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A Gestão Urbana em busca de um ambiente sustentável

Antonio Mateus de Carvalho Soares Regina Trindade Lopes

1- Cientista Social – UFBA; Urbanista – UNEB; Especializando-se Gestão Publica Municipal – UNEB; Pesquisador Associado ao CRH/UFBA, na linha de pesquisa: Cultura, Cidade e Democracia: representações e movimentos sociais e urbanos, sob a coordenação do Dr. Carlos Geraldo D’Andréa Espinheira.

Av/Araújo Pinho, no. 12, Canela, Salvador – BA. Fone- (71) 9945-6024 celular (71) 235-2556/332-4607 residência (71) 245-5363 centro de pesquisa. E-mail- [email protected] / [email protected]/ [email protected] 2- Cientista Social – UFBA; Especializando-se em Sociologia – UFBA; Pesquisadora Associado ao CRH/UFBA, na linha de pesquisa: Cultura, Cidade e Democracia: representações e movimentos sociais e urbanos, sob a coordenação do Dr. Carlos Geraldo D’Andréa Espinheira. Consultora da Fundação Movimento Ondazul. Rua do Alvo, nº 70 A, Apt. 201, Saúde, Salvador - BA Fone- (71) 9998-3941 celular (71) 242-2533 residencial (71) 245-5363 centro de pesquisa.

[email protected]/ [email protected].

Resumo

Este trabalho propõe uma reflexão a respeito das estratégias de gestão urbana e como estas deveriam ser pensadas para atingir a sustentabilidade do ambiente. A cidade contemporânea é o lugar da maior concentração humana no mundo, este fato legitima a afirmação que o desenvolvimento sustentável deve começar no espaço urbano. O método para a elaboração deste trabalho partiu de uma verificação crítica de conceitos e teorias sobre o gerenciamento urbano, assim como a análise comparativa de gestões bem e mal sucedidas desenvolvidas em cidades e municípios. Um outro fator que utilizamos foi a observação crítica da elaboração de planos e programas urbano-ambientais. Neste processo reflexivo e de busca de estratégias para implementação de uma gestão urbana voltada para sustentabilidade ambiental, concluímos que é imprescindível para o desenvolvimento urbano uma gestão abrangente e participativa. As políticas de incentivo à participação popular são de grande importância para uma gestão de excelência, sendo necessário o desenvolvimento de políticas sociais de

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estímulo à cultura cívica, na qual os cidadãos tomem consciência de seu potencial participativo e saia da condição de objeto para assumirem o papel de sujeitos no processo de gerenciamento e transformação urbana em busca da sustentabilidade ambiental. Palavras chaves: gestão, estratégia, cidades, desenvolvimento, ambiente. Abstract

This work – Urban Management in Search Sustaintablain Environmental – suggest a reflection about policies and strategies of urban management, understanding how these strategies should thought to arrive the environmental of sustainability. The contemporaneity city is the space of world human most concentrating. This reason is enough to say that the sustainable developed have to begin in urban space. The methodology adoptee to work its first of the comparative analyze of experience urban management adequate or inadequate to target groups. Searching integrated strategies and programmes of urban management adequate to sustaintablain environmental. This is reflection process finality with say that is impossible a Urban Management without comprehensives policies of participative common citizens. Is necessary the developed of transformation social and cultural-civic policies, in search of the stimulant participative citizen in management.

Keywords: management, strategy, city, development, environmental

Introdução

Não será melhor, em vez de cair no culto da cidade ou da natureza, aprender a gerir a ambígua posição do homem na

natureza, ao mesmo tempo parte transformadora desta? Alain Touraine

A cidade nas últimas décadas torna-se objeto de estudo de diversas áreas científicas,

onde o fenômeno urbano tem sido analisado e discutido de forma interdisciplinar. A gestão

urbana e a criação de estratégias para realizá-la ganha notoriedade e mobiliza instituições,

governo e sociedade civil com o objetivo de um gerenciamento urbano que centre na

sustentabilidade ambiental suas premissas de desenvolvimento.

