A Grande Cacada Knoke

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Título do original alemão. “Die Grosse Jagd” Copyrigth.t (C) 1965 Verlag C. Bosendahl - Rinteln Capa reproduzida do livro La Grande Chasse com autorização de editions J'AI LU - Paris CAPÍTULO 1 Infância e Juventude Todos conhecem a lenda do "encantador de ratos", que livrou do flagelo a pequena cidade de Hameln e que, privado da recompensa prometida, arrastou todas as crianças para as profundezas do monte Koppen. Ainda hoje, a rua que assistiu a esse trágico êxodo chama-se Koppen - uma rua estreita, mal calçada, orlada de casas horríveis, exibindo seus pátios sombrios e sujos. Coberta de poeira no verão, lamacenta à época das chuvas da primavera e do outono, cobre-se, quando o inverno é mais forte, de considerável camada de neve, para gáudio dos moleques que ali residem. Bastante extensa, atravessa um bairro suburbano embrionário, indo perder-se insensivelmente nas plantações que se escalonam sobre as primeiras encostas do monte Koppen. Foi nessa rua que passei minha infância. Com minha cabeleira revôlta e as incontáveis manchas de ruivo sardento, devia ser bem feio. Meu pai tinha o posto de ajudante, na lOº companhia do 18º regimento de infantaria. Belo tipo de homem e excelente soldado, gozava da estima geral, mesmo quando, depois da primeira guerra. 9 A Grande caça mundial, ingressou como brigadeiro na polícia municipal. Em 1914, recebeu a Cruz de Ferro nons campos de batalha de Flandres. Em 1915, foi feito prisioneiro em Ypres e vegetou durante quatro anos no campo de Belle-Ille. Em 1919, voltando a Hameln, casou-se com Ana, a mais bonita e delicada das filhas do carpinteiro e pedreiro Martens. Ana herdara de seu pai uma obstinação pouco comum e boa dose de humor. Ainda hoje, sob uma dupla faixa de cabelos brancos, seus olhos azuis têm o brilho de uma alegria combativa. Um ano e oito dias depois do casamento, vim ao mundo, bem no meio da noite. Bem depressa meus pais e os vizinhos se deram conta de que eu não tinha nada de um menino de coro. Meu pai me educava com rigor. Para incutir-me disciplina, à moda prussiana, usava sobretudo uma comprida cinta, que freqüente e dolorosamente marcava-me nas nádegas. Militar de profissão e de alma, tratava-me da mesma forma com que devia tratar seus "azuis". Não o queria mal por isso, pois sabia que ele me amava. As generosas surras que me aplicava eram amplamente justificadas. Meu campo de ação predileto era a caserna, com seu amplo pátio, suas cavalariças e seus intermináveis corredores. Aos seis anos já sabia limpar um fuzil e conhecia a manobra de colocação de uma metralhadora em bateria. Os soldados eram para mim grandes e excelentes companheiros, com os quais me divertia da manhã à noite. 10 Infância e Juventude E os anos passavam, tranquilos e infinitamente agradáveis. Eram raros os acontecimentos

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Título do original alemão.“Die Grosse Jagd”

Copyrigth.t (C) 1965 Verlag C. Bosendahl - RintelnCapa reproduzida do livro La Grande Chassecom autorização de editions J'AI LU - Paris

CAPÍTULO 1

Infância e Juventude

Todos conhecem a lenda do "encantador de ratos", que livrou do flagelo a pequena cidade de Hameln e que, privado da recompensa prometida, arrastou todas as crianças para as profundezas do monte Koppen.Ainda hoje, a rua que assistiu a esse trágico êxodo chama-se Koppen - uma rua estreita, mal calçada, orlada de casas horríveis, exibindo seus pátios sombrios e sujos. Coberta de poeira no verão, lamacenta à época das chuvas da primavera e do outono, cobre-se, quando o inverno é mais forte, de considerável camada de neve, para gáudio dos moleques que ali residem. Bastante extensa, atravessa um bairro suburbano embrionário, indo perder-se insensivelmente nas plantações que se escalonam sobre as primeiras encostas do monte Koppen.Foi nessa rua que passei minha infância. Com minha cabeleira revôlta e as incontáveis manchas de ruivo sardento, devia ser bem feio.Meu pai tinha o posto de ajudante, na lOº companhia do 18º regimento de infantaria. Belo tipo de homem e excelente soldado, gozava da estima geral, mesmo quando, depois da primeira guerra.

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mundial, ingressou como brigadeiro na polícia municipal. Em 1914, recebeu a Cruz de Ferro nons campos de batalha de Flandres. Em 1915, foi feito prisioneiro em Ypres e vegetou durante quatro anos no campo de Belle-Ille. Em 1919, voltando a Hameln, casou-se com Ana, a mais bonita e delicada das filhas do carpinteiro e pedreiro Martens. Ana herdara de seu pai uma obstinação pouco comum e boa dose de humor. Ainda hoje, sob uma dupla faixa de cabelos brancos, seus olhos azuis têm o brilho de uma alegria combativa. Um ano e oito dias depois do casamento, vim ao mundo, bem no meio da noite. Bem depressa meus pais e os vizinhos se deram conta de que eu não tinha nada de um menino de coro. Meu pai me educava com rigor. Para incutir-me disciplina, à moda prussiana, usava sobretudo uma comprida cinta, que freqüente e dolorosamente marcava-me nas nádegas. Militar de profissão e de alma, tratava-me da mesma forma com que devia tratar seus "azuis". Não o queria mal por isso, pois sabia que ele me amava. As generosas surras que me aplicava eram amplamente justificadas. Meu campo de ação predileto era a caserna, com seu amplo pátio, suas cavalariças e seus intermináveis corredores. Aos seis anos já sabia limpar um fuzil e conhecia a manobra de colocação de uma metralhadora em bateria. Os soldados eram para mim grandes e excelentes companheiros, com os quais me divertia da manhã à noite.10

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E os anos passavam, tranquilos e infinitamente agradáveis. Eram raros os acontecimentos

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importantes em nossa pequenina cidade, encravada bem no meio de um círculo de montanhas cobertas de bosques. O Weser, caudaloso rio de águas límpidas, rebentava em espuma sobre os planos inclinados das duas barragens que flanqueavam a represa, despejava-se nos enormes canais que alimentavam o moinho instalado na ilha, carregava os comboios de chalupas, rebocadores e jangadas feitas de troncos de pinheiros. Na época das férias de verão, numerosos Ônibus levavam à velha cidade uma multidão de turistas, vindos de todos os recantos do mundo para visitar os monumentos históricos e respirar a atmosfera romântica das vielas medievais. No domingo, a banda militar desfiava suas notas alegres sob as tílias do jardim público, à margem do rio. Foi nesse quadro repousante que passei minha infância, toda ela feliz. Em 1931, passei da escola comunal para o liceu, estabelecimento venerável tanto por seus muros como por sua tradição. Naturalmente, nem por isso deixei de lado meus talentos de traquinagem. Como minha reputação já estava solidamente firmada, os professores quase não ficavam surpreendidos e me puniam com extrema indulgência, quase sorrindo. Só um deles, o padre Tribius, achava que eu passava dos limites. Era um homem encantador, mas tinha, a meus olhos, um grave defeito de ensinar matemática, química e biologia, quando minhas matérias preferidas eram justamente as línguas, história e filosofia. além disso, eu praticava

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muito esporte. em 1937, fui eleito vice-presidente de nosso clube de remo. E, por mal dos pecados, àquela mesma época tomava lições de dança. Dessa forma, realmente não me sobrava muito tempo para os estudos. Forçado a fazer uma opção, resolvi pôr de lado os cursos de química e de biologia. Tribius só deu pela coisa ao cabo de seis meses. Foi então que sua cólera explodiu, e ele impôs minha definitiva exclusão. Fui chamado pelo diretor. Estaria mentindo se dissesse que entrei no gabinete do "chefe" com muita segurança. O diretor, alto, elegante, com um vastíssimo charuto entre os dentes, impressionava-me terrivelmente. Entrincheirado por detrás de sua enorme mesa de trabalho, encarou-me com ar frio, levemente irônico. A seu lado, afundado numa poltrona, Tribius, com sua calva luzidia, assemelhava-se a um gnomo rabugento. O "chefe" continuava a olhar-me com ar glacial e eu m e sentia cada vez menos à vontade. Mais um minuto daquele silencioso exame, e eu teria fugido.Por fim, perguntou-me por que motivo havia "me omitido" de assistir às aulas do professor Tribius. Poderia ter inventado uma dor de garganta ou indisposições do estômago, uma dessas clássicas desculpas que as gerações de estudantes têm invocado e ainda continuarão a invocar. Mas estava resolvido a dizer a verdade, não por fanático amor às verdades que não se devem dizer, mas muito simplesmente para não ser chamado de pequeno malandro.

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dro mentiroso. Depois, tinha esperanças de que, usando de toda franqueza, conseguiria evitar o pior. E respondi, então, que o ensino do professor Tribius me parecia muito seco, por demais monótono. Em suma, que ele me enfadava. Pouco faltou para que Tribius sofresse um ataque. O "chefe" ficou paralisado; esperava um pretexto banal e evidente. Durante uns bons cinco minutos, trovejou como Júpiter. Os raios, reservou-os ao pobre Tribius. Pude ouvi-los parcialmente, através da porta, e fiquei sinceramente condoído do infeliz, que nem sequer ousava defender-se. O caso encerrou-se com uma repreensão, castigo de todo platônico. E Tribius fez o possível para tornar suas aulas mais interessantes. Naquele mesmo ano, no começo do outono, no assoalho encerado da Escola de Dança, encontrei meu primeiro grande amor. Lise era loira e esbelta. Eu a adorava com todo o ardor romântico de meus dezesseis anos. Infelizmente, seu pai era advogado e sua mãe uma dama

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extremamente pedante, que olhava muito de cima para aquele filho de um modesto sargento da cidade. Lise parecia bem mais compreensiva. Normalmente , aprendia de cor as pequenas poesias que lhe dedicava. Sentia-se orgulhosa por ter um namorado "escritor". De fato, começava a escrever reportagens, e até mesmo alguns contos, que vendia aos jornais regionais. Assim, ganhava o suficiente para os pequenos gastos. Um ano depois, apaixonei-me por Anne, loira também, mas de formas nitidamente mais opulen-l3

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tas. Ofereci-lhe as mesmas poesias, depois de haver substituído, nos títulos, o nome de Lise pelo seu. Ela, por sua vez, igualmente as decorou.Sentia-me reconhecido pelo amor que ambas me dedicavam, apesar de minha cabeleira revolta e das incontáveis manchas de ruivo sardento. Ainda hoje, Lise e Anne estão entre minhas mais caras recordações da juventude, com o clube de remo, os passeios ao longo do rio, as excursões nas montanhas próximas. Comovidas recordações, que consolam de muitas, muitas coisas. . .E, contudo, fui-lhes infiel, esqueci-me delas no dia em que me fiz aviador. Isso ocorreu aos 6 de junho de 1938, dia em que recebi meu batismo do ar. Um velho avião de transporte, reformado mas ainda sólido, viera pousar nas vastas campinas que margeiam o rio, além da cidade. Alguns marcos davam direito a quinze minutos de vôo. As primeiras horas da tarde, instalei-me na carlinga e, com o coração a bater, vi-me amarrado no assento. Ligado o motor, o grande avião arrancou, rolou aos solavancos pelo solo acidentado e, chegando à extremidade da campina, girou sôbre seu eixo, a fim de se colocar de frente para o vento. Depois, num ronco ensurdecedor, que a mim pareceu maravilhoso, ganhou velocidade, esboçou dois ou três saltos e decolou. Eu estava voando! Já, numa ampla curva ascendente, a terra fugia sob nossas asas. Subíamos tranquilamente, sem o menor choque. Diante do meu assento, presa às

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costas das poltronas da frente, havia uma pequena caixa com a inscrição : "Use em caso de enjôo". Curioso, levantei a tampa : a caixa continha sacos de papel. Precaução inútil, pelo menos para aquele belo dia. Nenhuma oscilação, nenhum vácuo; apenas uma ligeira vibração nas pernas.Mais alto, sempre mais alto, para transpor os cimos cobertos de arvoredo, que cercavam minha cidade natal! O horizonte se alargava, de certa forma se erguia, enfeitado de diáfana bruma. O solo surgia como um desenho geométrico feito de quadriláteros, de triângulos e de retângulos, exibindo uma variedade de cores, de todos os matizes : o verde profundo dos prados úmidos, o amarelo vivo dos campos de colza, o filete prateado do rio, os tetos vermelhos e marrons das velhas casas. . . Aqui um automóvel, ali uma carroça, mais além uma jangada e, bem no fundo, entre duas colinas, o trem deslizando sobre seus trilhos. A paisagem se transformara num imenso mosaico, sobre o qual se deslocava toda sorte de brinquedos.Uma nova curva, e o mosaico deslocou-se para trás. Erguendo a cabeça, pus-me a contemplar as nuvens. Subiríamos além daquela massa, toda feita de flocos ? Ah! Infelizmente não' . O quarto de hora já passara, e o avião começava a descer. A terra se aproximava rapidamente, retomando seu aspecto familiar, readquirindo suas proporções habituais. Meus pais não puderam deixar de sorrir quando, com o rosto afogueado de emoção e de entusiasmo, contei-lhes meu primeiro vôo.15

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Muito tempo depois, ainda haveriam de sorrir, quando seu filho, transformado num veterano com duas mil missões, lhes falava com o mesmo entusiasmo de suas aventuras em pleno céu.E chegou o verão de 1939. Um verão magnífico, com dias ensolarados e noites quentes e movimentadas. Um ano cheio de acontecimentos graves, de súbitas inquietações e inconfessados temores. As férias que gozava marcaram o fim de minha maravilhosa juventude.Percorri pela Ultima vez os bosques das montanhas, sonhei sob a ramagem das florestas de faias, errei ao longo do rio. Acompanhado de Anne, vadiei pelas galerias dos claustros do mosteiro de Mollen, escutei o órgão da igreja da abadia de Fischbeck, escalei as ruínas dos castelos-fortes que guardavam os desfiladeiros. BronZeados e felizeS, rodávamos em minha pequena motocicleta através dos maciços da Porta Vestfálica, escalávamos os penhascos avermelhados de Hohenstein, nadávamos nas ondas verdes do Weser. Em nossa despreocupação, nem sequer notávamos a tempestade que se formava no horizonte político. Uma jovem e um rapaz, lançados no maravilhoso Universo das férias - como poderíamos ter pensado, um só instante que fosse, naquelas estúpidas ameaças ? Em fins de junho, estava inscrito no curso de cadete da Luftwaffe. Queria unir o útil - o ofício16

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das armas - ao agradável - a inebriante liberdade do aviador.Em 5 de agosto fui convocado ao centro de recrutamento, para submeter-me a um exame de admissão. Foi uma verdadeira provação, que deveria durar quatro dias. Uma comissão integrada por oficiais, médicos, técnicos e psiquiatras auscultou minuciosamente o corpo e o espírito dos candidatos. No primeiro dia enfrentamos não sei quantos especialistas - otorrino, dentista, radiologista e tutti quanti; no segundo, tivemos que redigir sobre vários temas, improvisar conferências, responder a toda sorte de inesperadas perguntas. No terceiro, a coisa foi pior. de início, prenderam-nos na " cadeira de três dimensões", para nos sacudir, balançar, jogar em todos os sentidos; depois, submeteram-nos a testes complexos, a fim de verificar a rapidez de nossos reflexos. Tivemos que rastejar em compartimentos de pressão atmosférica variável, respirar um ar rarefeito, montar, em tantos segundos, complicadas engrenagens. Tínhamos a impressão de estar submetidos a uma versão modema das torturas medievais.O último dia estava destinado às provas desportivas: corrida de velocidade e de fundo, salto de altura e de extensão, lançamento do disco e do dardo, barra fixa e boxe.Soubemos à noite que, dos cinco candidatos do meu grupo, dois tinham sido aprovados. Um desses felizes eleitos era eu. 17

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27 de Agosto de 1939.

Desde o meio-dia, nossa escola está transformada em caserna. O Exército convoca reservistas. Em Varsóvia, em Berlim e ao longo da fronteira germano-polonesa, os acontecimentos se precipitam. Durante toda noite, os comissários percorrerão as ruas, para distribuírem as convocações individuais.28 de Agosto de 1939.

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O govêrno do Reich decreta a mobilização geral. A guerra é iminente. Em nosso velho liceu, constitui-se um batalhão de reserva. As outras escolas da cidade também são requisitadas, pois os dois quartéis tornam-se insuficientes para receber todos os soldados. O cinza oliva dos uniformes já domina as ruas. 29 de agosto de 1939.

Acabo de ser notificado de minha inscrição definitiva nas relações da Luftwaffe. Provàvelmente serei chamado antes da data normal. Todos os meus companheiros de classe se engajaram como voluntários. À noite, a maioria deles já está envergando o uniforme.30 de agosto de 1939.

Hoje à tarde, na estação de mercadorias, deu-se o embarque dos primeiros batalhões de marcha.18

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Os trens, enfeitados de flores, partem na direção leste. As fisionomias são graves. Vi alguns colegas do liceu. Como parecem jovens, muito mais jovens, em seu ar severo t. Com exceção de um só, demonstravam grande alegria. Nunca mais tornei a vê-los.

1 de setembro de 1939

As cinco horas e quarenta e nove minutos da manhã de hoje as tropas alemãs cruzaram a fronteira polonesa. É a guerra! E o fim de minhas últimas férias da juventude . . .

5 de setembro de 1939.

Anteontem, Goering anunciou a criação da Defesa Passiva. Ontem, a Grã-Bretanha e a França nos declararam guerra. Hoje, pela primeira vez, as sirenas lançam seu uivo sinistro por sobre os velhos tetos de Hameln. Bombardeiros britânicos atacam os estuários do golfo da Alemanha (1).

11 de setembro de 1939.

Esta manhã meu Pai partiu para a Polônia com um grupo móvel de Polícia.

- (1) Golfo que se estende da Frísia ao Slesvig, no qual desembocam o Ems, o Weser e o Elba.19

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Em Wangerooge, uma das ilhas da Frísia, minha irmã está bem colocada para observar a intensa atividade da aviação inglesa. Em casa, a vida tornou-se muito calma. Eu e minha mãe estamos sós. Dentro em breve, também partirei. . .Na Polônia a guerra termina. Varsóvia caiu em 8 de setembro. O exército polonês se desagrega rapidamente. Será que estaremos

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de novo reunidos no Natal, em torno de uma árvore ? Agora fui eu que solicitei a antecipação de minha convocação. A grande aventura da guerra exerce sobre mim uma atração mal definida, é certo, mas estranhamente intensa. Temo que tudo termine sem que eu possa dizer. “Também estava lá!". Respondem-me que chegará minha vez de ser chamado. Isso é por demais vago.24 de Setembro de 1939.

Concluí meu curso de bacharelado. Recebi hoje de manhã o diploma. Disse adeus ao liceu, Aquela " caixa" tão amaldiçoada e tão querida. Fui despedir-me do velho e bondoso Tribius, que passou uma esponja na afronta que eu lhe fizera, fugindo aos seus cursos de biologia e de matemática. Apertou-me as mãos demorada e afetuosamente, desejando-me boa sorte. Ontem ficamos sabendo da morte de dois colegas do liceu - os primeiros, . . .Tombaram durante os combates em tôrno de Radom.

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3O de outubro de 1939.

Enfim, aqui está: recebi minha convocação.Deverei apresentar-me em 15 de novembro no quartel do 11 regimento de instrução da Luftwaffe, estacionado em Schoenwalde, perto de Berlim.A campanha da Polônia terminou. A oeste, ao longo da linha Siegfried, tudo está relativamente calmo. Só nossos aviões realizam, diariamente, certo número de missões. Chegarei a tempo para fazer também uma incursão ofensiva ?

13 de novembro de 1939.

Como estas duas semanas me pareceram longas, fastidiosas, exasperantes ! Nunca me senti tão impaciente. Dentro de quarenta e oito horas serei soldado. Hoje é o Ultimo dia que passo em casa. Mamãe fala sobre tudo, menos sobre minha partida. Já limpou minha mala e, agora, cuida da roupa. Marca cuidadosamente as camisas, as peças de lã, as meias. Olho seus cabelos, que começam a embranquecer. Mamãe.. . Pensar que nunca fui tão meigo e afetuoso como ela desejaria! Amanhã ela chorará tanto. . .21

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1 de Novembro de 1939.

Deixei Hameln ao meio-dia. Na plataforma da estação, minha mãe e Anne agitavam seus lenços, ensopados de lágrimas. Esta noite, em Berlim, viverei minhas derradeiras horas de civil.15 de novembro de 1939.

As 15h 15m entro no "quartel" de SchOnwalde, ocupado pelo 119 regimento de instrução da Luftwaffe. No gabinete da 4. companhia, um mal-humorado ajudante risca meu nome numa lista e, com letra redonda e fina, o inscreve em outra. Eis-me soldado. No almoxarifado de roupas, dão-me uma calça muito larga, uma túnica excessivamente estreita, botas por demais pesadas e um quepe ridiculamente pequeno.Como recuso o quepe, o suboficial se encoleriza. Aconselha-me a calar a boca, afirmando que o quepe está perfeito, que minha cabeça é que é muito grande.

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Não sei, realmente, se ela é muito grande, mas sinto-a rodar. Este quartel é um formigueiro. O passo normal é o de ginástica. O bater das botas ferradas martelam um ritmo sempre precipitado nos corredores sonoros. Todo mundo corre, se agita, se azafama. Uniformes, só uniformes, nada mais que uniformes. É verdade que tenho centenas de companheiros, mas me sinto terrivelmente só naquele universo novo, desagradável e prosaico!22

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Noite de Natal.

No fundo, a guerra já deveria estar terminada há muito tempo. Ao longo do fronte, aliados e alemães mantêm uma reserva que, salvo erro, parece um tácito entendimento. É o primeiro Natal que passo longe de casa.Em Hameln, as ruas certamente estão cobertas por um belo tapete de neve. Aqui, chove da manhã à noite. Durante as últimas semanas, recebemos um tratamento duro, muito duro mesmo. Não tivemos um só minuto de descanso. Exercícios no pátio e no campo de manobras, exercícios de tiro com fuzil e com metralhadora, esportes, cursos teóricos, faxinas, chamadas, revistas. . . Dir-se-ia que os instrutores desejavam matar-nos! Tanto quanto no liceu, também aqui não fiz bela figura. Meu caporal afirma que deixará o exército se, algum dia, eu conseguir chegar a oficial. Às vezes, quando bancamos macacos, no pátio, sinto vontade de arrebentar a coronha de meu fuzil em sua cabeça. Sinto-me esfalfado, esgotado, vazio.Amanhã à noite estarei de guarda. Por conseqüência, depois de amanhã poderei dormir mais uma hora. Esses sessenta minutos de sono suplementar constituirão meu melhor presente de Natal.

26 de dezembro de 1939.

Os “azuis” estão retidos no quartel. Pulo o muro, porque do outro lado uma jovem procurava

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por seu irmão. Ajudei-a a procurá-lo, mas, como é natural, não o encontramos : a noite já caíra. Mas aproveitamos para passear durante duas horas pelos bosques. Abracei-a, e ela não se mostrou nada agastada. Voltará no próximo domingo, sempre na esperança de ver seu irmão. Assim, é quase certo que poderei abraçá-la novamente. Pelo que pude adivinhar, no escuro, ela não é nada má. De qualquer forma, gostaria de certificar-me melhor, à luz do dia. Felizmente, o suboficial de dia não deu por minha ausência. Minha pequena fuga poderia ter-me valido três dias de prisão.

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CAPÍTULO II

Na Escola de Pilotagem

Fim de Janeiro de 1940.

Á há três semanas estou na Escola de Guerra. Embora promovidos a aspirantes, quase não nos sobra tempo nem de sorrir. O treinamento à prussiana continua com o mesmo rigor. Agora já me habituei a isso. - Vocês devem tornar-se duros como o aço forjado por Krupp!- repetem incansavelmente os instrutores. Os que amolecerem serão impiedosamente desligados. Nossa vida se desenvolve entre o pátio do quartel e o anfiteatro. Nos dormitórios, trabalhamos até quase meia-noite. Nossos chefes de classe, oficiais, suboficiais e engenheiros se esforçam por nos incutir o máximo de conhecimentos : tática aérea e terrestre, técnica de vôo, meteorologia, mecânica. Quanto às lições de pilotagem, terão início tão logo o tempo fique bom.

17 de Fevereiro de 1940.

Exatamente às treze horas, decolei para meu primeiro vôo, a bordo de um Focke-Wulf 44, bipla-

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no de instrução, com duplo comando. Meu professor é o suboficial van Dieken, um veterano que já formou dezenas de pilotos.24 de Fevereiro de 1940.

Efetuei trinta e cinco vôos durante a semana passada. Como o campo está coberto por espessa camada de neve, os aviões foram equipados com glissadores, largos esquis que substituem as rodas do trem de aterrissagem. Minha trigésima-sexta decolagem é supervisionada pelo nosso chefe de grupo, o tenente Woll. A noite, ele me diz que minha performance não o deixou muito bem impressionado.3 de abril de 1940.

Agora, já tenho em meu ativo oitenta e três vôos de instrução. Nas duas últimas vezes, o tenente Woll assistiu às minhas proezas. - O que você faz não são aterrissagens diz-me, abanando a cabeça; no máximo, são quedas vagamente dirigidas! A tarde, quando estou voando ao redor do campo, percebo ainda uma silhueta que acompanha, ao binóculo, minhas evoluções. Nervoso, atrapalho-me nas manobras de pedal e do manche, confundo as três dimensões do espaço. . . e o avião, derrapando sobre a asa esquerda, vibrando e assobiando, entra em piqué mergulhando reto sobre um campanário.

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Na Escola de Pilotagem.

No último momento, van Dieken reduz o gás e recobra o domínio do avião enlouquecido. Depois, vira-se para mim. Sinto a cabeça enfiar-se nos ombros.- Idiota! - grita ele. Quer que minha mulher fique de luto ? E como eu trato de ficar calado, repete num tom de arrasador desprezo : - Seu grande idiota! Na chamada da noite, o tenente comunica que vai me dar uma última oportunidade. E que eu trate de aplicar-me ao máximo : os alunos desligados da Escola de Guerra serão enviados à D.C.A. (2).Oxalá o destino me poupe dessa suprema humilhação !

3 de abril de 1940. Acabo de completar minhas dez últimas decolagens, sempre com Van Dieken. Todos os outros alunos já há muito tempo têm o direito de voar sozinhos. Amanhã, o tenente me fará passar pelo exame definitivo. Meu grupo de instrução compreende, além de mim, os aspirantes Geiger, Menapace e Hain. Ocupamos, os quatro, o mesmo alojamento.Geiger, pomeraniano ambicioso e circunspecto, é o terceiro filho de um simples operário. Graças(2) D. C. A. : defesa antiaérea por artilharia vertical. (N. do T.)

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a uma bolsa, esse rapaz extremamente inteligente pôde obter seu bacharelado e escolher a carreira de oficial.Menapace e Hain são austríacos, ambos originários do Tirol. Sepp Menapace, pequeno, moreno, de tocante timidez, é sem dúvida alguma o melhor pilôto de nós todos. Deve possuir uma espécie de sexto sentido, com certeza adquirido nas montanhas de seu país natal, que lhe permite evoluir no ar com espantosa segurança. Os movimentos de seu corpo musculoso, que no solo parecem desajeitados e lerdos, transformam-se e ficam extraordinariamente ágeis no espaço aéreo. Em poucas semanas, conseguiu perfeito domínio de seu avião. Hain conseguiu também, depois de sua quadragésima lição, o direito de voar sozinho. Os três companheiros assistiram às minhas três últimas aterrissagens, e tratam de encorajar-me.- Tudo correrá bem, você vai ver !. - afirma Geiger, num tom que náo admite réplica. No dia seguinte, às 14 horas, preparo-me para voar sozinho pela primeira vez. O motor já está rodando. O tenente grita-me aos ouvidos :- Em seu lugar, procuraria dominar o avião dois metros acima do solo, e não um metro abaixo dele ! Coloco o cinto de segurança, abro a admissão de combustíve1 e eu puxo o manche, O avião começa a rolar. Quase imediatamente as rodas deixam o solo. Se as coisas continuarem assim, passarei facilmente pelo exame.28

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Na E scola de Pilotagem

Nas pontas das asas, fitas vermelhas anunciam : - Cuidado'. Noviço largado sozinho nos ares! Se têm amor à pele, mantenham-se a respeitosa distância ! Dou voltas sobre o campo por vários minutos.Pouco a pouco, livro-me da obsessão das manobras que tenho de realizar. Logo mais, encorajo-me a um olhar prudente para a terra, que corre sob minhas asas. A sombra disforme de uma nuvem desliza lentamente sobre a pista. Sinto vontade de gritar de alegria! A vida é bela, visto que estou voando, que estou voando sozinho, livre como a gaivota, o grou, a águia! Agora, a aterrissagem.Faço a tomada de terreno. A terra sobe em minha direção, com terrível velocidade. Corto o combustível, domino o avião... um choque... e eis-me de novo em terra firme! Milagre dos milagres : o trem de pouso resistiu! Evidentemente, não foi uma aterrissagem bonita. Nem as quatro seguintes o foram. Mas o trem aguentou sempre. Enfim, o essencial é isso!

16 de maio de 1940.Nas últimas semanas, graças ao tempo favorável, nossa instrução progrediu consideravelmente. De minha parte, realizei cerca de duzentos e cinquenta vôos. No momento, estamos aprendendo particularmente as figuras da acrobacia aérea. Além disso, treinamos com velhos aviões de com-29

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bate - Arados 65 e 68, Heinkel 45 e 46, aviões de reconhecimento de curta distância, etc. Alguns Junker W 34 - foi com a primeira versão dêsse aparelho que, quinze anos antes, Kohl e Hunefeld cruzaram o Atlântico - são usados para os vôos de distância e de orientação. Ontem, a caminho da Prussia Oriental com um antigo GO 45, tive uma pane de motor. Como estava voando, no máximo, a quinhentos metros, não tive tempo de escolher um terreno apropriado. Tive de aterrissar num campo esburacado. Dessa vez, o trem de pouso não resistiu e quebrou-se na hora.. O avião capotou. Consegui safar-me depois de quinze minutos de esforços frenéticos. O principal conduto de combustível estava arrancado, e meu couro cabeludo bastante esfolado. Fui obrigado a voltar de trem.Nas estações, todos imaginavam que aquele aviador com a cabeça enfaixada com longas tiras de gaze era um ferido da campanha da França. Por nada no mundo confessaria que eu, simplesmente, sofrera um acidente.19 de Maio de 1940.

A falta de sorte continua.

Hoje, quando pousava no campo de Altdamm, destruí novamente o trem de aterrissagem. É verdade que o tempo estava horrível. Contra aquela violenta tempestade, meu arcaico avião realmente não podia lutar. É a segunda vez que tenho de voltar de trem.

3O

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26 de agosto de 1940.

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Consegui meu diploma de piloto. A instrução de base terminou. Deixamos a Escola de Guerra.Eu e Menapace somos destinados à aviação de caça.Nossa transferência para o campo de Werneuchen nos foi comunicada anteontem.Começamos hoje o treinamento "real", sob a direção do ajudante Kugel. Trata-se de um ás que trouxe, das campanhas da França e da Polônia, uma bonita folha de citações e magnífica coleção de condecorações. Ele nos faz descrever um tumultuoso carrossel. De volta ao campo, com a camisa ensopada de suor, sinto a cabeça zunir. Menapace, apesar de seu proverbial sangue frio, está no mesmo estado. Uma pequena amostra do que nos espera no fronte!12 de outubro de 1940.

Esperava ser enviado a uma unidade combatente antes do fim do mês. Infelizmente, nossa instrução está bem mais atrasada do que o previsto. O mau tempo nos prende no solo um dia, em cada dois. Como em Schonwalde, o serviço no campo de Werneuchen é extremamente duro. Durante as seis Ultimas semanas nossa esquadrilha teve oito mortos! Hoje foi o suboficial Schmitt, o mais velho dos cinco homens que compõem meu grupo. Vínhamos,31

A Grande Caça

desde vários dias, sendo preparados teoricamente na pilotagem do famoso Messerschmitt 109, magnífico avião, mas de manejo difícil, e até perigoso.A preparação é tão intensa que me acredito capaz de executar as manobras necessárias, mesmo dormindo. Esta manhã, pela primeira vez, levamos Me 109 à pista de decolagem. Como todos e impacientes para experimentar esse avião ultramoderno, tiramos a sorte. É Schmitt q ganha. Sua decolagem é perfeita. O Me 109 entanto, é sujeito a terríveis guinadas enquuanto ainda está no solo. Arrancado muito cedo, o avião inevitàvelmente, derrapa sobre a asa esquerda. ainda teria de assistir, centenas de vezes, a e quedas fulminantes. Quase sempre, dos destroços só se retirava um cadáver. Depois de sobrevoar o campo duas vezes, Schmitt prepara-se para aterrissar. Mas subestima sua velocidade - o Me 109 pousa a cento e cinquenta quilômetros por hora, mais ou menos -, é levado para muito longe e tem que recomeçar tudo. A segunda tentativa também falha. À terceira passagem, o avião, dessa vez com perda de velocidade, derrapa brutalmente sobre a asa esquerda e se abate, a algumas centenas de metros dos limites do campo. Com a violência do impacto os tanques explodem. Precipitamo-nos na direção do braseiro. Sou eu o primeiro a chegar. Schmitt, projetado para fora do avião, jaz talvez a dez metros dos escombros incandescentes. Está coberto de sangue e urra como um animal. Debruçando-me sobre seu cor-

32

Na escola de Pilotagem

po, vejo que teve as pernas arrancadas. Não sabendo o que fazer, apoio sua cabeça em meu braço. Seus gritos deixam-me completamente alucinado. O sangue jorra em minhas mãos e respinga sobre minhas botas. Nunca, até então, me senti tão desamparado e sem forças. Depois, de subito, há um profundo silêncio. Schmitt está morto.Uma hora depois, levo outro Me 109 para a pista. O comandante dos cursos de instrução ordena o

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prosseguimento imediato do treinamento.Lavei as mãos, para limpá-las do sangue. Os mecânicos me prendem no assento. Sinto as batidas descompassadas do coração repercutindo até na garganta. A decolagem é rápida. Os 2.000 cavalos do motor arrancam o pesado avião num ruído ensurdecedor. Na primeira curva, quando lanço um olhar instintivo para a terra, vejo, com o canto dos olhos, manchas de sangue em minha roupa de vôo. Imediatamente, a imagem do morto se sobrepõe ao quadro de bordo. E eu sinto medo um medo que me deixa pálido, lívido, um medo ignóbil. Felizmente, não há ninguém comigo para percebê-lo !Fico dando voltas sobre o campo por vários minutos. Pouco a pouco, meus nervos se acalmam. Descrevo uma curva ampla e me preparo para pousar. Tudo corre bem. Torno a decolar por mais duas vezes, e aterrisso sem qualquer dificuldade.Com gestos desajeitados, empurro a capota da cabina e salto sobre a asa. Quando pulo ao chão, dou-me conta de que meus joelhos estão batendo...33

A Grande Caça

O repentino aparecimento de nosso chefe, coronel von Kornatzki, não melhora as coisas. Seus olhos cinzentos me fixam com dureza :- Então, sentiu mêdo ? - Bem... eu... sim, meu coronel!- É um mau hábito. Trate de perdê-lo E me vira as costas. Desejaria que a ter abrisse a meus pés e me tragasse.

