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A FUNÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DE MITOS, RITOS E RITUAIS Carlos Roberto Fernandes 1 O que são mitos, ritos e rituais Mitos, ritos e rituais podem ser considerados – e são efetivamente – a expressão de cuidado de grupos, comunidades, culturas e sociedades por suas vivências e experiências significativas, partilhadas ao longo dos séculos e dos milênios: eis porque é mister considera-los uma expressão de cuidado. Estritamente nesse sentido, propus e sistematizei o conceito de trajetórias e memórias de corpo ; 2,3,4:89, 242-245 nas quais estão evidentes as marcas de cuidado e as marcas de não cuidado de individualidades e de coletividades na composição ou não de seus mitos. Com o estudo das Obras Completas de Carl Gustav Jung compreende-se sistematicamente que o mito era a vida e o pensamento do homem e da mulher na Antiguidade; tal qual os sonhos, mitos não são puerilidades, fruto de uma mera invenção ou construção; estruturas vivas e padronizantes da existência humana, os mitos se manifestam através de símbolos universais, imagens, forças e fantasias colocando a consciência em contato com o inconsciente coletivo. Ao contrário do que comumente se prega e se acredita, o mito não se limita a ser relatório da criação de realidades novas ocorridas em tempos remotos e com intervenções sobrenaturais: intervenções sobrenaturais são a expressão simbólica de forças naturais ainda não total ou parcialmente percebidas, compreendidas. Subcampos da Mitologia A tentativa de compreensão humana das próprias forças interconexas, registradas por essa mesma humanidade sob a forma de mitos, criou o campo epistêmico denominado Mitologia. 1 Professor de Magistério Superior da Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Enfermagem, Membro da Academia Internacional da União Cultural. 2 FERNANDES, Carlos Roberto. Concepções de corpo na Enfermagem dos anos noventa no Brasil : uma abordagem com Wilhelm Dilthey. 2003. 179f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. 3 FERNANDES, Carlos Roberto. Propedêutica: introdução à Ciência do Cuidado. Rio de Janeiro: EDA/BN, 2004; p. 28-29. 4 FERNANDES, Carlos Roberto. Fundamentos do processo saúde-doença-cuidado. Rio de Janeiro: Águia Dourada, 2010.

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A FUNÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DE MITOS, RITOS E

RITUAIS

Carlos Roberto Fernandes1

O que são mitos, ritos e rituais

Mitos, ritos e rituais podem ser considerados – e são efetivamente – a

expressão de cuidado de grupos, comunidades, culturas e sociedades por suas vivências

e experiências significativas, partilhadas ao longo dos séculos e dos milênios: eis porque

é mister considera-los uma expressão de cuidado. Estritamente nesse sentido, propus e

sistematizei o conceito de trajetórias e memórias de corpo; 2,3,4:89, 242-245

nas quais estão

evidentes as marcas de cuidado e as marcas de não cuidado de individualidades e de

coletividades na composição ou não de seus mitos.

Com o estudo das Obras Completas de Carl Gustav Jung compreende-se

sistematicamente que o mito era a vida e o pensamento do homem e da mulher na

Antiguidade; tal qual os sonhos, mitos não são puerilidades, fruto de uma mera

invenção ou construção; estruturas vivas e padronizantes da existência humana, os

mitos se manifestam através de símbolos universais, imagens, forças e fantasias

colocando a consciência em contato com o inconsciente coletivo.

Ao contrário do que comumente se prega e se acredita, o mito não se limita a

ser relatório da criação de realidades novas ocorridas em tempos remotos e com

intervenções sobrenaturais: intervenções sobrenaturais são a expressão simbólica de

forças naturais ainda não total ou parcialmente percebidas, compreendidas.

Subcampos da Mitologia

A tentativa de compreensão humana das próprias forças interconexas,

registradas por essa mesma humanidade sob a forma de mitos, criou o campo

epistêmico denominado Mitologia.

1 Professor de Magistério Superior da Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Enfermagem,

Membro da Academia Internacional da União Cultural. 2FERNANDES, Carlos Roberto. Concepções de corpo na Enfermagem dos anos noventa no Brasil:

uma abordagem com Wilhelm Dilthey. 2003. 179f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de

Enfermagem da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. 3FERNANDES, Carlos Roberto. Propedêutica: introdução à Ciência do Cuidado. Rio de Janeiro:

EDA/BN, 2004; p. 28-29. 4 FERNANDES, Carlos Roberto. Fundamentos do processo saúde-doença-cuidado. Rio de Janeiro:

Águia Dourada, 2010.