Buscando um entendimento totalizado da cidade, e por totalidade entendemos “uma

pluralidade considerada como unidade” ou “unidade na diversidade” (Santos, 1988, p.27),

vislumbraremos um gerenciamento citadino que entenda a gestão participativa compartilhada

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como uma possibilidade de alcançar o desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade,

terminologia disseminada a partir da Declaração de Estocolmo (1972), documento das Nações

Unidas apresentado como alternativa aos problemas existentes, defende um modelo de

desenvolvimento capaz de minimizar os efeitos dos processos degenerativos do ambiente.

Segundo Meadows (apud Loureiro, 2003, p.26), sobre o estudo da Declaração de

Estocolmo “qualquer que seja a associação feita entre os cinco fatores básicos (população,

produção agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição), os resultados serão

sempre assustadores, com uma profunda desestabilização da humanidade até o ano de 2010”.

Observe que as variáveis enumeradas por Meadows, estão direta ou indiretamente conectadas

com a cidade ou com o ambiente citadino: 1- São nas cidades que temos a maior concentração

de pessoas. 2- É a cidade que estimula a produção agrícola, demandando aumento de

produtividade. 3 – Os recursos naturais nas cidades, logo, se artificializam, ou são substituídos

pelos artificiais. 4- O acelerado crescimento das cidades é fruto da industrialização. Existindo

desta forma uma relação tênue entre, cidade-industrias e poluição. Por estes fatores,

pensaremos formas e fórmulas para uma Gestão Urbana que contemple a sustentabilidade do

ambiente.

Assim enfatizaremos a gestão sustentável da cidade, a cidade como ambiente e o

ambiente como lugar dos homens e das múltiplas relações sociais que este se insere. É

necessário evidenciarmos que existem infinitas definições sobre o ambiente, dependendo da

linha teórica que ele seja abordado poderá surgir convergências e divergências conceituais.

Entretanto, o conceito de que o ambiente é um espaço de relacionamentos metabólicos,

físicos, biológicos, químicos e acima de tudo humano e cultural, prevalecerá no contexto

deste trabalho.

A nossa análise sobre o ambiente não estará apenas circunscrita ao ambiente natural –

flora, fauna, mananciais, atmosfera – ou em uma análise dicotômica entre o ambiente

artificial/cidade, entendida pelos ambientalistas como um lugar onde se emanam os principais

males ambientais, e o ambiente natural como a vítima do processo de degradação e poluição

citadina. O ambiente aqui analisado será percebido de forma macro espacial (natural,

artificial, cultural). Enfim, um ambiente único e complexo, no qual há uma forte

interpenetração de variáveis.

Assim como é problemático se discernir entre campo e cidade, entre rural e urbano é

também difícil dualizar analiticamente ambiente natural e artificial. Pensando desta forma

abarcaremos em uma unidade totalizada os múltiplos ambientes que podem existir. A cidade

não será vista como algo externo ao ambiente, mas como elemento do ambiente, por isso deve

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ser pensada, responsabilizada e gerenciada para um processo de integração sustentável. A

sustentabilidade concebida e totalizadora provirá da cidade e das políticas sociais realizadas

nela.

A cidade e suas formas de gerenciamento serão os nossos pontos de partida para a

tentativa de se buscar estratégias para um ambiente sustentável, ora por ser o maior lugar de

concentração humana, ora por ser a herança do capitalismo, um lócus de produção e consumo.

Este último, mesmo concentrado-se com maior intensidade na cidade, não terá um

entendimento circunscrito apenas ao espaço urbano, pois o consumo assim como a produção

que é sua condição de existência abrange direta e indiretamente toda uma espacialidade extra-

cidade ou extra-ambiente transformado.

No esforço de se pensar um ambiente sustentável, a partir da gestão urbana,

discutiremos sobre o bom e o mau gerenciamento citadino e as relações que este guarda com a

sustentabilidade. Diferente do pensamento inexorável de alguns ambientalistas e ecologistas

que percebem a cidade como um leviatã – monstro do caos, na mitologia fenícia –

defendendo posturas anti-humanistas e ultra-ecossocialistas, esboçaremos estratégias

consensuais para o desenvolvimento social da cidade, não a considerando com um leviatã e

tentando a partir de convergências de interesses uma verdadeira sustentabilidade ambiental.

