO 2 - BARRAGENS PARA ABASTECIMENTO URBANO

QUADRO 3 - BARRAGENS PARA IRRIGAçãO

QUADRO 4 - BARRAGENS PARA CONTROLE DE CHEIAS

QUADRO 5 - BARRAGENS COM FINALIDADES DIVERSAS

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

BATATÃ Batatã São Luís MA 390.000 485 17 4.500.000

PRETO DO CRICIUMA Rio Preto Jequié BA Arco Gravid. / Concreto Ciclópico 104

SANTA BÁRBARA Santa Bárbara Pelotas RS Terra Homogênea 196.000 715 10

10

16.000.000

RIO DAS VELHAS Velhas Nova Lima MG Enrocamento 500 100 1,5

RIO DAS VELHAS II Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 12.000 42 9 165.000

MAESTRA Maestra Caxias do Sul RS Terra Zoneada 430.000 295 28 5.500.000

VACACAÍ MIRIM Vacacaí Mirim Santa Maria RS Terra Homogênea 1.350.000 300 28,3 5.450.000

VAL DE SERRA Ibicuí Santa Maria RS Concreto Armado 3.340 438 15 2.800.000

TAPACURÁ Tapacurá São Lourenço PE Gravidade / Concreto Simples 105.000 320 35 167.000.000

RIO DAS VELHAS III Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 7.000 42 9 186.000

PACOTI Pacotí Pacatuba

Terra

Terra

Terra

2.950.360 1595 30 370.000.000

RIACHÃO Riachão Pacatuba CE

CE

Terra

1.264.440 650 30 70.000.000

JUTURNAIBA São João Silva Jardim RJ

Terra

1.900.000 3.800 12 126.000.000

XARÉU Água Pluvial Fern. Noronha PE Gravidade / Concreto Simples

****

****

****

****

****

****

****

**** ****

****

****

**** ****

PASSAÚNA Passúna Araúcária PR

1 1957

2

3 1969

4 1970

5 1970

6 1971

7 1972

8 1972

9 1973

10 1977

11 1979

12 1979

13 1979

14

15 1989

NOME

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS

CURSO D'ÁGUA

MUNICIPIO UF TIPO / MATERIALVOLUME DO MACIÇO(m³)

EXTENSÃO COROAMENTO

(m)

ALTURA MÁXIMA

(m)

ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO

(m³)

NºANO DE

CONCLUSÃO

1 CEDRO Truçu Acopiara

CE

Gravidade / Concreto Simples 7.000 150 12 4.000.000 1955

2 CARNAUBA Carnauba Acopiara CE Gravidade / Concreto Simples 3.500 40 14 8.000.000 1956

3 RIVALDO CARVALHO Condado Catarina

CE

Gravidade / Concreto Simples 41.500 390 17 30.000.000 1965

4 ARROIO DURO Duro Camaquã RS Terra Homogênea 2.053.000 1.450 21 148.000.000 1965

5 JOSÉ BATISTA PEREIRA Ceará Mirim Poço Branco RN Terra Zoneada 1.940.000 920 45 135.000.000 1970

NOME

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS

CURSO D'ÁGUA

MUNICIPIO UF TIPO / MATERIALVOLUME DO MACIÇO(m³)

EXTENSÃO COROAMENTO

(m)

ALTURA MÁXIMA

(m)

ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO

(m³)

NºANO DE

CONCLUSÃO

1 OESTE Itajai Oeste Taió SC

Gravidade / Concreto simples 93.000

422 25 78.500.000 1972

2 SUL Itajai Sul Ituporanga SC

Terra

758.000 438 43,50 97.500.000 1975

3 CARPINA Capibaribe Carpina PE Terra / Zoneada 2.887.000 1720 42 270.000.000 1978

4 GOITÁ Goitá Gloria do Goitá PE Gravidade / Concreto Simples 108.000 220 38 52.000.000 1978

5 GONTAN Gontan Bagé RS

Gravidade / Concreto Simples 93.000

150 16 290.000 1982

6 NORTE Hercilio Ibirama SC

Terra

1.580.000 365 63 263.000.000 1992

NOME

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS

CURSO D'ÁGUA

MUNICIPIO UF TIPO / MATERIALVOLUME DO MACIÇO(m³)

EXTENSÃO COROAMENTO

(m)

ALTURA MÁXIMA

(m)

ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO

(m³)

NºANO DE

CONCLUSÃO

1 SANTA LÚCIA Leitão Belo Horizonte

MG Terra Homogênea

60.000 115 20 700.000 1956

2 PAMPULHA Pampulha Belo Horizonte MG

Terra Homogênea

570.000 400 15 16.000.000 1958

3

MÃE D'ÁGUA Afl. Dilúvio Viamão RS Terra Homogênea 27.000 200 9 500.000 1962

4 SÃO GONÇALO São Gonçalo Pelotas RS

Concreto Armado

13.500 218 6,20 **** 1977

5 FLEXA Canal Flexa Campos RJ Concreto Armado 3.400 130

3

**** 1980

6 PERICUMÃ Pericumã Pinheiro MA

Concreto Armado

16.800 137,5 29,4 63.000.000 1982

7 FLORES Flores Joselandia MA

Terra Homogênea

775.000.000 1988

8 CHAPÉU D'UVAS Paraibuna Juiz de Fora

MG

Terra Homogênea

2.000.000 400 43 153.000.000 1994

NOME

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS

CURSO D'ÁGUA

MUNICIPIO UF TIPO / MATERIALVOLUME DO MACIÇO(m³)

EXTENSÃO COROAMENTO

(m)

ALTURA MÁXIMA

(m)

ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO

(m³)

NºANO DE

CONCLUSÃO

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166

Page 172: A historia das_barragens_no_brasil

167

Flavio Miguez de Mello

A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste

O Nordeste na primeira metade do século XX

Até a entrada dos anos 50 do século XX o Brasil permanecia sendo um arquipélago de regiões economicamente ativas com parcas conexões entre si a menos da malha ferroviária que integrava a Região Sudeste, escassas rodovias rudimentares regionais e o trans-porte de cabotagem que atingia o litoral mais povoado e penetrava pelos rios amazônicos. Neste contexto, a exemplo das diversas bitolas das ferrovias implantadas no país, os sistemas elétricos operavam em 60 Hz e 50 Hz. Nessa época, castigado pelas freqüentes secas resultantes de extensas estiagens o desenvolvimento do Nordeste era incipiente. As geradoras de energia elétrica na primeira metade do Século XX eram de pequeno porte e de operação precária.

Na virada do Século XIX para o Século XX já se destacava o potencial hidroenergético da cachoeira de Paulo Afonso na qual o rio São Francisco despencava com uma vazão média plurianu-al superior a 2000 m³/s em vários braços por sobre uma espessa camada de rocha granítica sã. Anos antes, ainda no Século XIX, a imponente e magnífica queda d’água chamava atenção dos

visitantes que para lá se deslocavam enfrentando grandes distân-cias dos centros urbanos, atravessando com dificuldades o sertão nordestino. Dentre esses visitantes o de maior destaque foi o Imperador D. Pedro II, no dia 20 de outubro de 1859. Em meados do século passado a cachoeira ainda despertava admiração. O jornalista Alceu Amoroso Lima relatou no periódico “O Jornal” declarações de três estrangeiros que estiveram a admirar a pujança da queda d’água: um francês disse “C’est très chic”, um hindu exclamava “I t i s ju s t wonder fu l” e um americano perguntou “How much hydropower is lost here every day?”.

Essa visão do americano foi percebida bem antes, nos primeiros anos do Século XX pelo inglês Richard George Reidy que requereu ao governo federal a concessão para exploração do potencial da cachoeira de Paulo Afonso para instalação progressiva de indústrias e serviços. O requerimento foi indeferido em 1910. Pouco após o engenheiro Francisco Pinto Brandão solicitou a concessão do apro-veitamento da cachoeira para produção de energia elétrica para uma empresa sua a ser implantada na região com a denominação de Em-presa Hidro Elétrica Agrícola Industrial do Brasil. O requerimento foi também indeferido pelo governo federal em 1913.

Foi nesse contexto que também em 1913, o cearense Delmiro Gouveia colocou em operação a pequena usina hidroelétrica de Angiquinho, com 1.500 HP (1.102 KW) para gerar energia para

A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste

“O rio São Francisco é o mais brasileiro dos rios” Engenheiro Euclides da Cunha

Figura 1 – Usina de Angiquinho

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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sua fábrica de linhas de costuras situada na localidade de Pedra, nas proximidades da cachoeira de Paulo Afonso. A usina, erguida na cachoeira, aproveitava uma queda parcial e uma pequena parcela da vazão afluente. A obra foi realizada mediante concessão do estado de Alagoas ao abrigo do Decreto nº. 520 de 12/08/1911 de acordo com a Constituição Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Del-miro Gouveia, a produção de linhas de costura foi prejudicada, mas a usina permaneceu intacta, não passando de lenda o lançamento dos equipamentos da fábrica e da usina, pelos ingleses da Machine Cotton, dentro da cachoeira de Paulo Afonso. A usina permaneceu no local e os equipamentos da fábrica, anos depois, foram levados para São Paulo.

Antes disso, mesmo na monarquia, não houve nenhuma idéia de aproveitamento do potencial da cachoeira. O Imperador quando a visitou, não havia tecnologia para a implantação de geração de energia hidroelétrica. Na República, com a conhecida pobreza de combustíveis fósseis da época, a omissão passou a ser pouco compreensível.

No início dos anos vinte do século passado o Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura efetuou um levantamento preliminar do potencial hidroenergético do rio São Francisco entre Juazeiro e Paulo Afonso que concluiu com a possibilidade de implan-tação de grandes centrais hidroelétricas, maiores do que as existentes na época, mesmo em países mais evoluídos. Isto possibilitaria a irrigação das áreas ribeirinhas e também o início de industrialização do Nordes-te, o que ainda não havia em outras partes do território nacional cuja economia era essencialmente agrícola. A equipe era constituída pelos enge-nheiros Antonio José Alves de Souza, Jorge de Menezes Werneck, Jayme Martins de Souza, Mário Barbosa de Moura e Mengalvio da Silva Rodrigues. O levantamento foi um marco para o desenvolvimento do Nordeste, tendo sido efetuado em região agreste no tempo do cangaço, inclusive do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião. O Serviço Geoló-gico e Mineralógico deu origem mais tarde à Divisão de Águas, precur-sora do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DNAEE que por sua vez, foi substituído em passado recente pelas Agências, Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Nacional de Águas (ANA).

No início dos anos quarenta a tendência era a de promover a construção de uma grande usina em Itaparica (que só se tornou rea-lidade nos anos setenta). A partir de 1943 o ministro da Agricultura, Apolônio Sales, cujo Ministério incluía o Setor Elétrico comandou a campanha para a construção de uma hidroelétrica na cachoeira de Paulo Afonso. Forte oposição a essa idéia veio de diferentes áreas, uma das mais importantes, a capitaneada pelo engenheiro civil e eco-nomista por vocação Eugênio Gudin com a justificativa de que os parcos recursos federais deveriam ser concentrados no Sudeste onde já havia grande demanda reprimida de energia elétrica. Apolônio Sa-les esteve, em 1944, no Tennessee Valley Authority, autarquia americana implantada pelo presidente Franklin D. Roosevelt como indutora de desenvolvimento para a saída da grande depressão econômica que ocorreu a partir de 1929 nos Estados Unidos, onde coletou subsídios para a entidade a ser criada para atuar no vale do São Francisco no Brasil.

O desequilíbrio entre o Nordeste e o Sudeste do país passou a ser cada vez mais nítido, agravado pela dificuldade nos transportes que se faziam sobretudo por mar, mas que, durante a Segunda Grande Guerra, ficaram prejudicados devido aos ataques de submarinos alemães e italianos nas nossas águas costeiras, submarinos esses abastecidos por navios argentinos sob o manto de sua neutralidade. Esse abastecimento em alto mar foi confirmado em 1982 pelo oficial da marinha alemã que comandava as operações no Atlântico Sul, o contra almirante Jaigen Rohwer. O Nordeste ficou isolado do resto do país. Naquela época, após a Constituição de 1934, as concessões para geração de energia elétrica passaram a ser federais sob atribuição do Ministério da Agricultura. Em 1945, com o fim da II Grande Guerra, o Brasil questionava o regime de exceção do Estado Novo que havia marcado eleições para dezembro. O ministro Apolônio Sales, a cujo ministério a política de energia elétrica estava subordinada, procura-va sensibilizar as lideranças políticas para a idéia da exploração do potencial da cachoeira de Paulo Afonso. O Presidente Getúlio Vargas comandava o Estado Novo no qual Apolônio Sales era Ministro da Agricultura. Há versão que narra que Apolônio Sales havia solicitado a Getúlio Vargas a assinatura do Decreto de criação da CHESF em 30 de setembro por ser ele, Apolônio, devoto de Santa Terezinha,

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na época, festejada naquela data (hoje é 01 de outubro). Já Apolônio Sales em conversa informal em 1976 com Eunápio Queiroz, então diretor superintendente de Sobradinho, narrou que, embora conhecedor de que Getúlio Vargas era agnóstico e que o dia de Santa Terezinha havia passado, usou o seguinte argumento – “Presidente, amanhã é dia de São Francisco. Ele ficará contente vendo que o senhor criou no Nordeste do Brasil uma companhia com o nome dele”. O Decreto Lei º 8.031 de criação da CHESF foi assinado no dia 4 de outubro de 1945, mas com data do dia anterior.

A empresa podia ser formada, mas o Estado Novo estava próximo do fim. Getúlio Vargas foi deposto e tomou posse como Presidente da República o ministro José Linhares do Superior Tribunal Federal. Na seqüência ocorreram eleições gerais no país, sendo o General Eurico Gaspar Dutra, eleito e empossado Presidente da República.

Com a posse do Gal. Dutra, o advogado Afrânio de Carvalho, chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Daniel de Carvalho, procurou incluir como prioritários os aproveitamentos hidrelétricos de Paulo Afonso, no Nordeste, e Cachoeira Dourada no rio Paranaíba, no Centro Oeste, este para suprimento do que seria a futura capital brasileira no Planalto Central.

Entretanto, continuava a oposição ao empreendimento hidrelétrico no Nordeste e à empresa criada em 3 de outubro de 1945. O mi-nistro Souza Costa, por exemplo, afirmara que seria um desperdício gastar recurso no projeto. Diversos depoimentos dão conta de que um forte argumento que sensibilizou o general Dutra com relação a Paulo Afonso pode ter sido o que aventava a possibilidade de uma secessão do Nordeste das demais regiões do Brasil, dada a disparidade daquela região com as regiões Sul e Sudeste. Mantinha-se a oposição do agora ministro Eugênio Gudin por considerar que este tipo de empreendimento deveria ser feito pela iniciativa privada e que os investimentos em geração de energia elétrica deveriam priorizar a região Sudeste, que atravessava intenso racionamento e não o Nordeste onde nem mercado havia. Outros opositores combateram a idéia usando como argumento a reconhecida incapacidade gerencial do governo, o que seria agravado num tipo de empreendimento em

que nunca antes havia se envolvido. Dificuldades adicionais também proviam do próprio ex-ministro Apolônio Sales a apoiar, no final de 1946, a idéia de considerar como projeto definitivo um estudo extre-mamente sumário da usina localizada no Braço da Velha. Esse fato originou a negativa do ministro da fazenda Correia e Castro do pedido de verbas para o Ministério da Agricultura para a execução do projeto.

Superadas todas as dificuldades, no dia 15 de março de 1948, ou seja, quase três anos após sua criação, foi realizada a Assem-bléia Geral de Constituição da CHESF, depois de um árduo trabalho, também comandado por Apolônio Sales, obtendo a adesão de estados e municípios do Nordeste para a integralização do capital da empresa.

O início da CHESFO Presidente Dutra entregou o comando da CHESF a um profissio-nal de reconhecida capacidade e idoneidade com total liberdade de indicar os demais membros da diretoria e dessa maneira, indicações de origem político partidárias ficaram afastadas. O Decreto 8.031 de 03/10/1945 concedia à CHESF a exploração de um trecho de cerca de 500 quilômetros entre Piranhas – Alagoas no baixo rio São Fran-cisco e Juazeiro – Bahia no sub-médio rio São Francisco. A concessão, também assinada no mesmo dia 3 de outubro de 1945, para transmitir e comercializar a energia hidroelétrica produzida em Paulo Afonso, definiu um círculo inicial de cerca de 450 quilômetros de raio no interior do qual se inseriam as capitais dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe. Posteriormente esse círculo expandiu-se até atingir Natal – capital do Rio Grande do Norte e finalmente Fortaleza – capital do Ceará. No final do século XX quando entrou em vigor o novo modelo do setor elétrico com concessões por usina, por linha de transmissão e por subestação a CHESF era responsável por produzir e transportar energia elétrica para 8 estados do Nordeste (Piauí , Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia).

Ao trecho de concessão Piranhas – Juazeiro foram acrescentados em 1972 mais 350 quilômetros, ainda no submédio rio São Fran-

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cisco entre as cidades de Juazeiro e Xique Xique, ambas na Bahia, onde a CHESF construiu e opera a hidroelétrica de Sobradinho, resultando que entre Xique Xique (limite montante) e Piranhas (limite jusante) se inserem as usinas hidroelétricas de Sobradinho, Luiz Gonzaga (Itaparica), Apolônio Sales (Moxotó), Piloto, Paulo Afonso I, II, III e IV e Xingó.

Em 1948, obedecidas às orientações do Presidente Dutra, foi elei-to Presidente da CHESF o engenheiro Antônio José Alves de Sousa, do Ministério da Agricultura, onde tinha sido encarrega-do das concessões de energia elétrica. Esse engenheiro, formado na Escola de Minas de Ouro Preto, tinha, em 1921, no governo Epitácio Pessoa, efetuado um levantamento topográfico da Cachoeira de Paulo Afonso. Alves de Sousa assumiu o comando da empresa com o programa inicial de destinar o fornecimento de

Figura 2 - Engenheiro Antônio Alves de Souza, primeiro presidente da CHESF

Figura 3 - A cachoeira de Paulo Afonso antes das obras da

CHESF. Na margem esquerda as instalações de Angiquinho

e no cânion a casa de força

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energia exclusivamente a Pernambuco e imediatamente propôs estender o fornecimento a outros pontos do nordeste inclusive a Salvador. Graças à vigilância do governador Otávio Mangabeira, da Bahia, e políticos como Luiz Vianna Filho, Clemente Mariani, Juraci Magalhães e Pereira Lira, além de Pernambuco, os estados da Bahia, Alagoas e Sergipe foram beneficiados com a energia elétrica gerada em Paulo Afonso, logo nos primeiros meses após o início de operação, em fins de 1954.

Alves de Souza compôs a sua diretoria com o coronel engenheiro Carlos Berenhauser Junior (diretor comercial), Adozindo Magalhães de Oliveira (diretor de administração) e Octávio Marcondes Ferraz (diretor técnico) e como consultor jurídico Afrânio de Carvalho. O presidente Dutra manteve a sua palavra de não interferir na com-posição da diretoria, adotando essa postura até o final do seu manda-to. O diretor de administração, pelo seu falecimento, foi substituído pelo consultor jurídico. Somente após a posse do presidente Jânio Quadros, em 1961, a diretoria passaria a sofrer modificações.

De início, sediada no Rio de Janeiro, a diretoria técnica, com a co-laboração dos engenheiros Domingos Marchetti, Gentil Norberto, José Villela e Júlio Miguel de Freitas, passou a atuar mais diretamente, a partir de 1949, no próprio local das obras. Ao longo do tempo outros engenheiros foram incorporados à diretoria técnica como Hernani Gusmão, Othon Soares, Dermeval Resende, Hilton Fiú-za de Castro, Hermínio Lorentz Kerr, Hélio Gadelha de Abreu e Nédio Lopes Marques.

Entre as alternativas de projetos que foram consideradas para construção da usina de Paulo Afonso, foi selecionada a que previa uma extensa barragem de concreto de gravidade com um vertedouro de superfície incorporado e atravessando um arquipélago de ilhas a montante da cachoeira, uma adução em túneis, uma casa de força subterrânea e a restituição a jusante da cachoeira. A barragem Leste com 3117m de extensão tem sua ombreira na margem esquerda e atravessa o braço principal onde escoava cerca de 90% da descarga do rio, o braço do Quebra e o braço do Taquari, atingindo as pro-ximidades da cachoeira. A outra parte da barragem, com 1277m

de comprimento, atinge a margem direita atravessando o braço Capuxu, formando um funil num comprimento total de 4394m. A tomada d’água fica situada no encontro desses dois trechos da barragem. A adução é feita por três túneis verticais de 4,8m de diâmetro com joelho de 90° para alimentar três turbinas Francis situadas em casa de força subterrânea. A barragem atravessa diversas ilhas e suas comportas assinalam os braços originais do rio. São 26 comportas de vertedouro, sendo 10 delas no braço principal, 8 no braço Quebra, 6 no Taquari e 2 no Capuxu. O reservatório assim formado tem apenas 11 km² de área.

Um aspecto a destacar foi o fato do IPT ter prestado assistência tecnológica à construção dessa usina, realizando ensaios de defor-mação diametral sofrida por câmaras escavadas em rocha, quando submetidas a pressão interna. Estes ensaios, realizados em 1951, marcaram o nascimento da Mecânica das Rochas no Brasil.

Dentro da concepção original foram posteriormente executadas outras duas casas de força também subterrâneas denominadas Paulo Afonso II e Paulo Afonso III, passando a original a ser denominada de Paulo Afonso I.

Posteriormente, foi implantada mais uma usina denominada Paulo Afonso IV, cujo reservatório foi formado captando águas do reservatório de Moxotó, através de um canal artificial, transforman-do o centro da cidade de Paulo Afonso em uma ilha, cercada por usinas hidroelétricas. A Usina de Moxotó, construída no início dos anos 70 do século passado, foi implantada a montante da bacia de decantação (reservatório Delmiro Gouveia), que alimenta as usinas de Paulo Afonso I, II e III, e é constituída de barragem, uma casa de força e um descarregador de fundo provido de comportas de segmento, constituindo-se em uma barragem móvel.

Para suprimento de energia ao acampamento e ao canteiro de obra da primeira usina, a CHESF contou com a geração da usina de Angiquinho com 1,1 MW que havia sido instalada por Delmiro Gouveia em 1913 e de outra pequena hidroelétrica denominada Usina Piloto, esta com operação iniciada em outubro de 1949, tendo

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uma unidade geradora de 2,0 MW, com possibilidade de instalação de uma segunda máquina. A Usina Piloto foi projetada e construída pelos engenheiros J. Leal Corrêa e Leopoldo Schimmelpheng e passou a fornecer energia elétrica para a obra e seu acampamento, para a cidade de Glória e, complementando Angiquinho, para a fábrica de linhas que havia sido implantada por Delmiro Gouveia no povoado de Pedra (hoje cidade de Delmiro Gouveia, Alagoas). Em março de 1960, depois de quase 47 anos de operação, a usina de Angiquinho foi desativada pela CHESF, após seus equipamen-tos terem sido danificados por uma forte enchente. O sítio desta usina teve seu tombamento histórico decretado pelo estado de Alagoas e atualmente é ponto de visitação turística na região, sob a administração da Fundação Delmiro Gouveia.

Ao longo de todo o projeto e construção de Paulo Afonso I e con-tinuando durante quatro décadas, permaneceu em operação no Cen-tro de Formação da CHESF em Paulo Afonso, um laboratório de modelos hidráulicos reduzidos, de inestimável valor para as defini-ções de projeto e construção. Atualmente, as instalações do modelo

reduzido das usinas de Paulo Afonso podem ser vistas durante visitas turísticas e escolares agendadas previamente com a CHESF.

Além do capital financeiro inicialmente subscrito para formação da CHESF e reconhecidamente insuficiente, foram efetuados aumentos de capital e conseguidos empréstimos junto ao Eximbank, no BIRD e no Banco Nacional de Desenvolvimento Industrial, para permitir a construção da usina e funcionamento da empresa. Além da previsão insuficiente de recursos por parte do governo federal, ocorreu ainda pronunciada inadimplên-cia de aportes financeiros que haviam sido assumidos por estados e municípios nordestinos por subscrição de ações da CHESF, apesar de serem esses estados e municípios os mais beneficia-dos com a implantação da primeira usina de Paulo Afonso. Esse desinteresse financeiro permaneceu mesmo após a entrada em operação da usina.

No início da construção de Paulo Afonso I as escavações para a im-plantação da casa de força subterrânea foram comandadas pelo enge-

Figura 4 - Usina piloto

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nheiro Domingos Marchetti, especialista em túneis. As ensecadeiras propostas pelo engenheiro Gentil Norberto, foram executadas sob a supervisão dos engenheiros Roberto Montenegro e Reginaldo Sarcinelli. Importante contribuição para a concepção do projeto e para a execução das obras foi dada pelos que trabalharam no modelo reduzido sob a orientação do engenheiro francês André Balança, detentor de profundos conhecimentos de hidráulica adquiridos na sua formação em Grenoble. André Balança se fixaria no Brasil até seu falecimento, tendo contribuído em inúmeros empreendimentos hidrelétricos, princi-palmente através de empresas de consultoria.

A construção de Paulo Afonso exigiu a presença de milhares de trabalhadores e também atraiu outros milhares de pessoas que afluíam ao local da usina à procura de trabalho, estabelecendo-se ao lado do acampamento da CHESF, um crescente conjunto de casebres, em parte cobertos por sacos de cimento vazios surgindo no linguajar popular a Vila Poty e a Vila Zebu, ambas marcas de cimento. A CHESF participou do apoio à melhoria de vida dos moradores das novas vilas, contribuindo com assistência social e a implantação de recursos básicos requeridos, dentro das realidades

da época. A vila Poty é hoje o centro da cidade de Paulo Afonso, uma das mais prósperas do estado da Bahia, e a vila Zebu, povoado do município de Delmiro Gouveia.

Os estudos hidráulicos para o barramento do rio determinaram a aplicação de ensecadeiras celulares de estacas prancha. A impossi-bilidade de execução de batimetria, devido à velocidade de escoa-mento (cerca de 3,5 m/s) e profundidade do rio nas imediações das cachoeiras (10 m a 12 m), além da irregularidade do fundo rocho-so, dificultavam a execução da ensecadeira como fora projetada. O modelo reduzido definiu a solução considerando a montagem de um flutuante chamado localmente de “Navio”, com 18 m de comprimento, 12 m de altura e peso de 350 t, construído na França e montado no local da obra. Esse flutuante foi imerso no rio em posição previamente definida através de controle por cabos de aço fixados nas margens, esquerda e direita. O flutuante afundado des-viou as correntes mais intensas e possibilitou a instalação das estacas prancha sem que essas vergassem, uma vez que foi bastante reduzida a velocidade das águas nestes locais. À medida que as células iam sendo

Figura 5 - Início da obra em 1950 com Marcondes Ferraz e Alves de Souza (primeiro e segundo da esquerda)

Figura 6 - Visita do pres. Dutra ao lado de Alves de Souza. De costas, Marcondes Ferraz

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executadas barrando e estrangulando a seção do rio, a velocidade da água ia aumentando progressivamente, atingindo valores de 8,5 m/s. A solução do “Navio” que protegera a construção das células por montante não mais seria aplicável. Decidiu-se pela implantação de uma estrutura metálica em treliça semi-flexível, posicionada a jusante da linha de centro da ensecadeira celular em construção. Essa treliça passou a reter blocos de pedra de grandes dimensões lançados na cor-rente do rio e retidos por redes apoiadas na treliça. Com a diminuição da velocidade de escoamento, a ensecadeira de estacas prancha pôde então ser concluída. Em depoimento ao autor o engenheiro Rubens Vianna de Andrade que, quando jovem participou da construção de Paulo Afonso I, disse que o esquema de desvio tinha sido realmente muito ousado, e que uma escavação de canal com estrutura de desvio como feito em Itaipú teria sido um esquema mais garantido. O fecha-mento do rio São Francisco, com o término da ensecadeira foi divulgado para toda a nação e meio técnico de engenharia. Essa vitória da engenharia brasileira foi comunicada durante uma sessão do Clube de Engenharia no Rio de Janeiro, a qual foi interrompida para que a notícia fosse conhecida pelos presentes que vibraram com o êxito da solução de engenharia, com calorosos aplausos.

Outra alternativa que havia sido estudada para fechamento desse trecho final do rio era a da construção de um obelisco com uma das

Figura 9 - Construção da ensecadeira celular com apoio do navio defletor

Figura 7 - Montagem do navio defletor

Figura 8 - Montagem da guia das estacas prancha

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Figura 10 - Construção da ensecadeira celular

Figura 11 - Construção da ensecadeira celular

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Figura 12 - Construção da ensecadeira celular – Carga hidráulica de 9 m

Figura 13 - Construção da ensecadeira celular

Figura 14 - Ensecadeira celular concluída e fase inicial do fechamento do rio

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Figura 15 - Início do lançamento da treliça para fechamento do rio

Figura 16 - Treliça posicionada para fechamento do rio

Figura 17 - Fase final do fechamento do rio

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faces reproduzindo da melhor maneira possível, o fundo do rio e colo-cado em pé em uma das margens do rio. Ao ser derrubado espe rava-se que esse obelisco obstruísse quase totalmente o fl uxo de água.

Importante realçar que o consultor do Banco Mundial, Mr. Dunn, da American Engineering Co., desaconselhara os dois métodos para o ensecamento do leito do rio. Essa posição fora transmitida ao ministro Oswaldo Aranha que tivera contato com Mr. Black, pre-sidente do banco, durante a visita a Washington do presidente da CHESF, engenheiro Alves de Souza, para atender a convocação feita pelo banco. Aproveitando o fato de que o banco havia chamado Alves de Souza a Washington sem dar conhecimento da pauta da reunião e sem a convocação do diretor técnico, engenheiro Marcondes Ferraz, o que foi caracterizado como deslize de ética, o esquema de desvio foi mantido. Esse fato gerou a substituição do representante do banco em Paulo Afonso, Mr. Adolph Ackermann que se opusera ao esquema de desvio do rio, por Mr. Bass, de elevada competência e distinto cavalheirismo.

Cinquenta anos após o desvio do rio, o engenheiro Rubens Vianna de Andrade que, quando jovem na profi ssão, participou da epopéia do desvio em Paulo Afonso, com sua vasta experiência posterior-mente em diversos desvios de grandes rios inclusive o desvio do rio Paraná em Itaipú, admitiu ao autor que o esquema que foi em-pregado em Paulo Afonso não teria sido o mais recomendado nem o mais seguro. Pensava em esquema semelhante ao de Itaipú com escavação de canal de desvio com aplicação da rocha escavada na barragem e a construção de estrutura de fechamento nesse canal.

No dia 4 de agosto de 1954, na fase final de construção e com o desvio já equacionado, a Conferência Mundial de Energia que na época ainda incluía a Comissão Internacional de Grandes Barragens, efetuou uma visita técnica a Paulo Afonso. Nessa visita, o diretor da CHESF, advogado Afranio de Carvalho, concluiu o discurso de recepção à delegação com as seguintes palavras, antecipando-se a John Lennon: “As the World Power Conference represents the triumph of cooperation over isolationism, we are pleased to note that, in a way, a common

and generous inspiration is the source of both your and our success. Let us hope that in the passing of time the same ideal penetrates into the mind and heart of all men so that mankind may live in peace, decency and liberty.”

No dia 20 de setembro de 1954 foi iniciado o enchimento do reservatório, com o fechamento das comportas. Quando, a jusante das comportas o leito do rio ficou seco, um dos muitos que estavam assistindo o evento atravessou a pé o leito do rio empu-nhando a bandeira nacional, demonstrando a importância daquele momento histórico. No dia 1° de dezembro era ligado o primeiro circuito que atenderia Recife e poucos dias após era energiza-da a linha de transmissão para Salvador. A inauguração de Paulo Afonso ocorreu no dia 15 de janeiro de 1955 em solenidade comandada pelo Presidente da República, João Café Filho.

Além do francês André Balança que chegou com 29 anos e fi cou para sempre no Brasil, uma legião estrangeira prestou importan-tes serviços para a CHESF nos seus primeiros anos, formada principalmente por imigrantes europeus após a II Grande Guerra Mundial, requisitados na Ilha das Flores, reduto na baía da Guanabara onde os estrangeiros eram recebidos e triados. Dessa legião estrangeira participaram Cyrill Iwanow, Abdank Abzantovsky e Andre Bijnik.

Além de sua vital importância econômica e social para todo o Nordeste, Paulo Afonso passou a ser visitado por vastos contingentes de pessoas para apreciar a grandeza das obras ali implantadas. Considerando essa afl uência de visitantes, o profes-sor Amauri Menezes que assumiu a diretoria técnica durante as ampliações de Paulo Afonso, iniciou uma grande transformação do entorno da usina em vasto ambiente de agradável paisagismo implantando dezenas de pequenos lagos, intensa arborização pública e jardim zoológico, além de preservar as realizações da dire-toria anterior, como o laboratório de modelo reduzido e a fazenda modelo, criada por Apolônio Sales para difusão de conhecimento e transferência de tecnologia para produtores rurais e pecuaristas do sertão do São Francisco.

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A notável beleza da cachoeira com suas diferentes quedas em seu estado natural ainda hoje pode ser vista por ocasião de cheias extravasadas pelos vertedouros. A primeira imagem da cachoeira foi captada em 1647 pelos pincéis de Franz Post, notável pintor vindo na comitiva pessoal de Maurício de Nassau. Dom Pedro II quando esteve na cachoeira em 1859 reproduziu a imagem que vislumbrava a lápis em seu diário de viagens.

A expansão da CHESFA partir de 1953 a CHESF iniciou as negociações para obtenção de recursos junto ao governo federal para o primeiro plano de expansão de Paulo Afonso que incluía a terceira unidade da primeira casa de força e a construção da segunda casa de força denominada Paulo Afonso II que, como as que se seguiriam, seria também subterrânea.

Após doze anos na direção técnica da CHESF e sendo um dos principais artífices do que ficou sendo conhecida como a epopéia de Paulo Afonso, Marcondes Ferraz foi destituído em 1960 por Juscelino Kubitschek como presidente da república. O afastamen-to teve motivação política, por ter Marcondes Ferraz apoiado o presidente da República Carlos Luz, no seu efêmero governo de dois dias e participado da fuga no cruzador Tamandaré após o primeiro dos dois golpes desferidos pelo general Henrique D. T. Lott que depôs dois presidentes.

Quando Jânio Quadros foi eleito em 1960, o ministro João Agripi-no, promoveu alterações na diretoria da CHESF, tendo convidado Marcondes Ferraz para a presidência, convite declinado com o argumento de que não se deveria deslocar um homem do gabarito de Alves de Souza. Ao saberem que haveria mudanças na direto-ria, todos os diretores se demitiram e realçaram a importância da

Figura 18 - O aproveitamento de Paulo Afonso em seu estágio final

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continuidade de gestão que seria garantida pela permanência de Alves de Souza na presidência. Ele foi mantido e os demais diretores foram substituídos por Amauri Menezes, na diretoria técnica, Fausto Alvim na diretoria administrativa e Ivan Macedo Melo na diretoria comercial.

Com o rio São Francisco domado em 1954, as ampliações que se sucederam foram muito mais simples. Novas casas de força subterrâneas foram se sucedendo, Paulo Afonso II concluída em 1968, Paulo Afonso III inaugurada em 1972 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, e concluída em 1974, Paulo Afonso IV cujas obras civis foram concluídas em 1979, e a usina inaugurada em 1980 pelo presidente João Batista Figueiredo, tendo a última das seis unidades geradoras entrado em operação em 1983.

A usina de Paulo Afonso IV, situada a cerca de 1,5 km a jusante das suas precursoras, difere destas por captar, por meio de um ca-nal, água no nível do reservatório da usina de Moxotó implantada a montante da bacia de decantação Paulo Afonso I, II e III. Ao se projetar a barragem de Paulo Afonso IV verificou-se que, devido principalmente às características torrenciais do rio Moxotó, afluente pela margem esquerda do rio São Francisco na região de Paulo Afonso, des-cargas de até 10.000 m³/s em hidrógrafas de cheia de pequenos volumes poderiam se somar ao pico de cheia afluente ao reservatório de Moxotó. Como essa condição excepcional não havia sido considerada no projeto da barragem de Paulo Afonso, o vertedouro de Moxotó foi dimensionado para a mesma descarga de projeto da barragem das usinas de Paulo Afon-so I, II e III (25.000 m³/s). Para garantir o escoamento da cheia máxima possível, o canal de adução entre os reservatórios de Moxotó e

Figura 19 – A usina hidroelétrica de Moxotó

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de Paulo Afonso IV foi ampliado para permitir o fluxo adicional de 10.000 m³/s, garantindo também o simultâneo escoamento de possível cheia gerada na bacia do rio Moxotó, sendo projetado e construído um vertedouro de 10 000 m³/s de capacidade na barragem de Paulo Afonso IV. Na ocasião da concepção do projeto não foi considerada a construção de um obra de barragem para o controle de cheias do rio Moxotó que teria trazido importan-tes benefícios econômicos à construção de Paulo Afonso IV e aos vertedouros de jusante, Xingó já em operação e Pão de Açucar, presen-temente em fase de inventário.

O reservatório da barragem de Moxotó, situado a montante de Pau-lo Afonso I, II e III, foi construído para promover a regularização semanal das vazões e possibilitar através do canal de adução aci-ma descrito, a derivação do fluxo d’água para a tomada d’água e vertedouro da usina de Paulo Afonso IV. As obras civis da usina de Moxotó foram iniciadas em 1971 e concluídas em 1974. A usina é composta por duas barragens de enrocamento com núcleo de argi-la, separadas por uma ilha, uma das barragens contendo a tomada d’água e casa de força e a outra o descarregador de fundo (barragem móvel) controlado por comportas de segmento. As quatro unidades geradoras, de 100 MW cada, entraram em operação em 1977. Posteriormente foi constatada a presença de reação álcali-agregado ocasionando expansão do concreto, o que exigiu a execução de serviços para convivência com esse fenômeno e manutenções peri-ódica nas unidades geradoras, monitorando os efeitos da expansão e garantindo o aumento da vida útil da casa de força. Uma equipe de técnicos da CHESF e consultores (Aurélio Vasconcelos, Alberto Jorge Cavalcanti, Ricardo Barbosa e João Francisco Silveira), dedicaram-se aos estudos e acompanhamento, formando um apreciável acervo sobre a reação álcali-agregado, em empreendimentos de engenharia.

A barragem de Moxotó se situa a cerca de 2 km a montante da barragem do Complexo Paulo Afonso I, II, III. Foi necessária a construção de um núcleo urbano para transferência da população da cidade de Glória-BA, inundada com a formação do reservatório. Em 1983 a usina de Moxotó passou a ser denominada oficialmente de Usina Apolônio Sales em homenagem ao criador da CHESF.

As sucessivas ampliações em Paulo Afonso passaram a demandar descargas afluentes mais regularizadas. As alternativas seriam a construção das hidroelétricas e reservatórios de Itaparica (em cota elevada), mais econômica, ou de Sobradinho ambas no rio São Francisco e a montante de Paulo Afonso e Moxotó. A solução ado-tada pelo setor elétrico, a partir de relatório do Comitê de Estudos Energéticos do Nordeste foi a construção da barragem de Sobra-dinho inicialmente sem casa de força por ser a solução de menor investimento para a regularização do rio. O planejamento energético foi influenciado também pelo baixo custo do petróleo, época do chamado “milagre brasileiro“, quando o barril de petróleo foi co-tado a menos de US$ 2,00, estimulando a construção de usinas termoelétricas junto aos grandes centros de consumo. Essa opção não prosperou em função do aumento de preços pela OPEP e da deflagração da guerra do Yom Kippur. Em maio de 1974 a CHESF recebeu instruções para motorizar Sobradinho, recomendações plenamente atendidas, ocorrendo o enchimento do reservatório de Sobradinho em 1978 e início de geração de energia em 1979.

Em meados de 1971 a Eletrobras havia determinado a estruturação de uma superintendência sob o comando do engenheiro Euná-pio Peltier de Queiroz que havia criado a Centrais Elétricas do Rio de Contas, na Bahia, e implantado com sucesso a hidroelétrica de Funil e que teria como missão implantar o empreendimento de Sobradinho. Essa decisão da Eletrobras, que entre outros motivos buscava tirar do comando da Diretoria Técnica da CHESF uma das duas obras gigantescas e simultâneas (Sobradinho e Paulo Afonso IV), causou constrangimentos na subsidiária. Os dirigentes da Eletrobras, Mário Bhering e Pinto Aguiar foram sensibilizados pelos argumentos de Apolônio Sales, então presidente da CHESF, e criaram, com apoio de Léo Amaral Penna, uma solução de compromisso: a concessão da hidroelétrica de Sobradinho seria da CHESF. Além disso, o trabalho conjunto de Apolônio Sales e Eunápio Queiroz, que haviam sido companheiros no Congresso Nacional, neutralizou as componentes negativas desta divisão. Eunápio Queiroz e Ernani Gusmão, além de João Paulo Maranhão de Aguiar, Norman Costa, Japhet Diniz, Gláu-cio Furtado, Hilton Silveira, Paulo Pacheco e Margarida Maria Dantas de Oliveira, conduziram a implantação da hidroelétrica de Sobradinho.

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Uma barragem de terra zoneada flanqueia as estruturas de con-creto gravidade da tomada d’água e dos vertedouros de fundo e superfície, num arranjo característico de hidroelétrica brasileira em vale aberto. No local da barragem de Sobradinho e em toda a área do seu reservatório o rio São Francisco apresentava margens abatidas em vale muito aberto, o que, mesmo limitando a altura da barragem e definindo a usina como de baixa queda, gerou um reservatório de grandes dimensões com volume acumulado de 34,1 bilhões de metros cúbicos e extensa área alagada de 4.214 km2 possibilitando, com uma depleção de até 12 metros, um significativo aumento de descargas garantidas para as usinas a jusante. A casa de força de Sobradinho teve a entrada de sua primeira máquina em operação em novembro de 1979 e a última unidade geradora

em março de 1982, atingindo seus 1050 MW de capacidade instalada. Apesar de se situar a cerca de 50 km a montante de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), portos terminais do trecho navegá-vel entre Pirapora - Minas Gerais e o sub médio rio São Francisco, o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, sucedido pela Portobrás, exigiu e assumiu os custos de implantação de uma grande eclusa de navegação, concluída em 1980.

O reservatório de Sobradinho, tão importante para a segurança do suprimento de energia ao Nordeste, que na época era um sistema isolado do resto do País, gerou impactos sócio-ambientais de porte. Foi necessário a relocação das cidades de Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado e de outros pequenos povoa-

Figura 20 - A usina hidroelétrica Sobradinho

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dos situados às margens do rio São Francisco, com a transferência das suas populações. Ao todo foram 11.400 famílias (cerca de 70.000 pessoas) reassentadas para formação do reservatório.

O usina de Sobradinho permitiu a interligação das regiões Nordeste e Norte através de linha de transmissão entre Sobradinho e Tucuruí. Como Tucuruí ainda estava em construção quando Sobradinho iniciou sua operação, durante cerca de quatro anos, antecedendo à inauguração de Tucuruí, o canteiro e acampamento dessa hidroelétrica, a cidade de Belém do Pará e cidades vizinhas foram abastecidas com energia elétrica gerada em Sobradinho, proporcionando significativa economia de petróleo.

A construção da barragem de Sobradinho trouxe importante contribuição para a engenharia nacional de barragens ao ter seu núcleo impermeável executado com argila dispersiva, única disponível na área em quantidades compatíveis com os volu-

mes requeridos. Técnicos brasileiros da CHESF e da Projetista (Esmeraldino Pereira, Antonio Martins, Hilton Silveira, Hi-romito Nakao, Hamilton Oliveira, Guy Bordeaux e Pedro Tanajura) com a consultoria e acompanhamento de um dos mestres mundiais da engenharia de solos – James L. Sherard, no escritório e no campo, desenvolveram estudos, avaliações e tarefas de controle de laboratório e construção dos maciços, que garantiram todos os requisitos de qualidade e segurança na utilização de argila dispersiva.

Além do papel importante na redução de piques de cheia e interliga-ção Norte – Nordeste, em Sobradinho foi construída a tomada d’água que abastece o mais bem sucedido projeto público de irrigação no Brasil – o Projeto Nilo Coelho, com área irrigável de 25.000 hectares.

Com Sobradinho ainda em fase de construção a CHESF iniciou em 1975 no rio São Francisco e a cerca de 40 km a montante de

Figura 21 - A usina hidroelétrica de Itaparica

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Paulo Afonso as obras para implantação da hidroelétrica de Itaparica, sob comando de Eunápio Queiroz. Tendo em vista a extensa área de reservatório de 834 km², houve a necessidade do assentamento da população ribeirinha que teve que ser desaloja-da. Foram construídas as novas cidades de Petrolândia, Itacuruba, Rodelas e o povoado de Barra do Tarrachil, abrigando cerca de 36.000 pessoas. O Empreendimento Itaparica foi realizado num período de intensas dificuldades financeiras do setor elétrico estatal, motivo pelo qual as obras se prolongaram muito além do que fora previsto no planejamento de construção.

O vale aberto do rio foi barrado por um extenso maciço de enrocamento com núcleo de saprolito compactado ladeando as estruturas de concreto gravidade da tomada d’água e do vertedou-ro. Somente em 1988 foi fechado o reservatório e entraram em operação as primeiras unidades. Nesse ano a usina foi inaugurada pelo presidente José Sarney e atingiu plena capacidade em 1990 com seis unidades geradoras de 246,6 MW cada, já com a denomi-nação de Usina Hidroelétrica Luiz Gonzaga, homenagem ao grande compositor e cantor nordestino.

A jusante de Paulo Afonso o rio São Francisco escavou profun-do e estreito cânion de paredes rochosas de elevadas qualidades geomecânicas, que atingem até 200m de altura. No após guerra, em 1951, o engenheiro Gerdes, da Kaiser, vislumbrou a construção de uma hidroelétrica nesse cânion. A indústria americana Reynolds Metals propôs a construção dessa hidroelétrica numa das partes mais estreitas do cânion com uma barragem em arco. Essa usina teria como finalidade a geração de grandes blocos de energia para uma unidade fabril de produção de alumínio a ser implantada na região. A concessão teria sido para autoprodutor por 30 anos e reverteria à União no entorno de 1985. Houve forte resistência política dos que consideravam que essa concessão não atendia aos interesses do Brasil e do Nordeste, capitaneada pelo político baiano, Clemente Mariano e pelo industrial e político paulista José Ermírio de Moraes com os argumentos de que haveria prejuízo da incipiente indústria nacional e que absorveria grande consumo de energia com pequena utilização de mão de obra. Com tanta oposição, a usina e a indústria

não foram adiante. Somente em 1975 foram contratados pela CHESF, sob a supervisão de Felício Limeira de França e a coordenação do engenheiro José Geraldo Araújo, os estudos preliminares para seleção de local e de alternativas de projeto. Os trabalhos foram apoiados por uma junta de consultores com-posta por James Libby, James Sherard, Manuel Rocha, Armando Lencastre e Don Deere que, com a empresa consultora, recomendou, por mais econômica, a construção de uma barragem em abóbada com casas de forças subterrâneas nas duas margens. Dada a carência de experiência nacional em barragens em abóbada e como o esque-ma com barragem de enrocamento no final do cânion era viável, foi decidida a implantação dessa segunda alternativa de projeto que se situa imediatamente a montante das sedes municipais de Piranhas – Alagoas e Canindé do São Francisco – Sergipe, a Usina de Xingó, constituída por uma barragem com 145 m de altura, de enrocamento com face de concreto e com desvio por túneis escavados na margem direita onde também foi localizada a casa de força, abrigando seis unidades de 527 MW cada que entraram em operação entre 1994 e 1997. O nível d’água do reservatório da hidroelétrica de Xingó foi definido pelo valor aceitável de afogamento do canal de fuga de Paulo Afonso IV com conseqüente redução de geração nessa usina.

Ao lado da tomada d’água para geração de energia elétrica foram implantadas duas tomadas para os projetos de irrigação Califórnia e Jacaré Curituba, ambos no estado de Sergipe e viabilizados pela elevação de mais de 120 metros no nível d’água no cânion.

Além das hidroelétricas acima mencionadas e implantadas pela CHESF, outras foram incorporadas à CHESF ao longo dos anos. Essas usinas, a menos de Angiquinho já mencionada, que teve sua operação iniciada em 1913 e desativada em 1960 devido a uma inundação, e da antiga pequena usina existente em Itaparica, que abastecia um núcleo agrícola e operou de 1945 até a década de 1970 e foi alagada pelo reservatório da nova hidroelétrica em 1988, todas as demais usinas incorporadas pela CHESF se situam em outros rios do Nordeste. Essas hidroelétricas foram: Bananeiras (inundada pela usina hidroelétrica Pedra de Cavalo, do Grupo Vo-torantim) no rio Paraguaçu na Bahia, Boa Esperança no rio Parna-

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íba na divisa dos estados do Maranhão e Piauí, as Funil e Pedra no rio de Contas no sul da Bahia, Curemas a partir dos açudes públicos Estevam Marinho e Mãe-d’água do DNOCS nos rios Piancó e Aguiar na Paraíba e Araras no açude público Paulo Sarasate do DNOCS no rio Acaraú no Ceará.

A hidroelétrica de Bananeiras, situada no rio Paraguaçu, a montante da cidade de Cachoeira, havia entrado em operação em 1920 e teve 9 MW instalados para suprir o Recôncavo Baiano. Essa usina foi transferida da COELBA para a CHESF em 1967 e desativada em 1981 por interferência com a hidroelétrica de Pedra do Cavalo, de maior potência, que foi implantada no local.

A usina hidroelétrica de Boa Esperança, situada no rio Parnaíba entre os estados do Maranhão e do Piauí, teve origem na iniciativa do DNOCS de criar uma comissão para inventariar as possibilidades de implantação de hidroelétricas no rio Parnaíba. Dessa iniciativa nasceu a Companhia Hidro Elétrica de Boa Esperança COHEBE, a partir de Grupo de Trabalho formado pelo DNOCS e pela SUDENE, com a participação dos estados do Piauí e Maranhão e do Ministério de Minas e Energia, representado pela Eletrobras. Em julho de 1963 a COHEBE foi formalmente constituída e sua primeira diretoria foi composta por César Cals de Oliveira Filho, Walter Barros da Silva, Hilton Ahiran da Silveira e Ebenezer Gueiros. A usina de Boa Esperança teve suas obras iniciadas em 1964, e sua

Figura 22 - A usina hidroelétrica de Xingó

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primeira etapa com duas unidades de 54 MW de potência unitária foi concluída em 1970 proporcionando energia abundante e confiável aos estados do Maranhão e Piauí . Em 1972 Alde de Castro Salgado, então vice presidente executivo da CHESF, assumiu a presidência da COHEBE avançando no processo de absorção dela pela CHESF, previsto no planejamento do setor elétrico e reforçado pela interli-gação elétrica CHESF – COHEBE, atingida com a energização de LT 230 kV Teresina – Sobral – Fortaleza. Para não onerar os consu-midores, o passivo da COHEBE foi coberto com recursos da reserva legal para desapropriação de empresas de energia elétrica, e com a passa-gem para o Patrimônio da União do imobilizado não ligado diretamente à geração. Ela encontrou apoio na Eletrobras através dos seus direto-res Mario Bhering, Pinto Aguiar e Antônio Carlos Bastos. Em 1973 a COHEBE foi então absorvida pela CHESF. Anteriormente, após a morte do ex-presidente Castelo Branco, a casa de força passara a ser denominada Presidente Castelo Branco, mantendo-se para o empreendimento a denominação Usina de Boa Esperança. Esse procedimento foi replicado quando da morte do deputado federal Milton Brandão, grande defensor desta usina, que foi homenageado com a denominação Barragem Milton Brandão. Somente em 1991 as duas últimas unidades geradoras de 63,65 MW cada, entraram em operação, complementando a necessidade de expansão da geração para a região, atendida pelas hidroelétricas do rio São Francisco através de linha de transmissão 500 kV Sobradinho – Boa Esperança.

De modo semelhante ao que aconteceu com Paulo Afonso na década de 1940, a construção de Boa Esperança sofreu grande oposição dos que consideravam que a demanda dos estados do Nordeste Ocidental (Maranhão e Piauí) não justificava a implantação de um empreendimento desse vulto, o que explica a grande defasagem entre as instalações das unidades geradoras. Em oposição a esses, haviam os que a legavam que a us ina ser i a um inves t imento p ione i ro fomentador de progresso para a região.

A usina hidroelétrica de Funil no rio de Contas, no sul da Bahia, foi implantada inicialmente com 20 MW em 1962 e posteriormente ampliada para 30 MW em 1970, composta por três unidades

geradoras de 10 MW cada, sendo transferida da COELBA para a CHESF em 1980. A barragem é uma estrutura de concreto gravidade incluindo a tomada d‘água e o vertedouro em vale relativamente fechado.

A usina de Pedra também no rio de Contas, a montante da usina de Funil , possui apenas uma unidade geradora de 20 MW cuja entrada em operação aconteceu em novembro de 1978, sendo suas obras civis iniciadas em setembro de 1976. A barragem tem múltipla finalidade e além de geração de energia, permite a regularização do rio para controle de enchentes, abastecimento d’água e ir r igação agrícola. A barragem é do tipo contrafortes de concreto com 24 blocos dos quais os sete blocos centrais são vertentes, dotados de comportas de segmento.

A usina de Curemas com duas unidades geradoras totalizando 3,5 MW encontra-se situada a jusante da barragem dos açudes públicos Estevão Marinho e Mãe-d’Água, nos rios Piancó e Aguiar, no estado da Paraíba. Teve suas obras iniciadas pelo DNOCS em 1939. Em 1957 a hidroelétrica entrou em operação tendo sido incorporada pela CHESF em 1969.

A hidroelétrica de Araras, com duas unidades geradoras totalizando 4 MW, encontra-se situada a jusante da barragem do açude público Paulo Sarasate, no rio Acaraú, no Ceará. As obras foram iniciadas pelo DNOCS em 1956. A usina só entrou em operação em 1967 e em 1969 foi incorporada à CHESF.

Novos tempos – século XXIA partir de 2006, dentro do novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro, a CHESF voltou a investir e participar de grandes em-preendimentos de geração de energia elétrica, sendo acionista minoritária nas usinas hidroelétricas de Dardanelos, Jirau e Belo Monte, todas na modalidade de consórcio privado, formando socie-dades de propósito específico (SPE).

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Na usina hidroelétrica Dardanelos a CHESF participa em socie-dade com a Neoenergia e a Eletronorte. A usina está localizada na margem esquerda do rio Aripuanã, no noroeste do Mato Grosso, na Região Amazônica, tendo uma capacidade instalada de 261 MW, sendo composta de 5 unidades geradoras, quatro delas de 58 MW cada e uma de menor porte de 29 MW.

Na usina hidroelétrica Jirau a CHESF participa em sociedade com a GDF Suez, a Eletrosul e a Camargo Corrêa. A usina está sendo construída no local denominado ilha do Padre, no rio Madeira, a 120 km de Porto Velho, em Rondônia, na região amazônica. Sua capacidade instalada é de 3.450 MW com 46 unidades Bulbo de 75 MW cada, dispostas em duas casas de força, uma na margem esquerda e outra na margem direita. Seu vertedouro possui 44 vãos e permite uma descarga de vazão de projeto de 85.800 m3/s.

Finalmente, no Complexo Hidrelétrico de Belo Monte a CHESF se associou a outras 18 empresas. A usina será construída no rio Xingu, no Pará, na região amazônica, possuindo três sítios, um deles denominado Pimental onde ocorrerá o barramento do rio Xingu, composto de casa de força complementar e vertedouro, outro composto do canal de adução e interligação e o último com-posto do reservatório intermediário e sítio Belo Monte com a usina principal. A potência instalada total de Belo Monte é de 11.233 MW, com dezoito unidades geradoras de potência unitária 611,1 MW, com turbinas Francis na casa de força principal denominada Belo Monte e 6 unidades geradoras de potência unitária 38,85 MW, com unidades Bulbo na casa de força complementar.

Figura 23 - Vista aérea da hidroelétrica de Xingó

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Furnas no século XX

Flavio Miguez de Mello

Desde os primórdios da produção de energia elétrica no País até pouco depois da II Grande Guerra Mundial, a energia elétrica era praticamente só gerada por empresas privadas, a maioria delas nacio-nais, mas as duas maiores eram de capital canadense (Light) e ame-ricano (AMFORP American Foreign Power). Havia também inúmeros pequenos autoprodutores rurais. Esse cenário começou a se tornar crítico a partir do Código de Águas que, tendo sido adotado em 1934, criou desequilíbrio econômico nos contratos de concessão de fornecimento de energia elétrica, tirando o incentivo da iniciativa privada em promover acréscimos de investimento de geração, trans-missão e distribuição de energia elétrica. Nessa época o País começou a deixar de ser apenas essencialmente rural para iniciar a industria-lização que, por sua vez, gerou crescente aceleração urbana que passou a pressionar por demanda de energia elétrica. Com as restri-ções tarifárias, as companhias de energia elétrica passaram a enfren-tar problemas no atendimento da crescente demanda, fazendo com que, já nos anos 40, alguns estados como São Paulo e Minas Gerais principalmente, começassem a criar empresas estatais de energia elé-trica. A situação da Light, por exemplo, a maior concessionária do País na época, evidenciava esse cenário. Apesar de procurar aumen-tar sua oferta de energia elétrica, essa oferta era inferior à demanda que crescia acima da capacidade de investimento da concessionária.

Furnas no século XX

“No Brasil nunca se fez nada demasiadamente grande.”Leopoldo Miguez

Reservatório de Serra da Mesa, o maior do País com capacidade de 54,4 x 109 m3

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Desse modo, estimuladas pela própria Light e com perspectivas de racionamentos, as indústrias passaram largamente a instalar gru-pos geradores Diesel. Só em São Paulo, em 1954, havia cerca de 100 MW instalados pela indústria em grupos Diesel que represen- tavam quase 20% da capacidade instalada da São Paulo Light.

As sinalizações de déficit passaram a ser evidentes, sendo agravadas pela inexistência de interligação dos sistemas das concessionárias. Mesmo na Light, os sistemas do Rio de Janeiro e de São Paulo eram em frequências diferentes. Havia apenas uma pequena conversora de muito baixa capacidade entre os dois sistemas.

Nos anos cinquenta, o governo federal que havia criado a CHESF para explorar o potencial do rio São Francisco em Paulo Afonso, foi seguido pelas fundações da CEMIG (1951), COPEL (1953), USELPA (1953), EFE (1954), CHERP (1955) e Escelsa (1956).

No início do governo Kubitschek, em 1956, ficou claro que a diferença entre a capacidade em construção e a demanda projeta-

da exigia o início, em muito curto prazo, de obra que acrescentas- se cerca de 1000 MW na Região Sudeste. A solução estava no local recém descoberto pela CEMIG, em reconhecimento do potencial do rio Grande entre a hidroelétrica de Itutinga e o re- manso do reservatório de Peixoto. O local foi identificado por Francisco Noronha e Anton Rydland em viagem exploratória sugerida por John Cotrim, então diretor técnico da CEMIG. No local havia as corredeiras de Furnas que se situavam em vale apertado de encostas íngremes, em cujas margens o engenheiro José Mendes Júnior costumava pescar, nas proximidades de sua fazenda. Os dois engenheiros pernoitaram na fazenda e rece-beram de Mendes Júnior indicações sobre o local das corredeiras. Este se mostrou excepcional para uma grande usina com grande reservatório de regularização.

Os estudos iniciais mostraram que a capacidade instalada seria quase um terço da capacidade instalada nacional. O vulto das obras que seriam necessárias para erguer uma das maiores hidroelétricas do mundo na época era muito superior à capacidade das empresas

Figura 1 - Francisco Noronha e Anton

Rydland no local de Furnas

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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estaduais na época. O mercado a atender era primeiramente São Paulo que se encontrava em situação mais crítica e depois os demais estados da Região Sudeste. Esses aspectos fizeram com que ficasse claro que a empresa a ser constituída deveria ser federal.

Lucas Lopes, então presidente do BNDE, e John Cotrim, de dire-tor técnico da CEMIG para presidente de Furnas, selecionaram os principais membros da nova empresa, sem influências políticas e procurando não sacrificar a CEMIG, em cumprimento à promessa feita ao professor Cândido Holanda, sucessor de Lucas Lopes na presidência da CEMIG. Apesar de ser diretor da CEMIG, Flavio Lyra que residia no Rio de Janeiro, foi selecionado como diretor técnico. Para cuidar da administração, das finanças e dos supri-mentos, foi convidado o engenheiro Benedito Dutra. O famoso tripé de Furnas estava formado, sendo pessoas perfeitamente in-tercambiáveis dadas a formação e a experiência dos três. Os três constituiriam a diretoria executiva de Furnas.

A primeira oposição a Furnas veio do governo de Minas Gerais, à época exercido por Bias Fortes. Ele queria garantir que Três Marias fosse feita antes de Furnas para ter certeza de que seria con-cluída. Além disso, ele era contra grandes áreas alagadas em Minas para gerar energia para outros estados: costumava dizer que que-riam “fazer de Minas a caixa d’água do Brasil”. Ele temia que o governo federal não tivesse recursos para as duas obras simultaneamente e criou toda sorte de obstáculos para atrasar o início de Furnas até que Três Marias estivesse em construção e em estágio irreversível. Lucas Lopes articulou um esquema de participação da Comissão do Vale do São Francisco em Três Marias, o que foi um presen-te do governo federal para a CEMIG. A Comissão pagaria pelo reservatório e pela barragem, enquanto que a CEMIG apenas aportaria recursos para a construção da casa de força situada ao pé da barragem. Isso tinha justificativa uma vez que Três Marias era um empreendimento de finalidades múltiplas.

Mas a oposição do governador Bias Fortes continuava. Seu der-radeiro lance foi exigir que a sede de Furnas fosse localizada em Minas Gerais. No impasse, já que Belo Horizonte na época não

dispunha da infra-estrutura adequada, veio a idéia de finalmente concordar com o governador que então parou de se opor e a em-presa pode ser finalmente constituída. Enquanto ele pensava que tinha trazido a empresa para Belo Horizonte, a sede foi para Passos, pequena cidade nas proximidades do local da usina, e o escritório central ficou instalado no Rio de Janeiro. As atas das assembléias eram referidas a Passos apenas nominalmente. Essa situação só foi normalizada cerca de vinte anos depois com a transferência oficial da sede para o Rio de Janeiro.

As negociações políticas com São Paulo foram mais fáceis, mas também tiveram seu preço. Quando tudo estava pronto para a fundação da empresa, o governador Jânio Quadros disse que só autorizaria a participação de São Paulo na empresa se Lucas Lo-pes fosse falar com ele pessoalmente. Lopes e Cotrim foram a São Paulo e, depois de serem mostrados os benefícios para o estado que seriam trazidos por Furnas, Jânio disse que só entraria no projeto se houvesse garantias que o governo federal investisse também nos projetos do estado que eram os aproveitamentos hidroelétricos de Urubupungá e Caraguatatuba. Lucas Lopes teve que concordar. O aproveitamento de Urubupungá foi feito, tendo resultando nas usinas de Jupiá e Ilha Solteira. O aproveitamento de Caraguatatuba não saiu do papel por ser derivação de descargas

Figura 2 – John Cotrim , Bias Fortes, Candido Holanda e Flavio H. Lyra

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da bacia do rio Paraíba do Sul para o oceano, com graves impactos para as regiões a jusante no Vale do Paraíba.

Resolvidas as participações estaduais, foram negociadas as par-ticipações da Light e da AMFORP que, para qualquer aumen-to de capital, necessitariam de alteração no gargalo tributário a que eram sujeitas. Essas alterações foram impedidas pelos parlamentares que se designavam como nacionalistas e a par-ticipação dessas duas empresas foi sendo diluída pela renúncia de investimentos adicionais.

Uma reunião em Alfenas com a comunidade local foi a antevisão das atuais audiências públicas. Por Furnas participaram os enge-nheiros Cotrim, Lyra, L. C. Barreto de Carvalho e Julival de Moraes que encontraram um clima de hostilidade inédito até aquela época. Participaram da reunião que se estendeu até a madrugada muitos proprietários de terras da região e advogados que os incitavam com o objetivo de angariar clientes em ações contra a empresa que estava sendo constituída, bem como políticos que tinham suas bases na área, além do engenheiro Souza Dias, diretor da CELUSA, empresa de energia do estado de São Paulo, que defendia que era melhor para São Paulo que investimentos fossem feitos em obras

estaduais e não em obras federais; pelas suas mãos, o advogado Noé Azevedo se tornou patrono de muitos proprietários e muni-cípios em uma ação cominatória que visava impedir a construção da barragem de Furnas.

Menção é devida a outras pessoas que tiveram destaque na forma-ção da empresa, tais como João da Silva Monteiro, diretor da Light, Maurício Bicalho, diretor da CEMIG, Mário Lopes Leão, chefe do planejamento elétrico do governo de São Paulo, José Luiz Bulhões Pedreira, Sérgio Otaviano de Almeida, Emerson Nunes Coelho, Carlos Mário Faveret, José Pilz Filho, Ernani da Motta Rezende, Delphim Mazon Fernandes e Jarbas Di Piero Novaes.

Em reunião com o presidente JK realizada no palácio Rio Negro, em Petrópolis, foi apresentada por Lucas Lopes a estrutura orga-nizacional da empresa. A diretoria executiva seria composta por John Cotrim na presidência, Flavio H. Lyra na diretoria técnica e Benedito Dutra na diretoria de administração e finanças. Além desses diretores executivos, haveria diretores representando os ou-tros principais investidores: a Light, e os estados de Minas Gerais e São Paulo. Juscelino então perguntou: “E eu? Não sobrou nada para mim aí nessa diretoria?” Lucas Lopes esclareceu: “Não temos

Figura 3 – JK e Lucas Lopes reunidos com os indicados para diretoria de Furnas por ocasião da constituição da companhia. Da esquerda João Monteiro, Lucas Lopes, Juscelino Kubitschek, John Cotrim, Flavio Lyra e Benedito Dutra

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Figura 4 - Flavio H. Lyra, José Pilz Filho, piloto e convidado

Figura 5 - Assis Chateaubriand e Flavio H. Lyra em solenidade no canteiro de obra de

Furnas

Figura 6 - Delphim Mazon Fernandes e senhora

em 1966

C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S

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como mexer na diretoria, mas você tem as vagas do conselho de admi-nistração e do conselho fiscal.” Disse então o presidente Jusceli-no: “Ah bom, então Lucas, quero você na presidência do Conselho de administração.” E indicou alguns nomes para compor os dois conselhos respeitando os que, representando os investidores, já constavam das duas relações.

Furnas conseguiu do BIRD, em outubro de 1958, um empréstimo de US$ 73 milhões, quantia impressionante para a época, o maior empréstimo feito pelo BIRD para um só empreendimento até então. Os recursos em moeda nacional vieram do BNDE e do Fundo Federal de Eletrificação. Na maior parte do tempo os residentes de Furnas na obra foram Rodrigo Mário Penna de Andrade e Franklin Fernandes Filho. A construção seguiu um projeto muito bem concebido que resultou em uma alta barragem de enrocamento com núcleo de terra no leito do rio, concentrando na margem esquerda as estruturas do vertedouro e da tomada d’água. O canal de adução a essas estruturas foi escavado em cota elevada, propiciando enrocamento para a barragem. Entretanto, para se can-didatar ao empréstimo do BIRD, foi enviado às pressas, no início dos estudos, um dos arranjos que estavam sendo considerados: barragem de concreto gravidade, mais convencional na época, e vertedouro com seis comportas de segmento com capacidade total de 13.000 m³/s. Com o aprofundamento dos estudos hidrológicos verificou-se que não seria possível a ocorrência de uma descarga superior a 10.500 m³/s no local da barragem. O diretor técnico propôs ao BIRD a eliminação de um vão do vertedouro, mas o enge-nheiro responsável por esse empreendimento no BIRD, traumatizado por já ter perdido uma barragem por ruptura causada por transbor-damento, não aceitou que a redução fosse efetuada. Com isso, além dos gastos com a escavação, o concreto e a comporta do vertedouro e do acréscimo de calha desnecessários, houve inflação de capacidade de descarga nos vertedouros a jusante.

Um marco importante para a engenharia hidráulica brasileira foi a seleção do laboratório que deveria desenvolver os ensaios em modelo hidráulico reduzido. A indicação dos projetistas era de um laboratório nos Estados Unidos, uma vez que não havia experiên-cia nesse setor da engenharia no Brasil para encarar os ensaios de uma obra dessa magnitude. Flavio Lyra, conhecedor da capaci-dade do professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto e de seus ex-alunos, assumiu a responsabilidade da execução dos ensaios no Brasil pelo Laboratório Saturnino de Brito. Como o laboratório era instalado no subsolo de um prédio situado na rua Araujo Porto Alegre, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, houve a necessidade de se construir os modelos em área do laboratório do Departamen-to Nacional de Portos e Vias Navegáveis, situado no Caju. Esse foi o primeiro grande passo para a formação de várias gerações de excelentes engenheiros hidráulicos no País.

Além da barragem principal e do conjunto tomada d’água e verte-douro, o reservatório é fechado com a barragem de terra de Pium-I que impede que as águas afluam para a área de drenagem do rio São Francisco. Inicialmente essa barragem seria construída nas cercanias da pequena cidade de Capitólio. O projeto teve que ser mudado devido à pressão da população da cidade, revoltada com a

Figura 7 - Visita do presidente Juscelino Kubitscheck à hidroelétrica de Furnas

no início de sua obra

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possibilidade de ser impactada pela obra. Entretanto, com o pas-sar do tempo, a população verificou as muitas melhorias que Fur-nas havia introduzido em outras cidades na área do reservatório e pressionou em sentido contrário para que a barragem retornasse ao local originalmente selecionado para que houvesse em Capitó-lio os benefícios propiciados às outras cidades. Tarde demais, não mais havia tempo para alterações. A cidade de Capitólio ficou às margens do reservatório, sujeita à imagem desagradável das áreas que afloravam quando o reservatório era deplecionado. Cerca de vinte anos após o reservatório ter sido formado, assumiu a vice-presidência da República e o Ministério de Minas e Energia o político

mineiro e engenheiro Aureliano Chaves que pressionou Furnas para construir a pequena barragem de Boa Esperança com a fina- lidade de manter o nível d’água constante em frente à cidade de Capitólio, um de seus redutos políticos. Durante a construção hou-ve uma ruptura da fundação em argila muito compressível, sendo o vertedouro, na reconstrução da barragem, sido deslocado para um local onde ocorria rocha competente.

Figura 8 - Vista aérea de Furnas nos primeiros anos de operação. A montante do canal de acesso à tomada d’água e ao vertedouro,

o morro dos Cabritos em fase inicial de erosão.

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A respeito da barragem de Pium-I um episódio interessante ocorreu muitos anos depois de sua construção. O governo Fer-nando Henrique Cardoso se propunha privatizar o setor elétrico estatal federal, inclusive a usina de Furnas. O ex-presidente Itamar Franco, na época governador de Minas Gerais, apesar de ter iniciado o programa de grandes privatizações quando era presiden-te, com a bem sucedida privatização da CSN, se colocou frontal-mente contrário à privatização do setor elétrico, principalmente de Furnas, concessionária de várias hidroelétricas em Minas Gerais, a começar por Furnas. No seu esforço político contra a privatização, mobilizou uma força policial para a região de Pium-I com equi-pamentos de terraplanagem e ameaçou abrir a barragem fazendo com que as águas do rio Grande represadas pela barragem de Furnas fossem afluir para a bacia do rio São Francisco. Ao adotar essa inédita postura afirmava que por ser engenheiro, saberia efe-tuar essa sabotagem com eficiência. A derivação do rio Grande, se realmente executada, prejudicaria enormemente todas as usinas a jusante de Furnas, três das quais concessões da CEMIG. A pressão política foi grande e a privatização de geradoras do setor elétrico nessa fase se limitou à Eletrosul.

Voltando aos anos sessenta. Como havia oposição ao empreendi-mento mesmo depois dele já consolidado, o fechamento do reserva-tório foi sigilosamente programado para o dia 9 de janeiro de 1961. No dia anterior membros da diretoria se deslocaram para a obra. O avião de Furnas não pôde decolar do aeroporto Santos Dumont. Foi acionado um avião da Líder que costumava fazer o trajeto entre Rio e Furnas. O piloto que naturalmente acompanhava as atividades de construção, vendo os VIPs congregados no avião, comentou que deveria ser para o fechamento do reservatório. Esse ingênuo comentário fez com que Cotrim entrasse em de-sespero dizendo que a operação já era do conhecimento geral. O piloto afirmou que ele não sabia de nada e que apenas supôs que o fechamento do reservatório iria ocorrer vendo quem eram os passageiros no avião. Na guarita da obra foi montado um esque-ma do tipo operação padrão para impedir ou retardar ao máximo a entrada de qualquer pessoa estranha. O esquema funcionou muito bem, pois até o carro que conduzia o Cotrim foi barrado, só tendo

sido liberado quando Flavio Lyra, que vinha atrás em outro carro, disse para o guarda abrir a cancela. Quando foi impedido de en-trar, John Cotrim disse para o guarda: “Eu sou o Cotrim”. O guarda, que não conhecia o presidente da empresa e seguindo instru-ções disse: “Nem Cotrim nem Delphim, aqui não pode entrar ninguém.” Perto das 24 horas, Flavio Lyra com um megafone começou a comandar o fechamento dos dois túneis de desvio. A operação ocorreu com sucesso. Ainda não havia amanhecido quando chegou na portaria um oficial de justiça com um mandato para impedir o fechamento do reservatório. Depois de perder muito tempo na operação padrão da portaria, o oficial de justiça entregou o man-dato. Flavio Lyra disse a ele que ele havia chegado tarde pois não havia mais qualquer possibilidade física de retirar as comportas que já estavam com bem mais de 20 m de água sobre elas. O oficial de justiça se retirou, John Cotrim também saiu no meio da manhã. Flavio Lyra ficou na obra para acompanhar o desempenho do fe-chamento. No meio do dia chegou na obra o então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que, ou comprometido com o mandato de segurança acima mencionado ou querendo ter colhi-do dividendos políticos na operação de fechamento, passou uma descompostura no diretor presente, Flavio Lyra, que aguentou firme tal estupidez. Tempos depois, por ocasião da inaugura-ção da usina, já sem problemas de oposição ao empreendimento, o governador Magalhães Pinto foi convidado junto a outros governa-dores, ministros e demais autoridades.

Poucos dias depois começou o pesadelo na execução dos plugues dos dois túneis de desvio. Em cada um dos dois túneis, quando os plugues estavam quase concretados, ocorreram explosões que acar-retaram acréscimos substanciais e crescentes de vazão que indicavam que alguma coisa havia colapsado no túnel, na parte a montante dos plugues. Após extensos trabalhos, os vazamentos foram con-trolados pela colocação de tetrápodos, enrocamento grosso, enroca-mento fino, areia e argila, nessa ordem, a montante das comportas de desvio. Essa longa operação para solucionar o mais importante acidente que até então havia ocorrido em obras no País fez com que o engenheiro Flavio Lyra, ao final desse período tivesse fi-cado grisalho. Na conclusão dos serviços, o engenheiro Franklin

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Fernandes Filho, ao adentrar num túnel com outras pessoas, viu uma delas cair. Foi então descoberta a causa das explosões: mistura de oxigênio com gás metano acumulado nos túneis, proveniente da decomposição de matéria orgânica da área do reservatório.

Com a elevação do nível d’água na área do reservatório, houve efetiva colaboração das Forças Armadas na retirada de algumas pes-soas que, embora avisadas, permaneciam na área que estava sendo alagada. Centros urbanos como a cidade de Guapé e a vila de São José da Barra haviam sido reconstruídas com melhores habita-ções e equipamentos urbanos às margens do reservatório. Entretanto, naquela vila, por exemplo, havia um habitante que teimava em permanecer na casa que já havia sido comprada e paga por Furnas. Dizia ele que “nem a cheia de 1930 trouxe água até aqui e não será essa tal de Furnas que fica a léguas de distância, que vai trazer água até a minha roça. Se a água vier até aqui eu bebo ela todinha.” Teve que ser tirado à força.

Cenas como essas não eram incomuns na época. A Companhia Paulista de Força e Luz, do grupo AMFORP, para a visualização dos residentes antes do fechamento do reservatório de Peixoto, hidroelétrica anterior e a jusante de Furnas, fincou estacas brancas de madeira em diversos pontos onde a linha d’água iria atingir quando da formação do reservatório. Na última hora foi reporta-do que ainda havia um teimoso na área do reservatório. Aos que lá foram ter com ele, foi dito: “Seu Doutor, o senhor não garan-tiu que as águas iriam subir até a estaca branca?” Após a resposta afirmativa, ele acrescentou: “Pois assim seja. Eu peguei a estaca e finquei ela lá em baixo.”

O projeto e a obra de Furnas foram executados com grande sucesso. A regularização promovida pelo reservatório beneficiou sobremodo os potenciais a jusante propiciando a ampliação da capacidade insta-lada de Peixoto (Mascarenhas de Moraes) e viabilizando os muitos e grandes aproveitamentos a jusante que foram todos construídos até Itaipu com exceção de Ilha Grande no rio Paraná que, apesar de ter tido iniciadas as obras, não foi construída por ter sido criado um parque nacional na área que seria o reservatório.

Apesar do importante acidente nos túneis de desvio, a usina e seu sistema de transmissão associado entraram em operação como programado, tendo salvado o estado de São Paulo de uma concreta ameaça de forte racionamento. Nessa ocasião eram impressionantes as fotografias dos reservatórios em São Paulo completamente deple-cionados, principalmente os da São Paulo Light, com barcos enca-lhados na lama do fundo dos reservatórios. A usina foi inaugurada pelo presidente Castelo Branco em 12 de maio de 1965.

Como consultores internacionais para o projeto e a obra, Furnas contou com o canadense Richard L. Hearn, o austríaco Arthur Casagrande e o americano Portland Port Fox.

Muitos anos se passaram e a encosta do morro dos Cabritos, quase frontal à barragem apresentava constante e acelerada erosão com desplacamento de material. Um desses desplacamentos cau-sou uma onda que incidiu contra a barragem. Com o progresso da erosão foi se formando um grande monólito que, se incidisse no reservatório poderia, de acordo com o modelo hidráulico reduzi-do, provocar uma onda de até 30 m sobre a barragem. Toda a área instável foi então removida.

A Companhia Paulista de Força e Luz detinha a concessão do aproveitamento hidroelétrico de Estreito situado no rio Grande a jusante da usina de Peixoto. A partir de acordo entre as duas com-panhias, a concessão foi transferida para Furnas que, naquela época, 1965, estava mais bem estruturada para executar a construção. A obtenção dessa concessão foi obtida graças ao elevado desempe-nho da empresa na construção de Furnas e quebrou a orientação governamental de que Furnas se limitaria à implantação da usi-na de Furnas e à sua operação. Mais uma vez houve uma corrida contra o tempo para que a usina de Estreito entrasse em opera-ção para evitar colapso no suprimento de energia elétrica à Região Sudeste. A barragem de enrocamento com núcleo de terra fe-cha o vale e as estruturas do vertedouro com capacidade de 12.950 m³/s e da tomada d’água foram implantadas cada uma em uma das margens, ambas com largos canais de acesso que pro-piciaram os enrocamentos necessários à barragem. Nessa obra

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foi usado pela primeira vez no País rigoroso plane-jamento e controle de construção em PERT/CPM permitindo que a obra tivesse controle de prazos. A usina, com capacidade final de 1050 MW (duas unidades foram montadas em segunda fase) entrou em operação antes da data programada, em 1969, a tempo de se evitar uma crise de suprimento de energia em toda Região Sudeste.

O rio Paraíba do Sul após a cidade de Cruzeiro (SP) passa a apresentar gradientes progressivamente mais acentuados até pouco a montante da cidade de Itatiaia (RJ) onde se localizavam três corredeiras que despertaram o interesse da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Light, ambas tendo desen-volvido estudos preliminares. No final dos anos 50 foi criada a CHEVAP, empresa estatal destinada a desenvolver os aproveitamentos no Vale do Paraí-ba. Consta que a diretoria abrigava indicações dos governos dos estados da Guanabara, Rio de Janei-ro, São Paulo e de Minas Gerais além do governo federal. Naquela época esses governos eram de diferentes correntes políticas, o que pode ter gerado ineficiência de gestão, principalmente quando comparada à eficiência demonstrada por Furnas. A Eletrobras assumiu a construção da hi-droelétrica de Funil e, no ano seguinte, em 1967, transferiu essa responsabilidade a Furnas. Nessa época apenas sete dos dezessete blocos da bar-ragem principal haviam sido concretados, sendo que o mais elevado não ultrapassava a cota do piso dos geradores. A barragem de Nhangapi, na época a segunda maior barragem de terra do País, também estava com considerável atraso. Furnas

Figura 10 – Ministros Mauro Thibau e Roberto Campos, John Cotrim e presidente Castelo Branco na inauguração da usina hidroelétrica Estreito

Figura 9 – John Cotrim, presidente Castelo Branco e ministro Mauro Thibau em visita a Estreito

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aplicou um verdadeiro choque de gestão e iniciou a geração comercial em dezembro de 1969. A barragem principal com altura de 85 m permanece sendo a única barragem em abóbada no País, tendo tido excelente desempenho. Presentemente a usina com 210 MW instalados é também e principalmente usada como elemento de regularização de vazões e de controle de cheias, assim como as usinas e os reservatórios de Paraitinga/Paraibuna, Santa Branca e Jaguari, situados a montante. Por ocasião da maior cheia registrada no rio Paraíba do Sul, ocorrida em fevereiro de 2000, o reservatório de Funil amorteceu totalmente a cheia afluente, beneficiando as cidades a jusante. Entretanto, esse eficiente contro-le de cheias tem feito com que o leito secundário do rio, por falta de inundações periódicas, venha sendo ocupado por construções irregulares e até por instalações da Prefeitura de Resende.

Episódio pitoresco ocorreu a partir das primeiras investigações realizadas no local da barragem. Um místico chamado Savananda que se assemelhava a um guru indiano e residia em Resende, portanto

Figura 11 – Luiz Carlos Barreto

de Carvalho

Figura 12 - Barragem de Funil

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a jusante do local da barragem, afirmava que a barragem iria romper causando um desastre sem precedentes. A barragem não rompeu. Entretanto, muitos anos depois, após a cheia de 2000, o autor por aca-so esteve em ponto remoto do reservatório e verificou que estava se desenvolvendo uma grande vossoroca que se formava a jusante de uma estreita sela topográfica. Foi produzida vasta documentação fo-tográfica enviada ao engenheiro Erton Carvalho, na época chefe do Departamento de Engenharia Civil, que providenciou a devida correção, paralisando o desenvolvimento da vossoroca.

Em 1968, Furnas recebeu as concessões de Porto Colômbia e Marimbondo, ambas situadas no rio Grande entre São Paulo e Minas Gerais. No inventário realizado pela Canambra o aproveita-mento de Porto Colômbia foi situado pouco a montante da foz do rio Pardo no rio Grande. O rio Pardo contribui com cerca de 30% da descarga média do rio Grande. Os primeiros estudos de Furnas visaram o confronto do arranjo do inventário com uma alternati-va de projeto situada logo a jusante da confluência dos dois rios. Além do considerável acréscimo de energia gerada em Porto Colôm-bia, a alternativa propiciava uma pequena regularização das vazões do rio Pardo que beneficiaria todas as usinas a jusante. A usina de Por-to Colômbia é de queda modesta, pouco superior a 20 m, e, portanto,

seriam de pouca expressão as áreas a serem inundadas no vale do rio Pardo. Ao serem iniciados os estudos de campo, o prefeito da pequena cidade de Guaira, julgando que a inundação das terras do seu município seria grande, capitaneou um movimento de oposição à alternativa de barragem a jusante da foz do rio Pardo. O movimento conseguiu que, numa solenidade em Jupiá, o ministro Costa Caval-canti das minas e energia, afirmasse que a usina de Porto Colômbia seria implantada a montante da foz do rio Pardo. Poucos dias de-pois, diretores e assessores de Furnas mostraram a conclusão dos estudos que demonstrava que a inundação no vale no rio Pardo seria muito menor do que estava sendo alardeada. O ministro afirmou que “palavra de ministro não volta atrás.” Até a presente data (maio de 2011) cerca de 25 milhões de megawatts hora deixaram de ser economica-mente gerados. Após a decisão do ministro, Flavio Lyra propôs que o reservatório de Marimbondo, situado a jusante, pudesse amortizar as cheias do rio Pardo por elevação de seu nível d’água acima do nível máximo normal por ocasião da afluência das cheias. Essa operação não pode ser efetuada devido à interferência da ponte Gumercindo Penteado sobre o rio Grande entre as cidades de Planura e Colômbia. A construção e montagem da usina foram feitas sem maiores proble-mas. A usina entrou em operação no dia 29 de junho de 1973, cinquenta e um dias antes do inicialmente programado.

Figura 13 - Usina hidroelétrica de Porto Colômbia

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A hidroelétrica de Marimbondo foi implantada em paralelo com Porto Colômbia, mas com ligeira defasagem. No local de Marim-bondo havia a primeira usina de Marimbondo, implantada pelo governador de São Paulo Armando de Salles Oliveira em 1928 com 8 MW instalados. A usina aproveitava parte das descargas do rio Grande no seu braço esquerdo. Ao inaugurar essa usina, a pers-pectiva era de que essa usina supriria de abundante energia todo interior paulista na região de influência de São José do Rio Preto até o Século XXI. A antiga usina foi adquirida por Furnas, sendo desativada após a construção da barragem da margem esquerda. A nova usina que começou a ser construída 30 anos antes da virada do século, tem potência 175 vezes superior à antiga usina de 1928. As obras que transcorreram sem atropelos, foram iniciadas em 1971

e a usina foi inaugurada em 28 de maio de 1976, dentro do previs-to na programação. Porto Colômbia com 320 MW e Marimbondo com 1440 MW foram as últimas usinas de Furnas no rio Grande.

A concessão seguinte foi o aproveitamento de Itumbiara, palavra indígena que significa o caminho da cachoeira. Assim que foram iniciados os estudos, Flavio Lyra recomendou que fosse estudada uma alternativa de projeto que englobasse a usina prevista a mon-tante pelo inventário da Canambra. Essa alternativa teria barragem e reservatório muito ampliados. Apesar das análises energéticas e econômicas internas não terem recomendado essa alternativa, ela foi selecionada para construção. Logo a seguir dessa decisão, após o primeiro choque do petróleo ocorrido no final de 1973,

Figura 14 – Usina hidroelétrica de Marimbondo

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nova análise energética e econômica revelou que essa alternativa adotada era muito mais viável do que a do inventário.

Na implantação de Itumbiara, pela primeira vez, foi ultrapassado o índice de 90% de nacionalização nos equipamentos permanentes. Essa marca foi muito importante para a indústria porque nas últi-mas duas décadas do século passado o País vivenciou forte recessão, o setor elétrico não sendo exceção. Nessa época as indústrias de bens de capital, baseada no desenvolvimento que experimentou nas décadas anteriores, pode se lançar com vigor ao mercado externo obtendo resultados compensadores. Em Itumbiara foram ultrapas- sados os recordes de concretagem anteriores e foram instaladas as maiores turbinas já fabricadas até então. A obra foi iniciada no

final de 1973 e, em 1980 as primeiras unidades geradoras entraram em operação comercial dentro da programação original.

Em 1981, Furnas recebeu a concessão do aproveitamento do alto rio Tocantins em trecho que havia sido estudado inicialmente pela CELG e posteriormente pela ELETRONORTE, tendo sido definido um aproveitamento designado como São Felix. Furnas instituiu um concurso/concorrência entre empresas consultoras, sendo que pelo menos duas recomendaram a adoção de um eixo a montante do local de São Felix, denominado Serra da Mesa, com excepcionais características geológicas, muito superiores às do local de São Felix. Os estudos conduziram a uma barragem de enrocamento com núcleo de terra com 154 m de altura represando

Figura 15 - Usina hidroelétrica de Itumbiara

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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54,4 bilhões de metros cúbicos que possibilitam a utilização de 43,24 bilhões de metros cúbicos de volume útil para efeitos de regula-rização de descargas. A elevada qualidade do granito do local permitiu a adoção de casa de força subterrânea abrigando três unidades de 431 MW cada na margem esquerda e desvio por dois túneis escavados na margem direita. Essa foi a primeira usina em que Furnas se associou a uma empresa privada, no caso inicialmente ao grupo do Banco Na-cional. Em 1988 foram executadas as ensecadeiras de terra e rocha que permitiram, no mesmo ano, a construção de duas ensecadeiras de concreto compactado com rolo com 25,5 m e 16,5 m de altura com o objetivo de permitir a passagem de cheias no período construtivo sem danificar o aterro da barragem que seria executado. As ensecadeiras e a parte da barragem construída foram galgadas por cinco vezes por descargas de até 6.571 m³/s, com tirantes de água de até 12,4 m. A re-cessão acima referida e a falência do Banco Nacional fizeram com que a obra fosse paralisada de 1990 a 1994. A usina foi concluída em 1997.

Figura 16 – Arthur Casagrande e Guy Bordeaux na área de empréstimo de Itumbiara

Figura 17 – Arthur Casagrande, Agenor Antônio Bailão Galletti, João Alberto Bandeira de Mello e Don Deere inspecionando a barragem de Itumbiara

Figura 18 - Os consultores Don Deere e Arthur Casagrande em Itumbiara com o engenheiro Ludgero Pimenta de ávila

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Em paralelo à construção de Serra da Mesa, Furnas implantou a usina hidroelétrica de Corumbá sobre o rio Corumbá em Goiás com potência instalada de 375 MW. A barragem de enrocamento com núcleo de terra teve também na sua construção ensecadeiras galgáveis, estas de terra e rocha.

A obra começou a ser implantada pela CELG e interrompida em dezembro de 1982. No ano seguinte a Eletrobras solicitou

a Furnas para examinar a partição de quedas do rio. Atenção especial foi dedicada à preservação das águas termais da região de Caldas Novas.

No Século XXI Furnas passou a atuar com frequência associada a empresas privadas para implantação de novas hidroelétricas como reportado por Márcio Porto nesse livro.

Figura 19 - Usina hidroelétrica de Serra da Mesa

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Referências

Carvalho, E. – Barragem da Usina de Serra da Mesa, Desvio do Rio, Ensecadeiras Galgáveis – Desvio de Grandes Rios Brasileiros – CBDB, 2009

Cotrim, J.R. – A História de Furnas das Origens à Fundação da Empresa – Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia, 1994

Lyra, F.H. et al. – Furnas Hydroelectric Scheme, Closure of Diversion Tunnels – Institution of Civil Engineers, 1967

Miguez de Mello, F. – O Aproveitamento Hidroelétrico de Itumbiara – Construção Pesada n° 26, 1973

Miguez de Mello, F. _ O Aproveitamento Hidroelétrico de Porto Colômbia – Construção Pesada n° 27, 1973

Miguez de Mello, F. – Grandes Barragens Brasileiras – Construção Pesada n° 47, 1975

Miguez de Mello, F. – General Paper – XIII International Congress on Large Dams, 1979

Porto, M.A.A. et al. – A Nova Face das Empresas Estatais Frente à Expansão da Oferta de Energia Elétrica no País – A História das Barragens no Brasil – CBDB, 2011

Figura 20 - Usina hidroelétrica de Corumbá

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Usina Hidroelétrica de Tucurui

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Alexandre Magno Rodrigues Accioly,Alvaro Lima de Araujo e Humberto Rodrigues Gama

A Eletronorte e as Barragens da Região Amazônica

Figura 1 - Cel. Llano recebendo o presidente João Figueiredo em Tucuruí

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A história da Eletronorte, resumida nas linhas que se seguem, não será contada de forma linear. Optou-se por descrever alguns fatos relacionando-os aos grandes eventos e obras que marcaram a empresa entremeados por comentários dos tempos atuais. Hoje o nome da empresa é Eletrobras Eletronorte, mas neste histórico, será simplesmente Eletronorte.

A Eletrobras anunciou a intenção de construir a usina Tucuruí, baseada em estudos do Comitê Coordenador de Estudos Ener­géticos da Amazônia (Eneram) que havia sido criado em 1968, no governo Costa e Silva.

Para isso, em 20 de junho de 1973, foi criada a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – Eletronorte, sociedade anônima de economia mista e subsidiária da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras, como concessionária de serviço público de energia elétrica com sede em Brasília no Distrito Federal.

Embora a engenharia nacional, na época, já tivesse em seu cur­rículo importantes obras tanto em porte quanto em quantida­de, a Eletronorte já nasceu com o duplo desafio de constituir a empresa propriamente dita e, ao mesmo tempo, construir o maior projeto inteiramente nacional: a usina de Tucuruí.

A presidência da empresa coube ao Cel. Raul Garcia Llano (Fi­gura 1), nome que se confunde com a própria Eletronorte, pois foi sua capacidade empreendedora que consolidou a empresa executando Tucuruí e outras obras a serem relatadas adiante.

O inícioEstávamos na época do chamado Brasil Grande depois que, em 1964, os militares assumiram o poder e deram grande impulso às obras de infraestrutura no País.

Os saudosos tempos das marchinhas de carnaval bem humoradas, mas bastante críticas, mostravam a situação que havia no País antes desse impulso, como neste trecho de uma delas, “Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”.

Encampando a ideia do presidente Juscelino, os governos da épo­ca incentivaram a marcha para o oeste, assim incluindo o norte do Brasil, mais precisamente a Amazônia. Era o início da inte­gração do Brasil como um todo, caminhando para o que hoje, em 2011, podemos perceber.

A Eletronorte e as Barragens da Região Amazônica

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A concessão para a construção de Tucuruí foi outorgada à Eletro­norte, pelo decreto 74.279 em julho de 1974. A usina foi concebida para ser construída em duas etapas, sendo o último aproveitamento hidrelétrico antes da foz do Tocantins, distando aproximadamen­te 300 km de Belém, capital do Estado do Pará. Para viabilizar a produção de tamanha quantidade de energia, o projeto foi as­sociado ao fornecimento de energia para indústrias de alumínio eletrointensivas, Albrás e Alumar, que garantiriam o consumo de boa parte da produção.

A primeira missãoO batismo de fogo da empresa, como já dito anteriormente, foi a usina de Tucuruí.

Esta obra foi concebida para ser construída em duas etapas, inicialmente com a instalação de 12 unidades geradoras princi­pais, cada uma com 350 MW de potência nominal, e mais duas unidades auxiliares com 22,5 MW de potência nominal cada, totalizando uma potência instalada de 4.245 MW. A usina teria, na segunda etapa, mais 11 unidades de 375 MW totalizando 8.370 MW de potência instalada.

O vertedouro da usina, projetado e construído para a vazão de 110.000 m³/s era o maior do mundo na ocasião. Do tipo vertedouro em salto de esqui, previa o descarregamento de toda essa energia ao pé da própria obra. As vazões específicas adotadas foram pionei­ras e ousadas. Embora ainda não tenha sido testado para os limites de vazão, a evolução do desempenho do vertedouro vem correspon­dendo às previsões do modelo hidráulico reduzido.

A vazão de desvio de 51.000 m³/s exigiu a construção de 40 adufas sob o vertedouro, cada uma com 6,5 m de largura por 13 m de altura, para funcionar com uma carga de 32 m.

A cota de coroamento da barragem de terra seria de 78 m acima do nível do mar sendo que, em alguns trechos do leito do rio havia

canalões de até 40 m abaixo do nível do mar. Logo, em alguns trechos, a barragem chegou a ter quase 120 m de altura.

A execução da obra de TucuruíNão bastasse o porte do rio Tocantins quanto à largura (mais de 2 km) e vazões (média de longo termo da ordem de 11.000 m³/s e picos de mais de 40.000 m³/s registrados até então), a Amazônia, naqueles tempos, era uma região carac­terizada por inóspitas florestas tropicais com quase nenhuma infraestrutura.

Isso tornava o desafio importante, especialmente em termos logísticos. Enfim, era um empreendimento caracterizado pelo pioneirismo em vários aspectos.

A Eletronorte formou seus primeiros quadros buscando, em boa parte, profissionais egressos da Cemig. Foi assim que vieram para a empresa os engenheiros Geraldo Afonso Pra­tes, Berilo Mamoré Pereira Belo, Érico Bittencourt de Freitas, Humberto Rodrigues Gama, José Antônio da Silveira, João Eduardo de Moura Guido, José Augusto Pimentel Pessoa, o topógrafo Geraldo Magela Barbosa, entre outros.

Curiosamente, a decisão de maior significado daquela fase, a que determinaria o local exato da barragem, foi posterior­mente tomada num ambiente muito mais bucólico do que técnico. À sombra de uma grande árvore da margem esquerda do rio, o diretor técnico da Eletronorte, Dário Gomes (Fi­gura 2), reuniu os futuros comandantes da obra, consultores brasileiros e estrangeiros contratados para assessorá­lo, e a alta diretoria executiva das empresas escolhidas para o proje­to e a construção de Tucuruí. Depois de longa confabulação, e les local izaram precisamente, na carta elaborada pelos topógrafos, as duas pontas de terra separadas por quase dois quilômetros de água revolta entre as quais seria feito o barramento do Tocantins.

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Figura 3 - Da direita para a esquerda: o 2º, Érico Bittencourt de Freitas,

Geraldo Afonso Prates, o 5º Fausto Cesar Vaz Guimarães,

sr. Sebastião Camargo, o 8º, Cel. Llano e o último,

Sebastião Florentino da Silva durante celebração do lançamento

da 1ª caçamba de concreto em Tucuruí

Figura 2 - Engenheiro Dário Gomes na cabeceira da mesa em reunião no escritório da vila pioneira

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

O principal obstáculo à construção do novo complexo residencial de apoio às obras da usina foi o isolamento de Tucuruí. Transpor­tes, comunicações, energia elétrica confiável e saneamento básico não existiam. Nesse am­biente foi construída, em 1975, a ensecadeira de primeira fase do desvio do rio, marcando o início dos trabalhos de terraplenagem. Somente dois anos depois, em 1977, seriam efetivamente começadas as obras civis.

Durante o período de trabalho mais intenso, o que marcou o início das obras civis, uma mul­tidão de mais de 30.000 pessoas enxameava em torno do canteiro da obra. Era um grupo heterogêneo, que tivera de ser recrutado em locais próximos, sem nenhuma experiência, e que precisou ser treinado para as tarefas específicas de uma construção.

O primeiro desvio do Tocantins, para ensecar a superfície em que as estruturas de concreto

e a barragem seriam assentadas sobre a rocha do fundo do rio, foi feito em 1975. Mas somente quando as obras civis foram efetivamente iniciadas, em 1977 (Figura 3), a Amazônia começou a revelar aos pioneiros o tipo de dificuldades que eles podiam esperar no futuro imediato.

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Figura 4 - Sebastião Camargo e Osório Ferrucci, da Camargo Corrêa, construtora de Tucuruí

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Também entre os primeiros a entrar no grande palco que o governo montara em plena selva para a encenação da primeira grande aventura tecnológica na Amazônia, estava Osório Ferrucci (Figura 4), que ficou na memória do alto comando técnico da obra como uma espécie de marco do empreendimento. Ele era funcionário da Camargo Corrêa desde 1947 e, segundo seus companheiros em Tucuruí, a única voz que Sebastião Camargo, o lendário capitão da grande empreiteira, ouvia sem contestar. Por coincidência, o residente da Eletronorte também se chamava Osório Correa Neto, que foi substituído em 1977 pelo engenheiro residente Érico Bittencourt de Freitas responsável pela condução da obra até 1982 quando passou a gerente do Departamen­to de Construção da Eletronorte, tendo sob sua responsabilidade as demais obras além de Tucuruí.

O desvio do rio foi um dos grandes desafios superados apesar das adversidades. Entre elas, as condições do leito do rio, com vários canalões muito profundos, um com até 40 m abaixo do nível do mar, preenchidos com material aluvionar e seixos rolados que difi­cultaram a execução das ensecadeiras, vindo uma delas a se romper

por piping inundando o trecho de jusante da obra. Essa ruptura causou danos materiais relativamente pequenos, visto que o mo­nitoramento das estruturas detectou em tempo hábil o problema possibilitando a retirada de pessoas e equipamentos. Além disso, a área afetada permaneceu pouco tempo inundada porque o acidente ocorreu ao final da cheia.

Outro fato relevante foi que, durante a construção, ocorreram três das quatro maiores cheias do histórico, inclusive a maior de todas, em 1980, que alcançou 68.400 m³/s contra uma vazão de projeto de desvio de 51.000 m³/s. Contudo, a capacidade técnica e in­tegração das equipes de projeto e principalmente de construção possibilitaram atravessar esse imprevisto sem maiores transtornos.

As obras de concreto e terra na área ensecada já estavam adiantadas quando, em março de 1980, o rio Tocantins teve um verdadeiro acesso de mau humor. O rio estava desviado por ensecadeiras e a tempora­da de chuvas mais copiosas já parecia ter chegado ao fim. Mas, nos dias 2 e 3 daquele mês, o sistema de previsão de vazões a partir da leitura das réguas linimétricas a montante da obra, revelava uma situa­ção inquietante. O céu carregado e a cheia, que já ultrapassara o nível da maior enchente observada em 1926, ameaçavam as ensecadeiras que protegiam as obras em construção.

Os homens do alto comando da obra, Érico Bittencourt de Freitas, Humberto Gama, Osório Ferrucci, José Armando Del Greco Peixoto, Luiz Fernando Rufato, José Antônio da Silveira, Gilson Nakamura e mais um punhado de executivos sabiam muito bem o que aconteceria se a água que chegava a perigosos 15 centímetros do topo da enseca­deira conseguisse galgá­la. O Tocantins levaria por água abaixo equi­pamentos e materiais. Sobretudo, afogaria cinco anos do trabalho de dezenas de milhares de homens e uma considerável fatia do orçamento da Eletronorte. Por isso, às ordens dos chefes, os encarregados de turmas convocaram seus homens para enfrentar o problema.

Serviços de alteamento e proteção das ensecadeiras foram feitos com sucesso durante dez dias de trabalho ininterrupto sob violento estresse.

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Figura 5 - Os consultores examinando os testemunhos de sondagem. Da esquerda Don Deere, James Libby e Milton Vargas

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Finalmente, na manhã do décimo dia da operação, a água parou de subir. As ensecadeiras haviam sido alteadas em três metros e o nível d’água alcançara dois metros acima do topo da ensecadeira original. O episódio ficou poeticamente conhecido como “águas de março”. A superação dessa ocorrência excepcional em 1980 foi fundamental para a equipe concluir a construção de Tucuruí com êxito.

O projeto da usina foi desenvolvido pelo Consórcio Engevix­The­mag tendo pelo lado da Engevix o comando do engenheiro francês radicado no Brasil André Jules Balança, presidente da empresa e detentor de profundos conhecimentos de hidráulica adquiridos na sua formação em Grenoble e na experiência iniciada no Brasil na construção de Paulo Afonso da CHESF.

Na Eletronorte, o gerenciamento do projeto foi feito pelos en­genheiros João Eduardo de Moura Guido (civil), João Ângelo Casagrande (mecânico) e Leôncio Gotti (planejamento).

O projeto contou, ainda, com um board internacional de consulto­res composto por James Libby, Don Deere, Victor F.B. de Mello, Nelson Souza Pinto, Milton Vargas e Flavio H. Lyra.

Por conta de sua formação e gosto pessoal, o engenheiro Balança se interessava pessoalmente pelos estudos hidráulicos em modelo reduzido de Tucuruí realizados pelo Hidroesb – Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito SA, no Rio de Janeiro. Somente para corroborar comentários anteriores sobre as dimensões do empreendimento, a equipe de engenheiros que operava o mode­lo e não tinha elementos de comparação com outros projetos, percebeu claramente que “aqueles senhores (Balança e sua equipe) mesmo com toda a experiência mostravam uma preocupação excepcional com o projeto”. Mais tarde, essa equipe iria compreender a dimensão de sua primeira experiência.

O engenheiro Fausto César Vaz Guimarães, sucessor do engenhei­ro Dário Gomes na Diretoria Técnica da Eletronorte, e que era

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Figura 6- Jogo de futebol de salão dentro do estator de uma máquina da primeira etapa

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responsável pelas construções, imprimia seu dinamismo aos trabalhos contagiando toda a equipe envolvida no empreendimento.

Em 1982, quando a Eletronorte construía simultaneamente com Tucuruí, as usinas de Samuel em Rondônia e Balbina no Amazonas, justamente em momento festivo de conclusão do desvio de Samuel, houve um grave acidente aéreo que causou a morte dos diretores da Eletronorte Fausto César Vaz Guimarães (diretoria técnica) e Jayme Barcessat (diretoria de Suprimentos) e do chefe do Departamento de Construção, engenheiro Geraldo Afonso Prates.

Nesta etapa, a Eletronorte já contava com funcionários dos mais diversos rincões do país chamados para auxiliar nas tare­fas da empresa e, apesar da importante perda, a obra continuou

em ritmo normal. O engenheiro Kerman José Machado assu­miu a Diretoria Técnica e o engenheiro Érico Bitencourt de Freitas foi empossado chefe do Departamento de Construção, então condutor dos três empreendimentos Tucurui, Balbina e Samuel. A chefia da obra de Tucuruí foi assumida pelo engenheiro Humberto Rodrigues Gama.

O enchimento do reservatório teve início em setembro de 1984, atingindo a cota 72,00 m, nível máximo normal, em março de 1985. Entretanto, a usina foi inaugurada pelo Presidente da República João Figueiredo em 22 de novembro de 1984, com duas unidades de 350 MW em operação comercial. A Figura 6 dá idéia da dimen­são do estator de uma forma lúdica muito bem compreendida pelo brasileiro em geral.

