A Guerra Total

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A Guerra Total De um lado, a Guerra da Secessão dos Estados Unidos, entre 1861 e 1864, e, de outro, a Guerra Franco-Prussiana, de 1870-71, desempenharam papel-chave de reunir pensamento estratégico renovado e o potencial industrial liberado pela grande indústria desde a Revolução Industrial, abrindo caminho para a guerra total do século XX, onde o conjunto dos recursos da sociedade é disponibilizado para o esforço de guerra, anulando as diferenças entre civis e militares, entre frente de combate e retaguarda. O imenso potencial de destruição liberado pela junção das modernas técnicas de guerra e de organização de tropas, como já utilizadas nas Guerras Napoleônicas e sistematizadas por Clausewitz, com o potencial técnico e econômico da Revolução Industrial, com a disponibilização de novos recursos técnicos impensados anteriormente, tornar-se-ia assim no cerne uma ampla Revolução nos Assuntos Militares, que faria sua aparição nos primeiros conflitos de massa do século XX, como a Guerra dos Bôeres, entre 1899 e 1902, e a Guerra Russo-Japonesa, de 1905. Para muitos a Grande Guerra foi o marco decisivo da guerra moderna, a mãe de todas as batalhas, que marcaria o século XX e, já agora podemos infelizmente dizer, também o século XXI. Claro, a Guerra de Secessão Americana foi, sem dúvida, a primeira guerra de massas da história, onde a mobilização total dos recursos de uma sociedade foi colocada à disposição da máquina de guerra visando atingir fins estratégicos que garantiriam a vitória. Contudo, mesmo frente ao morticínio e à imensa dor, a Guerra da Secessão foi circunscrita a um país, meio-continente, um só povo. Neste sentido, o então impressionante desenvolvimento industrial americano não poderia ser comparado ao poder industrial de nações como o Império Alemão ou Britânico, a República Francesa, e mesmo os próprios Estados Unidos e o Império do Sol Nascente, na Ásia as vésperas da Grande Guerra, em 1914, e, consequentemente, ao tremendo impacto decorrente do choque de tais potências entre 1914 e 1918. Assim a Grande Guerra garante para si a glória duvidosa de abrir um novo capítulo na história da humanidade: a moderna guerra total. Da mesma forma, seria o ponto de partida da única guerra verdadeira do século XX: a longa guerra que se estenderia de 1914 a 1991, com pausas e retomadas de hostilidades, repetindo no século XX o terrível evento contínuo da Guerra dos Trinta Anos, do século XVII. Em 1914, para além dos recursos materiais investidos, procurava-se ainda reverter os principais ensinamentos – a própria doutrina militar – das últimas grandes guerras europeias: as Guerras Napoleônicas. Convencidos do mérito das politicas defensivas, otimizadas pela moderna engenharia de casamatas, trincheiras e bastiões, ao lado da excelência das novas armas de tiro, em especial as metralhadoras,

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A Guerra TotalDe um lado, a Guerra da Secessão dos Estados Unidos, entre 1861 e 1864, e, de outro, a Guerra Franco-Prussiana, de 1870-71, desempenharam papel-chave de reunir pensamento estratégico renovado e o potencial industrial liberado pela grande indústria desde a Revolução Industrial, abrindo caminho para a guerra total do século XX, onde o conjunto dos recursos da sociedade é disponibilizado para o esforço de guerra, anulando as diferenças entre civis e militares, entre frente de combate e retaguarda. O imenso potencial de destruição liberado pela junção das modernas técnicas de guerra e de organização de tropas, como já utilizadas nas Guerras Napoleônicas e sistematizadas por Clausewitz, com o potencial técnico e econômico da Revolução Industrial, com a disponibilização de novos recursos técnicos impensados anteriormente, tornar-se-ia assim no cerne uma ampla Revolução nos Assuntos Militares, que faria sua aparição nos primeiros conflitos de massa do século XX, como a Guerra dos Bôeres, entre 1899 e 1902, e a Guerra Russo-Japonesa, de 1905.Para muitos a Grande Guerra foi o marco decisivo da guerra moderna, a mãe de todas as batalhas, que marcaria o século XX e, já agora podemos infelizmente dizer, também o século XXI. Claro, a Guerra de Secessão Americana foi, sem dúvida, a primeira guerra de massas da história, onde a mobilização total dos recursos de uma sociedade foi colocada à disposição da máquina de guerra visando atingir fins estratégicos que garantiriam a vitória. Contudo, mesmo frente ao morticínio e à imensa dor, a Guerra da Secessão foi circunscrita a um país, meio-continente, um só povo. Neste sentido, o então impressionante desenvolvimento industrial americano não poderia ser comparado ao poder industrial de nações como o Império Alemão ou Britânico, a República Francesa, e mesmo os próprios Estados Unidos e o Império do Sol Nascente, na Ásia as vésperas da Grande Guerra, em 1914, e, consequentemente, ao tremendo impacto decorrente do choque de tais potências entre 1914 e 1918. Assim a Grande Guerra garante para si a glória duvidosa de abrir um novo capítulo na história da humanidade: a moderna guerra total.Da mesma forma, seria o ponto de partida da única guerra verdadeira do século XX: a longa guerra que se estenderia de 1914 a 1991, com pausas e retomadas de hostilidades, repetindo no século XX o terrível evento contínuo da Guerra dos Trinta Anos, do século XVII.Em 1914, para além dos recursos materiais investidos, procurava-se ainda reverter os principais ensinamentos – a própria doutrina militar – das últimas grandes guerras europeias: as Guerras Napoleônicas. Convencidos do mérito das politicas defensivas, otimizadas pela moderna engenharia de casamatas, trincheiras e bastiões, ao lado da excelência das novas armas de tiro, em especial as metralhadoras, culminando nas Guerras de Trincheiras. Entrincheirar-se por entre casamatas, com campos minados e redes de arame farpado pareceu ser a estratégia ideal. Assim desde o principio a Grande Guerra tornou-se uma guerra de posições, travada em trincheiras, de grandes desgastes, enterrando exércitos inteiros no lamaçal, sob o frio, a fome, as doenças e a desesperança. As metralhadoras e os gases venenosos, inaugurando uso das armas químicas, devastavam milhares de homens de uma só vez. Para muitos a Grande Guerra não terminou em 1918: parte de uma longa guerra do Estado-Nação teria apenas uma pausa e uma nova retomada de conflito de 1939 até 1945.

