A GESTÃO DOS RISCOS NO TRABALHO COM PRENSAS

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Ana Cndida Ferreira Lima

UM ENFOQUE SOBRE A GESTO DOS RISCOS NO TRABALHO EM PRENSAS DO PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE

Belo Horizonte, Departamento de Engenharia de Produo da UFMG 2008

Ana Cndida Ferreira Lima

UM ENFOQUE SOBRE A GESTO DOS RISCOS NO TRABALHO EM PRENSAS DO PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Departamento de Engenharia de Produo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo. Orientadora: Prof Dra. Eliza Helena Echternacht rea de Concentrao: Ergonomia

Belo Horizonte Departamento de Engenharia de Produo da UFMG 2008

Ana Cndida Ferreira Lima TTULO: UM ENFOQUE SOBRE A GESTO DOS RISCOS NO TRABALHO EM PRENSAS DO PONTO DE VISTA DA ATIVIDADEDissertao de mestrado apresentada ao Departamento de Engenharia de Produo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Engenharia de Produo. Orientadora: Prof Dra. Eliza Helena Echternacht rea de Concentrao: Ergonomia

A banca examinadora, em sesso pblica realizada em 31 de maro de 2008, considerou a candidata: (X) aprovada ( ) reprovada

___________________________________________________________________ Prof Dra. Eliza Helena Echternacht - Orientadora Doutora em Engenharia de Produo/Ergonomia pela COPPE/UFRJ Departamento de Engenharia de Produo da UFMG

___________________________________________________________________ Prof Dra. Andra Maria Silveira Doutora em Cincias Humanas pela FAFICH/UFMG Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG

____________________________________________________________ Prof Dra. Daisy Moreira Cunha Doutora em Filosofia pela Universidade de Provence/Frana Departamento de Administrao Escolar - Faculdade de Educao da UFMG

Dedico este trabalho ao meu filho: Lucas Magno Lima Bracarense.

Agradeo, A Deus, pela possibilidade de viver esta vida e ser parte de Sua Criao. minha famlia: meu filho Lucas, pela paciente espera pelo trmino desta etapa; meu marido Lcio, por seu companheirismo e carinhoso amor; minha me Regina, pelo incansvel e sempre presente apoio, e ao Bem, que em vida me ofereceu bons exemplos, os quais me esforo em seguir. minha orientadora Eliza, pela disponibilidade rdua tarefa de me ensinar a plantar e colher os frutos no campo das relaes sade e trabalho. Aos meus amigos e demais familiares, pelo imenso valor das infindveis e afetuosas cobranas por minha presena. Aos prensistas deste pas, pela esperana de um trabalho seguro e saudvel. Aos profissionais de segurana e sade do trabalhador que tm em seus conhecimentos o desafio de tornar melhor a vida no trabalho. Aos representantes de nossa sociedade, atores sociais de empresas, rgos reguladores e

sindicatos, pelo alcance da unidade de objetivos em prol dos trabalhadores e de um bom futuro para este pas. E, especialmente ao criador da Logosofia, Gonzlez Pecotche, pela oportunidade por me esforar em me tornar um verdadeiro ser humano e em poder

aplicar

o

conceito,

entre tantos

outros,

de

perseverar (per se ver). Cuando hubo llegado el instante del triunfo, recuerdo haber dicho a los que me rodeaban: Dios se ha pronunciado. Sea este triunfo una ofrenda que hago a Quien ha creado todas las cosas; y que esta ofrenda, este ramo de rosas con las espinas que protegen sus finos tallos, sea todo un smbolo que, en elocuente lenguaje, exprese el sentir de mi alma y lleve en s una sola cosa, un solo y nico perfume: el de la gratitud (PECOTCHE, 1996, p. 229).1

1

PECOTCHE, C.B.G. Introduccin al conocimiento logosfico. So Paulo: Ed. Logosfica, 1996 (p. 229).

Lutei e venci. RAUMSOL

Que no esforo por melhorar a vida desta humanidade da qual somos parte ns possamos aprender nossas maiores lies. A autora.

RESUMOEste estudo busca a compreenso dos fatores que configuram os campos de possibilidades de gesto dos riscos de adoecimento musculoesqueltico e de acidentes no trabalho em prensas de uma indstria de autopeas terceira de uma rede just in time, em Minas Gerais, antes e aps a implantao dos dispositivos de proteo nas prensas, conforme as exigncias normativas do Programa de Proteo de Riscos em Prensas e Similares. A partir da anlise da atividade dos prensistas em situaes reais de trabalho, foi possvel verificar os principais fatores que atuam reduzindo as possibilidades de gesto dos riscos para os prensistas, dentre os quais se identificaram como centrais: os constrangimentos de tempo e a variabilidade encontrada em situao real de trabalho decorrentes das exigncias de produtividade, flexibilidade, qualidade e segurana. Foram identificadas algumas das estratgias que os operadores utilizam e quais so os valores internos que permeiam as escolhas para gerir-se no trabalho, tanto do ponto de vista individual quanto nas configuraes coletivas, imprescindveis para a gesto dos riscos e para o cumprimento das diversas exigncias do trabalho. Procurou-se, com base nos elementos revelados pela anlise da atividade real, a partir do mtodo de Anlise Ergonmica do Trabalho e da Abordagem Ergolgica, propor critrios para interveno no trabalho a partir da atuao do trabalhador ou trabalhadores como agentes centrais, a fim de realmente transform-lo, pensando na gesto integrada dos riscos de acidentes e do adoecimento musculoesqueltico e colocando o trabalho como um espao de permisso expresso e atuao competente dessas imprescindveis configuraes coletivas. PALAVRAS-CHAVE: gesto de riscos, atividade de trabalho, trabalho em prensas, indstria automotiva, abordagem ergolgica.

ABSTRACTThis study seeks to understand the factors that configure the fields of possibilities in the management of the risks of musculoskeletal disturbs and accidents in the work with presses in a third-party industry which supplies auto parts for a just-in-time network in Minas Gerais, before and after the implantation of press protection devices, as legal requirement of the Program of Risk Prevention in Presses and similar equipments. From the analysis of the activity of the press workers in true work situations, it was possible to verify which are the main factors that reduce the possibilities of the press workers to manage the risks and, among of them, it was identified as central factors the time constraints and the variability of true work situation as consequence of the requirements of productivity, flexibility, quality and security. It was identified some strategies used by the operators and which internal values guided the choices to manage themselves in the work, concerning both the individual point of view and collective configuration, that were essential for the risk management and for the fulfillment of the diverse work requirements. Based on the elements disclosed by the analysis of the true activity, using the Ergonomic Analysis and Ergologic Approach this study sought to propose criteria for work intervention, in which the worker takes the action or the workers play the central role, in order to change really the work, considering the integrated management of the risks of accidents and musculoskeletal disturbs and placing the work as a space that permits the expression and competent performance of these essential collective configurations. Key-words: management of risks, activity of work, work with presses, automotive industry, ergologic approach.

LISTA DE ILUSTRAESFIGURA 1 FIGURA 2 FIGURA 3 FIGURA 4 FIGURA 5 FIGURA 6 FIGURA7 FIGURA8 FIGURA 9 FIGURA 10 FIGURA 11 FIGURA 12 FIGURA 13 FIGURA 14 FIGURA 15 FIGURA 16 FIGURA 17 FIGURA 18 FIGURA 19 FIGURA 20 Prensa com demonstrao do martelo............................................... Disposio de prensas de forma nica ou em linha de montagem.... Dispositivo saca-mo para proteo do operador da prensa...... Comando bimanual .......................................................................... Cortinas de luz (em amarelo) ........................................................... Calo de segurana (reteno mecnica) ......................................... Vlvula de segurana para prensas .................................................. Painel eltrico de uma prensa com CLP (Comando Lgico Programvel)..................................................................................... Alimentao por sistema de gaveta................................................... Representao esquemtica da rede produtiva just in time entre a montadora e os fornecedores dos diversos nveis............................. Posio da empresa na rede just in time da montadora..................... Fluxograma representativo do processo de produo da empresa e o setor selecionado para anlise........................................................ Demonstrao esquemtica do layout antes e depois do incremento da produo....................................................................................... Linha C (o local da anlise)............................................................... Processo de estampagem da pea X com a presena de um operador novato................................................................................ Posio do operador em relao prensa antes da ligao da cortina de luz.....................................................................................Processo de estampagem da pea X........................................................

30 34 52 54 55 57 57 58 59 88 91 93 97 100 116 118 120 123 125 128

Processo de estampagem da pea Y.............................................. Estampagem da pea Z na linha C, na data da observao........... Esquema do posicionamento do operador do repuxo em relao prensa................................................................................................

FIGURA 21

Esquema do posicionamento do operador do repuxo em relao prensa, j com cortinas de luz........................................................... Acidentes de trabalho no Brasil de 2002 a 2005 analisados pelo Ministrio do Trabalho e Emprego.................................................. Acidentes de trabalho em Minas Gerais de 2002 a 2005 analisados pelo Ministrio do Trabalho e Emprego .......................................... Acidentes de trabalho com mquinas no Brasil de 2002 a 2005 alisados pelo Ministrio do Trabalho e Emprego ............................. Acidentes de trabalho com mquinas em Minas Gerais de 2002 a 2005 analisados pelo Ministrio do Trabalho e Emprego ................ Acidentes do trabalho tpicos no Brasil, distribudos por CID e registrados em 2002 ......................................................................... Distribuio dos agravos sade registrados pelo NUSAT/INSS (Ncleo de Referncia em Doenas Ocupacionais da Previdncia Social) em Minas Gerais no ano de 1996.......................................... Atendimentos por relatos de dores osteomusculares pelo efetivo das linhas de estampagem durante o ano de 2005............................. Tarefa prescrita e trabalho real do operador da primeira mquina.... Tarefa prescrita e trabalho real dos operadores das demais mquinas............................................................................................ Tarefa prescrita e trabalho real do operador da embalagem............. Tarefa prescrita e trabalho real do set-up..........................................

129 37 38 39 39 41

GRFICO 1 GRFICO 2 GRFICO 3 GRFICO 4 GRFICO 5 GRFICO 6

44 101 112 113 113 114

GRFICO 7 QUADRO 1 QUADRO 2 QUADRO 3 QUADRO 4

LISTA DE TABELASTABELA 1 TABELA 2 TABELA 3 TABELA 4 Nmero de automveis e comerciais leves produzidos por ano de 2000 a 2006....................................................................................... Idade mdia dos equipamentos/instalaes em operao nas empresas (%)..................................................................................... Idade mdia dos equipamentos/instalaes em operao nas empresas............................................................................................ Pas de origem, quantidade, tempo de uso mdio e nmero de funcionrios que operam as mquinas e equipamentos das empresas fornecedoras do setor automotivo, pesquisadas na Regio Metropolitana Sul-Curitiba 2004....................................... Acidentes de trabalho registrados em 2001 por setor de atividade econmica.......................................................................................... Dados de produtividade da linha C estampando a pea Xna data da observao.................................................................................... Dados de produtividade da linha C em maio de 2006 na produo da pea Y....................................................................................... Dados de produtividade da outra linha (B).......................................