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Figura 7 - Descida do estator da unidade 13 em 3 de maio de 2002

Figura 8 - Equipe com o José Antônio Muniz, presidente da Eletronorte, ao centro, tendo ao seu lado esquerdo Adailton de Sousa Pinto, residente da obra da segunda etapa de Tucuruí celebrando a descida do estator da unidade 13

Figura 9 - Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, José Antônio Muniz (presidente da Eletronorte) e governador do Pará, Almir Gabriel em visita às obras da segunda etapa de Tucuruí.

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O coronel Raul Garcia Llano, grande incentivador do empreendimento, por conta do destino não chegou a ver concluída a obra que hoje tem seu nome.

A motorização da primeira etapa foi concluída em 1992.

Posteriormente, o nível máximo normal operacio­nal foi elevado para a cota 74,00 m. Essa elevação aumentou a área de inundação de 2.875 km² para 3.007 km², porém, com um ganho de energia firme de 109 MW.

Em junho de 1998 as obras de expansão de Tucuruí foram autorizadas e iniciadas. As obras de terra­plenagem e escavação em rocha foram concluídas no ano de 2002. A unidade geradora 13 (Figuras 7, 8 e 9) teve sua montagem concluída no final de novembro de 2002, estando em operação comercial desde abril de 2003.

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A unidade 23 entrou em operação em julho de 2006, totalizando 8.370 MW de potência instalada. O mercado principal de Tucuruí é o sub­mercado Norte de energia que abrange os estados do Pará, Maranhão e Tocantins, e é segmentado em prestadores de serviços públicos de energia elétrica e indústrias eletrointensivas.

Tucuruí tem hoje os maiores contratos de fornecimento de energia elé­ trica em bloco do mundo, com as indústrias do alumínio Albrás e Alumar.

Em 2011, foi concluída a eclusa constituída de duas câmaras que vencem um desnível de cerca de 68 m e são separadas por um ca­

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Figura 10 - Tucuruí - vista do vertedouro em operação

Figura 11 - Tucuruí - Casa de Força

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nal intermediário. Essa obra é fundamental para a implantação da hidrovia do Tocantins. A Vale e outras empresas da região já iniciaram o transporte de seus produtos pelo rio Tocantins de Marabá até Belém utilizando a eclusa, e daí ao oceano Atlântico.

Os números do empreendimento impressionam, como podemos ver a seguir:

­ O cimento empregado na obra, equivale a 28.800.400 sacos de 50 kg;­ O aço aplicado totaliza cerca de 222.000 t;­ O volume máximo diário de concreto lançado na obra foi de 11.200 m³, ou seja, a cada semana de trabalho era aplica­do o equivalente ao volume empregado na construção do estádio do Maracanã; ­ O volume total dos aterros executados na obra foi da or­

dem de 59.400.000 m³ e o volume de concreto utilizado, da ordem de 9.000.000 m³.

Atualmente, Tucuruí (Figuras 10 e 11) responde por 28,4% do faturamento global de toda empresa; é a principal responsá­vel pelo intenso desenvolvimento regional, fruto da abundante oferta de energia e recolhimento de impostos resultantes da comercialização e compensação pela utilização de recursos hídricos, além dos programas socioambientais; foi a primeira hidroelétrica do mundo certificada pela JIPM (Japan Institute of Plant Maintenance) com Prêmio Excelência em TPM – 1a Categoria (Total Productive Maintenance, isto é Manutenção Total Produtiva); e a primeira unidade do setor elétrico brasileiro a conquistar o Prêmio de Qualidade do Governo Federal – PQGF, em 2002.

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Principal geradora do Sistema Norte­Nordeste, Tucuruí passou a fazer parte do Sistema Interligado Nacional – SIN em março de 1999, com a conclusão da Interligação Norte­Sul. Essa linha permite a preservação de energias estocadas em reservatórios de hidroelétricas situadas em outras regiões durante o período hidro­ lógico favorável no rio Tocantins.

A energia firme e renovável de Tucuruí é escoada por linhas de trans­missão de 230 kV e 500 kV. Além de atender os mercados do Pará, Maranhão e Tocantins, com cerca de 4.500 MW médios mensais, a usina exporta energia para os sistemas Nordeste, Sudeste e Centro­Oeste.

Hoje se pode comemorar dois fatos indiscutíveis: Tucuruí foi a obra isolada de maior impacto sobre a Amazônia, mas ela foi também a de melhor repercussão socioambiental e econômica entre todas as que foram feitas na região. Em segundo lugar, o Brasil e muitos de seus filhos – aqueles que influiram diretamente sobre a monumental empreitada da usina e os que hoje estão sob sua influência – vivem melhor do que viviam antes dela.

Outro exemplo significativo dos benefícios trazidos pela usina é a própria cidade de Tucuruí, um simples entreposto de pesca e castanhas, com população esparsa e arrecadação ínfima até o início dos anos 1970. Com os impostos locais pagos pela Eletronorte, o município veio a ser o segundo maior arrecadador do Pará – só perde para Belém – e abriga 80 mil habitantes que dispõem do primeiro hospital modelo da região, e passou a ser servido por extensa rede de estradas e tem uma pista de pouso capaz de receber aeronaves de grande porte.

Mais que isso, Tucuruí fez com que uma imensa região coberta de densa floresta, mas sem expressiva identidade geográfica, entrasse incontestavelmente para o mapa do Brasil.

A contribuição dos engenheiros da Eletronorte formou assim, com o uso inteligente de sua especialidade, a mais significativa coleção de tecnologias para a construção de grandes barragens em am­biente remoto. Isso ao mesmo tempo em que construíam Tucuruí,

ocupando efetivamente um território que já vinha sendo invadido­desordenadamente e acrescentando uma formidável potência de geração ao sistema elétrico nacional.

Finalmente, apesar de seu gigantismo, a usina vem operando desde a inauguração sem apresentar problemas relevantes.

A usina hidroelétrica Coaracy NunesEm 1975, a Eletronorte recebeu da Eletrobras a incumbência de operar a usina de Coaracy Nunes situada no rio Araguari no Amapá. Esta usina, construída por terceiros, tinha duas máquinas de 20 MW e previsão de ampliação para mais uma máquina de 30 MW.

O vertedouro (Figura 10) com capacidade para 12.000 m³/s escoava as águas para um braço do rio diferente da casa de força. Como ca­racterística, praticamente não havia obra para dissipação de energia: as águas vertidas eram lançadas no canal do rio constituído de material rochoso com um ligeiro salto ao pé da superfície de vertimento.

O reservatório tem 120 km² e a operação é a fio d’água.

Esta missão surgiu numa época em que todos os olhos estavam voltados para Tucuruí de modo que a história dessa usina foi de certa forma ofuscada, apesar da importância que tem tido para a Eletronorte e para o estado do Amapá.

Como a usina foi construída por vários empreiteiros numa obra que levou mais de quinze anos para ser concluída, a documenta­ção técnica que a Eletronorte conseguiu obter foi muito precária. Ainda hoje há certos aspectos do projeto e da construção sobre os quais não se tem informação precisa.

Mesmo sendo um vertedouro com o porte citado, esta obra não foi submetida a estudos em modelo hidráulico reduzido.

Logo no início da vida da usina, o rio Araguari submeteu a obra a uma cheia de cerca de 4.000 m³/s, suficiente para apontar graves defeitos do vertedouro.

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Figura 12 - Vertedouro da Usina Hidroelétrica Coaracy Nunes

Figura 13 - Usina Hidroelétrica Coaracy Nunes - Casa de Força

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A Eletronorte contratou então o CEHPAR, laboratório hidrotéc­nico da UFPR na ocasião sob a direção dos engenheiros Nelson Pinto e Sinildo Hermes Neidert que ofereceram uma solução para o problema. A recomendação do CEHPAR foi executada e, desde então, não ocorreram incidentes com o vertedouro embora a vazão não tenha alcançado o valor que causara os danos iniciais.

Na Eletronorte o funcionário que todos identificamos com Coaracy Nunes é o engenheiro Mário Dias Miranda que tem sido o grande entusiasta do empreendimento.

Em 2004, as máquinas de 20 MW foram recapacitadas aumentan­do sua potência para 24 MW cada uma e a terceira máquina com 30 MW foi instalada entrando em operação em 2000 e aumentando a potência instalada da usina para 78 MW (Figura 12).

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Devido às características hidrológicas do rio Araguari, já se havia vis­lumbrado a possibilidade de ampliação do aproveitamento por meio de uma segunda casa de força com potência instalada superior à atual.

No momento, a Eletronorte vem se dedicando à análise mais aprofundada dessa possibilidade tendo em vista que a região está para ser interligada ao SIN o que tornará ainda mais interessante o investimento.

A usina hidroelétrica BalbinaA decisão sobre a construção da Usina Hidroelétrica Balbina, bem como a de Samuel, foi resultado de um embate do cel. Raul Garcia Llano com a Eletrobras, que na época era contra as construções de hidroelétricas na Amazônia por julgar que usinas térmicas a carvão em Manaus e Porto Velho com transporte do carvão do sul pelos navios da Vale (então Vale do Rio Doce) seriam mais vantajosas.

Os benefícios econômicos das hidroelétricas de Balbina e de Samuel se acentuaram pela substituição do óleo importado para termoelé­tricas, economizando divisas, em uma época em que a situação da balança de pagamentos do País era um fator de entrave ao desen­volvimento. Ademais, essas hidroelétricas foram escolhidas para construção por serem as mais econômicas do País na época, quando comparadas com as alternativas de geração para atendimento da evolução das cargas locais, critério básico do setor elétrico de então, fato não divulgado convenientemente para o público.

Situada no rio Uatumã, município de Presidente Figueiredo, não o Presidente da República da década de 80, mas sim o presidente da província do Amazonas, quando os atuais estados eram chamados de província na época do Império, Balbina é mais uma usina pioneira que coube à Eletronorte construir.

Com capacidade instalada de 250 MW composta por 5 unidades de 50 MW, destinava­se a abastecer Manaus visando solucionar o caos energético ainda reinante na região no final da década de setenta.

O vertedouro com capacidade para 5.840 m³/s com bacia de dissi­pação convencional, assim como a casa de força e a tomada d’água, eram obras sem nenhum aspecto inovador ou preocupante. Enfim, Balbina era uma obra comum para o estado da arte de então.

Contudo dois aspectos mereceram considerações especiais.

O primeiro por não ser totalmente conhecido de nossos técnicos: a existência abundante de canalículos com diâmetro de até 5 cm no solo de fundação que tornava a construção de barragem altamente problemática. Seria como construir uma barragem sobre um “queijo suíço”. O problema não era totalmente novo para a empresa uma vez que algumas ocorrências do fenômeno haviam sido constatadas em Tucuruí, mas a quantidade tornava muito sério o problema.

A solução, que se mostrou eficiente, foi a execução de uma cortina por injeção de calda de solo cimento com ruptura hidráulica do solo (cracagem), para obturar esses canalículos. Esse proble­ma viria a nos assombrar com mais intensidade na construção de Samuel como veremos oportunamente.

O segundo aspecto foi a área do reservatório. Concebida numa época em que não havia as agências reguladoras e controladoras com os poderes de hoje nem tampouco a consciência ambiental havia se desenvolvido nos níveis atuais, a usina foi projetada e executada apesar da área inundada ser exagerada para a potência instalada.

Entretanto, como citado no capítulo dedicado aos estudos ambien­tais, apesar de tudo, a usina trouxe muitos benefícios socioambientais à região.

O projeto foi executado pelo Consórcio Monasa ­ Enge Rio. O Consórcio havia elaborado os estudos de inventário e recomen­dado a construção da usina de Katuema no rio Jatapu como hidro­elétrica prioritária para suprir Manaus, no entanto a escolha recaiu sobre Balbina que era o menor investimento e a menor distância de transmissão e de acesso. Considerando a provável área do reser­vatório de Balbina, os projetistas haviam recomendado que fosse

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Figura 14 – Usina Hidroelétrica Balbina

Figura 15 - Usina Hidroelétrica Balbina – Casa de Força - vista de jusante

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feito levantamento da área a ser alagada, mas isto só foi feito após o início da construção por restrições financeiras, tendo em vista o elevado custo de restituições aerofotogramétricas em função da espessa cobertura vegetal que acarretava dificuldades logísticas ainda não enfrentadas até aquela época.

A construção se iniciou em 1º de maio de 1981, com a primeira máquina entrando em operação em fevereiro de 1989. Este atraso deveu­se à falta de recursos para sua realização em prazos normais, problema constante na época. O grande maestro da construção de Balbina por parte da Eletronorte foi o engenheiro Francisco Nelson Queiroga da Nóbrega.

A construtora foi a Andrade Gutierrez cujo residente geral se destacou como responsável pela execução da obra a contento.

A usina (Figuras 14 e 15) vem operando desde a inauguração sem apresentar problemas relevantes.

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Figura 16 – Usina Hidroelétrica Samuel – Vista panorâmica de jusante

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A usina hidroelétrica SamuelSituada no rio Jamari no Estado de Rondônia, a usina hidroelétri­ca Samuel (Figura 16) tem como particularidade ter sido a única usina da Eletronorte a contar com o apoio popular e do governo local personificado no governador Jorge Teixeira.

Com capacidade instalada de 220 MW, vertedouro para 4.820 m³/s e um reservatório de cerca de 600 km², a usina hidroelétrica Samuel foi construída no período de 31 de março de 1982 a 31 de julho de 1989 (última unidade) sob o comando do engenheiro Adailton de Souza Pinto residente da Eletronorte, quando entrou em operação a primeira máquina. A usina foi projetada pela Sondo­técnica S/A, cujo coordenador geral foi o engenheiro Paulo Pinho Lopes e a obra foi feita pela Construtora Norberto Odebrecht.

Tal como Balbina, era uma obra comum para o estado da arte de então.

Contudo o aspecto dos canalículos já constatados em Tucuruí e em Balbina mereceu considerações e esforços especiais pela sua incidência em quantidades exageradas e pela quantidade de diques que compunham o projeto, tornando a extensão do problema ainda maior que o usual.

Neste caso, em linhas gerais, a solução adotada foi a construção de tapetes impermeáveis a montante das obras de terra para au­mentar a distância de percolação. Esta solução vem funcionando satisfatoriamente, mas tem exigido muita atenção das equipes de instrumentação e manutenção da usina.

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Figura 17 – Usina Hidroelétrica Curuá Una – Casa de Força

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A usina hidroelétrica Curuá UnaAdquirida em 2005 da CELPA em permuta de dívidas, a usina de Curuá Una (Figura 17), situada no rio de mesmo nome no município de Santarém, PA tem três unidades de 10 MW e previsão de insta­lação de uma quarta unidade de 11 MW. Esta foi uma das primeiras usinas desse porte construídas na Amazônia.

No momento, a Eletronorte está em vias de executar a instalação desta quarta máquina.

O usina hidroelétrica DardanelosA usina está localizada na margem esquerda do rio Aripuanã, no noroeste do Mato Grosso e tem capacidade instalada de 261 MW,

composta por 5 unidades geradoras, quatro delas de 58 MW cada e uma de menor porte de 29 MW.

Como peculiaridade é uma usina construída sobre uma gran­de queda d’água natural de cerca de 90 m de altura apro­veitando esta queda como vertedouro. Enfim, é uma usina que além de não ter um vertedouro clássico, não tem reser­vatório. Apenas foi construída uma soleira vertente mais com o intuito de nivelar o leito natural do rio para garantir o nível normal de montante.

No AHE Dardanelos (Figura 18), a Eletronorte foi respon­ sável pelos estudos de inventário e viabilidade. Atualmente, participa minoritariamente em sociedade com a Neoenergia e a CHESF.

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Figura 18 - Usina Hidroelétrica Dardanelos

A usina hidroelétrica Belo MonteO aproveitamento hidrelétrico Belo Monte será construído no rio Xingu, no Pará, possuindo três sítios, um deles denominado Pimental onde ocorrerá o barramento do rio Xingu, composto de casa de força complementar e vertedouro, outro composto do canal de adução e interligação e o último composto do reservatório intermediário e sítio Belo Monte com a usina principal.

A potência instalada total de Belo Monte é de 11.233 MW, com dezoito unidades geradoras de potência unitária 611,1 MW, com turbinas Francis na casa de força principal denominada Belo Mon­te e 6 unidades geradoras de potência unitária 38,85 MW, com unidades Bulbo na casa de força complementar.

A Eletronorte participou, desde 1975, dos estudos de inventário do rio Xingu e das otimizações de projeto realizadas desde então que culminaram com o leilão da ANEEL realizado em 20 de abril de 2010. No empreendimento, a participação da empresa é minoritária, junto com outras 18 empresas.

O grande mentor deste projeto cuja personalidade se identifica com o empreendimento é o engenheiro José Antônio Muniz Lopes. Desde os tempos em que foi diretor de engenharia da Eletronorte no final da década de 80, presidente da empresa no final da déca­da de 90 e início dos anos 2000 e finalmente como presidente da Eletrobras, ele não mediu esforços até levar o projeto a ser leiloado pela ANEEL com sucesso.

Finalmente, a Figura 19, a seguir, mostra a equipe de residentes das obras da Eletronorte.

Aspectos sócioambientais comuns aos diversos empreendimentos“Preservando a biodiversidade amazônica e a cultura brasileira”

A geração de energia hidroelétrica na Amazônia é um tema que sempre estará presente nas discussões sobre meio ambiente e de­senvolvimento sustentável, seja pela alta diversidade biológica e

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Figura 19 - Residentes da Eletronorte: da esquerda para a direita, Vanderlei Ângelo de Menezes (Ávila – convênio com a CERON), Gustavo Reis Lobo de Vasconcelos (Manso enquanto era da Eletronorte), José Antônio da Silveira (Tucuruí), Francisco Nelson Queiroga da Nóbrega (Balbina), Luiz Fernando Rufato (Tucuruí), Érico Bittencourt de Freitas (Tucuruí), Adailton de Sousa Pinto (Samuel e Tucuruí II e Humberto Rodrigues Gama (Tucuruí)

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cultural encontrada na região, seja pelo grande potencial de gera­ ção hidráulica da Região Norte do Brasil.

A Eletronorte é grande conhecedora da região amazônica. Em to­dos os seus projetos são realizados estudos ambientais, em parceria com as mais capacitadas instituições técnicas e científicas, a fim de aliar desenvolvimento e conservação da natureza, com foco na qualidade de vida dos seres humanos.

Com o objetivo de conservar a fauna, a flora, as águas e as tradições amazônicas, a Eletronorte criou uma ampla organização interna, res­ponsável pelos estudos ambientais, centros de proteção ambiental em suas maiores usinas, e equipes técnicas com profissionais especiali­zados nas mais diversas áreas do conhecimento ambiental.

As Unidades de Conservação tem o objetivo de manter a diversi­dade biológica regional. São áreas que aliam o desenvolvimento de pesquisas com uso racional dos recursos naturais.

A legislação ambiental brasileira determina que empreendimentos de grande impacto compensem os danos causados ao meio ambiente com a implantação e apoio a unidades de conservação.

Atendendo a essas exigências, a Eletronorte apoia as seguintes atividades em unidades próximas a seus empreendimentos: demar­cação das terras; projetos de desenvolvimento das populações resi­dentes; atividades de proteção e vigilância às áreas, e atividades de educação ambiental às populações locais.

Dezessete unidades de conservação ambiental, sendo treze de proteção integral e quatro de uso sustentável, todas na Amazônia Legal, foram ou são apoiadas financeiramente pela Eletronorte. Isso significa 4.700.000 hectares protegidos, desenvolvimento de técnicas racionais do uso dos recursos naturais e formação de recursos humanos.

Fauna ­ A geração de energia hidroelétrica requer, na maioria das vezes, a formação de reservatórios que modificam a paisagem, inun­

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

dando áreas de florestas. Para evitar o afogamento da fauna habi- tante desses ecossistemas, a Eletronorte realiza o resgate dos animais. Esse procedimento faz parte do Programa de Resgate da Fauna, que tem o objetivo de conservar as espécies da região.

Atualmente, as ações dos resgates são baseadas em conservação e aproveitamento científico e cultural da fauna local. As novas áreas que receberão os animais, conhecidas como áreas de soltura, são delimitadas e o trabalho começa antes mesmo da formação do lago, com as ações de identificação das áreas, pré-resgate, o monitora- mento e manejo dos animais.

A Eletronorte conduziu três grandes operações de resgate da fauna, incluindo soltura, monitoramento e estudos científicos. A Operação Curupira, realizada em Tucuruí, resgatou 300 mil animais. Em Bal­bina, a Operação Muiraquitã resgatou 26 mil animais. E em Samuel, com a Operação Jamari, mais de 16 mil animais foram resgatados.

A Operação Jamari, incluindo o aproveitamento científico, envolveu aproximadamente 60 instituições nacionais. Os ani­mais resgatados foram de suma importância para pesquisas realizadas em diversas áreas de conhecimento, como genética, zoologia, fisiologia e taxonomia (identificação e classificação dos animais) e ecologia.

As principais atividades desenvolvidas nas operações de resgate são a triagem e manejo; manejo de filhotes; atendimento vete­rinário; alimentação e remessa de animais para instituições de pesquisa e preservação.

A Eletronorte, em conjunto com outras instituições ligadas ao meio ambiente, estabeleceu orientações pioneiras para resgates futuros. A primeira e a mais importante delas é dar prioridade às espécies raras ou ameaçadas de extinção. Para isso, é preciso criar e conso­lidar unidades de conservação para compensar a perda do habitat, e investir na capacitação de novos profissionais, que vão elaborar, conduzir e supervisionar esses procedimentos.

Banco de Germoplasma ­ Muita gente não sabe que Tucuruí guar­da boa parte do DNA da Amazônia na Ilha de Germoplasma. Uma das 1.600 ilhas que formam o Mosaico de Tucuruí é especial.

E essa diferença começou a ser construída em 1980, quando uma parceria entre a Eletronorte e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa, com a participação de outras instituições de pesquisa, deu início ao processo de resgate do material genético das principais espécies florestais existentes na área de inundação e de plantio em local específico. Era sabido que, depois do enchi­mento do reservatório da Hidroelétrica Tucuruí, muitas ilhas seriam formadas. A do Germoplasma foi uma delas. Foi um trabalho de resgate, espécie por espécie. O plantio foi feito numa área dividi­da em quadras e a Ilha passou a abrigar a parte nativa (in situ) e a plantada (ex situ).

A área da Ilha é de 129 hectares. O banco de conservação in situ compreende 32 ha de floresta nativa, com a identificação e marca­ção de 100% das árvores com diâmetro igual ou superior a 25 cm. Foram identificados e mapeados 2.914 indivíduos adultos, perten­centes a 221 espécies botânicas distribuídas em cinquenta famílias. No banco ex situ estão representadas 28 famílias botânicas e 82 espécies. Para esse fim, foram plantadas aproximadamente 15 mil mudas distribuídas em 29 quadras, com área total de 22.6 ha.

Para o analista ambiental da Eletronorte, Rubens Ghilardi Ju­nior, as espécies de árvores mantidas nas áreas de coleta de sementes florestais da Ilha de Germoplasma, das áreas de soltura e da Terra Indígena Parakanã, garantem a perpetuação dos recursos da floresta em seu estado natural. “Esta é uma conserva-ção consciente, pois por meio dos inventários florestais e o monitoramento fenológico das matrizes de sementes, é possível conhecer cada uma das ‘árvores-mães’ que geram sementes saudáveis e que estão sendo utiliza-das para reflorestamentos com objetivos ecológicos, sociais e comerciais. Os bancos de germoplasma mantidos pela Eletronorte permitirão que a região de Tucuruí e outras regiões recuperem sua vocação natural de uso sustentável de florestas nativas”, afirma.

Programas indígenas ­ A Eletronorte é responsável pelo desen­volvimento de dois programas indígenas cujos resultados apresen­ tados desde o final da década de 1980 são considerados referência no Brasil e no mundo. São os programas Waimiri Atroari, criado a partir da construção da Usina Hidroelétrica Balbina, no Amazonas; e Parakanã, no entorno da Usina Hidroelétrica Tucuruí, no Pará. Os dois programas envolvem ações de educação, saúde, apoio à

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produção e proteção ambiental, possibilitando o resgate das tradições, das terras e da dignidade daqueles povos indígenas.

Em julho de 2010 a população dos índios Parakanã era de 840 pessoas, resultado de uma taxa de crescimento de 4,8% ao ano.

A situação dos Parakanã antes do início do Programa, em 1986, era totalmente diferente. A população era de 247 pessoas. Na produ­ção havia dependência total dos alimentos fornecidos pela Funai. A cultura encontrava­se em processo de perda dos seus valores como festas tradicionais, pinturas corporais, e ritos de passagem e morte. A língua estava sendo perdida gradativamente bem como os conhe­cimentos dos mais velhos sobre a natureza, seus mitos, sua medicina, sua tecnologia, enfim sua história.

As escolas não existiam e a escrita era desconhecida. No campo da saúde o quadro era grave: epidemias de sarampo, malária e gripe, hepatite B, subnutrição, diarreias crônicas, nenhum atendi­mento odontológico, falta de vacinação e qualquer controle sobre a saúde. A terra era demarcada, mas com pendências de registros e regularização.

Hoje, além do aumento populacional, grandes roças têm tido produção de excedentes; foi regatada a prática do extrativismo e coletas de frutos para comercialização como açaí, cupuaçu, casta­nha entre outros, o que resultou em total independência alimentar. Também na cultura houve o resgate de todas as práticas culturais.

Na educação são doze escolas com 57,86% da população Paraka­nã alfabetizada na língua materna e em português, além de uma grande parte da população em processo de alfabetização. Na saú­de não se observa nenhuma doença imunoprevenível nos últimos 12 anos; controle total de doenças respiratórias; boa nutrição; controle da malária e de outras doenças endêmicas; controle to­tal da hepatite B; vacinação de 100% da população; controle in­formatizado da saúde dos índios e um programa de saúde bucal preventivo, curativo e corretivo.

A terra está demarcada, homologada, sem nenhum invasor; com fiscalização sistemática dos seus limites e dos transeuntes da

rodovia Transamazônica, que faz limite com a Terra Indígena Parakanã. A situação fundiária está totalmente regularizada, com registro em cartório de imóveis e serviço de patrimônio da União.

Em julho de 2010, a população dos Waimiri Atroari era de 1.404 pessoas, com uma taxa de crescimento de 5,77% ao ano.

Antes do início do Programa, em 1988, a população era de 374 pessoas. A redução populacional chegava a 20 % ao ano. Na pro­dução havia pequenas roças e dependência alimentar externa. A cultura encontrava­se em processo de perda dos seus valores, não se realizando mais as principais manifestações de seu patrimônio cultural e em fase de desmoralização como etnia.

Na educação, as escolas eram inexistentes e a escrita desconheci­da. No campo da saúde, o quadro era de epidemias de sarampo, malária e gripes, subnutrição, diarreias crônicas, nenhum atendi­mento odontológico, falta de vacinação e qualquer controle so­bre a saúde. A terra não estava delimitada, nem demarcada e com processo de invasão em andamento, além da situação fundiária totalmente irregular.

Hoje, a situação é totalmente diferente. Na produção observa­se grandes roças, estoque de animais para abate (peixes e gado) e total independência alimentar. Na cultura houve o resgate de todas as práticas culturais e de sua dignidade como povo indíge­na. Na educação são 21 escolas com 60 professores indígenas, 63,40% da população Waimiri Atroari alfabetizada e o restante em processo de alfabetização.

Na saúde, nenhuma doença imunoprevenível nos últimos 15 anos; controle total de doenças respiratórias; boa nutrição; controle de malária e de outras doenças endêmicas; vacinação de 100% da população; e controle informatizado da saúde dos índios.

A terra está demarcada, homologada, sem nenhum invasor e com fiscalização sistemática dos seus limites e dos transeuntes das estradas existentes dentro das terras indígenas Waimiri Atroari. A situação fundiária está totalmente regularizada, com registro em cartório de imóveis e serviço de patrimônio da União.

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Calha do vertedouro de Foz do Areia, primeiro vertedouro do Brasil com aeração da calha

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História das Barragens no Paraná

Brasil Pinheiro Machado e Denise Araújo Vieira Krüger

Figura 1- Estado do Paraná

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

IntroduçãoO Paraná é um estado rico em recursos hídricos, dotado de um sis­tema fluvial importante. A maior parte de seu território pertence à bacia hidrográfica do rio Paraná. Este rio faz a divisa do esta­do com o Paraguai e com Mato Grosso do Sul e recebe, em sua margem esquerda, os principais cursos de água que formam a hi­drografia paranaense, entre os quais se destacam os rios Iguaçu, Piquirí, Ivaí e Paranapanema, este último formando a divisa entre os estados do Paraná e São Paulo.

A drenagem em relação ao rio Paraná é conformada pela Serra do Mar, que se desenvolve paralelamente ao litoral Atlântico, a oeste de Curitiba com altitudes entre 1200 a 1800 m acima do nível do mar. Isto faz com que os principais cursos d’água do estado nas­çam próximo ao litoral e se desenvolvam em direção ao inte­rior, vencendo desníveis da ordem de 800 a 1000 m e com isso favorecendo a instalação de aproveitamentos hidroelétricos.

A leste da Serra do Mar, os cursos d’água apresentam elevados gradientes, com desníveis de 500 a 800 m vencidos em percursos menores de 80 quilômetros. A exceção é o rio Ribeira, que nasce a noroeste de Curitiba, no planalto, com altitudes da ordem de 800 m e desenvolve em direção ao litoral entrando no estado de São Paulo através de uma região onde a Serra do Mar permite uma passagem.

O aproveitamento dos recursos hídricos do estado foi fundamen­talmente ligado à geração hidroelétrica, e em muito menor grau,

à criação de pequenos reservatórios para o suprimento de água potável a algumas comunidades, particularmente Curitiba, Ponta­Grossa e Londrina.

A orografia que cria a barreira da Serra do Mar e faz com que os rios se afastem do litoral não favorece à navegação fluvial, em­bora tenha havido um período histórico em que esta atividade ocorreu. Isto foi no trecho superior do rio Iguaçu, entre União da Vitória e Curitiba, onde o rio flui no planalto e não se requeriam obras específicas para permitir a navegação, e, além disso, havia interesse econômico no transporte de erva­mate da região sul para as indústrias de beneficiamento instaladas em Curitiba.

História das Barragens no Paraná

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Figura 2 - Usina Termoelétrica de Curitiba - 1901

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Com a diminuição do valor desta atividade econômica, a partir dos anos 40, a navegação neste trecho desapareceu e não prosperou de forma significativa em nenhum outro local do Estado.

Por estas razões, a história das barragens no Paraná se confunde com a história da implantação da geração de energia elétrica para o atendimento público.

Os primórdios da geração elétrica no ParanáHistoricamente o estado do Paraná se desenvolveu em três regi­ões economicamente distintas: (i) o leste incluindo o litoral e os planaltos que formam o primeiro e o segundo degraus em direção ao rio Paraná, onde se destacam a cidades de Paranaguá, Curitiba, Ponta­Grossa, União da Vitória, de colonização antiga, originadas ou

inicialmente desenvolvidas a partir do comércio de tropas entre o Rio Grande do Sul e São Paulo; (ii) a região norte, colonizada a partir de Londrina e incluindo cidades como Maringá e Apucarana, desenvolvida a partir dos anos 30­40 com base na agricultura do café atingindo seu pico econômico nos anos 50 e estreitamente vincula­da economicamente ao estado de São Paulo; (iii) a região sudoeste, onde se destacam as cidades de Foz do Iguaçu e Cascavel, que se desenvolveram a partir dos anos 50­60, com a agricultura de ce­reais entre os quais trigo e soja, e colonizada com deslocamentos populacionais originados principalmente no Rio Grande do Sul. Apesar desta diversidade, o poder político sempre esteve em Curi­tiba e as ações de governo, incluindo a implantação de obras de infraestrutura, sempre tiveram a preocupação da integração das regiões, enfrentando grandes dificuldades até pelo menos o início dos anos 70. Em função destas peculiaridades a implantação de obras de eletrificação no Paraná ocorreu inicialmente, e durante muitos anos, na região leste do estado, centrada em Curitiba.

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Figuras 3a, 3b e 3c - Usina Hidroelétrica Serra da Prata – 1910

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

O primeiro esforço para eletrificação ocor­reu no dia 9 de setembro de 1890, quando o presidente da Intendência Municipal de Curitiba, Dr. Vicente Machado, assinou o contrato com a Companhia Água e Luz do Estado de São Paulo, para iluminar a cidade com “uma força iluminativa de onze mil velas”. Baseada nesse contrato, e com uma conces­são por 20 anos, a citada companhia instalou a primeira usina elétrica do Paraná, num terreno próximo à antiga estação ferrovi­ária, localizada atrás do então Congresso Estadual. A usina começou a funcionar, oficialmente, em 12 de outubro de 1892. Em 1901 foi instalada a primeira usina, termoelé­trica, propriamente dita, com dois conjuntos geradores de 200 cavalos­vapor cada.

Outras cidades na região, entre elas Pa­ranaguá, Ponta Grossa, União da Vitória e Campo Largo, somente dispuseram de geração elétrica na segunda década do século vinte.

As primeiras usinas geradoras, térmi­cas ou hidráulicas, instaladas no estado, pertenciam a empreendedores priva­dos locais que contratavam, geralmente com as prefeituras dos municípios corres­pondentes, os serviços de suprimento e distribuição diretamente aos consumido­res finais. A maior parte destes empreen­dedores era imigrante de origem alemã ou da Europa Central. Nomes como Hauer, Grollmann, Blitzkow e Schlemm tiveram papel importante nas iniciati­vas pioneiras no final do século XIX e primeiras décadas do século XX.

A primeira usina hidroelétrica do estado foi Hidroelétrica Serra da Prata, construída por técnicos ingleses, no litoral paranaense, para abastecer a cidade de Paranaguá, que começou a operar em 1910 com a potência de 510 kW, até 3 de agosto de 1970.

Um ano mais tarde, na região de Ponta Grossa, entrou em operação a usina de Pitangui, com 760 kW de potência.

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Figura 4 - Usina Hidroelétrica

Pitangui – 1911

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

É interessante observar que no discurso político, embora as insta­lações geradoras existentes e em estudo fossem todas privadas, a associação da geração de energia elétrica com recursos hidráulicos começa a aparecer no Paraná na segunda década do século XX.

O ano de 1910 marca a entrada das grandes empresas internacio­nais no negócio de energia elétrica no Paraná. Neste ano a con­cessão do suprimento elétrico da cidade de Curitiba foi adquirida do empresário local José Hauer pela empresa anglo­francesa South Brazilian Railways Company Ltd., que também implantava a ligação ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul.

Em 1913, o presidente do estado sabendo que o estado de Mato Grosso pretendia outorgar a concessão das Sete Quedas, no Rio Paraná para exploração energética (hoje inundadas pelo reservató­rio de Itaipu), telegrafou ao presidente daquele estado dizendo que este era um recurso paranaense, sobre o qual tinha “direito de posse”.

Em 1926 o governo do estado adquiriu de particulares, pela soma de 500 contos de réis, “as quedas d’água existentes no Rio Capivary, mu-

nicípios de Campina Grande e Bocaiuva com capacidade de 30.000 c.v. na máxima estiagem” situadas próximas a Curitiba, com a finalidade de “interessar a todos nossos industriais na organização de uma sociedade anonyma que tome a seu cargo a construção de uma usina hydro-eletrica e sua exploração”. Nada resultou desta iniciativa até 50 anos depois, quando então o rio Capivari foi aproveitado para geração de energia elétrica com um esquema muito diferente do que foi imaginado originalmente.

Em 1927, a AMFORP – American Foreign Power, um braço da empresa americana Electric Bond & Share Company se estabele­ceu no Brasil e, em 1928, com o nome de Empresas Elétricas Brasileiras contratou com o governo do Paraná a concessão da distribuição de energia elétrica em Curitiba. Logo em seguida constituiu uma empresa com o nome de Companhia Força e Luz do Paraná (CFLP) e a ela transferiu a concessão. Neste contrato o governo do estado requeria que a concessionária construísse “...uma usina para geração de energia eletrica por força hydraulica ...” no prazo máximo de 3 anos. Efetivamente, disto resultou a constru­ção da usina hidroelétrica de Chaminé, no rio São João, na Serra do Mar, no município de São José dos Pinhais, iniciada em 1929

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Figuras 5a e 5b - Mr. Howell Lewis Fry, ao centro, preparando acampamento (1928) e na inauguração da usina de Guaricana (1957)

Figura 6 - Mr. Howell Lewis Fry – Visita a Chaminé em outubro de 1978

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

e concluída em 1931. Aproveitando um desnível de mais de trezentos metros, a usina gera 18 MW através de quatro unidades Pelton.

Mr. Howell Lewis Fry, nascido nos Estados Unidos, desde os 22 anos trabalhou e se dedicou ao Brasil. Em 1928 começou a trabalhar nas Empresas Elétricas Brasileiras, quando esta realiza­va estudos no rio São João, que resultaram na usina de Chaminé. Mr. Fry era o engenheiro residente e assistente do superinten­dente geral, responsável por todo serviço de campo, de aprova­ção das fundações da barragem e da casa de força e, segundo ele: “Em 1929 nós tivemos que colocar cascalho na avenida principal de São José dos Pinhais para poder passar com os equipamentos que seriam usados na construção da usina de Chaminé”, e “em 1930 havia três escalas de prio-ridades para serviços urgentes: para a primeira, usava-se o cavalo, para a segunda a bicicleta e para a terceira, ia-se a pé...”

O trabalho de construção durou três anos e, como o aces­so era difícil para transportar pessoal, máquinas e peças, foi construído um trole, vagonete sobre trilhos, ligando os escri­tórios à casa de força. O trole acabou se tornando a principal característica de Chaminé por proporcionar uma viagem de 720 m, por uma exuberante reserva da Mata Atlântica, ven­cendo declives de até 55 graus. Operando desde 1929, o trole é acionado por motores que liberam e recolhem cabos de aço. Esses

motores eram operados a vapor na época da obra e foram automatizados em 1999.

A usina hidroelétrica Chaminé é atualmente alimentada por dois reservatórios no rio São João, formados pelas barragens de Salto do Meio e Voçoroca, 12 km a montante.

A barragem de Salto do Meio é do tipo concreto gravidade, com 12 m de altura e 92 m de extensão. Seu reservatório tem um volu­me útil de 500 mil m³, suficiente apenas para regularização diária. O vertedouro fica no trecho central da barragem e é equipado por flash-boards perfazendo 34 m de vão, com capacidade máxima de descarga de 360 m³/s.

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Figura 7a - Trole para acesso à casa de força – Usina hidroelétrica Chaminé

Figura 7 b – Barragem de Salto do Meio

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A barragem de Voçoroca foi iniciada somente em 1947, também sob a responsabilidade de Mr. Fry, é de concreto a gravidade, com 21 m de altura e 152 m de comprimento tendo em seu trecho cen­tral, três vãos vertedores com comportas radiais de 5,5 x 6,4 m para uma capacidade máxima de descarga 495 m3/s.

A CFLP continuou com a concessão e o suprimento de energia elé­trica à região de Curitiba até a década de 70 quando foi absorvida pelo governo do estado através da COPEL. Durante os 45 anos em que foi responsável por este mercado, a CFPL construiu, além da usina de Chaminé, mencionada anteriormente, a usina hidroelétrica de Guaricana, com 36 MW instalados também na Serra do Mar, a 75 km de Curitiba. Esta usina comissionada em 1957 utiliza as águas do rio Arraial, cujo reservatório é criado por uma barragem de

concreto a gravidade, com 29,5 m de altura e 95 m de extensão, tam­bém projetada e construída por Mr. Fry. Conforme explicado por ele, “na região destas usinas havia uma palmeirinha que os colonos usavam para fazer paredes e coberturas de casas e se chamava Guaricanga. Daí surgiu o nome Guaricana.” O vertedouro, na parte central, possui três vãos de 12,3 m de largura e flash boards de 2 m de altura. A usina aproveita uma queda superior a trezentos metros, gerando os 36 MW com quatro turbinas Pelton.

Além destas duas usinas hidráulicas, a CFLP desenvolveu outros estudos visando identificar locais promissores para a instalação de reservatórios e usinas geradoras. Em 1954 contratou um levanta­mento de possíveis locais nos rios Iguaçu e Tibagi, que embora distantes da região de Curitiba, onde era concessionária, po­deriam no futuro vir a ser alimentadores do seu sistema. Este estudo foi contratado com a firma americana de consultoria EBASCO International Corporation e nas suas conclusões há a iden­tificação das possibilidades técnicas de implantação de projetos de grande porte no rio Iguaçu, onde hoje se situam as usinas

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Figura 8a – Usina hidroelétrica Chaminé – Casa de força

Figura 8b - Interior da casa de força com os grupos geradores

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de Segredo (chamada na ocasião de Encantillado) e Salto Santiago. As conclusões deste relatório não ge­raram nenhuma ação específica e a CFLP continuou operando unicamente as hidroelétricas da Serra do Mar e instalações térmicas a Diesel em Curitiba até desa­parecer como empresa concessionária, nos anos 70.

O desenvolvimento dos recursos hídricos do estado para fins energéticos passou a ser explicitamente considerado como preocupação política governa­mental nos anos 40, com a criação do Serviço de

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Figura 9 – Usina hidroelétrica Presidente Vargas – Rio Tibagi – Grupo Klabin de Papel e Celulose (1947)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Energia Elétrica do estado, transformado em 1948 no Departa­mento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) com a atribuição de cuidar, em nível estadual, do suprimento de energia elétrica e do desenvolvimento de projetos hidroelétricos. Na realidade, este departamento governamental encampou incipientes serviços em municípios que não eram atendidos por empresas privadas organizadas como os das regiões de Curitiba, Ponta Grossa, Lon­drina, União da Vitória e cidades do chamado norte­velho. Nos municípios em que atuou instalou geradores Diesel e realizou um único projeto hidráulico, a mini­usina de Cotia, na região de Antonina, no litoral do estado.

O primeiro Plano Hidroelétrico do Estado foi elaborado em 1948, com previsão dos sistemas elétricos do sul apoiados nas usinas de Capivari­Cachoeira e Salto Grande do Iguaçu, do norte pelas

usinas de Salto Grande do Paranapanema, Capivara e Mourão, os dois interligados em Teixeira Soares, e do oeste com centros gera­dores isolados. Posteriormente, em 1952, este plano transformou­se em outro, a ser cumprido em duas etapas: a primeira, a curto prazo, com recursos orçamentários do DAEE, previa a construção de pequenas hidroelétricas (Cavernoso, Caiacanga e Laranjinha) e a segunda, dependente de financiamentos especiais, previa a cons­trução das centrais de maior porte, tais como Capivari­Cachoeira (105 MW), Tibagi (36 MW), Carvalhópolis (27 MW) e a termo­elétrica de Figueira (20 MW). O Departamento foi responsá­vel pela construção das usinas hidroelétricas de Ocoí em Foz do Iguaçu, desativada para a formação do lago de Itaipu, Caverno­so no rio Laranjeiras e Melissa em Cascavel, bem como pelo início das usinas de Chopim I em Pato Branco e Mourão I em Campo Mourão que foram posteriormente concluídas pela COPEL.

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Figura 10 – Usina hidroelétrica de Ocoí

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

A era da COPELEm 1954, seguindo o exemplo de Minas Gerais, o governo do es­tado criou a Companhia Paranaense de Energia Elétrica ­ COPEL, através do decreto n°14.917 de 26 de outubro, do então gover­nador Bento Munhoz da Rocha Neto, uma empresa de econo­mia mista que teria a atribuição de implementar o suprimento de energia elétrica do estado. Esta empresa seria uma instituição mais flexível que os órgãos governamentais tradicionais e poderia, in­clusive, habilitar­se de maneira mais eficaz aos financiamentos requeridos para a realização de obras de geração e transmissão.

A nova sociedade se destinava a “planejar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão e transformação, distribuição e comércio de energia

elétrica e serviços correlatos,” e teve como seu presidente nomeado The­místocles Linhares. A primeira diretoria da COPEL incluiu como diretor técnico, o professor Pedro Viriato Parigot de Souza, cate­drático da cadeira de hidráulica na Escola de Engenharia da Uni­versidade do Paraná (atualmente Universidade Federal do Paraná). O professor Parigot tinha já, na época, uma reputação técnica ligada a questões energéticas por ter participado da discussão de planos governamentais envolvendo usinas hidroelétricas na Serra do Mar. Nesta primeira diretoria da COPEL foi de sua res­ponsabilidade a formulação técnica racional de uma evolução objetiva e realista da oferta de energia elétrica no estado que, como indicado anteriormente, era extremamente precária. En­tretanto, mudanças no governo do estado afastaram a diretoria inicial da empresa em menos de um ano após sua instalação.

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Figura 11 - Mapa de 1915 com os primeiros estudos

para o aproveitamento do Rio Capivari

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Não obstante, na curta gestão de sua participação inicial na em­presa, o professor Parigot implantou uma filosofia de seriedade e respeito técnico. Isto fez com que a COPEL pudesse atrair um con­junto de engenheiros que teve uma atuação decisiva na evolução bem sucedida da empresa especialmente nos anos 60, quando novamente este voltou à empresa, agora como presidente e go­zando da inteira confiança do governador. Fizeram parte deste grupo os engenheiros Hiran Lamas, Maurício Schulman, Nel­son Luiz de Sousa Pinto, Péricles Tourinho e Clodoveu Holz­mann, entre outros, que tinham sido admitidos na empresa entre 1955­60 e neste período desenvolveram estudos importantes que deram origem às obras executadas no período seguinte.

Entre estas obras destaca­se o aproveitamento hidroelétrico Capivari­Cachoeira, atualmente denominado usina hidroelétrica Governador

Parigot de Souza, que consiste na derivação do rio Capivari que se desenvolve no planalto, para o rio Cachoeira, no litoral, vencen­do o degrau de mais ou menos 800 m da Serra do Mar. A idéia do aproveitamento do rio Capivari, que corre relativamente próximo a Curitiba, era antiga, como mencionado anteriormente. Entretanto, a derivação para o litoral vencendo desnível importante foi nesta ocasião revista e estudada detalhadamente. Para isto três empresas internacionais, de países diferentes, foram chamadas e encarregadas de propor soluções técnicas para o aproveitamento. A solução que prevaleceu foi proposta pela SOGREAH, francesa, e consiste em uma barragem no rio Capivari e desvio para o rio Cachoeira, no litoral, através de sistema de túneis de grande extensão e casa de força única, subterrânea, instalada com quatro grupos Pelton somando 260 MW de potência. Outras soluções propostas consideravam várias usinas menores em sequência, instaladas ao longo da encosta da serra.

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Figura 12 – Usina hidroelétrica Capivari - Cachoeira – Perfil esquemático

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lado por comportas vagão, que foi utilizado para o desvio e suple­menta a capacidade do vertedouro em 250 m3/s. Juntamente com as demais obras do aproveitamento a barragem começou a operar em outubro de 1970 e ao longo deste período demonstrou um desempenho excelente sem nenhum incidente.

Na construção desta usina a Copel se projetou no panorama da energia brasileira, conquistando dois recordes para a época: maior avanço médio em escavação subterrânea em obras do gênero e maior volume de concretagem mensal no interior dos túneis.

Apesar da relevância de Capivari­Cachoeira, não foi este o único empreendimento desenvolvido pela COPEL no início dos anos 60. A chamada Usina Piloto do Salto Grande do Iguaçu foi também nesta época projetada e construída. O rio Iguaçu nasce na região urbana de Curitiba e se desenvolve em uma região do planalto com baixas declividades até as imediações da cidade de União da Vitó­ria, na divisa com Santa Catarina. Logo a jusante desta cidade o rio entra na região dos basaltos e aí ocorre o primeiro salto abrupto dos vários que o rio apresenta ao longo de percurso. Este é o chamado Salto Grande do Iguaçu. Neste local, naquela época, se estudou um aproveitamento de porte médio que foi considerado muito grande para atender a demanda existente. Imaginou­se então

Para a construção do aproveitamento a COPEL criou, no início dos anos 60, uma subsidiária específica a ELETROCAP e outorgou a Hiran Lamas e Nelson de Sousa Pinto a responsabilidade de sua implementação. Foi decidido desenvolver o projeto detalhado com esforço próprio, assistido por consultores pessoas físicas e não empresas. Maurice Bouvard foi contratado como consultor ge­ral do projeto, Milton Vargas como consultor para a barragem de terra no rio Capivari e o incipiente laboratório de hidráulica da Universidade do Paraná, CEPHH (mais tarde CEHPAR e hoje Lactec) recebeu a incumbência de realizar os estudos hidráulicos em mode­lo reduzido. Apesar de inusitada e mesmo arriscada, a decisão de executar o projeto e a supervisão da construção com equipe pró­pria, prescindindo da contratação de uma empresa de projeto, não só foi muito bem sucedida como também foi importante na for­mação e desenvolvimento de quadros técnicos locais treinados em empreendimentos de dimensões e de grande complexidade, que nunca haviam sido feitos no estado.

A barragem do Capivari pode ser considerada como a primeira bar­ragem de porte realizada no Paraná. Tem 60 m de altura, é de terra homogênea e dispõe de vertedouro de superfície em canal, controla­do por duas comportas de segmento, para uma vazão de projeto de 750 m3/s. Dispõe também de um descarregador de fundo, contro­

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Figura 13 – Usina hidroelétrica Capivari Cachoeira – fotos da casa de força

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

uma usina menor que serviria como passo inicial para um apro­veitamento futuro de maiores dimensões. Por isso foi chamada de “usina piloto”. O projeto foi contratado com o engenhei­ro Cardellini, de formação italiana e radicado em São Carlos, São Paulo. O conceito do projeto previa um canal de adução de pare­des curvas na margem esquerda, alimentando uma barragem­tomada d’água em arco com 4 grupos geradores de 3,8 MW cada um. O fluxo principal do rio não era afetado e continuava livre so­bre o salto. O projeto de características hidráulicas e constru­tivas complicadas foi estudado no laboratório de hidráulica do CEHPAR, foi construído a partir de 1962 e entrou em operação em setembro de 1967. Este empreendimento, 15 anos mais tarde, foi inundado pelo reservatório de Foz do Areia.

Outra iniciativa importante nesta época foi a contratação de um estudo para verificar a viabilidade técnica e econômica da reversão do alto rio Iguaçu para o litoral, num esquema semelhante ao projeto Capivari­ Cachoeira, mas agora revertendo uma vazão muitas vezes maior. Para isto foi contratada a IECO – International Engineering Company, dos Estados Unidos, que tinha contratos em andamento com Furnas e grande repu­tação técnica. O estudo final viabilizava o empreendimento (supondo a existência de demanda) com três barragens no alto Iguaçu associadas a estações elevatórias, túneis de adução e casa de força subterrânea com aproximadamente 4.000 MW instalados e restituição através de túneis de fuga descarregando próximo a Garuva, na divisa entre o Paraná e Santa Catarina. O empreendimento não prosperou porque, entre outras razões, não existia demanda para tal potência. Houve tentativas

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Figura 14 – Barragem de

Capivari-Cachoeira

Figura 15 - Vista da casa de força

da usina de Salto Grande do Iguaçu

– 15.200 kW

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modestas de acordo com o estado de São Paulo para o desenvolvi­mento em parceria, mas que também não progrediram porque este estado estava iniciando na ocasião os grandes projetos do Complexo Urubupungá, no rio Paraná (Jupiá e Ilha Solteira) que, embora mais distantes da capital do estado e mais caros que a alternativa do Iguaçu, não podiam politicamente ser trocados por projeto em outro estado.

Entretanto, houve uma parceria importante para ocasião, entre os estados de São Paulo e do Paraná, através da participação da COPEL na USELPA – Usinas Elétricas do Paranapanema, do governo paulista, com base na qual foi possível o suprimento de energia elétrica à região de Londrina e Maringá a partir da usina de Salto Grande do Paranapanema.

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Figura 16 - Inauguração de Salto Grande do Iguaçu em 29 de setembro de 1967. Da esquerda para direita: professor Parigot de Souza, general José Costa Cavalcanti e governador Paulo Pimentel

Figuras 17a e 17b - Usina hidroelétrica de Foz do Chopim - casa de força e barragem

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Na segunda metade dos anos 60 a COPEL desenvolveu o projeto e construiu a usina hidroelétrica de Foz do Chopim, chamada pos­teriormente de Júlio de Mesquita Filho, com 44 MW, no oeste do Estado. O rio Chopim é um afluente pela margem esquerda do rio Iguaçu, atingindo este rio após desenvolvimento em várias curvas (falsos meandros) ocasionadas pela orografia da região basáltica. Com uma pequena barragem­tomada d’água na última curva, a vazão do rio Chopim é encaminhada por meio de canal aberto e conduto forçado a uma casa de força equipada com dois grupos de 22 MW cada, situada na margem esquerda do rio Iguaçu. Este empreendimento foi projetado pela SERETE Engenharia, de São Paulo. Pela COPEL o responsável foi o engenheiro Arturo Andre­oli, que mais tarde viria a ser presidente da empresa e responsável pelas obras subsequentes no rio Iguaçu até o final dos anos 70.

Um fato extremamente relevante ocorrido na segunda metade dos anos 60, foi a constituição do Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul – Comitê Sul, sediado em Curitiba e organizado sob a gestão da COPEL. O Comitê Sul era a continuação dos estudos executados na região Sudeste pela CANAMBRA, e foi formado por engenheiros canadenses e americanos que haviam atuado no Sudeste e por profissionais locais designados pela COPEL, além de alguns designados pelas empresas de Santa Catarina e do Rio Grande

do Sul. O objetivo do Comitê Sul era o levantamento das principais bacias hidrográficas dos três estados sulinos (menos os rios que já tinham sido considerados no estudo do sudeste: Tibagi e Ribeira do Iguape e dos trechos que formam fronteira internacional) com o propósito de identificar e avaliar os locais potencialmente ade­quados, técnica e economicamente, para desenvolvimento hidro­elétrico. O estudo desenvolvido entre 1967 e 1969 identificou as principais obras no curso principal e afluentes dos rios Iguaçu, Piquiri

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Figura 18 - Usina hidroelétrica de Salto Osório

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e Ivaí, no Paraná, Canoas e Uruguai, em Santa Catarina, e Rio Grande do Sul, Jacuí, Ibirapuitã e Camaquã, no Rio Grande do Sul. Apesar de ter havido revisões nos resultados dos estudos, quase todos os potenciais identificados estão hoje aproveitados.

No final dos anos setenta, com base no resultado dos estudos do Comitê Sul – CANAMBRA, a COPEL decidiu pleitear e cons­truir a usina hidroelétrica de Salto Osório. Esta decisão, que poderia parecer injustificada, pois iniciava o desenvolvimento do rio com uma obra situada longe das cabeceiras, foi tomada por razões prá­ticas uma vez que no local estava sendo finalizada a construção de Foz do Chopim e existia uma estrutura de apoio para o início de um novo empreendimento. A decisão e a implementação com su­cesso das gestões voltadas para a realização da obra são devidas ao engenheiro Arturo Andreoli, então diretor técnico da empre­sa. Depois de Capivari­Cachoeira, Salto Osório (1.050 MW) foi a grande realização da COPEL no início dos anos 70 e o ponto de partida para os sucessos seguintes.

O projeto de engenharia de Salto Osório foi contratado com o consórcio SERETE (que já atuava em Foz do Chopim) e Kaiser Engineers Corp., dos Estados Unidos. O gerente do projeto do consórcio projetista foi o engenheiro Warren Schumann que teve um papel fundamental no desenvolvimento da maioria das obras do rio Iguaçu. Pela primeira vez no Paraná, foi estabelecida pela COPEL uma junta de consultores independentes, que também teriam um papel muito importante nas obras subsequentes. Esta junta era formada pelos engenheiros J. Barry Cooke, James Libby, Thomas Leps e Victor F. B. de Mello.

A solução técnica do projeto inclui uma barragem de enrocamen­to com núcleo inclinado de argila, com 56 m de altura máxima e 750 m de comprimento, e dois vertedouros com capacidade con­junta de descarga de 27.000 m3/s. Nas discussões para a formulação do arranjo e do tipo de barragem, houve a sugestão da junta de consultores para adoção de uma barragem de enrocamento com face de concreto, mas como não havia antecedentes deste tipo de obra no Brasil, a COPEL não aceitou a sugestão.

Um outro aspecto relevante no desenvolvimento deste projeto foi o fato de que, apesar da COPEL ter tido a iniciativa do empreen­dimento, a recente criação, na época, de uma empresa federal que teria a exclusividade na geração de obras de propósito supra­esta­dual, fez com que a concessão fosse transferida para a ELETRO­SUL. A COPEL, entretanto, conseguiu ser designada a “gestora” do empreendimento e seguiu assim até o final da obra, em 1974.

Antes do final de Salto Osório, a ELETROSUL e a COPEL se mobilizaram politicamente para realizar outras obras no rio Iguaçu tomando sempre por base a previsão de obras formulada pelo Comitê­Sul – CANAMBRA.

A ELETROSUL fixou seu objetivo na usina de Salto Santiago (1.420 MW), situada imediatamente a montante de Salto Osório com a possibilidade de iniciar serviços de campo a partir da base estabelecida em Salto Osório. Ela obteve sucesso em seu pleito pela concessão do aproveitamento e contratou os estudos de engenharia de projeto com a Milder­Kaiser Engenharia S.A. em 1974, que re­tomou alguns estudos preliminares já executados para a ELETRO­SUL em anos anteriores, pela SERETE. A ELETROSUL, naquela

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Figura 19 - Obra e fechamento do desvio do rio da usina hidroelétrica de Salto Santiago. Engenheiros e consultores (a partir da esquerda: Brasil P. Machado, Jaime

L. Piuma, Kamal Kamel, Thelmo Thompson Flores, Arturo Andreoli)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

época, era dirigida pelo engenheiro Mario Lannes e seu diretor técnico era o engenheiro Fernando Correa de Azevedo. A Milder­Kaiser que tinha sido organizada em São Paulo por Isaac Milder, oriundo da SERETE, montou uma estrutura técnica no Rio de Janei­ro e designou para a gerência do Projeto Salto Santiago o engenheiro Jaime Leivas Piuma que foi o principal responsável pela engenha­ria desta obra. A ELETROSUL, seguindo a prática de Salto Osório contratou o mesmo grupo de consultores especiais daquela obra: J. Barry Cooke, James Libby, Victor F. B. de Mello e Thomas Leps.

A usina hidroelétrica de Salto Santiago, projetada para uma insta­lação de 2.000 MW, foi construída pela Camargo Correa estrita­mente no cronograma estabelecido inicialmente, com a primeira unidade entrando em operação no final de 1980. O projeto incluiu uma barragem principal de enrocamento com núcleo de argila,

com 80 m de altura, e uma barragem de terra homogênea fechando um ponto baixo no reservatório.

A COPEL centrou sua atenção nas obras previstas no trecho ini­cial do rio Iguaçu, Lança a montante de União da Vitória, Salto

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Figura 20 - Usina hidroelétrica

Salto Santiago

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Grande do Iguaçu e Foz do Areia a jusante desta cidade. Em 1973 contratou os serviços de engenharia da Milder­Kaiser e assegurou a participação técnica, como gerente do projeto, de Warren Schu­mann, da Kaiser Engineers. Os estudos realizados pela Milder­Kaiser mostraram que Lança, uma barragem baixa criando um reservató­rio de área muito extensa tinha méritos, mas resultava economica­mente menos atraente que uma variante de Foz do Areia que, com uma barragem muito mais alta, inundasse o Salto Grande do Iguaçu estabelecendo o nível máximo em cota compatível com a cidade de União da Vitória. Esta alternativa, chamada na época Foz do Areia Alto, prevaleceu pois, além de criar um reservatório regulador semelhante ao previsto para Lança, tinha menor área e criava uma queda aproveitável para geração de energia. O engenheiro Arturo Andreoli, presidente da COPEL na época, teve o gran­de mérito de assegurar o projeto para o Paraná e de convencer a ELETROBRAS a criar uma exceção à regra que determinava que

só empresas federais poderiam construir obras de geração que ultra­passassem a demanda do estado onde se situam.

Definidas as características energéticas e orográficas de Foz do Areia a seleção do tipo de barragem que teria 160 m de altura demandou longas discussões técnicas. A COPEL contratou, como fizera em Salto Osório, uma junta de consultores especiais, agora formada por J. Barry Cooke, Victor F. B. de Mello e Nelson Luiz de Sousa Pinto. A influência de Barry Cooke fez com que se decidisse por uma barragem de enrocamento com face de concreto, que não só seria a primeira do tipo no país, mas seria na época a mais alta do mundo neste tipo. Isto tudo fez com que o grupo técnico envolvido na concepção e desenvolvimento da obra fosse formado e mantido com pessoal de alta qualificação. A projetista, Milder-Kaiser, já dis­punha de um quadro técnico de primeiro nível e a COPEL trouxe da Colômbia o engenheiro Bayardo Materón, que tinha experiência

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Figuras 21a e 21b – Obras da usina hidroelétrica Foz do Areia

Figura 22 - Usina hidroelétrica Foz do Areia

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

neste tipo de obra nas realizações na­quele país, e designou o experiente en­genheiro Pedro Marques Filho, para o acompanhamento e controle dos ma­teriais de enrocamento e questões ge­ológicas associadas. A construção da obra foi dividida em dois contratos: o primeiro para os túneis de desvio e pré­ensecadeiras foi realizado pela Andrade Gutierrez; o segundo, para o restante das obras civis foi outorgado à CBPO hoje uma empresa do Grupo Odebre­cht. A usina, projetada para 2.500 MW teve sua primeira unidade entrando em operação em outubro de 1980, estrita­mente de acordo com o cronograma formulado 5 anos antes.

Para que a obra começasse a deslan­char, em janeiro de 1975, a Copel ini­ciou a implantação das obras de infra­estrutura que incluíam uma verdadeira cidade, Faxinal do Céu, cerca de 12 km da obra, com 1.600 residências e to­

dos os serviços urbanos necessários. Um pouco antes da implantação da planejada Faxinal, com o interesse da população ribeirinha por Foz do Areia, em busca de um novo “Eldorado” iniciou-se a formação de um pequeno povoado próximo ao canteiro da usina. Com a influência da novela da época (1973), “Fogo sobre Terra”, a pequena vila em formação recebeu o nome de Nova Divinéia e seus principais personagens inspiraram nomes de bares, pensões e outros ramos comerciais, tais como Barbearia Sandra Bréa e Bar Pedro Azulão.

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Figura 23 – Visita às obras de Foz do Areia em 31 de agosto de 1979, na qual foi confirmada a concessão da usina hidroelétrica Segredo. A partir da esquerda Douglas Souza Luz, governador Ney Braga e o presidente João Figueiredo discursando

Figura 24 – Assinatura do contrato do projeto da usina hidroelétrica Segredo em 19 de março de 1980. Da esquerda para direita Lindolfo Zimmer (diretor de engenharia e construções da COPEL), Douglas Souza Luz (presidente da COPEL), governador Ney Braga assinando, Brasil Pinheiro Machado (diretor técnico da Milder Kaiser), Fernando Luiz Correa de Azevedo (presidente Milder Kaiser) e Willian Simonsen (diretor comercial da Milder-Kaiser)

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Desta forma, no princípio da década de oitenta as grandes barragens do Paraná vinculadas à COPEL e ELETROSUL eram Capivari, Salto Osório, Salto Santiago e Foz do Areia, hoje denominada usina hidroelétrica Go­vernador Bento Munhoz da Rocha Netto. A década de oitenta foi marcada pela crise da dívida externa brasileira que fez com que as fontes de financiamento do governo secas­sem e poucas obras pudessem ser realizadas. No Paraná a COPEL fez várias tentativas de viabilizar financiamentos para a próxima usina do rio Iguaçu, Segredo e desta obra so­mente conseguiu executar os túneis de desvio e escavações preliminares para a barragem.

A usina de Segredo, a jusante de Foz do Areia tinha sido planejada para ser cons­truída contemporaneamente com Salto Santiago, que por isso tinha tido a cota má­xima do seu reservatório aumentada em 15 m de modo que numa operação conjunta houvesse ganho de volume em Santiago e de queda em Segredo. Neste conceito, Se­gredo seria uma obra da ELETROSUL que efetivamente realizou estudos incluindo al­ternativas com barragens de concreto em abóbada propostas pela Enge­Rio. Entretan­to, por problemas econômico­financeiros, a obra de Segredo foi postergada.

Durante a visita do então presidente da re­pública João Figueiredo à obra de Foz do Areia, em 31 de agosto de 1979, foi confir­mada a concessão da usina de Segredo para a COPEL, com potência prevista à época de 2.100 MW e foram iniciadas as ativida­des de projeto. Para isso foram contratadas

as empresas MDK (sucessora da Milder­Kaiser agora parte do grupo CNEC) e CENCO. Manteve a mesma junta de consultores especiais de Foz do Areia. O projeto incluiu uma barragem de enrocamento com face de concreto com 145 m de altura formulada com os mesmos conceitos de Foz do Areia. De 1982 a 1987 o projeto foi desenvolvido sob a gerência do engenheiro Kamal Kamel, naquele tempo, na MDK. Em 1985 foi contratada

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Figuras 25a e 25b – Obras da usina hidroelétrica Segredo

Figura 26 - Usina hidroelétrica Segredo

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

a construção das obras do desvio com a Construtora CR Almeida S.A. Estas obras duraram aproximadamente um ano e a continuação não pode ser realizada por problemas políticos e econômico-financeiros. Em 1988 foi possível a retomada da obra que foi contratada com um consórcio de empresas do Paraná: DM Construtora de Obras, CESBE e SINODA. A obra foi concluída em 1992 e a geração inicial ocorreu em julho daquele ano sendo hoje denominada Usina Hidroelétrica Governador Ney Braga.

Desde o inventário, a motorização e energia da usina hidroelétrica Segredo consideraram as águas do rio Jordão, que é um tributário importante do rio Iguaçu. Com a definição da implantação da usina de Salto Santiago em cota mais alta que a originalmente prevista, o eixo da usina de Segredo foi modificado para montante da foz do rio Jordão.

Durante a implantação da hidroelétrica de Segredo, considerou­se para efeito de motorização a derivação das águas do rio Jordão através de conjunto barra­gem, vertedouro e túnel de interligação entre os dois reservatórios. O conjun­to de obras de derivação do rio Jordão contempla ainda uma pequena central hidroelétrica para aproveitamento da vazão mínima de 10 m3/s necessária à pereni­zação do trecho a jusante do rio Jordão, por questões ambientais.

A obra foi iniciada em maio de 1994 e concluída em outubro de 1996, permi­

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Figuras 27a e 27b – Derivação do rio Jordão durante a construção. Barragem e túnel de derivação

Figura 28 – Derivação do rio Jordão

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tindo a geração na usina hidroelétrica Segredo com as águas derivadas do rio Jordão. A PCH entrou em operação em 2 de dezembro de 1997 comple­tando o complexo energético Segredo­Jordão, com uma potência instalada de 6,5 MW e queda líquida de 71,5 m. O projeto básico foi executado pela MDK Engenharia de Projetos, e o projeto executivo foi feito internamente pela COPEL ­ Companhia Paranaense de Energia, concessionária dos dois apro­veitamentos do complexo. A licitação para contratação das obras permitiu a escolha pelo empreiteiro entre dois projetos, um com solução da barragem em enrocamento com face de con­creto e o outro arranjo em barragem de concreto compactado com rolo.

A proposta vencedora foi apresentada pelo consórcio formado pela empresa paranaense Ivaí Construtora de Obras e

pela italiana Del Favero S.p.A. considerando o arranjo utilizando barragem de concreto compacta­do com rolo. O arranjo selecionado tem o vertedouro em soleira livre incorporado à barragem, que possui altura máxima de 95 m, utilizando 570.000 m3 de concreto compactado com rolo e 80.000 m3 de concreto convencional. O túnel da derivação tem extensão de 4.800 m e diâmetro de 9 m.

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Figura 29 – Engenheiros da COPEL e consultores durante reunião da junta de consultores da derivação do rio Jordão

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

O projeto executivo foi gerido e coordenado pelo engenheiro José Marques Filho da COPEL, tendo como consultor de mate­riais para a barragem o engenheiro Francisco Rodrigues Andriolo. Esta foi a primeira barragem de porte expressivo de CCR no Brasil, e a primeira que demonstrou a competitividade deste tipo de solução. A junta de consultores foi composta pelo renomado engenheiro paranaense Nelson Luiz de Sousa Pinto e os con­sultores internacionais J. Barry Cooke, Thomas M. Leps e Paolo Cassano. Colaboraram, também, no processo de definições da barragem de CCR, os consultores Walton Pacelli de Andrade, Paulo José Melaragno Monteiro e Brian Forbes.

A última barragem realizada no curso do rio Iguaçu foi a usi­na hidroelétrica de Salto Caxias, atualmente usina hidroelétrica Governador José Richa. Esta obra estava prevista na divisão de quedas proposta pelo Comitê­Sul – CANAMBRA, porém com nível de represamento mais baixo, permitindo a construção de uma outra obra – Cruzeiro – a jusante de Salto Osório e a mon­tante de Foz do Chopim, mencionada anteriormente. Estudos realizados ao longo da década de oitenta pela COPEL indicaram a

conveniência de aumentar o nível de represamento, levando o re­manso até Salto Osório e inundando Foz do Chopim. Esta foi a solução adotada e que deu origem, em 1992, à contratação do consórcio projetista liderado pela INTERTECHNE e formado adicionalmente por ENGEVIX, LEME e ESTEIO, que havia ven­cido a licitação promovida pela COPEL. Este consórcio realizou os estudos de engenharia e meio­ambiente incluindo projeto básico e executivo civil e eletromecânico. A barragem selecionada foi de concreto compactado a rolo (CCR) com 67 m de altura e 1.083 m de comprimento. O gerente do projeto foi o engenheiro Kamal Kamel, da INTERTECHNE. Uma característica significativa é o vertedouro controlado por comportas com vazão de projeto de 50.000 m3/s. A construção foi contratada com a DM Constru­tora de Obras que já havia atuado no Projeto Segredo. A usina entrou em operação em 1998 seguindo estritamente o cronograma de obras pré­determinado.

Na época de sua construção foi um passo muito significativo em termos de volume da barragem com cerca de 1.000.000 de m³ e em capacidade do vertedouro incorporado.

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249Figura 31 - Usina hidroelétrica Salto Caxias

Figuras 30a e 30b – Obras da usina hidroelétrica Salto Caxias

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Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIGFazendo progresso com energia

Flavio Miguez de Mello

Figura 1 – Início da obra da hidroelétrica de Gafanhoto sobre o rio Pará em Divinópolis, inaugurada em 1946

Usina hidroelétrica de São Simão. A mais importante usina da Cemig: a de maior produção de energia e a mais rentável

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Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIGFazendo progresso com energia

A pré-históriaNo estado de Minas Gerais antes da II Gran­de Guerra Mundial a energia elétrica era escassa. Muitas micro­usinas hidroelétricas supriam a necessidade de energia de fazendas isoladas e mesmo de pequenas cidades. Destacava­se na época a Zona da Mata que era suprida pela Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina CFLCL no vale do rio Pomba e pela Companhia Mineira de Eletricidade no vale do rio Paraibuna, nas pro­ximidades de Juiz de Fora. A capital do estado era suprida pelo grupo da AMFORP. Essas empresas passaram a sofrer as consequências funestas do Código de Águas, criado em 1934 com o pretexto de disciplinar o regime de concessões dos serviços de eletricidade que até então era anárquico, pois as concessões eram dadas por estados e municípios. Dentre as

“Trata-se (a Cemig) da mais bem sucedida história dentre todas as

experiências em âmbito estadual” Antonio Dias Leite Jr., 2007.

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Figura 2 – Lucas Lopes, primeiro presidente da CEMIG

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

consequências funestas estava a eliminação da cláusula ouro que ga­rantia às empresas o reajustamento das tarifas. Como as empresas acima mencionadas eram privadas, passou a haver dificuldades para o correto equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de con­cessão na medida em que a inflação, ainda que nos níveis modestos da época, desestimulava novos empreendimentos de geração, trans­missão e distribuição de energia elétrica. Das empresas privadas que atuavam em Minas Gerais, apenas a CFLCL sobreviveu ao Código de Águas que era mais de energia do que de águas. Águas era só o pretexto. O principal objetivo do Código de Águas era a paralisação das empresas privadas do setor elétrico o que gerou considerável gargalo na expansão da oferta de energia elétrica e, consequente­mente, desaceleração no desenvolvimento econômico no pós guer­ra, época em que houve forte incremento da economia em quase todos os outros países. O gargalo acima mencionado propiciou o aparecimento do estado na geração de energia elétrica.

O Código de Águas estabeleceu determinados princípios tais como o de que todos os recursos hídricos eram da União e, consequen­temente, o poder concedente passou a ser exercido pela União. Para tanto foi criada a Divisão de Águas no Ministério da Agricul­tura, antecessora do Departamento de Águas e Energia Elétrica DNAEE que deu origem às atuais Agências Nacionais de Águas ANA e de Energia Elétrica ANEEL.

No estado de Minas Gerais o início da participação do estado na geração de energia elétrica começou a ocorrer no governo Milton Campos que formulou um plano de maior envergadura para aten­dimento das necessidades de eletrificação do estado. O secretário de viação e obras públicas entre 1947 e 1951, engenheiro José Rodrigues Seabra contratou a consultora Companhia Brasileira de Engenharia para elaborar o Plano de Eletrificação de Minas Ge­rais. A intenção do engenheiro Seabra era que o engenheiro Lucas Lopes se encarregasse de comandar a elaboração do plano com o apoio da consultora. Entretanto, nem a consultora nem Lucas Lopes tinham experiência na elaboração de planos dessa natureza. Na formação da equipe foram incluídos os engenheiros Mauro Thibau e John Cotrim. Pela primeira vez foi feito no Brasil um plano de obras públicas tão abrangente. Foi feito um detalhado levantamento das vocações econômicas mineiras e dos locais onde essas vocações deveriam ter o suporte de energia elétrica. A idéia era criar a infra­estrutura energética para incentivar a implantação de indústrias e de atividades de mineração. A esse respeito, os mineiros não perdoaram Getúlio Vargas por não instalar a primeira grande siderúrgica em Minas Gerais apesar do Macedo Soares ter explicado inúmeras vezes que foi selecionado o local de Volta Redonda por questões de mer­cado pois siderúrgicas devem ficar próximas ao mercado e não ao minério. Mas o Plano de Eletrificação garantiu a energia necessária para a instalação da Mannesmann em Minas Gerais.

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Figura 3 - Bilhete do governador Juscelino Kubitschek, dirigido ao seu secretário de Viação e Obras Públicas, José Esteves, datado de 22 de fevereiro de 1951: “O Sílvio

Barbosa e o Júlio vão lhe falar sobre os planos que desejo pôr em execução no sector de energia elétrica. Para facilitar-lhe a organização e dar-lhe o caráter comercial que

possibilite entendimentos com fi rmas fi nanciadoras, precisamos estabelecer um “holding” que controle as atividades gerais das diversas centraes elétricas que pretendemos construir. Peço combinar com eles e assentar em defi nitivo as medidas. Grato.”

C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S

Na campanha presidencial de 1950 Getúlio se disse em dívida com Minas Gerais e prometeu a instalação de uma segunda siderúrgica em território mineiro. A Mannesmann tinha planos de se instalar no Rio de Janeiro e foi ao Getúlio, então presidente da República, para pedir apoio federal para implantação da nova siderúrgica. Em resposta Getúlio disse “Eu dou tudo que os senhores quiserem contanto que essa usina vá para Minas”. Os alemães argumentaram que em Minas Gerais não havia energia elétrica. Getúlio disse aos alemães que procurassem o recém governador de Minas Gerais pois ele havia mencionado o Plano de Eletrifi cação elaborado no governo Milton Campos. Juscelino afi rmou aos alemães: “Podem instalar a usina que nós garantimos a energia”. Essa garantia dada pelo governa-dor foi a principal razão do sucesso inicial da CEMIG uma vez que passou a haver a necessidade de promover o suprimento de energia elétrica tão logo que a siderúrgica fi casse pronta.

Empossado no governo Milton Campos, enquanto o Plano de Eletrifi cação era formulado, o engenheiro Américo René Gianetti, titular da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho, dava início a algumas hidroelétricas. Foram criadas empresas estatais estaduais para implantação das primeiras hidroelétricas estatais em Minas Gerais que posteriormente foram incorporadas pela CEMIG quando esta foi criada no governo Juscelino Kubitschek. Assim, foram criadas a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Doce para implantar a hidroelétrica de Santo Antônio, a Companhia de Ele-tricidade do Médio Rio Doce para a construção da hidroelétrica de Tronqueiras, a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande para implementar a hidroelétrica de Itutinga.

Como essas empresas existiam e como era necessário haver recursos para o pagamento dos salários dos executivos que iriam comandar a CEMIG que ainda não existia, os membros da equi-pe de transição fi caram sendo diretores dessas empresas. Assim, foram diretores dessas empresas Lucas Lopes, John Cotrim, Pedro Laborne Tavares, Júlio Soares e José de Castro.

A CEMIG em seus primeiros anosA CEMIG foi fundada em 22 de maio de 1952. Desde o seu início até 1955/1956 a CEMIG dedicou-se basicamente à construção de usinas hidroelétricas, algumas das quais já se encontravam em

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Figura 4 - Assinatura de contrato para financiamento no Export Import Bank para construção da usina de Camargos. Da esquerda para a direita: Mário Bhering, vice-presidente da Cemig, Cândido Hollanda de Lima, presidente da Cemig, e S. Wangh, presidente do Eximbank

Figura 5 - Inauguração da Usina Hidroelétrica de Camargos em janeiro de 1961, vendo-se o governador Bias Fortes descerrando a placa inaugural, ao lado do presidente da Cemig, Cândido Hollanda de Lima

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Figura 6 – Inauguração da Usina de Itutinga, em 3 de fevereiro de 1955, vendo-se o governador Juscelino Kubitschek no momento simbólico em que aciona a chave, colocando a usina em operação. Da esquerda para a direita, Tancredo Neves, deputado federal, John Reginald Cotrim, vice-presidente da Cemig

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construção. Seu programa inicial compreendia a construção ou a conclusão das hidroelétricas de Itutinga, Troqueiras, Salto Grande, Piáu e Cajuru, totalizando quase 150 MW instalados.

Os passos iniciais da CEMIG na implantação de suas usinas eram apoiados por recursos diretamente destinados à empresa sem pas­sar pela Secretaria de Finanças para desespero do secretário José Maria Alkmin. Na realidade havia uma disputa nesse sentido entre o secretário de finanças Alkmin e o engenheiro Lucas Lopes que conse­guiu manter os recursos financeiros diretamente alocados à CEMIG.

Após a constituição da CEMIG foram agregados ao grupo de diretores anteriormente composto os engenheiros Flavio H. Lyra,

Mauro Thibau e Mario Bhering. Entre os primeiros engenheiros que foram contratados estavam Camilo Penna e Henrique Guatimosin.

Das obras iniciadas no governo anterior a que demandou mais trabalho foi a hidroelétrica de Salto Grande. Há relatos de que os estudos existentes eram muito superficiais, não havia levantamento topográfico completo da área de implantação da usina, não haviam sido executadas prospecções geológicas e geotécnicas, os túneis estavam mal locados, a casa de força estava em terreno não apro­priado, os equipamentos permanentes já haviam sido comprados e entregues, estando há mais de um ano abandonados em caixotes em terreno marginal à ferrovia em Coronel Fabriciano sem qualquer identificação. Vários equipamentos elétricos estavam estragados.

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Figura 7 - Inauguração da barragem de Cajuru em 1959. Juscelino Kubitschek, candidato a presidente da República do Brasil e Mario Bhering, vice-presidente da Cemig

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A Techint italiana foi contratada e o projeto foi alterado e detalhado. Essa indispensável alteração teve suas implicações políticas, pois uma obra iniciada no governo da UDN estava sendo novamente concebida e projetada num governo do PSD. Com uma nova estrutura geren­cial que compreendeu a contratação de novos quadros da CEMIG foram incluídos engenheiros civis que permaneceram no setor elétrico como Carlos Alberto Pádua Amarante e João Alberto Bandeira de Mello. Carlos Gomes foi o engenheiro eletricista encarregado de identificar, estocar e recuperar os equipamentos que haviam se estragado pela chuva no matagal marginal à ferrovia; a obra de Salto Grande que envolvia duas barragens, dois túneis de adução e uma casa de força foi concluída com sucesso.

A implantação da hidroelétrica de Itutinga teve uma história diversa. Após a instituição da CEMIG surgiu a oportunidade do Banco Mundial financiar a aquisição dos equipamentos e de alguns serviços de engenharia. Com isso foi necessário que se fizesse um estudo completo de viabilidade técnica, econômica e

financeira que nunca antes havia sido feito em empreendimento não privado no País. Como na época não havia empresas nacio­nais com reconhecidas capacitações para o desenvolvimento do projeto e da construção, foram contratadas a IECO de São Fran­cisco e a Morrison & Knudsen, ambas americanas que já estavam engajadas em outros contratos no Brasil. Os padrões exigidos pelo Banco Mundial fizeram com que a CEMIG fosse obrigada a, des­de seu início, se tornar uma empresa com gestão moderna para a época. John Cotrim como diretor técnico, Flavio H. Lyra acumu­lando a diretoria financeira da CEMIG com a superintendência de Itutinga, Mário Bhering como responsável pelas compras e uma equipe de supervisão de obras que contava com Camilo Penna, a implantação de Itutinga não causou problemas como os verificados em Salto Grande.

Um dos fatores que garantiram o sucesso nos primeiros anos da CEMIG foi o criterioso processo de contratação. Numa oportu­nidade o governador Israel Pinheiro, através de Julio Soares, outro

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Figura 8 – Escavação do túnel de adução da hidroelétrica de

Salto Grande

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diretor da empresa, indicou um engenheiro para contratação. John Cotrim pediu inicialmente que lhe enviassem o currículo do referi­do engenheiro. Israel comentou “Que bobagem é essa que o Cotrim está inventando?” Julio Soares explicou: “É o curriculum vitae.” Israel con­cluiu: “Ah, essa companhia não vai funcionar nunca.” Passado algum tempo o próprio Israel foi assediado por um cidadão que queria um emprego em qualquer lugar. Como o Israel queria se livrar do referido cidadão, lembrou­se do ocorrido anteriormente e per­guntou ao Júlio Soares: “Como é que se chama aquilo que o Cotrim pede quando não quer contratar alguém?”

Cabia ao engenheiro Mauro Thibau a organização das equipes de operação das primeiras usinas. Ele conseguiu alguns poucos veteranos de outras empresas que operavam no Brasil como Mr. Leslie T. Smith, contador inglês vindo da Light, mas grande parte do pessoal veio de fora, inclusive Vítor Cataldo que veio de Porto Rico organizar a operação e Mr. Crowl que trouxe a disciplina financeira do TVA. Também vieram mais de dez russos após a revolução chinesa de 1949 como Alissof, Schnaptis, Tornovsky e os Popof.

Quando os esforços estavam direcionados para a conclusão das usinas de Salto Grande, Itutinga e Tronqueiras, a única fonte de receita operacional vinha da venda de energia da usina de Gafa­nhoto herdada do DAE. A receita era insuficiente para os gastos da recém criada CEMIG. Nessa época a atuação de Júlio Soares, cunha­do do Juscelino e responsável por sua educação, foi de fundamental importância, pois na hora de desempatar a disputa por recursos, desempatava sempre a favor da CEMIG.

Três Marias – A primeira grande obraDesde 1946 foram acentuadas as discussões sobre os problemas de controle das vazões do rio São Francisco que desembocaram na criação, em dezembro de 1948, na Comissão do Vale do São Fran­cisco CVSF, posteriormente denominada SUVALE. Os primeiros estudos foram concluídos em 1952.

Veio a posse do Juscelino como presidente da República e um natural esvaziamento da CEMIG com a drenagem de seus quadros para o governo federal. Lucas Lopes, presidente da CEMIG, assumiu o BNDE (hoje BNDES), John Cotrim e Flavio H. Lyra começaram a trabalhar para viabilizar a hidro­elétrica de Furnas. A solução encontrada para a CEMIG foi a colocação do professor Cândido Holanda de Lima na presi­dência uma vez que, contraparente e amigo do governador Bias Fortes e ex­professor de muitos que compunham os quadros técnicos da CEMIG, tinha as condições de bom trânsito interna­mente na empresa e externamente junto ao governo do estado. O governo federal passou a atuar no sentido de viabil i­zar dois grandes empreendimentos de geração com grandes reservatórios em Minas Gerais: Três Marias com objetivos de regularizar e melhorar as condições de navegabilidade do rio São Francisco e Furnas com objetivo de vir a ser o principal regularizador de todo rio Grande onde muitas hidroelétricas grandes viriam a se localizar.

Três Marias, situada em uma área pobre de recursos naturais e com baixíssima ocupação demográfica, era um empreendimento simpático aos mineiros enquanto que Furnas, por ser destinada a atender a demanda regional e principalmente socorrer centros de carga situados em outros estados estrangulados pelos efeitos do Código de Águas em empresas privadas do setor elétrico, nome­adamente a Light e as empresas do grupo AMFORP, foi alvo de ferrenha oposição a partir do governo estadual.

A barragem de Três Marias deveria ter sido uma obra da SUVALE, autarquia destinada ao desenvolvimento do vale do rio São Fran­cisco. A ferrenha oposição à implantação de Furnas fez com que o governo federal firmasse um acordo muito vantajoso com a CEMIG para a implantação de Três Marias pelo qual o governo federal custeou o reservatório e a obra civil, e a CEMIG se encarregou apenas da casa de força. Dificuldades iniciais existiram com a Comissão do Vale do São Francisco que queria gerenciar a obra civil e com ofertas de fabricantes despreparados para o fornecimento de equipamentos.

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Figura 9 – Visita presidencial às obras de Três Marias. Da esquerda para a direita: o embaixador dos EUA no Brasil, C.P. Shoeller, vice-presidente da Morrison-Knudsen, o presidente da Cemig, Cândido Hollanda de Lima, o vice-presidente da Cemig, Mario Penna Bhering; o presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Assis Scafa, o superintendente da CVSF, Júlio Soares, diretor da Cemig, Galdino Mendes, engenheiro da CVSF e Henrique Guatimosin, superintendente de construções da Cemig

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Três Marias era obra estratégica para o governo federal e se situava a meio do caminho entre a então capital federal e a futura capital, em construção. Embora o local de Três Marias fosse na época considerado remoto, os dirigentes da CEMIG lhe dispensavam toda atenção. Consta que o diretor técnico John Cotrim, tido como nervoso e bravo, e que havia expedido circular proibindo que veículos da empresa dessem carona, no caminho para a obra, teve seu carro danificado em uma das longas estradas não pavimentadas. Como ele sabia que uma viatura da CEMIG passaria por ali naquele dia, ficou aguardando. Ao aparecer o veículo salvador levantando uma nuvem de poeira, ele começou a fazer sinais para que o veículo parasse. O veículo diminuiu a marcha mas não parou. Muitas horas depois Cotrim chegou na obra e mandou chamar o motorista do veículo que, ao saber quem era o pretenso carona, tremia de medo. Ao se apresentar ao Cotrim, este elogiou o motorista que havia cumprido o que determinava a circular apesar da difícil situação

daquele que pedia carona e que ele não conhecia. Em outra opor­tunidade, numa visita do presidente Juscelino ao canteiro de obra, ele viu Mário, um técnico de solos que posteriormente trabalhou no IPT e na Enge­Rio, retirando com um cilindro na praça de compactação da barragem. Cautelosamente ele se aproximou do técnico e, em voz baixa, perguntou o que ele estava fazendo. Mário respondeu que estava fazendo o controle de compactação pelo método Hilf, novidade na época; explicou o método, Juscelino não entendeu nada mas disse ao pé do ouvido: “A qualidade é importante mas não retarde a construção.”

Para a implantação de Três Marias foi repetida a estrutura que teve excelente desempenho em Itutinga: o projeto pela IECO que insta­lou um escritório em Belo Horizonte e a construção pela Morrison Knudsen. Os principais equipamentos permanentes vieram da Voith e da Siemens da Alemanha e contribuíram decisivamente para

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Figura 10 - Inauguração de Três Marias, em 25 de julho de 1962, vendo-se o presidente João Goulart, acionando a chave de funcionamento da usina, o governador José de Magalhães Pinto e o presidente da Cemig, Celso Melo de Azevedo. Sorridentes na fotografia, meses depois Magalhães participaria ativamente da deposição de Goulart

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

que esses fabricantes posteriormente instalassem fábricas no Brasil. O desvio do rio foi feito no término do governo Juscelino e a inau­guração da usina pouco antes da revolução de 31 de março de 1964.

Três Marias marcou a transição da CEMIG na implantação de obras de porte modesto para grandes usinas e obras de grande vulto. Logo após dava início às hidroelétricas no rio Grande, nomeadamente Jaguara e Volta Grande, seguidas das hidroelétricas no rio Paranaíba, São Simão e Emborcação. Marcou também a evolução da engenha­ria geotécnica em obras de terra. Pouco após essa época, já com a CEMIG estabelecida como grande empresa, ocorreram incorporações de pequenas usinas, cooperativas de eletrificação rural e de empresas e

usinas geradoras como as da Companhia Mineira de Eletricidade, da Sul­Mineira de Eletricidade e da Companhia Força e Luz de Minas Gerais, esta vinda do grupo AMFORP. Mais tarde a CEMIG assumiu a área de concessão da Bragantina em território mineiro, não sem dificuldades políticas pois a Bragantina apelou para congressistas ligados a Paulo Maluf e ao ministro Murilo Badaró da Indústria e Comércio, este por estar em oposição a Trancredo Neves. A partir de Três Marias a CEMIG foi gradativamente passando a contratar consultoria nacional. Construtoras nacionais passaram a ser con­tratadas com uma única exceção: a construção da hidroelétrica de São Simão, resultante de concorrência internacional em que o fator financiamento e contrapartidas pesaram na decisão da concorrência.

Em Três Marias, e principalmente nas usinas que se seguiram, começaram a aparecer as segunda e terceira gerações de engenhei­ros e gestores nas quais despontaram nomes de projeção tais como, entre outros, Archimedes Viola, Paulo e Mario Mafra, Guy Vilella, Licínio Marcelo Seabra, Octávio Mello Areas, José Maria Baptista, Sérgio Brito, Cássio Viotti, Roberto Fonseca, José Augusto Pimen­tel, Paulo do Val, Wellington Sebastião Jacarandá, Vinício Noce de Magalhães Gomes, Luiz Francisco Gualda Pereira, além dos mais novos colaboradores do CBDB como Ricardo Aguiar Magalhães, Marcos Vasconcelos e Gilson de Almeida Furtado e muitos outros.

Jaguara e Volta Grande, importantes passos no rio GrandeSob encomenda da Companhia Geral de Minas, a Ebasco de Nova Iorque efetuou um estudo dos recursos hidroenergéticos do esti­rão de 33 km do rio Grande nas proximidades da cidade de Rifaina concluindo pela recomendação da implantação de uma hidroelétrica

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Figura 11 – Usina hidroelétrica de Jaguara

Figura 12 – Inauguração da usina de Jaguara. Em primeiro

plano Mario Bhering, presidente da Cemig, e Israel Pinheiro, governador de Minas Gerais

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que veio a ser confirmada pelo inventário da Canambra realizado a partir de 1963 e confirmada pelo Comitê Energético da Re­gião Centro­Sul. O projeto foi contratado à Eletroprojetos/ Eletrowatt associada à Geotécnica, em 1964. A construção foi iniciada pela Mendes Jr em 1966 e, em 1971, a primeira unidade entrou em operação. A necessidade de deslocamento do eixo para montante por motivos geológicos em sua fundação demandou tempo para tomada de decisão e ocasionou importante retardo no cronograma inicial de construção. Sua segunda hidroelétrica com capacidade acima de 600 MW propiciou à CEMIG importante desenvolvimento nos campos de barragens de enrocamento com núcleo de terra e de mecânica de rochas.

No estirão do rio Grande entre Jaguara e as cachoeiras Dos Patos e Das Andorinhas (local da antiga e da nova hidroelétrica de Marim­bondo) não havia nenhuma concentração de queda natural no rio Grande. A queda nesse trecho do rio Grande foi dividida em três locais com quedas brutas modestas. Coube inicialmente à CEMIG a hidroelétrica de Volta Grande com 27,50m de queda bruta como recomendada pelos estudos de inventário hidroenergéticos feitos pela Canambra em 1966. No início de 1969 foi assinado com o consórcio TAMS/ENGEVIX o contrato para desenvolvimento do projeto

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262Figura 13 – Usina hidroelétrica de Volta Grande

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 14 - Assinatura de contrato de financiamento com o Banco Mundial, para a construção da usina hidroelétrica de São Simão, na cidade de Washington, em 14 de junho de 1972

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da hidroelétrica de Volta Grande e no início de 1970 começou a construção pela Mendes Jr. As unidades geradoras entraram em operação entre julho de 1974 e agosto de 1975, totalizando 380 MW. Poucos problemas ocorreram na construção, podendo ser citadas as erosões nos blocos de impacto da bacia de dissipação e a ocorrência de sismos induzidos pelos reservatórios de Volta Grande (2,17x109 m³), cujo enchimento foi iniciado em novembro de 1973 e de Porto Colômbia (1,5x109 m³), cujo enchimento foi iniciado em junho de 1973. No dia 24 de fevereiro de 1974 foi sentido na cidade de Conceição das Alagoas pouco ao norte dos dois reservatórios um sismo de intensidade VIII na escala Mercalli modificada. Esse foi o maior sismo induzido por reservatórios no Brasil. Tremores se seguiram nos últimos dias de fevereiro e no início de março. As consequências na cidade foram pequenas e os tremores não se repetiram desde então.

A conquista do rio Paranaíba: as hidroelétricas de São Simão e EmborcaçãoO local das quedas conhecidas como Canal de São Simão, de im­pressionante riqueza cênica pelo fato do rio Paranaíba despencar em saltos verticais pelos dois lados de longa fenda longitudinal em seu leito, se constituiu em excelente local para implantação econô­mica de hidroelétrica de elevada capacidade instalada. Esse local não passou desapercebido no inventário da Canambra e resul­tou na hidroelétrica de São Simão com capacidade instalada de 1608 MW na primeira etapa (projetada capacidade de 2680 MW na segunda etapa). Pela primeira vez a CEMIG ultrapassou os 1000 MW instalados em uma única casa de força. O reservatório com área de 674 km² demandou a relocação das cidades de São Simão e Paranaiguara, além das vilas de Chaveslândia e Gouveilândia, com importante operação de reassentamento populacional.

Os primeiros levantamentos de campo visando a implantação de uma hidroelétrica foram efetuados a partir de 1960 pela Comissão

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Figura 15 - O governador Rondon Pacheco e o presidente da Cemig, Camilo Penna, assinam o contrato com a Impregilo para a construção das obras civis da

usina hidroelétrica de São Simão, em 14 de junho de 1973

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Interestadual da Bacia do Paraná­Uruguai CIBPU. Em 1969 a CEMIG desenvolveu estudos visando a obtenção da concessão. Em 1970 foi assinado o contrato com o consórcio projetista composto pela IECO e sua filial brasileira.

São Simão era um empreendimento gigantesco para a CEMIG. Seu investimento era equivalente a todo capital da CEMIG. Foi necessário grande esforço para captar recursos externos para equi­pamentos e para a obra civil. Estes vieram de financiamento do Banco Mundial que exigiu uma concorrência internacional. Isso gerou muita reclamação das empreiteiras nacionais. A concorrência foi vencida pela Impregilo, construtora italiana, em consórcio com a CR Almeida, tendo a Mendes Júnior em segundo lugar com uma diferença de apenas cerca de 2%. O Banco Mundial foi inflexível e a CEMIG teve que reconhecer a Impregilo/CR Almeida como vencedora. A pressão sobre a diretoria da CEMIG foi grande. Em depoimento ao Congresso Nacional o presidente da CEMIG foi

argüido por horas. Um dos mais ferrenhos argüidores foi o deputado Sylo Costa disse que a CR Almeida não tinha referências bancárias. Camilo Penna disse que a CEMIG sempre pedia em suas concor­rências referências bancárias dos concorrentes. O referido deputado insistiu várias vezes e Camilo Penna desconversava até que o depu­tado repetiu a afirmação de que as referências, se realmente existiam, teriam sido dadas por um “banquinho vagabundo”. Por mais de duas vezes o Camilo Penna desconversou, mas o deputado irado pros­seguia pedindo as referências e afirmou “denuncio o Sr. Camilo Penna por estar escondendo documentos que são solicitados”. Nessa hora Camilo Penna solicita a Licínio Marcelo Seabra que mostre as garantias. Licínio começou, apresentando toda documentação: “a primeira re-ferência é do Banco do Brasil, a segunda é do Bradesco, a terceira é do Banco Nacional, a quarta é do Banco Real,...”. Interessante realçar que dias depois da abertura das propostas, o presidente do Banco Central, Paulo Lyra, ao valorizar o Cruzado aumentou a diferença a favor da Impregilo/CR Almeida.

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Figura 16 - João Camilo Penna,

presidente da Cemig na época

da usina hidroelétrica São Simão

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Em junho de 1973 o consórcio construtor composto pela Impregilo e a CR Almeida foi contratado para a execução das obras civis, com a obra sendo iniciada dois meses depois. Em junho de 1978 a primeira unidade entrou em operação comercial após cinco anos de construção. São Simão conferiu à CEMIG nova importante ampliação em sua escala de obras civis e principalmente em equipamentos permanentes.

Entretanto, foi ao longo do início da obra de São Simão que a CEMIG, que havia sofrido uma sangria de recursos humanos quando da formação de Furnas, voltou a perder quadros técnicos com a instituição da Eletronorte. Nessa ocasião foram da CEMIG para a Eletronorte os engenheiros Dário Gomes, João Eduardo de Moura Guido, Pimentel, Érico Bitencourt entre outros. John D. Cadman que havia trabalhado na CEMIG quando da realização do inventário da Canambra, também foi da UFRJ para a Eletronorte levando consigo o geólogo Homero Teixeira.

Naquela época a disputa por concessões era intensa entre as prin­cipais empresas do setor elétrico que se concentravam na Região Sudeste. O rio Grande, por exemplo, em seu trecho inferior dividia os estados de Minas Gerais e São Paulo, onde havia empresas importantes na geração de energia elétrica, estando também na área de Furnas. João Camilo Penna afirmou que “Da luta por Estreito a CEMIG ganhou Jaguara e depois ganhou Volta Grande. E tanto lutamos por Marimbondo que acabamos ganhando São Simão.”

O País atravessava a segunda metade dos anos setenta com dificuldades econômicas geradas a partir do primeiro choque do petróleo (1973). Desde 1976 as tarifas passaram a ser manipuladas pelo governo federal longe do princípio de serviço pelo custo. O governo Figueiredo passou a se interessar intensamente por obtenção de empréstimos externos o que endividou as estatais federais. Outro erro dessa época foi, desde o governo Geisel, o de ligar a rentabilidade das empresas de energia elétrica ao esquema de tarifa única, o que penalizou a CEMIG como empresa de elevada eficiência, tendo que transferir recursos através da Reserva Global de Garantia.

Dentro dessas perspectivas sombrias para o setor elétrico, a CEMIG que havia contratado a TAMS em 1976 para projetar a hidroelétrica de Emborcação a partir dos estudos de inventário da Canambra no rio Paranaíba a montante de São Simão, Cachoeira Dourada e Itumbiara, contratou a Construtora Andrade Gutierrez que construiu a usina de Emborcação entre 1977 e 1982. A hi­droelétrica de Emborcação se caracteriza pela alta barragem de enrocamento com núcleo de terra, desvio e adução subterrânea e capacidade de 1192 MW.

Retorno às hidroelétricas de porte médioApós São Simão e Emborcação a CEMIG passou a implantar hidroelétricas de porte médio em território mineiro.

O aproveitamento de Igarapava havia sido identificado pela COBAST em 1960 e reavaliado pela Canambra em 1964/1965. Inicialmente relegado a um segundo plano por causa de sua baixa queda e potência inferior a de outros aproveitamentos, Igarapava

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Figura 17 – Usina hidroelétrica de Emborcação

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

foi o último aproveitamento a ser desenvolvido no baixo rio Grande. Em 1985, sob a coordenação de José Turco Neto e a liderança técnica de Joaquim Pimenta de Ávila, a Enge­Rio desen­volveu o estudo de viabilidade com aplicação de unidades bulbo, tendo conseguido viabilizar o até então “patinho feio” do rio Grande. No final de 1987 a IESA foi contratada para o desenvolvi­mento do projeto mas, por carência de recursos, a construção só foi iniciada em 1987 pela CNO após a CEMIG se associar outros inves­tidores (Vale, CSN, Morro Velho e Cia Mineira de Metais). A usina, com quatro unidades bulbo de 40 MW cada sob a queda bruta de

17m, entrou em operação no final de 1988 e passou a ser referência para outros projetos posteriores de usinas de baixa queda.

Também identificada pela Canambra, a usina de Miranda no rio Araguari, afluente do rio Paranaíba, teve o aprofundamen­to técnico inicial em 1985 pelo consórcio Leme­EPC. A partir de 1986 a IESA foi contratada para o desenvolvimento do projeto e em 1995 a Queiroz Galvão iniciou a construção. Durante o ano de 1998 as três unidades Francis de 132,5 MW cada entraram em operação.

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Figura 18 – Usina hidroelétrica de Igarapava

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O exemplo das hidroelétricas anteriores, no que se refere à asso­ciação com outros investidores, frutificou também em Funil do rio Grande. Vale e CEMIG se associaram para a implantação da hidroelétrica de Funil situada no rio Grande. Após reconheci­mento preliminar executado pela IECO em 1955, o local foi adotado pelos estudos da Canambra nos anos sessenta. Em 1971 a CEMIG encaminhou ao DNAEE relatório de pré­via­bilidade. Após 20 anos, em 1991, os estudos foram retomados. Esses estudos foram complementados em 1996 indicando uma barragem em concreto compactado com rolo. Já nos anos 2000 foi formado o consórcio construtor composto que teve como projetista

a SPEC que alterou o projeto adotando uma barragem de terra com­pactada, túnel de desvio e estruturas de concreto situadas na margem direita; como construtor foi contratada a Servix/Mendes Jr. A primeira das três unidades geradoras Kaplan entrou em operação em fevereiro de 2006. A capacidade instalada da usina é 180 MW.

Prosseguindo com a associação bem sucedida com a Vale, a Cemig e a Vale implantaram a hidroelétrica de Aimorés denominada Elie­zer Batista em homenagem ao engenheiro que fez carreira na Vale atingindo a sua presidência e exercendo cargos públicos de relevância política no cenário federal. O baixo rio Doce envolvendo

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Figura 19 - Guy Maria Villela Paschoal, ex-presidente da Cemig

Figura 20 – Usina hidroelétrica de Miranda

Figura 21 – Usina hidroelétrica de Funil, no rio Grande Figura 22 – Usina hidroelétrica de Irapé

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 23 - Inauguração da Usina de Irapé, Hidroelétrica Presidente Juscelino Kubitschek, no dia 8 de junho de 2006, no momento simbólico de acionamento das unidades geradoras. Aparecem na fotografi a o presidente da Cemig, Djalma Bastos de Moraes, o governador Aécio Neves, a fi lha de Juscelino Kubitschek, Maristela Kubitschek Lopes e o presidente do conselho de administração da Cemig, Wilson Bruner

Figura 24 - Solenidade de entrega da “Medalha Lucas Lopes” à família de Licínio Seabra, realizada na Sociedade Mineira dos Engenheiros – SME, no dia 22 de fevereiro de 2001, com a presença de ex-presidentes e do atual presidente da Cemig. Da esquerda para a direita: Celso Mello de Azevedo, Mario Penna Bhering, Djalma Bastos de Morais, João Camilo Penna, Francisco Afonso Noronha e Guy Maria Villela Paschoal

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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que congreguem grande importância cultural, tecnológica, estética, funcional e social. Implantada em uma das regiões mais carentes do Estado de Minas Gerais, a hidroelétrica de Irapé representou um investimento de cerca de R$ 1 bilhão dos quais R$ 250 milhões foram destinados a programas sócio­ambientais. As 638 famílias que ocupavam a área da hidroelétrica foram reassentadas em proprie­dades que ocupam sessenta mil hectares, área que supera em quatro vezes a área ocupada pelo reservatório.

Ao final desse meio século de intensas atividades, a CEMIG ultra­passou as fronteiras do Estado de Minas Gerais com importantes participações em grandes empreendimentos como sua participação de 10% no aproveitamento hidroelétrico de Santo Antônio no rio Madeira, tendo vindo ter grande participação na Light, tradicional e importante empresa do setor elétrico no Estado do Rio de Janeiro.

o local de Aimorés foi alvo de diversos estudos sendo os principais os da Servix em 1963/1964, os da Canambra a partir de 1964, os da CEMIG entre 1975 e 1980, os da Themag/Montreal no mesmo período para a Portobrás, os da IESA para a Eletrobras entre 1985 e 1989, os da Monasa para a CEMIG e Vale em 1992 e finalmente os da Promon SPEC em 1997 para a CEMIG que resultaram no projeto executivo da SPEC. Todos esses estudos e projetos revelam que a concepção da hidroelétrica sofreu grandes alterações ao longo do tempo em função das interferências e dos impactos sócio­ambientais com a cidade de Aimorés e com a fer­rovia da Vale, implicando em derivação das descargas por vales laterais situados na margem esquerda do rio. Essa derivação per­mite o aproveitamento de uma queda bruta de 26,9m resultando em três unidades geradoras Kaplan com 110 MW cada. A constru­ção foi feita pela Queiroz Galvão e a primeira unidade entrou em operação em fevereiro de 2006.