Segundo Herculano e Goldenberg ( apud Loureiro, 2003, p.24)

[...] os ambientalistas fazem críticas pertinentes e equivocadas a todas as linhas de pensamento representadas na modernidade, absorvendo proposições e argumentos que vão de marxistas (Gorz, O’Connor, Pepper, Marcuse, Bahro e outros) a pacifistas (Gandhi e Luther King), passando por humanistas (Schweitzer e Dubos) e anarquistas (Bookchin e Proudhon), em uma atitude de negação do modo de vida vigente (Simonet) . Ao emitir estas críticas os radicais defensores da causa ambiental – ambientalistas e ecologistas, em sua maioria manifestam uma visão de incompatibilidade entre o fenômeno urbano e as políticas de defesa do ambiente. Desenvolvendo uma idéia de negatividade em relação à cidade, pois esta é vista, apenas como um agente poluidor e devastador do ambiente.

A idéia de incompatibilidade deverá ser subvertida em um pensamento de

compatibilidade, entre o fenômeno urbano e a sustentabilidade ambiental. Um ambiente

saudável é possível e necessário e virá a partir de uma tomada de decisão, através de um

trabalho de conscientização compartilhada entre os diversos segmentos sociais, estribadas em

uma política séria de Gestão Urbana, partindo de intervenções pontuais dos micros aos

macros espaços da cidade.

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O bem estar social, apoiado na qualidade de vida e na sustentabilidade serão

premissas para o desenvolvimento proposto e a gestão democrática da cidade conforme

explicita De Grazia (DE GRAZIA, 2003, p. 54): “dar-se-á fundamentalmente através do

controle social e da participação da população organizada como condição para conquista de

direitos, da cidadania, de novas políticas públicas que incorporem os excluídos e de novas

referências para as cidades”.

As cidades não precisam ser cessadas, mas bem gerenciadas, pois é inevitável barrar o

crescimento destas. As metamorfoses ambientais geradas pela cidade podem ser contornadas

através da gestão participativa acompanhada de um eficiente planejamento administrativo.

Como exemplos, a poluição atmosférica de Cubatão, cidade do Estado de São Paulo e de

áreas nas proximidades do Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, poluições que tornam o

ar atmosférico nocivo ao homem, aos animais e a flora, males ambientais que podem ser

convertidos através do gerenciamento urbano e do comprometimento político de seus

gestores.

Destarte é importante elucidar que por estar pensando um ambiente totalizado,

refletiremos uma sustentabilidade que, sem desobedecer a contextos específicos, seja

percebida de maneira também totalizada. Desconsiderando assim, conceitos prosaicos e

criados desnecessariamente como os de: sustentabilidade planetária, sustentabilidade

ecológica e ambiental, sustentabilidade demográfica, sustentabilidade cultural,

sustentabilidade social, sustentabilidade política. Substituindo-os apenas pelo simples

conceito de sustentabilidade, único e englobante, entendido como a capacidade desenvolvida

por um ente, em se manter, mais ou menos constante, ou estável, por longo período de tempo,

esta sustentabilidade almejará um bem estar social para as gerações presentes e futuras.

Considerando que através do gerenciado desenvolvimento urbano local/global e do

constante estímulo à participação e conscientização popular pode se estabelecer uma política

de sustentabilidade para o ambiente. Segundo Fischer (2000):

[...] O desenvolvimento local é um projeto coletivo como indicam experiências de todos os cantos do mundo. Em Medellín, Córdoba, Lille, Bolonha, Glasgow, Hong Kong, Luanda, Seattle, Montevidéu; bem como muitos municípios e regiões brasileiras, os projetos estratégicos das cidades têm pontos em comum com estratégias empresariais.”(Fischer, 2000, Cd ron)”.

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O local estar contido no global e vice versa, legitimando o discurso de totalidade

urbana e ambiental e de uma política de gestão voltada a esta premissa de totalidade na

unidade, assim como na necessidade de um processo de gerenciamento coletivo.