25 27 28

29 40 120 123 125

TABELA 5 TABELA 6 TABELA 7 TABELA 8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASAET AMN ANFAVEA ABNT BRIC CEP CLP COPANT CPN-IM CTPP CTQ ECRP FIESP GAT ICP IEC INPS IPARDES ISO KSF Anlise Ergonmica do Trabalho Associao Mercosul de Normalizao Associao Nacional de Fabricantes de Veculos Automotores Associao Brasileira de Norma Tcnicas Brasil, Rssia, ndia e China Controle Estatstico do Processo Comando Lgico Programvel Comisso Pan-americana de Normas Tcnicas Comisso Permanente de Negociao da Indstria Metalrgica Comisso Tripartite Paritria Permanente Controle Total de Qualidade Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes Federao das Indstrias do Estado de So Paulo Grupamento de Acidentes do Trabalho Percepo Inicial do Cliente International Electrotechnical Comission Instituto Nacional de Previdncia Social Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social International Organization for Standardization Karoly Szabo e Filhos Ind. de Eletr. Ltda

LER/DORT

Leses por Esforos Repetitivos/Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho

OIT PPRPS RMBH SENAI TPM

Organizao Internacional do Trabalho Programa de Proteo de Riscos em Prensas e Similares Regio Metropolitana de Belo Horizonte Servio Nacional de Aprendizagem Industrial Total Productive Maintenance

SUMRIO1 2 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.2.1 2.2.2.2 2.3 2.3.1 2.3.1.1 2.3.1.2 2.3.2 2.3.2.1 2.3.2.2 3 3.1 3.2 3.3 3.3.1 INTRODUO...................................................................................... O TRABALHO EM PRENSAS NA INDSTRIA AUTOMOBILSTICA BRASILEIRA................................................. Breve histrico sobre a evoluo da indstria automobilstica................ As prensas no contexto da produo automobilstica............................... O processo de trabalho em prensas na indstria automobilstica ............ Os riscos do trabalho em prensas............................................................. Acidentes do trabalho............................................................................... LER/DORT .............................................................................................. Perspectivas preventivas para a gesto dos riscos no trabalho em prensas ..................................................................................................... Normatividade social ............................................................................... Histrico da proteo em mquinas e equipamentos ............................... Alternativas tcnicas para a preveno de acidentes do trabalho em prensas considerando-se a automao e a operao manual ................... A preveno baseada no ponto de vista da atividade de trabalho............ A abordagem ergonmica......................................................................... A abordagem ergolgica........................................................................... METODOLOGIA .................................................................................. Objetivos................................................................................................... Materiais utilizados e mtodos de observao ........................................ Anlise ergonmica do trabalho............................................................... Primeira etapa: a anlise da demanda, a escolha da empresa, sua anlise tcnica e organizacional e a determinao do setor para anlise............................................................................................... 79 18 23 23 26 30 35 36 41 46 46 46 53 61 65 70 78 78 78 79

3.3.2 3.3.3

Segunda etapa: critrios para escolha da linha a ser analisada, a populao trabalhadora e o trabalho prescrito.......................................... Terceira etapa: foco para observaes sistemticas, anlise da .atividade real e o curso da ao..........................................................

80

80 81 82 83 83 85 85 86 88 90 90 92 94 96 100 102 104 104 107 115 115 122 124 125

3.3.4 3.4 4 4.1 4.2 4.2.1 4.2.1.1 4.2.1.1.1 4.2.2 4.2.2.1 4.2.2.2 4.2.2.3 4.2.3 4.2.3.1 4.3 4.4 4.4.1 4.4.2 4.4.3 4.4.3.1 4.4.3.2 4.4.3.3 4.4.3.4

Quarta etapa: anlise dos resultados......................................................... Dificuldades encontradas na anlise da atividade.................................... O CAMPO EMPRICO......................................................................... A demanda................................................................................................ Anlise da estrutura tcnica e organizacional........................................... A montadora ............................................................................................ A rede produtiva just in time. As exigncias de produtividade qualidade flexibilidade.................... A empresa terceira.................................................................................... A insero da empresa na rede produtiva just in time ............................. O processo produtivo............................................................................... As exigncias de produtividade qualidade flexibilidade.................... O galpo de estampagem.......................................................................... A linha...................................................................................................... A populao trabalhadora......................................................................... O trabalho na linha de prensa................................................................... O trabalho prescrito.................................................................................. O trabalho real.......................................................................................... As crnicas da atividade........................................................................... Estampagem da pea X e o operador novato....................................... Estampagem da pea Y......................................................................... O set-up ................................................................................................... Estampagem da pea Z.........................................................................

4.4.3.5 4.4.3.6 4.4 5

A produtividade em outra linha ............................................................... A instalao dos dispositivos de segurana na linha................................ Anlise dos resultados.............................................................................. CONSIDERAES FINAIS................................................................. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................. ANEXO....................................................................................................

125 126 130 139 143 147

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1. INTRODUOEsta pesquisa estrutura-se no campo relativo produo de conhecimentos para a rea de produo industrial, mais especificamente para produo automotiva e para a sade e segurana do trabalhador, dentro de uma perspectiva de preveno aos agravos relacionados s maneiras de trabalhar e de gerir riscos na operao de prensas dentro do contexto produtivo atual. Este trabalho se justifica pela importncia econmica da indstria automotiva no Brasil e em Minas Gerais que, gerando empregos e movimentando capital, ao mesmo tempo produz impactos aos trabalhadores de uma maneira geral, principalmente pela organizao do trabalho em cadeia produtiva just in time, devido ao histrico de adoecimentos por LER/DORT, pelos acidentes de trabalho decorrentes do trabalho em mquinas tipo prensas e pela importncia histrico-social de gravidade desses acidentes. Alm disso, faz-se necessrio abordar a gesto atualmente estruturada de preveno dos riscos nesse tipo de trabalho mediante uma nova perspectiva, que no apenas a tcnica especializada de proteo especfica voltada para a relao homem-mquina. A formao de mdica do trabalho, inserida em toda a problemtica dos adoecimentos e acidentes existente nesse setor econmico gerador de riquezas no mundo e no Brasil, leva a questes sempre centrais para o desenvolvimento dessa formao, quais sejam: Os instrumentos e elementos disponveis aos tcnicos e especialistas que atualmente pensam na preveno de acidentes e nos adoecimentos no trabalho so suficientes para que isso acontea de forma eficaz? Qual a participao do trabalhador na gesto dos riscos de adoecimentos e acidentes em sua atividade de trabalho? De que forma se aprende realmente a ouvir o trabalhador e a enxergar o que para ele motivo de constrangimento e passvel de levar ao adoecimento? possvel criar critrios que permitam a preveno integrada de acidentes e adoecimentos no contexto de uma atividade real de trabalho? Considerando-se que os acidentes de trabalho em prensas responsveis por mutilaes graves e que as LER/DORT tornaram-se mais freqentes devido a intensificao e densificao do trabalho durante a aps a reestruturao produtiva ocorrida na indstria automotiva a partir dos anos 90, como tal possuem um forte apelo social a mudanas. A preveno desses agravos torna-se, portanto, uma justificativa mais que preponderante para a produo de conhecimentos que auxiliem os que se propem a lidar com essas realidades a pensar a

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melhor forma de implantar recursos tcnicos disponveis ou organizacionais que possam ser efetivos para auxiliar os operadores de prensas na gesto dos riscos em seu trabalho. A proteo de mquinas tipo prensas tem sido h vrios anos um assunto polmico e necessrio. Historicamente foram implantados pelas empresas, por exigncias normativas, diversos recursos tcnicos em mquinas para impedir os acidentes com mutilaes. Procurou-se atravs deste estudo entender no somente a organizao do trabalho de uma cadeia automotiva just in time e os efeitos no trabalhador de prensas, mas as relaes de interface entre os operadores, as mquinas, o contexto produtivo, os dispositivos de segurana, os acidentes e os adoecimentos musculoesquelticos. Neste primeiro captulo procurou-se introduzir o problema em questo ao leitor de forma objetiva e a justificativa para a realizao deste estudo, aspectos que sero mais profundamente tratados ao longo deste trabalho. No segundo captulo aborda-se a evoluo da indstria automotiva, buscando-se dados da atualidade sobre a produo de veculos no mundo e no Brasil, a estrutura tcnicoorganizacional das montadoras e suas redes, com foco especificamente no plo industrial automotivo mineiro, onde se insere a empresa terceira. Em seguida, j especificando melhor o foco desta pesquisa, contextualiza-se o trabalho em prensas no Brasil, com as caractersticas do parque de mquinas brasileiro, a disposio do mesmo nos diversos plos produtivos, incluindo o de Minas Gerais, e as caractersticas especficas desse trabalho em linhas de montagem. A partir desse ponto procura-se trazer a realidade dos riscos da atividade de trabalho em prensas, mediante o histrico dos graves acidentes ocorridos com essas mquinas dispostas no parque industrial brasileiro e mineiro, bem como os efeitos da reestruturao produtiva no desenvolvimento de doenas ocupacionais, quando as LER/DORT so focalizadas como fenmeno resultante dessa organizao do trabalho. Ainda no segundo captulo abordada a normatividade social que envolve a proteo de mquinas tipo prensas, com base na relao homem-mquina e nos avanos tcnicos conquistados at o momento. Segue-se nesse captulo aprofundando em algumas reflexes sobre as perspectivas atuais e futuras relacionadas preveno, e a atividade de trabalho trazida como cerne da perspectiva de abordagem preventiva. Como foco terico para se pensar na preveno adotou-se os conceitos da Ergonomia e da Ergologia sob o ponto de vista da atividade de trabalho.