Em 2002 a CEMIG iniciou a construção da usina de Irapé no vale do Jequitinhonha com projeto Leme/ Intertechne e construção Andrade Gutierrez/CNO. A barragem de enrocamento com nú­cleo de terra com 208m de altura é a mais alta do País e a segunda mais alta da América Latina. A implantação dessa usina fez jus ao prêmio Puente de Alcántara que a cada dois anos é entregue a obras

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Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul - CEEE

Lúcia Wilhelm Véras de Miranda

Figura 1 - Barragem Capingui no rio do mesmo nome (2.520 kW)

Usina hidroelétrica de Itauba. Vertedouro, tomada d’água, condutos forçados, casa de força e subestação

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Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul - CEEE

A história da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Gran­de do Sul se apresenta em cinco principais períodos, estando, desde o seu início, vinculada à hidroeletricidade.

Primeiro período: A CEEE como Comissão Estadual de Energia ElétricaCriada em 1º de fevereiro de 1943 através do decreto lei n.º 328, vinculada à Secretaria de Estado dos Negócios e Obras Públicas com a finalidade de prever e sistematizar, em plano geral elaborado para todo o estado, o aproveitamento dos potenciais hidráuli­cos e carboníferos para a produção de energia, bem como inte­grar esforços para a eletrificação dos municípios riograndenses através do Plano de Eletrificação do Estado, lançado em 1945.

As hidroelétricas construídas no estado, anteriores à formação da CEEE, construídas pelo DNOS ou empresas privadas, pertencen­tes aos municípios e empresas privadas, como Inglês, Picada 48, Pirapó, Guaporé, Toca, Capingui, Andorinhas e Herval, foram encampadas pelo valor histórico menos a depreciação. Como se tratava de unidades antigas, elas foram basicamente repassadas para a CEEE, sendo assumidos seus passivos e encargos trabalhistas.

Em 1948, era inaugurada a primeira unidade geradora de energia elétrica da Companhia, a usina do Passo do Inferno, totalmente projetada e construída pela Companhia. Seriam seguidas por Ijuizinho, Ivaí, Saltinho, Touros, Forquilha, Santa Rosa e Guari­ta, com a participação do DNOS, seguida pelas hidroelétricas de Ernestina, Bugres, Canastra, a termoelétrica de São Jerônimo e a usina Diesel de Porto Alegre.

Iniciava uma vida profissional talentosa o engenheiro Pedro Holtermann Netto, projetista nesse período, que acompanhou a história da CEEE até a sua gestão como diretor de obras no período de 1965 a 1970, acompanhado dos engenheiros

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Figura 2 – Engenheiro Pedro Holtermann Netto iniciou sua atividade profissional como estagiário da CEEE, e logo formado, como engenheiro civil, em 1948.

Participou ativamente de todas as obras relacionadas à hidroeletricidade da CEEE,especialmente entre os anos de 1965 e 1970, quando foi diretor de obras.

Após essa data, continuou atuando como projetista de hidroelétricas, atuando inclusive em Tucuruí. A foto foi tirada em 23 de julho 2011 em sua residência.

Figura 3 - Noé de Melo Freitas, primeiro presidente

da CEEE quando assinava o contrato da

usina hidroelétrica Jacuí

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Jorge Ernesto Dreher, Dietrisch Kuhlmann, Mario Lanes Cunha, Heinrich Kotzien e Silvio Freitas.

A disponibilidade de um empréstimo do Banco Mundial arquite­tada por Assis Chateaubriant, em valores da época de 30 milhões de dólares não foi viabilizado. No entanto, um empréstimo con­cretizado por parte do BNDE permitiu o desenvolvimento de projetos diferenciados.

Segundo período: A CEEE como autarquiaEm 20 de fevereiro de 1952, pela Lei n.º 1744, a CEEE foi conver­tida em autarquia, tendo cada vez mais importância devido ao seu crescimento, pois já no ano de 1950 a CEEE supria a Companhia

de Energia Elétrica Rio Grandense – CEERG, de capital americano, da energia necessária para o atendimento do seu mercado, que era basicamente Porto Alegre.

É neste período que começam a se materializar as intenções da comunidade gaúcha de agregar à CEEE esses serviços. Já em 1939 o então Prefeito de Porto Alegre, José Loureiro da Silva, apresen­tara ao Coronel Osvaldo Cordeiro de Farias, Interventor Federal no governo do estado, um estudo sobre os contratos de concessão

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dos serviços públicos de energia elétrica com a CEERG. Foi então discutida a encampação dos serviços de energia elétrica prestados pela CEERG. O engenheiro­chefe da CEEE, Noé de Mello Freitas, desempenhou um papel fundamental neste processo, pois já no ano de 1945 se pronunciava a respeito da encampação, em docu­mento enviado ao secretário de obras públicas do estado, Walter Jobim. Somado a isso, havia a discutível alteração de valores de tarifas nos contratos.

A CEEE viabilizava a construção de obras relevantes como as hidroelé­tricas de Ernestina, Bugres e Canastra, com tubulação adutora de 7 km, e Maia Filho, com túnel de importante valor técnico para a época.

No ano de 1957 inicia­se o processo de encampação, sendo que em 11 de maio de 1959, através do decreto n.º 10.466 assinado pelo então governador Leonel Brizola, sacramentava­se a en­campação de contratos de concessão e declarava­se de utilidade pública, para fins de desapropriação, os bens da CEERG.

Terceiro período: a CEEE como sociedade de economia mistaNa década de 60 ocorreram profundas mudanças no setor elé­trico em âmbito nacional, que passou a ser considerado bem pú­blico e promotor do desenvolvimento nacional. Foram criados o Ministério das Minas e Energia e a Eletrobras.

Em 1961 o então governador Leonel de Moura Brizola foi autoriza­do a criar uma sociedade por ações para os serviços de eletricidade, a qual foi efetivamente criada em 19 de dezembro de 1963, através da lei estadual n.º 4.136 de 13.09.1961, passando a denominar­se Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, destinada a projetar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica no estado.

Um ano após a transformação da CEEE em sociedade de econo­mia mista, acontece a Revolução de 1964, determinando a forma­

ção de um novo pacto político com a participação preponderante dos militares. O modelo adotado desenvolveu­se sob a égide das empresas multinacionais e do setor produtivo estatal. Com o objetivo de melhorar a infra­estrutura para o desenvolvimento na­cional, em 1965 o governo federal passou a estatizar os serviços de energia elétrica. Na década de setenta as concessionárias do setor de energia elétrica passaram a ter capital nacional.

Quarto período: a privatização Nos anos 90 setores antes considerados estratégicos para a economia, como o setor elétrico, começaram a ser privatizados.

Em 26 de dezembro de 1996 a lei estadual n.º 10.900 autorizando o poder executivo a reestruturar societariamente e patrimonialmen­te a CEEE, através de cisão, fusão, transformação, incorporação, extinção, redução ou aumento de capital ou a combinação destes instrumentos, podendo criar sociedades coligadas, controladas ou subsidiárias, assim discriminadas: 1 ­ duas sociedades anônimas de geração de energia elétrica, a Companhia de Geração Hídri­ca de Energia Elétrica e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica; 2 ­ uma sociedade anônima de transmissão de energia elétrica, a Companhia Transmissora de Energia Elétrica; 3 ­ três sociedades anônimas de distribuição de energia elétrica, a Companhia Sul­Sudeste de Distribuição de Energia Elétrica, a Companhia Centro­Oeste de Distribuição de Energia Elétrica e a Companhia Norte­Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica; 4 ­ uma sociedade controladora (holding) das sociedades de energia elétrica, sob controle acionário do Estado do Rio Grande do Sul, que é a Companhia Estadual de Energia Elétrica.

No dia 21 de outubro de 1997 ocorreu o leilão na sede da FIERGS, no qual a Companhia Centro­Oeste de Distribuição de Energia Elétrica e a Companhia Norte­Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica foram adquiridas por capital privado. A Centro­Oeste foi vendida à AES Guaíba Empreendimentos e a Norte­Nordeste foi adquirida pelo consórcio formado pela VBC (Votorantim,

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Bradesco e Camargo Correa), Previ (fundo de pensão dos fun­cionários do Banco do Brasil) e Community Energy Alternatives. A Centro­Oeste alterou sua razão social para AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S/A e a Norte­Nordeste passou à denomina­ção de Rio Grande Energia S/A. Desta forma, dois terços da área de Distribuição deixaram de pertencer à CEEE.

A CEEE havia chegado, em 1997, com 99,2% dos lares urbanos e 84% das economias rurais abastecidos com energia elétrica, fa­zendo com que o estado alcançasse um dos mais altos índices de eletrificação rural do país.

Quinto período: a desverticalizaçãoEm 15 de março de 2004 foram aprovadas pelo Congresso Nacional novas regras para o setor elétrico brasileiro. Em seus dispositivos a Lei proíbe que uma empresa de distribuição de energia exerça atividades de geração, transmissão e venda de energia a consumi­dores livres, dentre outras restrições. Uma vez que a CEEE era uma empresa verticalizada, ou seja, possuia na mesma empre­sa atividades de distribuição, geração, transmissão e venda de energia a consumidores livres, para adequar­se à lei, ela teve que desverticalizar­se, criando, no mínimo, mais uma empresa, para separar a distribuidora de energia das demais.

No final de 2004, a CEEE procedeu à contratação de consultoria para indicar alternativas para a desverticalização da empresa, em espe­cial, a segregação da atividade de distribuição, exigida pela legislação federal. O modelo societário adotado compreendeu a criação de uma empresa holding com duas subsidiárias, permanecendo o Governo do Estado do Rio Grande do Sul com o controle acionário das empresas oriundas do processo de reestruturação.

Para viabilizar a adequação societária da companhia à legis­lação federal e implantar o modelo proposto havia, entretan­to, a necessidade de realização de plebiscito ou de alterações na Constituição Estadual e de promulgação de Lei Esta­dual específica, fato que levou a CEEE a solicitar pror­

rogação de prazo à ANEEL, uma vez que a data­limite ini­cial para a adequação da empresa ao novo modelo expirou em 15.09.2005. A ANEEL, atendendo aos argumentos apresentados pela CEEE concedeu a prorrogação solicitada até 30.6.2006, data limite para a cisão.

Em 13 de setembro de 2006, a Assembléia Legislativa aprovou a Lei n.º 12.593, autorizando o Poder Executivo a promover a re­estruturação societária e patrimonial da Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE, com a finalidade de segregar as ativi­dades de distribuição de energia elétrica das demais atividades por ela exercidas, para ajustá­la ao disposto na Lei Federal n.º 10.848, de 15 de março de 2004, anteriormente citada, mediante altera­ção de sua denominação e constituição de duas outras sociedades, assim discriminadas:

a) constituição de uma sociedade por ações holding, deno­minada Companhia Estadual de Energia Elétrica Participa­ ções ­ CEEE­Par, a qual será controladora das duas sociedades referidas nos itens seguintes;

b) alteração da denominação da atual Companhia Estadual de Energia Elétrica ­ CEEE ­ para Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica ­ CEEE­GT;

c) constituição de uma sociedade por ações, controlada, de distribuição de energia elétrica, denominada Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica ­ CEEE­D ­, a qual será resultante da cisão parcial da atual Companhia Estadual de Energia Elétrica ­ CEEE.

Em 20 de outubro de 2006, a Diretoria da CEEE aprovou os organogramas iniciais para a CEEE­Par, CEEE­GT e CEEE­D.

Em 26 de outubro de 2006, através de uma assembléia geral de constituição, a CEEE­Par foi declarada formalmente constituída. Nesta ocasião, foram eleitos os conselheiros de administração e fiscalização da companhia.

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Em 27 de novembro, através de uma assembléia geral extraordiná­ria de acionistas, ocorreu a constituição formal da Companhia de Distribuição de Energia Elétrica – CEEE­D, ficando estabele­cido que a companhia deveria iniciar as atividades previstas em seu objeto social a partir do dia 1.º de dezembro de 2006. Na mesma assembléia, foi aprovada a mudança de denominação social da CEEE para Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica – CEEE­GT, do endereço da sede social e objeto social, com a conseqüente alteração do estatuto social.

Em 1° de dezembro de 2006 foi assinado um termo de com­promisso e cooperação entre a CEEE­GT e a CEEE­D, com o objetivo de ressarcir e compartilhar o exercício de ativi­dades comuns e de apoio necessárias à consecução dos seus respectivos objetos sociais. O prazo de vigência deste ter­mo é de dois anos a partir da data de sua assinatura, poden­do ser prorrogado por até igual período ou rescindido de comum acordo entre as empresas.

As hidroelétricas no plano de eletrificação do estado

Em 1824 chegaram ao Rio Grande do Sul os primeiros colonos alemães e da mesma forma os italianos em 1874.

Com o advento da república entrou o Rio Grande do Sul na fase da industrialização. Na transformação de povo pastoril para povo agrícola e industrial, o braço do colono foi sua força propulsora.

Na fronteira, a industrialização da carne era feita nos grandes frigo­ríficos. Na Colônia Antiga do norte do estado, colonizada por ale­mães e italianos, a atividade relacionada com a suinocultura e laticínio demandava energia, assim como a maior produção agrícola.

Na Colônia Nova a noroeste do estado se desenvolviam a opulen­ta riqueza madeireira e o desenvolvimento das serrarias, engenhos de farinha, assim como de inúmeros pequenos estabelecimentos fabris completavam a feliz diversidade de atividades econômicas que asseguravam o progresso da região.

Na Zona Central encontravam­se as indústrias transformativas, pois ali se localizava a bacia carbonífera.

Preocupados com a falta de energia, que tolhia o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, resolveu o governo do estado estudar o aproveitamento racional de seus potenciais hidráulicos, conjugando­os a usinas termoelétricas a vapor.

O estudo das diversas centrais foi baseado em investigações cui­dadosas, não somente sob o ponto de vista técnico, como princi­palmente de potencialidade econômica das zonas de influência de cada usina. Todos os projetos hidroelétricos foram feitos, tendo como base dados hidrológicos desde o ano de 1917.

Sendo então anunciado em 1945 o Plano de Eletrificação, enquanto já estavam sendo construídas, ou estavam construídas, as hidroe­létricas dos Bugres, Guarita, Pirapó, Capingui e Santa Rosa, que se constituiriam em centrais destinadas a abastecer as zonas de maior densidade demográfica, em etapa inicial de urgência.

Assim vieram as hidroelétricas de Passo do Inferno, Touros, Saltinho, Ivaí, Forquilha e Ijuizinho.

A etapa seguinte do Plano de Eletrificação trouxe as hidroelétri­cas do Jacuí, Canastra, Ernestina, Forquilha e o segundo grupo de Capingui.

Na década de 60 foi dado o início da operação da usina hidroe­létrica do Jacuí e gerado o projeto da usina de Passo Real. Passo Real foi o segundo aproveitamento do rio Jacuí, criando o maior lago artificial do estado através dos 3.850 m de barramento. Os estudos de viabilidade técnico­econômica da usina hidroelétrica de Itaúba foram iniciados em 1969. As obras tiveram início em 1972 e a operação comercial ocorreu em 1978. Nesse período, houve a participação consultiva do engenheiro Casemiro Munarski, colaborando com o seu conhecimento em barragens de terra, também criador da cadeira de mecânica dos solos na Universidade do Rio Grande do Sul.

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Figura 4 - Usina hidroelétrica de Itaúba

Figura 5 - Barragem Dona Francisca em concreto compactado com rolo, no rio Jacui

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 6 - Vertedouro da barragem de Ernestina antes das obras de reforço

Figura 7 - Vertedouro da barragem de Ernestina antes das obras de reforço

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

A história do empreendimento de Dona Francisca iniciou em 1980, quando a CEEE obteve a concessão para implantar a usina. No final da década de 1990, com a permissão de parceria com in­vestidores privados por meio de lei, em 1995, e a possibilidade de formação de consórcios, a construção da usina se viabilizou. O grupo investidor deu origem à Dona Francisca Energética S.A. – DFESA. A barragem foi construída em concreto compacta­do com rolo, alternativa escolhida em substituição ao projeto original do tipo enrocamento com núcleo de argila.

A barragem de Ernestina e sua concepção original, um projeto único no mundoA barragem de Ernestina sobre o Rio Jacuí está localizada no atual município de Tio Hugo, ao norte do Estado do Rio Grande do Sul, no Planalto Rio ­ Grandense.

A barragem foi concebida com extensão de 400 m e altura de 14,32 m. No seu comprimento, tem­se 44 m na ombreira direita, 145,75 m de

extensão compreendendo trecho retilíneo na região das comportas e tomada d’água, 99 m em curva, 65,25 m de trecho retilíneo sem vertedores e 46 m de ombreira esquerda.

A barragem de Ernestina foi originalmente concebida como bar­ragem de gravidade, com eixo curvo. Através de convênio firmado entre CEEE e o extinto DNOS, a execução do projeto ficou a cargo deste segundo, a quem coube realizar a correspondente con­corrência. O consórcio entre a filial brasileira das Estacas Franki e empresa Campenon Bernard francesa foi o vencedor da licitação.

Na variante apresentada pelo consórcio contratado, o sistema estrutural foi concebido de forma a ter­se toda a estrutura em concreto protendido. Segundo o memorial descritivo da obra, a barragem é configurada por cortinas protendidas com cabos curvos com painéis de 15 m de largura, mediados por pilares com 1,50 m de largura também protendidos que são independentes. Para ga­rantir a estabilidade externa essa estrutura é atirantada por uma linha de cabos verticais ancorados na rocha 4 metros abaixo do embutimento em concreto. As cortinas possuem protensão nas

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Figura 8 – Planta da barragem e seção típica do vertedouro

Figura 9 – Seções transversais típicas dos pilares do vertedouro da barragem de Ernestina, com a posição dos cabos de protensão

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

duas direções: na direção vertical para resistir aos principais esfor­ços e na direção transversal para garantir comportamento uniforme sem fissuração, à semelhança de uma laje armada em duas direções.

Ao que tudo indica, a própria equipe de Eugéne Freyssinet foi responsável pela elaboração do projeto, já que eram consultores associados à Campenon Bernard.

Durante o seu período de operação, iniciado em 1954, várias dúvi­das quanto à estabilidade estrutural da barragem de Ernestina foram levantadas e, a fim de elucidá-las, alguns estudos foram elaborados. Em 1963 foram instalados clinômetros junto aos pilares para co­nhecimento dos deslocamentos e, na década de 90, foi realizada uma reavaliação do projeto estrutural original concluindo que nenhuma tensão de tração deveria ser esperada para as cortinas ou pilares, mesmo estimando a relaxação dos cabos de protensão e as acomodações por fluência e retração do concreto após 40 anos de construção. Foi sugerido que fosse realizado monitoramento das vibrações para verificar o risco de amplificação dinâmica.

O reservatório passou a ser operado com rebaixamento de 1,00 m por medida de segurança.

Em 2008, a CEEE contratou a execução de um completo lau­do técnico de avaliação da estrutura da barragem de Ernes­tina, realizado pela empresa gaucha Azambuja Engenharia e Geotécnica, coordenado pelo engenheiro Marco Aurélio Azambuja. O laudo consistiu na recuperação dos documentos de projeto originais, detalhando o estado da prática na épo­ca da construção. O trabalho apresentou as estruturas pro­tendidas em barragens, o sistema de protensão empregado, os fios de aço empregados em cabos, a sistemática do atiran­tamento dos cabos verticais na rocha adotados assim como os cabos transversais e as cabeças de ancoragem. Seguiu­se a apresentação do sistema de injeção dos cabos de proten­são, a corrosão dos cabos de protensão e suas consequ­ências, qualidade do concreto e dos agregados, geologia e geotecnia da região de Ernestina.

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Figura 10 - Seções transversais típicas dos paineis do vertedouro da barragem de Ernestina, com a posição dos cabos de protensão

Figura 11 – Fundação da barragem

Foi realizado um diagnóstico da qualidade dos materiais, prova de carga dinâmica e verificação estrutural.

Ao final do estudo foram apresentadas as informações que con­cluiam estar Ernestina no final de sua vida útil, exigindo intervenções de manutenção, restauração e reforço. A condição de ancoragem dos tirantes na rocha sugeria uma grande vulnerabilidade à corrosão, sendo possível muitos desses cabos já tivessem se rompido ou viriam a fazê­lo brevemente. As condições de ve­dação das cabeças de ancoragem e a presença de fluxo d’água nos bicos de injeção denunciavam que a corrosão nos cabos estaria avançada, podendo ser esse fenômeno progressivo para os painéis e pilares. Os ensaios dinâmicos das cortinas mostravam perda grave de rigidez, sendo previstas fraturas na face de montante. Com a estabilidade crítica para excitações dinâmicas, a estrutura poderia entrar em ressonância com o galgamento dos vertedores. Da mesma forma, os estudos hidrológicos e hidráulicos sugeriram capacidade insuficiente do vertedouro.

Assim, foi desenvolvido projeto de reforço. A solução adotada para reforçar a barragem fora da região do vertedouro foi a construção

de um maciço de enrocamento reforçado com grelhas metálicas, utilizando o paramento existente apenas como paramento de veda­ção, à semelhança de uma barragem convencional de enrocamento com face de concreto. A solução para o reforço do vertedouro foi a transformação do mesmo em um maciço de concreto gra­vidade com perfil Creager, de soleira vertente, retirando­se as comportas e a passarela.

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Figura 13- Obras de reforço do vertedouro

Figura 12 – Seção transversal típica do vertedouro reabilitado

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 14 - Seção transversal típica do trecho não submersível

Figura 15 – Obras de reforço da

barragem no trecho não submersível

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

A obra de reforço estrutural en­contra­se em fase de finalização (julho de 2011), prolongando­se assim a vida útil da barragem. A barragem de Ernestina pode ser considerada como a única no mun­do com essa concepção original executada. Com a reforma, a bar­ragem em seu trecho não submer­sível passará a ser uma barragem de enrocamento com face de mon­tante verticalizada em concreto protendido, também concepção única no mundo.

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Companhia Energética de São Paulo – CESP

Fabio De Gennaro Castro

Figura 1 – Souza Dias, de chapéu, com Garcez em visita às obras de Ilha Solteira

Usina hidroelétrica de Ilha Solteira a maior do sistema CESP

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Companhia Energética de São Paulo – CESP

A CESP Centrais Elétricas de São Paulo foi criada em 5 de dezembro de 1966, no governo Laudo Natel, pela unificação de todas as empre­sas estatais de energia elétrica então existentes, inicialmente foi deno­minada CESP Centrais Elétricas de São Paulo S.A. Seu idealizador foi o Dr. Souza Dias, Francisco Lima de Souza Dias Filho. Deposto o governador Adhemar de Barros, em 1966, assumiu seu vice, Laudo Natel. Souza Dias, por meio de um amigo comum e também presidente do São Paulo Futebol Clube, fez chegar ao então governador, são paulino que era, os seus sonhos de unificação das empresas de energia elétrica do estado. Dai foi criada a CESP, sendo seu primeiro presidente Henry Aidar, advogado e são paulino! Souza Dias foi designado como o primeiro Diretor Técnico, vindo a exercer a terceira presidência entre 23 de março de 1979 a 27 de maio de 1982. Em 27 de outubro de 1977 a CESP passou a ser Com­ panhia Energética de São Paulo, com área de atuação mais abrangente.

As onze empresas que formaram a CESP eram:

Usinas Elétricas do Paranapanema (Uselpa),Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo (Cherp), que detinha o controle acionário de:Central Elétrica de Rio Claro (Sacerc) e de suas associadas;Empresa Melhoramentos de Mogi Guaçu;Companhia Luz e Força de Jacutinga eEmpresa Luz e Força de Mogi MirimCentrais Elétricas de Urubupungá (Celusa),Bandeirante de Eletricidade (Belsa), que controlava:Companhia Luz e Força de Tatuí eEmpresa Luz e Força Elétrica de TietêCompanhia Melhoramentos de Paraibuna (Comepa).

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Figura 2 – Os engenheiros Souza Dias e Gelazio da Rocha em avião de Furnas

Figura 3 - Fantinatto, Souza Dias, José Gelazio da Rocha, Darcy Andrade de Almeida e Reynaldo de Barros em Jupiá

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Primórdios da geração hidroelétrica no estado de São PauloRelevante também relembrar a situação anterior à criação, re­motamente iniciando pela inauguração da Usina Hidroelétrica do Corumbatai, em 1895, propriedade da Central Elétrica de Rio Claro. Esta usina atualmente encontra­se totalmente res­taurada e tombada pelo Patrimônio Histórico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo.

Em 1909 foram fundadas de forma independente a Empresa Luz e Força Elétrica de Tietê S.A. e a Empresa Luz e Força de Mogi Mirim S.A.

Em 1911 foi inaugurada a Usina Hidroelétrica São Valentim, em Santa Rita do Passa Quatro, interior do estado e pertencente à Com­panhia Força e Luz São Valentim, que foi comprada em 1923 pela Companhia Prada de Eletricidade, incorporada à CESP em 1973.

Em 1912 Eloy de Miranda Chaves e outros empresários paulis­tas adquiriram o controle acionário da Central Elétrica Rio Claro e a reorganizaram como SACERC.

Em 1915 foi fundada a Companhia Luz e Força de Tatuí, assim como em 1919 também foi criada a Companhia Luz e Força de Jacutinga S.A. e em 1923 a Empresa Melhoramentos de Mogi Guaçu, todas formadoras da CESP.

Em 1931 foi fundada a Companhia Sanjoanense de Eletricida­de, encampada em 1953 pelo governo do paulista, originando em 1962 a empresa estadual Bandeirante de Eletricidade S.A. BELSA, com o objetivo de ser a grande distribuidora de energia no estado. Foi também formadora da CESP.

Justiça deve ser feita à figura pública do professor Lucas Nogueira Garcez, que governou o estado de São Paulo de 1951 a 1955, pela sua visão técnica e também por ser formador e agregador de ca­pacitações. Logo no início de seu mandato de governador criou o Departamento de Águas e Energia Elétrica DAEE, chefiado pelo engenheiro Octávio Sampaio Ferraz, na função de diretor geral.

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Figura 4 - Professor Lucas Nogueira Garcez

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O DAEE era organizado por Serviços de Vales. Quatro eram os vales abrangidos, a saber do Rio Pardo, chefiado pelo enge­nheiro Souza Dias, o do rio Tietê, chefiado pelo engenheiro Catullo Branco, o do rio Paraiba, chefiado pelo engenheiro Antonio Graef Borba e o do rio Ribeira de Iguape, chefiado pelo en­genheiro Dagmar Malet de Andrade. Foi o DAEE o embrião das mais importantes empresas de economia mista na área de energia elétrica do Estado de São Paulo, como será exposto neste texto.

No governo Garcez também foi realizado o primeiro Plano de Eletrificação do Estado de São Paulo, que embora somente tenha sido formalizado no mandato sucessivo, em 1956, já fora posto em prática enquanto elaborado. Garcez também foi presidente da CESP por dois mandatos sucessivos, de 16/02/1967 a 20/03/1975, o que contribuiu fortemente para a continuidade da gestão. Onze foram as empresas agregadas para formar a CESP, cinco estaduais e seis empresas privadas, porém controladas pelas estaduais.

As estaduais de economia mista foram:

Usinas Elétricas do Paranapanema S.A. USELPA

Nascera objetivando a eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana e tendo como meta a implantação da Usina Salto Grande no rio Para­napanema, inaugurada em 28 de abril de 1958 e hoje merecidamente chamada Lucas Nogueira Garcez. Importante registrar a Comissão Mista Brasil Estados Unidos, instituída logo após o término da Segun­da Guerra Mundial e sediada na então capital do País, Rio de Janeiro. Tal comissão canalizava recursos para auxiliar o desenvolvimento bra­sileiro. Os dirigentes da Estrada de Ferro Sorocabana desenvolveram estudos para eletrificação da ferrovia e para tal conceberam que seria construída uma usina hidroelétrica no rio Paranapanema, Salto Grande. Foram pleitear recursos financeiros na referida Comissão Mista Brasil Estados Unidos. Junto com a negativa recebe­ram a orientação que somente poderiam obter financiamento se fosse organizada uma empresa de economia mista espe­cífica para tal finalidade. Daí foi criada a USELPA em 1953, que obteve os recursos necessários e construiu Salto Grande.

O principal executivo da USELPA era Dagoberto Salles Filho, o qual se apoiou na SERVIX, como projetista e construtora para as duas primeiras barragens e início da terceira. Posteriormente os planos feitos foram concretizados com a Usina de Jurumirim, hoje Armando A. Laydner,tendo a seguir iniciado a usina Chavantes, também no mesmo rio Paranapanema. Desnecessário mencionar que o objetivo de eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana deixou de ser prioritário.

Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo CHERP

Como já mencionado o Serviço do Vale do rio Pardo do DAEE era chefiado pelo engenheiro Souza Dias, o qual também participava da Comissão Mista Brasil Estados Unidos.

Em 1952, o jovem engenheiro José Gelazio da Rocha foi convidado para integrar a equipe de Souza Dias e designado para estudar o

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

aproveitamento de Limoeiro, hoje Armando de Salles Oliveira, dizendo que havia sido encarregado pelo Lucas Nogueira Garcez para construir as usinas do rio Pardo. Assim sendo acrescentou: “Você vai projetando e eu vou dando as orientações que você precisar.” Para realizar a missão foi constatado que não existia nem levantamento topográfico e menos ainda o perfil do rio em toda sua extensão. Gelazio contratou então o engenheiro Gustavo Pratti para tal escopo, ou seja, fazer o perfil do rio que daria assim origem ao plano de aproveitamento integrado de toda a bacia, com Graminha, duas barragens menores a jusante de Graminha, Euclides da Cunha e Limoeiro.

Em 1954 o DAEE iniciou Euclides da Cunha, mesmo antes de ser criada a CHERP em 1955. Essa barragem teve o projeto de seu túnel de desvio feito pela TECHINT e executado pela NORENO do Brasil. Para construir o túnel de desvio de Graminha Gelazio fez um contato com Sebastião Camargo, com o objetivo de obter uma proposta, enquanto Dr. Souza Dias fez o mesmo com a Noreno. Ao ser procurado Sebastião perguntou ao interlocutor quem era seu chefe e por que o mesmo não estava presente, sugerindo que fosse marcada outra reunião com Souza Dias presente. Na segun­da reunião Souza Dias acompanhou Gelazio e a Camargo Correa decidiu apresentar proposta. Venceu a concorrência por ter sido a única empresa proponente. O projeto da barragem de terra de Graminha foi feito pelo Professor Milton Vargas e o projeto das estruturas de concreto pelo engenheiro Henrique Herweg, ambos contratados com a chancela do IPT.

Em 1955 era criada a CHERP, que embora somente tivesse rio Pardo em seu nome posteriormente também incorporou toda a responsabilidade do rio Tietê. A necessidade de sua criação foi decorrente de apresentar ao BNDES uma empresa de economia mista que tivesse projetos sólidos para obter seus recursos. Parale­lamente às atividades do rio Pardo, o Serviço do Vale do rio Tietê, chefiado por Catullo Branco, realizou estudos à semelhança da­queles do Tennessee Valley Authority TVA, que contemplassem o desenvolvimento integrado do vale, com barragens e usinas que gerassem energia e tivessem eclusas que viessem permitir

a navegação interior. Assim, em 1957, iniciavam­se as obras de Barra Bonita, com projeto da TECHINT.

Em 1959 tiveram início as obras de Bariri, hoje Engenheiro Álvaro de Souza Lima, antigo diretor do DAEE e pai do professor Victor de Souza Lima. E em 1963 foram iniciadas as obras de Ibitinga.

Os quadros da CHERP no setor Tietê contaram com ilustres engenheiros, tais como Geraldo Queiroz Siqueira, Jacob Leiner, Julio Petenucci e Reolando Silveira, além de Darcy Andrade de Almeida, que foi da área do rio Pardo.

Centrais Elétricas do Urubupungá S.A. CELUSA

Uma palavra inicial sobre a CIBPU Comissão Interestadual da Bacia Paraná Uruguai.

Tal comissão, chefiada pelo Professor Paulo Mendes da Rocha, criada em 1952, tinha por objetivo o estudo e o desenvolvimento dos estados brasileiros que pertenciam às bacias dos rios Paraná e Uruguai. A CIBPU tinha recursos e contratara a empresa italiana Edison de Milão para desenvolver os estudos do aproveitamento do Salto de Urubupungá, no rio Paraná, junto à foz do rio Tietê. Em 1961 foi lançada a concorrência para as ensecadeiras da usina de Jupiá, no rio Paraná, concorrência essa vencida pela Camargo Correa. Lançada a concorrência para a obra principal, a vencedora Camargo Correa apresentou uma variante que fora estudada na França pela SOGREAH, pelo engenheiro Charles Blanchet. Tal alternativa apresentava vantagens sobre aquela estudada por Edison de Milão para a CIBPU. A variante foi aceita e exe­cutada a usina de Jupiá que hoje é denominada Engenheiro Francisco Lima de Souza Dias.

Eleito Carvalho Pinto como governador do estado, Plínio de Ar­ruda Sampaio, de sua equipe, foi motivado por Gelazio para levar ao coordenador do Plano de Ação do Governo, Diogo Gaspar, a idéia de construir a usina hidroelétrica de Jupiá. Assim nasceu a CELUSA. Posteriormente, ainda no governo Adhemar de Bar­

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Figura 5 – Usina hidroelétrica de Jupiá

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ros, foram iniciados os estudos e as obras de Ilha Solteira, com projeto THEMAG e obras da Camargo Correa. A THEMAG foi criada como um departamento técnico da CELUSA e também em caráter de exclusividade, o qual somente foi extinto por decisão da CESP, por ocasião do projeto do Metrô de São Paulo, quando a projetista ficou desobrigada de sua cláusula de exclusividade.

Outras empresas de energia elétricaEm 1962 foi criada a Bandeirante de Eletricidade S.A. BELSA.

Em 1963 foi criada a Companhia Melhoramentos de Paraibuna COMEPA, por inspiração de Plinio de Queiroz.

O antigo Serviço do Vale do Paraíba, que ocupava­se do rio Paraíba do Sul, preocupou­se prioritariamente com o problema

das cheias e contenção de várzeas, tendo construído com ma­

estria muitos quilômetros de “polders”. A COMEPA realizou

ainda a usina de Jaguari e iniciou as de Paraitinga e Paraibuna,

duas barragens formando um único reservatório com só uma

casa de força ao pé de Paraibuna, com projeto Hidroservice e

construção Camargo Correa.

Estudos de inventárioAinda na década de 60, foram desenvolvidos os estudos da

Canambra, primeiros estudos de planejamento integrado, com

critérios uniformes, que propiciaram condições técnicas de com­

paração e priorização de usinas em uma mesma bacia hidrográ­

fica. Na área de São Paulo foram muito importantes e também

com papel de formação de técnicos.

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Figura 6 a – Barragem de Três Irmãos no rio Tietê com suas eclusas na margem direita

Figura 6 b – Barragem de Três Irmãos - entrada da eclusa inferior no lago intermediário

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Consultores que atuaram nas hidroelétricas na área de São PauloMenção deve ser feita sobre os consultores independentes que atuaram na área de São Paulo, contribuindo para a garantia da qua­lidade dos projetos e obras, assim como na formação de pessoas que com eles conviveram. Dentre eles podem ser citados Karl Terzaghi, Arthur Casagrande, Tom Leps , James Sherard, Victor de Mello, Don Deere, Milton Vargas, Roy Carlson, Manuel Rocha, Fernando de Oliveira Lemos, Charles Blanchet, Flavio H. Lyra, Ven Te Chow, Araken da Silveira, Evelina Bloem Souto, Vic­tor Souza Lima e inúmeros outros que no dia a dia contribuíram para colocar a CESP na posição de destaque que ocupa.

Navegação interiorA CESP detém o mérito de ter contribuído de forma ampla para o desenvolvimento da navegação interior no país, não só pelo de­

senvolvimento do Canal Tietê­Paraná, como também pelas inúmeras eclusas construídas. Pode também ser afirmado que ela foi pioneira nos estudos ambientais. Chegou a ter vinte e cinco usinas, todas com alta expressão técnica e padrão de projetos, construção e operação.

Anos recentesEm 1996 iniciou­se o processo de privatização do setor de energia do Estado de São Paulo.

Em 1999 CESP passou por uma cisão parcial, sendo criada a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, a CTEEP e três empresas de geração.

Hoje a CESP possui apenas seis usinas e sete barragens, pelo fato de Paraitinga não ter casa de força.

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Figura 7 – Usina hidroelétrica Porto Primavera (Sergio Motta)

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Usina Mauricio, primeira hidroelétrica da

CFLCL

Usina hidroelétrica de Nova Maurício. Primeiro financiamento do BNDE para empresa privada, em 24 de agosto de 1954. Em operação desde março de 1956

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Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina – Energisa - Cem anos de luz na Zona da Mata

Na virada do Século XIX para o Século XX o Brasil tinha apenas dez usinas geradoras totalizando 12.085 kW instalados. Nesse início de século na Zona da Mata Mineira, incentivados pelo agente executivo (equivalente ao atual cargo de prefeito) de Ca­taguazes, Araújo Porto, destacavam­se o Senador José Monteiro Ribeiro Junqueira, o Dr. Norberto Custódio Ferreira e o comer­ciante, político e banqueiro João Duarte Ferreira como homens que gerenciavam seus negócios com clarividência e se interes­savam pelo desenvolvimento da tecnologia, principalmente pela incipiente aplicação da energia elétrica. Em 26 de fevereiro de 1905 os três fundaram a Companhia Força e Luz Cataguazes Le­opoldina com capital de 400 contos de réis em quatro mil ações adquiridas por 263 investidores, com o objetivo de “exploração da eletricidade para fins industriais em suas diversas aplicações e comér-cio de materiais elétricos, dentro ou fora da república, principalmente nos municípios de Cataguazes e Leopoldina.”

Pouco após um ano da fundação da empresa, dois dos três fundado­res, João Duarte Ferreira e Norberto Custódio Ferreira renunciam a seus cargos de diretores para, respectivamente, cuidar de seus empreendimentos particulares e para assumir elevada posição no Banco do Brasil do qual assumiu a presidência em 1910.

Foi lançada concorrência (mesmo sem projeto) para a construção da primeira usina geradora, a hidroelétrica de Maurício, na cacho­eira da Fumaça, no rio Novo. Oito concorrentes se apresentaram, tendo a obra sido alocada à Trajano de Medeiros & Cia, destacada indústria metalúrgica para os padrões do início do século passado. O contrato foi assinado em maio do ano seguinte. Pela primeira vez uma usina hidroelétrica foi construída por uma empreiteira ge­nuinamente brasileira. Os primeiros estudos para o aproveitamento parcial da queda natural da cachoeira da Fumaça no distrito de Leopoldina foram desenvolvidos pelo engenheiro Eupídio de Lacerda Werneck, na época recém formado nos Estados Unidos. O potencial a ser aproveitado foi definido como sendo de 1,3 MW, suficiente para suprir de energia elétrica outros muni­cípios da região como Rio Novo e São João Nepomuceno, bem como a fábrica do industrial Daniel Sarmento que fez um contra­to de pré­venda de energia. A organização geral e as compras de materiais ficaram a cargo do engenheiro Otávio Carneiro e a res­ponsabilidade da construção com o engenheiro Ferreira Martins. O engenheiro L. Luck, enviado pela Westinghouse, supervisionou as instalações elétricas. O engenheiro Paulo Saboia, recém chega­do dos Estados Unidos, supervisionou as montagens. A primeira unidade geradora entrou em operação em 7 de julho de 1908.

Flavio Miguez de Mello

Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina – Energisa - Cem anos de luz na Zona da Mata

“A trajetória da CFLCL é exemplar para demonstração de que a livre iniciativa tem tanta vitalidade quanto a vida.” João Camilo Penna

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Os primeiros anos consolidaram a empresa e, em 1915, apenas dez anos após sua fundação e sete anos de geração e distribui­ção de energia elétrica, a empresa contava com ilustres investi­dores de outras localidades de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São Paulo entre eles o então presidente de Minas Gerais, Raul Soares de Moura, e o presidente da república, Wenceslau Braz.

Em 1918 a empresa adquiriu a usina Coronel Domiciano de 360 HP que era concessão da Câmara Municipal de Muriaé, o que possibilitou que seus serviços fossem estendidos às localidades de Piedade, Laranjal, Palma, Guarani e Tebas, além da cidade de Coronel Domiciano.

Os anos vinte do século passado propiciaram expressivo crescimen­to da indústria de energia elétrica. Uma das principais causas foi a rápida difusão dos serviços de bondes e de iluminação pública. Além disso, o perfil das indústrias modificava-se rapidamente; o recensea­mento de 1920 revelara que a energia elétrica já assumia 47% da força motriz consumida pelas fábricas no País. Com o objetivo de su­prir esse acentuado acréscimo de demanda, ocorreu intenso surto de instalações de novas hidroelétricas que ultrapassaram com folga a geração térmica.

Figura 3 – Casa de força da hidroelétrica de Maurício

Figura 1 - Cachoeira da Fumaça no rio Novo, local da hidroelétrica de Maurício

Figura 2 - Cachoeira da Fumaça no rio Novo, local da hidroelétrica de Maurício

Figura 4 - Geradores da hidroelétrica de Maurício

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 5a – Barragem da hidroelétrica Coronel Domiciano

Figura 5b - Usina hidroelétrica Coronel Domiciano

Imagens dos aspectos logísticos dos primeiros tempos da CFLCL

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Aquisições de empresas e de concessões foram realizadas pela Light nesse período principalmente no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. A Cataguazes Leopoldina também entendeu o momento e adquiriu em 1920 a Companhia Pombense de Eletricidade que detinha a hidroelétrica de Santo Antônio situada no município de Rio Pomba e que, dada as suas desfavoráveis condições geotécnicas, teve que ser desativada. Iniciaram­se as atividades visando a implan­tação de uma nova usina: a hidroelétrica de Ituerê que aproveita a queda natural da cachoeira do Sumidouro. A barragem de concreto tem 15 m de altura, imponente para a época, e 74 m de comprimen­to de crista, fechando um vale estreito. O projeto foi comandado pelo engenheiro Vanor Ribeiro Junqueira, os equipamentos foram

contratados junto à Siemens e as obras ficaram a cargo da Christia­ni Nielsen e da Trajano Medeiros & Cia. Inicialmente foi instalada uma unidade Francis dupla horizontal de 2,83 MW. A adução era feita com um trecho inicial de conduto em concreto armado com 3 m de diâmetro e 600 m de extensão; a adução em alta pressão foi executada em aço vindo da Alemanha. Entretanto foi verificado no início da montagem que não havia luvas de dilatação da tu­bulação forçada. As luvas foram fabricadas em Jundiaí. A usina foi inaugurada em 16 de agosto de 1928 pelo presidente de Mi­nas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade que, em discurso solene, afirmou que teve “a grande ventura (...) de acionar as máquinas da monumental instalação de Ituerê”.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 6 - Cachoeira do Sumidouro no rio Pomba, local da hidroelétrica de ItuerêFigura 7 - Construção do vertedouro de Ituerê com o desvio num vão rebaixadoFigura 8 - Construção do vertedouro de ItuerêFigura 9 - A barragem de Ituerê e o vertedouro de soleira livreFigura 10 - Casa de força da usina hidroelétrica de ItuerêFigura 11 - Cinematografando a inauguração da usina hidroelétrica de Ituerê

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Os anos vinte foram também importantes para os funcionários da empresa que passaram a ter participação nos lucros, iniciati­va patronal de vanguarda para a época. A empresa ultrapassara a marca de 9.000 consumidores e havia instalado mais de 900 km de redes de transmissão e de distribuição.

A crise econômica mundial de 1929 gerou profundas conseqüências nos cenários econômicos e políticos no Brasil que acarretaram con­flito aberto com lançamento de candidatura de oposição na figura de Getúlio Vargas à presidência da república, candidatura esta que foi oficialmente derrotada nas urnas. Com a eclosão da revolução de 1930, profundas modificações econômicas, sociais e políticas ocorreram no País, tendo Getúlio assumido o comando de um governo provisório em novembro de 1930 com plenos po­deres, tendo sido eleito pela Assembléia Constituinte em 1934 e se tornado ditador de 1937 até a queda do Estado Novo, em 1945. Nesse longo período, houve a expansão da intervenção do estado na economia a partir da promulgação da constituição de 1934 que, pela primeira vez, inserira um capítulo sobre a ordem econômica e social, estabelecendo a legitimidade da intervenção do Estado em atividades consideradas de importância para o interesse nacio­nal, aí incluídas a “exploração de quedas d’água para geração de energia”. Esse ambiente foi propício ao aparecimento do Código de Águas, promulgado em 1934. O Código havia inicialmente sido preparado por Alfredo Valadão em 1907 com colaboração de Inácio Verís­simo de Melo e José Castro Nunes. O Código de Águas gerou o confronto entre uma corrente interessada em manter os serviços de eletricidade com a iniciativa privada e outra corrente radical que pugnava por uma profunda intervenção estatal com a encam­pação de concessionárias estrangeiras. O Código introduziu o absurdo instrumento do reconhecimento apenas dos custos histó­ricos dos investimentos realizados pelos concessionários no am­biente inflacionário vigente no País, o que penalizou sobremodo as empresas privadas, cerceando a expansão da capacidade instalada com nefastos reflexos na evolução do crescimento da economia nacional. Como as demais empresas do setor elétrico, a Cataguazes Leopoldina não passou incólume por essa legislação equivocada e pela II Guerra Mundial e teve que reduzir gastos, investimentos e

distribuição de dividendos aos acionistas, garantindo a manutenção dos serviços e não mais podendo expandi­los por longo período, mes­mo porque nesse período se instalou a inadimplência no pagamento de energia fornecida para o serviço público de prefeituras.

Em 5 de fevereiro de 1935, Norberto Custódio Ferreira faleceu e abriu caminho para o encerramento do ciclo dos fundadores da empresa na sua direção, já que João Duarte Ferreira havia falecido em 1924 e José Monteiro Ribeiro Junqueira, após trinta anos de intensa dedicação à empresa e com o ambiente economicamente hostil à iniciativa privada no setor elétrico, passou a presidência para seu sobrinho, o engenheiro Ormeo Junqueira Botelho forma­do pela Escola Politécnica da Universidade do Brasil (UFRJ) em 1918. Ormeo Junqueira Botelho ajustou a empresa às condições políticas e econômicas advindas da Constituição Federal de 1937, fortemente influenciada pela doutrina fascista e que instituíu um regime de exceção. A empresa se voltou à ampliação das capaci­dades instaladas das usinas de Ituerê e Coronel Domiciano, tendo tido como uma das principais dificuldades a entrega dos equipa­mentos encomendados em 1938 a países que se envolveram na II Guerra Mundial.

O quadro estatizante do setor elétrico foi ampliado nos anos cin­quenta, no governo Juscelino Kubitscheck, pela proibição de rea­juste de tarifas de serviços públicos em função da inflação, além dos desconfortos que haviam sido introduzidos pelo Código de Águas e pela inflação que passou a ser acelerada nesse governo. Já em 1950 a empresa obteve permissão para proceder a um racionamento preventivo que se estendeu às fábricas de tecido em até três ve­zes por semana. Foi datado do dia 24 de agosto de 1954, dia do suicídio de Getúlio Vargas, o contrato de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento para a construção da hidroelétri­ca de Nova Maurício, o primeiro financiamento do Banco para uma empresa privada. A situação de carência de energia perdurou até março de 1956 quando entrou em operação a primeira uni­dade de 5,58 MW da hidroelétrica de Nova Maurício que apro­veita a queda total de 90 m da cachoeira da Fumaça. A segunda unidade geradora só entrou em operação em abril de 1958.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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No início dos anos sessenta o agravamento do cenário político e a aceleração da inflação que atingiu 80% ao ano com a impossibilidade de se obter a devida correção tarifária, encontrou totalmente descapitalizadas as empresas priva­das de energia elétrica. No período entre 1962 e 1965 o engenheiro Ormeo Junqueira Botelho foi eleito deputado federal pela UDN, tendo nesse período transferido para o engenheiro Vanor Ribeiro Junqueira, engenheiro também formado pela Escola Politécnica da Universidade do Brasil (UFRJ), a presidência da empresa.

Figura 12 - Engenheiro Ormeo Junqueira Botelho

Figura 13 - Ormeo Junqueira Botelho na campanha eleitoral

Figura 14 - Ormeo Junqueira Botelho com Tancredo Neves

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Ao se aposentar em 1965, Vanor teve como sucessor o enge­nheiro Ivan Müller Botelho. Com o advento do governo Castelo Branco ocorreu profunda e benéfica alteração na política eco­nômica do País por terem composto o ministério dois políticos, Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, identificados com o li­beralismo econômico mais ortodoxo. A orientação do governo federal passou a ser voltada para a contenção da inflação e a reto­mada do desenvolvimento. O Decreto 54936 de novembro de 1964, implantado pelo ministro Mauro Thibau das Minas e Energia, autorizou a correção monetária do valor original do ativo imo­bilizado, tendo vindo a tempo de salvar as empresas de energia elétrica da destruição devida ao arrocho tarifário tão prolongado. A então chamada de realidade tarifária e serviço pelo custo veio proporcionar novo desenvolvimento do setor elétrico.

A empresa nesse novo cenário pode ampliar seu parque gerador instalando mais duas unidades geradoras em Maurício Nova que passou a ter 31 MW de capacidade instalada.

Os anos setenta foram iniciados sob o signo do Brasil Grande com Estado todo poderoso sob o excesso de consumo deno­minado de milagre brasileiro. Passou a haver a concentração de investimentos estatais em grandes obras hidroelétricas e no pro­grama nuclear com a construção das usinas de Angra 1, 2 e 3, esta até hoje (2011) ainda inacabada. Em dezembro de 1974 veio novo golpe para as empresas eficientes: passa a vigorar a tarifa unificada independentemente das diferenças geográficas, climáticas, geomorfológicas, culturais e sociais. O Decreto 1383 passou a fazer com que a parcela da remuneração que ultrapassasse 12% ao ano fosse revertida para subsidiar as empresas com retorno inferior a 10% ao ano sobre os investimentos num cenário chama­do de Robin Hood em que as empresas mais eficientes passaram a socorrer as menos eficientes, muitas delas concentradas no Norte, no Centro­Oeste e no Nordeste. Esse decreto acabou com a concorrência e com os esforços para redução de custos. Somente em 1993 pela Lei 8631 é que as tarifas diferenciadas vol­taram a ser praticadas. Entretanto, nessa década o governo federal passou a utilizar as tarifas de energia elétrica para controle da inflação que retomava o ritmo do início dos anos sessenta. Os constantes abatimentos nas tarifas produziram intensas cri­ses de liquidez nas concessionárias, principalmente nas estatais federais, que ocasionaram elevados índices de inadimplência que geraram o colapso da engenharia consultiva no País.

Em 1976 a Cataguazes Leopoldina adquiriu a Companhia Leste Mineira de Eletricidade na região de Manhuaçu. Em 1977 a em­presa ofereceu ao grupo Brascan US$ 330 milhões para adquirir a Light. A Brascan respondeu que venderia se tivesse o consenti­mento do governo federal. Durante um ano a empresa consultou o ministério de Minas e Energia sob Shigeaki Ueki sem obter qual­quer resposta. No final desse período o próprio governo federal adquiriu por US$ 380 milhões a Light. No ano seguinte a empresa tentou adquirir a Companhia Mineira de Eletricidade. Entretanto, Figura 15 - Engenheiro Ivan Müller Botelho

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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em manobra considerada pela Comissão de Valores Imobiliários como tendo sido “ao arrepio da lei”, a Cemig arrematou a Mineira de Eletricidade por Cr$ 2,02 por ação.

No início dessa década a empresa começou o projeto da hidroe­létrica do Gloria com barragem de concreto com 14 m de altura e

adução por túnel. A usina, projeto da Promon, somente em 1983 entrou em operação comercial com 13,8 MW instalados.

Com o falecimento de seu pai em fevereiro de 1990, o engenheiro Ivan Botelho assumiu a presidência do Conselho do grupo de em­presas e o engenheiro Manoel Otoni Neiva assumiu a presidência da CPFL Minas onde se concentravam as hidroelétricas.

Em 1991 as hidroelétricas do Gloria, Ituerê e Nova Maurício, concessões de serviço público, foram vendidas à Valesul, subsi­diária da Vale, como auto­produtora para suprir parte da carga de sua fábrica no Rio de Janeiro. Em 1999 a empresa criou a Cat­Leo para operar como produtor independente de energia elétrica. Nessa década, a empresa ampliou as capacidades ins­taladas das hidroelétricas de Coronel Domiciano e Neblina II e adquiriu, em 1999, as hidroelétricas de Anna Maria e Guary (6,5 MW), localizadas em Santos Dumont e colocou em operação a hidroelétrica de Ervália de 6 MW instalados. Em 1997 a em­presa adquiriu a Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo CENF e a Empresa Energética de Sergipe ENERGIPE. Com a aquisição da CENF a empresa passou a operar as hidroelétricas de Hans, Catete e Xavier, todas situadas no rio Grande, estado do Rio de Janeiro. Em 1999 a empresa adquiriu a Companhia

Figura 16 - Engenheiro Manoel Otoni Neiva

Figura 17a – Barragem da hidroelétrica Sinceridade

Figura 17b – Barragem da hidroelétrica Santa Cecilia

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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de Eletricidade de Borborema CELB e, em 2000, a Sociedade

Anônima de Eletrificação da Paraíba Saelpa.

Em 2000 a Cat­Leo construiu em 362 dias a PCH Benjamin Ma­

rio Baptista com 9,5 MW instalados, em Manhuaçu. Em segui­

da, em apenas dois anos, instalou as PCHs Ivan Botelho I, Túlio

Cordeiro de Melo, Ivan Botelho II, Ormeo Junqueira Botelho

e Ivan Botelho III. Considerando a grande expansão do grupo

em diversos ramos industriais e nas diversas aquisições de conces­

sões de distribuição de energia elétrica em outros estados, o grupo,

para se capitalizar, teve que se desfazer de algumas hidroelétricas

acima em favor do grupo Brascan, hoje Brookfield. Em 2004 o

engenheiro Manoel Otoni Neiva se aposentou, tendo assumido

a presidência da Energisa Minas o engenheiro José Antônio da

Silva Marques, carinhosamente chamado de Zé Tunim, que veio

a falecer prematuramente em 2009, tendo sido substituído pelo

engenheiro Gabriel Pereira.

Figura 18 - Engenheiro José Antônio da Silva Marques (Zé Tunim)

Figura 19 - Barragem da hidroelétrica Túlio

Cordeiro de Mello (Granada)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Figura 20 - Barragem da hidroelétrica

Ormeo Junqueira Botelho (Cachoeira

Encoberta)

Figura 21 - Barragem da hidroelétrica Ivan Botelho I (Ponte)

Figura 22 – Casa de força da hidroelétrica Benjamim Mario Baptista (Nova Sinceridade) de 9,5 MW com apenas uma única unidade geradora

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Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL

Fabio De Gennaro Castro

Usina hidroelétrica de Campos Novos, exemplo recente de parceria da CPFL com outros agentes do setor elétrico na implantação de grandes hidroelétricas

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL

No dia 16 de novembro de 1912, na capital de São Paulo, foi criada a Companhia Paulista de Força e Luz, com foco na produção de energia elétrica por iniciativa dos engenheiros Manfredo Antonio da Costa, José Balbino de Siqueira e outros capitalistas.

O artigo 3º de seu Estatuto Social dispunha que a empresa “terá por fim a exploração industrial da eletricidade em todas as suas variadas aplicações no Estado de São Paulo, onde atual ou futuramente se possa ex-plorar tal indústria, com ou sem privilégio, promovendo ou auxiliando, direta ou indiretamente, quaisquer empreendimentos que possam contribuir para o desenvolvimento do consumo de energia elétrica e também comércio de mercadorias relativas à indústria da eletricidade”.

O ponto de partida da CPFL foi a Empresa Força e Luz de Botucatu.

Já em 1913 incorporou a Empresa Força e Luz de São Manoel e a Companhia Elétrica do Oeste de São Paulo, seguida da Empre­sa Força e Luz Agudos­Pederneiras, isto em 1914, para em 1919 incorporar a Empresa de Eletricidade de Bauru.

Paralelamente, em 1912 era criada a Empresa de Eletricidade de Araraquara, pelas mãos de Ataliba Vale, Fonseca Rodrigues e

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Figura 2 - Usina hidroelétrica de Salto Grande com 4,55 MW, no rio Atibaia

Figura 3 - Usina hidroelétrica de Americana com 30 MW

Figura 1 – Barragem de Lavrinha

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Ramos de Azevedo, a qual, em 1920, passou a controlar a Empresa de Eletricidade de São Paulo e Rio, que atuava em parte do vale do Paraíba.

Por outro lado, em 1871 fora implantada a iluminação pública a querosene em Campinas, sendo criada em 1875 a Companhia Campineira de Iluminação a Gás.

Em 1904 a firma Cavalcante Byington & Cia construiu a Usina Salto Grande no rio Atibaia também para iluminação pública, po­rém de Itatiba e Souzas, sem conseguir atender Campinas, pois esta deveria ser atendida pela Companhia de Iluminação a Gás.

Em 1927 o controle acionário da CPFL passa para a CAEEB, Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras S A, subsi­ diária da AMFORP, American & Foreign Power Company.

Em 1946 inaugurou­se a usina Avanhandava no rio Tietê, inicia­se a construção da usina de Americana e da termoelétrica de Carioba.

Em 1957 entra em operação Peixoto, atual Mascarenhas de Moraes.

Em 1975 o controle acionário passa a ser exercido pela CESP.

Em novembro de 1997, com a privatização, o controle da com­panhia passou para o atual grupo composto pela VBC Energia (Grupo Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa), pelo Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), e pela Bonaire Participações (que reúne os fundos de pensão Funcesp, Sistel, Petros e Sabesprev).

Nos anos recentes a CPFL passou a atuar intensamente com outros parceiros em grandes hidroelétricas, tais como as usinas hidro­elétricas de Campos Novos e Foz do Chapecó.

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Figura 5 - Barragem da PCH Alto Irani, com 21 MW. Esta usina foi agregada a CPFL Renováveis pela fusão da ERSA e CPFL

Figura 4 - Barragem de São Gonçalo com 11 MW

Figura 6 - Visão artística do arranjo da usina hidroelétrica de Foz do Chapecó

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Em 2011 ocorreu a fusão da CPFL com a ERSA dando origem à CPFL Reno­váveis. Com isso o parque gerador foi ampliado com diversas outras usinas de pequeno porte, tais como Alto Irani, Plano Alto, Varginha, Corrente Grande, Cocais Grande, Paiol, Arvoredo, São Gonçalo e Ninho da Águia.

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Breve Memória sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2011

Miguel Augusto Zydan Sória

Usina hidroelétrica de Itaipú. Barragem principal e condutos forçadosFoto de Caio Francisco Coronel - Itaipu Binacional

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Breve Memória sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2011

1. IntroduçãoA hidroelétrica de Itaipu é fruto do Tratado celebrado em 26 de abril de 1973 pelo Brasil e pelo Paraguai para o aproveitamento dos recursos hídricos do rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas ou Salto de Guaíra até a foz do rio Iguaçu, tendo como signatários os chanceleres Mário Gibson Barboza, pelo Brasil, e Raúl Sapena Pastor, pelo Paraguai. Nesse período, eram presidentes Emílio Garrastazu Médici, no Brasil, e Alfredo Stroessner, no Paraguai.

Fazem parte do Tratado o Anexo A – Estatuto; o Anexo B – Des­crição das instalações destinadas à produção de energia elétrica e das obras auxiliares; e o Anexo C – Bases financeiras e de pres­tação de serviços de eletricidade. O Tratado é complementado por acordos, notas reversais, leis e protocolos. Com a finalidade de realizar o aproveitamento hidroelétrico, o Tratado cria a entidade binacional Itaipu, instalada em 15 de maio de 1974 e constituí­da com igual participação em seu capital pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), representando o Brasil, e pela Admi-nistración Nacional de Electricidad (ANDE), representando o Paraguai.

Apresentamos neste capítulo um breve relato histórico sobre a obtenção desse ingente resultado por ambos os países. Como são

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

muitos os aspectos da Itaipu possíveis de serem explorados, e considerando que a presente publicação se propõe a organizar em um único volume a memória das principais barragens cons­truídas no Brasil para várias finalidades ­ e, no caso de Itaipu, realizada em conjunto com o Paraguai ­, por isso mais ligada à engenharia civil e à geologia, descreveremos as motivações e a concepção do projeto e enfatizamos os tópicos relacionados aos estudos prévios realizados e às obras civis, nominando alguns de seus inúmeros protagonistas. As menções feitas a eles devem ser consideradas uma homenagem a todos os que indis­ tintamente participaram no esforço de construir Itaipu.

Como nosso intento é o de dissertar sobre a história da constru­ção da hidroelétrica de Itaipu, limitamo­nos a apresentar refe­rências sobre detalhes técnicos do empreendimento quando as descrições assim o exigirem. Sugerimos que os leitores que esti­verem interessados em conhecer informações técnicas sobre o projeto Itaipu consultem outras publicações, onde as encontrarão fartamente. Nesse sentido, das referências bibliográficas exis­

tentes recomendamos pesquisa no livro “Itaipu Hydroelectric Project – Engineering Features”, editado pela Itaipu Binacional em 1994, que possui versão em português “Usina Hidroelé­trica de Itaipu, Aspectos de Engenharia”, publicada em 2009, a qual constitui também o texto­guia deste trabalho.

2. Cronologia do Projeto ItaipuO Quadro I, abaixo, e o Quadro II, anexo, mostram, de modo resu­

mido, as principais etapas e datas relativas ao Projeto Itaipu.

Esses marcos nos permitem separar com nitidez as diferentes fases

do processo de construção de Itaipu.

A assinatura da Ata de Iguaçu, em 1966, pode ser considerada como

o momento que encerra a fase estratégica do processo. Registra a

concepção da idéia e prescreve as estratégias de alto nível a serem

seguidas, decorrentes estas das escolhas julgadas mais favoráveis.

Fonte: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009.

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3. Principais motivações para a construção de ItaipuA análise mais profunda dos acontecimentos que levaram à construção de Itaipu revela que duas foram as suas motivações primordiais, as quais, devido a circunstâncias intrínsecas, con­vergiram e se somaram. A primeira dessas motivações é oriunda da política externa, e a segunda, da socioeconomia.

3.1. Motivação decorrente da política externa

Para explicar a origem da motivação fundamentada na política externa remontamos a 1750, ano em que Espanha e Portugal assinaram em Madri o Tratado de Limites, primeira descrição minuciosa da fronteira brasileiro­paraguaia. O texto, porém, era impreciso ao determinar os limites entre os territórios na margem direita do rio Paraná. O Tratado de Paz assinado em 1872, logo após o término da Guerra do Paraguai (1865­1870), acabou por reabrir a polêmica em torno da fronteira na região das Sete Quedas porque estabelecia que os territórios deveriam dividir­se pelo rio Paraná, até o Salto, e pelo cume da Serra de Maracaju. No entanto, o detalhamento completo dos limites da fronteira jamais foi concluído em face de desacordo entre as partes em relação à demarcação da Serra de Maracaju no trecho em que ela se divide em dois ramos, um acima e outro abaixo das Sete Quedas.

Esse brevíssimo repasse pela história nos serve para compreen­der que a possibilidade de exploração de um grande potencial hidroelétrico, pela sua enorme importância, pode dar causa a signi­ficativos conflitos de interesses. E foi justamente o que aconteceu com Brasil e Paraguai no início da década de 60 com a desco­berta do potencial hidroelétrico do rio Paraná, pois a indefinição quanto à posse das Sete Quedas interferia nos planos de um e de outro para o aproveitamento pretendido, colocando ambos os países em oposição. Mas, em vez de medir forças, os dois go­vernos, sabiamente, optaram por unir forças. Em 1962, pela pri­meira vez cogitou­se de os dois países se unirem para produzir

energia em conjunto. A inauguração da Ponte da Amizade em 1965 alimentou o clima de cooperação ao oferecer a perspectiva de facilitar o intercâmbio comercial entre eles.

Como resultado de intensas negociações, em 1966 foi assinada a Ata de Iguaçu pelos ministros das Relações Exteriores do Brasil, Juracy Magalhães, e do Paraguai, Raúl Sapena Pastor. A declaração conjunta manifestava a disposição de estudar o apro­veitamento dos recursos hidráulicos pertencentes em condo­mínio aos dois países, no trecho do rio Paraná “desde e inclusive o Salto de Sete Quedas até a foz do rio Iguaçu”. O entendimento diplomá­tico abriu caminho para o início dos estudos técnicos. A solução proposta por um consórcio de empresas estrangeiras, que pre­via o alagamento de grande parte da área em litígio, encerrou a disputa por terras na fronteira.

Em 1967, uma Comissão Mista foi criada para implementar a Ata do Iguaçu. O consórcio formado pelas empresas IECO – Inter-national Engineering Company Inc. (EUA) e ELC – Electroconsult SpA. (Itália), depois de adequada avaliação das propostas de diversos grupos qualificados, foi escolhido para a realização dos estudos de viabilidade e para a elaboração do projeto da obra. Em 26 de abril de 1973, Brasil e Paraguai assinam então o Tratado de Itaipu.

3.2. Motivação decorrente da socioeconomia

Conforme assinalado, a disposição de construir uma hidroelétrica para atender à demanda de energia elétrica foi motivo de desa­cordo entre Brasil e Paraguai nos anos 60. Prevaleceu, porém, a inteligência política quando se estabeleceu que a construção e o uso da futura instalação seriam realizados em conjunto. O entendi­mento da questão sob esse prisma acabou por reverter totalmente a situação. É importante frisar que era central nessa discussão a estratégica aspiração de suficiência no suprimento futuro de energia elétrica para os dois países.

Ao investigarmos a formação da demanda de energia naquele mo­mento da história, deparamo­nos com hábitos da sociedade que

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

requeriam crescentes níveis de uso da eletricidade, numa miría­de de aplicações cotidianas, proporcionadas por tecnologias cada vez mais inovadoras e sofisticadas. Ou seja, pelo lado da procura, os dados da questão eram razoavelmente claros.

Pelo lado da oferta, não restava alternativa a não ser incrementar a produção maciça de energia elétrica nos níveis demandados, o que podia ser feito de diferentes formas. A forma preferen­cial, que perdura até então mundo afora, é a de produzir energia elétrica com o emprego de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo, preponderantemente). Secundariamente, vem a pro­dução de energia elétrica de base hidráulica e atômica, onde disponível e viável. A essas formas acresce­se hoje o emprego da biomassa e de outras fontes alternativas (eólica, solar, ondas, geotermia, etc.). O contraste, que naquele momento não pas­sou despercebido pelos estrategistas mais argutos, consiste no fato de que os combustíveis fósseis não são renováveis, en­quanto a água que corre nos rios o é. A hidroeletricidade é, portanto, um predicado, um diferencial competitivo.

Esse preciso diagnóstico feito com competência pelo meio téc­nico acabou por ser em grande parte internalizado pela classe dirigente do país, tendo reflexos profundos nas decisões toma­das sobre a matriz energética brasileira, e de suas implicações nas demais infra­estruturas públicas e privadas que foram posteriormente implantadas. Àquela época já se sabia que o potencial hidroelétrico dos rios interiores brasileiros era imen­so, o que indicava autossuficiência de energia elétrica a médio prazo. Mas considerava­se também a possibilidade de aprovei­tamento conjunto dos rios compartilhados com países vizinhos, principalmente com a Argentina e o Paraguai. Em razão disso, o Brasil, já nas décadas de 50 e 60, faz valer sua visão de “se­gurança energética”, e constrói hidroelétricas de grande por­te, Paulo Afonso I (1954), Três Marias (1962), Furnas (1963) e Jupiá (1968). A experiência na execução desses projetos proporcionou adicionalmente a acumulação do capital inte­lectual, que serviu mais tarde para os outros tantos projetos que foram realizados, incluindo o de Itaipu.

É nesse clima de grande atenção ao tema energético nacional que foi criado em 1961 o Comitê Brasileiro de Grandes Barra­gens (CBGB), pois o Brasil evoluía da construção de barragens baixas e médias para barragens e hidroelétricas de grande vul­to. A iniciativa de criação do CBGB foi dos engenheiros que naquela época estavam assumindo gradativamente a respon­sabilidade pelas atividades técnicas relacionadas à implantação dessas barragens no País.

E as previsões sobre a importância que viria a ter a hidroeletricici­dade acabaram por se confirmar, pois em 1973, coincidentemente o mesmo ano em que é assinado o Tratado de Itaipu, sobreveio a crise mundial do petróleo, de profundos impactos na economia e no ordenamento social de muitas nações. A visão de “seguran­ça energética” tomou então contornos dogmáticos, estimulando o rápido desenvolvimento de iniciativas em diversos segmentos no campo da produção de energia, voltadas para a substituição de importações do petróleo. Entre as principais, têm início a produção de etanol de cana­de­açúcar (Pró­Álcool – 1975), a pro­dução de energia elétrica com base em energia atômica (Usina de Angra I – 1976) e a expansão da geração de energia de base hidráulica, tendo como pontos altos justamente o início, em 1975, da construção das mega­hidroelétricas de Tucuruí e de Itaipu, a primeira na inexplorada região Norte do País, a segunda, objeto de nosso relato, na região Sul, em sociedade com o Paraguai.

3.3. A decisão de construir Itaipu

A conjugação, portanto, dos citados fatores políticos e socioeco­nômicos formaram o argumento de base para Brasil e Paraguai decidirem pela construção em conjunto de uma usina hidroelétri­ca sobre o rio Paraná, no trecho de fronteira fluvial entre os dois países. Foi antes de tudo, uma decisão de cunho macroeconô­mico, de longo alcance, que se inscreve na magnanimidade das políticas de estado, de construção do futuro dos dois países.

Dessa presciente decisão maior decorreram todas as demais, de caráter mais técnico, abrangendo os entendimentos prévios entres

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os dois países, a contratação de estudos de alternativas de locali­zação da obra, a assinatura do Tratado de Itaipu, a constituição da Itaipu Binacional, a elaboração dos estudos e projeto de en­genharia, a execução da obra e montagem dos equipamentos e, por fim, a produção de eletricidade, tal como será visto na con­tinuidade deste trabalho. Cabe destacar a atuação do engenheiro e economista Antonio Dias Leite Júnior, Ministro de Minas e Energia do Brasil de 1969 a 1974, que intercedeu a favor do projeto perante o Congresso Nacional brasileiro.

4. Período preparatórioConforme salientado, no princípio da década de 60 cresce com rapidez a demanda de energia elétrica na metade Centro­Sul do Brasil. O governo brasileiro, na época, após alguns estu­dos realizados em 1955­56, já estava ciente das potencialidades energéticas que representavam os aproximadamente 100 me­tros de queda existentes no Salto Grande de Sete Quedas, na região mais meridional da porção brasileira da imen­sa bacia hidrográfica do rio Paraná. Foi, então, contratada a empresa EMF, dirigida pelo engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, projetista, entre outras obras, da usina de Paulo Afonso. A EMF propôs um aproveitamento hidroelétrico da ordem de 10 mil MW, que, porém, não pode ser aceito porque se pre­via sua implantação exclusivamente em território brasileiro, desviando­se o rio em trecho de fronteira e desconsideran­do­se o aspecto binacional do sítio. Antes disso, em 1959, o Serviço de Navegação da Bacia do Prata já havia construído uma pequena hidroelétrica com 1.200 kW de potência instala­da em um dos braços das Sete Quedas, a qual foi desmontada em 1982, por ocasião do enchimento do reservatório de Itaipu.

Foram esses os principais antecedentes do acordo prévio que Brasil e Paraguai alcançaram em 1966, visando ao aproveitamento hi­droelétrico conjunto, traduzido pela Ata de Iguaçu, documento que marca o início do período preparatório, que se encerra com o Tratado de Itaipu, complementado depois pelo Acordo Tripartite.

4.1. A Ata de Iguaçu

A “Ata de Iguaçu: Brasil – Paraguai”, assinada em 22 de junho de 1966, é, portanto, o registro do entendimento a que chegaram os governos do Brasil e do Paraguai e que expressa irrefutavelmente o amadurecimento da ideia de construir Itaipu, fundada antes de tudo na amizade e no respeito mútuo cultivado entre os dois países.

No documento consta “... o vivo desejo de superar, dentro de um mesmo espírito de boa-vontade e de concórdia, quaisquer dificuldades ou problemas, achando-lhes solução compatível com os interesses de ambas as Nações. ... ”, o que revela o reconhecimento explícito das partes de que, num projeto daquela envergadura, eram esperados óbices de diversas naturezas para sua concretização.

A Ata de Iguaçu, por conseguinte, faz prescrições sobre alguns aspec­tos relevantes do empreendimento, tais como a decisão de dar início ao estudo e levantamento das possibilidades econômicas de uso dos recursos hidráulicos comuns, a divisão da energia em partes iguais, a cessão da energia não utilizada e a necessidade de entendimentos com os estados ribeirinhos da Bacia do Prata. Esses aspectos serão tratados com mais detalhes nas seções seguintes deste capítulo.

4.2. O papel da Comissão Mista Técnica

Para cumprir o disposto na Ata de Iguaçu, em 1967 foi criada a Comissão Mista Técnica Brasileiro­Paraguaia com a finalidade de realizar o estudo e o levantamento das possibilidades econômicas do aproveitamento hidroelétrico pretendido e apresentar o resul­tado aos dois governos. A Comissão Mista Técnica, por sua vez, em 10 de abril de 1970, firma convênio de cooperação com a Eletrobras e com a ANDE.

O convênio estabelecia que o trabalho fosse realizado por um gru­po de técnicos de ambos os países, com a supervisão de uma firma de consultores de engenharia, sob a direção geral e coordenação de um Comitê Executivo. Para esse fim foi então contratado, em 18 de novembro de 1970, o consórcio ítalo­americano IECO­ELC.

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Figura 1 - Comissão Mista-Técnica Brasileiro-Paraguaia

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

4.3. Os estudos de viabilidade

Em 1 de fevereiro de 1971 foram iniciados os estudos do aprovei­tamento, a serem desenvolvidos em quatro fases metodológicas, que envolveram levantamentos de campo, análises hidrológi­cas, investigações geotécnicas e um inventário completo de al­ternativas possíveis de projeto. Foi então feita a classificação e análise das informações existentes e aquisição de dados adi­cionais envolvendo a meteorologia, pluviometria, fluviometria, sedimentação, topografia, condições geológicas e geotécnicas, assim como a disponibilidade de materiais de construção e seus meios de transporte. Disso resultou a indicação de dez locais possíveis para a construção de barragens (Guaíra, Santa Maria, Laguna Verá, Alex Gage, Arroio Guaçu, Porto Mendes, São Francisco, Itaipu, Puerto Embalse e Ilha Acaray) e 50 diferentes arranjos.

Comparando­se os arranjos, as estimativas de custos e os resul­tados das simulações operacionais, duas soluções se mostraram preferenciais: (i) Itaipu Alto, uma única barragem na ilha de Itai­pu, com todo o potencial concentrado em uma única usina hi­droelétrica e (ii) Itaipu Baixo e Santa Maria, duas barragens, uma na ilha de Itaipu e outra 150 km a montante em Santa Maria, com o potencial dividido em duas hidroelétricas.

4.4. A escolha do local Itaipu

No cotejamento entre as duas alternativas finais selecionadas, a solução Itaipu Baixo e Santa Maria mostrou­se menos competi­tiva porque os custos dos desvios do rio e dos vertedouros seriam duplicados, os saltos hidráulicos líquidos seriam menores e os custos da potência instalada maiores. Além disso, a topografia,

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Figura 3 - Trabalhos de sondagem na Ilha de Itaipu - 1972

Figura 4 - A partir da direita: Pierucci, R. Delgado, W. Taboada, Giovanni Salerno e Piero Sembenelli (todos da IECO-ELC), o consultor Arthur

Casagrande e outros não reconhecidos – 1973.

Figura 2 - Ilha de Itaipu – rio Paraná

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a geologia e as condições de vazão do rio também encareceriam os custos em Santa Maria. Por outro lado, a capacidade instalada para Itaipu Alto seria 5,5% maior e a energia firme por volta de 33% superior à da combinação Itaipu Baixo e Santa Maria. Ou seja, concluiu­se que o esquema com uma única barragem fornecia maior capacidade instalada ao menor custo por quilowatt (kW).

No final de dezembro de 1972, após a realização das três primeiras fases previstas na metodologia, foi apresentado o relatório sobre o estu­do preliminar de viabilidade, que indicou como mais favorável o projeto Itaipu Alto, o que foi aceito pela Comissão Mista Técnica. A partir daí passou­se a utilizar a denominação Itaipu simplesmente.

A ilha de Itaipu, que deu nome ao empreendimento, quase sem­pre submersa, era localizada logo após uma curva acentuada do rio Paraná, a pouco mais de 20 quilômetros da confluência com o rio Iguaçu. Ela consistia em um afloramento de rocha, cujo maru­lhar provocado pela correnteza inspirou os indígenas a chamá­la “Itaipu”, que significa na língua tupi “a pedra que canta”.

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Figura 5 - Consultor Arthur Casagrande (à esquerda) e Piero Sembenelli (IECO-ELC) na travessia do rio Paraná - 1973

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em 12 de janeiro de 1973, foi apresentada uma minuta do re­latório final de viabilidade à Comissão, oportunidade em que se optou pelo prosseguimento do projeto Itaipu. Essa deci­são possibilitou o avanço dos entendimentos que resultaram na redação do Tratado de Itaipu. Na continuidade, a Comis­são Mista Técnica determinou que fosse realizado pelos con­sultores estudo completo de viabilidade para confirmação da alternativa escolhida, com detalhamento e profundidade adequados à obtenção de empréstimo perante os organismos financeiros internacionais. O relatório final dos consultores foi apresentado posteriormente, em julho de 1974.

4.5. O Tratado de Itaipu

O Tratado de Itaipu, de 26 de abril de 1973, é, portanto, o instru­mento­chave de consolidação do acordo alcançado pelo Brasil e pelo Paraguai para a execução do aproveitamento hidroelétrico. O acordo foi feito de modo equilibrado, superando divergên­cias pretéritas, atribuindo a ambos os países o mesmo poder de decisão e, na medida do possível, e em igualdades de condições,

oportunidades iguais para mobilização da força de trabalho e para a realização dos fornecimentos em geral, tendo­se como limite apenas a capacidade de cada um. Essa harmonização de interesses contribuiu para que se estabelecesse o “espírito binacional” que reinou durante toda a empreitada e perdura até hoje. De modo a conferir a adequada segurança jurídica ao acordo, o Tratado foi ratificado pelos poderes legislativos de ambos os países no mesmo ano de 1973.

A ITAIPU foi então constituída pela Eletrobras e pela ANDE, com igual participação no capital, regendo­se por normas esta­belecidas no próprio Tratado e seus anexos. O Tratado também define que a ITAIPU é administrada por um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva integrados por igual número de nacionais de ambos os países, sendo seus docu­ mentos oficiais redigidos em português e espanhol.

Algumas disposições do Tratado refletem a adoção das me­didas prévias que o viabilizaram, que são: a possibilidade de aporte de recursos financeiros mediante operações de cré­dito, não aplicação de impostos (mediante isenções fiscais) e de algumas restrições administrativas, a divisão da energia pro­duzida em partes iguais e o estabelecimento da obrigação de aqui­sição por um país da energia não utilizada pelo outro país para seu próprio consumo.

Os três anexos do Tratado servem, basicamente, para detalhar o “como fazer” no empreendimento.

4.6. A singular engenharia econômico-financeira do projeto

As simulações de custo do projeto que foram feitas na fase inicial dos estudos de viabilidade já indicavam a necessidade de recur­sos financeiros da ordem de bilhões de dólares americanos para a execução das obras. Essas altas cifras, se já eram onerosas para o Brasil, ultrapassavam em muito a própria economia do Paraguai, o que inviabilizava investimentos com uso de recursos próprios.

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Figura 6 - Assinatura do Tratado de Itaipu em 26 de abril de 1973 - Presidentes Alfredo Stroessner (Paraguai) e Emílio Garrastazu Médici (Brasil), acompanhados pelos chanceleres Raúl Sapena Pastor (esquerda da foto) e Mário Gibson Barboza, respectivamente.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Optou­se, assim, pelo financiamento integral do Projeto Itai­pu por meio de empréstimos bancários, assegurando assim o necessário suporte dos gastos a serem realizados nas diversas frentes de obra. Ficou definido que os empréstimos, encargos financeiros e demais itens de custeio do empreendimento se­riam depois pagos com as receitas resultantes da produção de energia elétrica da própria usina.

Os modelos matemáticos utilizados nos estudos de viabilidade indicaram que a hidroelétrica, quando estivesse completa, com 18 unidades geradoras operando, dependendo das condições hi­drológicas na bacia do rio Paraná e do grau de regularização a montante da barragem, produziria anualmente uma quantida­de variável de energia, com uma média estimada da ordem de 70 milhões de megawatts­hora por ano (MWh/ano).

Dessa imensa quantidade de energia, o Brasil estaria apto a ab­sorver a metade que lhe corresponderia, enquanto o Paraguai não conseguiria fazer o mesmo, pois só utilizaria para consumo próprio

algo em torno de 10% de sua metade. Para garantir que a totali­dade da potência disponível da ITAIPU fosse sempre contratada, e assim viabilizar economicamente o empreendimento, o Brasil e o Paraguai se comprometeram a contratar conjuntamente o total da potência instalada da usina. Paralelamente, o Brasil, por meio da Eletrobras, concordou em celebrar contratos com a ITAIPU de forma que o total da potência contratada fosse igual à potência instalada. Essas duas disposições viabilizaram economicamente o empreendimento, pois o Brasil, na prática, passou a assumir todas as incertezas financeiras e de mercado associadas a um empreendi­mento desse porte. Para aferir o grau dessa responsabilidade, o Brasil em 2011 assume cerca de 95% de todos os encargos da ITAIPU, utilizando aproximadamente 92% da energia gerada pela usina.

Para que se alcançasse a constância de receitas almejada, os gover­nos do Brasil e do Paraguai resolveram então adotar um modelo de comercialização pelo qual as contratações anuais seriam feitas não pela produção de energia ­ medida em MWh, e, portanto, va­riável ­, mas pela potência do conjunto gerador da usina, medido

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Figura 7 - Constituição da Itaipu Binacional em 17de maio de 1974: Presidentes Alfredo Stroessner (Paraguai) e Ernesto Geisel (Brasil)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

em MW, grandeza invariável cujo valor seria fixado nos limites de potência necessários à produção da “energia garantida”.

A prestação do serviço de eletricidade seria então remunerada pela capacidade de produção posta à disposição do usuário, independente­mente do que fosse consumido de energia. Ou seja, exemplificando-se pelo extremo, mesmo que nada fosse consumido pela entidade compradora, esta pagaria sempre pelo direito de ter potência energética à sua disposição. Isso acarretava para o comprador au­mento do componente de custeio devido à energia adquirida da Itaipu sempre que o consumo fosse inferior à capacidade contratada.

Esse modelo implica, é claro, na transferência das incertezas para a Eletrobras e para a ANDE, e destas, por sua vez, às demais enti­dades compradoras a elas vinculadas. Como o Brasil consumiria a maior parte da energia produzida, o maior impacto dessas incer­tezas recairia sobre seu setor elétrico. Contudo, as avaliações feitas indicaram que, em razão de o setor elétrico brasileiro ser de grandes proporções, e estar em expansão, ele teria condições de absorver e diluir eventuais variações de demanda para menos que viessem a ocorrer, tornando suportável desse modo os efeitos da contratação por potência sinalizado para o Projeto Itaipu, viabilizando-o defini­

tivamente. O Paraguai ficava, assim, praticamente blindado contra os efeitos dessas sazonalidades. Tal modelo acabou por constituir o fator diferencial que selou a decisão de construir Itaipu.

5. Execução do projetoAtendidas as condições necessárias ao desenvolvimento do proje­to, em seu patamar mais elevado, passou­se então à sua execução, em uma fase predominantemente de intervenção na realidade.

5.1. Constituição da Itaipu Binacional

Cumprindo o disposto no Tratado e seus anexos, em 15.05.1974 é efetuada a instalação da ITAIPU Binacional, com a presença dos Presidentes Ernesto Geisel, do Brasil, e Alfredo Stroessner, do Paraguai. Para esse fim, os Ministros das Relações Exteriores e de Minas e Energia do Brasil conjuntamente com os Ministros de Relações Exteriores e de Obras Públicas e Comunicações do Paraguai deram posse nos respectivos cargos aos Membros do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva, sendo nomeados Diretores­Gerais José Costa Cavalcanti, pelo Brasil, e Enzo Debernardi, pelo Paraguai.

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Figura 8 - Organograma geral da ITAIPU Binacional

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Logo após, são então destinadas áreas de terras no Brasil para a construção da hidroelétrica, para instalação dos serviços administra­tivos, para a edificação da vila residencial para os trabalhadores, e, posteriormente, para a formação do reservatório. De igual manei­ra, são destinadas áreas de terras no Paraguai, em caráter parcial, para as instalações do aproveitamento hidroelétrico e suas obras auxiliares, tendo sido posteriormente definida a área total delimitada.

Estavam desse modo estabelecidos o local, a estratégia de alto nível, o orçamento inicial, o aparato organizacional e o instrumental necessários ao início da execução do projeto.

Foram Diretores­Gerais Brasileiros, responsáveis pela coorde­nação, organização e direção das atividades da Itaipu, José Costa Cavalcanti (1974­85), Ney Aminthas de Barros Braga (1985­90), Fernando Xavier Ferreira (1990­91), Jorge Nacli Neto (1991­93), Francisco Luiz Sibut Gomide (1993­95), Euclides Girolamo Scalco (1995­98), Altino Ventura Filho (1998), Euclides Girolamo Scalco (1998­2002), Antonio José Correia Ribas (2002­03). Desde 2003 o cargo é ocupado por Jorge Miguel Samek.

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Figura 9 - Grupo de engenheiros com os consultores. A partir da esquerda: Castro, Piasentin, Belloni, Nauroz Khan (gerente do estudo de viabilidade),

P. Sembenelli, A. Gallico , Arthur Casagrande, José Gelazio da Rocha (Itaipu, Superintendente de Engenharia), Don Deere, Edwin Smith - 1974

Figura 10 - A partir da esquerda: Luis Carlos Domenicci (Unicon), Rubens Vianna de Andrade (Itaipu, Superintendente da Obra), Arthur Casagrande (consultor), José Roberto Monteiro (Itaipu)

e Flavio H. Lyra (Chairman do Board de Consultores da Itaipu) – outubro de 1977

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

5.2. Estudos e investigações confirmatórios

Com vistas a cumprir a determinação da Comissão Mista Técnica para que fossem desenvolvidos pelos consultores estudos de viabilidade adicionais e de confirmação da alternativa escolhida, passou­se à realização da quarta e última fase dos estudos de viabi­lidade do projeto, cujo relatório foi apresen­tado em julho de 1974, portanto logo após a instalação da ITAIPU Binacional.

Esse relatório final incorporou: (i) os estudos hidrológicos levados adiante; (ii) a enchen­te de projeto do vertedouro, na ordem de 62.600 m3/s; (iii) os estudos da frequência das enchentes; (iv) a capacidade instalada da usina, concluindo pela instalação de

18 unidades de 700 MW; (v) os ensaios em modelo de regulari­zação do rio e instalações para navegação, na escala 1:100; (vi) as unidades geradoras principais; (vii) a dupla frequência, decorrente do fato de que o Brasil adota a frequência de 60 Hz e o Paraguai de 50 Hz; (viii) o arranjo geral; (ix) o vertedouro, na margem direita; (x) as barragens; e (xi) a casa de força.

5.3. Projeto de engenharia: dados básicos e características

Com base nas prescrições do relatório final de viabilidade do em­preendimento a partir do segundo semestre de 1974 deu­se início a ampla mobilização de pessoas e empresas no Brasil, no Paraguai e em outros países, para elaborar o projeto de engenharia de Itaipu.

Consoante a complexidade e importância da tarefa, com o emprego de técnicas apuradas de gerenciamento de projetos, foram forma­dos, de maneira concatenada, vários grupos especialistas, detento­res de conhecimentos compatíveis com as necessidades técnicas de

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Figura 11 - A partir da esquerda: Corrado Piasentin,

Gurmukh Sarkaria (Coordenador-Geral da IECO-

ELC), Arthur Casagrande, Don Deere, Klaus John,

Fernão Paes de Barros, Orlando Gomes dos Santos e Flavio H. Lyra (Chairman do Board de

Consultores da Itaipu) – outubro de 1977

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dimensionamento e especificações das principais partes da hidroe­létrica: estruturas de desvio, barragens e ensecadeiras, reservatório, vertedouro, casa de força e equipamentos de geração de energia. Essas partes principais, por sua vez, foram subdivididas em diversas outras, igualmente tratadas por especialistas de diversas áreas.

A diretriz geral que marcou essa etapa essencialmente conceptiva do Projeto Itaipu foi a do emprego incondicional de critérios de excelência técnica mundialmente disponíveis para projetos des­sa natureza. Isso necessariamente implicou o atendimento de rigorosas exigências, que se refletiram posteriormente em toda a cadeia de processos, de subprojetos e de esquemas organiza­ cionais do empreendimento.

Conforme mencionado, em razão do aprofundamento dos estudos, e mediante os resultados dos testes e verificações feitos na fase de projeto, o arranjo geral das instalações permanentes foi diferente em alguns aspectos daquele definido durante a fase de viabilidade.

O Quadro III, anexo, apresenta uma síntese das principais atividades desenvolvidas nessa etapa de estudos e projetos, relacionando somente as principais empresas participantes, pois não se revela possível nes­ta memória resumida listar as muitas outras empresas e profissionais que participaram do esforço. Cabe destacar que a Itaipu manteve a liderança do processo a cargo do consórcio internacional IECO­ELC, representado pelo experiente Engenheiro Gurmukh Sarkaria, que, naquela fase, desempenhou a função de Coordenador­Geral do Projeto.

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Figura 12 - Rubens Vianna de Andrade (esquerda, Superintendente da Obra), e Diretores-Gerais José Costa Cavalcanti (Brasil) e Enzo Debernardi (Paraguai) – dezembro de 1977

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A Itaipu manteve um painel permanente de consultores inter­nacionais (Board), representativos do conhecimento acumulado no mundo até aquela época em projetos hidroelétricos. Esses consultores, relacionados no Quadro IV, anexo, se reuniam re­gularmente para analisar aspectos especiais do projeto e da cons­trução das obras civis, bem como do projeto e da fabricação das unidades geradoras.

Foram também mobilizados muitos consultores, especialistas e firmas encarregadas dos ensaios em modelos para resolverem problemas específicos de engenharia civil e aspectos ligados ao projeto, fabricação e funcionamento dos geradores. As­sim, os recursos de simulação auxiliaram significativamen­te nas decisões dos projetistas. O Quadro V, anexo, apre­senta uma relação dos principais ensaios e estudos especiais realizados e das instituições que os conduziram.

5.4. Fundações: investigações geológicas e geotécnicas

Definido o arranjo geral das instalações permanentes e, por conse­guinte, a geometria e a disposição territorial do conjunto, pôde­se dar início ao aprofundamento das investigações geológicas e geo­técnicas feitas na Fase 1 dos estudos de viabilidade, tendo em vista

o cálculo e dimensionamento das fundações das barragens e das demais estruturas a serem erigidas.

Caracterizada a geologia da área do projeto e do reservatório, que jazem sobre grandes derrames basálticos da bacia superior do rio Paraná, partiu­se para as investigações geotécnicas, por meio de sondagens e perfurações, escavações de trincheiras, poços e túneis para verificação e a realização de ensaios in situ e ensaios em laboratório, que definiram a deformabilidade e a resistência dos diversos tipos de brecha, basalto vesicular e basalto denso, bem como identificaram as principais descontinuidades existentes no subsolo de assentamento das fundações.

Essas descontinuidades, encontradas na forma de juntas, contatos, áreas fraturadas e zonas cisalhadas, exigiram o emprego de tratamen­tos subterrâneos para assegurar sua estabilidade frente às cargas a serem suportadas, com o emprego principalmente de chavetas de con­creto na descontinuidade da margem direita, e, de maior extensão e volume, nas fundações da barragem principal no leito do rio, que foram devidamente instrumentadas para posterior monitoramento. Dessas investigações, foi também prescrita a execução de injeções, cortinas de injeção e de drenagem, poço de investigação e de acesso, furos e túneis de drenagem, complementares às estruturas das fundações.

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Figura 13 - Grupo de geólogos das projetistas se apronta para inspecionar os túneis e poços. A partir da esquerda: Minervino Buosi, John Cabrera, Szolt Gombosy, Roberto Ramón Acosta Alvarez, Nelson Infanti Jr. e Maurício Muller – maio de 1977

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5.5. Planejamento e organização dos trabalhos

A Itaipu, em 1975, definiu que no ano de 1983 seria iniciada a operação da primeira unidade geradora. Essa decisão determinou o planeja­mento, a cronologia e a organização dos trabalhos a serem realizados. Tratava­se de uma operação complexa, pela expressiva monta das di­mensões e volumes envolvidos na construção da usina.

Sendo a construção do canal de desvio a atividade mais crítica, segundo indicou a rede CPM (Critical Path Method) elaborada, foram en­tão separadas as atividades que dela independiam, o que permitiu que, no programa de construção, se previsse o início em 1975 de diferen­tes frentes de trabalho em paralelo, envolvendo algumas importantes obras civis e diversas encomendas de equipamentos e componentes eletromecânicos com perfil de fornecimento de longo prazo.

Por essa lógica, as obras civis tiveram início com a execução de vá­rias frentes conjuntas de escavações, tendo como mais volumosas o próprio canal de desvio, a calha do vertedouro e a fundação da barragem de enrocamento. O material das escavações foi utilizado para a construção das ensecadeiras principais no leito do rio Para­ná e da barragem de enrocamento na margem esquerda. Conclu­ído o canal de desvio, suas ensecadeiras em arco e a estrutura de controle nele existentes, e desviado o rio, passou­se para a cons­trução da barragem principal e do vertedouro e da casa de força, parte desta última no leito do rio ao pé da barragem principal e parte dela ao pé da estrutura do desvio.

Nesse sentido, merece menção especial a contribuição do La­boratório de Materiais e Concreto da Itaipu (que atualmente se denomina Laboratório de Tecnologia do Concreto da Itaipu – LabTecon), situado no contexto geral do Sistema de Qualidade das Construções de Concreto. Na época de sua implantação (1975­76) ainda não existiam normas avançadas de controle de qualidade, tais como as séries ISO, que tiveram seu advento nos anos seguin­tes. No laboratório foram adotados padrões até mais exigentes do que aqueles que essas normas depois vieram a estabelecer, e com dinâmica adequada à velocidade de construção da obra.

Foram Diretores Técnicos brasileiros da Itaipu, responsáveis pela condução do projeto, construção das obras e operação das instalações: John Reginald Cotrim (1974­85), Roberto Lei­te Schulman (1985­90), Rubens Vianna de Andrade (1990­91), Márcio de Almeida Abreu (1991­92), Flávio Decat de Moura (1993­95), Marcos Antônio Schwab (1995­96) e Altino Ven­tura Filho (1996­2002). Desde 2002 o cargo é ocupado por Antonio Otelo Cardoso.

5.6. Relações do trabalho e previdência social

Para o normal andamento da obra, era importante assegurar direitos laborais e proteção social que favorecessem a recepção e a perma­nência do expressivo contingente de trabalhadores e suas famílias na área do projeto.

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Figura 14 - Ultima inspeção das adufas e do canal antes do desvio do rio Paraná em outubro de 1978. Da esquerda para a direita: José Augusto Braga (Itaipu), Ronan

Rodrigues da Silva (Diretor de Construção da Unicon), Roberto Monteiro, Francisco Andriolo e Ademar Sonoda (todos da Itaipu)

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Para tanto, foi assinado pelo Brasil e pelo Paraguai, em 11.02.1974, o Protocolo sobre Relações de Trabalho e Previdência Social, estabelecendo as normas jurídicas aplicáveis, em matéria do direito de trabalho e previdência social, aos trabalhadores contratados pela Itaipu, independentemente de sua nacionalidade. Por sua impor­tância e complexidade, as matérias relativas a higiene e a segurança do trabalho são objeto de acordo complementar ao Protocolo, em que também é previsto a constituição de comissões de prevenção de acidentes de trabalho, as conhecidas CIPAs. Na mesma linha, é também assinado, em 10.09.1974, o Protocolo Adicional so­bre Relações do Trabalho e Previdência Social relativo aos contratos de trabalho dos trabalhadores, dos empreiteiros e subem­preiteiros de obras e locadores e sublocadores de serviços.

5.7. Infraestrutura de apoio

Foram implantadas obras de infraestrutura destinadas a abrigar e dar assistência aos trabalhadores brasileiros e paraguaios das várias empresas contratadas para executar as obras e serviços, em ambas as margens, uma vez que as cidades de Foz do Iguaçu e Puerto Stroessner, à época, não dispunham de condições de absorver os contingentes humanos que a elas afluiriam em breve.

Essas obra incluíram conjuntos habitacionais, escolas, creches, hospitais, centros comunitários, clubes e áreas de lazer, redes de serviços de eletricidade, água, esgoto e comunicação, e estradas pavimentadas permanentes para garantir o transporte de pessoal, materiais e equipamentos. Foi também melhorada e expandida a rede viária existente para integrar as instalações do projeto com as cidades da área e organizados serviços de coleta de lixo, segurança física e de assistência social aos trabalhadores e suas famílias.

5.8. Execução das obras civis

As obras tiveram início em janeiro de 1975, com a constru­ção do canteiro e da infraestrutura. Logo depois, em maio do mesmo ano, começaram as obras civis propriamente ditas, como mencionado no item 5.5 acima, que foram concluídas em 1991. No Quadro VI, anexo, consta a relação dos consórcios e empresas que as executaram.

O desvio do rio Paraná se deu em quatro etapas, iniciando­se em outubro de 1975 pela escavação do canal de desvio e terminando em julho de 1979 com o esgotamento da área de trabalho entre as ensecadeiras principais. As obras do desvio têm como elementos

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Figura 15 - Consultores Klaus John (à esquerda), Don Deere e Arthur Casagrande – outubro de 1978.

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construtivos principais o canal de desvio, a estrutura de controle do desvio, as ensecadeiras auxiliares em arco de montante e de jusan­te no canal de desvio (demolidas a fogo posteriormente, gerando imagens que ficaram famosas devido à ampla divulgação do fato na mídia) e as ensecadeiras principais de montante e de jusante no rio. Uma das fases mais importantes e críticas foi o fechamento do rio Paraná e seu desvio para o canal e a estrutura de desvio. Atenção es­pecial foi dada às comportas de desvio e seu fechamento, sendo reali­zados ensaios e estudos em modelo hidráulico necessários ao projeto e fabricação de seus componentes, testes de funcionamento e seu fechamento final que aconteceu em 13.10.1982, evento que marca o início do enchimento do reservatório de Itaipu. As comportas de desvio foram posteriormente recuperadas e recondicionadas para uso como comportas de tomada d´água.

A barragem de enrocamento da margem esquerda (1.984 m de com­primento) e as barragens de terra existentes na margem esquerda (2.294 m) e na margem direita (872 m), que compõem o arranjo geral da Itaipu, requereram em suas extremidades zonas de transi­

ção para contato entre si e dispositivos de abraço para contato com as estruturas de concreto (barragem de contrafortes e vertedouro), que exigiram os cuidados executivos de costume para terraplenos com essa tipologia.

O vertedouro, localizado na margem direita do rio Paraná, com capacidade de evacuar 62.200 m3/s por meio de três calhas com trampolim, teve seu arranjo final precedido de ensaios em mo­delo hidráulico em escala 1:100, testes nos trampolins e análises dos efeitos erosivos a jusante. Foram então executados a estrutu­ra da crista, o túnel rodoviário, as calhas, os muros, os trampolins e as galerias, que são os principais componentes que formam a geometria dessas estruturas, e que depois receberam as respecti­vas comportas e equipamentos associados. A partir de 1982, com o enchimento do reservatório, foi possível operar o vertedouro, observar seu desempenho hidráulico e seu desempenho estrutural e os processos erosivos de jusante. A experiência de operar a contento o vertedouro durante muitos anos atestou sua absoluta confiabilidade para extravasar as descargas necessárias.

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Figura 16 - Consultores Charles Blanchet (à esquerda), Arthur Casagrande e Gurmukh Sarkaria (IECO-ELC) no canal de desvio – outubro de 1978

Figura 17 - Maquete da escavação da barragem

de Itaipu - Paul Joachim Folberth (à esquerda)

e Gurmukh Sarkaria (ambos da IECO-ELC)

– abril de 1979

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A parte central da hidroelétrica, que aloja a casa de força e, sobre esta, o Edifício da Produção, foi dotada de uma barragem de concreto de gravidade aliviada, enquanto o longo segmento em curva que liga a barragem ao vertedouro na margem direita e a estrutura de desvio na margem esquerda foram dotados de barragens de concreto de contrafortes. Enquanto eram executadas as escavações para as fundações, em grande volume, e feitas as injeções, tratamentos e construção de chavetas sob o leito do rio, foram se erigindo gra­dualmente as estruturas das tomada d’água e dos demais blocos de concreto. O desempenho da barragem durante a fase de construção e o enchimento do reservatório foram avaliados pela instrumenta­ção de monitoramento instalada nas estruturas e suas fundações. Essa atividade de auscultação da barragem continua na fase atu­al de operação e inclui a avaliação do comportamento estrutural, hidráulico e térmico das barragens pelos resultados da instrumentação, associada às inspeções dos engenheiros e técnicos da Itaipu.

Essas obras civis envolveram colossais quantidades: mais de 23 mi­lhões de metros cúbicos de escavação em terra, quase 32 milhões de metros cúbicos de escavação em rocha, 6,5 milhões de metros

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Figura 18 - Enchimento do reservatório. A partir da esquerda: Adão K. (motorista IECO-ELC), Ricardo Abrahão (Promon),

Hilário Da Fré (motorista IECO-ELC), Alessandro Gallico (Engenheiro Chefe da ELC - Milão), Fernão Paes de Barros

(Itaipu), Michael Sucharov (Engevix), Giacomo Re (Themag), não identificado, Libero Medaglia (IECO-ELC), Engenheiro Gurmukh Singh Sarkaria (Coordenador Geral

IECO-ELC), não identificado, José Antônio Rosso (Itaipu), Dillo Rocha (Engevix) – outubro de 1982.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

cúbicos de argila compactada e 15 milhões de metros cúbicos de enrocamento; 12,6 milhões de metros cúbicos de concreto com 31,5 milhões de toneladas de peso, o que consumiu mais 2,5 milhões de toneladas de cimento e 481 mil toneladas de aço. É importante salientar a decidida atuação do Engenheiro Rubens Vianna de An­drade, Superintendente de Obras, nessa complexa etapa do projeto.

5.9. A auscultação da barragem e a junta de consultores civis

O projeto de auscultação da represa de Itaipu busca a garantia da segurança da barragem. Os blocos mais instrumentados, denomi­nados blocos­chave, foram selecionados levando em conta altura, posição, tipo, representatividade de um trecho e peculiaridades da fundação. No projeto original de Itaipu foi adotado o critério da leitura manual da instrumentação, em vez da leitura centralizada e

automática, pois a leitura manual obriga os técnicos a visitar roti­neiramente toda a barragem, assegurando assim a observação direta das estruturas e fundações e dos próprios instrumentos.

Existe também uma rede de sismômetros que cobre a área da bar­ragem e do reservatório de Itaipu. O objetivo é monitorar a even­tual ocorrência de sismos induzidos pelo reservatório, até hoje não

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

registrados. Os equipamentos são capazes de registrar terremotos que ocorrem inclusive em regiões distantes, como a Cordilheira dos Andes e as Filipinas.

Criado em 1974, conforme citado no Quadro IV do item 5.3, a Itaipu mantém um painel permanente de consultores inter­nacionais especialistas em engenharia de barragens, também chamado de “Junta de Consultores Civis” ou “Board de Con­sultores Civis”. Essa Junta de consultores, que se reunia com frequência maior durante a fase de estudos e projetos e iní­cio da construção das obras, atualmente se reúne a cada qua­tro anos aproximadamente para verificar o desempenho das estruturas civis da Itaipu. A Junta realiza inspeções técnicas e analisa os dados da auscultação para aferir as condições de uso e segurança da usina. Se necessário, os consultores recomendam eventuais ações de melhoria e correção. Ao término de cada reunião é elaborado um relatório técnico sobre a segurança da barragem e seus temas correlatos.

A Junta realizou 20 reuniões entre 1975 e 2010, em cujos traba­lhos participaram trinta consultores. Foram presidentes da Junta Flavio H. Lyra (1974 a 1992), Gurmukh S. Sarkaria (1995 a 2006) e Nelson L. de Souza Pinto (2010). Deve­se destacar a presença no Projeto Itaipu desses renomados engenheiros, conhecidos in­ternacionalmente, sem dúvida os mais qualificados para exercer a gestão técnica do empreendimento.

As reuniões da Junta são precedidas de acurados preparativos, levantamentos e pré­análises técnicas, feitas por consultores especialistas que acompanham por anos o cotidiano da aus­cultação da barragem e apóiam as equipes técnicas da Itaipu. Alguns desses profissionais são colaboradores de longa data da Itaipu, tendo participado dos trabalhos de engenharia desde o início do projeto, passando depois pelas fases de construção, montagem e operação da usina. Entre estes men­cionamos: do Brasil, Corrado Piasentin, João Francisco Al­ves da Silveira, Michael Maxwell Dayan Dermont Sucharov;

e do Paraguai, Marcos Antonio Daniel Damus e Roberto Ramón Acosta Alvarez.