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Na Mitologia existem muitos subcampos epistêmicos e interconexos:

- da Antropogonia ou dos mitos relativos ao nascimento do homem;

- da Cosmogonia ou dos mitos relativos ao nascimento do cosmos;

- da Escatologia ou dos mitos relativos ao destino do homem após a morte e da sua

volta ao mundo terreno;

- da Teogonia ou dos mitos relativos ao nascimento dos deuses;

- ainda existem os mitos fundados nas relações e ações de deuses e homens no mundo

histórico e que compõem um subcampo a que eu proponho a denominação de

Sociogogia.

Racionalidade indígena e roupa mítica

Particularmente, quando se busca entender e compreender a mitologia indígena

percebe-se nela a não existência de sobrenatural: tudo é natural, tudo procede, está na

natureza, nela e dela se desenrola. E essa natureza é unidade de vida da qual se

desdobram todas as unidades de vida conhecidas, interconexas e coexistentes, sejam

minerais, vegetais, humanas, supra-humanas, divinas. Por isso, na racionalidade

indígena tudo tem alma porque tudo é unidade de vida: acidentes geográficos, vegetais,

animais, minerais, rios, lagos, mares, coisas e objetos, artefeitos, astros celestes e

fenômenos da natureza, matas e florestas. Não se trata da expressão de modos distintos

de objetivação da natureza, conhecidos com os nomes de totemismo, de animismo, de

naturalismo, nem de supostos campos pre-subjetivos e pre-objetivos.

Na racionalidade indígena as unidades de vida criam e usam diversas roupas

trocáveis de animais, de humanos, de vegetais, de minerais, de espíritos e de divindades:

são roupagens das unidades de vida no mesmo sentido ou num sentido mais vitalmente

radical do que Carl Gustav Jung nomeia de persona5.

De acordo com os meus estudos, a experiência indígena de roupa diferencia-se

fundamentalmente do conceito junguiano de persona.

Roupa mítica é o conceito diferenciador de persona para aquela racionalidade

indígena da roupa criada e utilizada pelas unidades de vida em suas trajetórias e

5“Segmento arbitrário da psique coletiva, elaborado às vezes com grande esforço. [...] É uma simples

máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros

e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a

psique coletiva” (JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. v. VII/2. Trad. Dora Ferreira da Silva. 24.

ed. Petrópolis: Vozes, 2011; §245).

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memórias não divididas, não fragmentadas porque são o desdobramento de um único

evento cósmico – o ritmo da vida.

Com a roupa mítica os povos indígenas estão ensinando a si mesmos e a toda a

humanidade que tudo na vida, sempre natural, é unidade de vida. Mais precisamente

ensinam que a coexistência, a interconexão e o co-pertencimento dessas unidades de

vida na vida coletiva, grupal, social, cultural, individual, pessoal não são aparência,

máscara convencional para a relação indivíduo e sociedade.

A roupa mítica da racionalidade indígena ensina que todas as unidades de vida

estão mergulhadas na vida, são o desdobramento da vida e que todas elas são princípios

inteligentes fragmentários, a caminho da completude ou completos: não se trata da

Monadologia de Gottfried Wilhelm Leibnitz.

Consequentemente, para a racionalidade indígena no que denomino roupa

mítica não existem consciente e inconsciente; existem vivências e experiências das

unidades de vida ou princípios inteligentes em seus desdobramentos nas trajetórias

quase infinitas da vida.

O conceito de roupa mítica permite conhecer e entender as expressões

indígenas de antropomorfismo, de zoomorfismo, de antropozoomorfimo, incluindo-se a

ciência indígena da nominação de pessoas com nomes de animais, de vegetais, de

minerais, de fenômenos da natureza, de astros celestes, segundo analogia e correlação

de qualidades, de comportamentos e de funções sociopolíticas.

Inconsciente coletivo, pessoal, social

O conceito de inconsciente coletivo de Jung refere-se ao essencial e ao

necessário à humanidade em sua trajetória de vida coletiva, incluindo-se a pré-

humanidade, permanentemente interatuante na vida da pessoa.

O inconsciente pessoal refere-se à vida íntima e pessoal: seus conteúdos

incluem vivências e experiências adquiridas durante a vida histórica atual da pessoa, ou

seja, da concepção à morte.