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No terceiro captulo trazida a metodologia de pesquisa, baseada na Anlise Ergonmica do Trabalho proposta por Guern et al. (1997), para se buscar atravs do mtodo identificar as principais caractersticas de uma macro-organizao do trabalho que interferem na gesto integrada dos riscos de acidentes e adoecimentos pelos operadores de prensa, principalmente aqueles que se manifestam na atividade real de trabalho. Atravs do olhar desta pesquisadora sobre a atividade de trabalho dos prensistas em uma empresa terceira, dentro de uma cadeia produtiva que trabalha em sistema just in time de uma importante montadora atualmente campe em vendas de veculos automotores comerciais leves no Brasil, ambas localizadas em Minas Gerais, buscou-se entender como se d a atividade de trabalho desses operadores e quais so as principais condicionantes que dificultam a gesto dos riscos de adoecimentos e acidentes no trabalho. A escolha da metodologia da anlise ergonmica do trabalho se deu pela possibilidade desse mtodo de responder a uma questo precisa e por ser orientado para a proposio de solues operatrias, ou seja, considerar uma situao de trabalho que convenha maioria daqueles que a ocuparo, atravs de proposies de mudanas nos dispositivos tcnicos, na organizao do trabalho, na organizao e gesto da empresa, nos programas de formao e qualificao dos trabalhadores (WISNER, 2004). Deste ponto de vista, optou-se por estudar o trabalho a partir do ponto central, que a atividade. A possibilidade da construo dos problemas atravs dos prprios trabalhadores, faz valer o conceito de que devemos realmente compreender o trabalho para transform-lo (GUERN et al., 1997). Alm da utilizao da Ergonomia enquanto propedutica, buscou-se uma anlise mais profunda dos dados encontrados atravs dos conceitos da Ergologia (SCHWARTZ, 2003), abordagem que surgiu na Frana na dcada de 80 e que se prope a analisar a atividade humana no trabalho. Diante da problemtica dos adoecimentos e dos acidentes surgia ainda uma questo que no conseguia ser respondida apenas pela anlise ergonmica. Havia a necessidade de aprofundamento em um ponto identificado, mas no explorado, acerca da gesto individual e coletiva dos riscos a que se expem os trabalhadores de prensas no exerccio da atividade real de trabalho. Buscou-se, atravs dos conhecimentos da Ergologia, responder a essa questo. Partindo do conceito ergolgico de que trabalhar gerir (SCHWARTZ, 2003) uma srie de situaes, a si mesmo e aos outros dentro de um coletivo de trabalho, este estudo se prope a

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aprofundar nesses conceitos e a entender a gesto dos riscos de adoecimento e LER/DORT pelos operadores, que passa pela competncia individual e coletiva. Ao identificar as

estratgias individuais e coletivas das quais se utilizam os trabalhadores para gerir a variabilidade e os riscos envolvidos na atividade, buscou-se aprofundar no que se coloca em jogo para o(s) operador(es) no momento de suas escolhas na realizao da atividade. No quarto captulo abre-se o campo emprico, onde o mtodo de avaliao ergonmica se encontra com o real da atividade humana do trabalho dos prensistas. Seguem-se as etapas da anlise da demanda, onde sero trazidos os elementos do contexto histrico e social de acidentes e adoecimentos por LER/DORT focados na realidade do campo emprico e o contexto especfico da empresa, alm da dificuldade de implantao dos dispositivos de segurana vivenciados por esta pesquisadora enquanto mdica do trabalho inserida nessa realidade. A partir desse ponto descrevem-se toda a estrutura tcnica e organizacional da empresa, a posio da mesma dentro da cadeia produtiva e as principais caractersticas da populao trabalhadora. Elaboradas as primeiras pr-hipteses delineadas atravs das primeiras observaes e da coleta de dados gerais, estrutura-se o foco para guiar as observaes sistemticas da atividade de trabalho individual e coletiva e, assim, direcionar a coleta de verbalizaes que possam objetivamente comprovar a hiptese levantada anteriormente. Atravs dos resultados obtidos e validados com os prprios operadores tenta-se, ento, comprovar o exposto na hiptese central deste trabalho, desdobrando-a em elementos mais especficos para facilitar a identificao de uma possvel atuao preventiva nessa situao. Buscou-se centralizar empiricamente nas estratgias individuais e nas configuraes coletivas que se apresentam no trabalho real e, atravs dos elementos observados, comprovar a hiptese de que o contexto macro-organizacional de uma empresa terceira, inserida em uma rede de um sistema de produo automotiva just in time, condiciona de forma importante a atividade de trabalho de operadores de prensas devido s exigncias de produtividade, qualidade e flexibilidade, levando intensificao do trabalho, dificultando aos operadores a gesto integrada dos riscos de acidentes e adoecimentos por LER/DORT. Ainda como um objetivo a ser cumprido por este trabalho, buscou-se pensar em critrios mnimos de preveno para derivar a gesto integrada de riscos de acidentes e adoecimento musculoesqueltico, demonstrando-se que a implantao de sistemas de segurana em

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mquinas deve ser baseada na anlise da atividade real singular e coletiva do trabalho, especfica para cada situao, para que no se torne mais uma condicionante a ser gerida pelos trabalhadores, e que so os operadores detentores de conhecimentos apreendidos pelo viver e se usar no trabalho, absolutamente necessrios gesto especializada para que a preveno seja mais eficaz. No quinto captulo so trazidas as consideraes finais no para concluir, mas sim para abrir a discusso acerca das perspectivas preventivas atualmente colocadas s diversas situaes de trabalho, sob o paradigma da gesto dicotomizada de acidentes e de adoecimentos a partir da normatividade social. Abre-se igualmente para discutir o papel do trabalhador tambm como gestor dos riscos no seu prprio trabalho, uma vez que, como trouxe Canguilhem (2001), todo homem quer ser sujeito de suas prprias normas. Alm disso, suscitar a discusso sobre quais so as possibilidades que o meio (situao de trabalho) pode igualmente permitir ao ser humano tambm como possibilidades de gesto de si mesmo e do coletivo no qual se insere, para que ele(s) possa(m) manter-se saudvel(is) na diversidade e velocidade das mudanas que atualmente so colocadas a todos ns.

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2. O TRABALHO EM PRENSAS NA INDSTRIA AUTOMOBILSTICA BRASILEIRANeste captulo so abordados o crescimento da indstria automotiva no mundo e no Brasil, sua importncia na economia mundial, como se deu e se dar esse crescimento nos prximos anos. Em seguida busca-se conceituar as prensas e situ-las dentro desse contexto produtivo, dotado de caractersticas organizacionais especficas, e abordar os riscos que nele se configuram na atividade em prensas, alm de trazer alguns dados histricos sobre acidentes de trabalho e adoecimento e o que j se avanou em relao preveno de doenas ocupacionais e proteo contra acidentes nessas mquinas. 2.1 Breve histrico sobre a evoluo da indstria automobilstica

A indstria automotiva detm hoje na economia mundial um papel importante, uma vez que grande parte da populao mundial se utiliza de algum tipo de automvel, seja ele coletivo ou individual, movido a motores, para seus deslocamentos. Essa indstria, desde a sua criao, inspirou alguns movimentos que foram determinantes para os demais setores produtivos. A produo em massa das linhas de montagem de Henry Ford, acompanhada das introdues de Taylor em sua administrao cientfica do trabalho nos idos de 1915 a 1920 e a proposta da produo enxuta de Taiichi Ohno da Toyota, a partir dos anos 40, aps algumas crises da anteriormente instituda produo em massa, revolucionaram tcnicas de gesto e de produo (WOMACK et al., 2004). Desde essa poca, os automveis vm sendo um bem de consumo sonhado e almejado, fazendo com que, a cada ano, essa indstria tenha uma maior expresso na economia mundial. No Brasil, a evoluo da indstria automotiva se deu com a fabricao apenas de peas, por volta da dcada de 20. Somente a partir de 1952 iniciou-se o movimento de planejamento da constituio do parque industrial automobilstico brasileiro2, fazendo com que gradativamente as montadoras se instalassem no pas. Durante muitos anos, poucas montadoras estiveram no Brasil at 1990, a VolksWagen, a FIAT, a General Motors e a Ford. A partir dessa dcada, com a abertura do mercado, surgiram tambm a Renault, a Peugeot/Citren PSA, a Toyota, a Daimler Chrysler e a Honda (SCAVARDA, BARBOSA e HAMACHER, 2005) distribudas

2

Disponvel em: .Acesso em 05/01/08.

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nos plos industriais dos Estados de So Paulo, Bahia, Minas Gerais, Paran e Rio Grande do Sul, onde se encontram tambm as indstrias de autopeas. A expressiva posio econmica da indstria automotiva no Brasil teve como marco importante a corrida pela competitividade das montadoras por um mercado globalizado, no final dos anos 80 e a partir da dcada de 90. Isso desencadeou um processo de reestruturao produtiva no qual a terceirizao e a flexibilizao foram os pontos de principal estratgia de sobrevivncia das montadoras de veculos, aprofundando o processo de intensificao do trabalho. Novos produtos, novos modelos e novas tecnologias foram e continuam sendo introduzidos na produo, tanto em relao s mquinas e aos equipamentos quanto s tcnicas de gesto, qualificao, formao profissional e organizao do trabalho. Foram adotados programas derivados do chamado "modelo japons" de Ohno, da produo enxuta como qualidade total, just in time e outros , alm da modificao dos arranjos das fbricas e das relaes entre empresas (fornecedores), que deram origem ao consrcio modular e aos condomnios industriais (SALERNO, 2004). O rearranjo das fbricas se deu no apenas com relao rede ou cadeia produtiva fornecedores-clientes, mas tambm internamente, uma vez que foi necessria, a partir da introduo de programas do modelo japons, a configurao das clulas de produo, dos trabalhos em grupo, das tcnicas de kan-ban3, TPM (Total Productive Maintenance) e do controle estatstico do processo (CEP). Uma competio de mercado em que a inovao, a variedade e a qualidade dos produtos se mantm como tnica constante, faz com que os processos produtivos se tornem cada vez mais otimizados e flexveis. Em 2007, a ANFAVEA Associao Nacional de Fabricantes de Veculos Automotores Brasil solicitou uma pesquisa consultoria Price Water House Coopers sobre o crescimento da indstria automotiva. O resultado apontou que a produo mundial de veculos se elevar em 12,6 milhes de unidades at 2012, principalmente nos pases denominados emergentes que compem o atualmente chamado BRIC (Brasil, Rssia, ndia e China). No Brasil, desde a ltima dcada, os nveis de produo da indstria automotiva vm crescendo progressivamente. Os dados de produo de veculos (automveis e comerciais leves) de 2000 a 2006 esto representados na TAB. 1. Em 2007 foram registradas vendas que atingiam 1,74 milho de veculos, representando uma evoluo de 27,4% sobre 2006.4

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Kan-ban em japons significa carto, etiqueta. Contm informaes sobre o processo produtivo. Publicado na Folha Online em 06/09/07 e em 04/10/07. Acesso em 03/12/2007.

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TABELA 1 Nmero de automveis e comerciais leves produzidos por ano de 2000 a 2006ANO YEAR 2000 2001 2002 2003 2004 2005* 2006 AUTOMVEIS CARS 1.361.721 1.501.586 1.520.285 1.505.139 1.862.780 2.011.817 2.092.003 COMERCIAL LEVES LIGHT COMMERCIALS 235.161 214.936 179.861 216.702 318.351 365.636 379.221

Fonte: Autoveculos - Produo, vendas internas e exportaes. Anurio da Indstria Automobilstica Brasileira (ANFAVEA, 2007).