5.10. O Acordo Tripartite

A Argentina, ciente das expressivas dimensões da barragem de Itaipu e de sua capacidade de armazenamento e de contro­le dos caudais, mobilizou­se para assegurar uma regulação do fluxo que não prejudicasse seus direitos e interesses sobre as águas do rio Paraná. As questões estavam centradas no estabeleci­mento de um nível de água de operação de Itaipu que permitisse a viabilidade do futuro aproveitamento hidroelétrico argentino­paraguaio de Corpus, a ser erigido logo a jusante de Itaipu, na manutenção da viabilidade da navegação e do abastecimen­to de água, bem como na adoção de medidas de segurança e de preservação ambiental.

Por outro lado, Brasil e Paraguai avocavam direitos de uso das águas do rio, que consideravam igualmente legítimos e pertinentes. Os argumentos se contrapunham ao ponto de o assunto ter sido debatido inclusive durante a Assembléia Geral da ONU realizada em 1972. As negociações, que não foram isentas de momentos tensos, exigiram mais um tour de force da área diplomática, que, para satisfação de todos os interessados, mais uma vez triunfou. Isso se deu em boa parte graças ao hábil uso pelos diplomatas dos elementos fornecidos pelo meio técnico que possibilitaram o alcance de entendimentos operativos que vieram a pacificar a questão.

Nascia desse modo o Acordo sobre Cooperação Técnico­Opera­tiva entre os Aproveitamentos de Itaipu e Corpus, celebrado em 19.10.1979 pela Argentina, pelo Brasil e pelo Paraguai, em que “As deliberações (do Acordo) caracterizam-se por um espírito de boa vizinhan-ça e de cooperação na busca de uma solução que representasse, para as três Partes, a efetiva convergência de interesses e a obtenção de benefícios recípro-cos.”. Embora nessa oportunidade a obra de Itaipu já estivesse em andamento, a natureza do assunto o insere ainda como última providência do período preparatório.

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Figura 19 - Assinatura do Acordo Tri-Partite Argentina-Brasil-Paraguai em 19.10.1979 – Chanceleres Alberto Nogués (Paraguai, em pé), Carlos Washington Pastor (Argentina) e Ramiro Saraiva Guerreiro (Brasil).

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

5.11. A formação do reservatório

Conforme mencionado, em 13 de outubro de 1982 as comportas de desvio foram completamente fechadas e teve início o enchimento do reservatório de Itaipu, que se deu em três etapas. Esse evento, da mais alta importância para todo o projeto, foi antecedido de uma série de preparativos, a montante e a jusante da barragem, funda­ mentais para que a operação fosse bem­sucedida, tal como ocorreu.

O rio Paraná, então, no prazo de 15 dias, passou da cota 109 me­tros para a cota 205,80 metros (acima do nível do mar), elevando­se em quase 100 metros . O cânion, que antes comportava inte­gralmente o veloz rio Paraná, passa a ser insuficiente para a água que se acumula, que enfim transborda da calha do rio, invade e se espraia com rapidez nas adjacências mais altas e mais planas. Formou-se desse modo um lago artificial de expressivas dimensões:

170 km de comprimento, profundidade máxima de 180 m e su­perfície de 1.350 km2 (780 km2 no Brasil e 570 km2 no Paraguai), capaz de armazenar 29 bilhões de metros cúbicos de água.

Esse lago, compartilhado pelo Brasil e pelo Paraguai, situa­se na porção mais a jusante do rio Paraná ainda em território brasileiro, sendo por isso o último de um conjunto de 47 reservatórios de usinas com potência maior que 30 MW existentes na Região Hi­drográfica do Paraná, que drenam os cursos de água de uma vasta área com mais de 820 mil quilômetros quadrados a montan­te de Itaipu. Cabe salientar que a existência desses reservatórios faz com que o rio Paraná saia do Brasil, justamente por Itaipu, em direção ao Paraguai e à Argentina, com elevado grau de regu­larização. A cessão desse benefício é feita pelo Brasil sem ônus para a Argentina e para o Paraguai, dentro de um espírito de cooperação entre os países do Cone­Sul da América do Sul.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Afora os aspectos ambientais relacionados à formação do lago de Itaipu, que serão apresentados na sequência, o pro­jeto previu também a avaliação do desempenho geofísico do reservatório no que se refere a recalques da crosta terrestre devido ao peso da água e à atividade sísmica relacionada ao reservatório (sismo induzido). A medição desses parâmetros tem indicado que, como se previa, não ocorrem fenômenos geofísicos que afetem adversamente a segurança e a estabi­ lidade das estruturas da represa.

5.12. Meio ambiente e ecologia

Como a maioria dos empreendimentos de grande porte, a constru­ção de Itaipu inevitavelmente interviria no ambiente natural, ainda que naquela época parte da região registrasse importante inter­venção humana, na agricultura e na pecuária, que já havia alterado significativamente o meio ambiente local, principalmente na mar­gem brasileira. Isso foi percebido pelos projetistas que, em 1973, se aprofundaram no assunto e apresentaram à Comissão Mista Técnica Brasileiro­Paraguaia estudo elaborado pelo Dr. Robert Goodland e por especialistas da própria IECO­ELC. Esse estu­do categorizou os possíveis efeitos físicos, biológicos e sociais e traçou diretrizes para a proteção e valorização do meio ambiente na área do projeto e nas regiões afetadas.

A possibilidade de adoção de medidas voltadas ao meio ambien­te deu o tom para toda a ação que se seguiu. A partir dos estudos de 1973, foi elaborado o “Plano Básico de Conservação do Meio Ambiente”, que definiu a política ambiental da Itaipu a partir de 1975, e prescreveu a realização de levantamento ambiental na área do projeto, a elaboração de um plano­mestre para utili­zação da área do reservatório e a aplicação de medidas de prote­ção ambiental. Essas considerações ambientais, inusuais à época, tiveram reflexo inclusive na estrutura organizacional da Itaipu, pois, conforme estabelecido no Anexo A do Tratado, foi criada a Diretoria de Coordenação, entre cujas atribuições está a de ser responsável “pelos serviços relacionados com a preservação das condições ambientais na área do reservatório”.

Os levantamentos previstos se deram então quanto ao meio am­biente físico (qualidade da água, limpeza da área do reservatório, efeitos climáticos e transporte de sedimentos, tendo o relató­rio referente a esse último item sido elaborado pelos consultores James Albert Harder e Hans Albert Einstein), ao meio ambiente biológico (levantamento florestal, levantamento da fauna e levan­tamento da pesca) e ao meio ambiente social (programas sanitários e de saúde pública e investigações arqueológicas). As medidas de proteção e valorização do meio ambiente envolveram a proteção das florestas existentes e reflorestamento (que nos dias atuais contabiliza 44 milhões de árvores plantadas), a implantação de reservas e refúgios (em um total de oito no Brasil e no Paraguai), o resgate de animais (operação Mymba Kuera – pega-bicho), a aqui­cultura (tanques­rede e canal de migração e desova – Canal da Pira-cema) e a recuperação e paisagismo da área de construção da obra, projeto em que atuou o arquiteto e paisagista Fernando Magalhães Chacel e que foi executado pelas empresas PARELC – GCAP e Arquitetura Ambiental S.C. Ltda.

As informações e os resultados obtidos com os levantamentos realizados mostraram quais seriam as várias utilizações possíveis do reservatório, algumas delas potencialmente conflitantes entre si. Essa avaliação serviu principalmente para definir qual estru­turação seria mais adequada ao Plano­Mestre de utilização da área do reservatório. O plano definiu então os usos múltiplos do reservatório, além, é claro, da geração de energia elétrica: nave­gação, pesca, abastecimento de água para consumo doméstico e irrigação, turismo e lazer. Definiu também um zoneamento territorial do reservatório: (1) zona do reservatório e (2) zona do litoral (onde se encontra a área de proteção do reservatório): setores especiais, setores de aproveitamentos múltiplos, setores de lazer e setores de integração urbana; suas formas de ocupação e usos permitidos. O plano também estipula os procedimentos de gestão dos usos múltiplos pela Itaipu e a coordenação dessa com as autoridades das diversas esferas de governo. Cabe men­cionar a participação do Engenheiro Arnaldo Carlos Muller na liderança desses trabalhos, o qual posteriormente publicou o livro “Hidroelétricas, meio ambiente e desenvolvimento”.

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Figura 20 - Faixa de proteção do reservatório.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Entre os impactos físicos de repercussão social, talvez o mais im­portante tenha sido a necessidade de reassentamento de pessoas que residiam ou tinham suas posses ou desenvolviam suas atividades (majoritariamente agrícolas, produtivas) nas áreas que seriam inunda­das pelo lago, cuja densidade demográfica era de 35 habitantes/km2. Tais áreas requeridas pelo projeto perfaziam em torno de mil qui­lômetros quadrados no lado brasileiro (ver item 5.1), onde exis­tiam 8,5 mil propriedades (6,9 mil rurais e 1,6 mil urbanas), cuja compensação paga pela Itaipu foi equivalente a US$ 190 milhões. Esses valores possibilitaram que os deslocados comprassem em média uma metade a mais em relação às terras que possuíam antes, e a grande maioria deles permaneceu nas proximidades da área do projeto. Além da perda das áreas cultiváveis (a maior parte no Brasil), da submersão de equipamentos urbanos e de construções lo­cais de valor cultural ou afetivo, foram também submersos 577 km de estradas, o que exigiu que outros 390 km fossem reabertos com novo traçado.

5.13. Desenvolvimento regional e turismo

No que se refere ao desenvolvimento econômico e social da re­gião com a implementação do Projeto Itaipu, verifica­se que, além do aumento populacional, houve melhorias e expansão da infra-estrutura nos municípios da área de influência do reservatório,

principalmente em Foz do Iguaçu e em Ciudad del Este (anti­ga Puerto Stroessner). Nos dois municípios foram construídas 10 mil casas nas áreas residenciais, com vias pavimentadas, ele­tricidade, água, esgoto e demais equipamentos urbanos. Nessas cidades e em outras, próximas a elas, houve notório incremento da circulação econômica, tanto pelo atendimento da diversidade de suprimentos necessários às diversas frentes das obras, o que de­senvolveu o comércio e a prestação de serviços locais, como pelo consumo de bens e serviços proporcionados pelos milhares de trabalhadores que recebiam salários e benefícios de seus empregadores vinculados ao projeto.

Alia­se ao fato da Itaipu ter sido construída na região que abriga as mundialmente famosas Cataratas do Iguaçu ­ e por isso forte­mente turística ­, a grande atratividade que a represa exerce sobre os turistas, a tal ponto de ter sido visitada por cerca de 16 milhões de pessoas de 1977 a 2010, ou seja, com uma média histórica por volta de meio milhão de pessoas por ano. A Itaipu contribui, por­tanto, para a maior permanência de turistas na região da fronteira trinacional Argentina-Brasil-Paraguai, com reflexos socioeconômicos locais, o que coopera também para o processo de desenvolvimen­to da região. A atividade turística, no entanto, não se limita ao sítio da usina, estendendo­se também às localidades próximas ao lago, uma vez que o nível de água do reservatório permanece pratica­mente inalterado ao longo do tempo, proporcionando assim um uso regular de sua linha costeira para atividade de turismo e lazer, com balneários e marinas.

Foram Diretores de Coordenação brasileiros da Itaipu, responsá­veis pelos serviços relacionados com a preservação das condições ambientais na área do reservatório e à execução de projetos e obras fora da área das instalações destinadas à produção de energia elétrica: Cássio de Paula Freitas (1974­85), Luiz Eduardo Veiga Lopes (1985­90), Nelson Farhat (1990­91), Tércio Alves de Albuquerque (1991), Márcio de Almeida Abreu (1994­95), Brasílio de Araújo Neto (1995­97), José Luiz Dias (1997­2000), Antonio José Correia Ribas (2000­2002) e Olivo Zanella (2002). Desde 2003, o cargo é ocupado por Nelton Miguel Friedrich.

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Figura 21 - Entra em operação a primeira unidade geradora em 05.05.1984 – Congratulações dos Diretores-Gerais

José Costa Cavalcanti (Brasil) e Enzo Debernardi (Paraguai, à direita).

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

5.14. A montagem eletromecânica

À medida que obras civis foram avançando, e os segmentos da construção foram sendo liberados, foram também iniciadas as montagens eletromecânicas, de acordo com o cronograma geral. Desse modo, foram então montadas as tomadas de água, os condu­tos forçados e os equipamentos na barragem de concreto. Obede­cendo­se os delays programados, deu­se continuidade à montagem dos equipamentos de geração da casa de força e dos equipamen­tos e sistemas auxiliares desta, ao passo que foram também sendo instalados os sistemas de controle, supervisão e proteção. Foram também montadas as linhas de transmissão que conectam a usina ao sistema elétrico interligado, por meio das subestações construídas na margem brasileira e na margem paraguaia.

Conforme é característico dessa fase da construção de uma hidro­elétrica, boa parte das peças eletromecânicas provém de centros industriais ou do exterior, passando por portos marítimos. No caso de Itaipu, esses portos eram bastante afastados da região das obras, o que exigia transportes de longa distância em veículos especiais, acarretando para a Itaipu dispêndios em obras de acon­dicionamento de rodovias e de pontes no Brasil para a passagem dessas cargas de grandes dimensões e peso.

As obras de montagem eletromecânica foram iniciadas em 1980 e concluídas em 1991. O Quadro VII, anexo, contém a relação dos consórcios e empresas fabricantes. O Quadro VIII e o Quadro IX, também anexos, contêm as relações dos consórcios e empresas que fizeram respectivamente o controle de qualidade e inspeção e exe­cutaram a montagem propriamente dita dos equipamentos. Esses trabalhos contaram com a experiente atuação do engenheiro José Gelazio da Rocha, Superintendente de Engenharia da Itaipu em 1974.

5.15. Funciona a primeira unidade geradora

Cumprindo o cronograma de montagem, em 17 de dezembro de 1983 ocorre o primeiro giro mecânico da turbina da unidade geradora U1, localizada na extremidade direita da Casa de Força, no setor de 50 Hz. Logo depois, em 5 de maio de 1984, foi iniciada sua operação efetiva, sincronizada com a rede da ANDE, e, alguns dias depois, ela passou a transmitir energia em caráter experimental para São Paulo, utilizando o sistema de corrente contínua (HVDC – High Voltage Direct Current), pertencente a empresa Furnas Centrais Elétricas S.A..

A usina alcançava desse modo autonomia parcial, pondo em funciona­mento a primeira de suas 18 unidades geradoras contratadas à época. Foi um importante marco na história do empreendimento.

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6. Operação da usina e desenvolvimento organizacional6.1. A operação da usina

Decorrido o breve período inicial, em 25 de outubro de 1984 foram então oficialmente inauguradas as unidades geradoras U1 e U2, ambas em 50 Hz. Desse modo, ainda em 1984 foram produzidos por Itaipu 277 gigawatts­hora (GWh) de energia, entregues ao sistema interligado.

Mantido o ritmo de montagem de duas a três unidades por ano, em 6 de maio de 1991, decorridos, portanto, sete anos da entrada em operação das duas primeiras unidades, é enfim inaugurada a uni­dade geradora U18, última das 18 unidades previstas do conjunto gerador principal com 12.600 megawatts (MW) que consta no Anexo B.

Antes, porém, por volta de 1982, a Itaipu começou o processo de mobilização da força de trabalho necessária para a futura ope­ração e manutenção da usina, fase que exigiria competências e relações de trabalhos diferentes das aplicáveis aos trabalhado­res que atuaram durante o tempo que durou a construção e a montagem. Foi, assim, gradualmente constituído o quadro de trabalhadores permanentes da usina, muitos deles vindos de outras empresas do setor elétrico.

A exemplo dessas empresas, em face do novo vínculo emprega­tício, que seria de longa duração, a Itaipu instituiu a Fundação Itaipu­BR de Previdência e Assistência Social, uma entidade fechada de previdência privada (fundo de pensão), sem fins lu­crativos, para atender aos empregados do quadro permanente da Entidade binacional. Nessa linha foi também criada em 1994 no Brasil a Fundação de Saúde Itaiguapy, que passou a adminis­trar o Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Na margem paraguaia foram criadas para as mesmas finalidades a Caja Paraguaya de Jubilaciones y Pensiones del Personal de la Itaipu Binacional (Cajubi) e a Fundación de Salud Tesai.

Posteriormente, de 2000 a 2007, foram também montadas as unidades U9A e U18A, passando a hidroelétrica a contar en­tão com 20 unidades geradoras, alcançando, assim, sua potência máxima de 14.000 megawatts (MW), cuja descrição será apresentada adiante. O Quadro X, anexo, mostra a relação dos consórcios e empresas que executaram a instalação das unidades de reserva.

6.1.1. Início da operação comercial da usina

A partir de 1 de março de 1985, foi então iniciada a comercializa­ção da energia produzida pelas duas primeiras unidades geradoras (U1 e U2), ativando assim a contabilidade dos suprimentos de ele­tricidade da Itaipu às entidades compradoras Eletrobras e ANDE, para efeitos de faturamento.

O ápice da participação da Itaipu Binacional no mercado brasilei­ro foi então alcançado em 1997, com o atendimento de 26% da demanda do setor elétrico do país.

6.1.2. Custo direto de Itaipu

De acordo com o item 4.5 acima, os governos do Brasil e do Paraguai resolveram realizar a obra mediante a obtenção de emprés­timos a serem pagos a longo prazo, utilizando as receitas a serem geradas com a própria produção da usina.

Nesse sentido, foram captados, de 1974 a 2008, montantes da ordem de US$ 26,9 bilhões, que somados aos US$ 100 milhões relativos ao capital social inicial, totalizam a cifra de US$ 27 bi­lhões de recursos utilizados no empreendimento, o que resu­me o histórico do endividamento da Itaipu. Desse montante, US$ 12,2 bilhões correspondem aos investimentos diretos, que via­bilizaram a obra, e US$ 14,8 bilhões ao pagamento dos encargos e rolagem da dívida durante a construção. O Governo Federal Brasileiro apoiou integralmente o esforço de captação de recur­sos para o financiamento da construção e o Tesouro Nacional do Brasil ofereceu todas as garantias para os empréstimos.

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Figura 22 - Reunião do Board de Consultores Civis em novembro de 2006. A partir da esquerda: Victor de Souza Lima, Nelson L. de S. Pinto, Gurmukh Sarkaria (Chairman), Vidal Galeano, Juan Bosio, Paulo Teixeira da Cruz; e, na assessoria aos consultores, João Francisco Alves Silveira (consultor especialista) e Carlos Leonardo (Itaipu).

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

6.1.3. Pagamento dos “royalties” e seus benefícios

Conforme mencionado, o Tratado de Itaipu estabeleceu os royal-ties em seu Anexo C como mecanismo compensatório pelo uso do potencial hidráulico do rio Paraná no trecho em condomínio entre os dois países. O pagamento dos royalties é então feito às Altas Partes Contratantes, em montantes iguais, em valor equivalente a US$ 650 por gigawatt-hora (GWh) gerado e medido na central elé-trica, acrescido do respectivo fator de ajuste, sendo contabilizado no custo anual do serviço de eletricidade prestado pela Itaipu.

Os valores transferidos a título de Royalties entre 1991 e 2010 ao Brasil e ao Paraguai, que alcançaram a casa dos US$ 7 bilhões, proporcionam um aumento da capacidade realizadora dos dois países, principalmente por parte dos municípios da região impac-tada, que auferem inegáveis benefícios para sua população. Esse efeito pode ser constatado pela elevação verifi cada no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de vários municípios da região.

6.1.4. Recorde operativo e comparações

A Usina de Itaipu, que passa então de 12.600 MW para 14.000 MW de capacidade, é superada nesse quesito somente pela Usina de Três Gargantas, localizada na China, que possui 18,2 mil mega-watts (MW) de potência instalada. Mas, devido, de um lado, ao regime hidrológico favorável do rio Paraná e à regularização do fluxo a montante na Região Hidrográfica do Paraná e, de ou-tro lado, ao fato de que o projeto de Três Gargantas prioriza o controle de cheias em detrimento da geração de energia, a usi-na chinesa difi cilmente superará a de Itaipu em geração anual de energia, questão primordial quando se trata de hidroeletricidade.

Essa excepcional condição fez com que desde 1997 a Itaipu ve-nha gerando em torno de 90 mil gigawatts-hora (GWh) por ano, alcançado seu recorde operativo em 2008 com a produção de 94.685 gigawatts-hora (GWh) de energia. A Itaipu se consagra des-se modo, atualmente, como a maior usina hidroelétrica do mundo em geração de energia.

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Figura 23 - Inauguração das duas últimas unidades geradoras em 17.05.2007 – Presidentes Luis Inácio Lula da Silva

(Brasil) e Nicanor Duarte Frutos (Paraguai), acompanhados dos respectivos Diretores-Gerais da Itaipu Jorge Miguel

Samek e Victor Luis Bernal Garay.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Cabe registrar que, na crise de abastecimento de energia elétrica vi­vida pelo Brasil em 2001 ­ 2002, decorrente da escassez de chuvas naquele período e conseqüente dificuldade de reposição da água armazenada nos reservatórios da maior parte das hidroelétricas do País, Itaipu pôde deplecionar seu reservatório, mantendo ele­vados níveis de produção, da ordem de 80 milhões de megawatts­hora (MWh) por ano, conseguindo desse modo mitigar sobre­maneira os efeitos da redução da oferta de energia no sistema interligado brasileiro naquele momento crítico.

6.2. A Itaipu se desenvolve organizacionalmente

O Tratado de Itaipu define como propósito específico da Enti­dade Binacional construir e operar unicamente a hidroelétrica de Itaipu, sob determinados parâmetros e normas, não prevendo sua expansão para outros negócios.

Essa limitação, todavia, não impede o desenvolvimento endógeno da Itaipu como organização empresarial, que é uma vereda pela

qual a Entidade tem experimentado significativo êxito, a partir do início da operação da usina. Isso é sobremaneira reforçado pelas Notas Reversais sobre Responsabilidade Social e Ambiental, assinadas em 31.03.2005, pelas quais o Brasil e o Paraguai defi­nem “... que as iniciativas no campo da responsabilidade social e ambien-tal devem inserir-se como componente permanente na atividade de geração de energia...”, conforme será percebido pelas ações mostradas cronologicamente na seqüência.

6.2.1. O canal de transposição de peixes

Em termos de ictiofauna, a construção da barragem sobre o rio criou dois ambientes bastante distintos, um, novo, a montante, com águas calmas, no lago, e outro a jusante, na restituição do fluxo de água no leito do rio Paraná. Esses dois ambientes perma­neceram originalmente incomunicáveis entre si. Tal fenômeno, porém, praticamente também ocorria na região de Guaíra, com mais intensidade durante os períodos secos do rio Paraná, já antes da construção da usina.

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Figuras 24 e 25 - Reunião do Board de Consultores Civis em novembro de 2010 – foto da esquerda (a partir da esquerda), Vidal Galeano, Selmo Kuperman, John Gummer, Giuseppe Stevanella, Nelson L. de S. Pinto (Chairman), Antonio Otelo Cardoso (Diretor Técnico Executivo da Itaipu), Paulo Teixeira da Cruz, Ruben Brasa Soto (Diretor Técnico de Itaipu) e João Francisco Alves Silveira (consultor especialista da assessoria ao Board); na foto da direita, os consultores em túnel de drenagem.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Por isso, foi projetado e construído pela Itaipu o Canal da Pirace-ma, com 10 km de extensão, em parte artifi cial e em parte regula-rizando o rio Bela Vista, cuja foz se localiza na margem esquerda do rio Paraná, 2,5 km a jusante da usina. Essa decisão foi precedi-da do estudo denominado “A ictiofauna de ocorrência do rio Bela Vista”. O Canal foi inaugurado em 2002, embora sua execução tenha sido iniciada em 1997 pelo Governo do Estado do Paraná, mediante acordo deste com a Itaipu.

O Canal da Piracema permite então que os peixes migradores che-guem às áreas de reprodução e berçários acima da usina no período da piracema (migração reprodutiva), e retornem no outono e inverno (migrações ascendente e descendente). A comunicação estabelecida fi nalmente entre o lago e o rio passa, portanto, a desempenhar um papel importante para a conservação da biodiversidade. Assim, hoje é livre a migração de peixes de jusante para montante e vice-versa, inclusive na região de Guaíra, mesmo nas épocas de estiagem.

No Canal da Piracema são também praticados esportes náuticos, como canoagem de rafting e slalom, em corredeiras especialmente

construídas para essa fi nalidade. As competições ali realizadas tam-bém contribuem para o desenvolvimento do turismo regional.

6.2.2. O parque tecnológico Itaipu

Ao por em operação suas duas últimas unidades geradoras, a Itai-pu encerrou suas obras principais da usina. Desse processo, com-plexo, resultou apreciável acúmulo de conhecimento por parte dos profi ssionais e da organização, cuja reutilização é indispensá-vel ao adequado funcionamento da empresa, hoje e no futuro e pode ser útil ao meio externo à Itaipu, no Brasil e no Paraguai.

Com essas concepções, firmadas em 2003, a administração da Itaipu deu, logo depois, enunciado mais amplo à Missão da Enti-dade, inserindo nela, entre outros aspectos, o necessário impulso ao desenvolvimento tecnológico sustentável no Brasil e no Paraguai. A partir daí foi implantado em 2003 o Parque Tec-nológico Itaipu, o PTI, como um espaço para a integra-ção educacional, tecnológica e cultural da América Latina, idéia que surgiu depois de muitas discussões.

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O PTI se dedica, portanto, à educação, à pesquisa, ao turis­mo (em 2007 foi repassada à Fundação PTI a exploração do Complexo Turístico Itaipu, proporcionando desse modo uma fonte de receitas que ajuda no financiamento de suas atividades) e ao empreendedorismo. Nas atividades de pesquisa conta com o CEASB – Centro de Estudos Avançados em Segurança de Bar­ragens, de especial interesse para a engenharia de barragens, que se constitui em um espaço técnico­científico implantado pela Universidade Corporativa Itaipu, pelo PTI, pela Universida­de Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e por instituições parceiras, o que inclui também o CBDB. O CEASB conta com alunos de graduação, mestres, doutores, pós­doutores e profissionais de notório saber.

O objetivo do CEASB é estudar, entre outros, os comporta­mentos das estruturas de barragens e seus respectivos materiais, avaliar resultados das medições efetuadas, correlacionar me­dições com as prováveis causas e desenvolver técnicas de inteligência computacional relacionadas ao comportamento e segurança de barragens.

6.2.3. O Programa Cultivando Água Boa

Considerando-se que é pela água, enfim, que se justifica a existên­cia de Itaipu, foi então criado o Programa Cultivando Água Boa (CAB), com o propósito final de dedicar cuidados extremos à água de que dispomos, para que ela se mantenha abundante, com qua­lidade, hoje e sempre. Trata­se, portanto, de um movimento de participação permanente, em que a Itaipu, além de mitigar e cor­rigir passivos ambientais existentes nas comunidades da região, trabalha com a sociedade para mudar os seus valores e sua maneira de se conduzir, de viver, de produzir e de consumir.

O CAB define como território de atuação a unidade de planejamen­to da natureza: a bacia hidrográfica. Em decorrência desse conceito, a área de influência de atuação direta de Itaipu deslocou-se dos 16 mu­nicípios conhecidos como lindeiros ­ que tiveram áreas inundadas pelo reservatório da usina, na margem brasileira ­ para os 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná 3 (BP3), que consiste em uma das 16 bacias hidrográficas instituídas oficialmente no Estado do Paraná.

Atualmente, o CAB conta com mais de 1.600 parceiros, entre prefei­turas, cooperativas, associações de classe, produtores rurais, ONGs, órgãos governamentais, representantes da sociedade civil organizada e outros, que organizados em Comitês Gestores em cada um dos 29 municípios, atuam nos programas e ações que estão sendo de­senvolvidos, além dos comitês específicos dos programas transver­sais, que permeiam todo o tecido social da BP3. Os membros do Comitê Gestor se reúnem periodicamente para dialogar sobre o an­damento das ações do CAB no município. O comitê faz também a articulação perante os órgãos públicos do Poder Executivo, do Po­der Judiciário e dos órgãos ambientais para ajudarem a encaminhar soluções, principalmente relacionadas às pequenas propriedades.

6.2.4. A Missão ampliada da Itaipu e seus reflexos

Conforme citado nos itens anteriores, a Itaipu, após reflexões feitas por parte de sua Direção, em 05.09.2003 aprovou a revisão de seu planejamento estratégico, nele explicitando aquelas ini­ciativas que já vinha conduzindo, próprias de qualquer empresa contemporânea, na forma de uma Missão ampliada em relação ao enunciado anterior, que era a reprodução do objeto do caput do Tratado de Itaipu. Desse modo, a organização exterioriza para as sociedades de Brasil e Paraguai valores convergentes com uma governança corporativa atualizada.

A Missão ampliada da Itaipu passa então de: “Aproveitamento hidroelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná, pertencen-tes em condomínio aos dois países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas, ou Salto de Guaíra, até a foz do rio Iguaçu.”, para “Gerar energia elétrica de qualidade, com responsabilidade social e am-biental, impulsionando o desenvolvimento econômico, turístico e tecnológico, sustentável, no Brasil e no Paraguai”.

Essa Missão ampliada obrigou o reajustamento das políticas e di­retrizes fundamentais da Itaipu e influiu diretamente na redefinição de seus objetivos estratégicos, o que passou a exigir determinados resultados empresariais antes não requeridos ou requeridos de for­ma diferente, moldando­se assim uma nova maneira de operar a

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

empresa, mas aproveitando­se sua estrutura organizacional, com poucas alterações para atender a essas demandas.

Consoante a Missão ampliada, que estabelece também o “... de-senvolvimento ... tecnológico ...”, a Itaipu, com a cooperação do PTI, desenvolve alguns projetos, que são considerados estratégicos para a organização porque estão alinhados com objetivos da organização e procuram apresentar os resultados que se pretende obter com o desenvolvimento tecnológico da usina e do seu entorno.

Esses projetos estratégicos, dentre os quais se encontra o próprio PTI, partem da Universidade Corporativa Itaipu (UCI) para seu de­senvolvimento, quer sob a linha da educação corporativa, quer sob a de pesquisa, de desenvolvimento e inovação e de gestão do conheci­mento. Com esse ordenamento conceitual, estão sendo conduzidos o projeto de modernização da usina (atualização tecnológica); o projeto de software livre; a Plataforma Itaipu de Energias Re­nováveis; o projeto do veículo elétrico; o projeto do Centro Internacional de Hidroinformática (junto com a UNESCO) e a Uni­versidade Federal da Integração Latino­Americana (UNILA).

6.2.5. Responsabilidade social e ambiental

De acordo com a Missão ampliada da Itaipu, a ação de gerar energia pressupõe que sua execução se dê com responsabilidade social e ambiental. Embora essa concepção não seja novidade na Itaipu, o fato de ela passar a constar na Missão serve para reiterar a convicção das Altas Partes Contratantes quanto à necessária e contínua assimilação desses valores pela Itaipu, próprios de uma atuação empresarial moderna.

Nesse sentido, em 2003, a Itaipu criou a Coordenação dos Progra­mas de Responsabilidade Social, com nível de superintendência. Isso reafirma a visão de que a responsabilidade social não é apenas um conjunto de ações, mas uma forma de gestão da empresa na sua inte­gralidade. E, dada à importância do assunto, em 31.03.2005 o Brasil e o Paraguai trocaram notas diplomáticas reversais, sob o título “Missão da Itaipu Binacional no campo da responsabilidade socioambiental”,

que selam o acordo celebrado pelos dois países quanto à conduta de ambos no campo da responsabilidade socioambiental na Itaipu.

7. EpílogoOs números de Itaipu suscitam impressionantes comparações: o volume total de concreto utilizado na construção da usina seria suficiente para construir 210 estádios de futebol como o do Maraca­nã; o ferro e aço utilizados permitiriam a construção de 380 Torres Eiffel; a capacidade de descarga máxima do vertedouro de Itaipu (62,2 mil metros cúbicos por segundo) corresponde a 40 vezes a vazão média das Cataratas do Iguaçu.

A altura da barragem principal (196 metros) equivale à altura de um prédio de 65 andares; o Brasil teria que queimar 536 mil barris de petróleo por dia para obter em plantas termoelétricas a mesma produção de energia de Itaipu; o volume de escavações de terra e rocha em Itaipu é 8,5 vezes superior ao do Eurotúnel no Canal da Mancha, e o volume de concreto é 15 vezes maior.

Em razão disso, a revista norte­americana Popular Mechanics e a Associação Norte­Americana de Engenheiros Civis (American Socie-ty of Civil Engineers - ASCE), em 1995 classificaram a Itaipu como “uma das sete maravilhas do mundo moderno”.

Portanto, essas comparações, comentários e adjetivos servem para demonstrar que o Brasil e o Paraguai decidiram construir juntos não só uma hidroelétrica de extragrande porte, mas sim eri­gir uma das obras de engenharia mais portentosas existentes no planeta, de grandeza obliterante.

Contudo, subjacentes à exatidão dos números e de seus resul­tados materiais, que a todos tanto impressiona, estão os valores maiores do acordo que os cidadãos brasileiros e paraguaios souberam consolidar, dentro de um espírito de cordialidade e os laços de fraternal amizade. Foi a solidez dessa base de entendimento e de união que verdadeiramente permitiu que

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ambos os países convergissem para o interesse comum de re­alizar o aproveitamento hidroelétrico. Esperamos que esse texto tenha sido útil ao leitor, principalmente para a com­preensão desse aspecto sinérgico, que foi fundamental para a concretização do Projeto Itaipu.

AgradecimentosPelas contribuições ao texto e quadros anexos: a Margaret Mussoi Luchetta Groff, José Ricardo da Silveira, Marco Aurélio Vianna de Escobar, João Emílio C. S. de Mendonça, Cláudio Porchetto Neves, Corrado Piasentin, Flavio Miguez de Mello, Ademar Sérgio Fiorini, Joran Alfredo Sachs e ao Centro de Documentação da margem brasileira, na pessoa de seu gerente Jorge Henn.Pela cessão das fotografias: à Assessoria de Comunicação Social, Superin-tendência de Engenharia e Superintendência de Obras, todos órgãos da Itaipu, José Augusto Braga e a Corrado Piasentin (álbum particular).

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Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

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Continuação da página anterior

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Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

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Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”,

ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional,

margem brasileira.

Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu -

Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009;

Centro de Documentação da ITAIPU Binacional,

margem brasileira.

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Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

Itaipu - vista aérea

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Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu -

Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009;

Centro de Documentação da ITAIPU Binacional,

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Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

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Referências1. Barboza, Mário Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Editora Francisco Alves, 1996. 528 p.

2. Betiol, Laércio. Itaipu: modelo avançado de cooperação internacional na Bacia da Prata. Rio de Janeiro, F.G.V., 2008.

3. Comitê Brasi le iro de Bar ragens – CBDB. Históri­co. Disponível em <http://www.cbdb.org.br/site/cadastro barragens.asp>. Acesso em 16.09.2010.

4. Cotrim, John Reginald. Notas sobre os antecedentes da criação de Itaipu Binacional. Rio de Janeiro, Memória da Eletricidade, 1999.

5. Debernardi, Enzo. Apuntes para la historia polít ica de Itaipu. Assunção, Editorial Gráfica Contínua, 1996. 613 p.

6. Fiorini, Ademar S. (Ed.). Usina Hidrelétrica de Itaipu: aspectos técnicos das estruturas civis. Foz do Iguaçu. Itaipu Bina­cional. 2008.

7. Itaipu Binacional. Hélio Teixeira e Ricardo Krauskopf Neto (Org.). A Grande Energia – Múltiplas Visões sobre a Hidre­letricidade. 1ª edição. Foz do Iguaçu, PR. 2010.

8. Itaipu Binacional. Atos oficiais da Itaipu Binacional. Curitiba, Itaipu Binacional, Diretoria Geral, Assessoria de Comu­nicação Social, 1996.

9. Itaipu Binacional. Centro de Documentação. Disponí­vel em < http://intranetbr/centrodedocumentacao/ >. Acessos em setembro 2010.

10. Ita ipu Binacional . Compendio I ta ipu – pr es tac ión de los servicios de electricidad y bases financieras. Itaipu Binacional. Asunción. 2003. 304 p.

11. Itaipu Binacional. Jornal Itaipu Eletrônico ­ JIE. Disponível em < http://jie.itaipu/ >. Acessos em setembro. 2010.

12 . I t a ipu B inac iona l . Nossa h i s tó r i a . D i spon íve l em < http://www.itaipu.gov.br/index.php?q=node/356 >. Acesso em 16.09.2010.

13 . I t a ipu B inac iona l . The I t a i pu hyd r o e l e c t r i c p r o j e c t 12.600 MW; design and construction features. [s.l.], [s.e.], 1981.

14. Itaipu Binacional. Usina Hidrelétrica de Itaipu: aspectos de engenharia. Foz do Iguaçu, Itaipu Binacional, 2009.

15. Muller, Arnaldo Carlos. Hidrelétricas, meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo. Makron Books, 1995. 412 p.

16. Wikipédia : a Encic lopédia Livre. Disponível em <www.wikipedia.org>. Acesso em setembro de 2010.

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PCH Ivan Botelho III (Triunfo) no rio Pomba em Minas Gerais

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As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil

Ricardo Nino Machado Pigatto

As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil

IntroduçãoAs pequenas centrais hidroelétricas sempre fizeram parte da his­tória do Brasil no que diz respeito à geração de energia elétrica. Foram, literalmente, a força motriz do Brasil no final do século XIX e no início do século XX.

Neste capítulo são enfocados o nascimento, o desenvolvimento, o apogeu e, atualmente, a crise das pequenas centrais hidroelétricas. O desenvolvimento do país sempre esteve ligado diretamente à expansão da geração de energia. A caracterização e definição do conceito de pequenas centrais hidroelétricas – PCHs só foi criado no Brasil nos anos 80 do século XX. No início do século passado as usinas hidroelétricas eram referidas como “pujantes e estru­turantes”. Naquela época, as usinas eram de potências modestas porque alimentavam pequenas cidades, algumas poucas indústrias e iluminação pública, além de fornecerem força motriz para bondes nas cidades maiores. As usinas, com raras exceções, ultrapassa­vam 1.000 kW instalados. Pela definição atual, as pequenas cen­trais hidroelétricas PCHs são de até 30 MW e são chamadas de “pequenas”, mas com características, complexidades e tecnologia que orgulham a engenharia nacional e são referência internacional.

Para demonstrar a atual importância das PCHs na matriz elétrica brasileira, um quadro elaborado pela ABRAGEL – Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, antes denominada APM­PE – Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Energia, com mais de 10 anos de história na defesa das PCHs,

relaciona a soma das PCHs em operação no Brasil com as grandes hidroelétricas e apresenta o conjunto das PCHs como a terceira maior fonte geradora de energia hidráulica nacional.

Entre 1901 e 1910 foram construídas em todo o Brasil setenta e sete usinas hidroelétricas. Até 1930 mais de mil diferentes empre­sas de geração e distribuição de energia elétrica estavam ativas, operando hidroelétricas de pequeno ou médio portes. Foi um período notável para o País, muito mais importante pelo pio­neirismo e como alavanca do desenvolvimento, do que os em­preendimentos dos dias de hoje. Naquela época, a geração de energia elétrica era eminentemente privada.

Quadro 1 – Quadro comparativo UHE x PCH

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Nos anos seguintes, cinquenta e sessenta, a industrializa­ção do País exigia maior expansão da geração e o braço forte estatal migrou dos pequenos aproveitamentos para as grandes hidroelétricas. Neste período muitos dos pequenos aproveita­mentos foram caindo no ostracismo e, posteriormente, desati­vados. Algumas poucas usinas, com características de concessão de serviço público, permaneceram ativas.

O Brasil cresceu muito nos anos setenta e consolidou o conceito de que usina “boa” era usina grande. Mas vieram os questiona­mentos ambientais, os questionamentos sobre os “danos” dos grandes reservatórios e o retorno do conceito de que muitas peque­nas usinas poderiam ser melhores do que uma grande usina. Esse debate alimentou os ambientes acadêmicos e ainda nos anos oitenta o governo federal buscou criar um programa de pequenas usinas denominado de Programa Nacional de Pequenas Centrais Hidroelétricas que buscava incentivar a autoprodução de energia. Mas, infelizmente, o momento econômico do Brasil não era fa­vorável para quaisquer investimentos que necessitassem de capi­tal intensivo e retorno de longo prazo. Havia sobra de energia, os valores praticados como tarifas eram relativamente baixos e aplicados pelas distribuidoras, não havendo qualquer estímulo para aderir ao novo programa criado. E assim a implantação de novas pequenas usinas hidráulicas foram se arrastando até 1995. Neste ano, através da Lei das Concessões, foi criado o conceito de produtor independente de energia elétrica, um marco para o setor, assim como o conceito de autoprodutor que poderia vender exce­dentes de energia elétrica. Para produtores independentes seriam concedidos, mediante licitação, aproveitamentos com potência superior a 1.000 kW. Para autoprodutor seria autorização, sem licitação, até 10.000 kW. Para os aproveitamentos com potên­cia inferior a 1.000 kW cabia (e ainda permanece assim) apenas comunicação ao poder concedente. Em 1998, após a criação da ANEEL (1996), estes limites foram mudados. Passou a ser atri­buição da ANEEL conceder outorgas de autorização, tanto para produtores independentes de energia, PIEs, como para auto­produtores de energia APEs de usinas hidrelétricas com potên­cia igual ou maior que 1.000 kW e menor ou igual a 30.000 kW.

Mesmo que tenha havido um programa de pequenas centrais nos anos 1980’s, foi a partir de 1998 que passou a ser definida comercialmente como PCH as usinas com capacidade instala­da acima de 1 MW e até 30 MW, com restrições quanto às áreas de seus reservatórios nos níveis d’água máximos normais.

O desenvolvimento das PCHsEm 1998 também foi criado o MAE – Mercado Atacadista de Energia. Já estava criado o conceito de consumidor livre, aquele que poderia escolher seu fornecedor de energia elétrica. Era uma mu­dança de paradigmas e um mundo novo a ser explorado. Havia um nicho para ser explorado pelas PCHs, mas faltava alguma coisa. Muitos novos projetos de PCHs foram desenvolvidos, tendo sido analisados e aprovados pela ANEEL. Um novo horizonte para o desenvolvimento de profissionais nas áreas de engenharia, geologia, meio­ambiente, etc, foi descortinado, com geração de empregos e renda para especialistas nessas áreas de desenvolvimento de projetos. Os licenciamentos ambientais, mesmo que difíceis, por serem também novos assuntos tratados no âmbito dos órgãos li­cenciadores, estavam em andamento. Em suma, havia um grande potencial de empreendimentos para serem construídos, mas faltava o essencial: o comprador da energia. Poderia, é claro, ser um con­sumidor livre, mas como garantir a entrega da energia contratada de uma PCH se tratava­se de empreendimentos dependentes da hidraulicidade e de variáveis climáticas? E mais, para construir uma PCH era necessário capital intensivo e financiamento de longo prazo. Para obter financiamento de longo prazo era fundamental ter garantias de pagamento num conceito moderno denomina­do project finance (onde o próprio negócio gera suas condições de financiabilidade). Para haver um project finance era necessário um fluxo-de-caixa previsível. Para haver um fluxo financeiro previsível era necessária receita previsível e não sujeita a sazonalidades ou a variáveis climáticas. Para haver uma receita previsivelmente segura para fins de garantias de financiamento, somente seria possí­vel havendo geração de energia garantida, e isto as PCHs não tinham. Realmente uma equação difícil e de contornos assustadores diante dos desafios das soluções possíveis.

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Já era o ano de 2000. Ainda século XX, mas com ares de sécu­lo XXI. Os empreendedores de PCHs foram convidados para apoiar uma iniciativa louvável da Eletrobras de criar um programa chamado de PCH­Com. Era um programa no qual a Eletrobras garantia a compra da energia gerada pelas PCHs, mas dentro de certos limites garantidos de geração que, pela modelagem pro­posta pela Eletrobras na época, resultava em fatores de capaci­dade muito baixos para as usinas, gerando uma receita incapaz de suportar as exigências do agente financiador de longo prazo, no caso o BNDES. Desta forma, o programa não progrediu. Ou seja, não havia como vender a energia para consumidor livre por não haver uma energia garantida e também não havia como vender para a Eletrobras porque a forma que esta estava pensando em adotar para calcular a energia firme das PCHs não era su­ficiente para garantir o pagamento dos financiamentos. Logo, o grande problema a ser solucionado era firmar a energia das PCHs. Ter uma energia de placa. Pelo critério de cálculo ado­tado para as hidroelétricas de maior porte, com controle de re­servatórios, era impossível, haja vista que a quase totalidade dos reservatórios de PCHs eram projetados para operar a fio d’água. Então, numa ação conjunta e bem conduzida pelo MME, ONS, ANEEL e Eletrobras com seus corpos técnicos qualificados e empenhados em dar as condições necessárias para a expansão do setor, as PCHs passaram a fazer parte do MRE (Mecanismo de Realocação de Energia) com o cálculo da energia média através da Resolução ANEEL 169/2001 de 3 de maio de 2001. Mais um dos grandes marcos do setor, talvez o mais importante sob o ponto de vista regulatório e viabilizador dos empreendimentos de hoje.

Mas ainda não estava tudo resolvido. Como vender para consu­midor livre ainda era uma novidade, o agente financiador exigia garantias corporativas dos empreendedores, sem adotar o conceito de project finance. Para financiar com segurança era necessário um comprador/garantidor com bom rating na praça e contratos de compra e venda de energia de longo prazo. Apenas o governo tinha, na época, este perfil. E então foi criado, em 2002 e consolidado em 2004, um dos programas mundiais mais importantes de geração de energia através de fontes ambientalmente corretas e socialmente

justas, o PROINFA­ Programa de Incentivo (de geração de ener­gia elétrica através) de Fontes Alternativas, que então englobou, além das PCHs, as fontes biomassa e eólicas. Foram contrata­dos 3.300 MW, divididos entre as três fontes. Este programa, que se encerra neste ano de 2011, teve um caráter didático e de­senvolvimentista que permitiu a expansão da indústria de equipa­mentos, da construção civil, de serviços especializados, tais como projetos, geologia, topografia, hidrologia, serviços ambientais, segu­ros, produtos financeiros e muito mais, de forma a assegurar uma expansão do setor de PCHs com segurança para o mercado cativo (ambiente regulado), mas altamente preparador para o atendimen­to do mercado dos consumidores livres, já então confiantes da capacidade das PCHs atenderem suas demandas de energia, assim como os agentes financiadores confiarem nos mecanismos de atenuação de riscos e garantias de pagamentos. Ou seja, um cír­culo virtuoso desde o ano 2000 até 2008. O Brasil tinha cerca de 850 MW em operação de PCHs em 1998 passando para 3.000 MW em 2008. Atualmente (2011) está em torno de 3.500 MW. Um crescimento digno de nota e de reconhecimento.

A figura na página a seguir é o resultado desta expansão e mostra as localizações das PCHs no Brasil em 2011.

Neste período muito se aprendeu. A questão ambiental foi foco de discussões acaloradas e ainda assim permanece. O denomina­do “aproveitamento ótimo”, estabelecido por Lei em 1995, exige o estudo e a definição de uma sucessão de aproveitamentos no

Fonte:BIG - ANEEL - setembro/10Relatório Acompanhamento da Expansão da Oferta de Geração de Energia Elétrica - setem-bro/10Obs.: consideradas apenas as PCH - 1 a 30 MW

até 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Qtde 189 15 12 23 7 11 18 17 38 30 22

Total 189 204 216 239 246 257 275 292 330 360 382

Potência (MW) 831 69 51 268 68 126 228 253 650 463 248

Total (MW) 831 900 952 1219 1287 1413 1641 1894 2544 3007 3256

Quadro 2 – Evolução das pequenas centrais hidroelétricas

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Figura 2 – Distribuição das PCHs nos diversos estados

Fonte: Abragel / 2011

Figura 1 - Localizações das PCHs no Brasil em 2011

(1) prazo estimado de maturação dos projetos - início da construçãoObs.: não foi considerado potencial em fase de inventário

Obs.:Dados ANEEL Janeiro/2011, salvo o Potencial Teórico, que é um estudo do CERPCH de Itajubá.

Quadro 3 – Situação dos projetos de PCH em tramitação na ANEEL em janeiro de 2011

Potência (MW) Quant. Prazo (1) (anos) Com autorização (com LP/LI) 2.089 213 3Análise/Aceite - ANEEL (com LP/LI) 856 66 5 Aguardando Análise ANEEL 3.035 194 6 Subtotal 1 5.980 473 Em Elaboração/Complementação 2.271 170 7 Potencial Teórico 15.454 1.288 15 Subtotal 2 17.725 1.458 TOTAL 23.705 1.931

mesmo curso d’água, provocando uma cascata de usinas. Os ór­gãos ambientais e ONGs ambientais questionam se esta é melhor condição ambiental para o curso d’água e, de forma cíclica, ques­tionam se não seria melhor um grande reservatório ao invés de uma sequência de pequenos. As teses do passado voltaram a as­sombrar novamente, mas no sentido inverso. Agora há necessidade de um profundo estudo para cada inventário de rio denominado de análise ambiental integrada – AAI que ampliou os limites das discussões. Nesta área, certamente, as discussões nunca terão fim.

Com o grande desenvolvimento das PCHs, ou apogeu, houve uma avalanche de novos projetos e inventários junto à agencia reguladora ANEEL que resultou no enorme potencial identifica­do no Brasil. Em janeiro de 2011 encontravam­se em tramitação dentro da ANEEL projetos conforme tabela abaixo:

Na tabela acima a coluna prazo é uma estimativa de tramitação na ANEEL até a emissão da outorga de autorização, baseada em mé­dia histórica de 2007 até 2010. Entretanto há movimentos firmes e sérios na agência para redução drástica dos prazos de tramitação.

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A crise das PCHsEm 2008 o mundo foi sacudido por uma crise econômico-finan­ceira que envolveu os principais bancos internacionais e provocou uma falta de liquidez e, por consequência, redução da atividade econômica. Naturalmente esta crise teve reflexo no desenvolvimen­to do Brasil e estancou, de forma abrupta, a expansão industrial. As PCHs, que vinham se desenvolvendo muito bem através da venda antecipada de sua energia e assim viabilizando os project finance, no mercado livre (as PCHs são denominadas como fonte incentiva­da pois há desconto de 50% nos custos de transporte da energia), ficaram sem mercado potencial de comercialização de seu produto. Os valores que passaram a ser negociados no ACL ­ ambiente de contratação livre ­ não foram mais capazes de viabilizar a cons­trução dos empreendimentos. Passou a ter excesso de oferta de energia e o mercado spot desde então esteve, em média, com va­lores modestos, não induzindo aos consumidores livres, a busca de fornecedores incentivados; então este ciclo se encerrou.

Mas ainda existia (e existe) o ACR ­ ambiente de contratação regula­da ­ que são os leilões de energia levados a efeito pelo poder conce­dente. Nem tudo estava perdido. Ledo engano. O Governo passou a fazer leilões de energia tendo como competição apenas o valor do

MWh, sem levar em consideração as características e as regionalidades de cada fonte, fazendo competir entre si diversas fontes de geração e, no caso das PCHs, houve uma importante e fatal perda de compe­titividade em função da evolução tecnológica de outras fontes, além da disponibilidade internacional de equipamentos, também agravada por desequilíbrios tributários, fazendo com que as PCHs, atualmente, fiquem completamente alijadas dos processos de leilões no ACR.

A esperança no futuroNão há dúvidas de que as PCHs são fontes de geração de energia limpa, renovável, sustentável, descentralizada, socialmente inseridas nas comunidades, sem impactos de êxodos rurais, além de outros adjetivos qualificativos favoráveis ao seu desenvolvimento. As cir­cunstâncias atuais levam à desindustrialização do setor, à perda de mão-de-obra qualificada desenvolvida ao longo dos últimos anos e ao desenvolvimento de outras fontes ambientalmente menos qualificadas, tudo em nome da “modicidade tarifária”. Mas como “não há mal que sempre dure....” certamente as PCHs retomarão o mes­mo caminho virtuoso que, desde 1883, foi capaz de desenvolver o estado da arte na engenharia hidroelétrica, capaz de construir usinas memoráveis do passado e brilhantes, levando o potencial de geração através de PCHs no Brasil aos almejados 25.000 MW em 20 anos.

Figura 3 – PCH Antônio Brennand no rio Jauru

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Figura 7 – PCH Anna Maria no rio Pinho em Minas Gerais

Figura 5 – PCH São Simão com 27 MW no rio Itapemirim Braço Norte Esquerdo, no Espírito Santo

Figura 4 – PCH Irara com 30 MW no rio Doce, em Goiás

Figura 6 - PCH São Joaquim no rio Benevente, no Espírito Santo

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Referências(1) Tiago, Geraldo; Nascimento, José Guilherme; Ferrari, Jason; Galhar-do, Camila - A Evolução Histórica do Conceito das PCHs no Brasil,– CERPCH – Itajubá/MG(2) ABRAGEL – Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa – Diversas apresentações em palestras(3) Prado Jr, Fernando; Amaral, Cristiano - Pequenas Centrais Hidro-elétricas do Estado de São Paulo – 2.000 – Governo do Estado de São Paulo(4) Souza, Zulcy; Santos, Afonso Henriques; Bortoni, Edson – Centrais Hidrelétricas – Ed. Interciência – 2009(5) Site da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica(6) Tolmasquim, Maurício – Geração de Energia Elétrica no Brasil – Ed. Interciência - 2005

Figura 8 – PCH Ivan Botelho I (Ponte) no rio Pomba em Minas Gerais

Figura 9 - PCH Santa Fé no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

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A Nova Face das Empresas Estatais frente à Expansão da Oferta de Energia Hidroelétrica no País

Márcio Antônio Arantes Porto e João Batista Gribel Soares Neto

Usina hidroelétrica de Anta

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A Nova Face das Empresas Estatais frente à Expansão da Oferta de Energia Hidroelétrica no País

O setor elétrico brasileiro vivenciou mudanças profundas em sua orga­nização estrutural a partir de meados da década de 1990. Tal reestrutu­ração teve por objetivo promover a criação de um mercado competitivo de energia elétrica no país, dando oportunidade de acesso a novos agentes às receitas expressivas dessa atividade econômica, buscando, desse modo, atrair os capitais privados para o setor, com a consequente redução da presença do Estado nesse segmento da economia.

A partir de então as empresas públicas, que em um desenho inicial da reestruturação seriam todas privatizadas, tiveram que se adap­tar às mudanças de cenários e às diferentes lógicas às quais o setor elétrico foi submetido nos anos seguintes.

Neste capítulo procura­se discutir, por certo de forma muito bre­ve, essas experiências das empresas públicas no novo ambiente setorial, as adaptações às quais tiveram que se submeter para se manterem como agentes importantes no setor elétrico e as carac­terísticas (e desafios) para a gestão dos empreendimentos no novo contexto, com foco particular nas novas usinas hidroelétricas. Os exemplos contidos no texto que se segue referem­se, em sua maio­ria, a empreendimentos relacionados à empresa Furnas Centrais Elétricas, na qual os autores exercem suas atividades profissionais.

O contexto de mudançasA partir da década de 1990 a estrutura regulatória e funcional do setor elétrico brasileiro foi profundamente modificada, sob

inspiração de experiências desenvolvidas em outros países oci­dentais. Dada a natureza peculiar do sistema brasileiro – forte prevalência da hidroeletricidade, extensão continental, diversida­de de hidrologias entre regiões, entre outras – a adaptação dos modelos importados mostrou­se particularmente desafiadora e não isenta de riscos.

A justificativa para essa reestruturação era introduzir uma maior competitividade nesse importante segmento da infraestrutura e, dessa forma, atrair os investimentos privados, dada a dificuldade de o poder público continuar a arcar com os vultosos recursos demandados pelo setor, especialmente aqueles voltados à sua ex­pansão, tanto no plano da expansão da oferta de energia elétrica (geração), como nos segmentos de transmissão e distribuição, todos, à época, sob amplamente majoritário controle estatal.

Essa reestruturação setorial viveu dois momentos distintos, ten­do como grande divisor de águas o traumático racionamento de energia elétrica vivenciado em 2001 e 2002. No primeiro movi­mento da reestruturação, a meta era retirar completamente do Estado o papel de agente econômico no setor, privatizando todas as empresas públicas então existentes. As atividades de geração, transmissão e distribuição seriam segregadas, desverticalizando as empresas, que seriam gradualmente privatizadas. Ao Estado restaria o papel da regulação, tendo sido criada, então, sob esse contexto político e econômico, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica.

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A privatização conforme originalmente planejada, com a comple­ta retirada do Estado da atividade econômica na área da energia elétrica, ficou em meio do caminho com a ascensão de um novo governo a partir de 2003 e após o fracasso do modelo anterior, que desaguou no racionamento de 2001­2002, causando prejuízos profundos à economia do país.

O movimento de privatização das empresas públicas foi suspenso, o planejamento do setor pelo Estado foi retomado (com a criação da EPE – Empresa de Pesquisa Energética) e o modelo setorial radicalmente revisto, embora mantida a ênfase na competição, mas agora sob uma lógica que priorizava a segurança energética.

A Lei no 10.848, de 15.03.2004, introduziu uma nova regula­mentação para a outorga de concessões de geração e para a comercialização de energia no país. Estabeleceu dois ambientes de comercialização, o “Ambiente de Contratação Regulada (ACR)” e o “Ambiente de Contratação Livre (ACL)”. O ACR para a compra e venda de energia elétrica por concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétri­ca, enquanto no ACL se daria a comercialização direta de energia pelos agentes de geração aos consumidores livres.

É esse o ambiente competitivo complexo onde hoje convivem empresas privadas e públicas. Mudanças culturais importantes, ainda em curso, foram necessárias às empresas estatais para adaptar sua atuação ao novo contexto.

Em verdade elas vem sendo particularmente bem sucedidas nessa nova configuração do setor. Em especial quando se consorciam com empresas privadas para a exploração dos novos empreendimen­tos, somando experiências e capacitações que se complementam. Tais parcerias tem­se mostrado não somente rentáveis, mas – e até mesmo mais importante – tem atraído a participação dos investidores privados para compartilhar, com o setor público, o desafio imenso que é expandir a oferta de energia para o vigoro­so mercado brasileiro, insumo essencial para o desenvolvimento econômico e social do país.

Requisitos essenciais para o sucesso das empresas públicas no novo modeloO modelo setorial vigente tem por base a competição nos segmentos de Geração e Comercialização, enquanto a Trans­missão e a Distribuição são consideradas monopólios naturais, que devem ser regulados.

As tarifas aos consumidores não tem mais como base os custos incorridos na construção dos empreendimentos (a tarifa pelo cus­to), conforme ocorria anteriormente sob a égide da prestação do serviço público – onde não havia uma preocupação dominante com a minimização dos custos, que seriam repassados, enfim, aos consumidores. Ou seja, no modelo competitivo busca-se a efici­ência econômica, um compromisso entre qualidade (regulada) e o preço (tarifa) do serviço.

Esse equilíbrio entre a qualidade e os investimentos – custos, enfim, para o empreendedor – é um dos grandes desafios a ser en­frentado nas obras do setor, tema ao qual será dedicada, adiante, alguma reflexão, ao tratar-se dos Modelos de Gestão dos empreendi­mentos e da Engenharia do Proprietário.

No segmento da Transmissão a concorrência se dá através de leilões para outorga das novas obras de ampliação do sistema. Os novos empreendimentos, determinados pelo planejamento setorial, são outorgados aos agentes que se dispuserem a realizá­los pela menor tarifa para os usuários, ou seja, a menor Receita Anual Permitida ou RAP.

O modelo de competição na Transmissão se consolidou primeiro, atraindo, desde o início, investidores nacionais e estrangeiros para os leilões de outorga das concessões dos ativos de transmissão. A concorrência tornou­se notoriamente mais acirrada, observando­se maiores deságios sobre os tetos de remuneração estabelecidos pela ANEEL, após liberada a participação das empresas públicas nos leilões, que era inicialmente vedada.

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Já no segmento de Geração houve, com a reformulação do modelo setorial introduzida a partir de 2004, uma mudança radical de con­ceitos. No modelo competitivo inicial a outorga das concessões se dava àquele agente que mais pagasse por essa outorga. Ou seja, recebia a concessão para as novas usinas hidroelétricas aquele inves­tidor que ofertasse o maior valor pelo Uso do Bem Público (UBP), a partir de um piso, valor de referência estipulado pelo governo. Daí o agente negociaria sua energia livremente, através de contratos bilaterais registrados no Mercado Atacadista de Energia – MAE.

Nesse ambiente a energia disponibilizada ao mercado acabava, finalmente, sempre cara. Aquelas usinas mais atraentes, com cus­to de produção mais econômico, ficavam oneradas por um ágio elevado na UBP, motivado pela competição acirrada por sua outorga. Caso típico foi a excelente usina de Serra do Facão (210 MW), no rio São Marcos, em Goiás, que teve um ágio de 3.090% sobre o piso de UBP estabelecido – agregando elevação de cerca de 30% aos seus custos de produção. Outro exemplo, a usina de Foz do Chapecó, no rio Uruguai, com 855 MW de capacidade, que teve ágio de 554%.

Na transição de modelo ocorrida após 2003, muitas dessas usinas, outorgadas sob o modelo anterior – e que ficaram conhecidas como “Botox” – encontraram dificuldades para se viabilizar e comercia­lizar sua energia no novo ambiente. Para resgatar esses projetos, prejudicados pela mudança de modelo, foi necessário um forte empenho no âmbito da regulação bem como, em muitos casos, a parceria das empresas estatais.

Nesse novo contexto setorial, as empresas públicas, liberadas para participar dos leilões de novas concessões, ressurgiram como agentes de relevo, estando presentes em vários empreendimentos importantes, tanto em parceria com a iniciativa privada – maio­ria dos casos – como através de empreendimentos corporativos, ou seja, 100% estatais.

Houve necessidade de mudanças culturais profundas no modo de atuar das empresas públicas com vistas à sua adaptação e sobrevi­

vência no novo modelo competitivo setorial, mas ainda há muito por avançar frente às exigências do mercado. A ótica do “negócio” e sua rentabilidade tiveram que prevalecer frente à tradição das obras de altíssima qualidade, mas que eram construídas com elevados custos. As parcerias com a iniciativa privada e o contexto de com­petição pelas novas outorgas de concessão proporcionaram um importante aprendizado às empresas públicas.

Alguns fatores de sucessoRelacionam­se, a seguir, alguns fatores que se consideram essenciais para o desenvolvimento favorável dos novos projetos de geração no ambiente competitivo e que, não obstante aplicáveis a todos os agentes, podem justificar o sucesso das empresas públicas nos certames para expansão da oferta de energia, em especial no que se refere às novas usinas hidroelétricas.

O desenvolvimento dos projetos através de SPE

As SPE – Sociedades de Propósito Específico são empresas priva­das quando apresentam, em sua constituição societária, participa­ção minoritária das empresas públicas. Aliam, de forma sinérgica, as melhores características das empresas privadas e das empre­sas públicas em prol do desenvolvimento do projeto. Podem incorporar parceiros com perfis bastante distintos, como investi­dores puros, fornecedores de bens e serviços e concessionárias, em virtuosa complementaridade.

Por desenvolver um empreendimento específico, as SPE podem exercer uma gestão do projeto moderna e dentro das melhores práticas, sob uma estrutura organizacional projetada. Os parceiros individualmente, muitas vezes, teriam dificuldades, dentro das estru- turas funcionais de suas organizações, em gerir o projeto com tais ca­racterísticas – fato especialmente verdadeiro para as empresas públicas.

Ademais, por disporem, devido às características do modelo seto­rial, de receitas antecipadamente estabelecidas e de longo prazo, as

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SPE podem usar tais receitas futuras como garantia para obter os financiamentos. Assim conseguem, em geral, face aos baixos riscos envolvidos, alavancar seus projetos com custos de financia- mento bastante atraentes.

Tratamento da questão ambiental

O tratamento adequado da questão ambiental – aí incluídos, com toda a ênfase, os aspectos sociais – é absolutamente determinan­te no sucesso dos empreendimentos hidrelétricos na atualidade. Não observar essa “regra de ouro” significa condenar o projeto a atrasos no seu licenciamento, embargos, paralisações, enfim, com-prometer fortemente sua rentabilidade.

Há necessidade de transparência no trato com os órgãos ambientais e com os afetados, direta e indiretamente pelo empreendimento. A qualidade dos estudos ambientais deve ser a melhor possível, agregando­se sempre, mas não exclusivamente, o conhecimento científico existente na região do empreendimento. As interações com os órgãos ambientais devem ser constantes e tecnicamente elevadas.

É preciso reconhecer que toda e qualquer obra de infraestrutura, não obstante sua utilidade pública, impacta o meio ambiente – físico, biológico e social – e que, por isso, são necessárias compensa­ções àqueles atingidos pelo empreendimento, que deve inserir­se de forma sustentável no contexto regional ao qual que se incorpora.

Um ambiente de mútua confiança e de aceitação do empreendimento é construído a partir do tratamento respeitoso às partes interessa­das, com o adequado atendimento às condicionantes de licencia­mento, negociando prioridades de forma aberta com a sociedade organizada, e deixando claro à população o que é factível realizar a título de compensação, bem como o que não é viável.

Conhecimento aprofundado do projeto

Aos agentes interessados, a ANEEL disponibiliza participar dos leilões de outorga dos novos empreendimentos de geração um con­

junto de estudos nos quais é definida a concepção global da usina, sua otimização energética, técnico­econômica e ambiental. Con­templa os Estudos de Viabilidade Técnico­Econômica (EVTE), os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Im­pacto Ambiental (RIMA), com avaliação de benefícios e custos associados à nova usina cuja outorga será licitada.

Investir, com a possível profundidade que os prazos em geral escassos permitem, no conhecimento técnico que envolve o pro­jeto, em suas várias disciplinas, dá ensejo aos agentes a propor soluções inovadoras para sua execução, que muitas vezes são o grande diferencial que define o vencedor de um leilão de outor­ga. Permite, ademais, redução dos riscos associados ao projeto, o que acarreta em menores prêmios de risco e melhores condi­ções de contratações das obras e outros serviços – enfim, maior competitividade nos leilões.

Nesse aspecto, as empresas públicas são naturalmente fortes, por disporem de equipes próprias e capacitadas – quer na engenha­ria, construção e operação, quer nas áreas ambiental e fundiária – e pela grande intimidade que muitas vezes tem com as regiões de desenvolvimento dos projetos. Vantagens essas que são potencia­lizadas através de parcerias venturosas, que se somam ao expertise das empresas públicas, dando agilidade na realização de estudos complementares àqueles disponibilizados pela ANEEL.

Engenharia financeira do projeto

O equacionamento financeiro do projeto talvez seja o ítem mais importante, definidor do sucesso e da rentabilidade empreendimen- to no ambiente competitivo existente em nosso modelo setorial.

O papel do financial advisor é essencial. A adequada modelagem financeira do negócio, e seus riscos, envolve várias componen­tes: a busca pelas melhores fontes de financiamento, a melhor solução tributária, os incentivos fiscais, o melhor perfil da dívida e dos desembolsos, a colocação de parcela de energia no ACL, a antecipação da produção e a eventual geração de caixa durante

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a construção – tudo isso é absolutamente crucial para a proposição de uma tarifa módica e tecnicamente sustentável nos leilões.

As empresas públicas incorporaram e vem aperfeiçoando essa abordagem financeira “privada” nos leilões do setor elétrico, jun­tamente com seus parceiros. Regidos pela modelagem financeira abrangente e detalhada, os participantes que se consorciam para a competição – investidores e fornecedores de bens e serviços – identificam a necessidade de atuar de forma solidária, sacrificar margens e compartilhar ganhos, para vencer os leilões de outorga dos novos empreendimentos.

Sendo de risco moderado os retornos dos investimentos em geração hidroelétrica, os agentes devem compartilhar a visão de longo prazo que as inversões no setor elétrico requerem, não ha­vendo, pois, no modelo competitivo em vigor, espaço para retornos espetaculares e em curto prazo.

Modelos de gestão dos empreendimentosAs características atuais do modelo setorial reforçam a necessida­de, por parte dos empreendedores, de buscar soluções que garan­tam a conclusão das obras conforme os preços e prazos definidos nos planos de negócios (uma vez que a energia já está vendida com preço e data de entrega contratados). Igualmente, é preciso gestão consistente dos projetos no sentido de assegurar a qualidade dos serviços, tanto durante a implantação quanto na fase de operação.

A não observância desses preceitos tem como consequência perdas diretas para os empreendedores e indiretas para o negócio de geração de energia no país.

No primeiro caso, podemos elencar as perdas de receita de geração por atrasos das obras, multas impostas pelos órgãos públicos de fiscalização e regulação, necessidade de aquisição de energia no mercado livre para suprir os compromissos assumidos, prejuízos à imagem das empresas envolvidas, dentre outros – com sacrifícios à rentabilidade dos projetos.

No segundo caso, em que todos os envolvidos perdem, podemos citar os aumentos dos prêmios de seguros, maior preocupação da sociedade civil quanto à segurança dos empreendimentos e maiores cuidados dos organismos de licenciamento ambiental. Independentemente de outras possibilidades, o fato é que, no fim da linha, perde a sociedade brasileira, que pagará por uma energia mais cara e menos favorável sob o ponto de vista ambiental.

Portanto, para o sucesso efetivo dos empreendimentos, ganha importância a busca por modelos de gestão apropriados. Estes devem procurar blindar todas as partes interessadas, combinando aspectos positivos de modelos de gestão já utilizados e minimizan­do seus pontos falhos, através de uma atuação em parceria entre os proprietários dos empreendimentos e os consórcios contratados para a execução, tendo em mira benefícios mútuos para as partes, com reflexos positivos para a sociedade.

Modelos de gestão recentemente utilizados

Percebe­se, na atualidade, a existência de várias modalidades de gestão de empreendimentos na área de geração, o que pressupõe que: (i) não há uma única modalidade que possa ser considerada como ideal para o atingimento dos objetivos e atendimento das necessidades de todas as partes interessadas no negócio; e (ii) os empreendedores estão, efetivamente, buscando e testando fórmulas que possam viabilizar os novos negócios de maneira a reduzir riscos e atender aos objetivos de todas as partes interessadas.

Na discussão que se segue procura-se identificar alguns dos mo­delos já utilizados ou em utilização, a fim de contribuir para que o tema seja analisado sob vários ângulos pelos profissionais do setor.

· Modernização de usinas existentes

Em suas obras de modernização de usinas hidroelétricas (usina hidro­elétrica Mal. Mascarenhas de Moraes – MG e Luiz Carlos Barreto de Carvalho – MG/SP), que tem sido desenvolvidas desde 2001, Furnas adotou a modalidade de contratação mista com EPC – Engineering,

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Figura 1 – Usina hidroelétrica Peixe Angical

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Procurement and Construction (Engenharia, Fornecimentos e Construção) e execução direta. Os Consórcios contratados respon­sabilizam­se pelo projeto, pelos fornecimentos dos equipamentos, pela construção e pela montagem eletromecânica, com contratos a preços globais. Furnas resguardou para si a prerrogativa de apro­vação de todos os projetos, da execução dos comissionamentos e dos licenciamentos ambientais. Os contratados só podem desenvolver suas intervenções nos equipamentos após aprovação de Furnas.

Já na modernização e ampliação da UTE Santa Cruz (RJ), ini­ciada em 2002, Furnas adotou o regime de EPC, a preço global, reservando para si os licenciamentos ambientais e os forneci­ mentos dos turbo­geradores.

· Novas usinas hidroelétricas

Na implantação da usina hidroelétrica Peixe Angical, concluída ao longo de 2006, a Enerpeixe (parceria entre Energias do Brasil e Furnas) contratou, separadamente, o projeto, o fornecimento/mon­tagem e a construção civil, incluindo as obras de reservatório, todas a preços globais. À Concessionária coube a responsabilidade pelo controle da qualidade das obras, pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária e pelos programas ambientais.

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Figura 2 – Usina hidroelétrica de Foz do Chapecó

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Para a implantação da usina hidroelétrica Foz do Chapecó (SC/RS), cujas obras foram iniciadas em janeiro de 2007, o Consórcio Empresarial Foz do Chapecó (pertencente à CPFL, CEEE e Fur­nas) optou pela contratação de um EPC tradicional (engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o controle da qualidade), a preço global. No entanto, manteve, sob sua tutela direta, as res­ponsabilidades pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária, pela execução dos programas ambientais e das obras de reservatório.

No caso da usina hidroelétrica Serra do Facão (GO), a Serra do Facão Energética S.A. (pertencente à Alcoa, Furnas, DME, Camargo Corrêa

Cimentos), que iniciou as obras em março de 2007, similarmente a Foz do Chapecó, optou pela contratação de um EPC tradicio­nal (engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o contro­le da qualidade), a preço global. Analogamente ao caso anterior, também reservou para si as responsabilidades pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária e pela execução dos programas ambientais e das obras de reservatório.

Na construção da usina hidroelétrica Simplício (RJ/MG), concessão 100% de Furnas, cuja obra teve início em janeiro de 2007, a empresa decidiu pelas contratações separadas do projeto (preço global), do

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Figura 3 – Barragem de Foz do Chapecó

Figura 4 - Usina hidroelétrica de Serra do Facão no rio São Marcos

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

fornecedor/montador (preço global) e das obras civis (misto de preço global e preços unitários). A integração das responsabilida­des que se interfaceiam é gerida diretamente pela própria conces­sionária. O contrato da construção civil não inclui o controle da qualidade das obras, nem as obras de reservatório. Além disso, Furnas se responsabiliza pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária e pelos programas ambientais. A novidade no caso de Simplício foi a utilização, no contrato das obras civis, de um sistema misto de preços: parte do contrato é por um preço global e parte é por preços unitários. Tal opção foi feita buscando eliminar volumes significativos de verbas de contingenciamento relativas a riscos geotécnicos, anteriormente embutidos no preço global da empreiteira. A contrapartida é que tal risco está sendo assumido por Furnas.

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Figura 5 – Obras da barragem e usina de Anta do aproveitamento hidroelétrico de Símplicio

Figura 6 - Usina hidroelétrica de Retiro Baixo

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Já a implantação da usina hidroelétrica Batalha (GO/MG), outra concessão 100% de Furnas, possui a seguinte formatação atual: contratações separadas do projeto (preço global), do fornecedor/montador (preço global) e das obras civis (preço unitário), incluindo o controle da qualidade. A integração das responsabilidades que se interfaceiam também será gerida diretamente pela própria concessionária.O contrato da construção civil não inclui as obras de reservatório. Analogamente à usina hidroelétrica Simplício, Furnas se responsabiliza pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária e pelos programas ambientais.

Na usina hidroelétrica Retiro Baixo (MG), obras iniciadas em março de 2007, a Retiro Baixo Energética S.A. optou pela contratação de um EPC mais amplo, também denominado internamente por Turn Key,

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

onde o contratado responsabiliza­se pela integralidade das ações necessárias à implantação completa do empreendimento, ou seja, projeto, fornecimento, construção civil, montagem eletromecânica, comissionamentos, controle da qualidade, licenciamento ambien­tal, gestão fundiária, programas ambientais e obras de reservatório, tudo por um preço global.

Para a implantação da usina hidroelétrica Santo Antônio (RO), cuja obra foi iniciada em setembro de 2008, a Santo Antônio Energia S.A. (parceria de FURNAS, CEMIG, FIP, OII, CNO e AG), optou pela contratação de um EPC tradicional (engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o controle da qualidade), a preço global. No entanto, manteve sob sua tutela direta as responsabilidades pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária, pela execução dos programas ambientais e das obras de reservatório.

No caso da usina hidroelétrica Teles Pires (MT/PA), com obras previstas para iniciar em julho de 2011, a Companhia Hidroelétrica Teles Pires (FURNAS, ELETROSUL, NEOENERGIA e ODE­BRECHT) igualmente optou pela contratação de um EPC tradicio­nal – engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o controle da qualidade – a preço global. Manteve também sob responsabili­dade direta da SPE o licenciamento ambiental, a gestão fundiária a execução dos programas ambientais e das obras de reservatório.

· Tendências

Obviamente, os exemplos acima não encerram todos os ca­sos recentemente utilizados ou em implantação atual no Brasil. São, contudo, bastante ricos em diversidades de modelos de ges­tão, ratificando a inquietude dos diversos empreendedores quanto à busca pelo melhor modelo a ser utilizado para os negócios de geração de energia elétrica no país, com foco na hidroeletricidade.

Percebe­se, no entanto, algumas fortes tendências. Uma delas é a adoção da modalidade de preço global, em substituição aos preços unitários. Tal tendência tem forte relação com a transferência de riscos do empreendedor para o construtor, uma das exigências que

os organismos financiadores dos projetos tem colocado para as viabilizações dos empréstimos.

Não obstante, percebe­se algum movimento no sentido de se incluir preços unitários em partes do projeto mais sensíveis a previsões muito antecipadas, que findam por gerar: (i) preços mui­to avultados em função de grandes contingenciamentos embutidos pelos construtores, ou (ii) pleitos de reequilíbrios econômico­financeiros em função de serviços adicionais imprevisíveis, ou por alterações de projeto ou por situações reais distintas daquelas previstas nos projetos básicos.

As experiências têm mostrado que os regimes de preços globais fixos não eliminam por completo possibilidades de situações como acima relatadas. Por tal motivo, já há movimentos mais recentes no sentido de se mesclar os regimes de preço global com partes por preços unitários, mostrando, em nossa opinião, uma tendência para o futuro próximo.

Outra modalidade comumente observada é a utilização de contrata­ções do tipo EPC, em que o contratado se responsabiliza pelo projeto, fornecimentos, construção civil e montagem eletromecânica, incluin­do o controle da qualidade das obras. Mesmo havendo variações percebidas em tal modalidade de contratação, pode-se afirmar que ela ainda é a que mais agrada aos investidores, que recebem tal exigência dos órgãos financiadores, por ser entendida como a que melhor transfere os riscos de execução e integração dos empreende­dores aos contratados.

Via de regra, os concessionários reservam, para si, as responsabi­lidades sobre os licenciamentos ambientais, as gestões fundiárias e os programas ambientais, dado o caráter crítico dessas atividades para o sucesso dos empreendimentos e para a imagem da empresa na região de inserção dos projetos.

A questão das obras de reservatório não tem uma tendência defini­da. Tal constatação deve­se ao fato de que as obras de reservatório tem uma dependência direta da área afetada e dos condicionantes

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Figura 7 - Vista aérea das obras da usina hidroelétrica de Santo Antônio sobre o Rio Madeira

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dos licenciamentos, sendo, em alguns casos, possíveis as pré­definições necessárias aos orçamentos seguros pelas construto­ras e, em outros casos, impossível uma orçamentação isenta de riscos, que fatalmente elevaria o preço proposto em função de contingenciamentos altos.

Engenharia do proprietárioNão resta dúvida quanto às inúmeras vantagens que o modelo de contrato EPC – Turn key trazem ao empreendedor sob o ponto de vista econômico.

Entretanto, com a ocorrência de inúmeros acidentes em obras de grande porte, incluindo eventos em usinas hidroelétricas e também no metrô de São Paulo, especialistas passaram a questionar esse modelo sob a ótica da segurança.

Fica patente que, para o emprego desse modelo de contrato, o empreendedor deve ter em seu auxílio equipe técnica que exerça a engenharia do proprietário de forma ostensiva, ainda mais quando

fizerem parte do mesmo grupo responsável pela execução das obras o construtor e o projetista.

A questão da responsabilidade integral do contratado, sob o ponto de vista da engenharia, é secundária, pois o interesse do investidor é o empreendimento concluído da forma como foi planejado, bem como a preservação de sua imagem, e não a vitória na batalha dos tribunais.

Entendemos que a engenharia do proprietário tem como principal papel a atenuação de riscos envolvidos quanto a prazos e confor­midade de produtos contratados, visto que as incertezas inerentes à execução dos serviços de construção, fornecimento, montagem, comissionamento e operação de empreendimentos de geração devem ser controladas, por meio do monitoramento adequado dos processos empregados.

Complementarmente, a engenharia do proprietário deve disponi­bilizar informações para subsídio técnico ao empreendedor na to­mada de decisões frente ao construtor, com base no contrato EPC, de forma a atender aos objetivos previamente estabelecidos para o empreendimento e aos critérios de segurança operativa definidos

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nos procedimentos de rede do ONS e nas regulamentações da ANEEL e MME.

Atividades contempladas na Engenharia do Proprietário

Dessa forma, a engenharia do proprietário deverá exercer, sem se limitar a elas, as seguintes atividades:

Acompanhamento das obras civis e eletromecânicas, quanto à conformidade em relação aos documentos de projeto, especificações técnicas, plano de inspeções e testes, normas técnicas aplicáveis e aos demais documentos técnicos contratuais;

Acompanhamento rigoroso dos processos executivos emprega­dos pelo contratado previstos nos anexos da qualidade;

Certificações parciais dos produtos entregues pelo contratado e certificação global, quando na entrega do empreendimento para operação comercial;

Acompanhamento do pré­comissionamento, comissionamento e pré­operação;

Atendimento às solicitações do empreendedor, quanto a alterações no projeto básico consolidado e/ou especifica­ções técnicas, subsidiando­o de elementos necessários para análise econômico­financeira afetos à relação contratual estabelecida com o contratado;

Emissão de pareceres, quanto a questões técnicas no âmbito das atividades no local da implantação, para subsidiar solu­ção de impasses ou divergências que possam ocorrer entre o empreendedor e o construtor.

Análise e emissão de pareceres relativos a fornecimentos ne­cessários que estejam fora do escopo do Contrato EPC;

Análise dos métodos e resultados relativos ao controle de qualidade dos materiais de construção desenvolvido pelo laboratório contratado pelo contratado;

Acompanhamento de liberações de serviços por parte da projetista;

Emissão de relatórios e documentações específicos para os órgãos financiadores, caso requerido pelo empreendedor;

Análise dos dossiês de qualidade ­ data book

Acompanhamento das obras e serviços em face das normas de higiene e segurança industrial pertinentes;

Seleção de assuntos de interesse do empreendedor para serem discutidos nas reuniões de produção (semanal) e de coordenação (mensal);

Organização das reuniões de coordenação e de produção;

Análise de planejamentos executivos elaborados pelo cons­trutor, fornecedor e montador e emissão de pareceres ao empreendedor;

Análise de redes de precedência emitidas pelo contratado e emissão de pareceres ao empreendedor;

Emissão de pareceres ao empreendedor quanto a pedi­do de modificação de projeto – pedido de modificação de campo, emitidos pelo contratado;

Acompanhamento de quantitativos dos serviços executados das obras civis e de montagem eletromecânica;

Emissão de relatórios, registros fotográficos, filmes e vídeos relativos à obra, quando solicitados;

Análise e parecer sobre relatórios de progresso emitido pelo empreendedor;

Emissão de relatórios técnicos destinados à análise de pleitos.

A forma de atuação da Engenharia do Proprietário

De modo geral, os conceitos anteriormente apresentados não

encontram discordâncias entre os diversos segmentos e atores

envolvidos nas gestões de empreendimentos de grande porte.

Por outro lado, há grandes divergências com relação à forma e/ou

intensidade de atuação da engenharia do proprietário. Com a en­

trada de diversos agentes econômicos no setor de energia elétrica

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Figura 8 - Usina hidroelétrica de Serra do Facão no rio São Marcos com 212 MW de capacidade instalada

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no Brasil, a partir das mudanças no marco regulatório observadas desde 1995, uma das principais alterações conceituais percebida foi no enfoque dado à questão da engenharia do proprietário.

O termo “fiscalização” passou a sofrer forte preconceito por trazer consigo a ideia da presença da mão­forte do empreendedor nas de­cisões de obra, a exemplo do que sempre ocorria nas gestões de grandes obras no Brasil. Vem, de então, o emprego do neologismo “engenharia do proprietário”, traduzido do inglês owner’s engineering.

Com receio de trazer para o empreendedor riscos contratualmente definidos como de responsabilidade dos fornecedores/construto­res, o exercício da engenharia do proprietário passou a ser defini­do como de spot check, onde se faz a checagem do atingimento de grandes marcos, sem um acompanhamento passo a passo da obra.

Com isso, as equipes de engenharia do proprietário, dimensionadas dentro desse conceito de atuação extremamente distante e pontu­al, ficaram reduzidas a poucos profissionais, com atuação restrita aos horários comerciais, sem acompanhamento integral das obras.

Vemos uma grave omissão dos empreendedores em tal tipo de atuação, uma vez que importantes etapas das obras deixam de ser acompanhadas, com a intensidade devida, diretamente pelo “olho do

dono”. Eventuais defeitos poderão ficar ocultos por vários anos, vindo a manifestar suas consequências danosas apenas na fase de operação, muitas vezes quando o construtor já estiver isento de qualquer responsabilidade legal sobre o problema.

A engenharia do proprietário pode, e deve, atuar de maneira mais consistente, acompanhando a integralidade das obras, sem que isso traga ao empreendedor a assunção de riscos que não são de sua responsabilidade. Entendemos que as equipes de engenharia do proprietário deverão ser dimensionadas de maneira a que as obras sejam fiscalizadas em sua integralidade, acompanhando o emprei­teiro em todos os turnos de trabalho, desenvolvendo um trabalho de verificação de aderência das atividades às normas e especificações técnicas, apontando eventuais não­conformidades para subsidiar as decisões do proprietário.

Tal tipo de atuação não transfere riscos sob responsabilidade dos construtores para o empreendedor, uma vez que não interfere diretamente na execução das atividades das obras, mas tão somen­te verifica o atendimento às normas e especificações executivas. A interferência direta se dá apenas em casos extremos, em que se verificam riscos às obras e às pessoas.

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Joaquim Pimenta de Ávila e Marta Sawaya

As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos

Barragem São Bento - 2005

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

1. IntroduçãoO presente capítulo apresenta um sumário da experiência brasileira em barragens de contenção de resíduos de mineração e de indús­tria. Descreve, de forma sintética, a evolução histórica das barra­gens de rejeitos no Brasil, com foco em seu desenvolvimento de tecnologias de disposição e na aplicação das técnicas da engenha­ ria de barragens ao projeto e construção de barragens de rejeitos.

As barragens de rejeitos no Brasil surgiram das atividades de mi­neração, as quais tiveram seu início em épocas que remontam a cerca de 300 anos atrás. Antes até da corrida do ouro no oeste americano, a atividade de mineração de ouro no Brasil já ha­via se iniciado com a Mina da Passagem, em Mariana, conforme é descrito adiante neste capítulo. Esta mina é descrita a seguir, pela importância histórica que tem na mineração brasileira.

A Mina da Passagem está localizada na Vila da Passagem, lugar da passagem da estrada entre Ouro Preto e Mariana, sob o Ribeirão do Carmo, a sudeste de Belo Horizonte.

A mineralização está inserida no Supergrupo Minas, entre a Forma­ção Cauê, no topo, e o Grupo Caraça (Formação Moeda e Batatal) ou Grupo Nova Lima (Supergrupo Rio das Velhas).

De acordo com Ruchkys e Renger [Ref. 1], o ouro primário foi descoberto na região no início do século XVIII, sendo que uma lavra rudimentar foi iniciada em 1729. Entre 1729 e 1819, vá­rios mineiros obtiveram concessões para explorar a propriedade mineral da Passagem até que em 1819 ela foi adquirida, junto com algumas concessões vizinhas, pelo Barão de Eschwege, que criou a primeira companhia mineradora do País de capital pri­vado, com o nome de Sociedade Mineralógica da Passagem, e instalou um engenho com nove pilões e moinhos para pedras, até então não usados no Brasil.

Até essa época, a exploração do ouro utilizava técnicas e ferra­mentas rudimentares na lavagem e beneficiamento do minério. Eschwege aplicou técnicas modernas para a época, dando inicio a uma profunda galeria para esgotamento de água e elaborou o primeiro plano de lavra subterrânea em Passagem. Em 1821, Eschwege deixou o Brasil e desta época em diante a propriedade passou pelas mãos de vários mineradores, ficando a exploração paralisada em alguns momentos devido à conjuntura econômica do Brasil e à baixa cotação do ouro no mercado. Atualmente, a Mina da Passagem foi transformada num complexo turístico onde os equipamentos desativados foram requalificados. Há alguns anos, a mina também passou a ser utilizada para mergulho nas galerias e túneis inundados pelas águas do lençol freático. O acesso é feito por meio de um trolley, e a estrutura é a mesma uti­lizada na época de Eschwege. A Mina da Passagem é um bom exemplo de iniciativa de valorização e utilização de minas antigas para geoturismo, o que já é bastante difundido na Europa. [Ref. 1]

As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em relação aos rejeitos gerados, as atividades de mineração, por mui­to tempo descartaram seus resíduos na natureza, em cursos d’água ou lançando­os em terrenos adjacentes, formando depósitos sem nenhuma preocupação de ordenação e sistematização. A situação no Brasil não foi diferente do resto do mundo, e a evolução deste assunto no panorama mundial pode ser percebida por um levanta­ mento feito pelo USCOLD, em 2004 [Ref.3], como descrito a seguir.

Antes do século XV, a geração de rejeitos pelas empresas de mi­neração e os impactos decorrentes de sua disposição no meio ambiente eram considerados desprezíveis. No entanto, com a introdução da força a vapor e com o aumento significativo da ca­pacidade de processamento dos minerais de interesse econômico, a geração de rejeitos aumentou significativamente e estes pre­cisavam ser removidos da área de produção, sendo então enca­minhados para algum local conveniente, geralmente próximo aos rios ou cursos d’água.

A partir do século XV, o desenvolvimento tecnológico aumen­tou ainda mais a habilidade de minerar corpos com baixo teor mineral, resultando na produção ainda maior de rejeitos, com cada vez menor granulometria. Entretanto, as práticas de dispo­sição de rejeitos permaneceram inalteradas e, como resultado, mais rejeitos estavam sendo depositados e transportados por distâncias cada vez maiores das fontes geradoras para os cursos d’água, lagos e oceanos.

Foi somente a partir do início do século XX, que os pequenos dis­tritos minerários começaram a se desenvolver, atraindo indústrias de apoio e desenvolvendo a comunidade local. Surgiram também conflitos pelo uso da terra e da água, particularmente por inte­resses agrícolas, pois os rejeitos frequentemente acumulados no solo obstruíam os poços de irrigação, além de contaminar as áreas a jusante. Os produtores rurais começaram a associar a diminui­ção da colheita nas terras impactadas aos rejeitos, e os aspectos relacionados ao uso da terra e da água conduziram os confli­tos iniciais, que abriram caminho para elaboração das primeiras legislações sobre o gerenciamento de resíduos da mineração.

Precedentes legais gradativamente trouxeram um fim à dispo­sição incontrolada de rejeitos na maioria dos países ocidentais, com o cessamento de práticas inadequadas que ocorriam até 1930. Entretanto, algumas destas práticas acontecem até hoje em muitos países em desenvolvimento.

Foi a partir da década de 30 que, para a manutenção da mineração e a mitigação dos impactos ambientais, as indústrias investiram na construção das primeiras barragens de contenção de rejeitos. As barragens construídas no início do século XIX geralmente eram projetadas transversalmente aos cursos d’água, com considerações limitadas apenas para inundações. Consequentemente, quando fortes chuvas ocorriam, poucas destas barragens permaneciam estáveis. Raramente existiam engenheiros ou critérios técnicos envolvidos nas fases de construção e de operação.

Até meados de 1930, equipamentos para movimentação de terras não eram acessíveis para a construção das barragens. Um pequeno dique era inicialmente preenchido com rejeitos hidraulicamente depo­sitados e depois incrementado por pequenas bermas. Esse procedi­ mento de construção, atualmente mecanizado, continua sendo utilizado.

Na década de 40, a disponibilidade de equipamentos de alta ca­pacidade para movimentação de terras, especialmente em minas a céu aberto, tornou possível a construção de barragens de con­tenção de rejeitos com técnicas de compactação e maior grau de segurança, de maneira similar às barragens convencionais.

O desenvolvimento da tecnologia para construção de barragens de contenção de rejeitos ocorreu de modo empírico, engrena­do pelas práticas de construção e equipamentos disponíveis em cada época. Esse desenvolvimento ocorreu ainda sem a aplicação das técnicas da engenharia de barragens.

Na diversidade das condições brasileiras, embora em algumas mi­nas sejam hoje aplicadas tecnologias disponíveis de implantação de barragens, ainda prevalece em minas de tecnologia mais rudimen­tar a construção empírica, que se desenvolveu a partir da década

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

de 30, quando o progresso na fabricação dos equipamentos de terraplenagem foi aproveitado nas operações de lavra e constru­ção de barragens, embora nem sempre fossem usados os conhe­cimentos sobre a engenharia de barragens, abordados em outras áreas como a de geração de energia elétrica.

Assim, a construção de barragens de rejeitos no Brasil teve por muitos anos aplicada a prática de utilizar os equipamentos de la­vra, com orientação técnica dos engenheiros de minas, especiali­zados nas técnicas de lavra, construindo aterros com o material estéril removidos da mina e lançados em forma de aterros, trans­versalmente aos vales, para criar volumes de retenção dos rejeitos do beneficiamento do minério, o qual se resumia a operações de britagem e peneiramento com lavagem, resultando em volumes de resíduos a serem represados pelas barragens.

Enquanto estas barragens rudimentares se resumiam a estruturas baixas e de menores volumes de represamento, as atividades eram bem sucedidas, sem grandes acidentes. Entretanto, com o progres­so das atividades de mineração e aumento da escala de operações, os problemas estruturais destas barragens passaram a representar riscos maiores e rupturas significativas começaram a ocorrer.

O progresso das tecnologias de implantação de barragens de re­jeitos foi sempre entremeado pelos acidentes com rupturas de barragens, os quais sempre foram catalisadores do progresso tec­nológico da engenharia de barragens, pela exigência da sociedade de eliminação desses desastres. Assim, na década de 50, mui­tos dos princípios fundamentais de geotecnia já eram compre­endidos e aplicados em barragens de contenção de rejeitos. Em 1965, um terremoto causou rompimento de muitas barra­gens no Chile, recebendo considerável atenção e tornou­se um fator chave na pesquisa sobre as causas das rupturas.

Na década de 70, a maioria dos aspectos técnicos (por exemplo, infiltração, liquefação e estabilidade da fundação) já eram bem entendidos e controlados pelos projetistas. Exemplos desta aplica­ção são as barragens de: Pontal, da Vale, em Itabira; Águas Claras,

da então MBR Minerações Brasileiras Reunidas, em Nova Lima; e Germano, da Samarco, em Mariana.

A partir da década de 80, os aspectos ambientais também cresceram em importância. A atenção foi amplamente voltada para estabili­dade física e econômica das barragens, considerando o potencial de dano ambiental e os mecanismos de transporte de contaminan­tes. Aspectos de estabilidade física têm permanecido na vanguar­da, por causa de recentes acidentes com barragens de rejeitos que ganharam amplo espaço na mídia, com implicações financeiras severas em muitos casos.

Numa primeira fase, o controle da segurança das barragens era basicamente orientado para a segurança estrutural e hidráulico­operacional, em que a característica básica era investir contra a causa potencial da ruptura da barragem. A regra era optar pelo controle rigoroso do projeto, construção e operação como for­ma de garantir à sociedade, em geral, e às populações residentes nos vales a jusante, uma segurança satisfatória, compatível com probabilidade de ruptura adequadamente baixa.

Posteriormente, as técnicas de observação do comportamento das barragens durante a operação vieram reforçar a necessidade do controle da segurança em longo prazo. Com o passar do tem­po, a produção de rejeitos aumentou, e as áreas para disposição se tornaram cada vez mais escassas, culminando no desenvolvi­mento dos projetos de engenharia permitindo a construção de barragens com alturas cada vez maiores. Esses projetos se torna­ram possíveis com a ampliação contínua do conhecimento e con­trole dos aspectos de segurança, tais como melhor compreensão do comportamento dos materiais, novos desenvolvimentos na ciência de mecânica do solo, introdução de equipamentos cada vez mais robustos para movimentação de terra.

Entretanto, falhas ocorrem, muitas vezes, devido à falta de aplicação adequada dos métodos conhecidos, de projetos mal elaborados, de supervisão deficiente durante a construção, ou negligência das características vitais incorporadas na fase de construção. [Ref. 2 e 3]

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A ocorrência destes acidentes tem tido grande influência na atitu­de dos profissionais de geotecnia de barragens, nas ações preven­tivas, e no estabelecimento de regulamentações específicas sobre a segurança de barragens de rejeitos, aspectos que são abordados resumidamente, em suas particularidades principais. As causas des­tes acidentes têm sido atribuídas, em grande parte, à não aplicação das tecnologias existentes, embora seja observado o aparecimento em número crescente de publicações específicas sobre barragens de rejeitos e temas correlatos, o que tem catalisado uma evolução positiva da própria tecnologia de rejeitos.

Os métodos de disposição de rejeitos têm também evoluído po­sitivamente, tanto na direção da redução do potencial de dano dos reservatórios de rejeitos, como do aumento da segurança das estruturas de contenção dos mesmos. O melhor conhecimen­to do comportamento geotécnico dos rejeitos vem permitindo implantar estruturas mais seguras.

2. Fatos relevantes na evolução recente da geotecnia de barragens de rejeitos

2.1. Rupturas e incidentes em barragens de rejeitos

A apresentação destes fatos relevantes inicia­se obrigatoriamente pelos acidentes com rupturas, muitas das quais catastróficas, que marcaram, desde os anos 70, o panorama desta área da engenharia.

Em 2001, o ICOLD (International Commission on Large Dams), publicou um boletim (Bulletin 121: “Tailings Dams, Risk of Dan-gerous Occurrences, Lessons Learnt From Practical Experiences) com o resultado de um trabalho da comissão de barragens de rejeitos que, durante cinco anos, inventariou os acidentes e incidentes ocorridos desde 1970. Participaram deste inventário represen­tantes de 52 países, que colaboraram com informações sobre acidentes e incidentes. Cerca de 400 casos foram analisados para identificar as causas principais destes eventos.

A partir dos resultados apresentados, foram preparadas as duas tabelas apresentadas a seguir. Na primeira tabela, são mostrados os acidentes com maior número de mortes, até 2001, quando esta estatística foi atualizada.

Observa­se que o Brasil comparece na tabela com dois casos: Fer­nandinho e Rio Verde.

As duas maiores catástrofes ocorridas: Stava, na Itália, e Buffa­lo Creek, nos EUA, representaram, à época dois extremos, em termos de aplicação de engenharia: Buffalo Creek era uma pilha de estéril que estava operando como dique de contenção dos rejeitos, sem qualquer engenharia de barragem. Stava foi uma barragem projetada segundo a prática corrente da engenharia, po­rém em uma situação de ocorrência de uma geologia complexa e materiais de fundação com comportamento de difícil análise, atingindo, portanto, o limite do “estado da arte” vigente à época.

Tabela 1 - Principais Acidentes com Mortes (1970-2001)

Ano

1985

1972

1970

1994

1974

1995

1986

2001

1978

Barragem / País

Stava / Itália

Buffalo Creek / USA

Mufilira / Zambia

Merriespruit/ África do Sul

Bakofeng / África do Sul

Placer / Filipinas

Fernandinho / Brasil

Rio Verde / Brasil

Arcturus / Zimbabwe

No de

mortes

269

125

89

17

12

12

7

5

1

(dados segundo ICOLD­2001)

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A segunda tabela mostra os aciden­tes, sem mortes, porém com de­ gradação ambiental significativa.

Observa­se que o Brasil compa­rece novamente na tabela, com três casos.

Esta situação não é exclusiva do Brasil, e outros países já identifi­caram as mesmas deficiências de proprietários e operadores, que falham na sua responsabilidade de adotar procedimentos gerenciais de segurança, para redução de riscos.

Várias entidades internacionais têm trabalhado para a cons­cientização dos proprietários e têm produzido excelentes contri­buições sobre a segurança das barragens de rejeitos. Alguns são citados a seguir:

O ICOLD, composto de especialistas de diversos países, pro­duziu nos últimos anos 10 boletins, em forma de recomen­dações de boa prática para projeto, construção e operação de barragens de rejeitos.

Os acidentes em barragens de rejeitos continuam insistente­mente a ocorrer no Brasil, com consequências indesejáveis para a sociedade e para o setor de mineração e indústria, como um todo. Além destes acidentes ocorrem incidentes ­ estes mais nume­rosos ­ onde não ocorre a ruptura, mas ocorre o vazamento de sólidos para jusante com conseqüências variáveis. Existem ain­da numerosos incidentes que, infelizmente, não são informados, porque os proprietários não os revelam, tirando a chance de aprendizado com suas causas.

As causas desses acidentes incluem, na grande maioria dos ca­sos, situações já resolvidas pela tecnologia disponível, e as defici­ências decorrem da não aplicação de ações voltadas a garantir a segurança de estruturas.

(dados segundo ICOLD­2001)

Tabela 2 - Acidentes Recentes com Contaminação

Ano Local Consequência

2007 Mirai / Brasil Vazamento de rejeitos de bauxita

Interrupção de fornecimento de água

2006 Mirai / Brasil Vazamento de rejeitos de bauxita

Interrupção de fornecimento de água

2003 Cataguases/ Brasil Lixívia negra liberada

Interrupção de fornecimento de água

2000 Kentucky/ Usa Mortalidade de peixes

Interrupção no fornecimento de água

2000 Romênia Contaminação das águas c/ metais pesados

2000 Romênia 100.000m³ de cianeto contaminando águas

1999 Filipinas 700.000 t. de cianeto contaminando águas

1998 Haelva/ Espanha 50.000 m³ de água ácida tóxica liberada

1998 Aznalcóllar/ Espanha 5,0 milhões de m³ de água ácida liberada

1995 Omai / Guiana 4,2 milhões de m³ de lama com cianeto

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Dentre os 10 boletins, em 2001, a comissão de barragens de rejei­tos do ICOLD publicou o boletim 121, já mencionado, onde são apresentados e analisados os acidentes e incidentes com barragens de rejeitos nos últimos anos, com recomendações sobre a melhor prática para a segurança.

O Banco Mundial, por meio do IFC (International Finance Corpora-tion), que financia o setor privado, estabeleceu requisitos mínimos de segurança que as barragens de rejeitos devem atender para receberem empréstimos daquela instituição.

A MAC (Mining Association of Canada) produziu vários trabalhos de interesse aos procedimentos de segurança de barragens para uso de seus associados.

O ICMM (International Council on Mining Metals) criou, com a colaboração do ICOLD, um website de boas práticas para a engenharia de barra­gens de rejeitos. (www.goodpracticemining.com/tailings).

No Brasil, a situação não é diferente. Embora existam algumas empresas de grande desempenho, que conhecem a necessidade de uma boa gestão da segurança, algumas empresas de menor porte, infelizmente ainda desconhecem os aspectos principais da técnica de segurança de barragens.

O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) tem incentivado debates sobre o tema de segurança de barragens, promovendo se­minários e workshops específicos e instituiu cursos de treinamento para empresas de mineração em todas as esferas hierárquicas, desde diretores até operadores de barragens de rejeitos.

2.2. Implementação de legislação e regulamentação de segurança de barragens

Os acidentes em barragens provocaram sempre reações da sociedade em todo o mundo, levando a tentativas diversas de regulamentação legal que obrigue os proprietários de barragens a tomarem providências efetivas de redução de riscos. Nos países mais desenvolvidos, como EUA, Canadá, diversos países da Europa, Austrália, África do Sul

essas ações resultaram em regulamentações sobre a segurança de barragens e esses países contam com legislação sobre o assunto.

No Brasil, entretanto, as tentativas que vêm sendo feitas há mais de trinta anos somente agora, em 2010, resultaram em uma legislação federal sobre segurança de barragens.

Embora as ações para implantação de uma legislação federal de segurança de barragens tenham já cerca de 30 anos no Brasil (basi­camente, ações do CBDB junto ao governo), somente em 2010 foi criada uma lei federal de segurança de barragens (Lei 12.334/2010).

No estado de Minas Gerais, constata­se um maior progresso na regulamentação, concentrada nas barragens de rejeitos, com forte influência da ocorrência de acidentes e da atuação dos órgãos re­guladores e fiscalizadores como o Ministério Público Estadual e a Fundação Estadual do Meio Ambiente ­ FEAM.

Após o acidente com a barragem de rejeitos da Mineração Rio Verde, em 2001, a FEAM coordenou a elaboração de regulamenta­ção específica, que foi discutida com representantes das empresas mineradoras, do corpo docente de universidades e de empresas de engenharia, e contou com consultoria especializada.

As regulamentações resultantes deste processo estão hoje nas Delibe­rações Normativas, DN 62/2002, DN 65/2003, 87/2005 e 124/2008, que podem ser consultadas pelo site da FEAM: www.feam.br.

As barragens de rejeitos em MG somente são licenciadas se aten­ derem aos requisitos das regulamentações.

2.3. A lei federal 12.334/2010, sobre a segurança de barragens

A Lei 12.334/2010 tem as características a seguir listadas. · Aplica­se às barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acu­mulação de resíduos industriais que apresentem pelo menos uma das características abaixo:

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

I ­ Altura do maciço, contada do ponto mais baixo da fundação à crista, maior ou igual a 15 m (quinze metros); II ­ Capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000 m³ (três milhões de metros cúbicos); III ­ Reservatório que contenha resíduos perigosos conforme normas técnicas aplicáveis; IV ­ Categoria de dano potencial associado, médio ou alto, em termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas humanas, conforme definido no art. 6o.

