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1 A GESTÃO ESCOLAR NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS: AUTONOMIA, GESTÃO ESCOLAR E PARTICIPAÇÃO, À LUZ DA LITERATURA CIENTÍFICA Autora: Cristina de Cassia Mabelini da Silva Aluna do PPGE da Unicid Co autora: Profa. Dra. Ângela Maria Martins Professora do PPGE da Unicid Eixo temático: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação Categoria: Comunicação RESUMO: Texto desenvolvido com base no pensamento de Barroso (1996), Libâneo (2013), Martins (2002, 2007, 2011), Paro (2002), sobre autonomia e gestão escolar, e de Lima (2011) sobre participação, com o objetivo de estabelecer parâmetros teóricos e conceituais para analisar e interpretar ações escolares desenvolvidas a partir de formações continuadas propostas pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo (SEESP), na opinião de diretores de escolas, objeto de pesquisa de Mestrado. Palavras- chaves: Autonomia, Gestão Escolar e Participação. INTRODUÇÃO No início de 2011, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), um dos órgãos da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEESP), antes do Decreto nº 57.141/11 1 , deu início à organização de um grupo técnico formado por supervisores de ensino, diretores e professores coordenadores, lotados no órgão central, visando discutir com a rede pública a gestão escolar e realizar a formação continuada de gestores. Esse grupo técnico colaborou na elaboração da ação de formação continuada de gestores expressa no Plano de Formação Continuada de Professores e Gestores CENP 2011 2 . O texto a seguir, elaborado com base no pensamento de Barroso (1996), Libâneo (2013), Martins (2002, 2007, 2011), Paro (2002), sobre gestão escolar, autonomia e descentralização, e de Lima (2011) proposto no modelo multifocalizado 1 Decreto nº 57.141, de 18 de julho de 2011. Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas. 2 Comunicado CENP de 11 de Julho de 2011, publicado no Diário Oficial de12 de julho de 2012. Plano de Formação Continuada de Professores e Gestores.

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A GESTÃO ESCOLAR NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

CONTEMPORÂNEAS: AUTONOMIA, GESTÃO ESCOLAR E PARTICIPAÇÃO, À LUZ DA

LITERATURA CIENTÍFICA

Autora: Cristina de Cassia Mabelini da Silva

Aluna do PPGE da Unicid

Co autora: Profa. Dra. Ângela Maria Martins

Professora do PPGE da Unicid

Eixo temático: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação

Categoria: Comunicação

RESUMO: Texto desenvolvido com base no pensamento de Barroso (1996), Libâneo

(2013), Martins (2002, 2007, 2011), Paro (2002), sobre autonomia e gestão escolar, e

de Lima (2011) sobre participação, com o objetivo de estabelecer parâmetros teóricos

e conceituais para analisar e interpretar ações escolares desenvolvidas a partir de

formações continuadas propostas pela Secretaria de Educação do estado de São

Paulo (SEESP), na opinião de diretores de escolas, objeto de pesquisa de Mestrado.

Palavras- chaves: Autonomia, Gestão Escolar e Participação.

INTRODUÇÃO

No início de 2011, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

(CENP), um dos órgãos da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São

Paulo (SEESP), antes do Decreto nº 57.141/111, deu início à organização de um grupo

técnico formado por supervisores de ensino, diretores e professores coordenadores,

lotados no órgão central, visando discutir com a rede pública a gestão escolar e

realizar a formação continuada de gestores. Esse grupo técnico colaborou na

elaboração da ação de formação continuada de gestores expressa no Plano de

Formação Continuada de Professores e Gestores – CENP 20112.

O texto a seguir, elaborado com base no pensamento de Barroso (1996),

Libâneo (2013), Martins (2002, 2007, 2011), Paro (2002), sobre gestão escolar,

autonomia e descentralização, e de Lima (2011) proposto no modelo multifocalizado

1 Decreto nº 57.141, de 18 de julho de 2011. Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas.

2 Comunicado CENP de 11 de Julho de 2011, publicado no Diário Oficial de12 de julho de 2012. Plano de Formação

Continuada de Professores e Gestores.