14 de outubro de 1940.

Realizou-se hoje de manhã o funeral do suboficial Schmitt. Fui um dos seis aspirantes que carregaram seu caixão. Lá pelo fim da tarde, dois alunos da 3.'~ esquadrilha colidiram sôbre o campo. Por azar, novamente fui dos primeiros a chegar ao lugar em que os aviões caíram, encaixados um no outro. Do amontoado disforme de chapas retorcidas, onde o combustível corre, retiro um dos pilotos. Seu crânio não passa de uma pasta de carne, de ossos, de matéria cerebral...Nesse ritmo, logo me habituarei à visão dos mais horríveis cadáveres.17 de outubro de i9~0.

Werneuchen fica poucos quilômetros distante do suburbio berlinense. Por isso, é-me possível passar regularmente os fins de semana naquela grande cidade, que cada vez mais amo e admiro. Fico num34

Na Escola de Pilotagem

dos pequenos hotéis do bairro de Friedrichstrasse.Nas noites de sábado, perambulo pelos bares e pequenas boates noturnas. O domingo é reservado aos museus e teatros. Divirto-me, instruo-me e aprendo a conhecer a vida.Que pena que minha carteira não seja mais recheada !

8 de novembro de 1940.

Ordem do grupo de caça : os aspirantes Hopp, Harder e Knoke, o ajudante Kuhl e o mecânico de bordo Hense lev antarão vôo com um avião CEKE (um Junker 160) para Munster-Loddenheide, a fim de receberem três Messerschmitt 109, que conduzirão a Werneuchen.O velho CEKE é um avião de transporte da Lufthansa, mobilizado na aviação de guerra.Em virtude do mau tempo, só

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conseguimos decolar lá pelas dez horas da manhã.Mal o avião levanta vôo começam os aborrecimentos : é impossível recolher a parte esquerda do trem de pouso; o avião não ganha altura normalmente. Kuhl, crispado sobre o manche, mantém o controle com grande dificuldade, talvez a uns cinquenta metros. Ao cabo de vinte minutos, o mecanico consegue desemperrar a "perna" do trem de pouso. Subimos até duzentos metros. Kuhl cedeme seu lugar e, enquanto me instalo nos comandos, volta-se para a carlinga, onde os outros estão afundados em confortáveis poltronas.35

A Grande Caça

Contorno Berlim pelo sul e depois, acompanhana auto-estrada, tomo o rumo oeste. À esquerda, emergem da bruma as antenas de KOnigswusterhausen. Estamos, agora, voando ligeiramente mais alto que as pontas dos gigantescos pilares, a cêrca de trezentos metros. De súbito, percebo que o motor não funciona bem. A pressão da alimentação de combustível baixa ràpidamente. Apesar de meus esforços, o avião perde altitude.O motor falha, emite uma série de soluços, para logo parar em definitivo. Voltando-me para trás, grito ao pessoal da carlinga : - Aterrissagem forçada! Apertem os cintos !

Ao meu lado, o mecânico ergue os braços para proteger o rosto.Sob minhas asas há uma floresta fechada; à esquerda, um conjunto de instalações industriais;à direita, uma estreita faixa de terreno, com árvores recentemente replantadas. Vou aterrissar ali; as árvores novas amortecerão o choque...

No ultimo momento, bem na frente do nariz do avião, percebo uma linha de alta tensão. Desta vez é o fim!

Surge ao meu lado o rosto lívido de Kuhl. Arranco o avião, que cabreia e passa raspando por sôbre os fios. Depois, um violento safanão, com o vento siflando contra as bordas de ataque... Um estrondo terrível!

36Na Escola de Pilotagem

As árvores se quebram como fósforos, a asa esquerda desprende-se, a fuselagem se abate com um ruído surdo, desliza uns trinta metros, num rasgar de chapas.A cabeça de Kuhl, projetada para frente, vai bater com toda força contra o painel de bordo. E vem o silêncio, um silêncio profundo, sinistro.Logo mais, ouço um ruído de líquido que escorre - mil litros de gasolina que escapam dos tanques arrombados.Kuhl perdeu os sentidos. Com a cabeça toda em sangue, desmoronou a meus pés. Também mecânico desmaiou. Quanto a mim, um profundo talho no couro cabeludo deixa correr o sangue, me cega. Tento, inutilmente, empurrar a capota do pôsto de pilotagem. Não sou mais feliz com a porta que leva à carlinga : por mais que force, não consigo movê-la.

O cheiro da gasolina começa a deixar-me louco.Se o avião se inflamar, nós todos vamos ficar torrados!Bato desesperadamente com os dois punhos contra os vidros de plexiglass.

Page 14: A Grande Cacada Knoke

Finalmente, vejo surgirem, lá fora, os rostos angustiados de Hopp e de Harder. Afastam a capota a pontapés. Saio para fora, apoiando-me nos rebordos. Retiramos Kuhl e o mecânico e fazemos curativos sumários em seus ferimentos. Harder vai procurar socorro.E novamente regresso de trem.

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A Grande Caça

18 de dezembro de 1940.

Hoje, durante grandiosa cerimônia no Palácio dos Esportes, em Berlim, o Fuhrer dirigiu-se a três mil aspirantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Nas próximas semanas, todos êsses jovens serão nomeados oficiais e enviados ao fronte.E, nos próximos anos, a maior parte dêles vai morrer .

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CAPÍTULO III

Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste

2 de janeiro de 1941.

O ASPIRANTE Knoke, tendo feito os cursos da 1. escola da aviação de caça, é designado para o 52°. grupo de caça, a partir de 2 de janeiro de 1941".No contrôle central, um ajudante-chefe inscreve-me na primeira esquadrilha. O tenente Vhlhauer, que a comanda, recebe-me com glacial indiferença. Lentamente, como se o lastimasse, me estende sua mão - mão frouxa, pastosa, pouco viril. Com seu rosto balofo e seus olhos de peixe morto, causa-me uma impressão de extrema antipatia. E parece que essa antipatia é recíproca. Isso prometet .Um subtenente entra na peça. Pequeno, franzino, tem o ar de um colegial. Apresento-me. Êle me olha, da cabeça aos pés, com mal disfarçada arrogância, e me agrada tanto quanto seu chefe.O 52.9 grupo de caça é uma unidade complementar. Compõe-se de duas esquadrilhas e de uma companhia de estado-maior. Como o define um oficial, é ao mesmo tempo uma oficina de acabamento e um reservatório de material humano. A instrução dos pilotos provindos de diferentes esco-39

A Grande Caça

las é concluída e aperfeiçoada, para, em seguida, de acôrdo com as necessidades, serem êles enviados para as unidades engajadas no fronte. Por ora, somos uns dez aspirantes, aqui. Provàvelmente não seremos enviados ao fronte antes de obtermos o pôsto de subtenente. Enquanto esperamos, cumprimos o máximo de treinamento e prosseguimos no estudo das mil obrigações que incumbem ao oficial em campanha.; Estou saturado dessa vida fastidiosa! Quero que me dêem ocasião de lutar .1O de fevereiro de 1941Já há quinze dias nosso grupo está estacionado na França, em Cognac. Nossa base é um velho campo militar francês, de instalações primitivas e com pistas extremamente mas. É uma cidade velha,

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cinzenta, adormecida. No entanto, é célebre em todo o mundo, graças a esse néctar que é o conhaque. Maravilhosa consolação, que faz esquecer tantas coisas...

7 de Março de 1941.

Regressamos à Alemanha.

O grupo instalou-se em Doberitz, no grande subúrbio de Berlim. Fomos encarregados de participar da proteção aérea da capital. Mas os Tommies só realizam suas incursões à noite.40

Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste

Desde o término da campanha da França, o centro de gravidade da guerra transferiu-se da terra firme para o ar. Considerados sob o aspecto numérico, os resultados conseguidos pela Luftwaffe sôbre a Mancha e a Inglaterra são encorajadores. No que diz respeito mais particularmente à caça, os combates dos meses anteriores constituíram significativa prova. Mais uma vez, passo meus fins de semana regularmente em Berlim. Ontem reencontrei-me com uma conhecida do ultimo ano. Uma jovem maravilhosa. Passamos juntos o dia todo - um dia magnífico !.Tão magnífico que, agora, estou preso na mais velha armadilha do mundo. Por muito que lute, nada resta a fazer. estou loucamente apaixonado por Lilo !.

24 de março de 1941.

Ficamos noivos hoje pela manhã. Se tudo correr bem, nos casaremos no outono. Até lá, de qualquer forma, os "senhores" do serviço do pessoal terão me enviado a necessária autorização. Para completar, hoje é meu aniversário. O tenente Ohlhauer aproveita para me dizer que, em sua opinião, é um erro que eu queira casar-me agora. - Você é muito môço - diz êle. -Espere o fim da guerra. E se essa guerra durar trinta anos ? Julgo ter adivinhado a intenção desse " caro" Ohlhauer.

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A Grande Caça

Fica rodeando Lilo, pavoneando-se, procurando ser espiritual. Mas se algum dia se atrever a pôr as patas amolecidas em minha noiva, mato-o como a um cão t.24 de abril de 1941.

"EM NOME DO FUHRER, nomeio o aspirante da Luftwaffe, Heinz KNOKE, no grau de subtenente. Procedo a essa nomeação na esperança de que o interessado, fiel a seu juramento, cumprirá escrupulosamente suas obrigações profissionais e justificará a confiança nêle depositada. Berlim, 22 de abril de 1941.

O ministro da aviação e comandante em chefe da Luftwaffe,

Hermann Goring ”.

Acabo de receber esse documento das mãos do coronel comandante de nosso grupo de caça, ao

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mesmo tempo que minha espada de oficial. Meu primeiro objetivo está alcançado.

Quanto ao segundo - minha designação para uma unidade do fronte - já me parece bem mais próximo.42

Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste

22 de maio de 1941.

Até à vista, Lilo!Lentamente, o expresso abarrotado deixa o pátio da estação da Silésia. Lilo, depois de muita luta, conseguiu um lugar na janela de seu compartimento e agita seu lenço. Amanhã, estará em Hameln, na casa de meus pais. Corro ao lado do trem, até a extremidade da plataforma. Dentro de poucos minutos também deixarei a capital, pelo trem que leva os licenciados a Cherburgo.Agora sim! Estou com meu passe de viagem no bolso. O trem pára, logo depois de ter partido. As luzes se apagam. Sôbre os tetos de Berlim, as sirenas lançam seus uivos terríveis. São os Tommies que chegam...23 de maio de 1941.

O P.C. da 2 esquadra, do 52.9 grupo de caça, acha-se nos limites leste do campo de Ostende. O "patrão", capitão Woitke, é um verdadeiro gigante. Seu aperto de mão me faz dobrar os joelhos. Isso me livra do moleirão do Ohlhauer. Em seu gabinete, Woitke me oferece um conhaque e me faz algumas perguntas objetivas. Esse colosso é rudemente simpático. Oficial de carreira e piloto experimentado, detentor da Cruz de43A Grande Caça

Ferro, abateu, durante a batalha da Inglaterra, quinze aviões britânicos, quase todos Spitfires. Pouco depois, manda-me levar em seu carro ao campo da 6.~ esquadrilha, à qual fui designado.Nosso chefe é o tenente Rech. Com êle, somos ao todo quatro oficiais. Os demais pilotos são suboficiais. Todos têm, pelo menos, a Cruz de Ferro de segunda classe. E todos me olham mais ou menos de través. É manifesto que não têm muita consideração pelo subtenente recém-formado que sou. E quando me ouvem dizer que não sei jogar cartas, deixam de me olhar de uma vez. Meus galões ? Não lhes dão a mínima importância! Num box perfeitamente camuflado, o mecânico-chefe mostra-me um Messerschmitt-109. -Aí está seu avião. Bem velho, mas ainda voa muito bem. "Muito bem para o que êsse bico-branco fará com êle" - deve estar pensando. Tenho a impressão de que lhe inspiro bem pouca confiança. Uma hora depois, decolo para algumas voltas sobre o campo. Minhas aterrissagens são lamentáveis. Agora, até os soldados rasos me olham com desdenhosa piedade. À tarde, o chefe pede-me que o escolte, num vôo de exercício. Milagre dos milagres: ele não se mostra muito descontente!

24 de maio de 1941.

O estado de alerta começa às quatro horas da madrugada. O carro do chefe nos leva da pequena44

Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

localidade de Middelkerke, onde estamos alojados, até o campo ainda invadido pela cerração. Municionam as armas do meu avião. Ligo o motor, que ruge num ritmo igual. - Todos os pilotos ao

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gabinete do chefe!Rech anuncia o programa da jornada. A esquadrilha fará duas sortidas, em caça livre, sobre a costa sul da Inglaterra. Primeira decolagem às oito horas. segunda, perto das dezessete horas. No intervalo, a esquadrilha permanecerá em estado de pré-alerta, a fim de realizar qualquer missão imprevista de que possa vir a ser encarregada. A 4.~ esquadrilha, nossa vizinha de campo, manterá uma secção em estado de alerta reforçado ( pilotos instalados em seus aviões, prontos para decolagem imediata).Na primeira incursão, farei parte da 3.~ seção, comandada pelo ajudante-chefe Grunert, um berlinense fleumático, de ar sonso e tão pouco marcial quanto se possa imaginar. Tem sempre o aspecto de quem abafa um bocejo. Recebidas as instruções, todo mundo se acomoda, para uma hora de sono, nas poltronas e espreguiçadeiras do mess. Isolado de todos, não consigo dormir. Algo comovido, saio para um passeio nas pistas, para olhar os aviões e inspecionar o céu. Alguns homens do pessoal de terra olham-me com ar divertido. Voltando ao mess, tento inutilmente interessar-me em alguma das revistas amontoadas sobre as mesas. Depois de umas dez missões, comMess: salão"refeit6rio dos oficiais. (N. do T.)

45A Grande Caça

certeza também poderei dormir. Como invejo os companheiros, que roncam tranquilamente! Lá pelas sete horas, um ordenança traz, em dois cestos, um copioso desjejum. Sinto uma fome de lobo. O tenente Rech veste seu colete salva-vida e anuncia :

- Decolagem dentro de dez minutos. Vamos! Lá fora, o pessoal de terra retira os aviões de seus abrigos camuflados. Meu "zinco" está na extremidade oposta do campo, ao lado do de Grunert. Sigo o ajudante-chefe que, com suas pernas curtas, ginga como um pato e boceja sem parar. - Se houver luta, trate de ficar sempre ao meu lado, tenente. Caso contrário, se arriscará a ver suas bonitas calças novas queimadas por algum Spitfire. São 7h 55m. Prendo os cintos, ajudado por um mecânico.7h 58m. Sinto um medo terrível. O chefe levanta o braço. Ligo o motor. O mecânico fecha a capota do cockpit. O motor arranca imediatamente. Uns após outros, os aviões rolam na pista. Um minuto depois, toda a esquadrilha já decolou. Rech vira imediatamente para o mar. A visibilidade é má : espessa camada de nuvens plana a cento e cinquenta metros, no máximo. Em poucosCockpit.. cabina do posto de pilotagem. (N do T.)

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Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste

segundos, a cerração já escondeu a costa aos nossos olhos. Meu avião é muito lento. Sou obrigado a acelerar para não ficar atrás.Voamos reto na direção oeste, quase rentes às ondas. O mar está calmo e deserto. Não se vê um só barco de pesca. O rádio mantém-se em silêncio. Emerge à nossa frente uma faixa acinzentada : é a costa inglêsa. Cruzamo-la ao norte de Deal.

Rech nos leva ainda por alguns minutos para o interior do território inimigo, na direção de Canterbury. Depois, obriga-nos a seguir uma linha férrea. Nas aldeias, as pessoas se agrupam e erguem as cabeças para nos ver. Com aquela cerração, devem tomar-nos por Spitfires.De súbito, à nossa esquerda, surgem os jatos alaranjados das traçadoras. Rech derrapa brutalmente e pica sobre um objetivo que nem sequer consigo adivinhar. Seguindo-o, meu chefe de seção também mergulha e metralha uma vaga mancha cinzenta. Distingo, agora, uma posição de D.C.A.: sacos de areia ao redor de um canhão de 20mm, em carreta quádrupla. Uma enfiada de balas passa bem na

Page 18: A Grande Cacada Knoke

frente do nariz de meu avião. Desço bem baixo - ainda mais baixo -, até ficar rente às ondulações de um campo de aveia. Grunert, depois de rápida guinada de afastamento, ataca novamente. Armo as metralhadoras e acendo o colimador, num gesto nervoso. Ao meu redor, os colares das traçadoras vão-se cruzando cada vez mais, tecendo no céu acinzentado inquietadora rede.47

A Grande Caça

Tenso, esgotado, esforçando-me em seguir as manobras rápidas de GrUnert, só consigo colocar uma rajada. Espero, a cada instante, ver nuvens de Spitfires surgindo da cerração. De súbito, o carrossel infernal se detém. A esquadrilha se reagrupa e toma o rumo leste. Atrás de nós, alguma coisa arde em chamas. Ao norte da estrada que sobrevoamos encontram-se os campos de Ramsgate e de Nargate, bases da caça inglêsa. Mas, nesta manhã, os Spitfires e os Hurricanes com certeza estão ocupados alhures. Ainda bem, pois estou voando na cauda da formação, e, como se diz em minha terra natal, é sempre aos ultimos que se agarram os cães. Sobretudo quando se trata de um novato, tão perturbado como eu! Pousamos em Ostende às 9h 14m. No relatório, Rech dirige-se a mim : - Então, agradou-lhe ? Atingiu alguma coisa ? - Não, meu tenente : nada. - Ah! Como foi possível! ?Baixo a cabeça, envergonhado. Nunca me senti tão idiota. - Nem sequer disparei - digo-lhe, corando.Rech se põe a rir.- Está bem, está bem; irá atirar da próxima vez. Você aprenderá : o tempo é um grande mestre. As 17h 2m decolamos para a segunda incursão do dia. Dessa vez ninguém teve oportunidade de atirar.Voamos sobre a Mancha durante mais de uma hora,

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Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

entre Folkestone e Douvres. Com esse tempo infame, os Tommies preferem ficar em casa. A cerração ainda é bastante espessa sobre a Inglaterra. Não se consegue ver a cinqüenta metros.

27 de Maio de 1941.

Durante dois dias, o nevoeiro tomou conta do espaço entre a costa belga e os penhascos da Inglaterra. É a inatividade total, para ambos os lados. Hoje, às 7h 17m e às 10 horas, decolamos para atacar um campo auxiliar perto de Ramsgate. O permanente mau tempo nos obriga a voar rente à terra (ou às vagas). Na primeira incursão, eu e Grunert tomamos por alvo o depósito de combustível do campo. Os aviões ingleses que esperávamos surpreender no solo estão invisíveis. Ou levantaram vôo ou então se encontram admiravelmente camuflados. Metralhamos tudo que se move. A D.C.A., reduzida a umas poucas peças leves, oferece fraca reação. Próximas do depósito de combustível, duas ou três carretas estão em chamas. Na segunda incursão, descubro um canhão antiaéreo na margem oeste do campo. Ataco imediatamente, voando a dois ou três metros do solo. Os serventes, longe de se porem a salvo, respondem vigorosamente. Os jatos das traçadoras me enquadram, passando a poucos centímetros sobre meu avião. Minhas rajadas se perdem no parapeito de sacos de areia. Com o canto dos olhos, vejo Gru-49A Grande Caça

Page 19: A Grande Cacada Knoke

nert atirar-se contra um box camuflado, no qual adivinha um Hurricane. À terceira passagem, consigo finalmente colocar uma rajada de balas no canhão. O primeiro artilheiro ergue-se e cai pesadamente para trás. De repente, um grito nos fones :

- Atenção! Spitfire !.

Seis, sete, oito pontos brilhantes, vindos do norte, descrevem uma curva fechada para nos interceptar. Colo-me imediatamente na traseira de Grunert. Para falar a verdade, não sei muito bem o que devo fazer.Durante vários minutos, trava-se encarniçada caça. Ouço nos fones as vozes dos companheiros que mutuamente se previnem contra os fulminantes ataques dos Tommies. De quando em quando, Grunert me repete, aos gritos, que não me afaste dele "um milímetro". Voamos sempre à distância de poucos metros.Quando dou uma guinada seca para acompanhar Grunert, minha asa esquerda quase se enrosca na copa de uma árvore. Um Spitfire passa por cima de mim como um furacão. Outro vem colocar-se, no lapso de um segundo, bem na frente de minhas metralhadoras. Imediatamente abro fogo. O inglês cabreia e desaparece nas nuvens. - Peguei um! - grita uma voz.

Julgo reconhecer nela a voz áspera do tenente Barkhorn. Volto-me bem a tempo de ver um Spitfire, transformado numa bola de fogo, abater-se atrás de um dique.

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Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

Já há vários minutos Grunert tenta colocar-se atrás de dois Tommies que voam em formação cerrada. Cada vez que julga tê-los apanhado, eles escapam, numa guinada brutal, e se refugiam nas nuvens. Manifestamente, têm muito mais maneabilidade que nossos Messerschmitt. Impondo ao meu avião uma guinada tão seca assim, arriscar-me-ia à queda fatal.O combustível começa a escassear. É tempo de regressarmos. A lâmpada vermelha que indica o limite de segurança pode acender-se em meu painel de bordo a qualquer instante.Rech toma o rumo leste. Só em Ostende, depois da aterrissagem, é que constatamos a ausência de um dos nossos. O suboficial Obauer não voltou.

28 de maio de 1941.

Desde o amanhecer, a R.A.F. lança incursões contra as costas continentais da Mancha.Às quatro horas da manhã, logo que chegamos ao campo, um grupo de Hurricanes passa roncando sobre os diques e metralha o hangar onde se instala nossa oficina de reparações. Os alertas irão Suceder-se durante todo o dia, sem descanso. Meu avião está fora de combate, o que me deixa bastante aborrecido. Os mecânicos fazem o que podem, mas só ao início da tarde é que estará consertado. Mas, na primeira decolagem, manifestasse um defeito no sistema hidráulico. Não consigo

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A Grande Caça

recolher a "perna" esquerda do trem de aterrissagem. Somente por volta das dezoito horas é que

Page 20: A Grande Cacada Knoke

consigo decolar com a 3.~ seção. E mais uma vez devo contentar-me em ser a "sombra" de Grunert. Na região de Dunquerque foram assinalados diversos Blenheim, escoltados por Spitfires. Nossa D.C.A. já os alvejou, naturalmente sem qualquer êxito. esses rapazes da D.C.A. são terrivelmente pretensiosos; desperdiçam quantidades incríveis de munições, e, quando se lhes diz que não sabem atirar, ficam zangados. Subimos a cinco mil metros. O céu se mostra absolutamente límpido, incendiado no oeste pelo sol poente. Todos riem de mim, quando descubro "aviões inimigos na frente, a direita, bem distantes", e que não passam de minúsculos salpicos de óleo nos vidros do meu cockpit. A torre de controle me leva até Calais, onde, ao que parece, os bombardeiros estão passeando. Corro os olhos pelo céu, rigorosamente vazio.Subitamente, Grunert descreve rápida e seca guinada. Uma formação de Hurricanes surgiu atrás de nós. Como é evidente, estiquei o pescoço para olhar a direita e a esquerda, mas em instante nenhum pensei em olhar para trás. E, todavia, há um velho princípio conhecido por todo caça digno desse nome. "Localiza-se facilmente o que vem pela frente. mas é preciso, sobretudo, ver aquele que chega pela retaguarda". Os ingleses tentam colocar-se em nossa esteira.Empinamo-nos ao máximo e, depois de uma curva que lhes haveria de deixar os cabelos em pé, caímos52Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste

sobre eles. Os inimigos tentam escapar a toda velocidade, na direção do mar. Graças a nossa velocidade superior, alcançamo-los em menos de dois minutos. Trava-se, então, um combate confuso, selvagem, cujas fases se desenvolvem com vertiginosa rapidez. Consegui colar-me atrás de um Blenheim. O piloto me viu a tempo e começa a descrever violentos ziguezagues, na esperança de escapar-me. Idéia infeliz, pois a cada guinada seu avião cruza minhas rajadas. De repente, entra numa espiral ascendente. Subo em sua perseguição. Maldição! O animal sobe na direção do sol, que acaba de rasgar a cerração. Não consigo enxergar mais nada. Com uma das mãos protegendo os olhos, examino inutilmente o céu. Sinto vontade de chorar de raiva. Dizer que eu poderia ter registrado minha primeira vitória !Daqui em diante, nunca mais voarei sem óculos de sol. 3O de maio de 1941.

Hoje, o comunicado da missão nos deixa o máximo de liberdade : "Caça livre no triângulo Douvres-Asford-Canterbury". Um pequeno passeio, como dizem os veteranos do grupo.O tempo está fechado, com o teto de nuvens muito baixo. Depois de ter varrido o espaço durante hora e meia, aterrissamos sem ter avistado um único avião inimigo.53

A Grande Caça

21 de junho de 1941.

Já há três semanas o grupo não faz nenhuma incursão. Estamos estacionados em Souvalki, um antigo campo polonês, próximo da fronteira russa. Juntamente conosco, várias esquadrilhas de Stukas se mantêm permanentemente em estado de alerta. Durante as ultimas semanas, a Wehrmacht concentrou poderosas forças ao longo da fronteira do leste. Todos se perguntam por quê.Segundo alguns, com a concordância da Russia, vamos avançar pelo Cáucaso até as regiões do Oriente Próximo, a fim de nos apossarmos das jazidas de petróleo, ocupar os Dardanelos e bloquear o canal de Suez.Segundo outros, vamos, muito simplesmente, atacar a Rússia. Vamos ver. . .

Page 21: A Grande Cacada Knoke

À noite, chega a ordem de abater o avião comercial soviético da linha Berlim-Moscou. O "patrão" decola com a seção de estado-maior. Regressam calados; o enorme Douglas escapuliu entre seus dedos.Até meia-noite, ficamos na grande sala do mess entregues ao jogo falacioso das hipóteses.A operação "Barba Rossa" - gigantescos preparativos do Alto Comando diante da Rússia - tem algum sentido exato ? Trata-se de manobra política ou de uma denuncia de tratados ?

54Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

Evidentemente, a ordem de interceptar o avião soviético indica, com mais evidência, uma ação ofensiva contra o comunismo.22 de junho de 1941.

Quatro horas da madrugada.

Alerta geral. Na parte do campo reservada Stukas reina a mesma atividade febril. Por toda a noite ouvi, ao longe, o desfilar de colunas de tanques e caminhões. A fronteira está a poucos quilômetros apenas. Às 4h 30m, há uma conferência dos pilotos, no gabinete do chefe de esquadra.O comandante lê a ordem do dia que o Fuhrer dirige a Wehrmacht : a Alemanha ataca a União Soviética ! Decolamos as cinco horas.

Quatro aviões de nossa esquadrilha, entre êles o meu, o n° 6, estão equipados com lança-bombas. Durante as ultimas semanas, participei de não sei quantos exercícios de bombardeio. Hoje, levo sob o ventre do meu bravo "Emil" 104 bombas de dois quilos. Sob nossas asas, intermináveis comboios rodam para o leste, através da planície monótona. Por sobre nós voam compactas formações de bombardeiros e, dos lados, enxames de irrequietos Stukas. Nossa missão é atacar, a baixa altitude, o G . Q. G. de um exército soviético, cujas instalações se situam nos bosques a leste de Drouskieniki.

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A Grande Caça

Dir-se-ia que, na Rússia, todos estão dormindo. Não há viva alma nas ruas do campo onde se acha instalado esse estranho G. Q. G . Pico sobre uma barraca e, com um golpe de punho, aciono o lança-bombas. Sinto que meu "zinco", aliviado de sua carga, dá um salto para a frente. Quase simultaneamente, os outros aviões de minha seção largam suas bombas. Jatos de lama espirram de todos os lados. Por vários segundos, a fumaça e a poeira ocultam a terra. Três barracas já estão em chamas. Vários caminhões, despojados de suas camuflagens pelas explosões, jazem tombados ou capotados, com as rodas para o ar. Agora, os "Ivãs" já acordaram. O campo se assemelha a um formigueiro eventrado por violenta bengalada de algum transeunte a passeio. Soldados semivestidos espalham-se pelos bosques circundantes. Distingo vagamente algumas peças leves de D . C . A. Escolho uma delas, coloco-me de maneira a poder enquadrá-la no meu colimador e aciono o gatilho das armas. Meu avião estremece - os dois canhões instalados nas asas e as metralhadoras da fuselagem vomitam aço por suas quatro bocas. Um homem, em ceroulas, tomba por detrás de sua peça. Aponto o meu "zinco" para outro canhão. Seus dois artilheiros, com sublime coragem, continuam a disparar. Seus obuses passam sobre a capota de meu avião, talvez a um metro. Levado pelo meu impulso, ultrapasso o alvo;uma curva fechada, rente as árvores, e regresso disparando como um louco. Os russos estão dei-

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Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

tados de bruços, atrás do anteparo blindado de seus canhões. Mas a tensão tornou-se insuportável para seus nervos. De subito, erguem-se e em rápidos saltos se refugiam num pequeno bosque próximo.Continuo atacando - já em minha quinta ou sexta passagem. Nossos bombardeiros regressaram, deixando o campo livre aos Stukas (5) e aos Messerschmitt, que não se fazem de rogados para agir. Parecem uma nuvem de vespas enraivecidas, atirando-se contra sua presa. Agora, quase todas as barracas estão em chamas. Com um único obus, incendeio um caminhão, que tomba sobre outro veículo, esmagando-o.Ordem de reagrupar. regressamos a base. Às 5h 56m, a esquadrilha aterrissa em impecável formação.No campo, reina uma atividade febril. O pessoal de terra reabastece apressadamente os aviões, remuniciam suas armas e enchem os tanques. Os Stukas novamente decolam, para apoiarem as pontas avançadas de nossas unidades blindadas. Nós os seguimos.Exatamente as 6h 30m, apenas quarenta minutos depois de nosso regresso a base, decolamos ainda uma vez. Já não precisamos perscrutar a paisagem para descobrir nosso objetivo. A espessa fumaça que sobe das barracas incendiadas é visível de longe.

(5) Sobre o papel desempenhado pelos Stukas na Rússia, veja-se "Piloto de Stuka", de Hans Rudel, edição F1amboyant.57

A Grande Caça

Os russos se recompuseram. Sua D. C. A. nos acolhe com nutrido fogo. E são os mesmos colares de pérolas alaranjadas que já vira subir em minha direção, dos campos da Inglaterra, que ressurgem. Naquela época, não me sentia nada tranqüilo. agora, já me sinto um pouco melhor - não de todo bem, naturalmente. ..Pico novamente sobre a D.C.A. Uma enfiada de bombas atinge em cheio um ninho de metralhadoras pesadas. Quando a enorme coluna de terra, de poeira e de fumaça dissipou-se, onde havia a trincheira circular só se pode ver gigantesca cratera :metralhadoras, sacos de areia, os soldados russos - tudo desapareceu. Os "Ivãs" devem ter-se ocultado com seus veículos nos bosques que circundam o campo. Varremos sistematicamente a floresta com nossas armas de bordo. De vários pontos irrompem chamas, provavelmente originárias de depósitos de combustível. Atiro contra tudo que se move, e continuo atirando até ouvir os estalidos secos, informando-me que se esgotaram as munições. Isso tudo constitui, indubitavelmente, o melhor exercício para o desajeitado novato que sou. Aterrissamos as 7h 20m. O pessoal de terra mais uma vez se movimenta em torno de nossos aviões. Ajudamo-lo, ao mesmo tempo em que vamos contando os episódios essenciais do ataque. Num tempo recorde de vinte e dois minutos, ficamos prontos para partir. Não resta muita coisa das instalações do G.Q.G. soviético. Despejamos bombas e obuses sobre os bosques onde ainda se escondem vários grupos de homens enlouqueci-58

Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

dos. A D. C. A. soviética, esmagada, pulverizada, aniquilada, já não reage mais. Quando, cinqüenta minutos depois, voltamos ao nosso campo, admiramo-nos de ouvir a ordem do comandante, anunciando uma pausa. Em nossa excitação, nos esquecemos da hora do rancho. À tarde, nossa formação é lançada numa operação diferente. Os reconhecimentos aéreos assinalaram, na estrada

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Grodno_Zytomia_Skidel_Szczuczyn, comboios soviéticos que fogem na direção do leste. Nossos destacamentos blindados os perseguem sem piedade, e nossa intervenção deve precipitar sua derrota. Atingimos rapidamente Grodno. O centro da cidade está totalmente congestionado. Em todas as ruas, unidades soviéticas tentam abrir caminho para o leste. Os Stukas se afastam de nós para atacar posições de artilharia nos bosques vizinhos. É preciso, a qualquer custo, impedir que o inimigo se reorganize, fustigá-lo incessantemente, levá-lo de roldão, se ele tentar resistir.Agora começo a compreender por que razão a ordem de ataque do Alto-Comando chegou tão depressa, de modo tão brutal. Por toda parte vêem-se poderosas concentrações de tropas e de material, do lado russo. Tem-se a nítida impressão de que o exército vermelho se preparava para atacar. De qualquer forma, nosso Alto-Comando provavelmente se persuadira disso. O fulminante desfechar de nossa ofensiva suprime em definitivo essa ameaça. Para todos nós, as imagens deste dia ficarão inesquecíveis. Ao longo da imensa fronteira, de59A Grande Caça

norte a sul, nossas tropas progridem rapidamente. Nossas pontas avançadas penetram num impulso irresistível no dispositivo inimigo a dentro. É manifesto que os russos foram surpreendidos, quando esperavam nos surpreender. Por toda parte, refluem em desordem. Pelas estradas, nossos infantes erguem a cabeça e nos fazem sinais amigos. Sabem que a Luftwaffe vai fazer um trabalho preparatório de que logo mais se aproveitarão. Trabalho que, para dizer a verdade, é muito fácil. É impossível errar as massas compactas das unidades soviéticas em fuga. Todos os golpes acertam no alvo. Nossas bombas, nossos obuses, as rajadas de nossas metralhadoras abrem claros sangrentos naquelas tropas desamparadas.Às vinte horas, decolamos para a sexta incursão do dia. A caça russa continua invisível. Estamos sozinhos no céu, que, pouco a pouco, a cerração glauca da noite vai invadindo.

23 de junho de 1941.