· Os fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB são:

I ­ A segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros; II ­ A população deve ser informada e estimulada a participar, direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais; III ­ O empreendedor é o responsável legal pela seguran­ça da barragem, cabendo­lhe o desenvolvimento de ações para garanti­la; IV ­ A promoção de mecanismos de participação e controle social; V ­ A segurança de uma barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e ambientais.

· Os instrumentos da Política Nacional de Segurança de Barragens são:I - O sistema de classificação de barragens por categoria de risco e por dano potencial associado; II ­ O Plano de Segurança de Barragem; III ­ O Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); IV ­ O Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente; V ­ O Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; VI ­ O Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais; VII ­ O Relatório de Segurança de Barragens.

3. Desenvolvimento de tecnologia específica sobre barragens de rejeitos Vários trabalhos têm sido publicados sobre a tecnologia de pro­jeto, construção, operação e fechamento de barragens de rejeitos. Os principais estão listados a seguir:

• C.L. Aplin e George O. Argall, Jr (Ed.). Tailing Disposal Today. Volume 1: Proceedings of the First International Symposium (1972);

• George O. Argall, Jr (Ed.). Tailing Disposal Today. Volume 2: Proceedings of the Second International Symposium. Volume 1. (1978);

• Colorado University. Proceedings: Tailings and Mine Wastes, vários anos a partir de 1978, de início como Uranium Mill Tailings Management;

• ICOLD Committee on Tailings Dams and Waste Lagoons, 10 boletins a partir de 1982;

• Vick, S. G. Planning, Design and Analysis of Tailings Dams ( 1983);

• ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), REGEO e COBRAMSEG´s; (1987 e seguintes);

• Proceedings of an International Bauxite Tailings Workshop (1992);

• ICMM site: www.goodpracticemining.com/tailings

Recentemente, a Comissão de Barragens de Rejeitos do ICOLD, concluiu o boletim Improving Tailings Dams Safety, que aborda os aspectos relevantes relacionados ao projeto, construção, opera­ção e fechamento de barragens de rejeitos, indicando as principais referências bibliográficas sobre cada um destes estágios.

A partir dos anos 80, trabalhos de pesquisa nas universidades brasileiras passaram a enfocar o comportamento dos rejeitos, em todos os aspectos de seu comportamento geotécnico, e vá­rios projetos com aplicação de novos métodos de disposição têm resultado em significativa evolução das práticas de engenharia de barragens de rejeitos.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Na área da pesquisa as universidades PUC­Rio Pontifícia Uni­versidade Católica Rio de Janeiro, UFOP Universidade Federal de Ouro Preto, UnB Universidade de Brasília e UFV Univer­sidade Federal de Viçosa, já produziram dezenas de teses so­bre o comportamento de rejeitos, com importantes contribui­ções ao conhecimento deste comportamento e possibilitando a implantação de projetos de novos métodos de disposição.

Na área de novos métodos de disposição, a de rejeitos finos com secagem e a aplicação de empilhamento drenado merecem des­taque pelas características de economia, baixo potencial de dano e benefícios ambientais que estes métodos proporcionam.

A disposição de rejeitos em pasta ainda não conseguiu superar os problemas do seu custo alto, embora tecnicamente este método seja uma solução muito favorável.

3.1. Comportamento geotécnico dos rejeitos

Nos anos anteriores à década de 70, a disposição de rejeitos era feita sem uma abordagem de engenharia adequada. Alguns projetos simplesmente lançavam os rejeitos nos cursos de água existentes, ou armazenavam os rejeitos em reservatórios cria­dos por aterros de estéril de lavra. Conforme já mencionado, após a ocorrência de grandes rupturas com mortes e grandes impactos ambientais, passou­se a considerar e, em um núme­ro crescente de casos, a aplicação da tecnologia disponível de engenharia de barragens ao problema.

No Brasil, algumas universidades passaram a dar atenção à geotecnia de disposição de rejeitos, elaborando projetos de pesquisas em co­laboração com empresas de mineração e indústria. Vários aspectos importantes têm sido pesquisados.

Nos aspectos de compressibilidade de rejeitos, para a previsão das densidades e cálculos da vida útil dos reservatórios, um grande pro­gresso foi possibilitado, pela aplicação da teoria do adensamento a grandes deformações, com os modelos de simulação de adensa­

mento por diferenças finitas, a partir dos trabalhos pioneiros do professor Robert Schiffman, na Universidade do Colorado.

Várias teses de mestrado e doutorado foram desenvolvidas sobre esse tema, inicialmente na PUC­Rio (anos 80), e posteriormente de forma mais intensa na UFOP (anos 90 e atual) e UFV, pesqui­sando as características de compressibilidade de rejeitos com uti­lização de ensaios de adensamento em laboratório (inicialmente CRD e atualmente HCT).

Estudos em laboratório sobre secagem de rejeitos (Lúcio Villar) também foram desenvolvidos.

Estudos sobre a influência da mineralogia na resistência ao cisalha­mento de rejeitos granulares, assim como de potencial de liquefação, podem ser encontrados em trabalhos produzidos pela UNB e UFOP.

Deve ser mencionado que o desenvolvimento dessas pesquisas tem sido aplicado tanto para determinação de características geo­técnicas dos rejeitos, como para aplicação de métodos de análises dos problemas de disposição.

Cerca de 50 dissertações de mestrado até o presente, foram desen­volvidas nos últimos 25 anos, abordando estas características dos rejeitos nas universidades: PUC/Rio, UNB, UFOP, UFV.

3.2. Aplicação de novos métodos de disposição de rejeitos

Os métodos mais comuns de disposição de rejeitos consideram, em geral, a polpa represada em barragem convencional (projetada como barragem para água) ou como parte do maciço do barramento, como nos casos de alteamento por linha de centro e alteamento por montante.

Os métodos de alteamento por montante e por linha de centro têm vantagens econômicas, pois apresentam redução do custo de implantação e têm o custo de construção e custo operacional distri­buído no tempo. Entretanto, têm na água dos poros do rejeito e do reservatório, o principal elemento instabilizador.

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Os novos métodos de disposição procuram reduzir o grau de satu­ração da polpa de rejeitos por meio da drenagem da água dos poros ou da evaporação. Os objetivos principais dos novos métodos de disposição são:

• Redução do custo;• Maior capacidade do reservatório;• Maior aproveitamento da água;• Aumento da segurança;• Vantagens para o fechamento;• Menor chance de contaminação.

A expressão “novos métodos de disposição” contém implícita uma expectativa de inovação na técnica de disposição. Entretanto, al­guns dos métodos hoje chamados de novos, embora contenham aspectos de desenvolvimento recente, foram iniciados há algumas décadas e vêm sendo aprimorados ao longo do tempo, de forma que inovações estão presentes em processos antigos de disposição.

Há também a expressão “métodos alternativos”, com a mesma in­tenção de diferenciar do método clássico de bombear lama de alto grau de saturação para uma barragem impermeável que retém os sólidos e a água. Este tipo de disposição é o mais utilizado, sendo que a polpa de rejeito fica retida com praticamente o mesmo grau de saturação da ocasião do bombeamento. O projeto da barragem, nestes casos, é semelhante ao de uma barragem para retenção de água.

Nos anos mais recentes, o problema da segurança das barragens de rejei­tos, assumiu uma expressão maior e vem condicionando várias escolhas na seleção de alternativas. Em conseqüência, os métodos que utilizam a disposição com menor grau de saturação dos rejeitos têm assumido maior importância por introduzirem situações de menor risco.

Na presente abordagem, o que se pretende apresentar são méto­dos que priorizam a disposição com menor grau de saturação dos rejeitos. Desta forma, quanto mais água for retirada dos rejeitos, mais vantajoso é o método.

São apresentadas aqui duas situações de projeto, envolvendo os dois tipos básicos de rejeitos: a) os que contêm uma fração expressiva de material arenoso/siltoso, com baixo teor de argila e de grande conteúdo de fração granular; e b) os que contêm maior conteúdo de material mais fino, predominando argila e silte, com fração mínima de areia.

Os dois tipos de rejeitos podem ser dispostos por métodos que retiram água dos mesmos. No caso dos rejeitos arenosos, a água é retirada por drenagem e no caso dos rejeitos argilosos a evaporação é o principal agente da retirada da água.

3.2.1. Empilhamento drenado

Neste método, ao invés de utilizar uma estrutura impermeável de barramento, adota­se uma estrutura drenante, que não retém a água livre que sai dos poros dos rejeitos, mas libera essa água através de um sistema de drenagem interna, de grande capacidade de vazão, ligada aos rejeitos do reservatório. Este método tem sido utiliza­do no Brasil, desde a década de 80, embora em poucos casos. É interessante notar que na Europa, surgiu recentemente a expres­são pervious dam para designar um “novo método”, que está sendo proposto para reduzir o potencial de dano.

Os objetivos principais do método de empilhamento drenado são:• Obter um maciço não saturado, portanto com maior estabilidade;• Obter maior densidade e, portanto, maior capacidade e vida útil;• Obter menor potencial de dano em uma eventual ruptura;• Obter maior facilidade para o fechamento e recuperação ambiental;• Aplicação segura do método de montante, com baixo risco de liquefação e de ruptura.

Além destas características, a disposição é mais econômica por tonelada de rejeito disposto.

São exemplos principais, deste método, no Brasil, as pilhas do Xin­gu (Mina de Alegria), Monjolo (Mina de Água Limpa), Pilha da Barragem do Germano, da Samarco (altura de 175,0 m), e Pilha da Cava do Germano (altura de 160 m), também da Samarco.

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Figura 1 - Empilhamento drenado após drenagem Figura 2 - Aspecto do rejeito após a drenagem

Figura 4 - Correia transportadora implantada sobre a pilha de rejeitosFigura 3 - Superfície final do talude da pilha

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Nas figuras a seguir são apresentadas fotos das pilhas da Samarco, onde duas áreas são preenchidas com pilha drenada. O dreno de base é implantado no fundo do reservatório e recebe toda a água drenada dos rejeitos, que devem ter suas características de drena­ bilidade bem estudadas previamente no projeto.

O maciço de rejeitos obtido ao final é uma pilha de material arenoso, na umidade natural, sem risco de ruptura que provoque uma onda de lama para jusante.

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Figura 6 - Lançamento de lama de bauxita no reservatório

Figura 5 - Vista geral da pilha a jusante da barragem

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Em minas de bauxita, os resíduos da lavagem do minério é tam­bém uma lama com sólidos de granulometria fina, passando na #400. O Método de Secagem pode também ser aplicado, com vantagens em relação ao bombeamento convencional de lama. A solução de projeto depende do comportamento reológico da lama, pois suas características podem inviabilizar em custo uma so­lução, devendo a escolha ser feita pela combinação do menor custo com a viabilidade da secagem com menores densidades.

A disposição com secagem apresenta diferenças em relação ao método de dry stacking de lama vermelha.

Basicamente, procura­se bombear a lama na máxima densidade bombeável com bombas centrífugas, procurando­se obter um teor de sólidos entre 30 e 35% para então ser submetido à evaporação no reservatório final.

São exemplos deste tipo de disposição os projetos da MRN, em Porto Trombetas, e da Vale, em Paragominas.

As figuras e as fotos a seguir mostram as características de seca- gem das lamas da MRN e Paragominas.

3.2.2. Disposição de rejeitos finos com secagem

O método de disposição chamado de dry stacking é antigo e muito utilizado pelas empresas de alumínio para disposição econômica de rejeitos de resíduo de produção de alumina (red mud).

Neste método o rejeito fino (em geral de granulometria passando na peneira 400) é adensado em espessadores até teores de sóli­dos elevados, acima de 50%, e bombeado para um reservatório onde sua superfície é exposta à evaporação com o teor de sólidos crescendo até valores da ordem de 80%.

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Figura 7 - Lama lançada, em processo inicial de secagem Figura 8 - Lama em estágio final de secagem

Figura 9 - Aterro construído sobre lama após a secagem Figura 10 - Teste piloto de secagem

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

4. Algumas barragens de rejeitos representativas Apresenta­se aqui um resumo das informações de duas dessas barragens: uma que pode ser considerada como o primeiro siste­ma de rejeitos implantado no Brasil, em 1944, na Mina de Morro Velho (Mina do Queiroz), em Nova Lima, Minas Gerais. A descri­

ção apresentada é do sistema em sua configuração atual. A segunda barragem aqui apresentada é a barragem do Germano, da Samarco, no município de Mariana, a qual contém a barragem de rejeitos mais alta do Brasil, atualmente com cerca de 175,0 m de altura.

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Figura 12 – Localização da planta industrial do Queiroz (AngloGold Ashanti)

Figura 11 - Sistema de disposição de rejeitos – foto aérea das instalações

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

4.1 Mina do Queiroz - Nova Lima - MG - Anglo Gold Ashanti

Este item foi redigido pelo engenheiro Murilo Amorim Costa e gentilmente cedido pela Anglo Gold Ashanti. Os dados aqui apresentados têm como base os documentos mencionados nas referências desta publicação [Ref. 4 a 8].

Localização e acessos

A Anglogold Ashanti Córrego do Sítio Mineração (AGACSM) ope­ra algumas minas e plantas metalúrgicas para beneficiamento de minério aurífero na região de Minas Gerais e Goiás. Em particular aqui, será abordado o tratamento na planta industrial do Queiroz, principal unidade em operação no Brasil (Figura 11).

A planta industrial do Queiroz está situada no Município de Nova Lima ­ MG, próximo à divisa com o Município de Raposos, em região da bacia hidrográfica do Córrego do Queiroz, afluente do Rio das Velhas (Figura 12), na região do chamado Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.

A planta metalúrgica do Queiroz possui uma área útil de 480.000 m2, incluindo, além da planta de beneficiamento industrial propriamente dita, três barragens e seis valas para disposição de rejei­tos. O acesso ao empreendimento, partindo­se de Belo Horizonte, pode ser feito pela rodovia MG­030, que liga Nova Lima a Belo Horizonte a uma distância aproximada de 30 km.

A planta possui duplo circuito, denominado Cuia­bá ­ Raposos, alimentado pelo minério sulfetado da Mina de Cuiabá, transportado por meio de um teleférico com 15 km de extensão e capacidade no­minal instalada de 830.000 toneladas de minério por ano. O concentrado do minério da Mina de Cuiabá, através das etapas de ustulação (que corresponde à

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

oxidação ou queima do minério na presença de oxigênio e tempera­tura elevada) e a hidrometalurgia (responsável pela extração do ouro contido no minério). O produto final obtido são os metais ouro e prata, e o ácido sulfúrico. A produção média mensal (2010) é de 800 kg de ouro, 60 kg de prata e 17.500 toneladas de ácido sul­fúrico. O circuito Raposos é alimentado por minérios não­sulfe­tados extraídos de minas menores do entorno de Nova Lima e está atualmente paralisado.

No circuito de Cuiabá, para a recuperação do ouro no processo industrial, foi necessário introduzir a tecnologia de ustulação. Uma vez que o processo de ustulação retém os gases de SO2, foi via­bilizada a construção de uma fábrica de ácido sulfúrico. Parte do material resultante da ustulação volta para receber o processo de cianetação, e os resíduos são encaminhados para barragem de Calcinados e valas de lama arsenical.

Histórico

A AGACSM mantém, desde o ano provável de 1944, um sistema de deposição de seus rejeitos industriais na região do vale do Queiroz.

Inicialmente, constava este de uma barragem interposta ao vale do Queiroz, à altura do antigo bairro do Galo, em Nova Lima, (denominada Barragem de Queiroz) a qual assegurou a deposi­ção dos rejeitos da Empresa até meados do ano de 1954, com a acumulação, neste período, de cerca de 2,5 x 106 m3.

A partir de 1981, este sistema foi ampliado com a construção de mais duas barragens, denominadas Rapaunha e Cocuruto, que passaram a operar no final do ano de 1982, além de uma outra, a barragem de rejeitos Calcinados, construída em 1986, de for­ma a adequar o sistema às necessidades decorrentes da expansão da Empresa (Projeto Cuiabá/ Raposos).

Essas barragens, de um modo geral, foram concebidas de forma a serem alteadas à medida em que venha a ocorrer a ocupação do seu reservatório pelos rejeitos lançados: para isso, o programa de

deposição previu uma sequência de lançamentos com os conse­ quentes alteamentos dos maciços, a saber:

­ Barragem de Cocuruto ­ capacidade total de ~4 x 106 m3

­ Barragem de Rapaunha ­ capacidade total de 17 x 106 m3

­ Barragem de Calcinados ­ capacidade de 12 x 106 m3

­ Barragem de Queiroz ­ capacidade total de 12 milhões de m³.

No momento atual, encontram­se sob utilização os reservatórios das barragens de Rapaunha e Calcinados. No futuro, exaurida a capacidade de deposição na barragem de Rapaunha, virá a ser pro­movido o alteamento da barragem de Cocuruto, o que dará vez à chamada barragem do Queiroz, o que irá capacitar aquele reservatório a um incremento de deposição de cerca de 12 x 106 m3.

A partir do ano de 1995, foram sistematicamente instituídos pro­cedimentos de gerenciamento das atividades de operação e moni­toração das barragens de rejeitos integrantes do sistema, inserindo nestes a criação de uma equipe permanente de fiscalização e controle.

Descrição do sistema

O sistema de deposição de rejeitos industriais processados pela An­gloGold Ashanti Brasil Mineração na sua Instalação de Beneficia­mento localizada no Queiroz é contido em 03 reservatórios e mais um sistema de valas fechadas, todos eles localizados no vale do Queiroz, que se situa na mesma bacia hidrográfica da planta in­dustrial do Queiroz. A operação deste sistema foi iniciada no ano de 1944, com a primitiva barragem ali existente. Hoje con­templa as seguintes unidades: barragem de rejeitos de Cocuruto, de Rapaunha, de Calcinados e o conjunto de valas de deposição de arsenato férrico (lama de gesso).

O rejeito gerado no processo de beneficiamento do minério é conduzido para tanques na unidade industrial e então bombeado para as barragens por meio de tubulações em PEAD ou aço car­bono, suportadas por estruturas metálicas por um caminhamento sempre em nível ascendente.

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Figura 13 - Seção esquemática da barragem do Rapaunha

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Na barragem do Rapaunha, que abriga os rejeitos inertes, esses são lançados na posição mais a montante possível, de tal ma­neira que a formação da praia ocorra de montante para o barra­mento, onde está posicionado o lago e o sistema de recirculação de água para aproveitamento nas operações industriais.

Na barragem de Calcinados, que abriga rejeitos não inertes, esses são lançados por meio de espigotes posicionados sobre o barra­mento, formando a partir daí a praia. Na posição a montante e mais próximo da ombreira esquerda, um lago protegido por dique é formado e o sobrenadante é bombeado para uma estação de tratamento de efluentes.

A barragem do Cocuruto, no momento, não recebe rejeitos por estar com sua capacidade volumétrica tomada. Quando de sua operação, os rejeitos eram conduzidos por gravidade por meio de canaletas construídas em concreto e lançadas tal como em Rapaunha na posição mais a montante possível.

4.1.1 Barragem do Rapaunha

A barragem de rejeitos de Rapaunha, construída a montante e simultaneamente com a barragem de Cocuruto, encontra­se no momento sem receber aporte de rejeitos, servindo apenas como reservatório de água para suprimento à planta metalúrgica. Desde a

entrada em operação da planta metalúrgica de Cuiabá, o aporte de rejeitos foi interrompido.

A barragem de rejeitos de Rapaunha situa­se no vale Queiroz, e foi concebida para que sua construção ocorresse em fases, de acordo com a necessidade de enchimento do reservatório. A capacidade total de deposição em seu reservatório é de cerca de 17 milhões de toneladas de rejeitos, aproximadamente 10 milhões de metros cúbicos, dos quais 5 milhões encontram­se ocupados por rejeitos depositados no período de 1986 até a presente data.

Sua elevação de crista encontra­se na cota 856,50 m (topo do muro de concreto, posicionado sobre a crista da barragem) e o nível d’água do reservatório na elevação 853,50 m. O final de sua vida útil está previsto para se dar até o ano de 2025, mantidas as taxas de produ­ção previstas até o momento. Após esse período, prevê­se disponi­ bilizar a barragem do Queiroz, como abordado anteriormente.

4.1.2 Barragem do Cocuruto

A barragem de Cocuruto, que consiste em um alteamento da antiga barragem da MMV, que veio a operar até o ano de 1957, teve sua construção e início de operação em meados de 1983, havendo sido utilizada até o final do ano de 1985, quando teve esgotada a sua capacidade adicional do alteamento, sendo que

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Figura 14 - Seção da barragem do Cocuruto

Figura 15 - Seção da barragem de Calcinados

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

a disposição desses rejeitos passou a ser feita no reservatório da barragem Rapaunha.

A barragem do Cocuruto tem previsão de alteamento no futu­ro, a partir de quando terá sua capacidade acrescida em aproxi­madamente 12 milhões de metros cúbicos, em conseqüência da elevação de sua crista em mais 20 m.

4.1.3 Barragem de Calcinados

A barragem de Calcinados foi construída em 1986, passando a operar desde então, destinando­se aos depósitos de rejeitos calcinados pro­cessados na planta do Queiroz. Esta barragem não descarta efluen­tes para jusante, contendo para isso dispositivos especiais que lhe asseguram a operação em regime de “circuito­fechado”, mantendo bombeamentos dos fluxos internos e do excedente da fração líquida do reservatório de retorno para a planta industrial.

O maciço original foi construído de um núcleo de aterro argiloso compactado, tendo sua crista situada na cota 830 m. A cons­trução do maciço ciclonado, utilizando como material de cons­trução o underflow da ciclonagem dos rejeitos gerados na Planta ocorreu por meio do método construtivo centerlining (linha­de­centro) até atingir a cota 846 m. A partir desta elevação, os alte­amentos passaram a ser realizados por jusante, utilizando para o alteamento material ciclonado do rejeito originário do circuito de Raposos e do Rejeito da Flotação. O alteamento da barra­gem de Calcinados, de acordo com as condições de projeto, ocorreu até a cota 860 m.

Geologia e Fundação

O maciço de fundações, excetuado seu recobrimento coluvionar e horizontes superficiais mais alterados, é relativamente homogêneo, embora anisotrópico devido à xistosidade.

Quanto às propriedades hidráulicas do solo da fundação, o mesmo apresentabaixas permeabilidades, da ordem de 10­5 cm/s, devido à presença de siltes micáceos.

Os filitos apresentam-se alterados, por vezes na forma de solo re­sidual resistente, competentes para garantir a estabilidade das fun­dações das barragens de terra, apresentandobons parâmetros de resistência à penetração.

Os filitos se apresentam menos alterados na ombreira esquerda e na região de descarga das vazões.

A área da bacia de deposição de rejeitos é caracterizada pela ocor­rência da série Rio das Velhas, com predominância de rochas do Grupo Nova Lima. Esse grupo é representado principalmente por xistos e filitos metassedimentares e metavulcanicos e, secundaria­mente, por Formação Ferrífera laminada e conglomerado de matriz xística, na forma de camadas descontínuas ou lentes de médio porte. O pacote estratigráfico do Grupo Nova Lima é local­mente cortado por diques metadiabásicos e veios de quartzo de espessura métrica, caracterizados geomorfologicamente por cristas ou cordões realçados na topografia, graças a sua maior resistência aos processos de erosão e denudação.

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

A área é recoberta por espesso manto de intemperismo, pro­veniente da alteração dos xistos metassedimentares. O perfil típico do manto de intemperismo apresenta, a partir da super­fície, uma camada de argila pouco arenosa, amarela ou mar­rom, pouco espessa, de consistência mole, uma camada de silte argiloso vermelho, pouco consistente, com espessura de poucos metros; uma camada de silte arenoso, pouco compac­to, geralmente róseo; uma camada de xisto alterado, compacto, com coloração variegada (rosa, vermelho, marrom, amarelo); e fi­nalmente o xisto são, com coloração esverdeada. A estrutura mais marcante dos xistos é a foliação, representada pelos seus planos de xistosidade, que assumem localmente direção variando de N10 a N30, com mergulhos acentuados para SE.

A margem direita do vale apresenta inclinação média, da ordem de 11º, sendo coberta por manto de intemperismo de espessu­ra de 15 a 25 metros. O perfil do subsolo apresenta basicamente uma camada superficial de argila siltosa mole, marrom ou amarela, com espessura média de 2 metros. Sobrejacente ao solo residual de xisto, constituído inicialmente por uma camada de silte argiloso de consistência média, sem estrutura preservada, passando gra­dativamente a rijo e duro com xistosidade preservada, sendo que o índice de resistência à penetração SPT cresce com a profundida­de, até ser alcançado o impenetrável, representado pela superfície de rocha alterada.

A calha do rio apresenta material impenetrável a percussão em profundidades de 5 a 15 metros – xisto alterado. Sobre esse ma­terial, ocorrem solos silto argilosos de consistência rija a média, aparecendo ainda uma camada superficial descontínua de argila sil­tosa mole. De uma maneira geral, o coeficiente de permeabilidade dos solos varia de 3 x 10­5 cm/s a 2 x 10­4 cm/s.

A margem esquerda apresenta inclinação acentuada, com trechos bastante íngremes. Existe uma camada superficial de argila, que se apresenta descontínua em face de escavações anteriormente re­alizadas na área, com espessura média de 2 m. Sob essa camada, ocorrem solos residuais de xisto, constituídos de silte argiloso de

consistência média a rija, apresentando índice de resistência à pe­netração crescente com a profundidade, até a superfície da rocha alterada. O coeficiente de permeabilidade é da ordem de 10­5 cm/s.

Monitoramento e controle do sistema

O monitoramento e o controle do sistema de contenção de rejeitos

são realizados na seguinte seqüência:

a) Inspeções periódicas de campo, onde são feitas observações superficiais nas várias estruturas que constituem o sistema de con­tenção de rejeitos;

b) Leituras sistemáticas dos instrumentos;

c) Avaliação das condições de funcionamento e/ou de segurança da estrutura, feita com base nas inspeções periódicas, nas leituras dos instrumentos, na utilização de ferramentas auxiliares como as ”cartas de risco”, entre outras, no conhecimento teórico e na experiência acumulada tanto com as atuais estruturas quanto com estruturas semelhantes;

d) Aplicação de medidas de controle, quando for o caso.

As estruturas seguintes são objeto de monitoramento e controle.

Cada uma delas é abordada de forma conveniente, em destacado,

na sequência do Manual de Operação:

Barragens de rejeitos;

Vertedouro de emergência;

Tubulação de rejeitos;

Bombas flutuantes;

Tubulação de recirculação de água;

Estação de tratamento de efluentes;

Corta­rio;

Sistema de coleta e bombeamento de água percolada;

Reservatórios das barragens.

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Figura 16 - Pontos de monitoramento ambiental

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

O monitoramento da segurança da barragem é feito utilizando­se dos seguintes tipos de instrumentos:

Marcos superficiais;

Medidor de vazão;

Régua graduada e pluviômetro;

Piezômetros e medidores de nível d’água.

Com as informações obtidas nas inspeções periódicas e na leitura dos instrumentos pode­se então avaliar a segurança da barragem para as condições de ruptura por erosão interna, cisalhamento ou galgamento.

Diante das dificuldades de detecção de problemas pela simples inspeção visual, foi preparada uma carta de risco, para avaliação do potencial de ruptura, seja por erosão interna, cisalhamento ou galgamento.

A figura 16 apresenta a localização dos pontos de monitora­ mento ambiental.

Sistema de vertimento

O sistema de disposição de rejeitos do Queiroz, constituído pelas três barragens e mais seis valas de lama, tem seu sistema extravasor, conforme adiante descrito:

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Barragem de Calcinados

É uma barragem em circuito fechado, não havendo, portanto, ver­timento de seu reservatório. A água acumulada no reservatório é encaminhada ao sistema de tratamento de efluentes por meio de bom- beamento e posteriormente conduzida à barragem do Rapaunha.

O fluxo oriundo das águas de percolação, seja pelas fundações, seja pelo maciço, é captado a jusante em poço e bombeado para o reservatório.

Barragem do Rapaunha

Esta barragem possui a missão de armazenar rejeitos e água para uso na planta metalúrgica e utiliza um vertedouro tipo poço, em seção retangular com base igual a 1,20 m e altura igual a 1,50 m, construído na ombreira esquerda da barragem.

À medida que são dispostos rejeitos no interior do reservatório, vão sendo adicionadas placas de concreto na torre de captação dessa estrutura para evitar o vertimento de rejeitos. Como foi construído contemplando o arranjo inicial, o vertedouro permite operação até quando o nível do rejeito atingir a elevação 859,0 m, garantindo uma borda livre igual a 3,0 m, suficiente para amor­tecimento de uma PMP (Precipitação Máxima Provável), sendo que está prevista a construção de outro vertedouro de superfície, para o fechamento da barragem.

Barragem do Cocuruto

O barramento é dotado de um vertedouro tipo poço, com ori­fícios verticais duplos com dimensões iguais a 2,0 m x 1,3 m e soleira na elevação 802,00 m. Muito embora haja outros orifícios inferiores a esta elevação, estes encontram­se selados por stop-logs em virtude do avanço de rejeitos.

A torre do vertedor acopla­se a uma galeria em concreto arma­do, com seção transversal igual a 2,40 m x 1,20 m e declividade igual a 2,5%, que atravessa o maciço e liga­se a uma tubulação em aço, com diâmetro igual a 1,80 m e declividade igual a 22%, responsável por lançar os vertimentos no córrego do Queiroz a jusante da barragem.

4.1.4. Valas de lama

As valas de lama não possuem sistema de vertimento, apenas drena­gem interna, que é direcionada para jusante para um poço, onde os fluxos são coletados e bombeados para a estação de tratamento de efluentes.

Ficha TécnicaPLANO DE FECHAMENTO

Com vistas no futuro, foi elaborado um plano de fechamen­to para a Planta Metalúrgica do Queiroz, incluindo o sistema de disposição de rejeitos.

Tabela 3 – Ficha Técnica das Barragens Rapaunha, Calcinados e Cocoruto

Barragem Status Volume m3 Área km2 Construção Altura m FS Drenagem Classe

Rapaunha Operação 12 x106 1,60 Aterro compactado 50,50 1, 592 Filtro vertical e tapete III

Calcinados Operação 4 x 106 0,60 Rejeito ciclonado 52 1, 628 Tapete III

Cocuruto Fechada 4,9 x 106 4,55 Aterro compactado 41 1, 560 Filtro inclinado e tapete III

FS = Fator de segurança

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388Figura 17 – Mapa com a localização da Unidade Operacional Germano

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Esse plano de fechamento é revisado periodicamente, para ade­quação da dinâmica das operações e atendimento às novas leis ambientais que venham a ser aprovadas.

Esse plano de fechamento atende também o disposto no Código Internacional de Cianeto, aos sistemas de certificações obtidos e implementados pela empresa.

4.2 Sistema de Disposição de Rejeitos do Germano Samarco Mineração S.A

Introdução

A Samarco Mineração S.A é uma empresa brasileira de mineração que extrai minério de ferro das frentes de lavra do complexo de Alegria, na Unidade Germano, em Mariana ­ MG. A empresa realiza lavra a céu aberto por meio de equipamentos móveis e por correias de banca­da, alimentando um sistema de correias transportadoras de longa distância, que levam o minério para a planta de beneficiamento.

A partir do processo de beneficiamento do minério de ferro, ex­traído pela Samarco, são gerados dois tipos de rejeitos com ca­racterísticas bastante distintas: um rejeito mais fino, denominado lama e um rejeito com granulometria mais grosseira, denominado rejeito arenoso.

Com o início de operação da segunda unidade de beneficiamento (Planta II) da Samarco, no final de 2008, houve um aumento na geração de rejeitos. Esse fato, somado à proximidade do final da vida útil do Reservatório do Germano, fez surgir a necessidade de um novo local para a disposição dos rejeitos gerados pelas duas unidades de beneficiamento (Planta I e Planta II).

Neste contexto surge o Sistema de Rejeitos do Fundão, como uma nova área para a disposição dos rejeitos granulares (arenosos) e finos (lamas), gerados pelas Plantas I e II, em um horizonte de operação de aproximadamente 9 anos. Este sistema não faz parte da presente descrição.

Na Samarco, o reaproveitamento da água utilizada no processo de beneficiamento do minério de ferro é realizado através de um sistema de recirculação com captação no reservatório da barragem do San­tarém, que está localizada a jusante dos reservatórios do Germano e do Fundão. Além da função de reservação de água, a barragem do Santarém tem como finalidade a contenção dos sedimentos provenientes destes reservatórios, localizados a montante.

A seguir estão apresentadas as informações do sistema do Ger­mano, com base nos documentos mencionados no item 6 deste capítulo [Ref. 9 a 11].

Localização do sistema

O reservatório do Germano é formado pela barragem prin­cipal, que fecha o vale no lado extremo leste, e pelos diques da Sela, Tulipa e Selinha, posicionados sobre três antigas selas

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Figura 18 - Vista geral do sistema de disposição de rejeitos da Samarco

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

montante, com uma camada de transição entre o núcleo e o enrocamento. Este dique foi construído com crista na elevação 849,5 m e altura máxima igual a 70 m. A partir daí, foram realizados altea­mentos sucessivos para montante, na medida em que se elevava o nível de rejeitos arenosos, lançados no interior do seu reservatório. Os alteamentos foram realizados através de diques de aterro com­pactado com altura variável entre 4 e 6 metros, até ser atingida a elevação 886 m.

A partir de 1993 o alteamento da barragem principal, por diques a montante junto à crista do estágio anterior, passou a ficar inviável por razões de estabilidade da barragem. Com o ob­jetivo de garantir a continuidade do lançamento dos rejeitos no reservatório, sem comprometer a estabilidade da barragem, os alteamentos sub­sequentes foram executados com afastamento entre 60 e 100 metros para montante da crista existente na elevação 886 m. A crista da barragem alcançou a elevação 899 m com aproximada­ mente 120 metros de altura.

A partir daí, o empilhamento drenado de rejeitos arenosos, a jusante da barragem do Germano, foi a alternativa adotada para postergar a implantação de uma nova área de disposição de rejeitos e me­lhorar as condições de estabilidade da barragem principal, visando a situação de fechamento.

O empilhamento de rejeitos a jusante da barra­gem principal teve início a partir de um dique de partida, construído com aterro compactado, com inclinação dos taludes igual a 1V:1,5H e crista na cota 790 m, com o ponto mais baixo das funda­ções na elevação 745,0 m. O sistema de drena­gem interna deste dique de partida consistia em

O reservatório do Germano foi formado a partir da construção da barragem Princi­pal do Germano, em 1976. A mesma entrou em operação em 1977, com a finalidade de receber os rejeitos, finos e granulares, provenientes da planta de beneficiamento de minério de ferro.

Posteriormente, com a subida do nível de rejeitos no interior do reservatório do Germano, foi necessária a construção dos diques da Sela, Tulipa e Selinha para o fechamento das três selas topográficas existentes na região nordeste do reservatório.

4.2.1 Barragem principal e empilhamento a jusante

Generalidades

A implantação da barragem do Germano foi iniciada com a construção de um dique de partida de enrocamento, impermeabilizado por um núcleo de material argiloso a

topográficas na margem nordeste do reservatório. O dique Auxiliar atravessa o reser­vatório do Germano, separando uma área do reservatório a montante e servindo de estrada de acesso para o lado norte.

A Figura 18 ilustra a configuração das estruturas, no sistema do Germano.

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390

Figura 19 – Seção transversal típica da barragem principal

do Germano com o empilhamento a jusante

Figura 20 – Foto de estrutura construída sobre o empilhamento drenado

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

um filtro inclinado no talude de montante e na crista do dique, composto por camadas de oversize fino e grosso, blocos passados em gre­lha e blocos de maior dimensão. O talude de jusante foi protegido com blocos.

A partir da construção deste dique de partida foram feitos alteamentos consecutivos para montante, a cada 5 m de altura. O núcleo dos diques é constituído por rejeito arenoso, pro­tegido na face de jusante por solo argiloso compactado Os taludes de jusante possuem inclinação igual a 1V:2H com um talude médio global igual a 1V:3H.

O sistema de drenagem interna do empilhamen­to consiste, além do dreno do dique de partida, de um dreno situado no fundo do vale, desde o dique de partida do empilhamento até o offset de jusante da barragem do Germano. No contato dos rejeitos do reservatório da Pilha a Jusante com o talude de jusante da barragem prin­cipal do Germano há um dreno interligado ao dreno de fundo.

Com este sistema de drenagem interna, o maciço de rejeitos é drenado constituindo­se, portanto, em um maciço não saturado estável e de baixo potencial de dano.

O reservatório da barragem do Germano unificará com o reservatório da barragem do Fundão na cota 920,0 m. Considerando a cota de fundação, em seu ponto mais baixo, a altura total atual é de 175,0 m.

O sistema de drenagem superficial é constituído por uma escada de descida d’água, posicionada na ombreira esquerda, disposta perpendicularmente às canaletas lon­gitudinais das bermas. O sistema será expandido à medida que os alteamentos forem sendo implantados

Na figura 19 está apresentada uma seção típica da barragem principal do Germano incluindo o empilhamento de rejeitos a jusante.

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391

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Na barragem principal do Germano foram instalados 14 piezôme­tros do tipo Casagrande, localizados no patamar da cota 886,0 m e nas bermas do talude de jusante.

Na pilha a jusante do Germano, foram instalados 6 piezômetros do tipo Casagrande.

Os piezômetros instalados na pilha de jusante indicam leitu­ras com poropressões nulas, comprovando a boa drenagem do maciço de rejeitos.

4.2.2 Dique da Sela e Dique da Tulipa

Devido à existência de duas selas topográficas na margem norte do re­servatório do Germano, foi necessária a construção de dois diques, denominados dique da Sela e dique da Tulipa, para possibilitar a continuidade do lançamento de rejeitos no interior do reservatório.

À medida que o nível de rejeitos dentro do reservatório do Germa­no foi sendo elevado foram necessários vários alteamentos, tanto do dique da Sela, quanto do dique da Tulipa.

Devido ao início de operação da segunda planta de beneficia­mento de minério de ferro da Samarco e o conseqüente aumento na geração de rejeitos, foram necessários novos alteamentos dos diques da Sela e da Tulipa.

Os maciços, em geral são constituídos em seção mista, com uti­lização de uma zona impermeável em aterro argiloso compacta­do, funcionando como núcleo, e uma zona em enrocamento no espaldar de jusante.

No final de 2010, os dois diques foram alteados pelo método de mon­tante, com crista na El.913,0 m.

Os materiais de construção disponíveis para a implantação dos maciços de alteamento dos dois diques conduziram a uma geo­metria em blocos sujos com uma faixa de material argiloso im­

Geologia e fundações

A fundação da barragem principal do Germano é composta por fili­to são, nas porções inferiores das ombreiras esquerda e direita e em todo o fundo do vale. A parte superior das ombreiras é formada por filito decomposto.

Em toda a região de fundação da barragem foi removida a camada superficial de material orgânico. Na região do fundo do córrego foram removidos blocos de rocha, matacões, areia e cascalho.

Monitoramento

O monitoramento da barragem principal do Germano consiste na leitura dos piezômetros instalados. A frequência das leituras é mensal, sendo alterada para cada 15 dias em caso de anomalias.

Ficha Técnica

Na Tabela 4 estão apresentadas as principais características da bar­ ragem principal do Germano.

Tabela 4 – Características da Barragem do Germano (maio/2008)

Dados gerais

Finalidade Contenção de rejeitos

Empresas Projetistas Bechtel / Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual

Data Conclusão ­

Cota Atual da Crista 919,0 m

Altura Atual do Maciço 169,00 m

Comprimento Atual da Crista 300,0 m

Sistema Extravasor Tipo tulipa com galeria de descarga (localizado adjacente ao dique da Tulipa)

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392

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

permeabilizante a montante. Na fundação do alteamento dos dois diques foi implantada uma base constituída de blocos sujos, apenas para dar suporte ao alteamento.

Ficha Técnica

Nas Tabelas 5 e 6 estão apresentadas as princi­pais características do dique da Sela e do dique da Tulipa, respectivamente.

Monitoramento

No dique de Sela estão instalados 3 piezômetros de Casagrande e 3 indicadores de nível de água. No dique da Tulipa estão instalados 3 piezômetros de Casagrande e 3 indicadores de nível de água.

Sistema extravasor

As condições de amortecimento das cheias, no reserva­tório do Germano, supõe a distribuição dos deflúvios nas várias sub­áreas, controladas por soleiras vertentes situadas nas seguintes posições:

a)­ no local do antigo túnel bala, a sul do reservatório do dique auxiliar; b)­ na extremidade de jusante da Baia 3, em soleira construída sobre a encosta rochosa; c)­ na área imediatamente a montante da tulipa.

O sistema extravasor construído na ocasião do alte­amento para El.910,0 m dos diques da Sela e Tulipa é composto por uma galeria ligeiramente inclinada associada a uma torre vertical, ambos em concre­to celular pré­fabricado PÁDUA e um trecho de galeria em concreto armado, conectada a um canal rápido e uma bacia de dissipação à jusante deste.

4.2.3 Dique da Selinha

Na região sudeste do reservatório do Germano, na confluência do acesso ao Empi­lhamento de Rejeitos Granulares de Germano Jusante e do acesso à mina de Fábri­ca Nova (Vale), foi verificada a existência de uma nova sela topográfica, com cota

Tabela 6 – Características do Dique da Tulipa

Dados gerais

Finalidade Contenção de rejeitos

Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz / Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído

Data Conclusão Março de 2011

Cota Atual da Crista 913,0 m

Altura Atual do Maciço 23,0 m

Comprimento Atual da Crista 375,0 m

Tabela 5 – Características do Dique da Sela

Dados gerais

Finalidade Contenção de rejeitos

Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz / Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído

Data Conclusão Março de 2011

Cota Atual da Crista 913,0 m

Altura Atual do Maciço 41,0 m

Comprimento Atual da Crista 450,0 m

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393

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

de topo posicionada na elevação 901,0 m. Dessa forma tornou­se necessário im­plantar um dique de sela nesta região, denominado dique da Selinha, simultanea­ mente aos alteamentos a serem implantados nos diques da Sela e da Tulipa.

O dique da Selinha foi construído utilizando uma seção composta por aterro compactado de material argiloso proveniente da pilha de estéril da Vale, em Fá­brica Nova. O sistema de drenagem interna é composto por tapete horizontal de areia, de aproximadamente 1,0 m de espessura, e filtro vertical de areia.

No final de 2010 a crista do dique da Selinha foi alteada pelo método de montan- te para a El.913,0 m.

Os materiais de construção disponíveis para a implantação do maciço de altea­mento do dique conduziu a uma geometria com utilização de uma faixa imper­meável de material argiloso a montante e em blocos sujos no espaldar de jusante. Na fundação do alteamento do dique foi implantada uma base constituída de blocos sujos, apenas como suporte ao alteamento. A jusante do dique foi im­plantada uma berma de blocos sujos afim dar estabilidade à estrutura alteada. A drenagem interna do dique foi prolongada nesse trecho.

Ficha técnica

Na Tabela 7 estão apresentadas as principais características do dique da Selinha.

MonitoramentoNo dique da Selinha estão instalados 4 piezômetros de Casagrande e 5 indicadores de nível de água.

4.2.4 Dique Auxiliar

O dique Auxiliar foi implantado, inicialmente para se­parar as lamas dos rejeitos arenosos, retendo as lamas na área de montante do reservatório do Germano e ficando o restante do reservatório para a descarga, atra­vés de tubulação, dos rejeitos da flotação em célula. Ao longo do tempo, o lançamento simultâneo de lamas e rejeitos arenosos, em ambos os lados do dique auxiliar, resultou em uma estrutura submersa tanto a montante como a jusante, sendo alteada sucessivamente.

Atualmente a cota da crista do dique Auxiliar está na elevação 917,50 m. Para o estabelecimento de uma borda livre, foi executado um alteamento emer­gencial de 0,50 m em julho de 2010, sendo utiliza­do laterita na sua construção. O dique não possui sistema de drenagem interna.

FICHA TéCNICA

A Tabela 8 apresenta as características gerais do dique Auxiliar.

MoNIToRAMENTo

Atualmente, encontram­se instalados e funcionando corretamente 3 indicadores de nível d’água.

ExTRAVASoR

Até dezembro de 2010 o dique Auxiliar possuía um sistema extravasor composto por três tubos ARMCO’s (Ø 1,50 m), que conectam o reservatório do dique Auxiliar ao reservatório do dique da Sela/Tulipa.

Tabela 7 – Características do Dique da Selinha

Dados gerais

Finalidade Contenção de lama

Empresas Projetistas Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído

Cota Atual da Crista 913,0 m

Altura Atual do Maciço 23,0 m

Comprimento Atual da Crista 135,0 m

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394

Figura 22 – Seção transversal típica da Cava do Germano

Figura 21 – Vista da Cava do Germano

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

material proveniente da erosão das suas paredes, sendo desenvolvido um projeto de recuperação. Esse projeto de recuperação foi divido em duas partes, denominadas de primeira e segunda fase.

O material assoreado funcionou como a fundação da pilha de re­jeitos na primeira fase de recuperação da cava. Como a fundação é em solo, tanto o dique quanto o tapete possuem camadas de transição fina junto a fundação da pilha.

O dique de partida e o tapete drenante são os principais dispositivos de drenagem interna da pilha de primeira fase. A cota de crista do dique foi projetada na elevação 950,00 m e o tapete drenante com 30,00 m de extensão e para montante, com o objetivo de manter a linha de saturação afastada do talude externo da pilha.

Em 2006 iniciou­se o empilhamento de rejeito arenoso da segunda fase da Cava do Germano, dando continuidade ao projeto de reabilitação dessa área degradada.

A pilha de rejeito atingirá a elevação 1.100 m, com superfície da funda­ção na elevação 945,00 m. A crista do dique de partida foi posicionada na elevação 955,00 m e os diques de alteamento da pilha, alteados para montante, foram projetados com suas bermas com declividade de 2% para sul, com taludes de 5,00 m de altura, 5,00 m de largura da crista e uma inclinação média de 1V:3H.

Recentemente, foram instalados mais quatro ARMCO’s (Ø 1,00 m) com o intuito de melhorar a eficiência de extravasão desse reserva­tório. Além disso, vislumbra­se a possibilidade de implantação de um canal trapezoidal em enrocamento, com base menor de 5,0 m, taludes 1V:1H e 2,50 m de altura em substituição aos três tubos ARMCO’s (Ø 1,50 m).

4.2.5 Cava do Germano

A Cava do Germano é uma antiga área de lavra, exaurida no final da década de 80. A partir dessa época a cava passou a ser assoreada pelo

Tabela 8 – Características do Dique Auxiliar

Dados gerais

Finalidade Contenção de rejeitos

Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz /

Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.917,5 m concluído

Cota Atual da Crista 917,50 m

Altura Atual do Maciço 37,50 m

Comprimento Atual da Crista 820,0 m

Sistema Extravasor 3 tubos ARMCO’s Ø 1,50 m e 4 tubos

ARMCO’s Ø 1,00 m

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C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

O sistema de drenagem interna é constituído de tapete drenan­te associado a drenos de fundo e por um dique de partida com paramento de montante drenante.O sistema de drenagem su­perficial do talude de jusante da pilha é composto por canaletas e escadas em concreto estrutural.

Ficha técnica

As principais informações da Cava do Germano estão apresentadas na Tabela 9.

Monitoramento

O monitoramento na Cava é realizado através de instrumentos insta­lados sendo dez piezômetros do tipo Casagrande e dois indicadores de nível de água.

Sistema extravasor

O sistema extravasor é composto por tubo flauta acoplado a uma galeria de concreto posicionada na parede direita da cava (sul).

AgradecimentosAgradecemos à Pimenta de Ávila Consultoria Ltda a utilização de informações de seu arquivo técnico e a preparação dos textos aqui publicados.

Referências1­ Azevedo, U. R. Patrimônio Geológico e Geoconservação no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais; Potencial Para Criação de Um Geoparque da UNESCO. Tese de Doutorado, UFMG, 2007.

2- Anderson Pires Duarte. Classificação das Barragens de Contenção de Rejeitos de Mineração e de Resíduos Industriais no Estado de Minas Gerais em Relação ao Potencial de Risco. UFMG, 2008.

3­ UNITED STATES COMMITTEE ON LARGE DAMS – USCOLD. Tailings Dams Incidents. 2004. 82p. Disponível em: http://www.icold.br.

4­ Manual de Operações do Sistema de Rejeitos da Planta Metalúrgica do Queiroz, Revisão ano 2009.

5­ MMVREPAA­ Estudo de Operação dos Reservatórios das Barragens de Calcinados, Rapaunha e Cocuruto da CMEC, Julho /2002.

6­ RT­039­5133­1310­0007­00­B ­ Estudos de Descomissionamento das Barragens de Rejeitos da Área da Planta do Queiroz, da Golder Associates, de Setembro de 2004.

7­ G3­PR­13­0017/79­ Bacia de Acumulação de Rejeitos, Barragem do Queiroz, Relatório Final de Estudos Geológico­Geotécnicos, Geotécnica de Maio de 1980.

8­ PI­PR­130005/78­ Bacia de Acumulação de Rejeitos, Barragem do Queiroz, Programa Preliminar de Estudos Geológico­Geotécnicos, da Geotécnica de Novembro de 1978.

9­ Pimenta de Ávila Consultoria. SA­410­LT­22349­00 ­ Laudo Técnico de Segurança de Barragem – Barragem do Germano. Setembro de 2010.

10­ Pimenta de Ávila Consultoria. SA­901­RL­4596­0C – Sistema de Rejeitos – Rejeito Arenoso – “Manual de Operação da Barragem do Germano”. Dezembro de 2003.

11­ Pimenta de Ávila Consultoria. SA­410­RL­22801­0C ­ Avaliação do Trânsito de Cheias nos Reservatórios da Barragem do Germano –

Atualização Base Topográfica – Dezembro 2010. Março de 2011.

Tabela 9 – Características da Cava do Germano

Dados geraisFinalidade Empilhamento de rejeito arenosoEmpresas Projetistas Pimenta de Ávila Consultoria LtdaEtapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluídoData Conclusão Março de 2011Cota Atual da Crista 992,0 mAltura Atual do Maciço 54,0 mComprimento Atual da Crista 325,0 mSistema Extravasor Tubo flauta conectado a uma galeria de concreto

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397

Homero André dos Santos Teixeira

Evolução do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil

Para abordar o tema do licenciamento ambiental de barragens no Brasil, é preciso lançar um olhar histórico sobre a questão do meio ambiente como um todo e situá-lo no contexto político do País.

As primeiras manifestações de preocupação com o meio ambiente podem ser identificadas na convocação, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que veio a realizar-se em Estocolmo, em junho de 1972. Dessa Conferência, participaram representantes de 113 países e de cerca de 250 orga-nizações não-governamentais e o seu foco de atenção principal foi a constatação de que a ação do homem vinha produzindo severa degradação da natureza, criando condições de grande risco para a própria sobrevivência da humanidade. Nesse evento, ficou patente a divisão de enfoque entre os representantes de países desenvolvi-dos e de países em desenvolvimento. Os primeiros externaram suas preocupações com os danos impostos ao ambiente pelo modelo de desenvolvimento predatório por eles próprios empreendido, ao mesmo tempo em que os demais não queriam que se impusessem limitações ao seu próprio desenvolvimento. Como resultados, fo-ram definidos vários tópicos que requeriam atenção urgente e ações

em larga escala, como suprimento de água, poluição de mares e oceanos e ocupação urbana desordenada. Além desses temas, foram identificados como prioritários a necessidade de compreensão e controle das modificações ambientais produzidas pela humani-dade nos principais sistemas ecológicos; a necessidade de acelerar a disseminação de tecnologias ambientalmente amigáveis e de desenvolver tecnologias alternativas àquelas danosas ao meio am-biente; a necessidade de somente aceitar a introdução de novas tecnologias após a avaliação das consequências de sua utilização sobre o ambiente; a necessidade de encorajar a distribuição inter-nacional da capacidade industrial; e a necessidade de prestar assistência a países em desenvolvimento, de forma a minimizar os riscos ambientais de suas estratégias de desenvolvimento. O dia 5 de junho de 1972, quando foi realizada a primeira plenária dessa Con-ferência, ficou estabelecido como o Dia Mundial do Meio Ambiente.

O Brasil, em 1972, vivia sob um regime ditatorial, com plena domi-nância estatal dos investimentos em grandes obras públicas, em que se incluíam as barragens, predominantemente com o objetivo de formação de reservatórios para geração de energia elétrica. O Gover-no impunha a sua vontade e, à custa de endividamento externo, uma significativa quantidade de usinas hidroelétricas teve sua construção iniciada na década de 70, entre elas, as mais destacadas: usina hidroelé-trica Itaipu e usina hidroelétrica Tucuruí. Apesar de, àquela época, não haver exigência legal de licenciamento ambiental, as empresas do cha-mado setor elétrico de então (FURNAS, ELETRONORTE, CHESF, ELETROSUL, do Sistema ELETROBRAS, e as principais geradoras estaduais como CEMIG, CESP, COPEL e CEEE, além da ITAIPU

Evolução do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

O canal da Piracema de Itaipu, via fluvial para migração de peixes, com cerca de 10 km de extensão e desnível médio de 120 m, conecta o lago de Itaipu ao rio Paraná aproveitando em seu trecho inferior o leito natural do rio Bela Vista. Em primeiro plano o lago de Itaipu e a tomada de água do canal, em seguida o canal para peixes e mais abaixo o lago e a represa. A jusante do lago, mas não visível na foto, foi construído o canal de águas bravas, utilizado para competições esportiva desaguando no rio Bela Vista (foto Caio Francisco Coronel)

Page 403: A historia das_barragens_no_brasil

398

BINACIONAL) já demonstravam alguma consciência da importância do componente ambiental em seus empreendimentos. Esse despertar para o meio ambiente foi iniciado pelos problemas de conflitos de reassentamentos de populações desalojadas pela formação de reser-vatórios e pela necessidade de compatibilizar a eventual explotação de recursos minerais em áreas alagáveis antes de sua inundação.

Com o início do aproveitamento de potenciais hidrelétricos na Região Amazônica, o tratamento das questões ligadas aos povos indígenas foi, também, abordado. Iniciativas anteriores de preser-vação ambiental, ligadas principalmente à qualidade da água e à introdução de peixes em reservatórios, bem como o reflorestamento de suas margens, já eram objeto de ações das empresas do Setor Elétrico desde a década de 60.

A implantação da usina hidroelétrica Tucuruí, com um reservatório da ordem de 2.430 km2, em um bioma sensível – Floresta Amazônica, des-pertou nos responsáveis pelo empreendimento a certeza de que ações de diagnóstico dos meios físico e biótico, avaliação de impactos a mon-tante e a jusante da barragem e monitoramento ambiental, seriam indispensáveis para o sucesso do projeto. Assim, a ELETRONORTE

criou, em 1976, uma Divisão de Ecologia que passou a concentrar as atividades ligadas ao meio ambiente. Simultaneamente, contratou o ecólogo Robert Goodland, conceituado profissional ligado ao Cary Arboretum of the New York Botanical Garden, que já havia prestado con-sultoria para FURNAS, CEMIG e ITAIPU, para elaborar um relatório diagnóstico da problemática ambiental relativa à implantação da usina hidroelétrica Tucuruí e recomendar ações para minimizar os potenciais impactos ambientais identificados. O ecólogo Goodland, na companhia de profissionais da ELETRONORTE, realizou vá-rias campanhas de campo na região e apresentou, em setembro de 1977, o relatório Environmental Assessment of the Tucuruí Hydroelectric Project, Rio Tocantins, Amazônia (Avaliação ambiental do aproveita-mento hidroelétrico de Tucuruí – Rio Tocantins). A partir desse relatório, a ELETRONORTE, que já vinha enfrentando a pro-blemática ambiental, continuou ações ambientais sistematizadas em nove subprojetos, que abrangeram estudos a montante e a ju-sante da barragem. Essas ações desenvolvidas entre 1978 e 1984, quando do enchimento do reservatório, culminaram na denomi-nada Operação Curupira, que teve por objetivo promover o salva-mento do maior número possível de indivíduos da fauna silvestre, para soltura em áreas protegidas ou aproveitamento científico.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Consultor ambiental Robert Goodland (à direita) junto com Rupert Spearman (Ieco-Elc) na primeira inspeção a Itaipu em 1972

Consultor de meio ambiente Robert Goodland em 2011

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399

Na implantação da usina hidroelétrica Itaipu, cujo fechamento do desvio e enchimento do reservatório ocorreu em 1982, também foi realizada operação de salvamento de animais silvestres, com resgate de 36.450 indivíduos.

Somente nove anos após a realização da Conferência de Estocolmo é que surge, no Brasil, a primeira lei que trata, de forma integrada, da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA (Lei 6.938, de 31.08.81). Em seu Art. 2º, esta lei estabelece:

“A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, conside-rando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessaria-mente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar ; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas represen-tativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a edu-cação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.”

Já o Art. 4º. define que a PNMA visa:

“I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a pr eser vação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

II - à definição de áreas prioritárias de ação govername tal relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Ter ritórios e dos Municípios; III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orien-tadas para o uso racional de recursos ambientais; V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contri-buição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

E o inciso IV do Art. 9º., define que são instrumentos da PNMA “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou poten-cialmente poluidoras”.

A Lei 6.938, portanto, encampa os resultados da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Hu-mano e estabelece, pela primeira vez no Brasil, a instituição do licenciamento ambiental de atividades efetiva ou poten-cialmente poluidoras.

No entanto, somente em 17.02.86, já restabelecida a democracia no Brasil, é publicada no Diário Oficial da União - DOU a Re-solução CONAMA no. 01, que dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental, e define no Art. 2º. que: “Dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Am-biental - EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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.... VII – Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragens para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, ....”. Nasce, assim, o licenciamento ambiental de barragens no Brasil.

A mesma Resolução CONAMA no. 01/86 determina que o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo RIMA devam ser analisados pelo órgão estadual competente, ou pela SEMA ou, quando cou-ber, pelo município, que terá prazo para essa análise, sem, contudo estabelece-lo. Define, também, que o RIMA deverá ser dado a público e que os órgãos públicos que manifestarem interesse, ou tiverem relação direta com o projeto, receberão cópia, para conhecimento e manifestação. Determina, ainda, que esses órgãos públicos e demais interessados deverão ter prazo para se manifestarem, uma vez mais não o estabelecendo. O órgão estadu-al competente, a SEMA ou, quando couber, o município, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de Audiência Públi-ca para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA. A realização de Audiências Públicas, no pro-cesso de licenciamento ambiental, embora tenha sido objeto da Resolução CONAMA no. 09, de 03.12.87, só veio a se tornar efetiva quando de sua publicação no DOU, em 05.07.90.

Na mesma data de publicação da Resolução CONAMA no. 01/86, o DOU publicou a Resolução CONAMA no. 06/86, que dispõe sobre a aprovação de modelos para publicação de pedidos de licenciamento. Em 19.12.1997, foi promulgada a Resolução CONAMA no. 237, que dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, que estabelece a exigência de licenciamento para barragens e diques.

O setor elétrico, responsável por considerável quantidade de bar-ragens em operação, construção e projeto nas décadas de 70 e 80 do século passado, e alinhado com as preocupações com o meio ambiente, liderou uma série de ações que, além de demonstrarem a importância atribuída ao tema, tinham em foco o licenciamento dos empreendimentos, cuja regulamentação se apresentava, ainda, bastante inconsistente. Assim, em junho de 1986, foi publica-

do o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos, elaborado por um grupo de trabalho constituído por profissionais de empresas do setor, coordenado pela Eletrobras, manual esse previsto para ser revisado em 1991, em decorrência da evolução esperada para o assunto.

Em novembro de 1986, a ELETROBRAS publicou o primeiro Plano Diretor para Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico (I PDMA), que propôs uma po-lítica socioambiental para o Setor, baseando-a em quatro diretrizes: viabilidade ambiental; inserção regional; articulação interinstitucional e com a sociedade; e eficácia gerencial. Esse documento orienta-va a forma de conduzir o Setor sob a égide das diretrizes que o norteavam, apresentando, também, uma análise dos empreendimen-tos considerados de maior impacto social e ambiental e propunha medidas mitigadoras e compensatórias.

Imediatamente após a publicação do I PDMA, foi criado, em dezembro de 1986, o Comitê Consultivo de Meio Ambiente da ELETROBRAS – CCMA. Esse Comitê, composto por técnicos de notório saber nas áreas social e ambiental, sem vínculos com o setor, prestou assessoria à alta direção da ELETROBRAS, analisando os aspectos de suas especialidades, diagnosticando problemas e propondo soluções.

Com o objetivo de organizar a estrutura gerencial e executiva para o trato da temática ambiental, a ELETROBRAS criou, em fevereiro de 1987, uma Divisão de Meio Ambiente ligada ao Departamento de Estudos Energéticos. Essa Divisão tornou-se, pela sua importância, em agosto de 1989, o Departamento de Meio Ambiente – DEMA.

Apesar de o número de barragens para outros fins, com predomi-nância daquelas para abastecimento de água (açudes), representar cerca de duas vezes o das barragens para geração de energia elétri-ca, pela sua importância e estruturação por concessionárias estatais, foi o setor elétrico que comandou as ações para estruturar o seu processo de licenciamento ambiental. O esforço de um trabalho conjunto de representantes das principais empresas do setor elétrico, do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE,

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da Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA e de órgãos am-bientais estaduais resultou na elaboração e publicação da Resolução CONAMA no. 06, de 16.09.87, publicada no DOU em 22.10.87. Essa resolução, cuja ementa informa que dispõe sobre o licencia-mento ambiental de obras do setor de geração de energia elétrica, no entanto, abrange também obras de transmissão. Para as barragens, essa resolução é um marco histórico, pois pela primeira vez os tipos de licenças são correlacionados a etapas de desenvolvimento do empreendimento (Licença Prévia – LP; Licença de Instalação – LI e Licença de Operação – LO), estabelecendo os documentos neces-sários a cada solicitação, destacando-se o Estudo de Impacto Am-biental e o RIMA para a LP e o Projeto Básico Ambiental para a LI. Ficou também estabelecido que o órgão ambiental competente definirá, resguardado o disposto na Resolução CONAMA no. 01/86, o conteúdo, a abrangência e a profundidade dos estu-dos ambientais, bem como o nível de detalhe dos programas do Projeto Básico Ambiental. Resguardou-se, contudo, a possibilidade de o empreendedor debater essas exigências, o que hoje se denomina discussão do Termo de Referência - TR.

A partir do estabelecimento das exigências de produção de estudos e projetos ambientais para o licenciamento de barragens e outras atividades consideradas “modificadoras do meio ambiente”, foi desencadeado um processo de formação de equipes técnicas multi-disciplinares em empresas de consultoria e nas empresas e autarquias estatais, bem como nos próprios órgãos ambientais licenciadores.

O estabelecimento das diretrizes da Resolução CONAMA no. 06/87 não tornou, contudo, o licenciamento ambiental de barragens uma questão simples e pacífica. Os mais variados diplomas legais de proteção ambiental, que devem ser consi-derados na elaboração dos estudos ambientais e formam um elenco legislativo de grande porte, em que se incluem, entre outros, o Código de Águas (Decreto 24.643, de 10.07.34); a organização do patrimônio histórico e artístico nacional, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN (Decreto-Lei 25, de 30.11.37), hoje IPHAN; o Código Florestal (Lei 4.771, de 15.09.65 e suas modificações); a Lei de

Proteção à Fauna (Lei 5.197, de 03.01.67 e suas modificações); a criação do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (Decreto-Lei 289, de 28.02.67); a criação da Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Lei 5.371, de 05.12.67); a criação do Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (Decreto-Lei 1.110, de 09.07.70); a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (Decreto-Lei 73.030, de 30.10.73); a Lei de Criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (Lei 6.902, de 27.04.81 e suas modificações); a promulgação da lei que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico (Lei 7.347, de 24.07.85); a criação da Fundação Cultural Palmares – FCP (Lei 7.668, de 22.08.88), etc.

O aprendizado das partes envolvidas no processo de licenciamento ambiental de barragens vem sendo paulatino, cada vez mais com a presença de atores que são determinantes para o sucesso, ou não, de cada processo individualmente. Destacam-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, cria-do pela Lei 7.735, de 22.02.89, que absorveu as atribuições do IBDF, da SEMA, da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE e da Superintendência da Borracha – SUDHEVEA; os Órgãos Estaduais do Meio Ambiente – OEMAs; a FUNAI; o IPHAN; a FCP e o Ministério Público, conforme atribuições constantes da Constituição Federal de 1988 (Art. 127 a Art. 130).

Em 1996, foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei 9.427, de 26.12.96), diploma que também disciplinou o regime de concessões de serviços públicos de energia elétrica. Essa lei particularizou, para o setor elétrico, o que determina a Lei 8.987, de 13.02.95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos. As empresas estatais de água e energia perdem a exclusividade de receber concessões e os agentes privados entram em cena. A modificação do marco regulatório das concessões vem alterando, desde a promulgação dessas leis, os trâmites e a respon-sabilidade pela obtenção das licenças ambientais. É de ressaltar que essa modificação é marcante para as barragens para fins de

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geração hidroelétrica, não tendo sofrido alterações para barragens de outras finalidades.

Em 04.12.98, a Resolução Normativa ANEEL no. 395, que trata dos procedimentos gerais para registro e aprovação de Estudos de Viabilidade e Projeto Básico de empreendimentos de geração hidroelétrica, assim como autorização para exploração de Centrais Hidroelétricas até 30 MW, estabelece que a obtenção do licencia-mento ambiental pertinente é de responsabilidade do interessado. (Art. 12, inciso IV). Esse requisito se aplicava tanto para em-preendimentos a serem colocados em licitação (Usinas Hidro-elétricas) quanto àqueles com características de Pequena Cen-tral Hidroelétrica. Essa Resolução, que permite a apresentação de mais de um estudo ou projeto para uma única usina hidroelétrica ou PCH, implica o licenciamento ambiental do mesmo objeto por mais de um interessado, com evidente desperdício de recursos, tanto dos empreendedores quanto dos analistas dos órgãos ambientais. Essa situação perdura, para PCHs, conforme disposto na Resolução Nor-mativa no. 343, de 09.12.08. Tem-se conhecimento que a ANEEL está estudando uma modificação nas diretrizes de apresentação de projetos para permitir que apenas um empreendedor autorizado seja o responsável pelo licenciamento ambiental.

Com a criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, pela Lei 10.847, de 15.03.04, passou a ser de sua competência, con-forme inciso VI do Art. 4º. “obter a licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica necessárias às licitações envolvendo empreendimentos de geração de energia elétrica e de transmissão de ener-gia elétrica, selecionados pela EPE”. Essa determinação está sen-do seguida para a licitação de concessões de geração hidroe-létrica, garantindo ao empreendedor a certeza da viabilidade ambiental do empreendimento, expressa pela LP, embora lhe caiba a obtenção das demais licenças ambientais, a LI e a LO.

Historicamente, mesmo antes da existência de legislação referente ao licenciamento ambiental de barragens, os principais problemas ligados aos potenciais impactos dessas obras se focavam em aspec-tos ambientais ligados aos meios físico, biótico e antrópico. Eles

estão ligados à remoção de populações das áreas dos reservatórios; às interferências com populações indígenas, com comunidades quilombolas, com sítios arqueológicos, paleontológicos e espele-ológicos e com áreas de preservação ambiental, em especial as de proteção integral; à proteção da flora nativa e da fauna silvestre e à preservação da qualidade dos recursos hídricos.

Os aspectos ambientais mais importantes atrás mencionados es-tão diretamente ligados ao processo de licenciamento, tendo sido, ao longo dos anos, desde a publicação da Resolução CONAMA no. 01/86, objeto de legislação elaborada por diversas entidades que interferem diretamente no grau de detalhamento do Estudo de Im-pacto Ambiental, do Projeto Básico Ambiental e dos Relatórios de Acompanhamento da Implantação dos Programas Ambientais, ne-cessários, respectivamente à emissão da LP, da LI e da LO para cada empreendimento. Essa legislação, obviamente, cria, cada vez mais, incrementos de prazos e custos para a obtenção das licenças ambientais, especialmente para as barragens que formam reservatórios.

A remoção e o reassentamento de populações para implantação de reservatórios de barragens vêm sendo feitos mediante acordos dos em-preendedores (públicos ou privados) com os atingidos, geralmente por meio de desapropriação por utilidade pública. Nas décadas de 1970 e 1980, quando da implantação de grandes barragens e imensos reserva-tórios (usinas hidroelétricas Tucuruí, Itaipu, Sobradinho, Itaparica, Ita e Machadinho) construídos por empresas estatais, muitas remoções foram feitas para novas vilas ou cidades, implantadas, em geral, às margens dos lagos formados. É dessa época a fundação do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, organização que mi-lita pelos direitos dos afetados pelas barragens, sendo hoje muito atuante e geradora de dificuldades nos processos de licenciamento ambiental, com voz presente, especialmente, em audiências públicas.

Os problemas de interferências com aldeias e terras indígenas vêm sendo, a cada dia, um complicador no processo de licenciamento. Mesmo não havendo interferência direta com essas unidades, a FUNAI, que se manifesta necessariamente na análise do Estudo de Impacto Ambiental, tem feito exigências de estudos etnoecológi-

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cos dos grupos indígenas que se encontram, muitas vezes, a mais de 20 km de distância da barragem e seu reservatório e que não se-riam, em qualquer hipótese, submetidos a qualquer tipo de impacto. Mesmo após estudos antropológicos conclusivos, realizados em atenção ao Termo de Referência específico, que provam não haver impacto, tem havido imposição de “compensações”, que oneram o empreendedor e que são motivo de atraso no licenciamento.

As comunidades remanescentes de quilombos, que são passíveis de autorreconhecimento, são amparadas pelo disposto no Decreto 4.887, de 20.11.03, que regulamenta o procedimento para identi-ficação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas. A Fundação Cultural Palmares tem necessariamente que ser ou-vida no processo de licenciamento, havendo sempre o risco de existir algum processo de autorreconhecimento em andamento e isso não ser informado na consulta prévia que as consultoras costumam fazer na fase inicial de elaboração do EIA. Esse tipo de omissão pode acarretar atraso no processo, ou até inviabilizar um empreendimento.

O patrimônio arqueológico é protegido, sendo obrigatória, para inclu-são no Estudo de Impacto Ambiental, a realização de diagnóstico das Áreas de Influência da barragem, independente de seu porte, para a obtenção da LP. Mesmo não havendo evidências da existência de vestígios arqueológicos relatada no Diagnóstico Arqueológico, para a obtenção da LI é requerida a realização de Prospecção Arqueológica que, caso identifique algum vestígio, deverá promover o seu salvamento e deposição em instituição de pesquisa, bem como desenvolver um Programa de Educação Patrimonial a ser implantado nas comunidades próximas ao achado. Para a realização dos trabalhos de arqueologia, deve-se obedecer ao disposto nas Portarias SPHAN no. 07, de 15.12.88 e IPHAN no. 230, de 17.12.02, que dispõem sobre os procedimentos para obtenção de licenças ambientais referentes à apreciação e acom-panhamento das pesquisas arqueológicas no País. Para a realização dos trabalhos de arqueologia é necessário submeter ao IPHAN um pro-jeto de pesquisa que, uma vez autorizado, gera uma Portaria específica para o arqueólogo responsável, cujos serviços só podem ser iniciados

após a publicação da mesma no DOU. Devido à falta de quadros técnicos, o IPHAN vem atrasando a análise dos projetos de pesquisa, com o atraso na emissão das Portarias e, também, a aprovação dos seus rela-tórios, para fins de liberação das LP e LI. Esses procedimentos oneram e atrasam o processo de licenciamento ambiental das barragens.

O patrimônio paleontológico é protegido, desde 1942, mediante o Decreto-Lei 4.146. A implantação de barragens e reservatórios, em áreas cujas rochas apresentem potencial paleontológico, requer a identificação e o resgate dos fósseis.

A proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no ter-ritório nacional foi estabelecida pelo Decreto 99.556, de 01.10.90, que, praticamente, inviabilizava a implantação de empreendimen-tos em regiões dotadas de cavernas naturais. Depois de muita discussão, com a edição do Decreto 6.640, de 07.11.08, foi de-finido que deveriam ser criados critérios de relevância para a classificação das cavidades naturais subterrâneas e a possibilidade de implantar empreendimentos em áreas em que elas ocorram, exceto nas de relevância máxima, desde que sejam implementas medidas e compensações. Com esse Decreto, que modificou a redação do anterior Decreto 99.556, passou a ser possível a convivência de barragens e outros empreendimentos com a proteção às cavidades naturais subterrâneas. A definição dos critérios para estabelecimento da relevância das cavidades na-turais subterrâneas foi feita através da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente no. 2, de 20.08.09.

A proteção do patrimônio espeleológico, considerando-o dentro do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos, foi regulada, inicialmente, pela Resolução CONAMA no. 347, de 10.09.04. Essa Resolução institui o Cadastro Nacional de Infor-mações Espeleológicas – CANIE, a cargo do IBAMA, definindo, em seu Art. 4º., que “a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencial-mente poluidores ou degradadores do patrimônio espeleológico ou de sua área de influência dependerão de prévio licenciamento pelo órgão ambiental competente, nos termos da legislação vigente”.

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O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC foi estabelecido pela Lei 9.985, de 18.07.00, regulamentada pelo Decreto 4.340, de 22.08.02. De acordo com seu “Art. 4o o SNUC tem os seguintes objetivos:

I - contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;III - contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;IV - promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;V - promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável be-leza cênica;VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;XIII - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimen-to e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.”

No apoio às Unidades de Conservação de Proteção Integral, a chamada Lei do SNUC estabelece:

“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreen-dimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empre-endedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade

de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”

Como houve muita discussão quanto aos critérios de cálculo da compensação financeira, depois de várias determinações exaradas em Resoluções do CONAMA para o tema (Resolução CONAMA no. 10/87 e Resolução CONAMA no. 2/96), o assunto está finalmente regulado pela Resolução CONAMA no. 371, de 05.04.06.

Outra limitação à implantação de barragens e outros empreendimentos é a que define critérios de distância para proteção do entorno de Unida-des de Conservação, como definido na Lei do SNUC, em seu “Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Par-ticular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.” Essa zona de amortecimen-to foi estipulada na Resolução CONAMA no. 13, de 06.12.90, em 10 quilômetros. Essa distância foi estabelecida sem qualquer critério de avaliação de impactos ambientais. Essa Resolução, finalmente, em 17.12.10, foi revogada, passando o assunto a ser regulado pela Reso-lução CONAMA no. 428, que estabeleceu critérios para definição das distâncias a serem consideradas para as zonas de amortecimento, que caíram para 3 km no caso de empreendimentos sujeitos a elaboração de EIAe RIMA e para 2 km para os de reduzido impacto ambiental.

A proteção da fauna silvestre é um tema que passou a ser encarado com extremo rigor no âmbito do licenciamento ambiental de bar-ragens. A Instrução Normativa do MMA no. 146, de 11.01.07, estabeleceu, para qualquer empreendimento, a obrigatoriedade de realizar diagnósticos da fauna, com captura, coleta, transporte e exposição de grupos da fauna, abrangendo mamíferos, aves, répteis e peixes. Esses diagnósticos só podem ser realizados mediante autorização do IBAMA, requerendo-se, para tal, a execução de um processo dispendioso e demorado. Essa IN veio sendo aplicada, indistintamente, a qualquer tipo de empreendimento, embora o seu espírito original fosse de que deveria ser aplicada a barragens formadoras de reservatórios. A Portaria Normativa do MMA no.10, de 22.05.09, restringiu a sua aplicação a empreendimentos de geração hidroelétrica, ou seja, a barragens com essa finalidade.

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Finalmente, cabe mencionar a Resolução CONAMA no.279, de 27.06.01, que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental simplifi-cado de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental. Essa Resolução vem sendo aplicada, principalmente, às PCHs com pequenas barragens e reservatórios. Ela instituiu o Relatório Ambiental Simplificado – RAS, como elemento base para a concessão da LP e Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais – RDPA para a solicitação da LI. Em substituição à Audiência Pública, essa Resolução introduz a Reunião Técnica Informativa – RTI, que, hoje, é exigida por praticamente todos os órgãos ambientais licenciadores, em atenção a ações do Ministério Público. O processo de licenciamento simplificado não desobriga, no entanto, a consideração de todos os aspectos ambientais atrás mencionados, como as manifestações da FUNAI, da FCP e do IPHAN, bem como da avaliação fundamentada dos impactos sobre o patrimônio paleontológico e espeleológico e as Unidades de Conservação, bem como sobre a fauna silvestre.

Pelo exposto, verifica-se que a evolução do licenciamento ambiental de barragens no Brasil é um tema complexo e, nem sempre, se pode dizer que a “evolução” tenha um sentido de aprimoramento. A legis-lação aplicável é vasta, os órgãos ambientais sofrem de falta de pessoal qualificado para analisar os estudos ambientais que são apresentados para instruir os processos de licenciamento, muitas vezes esses de qua-lidade duvidosa, posto que com o aumento da demanda, o mercado de consultoria ambiental cresceu, nem sempre atendendo aos requisitos exigíveis. Os prazos constantes dos diplomas legais não são cumpridos, em geral, pelos órgãos licenciadores, tornando os processos demora-dos e, consequentemente, caros. Os analistas tendem a se resguardar, exigindo, para a concessão das licenças, detalhamentos incompatíveis com o porte dos empreendimentos e, por receio de ação do Ministério Público que, praticamente, intervém na maioria dos processos como guardião da lei, elaboram pareceres sobre estruturas de pequeno porte semelhantes aos aplicáveis a grandes barragens.

O processo é penoso, restando às partes envolvidas, empreendedores, consultores ambientais, analistas dos órgãos licenciadores, demais instituições intervenientes e à sociedade civil, promoverem cons-tante troca de experiências no sentido de que o licenciamento sofra, efetivamente, uma evolução sustentável.

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Deslocamentos horizontais máximos para jusante(períodos de inverno)

Itaipu - uma barragem densamente monitorada com elevado nível de segurança. Figuras selecionadas dos resultados da instrumentação

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Ciro Humes

A Evolução da Legislação Aplicada às Barragens

“A História prova que se as barragens não fossem construídas,

não haveria desenvolvimento humano. Existem aproximadamente

45.000 grandes barragens ao redor do mundo servindo a

sociedade por meio do fornecimento de água para uso doméstico,

industrial e irrigação, gerando energia elétrica e controlando

enchentes”. III World Water Fórum (Kyoto, 2003).

1. IntroduçãoObras de tamanha importância devem ter a sua segurança geren-ciada ao longo de toda a sua vida. A ruptura de barragens é uma hipótese pouco provável e de baixíssima probabilidade de ocorrên-cia quando os aspectos de projeto, construção e operação desses empreendimentos são tratados com seriedade. Todavia, o imenso potencial de perdas de vida, danos ambientais e conseqüências de elevado valor econômico decorrentes de uma eventual ruptura, deixa claro a grande responsabilidade das concessionárias e pro-prietárias quanto à preservação da segurança das barragens, assim como levanta a importância do papel da Comunidade Técnica e dos pertinentes órgãos governamentais no sentido de minimizar a possibilidade da ocorrência de eventos desta natureza.

O Comitê Brasileiro de Barragens sempre esteve atento à neces-sidade da implantação de uma política e de uma legislação que tratassem do aspecto de segurança de barragens. Neste capítulo será resumidamente apresentada a atuação do CBDB na evolução dos aspectos ligados à implantação de uma política de segurança de barragens no Brasil, que seguramente contribuirá para reduzir os riscos de acidentes nas nossas barragens, empreendimentos que tem papel relevante no desenvolvimento do nosso país.

2. Histórico da legislação sobre segurança de barragens2.1 Panorama internacional

O ICOLD (International Commission on Large Dams) sempre esteve preocupado com a segurança de barragens, tendo atuado neste campo com a formação de diversos comitês, edição de boletins e organização de congressos, seminários e cursos.

Durante o Congresso Internacional de Grandes Barragens, promo-vido pelo ICOLD em 1979, em Nova Delhi, foi decidido investir maiores esforços no âmbito de segurança em função de: diversos incidentes em barragens, com graves conseqüências ocorridas na época; aumento nas dimensões das novas barragens e envelheci-mento de uma quantidade apreciável de outras; além do incremen-to da quantidade de barragens sendo construídas em países com pouca ou nenhuma experiência em engenharia de barragens.

Dentre as diversas publicações do ICOLD relacionadas à segurança de barragens, destacam-se: “Lessons from Dams Incidents” (1974), “Au-tomated Observations for Safety Control of Dams” (1982), “Deterioration

A Evolução da Legislação Aplicada às Barragens

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of Dams and Reservoirs” (1983), “Dam Safety Guidelines” (1987), “Dam Monitoring-General Considerations” (1988), “Inspection of Dams Following Earthquake” (1988), “Monitoring of Dams and Their Founda-tions” (1989), “Dam Failures Statistical Analysis” (1995), “Dams less than 30 m high – Cost Savings and Safety Improvements” (1998), “Rehabilitation of Dams and Appurtenant Works – State of the Art and Case Histories” (2000), “Risk Assessment in Dams Safety Management - A Reconnaissance of Benefits, Methods and Current Applications” (2005).

Nos Estados Unidos da América, na década de 70, em um intervalo de cinco anos, as rupturas das barragens de Buffalo Creek (cau-sando 125 mortes e enormes prejuízos materiais) e Canyon Lake, em 1972, Kelley Barnes (causando 39 mortes) e Teton (causando 14 mortes e danos avaliados em um bilhão de dólares), em 1976, contribuíram decisivamente para uma revisão geral da legislação para a segurança e inspeção de barragens no país.

Entre as iniciativas adotadas pelo governo americano figuram:

Lei autorizando o U.S. Army Corps of Engineers a inventariar e inspecionar barragens não federais (1972);

Revisão de critérios de segurança, coordenação centrali-zada de programas de segurança de barragens, revisão dos procedimentos adotados por agências federais (1977) por junta de consultores independentes;

Ordem presidencial para que o Guia de Segurança de Barragens fosse aplicado e que suas conclusões fossem encaminha-das à nova agência FEMA (Federal Emergency Management Agency), organizada em 1979;

Publicação do Water Resources Development Act, autori-zando o financiamento federal a programas estaduais de segurança de barragens (1986);

Aprovação do National Dam Safety Act e respectivas dotações orçamentárias (1997).

Além da FEMA, foram criados outros dois organismos encar-regados de desenvolver, supervisionar e divulgar a segurança de barragens: o ICODS (Interagency Committee on Dam Safety) e a

ASDSO (Association of State Dam Safety Officiais). Um terceiro órgão, a FERC (Federal Energy Regulatory Commission) também atua na área, principalmente no tocante aos planos de ações emergenciais em barragens.

Em Portugal foi promulgado, em 1990, o decreto-lei sobre o “Re-gulamento de Segurança de Barragens”, para que as barragens existentes passassem a aplicar as imposições do regulamento. Entre estas imposições pode-se destacar:

Designação dos responsáveis pela segurança englobando o go-verno (representado pela Direção Geral dos Recursos Naturais), o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Serviço Nacional de Proteção Civil, a Comissão de Segurança de Barragens e o proprietário da obra;

Constituição de um plano de observação e sua adaptação quando necessário, obrigatoriamente a cada 20 anos;

Inspeções periódicas por meio da autoridade competente.

No Canadá, em 1980, o Comitê de Segurança de Barragens do Canadian National Commitee on Large Dams, verificou que a legislação de todas as províncias e territórios era genérica e continha poucos artigos específicos sobre programas de segurança e moni-toramento. A partir desta constatação foi dada maior ênfase aos aspectos de segurança, tendo sido preparado o Dam Safety Guidelines em 1995, revisado em 1997.

Na Suécia o controle de construção e manutenção é regido pelo Water Rights Act de 1918. Foi organizado um serviço especial de inspeção de barragens pertencentes aos “State Power Board” que passou a inspecioná-las com especialistas, em intervalos pré-fixados. Os mesmos procedimentos foram seguidos pelas companhias as-sociadas à Swedish Power Association. A legislação sobre recursos hídricos foi reformulada no início da década de 80, passando as autoridades municipais a arcar com a responsabilidade pela supervisão, inspeção e eventuais medidas a serem tomadas junto aos proprietários das barragens.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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A Noruega adotou, formalmente, através de decreto real de 1980, o Regulamento para Planejamento, Construção e Operação de Barragens, que editou em 1992 o Projeto Norueguês de Segurança de Barragens que estabelece responsabilidade e respectivos impactos, bem como enfoca a segurança durante a operação e aborda aspectos técnicos.

A Finlândia editou, em 1994, o Dam Safety Code of Pratice obrigando que o mesmo fosse obedecido em conjunto com o Dam Safety Act e o Dam Safety Decree, ambos de 1984.

A Inglaterra possui várias barragens muito antigas e a ruptura de algumas delas deu origem a uma legislação especifica sobre segu-rança de barragens, em 1930. Outras rupturas ocorreram no início da década de 70 dando ensejo a mudanças legais, propostas em 1975, que se mostraram eficazes.

Em 1982, a Itália editou um decreto aplicável e barragens com altura superior a 10 m e reservatórios com capacidade superior a 100.000 m3, onde são indicadas as responsabilidades que envolvem os diversos organismos nas várias fases de um empreendimento.

2.2 Histórico da segurança de barragens no Brasil e o papel do CBDB

Os fatos mostram que as demandas por programas de segurança de barragens ocorrem principalmente após a ocorrência de acidentes de vulto.

Especificamente no Estado de São Paulo, logo após os aci-dentes ocorridos com as barragens de Euclides da Cunha e Armando de Salles Oliveira, em 1977, foi emitido o Decreto nº. 10752 dispondo sobre segurança das barragens no Estado e recomendando auditorias técnicas permanentes. Entretanto, como não houve a regulamentação deste decreto, ele nunca foi implementado.

A Constituição do Estado de São Paulo aborda de maneira indireta o assunto ao se referir, no art. nº. 210, quanto à garantia de segu- rança e saúde pública, quando de eventos hidrológicos indesejáveis.

O mesmo nível de abordagem consta da Lei 7663 que esta-belece normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos. Alguns trechos de certos artigos podem ser aplicáveis à segurança de barragens e ao seu funcionamento adequado, tais como os que dizem que: o Estado assegurará meios fi-nanceiros e institucionais para “defesa contra eventos hidrológicos c r í t i c o s , q u e o f e r e ç a m r i s c o s à s a úd e e s e g u r an ç a p úb l i -ca, assim como prejuízos econômicos e sociais, o Estado realizará pr ogramas conjuntos com os Munic íp ios mediante convênios . . . com vis ta a . . . implantação de s i s temas de aler ta e de f esa c i v i l para garantir a segurança e a saúde pública, quando de eventos h idr o lóg i cos indese jáve i s , o Estado . . .ar t i cu lará com a União, outr os Estados viz inhos e Municípios, atuação para apr ovei ta-mento e controle dos recursos hídricos em seu território ... com vistas... a c on t r o l e d e che ia s, a pr e v en ção de inundaçõ e s, e d r enagem e à correta utilização das várzeas”.

O CBDB, na época CBGB: Comitê Brasileiro de Grandes Barra-gens, seguindo a tendência mundial da década de 70, editou em 1979 e 1983 as Diretrizes para a Inspeção e Avaliação da Seguran-ça de Barragens em Operação. Posteriormente, em 1986, editou as Recomendações para a Formulação e Verificação de Critérios e Procedimentos de Segurança de Barragens, em 1995 o Cadas-tro Brasileiro de Deterioração de Barragens e Reservatórios e, em 1996, Auscultação e Instrumentação de Barragens no Brasil. Estas publicações, elaboradas por comissões do CBGB, foram muito importantes para nortear os procedimentos de segurança adotados por algumas organizações brasileiras.

O Ministério de Minas e Energia, através da Portaria nº. 739, de 1988, criou um grupo de trabalho com o objetivo de normalizar procedimentos preventivos e de manutenção voltados à segurança

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das diversas barragens existentes. Coordenado pela Eletrobras o grupo publicou em 1987 a publicação Avaliação da Segurança de Barragens Existentes que é uma tradução do Manual SEED (Safety Evaluation of Existing Dams) do Bureau of Reclama-tion dos Estados Unidos da América. Também concluiu, em 1989, um relatório que abordou entre outros aspectos importantes: estabelecimento de mecanismo de monitoração e da instrumentação; definição da periodicidade de inspeção; procedimentos gerais a se-rem seguidos em casos de acidentes; definição das responsabilidades pela execução das ações.

O relatório previa a criação de uma Sub-Comissão de Segurança de Barragens, a instalação de um Cadastro Nacional de Barragens e a caracterização do potencial de risco de cada barragem.

Em 1996 o CBGB, através da Comissão de Deterioração e Reabilitação de Barragens, elaborou minuta de Portaria do Ministério de Minas e Energia, estabelecendo as diretrizes para a avaliação da segurança das barragens e propondo a criação do Conselho Nacional de Segurança de Barragens (CNSB). Este instrumento previa que o CNSB providenciaria a redação de um Regulamento de Segurança de Barragens e Reservatórios e na etapa seguinte seria responsável pela supervisão da correta aplicação deste regulamento.

Este documento foi apresentado para debate no XXII Seminário de Grandes Barragens realizado na cidade de São Paulo e posteriormente foi consolidado com as sugestões recebi-das de vários associados e encaminhado para a análise do DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elé-trica, hoje ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica), órgão do Ministério de Minas e Energia, o qual não conseguiu dar prosseguimento a esta proposta do CBDB.

Outra importante iniciativa do CBDB, por meio do Núcleo Regional de São Paulo, foi a elaboração do Guia Básico de Segurança de Barragens pela sua Comissão de Segurança.

Este guia foi desenvolvido com base no Canadian Dam Safety Guidelines com a incorporação da cultura e experiência nacional. Ele foi apresentado à nossa comunidade no XXIII Seminário Nacional de Grandes Barragens que aconteceu em Belo Horizonte em 1999.

Em 2003, novamente confirma-se que a demanda por programas de segurança de barragens ocorrem principalmente após a ocor-rência de acidentes de vulto. Neste ano ocorreu a ruptura de uma barragem de rejeitos situada no rio Pombas no município de Cataguases no Estado de Minas Gerais. Este acidente espalhou resíduos no rio Paraíba do Sul e causou graves danos ao meio am-biente e à sociedade, deixando uma vasta população sem água nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Após este acidente o Deputado Leonardo Monteiro propôs o projeto de lei (PLC-168) com foco na Segurança de Barra-gens. Nesta ocasião O CBDB deslumbrou a oportunidade de suportar tecnicamente a implantação desta lei, com base nos diversos trabalhos pertinentes já desenvolvidos. Foi realiza-do um processo de aproximação e apoio a esta iniciativa, com apoio de outras entidades como a ABMS (Associação Bra-sileira de Mecânica dos Solos) e com o apoio importante da ANA (Agência Nacional de Águas).

Este projeto passou pelas Comissões de Minas e Energia, Meio Ambiente e Constituição e Justiça. Neste momento o deputado Leonardo Monteiro, coordenador do projeto de lei, aceitou o substitutivo proposto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, elaborado com participação do CBDB.

Encaminhado para o Senado, o projeto de lei passou pelas comis-sões do Meio Ambiente e Infraestrutura, de onde saiu aprovado em março de 2010 e recebeu a sanção presidencial em 21/09/2010 que conferiu ao projeto de lei, cujo relator foi o deputado Arnaldo Jardim, a uniformidade e a posição de lei que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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3. Considerações finais

A atuação do CBDB na área de segurança de barragens, promo-vendo o debate deste tema nos seus seminários e simpósios, por meio de publicação de documentos técnicos consistentes e atu-ando firmemente para a criação de uma legislação específica, foi relevante e fundamental para que após uma luta de décadas uma lei sobre segurança de barragens fosse promulgada.

Vale registrar que a caminhada ainda não está finalizada, pois falta a regulamentação da lei. O CBDB continuará atento para que a concretização da legislação que cria uma política de Segurança de Barragens seja efetivada.

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Figura 1 - Ferdinand M.G. Budweg. Precursor das atividades sobre implantação de legislação aplicada a barragens no Brasil

Figura 2 - Fábio De Gennaro Castro, coordenador da Comissão Técnica de Segurança de Barragens do CBDB e membro do Comitê de Segurança de

Barragens da CIGB

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Centros de Pesquisas Tecnológicas Aplicadas a Barragens - Introdução

A história das barragens brasileiras contempla os centros de pesquisas que foram, na sua maioria, implantados a partir da década de 1950, devido à necessidade de se ter um apoio tecno-lógico para o desenvolvimento dos estudos, dos projetos e das construções de barragens.

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), que tra-balhava desde 1938 em investigações geotécnicas para a construção de barragens e obras de terra de um modo geral, teve as suas insta-lações ampliadas visando a atender o desenvolvimento de ensaios e pesquisas que permitiram subsidiar principalmente os grandes pro-jetos de aproveitamentos hidrelétricos construídos pela Companhia Energética de São Paulo (CESP) bem como várias obras no país.

O Departamento de Águas e Energia de São Paulo (DAEE) em convênio com a Universidade de São Paulo (USP) implantou um importante laboratório de hidráulica, hoje denominado Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) que, complementado pelo Laboratório CESP de Engenharia Civil (LCEC), localizado junto à hidroelétrica de Ilha Solteira, desenvolveram praticamente todos os estudos em modelo reduzido das usinas da CESP.

Os laboratórios de hidráulica experimental foram surgindo para atender à exigência da ampliação do setor elétrico no Sudeste Bra-sileiro. Dentre eles, o Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito SA (Hidroesb) que teve sua origem no Escritório Saturnino de Brito

Filho, sendo o responsável pelos estudos em modelo reduzido da Usina de Furnas, tornando-se um laboratório de grande impor-tância nacional a partir de 1965. Em 1983, Furnas implantou no Rio de Janeiro, junto à subestação de Jacarepaguá, seu Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos (LAHE), dando continuidade aos estudos em modelo reduzido das hidroelétricas da empresa, que estavam sendo estudadas pelo Hidroesb.

Pela necessidade de se ter um grande desenvolvimento na área tec-nológica de concreto massa, mecânica dos solos e mecânica das rochas, Furnas agrupou em Goiânia os seus laboratórios em um moderno centro de pesquisas (DCT) e passou a atender os pro-jetos e construções das barragens de Furnas, prestando, também, serviços a outras empresas do setor elétrico.

No sul do país, o laboratório, Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) do Rio Grande do Sul, ficou mais dedicado ao desenvolvi-mento de pesquisas no campo da hidráulica experimental. O Centro de Estudos e Pesquisas de Hidráulica e Hidrologia (CEPHH), posteriormente denominado Centro de Hidráulica e Hidrologia professor Parigot de Souza, (CEHPAR), desenvolveu importan-tes estudos para as Companhia Paranaense de Energia (COPEL). Dentre os vários estudos realizados em modelo reduzido des-tacam-se os ensaios para a hidroelétrica de Itaipu. A seguir, es-tão apresentados os textos específicos dos centros de pesquisas: CEHPAR, Furnas (DCT e LAHE), Hidroesb, IPH, IPT e LCEC.

Centros de Pesquisas Tecnológicas Aplicadas a Barragens - Introdução

Erton Carvalho

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CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho

André Luiz Tonso Fabiani e José Junji Ota

IntroduçãoEm 14 de março de 1959 o Centro de Estudos e Pesquisas de Hidráulica e Hidrologia CEPHH passou a existir legalmente com a aprovação do seu primeiro estatuto. Teve como fundadores o Catedrático da Cadeira de Hidráulica Teórica e Aplicada, professor Pedro Viriato Parigot de Souza, que posteriormente foi Presidente da COPEL e Governador do Estado do Paraná e seu assistente professor Isaac Milder grande idealista que mais tarde veio a presidir a SERETE e a MILDER KAISER. Desde então, o Centro de Hidráulica conta com uma história de mais de 50 anos, com preocupação universitária permanente de seus membros, realizando trabalhos considerados úteis à sociedade e ainda respei- tando os limites do mercado das empresas de engenharia.

Antes mesmo da inauguração do Centro Politécnico, o CEPHH iniciou suas atividades dentro do Campus Universitário, com mostra a Figura 1. As atividades de Hidrologia também começaram logo em seguida e a Divisão de Hidrologia tem uma história de muitas realizações, mas o presente texto enfoca basicamente o caminho percorrido pelo laboratório de Hidráulica.

O Centro passou a ser chamado de Centro de Hidráulica e Hidro-logia professor Parigot de Souza - CEHPAR em julho de 1973, em homenagem ao seu fundador que faleceu enquanto Governador do Estado. Na época, estavam sendo estudadas em modelos redu-zidos as obras de Salto Osório e São Simão. Os estudos das usina hidroelétrica Itaipu e Foz do Areia estavam para se iniciar.

Em todo o processo é indiscutível a importância que teve o professor Nelson Pinto, diretor do Centro por quase trinta anos, com uma liderança inquestionável. Cabe a ele o mérito do Laboratório ter conquistado o reconhecimento internacional. Outra grande personagem foi o professor Sinildo Neidert, respon-sável pela implantação do trabalho sério, preciso e eficiente no La-boratório de Hidráulica. Em 1976 o Centro passou a ser administrado pela Companhia Paranaense de Energia – COPEL, fruto do convênio

CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho

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Figura 1 – Primeiro modelo em operação no Centro Politécnico da UFPR, no CEHPAR, em 1961.

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entre a Universidade Federal do Paraná e a empresa de energia. Nos anos setenta o CEHPAR teve um considerável avanço, por exemplo, na consolidação da metodologia para os estudos de fechamento de grandes rios com a construção de ensecadeiras em água corrente, como mostrado na Figura 2.

Os estudos sobre aeração de fluxos de altas velocidades para evitar cavitação em descarregadores de cheias se desenvolveram nos anos setenta e oitenta; a Figura 3 apresenta estudos de aeração para Foz do Areia.

No Seminário CEHPAR 30 anos, houve quem afirmasse que “o Centro de Hidráulica jamais teve uma fase de baixa”. De fato, até aquela data o laboratório vinha mantendo um ritmo acelerado de sucessos. O convênio com a COPEL foi bastante favorável ao Centro pois tornou os salários dos funcionários mais competitivos, eliminando o risco da perda dos seus seletos e treinados profissionais para o mercado externo; deu estabilidade ao emprego dos engenheiros e técnicos do laboratório. O convênio garantiu também a existência

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 – Fechamento do Rio Uruguai para a construção da usina hidroelétrica Itá.

Figura 3 – Testes em modelo reduzido escala 1:8 do aerador da usina hidroelétrica Foz do Areia.

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de trabalhos de modelos reduzidos das usinas da COPEL que estavam em acelerado processo de projeto e de construção no rio Iguaçu, como Foz do Areia e Segredo.

A Universidade teve o seu retorno com o aperfeiçoamento do seu quadro de docentes do Departamento de Hidráulica e Sa-neamento e dos seus estudantes através de estágios. Havia até quem dissesse que os estudantes deveriam pagar para es-tagiar no Centro pois sempre foi um invejável treinamento reservado a poucos selecionados entre os bons alunos do cur-so de engenharia civil. O curso de pós-graduação em engenha-ria hidráulica foi criado em 1986 e patrocinado pelo CEHPAR que colocou seus engenheiros à disposição do curso, tanto para ministrar aulas como para administrar o curso. O laboratório e a oficina foram também disponibilizados para se desen-volver pesquisas na área de Hidráulica. O CEHPAR trouxe vários professores, da Inglaterra, Estados Unidos, França e Holanda para o curso de mestrado.

Entretanto o Brasil estava em recessão em termos de construção de hidroelétricas desde 1982 (ano do enchimento do reservatório de Itaipu), período negro que se estenderia até a virada do milênio. Nesse período o CEHPAR teve a satisfação de ver lançado dois de seus grandes líderes a serviço da Diretoria da COPEL, os profes-sores Francisco Gomide e Sinildo Neidert que deixaram as che-fias das Divisões de Hidrologia e de Hidráulica, respectivamente. Ficaram nas chefias os professores Marcos Tozzi (Hidráulica) e Heinz Fill (Hidrologia) até suas aposentadorias em 1999.

O Seminário 30 anos do CEHPAR, realizado nos dias 24 e 25 de novembro de 1989, reuniu 108 pessoas inscritas e se desenvol-veu em grande estilo, com palestras de professores estrangeiros (Maurice Bouvard da França e Vujica Yevjevich dos Estados Unidos). O aniversário de 40 anos, que nem teve uma comemoração formal, foi dos mais difíceis para o Centro, pois o Governo Estadual estava prestes a privatizar a própria COPEL e o processo começou pelos laboratórios que hoje compõem o LACTEC – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento. A Universidade não pôde

assumir o CEHPAR e, seguindo a própria orientação do Reitor da época, professor Carlos Roberto Antunes dos Santos, em maio de 2000 o CEHPAR passou a ser administrado pelo LACTEC, uma associa-ção civil, de direito privado, auto-sustentável e sem fins lucrativos que também nasceu da privatização dos laboratórios da COPEL e da Universidade. A passagem do CEHPAR da COPEL para o LACTEC foi gerenciada pelo engenheiro Ralph Carvalho Groszewi-cz que soube conduzir a transição com muita habilidade e paciência. O LACTEC é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que provê seus recursos através da venda de projetos de pesquisa e desenvolvimento e outros serviços tecnológicos.

Nos primeiros anos da privatização o período era de muitas difi-culdades para o setor de construção de usinas e o CEHPAR teve que buscar outra forma de garantir o caráter de auto-sustentabili-dade. Nesse aspecto, os projetos de pesquisa e desenvolvimento, conhecidos como P&D ANEEL foram essenciais. Projetos da ELETRONORTE, CHESF, COPEL, CERJ e CEB foram desen-volvidos com muito empenho e eficiência na Divisão de Hidráulica. Brilhou aqui o caráter universitário do CEHPAR que jamais limitou suas atividades aos estudos em modelo reduzido e procurou sempre investir e dar um passo a mais para desenvolver conhecimentos. Mesmo nesse período difícil, o laboratório investiu na formação dos seus engenheiros, incentivando a realizar seus cursos pós-graduação. O Centro sempre apoiou a formação de seus engenheiros - dos 33 en-genheiros que trabalharam na Divisão de Hidráulica, 30 tiveram algum tipo de apoio para a sua formação no seu mestrado ou doutorado.

Aos poucos o CEHPAR começou a ser procurado para realizar estudos hidráulicos de várias obras brasileiras (Itapebi, São João, São José, Castro Alves, 14 de Julho) e estrangeiras. Com a vinda do modelo reduzido de Paute Mazar, uma obra importante do Equador, o laboratório começou a recuperar o seu ânimo. Ironica-mente, o aquecimento do mercado trouxe também alguns proble-mas. Os engenheiros do Laboratório começaram a ser procurados por empresas que ofereciam melhores oportunidades e salários. Se não fosse a competência dos que os substituíram, o laborató-rio poderia ter entrado em colapso. Por uma época, o CEHPAR

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passou a ter mais estudos de obras estrangeiras do que brasileiras (Palomino da República Dominicana, Cambambe da Angola, Gibe III da Etiópia, Ituango da Colômbia) até o início dos estudos para a usina hidroelétrica Belo Monte. Hoje o labo-ratório está bastante ativo, com seus funcionários trabalhando com bastante otimismo. Lista-se a seguir, uma série de estudos que relatam os passos da Divisão de Hidráulica do CEHPAR.

Primeiros estudos do Laboratório de Hidráulica e estudos sobre erosão ao redor de pilares de pontes

Segundo o que consta nos anais do Seminário CEHPAR 30 anos,

o primeiro projeto do Laboratório de Hidráulica foi um trabalho

singelo, mas com objetivo bem claro, o de estudar em modelo

hidráulico as condições de assoreamento na tomada de água da Termo-

elétrica de Figueira. Esta foi uma iniciativa do engenheiro Leão Schul-

man, Presidente da Central Elétrica de Figueira S.A. – UTELFA que

apoiou os primeiros passos do CEHPAR. O Professor Nelson

Pinto, recém retornado dos EUA, realizou ensaios com fundo

móvel utilizando serragem de imbuia peneirada e tratada para

realizar estudos sobre erosão ao redor de pilares de pontes. Ainda

hoje, o Centro utiliza essa técnica para reproduzir o aluvião em

modelo reduzido, como pode ser visto na Figura 4, que mostra o

fechamento do rio na usina hidroelétrica Itapebi.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 – Teste de fechamento na usina hidroelétrica Itapebi, com representação de aluvião

Figura 5 – Modelo de Salto Grande do Iguaçu, mostrando, da esquerda para a direita os professores Sinildo Hermes Neidert, Pedro Viriato Parigot de Souza e Nelson Luiz de Sousa Pinto, o engenheiro Octavio Marcondes Ferraz (na época da usina e depois presidente da Eletrobras) e um técnico do Laboratório

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A usina de Capivari-Cachoeira, construída na década de sessenta

(1963-1970), constituiu a primeira experiência concreta de par-

ticipação no desenvolvimento e otimização de um projeto de

grande porte. Os estudos em modelo incluíram a descarga de

fundo e o vertedouro, a chaminé de equilíbrio com câmara

de expansão, o sistema de restituição das águas das turbinas

Pelton ao túnel de fuga, e a estrutura de dissipação de energia

na restituição ao rio Cachoeira. Os estudos da hidroelétrica

Capivari-Cachoeira marcaram o início das relações do Centro com o

engenheiro Maurice Bouvard, de Grenoble, que não só orientou o

desenvolvimento geral desse projeto como participou em diversas

atividades didáticas promovidas pelo CEHPAR. Foram importantes

os estudos para Salto Grande do Iguaçu (estudos de vórtices na

tomada de água) e de Mourão, acumulando conhecimentos para que

fossem confiados, na seqüência, os estudos de grandes obras do

rio Iguaçu. A Figura 5 apresenta uma visita do representante da

empresa de Salto Grande do Iguaçu ao modelo, onde pode-se ver

ainda os professores Parigot de Souza, Nelson Pinto e Sinildo

Neidert, no início da década de 1960.