Especificamente em Minas Gerais existem duas montadoras, ambas de origem europia (Daimler Chrysler e FIAT), sendo que a segunda reforou seus resultados com uma forte reestruturao produtiva baseada em critrios de terceirizao. Na cadeia produtiva do cliente (montadora) juntamente com os fornecedores, cada fornecedor responsvel pela fabricao de uma pea ou conjunto de peas do veculo, em um sistema de produo just in time, de modo a reduzir estoques e custos. Alm disso, a montadora desenvolveu suas estratgias de desempenho no mercado ao criar plataformas que melhor se adaptam aos gostos e s caractersticas dos pases em desenvolvimento (CARVALHO, 2003), fato a que a montadora atribui o sucesso nas vendas registradas no Brasil nos ltimos anos. O Grupo FIAT ocupa atualmente na Europa o sexto lugar em vendas e teve seu crescimento registrado no mercado europeu em 2,6%, enquanto os demais colocados VW (Audi, Seat, Skoda e VW), PSA (Pegeout-Citren), Ford (Ford, Volvo, Jaguar, Land Rover) e GM (Opel, Vauxhal, Chevrolet, Saab) tiveram queda nas vendas. A Renault, quinta colocada no ranking, teve um aumento de 11,3%5. J no Brasil, a FIAT Automveis, que possui seu plo industrial no Estado de Minas Gerais, vem ocupando por seis anos consecutivos a posio de lder de vendas de automveis e veculos comerciais leves, chegando a 25,9% de participao no mercado e com um crescimento de 30,5% sobre as vendas registradas em 2006. Um entre cada quatro carros vendidos no Brasil da marca FIAT, e quatro entre os dez modelos mais vendidos em 2007 tambm so da montadora.6

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Publicado em: no dia 22/12/2007. Acesso em 04/01/2008. Disponvel em: www.fiat.com.br/br/afiat/fiatnews_1691.jsp. Acesso em 04/01/2008.

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No final do ano de 2007, o governo do Estado de Minas Gerais e a FIAT assinaram um Protocolo de Intenes, por meio do qual o processo de industrializao passaria a contar com investimentos superiores a R$ 5 bilhes e geraria 5.500 empregos diretos at 2010. Alm disso, esperava-se o fortalecimento da cadeia produtiva e de toda a economia, de forma a consolidar o parque industrial mineiro e a expandir seu plo automobilstico7, registrando-se, assim, a importncia dessa indstria para a economia estadual e nacional. E dentro desse parque industrial que se encontram as prensas e seus operadores, recursos imprescindveis para o processo de produo de automveis. 2.2 As prensas no contexto da produo automobilstica

As prensas tm participao efetiva e importante para vrios setores produtivos em carter mundial. Atualmente so encontradas em diversos setores, e quase todos os produtos que se conhecem, desde os maiores at os menores, estiveram, em alguma fase de seu processo de fabricao, em um molde ou recorte de uma mquina tipo prensa. Dentre os mais diversos fins, as prensas so utilizadas pela indstria de alimentos, durante a extrao de leos vegetais, como dos gros da soja; na produo de refratrios que compem os fornos para assar bolos, pes e biscoitos; na extrao, no esmagamento, na moldagem e na determinao do ponto de lacre/compactao de embalagens (caixas de ovos e outros tipos); na realizao de testes de resistncia mecnica; na estamparia; na confeco de corpos de prova (moldes). As prensas hidrulicas modernas so capazes de dar forma a frio ao metal, alm de formas materiais utilizadas na indstria de tijolos. No universo da cermica e do refratrio, as prensas podem ser utilizadas para fabricar produtos para atendimento construo civil, porcelana, loua de mesa e isoladores eltricos. Existem ainda aquelas utilizadas na indstria de reciclagem de papel, papelo, alumnio, embalagens pet e plstico, funcionando como enfardadeiras. Outra grande utilidade das prensas na fabricao dos produtos extrudados de alumnio, como perfis slidos, tubulares e semitubulares. Suas aplicaes so ideais para os setores de construo civil, bens de consumo, indstria eltrica, transportes e automotiva. Na indstria automotiva, as prensas so utilizadas na fabricao de em vrios componentes de metal ou plsticos, mas principalmente na moldagem e no recorte das chapas que compem as carrocerias dos diversos veculos. Atualmente, o parque de prensas das indstrias de autopeas no Brasil constitudo de mquinas principalmente oriundas de processos produtivos de montadoras e de indstrias de7

Disponvel em: www.fiat.com.br/br/afiat/fiatnews_1685.jsp>. Acesso em 04/01/2008.

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autopeas de outros pases, o que reflete na idade das mquinas desse parque. Recente publicao da Associao Brasileira de Manuteno, mesmo no especfica para as prensas, verificou que cerca de 30% dos equipamentos instalados nas indstrias brasileiras possuem de 21 a 40 anos de idade (TAB. 2), com uma mdia de 17 anos (TAB. 3).TABELA 2 Idade mdia dos equipamentos/instalaes em operao nas empresas (%)

Fonte: Associao Brasileira de Manuteno. A situao da manuteno no Brasil. Documento Nacional 2007.

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TABELA 3 Idade mdia dos equipamentos/instalaes em operao nas empresas

Fonte: Associao Brasileira de Manuteno. A situao da manuteno no Brasil. Documento Nacional 2007.

Um estudo feito pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES), sobre o Arranjo Automotivo da Regio Metropolitana Sul Curitiba, no Estado do Paran (IPARDES, 2005), ao citar especificamente as prensas, buscou no ano de 2004 o nmero de mquinas existentes na regio, estratificando-as pelo pas de origem, pela quantidade e idade ou pelo equipamento e nmero de funcionrios que operavam tais mquinas (TAB. 4). Foram catalogadas as prensas declaradas entre as mquinas e equipamentos de empresas fornecedoras que ocupam somente uma posio na cadeia de suprimentos (fornecedor de primeira linha). No foram consideradas as mquinas das demais empresas por no se ter com exatido sua relao por tipo de empresa fornecedora segundo a sua posio na cadeia de suprimentos. Na TAB. 4 verifica-se que o parque de mquinas da regio mais jovem (tm menos que 14 anos) e que grande parte das prensas so fabricadas inclusive no Brasil. Alm disso, identificou-se um nmero correspondente a 238 trabalhadores operando essas prensas. Nesse mesmo estudo foi comprovada a presena de prensas automatizadas nas empresas que informaram suas mquinas. No se encontraram estudos especficos sobre o parque de mquinas do plo mineiro.

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TABELA 4Pas de origem, quantidade, tempo de uso mdio e nmero de funcionrios que operam as mquinas e equipamentos das empresas fornecedoras do setor automotivo, pesquisadas na Regio Metropolitana Sul-Curitiba 2004

Fonte: IPARDES, 2005.

Em So Bernardo do Campo/SP tambm existem empresas de autopeas como a KarmannGhia, fornecedora para diversas montadoras e que j possui prensas automatizadas em seu

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parque de mquinas8. No entanto, mesmo com essa tendncia, grande parte das prensas ainda so convencionais. As prensas so mquinas que atuam como ferramentas onde o material trabalhado sob operaes de conformao ou corte que se sucedem entre a parte superior e inferior da ferramenta, a qual fixada a um membro recproco denominado martelo (FIG. 1).

FIGURA 1 Prensa com demonstrao do martelo Fonte: Cursos on-line www.simec.com.br. Acesso em 29/08/2006.

Essas mquinas, encontradas nos galpes de estampagem das indstrias de autopeas, podem ser dispostas isoladamente ou em linhas de produo, onde as operaes se sucedem at a forma final da pea. A forma de organizao do trabalho em prensas na indstria automotiva ser tratada a seguir. 2.2.1 O processo de trabalho em prensas na indstria automobilstica Para entender melhor a posio das prensas dentro do contexto, deve-se caminhar um pouco pela organizao do trabalho de uma rede de produo automotiva, que envolve a montadora, seus fornecedores, os fornecedores dos fornecedores, e assim por diante. A organizao e oDisponvel em: . Acesso em: 04./01/088

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gerenciamento da cadeia de suprimentos, que refletem toda a gesto logstica das empresas, com seus objetivos de reduo de custos e investimentos, alm da melhoria nos servios prestados aos clientes para aumentar a receita, remetem criao dessas cadeias ou redes produtivas, s quais as empresas montadoras e fornecedoras se aliam para ganhar fora no mercado. Segundo Ballou (2001), a busca por relacionamentos mais estveis tem ocorrido em funo da impossibilidade de uma nica empresa exercer controle sobre o fluxo produtivo, desde a fonte de matria-prima at o ponto de consumo final. Dessa forma, necessrio que tais relacionamentos de longo prazo sejam pautados pela cooperao e pela parceria, e no pela competio ou por relacionamentos conflituosos, para que todas as empresas pertencentes cadeia possam alcanar vantagens competitivas. Para exemplificar um tipo de relacionamento cooperativo, pode-se citar o envolvimento dos fornecedores nos processos de desenvolvimento e fabricao dos produtos. Zirpoli e Caputo (2002) apresentam o processo de reestruturao de fornecedores de uma empresa montadora europia decorrente de uma poltica de outsourcing praticada durante a dcada de 90. Diferentemente do pressuposto de que deve haver somente competio entre cadeias e no mais entre empresas isoladas, o referido artigo apresenta a necessidade da montadora de estimular certa competio entre os fornecedores, de forma a evitar possveis riscos e ineficincias que possam advir de relacionamentos estritamente cooperativos. Essa forte evoluo das cadeias produtivas de automveis contribuiu para o desenvolvimento de fornecedores de autopeas, a aquisio de mquinas-ferramentas, a aplicao de procedimentos de fabricao em massa e para o atendimento ao mercado, levando as indstrias a dispor suas prensas e outras mquinas em linhas. Na indstria automotiva, grande parte do trabalho se realiza nas linhas de montagem, iniciando-se na estampagem de peas, seguindo para o acoplamento por solda dos diversos conjuntos de peas estampadas, depois para as linhas de reviso das carrocerias montadas (para evitar danos estticos aparentes nos veculos antes da pintura) e, em seguida, para as linhas de pintura dos veculos, com suas revises e processos de montagem dos acessrios internos e externos. na estampagem de peas que se delineia toda a carcaa do carro, e a qualidade do produto fornecido pela estampagem fundamental para todo o acoplamento das peas na soldagem e na montagem do veculo. No agradaria ao consumidor comprar um carro novo com a carroceria amassada, com portas que no se acoplam perfeitamente ou com outros problemas de qualidade inerentes estampagem de peas perceptveis aos consumidores em geral. Por isso, a importncia da estamparia na determinao da qualidade do produto final. Uma linha de