O inconsciente coletivo e o inconsciente pessoal para Jung distanciam-se

imensamente daquilo que Sigmund Freud chama de id e superego, respectivamente. O

aprofundamento da compreensão dessas diferenças deve ser buscado nas irretocáveis

obras daqueles teóricos.

A capacidade de uma cultura para formar mitos, ritos e rituais expressa a sua

capacidade coletiva para simbolizar as próprias e relevantes experiências de vida:

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simbolização e símbolos é um universo extensa e profundamente oposto às ideologias

de representação e representações.

Na estrutura do sistema de personalidade em Carl Ramson Rogers são

sinonímios as noções de representação, simbolização e consciência da experiência

vivida6: a experiência vivida simbolizada de alguma forma será o que se entende por

consciência; a experiência simbolizável, sem dificuldades, é a que está disponível à

consciência. As simbolizações da pessoa podem ser corretas, ou seja, expressam

exatamente a experiência vivida, e podem ser incorretas, deturpadas, incompatíveis, ou

seja, não expressam exatamente a experiência vivida. Nesse último caso, há desacordo

entre a pessoa e a própria experiência vivida, gerando por isso deformações e

interceptações da experiência vivida, além de rigidez perceptual; a deformação e a

interceptação ocorrem porque a pessoa se percebe em situações de vulnerabilidade,

angústia, ameaça, desajustamento psíquico.

Outro conceito compreensivo da pessoa humana, junto aos conceitos de

inconsciente coletivo e inconsciente pessoal, é o de inconsciente social, criado por Erich

Fromm para designar a trajetória de vida coletiva de uma sociedade ou povo

determinado7.

Erich Fromm7 também cria o conceito de caráter social para designar o

produto da interação e interinfluência da estrutura psíquica das pessoas, individualmente

consideradas, e a estrutura socioeconômica de uma dada sociedade.

Para Jung e Fromm as estruturas sociais, as sociedades e o caráter social dos

povos fundam-se e se desenvolvem na estrutura e com os conteúdos do inconsciente

coletivo, social e pessoal. A grande lição de tudo isso está no engano de se reduzir

desenvolvimento social, histórico e humano a desenvolvimento econômico ou

tecnológico, necessários como instrumentos e não fundamentos de formação

sóciocultural. Tal engano responsabiliza-se pelos desastres pessoais e coletivos do que

Jung nomeia de ataque e domínio do arquétipo Sombra nas emoções e afetos e domínio

completo da Sombra na invasão8: esses domínios se darão – e têm-se dado - , pois, por

ataque e invasão dos conteúdos do inconsciente coletivo não digeridos, não integrados

ao cotidiano de indivíduos e coletividades.

6 ROGERS, Carl R. Definições das noções teóricas. Capítulo VIII. In: ROGERS, Carl R.; KINGET, G.

Marin. Psicoterapia e relações humanas. Volume 1. 2. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1977 7 FROMM, Erich. Lo inconsciente social. Barcelona: Paidos Iberica, 2003.

8 JUNG, Carl G. Aion: estudos sobre o simbolismo do Si-Mesmo. Vol. IX/2. Trad. Mateus Ramalho

Rocha. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2018.

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Ritos (o que se faz para atualizar o mito) e rituais (como se faz atualização) são

um modo milenar pelo qual os povos encontraram digeriam e integravam, no cotidiano,

os conteúdos do inconsciente coletivo. Trata-se, pois, de sistemas e processos

terapêuticos eficientes de revivência e atualização de mitos expressivos da vida

cotidiana de nossos antepassados.

Anteriormente a Jung e Fromm, Giambattista Vico apresenta ao mundo a sua

Ciência Nova e a concepção de historiografia das nações dos povos, do pensamento, da

cultura, das instituições e da Política expressa nas tradições e nos mitos criados pelos

povos9; posteriormente, afirmando que vivemos em símbolos

10, Wilhelm Dilthey cria o

conceito de crítica da razão histórica para significar a capacidade dos homens e das

mulheres compreenderem que são históricos e que história e sociedade são formados

por eles11

.

Formação histórica é o conceito diltheyano para demonstrar a historicidade da

consciência humana, da sociedade criada pelas pessoas que a compõem e do que pode

ser nomeado de história: caberá ao historiador filósofo ou ao filósofo historiador

apreender o essencial e o necessário daquele mar empírico de história.