Estudos hidráulicos de Salto Osório e São Simão

A hidroelétrica de Salto Osório é uma grande obra do rio Iguaçu,

cujos estudos se desenvolveram no começo dos anos setenta.

Um dos modelos foi implantado no interior do pavilhão com es-

trutura em madeira com grande vão, um prédio que merece ser

visitado. A reprodução do leito, uma região de corredeira e cacho-

eira foi feita de forma muito minuciosa numa época em que não

se dispunham de técnicas eletrônicas de levantamento e de registro

de imagens. O relevo do modelo foi feito com fitas de aço nivela-

das segundo as curvas de nível. Hoje o Centro executa com seções

transversais de Duratex. A técnica de construção de modelos de es-

truturas com acrílico estava sendo consolidada na época, mas ainda

foi usado muito cedro nas partes importantes das estruturas. Nessa

época, o CEHPAR enviou o seu engenheiro Sinildo Neidert para

aperfeiçoamento na Alemanha.

A contratação do Centro para os estudos para a hidroelétrica de São Simão em 1971 foi um marco que levou o CEHPAR para além dos limites do Estado do Paraná. O modelo contribuiu com a definição do esquema de desvio que era sofisticado. O labo-ratório fez também estudos sobre vórtice na tomada de água, caracterização do vertedouro e erosão da rocha a jusante do vertedouro com material coesivo.

Estudos hidráulicos para o aproveitamento hidroelétrico de Itaipu

Itaipu foi um marco importante para o setor elétrico e foi sem dúvida um ponto alto para o CEHPAR. Dirigido pelo professor Sinildo Neidert, um grupo de engenheiros e bem intencionados técnicos começaram seus trabalhos em 1972 para a maior obra hidroelétrica do mundo. Um pavilhão de 70 m por 50 m em estrutura metálica foi construído especialmente para abrigar o grande modelo. Foi instalado um novo sistema de recalque, capaz de circular 1000 l/s. Essas construções podem ser vistas na Figura 6. O custo dessas instalações foi financiado pela COPEL e pago posteriormente pelos trabalhos realizados pelo CEHPAR. Foram cinco modelos reduzidos. O primeiro modelo foi desti-nado ao estudo do desvio, desde a verificação do grande canal, da estrutura das comportas até dos detalhes da construção das ensecadeiras. Havia também uma preocupação com a ponte que tinha seus pilares fixados dentro do canal. O fechamento do rio foi feito em avanços simultâneos de quatro pré-ensecadeiras, duas para a ensecadeira de montante e duas para a de jusante. Testes de fechamento requeriam um controle dinâmico das pon-tas de aterro com medições de níveis de água e de velocidades do escoamento, analisando-se a estabilidade do enrocamento a cada deposição de material. Os ensaios dinâmicos foram feitos de maneira ininterrupta, com duração de três dias. Como havia uma camada de sedimentos na região, a construção das pré-ensecadeiras devia proporcionar uma limpeza automática através da apropriada escolha da seqüência de avanço nas pontas de aterro. Para fechamento de rios com considerável profundidade, como

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é o caso de Itaipu, começou a tornar um consenso uma “regra prática”, que o diâmetro do enrocamento necessário para o fechamento com um desnível é da ordem de 30% a 40% desse valor, ou seja, . Para escoamentos com peque-nas profundidades essa regra não parece ser válida. Grandes planilhas bem estruturadas foram utilizadas para gerenciar esses testes de fechamento.

No modelo geral de Itaipu foram desenvolvidos os estudos do vertedouro de encosta com 14 comportas e calhas bem longas de concreto, com defletores em salto de esqui nas extremida-des de jusante, que pode ser visto na Figura 7. Vários arranjos foram verificados uma vez que a equipe de projeto se preocu-

pava muito com a erosão provocada pela enorme concentra-ção de energia do jato efluente do vertedouro. A capacidade de descarga do vertedouro foi cuidadosamente verificada no modelo gera l e conf irmada também no modelo parc ia l construído em escala maior. Para o arranjo final do vertedou-ro foram feitos testes de erosão com leito coesivo envolvendo enorme volume de material; a Figura 8 apresenta um dos resultados obtidos nos ensaios.

A tomada de água e a casa de força foram ensaiadas extensivamente. Foram feitos os testes de verificação das tendências à formação de vórtices e condições de aproximação, assunto que foi também explorado no modelo parcial da tomada de água. Com o intuito de

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 6 – Construção do pavilhão para o modelo tri-dimensional de Itaipu e a a instalação de recalque.

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compensar possíveis efeitos de escala, o laboratório realizou en-saios com distorção da escala das velocidades, forçando intensificar no modelo a formação de vórtices aumentando a vazão de teste.

Para o vertedouro, foram feitos testes em um modelo parcial

construído na escala 1:50, com a reprodução de três vãos. Influen-

ciado pela cavitação ocorrida em grandes obras da época, (Karun

no Irã, por exemplo), cogitou-se instalar no vertedouro de Itaipu

um sistema de auto-aeração das calhas, a exemplo do adotado em

Foz do Areia. Entretanto, os cálculos sobre índices incipientes de

cavitação indicaram que a configuração da calha do vertedouro de

Itaipu é favorável, não necessitando a implantação de aeradores.

Estudos hidráulicos de Foz do Areia, Emborcação e Sabaneta – estudo sobre aeração

De forma paralela aos estudos para Itaipu, o Centro conduziu os ensaios

para Foz do Areia e Salto Santiago. Foz do Areia trazia uma novidade

que é a barragem de enrocamento com face de concreto (na época,

a maior área de laje do mundo). O Centro teve a oportunidade de con-

tribuir com vários ensaios sobre juntas da laje de concreto da barragem.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 7 – Modelo tri-dimensional do AHE Itaipu em operação

Figura 8 – Resultado dos testes de erosão

a jusante do vertedouro de Itaipu.

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422

Os desastres devido à cavitação ocorridos na calha do vertedouro de Karun do Irã e nos túneis americanos de Palisades e Yellowtail preocuparam o meio técnico e já se sabia que a solução é a aeração do escoamento, conforme havia mostrado os russos no vertedouro de Nurek e Bratsk. Assim, o CEHPAR iniciou seus primeiros testes de aeração no modelo reduzido (escala 1:30) do descarregador de fundo de Foz do Areia. A cavitação e aeração tornaram-se assuntos muito enfocados na época. O CEHPAR efetuou uma série de ensaios me-dindo a vazão de ar no modelo utilizando medidores simples (bocal, pitot, orifício, venturi) com manômetro dotado de micrômetro. Mas logo concluiu que os efeitos de escala são consideráveis e que não há correspondência entre modelo e protótipo em termos de demanda de ar em testes realizados em modelos construídos nas escalas usuais.

O laboratório teve a oportunidade de estudar os aeradores da calha do vertedouro de Foz do Areia e de medir a vazão correspondente de ar no protótipo. O laboratório levou o programa adiante e efetuou estudos em modelos parciais de escalas maiores (1:15 a 1:8 – Figura 3) que culminou na publicação do trabalho: Pinto et al. (1982) na revista Water Power & Dam Construction (Aeration at High Velocity Flow). Estu-do semelhante, feito para o vertedouro de Emborcação foi também confirmado no protótipo. O laboratório também teve uma contri-buição importante para a definição do aerador do descarregador de cheias no túnel de Sabaneta (República Dominicana).

Estudos hidráulicos de Segredo e Xingó

No estudo do desvio de Segredo os túneis foram reproduzidos por tubos de acrílicos dotados de rugosidades em forma de tiras. O laboratório desenvolveu uma técnica própria para dimensionar a espessura dessas tiras e passou a considerar, quando desejável, a sobrescavação do túnel e a rugosidade, de forma a produzir um esco-amento mais próximo do esperado para o protótipo. Analisando-se a crista do vertedouro que seguia aproximadamente o padrão US Army Corps of Engineers, concluiu-se que as pressões registradas na crista es-tavam totalmente a favor da segurança, mas estavam prejudicando a sua capacidade de descarga. Até então, as cristas tinham como carga de projeto a carga máxima de operação (enchente de 10.000 anos de

recorrência). Mas a contracurva, que faz a ligação da estrutura da crista com a longa calha inclinada, provocava um aumento excessivo das pressões que atingia a linha da crista. A pressão sobre a crista que de-veria ser nula pelo conceito original, estava majorada pela presença da contracurva. Em conjunto com a COPEL, o CEHPAR sugeriu uma redução da carga de projeto da crista, isto é, o perfil seria desenhado mais delgado de forma que a pressão final fosse razoável e garantisse uma boa capacidade de descarga. A crista do vertedouro foi redimensionada com uma carga de projeto 25% menor que a carga máxima de operação. Coincidência ou não, hoje muitas obras brasileiras adotam como padrão a carga de projeto igual a 75% da carga máxima de operação. O labora-tório também se despertou no uso de modelo matemático (elementos finitos e elementos de contorno) para estudos dessa natureza.

Xingó foi outra usina que o CEHPAR veio a contribuir decisivamente. Os estudos em modelo tornaram possível um dos mais complicados esquemas de fechamento do rio. Até no dia do fechamento, o CEHPAR estava realizando testes para instruir o passo seguinte na obra. Estudou-se também uma descarga de fundo instalada em um dos túneis de desvio.

Estudos sobre vertedouros em degraus Já em 1985 o CEHPAR defrontou com o estudo de barragens de concreto compactadas com rolo (CCR). Em 1991 realizou os pri-meiros ensaios de vertedouros em degraus para fins de pesquisa utilizando como projeto piloto o vertedouro de Cubatão. Esse estudo foi realizado a título de mestrado por um aluno que veio a desistir do curso, mas foi retomado como um estudo mais aprofundado para a tese de doutorado do então chefe da Divisão de Hidráulica, engenheiro Marcos Tozzi, pela Universidade de São Paulo. Este estudo permi-tiu a caracterização do escoamento conhecido como skimming flow. O estudo sobre vertedouro em degraus culminou em mais uma tese de doutorado, do engenheiro Júlio César Olinger que se preocupou em estudar as pressões nos degraus. Com estudos feitos posteriormente, mais um engenheiro do CEHPAR defendeu sua tese de mestrado. O mesmo pesquisador veio a atuar na pesquisa e desenvolvimento ANEEL para a Eletronorte, estudando a possibilidade de se operar os vertedouros com degraus de grandes dimensões para fins de economia.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Estudos hidráulicos para a hidroelétrica de Salto Caxias

O modelo de Caxias foi o que permaneceu mais tempo no CEHPAR. Começou nos anos noventa e só foi demolido em 2010. Foram estudados os problemas de desvio, do vertedouro, da tomada de água e do canal de fuga, como de praxe. Caxias representou o último grande estudo da fase do con-vênio entre a Universidade e a COPEL que terminou em maio de 2000. Destaca-se, no entanto, que a erosão a jusante do vertedouro, perfeitamente aceitável sob o ponto de vista da engenharia, tornou-se um problema para a usina devido ao aprisionamento de peixes nas fossas de erosão e em locas, após o fechamento das comportas do vertedouro. O material erodido e depositado a jusante (barra) tornou-se também um obstáculo para a saída dos peixes. A COPEL procurou uma medida definitiva, que não se limi-tasse ao resgate manual dos peixes aprisinados. O laboratório reativou o modelo e prestou uma contribuição importante à usina, realizando ensaios para várias alternativas de canais para a liberação dos peixes.

Estudos das hidroelétricas de Itá, Campos Novos, Machadinho e Barra Grande

O CEHPAR teve a oportunidade de trabalhar com as obras cata-rinenses dos rios Canoas, Pelotas e Uruguai. Nos modelos de Itá e Machadinho foram realizados ensaios de erosão em rocha utilizando-se materiais coesivos. A título de pesquisa de mestrado, o CEHPAR chegou a construir um modelo reduzido de Itá na escala 1:300 para verificar a viabilidade de estudo em modelo em escala mais reduzida visando a economia no estudo. A conclusão foi que modelos muito pequenos não conduzem a bons resultados, em geral por efeito de escala mais pronunciados, e a tão esperada redução do custo não ocorreu a contento, tendo em vista o cuidado com que as estruturas foram executadas.

Estudos hidrodinâmicos de movimentação de comportas

O CEHPAR, que veio trabalhando essencialmente com engenheiros civis, teve a preocupação de contratar um engenheiro eletrônico para dar assistência à instrumentação. Esse engenheiro foi fundamental no desenvolvimento de ensaios hidrodinâmicos de movimentação

de comportas. O CEHPAR estudou o downpull e catapultamento da comporta da tomada de água de Segredo. Depois recebeu o desafio de estudar a comporta do aqueduto da eclusa de Porto Primavera. Neste projeto o grande problema foi o atrito do modelo da comporta. Realizaram-se testes de abertura e de fechamento da comporta para extrair o atrito do modelo, que não apresenta semelhança física e não pode ser transposto ao protótipo. O outro projeto que foi um desafio interessante foi o da definição do esforço no servomecanismo de aciona-mento da comporta da tomada de água de Tucuruí (Figura 9). Os ensaios mostraram que água acumulada nas vigas constituía um peso adicional exigindo que aumentasse a capacidade do servomecanismo.

Pesquisa e desenvolvimento: projetos ANEEL e modelos matemáticos

A Divisão de Hidráulica passou por uma fase difícil no período em que no Brasil o ritmo de construção de usinas teve acentuada queda. Mas o talento dos engenheiros fez surgir uma nova oportunidade

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Figura 9 – Estudo da Comporta de Fechamento daTomada de Água de Tucuruí – 2a fase, com o engº Edie Taniguchi em primeiro plano

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para Centro. Foram os projetos de pesquisa e desenvolvimento da ANEEL. Assim, a COPEL, CHESF, ELETRONORTE, LIGHT, CERJ, CEB e DUKE firmaram parcerias que deram oportunidades de pesquisa ao Centro. Principalmente a ELETRONORTE propiciou três estudos, de vertedouro em degraus, vertedouro não convencional em curva e vertedouro de ogiva baixa. Com a CHESF o Centro executou um interessante trabalho sobre a capacidade natatória de peixes, uma pesquisa aplicada ao rio São Francisco. A CERJ e a CEB foram as empresas que estudaram metodologias para repotenciação de usinas antigas. Para a LIGHT o laboratório fez estudos sobre escadas de peixes. Com a COPEL o Centro desenvolveu um estudo sobre o uso de perfilador acústico ADCP como medidor de transporte de sedimentos e outro estudo sobre assoreamento de reservatório (parte de um projeto maior do CEHPAR). Depois a COPEL liberou mais dois projetos, sobre dissipadores de energia em fenda e pilares defletores e sobre vertedouros labirinto que haviam sido submetidos anteriormente. Atualmente o Centro faz um estudo sobre geração de energia alternativa. O Coordenador do CEHPAR no período de 1999 a 2008 tomou uma iniciativa bastante positiva à Divi-são de Hidráulica com a aquisição do modelo computacional DELFT 3D. Um dos engenheiros começou os estudos em modelos matemáticos com o uso do modelo RMA, do U. S. Army Corps of Engineers em uma aplicação à sua tese de mestrado e ao projeto de P&D ANEEL com a COPEL. Foi feita uma pesquisa para a COPEL um estudo sobre sedimentação na baia de Antonina utilizando o DELFT 3D. O modelo CFX deu origem a uma tese de mestrado de um bolsista LACTEC. O Centro fez também um estu-do do escoamento no rio Iguaçu para a usina de Baixo Iguaçu da COPEL, utilizando o HEC-RAS e o DELFT-3D. Ao estudar o habitat de peixes no projeto de P&D ANEEL da Chesf o CEHPAR deparou com o modelo RIVER 2D, um software livre bastante útil em projetos. Desde então muitos engenheiros passaram a usar esse modelo. De certa forma essa é também uma contribuição importante do CEHPAR ao setor elétrico. Para a Duke está sendo desenvolvido um equipamento para geração de energia elétrica.

Modelos de Paute Mazar, Palomino, Cambambe, Ituango e Gibe III

A demanda de energia em vários países fez com que as empresas brasi-leiras encontrassem um excelente mercado. Paute Mazar no Equador foi

uma dessas obras estudadas pelo CEHPAR. Para o rio Paute havia sido calculada uma vazão decamilenar de 2.340 m3/s, mas em vista de que já havia experimentado um desastre com rompimento de uma barra-gem natural formada pelos restos de um desmoronamento de encos-tas, foi concluído que o rio tem um potencial de gerar uma vazão de 7.500 m3/s. A passagem dessa vazão tornou-se requisito para o vertedouro, sendo necessária a operação sem comportas.

Sendo o vertedouro construído em um reduzido espaço devido aos íngremes taludes das encostas, o projetista foi forçado a sugerir uma configuração não convencional semelhante a um vertedouro lateral. O modelo reduzido, na escala 1:60 mostrou que essa configuração não é propícia e contribuiu na seleção de uma nova forma aceitável sob o ponto de vista técnico e econômico.

O modelo de Palomino (República Dominicana) trouxe um novo desafio. Pela primeira vez o CEHPAR realizou um ensaio de purga de sedimentos conhecida como flushing, em modelo reduzido construído na escala 1:70.

Cambambe é uma obra da Angola que estava inacabada por anos. Trata-se de uma barragem de concreto em arco, em cujo topo pretende-se instalar um vertedouro orifício. Está programado também implantar um vertedouro de encosta. As duas estruturas são objetos de estudo no CEHPAR.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 10 – Modelo de Gibe III em operação

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O projeto Gibe III é uma contratação feita diretamente por uma empresa italiana que faz serviços para a obra a ser construída na Etiópia. Cons-truiu-se no laboratório um modelo com 4,5 m de altura. Está em estudo o desempenho do vertedouro, incluindo a sua capacidade de descarga, pressões e erosão provocada pelo jato efluente e a operação da usina.

Modelo reduzido do sistema de refrigeração da usina nuclear de Angra dos Reis

A ELETRONUCLEAR procurou o Centro de Hidráulica para realizar os estudos em modelo reduzido do sistema de refrigeração da usina nuclear de Angra dos Reis, levando em conta a inclusão iminente da unidade III. O laboratório fez questão de oferecer uma solução para realizar testes dinâmicos do sistema de refrigeração, simulando paradas instantâneas das usinas e levando em conta as condições de maré na região de descarga da água.

Modelo reduzido da hidroelétrica de Belo Monte

O CEHPAR está iniciando os estudos para a terceira maior hidroelétrica do mundo, a ser construída no Rio Xingu, no Estado do Pará. Sua po-tência instalada será de 11.233 MW, o que fará dela a maior capacidade instalada em hidroelétrica inteiramente brasileira, visto que a de Itaipu está localizada na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Os estudos se-

rão feitos em 5 modelos reduzidos e levará um tempo total de 3 anos. A Figura 11 apresenta o trabalho de construção do modelo principal (sítio Pimental) no pavilhão antes ocupado por 13 outros estudos.

Observações finais

O laboratório de hidráulica do CEHPAR faz questão de lembrar que os sucessos dos estudos em modelos reduzidos não se devem apenas aos engenheiros. Os trabalhos dos serventes, pedreiros e artífices, normalmente considerados modestos em outras áreas de atuação, são responsáveis pela precisão dos resultados. Atrás do reconhecimen-to internacional do Centro de Hidráulica está o apoio imprescindível dos artífices que contribuem a cada dia com excelentes idéias dentro de suas especialidades. A seleção de bons estagiários é uma contri-buição importante para o setor elétrico, pois uma boa maioria dos estagiários do CEHPAR escolhe o setor elétrico para desenvol-ver seus talentos. O termo “pesquisa aplicada útil” sempre foi o foco do CEHPAR. Segundo palavras do seu fundador, professor Parigot, o “CEHPAR faz trabalhos úteis à sociedade, e a medida dessa utilidade é a vontade da sociedade pagar por estes trabalhos”. A seriedade, a humildade e o compromisso com a verdade têm ajudado em mui-to o CEHPAR. O ponto forte do laboratório são ainda os estudos hidráulicos em modelos reduzidos, mas a privatização do laboratório tornou o grupo mais forte e fez descobrir que seus integrantes têm potencial para ampliar seus campos de atuação.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 11 – construção do modelo reduzido do sítio Pimental do AHE Belo Monte

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Serra Mesa

Itumbiara

Corumbá

Marimbondo

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Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia- Resumo histórico e atividades de pesquisa

Flavio Miguez de MelloResumo histórico

Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia- Resumo histórico e atividades de pesquisa

O início dos ensaios especiaisO ano de 1968 estava iniciando quando o Departamento de Obras de Furnas, chefiado por Geofredo de Moraes, recebeu uma solicitação vinda da obra da hidroelétrica de Estreito, depois denominada Luiz Carlos Barreto, para aquisição de equipamentos para ensaios triaxiais em amostras de solo. Até então Furnas mantinha nas suas barragens que na época estavam em estágios avançados de construção (Estreito, Funil e Nhangapi) laboratórios de campo apenas para os controles de liberação de obra. Os ensaios especiais eram contra-tados junto a laboratórios de empresas ou a institutos de pesquisa. A referida solicitação foi enviada ao Departamento de Engenharia chefiado por Franklin Fernandes Filho que passou a documentação para a Divisão de Engenharia Civil sob o comando do engenheiro Adolfo Szpilman. A documentação foi enviada para o engenheiro Humberto Pate coordenador do grupo de estudo dos novos projetos de Furnas, os aproveitamentos de Porto Colômbia e de Marimbondo.

Ao longo desse percurso, com pouca perda de carga, a solicitação percolou sem despertar interesse no sentido do seu atendimento ten-do por destino o seu arquivamento. Com instruções de apenas tomar ciência antes do arquivamento, Pate entregou a documentação a um engenheiro recém formado que acabara de integrar o grupo dos novos projetos. Esse engenheiro preparou um trabalho com considerações teóricas sobre os diversos tipos de ensaios triaxiais e desenvolveu um estudo do aproveitamento da instalação desses aparelhos em labora-tório próprio para, com maior disponibilidade de execução de ensaios, obter informações necessárias e abundantes para o desenvolvimento dos projetos das hidroelétricas de Marimbondo e de Porto Colômbia cujos estudos preliminares indicavam grandes maciços de terra com extensas fundações em solo, além de prever a aplicação em eventuais projetos futuros.

O pedido de aquisição dos equipamentos e o trabalho sobre ensaios triaxiais percolou em sentido contrário ao anterior mas dessa vez atin-gindo a Diretoria Técnica. O engenheiro Flavio H. Lyra concedeu a permissão para a aquisição. Os equipamentos foram instalados no acampamento de Marimbondo em 1968. Esses foram os primeiros equipamentos de laboratório de Furnas além dos equipamentos de ensaios correntes em obras. Em Marimbondo outro jovem engenheiro, Agenor Bailão Galletti ficou encarregado do laboratório de solos.

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Os laboratórios nos seus primeiros anosEm 1969 Furnas acelerava as obras e montagens da hidroelétrica de Funil para que pelo menos uma das três unidades entrasse em opera-ção antes do fi m do ano para que os custos de construção já incidissem na tarifa do ano seguinte. A usina entrou em operação comercial nos últimos dias de dezembro de 1969. Com a obra tendo sido concluída em 1970, Flavio H. Lyra recomendou a Rubens Vianna de Andrade, su-perintendente das obras do rio Grande, que incorporasse o engenheiro Walton Pacelli de Andrade para atuar na tecnologia do concreto nas novas obras que se iniciavam. De 1970 a 1975 Pacelli melhorou a capacitação do laboratório de concreto com a instalação de prensas de grande capacidade e estudos de propriedades térmicas, entre outros.

Em 1975 os laboratórios de solos e de concreto foram trans-feridos para Itumbiara onde Furnas passou a implantar sua maior hidroelétrica. Na fase de Itumbiara houve expansão da capacidade dos laboratórios.

As instalações defi nitivasCom o término da obra de Itumbiara foi pensada a criação de um centro tecnológico. Três locais foram considerados: Brasília, Belo Horizonte e Goiânia, tendo sido decidida pela instalação em área anexa à subestação de Furnas, em Goiânia. A construção inicial foi concluída em 1985 já abrigando também o laboratório de mecânica de rochas. Inicialmente o centro foi comandado pelo engenheiro Ludgero Pimenta de Ávila. A partir de dezembro de 1992 o centro foi chefi ado já em nível de departamento (Departamento de Apoio e Controle Técnico – DCT) pelo engenheiro Walton Pacelli de Andrade que acumulava a che-fi a do laboratório de concreto, tendo como assistente o engenheiro Nelson Caproni que acumulava a chefi a dos laboratórios de solos e rocha. Nessa época estava começando a obra da hidroelétrica de Serra da Mesa e em seguida Corumbá. O DCT passou a dar crescentes e importantes contribuições técnicas para os projetos e obras.

É importante realçar as contribuições dos consultores Roy Carlson e Paulo Monteiro para o DCT e os laboratórios que o antecederam.

Com a aposentadoria dos engenheiros Pacelli e Caproni em de-zembro de 2002, assumiu a chefia do DCT o engenheiro Rubens Machado Bitencourt, cargo que exerce presentemente (agosto de 2011), tendo sido presidente do Instituto Brasileiro do Concreto IBRACON.

A destacada atuação do engenheiro Pacelli no DCT projetou-o como consultor no País e no exterior. Quanto ao engenheiro recém forma-do mencionado acima, ele fi cou sempre ligado profi ssionalmente à engenharia de barragens embora, por capricho do destino, não tenha trabalhado com o DCT e aqui relata o início dessa história de sucesso.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 1 – Engenheiro Walton Pacelli de Andrade, destaque na tecnologia do concreto e Epaminondas Mello do Amaral Filho, expoente na construção de barragens, presidente do CBDB e do IBRACON

Figura 2 – Ambiente de trabalho no DCT

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Extraido de texto redigido pela equipe do DCTAtividades de pesquisa do DCT

Furnas constituíu o DCT, unidade criada para atuar no desen-volvimento de serviços tecnológicos e atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, direcionadas aos novos empreendi-mentos com foco nas aplicações de engenharia civil e correlatas. A partir dos anos 90 consolidou-se com a participação em mais de 200 empreendimentos hidrelétricos no seu acervo de serviços prestados em países da América, Europa e África.

O DCT é hoje reconhecido nacionalmente como uma das mais importantes instituições tecnológicas em sua área de atuação. Possui alguns diferenciais, como por exemplo:

O único equipamento do mundo, em operação, capaz de executar pistas experimentais de concreto compactado com rolo em laboratório;

O mais bem equipado laboratório do Brasil na área de mecânica das rochas e enrocamento;

Realização de pesquisas e desenvolvimentos em parceria com as principais universidades e centros de tecnologia do Brasil, como a COPPE/UFRJ, PUC-RJ, USP, UFSC, UnB, UFRGS, UFG, dentre outras;

A área de instrumentação e segurança de barragens com a certi-ficação ISO 9001

Sistema de gestão implantado com reconhecimentos obtidos desde o ano de 1994, incluindo-se acreditações junto ao INMETRO, certificação segundo as normas da série ISO 9000 e premiações pelo Prêmio Nacional da Gestão Pública do Governo Federal.

Ao longo de sua história, o DCT sempre procurou identificar e acompanhar os avanços necessários à superação dos desafios que a evolução do setor de energia impunha. Alguns exemplos destes avanços são descritos a seguir.

No limiar da década de 70, os laboratórios também participa-ram de estudos e desenvolvimentos da tecnologia para as usinas hidroelétricas Itaipu e Tucuruí, além da central nuclear de An-gra dos Reis que já se encontrava em curso e que demandava padrões de garantia de qualidade estabelecidos pela Agência Internacional de Energia Atômica. Ao final da década de 80, esta tecnologia foi intensificada com a aplicação da metodologia do concreto compactado com rolo na construção das enseca-deiras galgáveis da barragem de Serra da Mesa, implicando em relevantes benefícios de segurança no empreendimento. Poste-riormente, no final da década de 90, foi implantado e inaugura-do o laboratório de concreto compactado com rolo, único do mundo em funcionamento.

No início dos anos noventa os processos foram mais bem estru-turados dentro de padrões internacionais de gestão da qualidade, possibilitando a obtenção da acreditação junto ao Inmetro em 1994 e a sua certificação ISO 9000 no ano de 1996.

Em meados dos anos noventa, o DCT implantou e inaugu-rou o seu laboratório de mecânica das rochas, um laboratório singular, que possibilita um conjunto de análises aplicadas que vão desde a análise em nível microscópico por análise eletrônica de varredura até a análise de resistência por meio de ensaios triaxiais, de cisalhamento e de compressão unidi-recional em rochas. Diversos estudos para a construção de barragens de enrocamento com face de concreto foram desenvol-vidos com o apoio desse laboratório.

Em paralelo, também em meados dos anos noventa, diversos ensaios na área de geotecnia iniciaram o processo de infor-matização e automação, tendo como intuito o incremento do

Atividades de pesquisa do DCTC i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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desempenho em prazos, custos e confiabilidade dos resultados e análises realizados.

Dando continuidade a conhecimentos técnicos pré–existentes na análise da microestrutura dos materiais, o DCT intensificou, na se-gunda metade dos anos noventa, o desenvolvimento de pesquisas na área de durabilidade de estruturas, com destaque para técnicas de diagnóstico, prevenção e correção de reações álcalis-agregado e também na área de sulfetos. Análises que chegam próximo ao nível nano possibilitaram o desenvolvimento de competências únicas no Brasil nesta área, sinalizando no momento atual desenvolvimentos ainda maiores, buscando o domínio e aplicação de técnicas em tecnologia dos materiais em nano e microtecnologia.

No final dos anos noventa e no início da década seguinte, outra área que ganhou impulso foi a de instrumentação e auscultação de barra-gens e estruturas anexas. A proficiência e a competência nesta nova linha de trabalho foi reconhecida em 2004, quando obteve a extensão do escopo certificado segundo a ISO 9000 para essa atividade.

Uma intensa atividade de pesquisa e desenvolvimento foi desenvol-vida aproveitando os estímulos trazidos pela lei 9.991 e outras que se seguiram. O aprimoramento de tecnologias existentes e o desenvolvi-mento de outras novas tecnologias se seguiram desde então, ampliando a busca de agregação de valor por este centro de tecnologia.

Do ponto de vista tecnológico, os projetos de P&D desenvolvidos possibilitaram o exercício de um importante papel na construção da usina hidroelétrica Foz do Chapecó, empreendimento que utilizou a solução do núcleo asfáltico pela primeira vez no País. O desenvolvimento de um projeto de P&D desta tecnologia, anterior ao empreendimento, possibilitou o exercício do papel de controle e apoio tecnológico à execução dessa solução de engenharia.

O adequado emprego dos materiais disponíveis nos locais onde os grandes empreendimentos deverão ser construídos leva à oti-mização de estruturas, à redução de custos, à redução de impactos

ambientais e a estruturas mais seguras e mais duráveis. O co-nhecimento das características técnicas dos materiais do local do empreendimento permite subsidiar análises de custo, prazo e qua-lidade global das estruturas. O DCT possui equipe qualificada e infraestrutura adequada para o desenvolvimento deste processo.

Dentro desta área de competência encontram-se estruturadas as seguintes linhas de trabalho:

Ensaios físicos de caracterização de rochas, areias, cimento, aditivos, água e asfalto;

Análises microscópicas e mineralógicas;

Análises químicas para caracterização dos materiais de construção, incluindo reatividade potencial.

Três pilares sustentam bons empreendimentos no que tange à sua qualidade: um bom projeto, a utilização de métodos e técnicas construtivos adequados e a qualidade e uso dos materiais empre-gados. O primeiro está basicamente sob a responsabilidade da projetista e o segundo basicamente sob a responsabilidade da construtora. O terceiro pilar, para as obras civis, fica sob a res-ponsabilidade da equipe do controle tecnológico. A junção destes três pilares, adequadamente gerenciados, permite a obtenção de um empreendimento “saudável”, que desempenhará suas funções com o mínimo de intervenções externas pela equipe de ma-nutenção, por toda sua vida útil, que em casos de barragens estima-se da ordem de 100 anos.

A atuação da equipe do controle tecnológico durante a construção, pela dinâmica que é a escolha e emprego dos materiais, juntamente com o setor de análises de materiais, conduz estudos e pesquisas de materiais para subsídios ao projeto, à construção e à otimiza-ção do custo final do empreendimento, além de avaliar a qualidade especificada dos materiais utilizados nas obras civis.

Visando aprimorar o conhecimento dos materiais e dos métodos construtivos a serem implementados nos diversos empreendi-mentos da empresa, o DCT desenvolve um conjunto de estudos e pesquisas avançadas. Estes estudos possibilitam os seguintes diferenciais competitivos:

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Dentro desta área de competência encontra-se estruturadas as seguintes sub-áreas:

Ensaios Especiais;

Desenvolvimento de Novas Soluções de Engenharia;

Tecnologia do Ambiente Construído.

Os principais produtos entregues, no âmbito desta área de competência, são os seguintes:

Estudos e pesquisas avançadas como subsídios às otimizações de projeto e de custos dos empreendimentos;

Estudos e pesquisas do ambiente construído voltado às instalações de FURNAS, dos empreendimentos em construção e à sociedade;

Uma das áreas de competência decorrente desta atividade é a de confiabilidade metrológica, por intermédio da qual se busca a garantia e a precisão de todos os processos de medição técnica voltados aos empreendimentos.

Baseado na premissa de que nos tempos atuais, a base para o su-cesso de qualquer organização, em especial na área de serviços, é o capital humano, o seu conhecimento e a sua cultura, como elementos agregadores de valor aos serviços prestados, em con-sonância com as equipes técnicas em todas as áreas de atuação do DCT é implementado e desenvolvido um conjunto de atividades que visam à identificação de necessidades e demandas de co-nhecimento e capacitação. Essa área de competência tem os seguintes produtos principais:

Padrões de trabalho adequados e atualizados;

Assessoria em tecnologias de gestão;

Confiabilidade metrológica e calibração de instrumentos de medição;

Capacitação e treinamento voltados aos empreendimentos e às atividades de tecnologia.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Vista aérea do DCT

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Sangradouro do açude de Orós. Ensaio em modelo reduzido e o protótipo em operação

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O Laboratório de Hidráulica HIDROESB – Saturnino de Brito SA

Luiz Felipe Pierre

O HIDROESB – Saturnino de Brito SA - foi a mais importante instituição privada de hidráulica experimental no Brasil.

Sua origem remonta ao Escritório Saturnino de Brito fundado por Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (Campos dos Goytaca-zes, 1864 – Pelotas, 1929) considerado o “Patrono da Engenharia Sanitária Brasileira”.

Há indicações de que o Escritório Saturnino de Brito foi a primeira empresa constituída no Brasil com a fi nalidade especí-fi ca de atuação na engenharia consultiva tendo sido responsável, desde o fi nal do século XIX, pelo projeto de saneamento básico de várias cidades brasileiras.

Seu fundador desenvolveu técnicas de projetos de saneamento que vieram a ser adotadas em países como França, Inglaterra e Estados Unidos.

Após a morte de seu fundador, o Escritório passou a ser dirigido por Francisco Saturnino de Brito Filho (Campos dos Goytacazes, 1899 – Rio de Janeiro, 1977). Formado em 1º lugar na turma de 1923 da Escola de Minas de Ouro Preto foi professor catedrático da cadeira de Higiene e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade do Brasil e teve onze livros publicados. Desenvolveu ao longo da vida intensa atividade em associações de engenheiros tendo sido fundador da FEBRAE (Federação Brasileira de Associações de Engenheiros) e da UPADI (Associação Panamericana de Associações de Engenhei-ros). Presidiu o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e foi membro

de várias outras associações como ASCE (American Society of Civil Engineers) e AWWA (American Water Works Association).

Em 1946, Saturnino de Brito Filho, com o apoio de seu assis-tente Theophilo Benedicto Ottoni Neto, então recém formado, decidiu criar, no sub-solo do prédio ocupado pelo Escritório Saturnino de Brito, no centro da cidade do Rio de Janeiro, o pri-meiro laboratório de hidráulica do país, embrião do que viria a se transformar no Hidroesb.

A partir do fi nal da década de 40 a empresa desenvolveu diversos estudos hidrológicos e hidráulicos aplicando técnicas inovadoras no Brasil para a época como foi o caso da utilização do método do hidrograma unitário nos estudos hidrológicos do rio Joanes, no estado da Bahia. Na década de 50 a empresa foi pioneira na realiza-ção das primeiras medições de descarga sólida em rios brasileiros e foi responsável por projetos de destaque como a tomada d’água do rio Guandu, responsável, até hoje, pela captação de parcela sig-nifi cativa da água potável consumida na cidade do Rio de Janeiro e pelo projeto do sistema hidráulico de renovação das águas da lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

Em 1959, com o aumento no volume de serviços, o laboratório de hidráulica, ainda ligado ao Escritório Saturnino de Brito, se transfe-riu para uma grande área no bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro, onde havia espaço sufi ciente para expandir suas atividades, já en-tão sob a supervisão direta de Theophilo Benedicto Ottoni Neto (Porangaba, Ceará, 1921 - Rio de Janeiro, 2009).

O Laboratório de Hidráulica HIDROESB – Saturnino de Brito SA

C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S

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Em 1965 foi criado o Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito SA - Hidroesb, empresa independente do Escritório Saturnino de Brito.

A nova empresa se dedicou a estudos de campo nas áreas de topografia, hidrometria e sedimentometria bem como a estudos e projetos hidráulicos. Seu maior destaque, porém, se deu no campo da hidráulica experimental, no rastro dos grandes projetos que o País desenvolveu na época.

No ano de 1962 desenvolveu os estudos hidráulicos em modelo reduzido e os projetos hidráulico e estrutural para reconstrução do sangradouro do açude de Orós, no rio Jaguaribe, no Ceará, que havia sido destruído por uma cheia ocorrida em 1960 (ver ICOLD – “Lessons from Dam Incidents” – 1974, páginas 68 a 70, CBDB - Main Brazilian Dams II

pág.293 a 300, Grandes Vertedouros Brasileiros pág.123 a 128).

Na década de 60 o Hidroesb reali-zou projetos e estudos hidráulicos em modelo reduzido de tomadas d’água para fins industriais para as instalações da USIMINAS, no rio Piracicaba, em Ipatinga, para a CSN, no rio Paraíba do Sul, em Volta Redonda e para a usina termoelétri-ca de Santa Cruz, no canal de São Francisco, no Rio de Janeiro.

Nas décadas de 60 e 70 desenvol-veu estudos hidráulicos em modelo reduzido de vários dos mais impor-tantes aproveitamentos hidroelé-tricos projetados na época dentre os quais Estreito, Jaguara, Volta Grande, Porto Colômbia e Ma-rimbondo, todos no rio Grande, Mascarenhas, no rio Doce, Boa Es-perança, no rio Parnaíba e Balbina, no rio Uatumã. O Hidroesb cons-truiu, também, modelos para estudos especiais como as eclusas do AHE Tucuruí e do AHE Boa Esperança

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 1 - Juarez Távora, ministro de viação e obra públicas, ouvindo a explicação do professor Theophilo B. Ottoni Netto sobre o modelo reduzido do vertedouro de Orós

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e a tomada d’água do AHE Fur-nas visando avaliar a possibilidade de redução da cota do seu nível mínimo operativo.

Em 1978 a empresa teve sua razão social alterada para Hidroesb – Saturnino de Brito SA.

Pelo pioneirismo de sua atuação o Hidroesb deu importante con-tribuição ao desenvolvimento da engenharia hidráulica no país. Seu principal executivo, professor The-ophilo Ottoni, atuou profissional-mente na área da Educação Superior e na prestação de serviços de Engenharia Consultiva, envolvendo Hidráulica, Hidrologia, Engenharia Costeira, Planejamento Integrado dos Recursos Hídricos, Controle de Enchentes e de Secas, Saneamen-to Ambiental, Ecologia Aplicada e Engenharia Sanitária.

Como docente, ministrou aulas em cursos de graduação e pós-graduação, em temas de Hidráuli-ca, Empreendimentos Hidráulicos,

Aproveitamentos Hidroelétricos, Recursos Hídricos, Hidrologia Geral, Perenização e Regula-rização Fluvial, Fluviometria, Hidrotécnica, Saneamento, Abastecimento d’Água de Cidades e Impactos Ambientais, em universidades como UFRJ, PUC, UFF, UnB e em instituições oficiais, como Escola Técnica do Exército (Ministério da Guerra), Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e SUDENE.

Foi professor titular e emérito da UFRJ, chefe do Departamento de Hidráulica e Saneamento do Curso de Engenharia Civil da UFRJ, vice-presidente da Associação de Antigos Alunos da Politécnica, membro do Conselho de Curadores da UFRJ, do Conselho de Pesquisas e Ensino para Graduação da UFRJ, do Conselho Diretor da Fundação de Ensino Especializado de Saúde Pública e coordenador da Sub-Comissão da Associação Brasileira de Normas Técnicas para Projeto de Construção de Órgãos Auxiliares de Barragens.

O Hidroesb e o professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto, com a sua experiência prática de engenharia e acadêmica de professor pesquisador, desempenharam importante papel na evolução da engenharia hidráulica e na formação de novos profissionais na área.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 2 - Professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto tendo à sua esquerda os

engenheiros Lúcio Washington e Olívio Kalckman

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O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH

Marcelo Giulian Marques, Luiz Augusto Magalhães Endres e André Luiz Lopes Silveira

O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH

Um breve histórico O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) é o instituto das águas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realizan-do atividades de ensino, de pesquisa, de extensão e de prestação de serviços em hidráulica, recursos hídricos e meio-ambiente atuando ativamente em diferentes setores (elétrico brasileiro, abastecimento de água, irrigação, navegação, entre outros).

A sua criação tomou corpo em 1953, na então Universidade do Rio Grande do Sul, em função de uma idéia circulante na Esco-la de Engenharia e na Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul, de que havia necessidade do domínio da téc-nica dos modelos reduzidos, assim como de um laboratório de hidráulica para ensino, estudos e treinamento que atuasse nos

setores das obras marítimas, fluviais, hidroelétricas e assemelhados na região sul do Brasil e da América Latina.

Vários docentes de então atuavam simultaneamente na referida secretaria e na universidade. Desta forma, seus anseios tiveram eco no reitorado do Professor Elyseu Paglioli, que designou uma comissão para criação deste novo instituto em 7 de agosto de 1953, em função de um oficio do professor Adolfo Laran-jeira Mariante solicitando a criação de um centro destinado às questões hidráulicas. A conjuntura histórica da época ajudou nesse objetivo, pois a universidade aprovou, também em 1953, a localização da nova Cidade Universitária junto à área destinada à implantação do IPH.

O primeiro prédio do IPH foi o Pavilhão Marítimo, termina-do em 1955 e inaugurado oficialmente em 1957 pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Em 1962, todos os prédios do projeto origi-nal (Figura 1) estavam concluídos e operando, incluindo o Labora-tório de Ensino, planejado pelo engenheiro Pierre Engeldinger do Laboratoire National d’Hydráulique de Chatou - França.

O primeiro trabalho realizado foi sobre o estudo da desemboca-dura do Rio Tramandaí, que começou em 1956 para o DEPRC (Figura 2) com a ajuda de pesquisadores franceses. Em seguida outros estudos foram realizados em modelo reduzido, tais como: Travessia do Delta do Jacuí para o DAER (Figura 3), Barragem do Arroio Duro para o DNOS (Figura 4), Barragem Bom Retiro do Sul (Figura 5), entre outros.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 1 – Vista geral do Instituto de Pesquisa Hidráulicas da UFRGS (1962)

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 5 - Barragem Bom Retiro do Sul (DEPREC) - escoamento com comporta de fundo e lâmina vertente.

Figura 2 - Desembocadura do rio Tramandaí - RS – DEPREC

Figura 3 - Vista do modelo da travessia do Jacuí (DAER) - estudo da proteção com

enrocamento – DAER

Figura 4 - Barragem do Arroio Duro (extinto DNOS) –

estudo do vertedouro

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Os anos 60 consolidam o IPH como referência nacional e sulamericana para estudos hidráulicos. Em função da visão de tra-tar de maneira mais ampla os recursos hídricos, o IPH também se tornou um pólo de capacitação e pesquisa em hidrologia no âmbito do Decênio Hidrológico Internacional 1965-1975, com o apoio da UNESCO.

Desta forma, em 1969, com apoio de pesquisadores estrangeiros, sobretudo franceses, foi criado o curso de pós-graduação do IPH e o Curso Técnico em Hidrologia, ainda hoje, único na América La-tina. Esse convênio com a UNESCO, juntamente com a reforma universitária de 1970 marca uma segunda fase do IPH, que pas-sa a ser um instituto de pesquisas também em recursos hídricos e saneamento ambiental, atuando no ensino (técnico, graduação e pós-graduação) e apoiado por ampla atividade em pesquisa e extensão. Em 1989 o doutorado foi implantado no seu programa de pós-graduação, completando efetivamente todos os níveis de ensino e diplomação, além de dar novo impulso e amplitude às pesquisas. Em 2006, foi implantado o curso de engenharia ambiental, e está em fase de implantação o curso de engenharia hídrica.

O IPH, até o presente momento, tem um acervo de centenas de trabalhos de prestação de serviços à comunidade nas áreas de hidráulica, de recursos hídricos e de meio-ambiente, atuando ativamente em diferentes setores: hidrelétrico, abastecimento de água, irrigação, navegação, modelos reduzidos de obras hidráulicas, entre outros. Cerca de um terço destes trabalhos são referen-tes ao setor elétrico brasileiro e as obras hidráulicas ligadas a barragens. Destes, 15 foram estudos em modelo reduzido de barragens, podendo-se citar:

* Administração das Hidrovias do Sul - AHSUL - Barragem do Anel de Dom Marco Rio Jacuí - RS* Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) – Barragem do Anel de Dom Marco – Rio Jacuí (Figura 6), Barragem Laranjeira - rio Santa Cruz, usina hidroelétrica Dona Francisca 1º arranjo de obra (Figura 7) - Rio Jacuí –RS, usina hidroelétrica Itaúba - Rio Jacuí –RS (Figura 8), usina hidroelétrica Leonel de Moura Brizola - ex-Usina Hidroelétrica do Jacuí - Rio Jacuí – RS (Figura 9), usina

hidroelétrica Passo Fundo – rios Passo Fundo e Erechim - RS, usina hidroelétrica Passo Real - Rio Jacuí –RS, usina hidroelétrica Salto Grande – Rio Santa Cruz - RS* Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais (DEPRC) - Barragem de Bom Retiro do Sul - Rio Taquari - RS (Figura 5)* Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) - Barragem do Arroio Duro –RS (Figura 4)* Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN) - Barragem eclusa do canal São Gonçalo Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim - RS* ELETROSUL - usina hidroelétrica Machadinho (1º arranjo de obra) – Rio Pelotas –RS (Figura 10)* Garcia de Garcia - Barragem do Arroio Ribeiro -RS* Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) - Barragem do Arroio Mãe D’água - RS

As pesquisasO IPH como instituto de pesquisa sempre teve a visão: “O uso da água com sustentabi l idade, pr eser vação e conser vação” , e a meta: “A capacitação de indivíduos e de instituições aptas a lidar com os problemas que envolvem o uso da água”.

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Figura 6 - Barragem do Anel de Dom Marco (CEEE) - escoamento no vertedouro

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 – Usina hidroelétrica Dona Francisca (CEEE) - 1º arranjo escoamento no vertedouro

Figura 8 – Usina hidroelétrica Itaúba (CEEE) – erosão a jusante do salto de esqui

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Isto levou o IPH a desenvolver uma ampla gama de especialidades nas ciências da água, necessárias para uma abordagem integrada dos problemas que envolvem os recursos hídricos ligados à quantificação, à qualidade, ao armazenamento e ao controle das águas fluviais, influenciando diretamente os projetos e a operação das barragens e do setor elétrico. Para isso reuniu e busca atualizar o seu conhecimento para:

* Avaliar as disponibilidades desses recursos;

* Projetar obras e sistemas para aproveitá-los;

* Preservar a sua qualidade e

* Promover a gestão integrada dos mesmos, da forma mais eficiente possível.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 10 – Usina hidroelétrica Machadinho (ELETROSUL) – escoamento pelo vertedouro.

Figura 9 – Modelo da usina hidroelétrica Leonel de Moura Brizola - ex-Jacuí (CEEE) - apresentação do modelo pela equipe do IPH durante vista técnica

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Hoje, o IPH (http://www.iph.ufrgs.br/apresentacao/) conta com

diferentes laboratórios e núcleos de pesquisa que trabalham de

forma integrada nas diferentes áreas dos recursos hídricos:

* Laboratório da Estação Recuperadora da Qualidade da

Água da UFRGS (ERQA)

* Laboratório de Clima e Recursos Hídricos

* Laboratório de Eficiência Energética e Hidráulica (LENHS)

* Laboratório de Engenharia de Água e Solo

* Laboratório de Ensino de Hidráulica

* Laboratório de Hidráulica Marítima (LAHIMA)

* Laboratório de Hidrometria

* Laboratório de Instrumentação e Canal de Velocidade

* Laboratório de Limnologia

* Laboratório de Obras Hidráulicas (LOH)

* Laboratório de Processos Erosivos e Deposicionais

* Laboratório de Saneamento

* Laboratório de Sedimentos

* Núcleo de Águas Urbanas

* Núcleo de Estudos em Correntes de Densidade (NECOD)

* Núcleo de Estudos em Transição e Turbulência (NETT)

* Núcleo de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos

Aproximadamente 35 pesquisas desenvolvem-se regularmente

nesses laboratórios e núcleos, com cerca de 150 publicações

anuais entre periódicos e anais de eventos. Há participação

efetiva dos professores e alunos nos principais eventos na-

cionais e internacionais no domínio das águas, assim como

nos principais fóruns de discussões sobre hidráulica, obras

hidráulicas, planos nacionais e estaduais de recursos hídricos

e de meio-ambiente.

O acervo de dissertações de mestrado e teses de doutorado do curso de

pós-graduação do IPH é resumidamente de cerca: 110 teses de douto-

rado e 315 dissertações (http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/2).

Entre os trabalhos dos últimos 10 anos referentes diretamente ao setor

elétrico brasileiro e as obras hidráulicas ligadas às barragens, foram

desenvolvidas nove teses e mais de dezesseis dissertações.

Na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) relacionados a

empreendimentos no setor elétrico, o IPH vem desenvolvendo

projetos através do seu Laboratório de Obras Hidráulicas (LOH),

aprimorando os conhecimentos sobre fenômenos hidráulicos,

a fim de gerar soluções técnicas que sejam eficientes, seguras e

de menor custo para o dimensionamento de obras hidráulicas.

Esses projetos de P&Ds visam:

* compreender os processos físicos envolvidos nos fenômenos

hidráulicos;

* desenvolver ferramentas e metodologias de previsão de esfor-

ços hidrodinâmicos provocados pelo escoamento;

* desenvolver, verificar e comparar os critérios de dimensiona-

mento existentes na literatura;

* desenvolver linhas de pesquisa na área de eficiência energética

e hidráulica.

As pesquisas têm sido desenvolvidas dentro das seguintes

Linhas Mestras:

* Esforços Hidrodinâmicos: em Dissipadores de Energia Hidráulica e

a Jusante de comportas,

Vertedouro em Degraus e Salto esqui a Jusante de comportas;

* Transientes Hidráulicos em Usinas Hidroelétricas e em Eclusa;

* Vibração em Estrutura Hidráulica em Cilindro e em Comporta;

* Eco Hidráulica - Mecanismo de Transposição para Peixes (MTPs).

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Titulo do P&Ds Parceiros Análise da macro turbulência em dissipadores por ressalto hidráulico (Figura 11) LAHE/FURNAS

INA e IST (colaboradores)

Análise das características macro turbulentas ao longo da calha de um vertedouro DFESA

em degrau e no ressalto hidráulico formado a jusante. (Figura 12) IST (colaborador)

Análise do comportamento hidráulico dos sistemas de enchimento e esgotamento LAHE/FURNAS e UFMG

de eclusas de navegação (Figura 13) URI e UNISINOS (colaboradores)

Análise do escoamento em mecanismo de transposição para peixes – MTPs (Figura 14) CPH/UFMG

IST (colaborador)

Análise dos processos físicos envolvidos na formação de fossas de erosão em leito LAHE/FURNAS

Coesivo a jusante de salto de esqui - em desenvolvimento (Figura 15) UFSM (colaborador)

Características de escoamentos sobre vertedouros em degraus LAHE/FURNAS

IST (colaborador)

Determinação das características geométricas da soleira terminal em bacias de DFESA

dissipação a jusante de vertedouro em degraus - em desenvolvimento IST (colaborador)

Estudo dos processos geomecânicos provocados por esforços hidrodinâmicos em LAHE/FURNAS, PUC/Rio e UFMG

fossas de erosão a jusante de saltos de esqui - em desenvolvimento (Figura 16) UFSM (colaborador)

Padrões de vibração em estruturas hidráulicas por ação de escoamentos (Figura 17) LAHE/FURNAS

Transientes hidráulicos em circuitos de usinas hidroelétricas LAHE/FURNAS e IME

Utilização de modelos numérico e experimental para dimensionamento e LAHE/FURNAS e IME

otimização de bacias de dissipação

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Os P&Ds desenvolvidos ou em desenvolvimento nos últimos 10 anos pelo LOH, aplicados a barragens no setor elétrico estão listados acima.

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Figura 11 - Análise de vibrações induzidas pelo escoamento sobre uma comporta

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 14 – Análise do escoamento a jusante de uma comporta tipo segmento invertida de uma eclusa

Figura 12 – Análise da macro turbulência em dissipadores por ressalto hidráulico

Figura 13 – Análise das características macro turbulentas ao longo da calha de um vertedouro em degrau e no ressalto hidráulico formado a jusante.

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Em resumo, o IPH construiu uma história voltada às águas buscando a quantificação, a qualidade, o armazenamento, o controle e a gestão deste recurso de maneira a tornar os empre-endimentos sustentáveis.

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Figura 16 – Análise das pressões dinâmicas a jusante de um salto esqui

Figura 15 – Análise do escoamento em mecanismo de transposição para peixes – MTPs

Figura 17 - Análise das pressões dinâmicas em um jato direcionado

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O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT

Carlos de Sousa Pinto, Ronaldo Rocha e Antonio Marrano

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT

Pela sua característica de instituto pioneiro no Brasil na tecnologia da engenharia civil, o IPT teve atuação relevante no desenvolvimen-to das barragens no país, tanto pelo seu envolvimento direto em muitas obras, como pelo seu papel de difusor de conhecimen-tos técnicos. A participação do IPT se desenvolveu nas áreas de geotecnia, geologia de engenharia, concreto e estruturas.

Geotecnia e geologia de engenhariaUm exemplo do papel difusor de conhecimentos do IPT se fez notar logo após a fundação de sua Seção de Solos, em 1938. No ano seguinte, o engenheiro Mario Brandi Pereira, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, após estagiar no IPT, fundou o labora-tório da I.N.O.C.S. - Inspetoria Nacional de Obras Contra a Seca, em Campina Grande, Paraíba, este, sem dúvida, o primeiro laboratório de solos a se dedicar ao apoio tecnológico das barragens no Brasil.

No início da década de 1940, o IPT estudou fundações e solos de empréstimo para duas pequenas barragens de terra, as barragens de

Poço Preto e Piraçununga. Mas a atuação mais marcante do IPT nas obras de barragens passou a ocorrer a partir da década de 1950, com a construção de usinas hidroelétricas construídas no estado de São Paulo pelas empresas CHERP – Centrais Elétricas do Rio Pardo, CELUSA – Centrais Elétricas de Urubupungá SA, USELPA – Usinas Elétricas do Paranapanema e de outras que foram unidas, dando origem à CESP – Companhia Energética de São Paulo. Esta atuação se realizou no reconhecimento geológico dos locais, na ca-racterização das jazidas naturais, na determinação das propriedades de comportamento de solos, rochas e agregados para concreto, no controle de execução dos maciços de terra e das estruturas de con-creto e no monitoramento das obras, além da consultoria técnica na formulação e a adaptação dos projetos durante a construção.

Nos levantamentos geológicos dos locais das obras, destacou-se a atividade do engenheiro Ernesto Pichler, pioneiro da geologia aplicada às obras hidráulicas, que já em 1947 havia publicado um conjunto de conferências intitulado “Elementos básicos de Geologia Aplicada”. Ainda no final da década de 1940, na cons-trução da Usina de Salto Grande, no rio Paranapanema, Pichler iniciou a prática de estudos geológicos para projeto e constru-ção de barragens baseados em sondagens rotativas adaptadas aos fins de engenharia civil. Em 1953, realizou, na barragem de Barra Bonita (rio Tietê), o primeiro ensaio de perda d’água sob pressão em furo de sondagem, dando as primeiras contribuições ao avanço da área de hidrogeologia no País.

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Ensaio de cisalhamento de grandes dimensões do maciço rochoso num bloco de rocha de 6 m x 6 m de seção por 4 m de altura, realizado em Ilha Solteira em 1969. O maior ensaio in situ de resistência ao cisalhamento feito no mundo

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Pichler foi também pioneiro na implantação da mecânica das rochas no Brasil, tendo se notabilizado pela determinação das tensões in situ e realização de ensaios de deformação de maci-ços rochosos nas escavações da casa de força da usina de Paulo Afonso. Faleceu, em 1959, em plena atividade no campo, fazendo levantamento geológico no local da barragem de Jupiá. Em reco-nhecimento à relevante contribuição, o seu nome foi atribuído ao aeroporto de Jupiá.

Nas barragens do Rio Pardo, Limoeiro (1953 a 1958), Euclides da Cunha (1956 a 1960) e Graminha (1959 a 1966), o IPT coordenou todo o controle de compactação dos maciços. Nesta ocasião, o engenheiro Hamilton de Oliveira fez uma adaptação para solos brasi-leiros do método de Hilf de controle de compactação, introduzindo no Brasil esta técnica, que passou a ser adotada em muitas obras.

Já na barragem de Limoeiro, o engenheiro Pacheco Silva instalou piezômetros de sua própria idealização, com extensômetros elétricos colados em membrana de aço inoxidável, obtendo o desenvolvi- mento das pressões neutras durante o alteamento do aterro e o enchimento do reservatório. Observou que as pressões neutras decresciam inicialmente durante o alteamento do aterro, para só pas-sarem a aumentar após ser atingido um certo nível de carregamento, fato totalmente inesperado. Seus resultados tiveram repercussão internacional. O engenheiro Pacheco Silva analisou este compor-tamento, característico de solos tropicais, com desenvolvimento de pressões neutras baixas quando devidamente compactados, o que serviu de orientação para o projeto de barragens posteriores.

A atuação do IPT nas barragens do rio Tietê, Bariri (1959 a 1960), Ibitinga (1964 a 1969), Barra Bonita (1952 a 1962) e Promissão (1966 a 1975) envolveu a supervisão do controle de compactação e a instrumen-tação dos maciços. Tendo notado que primeiros piezômetros instalados nas barragens do rio Pardo não se mantinham confiáveis por muito tempo, em virtude da deformação lenta, passou-se a usar piezômetros de corda vibrante, importados da Suíça, com algumas alterações pro-postas pelo engenheiro Pacheco Silva e aceitas pelo fabricante. Frus-trado com a perda de algumas destas células, pelo efeito de descargas

elétricas nas proximidades das barragens, Pacheco dedicou-se ao desenvolvimento de outra, por ele batizada de “célula DM”, a partir da característica de “duplo manômetro”, um manômetro lendo di-retamente a pressão neutra no maciço e o outro acionado por ação pneumática a partir da superfície fazendo a leitura do primeiro. Cinco piezômetros deste tipo foram instalados na barragem de Ilha Solteira

Nas barragens de Jupiá (1961 a 1969) e de Ilha Solteira (1966 a 1973) o IPT especificou e colaborou na instalação dos laboratórios de so-los e de mecânica das rochas instalados pela CESP. No laboratório de solos de Ilha Solteira, três pesquisadores do IPT ficaram perma-nentes, na coordenação dos trabalhos, enquanto que no laboratório de mecânica das rochas toda a equipe era do IPT. Os laboratórios foram muito bem equipados, principalmente o de Ilha Solteira, com equipamentos da mais alta qualidade, com câmaras de ensaios tria-xiais, equipamentos de cisalhamento direto e de adensamento. Além da determinação das propriedades mecânicas dos solos usados na barragem, diversas pesquisas foram realizadas durante a obra, esclarecendo, por exemplo, a influência das condições de com-pactação nas propriedades geotécnicas do solo compactado e a comparação entre as características apresentadas pelos corpos de prova compactados em laboratório com as dos corpos de prova moldados a partir de blocos indeformados extraídos do maciço. Estes trabalhos passaram a ser referência para projetos de outras obras. Os laboratórios de Ilha Solteira, após a conclusão da barragem, pas-saram a prestar assistência tecnológica a outras barragens e, atual- mente, tornou-se laboratório do curso de engenharia civil da UNESP.

No campo da mecânica das rochas, dentre as investigações realiza-das pela equipe do IPT, sob a liderança do engenheiro Murilo Ruiz, merecem destaques as relacionadas com as características das funda-çõesdas barragens de Jupiá e Ilha Solteira, onde se sucediam camadas de constituição bem distintas. Notável foi o conjunto de ensaios de cisalhamento do maciço rochoso, inclusive um ensaio de grandes di-mensões, num bloco de rocha de 6 m x 6 m de seção por 4 m de al-tura (Figura 1), o que caracterizava o maior ensaio in situ de resistência ao cisalhamento feito no mundo. Estes estudos foram fundamentais para a definição das cotas de fundação dos diversos setores da obra.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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449

Também a partir do final da década de 1960, destacaram-se os trabalhos junto à Centrais Elétricas de São Paulo (CESP) que pos-sibilitaram o desenvolvimento de especificações de sondagens e de critérios para a classificação dos graus de alteração e de fratu-ramento das rochas, bem como a definição de vários outros pro-cedimentos até hoje utilizados, estabelecendo uma prática brasileira para os estudos e investigações de eixos de barragens. Também foi desenvolvido o primeiro sistema de classificação de maciços rocho-sos utilizados no Brasil, com a colaboração do consultor alemão Klaus W. John, empregado com sucesso na fundação de Ilha Solteira e posteriormente adotado em todas as demais obras da CESP com fundação em maciço basáltico.

Contribuições significativas decorrentes da experiência com gran-

des obras envolveram desenvolvimentos na caracterização geoló-

gico-geotécnica de basaltos, especialmente na identificação de

argilominerais expansivos, na compreensão do comportamen-to das juntas-falhas e na avaliação da rápida decomposição das rochas basálticas (alterabilidade), assim como na caracterização tecnológica de agregados naturais. Avanços significativos na com-preensão do comportamento dos basaltos como fundações de barragens foram obtidos com os estudos a respeito das estruturas circulares em Água Vermelha, as lavas em almofadas (pillow lavas) em Nova Avanhandava e os basaltos leves de Porto Primavera.

Na década de 1970, destacaram-se a formulação das primeiras orien-tações técnicas de normatização dos ensaios de permeabilidade em furos de sondagens, os estudos de caldas de cimento e argamassa para tratamento de maciços de fundações e análise da eficiência dos trata-mentos de fundações de barragens. Na década de 1990, destacam-se o desenvolvimento dos obturadores de impressão e um protótipo de equipamento para o televisionamento de furos de sondagens.

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Figura 1 – Usina hidroelétrica de Ilha Solteira, rio Paraná. Ensaio de cisalhamento em bloco de grandes dimensões (1969)

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Igualmente importante foram os estudos de sismicidade indu-zida decorrente da instalação de reservatórios de barragens, o desenvolvimento e aplicação da geologia estrutural para a análise dos condicionantes geológico-geotécnicos, a melhoria e desenvolvimento das técnicas da geofísica e as primeiras pes-quisas desenvolvidas no Brasil para estudo da permeabilidade tridimensional dos maciços rochosos que começaram em 1984, cuja primeira aplicação com equipamentos idealizados e cons-truídos pelo IPT foi na barragem de Porto Primavera, em 1989. A partir da década de 2000, destacam-se estudos voltados ao monitoramento dos processos erosivos nas margens do reserva- tório de Porto Primavera.

O IPT contribuiu muito no campo da geotecnia e geologia de engenharia nas barragens da CESP, mas deve-se registrar que igualmente importante para o próprio IPT foi o apoio recebido da CESP para o desenvolvimento desta instituição, tanto no investimento em recursos materiais, como nos recursos humanos, proporcionando a oportunidade para a formação de especia-listas que vieram posteriormente contribuir para a engenharia nacional em diversas atividades.

Além dos trabalhos para as barragens da CESP, o IPT teve a oportunidade de participar de diversas obras de barragens de outras entidades. Alguns destes casos, pelas suas peculiaridades, são apresentados a seguir.

A barragem de Ponte Nova, próxima às nascentes do rio Tietê, cons-truída pelo DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica do estado de São Paulo, como reguladora do rio e parte do sistema de abastecimento da cidade de São Paulo, teve a assistência do IPT tanto nos ensaios dos materiais como no controle de compactação. Em virtude das peculiaridades da obra, fundação em sedimentos arenosos (que requereu paredes diafragma para vedação), e área de emprés-timo de solo muito argiloso, muito úmido, de difícil secagem em virtude do clima na região e com peculiaridades de compactação (grande alteração dos parâmetros de compactação com ligeira se-cagem a partir da umidade natural), o DAEE optou pela instalação

de laboratório de solos completo no local. Este laboratório foi pos-teriormente vendido a um consórcio de empresas empreiteiras, constituindo o Laboratório Rankine, que passou a dar assistência a várias obras de engenharia, inclusive rodoviárias e de fundações.

A barragem de Saracuruna, localizada na Baixada Fluminense, construída pela Petrobrás, de 1960 a 1962, para abastecimento de água para a Refinaria Duque de Caxias, apresentou infiltração e surgimento de água a jusante, quando atingida cota parcial de en-chimento do reservatório. Após diversas tentativas de impermea-bilização das ombreiras, sem sucesso, o grupo de geologia aplicada e de geotecnia do IPT, liderado pelo engenheiro Murilo Ruiz, realizou, em 1970, estudos para identificar as características da percolação. Foram realizados, pioneiramente no Brasil, ensaios de injeção de corantes e de traçadores radioativos que, juntamente com a inspeção de amostras indeformadas, permitiram a identificação de pequenos túneis, nas ombreiras, passando de montante para jusan-te, com poucos centímetros de diâmetros, a profundidades de cerca de 3 m, resultantes de antigas colônias de formigas. Após a execução de cortina de solo-cimento nas ombreiras e fundações, as infil-trações cessaram e o monitoramento posterior, feito pelo IPT, permitiu assegurar a estabilidade da barragem e a plena utilização do reservatório na cota de projeto.

Na construção da rodovia dos Imigrantes os projetistas optaram por fazer a travessia da Represa Billings por meio de um aterro lan-çado dentro d’água, projetado de maneira a poder ser transformado numa posterior barragem, dividindo a represa em duas áreas, po-dendo ser operadas de maneira distinta, no seu aproveitamento no suprimento de água na região. Na execução desta obra, o IPT instalou e operou piezômetros que registravam o crescimento e a dissipa-ção da pressão neutra após cada lançamento do aterro, já acima do nível d’água em função do que era liberado o lançamento de novas camadas, garantindo-se a estabilidade dos taludes do maciço.

A experiência da obra anterior possibilitou ao IPT atuação impor-tante na construção da Barragem do Rio Verde, no Paraná, em que se compactou o solo com umidade muito acima da ótima, em

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virtude das condições de umidade muito elevada na região, com o consequente abatimento dos taludes do maciço para garantir a estabilidade, conciliando-se esta solução com a baixa resistência do solo da fundação, que não precisou ser escavado. Medido-res de recalque e piezômetros mostraram o comportamento adequado da barragem, justificando a solução adotada.

Em 2010, o IPT, colaborando para o contínuo desenvolvimento tecnológico das barragens brasileiras, construiu um equipamento para realização de ensaios de medidas de tensões in situ por meio de fraturamento hidráulico. Conhecer o estado de tensões nos maci-ços rochosos é particularmente importante para o projeto de túneis de alta pressão, onde é necessário evitar que a pressão hidráulica interna conduza à ruptura do maciço. O conhecimento sobre o estado de tensões do maciço também contribui significativamente para o dimensionamento da blindagem do conduto forçado.

Tecnologia de concretoNo campo de concreto o IPT contribuiu na consultoria e supervi-são das dosagens e no controle dos materiais constituintes. Papel importante ocorreu nas barragens de Jupiá e Ilha Solteira, onde se constatou, devido às características dos agregados, a possibili-dade de reações álcali-agregados que comprometeriam a durabi-lidade das obras. Os estudos apontaram para a incorporação de pozolanas na constituição dos concretos, o que foi adotado, com o ganho adicional de redução da temperatura do concreto durante a cura e o endurecimento.

Modelos físicos estruturaisModelos físicos de estruturas de barragens não são rotineiros nos projetos destas obras. Restringem-se a casos especiais, quando os projetistas recorrem a eles para esclarecer dúvidas sobre o com-portamento da estrutura em obras cujo valor e importância os jus-tifiquem. No Brasil, foram realizados dois estudos com modelos físicos de características diferentes, conforme descrito a seguir.

Para a barragem de Jupiá, o professor Telêmaco van Langendonck, por parte da empresa projetista, solicitou ao IPT um modelo dos apoios das comportas nos contrafortes da barragem. O modelo foi de comportamento elástico, tendo sido construído com poliés-ter, sendo um trabalho que na época, 1968, apresentava muita dificuldade em virtude da pouca disponibilidade de materiais. O modelo foi moldado com as dimensões estudadas, a partir de matérias primas, o que requereu um estudo preliminar para a deter-minação da adequada proporção dos componentes e dos procedi-mentos de cura. O contraforte da barragem, no modelo, tinha cerca de 50 cm de altura, representando a barragem numa escala de 1:100 e foi carregado por meio de pesos mortos até serem atingidas as pressões na escala empregada. Conduzido com sucesso, constituiu-se no primeiro modelo estrutural voltado a barragens no Brasil.

Posteriormente, de 1977 a 1979, foram executados dois mode-los para o projeto da barragem de Itaipu, segundo a técnica de ensaios em modelo desenvolvida pelo Istituto Sperimentale Mo-delli e Strutture (ISMES), de Bergamo, Itália. Esta técnica se caracteriza pela utilização de modelos de grandes dimensões, formas de resina, micro-concreto de pedra pomes e sistema es-pecial de aplicação de cargas de peso próprio. A técnica de en-saio é extremamente complexa, e para o seu desenvolvimento, o engenheiro Fausto Tarran do IPT, depois de um estágio na Itália, projetou um laboratório especial, na realidade um pórti-co de reação que permite ensaio de modelos de até 3 m, que foi construído pelo IPT. Coube a ele, também, a realização dos ensaios.

Os micro-concretos utilizados para a representação das fundações e do elemento estrutural em estudo são executados com materiais especiais e misturas adequadas, de maneira que resulte em material com propriedades reológicas adequadas à escala do modelo. No caso específico dos modelos da barragem de Itaipu, foi desenvolvido um material básico com micro-concreto de argila expandida, em subs-tituição às pedras-pomes diatomito, empregados pelo ISMES, ou o gesso, utilizado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa. Quando o material deveria ter módulo de deformação muito baixo, utilizou-se argamassa de areia, cimento e pérola de isopor.

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Os modelos tinham alturas de 1,8 m (estrutura de controle do desvio do rio) e 2,5 m (bloco de gravidade aliviada da barragem principal, incluindo as fundações - Figura 2). As formas das estru-turas foram construídas sobre contra-formas, estas uma réplica, em madeira, da estrutura do modelo a ser construído. No corpo dos mo-delos foram introduzidos tirantes para simulação do peso próprio da estrutura. As cargas hidrostáticas na face do modelo foram aplicadas por pequenos macacos hidráulicos. No modelo do contraforte, foram aplicados 22 macacos, de maneira a simular o empuxo corresponden-te ao reservatório em plena altura. Os ensaios foram conduzidos até a observação de indícios de ruptura nas fundações, no modelo da estrutura de desvio. No modelo do corpo da barragem, o ensaio foi até a ruptura da junta vertical de concretagem dos contrafortes, em função do que foi feita modificação do projeto estrutural da obra.

Instrumentação de barragensEm meados da década de 1970, foi desenvolvido o primeiro piezôme-tro pneumático no IPT, pelo engenheiro Alinor Figueiredo e equipe. Em seguida, foram desenvolvidas as células de pressão total que,

juntamente com os aperfeiçoamentos na unidade de leitura, foram nomeados de instrumentos pneumáticos tipo IPT.

As primeiras utilizações destes instrumentos pneumáticos em barragens foram nas barragens de Rio Verde da Petrobrás, em 1976, e Piraquara da SANEPAR, em 1978 (Figura 3). No entanto, a aplicação mais importante e extensiva ocorreu nas barragens do Jaguari e Jacareí da SABESP, em 1979. Nas barragens da SABESP, foram instalados instrumentos pneumáticos tipo IPT ao lado de instrumentos elétricos de corda vibrante tipo Maihak, a se-melhança do ocorrido na barragem de Piraquara onde se uti-lizou piezômetros elétricos tipo Geonor. A comparação dos resultados alcançados revelou o bom desempenho dos pneumáticos.

Nesta fase, as importações de instrumentos geotécnicos eram difíceis e tal fato favoreceu o crescimento e aplicação dos instru-mentos fabricados no Brasil. Foram muitas as barragens instru-mentadas com piezômetros e células de pressão tipo IPT, entre elas destaca-se a barragem de Itaparica da CHESF onde foram instalados quase duas centenas de instrumentos pneumáticos. Também foram instrumentadas barragens na América do Sul com

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Figura 2 – Usina hidroelétrica Itaipu, Rio Paraná - Modelo reduzido do bloco da barragem principal (1978)

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estes pneumáticos como, por exemplo, Paso Severino no Uru-guai. A partir dos anos 2000 os instrumentos pneumáticos perderam espaço para os instrumentos elétricos de corda vibrante, em razão da automação das medidas e não em função do desem-penho deste tipo de instrumento.

Além dos instrumentos pneumáticos, o IPT também desenvol-veu instrumentos elétricos, com princípio de transdução por strain-gauge, que também foram aplicados em várias barragens nacionais e internacionais.

Segurança de barragensApós os acidentes ocorridos com as barragens de Euclides da Cunha e Armando de Salles Oliveira (Limoeiro), duas barragens em cascata no Rio Pardo, em 1977, o governo de São Paulo promulgou o decreto estadual no 10.752, em 21 de novembro de 1977, dispondo sobre a realização de auditoria técnica externa permanente em autarquias e

companhias em cujo capital o Estado tivesse participação majoritária. Por falta de regulamentação este decreto não foi implementado por todas as autarquias e companhias.

Em 1978, atendendo solicitação da SABESP, o IPT organizou uma equipe formada por especialistas de diversas áreas do próprio insti-tuto acrescida de consultores externos, para monitorar a segurança das barragens dessa companhia responsável pelo abastecimento da Grande São Paulo. Vinte e três barragens na região metropolitana de São Paulo tiveram suas características técnicas levantadas e passa-ram a ser vistoriadas anualmente, constituindo-se este projeto num exemplo da auditoria externa de segurança de barragem (Figura 4).

Dentro destes conceitos de segurança de barragens também foi objeto de continuidade dos trabalhos a barragem de Saracuruna da Petrobrás, entre outras.

ReferênciasIPT 100 anos de Tecnologia. Publicação IPT no 2600. São Paulo, 24/06/1999

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Figura 3 – Barragem de Piraquara, SANEPAR. Instalação de piezômetro pneumático (1978)

Figura 4 – Barragem de Pedro Beicht, SABESP. Mapeamento de fissuras no paramento de jusante (1992).

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Vista aérea do LAHE

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Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos de Furnas - LAHE

Fátima Moraes de Almeida e Marcos da Rocha Botelho

Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos de Furnas - LAHE

Para atender necessidades específicas que foram surgindo ao longo de seus projetos, Furnas foi, pouco a pouco, aumentando o seu grau de participação nos estudos em modelo até assumir integralmente a coordenação dos mesmos.

Com isso, Furnas começou a supervisionar diretamente os testes realizados para a validação e otimização dos projetos de seus em-preendimentos e a atividade de desenvolvimento de estudos hi-dráulicos em modelo reduzido passou a ser de responsabilidade do

seu Departamento de Engenharia Civil, sendo inicialmente desen- volvida através da contratação do laboratório Hidroesb.

Visando exercer maior controle técnico sobre os trabalhos realiza-dos e manter os modelos de suas usinas construídos mesmo após as definições de projeto das mesmas, em 26 de dezembro de 1983 foi iniciada a implantação do Laboratório de Hidráulica Experi-mental (LAHE) de Furnas, em área própria da empresa, junto a subestação de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Essa medida se apoiou

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Figura 1 - LAHE – Sede em Jacarepaguá – Instalações

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no fato do modelo reduzido também se revelar uma importan-te ferramenta de trabalho para as fases de construção e operação dos empreendimentos hidráulicos. Com a construção dos mo-delos em área própria, Furnas os teria disponíveis para atender a qualquer necessidade que surgisse durante ou mesmo após a construção das suas usinas.

Para o desenvolvimento do projeto e construção de toda a infra-estrutura necessária ao funcionamento de um laboratório de hi-dráulica, fez-se necessário um enorme trabalho de mobilização dos recursos internos da empresa. Esse trabalho foi coordenado pelo engenheiro Erton Carvalho, então chefe da Divisão de Estudos e Projetos Hidrotécnicos de Furnas, e pelo engenheiro Carlos Alfredo de Almeida Paiva, seu substituto imediato.

A construção da sede própria do LAHE foi iniciada somente após três anos de funcionamento efetivo do laboratório.

Nos seus primeiros quatro anos de funcionamento, o LAHE, cria-do com objetivo de atender exclusivamente aos empreendimentos

da empresa, contou com a prestação de serviços do Laboratório Hidroesb Saturnino de Brito S.A. em suas instalações.

Ressalta-se, no início desse período, a importante atuação do engenheiro Dirceu Pennafirme Teixeira (do Hidroesb) que ao lado da equipe de Furnas colaborou ativamente no processo de implantação do laboratório.

Nas instalações de Furnas esse laboratório desenvolveu as ativida-des de projeto, construção e operação dos modelos dos empreen- dimentos em estudo àquela época, a saber:

Usina de Serra da Mesa, nas fases de projeto e construção; Usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho (Estreito), em operação; Usina de Furnas, em operação; Usina de Porto Colômbia, em operação; Usina de Cana Brava, em projeto e Usinas de Anta e Simplício, em projeto.

No modelo de conjunto da usina de Serra da Mesa foi feito o acompanhamento dos projetos básico e executivo e de alguns pro-

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 - Engenheiro Erton Carvalho (segundo à frente, da esquerda para direita). Responsável pela criação do LAHE – Visita ao modelo vertedouro da usina hidroelétrica de Batalha

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Foram pesquisados também, num modelo de detalhe de seu circui-to de geração, os coefi cientes de forma que alimentaram o modelo matemático adotado para a simulação dos transientes hidráulicos a que a usina estaria submetida durante a sua operação.

No modelo da usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho as pesquisas foram direcionadas para eliminar as erosões regressivas que ameaça-

Para a usina de Furnas foi analisada a ameaça de desmoronamento de parte da encosta do Morro dos Cabritos. Foram estudadas as ondas geradas por esse deslizamento e que poderiam ameaçar seria-mente as estrutura da barragem. Diversas possibilidades de queda desse maciço rochoso foram estudadas. Foram avaliadas as alturas das ondas, os danos que ocorreriam a montante da barragem e os níveis de segurança do reservatório. Sem os recursos de instrumentação necessários às medições a serem realizadas, o LAHE contou com o apoio técnico e logístico do INPH (Instituto de Pesquisas Hidroviárias) e da COPPE (Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro). Com o INPH foi obtida, por empréstimo, a instru-mentação necessária às medições de ondas. Já a COPPE contribuiu com o desenvolvimento de parte da instrumentação necessária ao LAHE e com o estudo teórico do fenômeno em estudo. Além da aproximação com outro centro de tecnologia, esse estudo

cessos construtivos utilizados pela obra. Isso permitiu a integra-ção entre as diversas etapas de construção da usina, otimizando, entre outras coisas, o balanço de materiais, trazendo assim grande economia ao empreendimento.

vam comprometer a estabilidade da estrutura de seu vertedouro em salto de esqui. A solução encontrada, de fácil execução e baixo custo, foi a alteração da geometria da concha de arremesso do vertedouro, modifi cando assim as características de lançamento do jato.

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Figura 3 - Modelo de conjunto da usina hidroelétrica de Serra da Mesa. Detalhe da reprodução da tomada d’água

Figura 4 - Modelo de conjunto da usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho (Estreito)

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marcou assim a primeira interface do LAHE com um centro acadê-mico de pesquisa. Nessa ocasião, os dados obtidos no modelo físico foram confrontados com o resultado de estudos em modelos mate-máticos desenvolvidos pela COPPE.

No modelo bidimensional do vertedouro de Porto Colômbia foi diagnosticada a causa das erosões existentes no concreto da bacia de dissipação do vertedouro. Os estudos que conduziram à solução adotada na obra foram complementados em um modelo de conjunto da usina que permitiu, inclusive, direcionar as obras de enseca-mento da bacia. Em parceria com outros laboratórios e entidades de pesquisa, após a realização da obra corretiva sugerida pelo modelo, foi realizada uma campanha de medição de pressões instantâneas na bacia de dissipação do empreendimento.

Tirando partido das informações modelo-protótipo, os dados de pressão obtidos em Porto Colômbia foram posteriormente utilizados na calibração de um modelo matemático de previsão do campo de pressões, velocidades e níveis d’água em bacias de dissipação. Com orientação do IME, esse estudo gerou a tese de mestrado inti-tulada “Estudo Numérico e Experimental de Bacia de Dissipação” da Renata Cavalcanti Rodrigues, na época engenheira do LAHE.

No modelo da usina de Cana Brava, construída a jusante de Serra da Mesa, no rio Tocantins, foi feito o acompanhamento de toda a fase de estudo do projeto básico.

Esses dados foram disponibilizados para a comunidade científica que não dispunha, até aquele momento, de dados suficientes de protótipo que pudessem validar os estudos teóricos que vinham sendo desenvolvidos nessa área de atuação.

Nos modelos onde foram estudados os arranjos originais da usinas de Anta e Simplício, no rio Paraíba do Sul, foram otimizados os projetos básicos das mesmas.

Após quatro anos de existência do LAHE, e num momento em que alguns dos estudos acima citados ainda se encontravam em andamento, Furnas se deparou com o término do contrato com a Hidroesb e com a impossibilidade de sua renovação. Diante desse impasse, parte da mão de obra especializada da Hidroesb acabou

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 5 - Modelo de conjunto da usina de Porto Colômbia. Medição de pressões instantâneas na bacia de dissipação

Figura 6 - Modelo da usina de Cana Brava

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por ser absorvida por Furnas que, contando com o apoio de seus técnicos locais, passou a se responsabilizar pelo completo desen-volvimento dos estudos em modelo.

Dentre esses técnicos, responsáveis pela supervisão dos serviços do laboratório, destacam-se como pioneiros os engenheiros Mar-cos da Rocha Botelho (atual gerente do LAHE) e Fátima Moraes de Almeida (que atua ainda hoje na coordenação de estudos em desenvolvimento no laboratório).

Esse foi um dos momentos decisivos para a constituição da atu-al identidade do laboratório de Furnas que, ainda sob a condição de uma atividade de uma divisão de projeto da empresa, preci-sou obter recursos para a aquisição de todo o ferramental, equi-pamento e instrumentação eletrônica indispensável aos estudos em modelo. Itens esses que antes eram fornecidos através do contrato com o laboratório Hidroesb.

Nessa ocasião, mais uma vez o espírito empreendedor do engenheiro Erton Carvalho entrou em ação. Como chefe da divisão respon-sável pelo Laboratório e tendo em mãos uma carteira de trabalhos já realizados, ele foi buscar junto aos órgãos superiores de Fur-nas os recursos necessários à consolidação do controle total pela empresa de todos os estudos hidráulicos em modelo reduzido de seus empreendimentos. A superação dessa fase acabou por trazer ao LAHE alguns grandes benefícios, tais como: modernização da instrumentação utilizada nos seus processos de construção e operação de modelos, reformulação dos processos de construção de modelos que geraram facilidades construtivas e operativas dos mesmos e maior possibilidade de investimento no aperfeiçoa- mento de seu quadro técnico.

Quanto à usina de Manso, estudada pelo CEHPAR quando de pro-priedade da Eletronorte, ao assumir 70% de seus investimentos em

parceria com o consórcio PROMAN, Furnas decidiu pela constru-ção de um novo modelo da usina em seu laboratório para a realiza-ção de estudos complementares, acompanhamento do término da construção e fornecimento de subsídios para a operação da mesma.

Visando subsidiar o projeto, construção e operação de um verte-douro complementar que compatibilizasse a capacidade de ver-timento da usina com os demais aproveitamentos da cascata, foi construído e operado no LAHE um modelo de conjunto da Usina Marechal Mascarenhas de Moraes, inicialmente em concessão da CPFL e que, a partir de 1973, passou a ser operada por Furnas.

Em 1994, o LAHE foi procurado pela Light para subsidiar, através de estudos hidráulicos em modelo reduzido, o projeto de reabilita-ção da Usina de Ilha dos Pombos. Esses estudos foram realizados entre os anos de 1995 e 1996. Essa primeira solicitação de desenvol-vimento de um serviço externo motivou o LAHE a investir, a partir de 1997, na melhoria contínua de seus processos e produtos por meio da busca pela certificação através da Norma NBR ISO 9001. Esse projeto, incentivado pelo engenheiro Erton Carvalho, chefe do Departamento de Engenharia Civil de Furnas, foi de-senvolvido na gestão do engenheiro Danilo Lopes Marques da Silva que exercia, àquela época, a chefia da divisão responsável pelas atividades do Laboratório. Para alcançar esse objetivo fez-se

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Figura 7 - Engenheiros Marcos da Rocha Botelho e Fátima Moraes de Almeida,

técnicos pioneiros do LAHE

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necessário, além de um intenso treinamento de sua equipe, a elaboração de instruções de trabalho prescritivas de cada uma das etapas dos estudos.

Tecnicamente apoiada nos fundamentos teóricos da hidráu-lica, da mecânica dos fluidos e de outras disciplinas afins, a realização de estudos hidráulicos em modelo reduzido não possui um conjunto rígido de critérios ou normas próprias que norteiem ou que, obrigatoriamente, devam ser aplicadas nas fases de projeto e construção dos modelos e durante a fase de estu-dos propriamente dita. Toda a fundamentação teórica em que se baseiam os estudos experimentais é extraída dos manuais clássi-cos tanto de hidráulica, quanto de projeto de estruturas hidráu-licas, de trabalhos e pesquisas acadêmicas e, ainda, de publica-ções de estudos específicos realizados em diversos laboratórios do ramo.Embora possam ser encontrados alguns trabalhos es-parsos, em que se procurou reunir o maior número possível das informações em que se baseiam os estudos em modelo físico, os mesmos estão longe de se constituírem num compêndio

ou num manual clássico dessa disciplina. Por essa razão, as di-ficuldades encontradas na sistematização dessas tarefas foram enormes tendo em vista que, ao longo de anos, elas se basearam unicamente na experiência profissional dos técnicos envolvi-dos nos serviços de modelo. A elaboração dessas “normas” de projeto, construção e realização de ensaios em modelo, além de consolidar a experiência adquirida pelo LAHE ao longo dos seus, até então, 16 anos de serviços prestados a Furnas, contribuiu de forma marcante, não só para o auxílio à formação de seus profissionais iniciantes, como também para o trabalho da-queles que já atuantes na área, passaram a poder contar com um roteiro organizador de suas atividades.

Após três anos de trabalho nesse sentido o laboratório, ainda na condição de uma atividade de uma divisão, obteve em outubro de 2000 a sua Certificação ISO 9001.

A partir desse momento o Laboratório de Furnas, apresentando como diferencial o fato de ser o primeiro laboratório de hidráulica

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 8 - Modelo da usina Marechal

Mascarenhas de Moraes (Peixoto)

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experimental do Brasil certificado pela ISO 9001, passou a par-ticipar de várias concorrências para a prestação de serviços externos, colocando-se lado a lado com os tradicionais labora- tórios brasileiros já citados.

Logo após a sua primeira prestação de serviço externo, foram estudados no LAHE:

A usina de São Gabriel da Cachoeira para a qual, por solici-tação do Ministério da Aeronáutica, foi avaliado num modelo bidi-mensional o comportamento de seu vertedouro de superfície com paramento de jusante em degraus;

A usina Cana Brava, da Tractebel. Esses estudos foram reto- mados para atender ao projeto executivo e fases construtivas da usina.

A usina de Monte Claro, da CERAN (Companhia Energética Rio das Antas), localizada no Rio das Antas, no Rio Grande do Sul, cujos estudos objetivaram o diagnóstico do projeto, a otimização e a caracterização dos vertedouros da usina;

As usinas de Capim Branco I e II, ambas da CEMIG, lo-calizadas no Rio Araguari, em Minas Gerais. Para a realização desses estudos o LAHE foi contratado pela Intertechne visan-do o diagnóstico dos arranjos propostos e a otimização das estruturas hidráulicas e

A usina de Foz do Rio Claro, localizada a montante da foz do Rio Claro (afluente do Rio Paranaíba pela margem direita), no estado de Goiás. Esse estudo foi desenvolvido para a Alusa Engenharia Ltda e teve por objetivo fornecer informa-ções de interesse ao projeto executivo do aproveitamento no sentido de avaliar, otimizar e consolidar o projeto das estruturas hidráulicas do mesmo.

Com a implementação da lei 9.991, de 24 de julho de 2000, que dispõe sobre a realização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em eficiência energética por parte das em-presas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor

de energia elétrica as concessionárias de geração e empresas autorizadas à produção independente de energia elétrica ficaram obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no mínimo, um por cento de sua receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico. O primeiro ciclo de participação de Furnas nesse programa compreendeu os anos de 2000/2001.

Com o programa de P&D assim implementado por Furnas, o LAHE passou também a participar dos projetos anuais de pesquisas que utilizassem os estudos hidráulicos em modelo reduzido como ferramenta de trabalho. Desde então, em parceria com universidades e entidades afins, o LAHE vem realizando estudos em pesquisa e desenvolvimento que abrangem, dentre outros temas, as áreas de:

Transientes hidráulicos em circuitos de usinas hidroelétricas;

Escoamento sobre vertedouros em degraus;

Padrões de vibração em estruturas hidráulicas por ação de escoamentos;

Dimensionamento e otimização de bacias de dissipação através da utilização de modelos numérico e experimental;

Análise de macroturbulência em estrutura de dissipação de energia;

Eclusa de navegação;

Previsão de erosões a jusante de vertedouros

Os assuntos abordados nas pesquisas que vem sendo desenvolvidas pelo LAHE são aqueles em que o laboratório sente maior neces-sidade de aprofundamento para o desempenho de suas atividades e os que, por apontarem para tendências futuras, possam permitir o seu desenvolvimento e expansão.

Os parceiros tecnológicos foram, inicialmente, aqueles com os quais o LAHE havia desenvolvido trabalhos em conjunto e onde as exigências de cumprimento de cronograma e metas haviam se

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revelado satisfatórias. Posteriormente foram feitos contatos com outros centros de pesquisa em função das áreas de estudo a que estes estavam se dedicando e novas parcerias surgiram. A diversidade de parceiros é vista como benéfica, pois cada ins-tituição de pesquisa tem características e excelências próprias que aumentam as perspectivas e os horizontes do LAHE.

Em parceria com o IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o IME (Instituto Militar de Engenharia) e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), os projetos de P&D desenvolvidos geraram doze teses de mestrado e quatro de doutorado.

Após 22 anos de existência, em janeiro de 2005 o LAHE foi transformado num órgão oficial de Furnas. Na qualidade de escritório regional da empresa, incorporou em suas atribuições as atividades da área de recursos hídricos da extinta DEPH.T, divisão a qual pertencia. Nessa ocasião, para atender a deman-da de serviços e poder fornecer acomodações adequadas ao seu novo corpo técnico, o LAHE teve a área de suas instalações prediais duplicada.

Nessa mesma época o LAHE havia recebido outro grande desafio: realizar o diagnóstico do projeto de viabilidade da usina hidroelé-trica de Jirau, no rio Madeira, projeto esse que Furnas vinha desen-volvendo em parceria com outras empresas do ramo. Para atender a essa solicitação o LAHE precisou, num exíguo espaço de tem-po, ampliar as suas instalações adequando-as às necessidades de área, volume d’água e vazão exigidas por um empreendimento do porte das usinas da Região Amazônica. Esses estudos foram concluídos em dezembro de 2006.

Posteriormente, a topobatimetria implantada nesse modelo foi aproveitada para o estudo do sistema de interceptação e coleta de troncos que estava sendo estudado em conjunto com os empreende-dores das usinas de Jirau e de Santo Antônio, ambas no rio Madeira.

Foi também estudado no LAHE o modelo de conjunto da usina de Anta, de concessão de Furnas e integrante do complexo Sim-plício. Esse modelo foi utilizado para o estudo de desvio do rio, diagnóstico das estruturas e definição do plano de operação das comportas do seu vertedouro.

Logo a seguir surgiu outro grande desafio: a construção de um pos-to avançado de trabalho para o desenvolvimento dos estudos em modelo da usina hidroelétrica de Santo Antônio.

Somente o modelo de conjunto da usina hidroelétrica de Santo Antônio, na escala 1:80 por exigência da empresa projetista, com-preende uma área útil de 4.000 m². Como, para atender a toda essa demanda, as instalações existentes em Jacarepaguá se mostraram insuficientes, o LAHE viabilizou a utilização de outra área de Furnas localizada ao lado da Subestação de São José, em Belford Roxo. Nesse local, com o apoio dos parceiros de Furnas nesse empreendimento, foi montada uma nova unidade do

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 9 - Modelo físico utilizado no P&D sobre eclusa de navegação

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LAHE para atendimento exclusivo dos estudos da usina hidro- elétrica de Santo Antônio.

Em contribuição ao projeto dessa usina já foram realizados em modelo:

O diagnóstico e otimização do arranjo geral das estruturas; O levantamento da capacidade de vazão dos seus vertedouros; As simulações das condições de desvio do rio; O diagnóstico e otimização do sistema de transposição de peixes;

O último projeto diagnosticado e otimizado no LAHE foi o da usina hidroelétrica Batalha, concessão de Furnas.

Encontra-se hoje em andamento a realização dos estudos hidráu-licos em modelo reduzido da usina hidroelétrica de Teles Pires, localizada no Rio Teles Pires.

A trajetória do LAHE, desde a sua criação em 1983 até a pre-sente data, esteve calcada na competência e dedicação dos pro-fissionais que atuam nos diversos setores que o compõem, a saber: estudos, projeto, construção e modelagem, operação, documentação cinefotográfica, instrumentação, pesquisa e desenvolvimento, administração e qualidade. Foi com o traba-lho e o comprometimento desses profissionais que o laborató-rio de Furnas conseguiu, ao longo de sua existência, se colocar no patamar de visibilidade em que se encontra. Todo o seu his-tórico de serviços realizados, tanto para Furnas quanto para clientes externos, sua iniciativa em pesquisas voltadas ao setor de energia, sua política de valorização de pessoal, sua respon-sabilidade técnica e, principalmente, seu compromisso com os pr incípios ét icos na condução de seus trabalhos, con-solidaram a imagem do LAHE a nível nacional e o tornou conhecido internacionalmente.

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Figura 10 - LAHE – Unidade Belford Roxo

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O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC

Flávio Moreira Salles, Wanderley Ognebene, Luiz Morita

O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC

O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC, instalado em Ilha Solteira/SP, é o mais antigo laboratório de tecnologia das empresas ligadas ao setor elétrico no país, tendo completado 40 anos de existência em agosto de 2009, e considerado uma referência na prestação de serviços tecnológicos para os empreendimentos da CESP e de terceiros.

Reviver a história do Laboratório CESP é passar a limpo o desen-volvimento da tecnologia de construção de barragens no Brasil. É verificar como se deu a transposição da ponte do desenvolvimen-to - passando da total dependência dos estrangeiros ao domínio da arte de construir hidroelétricas no Brasil e permitir a participação em obras de usinas no exterior.

O início do laboratório com o IPTA década de 50 se notabilizou pelas iniciativas empreendedoras, destacadas pelo início dos trabalhos de projeto e construção das grandes barragens no Brasil. Particularmente no Estado de São Pau-lo, a Usina Hidroelétrica Salto Grande no rio Paranapanema foi a primeira, tendo sido totalmente projetada no exterior.

Depois se seguiram as usinas Barra Bonita (1952) no rio Tietê e Limo-eiro (1953) no rio Pardo, que tiveram assistência de técnicos estran-geiros, principalmente nas questões de hidráulica e de equipamentos.

Na seqüência foram construídas usina hidroelétrica Jurumirim no rio Paranapanema e usina hidroelétrica Euclides da Cunha no rio Pardo.

A partir da segunda metade dos anos 50 foram tomadas algumas iniciativas governamentais, como a instalação da CIBPU - Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, para estudar o desenvolvi-mento sócio-econômico e os aproveitamentos energéticos dessa importante bacia hidrográfica.

Por solicitação da CIBPU, a Societá Edison de Milão-Itália desenvolveu estudos para o aproveitamento das quedas de Urubupungá, contemplando a construção de duas barragens: uma em Jupiá e outra em Ilha Solteira.

Aprovada a construção, realizadas as investigações geológicas, iniciou-se a construção da usina hidroelétrica Jupiá em 1961, que sem dúvida, constituiu-se num marco na história das grandes hidroelétricas do país, quer pela dimensão do projeto e o desenvol-vimento técnico que propiciou, quer pelas dificuldades enfrentadas para sua execução. Ainda vivia-se sob forte dependência tec-nológica do exterior. O projeto foi desenvolvido no Brasil, mas modelo hidráulico foi feito na França, os estudos de me-cânica das rochas realizados no Laboratório Nacional de En-genharia Civil, de Lisboa, e o concreto e seus constituintes estudados na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos.

Os frutos desses investimentos foram colhidos a partir do projeto executivo de Ilha Solteira, a hidroelétrica de maior capacidade de geração da CESP, que foi desenvolvido no Brasil.

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Usina hidroelétrica de Porto Primavera (Sérgio Motta)

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Na ocasião da obra, instalou-se em Jupiá, ainda na CELUSA, um laboratório de hidráulica, com a consultoria francesa da SOGREAH (Société Grenobloise d’Etudes et d’Applications Hydrau-liques) onde foram estudados os modelos hidráulicos reduzidos da Usina hidroelétrica Ilha Solteira, e posteriormente das usinas Promissão, Água Vermelha, Capivara, Nova Avanhandava, Porto Primavera,Taquaruçu, Rosana e Três Irmãos. Posteriormente, tal laboratório foi incorporado ao CTH, da USP.

Em Jupiá foram instalados laboratórios de concreto e solos, for-mando o Laboratório de Obras, com a colaboração do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo - IPT: o Laboratório de Solos, implantado quando as ensecadeiras começaram a ser construídas em Jupiá, era caracterizado como área de apoio do Setor de Terraplena-gem da obra, e seu quadro era formado por técnicos especializados do IPT que supervisionavam os empregados da recém formada CELUSA - Centrais Elétricas de Urubupungá S.A., proprietária da obra, orientando-os nos ensaios de controle de qualidade.

Eram de sua responsabilidade, compreendendo tanto as ativida-des de campo como as de laboratório, os serviços de controle de qualidade das barragens de terra e de enrocamento, os filtros, drenos e transições e a proteção de taludes, além das sondagens nas jazidas e áreas de empréstimo da barragem e das estradas da região, executados como serviços de apoio para outros setores do empreendimento.

A necessidade de se contar com gente experiente em algumas atividades, trouxe para trabalhar na CELUSA e se incorporar à equipe do Laboratório de Obras o técnico Agostinho Maldonado Guirão, com a missão de adequar os ambientes físicos e os equipamentos e implantar os métodos de ensaios, consolidando a Área de Solos. Papel semelhante cumpriu, à época, o técnico Clarindo Brandão na Área de Concreto.

O Laboratório de Concreto se instalou no mesmo ano de 1961, sob a supervisão do engenheiro Fausto Cesar Vaz Guimarães. Destacam-se na época, as relevantes análises de aplicabilidade dos materiaisdisponíveis na região da obra para confecção do concreto.

As seções do laboratório de concreto foram implantadas e incre-mentadas com suas diferentes modalidades e especialidades, para possibilitar o adequado controle de qualidade dos materiais, da produção dos aglomerantes e dos concretos lançados.

Foram desenvolvidos estudos multidisciplinares para determina-ção do mecanismo de desagregação das rochas basálticas e a sua influência no comportamento do concreto, quando usadas como material de construção.

Deve-se ressaltar a participação do ilustre professor Arthur Casagrande, que em muito contribuiu para o sucesso dessas pesquisas com suas opiniões e ensinamentos.

Importante contribuição foi oferecida pelo engenheiro Heraldo de Souza Gitahy do IPT, em visitas sistemáticas à obra, por suas observações e pesquisas da reatividade potencial do seixo rolado do rio Paraná para a reação álcali-agregado, oferecendo ao Brasil o conhecimento dessa anomalia recém descoberta e as conseqüências para o concreto.

A constatação de que a composição mineralógica dos terraços aluvionares da região de Jupiá era constituída em grande parte por minerais deletérios, sujeitos a reações químicas com os álcalis do concreto, intensificou a pesquisa para obtenção do inibidor da reação. Após pesquisa com emprego da pozolana artificial produzida no canteiro de obras, a partir da argila calcinada e mo-ída, comprovou-se os benefícios desse material, impulsionando a tecnologia do uso da pozolana, que adicionada à mistura de concreto provoca a mitigação do processo expansivo da reação.

Em 1964, o técnico Adonis Thimóteo dos Santos dedicou-se à tradução das normas da ASTM - The American Society for Testing Materials e do US Army Corps of Engineers, para a adap-tação e implantação dos métodos de ensaios de tecnologia do concreto no Laboratório de Obras, que foram usados por mais de duas décadas no país, suprindo a necessidade de metodologia referência para os ensaios em concreto no Brasil.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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O laboratório da CESPEm 1969, os laboratórios de Concreto e Solos foram transferidos para o canteiro de obras de Ilha Solteira, constituindo-se formal-mente o Laboratório da CESP para fazer frente às experiências tecnológicas que aquele projeto exigia, e se consolidando a partir de então, em local para ensaios de materiais da própia CESP, das congêneres no Brasil e do exterior.

O Complexo Urubupungá, integrado por Jupiá e Ilha Solteira, se destacou nesse contexto como um marco brasileiro na constru-ção das grandes barragens. E o Laboratório se notabilizou pelo suporte oferecido àqueles empreendimentos, quer pelas inovações tecnológicas conquistadas, quer pela conduta do experimentar para aplicar, desenvolvendo técnicas construtivas e empregando materiais alternativos, e pela metodologia de ensaios oferecida ao meio técnico nacional.

Esse processo se deu com maestria, capitaneado por técnicos dedicados e competentes, aos quais muito se deve por essa jornada desenvolvimentista.

O professor Roy Carlson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, se destacou neste período, na transferência da tecnologia do concreto para os engenheiros brasileiros, particularmente do concreto-massa, e teve no Laboratório CESP guarida para seus experimentos e ensinamentos.

Menção para o engenheiro José Florentino de Castro Sobrinho, ide-alista determinado, que naquela época como gerente do laboratório estabeleceu os contornos da independência tecnológica externa e a forma de trabalho do Laboratório idealizado, sustentado pelas viagens de intercâmbio aos Estados Unidos, especificamente na Universidade da Califórnia em Berkeley.

É inegável a contribuição oferecida por Ilha Solteira à engenharia nacional, com as inovações tecnológicas e novas técnicas construtivas, o emprego de equipamentos e materiais não convencionais. E a partici-pação do Laboratório CESP foi intensa e fundamental, oferecendo su- porte para as decisões e garantindo a qualidade do empreendimento.

Na construção de Ilha Solteira foi empregado pela primeira vez no Brasil o concreto refrigerado com gelo em escamas, marco pioneiro da CESP, introduzido pelo seu Laboratório de Concreto.

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Figura 1 - Vista aérea do canteiro de obras de Ilha Solteira, mostrando localização do LCEC

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Nesse período, a partir de 1971, teve início um notável programa de ensaios com a moldagem de blocos para verificar o comporta-mento de concretos confeccionados com diferentes composições de agregados e de aglomerantes. Aqueles blocos de concreto foram expostos ao tempo e assim estão até hoje, possibilitando acom-panhar eventual fissuração e sua evolução, e certificar a eficiência da aplicação de material pozolânico nas misturas para inibir os processos expansivos, particularmente da reação álcali-agregado. Em área de destaque, o conjunto de blocos de concreto é conhecido por “cemitério”, pela forma e disposição dos espécimes.

O Laboratório Central de Engenharia Civil – LCECNo ano de 1976, a Unidade foi denominada Laboratório Central de Engenharia Civil - LCEC, com atribuições para atender as deman-das internas da CESP e com estrutura que possibilitou intensificar a prestação de serviços a projetos externos nacionais e internacionais. Diversos foram os clientes, destacando-se as obras das barragens: Itaipu, Itaparica, Sobradinho, Couto Magalhães, Tucuruí.