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de análise e na reflexão e discussão sobre as questões da participação nas escolas,

busca apresentar parte da literatura que vem abordando a complexidade de que se

reveste a gestão escolar no escopo das políticas educacionais contemporâneas, com

vistas a fundamentar uma abordagem que permita (re) conhecer e compreender o

impacto da ação de formação proposta pela SEESP nas práticas das escolas da rede

pública estadual, cujos diretores participam do processo de formação continuada

proposto no Comunicado CENP, publicado no Diário Oficial de 12 de julho de 2011.

Diferentes concepções de autonomia, gestão escolar e participação: o que diz a

literatura científica?

Este texto apresenta breve discussão em torno de diferentes concepções de

autonomia, gestão escolar e participação com o objetivo de construir aportes teóricos

e conceituais para o estudo em questão.

Assim com base no pensamento de Barroso (1996), Libâneo (2013),

Martins (2002, 2007, 2011), Paro (2002) sobre autonomia e gestão escolar, e de Lima

(2011) proposto no modelo multifocalizado de análise e na reflexão e discussão sobre

as questões da participação nas escolas, busca-se apresentar e discutir parte da

literatura que vem abordando a complexidade de que se reveste a gestão escolar no

escopo das políticas educacionais contemporâneas, com vistas a fundamentar uma

abordagem que permita analisar ações de formação continuada de gestores, neste

caso, implementados pela SEESP.

Segundo Martins (2002, p. 212) “no âmbito social e político o tema da

autonomia emergiu ao longo da última metade do século XIX, particularmente na

Comuna de Paris, em 1871, e, durante as primeiras décadas do século XX,

transformou-se na bandeira de luta de diferentes movimentos operários”. Segundo a

autora, “autonomia é um paradigma que orienta a superação de antagonismos

fundantes das relações sociais de produção: a divisão entre o trabalho intelectual e

manual; a cisão entre quem decide e quem executa; a separação entre dirigentes e

dirigidos, enfim, indica uma nova distribuição de poder”. (MARTINS, 2002, p. 220)

Em vários países com sistemas administrativos e políticos bem distintos,

se tem assistido uma alteração do papel do Estado nos processos de decisão política

e administração da educação (BARROSO, 1996). Porém, é preciso considerar que

embora exista essa tendência para o reforço, sobretudo, da autonomia da escola, em

vários países, ela acontece de modos e graus diferentes, dependendo das

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características políticas, econômicas e sociais e da organização da educação em cada

um desses países.

Nesse processo, Barroso (1996 p. 01), aponta para dois tipos de

autonomia: a autonomia decretada e a autonomia construída.

Para o autor, a autonomia decretada baseada nos pressupostos do

“school based management”3 está relacionada a transferência de poderes e funções

do nível central para as escolas, seja nas figuras dos gestores escolares, dos

conselhos escolares, como também dos pais de alunos4.

Segundo Caldwell (1993) apud Barroso (1996), um dos elementos centrais

desse tipo de autonomia consiste na possibilidade das escolas poderem decidir e

alocar determinados recursos tais como conhecimentos, tecnologia, materiais,

pessoas, tempo e dinheiro, cuja execução é controlada por prestação de contas, além

da descentralização e da desburocratização dos processos participativos, com a

partilha de decisões no interior da escola e aumento das decisões dos pais nas

tomadas de decisões.

Porém, como aponta Martins (2002, p. 278) “é importante salientar (...) que

o discurso em defesa da autonomia da rede de escolas, nos tempos atuais, confunde-

se com a defesa de processos descentralizadores”. Pode-se concluir que organizar e

educação com vistas à autonomia vai além da descentralização e da

desburocratização na decisão e utilização de recursos.

Para além da autonomia decretada, e sem desconsiderar que a autonomia

das redes públicas de ensino é pautada por possibilidades e limites, uma vez que as

mesmas estão organizadas por um conjunto de regras e normas estabelecidas em

contexto heteronômico, temos a autonomia construída em processo na gestão das

escolas, na sua organização pedagógica e administrativa. Segundo Barroso (1996) as

escolas desenvolvem (e sempre desenvolveram) formas autônomas de tomadas de

decisões, em diferentes domínios. É uma autonomia que surge do equilíbrio de forças

entre detentores de influência externa e interna: poder central e equipes escolares, ou

seja, das orientações para a ação e do plano de ação (Lima, 2011) desenvolvido na

escola, para a escola.