O conceito de Karl Marx de formação social, por ele mesmo reduzido à

formação econômica por modo de produção, é um derivado do conceito diltheyano de

formação histórica, obviamente não limitado à formação econômica ou modo de

produção.

Duas novas lições são aprendidas com Vico e Dilthey:

- para o filósofo napolitano mitos e tradições são historiografias de povos;

- para o historiador e filósofo alemão mitos e tradições são história, vivência e

expressões da vivência.

A tradição historista (e não historicista) de pensamento, iniciada com Vico e

encontrada na obra de Dilthey, tem continuidade no pensamento de Jung12:§93

quando

este afirma, por exemplo, que os diferentes estratos da mente, apresentados na sua

topografia da psique humana, correspondem à história das raças. Na mesma tradição,

9 VICO, Giambattista. A Ciência Nova. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2005

10 DILTHEY, Wilhelm. Teoria de la concepción del mundo. Obras de Wilhelm Dilthey - volume VIII.

2. ed. española. Tradução de Eugenio Ímaz. México: Fondo de Cultura Económica, 1954. 11

DILTHEY, Wilhelm. Crítica de la razón histórica. Trad. Carlos Moya Espí. Barcelona: Península,

1986. 12

JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de Psicologia Analítica. v. XVIII/1. Trad. Araceli Elman. 14 ed.

Petrópolis: Vozes, 2008.

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José Ortega y Gasset13

afirmará com tranquilidade intelectual que a pessoa humana não

tem natureza, tem história.

Na humana história e na história humana, atento aos sofrimentos e às

fragilidades cotidianas das pessoas, Jung nos aconselha a meta de sermos completos – e

não perfeitos. A incompletude é o motivo, ou um dos maiores motivos, das fragilidades

e sofrimentos individuais e coletivos.

Histórica e ciclicamente, pessoas individualmente consideradas, sociedades e

povos incompletos têm estruturado vidas pessoais, sociedades, governos e Estados

dominados relativamente por emoções e afetos e/ou dominados completamente por

invasões da Sombra não integrada, responsáveis por todas as formas de violência

interpessoal, social, política, inclusive as violências ambientais e planetárias,

costumeiramente racionalizadas por sistemas culturais diversos e por sistemas de

organização externa da sociedade: a Ciência Moderna e o Colonialismo são exemplos

de tais racionalizações.

Talvez não exista nada mais messiânico e mítico do que a construção da noção

de Ciência e a chamada Ciência Moderna: e esse engano é responsável pela situação

humana e pela situação das sociedades desde o Antigo Regime no mundo europeu ou

desde o Colonialismo sobre os povos dos continentes americano, africano e asiático.

O mundo do método e da ciência, das técnicas e das tecnologias é mais um

mito e de construção muito recente de seus ritos e rituais na história das sociedades e

dos povos. Esses mitos, ritos e rituais iniciaram-se com os povos europeus, notadamente

povos de estrutura psicossocial bélica, conforme destaca Michel Foucault ao afirmar

que a história do povo europeu é a história de um povo de relações bélicas e não

linguística14

.

O mundo mítico das técnicas e das tecnologias é, portanto, campo e objeto de

estudo da Mitologia. E, Mitologia é absolutamente história – e história viva, sem

passado, sem presente e sem futuro, mas eterna. Bastar-nos-á lembrar dois deuses da

guerra em diferentes mitologias.

O mito iorubano do orixá Ogum o apresenta como um deus da guerra, não

diabólico, talvez porque proteja combatentes e não instigue o combate; seu arquétipo

está simbolizado por sete instrumentos de ferro dependurados numa haste de metal; é,

13

GASSET, José Ortega. História como sistema: Mirabeau ou o político. Trad. J. A. G. Sobrinho e E.

H. C. Costa. Brasília: UnB, 1982. 14

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. 30. Reimpr. Graal: Rio de

Janeiro, 2012.

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também, um deus do ferro, simbolizando a força do trabalho humano na transformação

da natureza. Na crença iorubana, nada se pode fazer de útil no campo ou nas cidades

sem a permissão e a proteção de Ogum que pode muito bem ser considerado o

inspirador ou o patrono da concepção marxiana de mundo.