As 4h 45m decolamos novamente, sempre para atacar as colunas cinzentas que cobrem as estradas caminhos e até as menores veredas.A essa hora matinal ainda faz frio. Ontem, sentia-me banhado de suor, e agora tirito. Mas a atmosfera límpida prenuncia um dia tórrido. Ainda não vi um único avião soviético. Mas eles existem. Os pilotos da 4.' esquadrilha assina-60

Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

lam os primeiros combates e as primeiras vitórias, sobre Grodno. De acordo com seus relatórios, os russos não são exatamente o que se poderia chamar de " ases". Seus aviões são bem mais lentos que os nossos, mas com maneabilidade bastante maior. Jovens pilotos que, como eu, acabam de chegar de um campo de instrução conseguem abater seu "primeiro". Os veteranos aumentam seus quadros de caça. Nosso chefe de grupo abate três Rata, numa só incursão. E eu?..

25 de junho de 1941.

Lançar bombas, mais bombas, sempre bombas!Isso começa a irritar-me. Os companheiros da 4. e da 5.esquadrilhas, e mesmo as duas primeiras seções da minha, em suma, todos que já pilotam o novo Messerschmitt 109 F, constantemente têm oportunidade de combater com os Ivãs. Mas nós outros, com nossos "Emília" relativamente asmáticos, somos sempre usados como bombardeiros auxiliares. Isso já se torna fastidioso. Pois, afinal, também eu desejo abater o meu "primeiro". Entrementes, o exército de terra conseguiu

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espantosas vitórias. Os russos são incapazes de deter nosso avanço. Até agora, não conseguiram reagrupar suas forças, ou, mais exatamente, o que resta delas. Quanto a aviação soviética, só muito raramente intervém, como que hesitando. Alguns bombardeiros Martin atacam objetivos a nossa retaguarda, sem causar danos importantes. A caça vermelha observa prudente reserva. Aliás, reserva bem compreensível.61

A Grande Caça

Falta experiência aos pilotos russos. Sua tática é tão primitiva quanto seus aviões. O Rata está longe de comparar-se ao nosso Messerschmitt. Todavia, é bem verdade que, em três ou quatro semanas, eles terão aprendido a se defender, e mesmo a atacar. Os sucessos iniciais não nos devem deixar muito otimistas. O soldado russo sabe por que luta. O comunismo transformou-o num fanático, fanático tanto mais temível quanto sua mentalidade é primitiva. É essa, talvez, sua maior força.2 de julho de 1941.

Soa, estridente, a campainha do telefone. É do gabinete central do grupo. O subtenente Knoke deve apresentar-se imediatamente ao "patrão". Que será que o "velho" quer comigo ?Afivelo o cinto e, algo inquieto, dirijo-me para o gabinete. Diante da pequena barraca, o capitão Woitke, estirado numa espreguiçadeira, toma seu banho de sol. Bato os calcanhares. O capitão se levanta e, sorrindo, estende-me a mão.- A partir de hoje, você está afeto a primeira esquadra de caça. Procure dirigir-se o mais depressa possível para a base de Husum, na Frísia. Decolo uma hora depois, a bordo do meu fiel "n.6". É o avião mais antigo do grupo - um avião já muito cansado para servir no fronte. Eu o levarei até a escola de caça de Werneuchen, onde acabará sua carreira como avião de instrução.62

Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

Para ser sincero, estou decepcionado. Tanto que esperava recolher meus primeiros lauréis na Rússia, onde os acontecimentos se precipitam! Mas de nada valem as recriminações : uma ordem é uma ordem. Evidentemente, sou o mais jovem de todos os oficiais da esquadrilha e, quase com certeza, o pior piloto. Então, o "velho" deve ter cantado louvores com tanta eloquência a meu respeito, que me reclamaram alhures. É o método mais elegante para se ficar livre de um peso morto.A tardinha, pouso em Werneuchen. Amanhã cedo tomarei o trem para Husum, via Hamburgo.Que pena que Lilo não esteja em Berlim!

30 de julho de 1941.

No momento, a primeira esquadra de caça só consiste em um único grupo. Os outros dois serão formados nos próximos meses. Levamos uma existência extremamente calma e rotineira. Já participei de inúmeras sortidas, mas ainda não vi um único Tommy. Fui designado para a 3. esquadrilha, cujo chefe também veio do fronte da Rússia. Tanto quanto eu, sente-se descontente por ter sido "reenviado" para o oeste, como diz ele, onde, no momento, nada acontece.Diariamente fornecemos patrulhas de cobertura para os comboios da Marinha de guerraque cir-63

A Grande Caça

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culam entre os portos da Mancha e do golfo da Alemanha(6). As vezes, os ingleses lançam contra esses comboios pequenas formações de Blenheim e de Beaufighter. E, de quando em quando, conseguimos abater um deles. Mas, no conjunto, os combates aéreos são raros. Nossos aviões foram equipados com tanques suplementares. Voamos com qualquer tempo. Pouco a pouco, adquirimos uma espécie de sexto sentido, que nos permite orientar-nos sobre o mar, mesmo em plena cerração.26 de agosto de 1941.

Cerca das dez horas o adjunto do chefe, tenente Rumpf, me chama ao telefone, para me comunicar que acaba de chegar autorização para meu casamento. Até que enfim!O grande "patrão" me recebe muito amavelmente. Concede-me na hora a licença que solicito, gaguejando, e chega mesmo a pôr a minha disposição o pequeno avião de turismo, reservado, em princípio, aos deslocamentos oficiais. Não fosse isso e eu teria sido obrigado a fazer mais de mil quilômetros por estrada de ferro. Se partir imediatamente, poderei casar-me com a pequena Lilo depois de amanhã, logo cedo.

(6) Entre as ilhas da Frisia e a Dinamarca.

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Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste

Decolo ao meio-dia e, depois de uma volta em torno do campo, tomo a direção que me leva ao casamento. Como é bom sobrevoar esta paisagem calma de verão! No céu resplendente de sol, flutuam majestosamente alguns cúmulos brancos como a neve. O motor roda valentemente em seu canto modesto, tão diferente do zumbido sonoro do Messerschmitt. De quando em quando, mergulho na direção de um campo, onde os camponeses fazem a sega, ou para um lago onde banhistas de pele bronzeada se divertem alegremente. Como é bom viver!. Mais vinte e quatro horas, e estarei apertando minha noiva entre os braços! Pouso as três horas em Prenzlau, reabasteço-me e torno a partir. Rumo.. felicidade. O céu, agora, está menos límpido. Vinte minutos depois, violento aguaceiro se abate sobre o avião. Violentas rajadas de vento sacodem-me duramente e a visibilidade diminui para tornar-se praticamente nula. Percebo que não conseguirei chegar ainda hoje a Poznan, minha segunda escala. É inútil querer tentar o impossível. Lilo quer desposar um piloto vivo, e não transformado em massa. Depois de uma última hesitação, mudo de rumo. Às 16h 30m pouso em Werneuchen, debaixo de forte aguaceiro.

27 de agosto de 1941.Pretendia levantar vôo logo ao amanhecer, mas em virtude do péssimo estado do tempo a torre de

65A Grande Caça

controle só me autoriza a decolar as nove horas. Continua chovendo e a visibilidade continua medíocre.Levo cerca de três horas para alcançar o campo de Poznan. Agora, as nuvens se arrastam rentes as árvores e a chuva se transformou numa espécie de cascata. O controlador, mais razoável do que eu, não quer autorizar minha partida. Ele não deixa de ter razão, mas acontece que tenho de rever Lilo esta noite, e não amanhã. Furioso, fico andando de lá para cá, na grande sala do mess. Por todos os malditos demônios do inferno! Por fim, o céu torna a fechar suas comportas. Mas o controlador continua irredutível.

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- Espere que as nuvens se ergam - repete obstinado. Você aqui não está muito mal, não é mesmo? Vamos dar um jeito de arranjar-lhe uma cama; você partirá amanhã cedo.No campo, dois grupos de alunos reiniciaram o treinamento diário. Os pequenos biplanos decolam, dão duas ou três voltas no campo, aterrissam e tornam a decolar. Observo-os distraidamente. De súbito, ocorre-me uma idéia!Subo em meu "moinho", ligo o motor e rolo até a entrada da pista, onde um aluno registra as partidas de seus companheiros num enorme quadro.Faz-me um sinal para que me detenha, aproxima-se e, como meu rosto lhe é estranho, pergunta meu nome. Explico-lhe que desejo apenas experimentar o motor sobre o campo, e que não lhe é preciso fazer meu registro. Então, ele nota meus66Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

galões de oficial e, muito marcial, bate os calcanhares. - As suas ordens, meu tenente !.

Fiz uma força danada para não rir.

O rapaz ergue sua bandeira verde. Decolo, faço evoluções durante cinco minutos sobre o campo, num céu nublado, e aterrisso. Quando me apresento de novo a entrada da pista de decolagem, o rapaz retifica apressadamente sua posição e, sempre com a mesma solenidade, agita sua bandeira. De passagem, faço-lhe um rápido sinal de inteligência.Depois, arranco meu avião e tomo imediatamente a direção de uma colina coberta de arvoredo. Depois de transpô-la, desço até ficar a uns vinte metros do solo e tomo o rumo de Lodz. Rio sozinho ao pensar na cara que fará o controlador de Poznan, quando descobrir que lhe escapei.Mais ou menos cem quilômetros além, já não sinto vontade de rir. As nuvens, mais espessas do que nunca, agarram-se aos cimos das árvores, verdadeiras trombas de água limitam cada vez mais a visibilidade e rajadas de vento fustigam brutalmente meu avião, que cambaleia como um bêbado. Sou obrigado a voar em rasante. Nas aldeias, de ruas enlameadas, rostos espantados se erguem para mim.Perto de Kalisch, descubro finalmente a via férrea Breslau-Lodz. Deixo escapar um suspiro de alívio. Estou salvo! Agora, só me resta acompanhar os trilhos, que me levarão, apesar dessas malditas nuvens, ao ponto final desta viagem impossível.

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A Grande Caça

Ainda assim não me sinto tranquilo. Com a visibilidade próxima de zero, uma aterrissagem forçada significaria um avião destruído, com uma condenação pelo tribunal militar a algum tempo na prisão. Seria um belo presente de núpcias! Seis meses de cadeia, no mínimo, e a perda de meus galões!Mas o impossível acontece. De fato, as nuvens sobem sensivelmente, a chuva diminui e logo mais cessa de todo. Decididamente, há um Deus para os loucos da minha espécie t.Ainda alguns minutos de vôo, e vejo-me sobre a pequena cidade de Sieradz. É ali que meu pai exerce, desde a ocupação da Polônia, as funções de oficial de polícia. É ali que se encontra Lilo. Entro em chandelle e depois, virando o aparelho, mergulho sobre a praça do Mercado. Endireito o avião rente aos tetos, torno a subir, novamente mergulho. Nas ruas, os transeuntes se agrupam para observar e comentar as manobras insensatas daquele piloto, que deve ter perdido a razão. No primeiro andar de um grande edifício, abre-se bruscamente uma porta janela que dá para um balcão, e vejo meus pais surgirem. Atrás deles, Lilo agita alegremente seu lenço. Uma última passagem, quase tocando os pinhões das velhas casas, e sigo na direção de Lodz, onde

Page 27: A Grande Cacada Knoke

aterrisso num campo auxiliar. Tenho a sorte de ali encontrar um carro.Hora e meia depois, estreito Lilo entres os braços. Quando lhe comunico que casaremos na68

Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste

manhã seguinte, ela quase não acredita. Meus pais mostram-se tão surpreendidos quanto ela. Como sempre, esqueci-me de lhes comunicar minha visita.

28 de agosto de 1941.

Parece que a guerra acordou nossos funcionários! Conseguimos liquidar todas as formalidades no curso de uma só manhã. E sabe Deus como elas são numerosas!Às quinze horas, casamentos. Entrementes, o apartamento de meus pais transformou-se numa exposição de flores. Que dizer do restante do dia, senão que somos felizes, extraordinariamente felizes ?eu e Lilo saímos da sala dos

29 de agosto de 1941.

Passeio novamente em pleno céu, já há algumas horas.Depois de duas escalas, em Francfort-sobre-o-Oder e em Cassel, pouso as dezenove horas no campo de minha esquadrilha. Naturalmente, meus companheiros imediatamente me arrastam ao mess, para me fazerem pagar uma rodada geral. Pouco depois, antes do cair da noite, os alto-falantes começam a gritar. . alerta! Alguns Blenheim

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A Grande a Caça

rondam ao longo da costa. Decolamos imediatamente, mas os Tommies nãosão avistados.E dizer que, durante os três últimos dias, nem sequer me 1embrei de que estamos em guerra e de que sou um soldado ! . . . .

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CAPÍTULO IV

1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

1.de janeiro de 1942.

Agora posso dizer que conheço o golfo da Alemanha e o mar do Norte como a palma de minha mão.Tenho em meu ativo uma boa centena de incursões, quase todas com mau tempo : missões de escolta para os comboios da Marinha, interceptação de bombardeiros britânicos, algumas escaramuças sem resultado.A oeste, a guerra se desenvolve vagarosamente.Os bombardeiros britânicos quase não se aventuram sobre o continente, durante o dia. Nosso

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trabalho não passa de simples rotina, nem é mais perigoso ou mais fácil que o trabalho de um piloto civil. Cumprimos nossa obrigação conscienciosamente, mas sem entusiasmo. Quanto as vitórias a obter e as condecorações a serem ganhas, nem é bom pensar nisso. Só os caças noturnos têm oportunidade de combater.Na frente leste, ao contrário, a situação tornou-se dramática. A Wehrmacht, depois de ter alcançado extraordinários êxitos, chocou-se contra um inimigo invencível : o inverno russo. Nossos solda-71

A Grande Caça

dos, insuficientemente equipados, sofrem e lutam com admirável coragem. Na Alemanha, as autoridades se esforçam por conseguir as pressas tudo quanto os homens de gabinete esqueceram : cobertores, roupas quentes, botas forradas, líquido anticongelante. Conquanto não seja muito tarde. .. Acabo de receber notícias do 52 grupo de caça, minha primeira unidade. Vários de meus antigos companheiros foram mortos. Por outro lado, o número de aviões russos abatidos tornou-se impressionante. O tenente L, da 6. esquadrilha, e o capitão S, chefe da 4a, totalizam mais de cem vitórias cada um. O subtenente Gentzen, velho companheiro desde os tempos da escola de aviação, morreu ao decolar de uma pista coberta de gelo. Uma hora antes, havia abatido seu décimo oitavo Rata. E dizer que já não faço parte dessa unidade gloriosa! É de arrancar os cabelos! Aqui, o único episódio interessante já data de vários meses. No último outono, fomos enviados, por uns oito dias, para a região de Kiel, no Báltico. Participamos de exercícios combinados com o encouraçado Tirpitz, recém colocado em serviço. Cheguei mesmo a fazer um estágio a bordo do gigantesco navio, como oficial de ligação.

8 de fevereiro de 1942.

As ilhas da Frísia estão bloqueadas pelos gelos. Além de nossas missões de escolta, temos de assegurar o reabastecimento, o correio e, em casos

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1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

urgentes, o transporte dos doentes. Não foi para isso que nos submetemos àquele regime forçado dos catorze meses de instrução!

10 de fevereiro de 1942.

O conjunto da caça alemã no fronte oeste foi posto em estado de alerta reforçado t. Uma parte de nossa frota de alto mar - os couraçados Prinz Eugen e Gneisenau, diversos cruzadores e torpedeiros - deve sair imediatamente de Brest e alcançar, através da Mancha, uma base norueguesa. Com toda certeza, os ingleses vão fazer o possível para impedir-lhes a passagem. Sobre a Mancha, a atividade aérea lembra os dias agitados da batalha da Inglaterra. Do amanhecer até a noite, nossas formações vigiam o céu entre as costas britânicas e francesas. A frota pôs-se ao mar.O tempo está péssimo. Voamos mais por princípio do que por convicção, pois não se vê nada a cinqüenta metros. À tarde, nos instalamos num campo da costa holandesa, para ficarmos mais próximos do teatro das operações.

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11 de fevereiro de 1942.

Ao iniciar-se o dia, a densa cerração, quase palpável, impede qualquer incursão. Perto das dez horas a visibilidade melhora ligeiramente. Duran-73

A Grande Caça

te esse tempo, permanecemos em estado de alerta. É preciso que estejamos em condições de levantar vôo em um minuto. Chegam-nos a todo momento relatórios das bases da Mancha.Apesar do tempo, os Tommies atacam sem descanso. N ossos aviões assinalam combates contra Swordfish, arcaicos aviões torpedeiros que, em sua maior parte, provavelmente não poderão voltar ao solo inglês. As perdas britânicas devem ser extremamente elevadas. Mais uma vez, nosso inimigo dá provas de sua coragem e de sua tenacidade. Em nosso campo, a impressão é de que estamos nas estepes da Sibéria. Furiosa tempestade de neve varre as pistas, ruge ao redor das instalações, castiga janelas e portas. Algumas rajadas atingem a velocidade de 120 quilômetros por hora. Anuncia-se o fim do estado de alerta. Com semelhante tempestade, o comando desiste de nos lançar ao combate.

12de fevereiro de 1942.

Os navios alemães alcançaram o estreito Douvres-Calais.Com desesperada raiva, os ingleses prosseguem em seus ataques inúteis. Nenhum de seus aviões conseguiu chegar a bom alcance de nossos navios. Mas as grandes peças das baterias costeiras de Douvres registraram vários golpes no alvo.741942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

Se não fosse o mau tempo, nossas forças navais jamais teriam conseguido forçar a passagem. Para nós, decolar continua sendo algo em que nem sequer podemos pensar. Das janelas do mess, mal se distingue a pista principal.

13 de fevereiro de 1942.

As 10h 16m, alerta! Decolagem imediata!

Cinco minutos depois, a esquadrilha dá voltas sobre o campo coberto de neve e se escalona em formação de combate.Na Mancha, nossos navios sofrem incessantes ataques da aeronaval britânica. Os ingleses lançam seus últimos aviões torpedeiros. Seus pilotos sabem que não conseguirão regressar a sua base com seus próprios recursos, e lutam com furiosa coragem. Recebemos ordem para interceptar uma formação de Blenheim.A visibilidade ainda é má. Nossos olhos literalmente trespassam a cerração. Lá embaixo, o mar está agitadíssimo, num caos de vagalhões esverdeados, de cristas espumantes. Uma flotilha de draga-minas avança com dificuldade, de frente para o vento, limpando com seus aparelhos de detecção o caminho que nossos navios vão seguir. Nosso chefe de esquadrilha lança dois foguetes luminosos para se dar a reconhecer. Com efeito, os dragadores têm ordem de atirar contra qualquer avião não identificado que se aproxime deles.75

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A Grande Caça

Sacudido por traiçoeiras rajadas, meu avião avança a poucos metros das vagas desencadeadas. Nunca as águas da Mancha apresentaram esse matiz de verde, glauco na base côncava dos vagalhões, fosforescente em toda a superfície deles, quando sobem. A torre de controle assinala continuamente a posição do inimigo. A voz do controlador se torna mais fraca a medida que avançamos para o largo. Já estamos voando há quinze minutos. Vamos encontrar a formação inglesa a qualquer momento. Acendo o colimador e destravo as armas. Dez segundos depois, a direita, várias sombras emergem bruscamente da cerração. São eles!Imediatamente, num só movimento, todos nós damos uma guinada seca. Cada qual desejaria ser o primeiro a desencadear o combate. A meu lado, o suboficial Wolf, meu chefe de seção, balança as asas. Volta seu rosto para mim e posso distinguir, através do plexiglass de nossas capotas, o brilho de seus dentes, descobertos num largo sorriso. Os Blenheim são em numero de doze, como nós.Isso significa um adversário, e talvez uma vítima, para cada um de nós. O Tommy que vem na minha direção ainda não teve tempo de reagir, e já estou em posição de tiro, bem alinhado em sua esteira. Quando percebe isso, cabreia e tenta refugiar-se nas nuvens. Parto em sua perseguição, enquadrando-o sempre no colimador. Fogo! Calmamente, comprimo76

1942. Mar do Norte, Noruega e Holanda

os dois botões do manche. A cerca de oitenta metros a minha frente, as traçadoras que disparo penetram em sua asa esquerda, no flanco da fuselagem. Seu avião se inclina numa curva fechada, que imediatamente trato de imitar. Meus dedos continuam pressionando os botões de tiro. Bem no instante em que um jato de fagulhas espirra do motor esquerdo do inglês, ele entra em chandelle e se atira num recorte de nuvens. Um enorme estrondo!Estilhaços atravessam meu cockpit. Atrás de minha cabeça, um pouco à direita, há um grande buraco. Uma fração de segundo mais tarde, dois buracos bem menores pontuam minha asa esquerda. O Blenheim, como que dependurado em sua hélice, parece flutuar nas nuvens. Vejo-o por um desvão, sombra estranhamente encolhida pela perspectiva diagonal. Mando-lhe ainda uma rápida rajada. Depois, fecha-se o desvão e também eu me vejo envolvido pela bruma. De repente, dou-me conta de que a capota da cabina estremece como se fosse voar. Logo mais, sinto um vago cheiro de coisa queimada. Começo a não me sentir muito a vontade. Prudentemente, reduzo o combustível e dou início a uma descida progressiva. Alguns segundos depois saio das nuvens e novamente torno a ver o mar. Será que meu avião está em chamas ?Volto-me, preocupado. Atrás, a direita, uma bala arrancou o dispositivo de fixação da capota.

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A Grande Caça

O vidro traseiro rebentou. Sinto a sucção do ar em minhas costas. Perdi de vista meu Blenheim. Sei que ele recebeu duro castigo, mas com um pouco de sorte conseguirá chegar a costa inglesa, enquanto eu, pobre infeliz, ou ficarei assado dentro de meu avião, ou irei afogar-me naquele mar esverdeado.O cheiro de queimado se torna cada vez mais intenso. . . Contudo, o motor funciona normalmente. Segundo as indicações do painel de bordo, tudo vai bem, tudo funciona em ordem. Por mais que abra os olhos e vire o pescoço de todos os lados, não consigo ver qualquer sinal de chamas. Mas então, de onde provém esse cheiro inquietante ?Perco preciosos segundos a soltar um rosário de pragas bem sentidas. Recomponho-me, depois, e numa ampla curva tomo o caminho de volta. Se mantiver um rumo de cem graus deverei alcançar a

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costa holandesa.Tenho a impressão de estar completamente sozinho, isolado naquele universo, limitado pelo teto extremamente baixo e a massa agitada do mar. Não vejo um só de meus companheiros, e o rádio permanece num obstinado silêncio.Os minutos se arrastam vagarosos. São 11h e 26m.Quer dizer que estou no ar há setentaminutos.Pouco a pouco, o cheiro de queimado diminui.Mas, por outro lado, a capota se desprende cada vez mais. Contanto que ela agüente mais quinze minutos. . . Segundo meus cálculos, a costa deve-

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rá surgir a qualquer momento. Infelizmente, não estou muito seguro sobre minha posição. E a confiança que deposito em minha bússola é algo limitada. Sobressalto-me ao ver acender-se a lâmpada vermelha que indica o limite de reserva do combustível. Se eu não aterrissar dentro de dez minutos, será a pane seca do motor. . . e o grande mergulho.Por fim, a terra firme! Poucos segundos depois, novamente estou sobrevoando uma extensão de água. Não entendo mais nada. Essa bendita bússola . . .Terra de novo. Será uma ilha? Não, não parece. . . Por detrás dos diques, vejo diversos lagos com margens mais ou menos indistintas. Solto um suspiro de alívio. Essa paisagem sem relevo é a Holanda setentrional.Dois minutos depois aterrisso numa das imensas pistas de Leeuwarden. O pessoal de terra acorre imediatamente. Meu avião está num estado lamentável. Nem sequer preciso empurrar a capota. Apenas toco nela, destaca-se e cai sobre a asa direita.A fuselagem está com um rombo bem atrás do cockpit. O flanco direito apresenta vários buracos, com os bordos enegrecidos. Sem dúvida, aí está a explicação daquele cheiro de coisa queimada.Na sala dos relatórios, meus olhos batem numa folhinha. Estamos no dia 13 !.79

A Grande a aça

Toda vida detestei essa data, que traz a felicidade (7).

14 de fevereiro de 1942.

Tempo execrável. Das janelas do posto de meteorologia contemplo melancolicamente o imenso campo, batido pela tempestade de neve. Tenho aminha disposição um Messerschmitt 109, que me permitiria alcançar a base de Jever, mas é impossível decolar. Finalmente, telefono ao gabinete da esquadra. É o tenente Blume, adjunto do "patrão", quem responde :- Então, meu velho, o que houve com você ?Julgávamos que já estivesse divertindo os peixes!Você foi destacado, a partir de hoje, para o grupo de combate Losigkeit, como adjunto do comandante. Trate de chegar o mais depressa possível. O grupo de combate deverá seguir amanhã para a Noruega.Que magnífica surpresa! Em minha alegria, só consigo balbuciar algumas palavras. - Como é7 - grita Blume. O que está dizendo? Não entendo nada! Vamos, meu velho, apresse-se : trate de decolar logo que o vento diminua!

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(7) Sobre a proteção dada pela caça alemã ao Prinz Eugen e ao Gneisenau, ver. de autoria do general A. Galland, que comandou a operação, “Os Primeiros e os últimos Ases dos Messerschmitt", edição F1amboyant.

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Mas o vento de forma nenhuma diminui. Indiferente a minha impaciência, continua a uivar, a gemer, a erguer nuvens de neve, que se arrastam rente ao solo, como fantasmas aterrorizados. Só no fim da tarde sua violência amaina. A massa compacta de nuvens começa a desfiar-se, deixando filtrar alguns pálidos raios de sol. Um ajudante chefe pilota o avião que me conduz a Jever. Afundo-me confortavelmente em meu assento e, fechando os olhos, procuro não pensar em nada. Já compreendi que, na aviação de caça, é preciso aproveitar todas as ocasiões para gozar alguns minutos de repouso. Em Jever, apresento-me imediatamente ao gabinete do grupo de combate que se está constituindo. A nova unidade deverá assegurar a proteção de nossos navios até sua base norueguesa. Depois, será dissolvida. Seu chefe, o capitão Losigkeit, depois de uma viagem cheia de peripécias, acaba de chegar do Japão, para onde fora destacado antes da guerra, como instrutor na aviação do Mikado.Trabalhamos com afinco até a meia-noite. A maior parte dos pilotos que formarão o grupo provém das escolas de caça do Reich. Com esses elementos, reforçados por alguns veteranos, constituímos duas esquadrilhas. Quanto ao pessoal de terra, tomamo-lo emprestado a primeira esquadrilha, que nos cede também sua 3.esquadrilha a minha -, comandada pelo capitão Dolenga. Quando o grupo de combate tiver cumprido sua missão, a 3.esquadrilha regressará a Jever.

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A Grande Caça

15 de fevereiro de 1942.

De manhã bem cedo, quatro aviões de transporte recebem o pessoal técnico, o equipamento indispensável e uma pequena reserva de munições. Às nove horas, levantam vôo para Oslo.

Às 10h 25m, o grupo de combate propriamente dito também decola. Nossa primeira escala será em Esberg, na Dinamarca. Depois de um trajeto que a má visibilidade tornou bastante difícil, eu e o chefe de grupo somos os primeiros a aterrissar. ,reabastecidos os tanques, partimos novamente, de imediato, para Aalborg. Ali, as coisas se complicam. O campo está coberto de neve fresca. As pistas, que o pessoal de terra trata de limpar, estão congeladas. Margeadas pela neve acumulada, parecem pistas de patinação.Quando me preparo para pousar, um Junker 88, que aterrissa, sofre uma guinada e quebra o trem de aterrissagem. O avião cai sobre o ventre, bem no meio da pista. Milagrosamente, consigo evitá-lo.Dois minutos depois, nossa primeira esquadra apresenta sobre o campo.É a hora de manter o sangue frio. Permaneço em meu avião e, pelo rádio, advirto nossos pilotos sobre o estado da pista e a presença do Junker acidentado. Mal acabaram eles de pousar, chega a 2. esquadrilha, e eu recomeço a conduzir os aviões,se

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um após outro, com todo um acompanhamento de recomendações, de gritos e de pragas. Neste momento, não podemos nos dar o luxo de deixar um único avião imobilizado. Pelo que sabemos, haverá barulho na Noruega.Mas que diabo terá acontecido com a 3. esquadrilha ? Telefonamos a Esberg. Respondem-nos que a 3, com seu chefe, o tenente Eberle, fez a escala prevista e tornou a decolar, completa, as 13h 10m.Ficamos esperando durante toda a tarde, cada vez mais preocupados. Nossas buscas intensas resultam infrutíferas. Eberle e sua esquadrilha desapareceram em pleno céu.Já é noite quando, enfim, recebemos uma comunicação que dissipa o mistério : em razão do mau tempo, Eberle desorientou-se e, finalmente, pousou com sua esquadrilha no gelo que recobre o fjord de Lymph. Somente um avião ficou avariado. Capotando ao aterrissar, partiu o gelo e ficou com o nariz enterrado. O piloto afogou-se; preso em seu assento, com a cabeça e os ombros dentro da água, não conseguiu livrar-se a tempo. Seus companheiros levaram uma hora para trazer o corpo a terra firme.16 de fevereiro de 1942.

O mau tempo que persiste na Noruega setentrional nos deixa presos ao solo. 83

A Grande Caça

No fjord de Lymph, os tratores rebocam os aviões até a praia, erguem-nos depois a uma pequena elevação, de onde provavelmente conseguirão decolar.17 de fevereiro de 1942.

O tempo continua péssimo.Eberle e seus pilotos acabam de chegar a Aalborg. Ele espera que sua esquadrilha possa estar disponível dentro de dois ou, no máximo, três dias. No planalto que se ergue no fjord, os mecânicos trabalham dia e noite, para reparar os trens de pouso danificados pelo gelo.18 de fevereiro de 1942.

Há algumas caixas de excelente vinho no mess. Servido quente e aromatizado com canela, ajuda-nos a matar o tédio.19 de fevereiro de 1942.

A 3. esquadrilha já está novamente pronta para o combate. Mas o pobre Eberle está preocupado, pois vai responder a conselho de guerra. A meteorologia anuncia melhora sensível do tempo para amanhã. Não creio muito nisso. Tem-se a impressão de que essa tempestade jamais irá passar.84

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20 de fevereiro de 1942.

Os mecânicos tiram os aviões de seus abrigos camuflados. Sobre as pistas, a neve continua a turbilhonar. Os homens da meteorologia continuam a anunciar a volta do bom tempo. Os pilotos, congelados, esperam em seus aviões, resmungando bem sentidas pragas.Quase ao meio-dia, um ônibus nos leva as barracas.E os "senhores" da meteorologia, com exasperante obstinação, anunciam sempre céu límpido!Pelo menos desta vez, não estarão errados : as quinze horas, as nuvens começam a levantar-se. E,

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finalmente, as 15h 35m podemos decolar.Oxalá os Tommies não tenham aproveitado nossa inatividade forçada para pôr nossos navios a pique!Sobrevoamos o Skagerrak, caldeirão infernal de gigantescas ondas espumantes. Cinqüenta minutos depois, a costa abrupta da Noruega ergue-se a nossa frente, como que para nos barrar o caminho. Descemos até rente as ondas para transpor o fjord de Oslo.A uns quarenta quilômetros ao norte de Oslo, num círculo de montanhas hostis, aninha-se um campo solitário, espessamente coberto pela neve. É Gardermoen, escala raramente usada em tempo de paz, promovida a base auxiliar desde a ocupação alemã.85

A Grande Caça

24 de fevereiro de 1942.

Já desde três dias estamos novamente bloqueados. A alta montanha ao norte do vale continua invisível, oculta pelas nuvens.Esta manhã, um Junker equipado para vôo sem visibilidade decolou para fazer um reconhecimento sobre as condições atmosféricas além da primeira cadeia de montanhas. Comunica, pelo rádio, que "a coisa começa a levantar". Bem, então vamos! Haveremos de ver. . .

Sobrevoar as montanhas da Noruega é tão maravilhoso quanto perigoso. Picos que atingem quase 3 000 metros, vales profundamente encravados, rios tomados pelo gelo formam um quadro grandioso e inquietador. A oeste, penhascos verticais despencam-se até o mar.Durante as Ultimas semanas, diversos alemães se esmagaram naquele deserto de gelo e neve.Depois de um trajeto de oitenta e cinco minutos, com as últimas gotas de gasolina no tanque, aterrissamos no vasto campo de Trondheim. Essa base é, fora de duvida, única em seu gênero. Construída num planalto que domina o porto, termina, do lado norte, por uma profunda fenda, um vertiginoso precipício a pique, que as águas esverdeadas do fjord envolvem. A única pista de aterrissagem, com extensão de oitocentos metros e largura de trinta, é o mínimo estritamente necessário.aviões rocha,861942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

Calçada com cubos de madeira, desenha uma coberta de gelo, margeada de muralhas de Uma verdadeira pista suicídio.faixa neve.25 de fevereiro de 1942.

O capitão Losigkeit, o pessoal do P. C. e eu próprio nos instalamos numa pequena barraca situada poucos metros acima do campo. O frio é siberiano.Esta noite, o Prinz Eugen, couraçado de 36 000 toneladas, entrou no fjord. Seriamente danificado por uma mina, o navio será reparado nos estaleiros do porto. Para nós, sua chegada significa aumento de trabalho. Desde o amanhecer até a noite, nossas patrulhas vigiam o espaço aéreo. No ar glacial, seus rastos de condensação surgem com surpreendente nitidez. Estamos a espera de ataques maciços. Os Tommies não desistirão facilmente dessa presa. Quase todos os navios que cruzaram a Mancha foram atingidos. O Gneisenau, bastante avariado, teve de se refugiar no porto de Kiel.26 de fevereiro de 1942.

Às 13h 12m nossos postos de radar assinalam a aproximação de um avião inimigo muito rápido.

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Manifestamente, trata-se de um avião de reconhecimento.87

A Grande Caça

As 13h 15m decolo, sozinho. É preciso que eu intercepte esse atrevido, a qualquer custo. Subo até 8 000 metros, numa interminável espiral. A seção de patrulha recebeu a ordem de fazer um círculo sobre o Prinz Eugen. Por muito que eu faça ziguezagues, olhe a esquerda e a direita, o céu está vazio. Não há o menor sinal do inglês. As indicações do controle de terra são muito imprecisas para orientar-me. Depois de ter voado inutilmente durante oitenta e cinco minutos, aterrisso, furioso e decepcionado. Faltou um nada para que dessa incursão me resultasse um princípio de congelamento dos pés.27 de fevereiro de 1942.

Pela segunda vez, tentei apanhar o Tommy solitário, mas ele escapuliu-meentre os dedos.28 de fevereiro de 1942.

O suboficial de serviço se precipita para o gabinete, onde eu escrevo páginas e páginas de relatório. - Meu tenente, o avião de reconhecimento voltou! Pulo a janela e, patinhando na neve, deslizo pela encosta, na direção da grande pista. - Alerta! Os mecânicos já se azafamam ao redor do meu "zinco", retiram os toldos, empurram a capota.

