A Galinha Dos Ovos de Ouro
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A GALINHA DOS OVOS DE OURO© UMA LIÇÃO SOBRE O FUTURO
Por Homero Reis, M.Sc.
Para meus alunos. Brasília, 12/10/04.
Na minha infância, ouvi muitos contos de fada. Hoje, ainda
recordo de muitos deles. Mas o que é engraçado é que agora,
aquelas velhas histórias passaram a ter um novo sentido.
Parecem parábolas. Por isso, fiquei motivado a escrever sobre
elas. No entanto, já passei
daquela fase de cientificismo radical, com citações,
bibliografia, op. cit, ibidem, apud e outras coisas mais. Vou contar
a história conforme me lembro, de acordo com minha memória emocional e acrescentar alguns detalhes. Invoco para isso a liberdade
poética.
Era uma vez uma galinha que botava ovos de ouro...
Pois é, de repente começou a acontecer: todo dia era um novo ovo, bonito, dourado, uma beleza. A galinha não era lá essas coisas, nem
tinha nada de especial, a não ser o fato de ter começado a botar ovos de ouro. Não falhava nunca. Todo o dia, todo dia um ovo novo. De
manhã, o dono da granja ia ao galinheiro e lá estava o ovo. Com isso, a
galinha passou a ser a ave mais importante da granja e o granjeiro o homem mais respeitado das redondezas. Para proteger a galinha, nada
melhor do que construir um local mais apropriado para hospedar a nobre (e conveniente) galinácea. Tudo de bom foi feito. A vida começou
a melhorar, tanto para a galinha, quanto para o granjeiro. Afinal, um
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ovo de ouro por dia dá para tornar a vida bem mais rica e mais farta.
Passou o tempo, as necessidades começaram a aparecer. O granjeiro, que até então se contentava com o comércio de ovos comuns, passou a
se destacar no exclusivo mercado dos ovos de ouro. A pequena granja já não era mais adequada. A casa foi melhorada e ampliada, os
equipamentos se tornaram mais sofisticados, novos empregados foram contratados, as instalações receberam tratamento técnico, o trabalho e
as despesas aumentaram. Aumentaram muito. Mas não foi só isso. Além das despesas, tinham também aquelas coisas do mundo social:
festas, reuniões, jantares caros, viagens, congressos e coisas semelhantes. Carro novo, roupa nova, amores novos e tudo mais. O
assunto era sempre o mesmo – a galinha e os ovos de ouro. Ah! A fama. Não se pode esquecer da fama. De homem simples, o granjeiro
passou a fazer parte de clubes e confrarias, começou a ser figura constante nas colunas sociais; enfim, tornou-se parte daquele grupo de
pessoas que tem a vida devassada por revistas, televisões e outras
mídias. Tornou-se referência e perdeu a privacidade. Novas exigências.
Com todas essas novas demandas, o granjeiro começou a ficar preocupado. Um ovo só não estava dando. Era preciso mais, muito
mais. Era preciso aumentar a produção de ovos de ouro. Técnicos e cientistas foram contratados. A galinha tornara-se alvo de exames,
apalpes, cortes, furos, dados, estatísticas e toda essa parafernália do conhecimento científico. De simples fenômeno, tornara-se o centro da
moderna ciência e foco de inúmeros questionamentos. Afinal, porque aquela galinha punha ovos de ouro? Como fazer com que outras
galinhas passem a botar ovos de ouro? Como fazer com que aquela galinha aumentasse sua produção? Essas e muitas outras questões
atormentavam o granjeiro, os cientistas, a comunidade econômica e importunavam a coitada da galinha.
Para responder às exigências do mercado, todas as experiências foram feitas. Das mais simples até as mais complicadas. Isso sem esquecer a
participação ativa de esotéricos de todos os tipos, espiritualistas e invocadores de espírito, xamãs, rezadores e benzedeiras. Por fim,
esgotou-se a ciência, esgotou-se a fé e todas as outras formas de conhecimento. Nada conseguia explicar o fenômeno dos ovos de ouro.
Conversa vai, conversa vem, todos acabaram desistindo.
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O granjeiro ficou desesperado. As dívidas estavam aumentando e as
cobranças também. A galinha, por sua vez, não agüentou tanta
pesquisa e experimentação. Morreu a coitadinha. Caos total.
O granjeiro, que já estava endividado, faliu. Viu-se, de uma hora para outro sem nada. Sem amigos, confrarias, festas, sem a galinha e com
uma imensa conta a pagar. A única alternativa foi empregar-se como zelador de um pequeno galinheiro, no interior. Lá, na lida diária, viu-se
novamente sereno. Descobriu que a verdadeira riqueza é a paz e a simplicidade. Entendeu que se precisa de muito pouco para se viver.
Descobriu que a vida é essencialmente simples.
Essa história tem me feito pensar. Somos criados com um falso senso de valor, o que nos faz eternos insatisfeitos. Um ovo de ouro por dia é
insuficiente. Queremos sempre mais, independente do quanto já temos. Queremos muito sem saber responder o quanto é muito. Fomos
ensinados a ter ambição, mas não fomos ensinados que a ambição tem
limites. O resultado é que nossa ambição esgota o mundo, esgota nossas forças, esgota nossas relações, consome nossa vida. Perdemos a
noção de limites. Submetemos a nós mesmos e aos outros a situações desconfortáveis e exageradas, em nome de um processo econômico
explorador e pouco saudável, ou em nome de um perfeccionismo pedante e insustentável. Perdemos a capacidade de usufruir as belezas
que nos são oferecidas, gratuitamente. Nossa necessidade de ter mais, sempre, torna-nos consumidores implacáveis, trabalhadores
compulsivos, egoístas, egocêntricos e domos de uma noção equivocada de necessidades. Perdemos a dimensão da simplicidade, da
comunidade, da contemplação e da satisfação. Um ovo de ouro por dia não é suficiente, temos que produzir mais. Lutamos para isso,
estudamos para isso, trabalhamos para isso. A questão é: o que faremos quando a galinha morrer?
Reflitam com carinho!
Homero Reis.