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estampagem funciona com as vrias prensas dispostas em linha, numa seqncia de operaes e de operadores que trabalham coletivamente para a fabricao de lotes de peas destinadas a compor a carroceria dos veculos. Uma empresa inserida como terceira em uma cadeia produtiva just in time possui uma demanda geralmente varivel e muito flexvel, uma vez que a produo se faz do fim ao comeo. Ou seja, o cliente final solicita um modelo de veculo concessionria, que dispara na montadora o pedido, e esta, por sua vez, dispara para os fornecedores tambm os pedidos de peas e acessrios. Os fornecedores diretos possuem, montante, outros fornecedores de peas que, por sua vez, possuem outros, e assim por diante. Nesse contexto produtivo se inserem os trabalhadores, que, com a absoro pelas empresas automotivas das tcnicas para a melhoria da produtividade e da qualidade oriundas da produo enxuta, devem, alm de especificamente operar as mquinas dispostas em linha, coletivamente controlar a qualidade das peas, controlar a produtividade e fazer a embalagem das peas. As atuais fornecedoras de peas estampadas para as grandes montadoras se estabeleceram com o processo de terceirizao ocorrido a partir da dcada de 90. No s as estamparias, mas outros acessrios dos veculos foram terceirizados para as fbricas, que, dentro do sistema de atendimento just in time e da manufatura enxuta, podem at possuir plantas dentro da prpria montadora, reduzindo, assim, custos logsticos, embalagens e transporte. No caso das peas estampadas, o que antes era considerado como negcio-chave das montadoras j no o mais, o que geralmente as montadoras exigem a proximidade do fornecedor para evitar danos s peas no transporte, como empenos e corroso (BNDES, 1999). As estamparias podem ser classificadas pelas peas que produzem e pelo capital investido em tecnologia. Nas carrocerias dos veculos existem peas pequenas e grandes. Conforme um estudo feito por profissionais do Banco Nacional de Desenvolvimento em 1998, as estamparias so divididas informalmente em pequenas ou leves, mdias e grandes ou pesadas, de acordo com a capacidade das prensas e com a complexidade, o peso e o tamanho das peas. Estamparia pesada: prensas acima de 400 t; estamparia mdia: prensas na faixa de 200 a 400 t; estamparia leve: prensas de at 200 t. A estamparia pesada caracteriza-se por ser intensiva em capital e em tecnologia, tanto na produo das peas quanto no desenho e na confeco das ferramentas, e por necessitar de forte capacidade logstica (entrega e transporte). Nesse

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segmento destaca-se a produo de peas e conjuntos das carrocerias e cabines dos veculos.9 Podem ser estampados um cap, um pra-lama, uma lateral inteira de um veculo, como tambm as pequenas peas que compem a carcaa de um painel, os reforos do vo do portamalas, do vo do pra-brisa, das caixas de rodas, etc. Cada chapa a compor uma pea ter obviamente dimenses e espessuras diferenciadas, dependendo inclusive da finalidade e localizao da mesma no carro. Em um sistema no automatizado, as chapas vm organizadas em fardos, j cortadas nos tamanhos adequados, e so colocadas em mesas ou bancadas prximas s prensas, para serem trabalhadas, de onde so retiradas uma a uma por um ou mais operadores, com a ajuda de luvas imantadas, e colocadas na prensa para a conformao. Quando exige muitos cortes, conformaes e furos, a pea deve passar por vrios moldes que faro esse trabalho. Os moldes so ferramentas tambm de ao e ferro, desenhadas por um projetista e fabricadas em ferramentarias, onde o desenho do que ir ser trabalhado fica impresso nessa matriz. Essa matriz acoplada ao martelo superior e mesa inferior das prensas; aps acionado, o martelo desce e faz a conformao da chapa junto ao molde inferior, definindo o desenho a ser estampado. Os retalhos ou sobras oriundos dessa conformao ou corte, ou furo, normalmente so resduos que seguem para a reciclagem atravs de sistemas coletores dispostos debaixo das prensas. Dependendo do tamanho das peas e dos retalhos e da forma como so concebidas as matrizes, esses retalhos podem ficar ainda aderidos s matrizes e serem retirados aps a conformao da chapa. Para acionar uma prensa, o operador deve apertar os comandos, que podem ser por pedais ou bimanuais, ou a mquina pode ter um acionamento que leve a um giro contnuo. Dependendo do tamanho e do produto a ser conformado, um operador pode trabalhar em uma prensa sozinho, em dupla ou em quatro, de p ou assentado, na alimentao10 da prensa ou na retirada de peas. Normalmente pega-se a pea ou chapa a ser trabalhada com uma das mos, ou ambas, dependendo do tamanho da pea, coloca-se a pea na base da ferramenta ou estampo, pressiona-se o acionamento (por pedal ou comando manual). O martelo da prensa desce, faz o corte ou moldagem, sobe, e a pea pode ser retirada da ferramenta. As prensas podem ser dispostas de forma nica ou em linha de montagem (FIG. 2), onde as operaes se sucedem at o final da linha, local em que a pea embalada. Quando o trabalho realizado em peas pequenas, o prprio operador quem coloca e retira a pea da prensa. No caso dasDisponvel em: . Angela M Medeiros M. Santos Gerente Setorial; Caio Mrcio de vila Pinho Engenheiro Setembro/1998. 10 Utiliza-se o termo alimentar a prensa para determinar a colocao de peas a serem trabalhadas. Referindo-se boca do leo que ser explicada adiante, a expresso tem sentido.9

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linhas, os operadores podem ser dispostos tanto na parte dianteira, alimentando a prensa, quanto na parte traseira, dependendo do grau de automatizao das mquinas. Na alimentao por sistemas automatizados, alguns recursos como gavetas ou bandejas rotativas podem ser utilizados; na retirada das peas, as ferramentas podem vir dotadas de sistemas de extrao automtica das peas ou nelas ser instalado um tipo de mo mecnica. No trabalho em linha existe uma cadncia produtiva que deve ser seguida da primeira ltima operao para que no haja acmulo de peas entre as operaes. Normalmente, entre uma prensa e outra disposta seqencialmente em linha, existe um transportador de peas, como uma esteira rolante, que leva a pea de uma operao outra. A cadncia das linhas determinada pela necessidade de peas estabelecidas pela programao, em funo das necessidades produtivas para atendimento ao mercado. Alm da atividade de colocar e retirar as peas das prensas, normalmente o prprio operador quem monta na prensa a ferramenta que ir fazer o molde ou corte na pea. Centenas de peas saem por hora das diversas linhas de estampagem para as montadoras. O trabalho em linha de montagem prev uma diviso de tarefas, uma cadncia e uma interao entre os membros que a constituem, onde se percebe uma dependncia direta entre o operador anterior e o posterior.

FIGURA 2 Disposio de prensas de forma nica ou em linha de montagemFonte: Cursos on-line www.simec.com.br. Acesso em 29/08/2006.

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Esse trabalho, da forma como organizado, e as prprias caractersticas das prensas levam os trabalhadores a riscos relacionados sua sade e segurana. Tais riscos sero tratados mais profundamente nas sees a seguir. 2.2.2 Os riscos do trabalho em prensas

Nesta seo sero tratados os riscos presentes na atividade dos prensistas em razo dos critrios da organizao do trabalho da indstria automotiva, que levam a efeitos na sade, como os acidentes com mutilaes e as LER/DORT. Sero abordadas algumas referncias estatsticas disponveis para estudo atualmente e consideradas algumas condicionantes externas atividade de trabalho, mas que influem consideravelmente na gnese dos riscos, como a disposio das prensas em linhas de montagem, a idade das mquinas, as exigncias de produtividade, qualidade e flexibilidade. importante delimitar os acidentes e as doenas do trabalho11 do ponto de vista das normas legais vigentes, pois o impacto na vida do trabalhador costuma ser semelhante nas duas situaes. Os riscos mais evidentes do trabalho com as prensas so os acidentes, geralmente graves, porque envolvem mutilaes dos membros superiores, mas que tambm podem ser fatais. Esses acidentes acarretam problemas sociais significativos, pois atingem os trabalhadores em franco perodo de atividade laboral, levando-os a incapacidades prolongadas e a aposentadorias precoces quando no encontram meios de reabilitao profissional. Os dados relativos aos acidentes em prensas ainda so escassos; apenas recentemente o Ministrio do Trabalho e Emprego estratificou dados especficos daqueles que envolvem mquinas, incluindo as prensas, no Brasil e em Minas Gerais. No existem estratificaes dos acidentes especificamente voltados para a indstria automotiva. Pode-se inferir que as prensas destacadas nas estatsticas do Ministrio do Trabalho esto no apenas nos parques fabris da indstria automotiva, mas tambm em empresas de outros setores econmicos. No menos importantes que os acidentes so as LER/DORT como fenmeno social bem estabelecido no mundo do trabalho, que atingem no somente as linhas de montagem dasSegundo a Previdncia Social, os acidentes do trabalho so classificados em: acidente tpico acidente decorrente da caracterstica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado; - acidente de trajeto acidente ocorrido no trajeto entre a residncia e o local de trabalho do segurado, e vice-versa; e - doena profissional ou do trabalho aquela produzida ou desencadeada pelo exerccio do trabalho peculiar a determinado ramo de atividade constante do Anexo II do Regulamento da Previdncia Social - RPS, aprovado pelo Decreto n 3.048, de 6 de maio de 1999, e por doena do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante do Anexo citado anteriormente. Disponvel em: . Acesso em; 26/01/2008. As LER/DORT so consideradas doenas do trabalho e se equiparam legalmente aos acidentes do trabalho. (Nota da autora).11

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indstrias automotivas, mas outros setores econmicos. Alguns trabalhos mencionam a especificidade das LER/DORT na indstria automotiva como que relacionada com a reestruturao produtiva ocorrida nesse setor. Talvez as LER/DORT ainda no tenham sido objeto de interesse especfico no trabalho em prensas devido gravidade e ao grau de incapacidade que acarretam os acidentes de trabalho nessas mquinas. A seguir sero abordados de forma mais especfica os acidentes e as LER/DORT no trabalho em prensas. 2.2.2.1 Acidentes do trabalho