O mito grego do deus Ares, ao contrário do deus Ogum, personifica a coragem

que significa cegueira e brutalidade, forjada de batalhas, sangue derramado e

carnificinas. O cognome de Ares é o deus das lágrimas, derramadas pela ação do seu

terror, de sua fúria, de sua crueldade; com certeza é o patrono das chamadas expansões

marítimas portuguesa e espanhola, iniciadas no século XV, cujas atividades genocidas e

etnocidas devastaram por séculos as Américas, a África e a Ásia.

Como se vê, mitos são sempre referências ao que homens e mulheres fazem na

realidade humano-sócio-histórica.

Mitos, Criatividade e Fantasias

Na concepção junguiana, mitos são ativadores de criatividade, gerando novas

atitudes e novos comportamentos, promovendo mudança no processo de individuação,

inclusive o de uma determinada cultura. E isto porque, pela interação consciente-

inconsciente coletivo e social, a consciência individual ou coletiva se amplia e se

renova, no dinamismo integrador dos símbolos míticos; como indivíduos e povos,

produzimos e criamos ethos e consciência através da relação dinâmica entre consciência

e inconsciente coletivo. A identidade de ethos é formada e mantida com os ingredientes

eternos dos mitos e por isso conhecemos a psicologia, a alma de um povo analisando e

compreendendo os mitos em que se padronizaram as vivências e experiências

existenciais desse povo.

Junito de Sousa Brandão15

reafirma que os mitos são referenciais históricos de

revigoramento da vida humana presente pelos quais homens e mulheres buscam as suas

origens e raízes. Nesse itinerário, é preciso relembrar que a proveniência (Herkunft) e a

emergência (Entestehung) do povo brasileiro são, primeiramente, a matriz indígena e,

depois, a luso-indígena, a afro-lusitana, a afro-indígena.

Até hoje lamento ter estudado mais os deuses e a mitologia grega e, somente na

vida adulta, ter descoberto os deuses e a mitologia indígena, os deuses e a mitologia

africana.

15

BRANDÃO, Junito de Sousa. Mitologia grega I. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

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O aprendizado intelectual com Jung16

ainda esclarece que as nossas fantasias

atuais constituem-se das vivências e experiências dos povos antigos, quando tais

experiências e vivências estruturavam as crenças e o cotidiano daqueles povos; que a

difusão ampla de tais crenças dava-lhes o caráter de verdade universal; que a fantasia

escolhe a forma clássica e tradicional, outrora real e manifesta para os povos antigos a

fim de apresentar-se à nossa mente na atualidade; que as imagens e símbolos são formas

arquetípicas de expressão dos mitos; que os ritos são a atualização dos mitos, sua

revivência.

Ritos e Rituais

O rito é a ressurreição do mito.

No desenvolvimento do rito pelo ritual, ativam-se e energizam-se os materiais

e os conteúdos psicoarquetípicos dos mitos, trazendo-os à consciência, integrando-os;

consequentemente, ampliando e aprofundando a percepção de si mesmo.

Ritos e rituais são, pois, estratégias pedagógicas de desenvolvimento de

indivíduos e grupos de indivíduos, desde que por desenvolvimento se entenda processo

de diferenciação e de aperfeiçoamento: nesse sentido, ritos caracterizam-se sempre por

serem ritos de passagem e rituais são os cerimoniais daqueles ritos.

Vários são os tipos de ritos de passagem, criados desde a Antiguidade por

diversas e diferentes culturas e civilizações: um dos primeiros teóricos, dedicado ao

estudo de ritos de passagem, foi o etnólogo alemão17

Charles-Arnold van Kurr Gennep

(1873-1957)18,19

: seu livro sobre o assunto, originalmente publicado em alemão no ano

de 1909, foi traduzido e publicado em língua inglesa no ano de 1960; no Brasil, a

tradução e publicação ocorreu em 1978.

Os símbolos e as imagens emergentes nos ritos e criados nos mitos afloram e se

interconectam à vida consciente da pessoa ou do grupo de pessoas, possibilitando-lhes

novas sínteses, expansividade da cosmovisão, enriquecimento da personalidade e,

também, das sociedades.

16

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação. Trad. Mateus Ramalho Rocha. 9. ed. Petrópolis: Rio de janeiro, 2018. 17

Arnold van Gennep nasceu em Ludwigsburg (Alemanha), era filho de pai alemão e mãe holandesa; após

o divórcio dos pais, na adolescência foi morar na França com a mãe. 18

GENNEP, Charles-Arnold Kurr van. Les Rites de Passage: étude systématique ... Paris: E. Nourry.