Desenvolvemos este artigo baseado tanto na base teórica que contemple o tema, como

também em experiências práticas, através de participação na elaboração de planos diretores

urbanos, consultorias em planejamento, programas e projetos de estudos ambientais. Neste

sentido, focalizaremos o entendimento da cidade como ambiente e a ação prática da gestão em

busca de uma sustentabilidade ambiental.

Ecossistemas urbanos e gestão de cidades

A cidade é um ambiente plural, um macrocosmo de realizações e existências de todas

as ordens. Como um espaço de desigualdade a cidade fragmenta-se seguindo a lógica ditada

pelo capital financeiro, que cria ambientes díspares e contraditórios dentro da totalidade-

citadina. O ecossistema citadino é orgânico e possui uma articulação que não nega a

fragmentação que existe. Pelo contrário esta articulação sistematiza a cidade, que encontra a

própria ordem em sua pseudo desordem. A cidade pode ser também compreendida como um

oîkos – eco, um habitat, que guarda o homem e serve como estrutura para sua socialização,

sendo o ambiente, contudo transformado. Conforme referencia Spitn em 1984 (apud Sirkis,

1999, p. 18)

Nós nos acostumamos a pensar na cidade como criação humana totalmente separada do ambiente natural e a ele imposta. Nossa cultura carrega o mito de um confronto permanente do ser humano com a natureza hostil [...] a cidade não constitui algo tão separado da natureza. A criação do homem interage incessantemente, para o bem ou para o mal, com o ambiente natural que o rodeia e envolve. [...] A cidade nem é totalmente natural, nem totalmente construída. Ela não é ‘desnatural’, mas a transformação da natureza ‘selvagem’ pela humanidade para servir suas próprias necessidades [...] a cidade precisa ser reconhecida como parte da natureza e desenhada de acordo com isso. A cidade, os subúrbios e a periferia rural precisam ser vistas como um único sistema evolutivo dentro da natureza, da mesma forma que, individualmente, todo o parque ou edifício, dentro do todo mais amplo. A natureza dentro da cidade tem que ser cultivada, como um jardim, e não ignorada ou subjugada.

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Formando um ecossistema social a cidade não pode ser percebida como outside ao

ambiente considerado natural, a cidade é parte deste ecossistema, ela é o próprio ambiente

transformado pelo homem. Dependendo do grau da mudança gerada no ambiente natural

haverá desajustes no ambiente transformado, alguns irreversíveis, a exemplo: O rio Tietê, há

décadas, teve seu leito alterado, as curvas e sinuosidades foram substituídas por uma reta, o

objetivo seria a aberturas das vias da marginal Tietê, funcionalmente o plano urbanístico de

São Paulo ganhou muito com esta intervenção, contudo, observou-se o assassinato de um rio,

que não consegue existir sem a presença de uma usina que o flexione, além de poluído é um

manancial artificializado.

Fatos como estes, da artificialização do rio Tietê, não podem ser simplesmente

entendidos como um reforço da dicotomia ambiente citadino x ambiente natural, pois são

exemplos flagrantes da ingerência administrativa – da má gestão urbana. O problema não está

na cidade e em seu crescimento acelerado, mas na forma que se dá esta expansão. Não faz

mais sentido antagonizar a relação cidade-artificial x campo-natural, pois a questão não se

encontra na existência destes entes, mas na forma que eles foram gerenciados nos últimos

tempos, sendo representados por atores antagônicos – empreiteiros sequiosos pelo lucro com a

especulação imobiliária e ambientalistas radicais: “Proteja a Floresta Amazônica. Mate um

brasileiro! ; não mate o mico – leão dourado; proibido caçar nesta área; proibido derrubar

árvores etc” (ditos e slogans de movimentos ambientalistas, nas últimas décadas, que nos

sugere uma entonação radical), que contribuíram para a disseminação de uma idéia de antítese

(artificial-natural) e circunscrição de ambientes, não servindo assim para as discussões que

contemplem a busca da sustentabilidade ambiental.