Para entender melhor a gravidade dos acidentes que ocorrem no trabalho com prensas, necessrio percorrer alguns conceitos relacionados a essas mquinas, compreender sua forma de funcionamento, quais so seus pontos evidentes de maior risco, no significando, no entanto, que estes sejam os nicos existentes no trabalho em prensas. Segundo sua capacidade, as prensas classificam-se em prensas leves (at 50 t), prensas mdias (de 50 a 500 t) e prensas de grande porte (acima de 500 t). Nas prensas, a rea tecnicamente considerada perigosa composta de suas partes mveis, que oferecem riscos diretos decorrentes dos movimentos regulares dessas mquinas, as quais incluem principalmente a rea de prensagem tambm conhecida como boca do leo (WHITAKER, SEHIMI e MARTARELLO, 1994), devido ao elevado nmero de trabalhadores que j se acidentaram e tiveram leses graves como mutilaes em membros superiores ; a ferramenta, que o dispositivo que ir efetuar a conformao, o corte e a moldagem do material a ser trabalhado, e o martelo, que a parte da mquina que desce sob o comando do acionamento, realizando a presso necessria para a conformao ou corte, de acordo com a ferramenta (estampo ou molde) utilizada. Essas mquinas possuem diversos tipos de acionamento (por pedais, por botoeira simples, por comando bimanual ou por acionamento contnuo) que levam a possibilidades diferentes de riscos de acidentes. No caso das prensas que possuem acionamento por pedais ou acionamento contnuo, vale ressaltar que as mos do operador ficam livres durante a subida e a descida do martelo e com acesso s zonas de perigo, aumentando assim, em muito, a chance de acidentes, visto que o operador quem deve controlar a sincronia desses movimentos e o momento adequado para depositar a pea na ferramenta. O acionamento funciona da seguinte forma: pega-se a pea ou chapa a ser trabalhada com uma das mos ou ambas (dependendo do tamanho da pea), coloca-se a pea na base da ferramenta ou estampo, pressiona-se o acionamento (por pedal ou

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comando manual). O martelo da prensa desce, faz o corte ou moldagem, em seguida sobe, e a pea pode ser retirada da ferramenta. De uma maneira geral, as prensas mecnicas (excntricas) tm seus riscos acentuados pela velocidade de descida do martelo e tambm pelo mecanismo de chaveta rotativa, pea que, sujeita fadiga e propagao de trinca, caracteriza acentuao no risco de repetio do golpe da prensa. J as prensas hidrulicas, normalmente dotadas de menor velocidade de descida, apresentam acentuao de risco de outra natureza: devido ao seu porte, permitem o acesso da cabea e mesmo do corpo do operador trajetria do mbolo (ODDONE et al. 1986). Outro risco considerado importante o relacionado condio das mquinas, que, por serem mais antigas, oferecem maior chance de quebras. No que tange especificamente s mquinas obsoletas, em 2001 (MTE/SIT; MPAS, 2001), a Previdncia Social publicou dados de Silva (1995) sobre o maquinrio obsoleto e inseguro mais freqentemente relacionado a acidentes graves e incapacitantes nas pequenas e mdias empresas que compunham, na ocasio, o parque industrial brasileiro. As prensas foram responsveis por 31,8% desses acidentes um quadro que no se modificou muito ao longo dos anos, pois, 10 anos depois, os percentuais continuam elevados. O Ministrio do Trabalho e Emprego avaliou as causas dos acidentes de trabalho de 2002 a 2005 e concluiu que as mquinas foram responsveis pelo equivalente a 15%, sendo superados apenas pelas quedas, conforme demonstra o GRF. 1.

GRFICO 1 Acidentes de trabalho no Brasil de 2002 a 2005 analisados pelo Ministrio do Trabalho e EmpregoFonte: Sistema Federal de Inspeo do Trabalho.

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Abordando os acidentes por estados brasileiros, especificamente em Minas Gerais, o mesmo estudo do MTE apontou os acidentes com mquinas como responsveis por 19% do total de acidentes analisados no mesmo perodo, como demonstra o GRF. 2.

GRFICO 2 Acidentes de trabalho em Minas Gerais de 2002 a 2005, analisados pelo Ministrio do Trabalho e EmpregoFonte: Sistema Federal de Inspeo do Trabalho.

Em Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, um estudo feito de maro a outubro de 2003, no Setor de Terapia Ocupacional de um hospital pblico, para avaliao da efetividade de tcnicas de reabilitao em trabalhadores vtimas de leses incapacitantes numa amostra de 42 indivduos, verificou que a maioria dos trabalhadores era do sexo masculino (n=37), de idade entre 19 e 69 anos, com uma mdia de 35 anos (DP=11,5). Os participantes da amostra tiveram como diagnstico principal uma leso de tendo (38,1%), seguido de fratura (19,1%), leso de nervo (19,0%), esmagamento (14,3%) e amputao (9,5%). A mdia de idade da amostra foi de 35 anos (DP= 11,9), constituda principalmente de homens (88,1%). Quase a metade dos participantes apresentava baixo nvel de escolaridade (1 grau incompleto) e trabalhava no setor da indstria (69,0%) (FIGUEIREDO, SAMPAIO, MANCINI et al., 2006). Aprofundando-se na estratificao dos acidentes da indstria causados por mquinas, verificou-se que as prensas e mquinas similares12 foram responsveis por 21% dos acidentes analisados no Brasil de 2002 a 2005 (GRF. 3).

Pela Nota Tcnica 16 publicada em 07/03/2005, do Ministrio do Trabalho e Emprego, definem-se como mquinas similares os martelos de queda; os martelos pneumticos; os marteletes; as dobradeiras; as guilhotinas, as tesouras e cisalhadoras; a recalcadoras; as mquinas de corte e vinco; as mquinas de compactao; os dispositivos hidrulicos e pneumticos; os rolos laminadores; as laminadoras e calandras; os misturadores; os cilindros misturadores; as mquinas de moldagem; as desbobinadeiras e endireitadeiras; outros equipamentos (que no prensas) no relacionados anteriormente.

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GRFICO 3 Acidentes de trabalho com mquinas no Brasil de 2002 a 2005, analisados pelo Ministrio do Trabalho e EmpregoFonte: Sistema Federal de Inspeo do Trabalho.

Em Minas Gerais esse percentual eleva-se para 22,8%, conforme demonstra o GRF. 4.Acidentes com mquinas analisados em MG 2002-2005 (Fonte: Sfit)Outros 21,6% Prensas e similares 22,8%

Mq.injetoras 0,4% Mq.txteis 1,3% Mq.de embalar e empacotar 3,4% Mq.de minerao e perfurao 1,3%

Mq.de marcenaria 10,8% Mq. agrcolas e motosserra 10,8%

Equip.de guindar e transportar Mq. e Cilindros e 9,1% ferramentas calandras manuais 10,3% 8,2%

GRFICO 4 Acidentes de trabalho com mquinas em Minas Gerais de 2002 a 2005, analisados pelo Ministrio do Trabalho e EmpregoFonte: Sistema Federal de Inspeo do Trabalho.

Portanto, os acidentes com mquinas, principalmente as prensas, que levam a mutilaes e incapacidades nos trabalhadores brasileiros da indstria automotiva, tm uma expresso social importante, justificando esforos para a proteo adequada. Como j expressado anteriormente, os riscos decorrentes da relao direta do homem com a mquina no so os nicos no trabalho com as prensas. Outro fenmeno importante a ser

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levado em considerao o adoecimento por LER/DORT e sua relao com as condicionantes existentes na atividade de trabalho dentro do sistema just in time da indstria automotiva. Alguns dados estatsticos podem referenciar as LER/DORT no contexto da produo industrial de uma forma mais generalizada, e alguns trabalhos abrangeram esse problema na indstria automobilstica. A Previdncia Social, em uma apresentao sobre a publicao de seu Anurio Estatstico de Acidentes de Trabalho, em 2003, demonstrou que o perfil brasileiro de adoecimento apresenta sobreposio de riscos do trabalho do denominado Primeiro Mundo, como stress e LER/DORT, aos do Terceiro Mundo, como silicose, acidentes com mquinas obsoletas, associados tambm baixa capacitao de empregadores e trabalhadores em sade e segurana do trabalho.13 Nesse mesmo ano, as estatsticas apontaram a indstria de transformao como a primeira em acidentes de trabalho na indstria registrados na Previdncia Social, como demonstra a TAB. 5.TABELA 5 Acidentes de trabalho registrados em 2001 por setor de atividade econmicaSETOR DE ATIVIDADE ECONMICA REGISTROS ACIDENTES TRABALHO Agricultura .................................................. Indstria ....................................................... Extrativa Mineral ...................................... ...Construo.................................................. Servios Industriais de Utilidade Pblica.. Transformao........................................... Servios ........................................................ Ignorado........................................................ TOTAL........................................................... 30.665 140.973 2.260 21.972 6.611 110.130 149.752 68.790 390.180 1..356.082 6.445.723 112.629 1.088.177 285.103 4.959.814 15.312.356 75.844 23.190.005 22,61 21,87 20,07 20,19 23,19 22,20 9,78 906,99 16,83 DE MDIA DE VNCULOS COEFICIENTE DO EMPREGATCIOS (p/cada 1.000 vnculos)

Fonte: Anurio Estatstico da Previdncia Social, 2003.

Dentro da indstria de transformao encontra-se a indstria automotiva, mas os dados especficos publicados pela Previdncia Social no possuem uma estratificao detalhada voltada para a indstria automobilstica, muito menos para o trabalho em prensas. Alm das13

Disponvel em: . Acesso em: 05/01/08

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doenas ocupacionais determinadas como tal, ainda existe um percentual significativo de doenas osteomusculares dentre os acidentes de trabalho tpicos comunicados: 7,7%, conforme registrado em 2002 pelo Ministrio do Trabalho e Emprego (GRF. 5).

Acidentes do trabalho tpicos - Distribuio por CID(1) Brasil, 2002.doenas osteomusculares; 7,7%

outros ferimentos; 8,2% outros; 5,7%

ignorado; 3,8%

traumatismos; 74,7%

GRFICO 5 Acidentes do trabalho tpicos14 no Brasil, distribudos por CID e registrados em 2002Fonte: Sistema Federal de Inspeo do Trabalho. (1) Cdigo Internacional de Doenas.

2.2.2.2

LER/DORT

Alguns estudos epidemiolgicos e observacionais concluram que as LER/DORT tm origem multifatorial, estando esses fatores relacionados direta ou indiretamente com a determinao dessas doenas. Kuorinka e Forcier (1995), em seus estudos, demonstraram que os fatores de risco no agiam de forma interdependente e que os aspectos biomecnicos, cognitivos, sensoriais, afetivos e da organizao do trabalho interagiam entre si na determinao das LER/DORT. Esses estudos determinaram grupos de fatores de risco bem delimitados para o aparecimento das LER/DORT, quais sejam: o posto de trabalho, a presena de vibraes, a exposio ao frio, a exposio ao rudo elevado, as posturas (extremas, contra a gravidade e que provoquem tenses no sistema musculoesqueltico), a compresso mecnica localizada, a carga mecnica (a fora, a repetitividade, a durao da carga, o tipo de preenso, a postura e o mtodo de trabalho), a carga esttica (a fixao postural observada, as tenses ligadas ao trabalho, sua organizao e contedo), a invariabilidade da tarefa (restrio de riscos

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Segundo a Previdncia Social, acidente tpico aquele decorrente da caracterstica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado. Disponvel em: . Acesso em: 26/01/08.