Assim, a partir das regras pré-estabelecidas, a escola se organiza, se

programa, planeja suas ações. Por isso, com base na literatura aqui examinada,

3 School Based Management: movimento surgido nos países de língua Inglesa, em particular EUA,

algumas províncias do Canadá, na Inglaterra e País de Gales, que tem por objetivo a descentralização de ações centrais para as escolas, gerando autonomia. Grande parte dessas medidas foi tomada no contexto de reformas educativas mais vastas, das quais a mais conhecida é o Educacion Reform Act, de 1988. 4 No estado de São Paulo são instituídos os seguintes Conselhos: Conselho Escolar, Conselho de Classe/Ano e as Instituições: Associação de Pais e Mestres (APM) e o Grêmio Escolar, previstas no Regimento Escolar: Parecer 67/97.

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quanto mais a escola re (elabora) essas normas e as orientações, quanto mais

organiza o trabalho coletivo e a proposta pedagógica, a participação e a distribuição

de lideranças (re) elaborando seu próprio plano de ação organizacional (Lima, 2011),

mais o diretor escolar se aproxima de uma gestão participativa, implementada com

autonomia.

Entretanto, os estudos realizados apontam para o fato de que não existe

autonomia da escola sem a participação de seus membros, como aponta Martins, a

partir de Castoriadis:

(...) as possibilidades e limites para o exercício da autonomia são dados, historicamente, por um conjunto de fatores. Ela só pode ser definida, portanto, como relação social, pois “... não podemos desejar a autonomia sem desejá-la para todos e sua realização só pode conceber-se como empreitada coletiva...” (MARTINS, 2002 apud CASTORIADIS, 1991, p. 130 – p.115)

A autonomia do sujeito precisa ser colocada a serviço de determinados

objetivos da organização e, para que se construa um processo coletivo de mudança, é

preciso buscar caminhos para: promover na escola uma cultura de colaboração e de

participação; desenvolver na escola formas diversificadas (individuais e coletivas) de

liderança; aumentar o conhecimento, por parte dos próprios membros da organização,

dos seus modos de funcionamento, regras, estruturas, enfim fazer uso da formação

continuada em serviço em prol da construção da autonomia.

Assim, é prudente discutirmos aspectos relacionados à organização do

trabalho da gestão escolar enquanto elemento facilitador da construção da autonomia

e da participação na unidade escolar.

Lima (2011), com base em uma abordagem sociológica que valoriza a

ação e o contexto específico da ação, considera a escola como unidade social e a

ação pedagógica nela desenvolvida como uma ação organizada capaz de valorizar os

elementos presentes nas macroestruturas e nas microestruturas que se articulam e

que são reconstruídos pelas equipes escolares. Nessa concepção, a escola, enquanto

organização educativa, é marcada profundamente por uma heterogeneidade e

diversidade de interesses, valores e projetos, que afetam sua gestão.

Nas palavras de Libâneo (2013, p. 223):

(...) a melhor concepção de funcionamento de uma escola é aquela que a toma como uma organização coletiva, que procura instituir um sistema de interações entre seus membros na base do compartilhamento de valores comuns, objetivos comuns, problemas comuns, por meio de práticas colaborativas: projetos comuns, elaboração conjunta de planos de ensino e de tarefas de aprendizagem.