Para se pensar uma Gestão Urbana apoiada no pressuposto de sustentabilidade do

ambiente é necessário o desenvolvimento de estratégias de ação organizativa, que além de

entender a cidade como fenômeno dinâmico, utilize métodos dialógicos de gerenciamentos. A

Gestão Urbana, além de um ato administrativo é uma ação de planejamento organizacional

que deve ser pensada democraticamente, envolvendo todos os segmentos da cidade,

fundações, Ongs, governo, órgãos públicos, empresas privadas e sociedade civil, que juntos

devem pensar sobre a cidade e estabelecer um roteiro para a elaboração de um plano

gerencial. Entendendo a Gestão Urbana como a gestão democrática da cidade, citamos De

Grazia ( DE GRAZIA,2003, p. 54) quando afirma: “A Gestão Democrática da Cidade

entendida como uma forma de planejar, produzir, operar e governar as cidades submetidas ao

controle e participação social, destacando-se como prioritária a participação popular.”

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As ações serão colegiadas e os métodos de estímulo à participação social deverão ser

empreendidos, não só por assembléias, reuniões, fóruns, mas por visitas nos bairros e até

mesmo nas residências das pessoas objetivando a conscientização cidadã. A partir da

construção da cidadania que é um processo histórico, buscaremos o desenvolvimento do

sentimento de pertença, esperando que todos os habitantes da cidade, sintam-se contagiados e

absolvidos por este sentimento e possam dizer: eu sou daqui, eu faço parte deste ambiente,

tenho que participar e buscar um ambiente sustentável .

Uma Gestão Urbana séria deve ser formada por poderes instituídos e pela sociedade

civil organizada. A democracia representativa cederá lugar à democracia participativa. As

ilusões e desilusões em relação à participação deverão ser superadas, sendo criadas e recriadas

de acordo com as especificidades do grupo. A construção utópica do desenvolvimento local

elaborada por comissões isoladas não farão efeitos sem a efetiva participação da sociedade

civil. As tramas singulares dos interesses criados para dissimular uma ação de participação

coletiva deverão ser exterminadas, pois a premissa para um gerenciamento eficaz da cidade é

a articulação de interesses organizados através de alternativas consorciadas formatadas e

executadas por atores sociais. Complementado a discussão vale mencionar que a Agenda 21

defende que o desenvolvimento sustentável deve buscar uma administração pública

essencialmente descentralizadora e municipalista, e conforme estabelece o Estatuto da

Cidade – Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001, a Gestão Urbana deverá ser democrática com

simultâneo planejamento participativo.

O planejamento participativo tem como elemento obrigatório a participação popular em todas as suas fases, o que pressupõe a adoção de mecanismos de controle popular para as ações do Executivo e Legislativo, devendo ser compreendido como um processo resultante de práticas de cidadania voltadas para eliminar as desigualdades sociais e os obstáculos para efetivação do direito à cidade. (Estatuto da Cidade, 2001, p. 51)

No Brasil, a cidade de Curitiba talvez seja o maior exemplo de desenvolvimento de

ambiente sustentável, as alternativas criadas nesta cidade tornaram-se referencias na América

Latina. Tratando de Curitiba o pesquisador Menezes ressalta a importância da criação de

soluções alternativas (que respeitem as diversidades locais) capazes de modificar o atual

padrão de desenvolvimento urbano, para ele esta foi a alternativa utilizada no

desenvolvimento de Curitiba, sendo que a meta foi o alcance de um padrão de

desenvolvimento socioambientalmente sustentável e de um bem estar social. Para isso, foi

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necessário guiar-se por estratégias administrativas que foram capazes segundo Sachs-Jeantet

(apud. Menezes, 1996, p. 2) “ de encontrar formas concretas de harmonizar os critérios de

eqüidade social, sustentabilidade ecológica, eficácia econômica, aceitabilidade cultural e

distribuição espacial equilibrada das atividades e dos assentamentos humanos”.

A experiência de Curitiba propõe-se em remediar estas conclusões reducionistas,

partindo da concepção de que o equacionamento do binômio desenvolvimento urbano/ meio

ambiente resulta do estabelecimento da compatibilização dos interesses conflitantes entre os

agentes econômicos, sociais culturais e políticos que atuam na cidade. Estratégia possível de

ser realizada através de uma séria Gestão Urbana.