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quanto afivelo os cintos em meu assento, o motor começa a esquentar. - Pronto t.A capota se fecha, os mecânicos se abaixam sob as asas e se deixam deslizar. Abro ao máximo a admissão de combustível. O motor começa a rugir. Espirrando por detrás da fuselagem, um grande turbilhão de neve me acompanha até a pista. Vinte segundos depois, arranco o avião e começo imediatamente a ganhar altura. Hoje o controlador está em forma. Com perfeita exatidão, vai me indicando as posições sucessivas do inimigo. Como ontem e anteontem, o inglês cruzou a.costa em Christiansand. Altitude, 8 000 metros.Vou levar dezoito minutos para subir até ele.- Índio em Berta-Kurfurst. Hanni oito zero.Como vai, Victor ? - grita a voz do controlador.O que, em linguagem normal, significa. avião de reconhecimento inimigo no quadrado B-K do mapa. Altitude 8 000 metros. Está me ouvindo bem? Victor excelente t. (Ouço-o perfeitamente bem!).Se o controle não estiver enganado, irei ver minha presa a qualquer instante. Infelizmente, volutas de cerração prejudicam-me consideravelmente a visão. Arregalo os olhos, viro a cabeça a direita e a esquerda, e sempre nada. - Índio agora em Berta-Ludwig!Maldição! Onde se esconderá esse pássaro-fantasma ?

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A Grande Caça

Guino seco para a direita, a fim de evitar uma nuvem. De súbito, tenho um sobressalto. A poucos metros acima de mim, plana um Spit fire. Distingo nitidamente o distintivo com as cores britânicas, grande como uma roda de carreta.

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Viro brutalmente e subo em chandelle. Desta vez ele não me escapará!O inglês também já me viu. Derrapando sobre a asa, mergulha para colocar-se sob o meu ventre.Afundo o manete do combustível e lanço meu avião numa viragem cerrada ao máximo. Sobretudo, não perdê-lo de vista! Puxo o manche com ambas as mãos. Como que um punho gigantesco me repele para o fundo do assento, uma intolerável vibração me passa diante dos olhos. . .Ali vai ele !. Impelido ao máximo de potência, mergulha quase na vertical, para oeste, na direção do mar. Parto imediatamente em sua perseguição. O motor gira numa velocidade alucinante. Quando ilumino o colimador, percebo que minhas asas começam a vibrar.Abro fogo antes mesmo de estar a bom alcance. Para aumentar a velocidade, fecho as paletas do radiador. Tanto pior se o motor explodir. O Spitfire voa para a terra como uma flecha. Apesar de meu nervosismo, não posso deixar de admirar a elegância de sua silhueta e o valor do seu piloto. - 6 000 metros! Mantenho-o no meu visor.Como é difícil resistir a tentação de expedir-lhe uma rajada ! 90

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5500 metros ! . A distância ainda é muito grande, pelo menos de 300 metros. 4 000 metros. . . 3 000. .. 2 000... meu motor vai queimar-se. . . nosso piqué cada vez mais se aproxima da vertical... não há nada a fazer. o Spitfire é muito rápido. A distância, ao invés de diminuir, aumenta cada vez mais. Tenho a impressão de que minha cabeça vai estourar. Dolorosos estalidos crepitam em meus ouvidos. Arranquei a máscara de oxigênio e sinto o cheiro acre do glicol superaquecido. Os radiadores estão prestes a ferver !. E o badim (8) continua marcando 800 quilômetros por hora. A 1000 metros, o inglês sai lentamente de seu mergulho. Um após outro, passamos como um furacão sobre os campos nevados da cadeia costeira. Cerro os dentes ao constatar que meu velho "Emíl" fica lamentavelmente para trás. Naturalmente, é um veterano, um sobrevivente da campanha da Polônia, enquanto o Spitfire, de excelente construção, novo em folha, com certeza representa a Ultima palavra em matéria de aperfeiçoamentos. Quando desembocamos sobre o mar abandono a perseguição inútil. Com a raiva no coração, abro as paletas do radiador e descrevo ampla curva para regressar a costa. O inglês já não passa de minúsculo ponto negro na linha do horizonte. Boa viagem, meu amigo, e que os ventos do mar do Norte lhe sejam favoráveis! Até breve, sem dúvida . . . (8) Badim : instrumento indicador de velocidade. (N. do T.)

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Hélice ao passo, vôo entre as paredes abruptas do fjord, cuja beleza selvagem me consola algum tanto do mau êxito. A aterrissagem sobre a grande pista de gelo não tem nada de divertido. Quando, por fim, o avião pára de deslizar, dou-me conta de que estou tremendo : tremendo de frio, de fadiga, de nervosismo. No fundo, isso nada tem de espantoso, pois aquele piqué insensato teria abalado os nervos de um hipopótamo. Um conhaque, depressa!

4 de março de 1942.

Já há três dias que "meu" Tommy não aparece. O comandante oferece uma garrafa do legítimo

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Hennessy a quem abatê-lo. É um prêmio tentador, não há dúvida, mas para mim essa história S8 transformou numa questão de amor-próprio. Já por três vezes tentei abater aquele rapaz, que parece nos desdenhar. Preciso acertá-lo na quarta!5 de março de 1942.

Súbita agitação na barraca central :

- O inglês está voltando!Até o encarregado da central telefônica apaixonou-se por essa presa arisca.

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Um pular de janela, uns vinte saltos na neve, e já estou no cockpit do meu "Emília". Decolo alguns segundos depois.13h 02m. Com toda a potência de meu valente motor, ergo-me no céu límpido.13h 10m. Coloco a máscara aos 5 000 metros.Meu Deus, como faz frio !.

- Índio em César-Ida, Hanni sete zero ! (9)

- Victor ! Victor ! respondo, batendo os dentes (10).

- Índio em César-Kurfurst.

Visto que o inglês está passeando a 7 000 metros, vou subir até 8 000, para ficar em posição vantajosa.

- Índio em Berta-Ludwig!

Exatamente como eu imaginava. ele se dirige para a extremidade norte da baía, onde nossos navios estão ancorados

Chego aos 8 000 metros. Sistematicamente, perscruto o céu virgem de nuvens. Logo mais, a minha esquerda, descubro um ponto negro que parece planar sobre um campo de neve. É meu Spitfire, sem dúvida alguma. Arrastando um curto filete de condensação, ele descreve uma curva para se aproximar do fjord. Chegando na vertical de seu objetivo, descreve duas voltas completas. Evidentemente, está fotografando.

(9) " Avião de reconhecimento inimigo nu setor C-I, altitude 7 000 metros' ,(10) . "Entendido! Entendido!"

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Aproveito a ocasião para colocar-me sobre ele, que, absorvido pelo seu trabalho, não me vê. Segundos depois, toma o rumo oeste.

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Abrindo ao máximo a admissão de combustível, destravo as armas e lhe caio em cima. Transformando os 1000 metros de altitude superior em velocidade suplementar, coloco-me atrás dele num piscar de olhos, e dessa vez a bom alcance. Aperto com violenta pressão o gatilho de meus canhões. Como que atraídos por um ímã, meus obuses mergulham em sua fuselagem. Clarões espasmódicos erguem-se por detrás de sua capota.Surpreendido, o inglês se atira numa sucessão de curvas desesperadas. Mas não o largo mais.Com violentos golpes no pedal, consigo mantê-lo em meu colimador.O inglês derrapa, mergulha, equilibra-se 500 metros mais abaixo. Agora, seu avião deixa escapar um leve penacho de fumaça. ele "desenha" , - como costumamos dizer em nosso jargão de pilotos. O penacho se faz mais espesso... continuo disparando...De repente, algo viscoso estala sobre a cabina. É óleo ! . Solto uma praga : o pára-brisa tornou-se opaco e já não consigo ver o Spitfire ferido, que talvez consiga escapar...Por todos os demônios! E, no entanto, meu motor funciona normalmente e a pressão do óleo continua constante. Provavelmente, o líquido pegajoso que me priva de uma vitória certa provém dos radiadores furados do Spitfire. Guino ligeira-

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mente a direita para observar o inglês pelas janelas laterais.Ele se afasta cada vez mais lentamente, mas, de qualquer maneira, continua voando. O rasto de fumaça tornou-se imperceptível. Parece que ele conseguirá safar-se novamente. Ainda estou amaldiçoando minha falta de sorte quando ouço nos fones uma voz brincalhona :- Então, velhinho, ainda não conseguiu liquidá-lo?Meu amigo Dieter, oficialmente o tenente Gerhard, sobe em minha direção e vem colocar-se a minha esquerda. Explico-lhe a situação.- Não se preocupe. Vou acabar com ele! grita-me o companheiro.A toda velocidade, chega rapidamente na cauda do Spitfire avariado. Uma só rajada faz com que a asa direita do inglês se destaque. O avião se abate, girando como folha morta.Experimento uma estranha sensação. No fundo, admiro aquele piloto que cruzou o mar do Norte para vir passear sobre o fjord, sozinho, sob o nariz e as barbas de uma esquadra inteira. Ainda estará vivo ? Se está, o que espera para saltar ?O Spitfire, bola de fogo a rodar sobre si mesma, despenca-se na direção de um campo nevado. Irá esmagar-se dentro de alguns segundos, transformando em massa o corpo do piloto.Transtornado, ponho-me a gritar.

- Salte! Pelo amor de Deus, salte ! . Vamos!

95A Grande Caça

Como se o infeliz pudesse ouvir-me t. Tremo e sinto uma náusea acre subir-me a garganta...Aquele inglês é um soldado, como eu; um aviador que ama sua profissão, também como eu. Talvez, como eu, tenha uma esposa...- Salte, meu velho !. Vamos, salte depressa!

Então, vejo um corpo destacar-se das chamas, descrever uma cabriola e ficar, em seguida, balouçando sob uma corola branca, que o leva suavemente na direção da montanha.Minha angústia cede lugar a uma completa alegria... Finalmente, pegamos nosso primeiro inglês!

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Eu e Dieter dividimos a garrafa de conhaque.Bebemos a saúde da caça, a mais nobre das armas, e a salvação do nosso Tommy. Depois, Dieter levanta vôo num "Storch" (11) provido de esquis, para ir procurá-lo no fundo de um vale próximo.Sinto-me feliz quando constato que o inglês é tão simpático quanto o imaginara : um rapaz bonachão, tenente da R.A.F. Também ele precisa de um conhaque. E, ao saber que toda a garrafa lhe era destinada, dá um sorriso...6 de março de 1942.

Pela manhã, sem que ninguém esperasse, chega a ordem de regresso imediato a Alemanha. E em que momento! Ontem a noite, no mess, demos

(11) Fieseler Storch Pequeno avião capaz de voar em e pousar num espaço bastante exíguo.velocidade bem reduzida

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cabo de um respeitável número de garrafas e estamos todos com a cabeça mais ou menos no ar. Quase ao meio-dia aterrissa uma esquadrilha de aviões de assalto, que deverá substituir-nos.Decolamos com tempo excelente e tomamos rumo sul. A frente de nossa formação voa um bimotor Messerschmitt 110, equipado com dispositivo de pilotagem automática e com radar. V amos fazer o trajeto até Oslo-Fornebu sem escala. É o percurso máximo para nossos aviões, cujos tanques possuem uma capacidade bastante limitada.Mais uma vez admiro, sem enfadar-me, aquelas maravilhosas montanhas com suas gigantescas geleiras, suas profundas gargantas, seus penhascos cujas bases vão banhar-se no mar. Por vezes, distraio-me contando as inúmeras ilhotas rochosas que emergem a poucas centenas de metros da costa.O motor do meu avião roda em regime de cruzeiro, deixando escapar seu canto tranquilizador mas também monótono. O rádio continua mudo. Tenho que lutar contra a sensação de aturdimento que me domina. Aquele maldito vinho que perturba a cabeça... Sobrevoamos a cadeia selvagem de Roros.Que magnífica beleza! Desde que, porém, não ocorra nenhuma pane... Não é nada tranquilizadora a idéia de pousar naquelas encostas abruptas, ou de saltar de pára-quedas para ir de encontro àquelas rochas.

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Algo preocupado, observo que o mostrador do combustível faz das suas. Deve estar desregulado. Se funcionasse normalmente, eu já deveria ter consumido o triplo da quantidade de carburante acusada. Mas sei que o regime do meu motor é extremamente econômico. Preciso mandar substituir êsse indicador...Operando com uma só mão, tiro algumas fotografias, que pretendo mandar a Lilo. Sim, Lilo...há algumas semanas, ela se instalou em Tubingen, na casa de uma tia. Logo terá um bebê. Sei disso desde 10 de agosto do ano passado, portanto há oito meses. E pensar que não estarei ao seu lado, quando nosso filho nascer !. E só Deus sabe quando tornarei a ver minha mulher e quando poderei abraçar meu filho, pois está claro que será um filho...Mais esta, agora! A lâmpada vermelha que indica o limite de segurança do tanque acaba de acender-se. Mas não é possível ! Só faz trinta minutos que decolamos !Arrancado de meu sonho, sinto um forte cheiro de gasolina. Que maravilha!

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Vou ser obrigado a aterrissar aqui, neste deserto de neve ? Advirto o capitão Losigkeit pelo rádio :- Jumbo 1 chamando Jumbo 2. Jumbo 1, aqui Jumbo 2. Vazamento de combustível no tanque ou na alimentação. Reservatório seco. Serei obrigado a aterrissar dentro de cinco minutos. O "patrão" responde com todo seu repertório de pragas. Sei que ele não pode fazer nada por mim, e sofre por causa disso. Os companheiros me

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desejam boa sorte ( empregando um termo bem menos acadêmico). Não podem atrasar-se. Também para eles cada minuto é precioso. Limpo a garganta : - Jumbo 2 abandona a formação. - Desligo!Ao dize-lo, gostaria que minha voz estivesse mais firme...Não tenho um segundo a perder. Preciso encontrar um lugar apropriado antes que o motor pare. E isso não será nada fácil. As montanhas que agora sobrevôo erguem-se ainda até os 2 000 metros. Vistos do alto, os campos de neve parecem perfeitamente lisos e planos. Mas, ao descer, percebo que, na realidade, aquelas vastas extensões estão semeadas de blocos de granito e cortadas por numerosas fendas. Pousar nesse terreno acidentado equivaleria muito simplesmente a um suicídio. Saltar de pára-quedas ? Nem pensar nisso. É impossível prever para onde seria levado, sem contar que não poderia errar através daquele caos nórdico sem meu casaco de couro, com gola de pele. Ora, esse abrigo está enfiado em algum lugar, no fundo do avião, e não conseguiria nunca pegá-lo antes de saltar. Já não sinto mais os efeitos do álcool. Estou absolutamente Lúcido. Oxalá tal lucidez sirva para alguma coisa !.À minha frente, uma língua de geleira desce suavemente para um pequeno lago coberto por uma camada de gelo e neve. Que espessura terá essa camada ? Poderá resistir ?

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A Grande Caça

Não tenho escolha. É preciso que ela resista! Manobro para aterrissar, com os dentes cerrados. Se conseguir pousar o avião com toda a suavidade, bem no pé daquela faixa de geleira...Cortar o combustível... baixar os flaps... descer o trem... Um choque moderado, as rodas tocam o solo, mergulham na neve, que espirra num jato cintilante. Há um estalido : deve ser o trem de pouso que cedeu. O avião desliza sobre o gelo sonoro por uma boa centena de metros. Por fim, se imobiliza. Abro a capota, salto sobre a asa e debruço-me para o interior do aparelho. Reergo-me cinco segundos depois, com o pesado capote no braço e a pasta cheia de papéis na mão. Sob o ventre de meu infeliz avião, o gelo estala e geme. Precipito-me para a margem e, num salto, escalo uma rocha. Como é bom sentir a velha terra firme sob os pés! Ufa! Passei um bom calor t. Minhas pernas bambeiam; e por muito que me esforce não consigo parar de pé, sendo obrigado a sentar-me na neve. Lembro-me instintivamente dos inúmeros pilotos que se arrebentaram ao tentar uma aterrissagem forçada naquela região selvagem. Consulto o relógio. são quinze horas. Dentro de uma hora os companheiros estarão pousando em Oslo e organizarão uma expedição de socorro. Sabem onde procurar-me, num raio de poucos quilômetros. Mas não poderão chegar antes de amanhã cedo. Antes de aterrissar, notei uma garganta profundamente encravada, a oeste do pequeno lago, in-1001942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

do de norte para sul. Talvez vá ter em algum 1ugar. Depois de vestir o capote, ponho-me a caminho. A coisa é de chorar de raiva! Quinze minutos antes eu voava, livre e lépido como um pássaro, e agora me vejo forçado a patinhar penosamente na neve. Depois de uma eternidade - é o que representam quinhentos metros, quando a cada passo se fica atolado até a cintura - chego a extremidade da

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garganta. Na vertente oposta, cerca de trezentos metros mais embaixo, passa uma estrada. Infelizmente, está deserta. De qualquer maneira, não conseguiria alcançá-la. Seria preciso que eu fosse um alpinista de primeira categoria para descer pelas paredes verticais que se despencam setecentos ou oitocentos metros de meus pés para baixo.Retomo o caminho do lago, resignado. Meu avião repousa seu ventre sobre o gelo. Espero que a camada seja bastante sólida para suportar também o meu peso, além do dele. Se não quiser morrer de frio terei de passar a noite num abrigo, isto é, no cockpit. Começo a sentir fome. Descubro dois pequenos tabletes de chocolate e alguns cigarros no fundo do bolso. Isso permitirá que eu me mantenha até amanhã. O sol já está no ocaso. Abro meu pára-quedas e me envolvo em seus panos de seda. Em seguida, me afundo no assento e fecho a capota. Por sobre minha cabeça desfila um longo cortejo de nuvens prateadas. Pouco a pouco, adormeço.1011942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

do de norte para sul. Talvez vá ter em algum lugar. Depois de vestir o capote, ponho-me a caminho. A coisa é de chorar de raiva! Quinze minutos antes eu voava, livre e lépido como um pássaro, e agora me vejo forçado a patinhar penosamente na neve. Depois de uma eternidade - é o que representam quinhentos metros, quando a cada passo se fica atolado até a cintura - chego a extremidade da garganta. Na vertente oposta, cerca de trezentos metros mais embaixo, passa uma estrada. Infelizmente, está deserta. De qualquer maneira, não conseguiria alcançá-la. Seria preciso que eu fosse um alpinista de primeira categoria para descer pelas paredes verticais que se despencam setecentos ou oitocentos metros de meus pés para baixo.Retomo o caminho do lago, resignado. Meu avião repousa seu ventre sobre o gelo. Espero que a camada seja bastante sólida para suportar também o meu peso, além do dele. Se não quiser morrer de frio terei de passar a noite num abrigo, isto é, no cockpit. Começo a sentir fome. Descubro dois pequenos tabletes de chocolate e alguns cigarros no fundo do bolso. Isso permitirá que eu me mantenha até amanhã. O sol já está no ocaso. Abro meu pára-quedas e me envolvo em seus panos de seda. Em seguida, me afundo no assento e fecho a capota. Por sobre minha cabeça desfila um longo cortejo de nuvens prateadas. Pouco a pouco, adormeço.101

A Grande Caça

7 de março de 1942.

Acordei várias vezes, e em cada uma delas dei uma volta em torno do avião, correndo, para reativar a circulação dos braços e das pernas entorpecidos pela posição forçada e inabitual. Decididamente, o cockpit não oferece nenhum conforto. Está nevando desde a meia-noite. Não há nada de parecido com a nevada da Alemanha, onde os flocos caem suavemente, como se dançassem. Aqui, é u' a massa cerrada, quase compacta. Esta manhã meu pobre Messerschmitt desapareceu sob o lençol úmido. Apenas a empenagem e uma pá da hélice ainda são visíveis. No momento - isto é, as oito horas da manhã - está nevando menos. Mas o suficiente, porém, para reduzir a visibilidade a cem metros, no máximo. Portanto, não há que esperar que o socorro chegue pelo ar. Mesmo que os companheiros enviem um grupo de esquiadores, não é certo que os salvadores consigam encontrar-me nesta paisagem caótica. Enfim, a única coisa que posso fazer é continuar esperando no mesmo lugar. Se tentasse chegar a civilização por meus próprios meios, com toda certeza me perderia. Mastigo um pedaço de chocolate. Pouco depois, masco um cigarro, primeiro porque não fumo, e depois porque não tenho fósforos. Isso não é nada agradável, mas alivia a fome. Permaneço no avião, onde, de qualquer forma, faz menos frio que lá fora. De quando em quando, saio para desentorpecer as pernas. 101

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1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

Tamborilando os dedos sobre o painel de bordo, constato que a instalação elétrica está intacta. Aproveito-me disso para disparar algumas rajadas curtas com meus dois canhões. O eco das detonações repercute na distância. Deve-se ouvi-lo a vários quilômetros. As horas se escoam com exasperante lentidão.Masco outro cigarro, e logo mais um terceiro. Talvez a nicotina adormeça meu estômago, que grita, faminto. Cerca das duas horas da tarde, o vento se torna repentinamente mais intenso e mais frio. A paisagem se faz cada vez mais sinistra. Disparo outras duas ou três rajadas, para chamar a atenção da coluna de socorro, se é que ela está a caminho. Quando a noite chegar, usarei as traçadoras, cujos jatos alaranjados devem ser vistos de longe. A espera é interminável. A escuridão já começa a devorar a paisagem. A seda do pára-quedas é macia como um vestido de mulher. Pensamento encantador, muito poético. mas não consegue fazer-me esquecer que, já há várias horas, estou lamentavelmente tiritando de frio. O gosto ao mesmo tempo acre e adocicado do tabaco me provoca náuseas. Como gostaria de dormir !

8 de março de 1942.

Já é meio-dia. A neve não cessa de cair. Tenho a impressão que está menos frio.

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A Grande Caça

De qualquer forma, eles não podem estar longe, agora. A cada quinze minutos ressoa o trovejar raivoso de meus canhões. Se não me ouvirem é porque são surdos! Quase as 16 horas, dou um salto e esfrego os olhos. Teria sido um cão ? Poucos segundos depois, um magnífico perdigueiro de pêlo ruivo e branco aproxima-se latindo. Atrás dele vem um tenente de caçadores alpinos, que me ajuda a sair do avião.9 de março de 1942.

Ainda naquela noite um potente veículo me conduz a Oslo. Apresento-me ao gabinete central da Marinha e me arrasto depois até o hotel onde me reservaram um quarto. Durmo como pedra até da tarde partirei num avião deixará em Aalborg, onde o novamente imobilizado pelomeio-dia. No começo de transporte, que me grupo de combate está mau tempo.10 de março de 1942.

Os companheiros me dispensam calorosa acolhida, fartamente "regada". Todos se extasiam diante do perdigueiro que consegui comprar, depois de convencer os caçadores alpinos a vendê-lo. O cão se chama Turitt, nome norueguês, emprestado a mitologia nórdica.1041942. Mar do Norte, Noruega e Holanda

Poucos minutos antes do meio-dia pousamos em Jever, nosso antigo campo da Holanda. O grupo de combate será dissolvido. Eu e Dieter Gerhard voltamos a nossa esquadrilha.21de junho de 1942.

Desde meu regresso a Noruega, a esquadrilha realizou mais de mil incursões sobre as águas sombrias do golfo da Alemanha.Todos os nossos pilotos são velhas rapôsas e tipos surpreendentes. O chefe, familiarmente chamado "

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o velho", é o capitão Dolenga, de quem sou o adjunto, isto é, o "pau para toda obra". Nosso oficial técnico é meu amigo Gerhard. Seu adjunto, o subtenente Steiger, um rapagão muito loiro e muito elegante, acaba de abater seu primeiro Blenheim. Há, ainda, três ajudantes chefes, titulares da Cruz de Ferro de primeira classe desde a batalha da Inglaterra, dois ajudantes especialistas em missões de escolta marítima e um sargento que, no início da guerra, estava na infantaria.Meu mecânico, o caporal Arndt, cuida oficialmente de meu "zinco" e, a título privado, dos animais da esquadrilha : o cão Turitt, enfeitado e mimado como uma estrela de cinema, a macaca Fips, que manifesta tendências anarquistas e há pouco tempo roubou o boné do coronel, no curso de uma cerimônia, e os dois carneiros cujas costelas nos serão servidas na noite de Natal.105A Grande Caça

Todo esse pequeno mundo vive em comum, num universo hermético, cujo centro e cuja razão de ser é o campo.23 de junho de 1942.

Ontem a noite fui destacado, juntamente com uma seção da esquadrilha, para outro campo, também na Holanda. Do ponto de vista tático, dependo diretamente da divisão aérea que, dentro de alguns dias, vai colocar em serviço o posto de controle de terra mais moderno do mundo.Durante a noite, nossos aviões foram equipados com postos de rádio de ondas ultracurtas.Coube-me a honra de proceder aos ensaios técnicos e táticos do "Y gerat", novo método de orientação dos aviões de caça, a partir do controle de terra.Sob o aspecto técnico, o Y gerat significa considerável melhoria das comunicações de rádio entre o caça e o controle, sobretudo a grande distância.Do ponto de vista tático, o controle estará em condições de situar e dirigir imediatamente as formações que decolaram.O novo posto de controle encontra-se instalado num monstruoso abrigo subterrâneo, cuja espessa camada de betão resiste as mais pesadas bombas. No centro da peça principal, numa parede de vidro 106

1942. Mar do Norte, Noruega e Holanda

com cerca de 300 metros quadrados, está desenhado um mapa dos Países-Baixos.Por detrás dessa parede há um estrado, onde se acomodam as " auxiliares femininas", trazendo à volta da cabeça um arco que suporta o fone. Os postos de radar escalonados ao longo da costa lhes assinalam as incursões da aviação inimiga, a posição e a direção dessas forças. Por meio de projeções luminosas, elas transferem essas indicações para o mapa, dividido em quadrados. Outras auxiliares registram a posição de nossas próprias formações de caça, localizadas graças ao Y gerat, e igualmente as assinalam no mapa.Diante da parede de vidro ergue-se um segundo estrado, equipado de microfones e de um quadro que permite que se passe imediatamente de uma freqüência a outra. É a partir desse observatório que cada uma de nossas formações é dirigida, separadamente, por um controlador, cujas ordens são transmitidas diretamente pelas ondas ultracurtas. As informações anotadas no mapa dão, a todo instante, uma imagem exata da situação.Dominando tudo, fica o "trono" do comandante da divisão aérea, assistido pelo chefe das operações e pelo chefe do serviço de informações. Um imenso painel de controle, com uma pequena central telefônica, permite que se centralizem todas as ligações de rádio, fototelegrafia e telefônicas da região divisionária. Um gabinete vizinho transmite ao comandante as observações dos postos de meteorologia, depois de haver traduzido o jargão científico em indicações claras e compreensíveis.

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A Grande Caça

Dois andares superiores, sobre essa sala, abrigam as direções técnicas e táticas, além do serviço do pessoal. Mais de mil oficiais, suboficiais, soldados, engenheiros, meteorologistas e uma centena de (mais ou menos) bonitas jovens asseguram o funcionamento do centro de controle, vinte e quatro horas por dia. Os pilotos de caça, aqueles que combatem, - já encontraram um apelido para essa verdadeira fábrica. Chamam-na "O Polvo".18 de agosto de 1942.

No curso dos últimos dois meses realizei mais de duzentos vôos de ensaio. Algumas vezes, pouco faltou para que essas sortidas terminassem por uma catástrofe. Várias vezes fomos caçados, sobre a embocadura do Escaut, por formações de Spitfires bastante superiores. Não sei, mesmo, como nos foi possível escapar-lhes sempre. Os resultados obtidos com o Y gerat são extremamente encorajadores. Dentro em breve todos os aviões de caça engajados no fronte oeste serão equipados com postos de ondas ultracurtas. Além disso vai-se dar início a construção de outras centrais de controle de terra, em State, Metz, Munique, Viena e Berlim. É evidente que o Alto Comando da Luftwaffe, com a entrada dos Estados Unidos na guerra, espera uma intensificação dos ataques aéreos contra o território do Reich.1081942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

2 de outubro de 1942.

Já faz alguns meses que nossos Messerschmitt 109 E foram substituídos por uma versão aperfeiçoada, o 109 F. Dias atrás vimos chegar os primeiros aviões da série G, que representam enorme progresso. O Me 109 G, apelidado "Gustavo", é nitidamente superior ao Spitfire. Numa só incursão, o famoso capitão Marseille, a bordo de um "Gustavo", abateu dezesseis Spitfires. Número que dispensa comentários. Há mais ou menos um mês Marseille recebeu das mãos do Fuhrer os brilhantes para as folhas de carvalho e espadas de sua cruz de cavaleiro, por ocasião de sua 150° vitória nos céus da África. Pouco depois, aos 30 de setembro, Hans Joachim Marseille encontrou a morte sobre El Alamein. Vinha de abater seu 158.9 adversário quando, subitamente, seu "Gustavo" incendiou-se. Tentou saltar, mas foi projetado pelo vento contra a empenagem. Os companheiros que assistiram a sua queda foram encontrá-lo morto nas dunas ardentes do deserto...Hoje, algumas horas depois de anunciada a morte de Marseille, ocorreu um acidente estranho. Lá pelo meio-dia, levantei vôo, escoltado pelo ajudante Wennecker, para tentar interceptar um Mosquito de reconhecimento que passeava na região de Oldenburg. Wennecker voava atrás de mim, ligeiramente mais embaixo. Quando voávamos a altitude de 4 000 metros, constatei de repente que ele havia desaparecido.

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A Grande Caça

Chamei-o várias vezes, sem obter resposta. De súbito, vejo bem no meio de uma charneca um enorme braseiro, expelindo densa fumaça negra. Não há dúvida: é o avião de Wennecker.O Mosquito retomou o caminho da Inglaterra sem me dar tempo de alcançá-lo. Dei meia volta e regressei a base.Depois da aterrissagem, quando saio para fora do cockpit, julgo estar sonhando. Junto ao meu avião, estendendo-me sua mão para ajudar-me a saltar, Wennecker mostra os dentes num largo sorriso.

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Logo mais, explica-me o mistério. Seu avião, exatamente como o de Marseille, incendiou-se repentinamente. Meu companheiro, mais feliz que o ás da campanha da África, conseguiu chegar ao solo são e salvo. Pelo que me conta, as chamas surgiram no motor, que, contudo, continuava a funcionar. É algo difícil de entender.A tarde, a 4° esquadrilha perde um "Gustavo" pela mesma razão : incêndio no motor. E sabemos que outras formações assinalam acidentes semelhantes.Examino meu "zinco" com alguma desconfiança. Não irá também ele pregar-me uma peça?31 de outubro de 1942.

Meu chefe direto, o capitão Dolenga, passou para a caça noturna. Assumo o comando da es quadrilha.

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1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

Apesar do tempo execrável, desde os primeiros albores do dia escoltamos os pequenos comboios da Kriegsmarine. Trabalho fastidioso, que nossas três patrulhas executam por rodízio.Poucos minutos depois das 14 horas há um alerta : uma formação de Blenheim ataca o comboio a cargo da patrulha de serviço. Decolo imediatamente, levando comigo o subtenente Gerhard.Meus pilotos já estão em pleno combate, sobre o mar. O chefe de seção reclama impacientemente a remessa de reforços. Dentro de poucos minutos seus aviões, por falta de combustível, serão forçados a abandonar o combate.Levamos exatamente dez minutos para alcançar o comboio. Um quilômetro além, na direção norte, os companheiros lutam furiosamente com quatro Blenheim. Bem no instante em que chego a bom alcance, um dos ingleses se incendeia e, depois de uma guinada fechada, abate-se contra o mar. Os outros três não esperam mais nada. Afastando-se, tentam refugiar-se num banco de cerração que flutua a cerca de 1200 metros. Os dois primeiros conseguem fazê-lo, mas o terceiro demorou muito para distanciar-se. Uma leve correção, e ei-lo enquadrado no meu colimador. Tão logo minha primeira salva o atinge, seu motor direito se inflama. Um debruado de chamas rubras corre ao longo de sua asa, até a fuselagem. O inglês guina e, em chandelle, mergulha na cerração. Através da névoa ainda distingo o reflexo avermelhado que se afasta, titubeante.111

A Grande Caça

De regresso ao campo, fico sabendo que uma de nossas vedetas assinalou a queda de um Blenheim no setor A-Q do mapa, isto é, a uns cinco quilômetros do lugar onde vi meu adversário desaparecer.6 de novembro de 1942.

Ao meio-dia, o centro divisionário telefona : dois Mosquitos acabam de cruzar a costa. Cinco minutos depois, o tenente Kramer, nosso controlador, está me chamando. - Poderá decolar, com esse mau tempo ?Sem mesmo refletir respondo pela negativa. O teto é de trinta metros. Da janela de meu gabinete mal consigo ver a extremidade oposta do campo. Kramer não insiste e desliga. Ele bem sabe que tenho razão. Já faz algumas horas que uma chuva fina e glacial cobre toda a região. Os pilotos jogam baralho, escrevem cartas ou roncam em suas camas. A cada quinze minutos a posição dos Mosquitos é assinalada. Julgara que, com esse tempo, logo fariam meia volta. Mas esses ingleses são rijos. Uma hora depois, estão sobrevoando Berlim.

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A campainha do telefone toca novamente. Vou atender.- 5° esquadrilha, subtenente Knoke falando.

1121942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

Reconheço imediatamente a voz de meu interlocutor . . é o coronel Henschel, comandante da caça alemã na região do golfo da Alemanha. - Bom dia, meu pequeno Knoke! Como vai o tempo por aí7 - De não se pôr um dedo para fora, meu coronel. Não se vê nada a quinhentos metros.- De qualquer forma, meu pobre amigo, você precisará decolar. Acabo de receber um telefonema de Goering. O marechal está furioso. Não compreende como pudemos deixar que aqueles dois Mosquitos passassem, e nos ordena que os abatamos a qualquer preço. - Entendido, meu coronel! - Quem pretende mandar ? - O ajudante Wennecker e eu mesmo. - Pois então, vão a mer.... - Obrigado, meu coronel.Eu e Wennecker somos dos raros pilotos da esquadrilha capazes de voar com qualquer tempo. Não é a primeira vez que decolamos juntos, debaixo de chuva e envolvidos pela cerração. Decolamos as 13h 30m para tentar interceptar os Tommies que, agora, estão em algum ponto na região de Bremen e se dirigem reto na direção noroeste. Provavelmente, ganharão o mar pelas ilhas orientais da Frísia.Tomamos o rumo da costa. A voz clara do indicador nos dá o setor B-Q como sendo a posição dos Mosquitos. - Rumo 315. Apressem-se! - insiste ele.