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Para a organização de uma escola apoiada nos princípios defendidos por

Libâneo, precisamos de profissionais da educação que, como aponta Lima (2011,

p.14), a partir de Fusarelli, Kowalski & Petersen (2011) estejam voltados para o

desenvolvimento de um trabalho participativo, baseado no conceito de “liderança

distributiva”, num contexto educativo que ensaia a democracia deliberativa, a

participação ativa, a partilha de poderes numa perspectiva sociocomunitária como

sendo:

(...) o único capaz de responder às exigências que hoje se colocam a uma escola mais autônoma e deliberativa, capaz de responder positivamente a toda gama de novos problemas que enfrenta e à diversidade social e cultural, sem precedentes, de seu público. (LIMA, 2011, p. 14)

Assim avançando nas concepções sobre a escola e seu funcionamento,

duas questões sobre a organização do trabalho do diretor escolar - que podem

interferir diretamente na organização do trabalho da escola de forma coletiva, dialógica

e participativa ancorado em um processo de formação continuada precisam ser

debatidas. A primeira questão, como aponta Paro (2000), diz respeito ao trabalho

administrativo considerado separado do trabalho pedagógico. A segunda, como nos

apontam Paro (2000), Lima (2011) e Libâneo (2013), diz respeito à discussão sobre a

participação efetiva para construir propostas coletivas de trabalho com foco na

aprendizagem dos estudantes.

Sem desconsiderar o trabalho administrativo, sem o qual a escola não

funciona, mas atribuindo a ele um caráter racional e burocrático, dentro da dimensão

que dá suporte ao trabalho pedagógico, cabe aos diretores a organização do trabalho

de modo a articular os níveis administrativo e pedagógico, onde o primeiro organiza,

administra, executa em função do segundo. Assim como orienta Paro (2000, p.07):

“(...) se administrar é utilizar racionalmente os recursos para a realização de fins

determinados, administrar a escola exige a permanente impregnação de seus fins

pedagógicos na forma de alcançá-los.”

De acordo com Paro (2000), aceitar a ideia de que é simples construir o

trabalho coletivo é ter uma visão ingênua de escola, como um local onde não existem

interesses de grupos, onde as questões relacionadas a autoritarismo e a autoridade

estão plenamente resolvidas e todos vivem em harmonia. Nas palavras do autor:

“Com relação aos interesses dos grupos, há certa concepção ingênua que toma a escola como uma grande família, onde todos se amam e, bastando um pouco de boa vontade e

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sacrifício, conseguem viver harmoniosamente, sem conflitos.” (PARO, 2000, p. 20)

No que se refere às questões que envolvem a participação, além de

interesses de grupos, as pessoas são movidas por interesses pessoais, que

condicionam a participação e a não participação5 (LIMA, 2011), o que interfere na

construção do trabalho coletivo, na construção e execução de um projeto de escola,

enfim da gestão democrática, na liderança distributiva, no fortalecimento do trabalho

coletivo, no desenvolvimento de projetos, dentre outros. Como afirma Paro (2011), a

democratização se faz na prática, é um exercício do dia a dia. Diante dos fatores que

influenciam esse exercício democrático no cotidiano, o autor aponta que:

a escola pública, como acontece em geral com as instituições numa sociedade autoritária, é organizada com vistas a relações verticais, de mando e submissão, em detrimento das relações horizontais, de cooperação e solidariedade entre as pessoas" (Paro, 2000, p.22)

Libâneo (2013) assinala alguns aspectos que podem ser considerados nas

mudanças das práticas de gestão escolar, tendo em vista a gestão democrática e

participativa, a serviço do processo ensino-aprendizagem: as práticas de organização

e gestão devem estar voltadas à aprendizagem dos alunos; a qualidade do ensino

depende do exercício eficaz da direção e da coordenação pedagógica; a organização

e a gestão implicam a gestão com participação; a existência de um projeto

pedagógico-curricular bem concebido e executado de forma eficaz; a atividade

conjunta dos professores na elaboração e avaliação das atividades de ensino; a

gestão da escola atrelada a atividades de formação continuada.

No entanto, Barroso (1996) afirma que equipes gestoras bem preparadas,

com práticas democráticas e participativas, podem não significar educação de

qualidade para seus estudantes e sucesso para a escola, uma vez que são muitas as

variáveis sociais, políticas, econômicas, culturais, dentre outras, envolvidas sem o

trabalho planejado, articulado e coletivo dessas equipes.