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mecnicos a alguns segmentos corporais), as exigncias cognitivas, os fatores organizacionais e psicossociais relacionados tarefa. Como exemplo para melhor entendimento, pode-se dizer que fatores organizacionais como a reduo da intensidade da carga de trabalho e a instituio de pausas para descanso poderiam controlar os fatores de risco da intensidade e freqncia do trabalho. necessrio aprofundar nas caractersticas organizacionais do contexto produtivo em que se situa esta pesquisa, que podem ser consideradas etiolgicas para as LER/DORT. Historicamente, Fleury e Vargas (1983) afirmaram que o sistema da diviso do trabalho e as linhas de montagem do sistema taylorista-fordista intensificavam o trabalho. Aliadas a isso, as exigncias da produo enxuta do modelo japons, que atribuiu aos trabalhadores uma srie de tarefas alm da produo, se de um lado enriqueceram a atividade, de outro aumentaram a densidade da mesma, com os novos constrangimentos no apenas de tempo, mas de decises e antecipaes por parte dos trabalhadores.Estamos sempre em situaes de trabalho que tm histrias, particularidades, dentro de relaes econmicas em que as exigncias e as formas de regulao continuam a pesar. [...] verdade que no domnio em que o Taylorismo foi inventado, ele recua. L onde havia, por exemplo, as linhas de prensagem ou de soldagem, l onde havia prescries muito fortes, onde o trabalho era realmente muito modelado pelos outros, vemos conjuntos automatizados nos quais as equipes tm que gerir fluxos, panes eventuais e tm que se comunicar freqentemente. E verdade que h muito apelo iniciativa. totalmente verdade e isso muda as coisas nas relaes profissionais, no modo de gerncia (SCHWARTZ e DURRIVE, 2003, p. 28).

Os efeitos da chamada reestruturao produtiva ocorrida na cadeia automotiva refletem-se na precarizao do trabalho, um fenmeno que se instala progressivamente, caracterizado no apenas pela intensificao do trabalho, mas tambm pelo aumento do sofrimento psquico (DEJOURS, 2003). O aumento crescente da produo de veculos para atendimento ao mercado acarreta aumento no ritmo ou na cadncia do trabalho para atender aos volumes, s constantes modificaes nos modelos de veculos a serem produzidos e introduo de novas tcnicas gerenciais, levando os trabalhadores multifuncionalidade (operar a mquina, realizar pequenas manutenes, controlar os volumes de produo, controlar a qualidade das peas, etc.), que geralmente lhes dificulta a adaptao a tantas condicionantes, gerando as LER/DORT.Os processos globais, a financeirizao da economia, a subcontratao, os processos econmicos, tcnicos, resumindo, as evolues de toda natureza, podem ser lidas em uma parte essencial no posto de trabalho. [...] Todo dia s se ouve isto: a globalizao, o mercado, a concorrncia se impe e

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ns somos obrigados a nos adaptarmos. Aqueles que no se adaptam, que resistem, tornam-se literalmente inadaptados (SCHWARTZ e DURRIVE, 2003, p. 58).

Nas empresas montadoras de automveis ocorre uma densificao das atividades de trabalho caracterizada pela repetitividade associada integrao e flexibilizao da produo, como o just in time. No trabalho em linhas de montagem dentro de uma cadeia produtiva just in time, o trabalho se torna ainda mais intenso, uma vez que os estoques so reduzidos e as peas se modificam rapidamente devido s constantes mudanas de modelos para atendimento ao mercado. Uma anlise realizada por Oliveira (2004), em uma linha de montagem de automveis em sistema de gesto flexvel, revela que os trabalhadores se esgotam para atender s exigncias desse mercado aquecido.[] de acordo com o crescimento das encomendas, a gerncia pode continuar a diminuir o tempo, mesmo quando os trabalhadores acham que j esto trabalhando no limite de suas capacidades corpreas e psquicas, tornando o trabalho to duro quanto possvel. Aqui combinam-se crescimento da demanda, presso da gerncia e presso da equipe; o trabalho alcana ritmos de presso e desgaste fsico que esgotam o trabalhador (OLIVEIRA, 2004, p. 30-31).

Esses reflexos nas linhas de montagem das empresas montadoras de veculos se estendem s fornecedoras de peas distribudas dentro da rede de produo, reduzindo as margens de regulao operatria dentro das indstrias de autopeas (ECHTERNACHT, 2004). Um estudo realizado pelo Instituto de Relaes do Trabalho da PUCMINAS, por Oliveira (2000), demonstrou que as condies de trabalho das pequenas empresas de autopeas das prestadoras de servio da cadeia produtiva de uma montadora mineira apresentam um trabalho mais intenso, pior remunerado, maior insalubridade e maior nmero de acidentes do trabalho. Tambm outro estudo feito por Salim (2003) apontou as mudanas ocorridas no mercado de trabalho na Regio Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e o reflexo sobre a evoluo e as caractersticas sociais e demogrficas das LER/DORT. Nesse estudo foi demonstrado que, entre 1991 e 1996, Minas Gerais registrou, cumulativamente, 21.158 casos dessas doenas ocupacionais. Apenas em 1996 foram 8.010 casos, o que representou um crescimento de 55,6% em relao ao ano anterior. Desses, um total de 4.587 registros, correspondendo a 57,3% do total para o Estado, referia-se aos municpios mais industrializados da RMBH: Belo Horizonte (3.063), Contagem (1.063) e Betim (461). O mesmo estudo registrou, dentre essas doenas, a predominncia das LER/DORT em relao s demais, como demonstra o GRF. 6.

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GRFICO 6 Distribuio dos agravos sade registrados pelo NUSAT/INSS (Ncleo de Referncia em Doenas Ocupacionais da Previdncia Social) em Minas Gerais no ano de 1996Fonte: Relatrio do NUSAT/INSS-MG 1996. (1) Perda auditiva induzida por rudo.

Um estudo mais recente, realizado por Arajo e Oliveira (2006) com trabalhadoras do setor metalrgico de So Paulo, em indstrias de autopeas, revela os impactos da reestruturao produtiva na sade dos trabalhadores.[...] observamos um processo de reestruturao em curso, no qual pode ser verificada a adoo de maquinrio moderno de controle numrico, bem como de alguns dos novos mtodos de gesto, como a qualidade total e as clulas de produo. Estas novas prticas, no entanto, convivem com mquinas antigas e com linhas de montagem tradicionais, mais prximas do estilo taylorista, com predominncia de tarefas parcelizadas e repetitivas. [...] Nas cinco empresas visitadas nesta pesquisa, as linhas de montagem foram, em geral, identificadas como locais de alta incidncia das LER/DORT. [...] foi a intensificao das mudanas na organizao do trabalho, marcadas pelo enxugamento de postos de trabalho, pela terceirizao, pela manuteno de postos de trabalho taylorizados e a crescente presso por produtividade, que levaram a esse quadro epidmico. As respostas das trabalhadoras entrevistadas neste estudo confirmaram a presena importante das LER/DORT nas empresas dos segmentos de autopeas e eletroeletrnico: 89,6% delas afirmaram a existncia de trabalhadoras com LER nas empresas nas quais trabalhavam [...] (ARAJO e OLIVEIRA, 2006, p. 87).

As exigncias de produtividade presentes em toda a cadeia produtiva refletem sobremaneira no operador de prensa, pelo nmero de peas estampadas que deve sair das linhas de produo para atender montadora. De acordo com o Servio Brasileiro de Respostas Tcnicas do Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), do Rio Grande do Sul, atendendo a uma demanda formulada em maio de 2006 sobre informaes quanto tecnologia e ao processo de fabricao de placas de automvel (fornecedores), uma prensa

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pode produzir de 400 a 50.000 peas/hora15. Obviamente, as que produzem milhares de peas por hora so prensas automatizadas. Pensando na realidade da produo de um trabalhador, ou seja, que atinja o nvel de 400 peas/hora, tem-se a mdia de tempo de produo para cada pea de 9 segundos, sem nenhuma intercorrncia ou evento no processo produtivo que interfira nessa produo. A produtividade alia-se variabilidade relacionada aos modelos de veculos solicitados montadora. Por conseguinte, dentro da cadeia produtiva necessrio que o fornecedor de peas estampadas esteja preparado para atender s mudanas freqentes nos pedidos da montadora, isto , demonstrar grande flexibilidade, para o que, no entanto, nem sempre o parque de prensas est. Ocorrem ento rearranjos constantes nas linhas, nas prensas e na colocao dos estampos para alcanar as metas de produo, pois no h estoques previstos de peas para atender s necessidades prementes do mercado devido concepo baseada na produo enxuta (no h muitas vezes espao suficiente nas empresas para armazenagem de peas e moldes). preciso atingir os objetivos de produtividade, flexibilidade e de qualidade do sistema just in time (praticamente sem estoques) com tempos exguos para cada operao, trabalhando na linha de produo, em conjunto com outros operadores, em um sistema no automatizado, com mquinas antigas como a realidade de grande parte do parque de mquinas brasileiro atualmente , sujeitas a uma srie de defeitos que necessitam de correes e que levam ao atraso na entrega da produo e, conseqentemente, a uma exigncia maior de produtividade. Se no consegue atingir seus objetivos, o(s) operador(es) compromete(m) significativamente todas as etapas do trabalho seguintes e tambm toda a rede produtiva, que interdependente. Ressalte-se, portanto, que assim como importante o estudo dos acidentes tpicos decorrentes do trabalho com prensas, o mesmo acontece em relao aos efeitos sade como nas LER/DORT e as perspectivas de preveno que possam aliar a proteo das mquinas forma atual de organizao do trabalho na indstria automobilstica.

2.3

Perspectivas preventivas para a gesto dos riscos no trabalho em prensas

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SENAI-RS. Servio Brasileiro de Respostas Tcnicas. 25/05/2006. Disponvel em: . Acesso em: 05/01/08.