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A Grande a aça

É o momento de abrir bem os olhos. Se a indicação estiver exata, não tardaremos a ver nossa presa. Não fosse essa maldita chuva, teríamos a certeza de lhes cortar a retirada. A visibilidade é cada vez menor. Começo a sentir-me nervoso.- Vocês deveriam vê-los agora - insiste o controlador. Olhem bem, a sua esquerda.Não tenho tempo de responder. Bem na minha frente, uma sombra irrompe da cerração.Um Mosquito! Seu piloto já me viu. Guina tão brutalmente que sua asa esquerda quase roça o chão. Depois, volta-se com a mesma rapidez para a direita.Mas não adianta, meu amigo! Não pense que seus ziguezagues sejam suficientes para enganar-me. A cada uma de suas cabriolas, disparo-lhe uma rajada, visando ligeiramente a frente de seu nariz.Voamos extremamente baixo. Felizmente, a região é plana como a palma da mão. Mais um minuto, e desembocamos sobre o mar. O Mosquito arrasta um leve penacho de fumaça. Em super compressão, voa a uma velocidade terrificante. Meu "Gustavo" consegue segui-lo, mas o de Wennecker visivelmente perde terreno. Como valeu a pena atormentar os mecânicos, para que cuidassem do meu "zinco" com dedicação toda particular!. Cuidados que se traduzem em 15 a 20 quilômetros por hora suplementares.Quero diminuir a distância antes de liquidá-lo. Para isso, só há um recurso : fechar as paletas do1141942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

radiador. Lentamente vou me aproximando dele. Por fim, chego a uma centena de metros, mais ou menos. Com uma ligeira correção, a fuselagem do inglês vem colocar-se no meu colimador. Meus dedos comprimem o gatilho. Minha primeira rajada bate como um chicote em seu motor esquerdo. E é o fim. O Mosquito é um

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avião frágil, um avião de madeira. Toda a sua asa se incendeia numa fração de segundo, e logo mais se destaca. Um choque, e o Mosquito desaparece nas vagas escuras do mar do Norte. Quando ganho altitude, vejo uma mancha de óleo brilhar no fundo das ondas.Gotas de suor salgado me correm pelo rosto.

23 de dezembro de 1942.

Regressei de uma missão de escolta sobre o mar minutos antes do meio-dia. Dez grandes cargueiros, acompanhados de um torpedeiro e de quatro vedetas rápidas, esperam a maré montante para entrar na embocadura do Weser.Sobrevôo novamente nossos navios uma hora depois. Agrupados sobre as pontes repletas, os marinheiros me fazem sinais amigos. Esta noite, estarão particularmente felizes, pois vão a terra. Amanhã é Natal...

Para mim, Papai Noel trouxe o mais magnífico de todos os presentes : uma visita de Lilo, que trará em seus braços nossa filha Ingrid.115A Grande Caça

24 de dezembro de 1942.

Noite de Natal!É uma noite de calma, tanto do nosso lado como do lado adversário. Assim, por algumas horas, teremos a ilusão da paz. A paz que o anjo desejava aos homens de boa vontade...Lilo está ao meu lado. Pela primeira vez, estamos, nós três, juntos sob a árvore toda enfeitada de bolas multicores e de guirlandas reluzentes. Ingrid, ao chegar, começou a chorar. Sentia medo do desconhecido que se obstinava em abraçá-la. Agora, sentada em meus ombros, solta gritos de alegria e estende as mãozinhas para as velas acesas... O silêncio... os lábios quentes e doces de Lilo...seu perfume, que se mistura ao cheiro do pinheiro... Fugidios instantes de felicidade, de uma felicidade tanto mais preciosa quanto mais a sabemos terrlvelmente precária. Meu amigo Dieter Gerhard abre a porta, inclina-se diante de Lilo, beijando-lhe a mão. Esta noite, todos têm alma de civil. Lá fora, espessa camada de neve recobre a paisagem. Uma neve magnífica, imaculada, como raramente se pode ver nas costas continentais do mar do Norte. Da barraca da companhia de estado-maior nos chega o canto melancólico de um acordeão. "Noite suave... noite santa..." Lilo, Dieter e eu conversamos, até bem depois da meia-noite, instalados nas fundas poltronas do1161942: Mar do Norte, Noruega e Holanda

meu "salão", diante de uma tigela de ponche fumegante. Mais exatamente, eu e Dieter conversamos, e Lilo escuta. Recordamos incidentes engraçados ou dramáticos, evocamos os companheiros que, no curso do ano que termina, vinham sentar-se a esta mesma mesa. o capitão Dolenga, que está prestes a tornar-se um ás da caça noturna, ou o tenente Steiger, o rapaz loiro que, no mês de setembro, foí abatído sob nossos olhos, a entrada do campo, já muito baixo para saltar de pára-quedas.Dieter retém um bocejo e se ergue de sua poltrona. Está ligeiramente titubeante. Lilo sorri ao ver aquele menino grande que bebeu demais. Levo-o até o seu alojamento.

Quando volto, encontro Lilo imóvel no centro da peça, contemplando através da porta aberta do quarto o pequeno leito onde Ingrid dorme calmamente. Num gesto lento, ela se volta para mim. Seus braços se erguem, atraindo-me a si.

A guerra, as preocupações, a longa - tudo é esquecido. Estamos sós...

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separação

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CAPÍTULO V

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

4 de fevereiro de 1943.

O VI EXÉRCITO capitulou, há poucos dias, nos escombros gelados de Stalingrado. Mesmo aqui, na outra extremidade do imenso território ocupado pela Alemanha, todos os semblantes estão graves. Saio para errar, sem destino, através do campo. O regimento de Hameln, minha cidade natal, fazia parte do exército de Von Paulus. Uma parte de meus companheiros de infância estava incorporada naquele regimento. Quantos dentre eles estarão mortos, naquele Verdun da segunda guerra mundia17 Cerca do meio-dia, formações de bombardeiros americanos atacam pela primeira vez objetivos situados na Alemanha, nas costas do mar do Norte.Esperávamos por esse ataque desde várias semanas. As formações inimigas são compostas de quadrimotores, Liberator e Boeing B 17. Este último tipo de avião traz o significativo nome de "Fortaleza Voadora". Com seu enorme armamento defensivo, é realmente uma verdadeira fortaleza, cuja aparição põe a caça alemã um problema extremamente difícil.119

A Grande Caça

Durante os últimos três ou quatro meses, nosso serviço de informações nos deu determinado número de indicações a respeito desse gigante dos ares. Pouco a pouco, fomos tendo perfeito conhecimento dele, até nos mínimos detalhes. Descobrimos, assim, que, pelo menos teoricamente, o avião deve escapar aos ataques da caça. Suas dezesseis metralhadoras não deixam subsistir nenhum ângulo morto. Durante várias horas discuti com meus pilotos a tática a ser adotada no ataque, com o máximo de possibilidades e o mínimo de riscos. Com auxílio de modelos reduzidos, estudamos toda a gama das possibilidades de aproximação. Aproveitamos todos os minutos disponíveis para calcular as distâncias, os ângulos de tiro, a duração de cada manobra. Nossa caça já abateu diversos Liberator e Boeing sobre a França. Vitórias prenhes de conseqüências, pois abalaram o mito de invulnerabilidade que cercava os aviões americanos. O Alto Comando melhorou consideravelmente as condições táticas do emprego da caça, erguendo uma verdadeira muralha de radares, instalando novos centros de controle de terra, construindo postos de rádio suplementares para o Y gerat. De minha parte, dou-me conta de que a caça alemã chegou a uma encruzilhada decisiva. Os americanos, lançando hoje seu primeiro ataque maciço em pleno dia, subverteram os dados estratégicos e táticos da guerra aérea. Tanto pior !. Tentaremos adaptar-nos as novas condições.120

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

12 de fevereiro de 1943.

Estamos em estado de alerta desde as sete horas da manhã. Os postos de radar assinalaram uma poderosa concentração inimiga no setor Dora-Dora, isto é, diante de Great Yarmouth.O moral da esquadrilha é excelente. Os quadrimotores não mais nos impressionam. Anteontem, Dieter Gerhard e meu adjunto Frey abateram cada qual o seu Liberator. Portanto, a coisa pode ser feita.

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11h 30m. Decolagem imediata. Em dois minutos, toda a esquadrilha está no ar.Os onze aviões de meus companheiros estão estreitamente agrupados ao meu redor.O controlador se enerva. Desejaria que fôssemos ainda mais depressa.- Grandes casebres em Dora-Norbert; subam a Hanni oito zero!O que quer dizer que há quadrimotores no setor D-N, a leste de Leeuwarden, a altitude de 8.000 metros.Maldito motor !. A 5 000 metros, começa a falhar e se recusa a subir mais.Passo o comando a Dieter e, louco de raiva, pico na direção do nosso campo.Logo que aterrisso, abro a capota, salto para a asa e me ponho a gritar com os mecânicos. - -Que andem depressa, pelo amor de Deus!

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A Grande Caça

A causa da pane é rapidamente descoberta : a bomba de alimentação está entupida. A partir de determinada altitude, o motor não recebe mais sua ração de combustível.Os mecânicos trabalham febrilmente, e treze minutos depois posso decolar novamente.- Grandes casebres agora em Frederico - Paulette!

Então, eles rumaram para o sul. Ligo a Superpotência e o avião pula como um cavalo de corrida. A 6 000 metros, atravesso um banco de nuvens. Oxalá não chegue muito tarde!

8000 metros . O céu é de resplendente limpidez Mas continuo não vendo nada. - Grandes casebres em Gustavo-Paulette.

Eles continuam descendo para o sul. O setor G-P. ! Um rápido olhar ao mapa... Caramba!Isso representa quase duzentos quilômetros!

- Tomem o rumo K-2, zero.

Que significa isso ? Por que o controlador nos manda regressar ?

Dou meia volta a contragosto. Em seguida, peço explicações ao controlador, que, tranquilamente, confirma a ordem de regresso. Pouso as 12h 58m. Dois minutos depois, a esquadrilha surge e aterrissa. Mal me contenho o tempo necessário para contar os aviões - todos voltaram - e, furioso, corro ao telefone. O tenente Kramer, nosso guia do centro de controle, quase estoura de rir.

122Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

- Vamos, Knoke, não se zangue !. Ainda terá ocasião de lutar. Dessa vez, o alerta foi para nada. Os americanos regressaram quando se encontravam na extremidade sul de Zuyderzée. Levaram suas bombas. À guisa de compensação, mandam-nos decolar às treze horas, para escoltar dois cargueiros. Não paro um minuto de praguejar. Será que a Marinha continuará nos considerando seus empregados ?26 de fevereiro de 1943.

Faz um tempo excelente. Um céu límpido, onde deve ser bom passear. Tudo continua em calma sobre Great Yarmouth.

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Enrolados em seus cobertores, os pilotos, deitados a margem do campo, tomam seu primeiro banho de sol do ano. Os dois alto-falantes irradiam música de dança. Trata-se de uma emissão oferecida aos soldados do Reich pelo posto inglês de Calais. - Calais calling, Calais calling. . .Na verdade, o posto deve situar-se em alguma parte da região de Douvres. Seu programa musical é nitidamente superior ao nosso. Mas quando o speaker começa a debulhar sua propaganda anti hitlerista, todos se põem a rir. Seus textos são bastante maus. Nesse campo, Goebbels ainda é o mais forte... - Cale-se Tommy! Trate de tocar um fox!

De repente, a música pára.

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A Grande Caça

- Atenção, atenção! Chefes de esquadrilha ao telefone! Só tenho que estender a mão para apanhar a aparelho telefônico, que tive a boa idéia de trazer até aqui. A divisão assinala novas concentrações aéreas no setor Dora-Dora. Mais uma vez os aviões inimigos se agrupam diante de Great Yarmouth para atacar o território alemão.É dado o alerta as 10h 50m. Os americanos acompanharam a costa, na direção de Wilhelmshaven. Às 10h 55m, decolagem imediata! Os cockpits se fecham. Os mecânicos saltam para as asas, para lançarem o dispositivo de arranque. Todos prontos! Rolamos em grupos de três até a pista de partida. Segundos depois, a formação se destaca no Céu. Chamo a torre de controle. A comunicação é excelente. Tenho a impressão de conversar com alguém sentado ao meu lado. Atingimos rapidamente 8 000 metros de altitude. .- Grandes casebres em Adolfo-Paulette, Hanni oito zero. Permaneçam sobre o campo. Descrevo uma ampla curva na direção norte.Nossos motores deixam pequenos rastos de condensação no ar límpido. Ali está o inimigo!Um gigantesco box, composto de uns trezentos quadrimotores, assemelhando-se a um monstruoso124

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

cacho que planasse em pleno sol. Magnífico e terrificante espetáculo ! Destravo maquinalmente as armas e ilumino o colimador. Os 2 300 cavalos de meu motor roncam seu canto tranquilizador. A distância ainda é de vários quilômetros. Os aviões inimigos dirigem-se reto para o sul. Transmito minhas observações ao posto central de controle, que deve estar zumbindo como uma colmeia. Sorrio, comparando a agitação que deve reinar naquela fábrica subterrânea com a serenidade do céu azul. Liguei a superpotência quase sem perceber.Mais perto, sempre mais perto! Agora já distingo melhor os aviões. São na maioria Liberator, pássaros enormes, com os ventres cheios de bombas. Escolho um deles ao acaso. Resolvi atacar de frente. O bombardeiro aumenta a olhos vistos. Suavemente, apoio o dedo nos botões que desfecham o tiro. Os fios das traçadoras alaranjadas vêm ao meu encontro, passando em diagonal sobre meu avião. Mais impaciente que nós, o inimigo abriu fogo. Por fim, estou a bom alcance. O recuo de meu canhão, atirando entre a hélice, e o das duas metralhadoras pesadas sacode violentamente o avião. Minhas balas são mal colocadas. Registro apenas alguns impactos na asa direita do Liberator. Passo por debaixo dele a toda velocidade, raspando-lhe o ventre. A deslocação de ar de suas quatro hélices sacodem-me com tanta violência que tenho a impressão de que minha empenagem ficou125

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A Grande Caça

em pedaços. Emergindo atrás do gigante, cabreio brutalmente, numa curva estirada em altura, perseguido pelos jatos densos de suas metralhadoras traseiras. A atmosfera, hoje, está particularmente saturada de ferro! Trezentos quadrimotores representam quatro mil e oitocentas metralhadoras pesadas. Admitindo que somente um terço delas nos alveje simultaneamente, isso já constitui uma rede terrível. Depois de um 1809 a boa distância, ataco de novo, sempre frontalmente, mas um pouco mais baixo. Minhas armas cospem fogo sem interrupção. Dessa vez, as balas atingem em cheio seu alvo. O grande bombardeiro se ilumina de explosões próximas. Os clarões correm ao longo de suas bordas de ataque. Afasto-me com um piqué moderado. Enquanto deslizo, volto a cabeça. O ventre do Liberator está em chamas. Descrevendo uma grande curva, abandona a formação e começa imediatamente a perder altura. Em suma, ele ainda pode ir longe, visto que estamos a 8 000 metros. O bombardeiro já está bem mais baixo que eu.Avanço por trás para liquidá-lo, apesar do fogo nutrido que me acolhe. Com ambas as mãos firmes no manche, vejo meus obuses entrarem pela parte superior da fuselagem, furarem o posto de pilotagem e penetrarem na asa direita. Agora, as chamas envolvem toda a asa. O motor interno parou, a hélice está em bandeira. Subitamente, a asa se destaca. O enorme destroço cai126Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

como uma pedra, na vertical, girando desajeitadamente em torno de seu eixo longitudinal. Atrás dele, espesso penacho de fumaça desfia-se ao sopro do vento. Um homem tenta sair pela enorme brecha do teto. No momento em que consegue pôr-se de fora, seu pára-quedas se incendeia. O infeliz descreve um duplo e perigoso salto, antes de cair pesadamente, como que a procura de seus companheiros que ficaram no féretro incandescente. A mil metros do solo o Liberator se desintegra numa violenta explosão. Seus destroços rubros terminam sua trajetória a duzentos ou trezentos metros do campo auxiliar de Bad Zwischenahn, perto de uma fazenda incendiada por um tanque de combustível que foi projetado sobre o teto. Pico num mergulho mortal sobre o campo e, depois de uma curva bem em cima da hora, aterrisso na única pista. Deixo meu avião rolar na direção da fazenda, desligo o motor e salto em terra. Em alguns saltos, alcanço o pequeno grupo do pessoal de terra que se esforça por salvar os móveis, os animais, as ferramentas agrícolas. Felizmente, o carro de bombeiros já chegou e o jato de neve carbônica conseguirá salvar a casa de morada e a granja. Meio sufocado pela fumaça e com a roupa de vôo avermelhada pelas chamas. consigo agarrar pelas patas dianteiras um enlouquecido leitão, que teimava em não deixar seu chiqueiro. Nunca poderia imaginar que um porco fosse capaz de tamanha resistência. Apesar de seus gritos lancinantes, arrasto-o para fora. Um minuto depois, o teto do chiqueiro nos teria esmagado a ambos.127

A Grande Caça

A carcaça do Liberator caiu num descampado cercado. A explosão do aparelho atirou os homens da equipagem para fora. Os corpos inertes, com os membros retorcidos, jazem, todos juntos, entre os destroços fumegantes. Cem metros além, por detrás de um talude, encontramos o assento do piloto.Nos galhos mais baixos de uma macieira, entre pedaços de plexiglass arrebentados, uma pequena boneca, mascote do bombardeiro, está miraculosamente intacta. Aterrisso em nosso campo uma hora depois.Meus homens me carregam sobre seus ombros até a barraca central.Era meu primeiro quadrimotor abatido, minha 164° missão ofensiva e minha lOO4'~ incursão. Há três anos, quase no mesmo dia, eu estava subindo pela primeira vez num avião de instrução. Meu Deus, como mudei! A esquadrilha registra, para esta Ultima incursão, cinco bombardeiros abatidos.

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Nossas perdas se reduzem a algumas asas danificadas. Excelente balanço. Meus pilotos exultam.Apesar da alegria geral, não posso esquecer-me dos corpos mutilados dos aviadores americanos. Quando chegará nossa vez 7

28 de fevereiro de 1943.

Eu e Dieter Gerhard discutimos em meu quarto durante toda a noite. As incursões diárias dos bombardeiros americanos nos preocupam cada vez mais.128

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

É preciso encontrar a maneira de parar com isso, a qualquer custo.Dieter tem uma idéia interessante. Acha que poderíamos lançar bombas sobre as formações cerradas dos americanos.Talvez durante umas cinco horas, ficamos calculando as velocidades e os ângulos de queda. Segundo meus cálculos, um lançamento concentrado de bombas, executado por uma esquadrilha bem agrupada, deverá obter resultados apreciáveis. Em seguida, poderemos atacar com as armas de bordo.O Messerschmitt 109 G pode levar duzentos e cinqüenta quilos de carga útil. Poderíamos, portanto, carregar quatro bombas de cinqüenta quilos, ou uma só de duzentos quilos, ou, ainda, um "recipiente" contendo uma centena de pequenas bombas de dois quilos, as mesmas que lançava contra os "Ivãs", no início da campanha da Rússia.Como largaremos nossas bombas a mais ou menos mil metros sobre os aviões inimigos, será preciso um detonador regulado para provocar a explosão ao cabo de quinze segundos.Logo as primeiras horas da manhã apresento-me ao comandante e lhe exponho nosso plano. De início, ele quase arrebenta de rir. Depois, abalado por minha convicção, capitula e me autoriza a preparar um ensaio.À tarde, vôo até o quartel-general da divisão aérea para enfrentar o "grande patrão" e o chefe regional da caça. Muito compreensivos, eles me ouvem pacientemente e me prometem seu apoio.129A Grande Caça

Aproveito essa boa disposição para solicitar a entrega imediata de cento e cinqüenta bombas de exercício, de cinqüenta quilos. Peço também licença para equipar nossos aviões com um dispositivo para o transporte e o lançamento das bombas. Para terminar, no momento em que me despeço, sugiro que a seção de estudos nos empreste diariamente, por algumas horas, seu avião alvo. Trata-se de um Junker 88, cuja velocidade é quase igual a do Boeing. Ele poderá arrastar, na extremidade de um cabo, um saco com três metros de comprimento, que procuraremos atingir com nossas bombas de exercício. O comandante me concede tudo isso, sem mesmo discutir. O chefe regional da caça telefona pessoalmente para solicitar o material necessário. Uma vez, ao menos, nossos superiores não nos oporão dificuldades.8 de março de 1943.

Dois dias depois de minha visita ao quartel-general, três caminhões trouxeram as bombas de exercício. O resto do material chegou hoje cedo.Entrementes, nos exercitamos no vôo em formação cerrada. Como a esquadrilha só conta com veteranos no manejo do manche, bem depressa obtemos um resultado perfeito. Vistos do solo, os aviões formam uma prancha, que nenhuma manobra consegue desfazer.130

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

A meu pedido, a esquadrilha foi destacada do grupo, que, de futuro, será inteiramente lançado apenas contra as formações maciças de quadrimotores. Minha esquadrilha, ao contrário, será empregada contra formações menos importantes. Atribuíram-nos outro comprimento de onda e outro controlador, que só se ocupará conosco. Tanta solicitude da parte de nossos chefes bem merece uma recompensa. Impomo-nos um treinamento intensivo para justificar as esperanças que o comandante depositou em nosso novo método. No papel, o êxito parece indiscutível. Mas saber o que resultará, na prática, é outra história bem diferente. Eu e Dieter lançamos hoje a tarde as primeiras bombas de exercício. Erramos o alvo pelo menos em cinqüenta metros. Mas não perdemos a esperança: é a força de forjar que se torna forjador.18 de março de 1943.

Hoje pela manhã eu e Dieter lançamos quatro bombas cada um. Minha quarta bomba, como também a terceira de Dieter, atingiram em cheio o alvo, isto é, o grande saco que o Junker 88 leva incansavelmente a passear ao largo das ilhas Frísias. Já está bem melhor...Às 14h 14m, enquanto todo mundo faz a sesta, recebemos ordem de interceptar uma formação de quadrimotores que se aproxima da costa. O tempo urge, e o controlador se exaspera tanto que desistimos de carregar nossas bombas. Tanto pior. aplicaremos ainda uma vez as táticas tradicionais.131

A Grande Caça

Dieter, antes de fechar sua cabina, grita-me que tentará abater o chefe de grupo. Nem sequer dou resposta ao que reputo uma bravata de rapazola. Desde quando o inimigo assinala o grau do piloto nas asas do avião ?Encontramos o inimigo a 8 000 metros sobre Helgoland. A esquadrilha ataca novamente de frente. Subindo ligeiramente na direção da primeira linha de bombardeiros, dirijo minhas rajadas contra um Liberator, que imediatamente se incendeia. Derrapando sobre a asa direita, ele deixa a formação e começa a perder altura. Como já o ultrapassei, levado pela velocidade, descrevo um rápido cento e oitenta graus e, colocado em sua esteira, ataco novamente, agora de uma posição ligeiramente superior. Em seguida, entro num piqué que me coloca sob seu ventre, quase de frente. Sua lenta descida já se transformou numa queda mal controlada. Meus obuses continuam a castigar-lhe a fuselagem, cujas chapas furadas são orladas por uma faixa vermelho escura.De súbito, o enorme avião explode e uma chuva de destroços cai por sobre mim. Corro o risco de chocar-me a qualquer momento contra um motor, um tanque, uma asa incendiada. O que, realmente, seria bastante estúpido!Num movimento rápido, empurro o manche para o canto esquerdo e me afasto para baixo. Com um rugido de trovão, a enorme carcaça do Liberator passa bem em cima de mim e, qual meteoro incandescente, mergulha nas ondas.132

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

É o meu quinto quadrimotor !.Subo numa chandelle triunfante até oito mil metros, para retomar o ataque. Repentinamente, solto um grito. Tenho a impressão de que meu coração parou de bater. O avião de Dieter, alinhado sobre os quadrimotores, voa bem no meio do box inimigo! Há uns cinco

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minutos ouvi-o anunciar, com gritos de pele-vermelha, a queda do seu primeiro Liberator. Agora. quer abater o chefe da formação. Não resta dúvida que ficou louco !. Colado na esteira de uma Fortaleza Voadora, atira como um possesso, sem se preocupar com os jatos das traçadoras que de todos os lados convergem sobre o seu avião. Como tirá-lo de lá ? No entanto, é preciso fazer alguma coisa. Picando na vertical, atravesso o box, alvejando ao acaso os aviões que enquadram meu companheiro. Ao mesmo tempo, ordeno-lhe pelo rádio que se afaste : - Afaste-se, meu velho, pelo amor de Deus t.Afaste-se! É uma ordem, está ouvindo ?Realmente, ele se afasta para baixo. É um verdadeiro mergulho, quase uma queda. Mil metros mais abaixo, seu avião vomita de repente espessa fumaça. Vejo-o abrir a capota, erguer-se com dificuldade, com desesperadora lentidão. Depois, o vento o arranca e o projeta para longe de seu aparelho, que continua a picar. Seu pára-quedas se abre, desdobrando-se. Desço para passar a poucos metros dele. Seu rosto está irreconhecível, crispado pela dor. Comprime o ventre com ambas as mãos. Está ferido.

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A Grande Caça

Depois de quase quinze minutos, Dieter toca a água, no setor UR-9. Conseguiu livrar-se do pára-quedas, e seu bote pneumático já se inflou. Penosamente, centímetro por centímetro, ele vai para seu interior. Desço até junto as vagas e, no momento em que o sobrevôo, balanço as asas. Ele não me responde. Ou está sofrendo muito, para agitar as mãos, ou então perdeu os sentidos. Assinalo a torre de controle a posição do bote e peço socorro imediato. Oxalá cheguem a tempo!Depois disso, volto ao campo. Os mecânicos que vêm cuidar de meu avião nem sequer ousam felicitar-me pela vitória. Reabastecidos os tanques, torno a decolar.Atravesso sozinho o mar vazio. Os outros ainda devem estar combatendo em alguma parte entre Helgoland e a costa. Por mais que explore a superfície brilhante do mar não consigo ver em parte alguma a mancha amarela do bote pneumático. Procuro consolar-me pensando que uma de nossas vedetas rápidas terão observado a queda de meu companheiro e o terão recolhido. De volta ao campo, fecho-me em meu gabinete. A noite cai e continuo esperando notícias de Dieter.

Há uma garrafa de conhaque em meu armário.Sei que existe outra, da mesma marca, no quarto de Dieter. Há alguns meses, combinamos que o sobrevivente esvaziaria a garrafa do morto, com todos os companheiros, a memória daquele que não voltou. Será que vai ser preciso abrir sua garrafa ?

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Por fim, cerca da meia-noite, ressoa a campainha estridente do telefone.O corpo do subtenente Dieter Gerhard foi levado para terra por uma vedeta rápida. Dieter está morto !Desligo, lentamente. Algo me aperta a garganta. . . Dieter... meu melhor amigo...

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Vou até seu quarto, pego a garrafa e entro no alojamento do tenente Frey, que joga cartas com o médico. Também eles aguardam notícias de Dieter. Ao verem meu rosto desfeito, baixam a cabeça.Ponho a garrafa sobre a mesa.- Vamos, abra-a! Embriaguemo-nos, meus amigos. Minha vontade é chorar, mas foi isso que eu e Dieter combinamos fazer. de março de 1943- 14h 24m : alerta! Decolagem imediata.Com os demônios! Ainda desta vez não teremos tempo de carregar as bombas. Os americanos chegam pelo mar. Como sempre, se agruparam no quadrado Dora-Dora, diante de Great Yarmouth.Sete minutos depois da partida, a torre de controle nos chama. O inimigo deu meia volta. Mas ainda poderá voltar. Reabasteço-me imediatamente em combustível.Os pilotos continuam em seus aviões, não sem al-

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A Grande Caça

guns protestos, como sempre. Acalmo-os, comunicando-lhes que, com certeza, vamos partir novamente. Por ora, o posto central de controle se esforça por adivinhar as intenções dos inimigos, que mudam continuamente de rumo. Talvez se trate de nova tática, destinada a iludir nossa vigilância.De qualquer maneira, vou aproveitar-me disso para fazer com que carreguem bem depressa uma bomba de duzentos e cinquenta quilos no meu avião.Mal os mecânicos começam o trabalho, a torre de controle ordena a decolagem imediata.E a bomba, que ainda não está fixada em meu aparelho ? . . t Tanto pior l Advirto todos os pilotos que, para essa missão, o ajudante Wernecke assumirá o comando. Depois, enquanto a esquadrilha se afasta, explico aos mecânicos o que lhes irá acontecer se perderem um só segundo que seja. E eles se esfalfam sob o ventre de meu "zinco", banhados de suor. Preso em meu assento, mal me contenho, com os olhos presos a rapidez dos ponteiros de meu relógio. A esquadrilha avança para o mar, ganhando altitude. A formação americana vai transpor a costa.- Pronto, tenente !.Meu avião, carregado com seu sinistro fardo, rola pesadamente para a extremidade oposta do campo. O peso suplementar da bomba me obriga a decolar de frente para o vento. Quando dou a volta a entrada da pista, meu maldito moinho pende sobre o lado esquerdo. Solto136

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

uma praga. Não faltava mais nada t. Um pneu do trem de aterrissagem estourou !. Lanço um sinal vermelho. Lá embaixo, diante da barraca oficina da esquadrilha, os mecânicos compreenderam o sentido do sinal. Uns vinte homens saltam para uma camioneta e, a toda velocidade, se lançam através do campo. Seus ombros vigorosos erguem a asa esquerda. E, em menos de um minuto, trocam a roda, sem que eu precise parar o motor. - Pronto, tenente !.Todos se afastam. Abro ao máximo a admissão de combustível. .. O avião começa a rolar...Bondade divina! O avião pende outra vez, sempre do lado esquerdo t . Consigo arrancar, porém, depois de ter percorrido cerca de duzentos metros com um pneu vazio. Por um triz, evito um hangar na extremidade do campo. Subo a potência máxima, rumo ao mar. Por cima de mim, bem altos no céu azul, os rastos de condensação dos americanos e dos meus companheiros desenham uma renda

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movediça. A grande luta já começou. Sete mil metros. A carga inusitada cansa perigorosamente o avião, cuja velocidade ascensional diminui cada vez mais. Intercalando pausas horizontais sempre mais próximas, consigo subir até nove mil metros, em cerca de vinte e cinco minutos. Manifestamente, meu "Gustavo" perde o fôlego no ar rarefeito. Os americanos já lançaram suas bombas sobre Wilhelmshaven, cujas docas estão em chamas. A

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A Grande Caça

brisa porto. A caminho de volta, o inimigo se acha na vertical de Helgoland. Sacrificando um pouco de altitude, logo o alcanço. Depois, reduzindo a velocidade, coloco-me sobre a testa da formação que, dessa vez, se compõe exclusivamente de Fortalezas Voadoras. Durante os vários minutos que os artilheiros americanos aproveitam para alvejar-me a vontade, corrijo a pontaria, deixando oscilar ora a asa esquerda, ora a direita, a fim de verificar minhas coordenadas. Na primeira vez que consegui levar uma bomba, quero estar seguro do meu golpe. De qualquer maneira, também não é este um momento para demora. Minha asa esquerda já exibe dois ou três rasgos. Preparo a bomba, corrijo novamente a pontaria e, num só golpe de polegar, aperto o botão de lançamento. Aliviado do peso, meu avião salta para a frente. A bomba cai. . . continua caindo. .. Cabreio, ao mesmo tempo em que executo uma curva, para observar-lhe a queda. A bomba explode bem no meio de um grupo de três Fortalezas. Uma, a mais próxima delas, perde imediatamente uma asa, arrancada pela deslocação de ar. As outras duas, aterrorizadas, afastam-se num piqué de quarenta e cinco graus. A uns trinta quilômetros a oeste de Helgoland, a Fortaleza atingida - para surpresa minha ela não se incendiou - abate-se no mar, erguendo enorme geiser. Sua asa, girando como um pião, segue-a com poucos segundos de intervalo. leva as colunas de fumaça para a zona do

138Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Minha bomba dará o que falar, não somente no campo aliado, mas também entre nós, nas "esferas superiores' , t . Logo a aterrissagem, tenho que me apresentar ao comandante da esquadra. O "velho", que partira juntamente conosco, assistira, de certa maneira "de camarote", a destruição da Fortaleza Voadora. Está excitadíssimo.- Formidável, Knoke, absolutamente formidável! Da próxima vez, você deverá fazer isso com todos os aviões de sua esquadrilha, hein, meu caro Knoke ? - É o que pretendo fazer, meu comandante. - E acha que irá dar certo? Mostro-me cético.- Ainda não posso dizer nada, meu comandante. Talvez não tenha passado de um golpe feliz. Mas se, ao contrário, esse golpe resulte da aplicação de um método, certamente conseguiremos abater certo número de quadrimotores.- Hum. . . Sei. . . Enfim, golpe feliz ou método, espero que você irá continuar, caro Knoke. Conta com minha confiança...Pouco depois é o chefe divisionário da caça que me telefona :- Sinto-me alegre de poder felicitá-lo,

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meu caro t . diz-me num tom jovial. Realmente, foi uma vitória magnífica. . Ele deve sentir-se louco de alegria, a idéia de haver contribuído indiretamente para essa "magnífica vitória". Oxalá não perca o monóculo, em sua emoção.139A Grande Caça

Somente os homens de minha esquadrilha guardam sua fleuma habitual. Essas manifestações oficiais de júbilo lhes parecem ridículas. Primeiro, essa bomba poderia ter sido lançada, com igual sucesso, por X, Y ou Z. segundo, a idéia não foi mi- ,nha, mas do pobre Dieter. e terceiro, meu "zinco" recolheu oito buracos na aventura. Não. . . realmente, não há muito com que alegrar-se! Bem no meio da noite, o telefone instalado ao lado de minha cama começa a tocar.- Uma comunicação prioritária do Alto Comando da Luftwaffe, meu tenente! - Hein7 Está certo que é para mim ? - Sim, tenente. Um momento, por favor. Alô! Alô! Pode falar...- É o tenente Knoke ? Aqui é o comandante X, do estado-maior do marechal do Ar. Foi o senhor que, esta manhã, destruiu uma Fortaleza Voadora com uma bomba 7 - Exatamente, meu comandante! Ele me interroga rapidamente sobre o modelo da bomba e do detonador, o método de pontaria, os efeitos produzidos. Depois, num tom suave, indaga:- Quem havia ordenado o emprego de uma bomba ? Permaneço calado durante alguns instantes. - Eu... é que... na verdade, não foi ninguém, meu comandante. Apenas levei aquela bomba. .. e larguei-a . . . Silêncio. Pela primeira vez, dou-me conta de que, no fundo, ninguém me dera ordem de lançar uma bom-

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ba contra aqueles infelizes americanos. Em suma, agi por iniciativa própria, o que é muito mal visto no exército. Meu interlocutor comunica, num tom de voz mais claro: - Vou pô-lo em comunicação com o marechal do Reich. Há um pequeno ruído. Instintivamente, embora continuando deitado, na horizontal, retifico minha posição. Apresento-me num tom marcial - Tenente Knoke, comandante da quinta esquadrilha da primeira esquadra de caça!- Estou satisfeitíssimo por saber que você deu provas de iniciativa. E de uma iniciativa muito feliz. Fiz questão de felicitá-lo pessoalmente. - Muito obrigado, senhor marechal!Um novo ruído. Acabou-se.E aí está! Um tenente da Luftwaffe que, deitado em sua cama, vestido Unicamente com seu pijama, mantém uma conversa com seu chefe supremo! Que história para contar a meus netos! Se o gordo Goering soubesse que nem sequer estava com minhas calças !. Fico rindo sozinho.23 de março de 1943.