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Com Napoleão (1769-1821), a guerra tornou-se um problema do povo e da nação. A participação do povo fez os meios disponíveis e os esforços ficarem limitados apenas à força e aos recursos da nação, bem como os objetivos políticos. Os exércitos de cidadãos substituíram

os dos profissionais das armas, e uma estratégia móvel e agressiva ocupou o lugar da lenta estratégia de sitiar. As duas Grandes Guerras do século XX reeditaram de certo modo, as guerras justas. O que se viu foram guerras boas e justas de amantes e defensores da paz contra nações igualmente satisfeitas com sua justiça e que se consideravam vítimas de maquinações de povos revanchistas. O fator que mais contribuiu para esse retorno de guerras justas foi provavelmente o aumento da influencia das massas. As modernas guerras exigiram a participação e o

sofrimento de toda a nação e havia a necessidade de proclamar o inimigo como o demônio. A demonização foi utilizada por ambos os lados durante as guerras. Da mesma forma, a violência, que havia decrescido nos dois séculos precedentes, de guerras não-religiosas, voltou a tomar conta da guerra. As declarações formais de guerra também cederam espaço à surpresa desferida pelo primeiro ataque. No século XX, populações inteiras ficaram expostas aos bloqueios, às privações e aos bombardeiros terrestres e aéreos. Contra este último, até os dias de hoje não há leis eficientes que os regulem, conferindo quase que total liberdade de ação aos detentores do poder aéreo para causar perdas à população, seja deliberadamente, seja como dano colateral de ataques contra alvos militares. Dezenas de milhões de mortos, de feridos e de refugiados e deslocados foram produzidos nas guerras do século XX. Os civis também entraram na guerra, com a guerrilha produzindo efeitos, positivos e negativos, similares aos das guerras convencionais. Na Guerra Fria as duas superpotências (EUA e URSS) gastaram aproximadamente US$ 35 trilhões em seus orçamentos de defesa. Nos anos 80, esses países empregaram juntos 21 milhões de pessoas em seus complexos industriais, militares e científicos e mantiveram mais de 4 milhões de soldados em estado de prontidão na Europa. (SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. (Org.) A Enciclopédias das Grandes Guerras e Revoluções do Século XX: as Grandes Transformações do Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004)

Atividades1) Conceitue guerra total.

2) Identifique as primeiras guerras do final do século XIX e do início do século XX que iniciaram a moderna guerra total.

3) Explique o que foi a Revolução nos Assuntos Militares.

4) Compare a Guerra da Secessão Norte-Americana (1861-64) à Grande Guerra Mundial (1914-18) e explique porque de fato a Primeira Guerra inaugurou definitivamente a guerra total.

5) Quais as mudanças podem ser observadas nas Guerras Napoleônicas em relação às tropas e a nova estratégia de guerra?

6) Caracterize o que é a Guerra de Trincheiras.

7) Por que o autor justifica que a Primeira Guerra Mundial não terminou em 1918 mas prolongou-se até 1991? Quais seriam as etapas dessa Grande Guerra do Estado-Nação do século XX?

8) As massas passaram a desempenhar um importante papel nas guerras a partir do século XX. Como as massas influenciam no desenvolvimento e no destino de uma guerra?

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9) Por que a guerra aérea iguala civis e militares e coloca toda a população de um país em estado de guerra?

10) Como a população civil auxilia os militares de seu país durante uma guerra? Atualmente se o Brasil entrar em guerra a população civil ficará alheia à guerra? Justifique.