1909. 19

GENNEP, Charles-Arnold Kurr van. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 1978.

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Os ritos de iniciação constituem-se de fronteiras predeterminadas

culturalmente e por cuja transposição se dá o processo de desenvolvimento da pessoa e

das sociedades, entendendo-se por desenvolvimento um processo de diferenciação e de

aperfeiçoamento.

A primeira proposição esquemática para a compreensão das diversas e

diferentes etapas ou dimensões dos ritos de iniciação foi feita por Arnold van Gennet. A

sua proposição (não necessariamente hierárquica e nem rígida ou linear) partiu da

observação das ocorrências gerais e comuns a todos os ritos de passagem por ele

estudados e que foram colocados como estágios, fases ou subfases dos próprios ritos de

passagem:

Preliminares

Ritos de separação

Liminares

Ritos de margem (ou de iniciação)

Pós-liminares

Ritos de agregação (ou de retorno)

Pela diversidade e diferença entre as culturas, em cada uma das fases ou

subfases (Preliminares, Liminares, Pós-Liminares) a complexificação dos rituais fazem

com determinados ritos (de separação, de margem, de agregação) ganhem a autonomia

de um único tipo de rito de passagem.

Os ritos de separação representam o primeiro passo de diferenciação e têm por

função realizar cortes da pessoa ou do grupo com um estágio, condição ou situação

anterior; daí, desde a Antiguidade, conhecemos vários rituais de corte, tais como: cortes

de cabelo, de prepúcio, de unhas, acompanhados de mudança de nome, mudanças de

sexo, mudanças geográficas.

Todos os rituais de separação visam romper os vínculos da pessoa ou do grupo

com o mundo físico ou mental infantil, vivido até o momento e vão introduzindo um

universo de novas realidades por onde experiências não vividas ou não conscientizadas

afloram e são metabolizadas.

Após os ritos de separação, tomam curso os ritos de passagem, representados

por morte simbólica, mergulho nas águas, passagens pela água ou pelo fogo, a entrada

nalgum labirinto, o androginismo, o travestismo, a mudança de nomes. Tais rituais

simbolizam a entrada do aprendiz num mundo até então desconhecido, passando de um

estado consciencial inferior para outro superior. Na passagem, há integração na

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consciência de conteúdos psico-históricos dispersos, oposicionados, aparentemente

contraditórios, numa busca de síntese e aprofundamento de si mesmo ou do grupo.

No mundo atual, por falta de ritos de iniciação com mana, ou seja,

verdadeiramente capazes de promover o desenvolvimento dos homens e pela carência

de outros homens velhos individuados como exemplos tutelares para os homens menos

velhos, grande parte dos homens passa a vida inteira buscando implementar ritos de

iniciação: sem consciência da meta ou simplesmente sem meta, e portanto sem a

alcançarem, condenam-se a permanentes cortes, rupturas, separações, violências e

novos começos sempre frustrantes e sem que promovam sequer o início da

individuação.

A grande maioria dos homens da atualidade cresce e envelhece como crianças

desorientadas, inseguras e incompletas, agravado ainda mais quando se tornam adultos

sem terem sido crianças e isso não significa desenvolvimento mas impossibilidade de

terem se tornado plenamente humanos: e tal desorientação, insegurança e incompletude

estão evidente nas ruas, nos cinemas, nas uniões conjugais atrapalhadas, no cenário

político, nas escolas, nos metrôs, nas prisões, nos morros e nas favelas, nos iates e nas

coberturas de luxo, nos pregões das bolsas de valores, em todas as formas de violência

na atualidade.

Pela incapacidade, impotência de grande maioria das famílias e das sociedades

atuais em criarem processos de individuação para a formação de homens individuados,

construímos os “sepulcros caiados” ou os ladrões das ovelhas disfarçados em

cuidadores das mesmas na simbologia usada por Jesus, os “santos-do-pau-oco” e as

“taquaras rachadas” da linguagem mineira.

Quando a desorientação, a insegurança e a incompletude é de todo um povo e

de uma nação, a história evidencia os desastres, sob todas as formas e inutilmente

racionalizados como processo civilizatório ou processo civilizador: o expansionismo

comercial iniciado no século XV desembocado na globalização (apenas comercial e da

informação) da contemporaneidade, o colonialismo, o imperialismo, o absolutismo, o

socialismo sem povo comunitário, o republicanismo sem república ou república sem

homens repúblicos, a democracia sem democratas.