O telefonista vem comunicar-me que devo chamar imediatamente o Centro de Estudos Técnicos de Rechlin. Aqueles senhores pedem com toda urgência um relatório oral.

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Vão para o inferno! Sinto que logo estarei lamentando ter lançado aquela bomba! Ainda estou coçando a cabeça quando o telefone toca novamente. Dessa vez é o general Burstenhuber, apelidado "o Bávaro", comandante do 12° Corpo da Luftwaffe. Refere-se imediatamente a meu " ato absolutamente não autorizado" e me passa um terrível "sabão". Sua voz é tão estridente que afasto os

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fones do ouvido, aproximando-os somente quando seus gritos se atenuam.- Seria uma confusão dos diabos se qualquer tenente pudesse fazer o que deseja! - troveja o Bávaro. Sim, está certo! Na vida, tudo não passa de uma questão de ponto de vista. Para um, tomei uma iniciativa muito feliz; para outro, cometi um ato não autorizado!- Suponho que não tenha nenhum argumento para apresentar em sua defesa, não ? - prossegue meu interlocutor, implacável. Naturalmente, não tem nada a dizer. . . . É no que ele se engana!- Sim, meu general! Esta noite, o senhor marechal do Reich telefonou pessoalmente para felicitar-me !. Do outro lado do fio faz-se o silêncio. . .Pelo meio da tarde, chega o coronel Lutzow, inspetor regional da caça. É um de nossos ases, titular da cruz de cavaleiro. Homem ainda jovem, alto, esbelto e muito simpático.

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

No curso de uma palestra amistosa, examinamos a possibilidade de generalizar-se o uso de bombas contra os quadrimotores. Possibilidade, aliás, limitada no tempo. Sabemos perfeitamente bem que o método se tornará inaplicável, se o inimigo quiser que seus bombardeiros sejam escoltados por caças. No momento em que Lutzow se despede, não posso deixar de observar. - Essa infeliz bomba provocou muito barulho.Francamente, meu coronel, gostaria de não tê-la lançado... Ele dá uma gargalhada. - Eu também, meu amigo!

17 de abril de 1943.

Os americanos atacam Bremen. Bem sobre a cidade, a esquadrilha, voando em formação cerrada, lança suas bombas. Todas, sem exceção, erram o alvo !.Depois de três ataques frontais, consigo incendiar um Boeing, que vai esmagar-se num campo. Apesar de tudo, foi um bom dia, no conjunto, com quatro bombardeiros abatidos sem nenhuma perda do nosso lado.14 de maio de 1943.

O inimigo lança um ataque maciço contra Kiel. Decolamos novamente com nossas bombas.

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A Grande Caça

Sobre Holstein, a cerca de nove mil metros, tento por diversas vezes engajar toda a esquadrilha. A cada tentativa, a formação inimiga vira e se afasta. É evidente que os americanos conhecem nossas intenções.Sobre Kiel, somos apanhados pelo fogo nutrido de nossa própria D.C.A. Os rapazes da Marinha sabem atirar. Cada uma de suas bombas é um golpe no alvo. Atiram com uma precisão diabólica!Como não conseguimos colocar-nos juntos sobre o box dos quadrimotores, ordeno o lançamento individual.Minha bomba nem sequer explode. Para compensar, as bombas dos ajudantes Fest, Fuhrmann e Bier realizam bom trabalho. três Boeing explodem no ar. Mais uma vez vou servir-me das armas de bordo. Deslizando a quarenta e cinco graus, mergulho para um grupo de uns trinta bombardeiros. Uma rajada que penetra na minha fuselagem detém

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imediatamente meu entusiasmo. Afasto-me precipitadamente. . Meu avião apresenta alguns buracos, mas o motor continua a funcionar bem e os comandos obedecem. Então, vamos !. Ataco de novo, quase de frente. Minha primeira rajada atinge em cheio o nariz de um Boeing, que salta como um animal ferido antes de cair, numa sucessão de curvas fechadas. Três mil metros mais abaixo, ele se desagrega. Nessa mesma incursão o ajudante Wennecker abate o quinto quadrimotor da esquadrilha. Ago-144Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

ra, temos em nosso ativo tantas vitórias quantas possuem, juntos, o estado-maior e as outras duas esquadrilhas. Tratar-se-á apenas de sorte ? Não o creio.

15 de maio de 1943.Os americanos voltam a sobrevoar Kiel.Só posso decolar com cinco aparelhos. Ontem, todos os nossos aviões foram seriamente castigados.Alcançamos o inimigo ao largo da península de São Pedro, antes que ele tivesse cruzado a costa.De nossas cinco bombas, apenas uma dá no alvo, um Liberator derrapa e se abate no mar.Depois de dois ataques infrutíferos, consigo finalmente colocar minhas rajadas num Boeing que voa no flanco do box. Com o motor interno direito em pane, o grande bombardeiro se afasta e, lentamente, se esgueira para o centro da formação. À minha quarta pas8agem, erro por um fio de cabelo sua gigantesca empenagem. Essa Fortaleza Voadora é um animal engraçado! A altura de seu leme de profundidade quase corresponde a envergadura do meu Messerschmitt.Começo a irritar-me. Será que hoje tudo sairá mal ?Enfim, se tiver que perder a pele, que assim seja! Colocando-me atrás do box, dou uma guinada seca, executo uma chandelle e, balouçando o avião,

145A Grande Caça

pico sobre uma Fortaleza que voa na cauda. Desta vez a coisa dá certo! Seus dois motores da esquerda começam a fumegar. O americano perde altitude rapidamente, e logo mais já está isolado. Agora, tenho-o em minhas mãos. Colo-me na sua esteira e atiro como um louco. Seu ventre se ilumina de chamas espasmódicas, que acabam por formar um todo. Um após outro, os dez homens da equipagem se atiram no vazio. Seus pára-quedas se alinham, como que num desfile, enquanto a Fortaleza, arrastando um longo penacho de fumaça, cai cada vez mais depressa para o solo. Não passa de um amontoado desgovernado de ferro e chapas, que vai semeando destroços incandescentes antes de esmagar-se a margem de um bosque.

21 de maio de 1943.Hoje, sobrevoando Helgoland, logo ao primeiro ataque recebi um obus que seccionou um conduto de óleo. Vejo-me obrigado a largar minha bomba ao acaso. Regresso ao campo com dificuldade.Ao largo de Wangeroog, o suboficial Kramer, com a empenagem arrancada, choca-se com o avião de Bier. Presos um no outro, os dois aviões caem como uma única pedra.No último momento, a quinhentos metros do solo, Bier consegue soltar milagrosamente seu "zinco' , e conduzi-lo em vôo planado. Mas ao aterrissar, ele capota. O avião fica despedaçado. Bier não sofre um arranhão!

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Kramer conseguiu saltar. Perturbado, abre muito cedo seu pára-quedas, quando sua velocidade ainda está próxima dos 700 quilômetros por hora. Duas correias rebentam, a seda não se desdobra completamente e o infeliz bate na água com terrível violência, a poucos metros da praia. Conduzem-no imediatamente ao hospital, onde os médicos constatam graves lesões internas.25 de junho de 1943.

E stou completamente atordoado esta manhã.Ontem a noite festejamos o aniversário de um companheiro. Considerável número de garrafas ficou jogado pelo campo. . . Mas isso não impede que o telefonista me acorde lá pelas sete horas. - Concentrações inimigas em Dora-Dora !.Bem que poderiam ter escolhido outro dia!Os pilotos ainda estão curtindo o vinho que beberam. Deixo-os dormindo e vou sozinho conversar com o mecânico chefe, que me comunica que, em doze aviões, onze estão em condições de vôo. No mess, completamente deserto, eu mesmo trato de servir-me. Preparo um ôvo estrelado e torradas com manteiga. Mas não sinto o menor apetite. Pela primeira vez, não tenho vontade nenhuma de voar. Sinto uma pressão estranha no estômago. Será medo ?Não, não acredito. Trata-se mais de uma espécie de fastio. V ou dar um pequeno passeio pe-

147A Grande Caça

lo campo. Turitt, meu cão, caminha ao meu lado. De quando em quando, late para assustar uma gaivota. Os alto-falantes começam a resmungar.- Alerta!Os pilotos surgem, com as olheiras e gosto amargo nas bocas. Vestem suas roupas de vôo, calçam as botas forradas e colocam os coletes salva vidas, antes do pequeno desjejum. Todo mundo está taciturno, aborrecido, enfadado. Maquinalmente, enfio no bolso dois pacotes de curativos. - Alerta sentado !. (12).Arndt, meu mecânico, ajuda-me a colocar os cintos de segurança. Em seguida, estende-me o telefone. O comandante quer desejar boa sorte a seus chefes de esquadrilha : o tenente Sommer, o capitão Falkensamer e eu. Decolamos as 8h 1lm. A esquadra está completa, o que representa quarenta e quatro aviões. A 2000 metros, atravessamos uma primeira camada de nuvens. A 5000 metros, cruzamos outra. Os pilotos estão calados. Só se escuta nos fones a voz do controlador, que assinala as posições sucessivas do inimigo. 7000 metros. Os americanos não podem estar longe. Destravo as armas, verifico os instrumentos de bordo, reajusto a máscara de oxigênio que me pesa sobre o nariz. Passamos através de um caos de grandes cúmulos. Atravessamos barrancos, penetramos em

(12) Alerta sentado : pilotos no avião, já na pista, prontos para a decolagem.

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imensas cavernas, acompanhamos gigantescas montanhas. Os aviões parecem minúsculos nesse desmesurado universo. Bem lá em cima, talvez a 10 000 metros, estende-se uma terceira camada de nuvens, maciça, compacta, cinza escura. - Ali estão eles !.As Fortalezas Voadoras surgem mil metros mais abaixo. Hoje, não voam em formação compacta. Por pequenos grupos de três ou quatro, procuram seu caminho nesta paisagem irreal. Caímos como avalancha sobre elas. Nossa aparição provoca indescritível confusão. Manifestamente, não nos esperavam. Virando e ziguezagueando em todos os sentidos, procuram escapar refugiando-se nas

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nuvens e lançando-se em violentos piqués. Dir-se-ia um enxame de abelhas atravessado por um bólido. Se não conseguirem reagrupar-se, estão perdidas. Ouço nos fones as vozes excitadas de meus pilotos, que mutuamente assinalam as melhores posições de tiro. Hoje, levo como meu ala um jovem suboficial. - esta é sua primeira missão de combate. Se conservar seu sangue frio, obterá também hoje sua primeira vitória. De cima e por trás, atacamos duas Fortalezas, que voam em formação cerrada. - Dolling, pegue a da esquerda!O suboficial nem sequer me responde. Afasta-se, ao invés de ficar ao meu lado.- Atenção, Dolling! Volte, passe a minha esquerda e ataque!

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A Grande Caça

A cem metros do bombardeiro, abro fogo.Meus obuses atingem a fuselagem quase no meio.Aproximo-me ainda mais, apesar do fogo nutrido do metralhador traseiro. Minha asa direita recebe vários impactos de balas. Esse maldito metralhador traseiro !. É valente, o rapaz. ! Talvez, enquanto dispara, esteja mascando tranqüilamente seu chewing gum...Mais perto, sempre mais perto! Uma de minhas rajadas atinge diretamente o posto do metralhador traseiro, que explode como um fruto maduro. Alguns outros projéteis liquidam também a torre.Voamos, agora, num profundo barranco de nuvens, entre duas paredes verticais, de transparência leitosa. Dolling continua a minha direita, passivamente, estupidamente, como se ali estivesse para marcar os impactos. Que espera ele para atacar a segunda Fortaleza7Sinto subir-me a cólera.

- Vai atirar ou não, seu idiota! Tatatrás!

É a outra Fortaleza que me alveja! Vejo nitidamente as chamas das metralhadoras laterais da direita. Segundos depois, sua torre também entra na dança. Os jatos das traçadoras passam por cima de minha cabina.Há uma série de choques metálicos... fui novamente atingido...Atravessamos retalhos de nuvens. Meus vidros se tornam opacos. Abro as paredes laterais da cabina.

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

O primeiro Boeing está em más condições. As chamas devoram a sua traseira e o motor interno esquerdo. A distância que me separa dele não passa dos cinqüenta metros. Recomeço a atirar. É preciso liquidá-lo, a qualquer preço. O animal é resistente, mas não poderá agüentar muito. As chamas já atingem sua asa direita. Largo por um segundo o manche para dirigir frenéticos sinais a Dolling, que até agora não abriu fogo. Um clarão que me cega, um golpe terrível, que lança minha mão contra a parede... Olho para ela, aterrorizado. A luva está cortada em duas, com a palma aberta; um filete de sangue corre ao longo do punho. Não sinto, contudo, nenhuma dor. Cerrando os dentes, recoloco a mão sobre o manche, corrijo cuidadosamente o ângulo de tiro e, num movimento raivoso, desfecho a salva completa de minhas armas. Agora, estou decidido a parar somente quando minhas munições estiverem esgotadas. Meia hora depois a Fortaleza cede. Derrapa violentamente antes de abater-se, qual uma tocha lançada do céu, na camada inferior de nuvens. Acompanhando-a, desço numa espiral até quinhentos metros do mar. Mas a Fortaleza já desapareceu. Apenas uma grande mancha de óleo inflamado se estende sobre as vagas... Voando sobre as nuvens, perdi completamente

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minha orientação. Sei, todavia, que tomando o rumo sul chegarei. com certeza a costa. Felizmente,151

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meu motor está intacto. Os metralhadores da segunda Fortaleza não eram bons atiradores. Por outro lado, minha mão começa a preocupar-me. O adormecimento do choque passou e começo a sentir uma lancinante dor, que se propaga até o cotovelo. Já perdi muito sangue. A parte da frente de minha roupa parece a mesa de um açougueiro. Gostaria muito de saber a que distância da terra me deixei levar. Os minutos passam e a costa continua invisível. Sinto um calor estranho, paralisante, que aumenta cada vez mais. As náuseas me afligem, meus olhos se enevoam... E esta mão, que agora quase me faz gritar t.Por fim, surge uma ilha. Reconheço Norderney. Poderei aterrissar dentro de sete ou oito minutos. E ali está Jever, o campo com seu familiar desenho de pistas e barracas. A despeito da dor insuportável, consigo picar corretamente e balançar as asas, para anunciar minha vitória. Os mecânicos erguem a cabeça, sorriem para mim, agitando os braços e os bonés. Mas não sinto a mínima vontade de sorrir... Preciso usar ambas as mãos para aterrissar.Mais exatamente, só consigo usar a esquerda, pois a direita está completamente inerte, como um peso morto. Na enfermaria, o médico corta a luva, colada pelo sangue, e faz um curativo provisório. Para maior segurança, peço-lhe que me aplique uma injeção antitetânica.

152Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

São nove horas. Nossos últimos aviões somente voltam a base lá pelo meio-dia. A esquadrilha abateu ao todo, esta manhã, três quadrimotores. É um balanço bastante honroso. Mais calmo, posso finalmente ir para um hospital. Um cirurgião examina o ferimento e, sem me dizer uma só palavra, amputa as duas primeiras falanges do índice. - Tudo irá bem, declara-me depois, a menos que a gangrena me obrigue a novas amputações. E dirigindo-se a uma enfermeira, conclui : - Vamos manter o tenente em observação.Cuide de sua instalação.A enfermeira me leva até um quarto, no fundo de imenso corredor. Olho maquinalmente pela janela. Meu carro ainda está estacionado no pátio. O motorista espera, fumando um cigarro. Abro cuidadosamente a porta. O corredor está deserto. Corro até a escada, na ponta dos pés. Toda a vida tive particular horror ao cheiro de éter ! .Meia hora depois estou de volta ao campo. Rio sozinho ao pensar que, no hospital, devem estar ainda a procurar-me.25 de julho de 1943.

No começo do mês, obtive uma licença de cinco dias. Na verdade, o comandante me havia concedido quinze dias. Mas imagino que sem mim a esquadrilha se deixaria exterminar.153

A Grande Caça

Lilo, sempre terna e compreensiva, não tentou reter-me. Apesar de tudo, sinto remorsos...Em Hameln, mandei fazer uma proteção de couro para meu ferimento. Uma correia presa ao couro me permitirá manejar o manche. Durante a semana passada, passeei bastante a bordo de um Taiphoun,

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avião de passageiros de quatro lugares, com linhas elegantes. Hoje sobrevoei Hamburgo. Os ingleses, com seus ataques noturnos, e os americanos, com seus bombardeios diurnos, destruíram uma parte importante da imensa cidade. Quarteirões inteiros foram "varridos" pelo fósforo. Estima-se em cem mil o número dos mortos. Na véspera, os americanos bombardearam determinados objetivos militares. Hoje pela manhã, os incêndios raivam por entre as ruínas. Fantástico cogumelo de fumaça ergue-se a mil metros e se estira, numa faixa de vinte e trinta quilômetros de largura, até a costa do Báltico, a mais de cem quilômetros. .Num céu de resplendente pureza, essa nuvem sinistra evoca todo o horror da guerra moderna...28 de julho de 1943.

- Concentrações inimigas em Dora-Dora!Já compreendemos. Isso nos diz respeito.Vou prender minha mão ao manche. Vamos ver no que resultará. Decolamos com onze aviões, as 8h 33m. Cada avião leva sob o ventre uma bomba de 250 quilos.154

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Lançadas as bombas, assistimos a um espetáculo extraordinário. Debaixo de nós, a formação inimiga, no instante anterior bastante cerrada, se dispersa num piscar de olhos. Algumas Fortalezas mergulham desesperadamente, outras se afastam em todos os sentidos. Algumas evitam a colisão por um fio. A bomba do ajudante Fest explodiu no meio de um grupo de três bombardeiros. Quase simultaneamente, os três se abatem, com as asas arrancadas pela deflagração. Pelo menos vinte pára-quedas se abrem no céu. Há gritos de alegria nos fones. Parecemos um bando de garotos, descrevendo loopings e tonneaus sobre o box desfeito. Três com uma só bomba! Custa-me restabelecer a ordem.

- E agora, para a frente! Vamos atacar !Já tenho um quadrimotor ainda intacto enquadrado no meu colimador. Pela primeira vez, piloto hoje um novo avião, equipado com canhão central de 30mm. Meus obuses abrem brechas enormes na fuselagem do americano que, aterrorizado, derrapa sobre a asa para salvar-se num mergulho. Cinco ou seis outros quadrimotores, quase todos em chamas, também abandonam a formação. Vamos liquidá-los separadamente. Um após outro, se incendeiam, caem em parafuso e desaparecem no mar. Logo mais, seis manchas de óleo inflamado assinalam os pontos de queda. Mas o grosso da formação defende-se encarniçadamente. Quando me volto para seguir com os olhos minha primeira Fortaleza, vejo um de nossos aviões afastar-se titubeando. No instante seguin-155A Grande Caça

te sua asa direita se incendeia. Mergulho a toda velocidade para alcançá-lo. É o avião do suboficial HOfig, um de meus melhores pilotos. - Calma, Hofig, mantenha o sangue frio!Sei muito bem que isso é fácil dizer. Agora, sua fuselagem arde como lenha seca. - Salte, Hofig, senão ficará torrado!Alguns instantes de insuportável tensão. Depois, vejo seu corpo erguer-se por sobre a capota. O vento o arranca e o projeta para o alto, abandonando-o, por fim. Lançado no vazio, Hofig cai em queda livre cerca de dois mil metros, antes de puxar a argola de seu pára-quedas. Aí está um sujeito que não deve perder a cabeça com muita frequência... Mergulho atrás dele, alcanço-o e descrevo algumas voltas ao seu redor. Ele agita as mãos, sacode a cabeça e, com uma careta, aponta para o mar, que se aproxima rapidamente. O banho forçado parece não lhe agradar muito. Aviso pelo rádio a tôrre de controle :- Companheiro acaba de saltar, no setor U -Q-6. Peço mandarem buscá-lo.- Victor ! Victor

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(Entendido! Entendido!) responde a voz do controlador. As 9h 2Om, dez aviões estão de volta ao campo.Os mecânicos nos carregam em triunfo. No fundo, também eles podem reivindicar uma parte dessa honra. Meu fiel Arndt oferece-me - pela sexta vez - o mesmo vaso de flores.- Afinal, - explica ele - não posso comprar outro cada vez que o senhor abate um bombardeiro! A guerra ficaria cara demais para mim!

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Hoje, o ativo de nossa conta corrente aumentou de onze quadrimotores! Onze Fortalezas Voadoras que nunca mais bombardearão cidades alemãs! Nossas vedetas rápidas recolherão uma meia companhia de aviadores americanos, sem falar do amigo Hofig, que está chapinhando dentro da água com os companheiros do setor postal oposto. A tarde, um hidroavião o traz de Helgoland, onde uma vedeta o deixou, bem a hora do jantar. À parte algumas queimaduras superficiais na fronte e nas mãos, está indene. Se cambaleia e, a todo instante, dá uma risada ligeiramente idiota, é porque os rapazes da Marinha o encheram de álcool, a pretexto de fazê-lo esquecer o gosto da água salgada.- Ah, meus amigos, que brincadeira! - repete constantemente, sem especificar se fala do seu banho ou das libações. Mas o verdadeiro herói do dia é Johnny Fest, o homem que com uma só bomba abateu três Fortalezas. Quando lhe digo que tem direito, sozinho, a um quarto das felicitações oficiais, enrubesce como uma jovem ao seu primeiro beijo. Contudo, Johnny não se parece nada a uma jovem...15 de agosto de 1943.

Para nos recompensar, os "senhores" da seção de estudos inventaram algo de novo. Os mecânicos montam sob as asas de nossos aviões um "cabo de frigideira". Na realidade, tra-157

A Grande Caça

ta-se de um tubo de lançamento de uma granada de 210mm, ou, mais exatamente, de um foguete, com sua carga de propulsão, carga explosiva e detonador. Se isso continuar, acabarão nos equipando com canhões de longo alcance! Parece que se deverá lançar essas " amêndoas' , por detrás, de uma distância de oitocentos metros, contra as falanges de bombardeiros.

17 de agosto de 1943.

Hoje pela manhã, bem cedinho, recebemos ordem de nos instalarmos imediatamente em Rheine, campo situado a cerca de duzentos quilômetros ao sul. Aguardam-se ataques maciços contra o centro da Alemanha. Seremos engajados juntamente com os outros grupos já estacionados na região.Hora e meia depois o programa se altera. Vamos para Gilze Rijn, grande base holandesa. Chegamos por volta do meio-dia. Trata-se de um campo imenso, que os Tommies vêm martelando já há alguns dias.Faz um calor atroz. Felizmente, o mess é bem organizado. Encantadoras copeiras empurram até nós seus carrinhos carregados de refrigerantes e de pratos repletos. Dá-se o alerta as 13h 15m : decolagem imediata.Encontramos o inimigo sobre Antuérpia - poderosa formação de Fortalezas Voadoras, escoltadas por Spitfires. Com meus "cabos de frigideira", não há que pensar em entrar em combate com os aviões158

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de caça. Contudo, não desejaria lançá-los no vazio.Esperemos!...Pouco antes de Aix-la-Chapelle, os Spitfires regressam a vôo rápido. Agora dão meia volta e podemos atacar.Ainda não estou a bom alcance, quando um obus atravessa minha asa esquerda e desprende o tubo de lançamento. Crispado nos comandos, tenho de lutar com todas as forças para manter meu "zinco" em equilíbrio. Com o canto dos olhos, examino o respeitável buraco da asa. Hum! Provavelmente, a trava principal pegou fogo. A qualquer esforço mais brusco a asa corre o risco de destacar se. Isso quer dizer que devo renunciar as curvas fechadas.Ainda assim, poderia tentar expedir minha segunda granada contra o box inimigo. Quase todos os meus pilotos já lançaram as suas. Dois projéteis acertaram o alvo, e vejo os bombardeiros atingidos estourarem como bolas de sabão. As outras granadas, porém, não acertaram. Lanço a minha, que entra de viés na formação e sai do lado oposto, sem explodir. Deixando que os companheiros prossigam o ataque com suas armas de bordo, vôo até o campo de Bonn-Hangelar. Um mecânico chefe constata que, de fato, a trava principal está danificada. Por hoje, meu "zinco" está fora de combate. Prometem-me substituir a asa avariada durante a noite.Com as mãos nos bolsos, fico passeando vagarosamente pelo campo. Os Messerschmitt e Focke Wulfs que voltam do combate aterrissam continua-

159A Grande Caça

mente. Uns trinta aviões, pertencentes a várias unidades, se reabastecem em combustível e munições. Observo que, entre os pilotos, não há nenhum chefe de esquadrilha.Os americanos continuam atacando as fábricas de rolamentos esféricos de Schweinfurt. Massas enormes de bombardeiros passam sobre nós, na direção sudeste.E meu avião está danificado! É de gritar de raiva !Mas não importa : ainda assim, decolarei. Apesar dos protestos do mecânico chefe, mando-o preparar o avião. Depois, reuno todos os pilotos disponíveis, divido-os em seções e assumo o comando dessa improvisada esquadrilha.Exatamente as 17 horas, lanço todos eles contra os americanos, que, entrementes, já estão a caminho de volta. Espero dar-lhes um pouco de trabalho.Sei que devo tratar meu avião com o máximo cuidado, mais ou menos como se fosse um ovo. Por enquanto, ele sobe normalmente. Logo atingimos os 7 000 metros de altitude. Bem a nossa frente voa uma formação de uns 250 Boeing.Reduzimos lentamente a distância. A 300 metros desfecho o ataque. Cada um por si!Deixando que os outros avancem contra a formação - fico por detrás do box para não expor meu avião a manobras muito violentas. Já encontrei meu alvo, uma Fortaleza ligeiramente afastada para a esquerda, voando um pouco abaixo do grosso150

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

da formação. Abro fogo a 150 metros, em rajadas secas. O bombardeiro responde vigorosamente. Os rosários movediços de suas traçadoras me enquadram de perto, de muito perto mesmo. Quase não ouso desviar-me com os ziguezagues habituais. Olho constantemente para minha asa furada. Agüentará ou não ? De súbito, uma rajada vem diretamente contra o meu avião. Sinto o cheiro acre de pólvora e de coisa queimada. Instintivamente, encolho-me por detrás do motor, que continua funcionando normalmente, sem falhar. Então, ainda não foi desta vez! Chego mais perto, a menos de

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cem metros, corrigindo cuidadosamente a pontaria. Sem apressar-me, aperto os botões de tiro. A essa distância não posso errá-lo. E, de fato, minhas rajadas atravessam suas asas, entram pela fuselagem, abrem-lhe o ventre. O avião americana, que não passa de uma verdadeira bola de fogo, cai cada Vez mais depressa na direção das planícies pantanosas. Atrás dele, quatro pára-quedas se desdobram.Estou prestes a iniciar uma curva prudente, quando uma saraivada de balas atinge meu aparelho. Tenho a impressão de estar sentado dentro de um barril, sobre o qual um brincalhão de mau gosto despejasse um saco de batatas. Eles realmente me pegaram! Meu motor expele chamas e uma fumaça corrosiva me queima os olhos... Abro a capota. A fumaça se torna imediatamente mais espessa. O óleo superaquecido escorre, devagar, sobre a asa esquerda.161

A Grande Caça

Desligo o motor. Os termômetros indicam que o óleo e o glicol atingiram o ponto de ebulição. Desde que a asa agüente...Depois, as chamas desaparecem repentinamente. O incêndio extinguiu-se. Abro totalmente a capota. O sopro do vento literalmente me arranca o ar da boca, carrega meu lenço, puxa furiosamente meu capacete. Não seria melhor saltar ? Esperemos um pouco mais. Por enquanto, meu avião continua a voar. Com a hélice bloqueada, desço lentamente em vôo planado, sempre na direção leste. Apesar do vento que assobia ao longo da fuselagem, estou molhado de suor.A minha frente, lá embaixo, a Faixa prateada do Reno serpenteia pela paisagem ressequida. O ar vibra sobre a planície sem fim. 4000 metros!Com um pouco de sorte conseguirei chegar a Bonn-Hangelar. 3 000 metros! Meu "zinco" desce bem mais depressa. Naturalmente, o Messerschmitt 109 não é um planador. E se eu experimentasse ligar novamente o motor? Regulo a hélice, aperto o botão de ignição, abro cuidadosamente a admissão de combustível, para ganhar um pouco de velocidade. O motor arranca, tosse, negaceia e... milagre dos milagres, começa a rodar normalmente!

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Com o máximo cuidado, como que tateando, subo até os 4 000 metros. Trabalho perdido !. O motor começa a falhar e a soltar aquela horrível fumaça que me aperta a garganta. Corto o contato. Não há outro jeito: será necessário continuar planando. Em todo o caso, tomarei cuidado para não mais aborrecer o motor. Maldição! Não conseguirei nunca chegar a Hangelar !. Já estou nos 2 000 metros. . . 1500 . . .1000...Enfim, resignemo-nos!. Escolho um campo bem extenso e preparo com bastante antecipação a tomada de terreno. A terra sobe para mim a uma velocidade terrível. Como vou ser obrigado a pousar de ventre, experimento mais uma vez o motor. Ele arranca... está rodando...Cuidado!. Minha curva não está suficientemente fechada. Vou atirar-me de encontro aos álamos. Tentemos ganhar alguns metros... De súbito, o motor pára! A hélice diminui a rotação e logo depois se imobiliza, como que detida pela mão de um gigante. Os comandos afrouxam, o avião pende, derrapando sobre a asa esquerda. Deixo que se vá, para retomar o controle poucos metros mais baixo. Sob minhas asas desfilam as casas de uma aldeia. À sua extremidade, evito por um triz uma venerável telha. O badim indica 220 quilômetros por hora. É absolutamente necessário que eu me aproxime do solo !163

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Duzentos quilômetros por hora. Minhas asas arrancam uma ponta de álamo...180 km/h. Quase roçando a terra, arranco duas ou três cercas, cujas estacas e pranchas turbilhonam de todos os lados. O avião ergue uma nuvem de poeira, na qual voam para os ares torrões de terra. O ventre do avião pousa. . . Dou uma freada seca, recurvado nas correias, com os pés firmemente apoiados nos pedais. Bondade divina! Um barranco bem à minha frente! Há um terrível estrépito, ao qual sucede um imenso silêncio. . . Lentamente, com as mãos trêmulas, desprendo-me e saio do cockpit. Meu Deus! Meu "Gustavo" parece uma lata de doces pisada por um touro enfurecido. Não passa de um lamentável amontoado de ferragens, que ninguém identificaria com os restos de um avião. Somente a roda traseira do trem de aterrissagem ficou intacta. Um pequeno filete de sangue corre da minha mão direita.27 de agosto de 1943.O médico extraiu os estilhaços que se tinham alojado no meu braço. Os ferimentos já estão fechados.Desde uma semana, nossos "Gustavos" arrastam, além dos " cabos de frigideira", tanques suplementares que devem aumentar nosso raio de ação.164

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Parece que nos vão engajar no centro da Alemanha, e até na Baviera. Hoje as nove horas da manhã os alto-falantes anunciaram concentrações inimigas no famoso setor Dora-Dora. Isso já se torna fastidioso. Por que os americanos, de vez em quando, não se agrupam em outro setor do mapa ? Decolagem as 10h 30m. O tempo está coberto. A 3 000 metros, penetramos nas nuvens. Emergindo do outro lado, em pleno sol, descobrimos o inimigo, quase na nossa vertical, a mais ou menos 6 000 metros. Os bombardeiros, em formação largamente escalonada, se dirigem diretamente para leste. Tomando um rumo paralelo, subimos até seu nível.Os tanques suplementares ainda estão pela metade quando dou ordem para que sejam largados. É evidente que os inimigos temem nossas granadas. Enquanto manobramos para nos colocarmos em boa posição, a enorme falange divide-se em vários grupos de 30 a 40 aviões, que ficam continuamente mudando de direção. Tática bastante boa, que reduzirá consideravelmente o efeito de nossos ataques. É curioso que os táticos de além Atlântico não tenham pensado nisso há mais tempo! Escolhendo um box ao acaso, reagrupo a esquadrilha e conduzo até 600 metros do objetivo. Depois, num perfeito movimento conjunto, lançamos as granadas. Até então, nunca nossas bombas conseguiram tal resultado!.Meus dois projéteis atingem em cheio uma Fortaleza Voadora, que explode com suas bombas e já165A Grande Caça

não passa de uma massa de chamas, de onde escapa uma chuva de destroços incandescentes. Wennecker também atingiu um bombardeiro, que se incendeia e depois de uma queda brutal entra em parafuso. Meu chefe de seção, o sargento Reinhard, coloca suas granadas a poucos metros de um Boeing. Rudemente sacudido, o grande bombardeiro se afasta a bombordo e desaparece numa grande formação de nuvens. Reinhard sai a persegui-lo. Bem colocado em sua esteira, dispara rajada sôbre rajada para liquidá-lo. Maquinalmente, percorro com os olhos todo o horizonte. Que será aquilo? Por cima de nós, surgem estranhos filetes de condensação. São rastos duplos. Pouco a pouco, consigo distinguir os aviões que os provocam. São excepcionalmente rápidos. Que coisa estranha! Sei que, do lado alemão, somente foram engajados Messerschmitts e Focke-Wulfs. Os aviões desconhecidos continuam voando continuamente sobre os quadrimotores. Se são nossos, que esperam para atacar ?Subindo em chandelle, entro naquele misterioso carrossel. Santo Deus! São Lightnings! Há várias

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dezenas deles. Assinalo imediatamente aos companheiros que os americanos trouxeram escolta. Como não posso atacá-los sozinho, mergulho novamente sobre as Fortalezas Voadoras. Repentinamente, bem a minha frente, vejo passar quatro166

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

aviões que parecem cair do céu. Trazem a estrela branca das forças americanas e, nas asas, largas faixas, também brancas. Provavelmente são Thunderbolts. Um tipo de avião que ainda não encontramos. Sim, a coisa promete t. Saio a persegui-los sem hesitação. Êles descrevem uma curva cerrada, na direção de uma Fortaleza cujos dois motores externos estão parados. Na esteira do quadrimotor vai um Messerschmitt. Não resta dúvida : é Reinhard.O imbecil só tem olhos para sua vítima. Nem sequer viu os caças que estão atrás dele! Ponho-me a gritar.- Reinhard, afaste-se!. Dê o fora! Dois Thunderbolts em sua esteira! Ele nem sequer responde. Teimoso como um burro, continua a disparar contra sua Fortaleza. Mergulho de través sobre os caças inimigos.O primeiro Thunderbolt já abriu fogo contra o idiota Reinhard, que continua perseguindo sua presa. Depois de alguns segundos, chego em posição de tiro. À primeira rajada, o Thunderbolt pega fogo e, desgovernado, cai em redemoinho. Era um ou outro ! Subitamente, uma rajada de balas atinge meu "zinco". Surpreendido, volto a cabeça. Cinqüenta metros atrás de mim, um Thunderbolt ajusta seu tiro. Dois outros degringolam para ajudá-lo. Empurro o manche com ambas as mãos, para lançar-me a toda velocidade nas nuvens que sobem em nossa direção.167

A Grande Caça

Meu motor está em chamas. Um calor sufocante invade meu cockpit. A qualquer instante, vou ficar tostado dentro desta jaula. Abro a capota, arranco a máscara de oxigênio, desamarro as correias que me retêm no assento. Levantando as pernas, empurro com toda a força o manche para a frente. O vento me apanha, carrega-me e me projeta no espaço. Um duplo salto mortal... um assobio nos ouvidos... suavemente, aciono a argola do pára-quedas. A abertura da corola faz com que as correias me entrem na carne. Violento safanão : depois da alucinante queda, tenho a impressão de estar flutuando imóvel no ar. Lentamente, num movimento balanceado, desço para a terra. Apesar de tudo, um pára-quedas é bastante prático - desde que se abra. Toco o solo as 1lb 26m, por acaso uma belíssima planície. Trinta minutos atrás estava decolando. Entrementes, três aviões desapareceram do céu. Consolo-me da perda do meu ao pensar que o score dois a um, a meu favor, ainda é honroso. Arndt, meu mecânico, faz uma cara engraçada ao ver que chego a pé, com o pára-quedas debaixo do braço.- Nosso belo "Gustavo"... - murmura. Eu havia cuidado tão bem dele...Ao fim da tarde já posso fazer o balanço da jornada, que não é nada brilhante. O suboficial Dolling está morto. Os ajudantes Radaatz e Johnny Fest - que tiveram tempo de saltar de pára-quedas - estão gravemente feridos. A 4° esquadrilha tem dois mortos e um ferido grave. O estado-maior, um morto. E a 6° esquadrilha perdeu168Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

nove de doze pilotos! E como os três sobreviventes tiveram de saltar, a sexta não viu nenhum de seus aviões regressar. Na coluna do ativo, posso inscrever doze vitórias, seis delas obtidas pela minha

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esquadrilha. Quanto a mim, pude elevar a minha lista a dezesseis aviões abatidos. Nossas pesadas perdas se explicam pelo fato de a intervenção dos caças americanos nos ter surpreendido em plena ação. Até então, os bombardeiros eram escoltados tão raramente que nem sequer pensávamos em proteger nossa retaguarda. Não obstante, obtivemos um belo êxito defensivo. O reide americano não atingiu seu objetivo. Quase todos os quadrimotores foram obrigados a levar suas bombas de volta. Somente uma pequena formação lançou as suas ao acaso, por entre um desvão de nuvens, sobre um burgo da Frísia oriental. As bombas caíram sobre uma escola, matando cento e vinte crianças, um terço das crianças da pequena cidade! .Essa guerra é por demais atroz, excessivamente desumana !4 de setembro de 1943.