Como já foi dito anteriormente, nesse processo de organização coletiva de

uma escola, registrem-se as diferentes formas de participação dos sujeitos envolvidos,

assim como a necessidade de compreensão da proposta de formação continuada

expressa no Comunicado CENP (2011), suas relações com a autonomia e influência

nas possibilidades e limites da sua implementação voltada para aperfeiçoar práticas

de gestão.

5 Licínio Lima, em seu livro A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica, oferece-

nos uma tipologia para a análise da participação e da não participação nas organizações educacionais.

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Do ponto de vista analítico, Lima (2011, p. 62) considera dois planos

distintos para as escolas dos sistemas centralizados de ensino: o plano das

orientações para a ação organizacional e o plano da ação organizacional. Segundo o

autor, interessa considerar modelos teóricos - conceituais para o estudo da escola

enquanto organização educativa possibilitando sua descrição, mas, sobretudo com o

objetivo de possibilitar sua compreensão e interpretação.

Para a construção de uma abordagem sociológica dos modelos

organizacionais da escola pública nos sistemas de ensino centralizados, Lima (2011)

inspira-se na proposta de estudo de “quatro faces das organizações educacionais”

desenvolvidas por Per-Erik Elltrön (1983) que propõe quatro modelos teóricos6 para

análise: Político, Sistema Social, Racional e Anárquico. Por considerar que o modelo

de sistema social está inserido no modelo racional, assim como o modelo político está

inserido no modelo anárquico, o autor concentra mais atenção nos modelos racional

(dentro de uma perspectiva burocrática) e anárquico organizado (numa perspectiva

que contempla a organização e os atores, a ação organizacional e outros tipos de

ações e regras).

Segundo ele, a escola, considerada como uma organização complexa,

heterogênea, marcada pela diversidade de interesses, projetos e fenômenos de

liderança, pelos jogos de poder, transita no eixo das ações da burocracia racional,

refletida no plano das orientações para a ação, à anarquia organizada, traduzida no

plano da ação organizacional. Quanto mais a escola se afasta do controle

burocratizado, da normatização, da organização formal e se aproxima da reelaboração

das normas, da adaptação das mesmas à sua realidade, da organização informal,

mais autônoma ela se torna. Como afirma Lima (2011): “a escola poderá ser um lócus

de reprodução como também de produção de regras”.

A análise de uma organização escolar requer estudo aprofundado das

ações, dos sujeitos, dos fenômenos de liderança, de jogos de poder, do tempo, do

espaço e dos conceitos, assim como, do contexto social, político, econômico, cultural

em que a mesma está inserida. Portanto, são muitas as variáveis que nos remetem à

identidade e à singularidade das escolas7, sendo a participação uma delas.

6 Os quatro modelos propostos por Per-Erik Elltrön (1983), mais do que destacarem dimensões exclusivas, são complementares entre si. 7 O caráter singular da escola não pode ser compreendido como insular, ou seja, a escola não é uma

instituição fechada em si mesma. As escolas são únicas porque a análise das características macroestruturais e microestruturais, a realidade e a especificidade de cada uma delas nos dão conta de que, apesar de pertencerem a uma rede de ensino, apresentam características específicas que atribuem sua identidade. Atualmente o estado de São Paulo possui 5340 unidades escolares públicas.

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Assim, a participação, entendida como um princípio democrático,

consagrado no mais alto grau normativo, na Constituição Federal (1988)8, na Lei de

Diretrizes e Bases (9394/96)9 e nos documentos dos estados e municípios do sistema

federativo do Brasil, por ser considerada como direito, constitui um princípio,

regulamentado, formalizado e legalizado, expresso no plano das orientações para a

ação organizacional de duas formas, como aponta (Lima, 2011, p. 76), participação

consagrada - aquela que está prevista em leis - e a participação decretada,

regulamentada por leis.