O empreendedor da Gestão Urbana, além de bem gerir os recursos públicos, deverá

desempenhar funções correlacionadas com: a inovação, o empreendedorismo, a articulação e

a regulação dos bens coletivos, a cidade deverá ser vista por ele como um espaço de consenso,

um ambiente de possibilidades interligadas e interdependentes. Neste sentido deverá absorver

e executar em sua gestão democrática, alguns conceitos como o de governance – um conceito

plural e integrador, que busque de maneira ecossistêmica articular o gerenciamento político e

social da cidade. O governance pode ser entendido como uma variável da gestão urbana e

segundo Anete Ivo, “é uma categoria analítica que busca entender as relações possíveis entre

poder político e poder social e encaminhar a crise da governabilidade, através de novas

formas de consentimento” (Leal Ivo, 2003, p. 173).

Torna-se necessário uma profunda reflexão sobre a Gestão Urbana, que não deve

continuar sendo analisada apenas nos claustros acadêmicos e isoladamente nos órgãos

públicos. Sendo imprescindível o estabelecimento de um paradigma ecológico expressando

visões de mundo e questionamentos em relação ao homem e a natureza, que haja uma

conscientização e o respectivo estímulo ao desenvolvimento do sentimento de pertença ao

ambiente. Variáveis estas possíveis de se concretizar por meio dos movimentos de atores

sociais que tenham como foco de ação o ambiente e o processo de apropriação de seus bens.

Estratégias participativas e Políticas sócio - ambientais

Ao conceber as políticas sociais deveremos desenvolver reflexões que transcendam o

pressuposto da diminuição da pobreza e da desigualdade de renda, seu processo

intervencionista será eficaz quando alterar a distribuição do poder da sociedade. O poder

referido é o de tomada de decisão, àquele que potencializará os envolvidos e legitimará a

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participação popular. No momento que se distribui poder, concomitantemente distribui-se

responsabilidade e potencializa-se o individuo, que começa a se perceber como sujeito capaz

e ativo no processo de transformação, tornando-se apto à adesão na cultura participativa.

Muitos líderes de associações de bairros e representantes de segmentos sociais não se

cansam de afirmar que o principal obstáculo encontrado na tentativa de promoção do

desenvolvimento local comunitário é a falta de participação de seus membros. Alguns

intelectuais afirmam que o povo brasileiro é adepto da cultura de não-participação. Os

protagonistas de políticas sociais, tem conhecimento da aparente acomodação participativa e

continuam a não estimular a tomada de iniciativa da população, conforme defende Nunes

(2000):

[...] participar é uma atitude voluntária, contínua e de longa duração. A participação, pressupondo um conhecimento de rituais democráticos, é necessária, se a população chamada a participar é inexperiente, desprovida desse arcabouço, prepará-la para adquiri-lo num processo que denominamos de Pedagogia da Participação. (NUNES, 2002, p.11)

Ironicamente a maioria das políticas sociais que existem no Brasil não alcançam os

objetivos pretendidos, não estimulam a pedagogia da participação, muitos planos e programas

habitacionais não conseguem obter o sucesso esperado com sua intervenção, a exemplo dos

últimos programas da CONDER – Companhia de Desenvolvimento Regional – do Estado da

Bahia, em específico a construção do Conjunto Habitacional Nova Primavera, local onde

desenvolvemos estudos, chegando à conclusão que o desejo de re-localização dos moradores

das palafitas – barracos sobre a maré e mangue, foi alcançado, mas o morador que passava

fome na palafita continua passando na unidade habitacional do conjunto. Exemplos de

políticas sociais não faltam, servindo como referência o conhecido programa do Governo

Federal Fome Zero, mostrando-se fadado ao não alcance de seu objetivo, que anuncia no

título.