Já há uma semana estamos instalados em Marx, importante campo com três pistas betonadas, ao sul de Jever. Tivemos uma breve acalmia. Toda manhã, saio a passeio, acompanhado de Turitt, que se diverte em perseguir as gaivotas, cujo vôo rasante tem o dom de exasperá-lo.169

A Grande Caça

As 8h 30m, os alto-falantes interrompem a emissão de musica de dança para ordenar o alerta reforçado. Turitt salta ao meu lado e pula para a asa esquerda do meu avião, enquanto me ergo até o cockpit. Desde minha chegada da Noruega, é esse o lugar que escolheu para ficar a cada alerta. Quando o motor arranca, ele se deixa levar pelo vento da hélice, cai sobre as quatro patas e se afasta, fugindo pela esquerda. Depois, quando o avião começa a rolar, ele o segue até que a velocidade excede seus recursos. Mais uma vez, os americanos se dirigem para a Holanda do Norte. Decolamos com todos os aviões. Quarenta aparelhos sobem, descrevendo uma larga curva, para se agruparem sobre o campo.- Caruso, três, seis, zero! - indica o controlador. O que significa que devemos tomar um rumo de 360 graus. Lentamente ganhamos altitude. A partir dos 7000 metros, os aviões deixam longos rastos de condensação. Faz um frio intensíssimo. O hálito gela sobre as máscaras de oxigênio. De quando em quando, bato as mãos contra as coxas, para esquentar-me. Bem longe, para oeste, distinguimos agora a formação inimiga, um box maciço de umas quatrocentas Fortalezas Voadoras. Estreitamente agrupados, vamos ao seu encontro. Minutos depois, com todas as nossas armas disparando, mergulhamos na falange, que vomita um rio de traçadoras.170

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

A cinqüenta metros, vejo meus obuses penetrarem no nariz de um quadrimotor, cuja silhueta enorme toma conta de todo o meu colimador. Passando rente sob seu ventre, atravesso toda a formação e, encontrando espaço livre, viro, empinando-me ao máximo. Minha vítima está severamente atingida. Oscila na frente, afasta-se para baixo e, em velocidade algo incerta, dá meia volta. Ah, não, meu amigo! Se está pensando que vou deixá-lo voltar, está redondamente enganado! Logo que o grande bombardeiro fica fora de alcance das metralhadoras de seus amigos, colo-me em sua esteira. Tranqüilamente, sistematicamente, começo a destruí-la. Seus ziguezagues quase não me perturbam. Logo mais, o enorme bombardeiro se inflama como uma tocha. Oito pára-quedas já se abrem no céu. O resto do que foi um avião desce cada vez mais depressa. Voando a sua esquerda, a poucos metros, examino as brechas profundas que minhas rajadas abriram em sua fuselagem. De súbito, parte um clarão da pequena torre e uma enfiada de balas atinge-me no motor. Imediatamente, saltam chamas do radiador.Os lemes não mais respondem as solicitações do manche e do pedal. Mais um avião liquidado!E vem a clássica sucessão das manobras finais... abrir a capota, desprender os cintos que me prendem ao assento...Meu pobre avião cai, entra em parafuso, reequilibra-se. Depois uma força irresistível me arranca.

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A Grande Caça

Vejo-me entre o céu e a terra, suspenso ao pára-quedas que nem sequer lembro de ter aberto. Os pára-quedas dos americanos planam algumas centenas de metros mais abaixo. Vou banhar-me em companhia dos mascadores de chewing gum. Talvez nos afoguemos juntos.O mar está bastante agitado hoje!Antes de mergulhar na água, desprendo a argola do pára-quedas. Bem quando subo a superfície, uma vaga se despeja sobre minha cabeça. Sufocado, bebo água a valer !.Meu colete de salvamento se infla, leva-me até o cimo de uma vaga e me suporta enquanto deslizo até o fundo de um escavado verde esmeraldino. Meu bote pneumático resistiu perfeitamente ao choque. Consigo içar-me para dentro dele, entre duas ondas que tentam arrancá-lo de mim. Balançado por um movimento compassado, fecho os olhos para tentar acalmar-me. A cada onda que rebenta, o bote enche-se de água. De qualquer maneira, é inútil retirar essa água, pois a embarcação não pode afundar. Prefiro refazer asforças. - Estou molhado até a medula dos ossos - bato os dentes e sinto uma estranha sensação no estômago. A água salgada me corta os lábios e me queima os olhos. Um verdadeiro piquenique! Com um gesto nervoso, abro a sacola que contém pólvora colorida. No momento, flutuo no meio de imensa mancha verde, de reflexos cintilantes.172

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Meu relógio parou. E me haviam garantido que era a prova de água e resistente aos choques!Ao bater contra a água, perdi minha pistola de sinalização. Furioso, retiro o cinto que contém o estojo de sinais e o atiro no mar. De que me adiantariam eles ?Sobre mim, o céu está vazio. Os companheiros já retomaram o caminho do campo há meia hora, pelo menos. Alguns rastos de condensação ainda serpenteiam entre as nuvens.Já não sei mais há quanto tempo estou enfiado neste banho salgado. Por fim, ouço um zumbido que se aproxima, cresce e se transforma num ronco ensurdecedor. Entre duas vagas, surge uma vedeta. Diminui a velocidade, vira de bordo e vem colocar-se ao lado de meu bote. Sou erguido por braços vigorosos.Envolvido num cobertor, sou desembarcado em Helgoland.À noite, um hidroavião me conduz até Marx.

10 de setembro de 1943.

E o jogo continua!

Hoje, os americanos lançam um ataque maciço contra Munster. Sobre a cidade em chamas, quando vamos nos atirar contra uma formação de Fortalezas Voadoras, somos surpreendidos por uns vinte Thunderbolt.E começa um desenfreado pega-pega!

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A Grande Caça

O Thunderbolt parece muito pesado, mas é um avião rápido e de grande maneabilidade. Todavia, nas

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mãos de um bom piloto, o Messerschmitt 109 lhe é superior.Com o canto dos olhos, vejo um Messerschmitt 110 lançar-se sozinho ao ataque de um box de bombardeiros. Suas quatro granadas chegam ao centro da formação. Dois bombardeiros explodem, projetando seus destroços sobre os vizinhos. No instante seguinte, vários Thunderbolt se atiram contra o vencedor. Seguido dos ajudantes Barran e Fuhrmann, pico para interceptá-los. Minha primeira rajada liquida um americano, cujo avião se desagrega ante meus olhos. Fuhrmann abate um segundo, depois do que toda a matilha nos cai por cima. Debatemo-nos violentamente. Apresento uma exibição de grande escola e, finalmente, escapo por uma subida em espiral. Sei que essa manobra está além das possibilidades do Thunderbolt. Infelizmente, excede também os recursos dos dois ajudantes, que descrevem desesperados ziguezagues, tentando inutilmente iludir o grupo de uns doze americanos que os perseguem de perto. O Messerschmitt 110 aproveitou-se da confusão para escapar. Como não desejo abandonar os companheiros, mergulho novamente sobre seus perseguidores, disparando ao acaso, a fim de desviar-lhes a atenção. Consigo-o tão bem, que recebo um obus na empenagem e outro na asa esquerda.

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Meu avião se põe de dorso e começa a cair, quase na vertical. Não há nada a fazer para controlá-lo. A queda infernal prossegue até quase os mil metros. Desta vez a coisa é grave. Minhas mãos Começam a tremer e um suor frio escorre de todos os meus poros. Será o fim ?. Em meu desespero, tento empurrar o manche contra a parede lateral. Ele nem sequer se move. Ergo os pés e, com toda minha força, piso no comando bloqueado... Há um safanão terrível! Minha cabeça bate contra a parede da direita. Aturdido, mal percebo que o avião retornou a sua posição normal e voa tranqüilamente, em linha reta! Em Twente, um de nossos campos auxiliares, pouso sobre o ventre, ao lado da pista. O aspecto do meu "Gustavo" não é nada agradável a vista. Metade do trem de aterrissagem está cortada, a parte superior da empenagem arrancada a fuselagem furada como escumadeira. Minutos depois, aterrissa na pista um Focke Wulf aparentemente intacto. Ao contato do solo, o trem de pouso cede, o avião capota e imediatamente se incendeia. O piloto, preso no cockpit, consome-se diante de meus olhos. Não posso nem mesmo me aproximar do braseiro, de tal forma o calor é intenso. Minhas pernas vacilam, e desabo sobre a relva.Quando, quinze minutos depois, torno a ficar de pé, uma formação de quadrimotores despeja uma chuva de bombas a volta do campo. Por hoje, chega!

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A Grande Caça

17 de novembro de 1943.

Esta manhã, vários "táxis aéreos" levaram a Achmer os pilotos de três grupos de caça. Vamos ter a honra de receber o marechal do Reich, que chegará uma hora depois, seguido por um longo cortejo de uns trinta carros.Como exprimiu o desejo de conhecer os melhores especialistas na luta contra as Fortalezas Voadoras, põem-me a conversar com ele durante uns dez minutos.

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Com meus quinze quadrimotores abatidos, estou a testa da região divisionária, juntamente com o capitão Specht e o tenente Frey.Goering dá uma impressão estranha. Enverga um uniforme vistoso, cinza claro, com as ombreiras bordadas de fios dourados. Suas pernas gordas estão enfiadas em botas de couro vermelho.O rosto parece inchado, como que por alguma moléstia.Somente sua voz é agradável, quente, simpática e cordial. Certamente, esse calor é sincero. Sei da afeição quase paterna que dedica aos seus pilotos.Faz-me perguntas sobre minhas vitórias, interessando-se particularmente pelo primeiro Mosquito que abati, já há um ano. Os Mosquitos, diz ele, constituem uma espécie de inimigo pessoal. Os dois aviões que eu havia interceptado, naquele dia, o haviam sobremaneira irritado. O alerta provoca- 176

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

do por sua aparição sobre Berlim o impedira, durante cerca de duas horas, de começar importante discurso. Pouco mais tarde, dirigindo-se a todos os pilotos, o marechal aborda os grandes problemas da defesa do território alemão. Para surpresa geral, atribui a responsabilidade de nossos sérios reveses no fronte oeste ao insuficiente nível da caça. Insiste demoradamente sobre as magníficas proezas da R . A. F., por ocasião da batalha da Inglaterra. E nos incita a seguir o exemplo dos heróis britânicos. De minha parte, estou perfeitamente de acordo com esse tópico do discurso. Mas, por outro lado, parece-me que o chefe supremo da Luftwaffe não está bem a par das condições em que lutamos. Ignora, ou finge ignorar, que do ponto de vista técnico a superioridade do inimigo é esmagadora. Desde os êxitos iniciais das campanhas da França e da Polônia, nosso Ministério do Ar repousa sobre seus lauréis. Esses senhores dormem tão profundamente, que nenhum bombardeio pode arrancá-los de seu sono. Sob o aspecto numérico, pior ainda. O número de unidades engajadas na defesa aérea do território é de patética insuficiência. Considerando as coisas com otimismo, lutamos na proporção de um contra oito ! .Se, apesar dessa trágica desproporção, o inimigo tem sofrido perdas sensíveis, o fato resulta exclusivamente do extraordinário moral de nossos pilotos, de sua vontade férrea, de seu espírito de sacrifício.

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A Grande a Caça

Mas o moral, por si só, não pode assegurar a vitória. Faltam-nos aviões aperfeiçoados, motores mais potentes. E, também, um homem decidido a sacudir de uma vez por todas o pessoal dos gabinetes !23 de novembro de 1943.

Faz alguns dias, Fuhrmann partiu para uma missão de interceptação e não regressou. Foi encontrado numa turfeira de Friesoyte. O avião e o corpo estavam mergulhados sete metros no chão pantanoso. Hoje pela manhã soubemos que o capitão Dolenga, nosso antigo chefe de esquadrilha, foi abatido num combate aéreo.Fixamos sua fotografia na parede do mess, na extensa galeria dos companheiros desaparecidos : Wolny, Steiger, Kone, Kramer, Gerhard, Hofig, Fuhrmann, Dolling, Dolenga...Qual será o próximo ?

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18 de dezembro de 1943.

Em 2 de dezembro, a esquadrilha abateu seu centésimo bombardeiro. No dia 11, derrubei meu vigésimo avião. A lista se torna impressionante. Dentro de três dias deverei entrar em gozo de licença. Pergunto-me se chegarei até lá. . .

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

As Fortalezas Voadoras atacam diariamente o território do Reich.Ontem de manhã, já me encontrava instalado no veículo Que deveria levar-me à estação Quando os alto-falantes anunciaram alerta reforçado. Desci e corri para meu avião. O motorista abanou a cabeça e Arndt me perguntou se, afinal, eu ia ou não voltar para casa.A 3000 metros fui obrigado a regressar. Não foi possível recolher o trem de aterrissagem. Louco de raiva, passei o comando a Wernecke. Meus pilotos abateram dois quadrimotores e um Thunderbolt! Talvez quisessem provar que podem arranjar-se sem mim. Agora, estou decidido. Vou-me embora.

Da plataforma da estação, observo a impecável decolagem de minha esquadrilha. Sigo-a com os olhos, pela janela do compartimento abarrotado de licenciados. Pela primeira vez, em um ano, deixo que meus rapazes voem sozinhos, sem mim.20 de dezembro de 1943.

Lilo veio esperar-me em Berlim. Pretendemos distrair-nos, rever os amigos, ir ao cinema, ao teatro, à ópera. Não reconhecemos "nossa" Berlim. A cidade formiga de milhares, de dezenas de milhares de estrangeiros: holandeses, franceses, dinamarqueses, belgas, romenos, búlgaros, poloneses, checos, noruegueses, gregos, italianos e espanhóis. No me-179

A Grande a Caça

trô, nos coletivos, nos cafés superlotados, ouvem-se todas as línguas do continente. Conseguir um lugar numa sala de espetáculos ? Nem pensar nisso!Toda essa agitação me deixa nervoso. Aqui, as pessoas vivem como se a guerra fosse em outro planeta. Enquanto o soldado do fronte leva uma vidade sacrifícios, expondo todos os dias a saúde e a vida, os berlinenses, de nascimento e de adoção, amontoam-se nos lugares de diversão. Por toda parte reina o espírito da retaguarda, a mentalidade de fuga as obrigações, dos "arranjos", da estroinice.Os oficiais dos serviços ministeriais se pavoneiam em uniforme de gala - limpos, bem cuidados, elegantes. Uma semana no fronte e não sobraria muita coisa dessa elegância perfumada, emproada, engomada.26 de dezembro de 1943.

Natal de guerra, triste, simples, mas tão comovente ...Hoje de manhã, recebo um telegrama: "Fomos transferidos para Wunstorf.

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Falkensamer morto e Sommer ferido. Abraços. Specht". Foi o comandante da esquadra que o enviou.Não me dá ordem direta para juntar-me a ele, mas sei que precisa de mim, depois da morte de Falkensamer, chefe da 6° esquadrilha, e da indisponibilidade de Sommer, chefe da 4°. Por ora, sou o único capitão em condições de voar.180

Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Duas horas depois estou na estação. Lilo é extremamente corajosa. Fica sorrindo, agitandoseu lenço. . .Irei revê-la ?

27 de dezembro de 1945.

Vinte e quatro horas de trem, de um trem repleto, que pára constantemente em pleno campo. Na estação de Wunstorf, um ajudante me espera com o carro. Na verdade, nosso novo campo é um aeródromo civil, de instalações modernas.Apresento-me imediatamente ao "velho", que me estende sua mão, procurando sorrir.- Tinha certeza de que você não me abandonaria. Creia-me que estou desolado por encurtar sua licença. Mas precisava tanto de você!...Examino-o furtivamente, enquanto me relata a situação. Specht é de estatura bem menor que nós todos, o que não impede que tenha absoluta autoridade sobre seus pilotos. Nenhum outro oficial provocou-me uma impressão tão forte, tão profunda, como esse homem pequeno e simples, em sua velha roupa de vôo.É o tipo perfeito do oficial prussiano, no melhor sentido da expressão. Extremamente duro para si mesmo, não admite qualquer fraqueza em seus subordinados. Perdeu uma vista no início da guerra; mas, com a que lhe resta, vê tudo, como uma águia.181

A Grande Caça

Specht só vive por uma idéia : o combate aéreo. Só tem um assunto de conversa : os Boeing, Thunderbolt, Mustang e Lightning. Chegou a tirar-me da cama, certa noite. para examinar comigo tal ou qual detalhe tático. .Celibatário empedernido, proibiu que seus oficiais recebam, por uma hora que seja, a visita da esposa ou da noiva. Infeliz do piloto que fosse visto por ele, passeando com uma jovem : puni-lo-ia imediatamente. No curso dos últimos dez meses, abateu, só ele, vinte quadrimotores, ultrapassando assim, por vários pontos, a minha lista. Extremamente calmo, atira com espantosa precisão. Como superior hierárquico, não é Nada cômodo.São raros os pilotos que não tiveram, alguma vez, de "explicar-se" com ele. Sem o respeito que nos inspiram seu excepcional quadro de vitórias e sua retidão moral, nós o detestaríamos cordialmente.31 de dezembro de 1943.

Tínhamos planejado um réveillon alegre, em algum lugar, da cidade. Mas, por volta das dezessete horas. Specht manda afixar uma ordem de absoluta interdição de saída do campo. Para compensar, convida os oficiais e os pilotos para um grande jantar no mess. Ergue-se imediatamente um concerto

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de protestos. Que diabos o levem, esse desmancha prazeres !

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Fortalezas Voadoras Sobre a Alemanha

Contudo, lá pelas vinte horas, quando entramos na sala do mess, o moral já é de novo excelente. Encontramos algum tempo para molhar a garganta com algumas boas garrafas.Specht nos explica rapidamente a razão de sua ordem : - Senhores, a divisão preveniu-me de que durante esta noite será tomada uma importante decisão. Para não colocar em perigo a lucidez dos pilotos, julguei melhor proibir os excessos habituais das festas de Ano Novo. Portanto, vamos encerrar 1943 no quadro mais austero do nosso mess, para irmos dormir logo depois da meia-noite.Como sua voz ao fazer essa comunicação, traz o timbre de comando, ninguém ousa responder. Mas nem por isso deixamos de pensar uma porção de coisas . . .Ao primeiro minuto do novo ano chega-nos a esperada notícia : Specht foi promovido ao posto de comandante!Também ele se mostra surpreso. Manifestamente, esperava alguma missão muito especial, muito secreta e muito importante.Devolve-nos imediatamente a liberdade, sob uma salva de palmas. Cinco minutos depois, a sala do mess está vazia.

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CAPÍTULO VI

Em Pleno Crepúsculo

4 de janeiro de 1944.

Durante seis dias os americanos nos deixaram em paz. Mas hoje recomeçaram. - Concentrações inimigas em Dora-Dora !.Decolamos as 10h 02m, para nossa primeira missão do ano. Sobre Munster, entre as barragens de nossa própria D. C. A., atacamos uma formação de quadrimotores. Quando me aproximo de um box que voa afastado do grosso das Fortalezas, violento safanão sacode meu avião, que imediatamente pende para trás. O motor emite um silvo estridente; há um ranger de chapas, uma detonação seca e depois, sem qualquer transição, um silêncio total. Um obus de nossa D. C. A. arrancou a hélice e a parte anterior do motor. Tenho enorme dificuldade em manter meu avião em linha de vôo. No instante seguinte, um Thunderbolt me cai em cima e com uma só rajada incendeia minha asa direita. Mas não volta a atacar, pois Wennecker, com uma saraivada de obuses, o envia “ad patres”.

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A Grande Caça

Nem por isso me dou por salvo! A asa estraçalhada está em chamas, e línguas de fogo já lambem a

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fuselagem. É preciso saltar.Mais uma vez executo os gestos necessários : abrir a capota, desprender os cintos. . .Logo em seguida, o vento me arranca do assento. Infelizmente, não me arranca de todo. Fico dependurado pelo pára-quedas, que se enrosca. Minha perna esquerda pende para fora, enquanto a direita continua no assento. ..Meu avião quase se põe de dorso, antes de picar para o solo. Não consigo mover-me, pois o vento provocado pela velocidade cola-me irresistivelmente contra a fuselagem, atrás do cockpit. Numa torção violenta, quase me arranca a perna que está pendente. Solto um grito de dor. Minhas bochechas e as aletas do meu nariz tremem como uma vela desfraldada. Mal consigo respirar. As chamas começam a envolver a fuselagem.O avião entra em parafuso, reequilibra-se ligeiramente, titubeia e retoma sua vertiginosa queda. Com os braços imobilizados pelo vento, não consigo mover-me, nem um dedo sequer. Mas é preciso que eu me mova! Se não conseguir soltar-me, será o fim.Preciso reagir, preciso fazê-lo, a qualquer custo . . .Num esforço sobre-humano, que me faz esguichar sangue do nariz, consigo alcançar o manche com a perna direita. Com um pontapé, empurro-o para o lado. Meu "zinco" descreve um meio tonneau, os-186

Em Pleno Crepúsculo

cila, hesita, cabreia. Com a perda de velocidade, meu corpo se liberta. Essa queda infernal fez-me percorrer 3000 metros.Com os braços levantados, plano por um instante ao lado do desmantelado avião. Sinto um golpe terrível nos rins. Outro golpe, este na cabeça, me faz perder os sentidos.Quando volto a mim estou em plenas nuvens, dependurado em meu pára-quedas, que deve ter-se aberto sozinho, pois o cabo ainda está em sua argola.Respiro com dificuldade. Tento gritar, para limpar a garganta : só consigo emitir um estertor rouco. Enfim, ali está a terra. As nuvens estão no máximo a duzentos metros. O vento agita perigosamente meu pára-quedas. Passo raspando quase horizontalmente o teto de um pavilhão, para cair no jardim, num solo congelado.Torno a perder os sentidos.

Quando volto a mim, dois enfermeiros estão me carregando para uma ambulância.O diagnóstico dos médicos do hospital de Munster provoca cuidados especiais a minha pessoa. E não é para menos : fratura do crânio e das vértebras 1ombares, contusões graves no ombro e lado direitos, tecidos macerados no quadril direito, comoção cerebral, desvio da coluna vertebral, com paralisia dos nervos do lado direito.187

A Grande Caça

Vomito continuamente. Os enfermeiros me transportam para um quarto, deitando-me numa enorme cama com lençóis brancos. Sofro terrivelmente e sinto muito sono.E dizer que este seria meu último dia de licença ! Somente recupero um pouco minha lucidez a tarde. A outra cama existente no quarto está ocupada por um piloto que veio da Rússia. Um obus de D.C. A. arrancou-lhe a perna direita e o pé esquerdo. Ele procura reerguer-me o moral.30 de janeiro de 1944.

Já faz oito dias que voltei a Wunstorf. À enfermaria, é claro...

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Mas assim mesmo é mil vezes melhor que aquele hospital superlotado, com seu insuportável cheiro de éter. Aqui, ao menos, estou perto dos companheiros.Toda manhã, levam-me até o campo, onde passo o dia, todo agasalhado, numa espreguiçadeira.Se o doutor está a beira de uma crise de histeria, com toda certeza é por culpa minha. Apesar de sua categórica proibição, constantemente me levanto e tento caminhar. De início, mal consigo mover a perna. Depois, a paralisia vai desaparecendo bem depressa. Quanto as contínuas enxaquecas, acabei por habituar-me a elas.

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Em Pleno Crepúsculo

Esta manhã, recebemos ordem de voar para a Holanda. Faremos escala em Arnhem.Apoiado numa bengala, arrasto-me até meu avião. Em Arnhem, quando me apresento para o relatório, Specht olha-me como se eu fosse um fantasma. Ainda me julgava numa espreguiçadeira, em Wunstorf.Às 13h 05m, decolamos para interceptar uma formação de Fortalezas Voadoras. Não vamos muito longe. Quando emergimos de um banco de nuvens, cai-nos em cima um a massa turbilhonante de Spitfires, dispersando num piscar de olhos nossas esquadrilhas. Não temos tempo de nos refazer. Explorando ao máximo o efeito de surpresa, os Tommies nos caçam como cães açulados contra um bando de coelhos. Não tenho sequer uma oportunidade de colocar uma rajada. Um após outro, nossos pilotos descem, em seus féretros incandescentes, para a camada de nuvens. Quanto a mim, mais feliz que a maioria deles, consigo safar-me, com um motor em pedaços. Com alguma dificuldade, aterrisso sobre o ventre, a um quilômetro do campo de Hilversum.Specht foi o único que abateu um Spitfire. O balanço da sortida é desastroso : - A 4° esquadrilha tem quatro mortos, a 6°- três, o grupo do "velho" um. Também minha 5° esquadrilha perdeu um piloto. Quase todos os aviões que escaparam estão danificados.Um avião nos leva a Wunstorf.

189A Grande Caça

10 de fevereiro de 1944.

Sempre as "concentrações inimigas em Dora-Dora". Specht, doente, me transmite o comando da esquadra. A 8000 metros vemos o adversário. E que adversário !Dispostos numa larga frente, uns mil bombardeiros, escoltados por poderosas formações de caças, dirigem-se para leste. Provavelmente, seu objetivo é Berlim !. De qualquer maneira, é a mais formidável armada que já vi. Incluindo os caças, estimo-a em mil e duzentos aviões, no mínimo.E nós somos quarenta!Mas não importa; mesmo que fôssemos apenas dois, atacaríamos ainda assim.Tento inutilmente lançar a massa de meus quarenta Messerschmitt na frente da enorme falange. A cada tentativa, os bombardeiros mudam de rumo.

Um grupo de Thunderbolt desliza por trás de nós. Mas chegarão muito tarde. Peço a meus pilotos que mantenham o sangue frio. logo mais, dou-lhes a esperada ordem :

- Para a frente, no grosso da formação!- Atacar !

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Meu ala, o ajudante Raddatz, atingido por uma rajada de traçadoras, é obrigado a abandonar imediatamente o combate. Avanço sozinho, coloco minhas rajadas no nariz de um bombardeiro e dou

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Em Pleno a Crepúsculo

uma guinada seca para passar sobre sua empenagem.Novamente a imagem habitual : a Fortaleza que pende para trás, seus vizinhos que se afastam precipitadamente, a guinada brutal e a queda do gigantesco pássaro, cujas asas se destacam 2 000 metros mais abaixo.Meus pilotos também fizeram um bom trabalho, o combate terá custado aos americanos a bagatela de doze quadrimotores.Pouco depois, os Thunderbolt e Lightning entram em ação. Sua intervenção nos impede de continuar o massacre. Ao cabo de meia hora, rompemos o contato e nos afastamos para o sul.Ao aterrissar, fico sabendo que o ajudante Raddatz abateu-se em chamas numa pequena praia. Não conseguiu saltar.

25 de fevereiro de 1944.

Ingleses e americanos prosseguem, sem cessar, seus ataques maciços contra as cidades alemãs. Dia e noite as sirenas emitem seu uivo sinistro.Como o supliciado país ainda encontra forças para resistir ?Para nós, as "concentrações inimigas em Dora-Dora" se tornaram o leitmotiv de nossa existência. Uma existência terrível!

Os mais incorrigíveis brincalhões mostram-se agora sérios, tensos, inquietos.

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A Grande Caça

Toda manhã, nos preparamos em silêncio. Um após outro, nos isolamos no "pequeno canto". Dora-Dora afeta até mesmo nossas funções intestinais. Subimos hoje até os dez mil metros. É a altitude ideal para cair em cima dos bombardeiros e surpreender sua escolta.- Ali vão eles! Eu os estou vendo! - anuncia a voz clara de Specht.- Victor ! Victor ! - responde imediatamente o controlador. Dois mil metros abaixo, seiscentas ou setecentas Fortalezas, com sua escolta de caças, voam majestosamente para leste.Já Specht derrapa sobre a asa esquerda. Mergulhamos atrás dele, para o ataque.Controlando meu piqué, ao mesmo tempo destravo as armas, ilumino o colimador e examino maquinalmente o céu, olhando atrás de nós.Meu Deus! Uma nuvem de Thunderbolt desce do sol e se lança em nossa perseguição. Mas ainda desta vez chegarão muito tarde. Minhas rajadas estalam na asa de uma Fortaleza,- Ora ! queria atingir o posto de pilotagem ! - e passo, deixando para trás o bombardeiro, que, ferido de morte, já entra em parafuso.Um rápido 180 graus para enfrentar os caças inimigos. Diabo! Eles já estão ali, e a minha retaguarda! A coisa se torna séria.Depois de alguns ziguezagues, lanço meu avião numa espiral ascendente em saca-rolhas, que nenhum Thunderbolt conseguiu imitar até hoje.

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Em Pleno a Crepúsculo

E eis-me desembaraçado daqueles zangões furiosos, pelo menos por alguns instantes. Enquanto observo o combate dos caças, que se desenvolve sob minhas asas, vejo o avião de Wennecker subir até mim. Coloca-se ao meu lado, balança as asas - diabo!Se tem algo a dizer por que não usa o rádio ? - e sobe ainda mais. Vejo, pelos vidros, que Wennecker me aponta alguma coisa, bem debaixo de nós. Inclino o avião e olho. quatro Lightning, que com toda certeza não nos viram! Então, vamos!Num só movimento, derrapamos para picar sobre os americanos, cujas asas brilham ao sol. Meu suplemento de velocidade leva-me além do meu alvo. Em poucos segundos, vejo-me diante de um Lightning, em excelente posição para ser alvejado como um coelho. E essa, agora! Um noviço não se teria deixado apanhar tão mal. Empurro apressadamente o manche para a esquerda, derrapo, afastando-me em parafuso fechado. O avião treme e guina, ao efeito da terrificante velocidade. Com o canto dos olhos, vejo arrebites saltando das asas. Preciso equilibrar o avião, pôr fim a essa queda infernal. Suave, muito suavemente, puxo o leme de profundidade. Monstruosa mão me afunda no assento, enfia meu queixo no peito. Meus olhos se velam. . . depois, progressivamente, o avião retoma um ângulo mais normal. Nesse exato momento, um Lightning em chamas cai como pedra a uns cem metros a minha direita. Levo um susto ao ouvir a voz de Wennecker nos fones :193

A Grande a Caça

- Peguei-o! Peguei aquele ali! Segundos depois, vem juntar-se a mim.- A culpa foi dele mesmo! O pirralho! Tinha a pretensão de liquidá-lo! Pelo vidro, faço-lhe o gesto de apertar a mão. É essa a segunda vez que Wennecker me salva de um americano que queria minha pele.8 de março de 1944.

A esquadra desaparece a olhos vistos. Dos veteranos, só restam Wennecker e Johnny Fest. Há quinze dias, éramos quarenta. Hoje, não passamos de oito. E, desse pequeno número, dois ou três rapazes completamente inexperientes. Fiquei, hoje, com um avião seriamente danificado. Tive de pousar sobre o ventre, acompanhado ao longo da pista pela ambulância e pelo carro de bombeiros. Milagrosamente, nenhum deles precisou intervir. Torno a decolar imediatamente, a bordo de um avião emprestado pela 4° esquadrilha. Quando tentamos, sobre a landa de Luneburg, interceptar uma formação de Liberator, uns quarenta Thunderbolt surgem das nuvens e nos atacam. Presos numa tesoura, vamos sucumbir a força do número. É um "salve-se quem puder" geral. Os americanos, desencadeados, se atiram a presa com gritos de peles-vermelhas. Eu e Specht conseguimos escapar no último momento, depois de desenfreada perseguição, rente as charnecas.194

Em Pleno Crepúsculo

Já sei que meus dois chefes de seção foram abatidos. Poucos minutos depois da aterrissagem, fico sabendo também que Wennecker, gravemente ferido, está no hospital de Diepholz.A noite, Specht telefona a divisão, para pedir a retirada provisória do grupo. Um grupo esquelético, cujos pilotos não agüentam mais.Nos escalões superiores, rejeitam o pedido com indignação: o grupo lutará até o último avião.