Assim, no plano da ação organizacional, a participação praticada nos

permite vários níveis de análise: a democraticidade, a regulamentação, o envolvimento

e a orientação. Nota-se o grau de complexidade envolvido nessa análise,

considerando que para cada ação da organização das escolas, os sujeitos interagem

com uma determinada forma de participação, que pode ser alterada a qualquer

momento do processo de acordo com as variáveis e interesses em questão. Para o

autor, a não participação é uma orientação possível e possui diversos significados. Se

considerarmos o plano das orientações para a ação das escolas, a não participação

consagrada é aquela que não é prevista nas leis e nos processos normativos. Já, a

não participação decretada está relacionada a uma intervenção legislativa e/ou

normativa que impede a participação. No plano da ação organizacional das escolas, a

não participação possui três categorias de análise a serem consideradas: a imposta ou

forçada, a induzida e a voluntária (Lima, 2011 p.72). A participação e a não

participação são variáveis extremamente complexas e dinâmicas na análise das

organizações institucionais e na atuação dos gestores escolares. Situadas em um

determinado tempo e espaço e interligadas, são reflexos de aceitação ou de

resistência dentro de uma instituição organizacional, são fatores que podem

impulsionar, assim como dificultar ou até mesmo impossibilitar, qualquer plano de

orientação para a ação, ou de ação das instituições escolares, em parte ou no todo de

suas vertentes.

A reflexão sobre as formas de participação e de não participação e das

ideias e interesses que movem os sujeitos nas instituições escolares liberta da

8 Na Constituição Federal, a participação está prevista em diversas áreas sociais como saúde, assistência social e na educação, mais especificamente, no inciso VI do artigo 206 – “gestão democrática do ensino público”, na forma da lei. 9 Na LDB – 9394/96 a participação é definida no Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

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ingenuidade de condicionar a ação das pessoas exclusivamente às ações de outras

pessoas e remete à constatação de que os sujeitos, no plano da ação organizacional,

fazem as suas opções e se mobilizam fundamentados por ideias, crenças, histórias de

vida, interesses coletivos e/ou pessoais, dentre outros.

Os estudos sobre a participação têm demonstrado que a direção

democrática, pautada na participação-coesão, participação-colaboração cede lugar à

gestão escolar participada, pautada no princípio da integração. Para Lima (2011) a

participação não pode ser um princípio para a integração. A não observação desse

pressuposto poderá remeter a conclusões ingênuas e precipitadas, uma vez que estão

relacionadas a “levar o outro a executar”, de uma forma conjunta, articulada.

Conclui-se que somente uma análise detalhada das formas de participação

e dos objetivos dessa participação nos trará a compreensão dos efeitos da mesma no

planejamento e na execução de ações – participação de fato - em uma determinada

instituição educacional para a implementação de uma política pública ou de um projeto

de escola.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, João. O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas e Educação e Sociedade. Campinas, vol.26, nº 92, p. 725-751, Especial, Out. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6ª Edição, São Paulo: Editora Heccus, 2013 LIMA, L. C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. 4ª ed. - São Paulo: Cortez, 2011. _________. Políticas educacionais, organização escolar e trabalho dos professores. Educação Teoria e Prática – Vol, 21, nº 38, Período out/dez – 2011 _________. Elementos de hiperburocratização da administração educacional. In: LUCENA, C. e SILVA JÚNIOR, J. R. (org). Trabalho e Educação no Século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamâ, 2012, p.129 – 155 MARTINS, Ângela, Maria. Autonomia da escola: a (ex)tensão do tema nas políticas públicas. São Paulo. Cortez. 2002. ________. Gestão de escola pública: análise de uma proposta de intervenção. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), v. 37, p. 711-731, 2007. ________. (org.). Estado da Arte: gestão, autonomia escolar e órgãos colegiados (200/2008) Brasília: Liber Livro, 2011

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________. Autonomia e descentralização: a (ex)tensão do tema na agenda das políticas educacionais recentes. Revista Portuguesa de Educação, 2002, 15(1), pp. 269-296 © 2002, CIEd - Universidade do Minho OLIVEIRA, R.P. e ARAÚJO, G.C.Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação. Jan /Fev /Mar /Abr 2005 No 28 PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3. ª Ed. - São Paulo: Ática, 2000 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. COMUNICADO CENP DE 11-12-2011, publicado no Diário Oficial de 12-07-2011. Plano de Formação Continuada de professores e gestores - CENP 2011.