A frustração destas políticas sociais encontraria caminho para sua solução, no seu

próprio objeto que é a população, tentando subverter o objeto em sujeito. Utilizando para isso

o envolvimento participativo/popular, desde a elaboração do projeto. Esta política de estímulo

à participação demandaria mais tempo, contudo mostrar-se-ia eficaz no alcance de seus

objetivos. Como afirma Fleury: “as políticas sociais, não se reduzem apenas a diminuição da

pobreza e da desigualdade é necessário a constituição de atores políticos e sua dinâmica

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relacional” (FLEURY, 2001, p.7). A partir daí teremos o estabelecimento de uma relação

entre atores e forças sociais gerando uma dinâmica política.

Na tentativa do estímulo da subversão da cultura da acomodação, seguiremos as idéias

de Francisco de Oliveira, quando define a cultura cívica “como sendo o fruto dos mecanismos

de socialização – escola, família, comunidade – e dos mecanismos de repressão –

comunidade, uma polícia do estado pleno de autonomia dos indivíduos, enquanto cidadãos

ativos e conscientes” (OLIVEIRA, apud FLEURY, 2001, p.12)

No momento em que se desenvolve essa cultura cívica perceberemos a criação de um

enraizamento e de um respectivo vínculo social, assim como do sentimento de pertença e

identidade, possibilitando assim, a construção de consensos em torno dos valores

compartilhados. Deste modo as políticas sociais deixarão de ser meras reprodutoras das

relações de dominação e re-surgiram como ações transformadoras.

Ao promover a tomada de consciência da população, teremos o campo fértil para um

gerenciamento urbano-ambiental generalizável. A objetivação do processo de conscientização

popular, segundo os preceitos Gramsciano, deverão ser seguidos pelos responsáveis das

políticas sociais. Gramsci (Gramsci, 1966, p. 79) enfatiza que “uma massa humana não se

‘distingue’ e não se torna independente ‘por ela mesma’ sem se organizar no (sentido amplo);

e não existe organização sem os intelectuais, ou seja, sem organizadores e dirigentes”.

A tomada de consciência se dá em contato com quem sabe e troca, não adianta

projetos sociais sem um trabalho de preparação para com a população contemplada. Não faz

sentido entrarmos em uma campanha de Gestão Urbana e Sustentabilidade Ambiental, se

muitas vezes a população desconhece o significado de sustentabilidade e não dispõem de

meios intelectivos para a assimilação destes significados. Havendo assim, a necessidade de

uma estratégia compartilhada de reeducação, potencialização seguidas de discussão e

renegociação de conflitos. E como diz De Grazia “tanto a população como os governantes

necessitam se apropriar das barreiras e das estratégias que precisam ser traçadas para alcançar

a gestão democrática” (DE GRAZIA, 2003, p. 66). Estas barreiras referenciadas pela autora e

a falta de relações dialógicas entre o governo/gestor e os grupos sociais/populares, poderão

ser completadas com o pensamento de Fleury:

é imprescindível pensar que a gerência social tem que se afastar do modelo tecnocrático e buscar um novo modelo, adequado às especificidades deste campo. Este novo modelo deve basear-se em uma gerência social, que seja capaz de promover a mobilização de recursos sociais, a promoção da participação social, a negociação de conflitos, o planejamento estratégico, a

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gestão de redes de parceiros, e as especialidades técnicas no setor social e administrativo específico. (FLEURY, 2001, p.11)

Conclusão: Reconhecer para libertar - os caminhos do engajamento construtivo

O despertar para tudo que nos rodeia passa pelo clive do reconhecimento de um

ambiente que nos foi negado, meramente porque nossa percepção alcançou apenas o que

havia sido reservado e/ou planejado. Diante de tantas inseguranças e incertezas, a cidade se

tornou um local de degradação ambiental e social, em virtude da má gestão e do afunilamento

das relações e extensão de áreas segregadas.

A mobilização social faz-se necessária desde que esse instrumento possa viabilizar

estratégias de redimensionamento de áreas ocupadas, especialmente áreas de preservação e

conservação do ambiente habitado. Neste contexto se tornam legitimas as ações

mobilizadoras que estimulem a gestão urbana compartilhada e empreendidas não só por

assembléias, reuniões, fóruns, mas por visitas nos bairros e até mesmo nas residências das

pessoas objetivando a conscientização cidadã, a partir da construção da cidadania.