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A rádio anuncia que "os quatro cantos de Berlim estão ardendo". No mess silencioso, eu e Johnny Fest estamos jogados em fundas poltronas. Quase não falamos, fumando sem cessar. O olhar de Johnny está preso as fotografias dos que se foram. Tem-se a impressão de que os retratos vão animar-se, que as vozes familiares dos companheiros vão quebrar o pesado silêncio, que eles vão rir, brincar, evocar velhas 1embranças . . . Amanhã, talvez, nossas fotografias estarão naquela mesma parede.15 de março de 1944.O grupo decola com seis aviões, contra os cerca de trezentos Thunderbolt e Lightning que protegem mais de mil Fortalezas Voadoras.Ao regressarmos, somos apenas... quatro.

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A Grande Caça

Eu e Johnny estamos banhados de suor. Nossos aviões, furados como escumadeiras, não passam de ferragens. É o fim!Ao meio-dia, Specht vem procurar-nos no mess:- O grupo foi retirado do combate por seis semanas. creio que bem merecemos esse descanso.Quando ele sai, abro uma garrafa de conhaque. Duas horas depois, começamos outra.Johnny me fala sobre sua noiva. Quer ter no mínimo quatro filhos quando casar.Comovido, confio-lhe um grande segredo, Lilo espera um filho para o próximo mês.- Bravos! - grita ele, com voz pastosa.- Magnífico, sobretudo se você ainda estiver para vê-lo!Ao cair a noite, vamos para a cidade. O álcool nos faz esquecer as últimas semanas.- Vamos fazer uma farra ! - propõe Johnny.Aceito. Aceito tudo quanto ele quiser. Esta noite, não quero tomar conhecimento de nada, absolutamente de nada.Felizmente, já é noite. As luzes não passam de ridículas velas azuladas. Ninguém pode distinguir nossas fisionomias.Johnny conhece "uma pequena e encantadora viúva". Vamos a sua casa. A viuvinha é realmente encantadora. Convida uma amiguinha, e dançamos até não poder mais.

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Em Pleno Crepúsculo

28 de abril de 1944.

Recebemos aviões de um novo modelo, que acabam de sair da fábrica. Graças a injeção suplementar, nos cilindros, de uma mistura de metanol e água, conseguem atingir uma velocidade superior em 40 % a máxima habitual.Com a chegada de uns vinte pilotos - cuja instrução, aliás, deixa muito a desejar - pudemos reconstituir a 5° esquadrilha. Contanto que não vá fundir-se novamente na fornalha!Venho de passar cinco dias no centro experimental de Lechfeld, onde vi pela primeira vez o Messerschmitt 262, nosso novo caça a reação. Em vôo horizontal, ele alcança a extraordinária velocidade de 900 quilômetros por hora. Segundo as previsões oficiais, até o fim do ano teremos em serviço mil desses fenômenos. Então, que Deus tenha piedade dos americanos e dos tommies!Já há alguns meses assisti a decolagem de um Messerschmitt 163. Sua propulsão por foguete confere-lhe uma velocidade de cerca de 1200 quilômetros por hora, que lhe permite subir aos 8000

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metros em três minutos. Quando se pensa que, desde 1941, esse avião alemão sem hélice ultrapassava o limite dos mil quilômetros por hora, fica-se a perguntar por que os responsáveis pela Luftwaffe ainda não nos dotaram de um instrumento de guerra assim temível!

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A Grande Caça

Bem sei que, em nossas fábricas, trabalha-se febrilmente para cobrir esse atraso. Mas sei também que, dia após dia, noite após noite, as bombas chovem sobre nossas oficinas. Quem levará a melhor. as Fortalezas Voadoras ou nossos engenheiros ?E o horizonte continua cada vez mais sombrio : a leste, recuamos sempre, de acordo com uma tática "elástica", na qual ninguém mais acredita. Abandonamos a África e lutamos em retirada nos Apeninos. A oeste, aguarda-se um desembarque aliado. Já há meses que a esquadra está preparada para enfrentar qualquer eventualidade. Os pilotos aprenderam, num curso de treinamento intensivo, quando e como devem atacar os lanchões de desembarque e as concentrações terrestres. Bastará uma pressão sobre um botão elétrico para acionar esse Imenso dispositivo. E no entanto.. .Hoje pela manhã o comandante Specht, promovido ao grau de comodoro, assumiu o comando do 11° grupo de caça. Sucedo-lhe no comando da esquadra. Specht me diz que minha promoção antecipada ao posto de capitão é a recompensa de "minha excepcional coragem diante do inimigo".29 de abril de 1944.Três divisões de bombardeiros acabam de deixar a região de Great Yarmouth e se dirigem para o continente. Nossas unidades avançadas na Holanda assinalam que o inimigo dispõe de escolta numerosa.198

Em Pleno Crepúsculo

Recebemos ordens de travar combate a qualquer preço com os caças inimigos, para permitir que vários grupos de Focke Wulf interceptem as Fortalezas com o máximo de eficácia.Via Amsterdan, Zuyderzée e Deventer, a armada americana alcança a fronteira alemã a oeste de Rheine. Às onze horas suas pontas avançadas sobrevoam o campo que nossos aviadores evacuaram provisoriamente. Decolamos as 11h 04m, descrevemos uma larga curva para nos agruparmos e começamos a ganhar altura.- Bombardeiros em Gustavo-Quebec. Hanni, oito, zero!6000 metros, 7000, 8000. Do norte e do sul, sobem outros grupos de caça, na maioria de Focke Wulfs.- Bombardeiros agora em Gustavo-Siegfried.- Victor !. Victor! . . .Continuo a subir até os 9000 metros. O motor, especialmente adaptado para ar rarefeito, obedece com espantosa facilidade.As 11h 30m, distingo, a oeste, os rastos de condensação dos Lightning, que formam a vanguarda inimiga.Minutos depois eles passam sob minhas asas, seguidos pelo interminável desfilar dos bombardeiros. Enxames de Thunderbolt e de Mustang volteiam pelos lados, debaixo e por cima. Nossos Focke Wulf se lançam ao ataque!199A Grande Caça

Imediatamente, derrapo sobre a asa e avanço contra um grupo de Lightning. eles já nos viram e, lançados numa ampla viragem, vêm ao nosso encontro. Pouco além, no sul, uma massa de uns

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quarenta Thunderbolt também muda de rumo e se atira contra nós. Exatamente o que queríamos! Colo durante alguns minutos na esteira de um Lightning, que ziguezagueia, derrapa, desce e torna a subir. Só de quando em quando consigo mandar-lhe uma saraivada de obuses. O animal sabe pilotar ! . De súbito, um bando de Mustang executa uma passagem frontal, que corta minha trajetória. Suas traçadoras passam raspando minha capota. Cabreio meu "zinco" com ambas as mãos. . . Maldição! Só faltava essa! Olhando por sobre os ombros, vejo que meu chefe de seção, encarregado de cobrir-me a retaguarda, seguiu-me fielmente e continua a me proteger. Outro Lightning tem a idéia estúpida de vir passear sob o meu nariz. Dessa vez consigo acertar minhas rajadas. Espessa fumaça escapa de seu motor direito. . . Não posso explorar minha vantagem. Oito Thunderbolt colam-se a minha esteira. Suas balas me enquadram de perto. Manifestamente, os pilotos americanos contra os quais estamos lutando são experimentados veteranos. Por muito que me debata e tente minha famosa chandelle em saca-rolhas, eles continuam firmes no meu rasto. Ainda bem que minhas manobras os impedem de fazer boa pontaria.200Em Pleno Crepúsculo

Mas eis que um dos americanos, levado por seu impulso, vem colocar-se a minha frente. Aperto os botões de fogo de meus canhões, mas ele já guinou para juntar-se aos companheiros, que continuam me alvejando por trás. Apesar do frio glacial, estou banhado de suor.Sinto o corpo dolorido como se tivesse levado uma surra de cacete. Ora sou lançado para a esquerda, ora para a direita, afundado no meu assento ou suspenso de cabeça para baixo, a ponto de sentir náusea. Meu Deus! Como são longos estes minutos! Entrementes, os Focke Wulf fizeram bom trabalho. Quase não tenho tempo de olhar em volta, mas ainda assim posso ver umas trintas Fortalezas que se abatem em chamas. Uma gota no mar !. Imperturbáveis, centenas de outras prosseguem sua rota para leste. Daqui a pouco, os berlinenses irão sentir calor !. A luz vermelha do indicador de combustível acaba de acender. Meu tanque estará vazio dentro de dez minutos. Brutalmente, dou uma guinada e mergulho para o solo. Os Thunderbolt me abandonam a minha sorte. A mil metros, bem sobre as nuvens, equilibro lentamente o avião. Segundo meus cálculos, devo estar em algum lugar entre Brunswíck e Hildesheim. De repente, meu chefe de seção vira e se precipita para as nuvens. Volto-me, intrigado. Santo Deus! Um Thunderbolt me segue a poucos metros, seguido de outros sete que, provavelmente, aguar-

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A Grande Caça

dam a ocasião de intervir. Com terrível estrépito, suas rajadas penetram no meu pobre avião. A asa direita imediatamente se inflama. Refugio-me nas nuvens, com uma guinada a esquerda. Distingo, de súbito, a silhueta de um Lightning. Mando-lhe uma rajada, de passagem, que incendeia sua empenagem. E ali está a terra! Empurro a capota para saltar, enquanto ainda tenho altitude suficiente. Bem no momento em que vou me içar, uma saraivada de balas penetra em minha fuselagem, como se ela fosse manteiga. É um Thunderbolt, que ainda me persegue uns trinta metros. Ouço nitidamente o espoucar de suas metralhadoras. Que situação! Se salto agora, a hélice do americano me transformará em salsicha. Por isso, abaixo-me no assento, cuja placa dorsal encaixa estoicamente as "ameixas". A fuselagem e as asas estão terrivelmente esburacadas. Ao lado de mal pé direito, através de um rombo com as bordas rasgadas, irrompem labaredas que vêm 1amber-me a bota. Bum! Um impacto direto esmigalha meu painel de bordo. Uma bala ricocheteia e me atinge na cabeça. Não há nada a fazer. t É o fim!O motor pára. A velocidade diminui imediatamente. Meu adversário passa sobre mim. No lapso de alguns segundos, enquadra-se no meu visor. Abro fogo. Tremo da cabeça aos pés, sinto

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que meus nervos vão ceder a qualquer momento...Tanto pior! Se estou perdido, o outro dará o grande salto juntamente comigo.202

Em Pleno Crepúsculo

O Thunderbolt guina desesperadamente. Tarde demais! Já está em chamas. Sua capota se destaca e um corpo se ergue. . . A terra sobe para mim, reta como um muro.Atravesso em vôo rasante alguns campos, depois uma planície, sobre a qual colo o ventre do avião num brusco movimento de manche. Um jato de chamas me atinge o rosto, torrões de terra voam ao meu redor. . . um choque terrível, o avião desliza, patina e pára numa valeta. Quero erguer as mãos para proteger os olhos. .. um golpe terrível na cabeça . . . perco os sentidos. . . Absolutamente não sei como saí do braseiro.Dores atrozes na cabeça não me permitem qualquer pensamento coordenado, mas apenas reflexos, os mais elementares. Titubeio, tropeço, caio, levanto-me, ansioso apenas por afastar-me daqueles destroços que vão explodir. Alguns obuses já estouram, e seus estilhaços passam zumbindo em meus ouvidos.Enorme coluna de fumaça ergue-se dos escombros do meu avião, reta para o céu. Centenas de metros além, outro avião se consome. Deve ser o americano !Minha cabeça, minha pobre cabeça! Caio de joelhos, apertando com ambas as mãos minhas têmporas, atrás das quais como que bate um frenético martelo. Depois, começo a vomitar, a exaurir-me, até que só me reste na boca o amargor repugnante da bílis. Quando me recobro, vejo a minha frente uma espécie de armário espelhado, que me fixa com olhar203A Grande Caça

vidrado. O americano, sem duvida. Depois de um instante, senta-se no chão, ao meu lado. Oferece-me um cigarro. Aceito, oferecendo-lhe em troca meu próprio maço. Ele se serve, acende meu cigarro e esboça um sorriso. - É você o piloto do Messerschmitt ?- Sim. ..- Está ferido ? - Acho que estou.- De qualquer modo, sua cabeça está sangrando. Tem razão. Agora percebo que o sangue escorre pelo meu pescoço.- Foi você que me abateu ? - continua o americano. - Sim, fui.É formidável! Seu avião queimava como uma tocha! É preciso ser duro para fazer aquilo ! Eu o julgava semimorto ! - Foi exatamente esse o seu erro. Ele se põe a rir. Depois de algumas baforadas, continua: - Certamente não sou sua primeira vitória, hem? - Oh, não !. É a vigésima sexta.O americano me diz que, de sua parte, abateu dezessete aviões alemães. Deveria voltar dentro de alguns dias para os Estados Unidos, como instrutor. - Mas que fazer ? - diz ele, filosoficamente.De qualquer maneira, isto não demorará muito agora.204Em Pleno Crepúsculo

Sinto que ele diz a verdade. Apesar dessa constatação desagradável, acho-o simpático. No fundo, estou contente por vê-lo com vida. Depois de uma hora, vemos chegar um grupo de soldados das posições de D. C. A. próximas, que avançam com os fuzis prontos para atirar. Encolerizo-me : - Baixem as armas, seu bando de idiotas! Tratem de chamar padioleiros, que é melhor t.eles me carregam até a estrada, onde um caminhão do exército está a espera. Nele estão acomodados seis americanos, com ar aborrecido. Instalo-me o melhor que posso entre eles, ajudado pelo meu

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novo amigo. À entrada do campo de Brunswick, despeço-me dele. Trocamos um demorado aperto de mão.- Tudo de bom para você !- digo-lhe, com sinceridade. - All the best, for you too!Duas horas depois, o ajudante Barann vem buscar-me com um Arado. Comunica-me que o grupo não sofreu nenhuma perda, ao que retruco, melancólico : - Exceto eu. . . À frente do meu gabinete, perco as forças e caio.Levam-me para a cama e, pouco depois, a enfermaria. Queimando de febre, começo a delirar.

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A Grande Caça

10 de junho de 1944.

Passei sete semanas extremamente penosas.Os médicos haviam constatado uma fratura do crânio. Tive depois um choque nervoso, um verdadeiro esgotamento, seguido de forte hemorragia cerebral. Fiquei vários dias incapacitado de falar. Ainda hoje, articulo as palavras com dificuldade. Sinto-me extremamente irritável e a memória me foge completamente. F alam em mandar-me para uma casa de saúde.Faz quarenta dias que os aliados desembarcaram na Normandia. Meu grupo combate a cabeça de ponte, sob as ordens de um velho companheiro, o capitão Krupinski.No fronte leste, os russos avançam para as fronteiras do Reich. É o crepúsculo do poderio alemão.Partirei amanhã para uma casa de convalescença da Luftwaffe, no Tegernsee, na Baviera. Naturalmente, Lilo e Ingrid vão comigo.206CAPÍTULO VII

Volta ao Lar. . . . . . de Muletas

Dois meses nos Alpes bávaros permitiram minha recuperação. Infelizmente, os médicos da comissão especial continuam a julgar-me inapto para o serviço ativo na aviação. Entregam-me um monte de papéis, que deverei entregar ao médico de minha nova unidade. ~ o que realmente tenho a intenção de fazer.Minha antiga esquadra de caça regressou a Wunstorf. Vou até lá para ver o que é feito da 5° esquadrilha.Comunico por telefone meu regresso a divisão, especificando que estou completamente restabelecido. Sem exigir provas dessa cura, dão-me ordem de acompanhar a esquadra a França, onde assumirei o comando da 3° esquadra do primeiro grupo de caça.12 de agosto de 1944.

Durante a transferência, quando fazemos escala em Wiesbaden com nossos setenta e quatro aviões, os jovens pilotos novatos, destinados a preencher os claros dos últimos combates, destroem uns doze aviões na aterrissagem. É de gritar de raiva!207

A Grande Caça

13 de agosto de 1944.

Recebemos aviões de substituição. A tarde, a esquadra parte novamente na direção do fronte. Ao cair

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da noite, pousamos numa base de campo, uma pista aplainada por rolo compressor. Um dos nossos pilotos choca-se contra um poste telegráfico e morre.Na mesma noite, parto de carro para o campo de meu novo "rebanho". Para surpresa minha, o oficial que irei substituir é meu primeiro chefe direto da campanha da Polônia, o capitão Woitke. Sou amistosamente recebido. Mas como é possível que esse velho soldado continue envergando o mesmo uniforme ? . t. Logicamente, deveria ser, no mínimo, tenente-coronel. Ele deve ter algum inimigo tenaz no serviço do pessoal. . . Abatido em chamas poucos dias antes, Woitke exibe, ao redor do ombro esquerdo e do peito, pesada couraça de gesso, que o faz parecer-se extraordinariamente a uma cavaleiro da Idade Média.14 de agosto de 1944.

Assumo esta manhã o comando efetivo da esquadra.Travamos o primeiro combate de meu reinado sobre Rennes, contra seis Thunderbolt. Abato um deles, que explode sob meu nariz.

208Volta ao Lar . . . . . . de Muletas

A caminho de volta, atacamos a canhão uma coluna de jeeps com reboques. Um dos veículos se lança numa vala e pára contra o barranco oposto, antes de explodir como uma granada.

17 de agosto de 1944.

Cerca das dez horas da manhã, um avião de reconhecimento vem passear na vertical de nosso campo. Vai nos mandar seus amigos bombardeiros, o animal!De fato, uma hora depois, oito caças bombardeiros mergulham sobre nós e destroem um avião. Quando partem, mando retirar as redes de camuflagem e decolo, para tentar alcançá-los. Mas eles já vão muito longe. Vejo apenas um Lightning isolado, que consegue escapar rente as árvores.À tarde, quando voltamos de um ataque a um destacamento de blindados, jatos de terras surgem repentinamente de nosso campo já bastante castigado. No ar vibrante de calor, distingo uma formação de doze Marauder. Com as últimas gotas de combustível, lançamo-nos ao ataque. Meus homens abatem três americanos, e eu o quarto. Ainda fizemos bom trabalho!Ao cair a noite, transferimo-nos para Marolles.É mais seguro, pois o primeiro campo com toda certeza será bombardeado amanhã.

209A Grande Caça

18 de agosto de 1944.

Os americanos atingiram o Sena, ao norte de Paris. Transferimo-nos novamente, para nos instalarmos em Vailly, a leste de Soissons. O verão tórrido, prenhe de ameaças de tempestade, inquieta-me como um pesadelo. A espera do fim, que não pode mais tardar, é uma dura prova. Por vezes, entre duas missões, passeio de bote pneumático pelas águas claras do Aisne, que passa a alguns metros do campo. Com um pequeno dardo quebrado, fisgo solhas que lutam selvagemente, para morrerem depois de demorada agonia. Quando chegar minha vez, certamente morrerei mais depressa!28 de agosto de 1944.

O inimigo tenta cruzar o Sena, entre Vernon e Mantes. Os pontões lançados pela engenharia são protegidos dia e noite por nuvens de caças, numerosas peças de D. C. A. e incontáveis projetores. Seis inúteis ataques contra eles nos custaram, ontem, doze aviões.

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Estamos praticamente fora de combate.Hoje pela manhã, somente quatro aviões puderam decolar. Os mecânicos trabalham para consertar outros dois. Às seis horas da manhã, o chefe de estado-maior do corpo me chama ao telefone, para passar-me uma descompostura :2lOVolta ao Lar . . . . . . de Muletas

Você comunica quatro aviões disponíveis, mas ainda possui seis! Perdeu a razão ? Parece que não se dá conta da gravidade da situação ! Isso é sabotagem, está ouvindo ? Sa-bo-ta-gem !. Ordeno-lhe que engaje a totalidade de seus aviões!Ele grita como um possesso. Desde a época longínqua da caserna, nunca ninguém falou comigo nesse tom!Quase não reprimo a cólera. Que sabem de nossos cuidados, de nossas preocupações, esses escalões agaloados, esses estrategistas de salão ? Sabotagem? Na verdade, é um bocado forte!Mando preparar um dos aviões danificados.Meu chefe de seção, o caporal chefe Doring, fica com o outro.Dois minutos antes da hora fixada para decolagem, saímos dos abrigos de camuflagem. Prudentemente, colocamo-nos contra o vento.A "pista" é uma longa faixa de terra movediça.Meu "zinco" acelera com dificuldade. Dá-me enorme trabalho arrancá-lo do solo.Doring se impacienta muito cedo. O velho avião se ergue, mas, não tendo ainda a sustentação necessária, derrapa sobre a asa e vai abater-se em chamas ao lado de um pequeno bosque. Doring morre na hora.Agora, a " esquadra" está reduzida a cinco aviões. Essa ordem do corpo é um verdadeiro assassinato !Fico sabendo pelo rádio que as outras esquadras não podem nem sequer decolar, pois os caças211

A Grande Caça

bombardeiros ingleses atacam incessantemente seus campos.Dirija-se a Siegfried-Gustavo! - ordena o controlador.

O setor do mapa corresponde a região de Tergnier, ao norte de Soissons. Trata-se de importante entroncamento ferroviário. Além do mais, é em Tergnier que o canal do Somme se liga ao Oise.Sobre esses objetivos vitais é que a 3° esquadra, do primeiro grupo de caça, vai sustentar seu último combate em céu francês. Combate de desespero, contra pelo menos sessenta Mustang e Thunderbolt.Em poucos minutos, dos cinco aviões só restam dois. Agora, só estamos eu e meu segundo, o suboficial Ickes. É o halali, é o cerco final! Somos alvejados de todos os lados ao mesmo tempo. Ickes, estoicamente, acompanha todas as minhas manobras. Meu "zinco", fatigado, perde sensivelmente velocidade. Não há nada a fazer para ludibriar o Mustang que se colou a minha esteira. Cabreio, num Ultimo esforço, numa curva ascendente, que surpreende o adversário. Levado por seu impulso, ele passa por debaixo de mim e vem, sozinho, colocar-se no meu visor. É minha vez de atirar !Minha primeira rajada incendeia-lhe a empenagem. Depois, seu motor é presa das chamas e uma violenta guinada o projeta bem na minha trajetória. Vamos cair, ambos, confundidos num braseiro comum ?

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Volta ao Lar . . . de Muletas

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Terrível choque sacode meu avião, arrancando-lhe a asa direita, que voa no espaço. Numa fração de segundo, empurro a capota e me iço para fora. Enorme língua de fogo amarelada não me atinge por questão de centímetros. Dou comigo em pleno ar, suspenso ao pára-quedas. Em baixo, num descampado, o Mustang e o Messerschmitt formam uma só fogueira.Por cima de mim, os pilotos americanos continuam sua ronda vertiginosa. Ainda não compreenderam que os últimos Messerschmitt desapareceram dos céus.Toco a terra numa pequena clareira. Mas ignoro se me encontro aquém ou além de nossas linhas. Depois de ter fumado um cigarro para acalmar as batidas descompassadas do meu coração, arranco as ombreiras e enfio no bolso a minha Cruz de Ferro. Com esta roupa de couro americano, minhas velhas e desbotadas calças e a camisa de seda azul, quase não 1embro a figura de um oficial alemão. E como agi bem!Quinze minutos depois, vejo quatro civis franceses surgirem do outro lado da clareira. Meus conhecimentos de francês são suficientes para compreender que estão a minha procura. Todos estão armados. São maquis!Escorrego a mão sob a roupa, onde escondi meu revólver. Como os quatro rapazes começam a revistar as moitas, prefiro não brincar de esconde-esconde. Talvez achassem esse jogo um tanto sem graça. . .

213A Grande Caça

Ergo-me e, calmamente, vou ao encontro deles. Olham-me com preocupada surpresa. Quatro armas de fogo estão voltadas contra mim. Agora, tratemos de desempenhar convenientemente nosso papel. Se eles perceberem que se trata de um alemão, são capazes de matar-me. Isso é quase certo, é mesmo tão certo como dois e dois são quatro.Paro a cinco passos deles, fico imóvel e lhes digo, num tom jovial: - Hello, boys!Depois, procurando imitar o melhor possível o sotaque americano, continuo :- Podem ajudar-me a encontrar meus companheiros ? Visivelmente, o gelo está rompido. Meus "salvadores" me informam que há uma unidade blindada americana a apenas dois quilômetros. Mas é preciso abrir os olhos, pois ainda há muitos boches na região. O maior dos quatro, um sujeito que me preocupa bastante, traz sob os braços uma metralhadora portátil alemã. É o mais quieto deles. Terá desconfiado de alguma coisa ? Atravessamos um bosque fechado e chegamos a um talude de estrada de ferro. Bem nesse momento, estala a nossa esquerda o espoucar nervoso de uma metralhadora alemã -. Imediatamente, os três franceses que me precedem se lançam de bruços no chão. O rapaz da metralhadora fica de pé ao meu lado. Pergunto-lhe para onde vai aquela linha férrea.

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Volta ao Lar . . . . . . de Muletas

- A Amiens.Caramba! Estou bem longe das posições alemãs. Faz três dias, no mínimo, que os americanos entraram em Amiens. A metralhadora silencia. Prudentemente, atravessamos o talude. Pouco além, chegamos a margem de uma bela estrada. O grandalhão não se afasta um centímetro de mim. Em alguns saltos, seus amigos atravessam o espaço descoberto. Meu acompanhante faz-me um sinal para que os siga e, sem me esperar, salta também atrás dos companheiros. De súbito, pára e volta-se. Nossos olhos se encontram. Agora ele compreendeu. Preciso salvar-me - é minha Ultima oportunidade. Dou meia volta e corro para o bosque. O rapaz da metralhadora corre atrás de mim. Com o canto dos olhos, vejo-o erguer sua arma. No momento em que aperta o gatilho, atiro-me atrás

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de um pequeno monte de terra. Ao meu redor, as balas erguem gêiseres miniaturas de terra. Quando o francês baixa a cabeça para mudar o carregador, puxo o revólver. De um salto, ponho-me de pé e disparo. O homem cai, com um estertor. Abaixo-me e recolho sua metralhadora.Sinto muito, meu caro, mas era você ou eu. . .Arquejante, corro para o bosque. Depois de alguns metros, escondo-me atrás de um tronco de árvore. Os outros franceses não me seguiram. Quinze minutos depois, encontro um destacamento de tanques alemães. Ao cair da noite, estou novamente no meu campo.

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A Grande Caça

Cerca da meia-noite o comodoro me chama para comunicar que o inimigo realizou uma profunda penetração, na direção de Soissons. Suas pontas avançadas estão ao sul, a leste e ao norte de nosso campo. Se não as detivermos em Laon, prenderão todas as unidades que ainda se encontram na região, como numa imensa armadilha. É preciso partir imediatamente. Determino a transferência da esquadra para a região de Beaumont, na Bélgica, onde, alguns dias antes, mandei reconhecer um campo auxiliar. Oxalá nossos comboios consigam passar pelas malhas inimigas!10 de setembro de 1944.

Estamos exatamente há uma semana em Beaumont, onde nossos caminhões conseguiram chegar depois de uma viagem épica, por estradas constantemente vigiadas pela aviação aliada. No momento, estamos acampados num mísero e pequeno campo, escondido entre duas montanhas cobertas de bosques, a margem ocidental do Reno. Cheio de raiva, esperamos inutilmente pelos caças a reação que, "em nuvens", deveriam pôr fim ao pesadelo dos bombardeios aliados. Ora, Hitler engajou o Me 262 como " arma de represália" contra a Inglaterra. Quando Goering, Galland e os chefes das grandes unidades ousaram protestar, ele declarou que não admitia qualquer discussão a respeito dos aviões

216Volta ao Lar . . . ...de Muletas

a reação. Era ele quem decidiria sobre seu emprego ! E aí está! A Luftwaffe se dessangra para tentar defender as cidades alemãs. A Luftwaffe morre, corajosamente, é verdade, mas sem poder impedir que os aliados arrasem sistematicamente nossas cidades, nossas fábricas, as instalações ferroviárias e as centrais de produção de energia. Em suma, a Luftwaffe morre em vão. Talvez umas vinte esquadrilhas de caças a reação ainda pudessem reequilibrar as coisas. De qualquer forma, era nossa última esperança. Mas o Alto Comando teima em suas represálias ! 9 de outubro de 1944.

Desde hoje cedo sei que nunca mais voarei. À meia-noite, recebera ordem de levar minha esquadra imediatamente para Anklam, no mar Báltico. Como três dias atrás fomos transferidos as pressas para a região de Viena, começo a imaginar se o grandes chefes ainda estão em seu juízo perfeito. A rota prevista passa por Praga, Dresdem e Berlim. O comboio fará o percurso num dia e meio. Cada veículo deverá levar sua provisão de combustível, pois o reabastecimento em trânsito tornou-se bastante precário. As quatro horas da tarde, comemos num albergue mantido por um checo. Partimos meia hora depois. À saída da aldeia, violento solavanco me217A Grande Caça

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arranca o volante das mãos. Torno a agarrá-lo, mas o veículo não mais obedece. Chocamo-nos contra um muro, a oitenta por hora. Gerhardt é projetado através do pára-brisa e o motorista, sentado atrás, consegue sair e cai ao lado da capota arrebentada. Quanto a mim, preso debaixo do volante, com as pernas abertas, tento inutilmente sair. De repente, terrível choque nos sacode : outro veículo, desgovernado como o nosso, vem de encontro a ele. Sinto uma dor atroz, fulminante, subindo ao longo das pernas. Redobro meus esforços e depois de um ou dois minutos de luta consigo sair pela porta semi arrancada. Precisei quebrar o volante, cujo eixo quase me entrou peito a dentro.Caído na valeta, tateio meu corpo. Cada movimento me arranca um grito de dor. A rótula esquerda e a articulação do quadril direito estão esmagadas . . .Rastejando de costas, erguendo-me sobre os cotovelos, consigo subir até a estrada. Duas horas depois, uma unidade das waffen S.S. me encontra desfalecido.Soube, mais tarde, que inúmeros outros veículos sofreram acidentes semelhantes. Provavelmente, sabotagem dos checos. No hospital militar de Praga, os médicos querem por força amputar-me a perna esquerda. A pele já apresenta uma cor suspeita. Mas eu recuso, obstinadamente, desesperadamente.Por nada do mundo quero passar o resto da vida como mutilado, um desses infelizes de que todos sentem pena.218

Volta ao Lar . .. .. .de Muletas

Os médicos gastam duas horas para me recompor a rótula. Com ambas as pernas engessadas, fico num quarto cuja lotação é prevista para quatro pessoas, mas onde agora se apertam dez feridos graves. Uma enfermeira traz minha pasta. Abro minha Ultima garrafa de conhaque e em poucos minutos a esvazio até a Ultima gota. Esta noite não sentirei dores!

7 de dezembro de i944.Retiraram o gesso ontem. Minhas pernas estão terrivelmente magras. O joelho direito ainda não se flexiona. Estou tão fraco que mal consigo sentar-me na cama.8 de dezembro de 1944.Dou os primeiros passos, apoiado num par de muletas. Consigo andar de uma parede a outra do quarto. Amanhã, darei um passeio pelo corredor. Aprenderei a andar de novo, como uma criança.Mas andarei!

1O de dezembro de 1944.

Já posso sair, acompanhado de uma enfermeira. Ontem a noite fui ao teatro. Levei mais de uma hora para um trajeto que um homem normal faz

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A Grande Caça

em dez minutos. Minhas mãos estão cobertas de bolhas, provocadas pelas muletas. Isso não tem a mínima importância. Só meus progressos é que contam.

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19 de dezembro de 1944.

Passei uma semana numa estação termal austríaca, cujas águas radioativas me fizeram muito bem. O joelho esquerdo lentamente recupera sua elasticidade. Mas a perna direita ainda continua um peso morto. Encolhida seis centímetros, balança inutilmente na articulação destruída do quadril.Lilo conseguiu minha transferência para o hospital de Sanderbusch, a poucos quilômetros de Jever. Alugou um apartamento no arrabalde da cidade, numa villa adorável. É lá que me espera, com nossos dois filhos. Não nos deixaremos mais, nunca mais.21 de dezembro de i944.

Um pobre destroço, caminhando com auxílio de duas muletas, empreendi a viagem que me levará para casa. A guerra continua. Para mim, para o aleijado que sou, ela está definitivamente acabada.Em Salzburgo, as bombas chovem sobre a estação. Nosso trem pára numa estação de subúrbio. Dois caminhões nos levam a uma parada do outro220

Volta ao Lar. . . de Muletas

lado da cidade. Somos uns vinte feridos, que se movimentam com dificuldade. Em Rosenheim, onde esperamos o trem para Munique, faz um frio siberiano. A meia-noite, a aviação aliada ataca a estação. Milhares de viajantes, em pânico, correm para os abrigos. Nós, os feridos, incapazes de correr, ficamos deitados entre os trilhos. Estendidos no chão, nos perguntamos como ainda estamos vivos. Quando os bombardeiros se vão, encostamo-nos uns nos outros, para partilharmos das Ultimas reservas de calor humano. Em Munique, a estação está em chamas. A Alemanha toda está ardendo t. Para chegar a Augsburg, normalmente um trajeto de cinqüenta minutos, o trem leva exatamente sete horas. Em Augsburg, transportam-me para uma barraca da Cruz Vermelha, bem ao lac10 da estação. Não agüento mais, estou exausto. Quero dormir, dormir, dormir. . .Ao meio-dia, as Fortalezas Voadoras atacam o centro da cidade. As enfermeiras querem levar-me para um abrigo, mas eu as ponho porta a fora. Que me deixem em paz !. Quero dormir !.À noite, um trem de soldados em licença parte para Hanôver e - milagre dos milagres! - chega ao destino somente com duas horas de atraso.23 de dezembro de 1944.Superestimei minhas forças. Esta viagem vai liquidar-me. Às vezes, os viajantes acorrem em meu221A Grande Caça

auxílio. Atenção meritória, principalmente neste momento, quando todos têm seu fardo de preocupações. A meia-noite, um ônibus deixa-me, finalmente, em Jever. Um carro militar me leva - sim, exatamente, me leva para casa. . .Reconheço no escuro a silhueta de Lilo, que corre ao meu encontro através do jardim coberto de neve. Nem sequer posso estreitá-la em meus braços, ocupados com as malditas muletas. Abraço-a ternamente, desajeitadamente, e subimos devagarinho na direção da casa.- Você caminha com tanta dificuldade! - murmurou Lilo, com a voz entrecortada pelas lágrimas. Se eu soubesse que era tão grave. . .Na lareira da sala crepita um fogo bom. Deixo-me cair numa poltrona. A partir de agora, vou

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começar a descansar de tudo : das fadigas da viagem, da guerra, dos dramas que vi. Só quero viver para minha família, para o meu lar. Amanhã é Natal. Amanhã, Ingrid, minha filha de cachos loiros, vai assaltar-me com mil perguntas : por que fiquei tanto tempo ausente, por que os homens maus ainda fazem guerras, por que ando tão devagar. . . Por quê?

.... Por quê? .... POR QUE?

FIM