Naquela oportunidade existiam seis áreas distintas, com quadros especializados e atividades específicas: Concreto e Materiais, Mecâ-nica dos Solos, Mecânica das Rochas, Geologia Aplicada, Segurança e Controle de Barragens e Instrumentos e Modelos Estruturais.

Sob o comando do engenheiro George Antonio Mellios, o Labora-tório reuniu vinte e quatro colaboradores com formação superior em atividades permanentes nas salas de ensaios e nos canteiros de obras, realizando pesquisas e análises em materiais, ou liberando escava-ções e tratamentos geológicos, acompanhamento da produção e qualidade dos maciços e dos concretos, e instalando instrumentos ou realizando provas de carga nas estruturas.

Período bastante promissor para o laboratório de ensaios tecnoló-gicos da CESP, pois a Companhia vivia época de franca expansão: terminava as construções das usinas hidroelétricas Capivara, Pro-missão e Paraibuna/Paraitinga, construía a usina hidroelétrica Água Vermelha, reconstruía as usinas acidentadas do rio Pardo, instalava o canteiro para as obras da usina hidroelétrica Nova Ava-nhandava e concluía os projetos básicos para as três obras do Pontal, para uma no Alto rio Tietê e realizava as investigações no Canal Pe-reira Barreto. As malhas de linhas de transmissão de responsabilidade da CESP se espalhavam pelo interior do Estado, com avanços para os estados circunvizinhos, tendo a participação do Laboratório em testes de arrancamento em bases das torres, levantamento e liberação das fontes de agregados e controle das resistências dos concretos. As subestações se multiplicavam, e o LCEC realizava os trabalhos de controle da compactação das suas áreas de implantação.

Registra-se importante participação do Laboratório CESP, particularmente da equipe de Geotecnia, nos trabalhos de investigação e levantamento de campo nos estudos de viabilidade de aproveitamentos hidráulicos no Estado de São Paulo. Esse trabalho, desenvolvido pela CESP nos anos 80, possibilitou mapear o potencial energético remanesceste nas bacias dos rios Turvo, Alto e Baixo Pardo, Juquiá, Médio Tietê, Sapucaí, Ribeira e Alto Mogi-Guaçú, com os seus diversos barramentos.

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 - Cemitério de blocos de concreto integral, confeccionados com diversos agregados e aglomerantes (desde 1971)

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Começaram suas atividades profissionais no Laboratório CESP e de lá partiram para outras conquistas em novos desafios: Ademar Sonoda, Adilson Barbi, Bento Carlos Sgarbosa, Dilermando Her-mínio Bispo, Francelino Fernandes Neto, Francisco Rodrigues Andriolo, Horácio Sverzut Júnior, João Luiz Armelin, José Edu-ardo Costanzo, Luércio Scandiuzzi, Luiz Carlos Mendes, Miguel Normando Abdalla Saad, Regis Frota, Sérgio Silva Macedo, Taylor Castro Oliveira, entre outros.

O Laboratório CESP de Engenharia Civil realizou investigações e pesquisas em materiais e jazidas, verificações de processos cons-trutivos e testes para controle de qualidade e acompanhamento das obras das hidroelétricas e barragens da CESP: Capivara, Parai-buna, Paraitinga, Promissão, Água Vermelha, Nova Avanhandava, reconstrução de Limoeiro e Euclides da Cunha, Rosana, Taquaru-çu, Três Irmãos, Porto Primavera e Mogi Guaçu, além de Jupiá e Ilha Solteira. As escavações no Canal Pereira Barreto também con-taram com os serviços do LCEC. Assim como a construção das

usinas hidroelétricas Canoas I e Canoas II, de conces-são do Consórcio CESP - CBA - Companhia Brasileira de Alumínio teve a participação do Laboratório nas atividades de controle de qualidade, em modelo diferente daquele praticado até então nas obras da Companhia.

Assim como foi mencionada a colaboração dos profes-sores Arthur Casagrande e Roy Carlson, não pode ser omitida a participação do professor Manuel Rocha, par-ticularmente na caracterização das propriedades geodinâ-micas dos arenitos da escavação do Canal Pereira Barreto.

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Figura 3 - Ensaios geotécnicos especiais - triaxiais sobre amostras indeformadas

Figura 4 - Ensaio de cisalhamento direto em materiais rochosos

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Estruturas para o controle tecnológicoConcluídas as usinas Jupiá e Ilha Solteira, outras obras de hi-droelétricas de concessão da CESP se seguiram. O controle tecnológico sempre mereceu atenção e destaque, com estruturas es-pecíficas e atribuições definidas, peculiares a cada empreendimento. Ao seu tempo, os canteiros das obras tinham Laboratório de Cam-po para o acompanhamento das construções e o LCEC em Ilha Solteira executava os ensaios especiais e não corriqueiros, e oferecia metodologia e procedimentos para padronização das atividades em campo.

Benefícios técnicos e vantagens econômicasO desenvolvimento de um eficiente Controle Tecnológico dos materiais e produtos aplicados nas estruturas construídas, e a possibilidade de se contar com os serviços de um Laboratório, desenvolvendo pesquisas e avaliando os materiais e os processos executivos empregados nas obras, resultou em benefícios técnicos (bons desempenhos e eficiência dos concretos), devidamente

compatibilizados com o cronograma de obras, conseqüentes vantagens econômicas.

Podem ser citados alguns exemplos na CESP, com grandes contri-buições aos empreendimentos e à Engenharia Nacional, que tiveram a participação do LCEC, a saber:

a Usinas hidroelétricas Jupiá e Ilha Solteira

A identificação da reatividade potencial álcali-agregado do seixo rolado do rio Paraná e o emprego de material pozolânico para o combate desta reação;

Desenvolvimento de técnicas de produção, através da montagem de moinhos de cimento e pozolana em Jupiá, e controle da qualidade do produto;

Uso de cimento de alta finura, acima das recomendações das normas, com a finalidade de melhor explorar toda a potencialidade do cimento;

O emprego de armadura pré-montada, reduzindo o índice de homens/hora por tonelada de barras de aço aplicada;

A aplicação de pré-moldados incorporados à barragem;

Emprego de aglomerante em concreto abaixo do limite de 100 kg/m3, praticado nos anos 70, com uso de 84 kg/m3;

O emprego de concreto com agregado pré-colocado, em alguns pilares da subestação de Ilha Solteira;

A utilização de caldas refrigeradas e técnicas de injeção a vácuo em cabos de protensão.

b Usina hidroelétrica Três Irmãos

Emprego racional e seletivo de alguns basaltos e recusa de outros, pela formação heterogênea e alterabilidade, identificadas

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 5 - Ensaio de módulo de elasticidade de corpo de prova de concreto de grandes dimensões (450 mm x 900 mm)

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a partir de estudos conduzidos no Laboratório, minimizando descarte de materiais;

A economia resultante dessa seleção foi de aproximadamente US$ 1 milhão, computando-se o volume de escavação; que foi supe-rior se considerados transporte e criação de bota-fora com volume de 160.000 m3 e ampliação da pedreira com decape superior a 10 m.

c Usina hidroelétrica Porto Primavera

Estudo da viabilidade de emprego do basalto de escava-ção, susceptível ao intemperísmo, no concreto da barragem. Alternativa aprovada pelos ensaios desenvolvidos no Laboratório, com condição de restrição.

Pesquisa de mercado para definição de cimento a ser aplicado com material potencialmente reativo com os álcalis. Desenvolvi-mento de cimento pozolânico com características específicas de finura e teor de adição do material pozolânico, resultando cimento Portland CP IV de excelente qualidade, empregado nos diferentes concretos da obra de Porto Primavera. E também nas construções das hidroelétricas Rosana, Taquaruçu, Porto Primavera e Canoas.

Verificação da condição aceitável para manutenção dos perfis de veda-junta e de barras de aço aplicadas nos blocos, após longo período de exposição.

d Complexo Canoas

Confecção de concretos convencional e bombeado com emprego de areia artificial como agregado miúdo, com economia da ordem de US$ 30 milhões.

Considerações finaisA atuação do LCEC acompanhando par e passo a evolução da obra, avaliando soluções para as mais diferentes situações e controlando os materiais e suas aplicações, trouxe benefícios técnicos com van-tagens econômicas significativas. Vantagens que se apresentaram também junto aos fornecedores, garantindo o produto requerido e evitando-se rejeições, atrasos no cronograma e retrabalho.

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AnexosAnexos

Anexo 1 - Entrevistas

Anexo 2 - Depoimentos

Anexo 3 - Diretorias do CBDB

Anexo 4 - Seminários Nacionais de

Grandes Barragens

Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e

Médias Centrais Hidroelétricas

Anexo 6 - Congressos Internacionais e

Reuniões Anuais e Executivas

Anexo 7 - Sócios Mantenedores e Coletivos

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXIA História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 1Entrevista com o engenheiro Eduardo Larrosa Bequio

FMM - Larrosa, como foi a sua formação profissional?ELB - Sou engenheiro civil formado em 1968 pela Faculdade de Engenharia da Universidad de la Republica Oriental del Uruguay

FMM - Larrosa, antes de sua vinda para o Brasil como foi a sua carreira no Uruguai?ELB - De inicio trabalhei, no período 1966/1973, no Projeto Lagoa Mirim- Brasil/Uruguai/FAO/PNUD, estudo de desenvolvimento integrado desta bacia internacional. Tive, então, contacto com mais de 50 técnicos nacionais e estrangei-ros nas diversas disciplinas de uso de recursos naturais, hidroeletricidade, irrigação, meio ambiente, economia, etc. Em 1968 cursei uma pós-graduação em hidrologia e hidráulica em Madri. Posteriormente fui co-diretor pela contrapartida uruguaia dos estudos dos aproveitamentos hidroelétricos de Salto Centurião e Talavera no rio Jaguarão, mas essa vez, na fronteira entre Brasil e Uruguai. Exerci também a presidência do Comitê de Irrigação do Leste do Uruguai, entidade esta responsável pelas outorgas de água para irrigação.

FMM - E quando você veio para o Brasil?ELB - Em 1974 vim trabalhar na Sondotécnica no Rio de Janeiro em estudos, entre outros, do Vale do Paraíba do Sul e dos aproveitamentos hidroelétricos de Manso, no Mato Grosso e de Samuel, em Rondônia. Posteriormente, entre 1978 e 1980, fui chefe do departamento de Estudos de Recursos Naturais da ECP/Projest, também no Rio de Janeiro.

FMM - Depois dessas experiências em consultoria, você veio para Brasília e permanece aqui até hoje.ELB - Exatamente. Entre 1980 e 1991 atuei na Eletronorte, tendo sido gerente

Entrevistador: Flavio Miguez de MelloAbril de 2010

do Departamento de Estudos e Projetos de Geração onde foram desenvolvidos em-preendimentos em bacias hidrográficas e de usinas, destacando-se as UHE’s Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, Lajeado, Santa Isabel, entre outros. Em 1991 fui convidado para trabalhar no DNAEE, onde fui Coordenador Geral de Concessões. No final de 1997, com a criação da ANEEL, sai do setor estatal e fundei a Larrosa & Santos Engenheiros Consultores, da qual participo da direção até hoje.

FMM - Na sua trajetória no DNAEE, qual foi a mais interessante tarefa que você vivenciou?ELB - Como consequência da necessidade de reestruturar o setor elétrico diversas disposições legais foram estabelecidas a partir do final da década de 80. Desse arca-bouço sobressai-se a Constituição de 1988- Art 175- que estabeleceu que os serviços de energia elétrica são responsabilidade da União e podem ser outorgados em regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. A necessidade de regulamentar o dispositivo constitucional incorporou varias leis, decretos, portarias e outros tipos de disposições. Em paralelo à regulamentação do Art 175, surgiram ações im-plantadas para resolver a situação de falência econômico-financeira das empresas concessionárias, na sua maioria estatais (lei 8631/97); sem este acerto era impossí-vel pensar em reestruturação do setor elétrico. A sequência de tarefas que surgiram depois foi imensa e é difícil escolher a mais interessante.

FMM - Nos anos oitenta havia sérias dificuldades de investimento na quase to-talidade das empresas estatais. Como foi a época em que a implantação de usinas hidroelétricas era feita com as verbas de desmobilização?ELB - Ante à falta de recursos, as empresas estatais partiram para a paralisação total de seus estudos e obras ou a manutenção em ritmo lento e ajustes no planejamento setorial GCPS (Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema).

Formação: Faculdade de Engenharia da Universidad de la Republica Oriental del Uruguay, em 1968

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FMM - Esse procedimento fez com que as obras tivessem seus cronogramas constantemente dilatados com inevitáveis reflexos nos prazos e nos custos, inclusive nos juros durante a construção. Como isso era suportado pelas empresas estatais?ELB - Como comentei antes, a resposta ante à falta de recursos levou a paralisação das obras e, em alguns casos, não dando inicio a novas obras que o planejamento setorial indicava como necessárias em horizontes próximos.

FMM - Essas restrições financeiras das estatais geraram consequências da-nosas a todos seus contratados principalmente às empresas de consultoria e projetos que tinham contrato do tipo “cost plus” que tinham que apresen-tar faturamentos a cada mês com remuneração inicialmente sem correção monetária e, posteriormente, sem a correção integral e sem reembolso dos elevados juros que o sistema bancário cobrava dessas empresas. Quais foram as consequências desse ambiente?ELB - Muitas empresas de consultoria e projetistas preparadas para o desenvolvi-mento de pesados contratos tiveram que cancelá-los, o que trouxe a necessidade de desmobilizar equipes técnicas de alta especialidade, situação que perdurou por um longo tempo caindo finalmente no contra-senso que se arrastou pela década de 90 e ainda no novo século, de não haver técnicos suficientes para a retomada das ações.

FMM - Como sucedeu essa fase?ELB - Algumas tímidas ações com formação de parcerias com a iniciativa privada, sustentadas por regulamentação provisória (Decreto 915/93), permitiram reiniciar obras como Igarapava (Cemig), Itá ( Eletrosul) e Serra da Mesa (Furnas). Pos-teriormente, em abril de 1995, já apoiado na nova regulamentação, foi cancelado um conjunto de 40 concessões cujas obras não tinham sido iniciadas. Foi um pro-cesso difícil porque a maioria das empresas não queria perder tais concessões. Entretanto um grupo menor de empreendimentos com concessões, em torno de vinte, foi mantido por ter suas obras sido iniciadas, mesmo estando paralisadas. Nes-se caso abriu-se espaço para a participação privada, na forma de consórcios, prévia aprovação do DNAEE de um Plano de Conclusão. Foi uma tarefa muito interessante, pois coube ao DNAEE ajudar na formação das parcerias. Esta ação permitiu agregar um significativo montante de energia e capacidade instalada, caso de Tucuruí II, Machadinho, Dona Francisca, UTE Jorge Lacerda, etc.

FMM - Como foi tratada situação de concessões de exploração de serviços públicos que estavam com os prazos vencidos ou indeterminados?ELB - Ante a alternativa de licitar novas concessões, processos estes que pode-riam criar dificuldades no atendimento ao mercado, optou-se pela prorrogação

das mesmas, sem a obrigatoriedade de se proceder os tombamentos, tarefas difíceis e demoradas.

FMM - Dos anos sessenta até meados da década de 1990 a geração de energia elétrica era predominantemente estatal, exercida por empresas estatais federais ou estaduais. Havia poucas empresas privadas, todas de dimensões discretas. Como foi a transição para a entrada de investidores privados no setor?ELB - Com a promulgação das leis 8987/95 e 9074/95 e do decreto 2003/96 o setor deu um passo importante na entrada de investidores privados, formação de consór-cios com empresas detentoras de concessões, criação do produtor independente de energia, figura que se agregou às de serviço público e autoprodutor, já existentes. Esta participa-ção pôde se configurar na forma de concessões ou autorizações de uso de bem público ou de serviço público. Ao produtor independente foi assegurada, dentro de limites, a co-mercialização da energia gerada e ao autoprodutor foi assegurado o consumo para uso exclusivo e venda parcial da energia produzida. A outra forma de entrada da iniciativa privada no setor se deu através do processo de privatizações iniciado na segunda metade da década de 90 através do Programa Nacional de Desestatização.

FMM - Como a legislação viabilizou a figura do produtor independente no aspecto de implantação dos empreendimentos e comercialização da energia gerada?ELB - Foi estabelecida a possibilidade de consumidores livres adquirirem energia diretamente dos geradores dentro de certos limites de carga. Também foi estabelecido o livre acesso aos sistemas de transmissão e distribuição, mediante pagamento de uso das instalações e do transporte.

FMM - Como eram as bases do modelo implantado no governo Fernando Henrique Cardoso?ELB - Os fundamentos desse modelo tiveram um claro direcionamento no senti-do da busca da privatização das empresas estatais e da redução dos investimentos públicos, procurando estabelecer condições favoráveis para a participação de grupos privados no setor de geração de energia elétrica. Diversas ações foram empreendidas como pode ser constatado nas respostas às perguntas formuladas anteriormente.No âmbito do modelo foram definidas as bases para estabelecer entidades como a ANEEL em 1996 (Lei 9427/96), o Mercado Atacadista de Energia (livre negociação de energia) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Outra disposição do Modelo foi a obrigatoriedade das empresas de serviços públicos des-verticalizar suas atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização. Algumas empresas partiram para este processo enquanto outras permaneceram

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com a estrutura antiga. O aspecto que considero mais significativo do modelo foi o processo de privatizações. Quando começamos esta fase não tínhamos uma idéia exata de como proceder. Não existiam modelos de editais e de contratos; tudo teve que ser idealizado para o primeiro caso: ESCELSA, considerando em parte, os modelos inglês e argentino.

FMM - Esse modelo teve sucesso?ELB - Em vários aspectos o modelo teve sucesso pois quebrou, através da aplicação de uma regulamentação bastante eficiente, vários conceitos que engessavam o setor. Entretanto, algumas ações mostraram que o modelo precisava de melhorias, havendo fatores que atrapalhavam o estabelecimento firme do mesmo. Não houve, como se espe-rava, grandes investimentos de capital privado para substituir os investimentos públicos. Várias regulamentações não foram formuladas. O plano de privatização das grandes estatais não teve êxito fundamentalmente devido a interesses regionais.

FMM - Quais foram as causas da crise de fornecimento de energia elétrica em 2001?ELB - A causa fundamental foi a insuficiência da capacidade instalada para aten-der o crescimento do mercado devido a falta de investimentos públicos e/ou privados. Por outra parte, os sistemas de transmissão estavam incompletos, o que impedia a transferência entre sub-sistemas. Simultaneamente aconteceu um período de baixa pluviosidade que contribuiu para tornar a situação mais crítica. Entendo que a falha maior se deu por não haver a ANEEL estabelecido, com tempo, um plano emergencial para uma situação que já estava sendo anunciada desde final da década de 90. Como forma de contornar esta situação que se tornou grave foi estabelecido um plano de racionamento que vigorou no período 2001/2002. Obviamente com o estabelecimento do racionamento surgiram problemas no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos das concessionárias, bem como os encargos financeiros sobre os consumidores.

FMM - Ao assumir o governo, a equipe do presidente Lula se dedicou por mais de um ano para mudar substancialmente o modelo do setor elétrico. Como ficou em linhas gerais o novo modelo?ELB - Antes do governo Lula tomar posse, os técnicos começaram a trabalhar numa reforma do setor elétrico levando em consideração os impactos do racionamento e as principais causas do mesmo. As ações imediatas foram no sentido de suspender o processo de privatização, alterar os processos de outorgas de concessões e autorizações de geração e ajustar as regras de comercialização de energia (Lei 10.848/2004).

Foi criado o ambiente de contratação regulada de energia ACR, visando proteger os pequenos consumidores através da compra de energia pelas distribuidoras em lei-lões, no intuito de haver tarifas módicas e reguladas. A compra de energia através de negociação bilateral passou a acontecer no ambiente de contratação livre ACL.

FMM - Quais são, a seu ver, as perspectivas da participação da iniciativa privada em investimentos no setor elétrico?ELB - A participação em escala pequena, PCH’s como exemplo, deve continuar, visando a compra por consumidores livres para os quais se possibilita pagar uma ta-rifa menor que a cobrada pelas concessionárias. Entretanto, para empreendimentos de maior porte que passam por um processo de leilão onde a tarifa tem sido fixada em valores aquém dos necessários para viabilizar tais empreendimentos, a situação se torna mais difícil. Como resultado acontece que o governo acaba por subsidiar a implantação para poder viabilizar os empreendimentos. Veja os resultados dos últimos leilões.

FMM - No atual modelo há riscos excessivos na obtenção de autorizações ou concessões num processo extremamente longo desde o pedido de registro ativo para estudo de inventário na ANEEL.ELB - As outorgas de autorizações e concessões de empreendimentos se sustentam na qualificação empresarial do interessado e na qualidade dos estudos e projetos que apresenta. A análise desses elementos técnicos se torna muito lenta, seja por fal-ta de analistas, seja pela carga de processos/requerimentos que entram na Agência. Cabe uma reforma intensa nesse procedimento de análise sob pena de colapso do atendimento à demanda do mercado.

FMM - Nos dias de hoje, com tantos intervenientes e com tantas alte-rações na legislação ambiental, há riscos excessivos para os empreen- dedores privados?ELB - O atendimento à mitigação dos impactos no meio ambiente é a grande preocupação dos empreendedores. A maioria deles se sujeita a elaborar exausti-vos estudos sobre os diferentes meios que definem o ambiente e como esses meios são impactados pela implantação de empreendimentos hidroelétricos, reservatórios, etc. Os processos de licenciamentos, tanto ambientais como de outorga de uso da água, na maioria dos casos se fundamentam em regulamentos definidos pelas agências es-taduais ou pelo Ibama, muitas vezes com dificuldades de interpretações jurídicas, e se desenvolvem, sobretudo, ao longo de prazos aparentemente sem fim.

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Entrevistador: Flavio Miguez de Mello - FMM e Erton Carvalho - ECJulho de 2011

Formação: Engenharia mecânica e eletricista, em Belo Horizonte, em 1959

Entrevista com o engenheiro Guy Maria Villela Paschoal

FMM - Dr. Guy, eu sempre começo as entrevistas pedindo para que o en-trevistado fale sobre sua formação. GV - Eu me formei em Belo Horizonte, naquele tempo só havia uma escola aqui, no ano de 1959. Eu comecei o curso de engenharia civil e depois me transferi para mecânica e eletricista. Inclusive na escola, eu fui o representante do curso de enge-nharia civil e depois terminei como representante do curso de engenharia mecânica e eletricista, eleito pelos colegas.

FMM - Dr. Guy, profissionalmente o senhor começou na Cemig, não foi?GV - Aqui na Cemig, eu entrei como estagiário. Trabalhei inicialmente na Cidade Industrial de Contagem em serviços de laboratório, sendo os laborató-rios centrais lá localizados, e tínhamos também muito serviço de campo. Na Cidade Industrial eu fiquei três anos. Depois fui transferido para a sede e mudei a minha atividade. A diretoria me designou para cuidar dos grandes consumidores da Cemig. Eu cheguei a chefe de divisão, depois chefe de departamento e superintendente, fui, aliás, o primeiro superintendente da Cemig. E finalmente, eu fui convocado para a di-retoria no ano de 1966. Eu, inicialmente, saí, não estava numa área nem de projeto e nem de obras; eu fui diretor de relações industriais. Fiquei nesta diretoria um período curto. E, como o Dr. Mauro Thibau estava como ministro, o Dr. Camilo Penna, que era o diretor técnico, foi a presidente e o Dr. Licínio Seabra, que era o diretor de operação, passou a ser diretor técnico, e eu passei a ser o diretor de operação.

FMM - No início, o presidente era o Lucas Lopes e o diretor técnico era o John Cotrim.GV - É isso mesmo. A ordem foi a seguinte: o Dr. Cotrim, diretor técnico. Quando o Dr. Cotrim saíu, a diretoria dele foi dividida em duas diretorias: o Dr. Cami-lo Penna ocupou a Diretoria de Projetos e o Dr. Mário Bhering a Diretoria de Obras. Quando o Dr. Mário Bhering foi para a Eletrobras, o Dr. Licínio Seabra,

que era diretor de Operação foi para Diretoria Técnica e reuniu sob ele nova-mente toda a Diretoria Técnica e o Dr. Camilo Penna ficou como vice-presidente. Quando o Dr. Camilo foi a presidente, Dr. Mário Bhering era presidente da Eletro-bras e o Dr. Licínio Seabra ficou como diretor técnico e eu como diretor de operação. Por sua vez, quando o Dr. Licínio Seabra se aposentou da Cemig e foi ser diretor de Engenharia e Planejamento da Eletrobras, eu ocupei a diretoria dele. Então, a Diretoria Técnica da Cemig. Assim, o primeiro foi o Dr. Cotrim, o segundo foi o Dr. Camilo, o terceiro foi o Dr. Seabra, e quarto foi o Guy Villela. Evidentemente, que eu não estava à altura de representar os três que me precederam, mas fiquei mui-to tempo. E tive a oportunidade de conviver com as questões que me foram entregues. Nesse período, onde tive uma participação muito ativa em algumas iniciativas, por exemplo, me recordo que, como diretor de operação, eu questionava a capacidade ope-racional não de volume, mas de estabilidade do vertedouro de Três Marias, e todas as iniciativas para ajustá-lo não foram suficientes. Então, primeiramente, sofri na ope-ração; a minha preocupação inicial foi rever o estudo de modelo reduzido. E a revisão desse estudo, levou-nos a uma mudança do perfil da calha e da concha do vertedouro.

FMM - Onde esse estudo foi feito? GV - Foi feito no Paraná. A Cemig dependeu muito do laboratório da Univer-sidade Federal do Paraná. Para as obras nós inicialmente pusemos uma licitação, mas depois eu fiquei com medo porque a usina estava em operação, era a principal usina da Cemig, e, como a estação chuvosa atrasou, suspendi a licitação e lancei-a no ano seguinte. No ano seguinte a obra foi realizada pela Alcini Vieira Convap. A estrutura superficial era em concreto armado, e pela primeira vez, nós usamos concreto compactado com rolo. Era só uma questão de dar suporte para a superfície que era de concreto armado. E o vertedouro, todos os questionamentos que se levan-tavam sobre ele ficaram plenamente resolvidos, que não vou mencionar aqui para não chegar a muitos detalhes, mas eram questões importantes.

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FMM - Houve um paper sobre isso do Carlos Alberto Pádua Amarante num dos primeiros seminários do CBDB.GV - Trabalhei com ele na Eletrobras.

FMM - Ele esteve lá em Três Marias, na época?GV - Ele foi residente, um dos residentes. Antes foi o Archimedes Viola e depois o Paulo Durval.

FMM - Estou puxando pela memória, o paper versava sobre as lajes da calha do vertedouro que foram deslocadas...GV - Isso, exatamente. O vertedouro apresentava uma vibração muito grande e todos os serviços feitos de reforço não foram suficientes. O problema estava onde eu suspeitava: era no perfil. Tanto é que, modificado o perfil, acabou aquela vibração. Quando a descarga chegava a 2.000 m3/s, ele entrava numa vibração. Esse tra-balho foi uma iniciativa minha e foi motivado pela minha responsabilidade anterior por ter sido diretor de operação. Eu vivia momentos assim de grande dificuldade, porque às vezes precisava dar uma descarga maior e não se tinha coragem para dar essa descarga. Todos os serviços de reforço foram executados. Esse trabalho foi depois que o Carlos Amarante deixou a Cemig.

EC - Eu conheço o relatório do laboratório do Paraná. Eu pesquiso muito... GV - Pois é, esse trabalho foi uma iniciativa minha. Bem, estamos falando aí de trabalho puramente de engenharia motivado pelo usuário. Um segundo trabalho que eu acho de grande destaque na Cemig, foi mal compreendido, sobretudo aqui em Minas Gerais, na época e que o Dr. Camilo Penna pode complemen-tar, foi a questão de São Simão. Na revista do cinquentenário da Cemig, eu escre-vi um artigo, que foi o artigo principal da revista, em que fiz algumas afirma-ções, isso foi em 2002, portanto, o ano que vem é o sexagésimo aniversário. Até hoje, nesses nove anos, eu não fui contestado. Portanto, eu acredito que isso que vou lhe falar é a verdade. A Cemig pretendia outra usina, no Rio Grande.

FMM - Essa outra usina era Marimbondo.GV - Na disputa por Estreito eu acompanhei, mas eu era apenas um engenhei-ro, um chefe subalterno, mas não participei das decisões, mas no caso de São Simão, eu já era da diretoria e me lembro bem. Como você antecipou, Cemig queria Ma-rimbondo, uma usina grande num rio já regularizado, o rio Grande. O rio Para-naíba não era regularizado. Nós tínhamos que enfrentar uma questão ambiental difícil, hoje seria impossível de ser ultrapassada: o canal de São Simão. A usi-na de São Simão é a melhor usina da Cemig, não é só a maior, ela é que dá os melhores resultados para a geração da Cemig. Ela é um fator extraordinário de pu-jança econômica, na estrutura econômica da Cemig, imbatível. Mas, na época,

era tudo diferente. O Dr. Camilo à frente, nós da diretoria, não havia como; ou acei-távamos a concessão ou abríamos mão. São Simão nos foi oferecido assim, essas pa-lavras são de Guy Villela, como um prêmio de consolação. Eu tenho a impressão que a estrutura federal na época não acreditava - isso eu escrevi e publiquei - não acreditava que a Cemig poderia dar conta de realizar aquele empreendimento. Era mais que tudo o que a Cemig havia feito nos seus trinta anos anteriores. En-tão, foi realmente um ato de muita coragem a Cemig assumir. O Dr. Camilo Pen-na como presidente da Cemig, teria que montar as fontes de recursos para suportar uma obra que naquele tempo, já na primeira etapa, precisaria de quase um milhão e setecentos mil metros cúbicos de concreto. Isso, na época, era mui-to concreto. Muito concreto para uma Cemig daquela época. O que é que ele fez em primeiro lugar? Ele não procurou nem BID, nem Banco Mundial para os for-necimentos de equipamentos eletromecânicos porque o BID e o Banco Mun-dial, naquela época, financiavam as obras hidroelétricas até um terço do total do empreendimento. E se nós ficássemos com o financiamento da par-te eletromecânica, nós teríamos um valor muito pequeno. Então, o segundo arrocho foi chamar o Banco Mundial para suportar as obras civis numa época em que os construtores nacionais se sentiam, e de fato eram, perfeitamente capa-zes de assumir a responsabilidade de uma obra dessa dimensão. Só que o Banco Mundial exigia concorrência internacional. Se nós ficássemos restritos aos constru-tores nacionais, nós não contaríamos com o Banco Mundial, e não teríamos um ter-ço dos recursos necessários para o empreendimento. Então, é uma lógica aristotélica, peripatética, diria assim cartesiana, melhor dizendo, não tenha dúvida. Era uma condição sine qua non. Além disso, os construtores, penso eu, estavam muito confiantes na sua capacidade. De forma que, quando foi feita a pré-qualificação e a Impregilo entrou, ninguém protestou, ninguém reclamou. Foi feita a licitação, ela apresentou o menor preço. Estamos falando aí cartesianamente, não tinha mais o que se fazer. Mas, evidentemente, que se levantou, “não, é porque é acordo do governo de Minas para trazer a Fiat”. A Impregilo, como todo mundo sabe, hoje não sei se ainda é assim, mas lá na Itália ela era um consórcio constituído para executar obras fora da Itália. Pegou Tarbela no Paquistão, a mudança dos monumentos de Abu Simbel no Egito, etc. A Impregilo é constituída por três empresas: Impresit, Girola e Lodigiani. A Impresit é da Fiat, mas as outras duas não eram. Então, havia os que falavam que a Impregilo era da Fiat. Não era.Ela tinha uma empresa no con-sórcio constituinte. E não era só isso. Eu estou citando aquelas obras de uma gran-de magnitude de engenharia e complexidade. Tarbela teve grande dificuldade de se vedar. Foi uma campanha tremenda, a Cemig conseguiu com os argumentos absolu-tamente incontestáveis manter, o resultado da licitação. A Impregilo nos trouxe, não só à Cemig, mas à construção civil brasileira, alguns princípios interessantes: primei-ro deles: era um pequeno número de equipamentos de construção, mas equipamentos de grande porte. Eu cito, por exemplo, equipamento de escavação. Duas escavadeiras,

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cada uma demandava 5 MW, que até então só em mineração havia se tentado coi-sa nessa escala, foram capazes de suprir toda a demanda da obra a tempo e a hora. Três grandes guindastes em São Simão conseguiram dar enorme volume de concreta-gem. Miguez, eu acho que essas informações que estou dando são um pouco peri-gosas, mas eu tenho a impressão que é do interesse, já que o senhor está escrevendo esse livro. Além disso, eles também exploraram aquelas formas metálicas deslizan-tes. Aquilo deu também uma velocidade de obra muito grande e um acabamento su-perior. Aquela carpintaria complicada desapareceu. Além disso, havia um compu-tador para fazer os estudos sempre de otimizar os caminhos, quantidades e tempos na obra. A Impregilo lidou aqui com recursos modernos que foram assim importantes.

FMM - E quanto aos componentes da equipe da Cemig, reconhecidamente de elevada competência?GV - O Dr. Seabra, embora seja também originário da eletromecânica, foi um grande mestre que eu tive. Além de outros engenheiros contemporâneos e os mais an-tigos como o Amarante, o Paulo Durval, o José Maria Batista. Eu convivi na obra de São Simão com muitos.

FMM - Em seguida, após São Simão, ainda no final dos anos setenta, come-çou a obra de Emborcação.GV - Eu gostaria de citar em Emborcação que primeiro que houve uma otimização da partição de queda do trabalho da Canambra; seguindo um exemplo do Dr. Cotrim lá em Itumbiara que elevou a queda de Itumbiara e afogou uma parte da queda de Cachoeira de Sertão que era o aproveitamento imediatamente a montante, nós, tendo em vista esse fato, revimos a partição de queda para ficar quase que praticamente Em-borcação sozinha, englobando usinas a montante. Nós tínhamos a responsabilidade de chamar as empresas e contratar diretamente um projetista, e contratava separadamente o construtor e os fabricantes. E até muitos fabricantes, às vezes, as turbinas eram de um, os geradores de outro, os transformadores de um terceiro. Era um trabalho muito grande. Eu me lembro que nós tínhamos que manter na obra, além da residência de obra, um escritório de engenharia, e que esses órgãos eram subordinados aos órgãos su-periores aqui na sede. Quem fazia a comunhão entre o projeto e a obra era o diretor, em última instância, porque a residência preocupada com a produção dava ênfase à pro-dução. Já a engenharia, preocupada com a qualidade e apoiada no laboratório, tinha poder até de parar a obra. O diretor, ele tinha assim uma participação, uma responsabilidade grande. Hoje em dia, a título de simplificar o trabalho há o EPC, eles cuidam de tudo. Eu, pessoalmente, vejo um grande defeito nisso. O pro-jetista não pode ser um parceiro de origem do construtor e do fabricante. Não pode, mas hoje é. É claro que não é daqueles casamentos, o desenho não chegou, o casa-mento desse equipamento com aquele, a obra seguiu, já o concreto o primeiro es-tágio, o segundo, para poder receber a turbina. Então, essas coisas todas davam um

trabalho muito grande, mas nós podíamos, hoje já não se poderia fazer mais isso, nós podíamos nos dar ao luxo de usar o preço unitário. Mas hoje, fixa-se um valor de-finido e depois sempre alguém arranja motivos ou motivações apoiadas no projetista. Miguez, eu acho que o senhor com a experiência e seriedade que tem, também deve ficar incomodado com uma situação dessa. Isso aí não otimizou e não deu a segurança que se precisava ter. Tanto é que nós temos hoje quadros de engenharia bem menores. É claro que temos a máquina, existem áreas de especialização que podem ser terceirizadas, mas no início, aqui havia um departamento de hidro-logia. Hoje, há uma pequena equipe, a empresa não tem os recursos que nós tínha-mos. Comparando a primeira fase que eu fui diretor com a segunda, a diferença era enorme. Além disso, hoje as questões ambientais exigem esforços muito grandes. Em parte eu vim para cá porque o governador Itamar Franco pretendia que se voltasse a construir usinas em Minas. Lançamos seis usinas praticamente ao mesmo tempo e todas foram feitas. Algumas delas, como Funil, foram feitas de acordo com o cronograma físico e financeiro. Quando eu deixei a obra, ela já estava em operação. Então, nesta fase eu tive a experiência de trabalhar dos dois jeitos: tra-balhar no sistema antigo e trabalhar com o sistema novo. Talvez, tives-se que fazer uma adaptação, é claro, que o comprometimento do fabricante, com o construtor civil precisava ser mais forte, mas a engenharia, o projetista, eu acho que ele não pode fazer parte da EPC. O ‘E’ tem que sair, ficar só ‘PC’.

FMM - E depois da Cemig?GV - Depois de eu ter sido presidente da Cemig e deixado a Cemig, fui indicado pelo Aureliano Chaves e fui secretário-geral do Ministério de Minas e Ener-gia. Eu fiquei lá dois anos com ele, em Brasília. Eu estava até na Eletrobras, na época, e ele era governador, como também o governador Itamar Franco, am-bos, talvez por serem engenheiros, e bons engenheiros, tinham um interesse gran-de em geração nuclear. Então, na época do Aureliano Chaves, nós mostramos que a Cemig não era própria para lidar com aquilo. E naquele tempo, por exem-plo, os vasos chegavam inteiros ao canteiro. Nós não tínhamos raio de curvatura, nem ferrovia e nem rodovia para passar um volume daquele tamanho.

FMM - E nem transporte fluvial.GV - E ainda tínhamos o problema da água de arrefecimento; não é qualquer lugar que pode se colocar uma nuclear. Por isso, essa preferência pela costa até onde tem tsunami.

EC - Só vou dar um dado sobre isso. Se as três entrarem em operação, a Angra I, II e III, a I e II já estão, vão construir a III, a vazão necessária para refrigerar os três reatores é de 200 m3/s. Eu sei por que eu trabalhei lá. FMM - Na época em que o Noronha era presidente, ele nos chamou com

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essa idéia de pesquisar um local em Minas Gerais para uma usina nuclear, provavelmente no vale do Rio Doce. GV - Exatamente, o que eu estava falando, o governador era o Aureliano Chaves. O Noronha era presidente, eu era vice-presidente e diretor de projeto e construção. Mas, não era o caso. Embora, eu até acho que esse caso lá do Japão é um caso diferente, aquela é uma usina que não é com água pressurizada, é aquele processo da GE. O da Westinghouse já é mais avançado, o circuito de água que entra lá no arrefeci-mento é selado. E, além disso, aqui há não tsunami. Então, eu acho que na época do Dr. Itamar, eu escrevi, embora você possa dizer o que quiser, mas eu li bastante, eu escrevi um paper reservado para ele a respeito de geração nuclear quando ele era governador. E nesse paper, eu inclusive afirmei que Angra III teria quer ser con-cluída, pois já havia seiscentos, setecentos milhões de dólares investidos em equi-pamentos. Embora ainda o valor a completar seja muito grande, mas se você perder o que você já fez, escavações que já foram feitas, estaqueamento, você não vai aproveitar praticamente quase nada. Então, o preço tem que ser levado em conta.

FMM - Então, este seu paper, na realidade, desaconselhava usinas nucleares, porém, aconselhava acabar a instalação de Angra III? GV - Angra III é um problema nacional e não se deve estar inventando outra. Hoje, o programa já é um pouco mais amplo, não é? Vai haver unidades meno-res no Nordeste. Mas, eu concluí isso na época, com o governador Itamar Franco, e ele também, como o governador Aureliano Chaves, se interessaram pelo assunto.

FMM - Dr. Guy, e a obtenção do licenciamento ambiental que para as hidro-elétricas tem sido muito mais difícil do que para outras alternativas muito mais poluidoras?GV - Miguez, o senhor tocou num assunto importante. No passado nós tínhamos mais liberdade de ação, mas tínhamos responsabilidade. São Simão, quando nós fizemos, contratamos trabalhos até no exterior. Hoje há alguma coisa assim com-plicada, porque primeiro é a Licença Prévia. E quando sai a Licença de Instalação para começar a obra, vêm sempre junto novos condicionantes. E da mesma maneira, depois quando sai a Licença de Operação, vêm novas condicionantes. Trabalha-se com uma viabilidade econômica, há um orçamento. É claro que tem que examinar os aspectos ambientais, mas do jeito que está deixa a situação muito insegura. Já foi comigo aqui na Cemig: para nós lançarmos Irapé, que é uma usina bastante complexa. Poderia ser uma barragem em abóbada; a barragem é muito alta numa garganta estreita, mas, dada a disponibilidade de rocha e terra, foi feita em enrocamento, mas é uma obra que não é uma usina gigante. Mas é uma usina que, a logística de terraplanagem é digna de registro.

FMM - Premiada, inclusive. GV - Foi o caso também dessa engenharia bem acoplada. Eu recordo também de

Emborcação que, quando fomos fazer não havia ainda uma montagem de recur-sos financeiros suficientes. Naquele tempo Furnas trabalhava para que geração fosse uma responsabilidade apenas das geradoras de controle federal. Então, nós es-távamos tendo dificuldade para lançarmos Emborcação, como já tínhamos tido para lançar Jaguara. Em Emborcação o problema era maior porque era uma usi-na de rio de fronteira, Minas com Goiás. Furnas então trabalhou muito contra. Eu já estava bastante calejado com essas questões. Propus à diretoria que fizés-semos apenas a licitação do desvio do rio. E levei mais tempo para assegurar os re-cursos para uma segunda licitação para as obras civis principais. Nesse ínterim, nós conseguimos o recurso total, cancelamos a primeira licitação e partimos já para a obra total. Havia ainda um inconveniente sério, que a Rede Ferroviária Federal exi-gia que a ferrovia não fosse interrompida, Minas-Goiás, e passasse por cima do reservatório. Isso ocasionou duas pontes e deu uma com pilares de noventa me-tros de altura em rampa e em curva. Nós chegamos a lançar a licitação da pon-te, mas o Ministério do Transporte não cedia. E a firma que ganhou, que eu não vou mencionar aqui, ganhou com um preço que visivelmente não dava para fa-zer. Estava pré-qualificada, mas o preço não dava confiança. Mas o ministro dos transportes passou a ser o Elizeu, o nosso conterrâneo; partimos para cima dele e conseguimos que ele aceitasse que a ferrovia, em vez de cortar o reservatório e entron-car em Goiandira, ela entroncasse em Araguari, antes do rio. Nós conseguimos nos unir ao Exército que assumiu a obra. A distância que era antes de trinta e tantos quilômetros, passou a ser o triplo. Nós conseguimos pelo mesmo valor e com o mes-mo desembolso fazer um ramal com cem quilômetros em vez de fazer um de trinta. E escapamos de um sério problema de cronograma para o enchimento do reservatório.

FMM - Dr. Guy, em Emborcação houve algum problema de obtenção de recursos?GV - Nós tivemos problema em Emborcação, porque um terço do financiamento era da Eletrobras, o presidente era o Schulman. O Dr. Noronha me mandou ao Rio de Janeiro e lá, numa reunião no Mineirão, a Eletrobras propôs que diminuíssemos o ritmo ou paralisássemos a obra. Não tinha como diminuirmos o ritmo ou parali-sarmos a obra. Com o dinheiro da Eletrobras já estava difícil, pois os financiamen-tos da Eletrobras não tinham cálculo de correção: a cada ano negociava-se um termo aditivo em face da desvalorização da moeda. No primeiro ano a Eletrobras arrepiou, mas assinou o termo aditivo. No segundo ano foi quase impossível. Quando chegou o terceiro ano, a obra em plena magnitude, a Eletrobras disse: “não temos dinheiro, não vamos mais assinar o termo aditivo”. Eles tinham o compromisso de um terço da obra, que representava 91% da obra civil. E lá na reunião termi-nou o Dr. Schulman, que era meu amigo pessoal, aos gritos. Foi uma coisa nun-ca vista lá na Eletrobras. E nós só conseguimos romper porque aqui na Cemig com Dr. Noronha e toda diretoria, denunciamos a Eletrobras ao Banco Mundial.

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Embora o Banco Mundial não estivesse em Emborcação, lá era o BID, nós éramos mutuários de outras obras e tínhamos esse direito. O Banco forçou o governo brasi-leiro, ameaçando suspender qualquer financiamento para outras obras. Foi assinado um Plano Diretor e a Eletrobras teve que participar. Miguez, esse é um episódio que talvez o senhor não sabia e também ninguém sabe, mas eu estou falando aqui, esta é a primeira vez que eu falo. A Cemig denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial porque tínhamos a responsabilidade de uma obra hidroelétrica.

EC - Uma paralisação da obra seria irrecuperável?GV - Não se recupera, fica inviável, não tem como, nunca mais, ela seria uma obra que vai dar prejuízo a vida inteira. E a Cemig sempre operou, apesar de ter controle estatal, como empresa. Tanto é que vai fazer dez anos que nós ganhamos o prêmio em Nova Iorque de sustentabilidade. A Cemig opera rigorosamente como empre-sa. Eu estou aqui no Conselho e posso atestar esse fato. Era um fato importante estou falando assim com grande convicção. Entendemos que hoje para a Cemig está ficando muito difícil disputar essas licitações de geração, sobretudo de hidroelétricas, uma vez que tem havido mergulhos de tarifas. Entendemos que vamos ter que olhar para geração termoelétrica também. Essa é uma questão tranquila, não tem essa ques-tão da forma que é conduzida a outra, com essas usinas hoje, sobretudo lá na Ama-zônia, as usinas do rio Madeira, Belo Monte. Belo Monte é uma usina que entra aquele valor de energia assegurada está em grande parte em cima de energia secun-dária. Se olhar o histórico hidrológico do rio Xingu naquele eixo vai se verificar que tem anos críticos no período crítico, que a água mal dá para tocar uma máquina de 550 MW, e são vinte máquinas. Aquele valor médio de 4.500 MW a 4.800 MW, está baseado em cima disso. Está correto, porque se admite uma integração hidrotérmica.

FMM - Dr. Guy, e quanto a outros tipos de usinas geradoras na Cemig?GV - A Cemig já está olhando assim para essa questão. A usina de Igarapé é tér-mica. A capacidade dela original seria de 125 MW. De fato, o projeto da Cemig na ocasião eram duas máquinas, mas como entrou a primeira crise do petróleo, o Ministério autorizou apenas uma, e deixar para autorizar a outra depois. Quan-do chegou a hora de fazer a segunda, novas crises e, embora fosse econômico, para a finalidade que nós pretendíamos, faltava moeda forte no País. Então, terminamos fi-cando com a usina com uma máquina só, caldeira-turbina. Nós pretendemos fazer lá um ciclo combinado, colocar lá uma máquina de 250 MW a gás, sendo que o escape dela vai ser suficiente para alimentar a turbina a vapor. Além disso, também, a Cemig tem olhado para usinas eólicas. Nós adquirimos cerca de 100 MW no Ceará. E aqui no estado, a Cemig patrocinou e conduziu um estudo e mapa eó-lico de Minas Gerais onde está todo definido o potencial de vento no estado, e nós estamos procurando associações. A usina pioneira é da Cemig, Camelinho, uma usina de um megawatt, que já está operando há tempos.

FMM - Dr. Guy, sobre os embates entre Furnas e Cemig por concessões.GV - Era o Luiz Carlos Barreto de bela memória, por Furnas e eu pela Cemig. Mas antes disso a história começou com Três Marias. Quando o Dr. Cotrim deixou a Cemig com o propósito de construir Furnas, ele já sabia que Furnas era grande demais para a Cemig. Principalmente, porque a Cemig tinha um mercado definido. Naquele tempo era outra estrutura de distribuição de concessões. Ele teve a grande visão do Rio de Ja-neiro e São Paulo carentes de energia, partindo então para uma empresa federal, em que Minas também seria mercado de Furnas. Eu sei o que sofri. Eu como chefe de depar-tamento e o Seabra como diretor técnico, fizemos várias reuniões com Furnas e sofremos bastante na mão de Furnas no primeiro contrato de suprimento de Furnas à Cemig.

FMM - É mais ou menos o que é hoje Itaipu, que a Cemig também tem obrigação de consumir parte da energia produzida por Itaipu.GV - Três Marias, o Dr. Cotrim antevendo, foi contra. A Cemig fez Três Ma-rias porque o presidente da Cemig, meu professor Cândido Holanda na Escola de Engenharia, era cunhado do governador Bias Fortes. Então quando come-çou uma conversa que a Cemig não poderia fazer Três Marias, nós usamos as armas que tínhamos e a Cemig partiu para Três Marias. A Cemig ficou com a responsabilidade de controladora geral da obra, ficou com a responsabilidade da casa de força, tomada d’água, adução forçada e subestação.

FMM - O vertedouro, a barragem e o reservatório ficaram com a Comissão do Vale do São Francisco. GV - A Cemig paga pelo uso, sempre pagou e não é um valor simbólico, pelo uso de instalações e da água. Pois muito bem, a primeira dificuldade foi Três Marias. A Cemig quando fez Três Marias se interessou por Estreito, e perdemos para Furnas. O presidente era o Celso Mello Azevedo, fez um livro; me lembro ain-da das exposições dele, ele com Camilo Penna na Associação Comercial, defendendo tenazmente o direito da Cemig de construir Estreito. Perdemos. Nós só conseguimos construir Jaguara porque fizemos um acordo com a Billiton, que tinha a conces-são. Nós contornamos o caminho assim que começou a armar a resistência. Nessa época, eu era diretor; nós fizemos um acordo que envolveu a Alcoa que tinha negócio com a Billiton. Então com isso, nós chegamos lá.

FMM - Com a Billiton e com a Alcoa ou...?GV - Não, a Alcoa fez parte porque ela ficou consumidora. Era uma das gran-des consumidoras da geração. Quer dizer, havia mercado para a Cemig. Depois, nós tivemos o caso de Igarapé; eu me recordo o seguinte: quando nós pretende-mos fazer a usina de Igarapé para dar sustentação, calculamos qual era a capa-cidade das duas unidades, Furnas afirmou que tinha energia e nos denunciou ao Banco Mundial.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Eu era novo na época, ouvia alguns ecos, mas não imaginava uma disputa tão acirrada.GV - Eles são da pesada. Denunciaram-nos ao Banco Mundial. Aí, o Dr. Cami-lo me entregou a responsabilidade, o Clóvis Lobo de Resende e eu fizemos um relató-rio, pusemos em dúvida a disponibilidade de Furnas e mandamos o relatório para o Banco Mundial. O Banco Mundial nos liberou. Muito bem, como Furnas isola-damente não tinha a disponibilidade, ela voltou e denunciou que ela com a Cesp ti-nham. Aí, o Camilo me chamou, fizemos novamente um grupo de trabalho, geramos um segundo relatório e enviamos ao Banco Mundial, derrubando o relatório de Fur-nas. Foi nessa época, quem sabe, que me mandaram para os Estados Unidos. Te-ria sido por causa disso? Quando voltei dos Estados Unidos onde fiz um curso de quatro meses, o Camilo, falou assim quando perguntei sobre Igarapé. “Pá de cal. Você imagina que Furnas denunciou pela terceira vez a Cemig? Fur-nas agora diz que ela sozinha não tem; ela com acesso não está assegu-rada, mas ela com a Copel tem”. Aí, parecia que realmente não tinha jeito. Eu falei então que iria entrar na campanha de novo. Ganhamos, mas seguraram a segunda unidade. Nós ficamos com o direito de Igarapava e Volta Grande e Fur-nas com Porto Colômbia e Marimbondo. Houve São Simão, houve Emborcação. Eu me recordo quando foi votada a lei de Itaipu, nós fizemos uma frente de Minas, São Paulo e Paraná. Ou seja, Cemig, Cesp e Copel para tentar, porque no projeto nós perdíamos o direito de uso, fazer a geração e fazer a transmissão de geração de alta tensão. Na Eletrobras com o Dr. Mário Bhering, que eu achei que eram favas contadas para o nosso lado, não nos deu razão. Nosso governador pediu que o minis-tro Dias Leite nos recebesse. Aí, eu fui com o Brito lá em Brasília e ficamos um dia. Um dia, nós achávamos que de manhã liquidaria o assunto. Eu levantei tamanhas dificuldades com ele, mas tamanhas dificuldades, e ele é um homem de pavio curtís-simo (ele expõe o episódio no livro dele). E fomos até tarde. No fim, nós tínhamos doze emendas e ele autorizou dez. Só uma emenda que nós não conseguimos que ele autorizasse, que era para não haver CCC, que era para dar dinheiro para o Sul. Nós cedemos por conta da CCC.

FMM - Não era para o Norte? GV - Não, agora na segunda fase é, mas naquele tempo era um sistema interligado. Era para sustentar a geração térmica de Candiota, essas usinas da Eletrosul. Eu fui lá, visitei aquelas usinas. A de Candiota era um absurdo, não tinha água para fazer a tiragem de cinza que era feita pneumaticamente. Tinha torre de resfriamen-to. A água era racionada. O minério de baixíssima qualidade, metade da capa-cidade calorífica de óleo combustível, e um teor de cinza altíssimo. Porque lá ha-via um grande reservatório, tirava-se uma camada meio metro de terra e tinha dois metros daquele carvão ordinário, então precisava de um suporte. No Paraná,

o carvão era melhor, mas eles tiravam o carvão que era o carvão para siderúrgi-ca, e o resto, o carvão lavado, era para geração térmica. Quer dizer, não sustentavam o preço daquilo. Aí, criaram a CCC, tudo nessa época num pacote só. Então, o Brito e eu fomos várias vezes ao Congresso, acompanhamos o deputado mineiro Au-reliano Chaves, presidente da Comissão Mista. Ele, grande daquele jeito, dirigia um Fusca, conosco para baixo e para cima. Naquele tempo não tinha disso. Depois dis-so, ele que me fez vice-presidente da Cemig e foi ele quem me chamou para Brasília. Eu o substituí meia dúzia de vezes como ministro interino. Ele era uma inteligência fenomenal, de honestidade a qualquer prova, ele era uma grande figura.

FMM - Que saudade desses tempos.GV - Notável, notável, notável. A única falha dele sabe o que era? Ele era tão sé-rio, mas tão sério, que ele às vezes avaliava os outros como se fossem sérios como ele. Então, ele decidia uma coisa e achava que cada um iria cumprir a sua parte, e a gente sabe que não é bem isso. Mas eu que estive lá junto dele, eu não vi uma falha nele, ele era perfeito. Eu tive assim a sorte de ter, assim o Seabra, o Camilo Penna, Aureliano Chaves, Itamar Franco, pessoas que caracterizam-se pela inteligência, competência, grandes engenheiros e sérios a qualquer prova.

FMM - Sei que houve muita disputa entre Cemig e Furnas.GV - Enorme. Eu me lembro quando nós fomos a Brasília falar com o Dias Leite. Pela Cesp foi o Lucas Nogueira Garcez. O Camilo Penna não pôde ir. Ia o Camilo e eu e o Brito com o Garcez. O Camilo não pôde ir porque estava num depoimento de nove horas na Assembleia Legislativa. Inquiriram ele numa Comissão Parlamen-tar de Inquérito a respeito de São Simão. E a única coisa que eu consegui mudar foi o seguinte, o GCOI que pela proposição, seria feito por Furnas. Eu falei ao mi-nistro: “não é possível porque Furnas é interessada comercialmente nos procedimentos”. O ministro Dias Leite perguntou: “mas quem é que pode ser então?” Eu respondi: “A Eletrobras”. Aí, ele alterou e pôs. O Luiz Carlos Barreto fazia o trabalho dele e eu o meu.

FMM - Dr. Guy, uma história que ouvi dos antigos dirigentes de Fur-nas é que Furnas queria fazer Jaguara muito mais alta, afogando Estreito. Quer dizer, em vez de ter Estreito e Jaguara, teria um Jaguarão. GV - Bom, mas isso era nessa fase, aí. Furnas ganhou Estreito apenas. Ah, mas iria inundar lá naquelas terras de São Paulo e Minas, naquela região? Então, não conseguiu. Aí, ela fez Estreito. A estratégia de Furnas era não deixar a Cemig, ainda se fosse de qualquer natureza hidráulica ou térmica, ampliar a sua capacidade de geração, porque ela estava querendo que a Cemig fosse um mercado cativo de Furnas.

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FMM- Como foi sua vida profissional antes de se dedicar ao apoio à con-sultoria de engenharia?HMA- Fui empresário da construção civil por quase 30 anos, atuando na elabora-ção de projetos de arquitetura e execução de obras de edificações e urbanização, além de realizar incorporações imobiliárias.

FMM- Você começou a prestar serviços para a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE quando eu estava no meu primeiro mandato como diretor.HMA- É verdade. Isso foi em 1984. Desde aquela época me dedico integralmente à ABCE. Sou diretor executivo da Associação.

FMM- Nesse intervalo de tempo, como você sentiu a evolução das em-presas de consultoria? Há 26 anos as empresas eram muito grandes, empregavam enormes contingentes de funcionários, eram muito ativas e extremamente capacitadas.HMA- Havia empresas consultoras com três mil, quatro mil funcionários. Não eram muitas com esses contingentes tão grandes, mas eram muito capacitadas. Muitas delas desapareceram. Foram perdas importantes para a engenharia brasileira.

FMM- Quais foram os principais desafios, os mais sérios obstáculos nesses 26 anos?HMA- Até o início dos anos 90 as contratações eram mais civilizadas. Adotava-se a modalidade de contratação cost plus, com justa remuneração. As empresas inves-tiam em capacitação dos profissionais, inclusive no exterior, incorporando novas tec-nologias. A composição de preços dos serviços de consultoria levava incluía custos de treinamento e capacitação de pessoal.

FMM- Em saneamento e em irrigação, em geral, os contratos não eram cost plus e sim a preço fixo.HMA- Sim, mas onde se concentravam os maiores contratos, como os do setor elétrico, eram mais comuns os contratos cost plus. Contratar por preço global traba-lhos de consultoria de vulto e complexidade elevada implica em riscos que ou elevam preços ou resultam em prejuízos para as empresas.

FMM- Com a inflação galopante e os atrasos de pagamento, as empresas de consultoria sofreram.HMA- A partir da segunda metade dos anos oitenta a inflação disparou e o governo falseava os dados e índice econômicos que não permitiam repor a elevação de custos nos contratos em andamento.

FMM- Alguns dos grandes projetos nos anos cinqüenta e sessenta foram feitos por empresas estrangeiras tais como a IECO/Internacional, a Serete, a COBA, a COBAST, a Sofrelec, e outras.HMA- Aos poucos muitas empresas estrangeiras foram se nacionalizando. Havia uma proteção férrea da engenharia nacional. A ABCE e a ABEMI eram responsáveis por analisar os pedidos de empresas estrangeiras para contratação de serviços de engenharia, obrigatoriamente submetidos ao INPI. A permissão ou não para a contratação saia da mesa da ABCE onde as duas entidades se reuniam mensalmente para esse fim.

FMM- O movimento para a reserva de mercado para a engenharia nacional foi iniciado no Clube de Engenharia que conseguiu essa norma no governo Costa e Silva.HMA- Collor revogou essa reserva de mercado da engenharia no início dos anos 90.

Entrevista com o engenheiro Hélio Mendes de Amorim

Entrevistador: Flavio Miguez de MelloDia 3 de setembro de 2010

Formação: Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil (hoje Escola Politécnica da UFRJ) em 1955, em engenharia civil com atribuição adicional de arquitetura

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FMM- Mas no governo Sarney a lei já estava sendo driblada na contra-tação de consultoria do exterior para o programa federal de irrigação. As empresas nacionais sofreram com a abertura do mercado?HMA- De imediato não, mas pouco a pouco cresceu a participação de empresas estrangeiras no mercado nacional geralmente associadas ou adquirindo o controle de empresas brasileiras.

FMM- Na fase de inflação elevada e atrasos de pagamento havia intensos pedidos das consultoras para que houvesse correção monetária nos paga-mentos em atraso. Durante muito tempo esses pedidos não encontraram qualquer resposta dos contratantes estatais. Depois dessa longa fase, os contratantes estatais passaram a reconhecer correção monetária mas somente a partir dos 45 dias do vencimento das faturas. Com os elevadíssimos níveis inflacionários da época (que chegaram a atingir 80% ao mês) não havia como as empresas sobreviverem. Houve até quem nas equipes contratantes (Eng. João Alberto Bandeira de Mello) que achasse justo que as consultoras, além da correta correção, recebessem também juros com taxas interbancárias.HMA- Foram anos de negociação difícil. Artifícios de reposição das perdas não repunham as perdas reais. Empresas consultoras credoras de empresas estatais, espe-cialmente no setor elétrico, tiveram que aceitar acordos leoninos no fim de intermináveis negociações para salvar o que era possível.

FMM- Dessa crise surgiram muitas empresas pequenas e muitos engenheiros passaram a se dedicar a outros segmentos da economia.HMA- É verdade, mas algumas empresas retomaram o crescimento e hoje são gran-des como a Concremat, Themag, Leme, Engevix, PCE e muitas outras. Algumas empresas ampliaram o seu campo original de pura consultoria para atuar também como empreendedoras de negócios em contratações da modalidade EPC.

FMM- Quando eu assumi uma diretoria da ABCE, o Gravina era o presidente. Quem foram os mais recentes presidentes da ABCE?HMA- Flavio Henrique Lyra da Silva, Braz Alberto Gravina, Alexandre Car- valho e Lindolpho Correa de Souza, este desde 1992.

FMM- Como as empresas encaram a modalidade de contratação por preço global, mais comum atualmente?HMA- Em 1993 a lei 8666 extinguiu a modalidade cost plus para contratos com empresas da administração pública e empresas estatais. Nos contratos com privados há mais flexibilidade na escolha das modalidades mais adequadas de contratação para cada caso. A nova lei de licitações incluiu, por proposição atuante da ABCE, a modalidade de licitação por melhor técnica ou por uma combinação de técnica e preço. Durante muitos

anos predominaram contratações por esse conceito de valorização da técnica. Com tempo, entretanto, passaram a predominar contratações por menor preço, mais cômodas para o contratante, com a perda conseqüente de qualidade da engenharia. No julgamento da técnica há sempre uma certa margem de subjetividade que pode levar a recursos intermináveis. A elaboração dos editais é mais complicada, o julgamento difícil e trabalhoso e havia o risco de pedidos de anulação da licitação. A contratação por menor preço explica o prejuízo da quali-dade dos serviços e os baixos salários das equipes de projeto. A contratação pelo menor preço é a chave de tudo que está acontecendo. As empresas que concorrem nesse mercado trabalham até sem lucro e correm grandes riscos financeiros.

FMM- Nesse período houve episódios hilários para quem estava de fora e tristes para quem vivenciava a consultoria para empresas estatais. Por exemplo, quando o governo Sarney instituiu o primeiro plano hetero-doxo, houve certa euforia e foram criados os “fiscais do Sarney”. As esta- tais, na função de “fiscais do Sarney” enviaram cartas às empresas de consultoria contratadas e, unilateralmente, comunicaram que os multiplica-dores em contratos cost plus foram reduzidos. Apesar de ser nitidamente ilegal, essa redução prevaleceu e os valores dos multiplicadores não mais retornaram ao que havia sido estabelecido por consenso nos con-tratos que são instrumentos jurídicos perfeitos. No fim deu no que deu! Quais são as perspectivas para o futuro da consultoria?HMA- Há hoje otimismo. As empresas estão com boa carteira de contratos. Per-manecem preocupações já mencionadas: modalidades de contratação inadequadas e carência de pessoal qualificado. O faturamento segue em curva ascendente. As empresas associadas da ABCE têm mais de 20 mil profissionais de nível universitário.

FMM- As consultoras reclamam muito da formação dos engenheiros?HMA- Sim. Durante a crise antes comentada houve muitos engenheiros que viraram taxistas, donos de lanchonetes, etc. e recém formados em engenharia se di-rigindo para outras atividades. O resultado está hoje na carência que as empresas enfrentam. A menos de grandes empresas estatais em áreas específicas como a Petrobras que investe em treinamento do seu pessoal, é difícil promover qualificação de profissionais através de cursos e outras modalidades de treinamentos, menos ainda no exterior, pelos baixos preços praticados.

FMM- Essa carência deve estar propiciando o retorno de empresas estran-geiras ou aquisição de consultoras nacionais por estrangeiros?HMA- Sim. O Brasil é a “bola da vez” no mercado internacional, com destaque para os investimentos exigidos para a realização da Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016. Empresas estrangeiras buscam ativamente parcerias e alianças com empresas brasileiras, como forma mais cômoda de se inserir no nosso mercado de engenharia.

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Entrevista com o engenheiro João Camilo Penna

Entrevistadores: Erton Carvalho e Flavio Miguez de MelloDia 16 de julho de 2011 em Belo Horizonte

Formação: Engenharia civil e elétrica, pela Universidade Federal de Minas Gerais, MG, em 1948

FMM - Dr. Camilo, como foi a sua formação profissional?JCP - Me formei em engenharia civil e elétrica na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 1948.

FMM - Dr. Camilo, o Cotrim me contou que o senhor foi o primeiro engenheiro a ser contratado pela Cemig.JCP - É verdade. Quando me formei fui trabalhar na então chamada Cia Vale do Rio Doce. Morei num apartamento com o Eliezer Batista. Depois fui para a Cemig que tinha como dirigentes o Lucas Lopes, o John Cotrim, o Mauro Thibau, o Júlio Soares e o Flavio H. Lyra. O Benedito Dutra não era do quadro, mas dava apoio. Inicialmente trabalhei com o Mauro Thibau pesquisando mercado de distribuição. Fizemos um programa por ordem decres-cente de cidades: primeiro as maiores e mais perto para garantir um lucro ini-cial maior para depois irmos para as cidades mais deficitárias. Os municípios compravam ações com o compromisso de não vendê-las por certo tempo, podendo a Cemig recomprar essas ações a médio prazo. Como era importante ter carga industrial, a Cemig criou o INDI - Instituto de Desenvolvimento Integrado. Uma das primeiras grandes indústrias foi a Mannesmann.

FMM - Dr. Camilo, antes da Cemig, no governo Milton Campos, o estado havia iniciado a construção de algumas hidroelétricas, mas elas eram mal conduzidas, especialmente Salto Grande.JCP - Realmente as obras eram executadas como repartições públicas, com baixa eficiência. Mas creio que o Cotrim exagerava um pouco para melhorar a imagem da nova empresa. O Cotrim e o Mauro, vindos do Rio de Janeiro, maltratavam um pouco os mineiros.

FMM - E o Flavio H. Lyra?JCP - Esse não; ele era educadíssimo, uma dama.

FMM - E depois dessa fase inicial?JCP - Fiquei na Cemig de 1951 a 1974. Quando o Cotrim saiu para fun-dar Furnas, fui para o lugar dele como diretor técnico e depois para o lugar do Mario Bhering quando ele foi para a Eletrobras. Fiquei oito anos como diretor presidente, de 1967 a 1975. Nesse ano fui convocado para ser o Secretário de Fazenda do Estado de Minas. Fui Ministro da Indústria e Comércio no governo Figueiredo.

FMM - Dr. Camilo, como foi a saída do aproveitamento de Furnas da Cemig que havia iniciado os estudos?JCP - O Cotrim mandou que fizéssemos um reconhecimento de campo no rio Grande a jusante do local de Itutinga. O Noronha e eu, com mais algumas pessoas, fomos incumbidos desse levantamento. O Noron-ha descobriu o local de Furnas, um cânion relativamente estreito com possibilidade de formar um grande reservatório de regularização. Inicial-mente o Cotrim não acreditou, mas, indo ao local, se convenceu de vez. Entretanto o aproveitamento de Furnas era na realidade muito grande para a Cemig que havia pedido sua concessão. Quando o Juscelino assumiu a Presidência da República ficou claro que o Rio de Janeiro e São Paulo estavam entrando em rota de forte crise energética dado o desincentivo da Light em investir na ampliação do seu sistema pela contenção dos valores das tari-fas. A solução foi formar uma empresa regional para construir Furnas que viria atender ao Cotrim que estava querendo retornar ao Rio de Janeiro.

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Tiraram Furnas da Cemig e nos deram Três Marias. Os membros da Cemig ficaram magoados. Posteriormente o mesmo aconteceu com Estreito, também no rio Grande. Bias Fortes não era um governador forte, apesar do nome. Mas seus sucessores, Israel Pinheiro e Rondon Pacheco punham a boca no trombone.

FMM - Dr. Camilo, e quanto à divisão dos potenciais do Triân-gulo Mineiro? Porto Colômbia e Marimbondo para Furnas, Água Vermelha para a Cesp e São Simão para a Cemig?JCP - O Mauro Thibau, sob forte pressão de Furnas e da Cesp, concedeu a essas empresas Marimbondo e Água Vermelha, respectivamente. A Cemig ficou com a concessão de São Simão porque os federais não acreditavam que a Cemig fosse capaz de implantar São Simão. Depois de algum tempo, a Cemig não implantaria a usina e a concessão retornaria para os federais.

FMM - Realmente os custos de implantação de São Simão representavam na época todo o patrimônio da Cemig somado.JCP - Exatamente. Foi um desafio tremendamente difícil. Inicialmente fui ao Israel Pinheiro e mostrei a ele a oportunidade que se apresentava para a Cemig e o grande vulto do empreendimento. Ele me disse que estava deixan-do o governo e que seria assunto para o Rondon Pacheco, e acrescentou: “Vai ao Rondon e vê se resolve isso hoje”. Consegui ser recebido no dia seguinte graças à recomendação do Israel. O Rondon me recebeu com as seguinte palavras: “O senhor estava marcado para as oito horas e já são oito e dez”. Achei que naufragaria já no meu primeiro confronto. Após ter explicado o projeto ao governador eleito e todas as dificuldades de alavan-cagem de recursos, ele me disse: “No meu governo nós plantaremos carvalhos e não couves. Vá e faça São Simão”. Nessa época o Del-phim Neto mandava na economia e sabotava o Israel Pinheiro. Pedi prioridade para o financiamento de US$ 700 milhões para São Simão e o Delphim negou. Mauro Thibau recomendou que tentássemos financiamento externo. Corremos oito países em vinte e dois dias. Conseguimos financiamento para os equipamentos e financiamento do Banco Mundial para as obras civis.

FMM - Foi esse financiamento que abriu toda celeuma.JCP - Isso mesmo. O banco exigiu que a concorrência para construção fosse in-ternacional. A Camargo Corrêa disse que não entraria e registrou um protesto. Mas os empreiteiros nacionais não aparentavam muitas preocupações e a An-drade disse que o importante era haver financiamento para a obra. Abertas as propostas, vitória apertada da Impregilo, firma italiana. O Murilo Mend-

es conseguiu que eu fosse convocado para depor na Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional. Quem me salvou em Brasília foi o Magalhães Pinto que me disse: “Destruir você, nunca. Você é mais importante do que a Cemig”. Tendo tido sucesso no Congresso, me emocionei tanto que saí chorando. A Impregi-lo deu um verdadeiro show na obra, terminou três meses antes do prazo que havia sido estabelecido e não teve nenhuma reivindicação de preço. O próprio Murilo disse que os empreiteiros brasileiros aprenderam muito com a Impregilo.

FMM - E como foi o após Cemig?JCP - Queria ir para a iniciativa privada para receber um salário maior que me sustentasse na velhice que se aproximava. O José Carlos Figueire-do Ferraz já havia me convidado quando o Aureliano Chaves me disse que eu teria uma entrevista com o recém empossado Presidente Figueiredo. Não me revelou o assunto da entrevista. Quando eu estava na ante-sala com o general Venturini, o Delphim Neto saiu da sala do Figueiredo e, ao me ver, perguntou-me o que eu estava fazendo ali. Sem mentir eu disse que não sabia. O presidente me recebeu e falou: “O senhor foi indicado para ser o Ministro das Minas e Energia. Mas o senhor foi vetado porque falou mal do acordo nuclear. Assim, o senhor será o Ministro da Indústria e do Comércio”. Fui ministro por cinco anos e nove meses. Aí aconteceu um imprevisto. Recebi o rec-ado de que o Delphim Neto havia ordenado que todos os ministros recebessem o Paulo Maluf, candidato do governo à presidência. Eu disse que meu can-didato era o Tancredo Neves que era meu amigo e era mineiro e, conse-quentemente, eu não apoiaria o Maluf. Emiti minha carta de demissão. O Figueiredo ficou muito abatido.

FMM - Dr. Camilo, no governo seguinte o senhor foi presidente de Furnas.JCP - O presidente Sarney me selecionou para essa posição por indicação do Aureliano Chaves. Não gostei de Furnas. O corporativismo era enorme, havia muitas greves, muita gente e pouco trabalho. Tive que desmobili-zar mais de sessenta engenheiros. Muito diferente da Furnas no seu iní-cio. O Cotrim, quando na presidência, queria Furnas fazendo Itaipu e as hidroelétricas na Amazônia.

EC - Dr. Camilo, quando o senhor era presidente de Furnas me lem-bro que o senhor fez duas palestras. Uma sobre a situação energética nacional e outra sobre o difícil cenário de Furnas naquela ocasião.JCP - Tive em Furnas importantes apoios do Benjamim Batista, do Nor-

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berto Medeiros e de outros. Antes de terminar, quero também citar um grande brasileiro, o Antônio Dias Leite Filho que foi Ministro das Minas e Ener-gia. Quando saí de Furnas fui para a Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina. Nessa ocasião saiu um manifesto dentro de Furnas dizendo que eu havia vendido a minha alma para a iniciativa privada!

EC - Durante o seu mandato em Furnas ocorreu a emergência na encosta do córrego Dos Cabritos que tinha grandes blocos amea-çando cair dentro do reservatório próximo à barragem, podendo provocar uma grande onda. Fui chamado para solucionar o prob-lema e pedi um prazo de uma semana. Na UFRJ havia um doutor em ondas, o professor Claudio Neves. Em uma semana tínhamos uma estimativa da onda por modelo matemático. Mas, por que não fazer um modelo físico reduzido? Tirei recursos de um mod-elo de Estreito e fiz o modelo do colapso da encosta do córrego Dos Cabritos. O senhor foi duas vezes ao laboratório. Dr. Lyra foi nosso consultor.FMM - O Vice-Presidente da República, Aureliano Chaves, telefo-nava pressionando o senhor. Na encosta havia um grande monóli-to de quartzito em contínuo processo de alteração e, consequent-

emente, instabilizado. Um pedaço da encosta já havia caído antes, tendo provocado pequenos danos. A Mendes Júnior foi contratada para executar um projeto da Enge-Rio para desmonte do monólito e estabilização da encosta. EC - Olavo Pinheiro, que era o residente de Furnas na obra, foi entrevistado pelo Jornal Nacional da TV Globo. As perguntas haviam sido submetidas pela repórter antes e o Olavo havia pre-parado as respostas. Mas a última pergunta não havia sido progra-mada e o Olavo foi apanhado de surpresa com essa pergunta: “ O que acontecerá se a encosta cair?” A resposta do Olavo que impactou todos os telespectadores foi: “Só Deus sabe”. FMM - Dr. Camilo, nossa entrevista foi muito curta para uma vida profissional tão rica como a do senhor; o senhor gostaria de registrar mais alguma coisa?JCP - Vou falar do Aureliano de quem o Figueiredo não gostava muito. O Aureliano estava em Brasília hospitalizado no Sara Kubitschek e muito mal, tinha diabetes e disse que queria morrer em Minas Gerais. Veio para Belo Horizonte e fui visitá-lo no hospital. Ele me disse: “João, você chegou em boa hora. Os médicos querem amputar minhas duas pernas. Eu não quero”. Ele morreu dois dias depois e foi enterrado com as duas pernas.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXIA História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Entrevista com o engenheiro José Candido Capistrano de Castro Pessoa

Entrevistador: Flavio Miguez de MelloDia 6 de abril de 2010

FMM - A vida profissional do seu pai foi sempre de grande importância para o cenário dos aproveitamentos hídricos do nosso país. Conte-nos um pouco da vida dele.JCP - Meu pai nasceu no Ceará e formou-se em engenharia civil pela Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Ele estagiou na Aerofoto da Cruzeiro do Sul. Nesta época houve um anúncio de duas vagas para um treinamento nos Estados Unidos no US Bureau of Reclamation em Denver Colorado. Era um programa de dois anos e por incrível que pareça somente dois candidatos se apresentaram. Isso foi pro-vavelmente em 1950 ou pouco depois. Ele foi muito bem na primeira prova e ganhou a amizade de jovens profissionais destacados do Bureau tais como Jack Hilf, W. Holtz e Hoffmann. Eles deram apoio ao meu pai na época do treinamento e mesmo até o fim das vidas. Esse treinamento foi muito importante para o meu pai. Meus avós ficaram com muitas saudades, foram lá e trouxeram o meu pai de volta.Após o retorno ao Rio de Janeiro começou a trabalhar no Departamento de Obras Contra as Secas DNOCS cuja sede era na capital da República.Quando JK assumiu a presidência meu pai foi indicado como diretor geral do DNOCS. Ele se achava ainda muito novo. Era uma época de muitas obras de açudes no Nordeste.

FMM - Essa época, anos 40 e anos 50, foram os anos mais intensos de implan-tação de açudes para mitigação dos efeitos das secas no Nordeste. Os projetos eram feitos no Centro do Rio de Janeiro e implantados no interior das regiões ári-das do Nordeste. Seu pai narrou alguma particularidade desta época? Eu sei, por exemplo, que o engenheiro Octacílio Santos Silveira algumas vezes enfrentava dificuldades para conseguir material adequado para compor os maciços das barragens de terra.

Formação: Engenharia civil, especialização em geotecnia, pela PUC-RJ em 1990

JCP - Um episódio curioso foi que meu pai percebeu que os desenhistas, princi-palmente no verão carioca, transpiravam excessivamente danificando os desenhos de projeto que na época eram feitos em papel vegetal. Meu pai mandou insta-lar ar condicionado na sala dos desenhistas que foram os primeiros a ter esse conforto essencial para suas funções. Por conta disso apareceram críticas nos jornais que qualificaram como luxo desproporcional pelo fato do escritório do DNOCS ter uma sala com ar condicionado.

FMM - Um episódio que marcou esta época no DNOCS foi o colapso da barragem de Orós. Um engenheiro francês, Lamperriere, publicou um artigo na revista Water Power & Dam Construction, dando exemplos de acidentes de barragens que provocaram muitas mortes tendo incluído a barragem de Orós. Baseado em relato de seu pai refutei esse artigo uma vez que apenas uma pessoa faleceu de ataque cardíaco.JCP - Realmente Orós foi muito impactante. O acidente era esperado. Houve uma tentativa de subida do aterro e, quando ficou claro que haveria um transbordamento houve uma tentativa de proteção com lonas que não evitaram a ruptura da barragem ainda em construção.

FMM - Eu me lembro, embora fosse ainda muito jovem na época, das notícias de jornal que antecederam em alguns meses o acidente. Lembro de ter lido no Diário de Notícias que na época era jornal da oposição, que os dirigentes do DNOCS afirmavam que havia uma probabilidade da barragem de terra vir a ser galgada pelo fato de que os recursos para as obras públicas estavam todos direcionados para a construção de Brasília dessa forma, o DNOCS estava sem recursos financeiros e sem crédito junto aos fornecedores.

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JCP - A obra ficou realmente paralisada, os equipamentos de terraplanagem sem combustível por falta de pagamento. Meu pai foi ao ministro Lúcio Meira e, depois de muito custo, conseguiu recursos para Orós no Banco do Brasil. O cheque que meu pai recebeu foi imediatamente descontado no banco, o dinheiro colocado em uma mala e despachado no avião do DNOCS. Era um avião pequeno com um piloto de inteira confiança. Como se tratava de uma emergência, não havia tempo para um procedimento de compensação bancária uma vez que isso demandaria muitos dias. Antes de pousar em Orós o avião levou uma pessoa ao Recife. Apesar das instru-ções terem sido claras e da urgência da operação o piloto esqueceu a mala do dinheiro no avião. Cerca de 5 dias depois, como a obra continuava paralisada ficou claro que os fornecedores não haviam recebido os pagamentos. Meu pai mandou verificar o avião, a mala ainda lá estava e o piloto fez um vôo de urgência para Orós. Entretanto já está-vamos no fim da estação chuvosa quando veio a precipitação que causou a descarga que rompeu a barragem ainda em construção.

FMM - Devemos realçar a impressionante operação do exército e da for-ça aérea no socorro e salvamento da população a jusante da barragem. Quase ocorreu outra ruptura em Orós depois do corpo da barragem reconstruído. Esse acidente me foi narrado pelo Epaminondas Mello do Amaral Filho. O vertedouro da barragem se situa na ombreira esquer-da onde a rocha é extremamente fissurada. Na reconstrução apenas o aterro da barragem foi erguido e havia uma pequena ensecadeira em fren-te à escavação para o vertedouro. Numa visita do ministro do interior à barragem ele estranhou o fato de haver esta ensecadeira e um trator des-tinado a mantê-la. Esse ministro ordenou que a ensecadeira fosse aberta. Como o nível estava alto no reservatório a água começou a escoar sobre a rocha provocando uma grande erosão na mesma. Essa erosão amea-çou a estabilidade de toda a ombreira esquerda. Para evitar a repetição desse incidente, o laboratório de Saturnino de Brito foi contratado para projetar um vertedouro em concreto. Esse vertedouro projetado pelo professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto encontra-se até hoje promovendo a segurança da barragem.JCP - Naquela época era um outro país. Houve uma vez em que meu pai ia de jipe para a cidade de Boa Viagem no interior do Ceará. O jipe cruza na estrada com o carro da prefeitura que ia no sentido contrário. O prefeito como precisava falar com meu pai entrou no jipe de volta para Boa Viagem. O carro do prefeito pouco mais a frente foi emboscado e todos seus ocupantes morreram fuzilados. Meu pai e o prefeito que não presenciaram esta cena estavam na casa do prefeito quando os assassinos não tendo atingido o prefeito no seu carro foram para Boa Viagem e investiram a tiros na casa do prefeito. Foi um tremendo tiroteio, mas desta vez não houve vítimas. Outro exemplo que o país era diferente está no fato do meu pai criar uma onça que,

contam os mais velhos, era razoavelmente domesticada. Para evitar caronas no avião do DNOCS algumas vezes a onça ia como passageira. Isto bastava para afugentar os possíveis caronas. No Rio de Janeiro a onça era transportada no carro particular. Um dia, ao descer do avião, a onça foi atingida por um tiro desferido por uma pessoa que não sabia das qualidades da onça. A onça faleceu.

FMM - Como foi a vida do seu pai após o DNOCS?JCP - JK transfere a presidência a Janio Quadros que inicia uma verdadeira caça às bruxas. Meu pai era muito amigo e freqüentava a casa de JK. Nessa época, Armando Falcão recomendou ao meu pai que não freqüentasse mais a casa do Juscelino porque a principal bruxa a ser caçada era o próprio Juscelino. Meu pai teve que responder a vários inquéritos sendo que um deles com 24 horas sem intervalo. Num desses inqué-ritos um coronel perguntou: “ Você fez uma estrada que não vai a lugar nenhum; que estrada é esta?” Meu pai respondeu que era a estrada de acesso à área de empréstimo da barragem. O termo empréstimo causou ainda mais confusão no referido coronel. Em outra ocasião foi perguntado ao meu pai por que o DNOCS tinha uma máqui-na de raspar gelo. Foi esclarecido que esta máquina já estava no DNOCS antes dele assumir o cargo.

FMM - E quanto ao trabalho...?JCP - Ele foi trabalhar na Noronha Engenharia. Ele era muito amigo do Noronha. Era uma época de instabilidade financeira com dificuldades de recebimento por serviços prestados a órgãos públicos. Numa ocasião o Noronha teve que vender o seu carro próprio para efetuar o pagamento aos funcionários. O dinheiro da venda foi depositado num banco, o aviso de pagamento foi feito aos funcionários, mas no dia seguinte o banco quebrou. As dificuldades eram muito grandes. Veio a concorrência do projeto da tran-samazônica. A Hidroterra que estava hibernando desde 1954 venceu a concorrência com a Noronha. Esse contrato fez com que a Hidroterra decolasse. Depois veio o projeto da barragem de Pacoti, primeiro projeto de barragem da Hidroterra. Na época um coronel do exército afirmou que o reservatório não iria encher, mas que o talu-de da barragem seria aproveitado como uma arquibancada. O reservatório está lá até hoje abastecendo Fortaleza.

FMM - A barragem do Açu foi um assunto muito comentado. JCP - Realmente. Aconteceram dois acidentes, o primeiro sendo um pequeno escorrega-mento acontecido em 1978. Nessa ocasião meu pai convocou o Holtz, que após detalhada visita ao local recomendou a remoção do material do núcleo e do tapete impermeabi-lizante. O DNOCS durante dois meses fez inúmeras reuniões e mandou arquivar o relatório do Holtz considerando o assunto como tendo sido superado. As recomendações do Holtz e, consequentemente, as recomendações da Hidroterra na posição de enge-nharia do proprietário não foram aceitas. A barragem foi construída com a utilização

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desses materiais inadequados e de baixa resistência. Ao final da construção acon-teceu o segundo acidente, uma ruptura de talude de montante envolvendo grande quantidade de aterro compactado. Meu pai recebeu então um telefonema no qual seu interlocutor dizia “temos que salvar a imagem dos colegas do DNOCS. Vamos culpar o gringo. Nos Estados Unidos ninguém vai saber disto.” Meu pai foi contra essa proposição e virou boi de piranha. Até os relatórios da Hidroterra sumiram de seus arquivos do Rio de Janeiro; foram roubados. Apesar de não ser projetista e sim supervisora, a Hidroterra foi atacada. No auge das acusações a Hidroterra sem os relatórios que haviam recomendado a remoção do material de baixa resistên-cia meu pai recebeu o telefonema de um amigo de Fortaleza que disse onde estavam os relatórios. Meu partiu imediatamente para Fortaleza e, em audiência com o Juiz declarou que tinha as provas que haviam sido mencionadas. O juiz designou um oficial de justiça e outros funcionários do judiciário que em comboio foram à sede do DNOCS e lá acharam todos os relatórios. O juiz deu a sentença inocentando meu pai e realçando a inépcia do advogado de defesa que provavelmente havia sido comprado.

FMM - Conte um pouco do projeto do Canal do Trabalhador no Ceará.JCP - Esse foi realmente o último projeto da vida do meu pai. A situação de abas-tecimento d’água a Fortaleza havia chegado a um ponto de calamidade pública com perspectiva as mais sombrias. Meu pai, que não tinha medo de desafio, assumiu perante o governo do estado que a obra poderia ser executada em três meses. Parecia

impossível, pois eram 103 km de canal com 5 metros de base, uma estação elevatória e dois sifões invertidos. A Hidroterra trouxe o Hoffmann para comandar o projeto trancado num quarto de hotel em Fortaleza. Haviam muitos boatos em relação ao projeto um dos quais, por exemplo que teria que haver uma proteção contra golpe de ariete na estação elevatória. A equipe do governo do estado foi até o hotel e sequestrou o Hoffmann de modo que ele pudesse garantir ao governador Ciro Gomes que não haveria necessidade de tal proteção. A previsão de três meses foi quase cumprida: a obra levou 93 dias e Fortaleza se livrou de uma seca intensa.

FMM - Como foram as transições no governo federal?JCP - Realmente, para quem trabalha para governo estas transições costumam ser traumáticas. Por exemplo quando Collor era governador de Alagoas tinha uma audiência marcada com um diretor do Departamento Nacional de Obras de Saneamento-DNOS. Collor não foi atendido nem de manhã e nem de tar-de. Ao tomar posse na presidência da República Collor extinguiu o DNOS. Faltava muito pouco para a conclusão da barragem Norte. Essa e outras obras ficaram sem responsável.

FMM - E o que não foi realizado?JCP - Meu pai tinha o sonho da transposição do rio São Francisco. Esse projeto ele não vivenciou. Faleceu em 2007 com 77 anos.

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Entrevistador: Flavio Miguez de MelloOutubro de 2010

FMM - Há muitos anos você me disse que os contratos da Brascep, em-presa de consultoria que você dirigia, eram quase que exclusivamente com empresas privadas. Eu me lembro que naquela oportunidade eu te felicitei. Mas depois o perfil dos clientes da Brascep mudou. Como se deu a transformação dos clientes da Brascep de privados para estatais?LCQ - A Brascep trabalhava para clientes industriais. Entretanto, o mercado de termoelétricas de portes médio e grande era exclusivamente estatal. Para indús-trias privadas as termoelétricas eram raras e pequenas; em geral eram otimizações para auto consumo.

FMM - Quando começaram os clientes estatais para a Brascep?LCQ - Nos anos de 1978 a 1980 com a ELETROSUL. Nos anos oitenta come-çamos a trabalhar para ELETRONORTE, FURNAS e CHESF, subsidiárias da Eletrobras.

FMM Como eram os contratos com as estatais?LCQ - Os contratos eram na modalidade cost plus. Na década de 80 cerca de 80% dos contratos já eram com estatais. Nessa época a seleção da consultora pelas estatais se fazia com base na capacitação técnica da consultora/projetista.

FMM - O que gerou a crise na consultoria?LCQ - Houve um inchaço nas consultoras para possibilitar a terceirização de pes-soal para estatais porque estas, a partir de certa época, passaram a ser impedidas de expandir seus quadros. Havia atrasos nos pagamentos, mas dava para conviver até o fim da década de 80. No governo Sarney os atrasos e a inflação passaram a ser grandes e, conseqüentemente, as empresas passaram a ter que arcar com prejuízos correntes. Nos contratos cost plus os faturamentos eram mensais e, portanto, não

Formação: Engenharia Mecânica, pela PUC-RJ em 1965

era possível faturar um técnico com mais horas úteis do que o mês tinha. Com a de-mora nos pagamentos não havia como acumular serviços para só emitir as faturas quando havia caixa nas estatais, como faziam os empreiteiros. Durante muito tem-po os serviços eram pagos sem correção pela inflação. As empresas trabalhavam no vermelho. As empresas reclamavam com as estatais, mas a resposta era: se vocês não estiverem satisfeitos podem pedir rescisão dos contratos.

FMM - Mas houve uma época em que, após anos seguidos sem correção, a correção foi admitida nos contratos.LCQ - Mas a correção não era total. Essa correção se aplicava apenas à atuali- zação monetária parcial dos valores que haviam sido faturados, e que não incluía juros.

FMM - Nessa época as empresas tiveram que recorrer ao sistema financeiro?LCQ - As empresas já vinham recorrendo a bancos e, portanto, não conseguiam um fluxo de caixa positivo.

FMM - Na composição do cost plus qual era a parcela do lucro?LCQ - No nosso caso era 10% antes do imposto de renda.

FMM - E qual era o nível da inflação mensal e dos juros bancários?LCQ - Não me lembro exatamente, mas a inflação era galopante com períodos de altos e baixos, mas certamente muito superior a 10% nesse período. Além disso, os juros bancários neste país sempre foram muito elevados.

FMM - E nesses períodos esporádicos de baixa inflação o que ocorreu?LCQ - Eram planos heterodoxos que sumiam com a correção da inflação de um mês.

Entrevista com o engenheiro Luiz Carlos Queiroz

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Mas nesse cenário a equação financeira dos contratos não poderia fechar.LCQ - De acordo. Isto causou uma descapitalização e endividamento das consulto-ras além de perda de profissionais. Como os clientes atrasavam, as consultoras eram forçadas a atrasar os salários de seus profissionais. Os profissionais da consultoria passaram a ir para as indústrias.

FMM - Você me sucedeu na diretoria da ABCE. Os profissionais de engenharia industrial tinham essa possibilidade de migrarem para traba-lhar em indústrias que podiam garantir o pagamento de salários em dia e com plano de crescimento profissional. Na ABCE você sentiu que as consultoras que trabalhavam em projetos de barragens tiveram este problema e que esses profissionais não tinham para onde ir?LCQ - Sim, esses profissionais encontravam muito mais dificuldade de se recolocar, pois o setor era todo estatal.

FMM - Isto significa que houve um desmonte da engenharia brasileira na área de barragens?LCQ - Na ABCE isso era comentado. Embora nós trabalhássemos na área termo- elétrica, sabe-se que isso é verdade.

FMM - Uma consultora independente não precisa de grande patrimônio contábil?LCQ - As consultoras tinham como patrimônio o know-how. Sem suas equipes, as consultoras perderam seu patrimônio.

FMM - Então, com recebimentos em atraso, as consultoras perderam seu pequeno capital e se endividaram. Isso é correto?LCQ - Isso é correto. Parece que havia um plano sinistro de acabar com a engenha-ria nacional que, se não era uma intenção clara do governo, era uma conseqüência das ações que foram tomadas.

FMM - E como foi a transição do governo Sarney para o governo Collor?LCQ - Catastrófica. As consultoras vinham com altos créditos a receber, valores atrasados que não haviam sido pagos no governo anterior. Conseqüentemente as consultoras se encontravam com elevados endividamentos em bancos, num ambiente em que a inflação atingiu 80% ao mês. O governo Collor tomou logo de início duas medidas que foram a pá de cal nas empresas de consultoria: cancelar todos os contra-tos em vigor e declarar que não iria pagar os valores devidos na era Sarney. Depois de muitas negociações e demandas, as estatais pagaram esses créditos com moeda podre chamada ELET que tinha valor de mercado correspondente a 26% do seu valor de face. As consultoras, já muito endividadas, não tiveram outra saída se não aceitar receber essas ELETs para poder demitir a quase totalidade de seus quadros de funcionários com enorme passivo trabalhista.

FMM - Qual foi o destino dessas consultoras?LCQ - A maioria dessas empresas quebrou ou ficou desfigurada sem contratos ou sem corpo técnico. Foi comum ver engenheiros de elevada qualificação passarem a ser adminis-tradores de restaurantes, motoristas de taxis, etc...

FMM - Como ficou o mercado de consultoria após essa fase?LCQ - Quando houve a retomada do desenvolvimento, não havia mais capacitação de empresas nacionais em vários setores. Não havia também a proteção de mercado que existia a partir do governo Costa e Silva. Nesse cenário ocorreu o retorno de empresas estrangeiras de consultoria, sempre vinculadas ao dinheiro dos órgãos financiadores. Muito mais competência tiveram os advogados que nunca permitiram a invasão de empresas multinacionais. A advocacia, assim como a engenharia, são setores mui-to importantes para o desenvolvimento de um país; não devem ficar sob controle de interesses estrangeiros.

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Entrevista com o engenheiro Mario Santos

Entrevistador: Flavio Miguez de MelloOutubro de 2010

Formação: Engenharia elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco em 1962

FMM - Mário, Essa é uma das primeiras entrevistas para o livro dos 50 anos do CBDB.MS - Quantas pessoas estão trabalhando nesse seu livro?

FMM - Por enquanto só eu, mas vamos contratar outras pessoas.

FMM - O que eu tenho fe i to pr ime i ro é esc rever sobre a formação do entrevistado. O senhor se formou na Universi- dade Federal...?MS - Eu me formei pela Universidade Federal de Pernambuco em 1962. Eu sou mais velho do que você.

FMM - Em engenharia elétrica?MS - Engenharia elétrica. Naquele tempo, inicialmente, não havia distinção. Quando já estava no segundo ano de engenharia, em 1959, então houve a possi-bilidade de diferenciação. Havia um curso de primeiro e segundo anos igual para todos. No terceiro ano surgiu a novidade. Foi até Luiz Pereira quem trouxe isso em função dos franceses, e surgiu a novidade de fazer a especialização: minas, mecânica, civil e elétrica. Então a gente optava.

FMM - Em engenharia elétrica não se estudava disciplinas de enge- nharia civil?MS - Quando chegávamos ao terceiro ano, nós tínhamos uma cadeira chamada REC - resistência, estabilidade e concreto. Depois havia novamente um pouco de es-tabilidade, um pouco de concreto, mas num nível bem menos profundo de que a parte de civil e mecânica.

FMM - E logo foi trabalhar na Chesf?MS - Primeiro eu fui estagiário da Chesf, ainda em 1961. E depois, através de um professor famoso, André Falcão, que era meu professor e estava fazendo curso na França, grande engenheiro que muito me influenciou.

FMM - Ele era presidente da Chesf.MS - Foi. Nessa época, ele era um grande consultor e professor. Eu fui monitor de turma, cheguei a ser assistente dele durante um ano. Ele foi fazer o doutorado na França e deixou em seu lugar outro engenheiro famosíssimo que você conheceu de nome com certeza e que, por alguma razão, parou de fazer engenharia, e sumiu. Eu não consigo entender o porquê. Ele era um engenheiro de altíssimo nível, sobretudo do ponto de vista prático: Mauro Amorim. O Mauro é um cara que você devia entrevis-tar, tentar achar, buscá-lo. Hoje, ele fica em São Paulo ajudando os filhos na oficina, em padaria, em negócio. Ele deixou a engenharia, mas ele tem história, foi uma pessoa importantíssima por causa de Jupiá e até de Itaipu. Ele foi o principal responsável pela Itamon.

FMM - E ele foi diretor técnico da Chesf. MS - Foi diretor técnico da Chesf, foi diretor da Cohebe, diretor técnico da Chesf, foi responsável técnico de toda a montagem de Itaipu. E a história foi essa, o Mauro me queria. Aí, eu era noivo, pobre e queria casar rápido, fiz concurso para a Petrobrás e para a Sudene. E ele mandou a carta para André Falcão dizendo como é que eu que era eletricista não ia para a Chesf. Aí, o André, da França, me manda a ordem: “você tem que ir para a Chesf ”. E eu fui para a Chesf a convite do Mauro Amorim e por orientação de André Falcão; lá passei 29 anos e 7 meses da minha vida profissional como engenheiro

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FMM - Vinte e nove anos?MS - Foi. 29 anos e 7 meses na Chesf. Saí no inicio do governo do Collor. Saí no final de maio de 1990 e, em julho, fui colocado à disposição do DNC (antecessora da Agência Nacional do Petróleo). Aí fui ser diretor de Abastecimen-to Nacional e tive entre outros desafios coordenar racionamento de petróleo durante o período da - Guerra entre o Iraque e o Irã. Em maio de 1991 fui convidado para ser Diretor de Operação de Sistemas na Eletrobras.

FMM - Nesses 29 anos e meio de Chesf, a única coisa que você não pegou foi Paulo Afonso I, porque aí pegou Paulo Afonso II, III, IV, Moxotó, Sobradinho, Itaparica, etc.

MS - Peguei Paulo Afonso II, III e IV. Interessante registrar que em PA-IV Ita-parica e Xingó consta meu nome junto com os demais integrantes da Diretoria de cada época nas placas comemorativas. E consta em tantas placas porque eu passei 10 anos como diretor de operação. De 1979 até 1990 fui diretor. Dez anos, onze anos, vamos dizer, dez anos e meio. Como diretor de operação eu me envolvia muito com esse processo de comissionamento, operação e manutenção das instalações de uma maneira geral. Fui chefe de serviço de manutenção geral, depois chefe do Departamen-to de Manutenção da Transmissão, depois fui fazer curso na França, voltei com a ideia de criar uma área de movimento de energia, nome que os franceses da EDF utilizavam, enquanto que os americanos usavam a designação de despacho de carga ou operação de sistema para a mesma função. Tive sucesso em convencer a direção da Chesf da época e foi criado então o Departamento de Movimento de Ener gia, o memorável DME. Aí, era apenas a CHESF, junto com a Hidronor que era a proprietária da hidroelétrica de El Chocon na Argentina, as únicas empresas das Américas que utilizavam esta designação. Isto ocorreu por-que o engenheiro Antonio Vignolo que trabalhava na Hidronor também estagiou na EDF comigo no famoso Service de Mouvement d‘Energie daquela empresa, na época considerado um dos mais modernos do mundo. Em síntese, o que penso ser relevante é que o curso na França me convenceu da necessidade de nos preparar-mos como empresa em rápida expansão e que no futuro se interligaria com outros sistemas de potência no Brasil para operar não apenas instalações de geração e transmissão, mas sim um complexo integrado no qual a energia tinha que ser “movimentada“ com segurança, qualidade e eficiência. Isto marcou minha volta: conseguir convencer a Chesf a se preparar para operar um já grande sub-sistema Nordeste que mais tarde fatalmente se integraria ao restante do Sistema Nacional. Até então, naquela época, a gente fazia só operação e manutenção de Instalações. Sem ênfase para a visão sistêmica.

FMM - É porque no início era muito voltado só para Paulo Afonso. Depois veio Boa Esperança?MS - Foi a primeira fusão de duas empresas e depois veio a primeira “interligação”. Aí o Brito, o Dr. José Marcondes Brito de Carvalho, o primeiro e grande diretor de operação da Eletrobras e criador do GCOI (Grupo Coordenador da Operação Interligada). O GCOI foi muito importante. E, posteriormente, o CCON (Comitê Coordenador de Operação do Nordeste). Em 1967, com a seca do São Francisco, houve trocas de energia entre Cesp, Cemig e Furnas para poder permitir o aumento da defluência em Três Marias para mandar a água para o reservató-rio de Moxotó. Esse negócio foi uma coisa que marcou profundamente minha vida, porque foi o primeiro contato que tive com as grandes empresas do Sudeste e do Sul e com os problemas de um sistema de potência que já começava a se interligar e a ficar gradativamente mais complexo. E aí a gente teve, não uma interligação elétri-ca entre o Sudeste e o Nordeste, mas na realidade a primeira interligação hídrica que se constituiu ao se coordenar a operação hidro-energética entre usinas situadas no mesmo rio São Francisco a 2000 km de distância uma da outra, ou sejam Três Marias da Cemig e Moxotó e Paulo Afonso I da Chesf. Observe-se que era uma operação de coordenação hidráulica. Eram dois mil quilômetros com tempo de viagem da onda de água de cerca de 20 dias; os reservatórios de Moxotó e Paulo Afonso só tinham capacidade de regularização de sete dias no máximo e estávamos viven-do uma seca extremamente crítica, assolando toda a bacia do rio São Francisco. Assim, caso não houvesse a contribuição do reservatório de Três Marias que era o grande pulmão regulador de toda a bacia, o reservatório de Moxotó teria que operar a fio d’água e teríamos um racionamento de energia elétrica sem controle em todo Nordeste. Hoje não, ele só regula uma hora, duas.

FMM - Mas por que a regularização passou a ser tão baixa? Por causa do assoreamento?MS - Seca. Seca fortíssima, aguda no Nordeste todo. Naquela época a seca foi tão forte que a gente precisava da água do reservatório de Três Marias para poder Paulo Afonso I e II funcionarem. Então, de forma coordenada, se solicitava o au-mento da geração de Três Marias para aumentar a descarga no alto São Francisco e chegar mais água a Paulo Afonso 14 a 15 dias depois. Então, tinha que haver redução de geração de energia em outras usinas da Cemig e de outras da Região Su-deste. Algumas vezes por dias e por vezes, durante algumas semanas se programava vertimentos em Três Marias para poder mandar para jusante a quantidade de água mais adequada para combater a escassez provocada pela gravidade da seca a ju-sante de Três Marias.O tempo de viagem da onda d’água nos períodos de seca mais críticos chegava a atingir vinte dias de Três Marias a Paulo Afonso. Ou se au-mentava a geração em Três Marias o que,muitas vezes, provocava problemas de

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operação elétrica de distribuição de carga e de geração no sistema da Cemig que ti-nha que ser compensada por Furnas. Furnas se comprometia, e a Cesp também. Chesf e Furnas se comprometiam a pagar a Cemig. E a Chesf, quando houvesse melhores condições energéticas e que fossem implantadas as linhas de interligação entre os sub-sistemas Sudeste e Nordeste, pagaria à Cemig, à Cesp e às empresas do sistema Eletrobras. Foi uma grande operação de cooperação energética entre as empresas estatais da época.

FMM - Isso ainda foi no final dos anos sessenta?MS - 1967, 1968, 1969. Vou ver se te dou mais alguma documentação sobre isso. Isso foi uma operação interessantíssima, realmente a primeira interligação, quando a crise energética no Norte e Nordeste não foi elétrica; foi hidráulica, por conta da pouca capacidade de regularização. Foi uma seca realmente terrível. Acertamos com a Cemig liberações de água de Três Marias para socorrer Paulo Afonso.

FMM - Foi em 1967? MS - A memória me diz que foi em 1967, mas eu lhe confirmo isso porque é o ano da pior seca do rio São Francisco. É um dos anos de pior seca. Então, vai ser fácil descobrir a data.

FMM - E o interessante é depois esse pagamento à Cemig em longo prazo.MS - Antes de ontem ou na semana passada estávamos recordando. Passamos mais de cinco anos para zerar essa conta, porque a Cemig foi muito correta em tudo, mas ela fazia questão, extremamente criteriosa, ela fazia questão de tudo. Então, a grande briga...

FMM - Se não fossem eles...MS - Aí, a grande questão deles. Eles contabilizaram tudo, valoraram cada metro cúbico por segundo, cada centímetro de deplecionamento em Três Marias.

FMM - Demorou cinco anos para zerar essa conta?MS - Eu me lembro que demorou muito a zerar essa conta. A grande questão dela era o chamado EPP. O tal do EPP ficou famoso. Eles faziam questão da Energia por Perda de Produtividade. Eles alegavam que quando eles aumentavam a geração, eles esvaziavam mais rapidamente o reservatório e que haveria perda de queda. Eles inicialmente apresentaram algumas dificuldades para concordar com a operação, mas a racionalidade do pedido, a dramaticidade do pedido decorrente da gravidade da situação, e já haviam se inserido aí Brito da Eletrobras e o Luiz Carlos de Furnas para convencer o Guy Villela da Cemig que, com aquele jeito dele, terminou apoiando a idéia; Cesp no muro, nós também, mas aí ficou só a Cemig que acabou concordando.