Continuamos no mesmo dilema das últimas década do séc. XX, em relação a melhor

forma de se gerir o ambiente, e consequentemente às pessoas. O que nos faz recorrer às

diversas problemáticas envolvendo o mal gerenciamento urbano, que se assenta em projetos

grandiosos não atendendo às necessidades de localidades que circundam o espaço onde será

implantado os projetos de reestruturação da malha urbana.

O Estatuto da Cidade apresentou uma nova visão de se conceber o espaço habitado,

onde as tomadas de decisões devem incluir incondicionalmente as bases sociais e a

participação colegiada, num movimento que dê transparência às ações públicas, fazendo-a

porta-voz direta de suas próprias necessidades, a fim de gerenciar um organismo que pulsa e

se manifesta constantemente pelas vias mais transitórias da realização urbana: a cidade. Todo

esse processo tem sido (des)considerado, proveniente da máxima que não mais corresponde

aos anseios de seus habitantes, mas que se enraizou: “ordem e progresso” – pensamento

positivista da época.

Mas porque ainda nos referimos ao milagre do crescimento econômico como sinônimo

de desenvolvimento humano? Segundo Santos (1979), o planejamento sempre esteve pautado

no uso da força, seguido de uma ideologia que impulsionava o objetivo maior: a acumulação.

O processo acelerado da penetração do capital, formador dos grande centros industriais, não

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se reflete nos índices de desenvolvimento humano, pelo contrário estimula a proliferação e

crescimento das favelas, do desequilíbrio ambiental, assim como do desemprego. Este último

assume o papel de pêndulo da economia, proveniente da acumulação de mão-de-obra barata,

haja vista que serve de subsídio para a crescente exploração e conseqüente formação dos

monopólios transnacionais.

Há de se entender que todos os esforços orquestrados para o avanço crescente das

principais capitais do país, não tinham por meta analisar qualquer tipo de participação ou

preservação das relações que se estruturam no ambiente. As relações estabelecidas no espaço

urbano sempre se colocaram externas ao ambiente, pois o homem não se dava conta que o

urbano também faz parte deste meio, como espaço transformado e integrado.

O gerenciamento da cidade, na maioria das vezes concebido por um planejamento que

mascara a realidade social e ambiental, mantêm “aleatoriamente” estruturas de degradação do

meio ambiente. E esta má gestão já foi percebida como ação mantenedora do avanço

desordenado de uma ilusória modernização, pois não há uma equidade gerencial na

distribuição dos recursos para a sustentabilidade ambiental.

Na tentativa de buscar um desenvolvimento sustentável estribado na gestão

participativa percebemos um aparente desaparecimento dos laços “comunitários” que foram

dissipados, dificultando o desenvolvimento de uma cultura cívica para uma gestão

compartilhada, a exemplo do que se refere Zygmunt Bauman em relação as comunidades:

As comunidades auto-sustentadas e auto-reprodutivas figuravam em lugar de destaque no rol de sólidos a serem liqüefeitos. Mas o trabalho de fusão não era um fim em si mesmo: os sólidos eram liqüefeitos para que outros sólidos, mais sólidos do que os derretidos, pudessem ser forjados. Se para os poucos escolhidos o advento da ordem moderna significava o começo de uma extraordinária grande expansão da auto-afirmação individual – para a grande maioria apenas anunciava o deslocamento de uma situação estreita e dura para outra equivalente. (Bauman, 2003, p. 33)

Neste cenário de desengajamento comunitário, criado pela modernização, há de se

realizar uma transformação capaz de subverter a cultura de fragmentação em uma cultura de

participação compartilhada, através do estimulo ao sentimento de pertença que articule o

gerenciamento político e social da cidade, buscando uma gestão sustentável apoiada nas ações

compartilhadas entre a sociedade civil organizada e os órgãos institucionais competentes.

Desta forma o processo de tomada decisão potencializará os envolvidos e legitimará a

participação popular na Gestão Urbano, vislumbrando a sustentabilidade ambiental.

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BIBLIOGRAFIA

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