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As sees 2.3.1, 2.3.1.1 e 2.3.1.2, a seguir, trataro da viso histrica e social da preveno de acidentes em mquinas, aprofundando na especificidade da proteo em prensas com questes atuais ligadas aos programas normativos vigentes no Brasil e em Minas Gerais, para, em seguida, apresentar algumas possibilidades tcnicas ligadas proteo das prensas ainda dentro do enfoque restrito s relaes homem-mquina. Feito isso, a seo 2.3.2 abordar a perspectiva de preveno baseada na anlise da atividade, resgatando o histrico evolutivo do entendimento e a aplicao das diversas metodologias de anlise dos acidentes, passando pelos avanos de contribuio apresentados pela Ergonomia e suas formas de abordagem e chegando aos conceitos ergolgicos sobre a atividade como forma de ampliao do entendimento dos modos de trabalhar, de gerir os riscos e de manter a sade e a segurana na complexa atividade humana de trabalho. 2.3.1 Normatividade social

Dentro da normatividade social construda historicamente na perspectiva da preveno dos acidentes do trabalho em prensas, necessita-se entender a evoluo dos sistemas tcnicos e as formas at ento aplicadas para que se compreendam as relaes do homem com o seu posto de trabalho. A histria das relaes entre o trabalho-sade e as conseqncias dessa relao tm sido, para muitos estudiosos do campo da segurana e da medicina do trabalho, um grande desafio, uma vez que se percebe que as tecnologias vo avanando e a insero do homem no trabalho vem se fazendo de diversas maneiras diferentes, sempre modificando os riscos para o trabalhador nas mutantes situaes de trabalho. 2.3.1.1 Histrico da proteo em mquinas e equipamentos

Historicamente, a proteo em mquinas e equipamentos se tornou necessria desde a Revoluo Industrial, porquanto vrios acidentes, inclusive fatais, ocorriam com os trabalhadores nas diversas fbricas instaladas na Europa. Algumas normas foram elaboradas para orientar o pessoal tcnico e de engenharia quanto maneira mais eficaz de proteo aos operadores e manutentores de mquinas com acionamento automtico ou semi-automtico, tendo como premissas bsicas que um ser humano no poderia acessar as partes mveis das mquinas em movimento, que o sistema de controle de segurana de uma mquina deveria operar de forma prioritria em relao ao sistema operacional da mesma, e que todos os equipamentos destinados ao cumprimento de funes de segurana para os seres humanos deveriam seguir requisitos especficos de fabricao e confiabilidade operacional. Tais

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premissas, em evoluo ao longo do tempo, inclusive devido ao surgimento de novas tecnologias, vm h anos orientando os especialistas em mquinas e equipamentos e em segurana no trabalho no mundo. No Brasil, no que diz respeito especificamente aos acidentes de trabalho, alguns avanos na legislao de proteo ao trabalhador, aliados aos requisitos tcnicos, vm ocorrendo nas ltimas dcadas de uma forma mais geral, como na Constituio Federal e na Consolidao das Leis Trabalhistas, assim como de forma mais especfica na publicao das Normas Regulamentadoras do Ministrio do Trabalho e Emprego, na dcada de 70, e nos diversos acordos coletivos sindicais, nos decretos, nas leis e portarias dos Ministrios da Sade e da Previdncia Social. importante ressaltar que as aes dos rgos fiscalizadores, a melhoria na educao e formao de profissionais, para atendimento s prementes necessidades da sade e segurana do trabalhador, assim como as publicaes de normas tcnicas brasileiras inspiradas em experincias de normas internacionais tm contribudo para que, progressivamente, ocorra uma mudana no cenrio da preveno de acidentes do trabalho e das doenas profissionais. At a dcada de 70, a responsabilidade pela preveno de acidentes cabia ao INPS (Instituto Nacional de Previdncia Social) atravs do GAT (Grupamento de Acidentes do Trabalho) (NOGUEIRA, GOMES e SAWAIA, 1981). Em 1977, com a publicao da Lei 6.514 de 22 de dezembro, que alterou o Captulo V da Consolidao das Leis do Trabalho relativo Segurana e Medicina do Trabalho, e da Portaria 3.214 de 08 de junho de 1978, que aprovou as Normas Regulamentadoras NR do Captulo V do Ttulo II, da Consolidao das Leis do Trabalho, relativas Segurana e Medicina do Trabalho (BRASIL, 2007), as atividades de preveno passaram a ser executadas pelos profissionais de segurana e medicina do trabalho das empresas, devido obrigatoriedade de constituio de seus Servios Especializados em Segurana e Medicina do Trabalho, fiscalizados pelas Delegacias Regionais do Trabalho do Ministrio do Trabalho e Emprego. No apenas a legislao contribuiu para as aes de gesto especializada em segurana e medicina do trabalho, mas tambm para isso contriburam as normas tcnicas publicadas pela Associao Brasileira de Norma Tcnicas (ABNT), entidade privada, sem fins lucrativos, responsvel pela normalizao tcnica no pas, fundada em 1940, e que hoje a nica e exclusiva representante no Brasil das seguintes entidades internacionais: ISO (International Organization for Standardization), IEC (International Electrotechnical Comission) e das entidades de normalizao regional COPANT (Comisso Pan-Americana de Normas Tcnicas) e da AMN (Associao Mercosul

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de Normalizao). Essa entidade, possuindo comits especficos de abordagem para cada tipo de assunto, tem em seu ABNT/CB-04 o Comit Brasileiro de Mquinas e Equipamentos Mecnicos, alm de ditar normas especficas em segurana no trabalho16. A aplicao da legislao e das normas especficas para a proteo de mquinas no foi to simples na preveno dos acidentes de trabalho em prensas, no histrico brasileiro. O Professor Ren Mendes, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, em uma pesquisa para o Ministrio da Previdncia e Assistncia Social, realizada de agosto de 2000 a maro de 2001, com o intuito de desvendar as principais causas dessas ocorrncias e buscar formas de evit-las, concluiu que os acidentes graves aconteciam em mquinas obsoletas e inseguras no parque industrial brasileiro. Essas mquinas, compradas de segunda mo em reas de revenda de aparelhos industriais na Regio Metropolitana de So Paulo, em sua maioria eram prensas mecnicas e hidrulicas, mquinas de cilindros de massa, serras circulares, desempenadeiras, guilhotinas para chapas metlicas e para papel, impressoras offset a folha, injetoras de plstico, cilindros misturadores para borracha e calandras de borracha, geralmente oriundas do processo de automatizao de parques estrangeiros (MENDES, 2001). Essas mquinas obsoletas, inseridas nos diversos processos produtivos no pas, vm causando acidentes nos trabalhadores conforme as estatsticas citadas anteriormente pelo Ministrio do Trabalho e Emprego. Para os gestores das empresas, o que se tem observado a tendncia recuperao desses equipamentos (retrofitting)17. Segundo informao de uma diretora de uma empresa do ramo de equipamentos industriais, o investimento para a reconverso se torna menor do que para a compra de um equipamento novo, e os equipamentos antigos possuem uma vida til maior do que os equipamentos novos, reduzindo ainda mais os investimentos e possibilitando um lucro maior. A diretora da KSF (Karoly Szabo e Filhos Ind. de Eletr.Ltda), especializada em ferramentas eltricas de alta freqncia, Cleide Szabo, em entrevista revista Valor Econmico, em 17/09/2007, relata: Se eu for vender uma prensa, por exemplo, no terei retorno financeiro e conseguiria comprar uma muito mais cara e com vida til menor18. Os custos de equipamentos novos so muito elevados, fazendo com que as empresas muitas vezes optem por no compr-los. Se fossem adquiridos, esses equipamentos certamente viriam em melhores condies e evitariam problemas relativos manuteno, queDisponvel em: . Acesso em: 05/01/08. Retrofitting ou reconverso a modernizao tecnolgica de mquinas que pode ser parcial ou total, como forma de abaixar o custo. Economicamente trocar o equipamento mais dispendioso. 18 Disponvel em: . Acesso em 02/01/08.17

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tambm podem ser causadores de acidentes graves no trabalho com mquinas. Existem riscos que so inerentes idade e s condies de manuteno das mquinas, nas quais os sistemas de segurana implantados no seriam suficientes para minimizar riscos oriundos de partes mecnicas desgastadas por anos de utilizao. Com o intuito de evitar acidentes com operadores de mquinas, trs partes interessadas se uniram: os Sindicatos dos Empregadores juntamente com a FIESP (Federao das Indstrias do Estado de So Paulo), os Sindicatos dos Trabalhadores Metalrgicos e o Ministrio do Trabalho e Emprego, a partir do que publicaram o PPRPS (Programa de Proteo de Riscos em Prensas e Similares) como um anexo de uma conveno coletiva de trabalho. Historicamente, o processo se deu da seguinte forma: em 1995, o Sindicato dos Metalrgicos de So Paulo, Mogi das Cruzes/SP desenvolveu, com o apoio da Fundacentro/MTB, um projeto para PROTEO ADEQUADA EM PRENSAS, priorizando as mecnicas, excntricas do tipo engate por chaveta, por serem umas das mquinas mais perigosas e responsveis por considervel nmero de mutilaes de dedos e mos. No mesmo ano ocorreu o lanamento da Campanha MQUINA, RISCO ZERO... NOSSA META!, de carter permanente, sobre preveno dos riscos de acidentes com prensas e equipamentos similares, e foram fechados acordos e negociaes diretas com empresas da cidade de So Paulo mediante termos de compromisso e respectivos cronogramas de resolues. Em 22 de setembro de 1997 celebrou-se um acordo que deu origem Comisso de Negociao Tripartite sobre Proteo em Prensas e antecedeu a atual CPN-IM Comisso Permanente de Negociao da Indstria Metalrgica. Em 25 de abril de 1998 foi assinado o Protocolo de Entendimento para Proteo Adequada em Prensas e Similares. Em 27 de maio de 1999 celebrava-se a 1 Conveno Coletiva de Trabalho para a Melhoria das Condies de Trabalho em Prensas, especfica para prensas e similares, que institua legalmente o PPRPS como parte integrante dessa conveno. Nesse mesmo ano desenvolveu-se o Programa de Interveno, desenvolvido nos locais de trabalho mediante visitas bipartites e tripartites a empresas metalrgicas da cidade de So Paulo. Em 2000 discutiu-se a ampliao da conveno para todo o Estado de So Paulo e, em 2002, no dia 29 de novembro, assinou-se a Conveno Coletiva para a Melhoria das Condies de Trabalho em Prensas e Equipamentos Similares, Injetoras de Plstico e Tratamento Galvnico de Superfcies no Estado de So Paulo, que incorporava a conveno coletiva especfica para proteo dos trabalhos em galvnicas, a conveno dos metalrgicos de So Paulo e a conveno para a proteo do trabalho com mquinas injetoras, dos qumicos e plsticos.

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Em 2004, o texto dessa conveno coletiva foi enviado, como proposta inicial e referncia, para a CTPP Comisso Tripartite Paritria Permanente , no sentido de se implantar uma legislao nacional sobre a matria. Em 2005 permaneceu o trabalho tripartite (CPN-IM Comisso Permanente de Negociao da Indstria Metalrgica) para estabelecimento da atual conveno, a Conveno Coletiva para a Melhoria das Condies de Trabalho em Prensas e Equipamentos Similares, Injetoras de Plstico e Tratamento Galvnico de Superfcies no Estado de So Paulo, assinada no dia 20 de abril de 2006.19 Independentemente das convenes coletivas, o Ministrio do Trabalho e Emprego publicou a Norma Regulamentadora 12, da Portaria 12/83, que viria tratar da proteo em mquinas, e o Decreto N 1255, de 29 de setembro de 1994, que promulgava a Conveno 119 da OIT (Organizao Internacional