FMM - Era o Luiz Carlos Barreto de Carvalho?MS - Era. Luiz Carlos Barreto. E como resultado, eles foram cedendo, cedendo, se fechou, mas se criou a figura do EPP na equação de dívida. Então, se fazia duas si-mulações operacionais: uma simulação visando as necessidades da Cemig, já de acordo para qual reservatório seguiria; e uma simulação de operação real, que foi efetivamente feita para ajudar a Chesf. Nesta, então, havia um deplecionamento mais acelerado. Essa pequena diferença de nível era transformada em energia e colocada no lado da nossa conta para pagar. Mas foi aí o meu primeiro contato com os grandes problemas de sistema. Paulo Afonso, no início de sua operação atendendo a um consumo restrito, era uma usina que, com a geração própria, mesmo nos anos críticos, tinha capacidade de atender o mercado. Então, meus primeiros contatos com operação hidráulica no Brasil foi nessa época quando eu comecei realmente a ver, e depois, com as entradas sucessivas das usinas da Chesf, que a ideia era comissionar. E, confesso que a barra-gem para nós era algo que era tão bem feita, era tão perfeita, que nós da manutenção éramos muito mais preocupados com a operação eletromecânica do que com a ope-ração de base. Tanto que muitas das barragens não eram muito bem monitoradas. A gente tinha consultores estrangeiros, e os financiadores, os bancos que você conhece muito bem, é claro, eram chamados de tempos em tempos, vinham, faziam relatórios e nós da manutenção muitas vezes não nos preocupávamos com os relatórios. Eu me lembro, eu era homem de manutenção. Até criaram o departamento de produção de energia que tinha um colega oriundo do IME chamado Edgar Barros que foi o superintendente e outro, o Leonardo Cavalcanti. Esses engenheiros eram quem conduziam os aspectos técnicos de manutenção e segurança das barragens Na época eu já era diretor de operação e eles eram os responsáveis pelo Departamento de Produção de Energia que cuidava exatamente das barragens.

FMM - Pelo que eu me lembro, a Eletrobras e a Chesf chegaram à conclu-são que deveriam construir uma regularização para o São Francisco. E foi nessa época de 1967 que essa decisão foi tomada para os anos seguintes. E entre Itaparica e Sobradinho, a decisão foi Sobradinho, sem casa de força. E depois se viu a necessidade de instalar mil megawatts em Sobradinho. Por que foi Sobradinho antes de Itaparica? O que se fala aqui é que tinha alguma coisa relativa a Apolônio Sales. MS - Na realidade, existem algumas lendas aí. Doutor Apolônio tinha feito, antes de ser ministro, um grande projeto em Itacuruba, na região de Itaparica. Eu te-nho um profundo carinho e admiração por ele porque ele realmente era magnífico. Se, em Itaparica tivesse sido feito da maneira que precisava ser feita a regula-rização do rio, esse projeto agrícola, que era todo um campo de irrigação arti-ficial, com drenagem, com assistência técnica, com o assentamento necessário, seria alagado e perdido.

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FMM - E acabou sendo alagado posteriormente.MS - É verdade, acabou sendo alagado numa segunda fase, em menor escala, mas foi. Então, surgiu a ideia de primeiro regularizar o rio. Quer dizer, garantir aqueles dois mil e sessenta metros cúbicos por segundo de vazão mínima. Era o com-promisso mínimo e havia aquele problema a jusante de Paulo Afonso que até hoje ainda é complicado, pelos problemas das plantações de arroz do baixo vale. E a decisão se voltou muito a:Primeiro - podia se postergar a motorização porque não teria a necessidade de ener-gia. Então, você faz primeiro a regularização do rio para garantir a vazão mínima que depois ficou modulada para o resto do aproveitamento, e só depois se partiu para a motorização de Itaparica. Eu não sei aí, honestamente, eu era um gerente novo de manutenção de operação. Era em 1967, eu tinha me formado há pouco, eu não sabia nem... Para mim, Rio de Janeiro era Roma e Apolônio era o Papa. E tem outro cara, que você conheceu - esse cara realmente, inclusive ele está aposentado agora, se você pegar um cara desse ele vai adorar, João Paulo Maranhão de Aguiar. Ele está aposentado em Recife, está com um negócio, virou inimigo de José Antônio. Ele é um católico extremamente vinculado a movimentos sociais. João Paulo Mara-nhão de Aguiar também é outro que você precisa entrevistar. Depois de Sobradinho, ele foi fazer Itaparica e depois ainda trabalhou em Xingó. Depois virou assisten-te de diretoria. Ele é uma figura meio mística, meio religiosa, doa tudo que ganha. É uma pessoa muito séria e coerente.

FMM - Nos anos oitenta o CBDB promoveu um Seminário Nacional de Grandes Barragens em Olinda. Na época Xingó, estava em construção, do meio para o fim da obra que estava sendo tocada com grande sacrifício financeiro por causa da crise que se vivia no País, e principalmente no setor elétrico. Ele fez uma palestra sobre Xingó e, muito exaltado, disse que os americanos trinta e cinco ou quarenta anos antes, tinham querido fazer a Usina de Xingó e que então o Brasil resistiu, não deixou fazer a usina e “agora estamos fazendo usina nossa brasileira”. Minha pergunta a ele: mas se a usina estivesse operando a trinta e cinco ou quarenta anos atrás, a concessão já teria terminado, a usina seria nossa de graça.MS - E isso é irrefutável, você disse. Ele tem um viés ideológico extremamente acendra-do, então, começa a perder um poço de pragmatismo, mas compensa pelo seu idealismo. É um cara brilhante.

FMM - E a construção de Xingó foi uma construção difícil porque o setor elétrico brasileiro na época e o governo de uma forma geral es-tavam numa crise financeira muito grande. Naquela época o Collor era presidente e direcionava a prioridade de investimento para Xingó, que

é na região dele. Como também no governo anterior, a prioridade era Tucuruí e Itaipú.MS - Itaparica passou também pela possibilidade de inicialmente apenas regularizar o rio a jusante. Itaparica não se prestaria a esse papel. E eu não sei, aí realmente eu não sei, porque na época eu fui comissionar Sobradinho; o João Paulo estava lá, quan-do eu o conheci melhor. Eu o conhecia da escola, mas onde fizemos relacionamento profissional foi em 1977, 1978, 1979, que foi o comissionamento dos equipamentos russos de Sobradinho. Sobradinho foi trocado com os russos por sapatos brasileiros que devem ter se acabado rapidamente naquele frio, enquanto as turbinas geradores e má-quinas russas ainda estão firmes prestando serviços ao Brasil. Foi um bom negocio sem dúvida. Havia uma equipe de russos lá que trabalhava feito loucos, depois bebiam, bebiam, bebiam. E havia um cara que falava português perfeito. Soube-se depois na realidade ele era agente da KBG. Entretanto a gente nunca se referia a ele como de agente da KGB, porém era o cara que controlava tudo. Havia uma engenheira especia-lizada em sistemas de excitação dos geradores. Nunca vou me esquecer. Era uma boa engenheira especialista em sistemas de controle e de sistemas de excitação dos gerado-res. Muitas vezes, a gente gozava com a designação de sua especialidade, ou seja, esse negócio de excitação. Então, um dos primeiros contatos nossos aqui no Sobradinho foi esse aqui, em 1979, e pelo tamanho do lago, quatro mil quilômetros quadrados de área inundada, ainda é o primeiro ou segundo maior lago artificial do mundo, com 40 bilhões de metros cúbicos e área inundada de 4000 quilômetros quadrados.

FMM - Serra da Mesa é maior. São mais de 54,4 bilhões de metros cúbicos de água armazenada.MS - Me refiro que é maior no que concerne a área inundada porque enquanto Serra da Mesa é relativamente mais encaixada Sobradinho é mais espraiado.

FMM - O vale do São Francisco em Sobradinho é muito aberto.MS - A profundidade média do reservatório é de onze, doze metros. Então, eu não sei também se foi a possibilidade de se fazer esse volume naquela época, porque hoje creio que seria impossível com todos condicionantes ambientais ora vigentes. Naquela época o Governo era muito forte e determinado na implantação dos grandes projetos de infra- estrutura; talvez parecido com o PAC de hoje, mas com muito mais poder do Governo Federal. Assim foi possível deslocar sem muito diálogo e/ou negociações comunidades indí-genas inteiras, para áreas situadas a quatrocentos quilômetros de sua localização original que seria inundada pelo reservatório de Sobradinho. Ou seja, literalmente arrancou-se tribo de índio de seu habitat natural sem muitos estudos, e os governos militares dessa época deram apoio total. Na época, o mais importante era preparar o Pais para crescer tornar o Brasil Grande. A gente implantava as grandes obras com ênfase na eficácia e dando prioridade ao bem maior do conjunto Pais e atenção menor aos problemas localizados.

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FMM - Foram algumas cidades...MS - Muitas cidades. Foram mais de sete cidades. E na música de Sá e Gua-rabyra, a gente sabe: Remanso, Casa Nova, Sento Sé. Foram sete cidades: Remanso, Sento Sé, Pilão Arcado, e tem mais três. São sete cidadezinhas. Agora, eu não consigo mais me lembrar. Essa estância de Sobradinho tem na biblioteca da Chesf e tem na cabeça do João Paulo. Ele tinha um diário que era terrível. Todo dia, ele fazia o diário. Era uma novela toda. Então, ele estava pronto para quando ele quisesse escrever. Ele tinha e penso que ainda tem o habito de escrever, de registrar tudo que faz.

FMM - Voltando um pouco no tempo, uma época que você não pegou na Chesf, mas certamente sabe muito bem. A época de construção de Paulo Afonso I. Eu li alguns livros e alguns depoimentos sobre Paulo Afonso I, inclusive, um livro muito interessante do Afrânio Carvalho. E ele conta coisas surpreendentes. Uma das coisas que ele conta é um dos argumentos que fez com que o governo Dutra instituísse a Chesf, con-tra a opinião de Eugênio Gudin que queria que os investimentos fossem direcionados para o Sudeste, que estava também numa crise de ener-gia. O Eugênio Gudin acrescentava que o Nordeste não tinha mercado, o que depois se comprovou que teria sido um erro, pois o mercado de energia elétrica apareceu com intensidade. Esse argumento que o Afrânio Carvalho mencionou é que poderia haver uma secessão do Nordeste. O Dutra, sendo general e tendo evidentemente estudado a Guerra da Secessão, que foi a primeira guerra moderna do mundo, talvez tenha se influenciado por esse argumento. Isso é verdade?MS - Não posso testemunhar. O que eu posso dizer é que essa história pode ter base e cunho de veracidade pelo espírito guerreiro do nordestino e, particularmente, do pernambucano. O pernambucano, a Revolução de 1817, a Revolução de Caneca de 1824, a Confederação do Equador e as diversas revoluções também ocorridas no Nordeste, que no fundo, no fundo, todas essas revoluções a partir da chegada da Corte, em 1808 ao Rio de Janeiro, se criou claramente um centro de poder que foi Rio de Janeiro, que depois se irradiou para São Paulo e Minas. Até a Primeira Repú- blica, até a Segunda República, claramente, o centro de poder e o sentimento que vem desde 1808 e por razões inclusive absolutamente mercantilistas, comerciais, é que você muitas vezes para a região do Norte e Nordeste, e Norte quando digo é Pará, o Grão Pará e Maranhão, e para o Nordeste capitaneado por Pernambuco e parte por Bahia, era mais vantajoso ter vinculações comerciais com a Corte de Lisboa do que com Rio de Janeiro. Então, o movimento contra o poder central, a Federação, o poder centralizado no Sudeste, sempre foi, de certa maneira, latente. Como é latente por outras razões no Sul sob influência do Prata. Então, no fundo, no fundo, pode ter cunho de verdade. Eu acho

que também a própria presença de Apolônio Salles tentando convencer o governo foi mais importante. A instituição da Chesf ainda foi com o próprio Getúlio Vargas.

FMM - O decreto de criação da Chesf foi do Getúlio, mas isso foi pou-cos dias antes dele ser deposto. As atividades iniciais de implantação foram já no governo Dutra.MS - Você tem as ampliações, mas a instituição da Chesf foi Getúlio. Foi Getúlio que fez toda a implantação da Chesf com Apolônio. Apolônio é uma espécie de pai da Chesf. E Afrânio foi muito importante porque ele fez toda a organização e é pouco reconhecido. Um colega meu, Luiz Carlos foi um grande engenheiro de construção de usinas e barragens e já morreu. Os pais desses dois colegas seguiram a tradição: os técnicos, nem eram os engenheiros, que trabalhavam em Paulo Afonso conseguiram for-mar os filhos, mandavam para Recife para serem graduados em engenharia e depois esses filhos se transformavam em engenheiros da Chesf. Conheci muitas pessoas assim. E eles contavam que o doutor Afrânio foi muito importante, era o que ficava na organização.

FMM - Ele era advogado.MS - Era o homem da organização, dizem que foi muito importante. Então, a história diz que Apolônio era contra a área econômica do governo. Só que era Getúlio Vargas. Pode ser que as ampliações que se sucederam já tenham sido Gudin com Dutra. E há a história mesmo que Gudin dizia que abaixo do paralelo tal não haverá mercado. Dava logo o recado. E, rapidamente, um crescimento. Tem outro livro de um engenheiro também muito importante e que trabalhou na Chesf e na Eletrobras aonde encerrou sua carreira, chamado Augusto Azevedo; está vivo ain-da, suas atividades mais marcantes foram nas áreas de mercado e medição elétrica da Chesf. Ele atualmente vive aqui no Rio, é carioca. O Augusto sempre partici-pou da equipe do Brito, pois trabalhavam juntos quando eram jovens. Nesta época conheceram o Eng. Balança. Creio que Você sabe que o Balança faleceu recentemente.

FMM - O Balança faleceu no final do ano passado. MS - Voltando a recordar a época pioneira da chegada da energia de Paulo Afonso através do primeiro gerador e o esforço para vender ações e assinar contratos de forneci-mento de energia com os municípios da área de concessão da Chesf para obter recursos para instalar a segunda maquina. O Augusto Azevedo que participou do proces-so contava: o camarada dizia ao Augusto que ia discutir os contratos e pedir que os municípios pernambucanos, nordestinos de maneira geral, pernambucanos e baianos principalmente, porque foi por ali que chegariam as duas primeiras linhas, que dariam dinheiro para comprar ações da Chesf. Era difícil de ele explicar. O cara devia, entender e acreditar que teria energia durante as 24 horas do dia pois qual era a importância, porque a cidadezinha tinha eletricidade só da noite,

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a partir de seis da noite até dez da noite,proporcionada por aquele velhos motores de gasogênio. E ele conta a história de como é que vendia e como é como de repente num mercado incipiente houve uma grande transformação um grande crescimento socioeconô-mico em um ano já se registrava consumo de 50 megawatts. Em dois, três, quatro anos Paulo Afonso, já possuia três geradores instalados e a carga crescendo rapida-mente. Assim, a primeira Usina PA-I foi rapidamente viabilizada em final da década de 50 e se começou a pensar na implantação de PA-II. Pode-se dizer que o desenvolvimento do Nordeste só foi possível com a energia elétrica disponibilizada por Paulo Afonso, ou seja, pela CHESF. Por isso ela é tão emblemática para os nordestinos sobretudo das gerações mais velhas.

FMM - Havia uma gigantesca demanda reprimida no Nordeste. MS - E quando chegou energia, aí começou... Uma coisa bonita é que quando vou a Paulo Afonso, faz muitos anos que não vou lá porque até me toca muito, é uma verdadeira emoção justificada a meu ver, da mesma maneira que a gente via aquelas catedrais da Europa, principalmente as inglesas nas quais você vê muito militar sepultado ali dentro, mortos em diversas guerras, parece que eu estou vendo a catedral inglesa que rememoriza, de forma que homenageia seus generais das diversas guerras. Eu acho que se eu entrar em Paulo Afonso I pelos túneis ali das cavernas por baixo e sair em Paulo Afonso III, que é uma caverna única, é uma verdadei-ra aula de como foi a guerra da engenharia civil e eletrotécnica brasileira para se dominar a arte. Porque você começa com as máquinas da Westinghouse da pri-meira usina, passa pelas três primeiras máquinas da Hitachi, as outras três da Asea, aí continua por Afonso III e, em Paulo Afonso IV vai encontrar as máquinas Siemens. Passa-se de máquinas 100% estrangeiras, todos componentes, e chega-se às máquinas da Siemens, 99% nacionais. É uma viagem da evolução da engenharia brasileira que julgo excepcional.

FMM - E depois de Paulo Afonso I, as outras ampliações foram extrema-mente econômicas. MS - Foram, porque a principal tecnologicamente, Paulo Afonso I, domou o rio São Francisco. Depois era só abrir buracos e escavar túneis e agora está lá esta cate-dral grande subterrânea que se constitui no complexo Paulo Afonso I,II e III, tendo ainda a magnífica Paulo Afonso IV logo ao lado.

FMM - Eu me lembro do Amaury Menezes, que foi professor da nossa Es-cola Politécnica aqui no Rio de Janeiro, a Universidade Federal, provocando a gente lá em Furnas dizendo que Paulo Afonso III estava custando menos do que US$50/kW instalado, sendo, portanto, de longe a hidroelétrica mais econômica do País.

MS - Ele se dava a este luxo. Ele foi algumas vezes, até censurado por isso. Porém a obra era fácil e econômica de fato. O Dr. Amaury gostava tanto de Paulo Afonso que mandou construir uma torre de concreto como um grande mirante seu, em cima de um platô e ao lado da tomada d’água de Paulo Afonso III.

FMM - E o escritório dele lá em cima.MS - Correto. Você se lembra! Ele usava realmente o escritório que enchia de pássaros como tucanos e que viviam soltos no ambiente. Ele era uma figura marcante um grande entusiasta de Paulo Afonso e da Chesf como um todo; um líder. Ele era uma figura difícil, era vaidoso, mas era extremamente dedicado e comprometido ao que ele fazia.

FMM - E uma coisa interessante em Paulo Afonso é que, como a obra foi sendo feita com intervalos de tempo, não sei se isso foi proposital ou não, mas aquele paisagismo todo que existia lá, diversas barragens pequenas, fazenda modelo, zoológico, pelo menos ocupavam mão de obra. MS - Uma construção como aquela usina, e sobretudo Moxotó, quando a Chesf ainda não terceirizava, era tudo construído com recursos próprios. Chegou a haver um canteiro de obras em Paulo Afonso finalizando uma obra aqui, outra acolá, e o Dr. Amaury, que dava muita importância aos aspectos estéticos, talvez para impressionar as inúmeras caravanas de autoridades civis e militares que visitavam regularmente Paulo Afonso, como por exemplo a Escola Superior de Guerra, implan-tava jardins belíssimos por todo acampamento. Eram canteiros de obras que exigiam muito cuidados e eram custosos. Havia um jardineiro que tinha o nome de Veloso, considerado peça chave para cuidar de tudo. Além dos jardins tínhamos também um Zoológico com muitos animais da fauna local. Tudo isto era patrocinado pelo Dr. Amaury e com certeza dava um toque especial a Paulo Afonso independentemen-te dos custos envolvidos. No período de pico das obras civis e de movimento de terra em Moxotó, a Chesf chegou a empregar diretamente em torno de quinze mil pessoas.

FMM - Em Itaparica a construtora era a Mendes Júnior.MS - A famosa ação judicial que está aí até hoje. Mas, Moxotó foi a última usina construída com recursos humanos próprios. Então, era muita gente.

FMM - A Chesf nesse início tinha muito apoio de engenharia externa, prin-cipalmente francesa.MS - Tinha. Recordo de alguns experientes engenheiros franceses Alran, Roche etc. que eram os velhinhos da Sofrelec, firma de consultoria apoiada pela EDF quan-do se aposentavam. Para mim, aqueles caras eram deuses, sobretudo, quando eu fui estagiar na França. Enquanto aqui em Furnas o Cotrim se vinculou aos Estados

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Unidos e à Inglaterra, mas mais aos Estados Unidos, a Chesf se vinculou à França. Toda influência nossa foi da França: as soluções de proteção, os arranjos das subesta-ções, etc. Eu vivi minha formação e organizei a operação da Chesf, toda com influência francesa. Nós criamos a organização funcional da Chesf à imagem daquela vigen-te na EDF na época. Assim, na EDF havia o Service de Mouvement d’Energie, Service de Production, etc. Foram criados na Chesf o Departamento de Movimento de Energia, o Departamento de Transmissão de Energia, o Departamento de Produção de Energia, que era nitidamente o modelo que eu copiei da França.Meu par aqui em Furnas, quando eu era diretor de operação, era o Pantoja, de quem fiquei amigo pessoal, baixinho como eu. O Pantoja, no âmbito do GCOI, brigava com a Cesp e tentava atrair a Chesf para ser a favor dele. Mauro Arce, pernambucano por acaso, era o grande líder da Cesp. Era uma briga grande entre Furnas e Cesp para ver quem ti-nha maior influência técnica e política. E eu era bem tratado pelos dois, porque os dois queriam me cooptar para as decisões. Era interessante. O bonito dessa história toda, Miguez, e que não tem nada a ver com o nosso livro, o nosso motivo é que a briga era para fazer bem as coisas. O sentimento de compromisso e de ética é a maior lição de vida que eu levo. O meu medo hoje em dia, primeiro não é nem que a gente este-ja ficando velhinho e não transferir conhecimento; é estar ficando velhinho e não conseguir transferir valores. Eu acho que a coisa mais fundamental que eu tenho na minha vida foi o que aprendi com meus chefes, meus companheiros e instruí aos meus subordinados, a necessidade que eu sinto de transferir esse sentimento. Quando a gente vê aí hoje a meritocracia indo para o brejo ...

FMM - Então já que você mencionou isso, vamos passar para os mode-los. Quando comecei no setor elétrico lá em Furnas, as concessões eram realmente dadas às empresas. Nós conseguimos Marimbondo e Porto Colômbia, no rio Grande, a Cesp ficou com Água Vermelha no mesmo rio, e a Cemig recebeu São Simão no rio Paranaíba, todas essas usinas no Triângulo Mineiro. Eram usinas de grande porte para época, aliás, grandes até hoje. E, o DNAEE, o governo federal deu a concessão às empresas, e era - como você disse - um processo bastante ético, bastan-te voltado ao desenvolvimento. Aquele modelo, de certa maneira, foi completamente alterado talvez até no governo Fernando Henrique; e depois, uma outra grande alteração no governo Lula. Como é que você encara essas duas alterações de modelo?MS - Eu realmente fiz uma viagem muito interessante.

FMM - Aliás, só um momento. Teve uma outra mudança drástica que foi no governo Castelo Branco, porque aí veio a tarifa pelo cus-to. Realmente pelo custo, porque talvez antes fosse, mas não havia

correção monetária dos ativos, etc. Aí então, do Castelo Branco até o Fernando Henrique talvez tenha sido um modelo, Fernando Henrique outro, e depois mais outro no governo Lula.MS - Eu vivi toda a minha juventude e toda a minha consolidação de visão ide-ológica do papel da energia elétrica, no governo Castelo, no governo dos militares. E como eu digo uma cristalização da minha visão do papel essencial da energia elétrica para a criação da cidadania. Eu nunca vi a energia elétrica como um produto, e sim como um serviço essencial à dignidade humana. Eu vivi um ano e meio de Jânio, e depois a Revolução. Eu tinha vinte e três anos e era nordestino, onde ener-gia elétrica era redenção. Eu fui muito inoculado em minha formação como cidadão quanto à essencialidade da energia. E o papel que tinha o governo no desenvolvimento. Eu achava que a posição do governo era definindo acessibilidade e a disponibilida-de de energia. Eu era um pouco desenvolvimentista como um nordestino, onde havia a Sudene e o Banco do Nordeste, sendo a Chesf o instrumento fundamental destes dois entes, Sudene e Banco do Nordeste, para que o Nordeste pudesse melhorar se desen-volver e previa a disponibilidade de energia elétrica como fator catalisador, considerado indispensável pelos desenvolvimentistas da Sudene. Eu me acostumei muito com o papel forte do Estado e do governo na indústria da energia elétrica, que é o fato de o gover-no definir quando fazer, quanto fazer, quem fazer, e que as empresas deveriam ter o papel fundamental, era muito importante. Você disse pelo custo aí, eu era engenheiro mais desenvolvimentista na verdade para estar preocupado de onde vinha o dinheiro. Dinheiro? Alguém arrumava o dinheiro. Eu queria era fazer usina, e queria chegar com a linha construir as subestações e proporcionar energia elétrica para cada município nordestino. Eu fui o engenheiro que teve o privilegio de participar do processo da chegada de eletricidade a uma cidade. Energizar um município é como batizá-lo para a redenção do progresso. Quer dizer, ia lá ajudar a construção e no final receber, comissionar. O vigia da obra virava operador. Tínhamos que treinar os vigias que mal sabiam escrever para ser operador de subestação, pessoas que não tinham escola. Depois se fez o Centro de Treinamento de Paulo Afonso.

FMM - Isso deve ter sido tremendamente gratificante, ainda mais em cidades pequenas.MS - Para mim, até hoje, é o prêmio de minha vida. São emoções, como você mes-mo falou, eu sou mais velho que você, mas somos contemporâneos, eu me emociono até hoje. Toda a minha formação foi muito voltada para energia como serviço que o governo deveria protagonizar.

FMM - Ou seja, aquele modelo de Castelo Branco até Fernando Henrique. MS - Até Fernando Henrique. Chegou Fernando Henrique e aí a ironia da vida. Nós vínhamos do governo de Collor, eu estava lá no DNC. Eu não quis ficar na

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Chesf, não interessava nos termos que me ofereceram, eu poderia ter sido presidente da Chesf. Eu presidir a Chesf fazendo Xingó, o cunhado dele como diretor e mais dois amigos, e Paulo Cesar como diretor. Eu achei que a vontade de um estagiário de conseguir chegar a ser presidente era enorme, mas o medo de trair meus ideais e de trair meus colegas era mais forte ainda. O tipo de proposta não dava para aceitar. Eu tive que sair da Chesf, fui para o DNC, veio a Guerra do Golfo e aí termi-na o ministro de Minas e Energia Luiz Otávio Motta da Veiga me indicando para Diretor de Operação da Eletrobras em substituição a Lindolfo Paixão. O Motta da Veiga tinha sido presidente da Petrobras. Foi ser ministro quan-do Ozires Silva saiu. Ele quis inicialmente me colocar para ser presidente da Chesf novamente com os mesmos parceiros, mas eu não quis, porque ele tinha como secretário executivo o Simá Medeiros, que fez a reforma do setor, inclusive gostava muito de mim, e terminou que Paixão morreu. Ele não teria se dado bem com José Maria Siqueira de Barros, Presidente da Eletrobras e daí o Simá me indicou ao Ministro para que eu viesse a ser Diretor de Operações da Eletrobras. Faziam nove meses que eu estava no DNC. De repente me ofereceram a diretoria da Eletrobras, eu venho ser diretor da Eletrobras, nove meses depois e para substituir um mito, ou seja Marcondes Brito criador da Diretoria e que passou quase dezes-sete anos no cargo de diretor. Um ano depois acaba o mandato de Itamar Franco, Fernando Henrique é eleito, eles começaram o processo político para decidir quem ia ser o presidente da Eletrobras e me chamaram perguntando se eu aceitava ser provisório enquanto eles decidiam em dois meses, três meses, quem ia ser o novo presidente. Eu disse:“Olha, eu sou homem técnico, sou operador, não quero ser presidente”. Responderam: “Não, você acumula, com sua função de diretor de operações”. Eu fui ser presidente da Eletrobras. Na época Fernando Henrique começou seu mandato com José Serra no planejamento; a gestão de privatizar passou a ser o modelo do setor energético brasileiro. Aí, eu entrei na briga tentando segurar. E fui surpreendido como presidente da Eletrobras quando dava uma palestra na Bolsa de Valores, com os jornalistas me indagando sobre, anuncio que a Eletrobras e todo o siste-ma tinha entrado no PND- Programa Nacional de Desestatização. Aí, eu entrei na luta para tentar minimizar as transformações, tentando adiar as coisas e salvaguardar determinadas características muito particulares do modelo brasi-leiro como, por exemplo, a necessidade da função despacho centralizado,ou seja, a operação centralizada, como hoje faz o ONS, porque eles queriam implan-tar o modelo inglês e nós não podíamos fazer isso porque tínhamos sistema interligado interdependente, onde na operação em cascata de uma bacia, um concessionário de uma usina a montante não podia operar de qualquer jeito. Eu lutei muito, muito junto a muitos outros companheiros do setor elétrico. Eu considero isso talvez a coisa mais importante da minha vida profissional: a luta para salvaguardar a operação interligada, o sistema interligado e sua forma co-operativa de condução na busca de obtenção de ganhos sinérgicos onde ônus e

benefícios têm que ser repartidos equitativamente entre todos agentes integrantes do sistema. Não pude evitar mudança da lei de concessão da geração. Aí, já a conces-são ficou para quem desse a melhor tarifa. Antes já havia lutado para implantar a ideia de Armando Araújo, então Secretario Executivo do Ministério de Minas e Energia, de haver uma única grande empresa de transmissão, o que seria importante para assegurar o despacho centralizado. Entretanto, aprendi depois que mesmo com a estrutura atual de multi concessionários na transmissão, desde que existam normas bem estabelecidas por lei e procedimentos do regulador e um operador com as atribuições do ONS, como constam hoje no modelo atual, é possível continuar a função despacho centralizado

FMM - Armando Araújo que foi para o Banco Mundial.MS - E agora está aqui de volta ao Brasil como dirigente de empresa privada e consultor. O modelo que o Armando queria implantar, o de uma única grande empresa de trans-missão tinha que ser explicado aos agentes. Para tanto, Celso Ferreira, diretor de Furnas, Leonardo Lins,da Chesf e eu fomos escalados por ele que era o secretário executivo do Ministério e tinha realmente poder junto ao Ministro e o Presidente da Republica. Aí, Furnas, Cemig e todo mundo se uniu contra nós por que perderiam a propriedade de suas linhas de transmissão e seriam apenas geradoras.

FMM - E aí foi todo mundo contra?MS - Todo mundo contra. Ninguém queria perder as linhas. Lutei para que se houvesse um operador único. Consegui manter um operador forte, centralizado: fui fundador do ONS e seu primeiro presidente. Também, sofremos uma pressão enor-me de Furnas, da Chesf, das próprias empresas, pois elas não queriam perder o controle das suas operações como o tinham quando vigia o GCOI. Foi um proces-so muito difícil. Mas, aprendi - aí é que eu digo a você - com toda essa formação ideológica voltada ao governo, aprendi que ser dono não é vital; como se usa o bem a forma e os condicionantes de fazer uso dos ativos é que é vital. E aí, eu entendi que a solução de Fernando Henrique de ter as agências reguladoras era absolu-tamente vital. Eu comecei racionalmente a aceitar que a concessão fosse feita por quem desse o maior preço e que podia ser uma empresa privada, o que significa-va que no limite se a política se mantivesse a longuíssimo prazo, o modelo pode-ria ser todo privado. A turma começou a reagir ao problema da verticalização que era para vender a transmissão e vender a geração. Furnas foi muito importante, foi a heroína disso; a corporação conseguia convencer os presidentes que chega-vam lá e cooptava-os. Furnas tem um papel vital e Chesf num segundo plano. E sabotavam, dificultavam de todas as formas o processo de desverticalização e evitou-se que a geração fosse privatizada. Mais aí eu aprendi uma coisa interessante. Se a agência é forte e tem um operador forte, e se essa agência e esse operador estão com-prometidos com o sistema, você deve olhar o interesse da parte, mas jamais colocando

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a parte sobre o todo, o interesse do todo, você consegue tornar menor a questão de quem é o proprietário e tornar fundamental as normas e as regras de utilização os condicionantes para como se usa. Comecei então a aceitar no modelo Fernando Henrique e, de certa maneira, achava que estava bom. Porém veio a experiência do racionamento que fez mudar novamente os meus conceitos. Por que? Porque o pla-nejamento que no GCPS fazia as pessoas eram comprometidas, as empresas eram estatais. Então, embora os estudos e planos de expansão do GCPS não fossem determinativos, no fundo todos agentes queriam realizá-los. Se coordenava, se brigava, mas sempre se chegava a um acordo e as obras, mesmo com atraso, eram realiza-das. O interesse predominante não era comercial, pois a maioria das empresas eram estatais. Quando se implantou o modelo Fernando Henrique, acabou-se pratica-mente esse GCPS, o planejamento ficou por conta do mercado, identificou-se que a lei de mercado, a mão do mercado, não é tão forte quanto se pensa, a mão do mer-cado resolve isso, a mão do mercado não resolve nada se não houver dinheiro. O que aconteceu? Eu faço uma imagem pessoal que algumas vezes para alguns amigos eu já falei: veio um momento de um pouco de estagnação empresarial, a polí-tica de contrato era meio frouxa, não era obrigatório contratar os 100% de mercado, você poderia contratar ou não, você podia definir o risco de quando os distribuidores iam se expor ou não. Então, as distribuidoras diziam, “o mercado não está crescendo, temos um pouco de energia de sobra, eu não vou procurar contrato de energia, não vou me arriscar a ficar super contratado e perder dinheiro. Só vou buscar contrato se tiver certeza que meu mercado de energia vai crescer, quer dizer, não “sacava seu revolver” no duelo permanente com as empresas geradoras para contratar. Uma geradora dizia, eu não tenho quem contrate a minha energia, eu não vou fazer uma usina sem ter lastro de longo prazo, então, ele também não “sacava”, ou seja, não construía/programava a expansão sem ter certeza que sua energia futura seria contratada. Ficou então um combate que ninguém sacava, ninguém atirava, mas a bala virtual resultante do racionamento matou o povo. Ou seja, eu senti nessa hora que, quan-do veio o novo modelo defendendo o planejamento pelo estado e a criação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), passei a julgar o modelo atual melhor do que o anterior. Comentando ainda algumas causas do racionamento podemos dizer que Furnas foi envolvida em uma das causas, não porque quis, mas porque não teve apoio do governo para resolver os problemas da terceira linha de Itaipu. A Chesf foi en-volvida com atrasos obra da Linha II de interligação com o Norte. Houve também atrasos de obra nas interligações do Sul com o Sudeste. Xingó atrasando, Itaparica atra-sando máquina, terceira linha de Itaipu atrasando, e sobretudo, além de todos atrasos de obras de geração e transmissão, as limitações da interligação com o Sul e uma seca impressionante simultaneamente nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste. Uma épo-ca hidrológica de curto prazo terrível e de difícil previsibilidade, que foi janeiro e fevereiro,e você não sabia o que vinha depois. Resultado: fomos forçosamente

conduzidos ao racionamento. Novamente, eu tive uma recaída fortíssima de que o Estado não podia estar ausente como no Modelo Fernando Henrique pois sempre seria o último responsável perante a sociedade . Eu defendia, por exemplo, quando se estudava o processo de privatização das empresas do Sistema Eletrobras, que o governo jamais podia perder de forma total a maestria em cada segmento. Quer dizer, você podia vender suas linhas de transmissão, mas tinha que ter pelo menos uma empresa federal forte em linhas. Você podia privatizar parte de suas usinas, fazer térmicas, mas tinha que ter uma empresa federal forte com o domínio em geração térmica. Eu achava que podia permitir que a iniciativa privada entrasse, mas teria sempre empresas fortes para concorrer, para participar, e que sobretudo o planejamento teria que ser inalienavelmente do Estado. Então, eu entendi que foi providencial essa minha passagem. Eu entendi desde o governo Collor, que se eu tenho uma agência forte, que está comprometida realmente com o modelo de visão de administrar o setor para aproveitar as características de hidroeletricidade e complementaridade de nossas bacias, que deveriam esses ganhos ser bem repartidos com a sociedade e não só com a iniciativa privada e que a ação de nenhuma agência isoladamente poderia prejudicar esse ganho sinérgico.

FMM - É, mas a agência tem que ser muito forte, mas principal- mente ser independente.MS - É preciso controlar três coisas:- A agência tem que ser realmente independente, não pode ser instrumento de governo, e sim um importante instrumento de Estado. - O governo precisa decidir por que ele está indo. É porque as empresas precisam crescer? Será que ainda é preciso ser grande aí? - O governo através do Ministério é responsável pela concessão e pelo planejamento, ele tem que ter extremo cuidado se está fazendo planejamento, visando o planeja-mento energético do país enquanto Estado, ou no interesse de fortificar a empresa estatal A ou B. E, como ele induz o processo que eu chamo de coabitação, o modelo híbrido público privado, o governo não pode ser padrasto, que protege o filho contra o enteado. Ele tem que ser realmente equânime. Então, existe o perigo de que o governo, como é dono também da sua própria empresa, perca o equilíbrio, seja mais um padras-to que protege os filhos do que um tutor que cuida de tudo. Então, nesse modelo há que se ter muito cuidado porque senão ele volta a ser totalmente estatal. Tenho tido a oportunidade de vivenciar agora na iniciativa privada que ser estatal ou ser privado não é o que distingue as pessoas; ser sério é que distingue. Hoje eu sou empresa privada e acho que aqui dentro as pessoas são honestas. No meu caso vim tra-balhar numa empresa que teve sua origem estatal e assim tem no seu DNA a responsabilidade de explorar por concessão um serviço publico essencial e assim sabe que tem deveres que vão muito além de simplesmente buscar exclusivamen-

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te o lucro. Atualmente, como sabe, a gente olha ao redor e vê gente do Estado, vê as empresas públicas sendo instrumentadas de maneira inadequada. É o caso que ocorre em algumas áreas das nossas empresas de economia mista. Petrobrás que hoje é, como nossa Furnas é, como a Chesf é. Então, você nota também que o mal não está no continente, o mal está no conteúdo. Eu acho que o modelo é bom, mas ele pre-cisa claramente levar em conta que tem que haver agência reguladora com o papel de instrumento do Estado e não do governo do momento.O governo,como responsável pela concessão e do planejamento como é hoje, tem que ter extremo equilíbrio. As es-tatais e as empresas privadas devam ser tratadas com equanimidade, de maneira correta. Se a gente consegue que estas características, esses vieses sejam considerados, eu acho um modelo muito bom.

FMM - Existe um problema que é a fixação de um teto tarifário para as novas usinas. Muitas vezes, esse teto pode estar muito baixo o que desincentiva a iniciativa privada de entrar e o que faz um retorno crescente das estatais nos novos empreendimentos por não te rem compromisso com a lucra t iv idade e com a aversão ao risco de sobrecustos.MS - Gradativamente o Estado adota esse modelo, esse é o meu medo. É por isso que eu digo, o planejamento estabelece a ordem do mérito e define os pre-ços e faz a avaliação; e outra coisa, a engenharia brasileira perdeu muito da sua capacidade em termos dos levantamentos dos aproveitamentos; agora é que está se voltando com as consultoras e com a capacidade de precificar. Quer dizer, sob a influência muito forte dos próprios fabricantes de equipamentos, a enge-nharia brasileira boa, pura mesmo, ela hoje está tentando se recriar. Esse é um dos pontos fortes. Antigamente, a precificação era forte, as empresas esta-tais tinham seus próprios bancos de dados, tinham sua definição. A engenharia executiva e construtiva brasileira tinha lucros fortes. Claro, que tinha con-sultoras gigantes, exageradas, que até vendia cópia. A mesma empresa de consultoria era contratada por duas empresas estatais para brigarem entre si. Caso de Furnas com Chesf; Chesf com Eletronorte; Eletronorte com Furnas; Furnas com Eletrosul. No sistema do Sul, uma subestação da Eletrosul ao lado da subestação de Furnas. Numa subestação da Eletronorte, uma linha de 500 kV ligando norte-nordeste, onde até determinada área há a frontei-ra elétrica das duas áreas de concessão, onde há subestação de 500 kV da Eletronorte há uma concepção, controle de proteção, arranjo físico e filosofia de arranjo físico completamente diversa da filosofia da Chesf e foi projetada pela mesma consultora. Então, havia desvantagem? Havia. Havia desper-dício? Havia. Havia muito pouca reengenharia em cima da cópia? Havia. Mas havia também núcleos de excelência nas empresas.

FMM - Mas houve uma fase em que as empresas de consultoria, principalmente as empresas de consultoria que trabalhavam para o setor elétrico com contratos no sistema “cost plus” deixaram de receber em dia e não tinham correção monetária, juros nem pensar. As empresas foram liquidadas, destruídas. A engenharia brasileira foi desmontada.MS - Foi na década de 80.

FMM - Deixa-me fazer umas três perguntas.MS - Fique à vontade. E se você quiser, prazerosamente você pode preparar as perguntas que você achar, que quiser ao longo do tempo que você tem. Não tem prazo. Quando você quiser. Isso aqui eu vou ver para você. E o que você achar que eu posso ajudar de memória, quer seja o que eu vivi, quer seja para o que eu me lembre e não testemunhei, ou o que eu possa conseguir através das mi-nhas ligações, ligar para a turma mais jovem ou mais antiga, eu ligo, pergunto, ou consigo me lembrar.

FMM - O ONS, teoricamente, é uma empresa privada. Ela opera como empresa privada, ou tem um forte domínio do governo?MS - Tem um forte domínio do governo. Já foi menor, mas ao longo do tempo esse domínio foi se acendrando. E no governo de Lula, a mudança do modelo de 2003, era muito difícil conviver com o governo, o Ministério gostava sempre de “estar bem informado e preventivamente“ o que é natural. A ANEEL respeitou sempre o ONS, sempre. Botava para quebrar às vezes, queria exorbitar um pouco do seu poder, mas numa luta franca. Já o governo nem tanto. O governo Fernando Henrique tentava influenciar, via Ministério, mas havia o contraponto do con-selho e da própria diretoria. Por quê? A formação do conselho tinha influência privada e o conselho elegia diretoria. Com a mudança, se tirou o poder em 2003, o estatuto mudou e se colocou cláusulas no estatuto que o presidente mais dois diretores, numa diretoria de cinco, são escolhidos pelo Ministério sob orientação, e só dois diretores são indicados pelo mercado. Na própria formação do número do conselho, as empresas estatais têm crescente influência, porque tem o segmento de geração, o segmento de transmissão e o segmento de distribuição. Só no segmento de distribuição é que há mais presença privada. O número de conselheiros da geração privada é muito pequeno. E por trás da própria geração privada, Miguez, você sabe mais do que eu, a influência estatal é muito forte: uma CPFL será que é privada? Porque a Previ está instrumentada pelo sindicato. Então, a influência estatal no operador existe, influência de governo existe. Você não é presidente do operador se o Estado não quiser. As três das diretorias são indicadas pelo governo, o presidente e mais dois.

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FMM - Isso de certa maneira afugenta um pouco os investidores privados, principalmente os investidores estrangeiros? MS - Hoje, eu diria que a forma como o governo se porta respeitando os contratos. O que foi bolado para a transmissão: o contrato sindicalizado. Quer dizer, a distribuidora não paga um transmissor ; a distribuidora paga é o contrato co-letivo, paga a todas. E a segurança é a própria receita das distribuidoras. E a estabilidade que isto está tendo geralmente faz com que haja uma maior confiança no governo. Tanto é que os italianos continuam colocando e os espanhóis continuam, vieram chineses agora, mas o Brasil como estatal também continua. Quer dizer, é preciso ter cuidado.

FMM - Os portugueses também vieram.MS - É, os portugueses vieram. Os próprios americanos pararam, mas durante um certo tempo e não saíram ainda correndo como saíram da Argentina. Mas mesmo assim, eles ainda se ressentem das surpresas, das mudanças, quer dizer, a busca pela modicidade tarifária a qualquer custo e a fixação dos preços para os leilões, o estabe-lecimento dos pisos para transmissão. Na transmissão pode ser vista com certa ironia a reclamação do mercado porque os deságios são muito grandes e as empresas priva-das continuam participando. Ou seja, os deságios são oferecidos pela própria empresa privada que reclama dos tetos baixos fixados pela ANEEL. Então, o governo ressalta a incoerência; se eu estou exorbitando no estabelecimento de preços de base de referência por que há deságio? Então, são sinais antagônicos. Então, eu diria que as empresas privadas, agora que eu estou desse lado, se sentiriam muito mais à vontade com o governo menos presente. Porém, a presença do governo que é sempre vista por eles como uma perda de espaço no processo de liberdade, não é simples-mente negativa para que a parte cresça. Eu não sei se a negatividade é pouca ou interesse pelo Brasil é maior do que a negatividade.

FMM - Uma coisa que eu verifico é que antes havia a implantação de grandes reservatórios, como você mencionou Sobradinho e Itaparica no São Francisco, Furnas, o grande reservatório de regularização do rio Grande, Serra da Mesa do rio Tocantins, etc.MS - O reservatório de Furnas é vital para o País.

FMM - Mas hoje não há nenhum incentivo, nem para as empresas estatais, muito menos para as empresas privadas, para implantação de re-servatórios de regularização. E o que se está assistindo é um sem número de usinas novas, todas elas operadas a fio d’água, e isso o ONS deve estar sentindo no planejamento de operação do sistema interligado.MS - Eu, pessoalmente como cidadão, que a vida profissional me levou e me dedicar

de corpo e alma e de coração à operação interligada e a utilizar a complementari-dade das bacias, que transformou transmissão de interligação em usinas virtuais - que transmissão são usinas virtuais, é como se você botasse uma usina na fronteira do supermercado -, eu acho que isso é praticamente um crime de lesa pátria. Não é que eu seja contra os ambientalistas, mas eu acho que não se colocou clara-mente o problema para a sociedade. E aí, eu acho que nós do setor elétrico temos culpa. A importância que tem a capacidade de regularização, por que toda a nossa riqueza vai ser jogada fora? Eu acho que devia ser um compromisso quase sacrossanto. Todos nós que entendemos o sistema, deveríamos alertar, talvez usan-do mais fortemente o novo Congresso para tentar reavaliar as decisões que estão sendo tomadas, conduzindo o País a instalar térmicas a óleo combustível, o que é um crime. É inaceitável que um país que diz querer preservar o ambiente e que tem 80% da sua matriz hidroelétrica, possa se permitir ao luxo de virar um sistema pro-gressivamente sujo na sua matriz. Eu acho que o governo e a sociedade organizada deviam fortemente trazer esse problema novamente à discussão, usar o Congresso Nacional e buscar reavaliar o planejamento do setor elétrico que está sendo feito. Térmica é absolutamente necessária mesmo. Usinas térmicas são necessárias, mas não como é que está se caminhando numa velocidade incrível além de se estar fazendo uma usina hidroelétrica de 11.000 MW de ponta para gerar 4.000 MW na média, como é o caso de Belo Monte e fazer uma transmissão para 11.600 MW. Gastar uma fortuna para usar dois, três meses por ano uma trans-missão dessa ordem. Porque para se conseguir as licenças ambientais para as trans-missões existentes, e se for mexer na transmissão de Belo Monte, pode-se provocar o atraso de todo sistema de interligação do complexo Belo Monte com o sistema inter-ligado nacional. Então, nas atuais circunstâncias o mal menor é continuar como está, ou seja, implantar assim mesmo, permanecendo a impressão que se estaria a jogar dinheiro fora. Você se referiu ao problema do planejamento. Hoje, se existe um ponto importante nesse país e no setor elétrico; é este: o país tem que repensar o seu planejamento energético considerando todas as fontes disponíveis (suas fontes de geração distribuídas renováveis, mas, sobretudo - reitero a exaustão - o problema de voltar a se planejar, e implantar os grandes reservatórios com capacidade de re-gularização, claro de forma e de maneira negociada, e ambientalmente responsável. E segundo ponto, qual é o segundo ponto? Garantir - isso pouco a gente fala - que os reservatórios que foram construídos para este fim, continuem sendo utilizados para esse fim, porque está aí o reservatório de Furnas, onde já há campanha para não deixar ele flutuar.

FMM - Então, não adianta nada tentar fazer reservatórios de regularização. Há a oposição frenética de falsos ambientalistas durante o licenciamento,

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não há remuneração pelo benefício proporcionado às usinas a jusante e ao sistema e depois vem as campanhas para não deplecionar os reservatórios. MS - Porque há exploração de turismo, há isso, há aquilo, há tantas prefeituras e políticos nas épocas de eleição que querem influir na região. Deve novamente haver in-teresse local se sobrepujando ao interesse da pátria. Tudo o que eu falei que o sistema interligado deve existir para que nenhum agente do setor ganhe em detrimento ao conjunto, a mesma coisa se diz em relação à implantação ou não de reservatórios de regularização. Qual é o mal menor? Não é o que é bom ou mau, qual é o mal menor? Então, acho que você tocou num ponto que é de fundamental importância. Eu, como pessoa que vi regularização de reservatórios, não sou saudosista, eu estou mirando o futuro porque eu acho que a nossa experiência, a nossa vocação e os nossos recursos nos obrigam a continuar mantendo a operação interligada. Os frutos que ela pode dar e as características das nossas bacias e dos nossos sistemas de sub-transmissão exigem reservatórios de regularização. Sem isso, a longo prazo, a razão de ser de um operador centralizado deixa de existir.

FMM - Há muitos anos e hoje não é diferente, vê-se que nessas diversas licitações e em todos os documentos que são emanados no setor elétrico se fala muito em produção de energia, mas não se menciona atendimento de ponta. A sua experiência no ONS, o aparecimento de usinas eólicas e o espantoso crescimento do número de usinas térmicas, não vai ge-rar uma necessidade de se valorar a ponta, de certa maneira de se in-centivando a criação de usinas hidroelétricas com fator de capacidade mais baixo para atender a ponta?MS - Você tocou também num ponto interessantíssimo. Eu diria o seguinte: em curto e médio prazo o problema de ponta não é de geração; o problema de pon-ta é de transmissão. Pouca gente sabe que a gente passa a ter energia incentivada sobrando, e a gente não pode fazer energia incentivada para importação, para ex-portação como se tentou há dois anos porque o subsistema de transmissão não tem capacidade. Então os problemas maiores da região de Minas Gerais, da região de São Paulo, de algumas regiões da Bahia e de Pernambuco, o problema é a sub-transmissão que não tem capacidade de escoar na hora da ponta. Parece mentira, mas há indústrias que precisam aumentar seu consumo de energia e não se permite, pois a sub-transmissão está no seu limite nas horas de ponta. Seria necessário pelo menos, se não é possível a ampliação a curto prazo, ampliar o sinal tarifário para deslocar a ponta por causa da sua elevada necessidade. Como já estou afastado do ONS há cinco anos, não me sinto a vontade de comentar. Temos hoje cerca de 100 mil megawatts instalados e estourando no pico de abril e fevereiro, 67 mil MW. Para o Nordeste há 12 mil MW instalados e ponta de cerca de 9 mil MW. Então, ainda não é um problema de ponta. Agora, à medida que eu

estou instalando térmicas com fatores de capacidade de 90%, e estou tentando cobrir o meu sistema com essas térmicas, as térmicas na ponta começaram, como é o caso da Argentina, a serem despachadas por problema de ponta. Então, eu não diria ago-ra, mas o problema pode vir a se manifestar daqui a uns cinco anos. Com certeza, eu diria que se devia começar a se estudar agora como é o balanço de ponta, não só o balanço de ponta global como o balanço de ponta regional e sub-regional, e se verificar claramente se não deveria haver uma política mais arrojada: Há 3, 4, 5 mil me-gawatts adicionais possíveis de repotenciação das usinas hidroelétricas mais antigas. Entretanto, não se faz isso porque não há sinal econômico. A Abrage está fazendo um belo trabalho sobre isso, a Associação Brasileira dos Geradores, porque isso interessa mais às estatais e a Associação é constituída sobretudo pelas empresas de geração federais e estaduais. Entendo eu que esse problema deva ser estudado, mas ainda há algum tempo para aprofundar bem as analises inclusive tarifárias. Eu começaria pela repotenciação. O planejamento para o atendimento de ponta é também um problema, mas não tem, a meu ver, a mesma necessidade e urgência que tem o problema da capacidade de regularização dos reservatórios. O problema dos reservatórios de regularização é o grande desafio e o mais importante para o futu-ro. Lutar por voltar a ter capacidade de regularização é imprescindível para todos que conhecem as características do sistema elétrico brasileiro. Outro grave problema é o dos níveis dos tributos e dos impostos que oneram o setor. Atualmente,como o governo usa o setor elétrico como um grande arrecadador de impostos, para tentar continuar sendo um arrecadador com modicidade há que esmagar os custos em prol da modicidade tarifária, mesmo como atualmente se fala com a imposição de “ taxas pa-trióticas“ de retorno do investimento. Se o peso monstruoso dos impostos fosse retirado, por ser o grande arrecadador (50% é de impostos/tributos), se a carga fiscal que é imposta ao setor elétrico como arrecadador fosse reavaliada, poder-se-ia ser mais razoável e menos draconiano na política de estabelecimentos de referência dos tetos fixados nas licitações para tentar buscar a modicidade tarifária que, como está sendo proposta agora, é muito exacerbada. É grave: está quase se voltando ao serviço pelo custo. O serviço de se premiar aquela eficiência está começando a acabar de novo, porque tudo que o agente faz para melhorar sua eficiência, a ANEEL quer vir buscar e levar para a sociedade. Na realidade, o problema é que atualmente nós compomos e operamos a matriz energética brasileira de forma não otimizada: não se consegue mais fazer a regularização hidrológica ótima devido ao problema da gestão do gás na-tural, quer dizer, hoje toda a cadeia de produção,de transporte e praticamente de comercialização está sob controle da Petrobras. Assim, os demais empreendedores têm receio de investir em térmicas a gás pois ficarão à mercê da disponibilida-de de gás e não terão a segurança de que depende do monopólio da Petrobras. A solução só vira quando a rede de gasodutos for tratada como atualmente o é a rede básica do sistema interligado nacional SIN que é gerenciada pelo ONS,

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bem como o despacho das usinas térmicas a gás. Pode-se até antever para o futuro a criação de uma entidade Operador Integrado Gás - Energia Elétrica que faria a gestão operacional do despacho de energia elétrica e de gás, garantido a otimização e sinergia das duas importantes fontes com grande ganhos para toda sociedade. Isto seria mais importante na medida em que o gás natural passe, como se espera, a ter participação cada vez mais importante na oferta de energia elétrica. Se o gás passar a ter forte participação na matriz elétrica, seria necessário se ter uma coor-denação mais forte e sistêmica, o que não seria possível e adequado se for realizada isoladamente pela Petrobras. O problema todo é que nós precisamos saber criar e administrar o mercado secundário de energia elétrica e sobretudo de gás natural.

Todo técnico do setor que acredita nos processos de otimização energética como um fator diferencial para a economia brasileira, e eu me incluo entre eles, sonha com a criação de um mercado secundário de energia lato sensu: hora eu uso gás, hora eu uso água, hora uso energia eólica, hora uso combustível, pegando todas as sazonalidades e complementaridade e dando incentivo e política de grau de liberdade para o usuário final poder discernir desde que seja com antecedência para ele planejar seu uso para que um operador integrado possa utilizar. Não um socialismo paternalista, mas com visão econômica, com grau de liberdade para com os agentes, para com a lógica de mercado, mas com a utilização de recursos com uma lógica mais cinética, mais social. Se você precisar, eu reitero o meu oferecimento. É um prazer recebê-lo e revê-lo.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXIA História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Entrevista com o engenheiro Murillo Dondici Ruiz

Entrevistador: Flavio Miguez de MelloDia 15 de julho de 2010, em São Paulo

Formação: Engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo USP em 1958

FMM - Prezado Murillo, como começou sua brilhante carreira e seu inte- resse pela geologia e mecânica das rochas que o levou a fazer um treina- mento no LNEC em 1962?MDR - Antes mesmo de me formar na Poli, comecei em 1956 como estagiário no Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPT na Seção de Geologia Aplicada com o engenheiro geólogo Ernesto Pichler. Fiquei no IPT até 1970 quando chefiava a então Divisão de Geologia e Minas. Nesse período cursei na USP as disciplinas de pós graduação em Geologia e Petrografia.

FMM - Essa fase dos anos sessenta e setenta foi uma fase de intenso pro-gresso no desenvolvimento da tecnologia nas geociências em função das grandes obras hidráulicas e viárias que eram implementadas no País. Foi uma fase gloriosa.MDR - Sem dúvida. Foi uma fase que dificilmente voltará.

FMM - Nessa fase quais foram os seus maiores desafios profissionais?MDR - O maior desafio deve ter sido a obtenção do conhecimento dos maciços ba-sálticos uma vez que nossas grandes obras estavam sendo construídas sobre essas rochas e havia lacunas no seu conhecimento tecnológico, pois as maiores ocorrências eram aqui e na África do Sul e poucas ocorrências nos países mais desenvolvidos. Outro desafio foi a construção de estruturas hidráulicas em concreto com a utilização de agregados silicificados reativos com os álcalis do cimento. Em Jupiá foram desco-bertos e usados cascalhos de grandes depósitos aluvionares no rio Sucuriu, afluente pela margem direita do rio Paraná, logo a montante do local da obra de Jupiá. A presença de mineral expansivo (nontronita) em rochas basálticas, que causam a desagregação dessas rochas quando submetidas a secagem e umedecimento inviabi-lizaram a sua utilização como agregado para concreto. A utilização dos cascalhos

foi obrigatória nessa obra, seguida de intensos estudos para obtenção de pozzolana artificial pela calcinação de argilas aluvionares locais.

FMM - Você mencionou acima os problemas de Jupiá. Os mesmos cascalhos foram também empregados em Ilha Solteira. Quantas foram as barragens no seu período no IPT?MDR - Foram muitas. No rio Tietê foram todas desde Ponte Nova a montante da cidade de São Paulo até o baixo Tietê, a menos de Três Irmãos. No Paranapanema prestei consultoria para Xavantes. No Paraná as maiores: Jupiá e Ilha Solteira.

FMM - Por falar nas barragens do rio Paraná, o que mais me impressio-nou naquela época foram os ensaios de cisalhamento direto “in situ” dos grandes blocos cúbicos com 6 m de aresta.MDR - Foi uma época em que o Brasil se desenvolvia muito e a nossa tecnolo-gia também. Em Jupiá e Ilha Solteira executamos inúmeros ensaios “in situ” no maciço basáltico em blocos de rocha de diversas dimensões, o que permitiu um adequado conhecimento do comportamento desses maciços rochosos. O primeiro geólogo que contratei foi o Fernando Pires de Camargo. Após oito anos havia 35 geólogos e engenheiros na Divisão de Geologia e Minas do IPT. Foi um tempo de intenso trabalho, um tempo maravilhoso. Para divulgar os avanços tecnológicos que estávamos experimentando e sistematizar os ensaios tecnológicos, fundamos a Associação Paulista de Geologia Aplicada - APGA, da qual fui o primeiro presidente. A APGA foi a antecessora da atual Associação Brasileira de Geologia de Engenharia - ABGE.

FMM - E após essa época no IPT?MDR - De 1970 a 1974 integrei as equipes do Consórcio Nacional de Enge-

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nheiros Consultores - CNEC e atuei como consultor da Construção e Comércio Camargo Corrêa - CCCC.

FMM - Quais foram os principais realces dessa fase?MDR - Nessa fase cito a recuperação dos túneis do Guandu, obra vital para o abastecimento de água para o Grande Rio; o projeto do ramal ferroviário Roca Sales-Passo Fundo e o aterro barragem da Billings, onde solo silto argiloso foi lançado com técnica especial em lâmina de água de 22 m, com pleno sucesso (Rodovia dos Imigrantes).

FMM - E na THEMAG?MDR - Essa fase de minha vida profissional foi de 1974 a 1989 e os principais destaques foram projetos de grandes hidroelétricas como Paulo Afonso IV, Porto Primavera, Tucurui e Itaipu, além dos projetos do Metrô.

FMM - Depois da THEMAG você fundou a ENGECORPS.MDR - Isso foi em 1990. Foi nessa época que começamos a trabalhar por preço fixo

e a ENGECORPS foi uma das pioneiras nesse tipo de contrato de consultoria e de projeto de engenharia. Um dos nossos projetos mais marcantes foi o estudo de navegação do rio Araguaia nas corredeiras de Santa Isabel. São corredeiras que se desenvolvem no rio por 12 km atingindo um desnível de 12 m. A solução proposta foi inédita: uma sucessão de bacias de dissipação escavadas no maciço rochoso do leito do rio. Essa solução é aplicável em rios de leitos rochosos. Outros grandes projetos foram a eclusa de Tucurui e a Transposição das Águas do Rio São Francisco.

FMM - Quando trabalhamos para o mesmo cliente, a LIGHT e no mesmo empreendimento, Nilo Peçanha II, fiquei muito impressionado numa reunião onde você se concentrou nos aspectos financeiros dos contratos de consultoria. MDR - Na época do projeto de Nilo Peçanha II estávamos atravessando no país o auge da inflação e dos não pagamentos dos serviços prestados pelos contratantes esta-tais. Eu era na THEMAG diretor operacional e depois, diretor executivo. Foi uma época em que os executivos tinham como principal preocupação, às vezes única preocupação, os recebimentos e os critérios de reajustamento.

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FMM - As empresas de engenharia consultiva sofreram com isso.MDR - Sem dúvida. Esse sofrimento só terminou com a estabilização da moeda no Plano Real. A falta de pagamento era sufocante numa época em que a inflação chegou a 70% ou 80% ao mês e havia atraso de pagamento de até seis meses.

FMM - Como as empresas sobreviveram nesse cenário?MDR - Muitas não sobreviveram. As grandes empresas desmobilizaram pessoal ou reduziram a participação em projetos de engenharia civil e de hidroelétricas. Muitas empresas fecharam.

FMM - Não havia cláusulas de correção monetária nos contratos de engenharia consultiva?MDR - De início não havia. Quando a correção monetária foi adicionada aos contratos, ela era parcial e não acompanhava integralmente a inflação.

FMM - E quanto aos diferentes modelos do setor elétrico que vivenciamos ao longo dessas décadas?MDR - Eu era feliz no modelo estatal antigo. Havia duas grandes vantagens: 1ª) As empresas estatais empreendedoras não tinham tanta preocupação com o retorno dos investimentos. As obras eram mais conservadoras e os cronogramas mais elásticos. Isso resultava em investigações e estudos mais apurados e melhores fiscalizações, das construções, resultando obras seguras.

2ª) Nesse período contávamos com a presença de Board de Consultores, constituídos de técnicos nacionais e estrangeiros: Flávio Lyra, Victor de Mello, Don Deere, Arthur Casagrande, Sherard e outros que acompanhavam os projetos, os estudos tecnológicos realizados e a construção.

FMM - E o atual modelo?MDR - Presentemente há planos de investimentos bem definidos pelos empreen-dedores com datas muito apertadas para início de geração, resultando em projetos com menores níveis de investigação geológica e geotécnica. Assume-se, portanto, maiores riscos de desempenho. Tanto projetistas como empreiteiras, muitas vezes são sócias do empreendimento e se preocupam primordialmente com o retorno do capital investido, coisa que não acontecia no passado. Consequentemente, têm ocorrido acidentes que não ocorriam no modelo anterior. Hoje não se conta com a colaboração de Board de Consultores, que certamente dariam melhor equilíbrio aos projetos e à construção.

FMM - Qual foi o grande salto nos empreendimentos da engenharia de barragens que você vivenciou?MDR - Foi quando passamos, em 1960, de hidroelétricas de porte médio como de Barra Bonita (140,76 MW/Rio Tietê), Limoeiro (28,0 MW/Rio Par-do) e Euclides da Cunha (108,8 MW/Rio Pardo) para a hidroelétrica de Jupiá (1.411,2 MW/Rio Paraná). Foi um grande salto.

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Entrevista com o engenheiro Olavo Augusto Vieira

Entrevistador: Flavio Miguez de Mello (FMM)Agosto de 2010

FMM – Dr. Olavo, eu sempre começo as entrevistas perguntando sobre a formação profissional do entrevistado. OV – Fui formado em engenharia civil, em 1945, aqui no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, que voltou a ser designada Escola Politécnica, hoje na UFRJ.

FMM – Nos conte algumas lembranças daquele tempo.OV – O vestibular era para 63 vagas. Apenas 48 foram aprovados. Outro vestibular foi feito para completar a turma, agregando mais 15 alunos. Quando eu estava no quinto ano, em 1945, o número de vagas já havia subido para 110. A Politécnica, como era chamada por todos, era a única escola de engenharia do Rio de Janeiro. Recordo-me de alguns grandes professores como os professores Delcídio Almeida Pereira, de física e de seu jovem assistente Antônio José da Costa Nunes, Idio Pereira, de mecânica aplicada, detentor de um português perfeito, Ruy de Lima e Silva, de geologia, Kfuri de economia, Theophi-lo Benedicto Ottoni Netto, monitor de termodinâmica, Flavio Henrique Lyra da Silva que já nasceu muito bom, assistente do Barbozinha em hidráulica.

FMM – Dr Olavo, o senhor entrou na CAEEB (Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras) do grupo AMFORP ao se formar?OV – Antes disso, entrei como estagiário em 1945.

FMM – E foi nesse tempo que o senhor conheceu o Leo Penna?OV – Sim, nesse tempo, o Leo Penna, o John Cotrim.

FMM – E como era o trabalho na CAEEB daquela época?OV – Naquela época, o que nós mais jovens fazíamos era a parte de estatística de produção de energia das empresas dos estados, e hidrologia também, medição de vazão, observação de réguas.

FMM – E eram diversas concessões em vários estados, desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. E os projetos, os novos empreendimentos? Por que a maior usina feita por esse grupo na CAEEB foi Peixoto?OV – Peixoto já foi muito mais recente. Peixoto entrou em operação, se eu não me engano, em 1956. As duas primeiras unidades, em 1956.

FMM – O Leo Penna me contou que havia um canal muito profundo no rio Grande no local da barragem de Peixoto, e que esse canal profundo iria consumir muito concreto caso a barragem fosse de eixo retilíneo. Por essa razão o projeto foi alterado para uma barragem em arco.OV – Exatamente. Barragem em arco com dois blocos laterais de ancoragem como ombreiras artificiais. Foi projeto da Ebasco Services. O chefe do projeto era um engenheiro de Ebasco, com grande experiência em barragens de concreto em arco.

FMM – Outra coisa que o Leo Penna me contou foi que, assim que o túnel de desvio foi fechado, aconteceu uma das maiores cheias do rio Grande e o reservatório subiu muito rapidamente. Os vertedouros, que descarregam em onze calhas, calhas estas que ainda não estavam reves-tidas de concreto. E essa cheia teve que ser escoada pelas 11 calhas do vertedouro que ainda não estavam todas revestidas de concreto. Como é que foi essa epopéia de alternar o fechamento de algumas calhas para concretar, deixando as outras abertas?OV – Pelo que eu me lembro, foi uma luta tremenda. As calhas A, B e C eram as mais críticas. Miguez, eu não posso me lembrar muito bem por que foi há tempo. Houve um risco nessa operação.

FMM – Eram as mais próximas da barragem em arco, as calhas que apresen-taram as maiores erosões e que por isso, são hoje as mais curtas?

Formação: Engenharia civil pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, em 1945.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

OV – Isso, exatamente. Houve uma erosão grande que teve que ser revestida com concreto a toque de caixa. A rocha teve que ser revestida com concreto porque senão ia tudo embora. Foi feito um revestimento valente mesmo durante a cheia. Então, a água foi jogada de um conjunto de calhas para outro. Na verdade, houve uma dose de sorte porque a cheia diminuíu quando devia diminuir. Tivemos bastante sorte naquilo.

FMM - Voltando àquela época de 1945 em que o senhor começou na CAEEB, quais foram os primeiros projetos em que o senhor atuou?OV - Foram duas barragenzinhas pequeninas lá no Espírito Santo: Jucu e Fru-teiras. As duas já existiam. Foi reforma, se pensava em ampliar, instalar outras máquinas. Havia também o estudo de Jucu II. Depois disso foi o projeto de Areal no rio Preto, estado de Rio de Janeiro.

FMM – E naquelas usinas da CAEEB em São Paulo, por exemplo, Americana, o senhor participou?OV – Trabalhe i em Americana e Avanhandava, no inter ior de São Pau lo . Traba lh e i t ambém em Pe t i , u s ina para supr imen to d e Be l o Horizonte. Peti era pequena, duas unidades de 4500 kW, mas dava para suprir Belo Horizonte. Depois, durante o governo JK em Minas Gerais, adicionamos grupos Diesel.

FMM – A disciplina na CAEEB era muito forte, não é? Eu senti que o Cotrim, quando foi para a Cemig, levou essa disciplina para a Cemig e depois para Furnas.OV – Sim, isso mesmo.

FMM – O senhor continuou lá na CAEEB quando o Cotrim saiu?OV – Continuei. Da CAEEB, quando o grupo da AMFORP foi estatizado, fui transferido para a Eletrobras onde fiquei até 1978, quando me aposentei.

FMM – Mas o senhor também deu uma contribuição a Itaipu depois de ter se aposentado da Eletrobras.OV – Em Itaipu sim. Aí, Cotrim já estava em Itaipu. Fui trabalhar com ele novamente aqui no Rio de Janeiro.

FMM - O senhor tem algum comentário sobre a concepção do projeto de Itaipu?OV – De início se pensava em fazer duas usinas naquele trecho binacional do rio Paraná, mas não seria mais econômico do que apenas uma usina como foi feito. Uma questão de escala.

FMM – Aquela concepção do transporte e colocação do concreto com os vagões pendurados em monotrilhos e com aqueles sete cabos aéreos era revolucionária. Em Peixoto havia um cabo aéreo, não foi?OV – Exatamente. O cabo aéreo foi instalado e depois se descobriu na fundação um veio de xisto de baixa resistência. Por isso, o eixo da barragem foi deslocado para jusante e uma parte da barragem saiu do alcance do cabo aéreo.

FMM – Com aquela posição do vertedouro de Peixoto jogando água per-to do canal de fuga, havia muita perda de energia pela elevação do nível d’água do canal de fuga?OV – Elevava muito o nível de jusante. Não me lembro bem, mas influenciava bastante.

FMM – E como é que foi aquela encampação que foi feita a partir do Rio Grande do Sul, na época do Brizola? A impressão que eu sempre tive é que foi Brizola, lá por 1963, quem fez a encampação em Porto Alegre. E aí, quando o governo da revolução assumiu, o Castelo Branco fez uma negociação com os acionistas americanos e os pagou corretamente, tendo comprado o resto da CAEEB. Nessa compra da CAEEB, Peixoto foi para Furnas. Por que Peixoto foi para Furnas e não ficou com a Companhia Paulista de Força e Luz? Foi alguma atuação do Cotrim?OV – Eu não sei. Eu tenho impressão que pode ter sido alegada a facilidade de operação, porque já existiam Furnas e Estreito, ficando Peixoto entre as duas.

FMM – Marimbondo e Porto Colômbia eram concessões da CAEEB. A CAEEB não se interessou em construir essas duas usinas?OV – Eu acho que não. Para a ocasião, Marimbondo era grande demais.

FMM – Quando eu comecei a trabalhar em Marimbondo, e eu vi que a concessão havia sido ou ainda era, da CAEEB ou da Companhia Paulista de Força e Luz. OV – Existia lá a usina Marimbondo Velha, da CAEEB.

FMM – Essa usina de Marimbondo Pequena, que chamávamos de Ma-rimbondinho, que aproveitava parte da descarga do braço esquerdo do rio Grande, foi inaugurada nos anos vinte do século passado, um pouco antes da grande cheia do rio Grande, que se eu não me engano foi em 1927. Na inauguração de Marimbondo Pequena, o presidente Carlos de Campos, do Estado de São Paulo, fez um discurso dizendo que aquela região de São Paulo estaria atendida de energia elétrica até a virada do século. OV - Pensava-se assim, não é?

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FMM – E na Eletrobras, qual foi a sua atuação?OV – Eu trabalhava com o Leo Penna que era diretor de planejamento e engenha- ria. Depois, eu passei para a diretoria do Cel. Mauro Moreira.

FMM - O Leo Penna uma vez me disse que ele teve a sensação de que os dois coronéis, Raul Garcia Llano e Mauro Moreira, foram colocados na Eletrobras para fiscalizá-lo (vinha de empresa privada estrangeira) e que vieram a ser grandes amigos dele. OV – Os dois eram formidáveis. Tanto o Llano como o Mauro Moreira. Eu nunca vi uma atitude dos dois que não fosse corretíssima.

FMM – E eles eram engenheiros militares?OV – Todos os dois haviam cursado a Escola Técnica do Exército que hoje é o IME – Instituto Militar de Engenharia.

FMM – Da época da CAEEB o senhor gostaria de mencionar alguns engenheiros?OV – Na CAEEB havia uma turma muito boa: John Cotrim, Leo Penna, Má-rio Mendes de Oliveira Castro, Jorge Magalhães Gondim, Ferdinand Budweg , Olavo Pinheiro, Alfred Marane, americano e superintendente da obra de Peixoto. Aliás os chefes de todas as obras eram americanos.

FMM – Eu trabalhei por muito tempo com o Flavio H. Lyra, e uma das coisas que iríamos fazer para Furnas era uma ampliação e uma modernização de Peixoto. Eu ainda estava em Furnas, quando Furnas recebeu Peixoto em 1973; nós mandamos o nosso chefe do arquivo para Peixoto para levantar os desenhos as built (como construído).Ele trazia para mim pilhas de desenhos, e eu sempre dizia que não era nada daquilo que havia sido construído. E Furnas ficou então com a usina de Peixoto sem os desenhos de projeto. Nesta épo-ca eu estive em Peixoto, logo quando Peixoto passou para Furnas; perguntei pela instrumentação e o operador da usina respondeu “Nós temos três piezômetros”; eu disse: “Só três”? e ele disse “Só três, tudo isso”. Perguntei: “Onde estão as células piezométricas?” Resposta: “Provavelmente, na fundação”. Perguntei: “Você sabe a posição das células?” Ele respondeu que não. Perguntei: “Como é que você mede a pressão intersticial?” Ele disse: “Ah, eu vou com um tubo graduado e um cronômetro”. Ou seja: não mediam nada. É uma coisa impressionante. Aquela barragem era, na época, uma das mais importantes do Brasil. OV – Mas Peixoto foi feito há 60 anos...

FMM - Outro caso: Finalmente, nos anos oitenta, quando Peixoto ia ser remodelada, modernizada, eu já estava na EngeRio e o Leo Penna tam-bém estava na EngeRio. Reuni o grupo de engenharia com um gravador para registrar o Leo Penna falando do projeto de Peixoto. Foi então que descobrimos que o projeto de Peixoto como construído estava muito bem guardado, na casa do Leo Penna. OV – Na casa dele?

FMM – Outro episódio curioso nessas usinas da CAEEB ocorreu numa outra usina em que o senhor trabalhou, a usina de Areal. A CERJ, na época era concessionária de Areal, tinha que fazer pela primeira vez um esvaziamento do conduto forçado em aço, dentro de um túnel e me pediu para ir lá para ver como é que eles podiam fazer isso sem ameaçar a inte-gridade do conduto forçado pela ação pressão externa. Fui à usina com os únicos desenhos do projeto que haviam nos arquivos da CERJ, todos assinados pelo John Cotrim e pelo Leo Penna. Depois de analisar o pro-blema do conduto, pedi ao operador para visitar a barragem, incluindo uma ida à galeria de drenagem e injeção. Ele me disse: “Não há galeria”. Eu disse que deveria haver, pois a galeria constava nos documentos de projeto. Ele disse “Eu participei da construção e garanto que não há galeria”. Ele então me mostrou as fotografias colhidas durante a construção e eu vi que realmente não havia galeria.OV – E não havia mesmo. Foi eliminada, sabe por que? Para economizar forma.

FMM - Nós fizemos uma análise de estabilidade da barragem de Areal sem a galeria; pelos critérios convencionais a estabilidade estava no limite. Nós instalamos piezômetros que realmente comprovaram que a subpressão não tinha qualquer alívio. Entretanto, como o vale é encaixado e a rocha competente, acho que deve existir um efeito de arco na parte inferior da barragem. Por isso é que ela está lá em pé até hoje. Muito bem, o senhor quer contar mais alguma coisa, algumas dessas curiosidades?OV – Minha memória está falhando há muitíssimo tempo.

FMM – Dr. Olavo, agradeço muito ao senhor pela interessante entrevista. Muito obrigado.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em março de 2011 dois protagonistas de capítulos diferentes e mar-cantes na história da Itaipu: Antônio Dias Leite Júnior, de 89 anos, e José Gelazio da Rocha, de 81 anos, estiveram novamente em Itaipu acompanhando o Conselho Superior do Sistema Eletrobras (Consise) quando foram homenageados pelo diretor-geral brasileiro Jorge Samek e plantaram mudas de árvore no bosque dos visitantes.

Algumas testemunhas da “batalha” diplomática das negociações que resulta-ram no Tratado de Itaipu dizem que o engenheiro Antônio Dias Leite Júnior, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi fundamental para convencer o Congresso Nacional da importância do acordo. Ele humildemente nega: “Isso aí já é um certo exagero”, diz sorrindo. Mas ele não desmente o fato de ter sido, enquanto ocupava o cargo de ministro de Minas e Energia de 1969 a 1974, ferrenho defensor da constru-ção da maior hidroelétrica do planeta, exatamente no período mais agudo e intenso das negociações que culminaram na redação e assinatura do

Tratado de Itaipu, em 1973. Questionado sobre a lembrança mais marcan-te daquela época, ele responde sem titubear. “Foi o alívio de conseguir, depois de anos de debates, chegar a algo que às vezes parecia impossível: o tratado”.

Segundo o ex-ministro, aos poucos as dificuldades de entendimento entre Brasil e Paraguai foram sendo superadas. “O problema maior foi a Argen-tina, que na época se colocou em uma posição radical, de impedimento à construção de Itaipu”, recorda. Os argentinos temiam que a usina prejudicasse seus interesses sobre as águas do rio Paraná, o que só foi resolvido com a assi-natura do Acordo Tripartite, em 1979, quando Antônio Dias Leite Júnior já havia deixado o ministério.

Com o desafio, no começo de 1974, de coordenar um projeto de mon-tagens eletromecânicas sem paralelo, o engenheiro mecânico e eletricista José Gelazio da Rocha recebeu o convite do primeiro diretor técnico da Itaipu, John Cotrim, para assumir a superintendência de engenharia da

Anexo 2Depoimentos de Antônio Dias Leite Júnior e José Gelazio da Rocha nos 35 Anos de Itaipu

Figura 1 - José Gelazio da Rocha, de 81 anos, e Antônio Dias Leite Júnior, de 89 anos: histórias vivas da usina

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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gigantesca hidroelétrica que seria construída. Durante cinco anos, até sair para assumir a direção de planejamento da Eletrobras, Gelazio da Rocha esteve à frente do projeto das máquinas que notabilizariam a Binacional.

A elaboração desse projeto ficou a cargo de cinco empresas brasileiras consorciadas com outras paraguaias, subordinadas a um consórcio cons-tituído por uma consultora norte-americana e outra italiana. “Estava em uma posição que me dava o panorama de tudo, de modo que, para mim, essa foi a mais marcante experiência pessoal e profissional”, recorda. José Gelazio da Ro-cha sabia como poucos o projeto das unidades geradoras que viriam.

“O que preocupava mais era a dimensão das máquinas”, revela. “Eram números avassaladores, com os quais ninguém havia lidado antes, mas, felizmente, tudo foi bem pensado e equacionado”, afirma.

Hoje, ao ver os sucessivos recordes mundiais de produção de energia elétrica de Itaipu, ele não esconde a satisfação e parabeniza as equipes que conduzem a usina atualmente. “Isso é fruto de uma administração que está se renovando cada vez melhor”, diz. “O fator de capacidade das máquinas conseguido ano passado pela Itaipu é fantástico, único no mundo, e fico feliz por ter, de alguma forma, colaborado para que isso um dia pudesse estar acontecendo”.

Figura 3 - José Gelazio da Rocha também deixa a sua pitomba no Parque Tecnológico de Itaipu PTI e posa para foto com Jorge Samek

Figura 2 - Ao lado do diretor-geral brasileiro, Jorge Samek, Antônio Dias Leite Júnior deixa a sua marca no Parque Tecnológico de Itaipu

PTI: um pé de pitomba

Estes depoimentos foram editados a partir da matéria publicada por Itaipu Binacional e gentilmente cedida.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 3 - Diretorias do CBDBEleita em 25 de outubro de 1961Presidente Antônio Alves de NoronhaSecretário Lucio Washington

Eleita em 24 de janeiro de 1962Presidente Flavio H. LyraVice-Presidente Francisco Saturnino de Brito FilhoVice-Presidente Félix E. H. Von RankeSecretário Sydney Gomes dos Santos (1)1º Tesoureiro Odair Grillo2º Tesoureiro João Camillo Penna (2)(1) Renunciou; substituído em 25/03/63 por Delphim Mazon Fernandes(2) Renunciou; substituído em 31/10/63 por Antonio Carlos Amaral Bastos

Eleita em 17 de março de 1965Presidente Flavio H. LyraVice-Presidente Félix E. H. Von RankeVice-Presidente Antônio José da Costa NunesSecretário Delphim Mazon Fernandes1º Tesoureiro Antônio Carlos Amaral Bastos2º Tesoureiro José Pougy

Eleita em 27 de novembro de 1970Presidente Flavio H. LyraVice-Presidente Antônio José da Costa NunesVice-Presidente Francisco de Assis BasílioSecretário Delphim Mazon Fernandes1º Tesoureiro Antônio Carlos Amaral Bastos2º Tesoureiro José Pougy

Eleita em 21 de novembro de 1973Presidente Flavio H. LyraVice-Presidente Antônio José da Costa NunesVice-Presidente Francisco de Assis BasílioSecretário Delphim Mazon Fernandes1º Tesoureiro José Pougy2º Tesoureiro Carlos Alberto de Pádua Amarante

Eleita em 17 de dezembro de 1976Presidente Delphim Mazon FernandesVice-Presidente Epaminondas M. Amaral FilhoVice-Presidente Carlos Alberto de Pádua AmaranteSecretário Flavio Miguez de Mello1º Tesoureiro José Pougy2º Tesoureiro Evelyna B. Souto Silveira

Eleita em 27 de janeiro de 1980Presidente Carlos Alberto de Pádua AmaranteVice-Presidente Epaminondas M. Amaral FilhoVice-Presidente Evelyna B. Souto SilveiraSecretário Flavio Miguez de Mello1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello2º Tesoureiro Antonio Carlos Tatit Holtz

Eleita em 19 de maio de 1983Presidente Carlos Alberto de Pádua AmaranteVice-Presidente Epaminondas M. Amaral FilhoVice-Presidente Antonio Carlos Tatit HoltzSecretário Flavio Miguez de Mello1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello2º Tesoureiro Ferdinand M. G. Budweg

Eleita em 29 de abril de 1986Presidente Epaminondas M. Amaral FilhoVice-Presidente Antonio Carlos Tatit HoltzVice-Presidente Ferdinand M. G. BudwegSecretário Flavio Miguez de Mello1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello2º Tesoureiro Miguel Khair Filho

Eleita em 02 de maio de 1989Presidente Flavio Miguez de MelloVice-Presidente Cássio Baumgratz ViottiVice-Presidente João Alberto Bandeira de MelloSecretário Miguel Khair Filho1º Tesoureiro Luiz Felipe Pierre2º Tesoureiro Agnaldo Ricoy de Oliveira

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Eleita em 11 de maio de 1992Presidente Flavio Miguez de MelloVice-Presidente Cássio Baumgratz ViottiVice-Presidente Fábio de Genaro CastroSecretário Luiz Felipe Pierre1º Tesoureiro Joaquim Pimenta de Ávila2º Tesoureiro Agnaldo Ricoy de Oliveira

Eleita em 16 de maio de 1995Presidente Flavio Miguez de MelloVice-Presidente Cássio Baumgratz ViottiDiretor de Comunicação Edilberto MaurerDir. Administr. e Financ. Erton CarvalhoDiretor Técnico Ferdinand M. G. Budweg

Eleita em 09 de abril de 1996Presidente Cássio Baumgratz ViottiVice-Presidente Edilberto MaurerDiretor de Comunicação Ferdinand M. G. BudwegDir. Administr. e Financ. Erton CarvalhoDiretor Técnico João Francisco Alves Silveira

Eleita em 08 de abril de 1999Presidente Cássio Baumgratz ViottiVice-Presidente Edilberto MaurerDiretor Secretário Paulo Coreixas JuniorDiretor de Comunicações Erton CarvalhoDiretor Técnico Gilberto Valente Canali

Eleita em 16 de julho de 2003Presidente Edilberto MaurerVice-Presidente Gilberto Valente CanaliDiretor Secretário Paulo Coreixas JuniorDiretor de Comunicações Marcos Luiz VasconcellosDiretor Técnico Erton Carvalho

Eleita em 26 de abril de 2005Presidente Edilberto MaurerVice-Presidente Gilberto Valente CanaliDiretor Técnico Erton CarvalhoDiretor de Comunicações Marcos Luiz VasconcellosDiretor Secretário Paulo Coreixas Junior Eleita em 13 de maio de 2008Presidente Edilberto MaurerVice-Presidente Erton CarvalhoDiretor Técnico Brasil Pinheiro MachadoDiretor de Comunicações Marcos Luiz VasconcellosDiretor Secretário Paulo Coreixas JuniorDiretor Adjunto Cássio Baumgratz ViottiDiretor Adjunto Armando José da Silva Neto

Eleita em 04 de novembro de 2009 Presidente Erton Carvalho Vice-Presidente Fabio De Gennaro Castro Diretor Técnico Brasil Pinheiro Machado Diretor de Comunicações Marcos Luiz Vasconcellos Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior Diretor Adjunto Armando José da Silva Neto

DIRETORIA ATUAL Eleita em 20 de maio de 2011 Presidente Erton Carvalho Vice-Presidente Fabio De Gennaro Castro Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior Diretor de Comunicações Miguel Augusto Z. Sória Diretor Técnico Brasil Pinheiro Machado Diretor Adjunto Marcos Luiz Vasconcellos Diretor Adjunto Ademar Sérgio Fiorini

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXIA História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 4 - Seminários Nacionais de Grandes Barragens

I SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (julho, 1962)

Tema I – Métodos de Investigação de Fundações de Barragens

Tema II - Disponibilidade, no Brasil, de Organizações e Equipamentos para a

Construção de Grandes Barragens

Tema III – Disponibilidade, no Brasil, de Laboratórios para Ensaios e Ex-

periências Ligados a Projeto e Construção de Barragens

II SEMINÁRIO - São Paulo (junho, 1963)

Tema I – Subpressão em Barragens

Tema II – Concreto em Barragens - Tecnologia, Preparação e Colocação.

Tema III – Acidentes em Barragens

III SEMINÁRIO - São Paulo (outubro, 1964)

Tema I – Mecânica das Rochas Aplicada a Fundação de Barragens

Tema II – Compactação de Barragens de Enrocamento e de Terra – Controle

dos Resultados

Tema III – Barragens de Abóbodas Múltiplas em Concreto – Evolução do

Conceito e Método de Cálculo

IV SEMINÁRIO – Rio de Janeiro (abril, 1965)

Tema I – Uso de Concreto Protendido em Barragens e Estruturas Auxiliares

Tema II – Observação de Deformações em Barragens

Tema III – Projeto e Observação de Estruturas de Sangramento e de Desvio

Durante a Construção, Inclusive Ensaios em Modelo Reduzido

V SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (abril, 1968)

Tema I - Técnica e Controle de Concretagem em Barragens.

Tema II - Estanqueidade e Estabilidade de Ombreiras de Barragens e Margens

de Reservatórios

Tema III - Deformações de Fundações de Barragens de Terra e suas

Conseqüências

VI SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1970)

Tema I – Fissuras e Outros Defeitos em Barragens de Concreto e em Es-

truturas Auxiliares

Tema II – Fissuras em Barragens de Terra e em Núcleos de Barragens de

Enrocamento

Tema III – Previsão e Controle de Reservatórios e Equipamentos Necessários

à sua Caracterização

Tema IV – Construção de Barragens de Enrocamento - Progressos e Recentes

na Técnica de Construção

VII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1971)

Tema I – Fundações de Barragens - Ensaios “In Situ”

Tema II – Fator de Segurança em Barragens

Tema III – Diretrizes para Projeto e Execução de Barragens de Terra e de

Enrocamento.

Tema IV – Diretrizes para Projeto e Execução de Barragens de Concreto.

VIII SEMINÁRIO - São Paulo (novembro, 1972)

Tema I – Práticas Recomendadas em Fundações de Barragens – Ensaios,

Projetos e Execução de Tratamentos.

Tema II - Ecologia – Conseqüências ao Meio Ambiente Devido à Construção

de Barragens

Tema III – Diretrizes para Projeto e Construção de Barragens de Terra e de

Enrocamento

Tema IV – Diretrizes para Projeto e Construção de Barragens de Concreto

IX SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1973)

Tema I – Recomendações para Investigações Preliminares para Escolha de

Local de Barragem

Tema II – Progresso nas Recomendações para Projeto e Construção de

Barragens de Terra, de Enrocamento e de Concreto e de suas Fundações

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Tema III – Dispositivos de Proteção e Impermeabilização de Taludes de

Barragens de Terra e de Enrocamento

Tema IV – Novas Idéias para Construção mais Rápida e Econômica de Barragens

X SEMINÁRIO - Curitiba (abril, 1975)

Tema I – Planejamento e Estudos Preliminares para Implantação de Barragens

Tema II – Efeitos do Meio Ambiente sobre Barragens e Reservatórios

Tema III – Instrumentação em Fundações de Barragens

Tema IV – Técnicas Atualizadas Empregadas na Construção e no Controle de

Barragens de Concreto

XI SEMINÁRIO - Fortaleza (agosto, 1976)

Tema I – Deformações Lentas em Barragens de Concreto e em suas Fundações

em Rocha – Influência dos Diversos Fatores

Tema II – Modelos de Barragens e Estruturas Anexas – Modelos Hidráulicos,

Modelos de Estrutura de Concreto e Modelos de Maciço de Terra e de Enro-

camento – Modelos Físicos e Matemáticos

Tema III – Observações de Desempenho e Recuperação de Barragens, de

Estruturas Correlatas e de Reservatórios

Tema IV – Atualização e Comentários dos Trabalhos Apresentados e Dis-

cussões Mantidas em Seminários Anteriores

XII SEMINÁRIO - São Paulo (abril, 1978)

Tema I – Fissuração em Concreto de Barragens - Processos para Evitar Fissura-

mentos, Efeitos Térmicos, Fissuras Superficiais e Profundas, Influência de Retra-

tação Hidráulica no Fissuramento de Concreto Massa

Tema II – Fundações de Barragens em Terrenos Compressíveis e/ou de

Baixa Resistência: Alternativas de Soluções

Tema III – Segurança de Barragens: Critérios e Avaliação de Segurança; Conse-

qüências de Colapsos e Meios de Prever e/ou Minimizar os Efeitos Negativos

Tema IV – Planejamento, Projeto e Execução de Controle de Grandes Rios

Durante a Construção.

XIII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (abril, 1980)

Tema I – Desempenho de Vertedouros

Tema II – Críticas de Critérios de Escolha de Tipos de BarragensTema III – Barragens de Terra pouco Convencionais e Obras de Terra Provisórias

Tema IV – Interfaces em Barragens

XIV SEMINÁRIO - Recife (agosto, 1981)

Tema I – Detalhes Especiais em Projetos Geotécnicos e em Construção de

Barragens

Tema II – Fundações Permeáveis

Tema III – Desenvolvimento de Novos Métodos Construtivos e Equipamentos

de Construção para Barragens de Concreto

Tema IV – Barragens e Reservatórios para Finalidades Múltiplas

XV SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1983)

Tema I – Planejamento de Recursos Hídricos em Regiões Tropicais

Tema II – Efeitos ao Meio Ambiente Decorrentes da Construção de Barragens

em Regiões Tropicais

Tema III – Segurança de Estruturas de Concreto em Barragens

Tema IV – Materiais e Métodos Não Convencionais em Barragens de Terra

e de Enrocamento

XVI SEMINÁRIO - Belo Horizonte (novembro, 1985)

Tema I – Concreto Rolado

Tema II – Recuperação de Barragens e de Reservatórios

Tema III – Segurança Durante a Construção

Tema IV – Deformabilidade de Maciços de Terra e/ou Enrocamento

XVII SEMINÁRIO - Brasília (agosto, 1987)

Tema I – Subpressão em Estruturas de Concreto

Tema II – Benefícios de Barragens e Reservatórios

Tema III – Riscos e Custos de Construção

Tema IV – Concepções Não Convencionais em Projetos e em Construção de

Barragens e Ensecadeiras

XVIII SEMINÁRIO - Foz do Iguaçu (abril, 1989)

Tema I – Barragens de Concreto Compactado com Rolo – Novos Materiais:

Microssílica, Escória e Outros – Aspectos de Projetos e de Construção

Tema II - Elementos de Vedação Diferentes de Núcleos Argilosos em Barragens

de Terra ou de Enrocamento

Tema III - Benefícios Ambientais Gerados pela Implantação de Barragens

e seus Custos

Tema IV - Concepção de Projetos de Barragens - Condicionantes para Seleção

de Alternativas

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Page 523: A historia das_barragens_no_brasil

518

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

XIX SEMINÁRIO - Aracaju (março, 1991)

Tema I – Desempenho Não Previsto em Projeto de Barragens e de Enseca-

deiras de Terra e de Enrocamento – Acidentes e Incidentes

Tema II – Reabilitação de Barragens e de Reservatórios – Aspectos de Projeto

e de Construção: Deterioração, Revisão de Critérios de Segurança, Revisão

de Critérios de Operação, Melhorias de Performance, Erosão a Jusante de

Estruturas Hidráulicas

Tema III – Planejamento de Empreendimentos: Custos de Projeto, de

Construção e de Supervisão; Otimização de Projeto e de Métodos Cons-

trutivos Visando Economicidade de Recursos e de Tempo; Otimização de

Seqüência ConstrutivaTema IV – Impactos Ambientas - Realidade Comparada com Previsões de Projeto

XX SEMINÁRIO - Curitiba (novembro, 1992)

Tema I – Planejamento, Controle e Avaliação de Empreendimentos

Tema II – Barragens e o Meio Ambiente

Tema III - Vertedores em Operação

Tema IIV – Projeto e Construção de Barragens

XXI SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (dezembro, 1994)

Tema I – Soluções Recentes para Economia em Projeto e em Construção de

Barragens de Terra e de Enrocamento

Tema II – Soluções Recentes para Economia em Projeto e em Construção de

Estruturas de Concreto e em suas Fundações

Tema III – Reabilitação de Barragens e de suas Estruturas Hidráulicas

Tema IV – Construção de Barragens e o Meio Ambiente

XXII SEMINÁRIO - São Paulo (abril, 1997)

Tema I – Participação da Iniciativa Privada na Implantação e na Operação de

Barragens

Tema II - Reservatórios e o Meio Ambiente

Tema III – Lições Aprendidas com Acidentes e Incidentes em Barragens

Tema IV – Modificações de Conceitos e Critérios em Projetos e em Cons-

trução Visando Economicidade

XXIII SEMINÁRIO - Belo Horizonte (março, 1999)

Tema I – Aspectos Institucionais - Privatização

Tema II – Segurança de Barragens, Auscultação, Desempenho e Reparação

Tema III – Meio Ambiente

Tema IV - Projeto e Construção

XXIV SEMINÁRIO - Fortaleza (novembro, 2001)

Tema I – Aspectos Institucionais

Tema II – Meio Ambiente

Tema III – Projeto e Construção

Tema IV – Desempenho, Segurança, Recuperação e Modernização

XXV SEMINÁRIO - Salvador (outubro, 2003)

Tema 91 - Estudos e Projetos

Tema 92 - Construção e Auscultação de Barragens

Tema 93 - Assuntos Institucionais

Tema 94 – Qualificação, Quantificação e Valoração dos Efeitos das Barragens

sobre o Meio Ambiente

XXVI SEMINÁRIO - Goiânia (abril, 2005)

Tema 95 - Segurança de Barragens

Tema 96 - Concreto nas Obras de Barragens

Tema 97 - Inovações Tecnológicas e Pesquisas no Projeto e na Construção

de BarragensTema 98 - O Papel das Barragens no Desenvolvimento das Bacias Hidrográficas

XXVII SEMINÁRIO - Belém (setembro, 2007)

Tema 99 - A Questão Ambiental nos Estudos, Projetos e Construção

de Barragens

Tema 100 – Estudos, Projetos e Construção de Barragens

Tema 101 – Segurança de Barragens - Legislação e Desempenho

Tema 102 – Planejamento e Gestão de Empreendimentos

XXVIII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (outubro, 2011)

Tema 103 – Reabilitação, reforma e melhoria de Barragens Existentes

Tema 104 – Segurança e Controle de Ricos na Realização e na Operação

de Barragens

Tema 105 – Formas de Contratação de Serviços de Engenharia e de Construção de

Barragens e de Obras Hidráulicas – Análises Críticas Visando Qualidade e Segurança

Tema 106 – Soluções Técnicas Compatíveis com a Proteção e Melhoria do

Meio Ambiente

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 524: A historia das_barragens_no_brasil

519

Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e Médias Centrais Hidroelétricas

I Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasPoços de Caldas em agosto/1998Tema I: Aspectos políticos-institucionais, econômicos e ambientaisTema II: Equipamentos eletromecânicos e aspectos operacionaisTema III: Projeto e construçãoTema IV: Recapacitação de usinas

II Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasCanela em abril/2000Tema I - Projetos e estudosTema II - Assuntos institucionaisTema III - Equipamentos eletromecânicos - projeto, construção, operação e manutençãoTema IV - Meio ambiente

III Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasFoz do Iguaçu - PR em abril/2002Tema I - Meio ambienteTema II - Projeto e construçãoTema III - Assuntos institucionais

IV Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasPorto de Galinhas - PE em setembro/2004Tema 13 - PlanejamentoTema 14 – Projeto e construçãoTema 15 – Equipamentos eletromecânicosTema 16 – Auscultação das obras e recapacitação de usinas

V Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasFlorianópolis - SC em abril/2006Tema 17 – Segurança de barragensTema 18 – Aspectos ambientais e institucionaisTema 19 – Equipamentos eletromecânicos. Recapacitação e mercado de energiaTema 20 – PCH – história, estudos, projetos, construção e aspectos econômico-financeiros

VI Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasBelo Horizonte - MG em abril/2008Tema 21 – Aspectos políticos, legais, institucionais, planejamento e gestão. Tema 23 – Projeto, construção e montagem Tema 24 – Auscultação, manutenção e segurança de barragens Tema 25 – Operação, recapacitação e descomissionamento.

VII Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais HidrelétricasSão Paulo - SP em maio/2010Tema I – Inovações e qualidades técnicas dos empreendimentos de pequenas e médias centrais hidrelétricasTema II – Regimes contratuais e forma de contratação de obras de pequenas e médias centrais hidrelétricasTema III – Segurança e desempenho de obras de pequenas e médias centrais hidrelétricasTema IV – Marco legal e licenciamento ambiental de pequenas e médias centrais hidrelétricas

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Page 525: A historia das_barragens_no_brasil

520

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

1a Londres (R.U.) junho de 1931

2a Paris (França) julho de 1932

3a Estocolmo (Suécia) junho de 1933

4a Trolhattam (Suécia) julho de 1933 - 1° Congresso

5a Londres (R.U.) outubro de 1934

6a Haia (Holanda) junho de 1935

7a Washington (EUA) setembro de 1936 - 2° Congresso

8a Washington (EUA) setembro de 1936

9a Paris (França) junho de 1937

10a Viena (Áustria) agosto de 1938

lla Zurique (Suíça) julho de 1939

12a Paris (França) abril de 1946

13a Paris (França) outubro de 1946

14a Haia (Holanda) setembro de 1947

15a Estocolmo (Suécia) junho de 1948 - 3° Congresso

16a Bruxelas (Bélgica) junho de 1949

17a Londres (R.U.) outubro de 1950

18a Nova Delhi (Índia) janeiro de 1951 - 4° Congresso

19a Chicago (EUA) setembro de 1952

20a Paris (França) setembro de -1953

Anexo 6 - Congressos Internacionais e Reuniões Anuais e Executivas

21a Paris (França) setembro de 1954

22a Paris (França) maio de 1955 - 5° Congresso

23a Lisboa (Portugal) junho de 1956

24a Istambul (Turquia) setembro de 1957

25a Nova Iorque (EUA) setembro de 1958 - 6° Congresso

26a Helsinki (Finlândia) junho de 1959

27a Tóquio (Japão) outubro de 1960

28a Roma (Itália) junho de 1961 - 7° Congresso

29a Moscou (Rússia) junho de 1962

30a Cairo (Egito) fevereiro de 1963

31a Paris (França) setembro - 1° de outubro de 1963

32a Edinburgo (R.U.) maio de 1964 - 8° Congresso

33a Lausanne (Suíça) setembro de 1965

34a Rio de Janeiro (Brasil) junho de 1966

35a Istambul (Turquia) setembro de 1967 - 9° Congresso

36a Stavanger (Noruega) junho de 1968

37a Varsovia (Polônia) setembro de 1969

38a Montreal (Canadá) maio de 1970 - 10° Congresso

39a Dubrovnik (Iugoslavia) outubro de 1971

40a Camberra (Austrália) abril de 1972

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Page 526: A historia das_barragens_no_brasil

521

41a Madri (Espanha) junho de 1973 - 11° Congresso

42a Atenas (Grecia) maio de 1974

43a Teera (Irã) outubro de 1975

44a Cidade do México (México) março 1976 - 12° Congresso

45a Salzburgo (Áustria) setembro de 1977

46a Cidade do Cabo (África do Sul) outubro de 1978

47a Nova Delhi (Índia) outubro de 1979 - 13° Congresso

48a Roma (Itália) outubro de 1980

49a Estocolmo (Suécia) maio de 1981

50a Rio de Janeiro (Brasil) abril de 1982 - 14° Congresso

51a Londres (R.U.) setembro de 1983

52a Tóquio (Japão) maio/junho de 1984

53a Lausanne (Suíça) junho de 1985 - 15° Congresso

54a Jacarta (Indonésia) junho - 1° de julho de 1986

55a Pequim (China) maio de 1987

56a San Francisco (EUA) junho 1988 - 16° Congresso

57a Copenhagen (Dinamarca) junho de 1989

58a Sydney (Austrália) maio de 1990

59a Viena (Áustria) junho de 1991 - 17° Congresso

60a Granada (Espanha) setembro de 1992

61a Cairo (Egito) novembro 1993

62a Durban (África do Sul) novembro 1994 - 18° Congresso

63a Oslo (Noruega) julho de 1995

64a Santiago (Chile) outubro de 1996

65a Florença (Itália) maio de 1997 - 19° Congresso

66a Nova Delhi (Índia) novembro de 1998

67a Antalya (Turquia) setembro de 1999

68a Pequim (China) novembro de 2000 - 20° Congresso

69a Desdren (Alemanha) setembro de 2001

70a Foz do Iguaçu (Brasil) setembro de 2002

71a Montreal (Canadá) junho de 2003 - 21° Congresso

72a Seul (Coréia) maio de 2004

73a Teerã (Irã) maio de 2005

74a Barcelona (Espanha) junho de 2006 - 22° Congresso

75a São Petersburgo (Rússia) junho de 2007

76a Sófia (Bulgária) junho de 2008

77a Brasília (Brasil) maio 2009 - 23° Congresso

78a Hanói (Vietnã) maio de 2010

79ª Lucerne (Suíça) junho de 2011

C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

Page 527: A historia das_barragens_no_brasil

522

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Sócios coletivos

Anexo 7 - Sócios Mantenedores e Sócios Coletivos

Sócios mantenedores ARCADIS TETRAPLAN S/A

ATP Energia Ltda

Agência Nacional de Energia Elétrica -

ANEEL

BERROCAL & Associados

BRASILOS S/A Construções

BROOKFIELD Energia Renovável S/A

C.R. ALMEIDA S/A Engenharia de Obras

CEMIG Geração e Transmissão S/A

Companhia Energética de São Paulo - CESP

CNEC WorleyParsons Engenharia S/A

Construtora Andrade Gutierrez S/A

Construtora e Comércio Camargo Correa S/A

Construtora Norberto Odebrecht S/A

Construtora Triunfo Ltda.

COPEL Geração e Transmissão S/A

Departamento Nacional de Obras

Contra as Secas - DNOCS

DESCON Construtora Ltda

Eletrobras

Eletrobras - Chesf

Eletrobras - Eletronorte

Eletrobras - Furnas

Empresa Metropolitana de

Águas e Energia S/A

Enerconsult S/A

Engevix Engenharia S.A.

Grupo CEEE

Intertechne Consultores S/A

Itaipu Binacional

JEENE Juntas e Impermeabilizações Ltda

Light Energia

Mendes Junior Trading e Engenharia S.A.

Norte Energia S/A

SPEC Planejamento, Engenharia e

Consultoria Ltda

TECBARRAGEM Construções e

Comércio Ltda

TECHDAM Tecnologia para Barragens Ltda

THEMAG Engenharia e

Gerenciamento S/C Ltda

Votorantim Energia Ltda

Associação Brasileira de Cimento

Portland - ABCP

Carpi Brasil

COBA Consultores Para Obras,

Barragens e Planejamento

Construtora LJA Ltda

CPFL Geração de Energia S/A

Departamento de Águas e Energia

Elétrica - DAEE

ECSA Engenharia Socioambiental S/A

EGESA - Engenharia S/A

EIT - Empresa Industrial Técnica S/A

ENGESOLO Engenharia Ltda

INJECIA Comércio e Serviços Ltda

Instituto de Gestão das Águas e

Clima - INGA

LARROSA & SANTOS

Consultores Associados S/C Ltda

LEME Engenharia S/A

LOGOS Engenharia S/A

RDR Consultores Associados Ltda.

SONDOTECNICA Engenharia

de Solos S/A

VORTEX HYDRA do Brasil

Sistemas Industriais

A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

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Agradecimentos

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8

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