Nos ritos de passagem tem-se a simbologia do mergulho nos conteúdos

inconscientes pelo batismo, pelo banho, pelo afogamento, pelo fogo. Tal simbologia é,

de igual modo, um ritual de purificação, ou seja, desfaz-se de todas as sujidades

presentes até aquele momento.

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O processo de toda a iniciação, a grande meta é a transformação da criança em

adulto, do homem velho em homem novo, o autoconhecimento, sempre acompanhada

por outras pessoas que já alcançaram a individuação. Essa etapa final é chamada

anábase.

Adquirindo-se o autoconhecimento, finaliza-se o processo de iniciação e a

pessoa ou o grupo retorna, transformado, ao seu povo, à sua família, percebendo-se e

sendo percebida como nova pessoa ou novo grupo; mas a transformação realmente é

interior, não é uma mudança de roupa ou uma nova viagem para o exterior, não é

abandonar compromissos e mudar de residência.

Não se compra formação e transformação interior: a individuação é uma meta,

não é um capital, não é um mercado.

Antes do retorno, dá-se, quase sempre, a morte simbólica de quem está em

iniciação, representada na descida ao mundo dos mortos, das sombras, do desconhecido.

Essa morte simbólica é chamada catábase.

A descida ao mundo dos mortos é o enfrentamento do que Jung nomeia de

Sombra, composta das trajetórias e memórias da vida reprimida, negada ou impedida

que não vivemos; nesse enfrentamento, dá-se a conscientização e a integração criativa

do arquétipo Sombra, tanto da sombra individual como da sombra coletiva.

Conscientização e integração da Sombra significa tomar conhecimento de todos os

aspectos e conteúdos da própria corpopsique, sem projetá-los nos outros, nas coisas. As

provas a serem vencidas, os riscos encontrados na descida e na volta do mundo dos

mortos simbolizam os obstáculos, as resistências, as armadilhas, os perigos e as ilusões

a serem combatidos e ultrapassados pela pessoa ou grupo a fim de liberta-los, caso

contrário sucumbem e não retornam. Eis, também, a perspicácia e a paciência, a

perseverança e a perícia de se lidar com os próprios conteúdos inconscientes aflorados

que, se mal integrados, podem inundar, afogar, destruir o equilíbrio da pessoa em

processo de autodescobrimento.

As três grandes fases ou estágios gerais dos ritos de iniciação podem ser mais

detalhadas em seis subfases:

SUBFASES DOS RITOS DE INICIAÇÃO

Separação física e psicológica dos pais ou de vínculos familiares gerais e significativos

Morte da dependência infantil

Renascimento

Ensinos e Aprendizagens específicos

Período de Provação ou Refinamento

Retorno

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Cada uma das subfases é caracterizada por específicos e variados ritos de

passagem e seus respectivos rituais com o objetivo de autodescobrimento,

autoconhecimento, autognose.

Jung está plenamente convencido de que o autoconhecimento é a tarefa

fundamental para a vida humana; Dilthey está plenamente convencido de que o

fundamental para a vida humana é a autognose histórica ou conhecimento de si pela

história e conhecimento da história pelo indivíduo.

Historicidade e Corpitude

Para Jung a meta é a individuação na qual a psique humana é histórica, traz em

si a memória filogenética e ontogenética das trajetórias pré-humanas e humanas;

individuação seria desenvolvimento (diferenciação e aperfeiçoamento) dessa memória

histórica; para Dilthey a meta é a consciência histórica significando a compreensão

dessa memória histórica, estrita ao mundo histórico-sócio-humano. Em ambos, a pessoa

humana é histórica.

Historicidade e corpitude20

são condições humanas: não existe pessoa humana

fora da história nem fora do corpo.

Viver significa reviver, atualizar permanentemente a condição humana de

historicidade e de corpitude; nessa revivência ou atualização permanente, desenvolvida

por trajetórias e memórias de corpo, formam-se tecidos emaranhados da história no

mar empírico da história: mitos e ritos tem exatamente a função e a capacidade para

promoverem aquela revivência ou atualização.

Do mar empírico da história se adstraem os conteúdos construtores de

sistemas culturais, de sistemas de organização interna e externa da sociedade21

;

consequentemente, todos os conhecimentos e saberes humanos são memórias de corpo,

ou seja, objetivações de conhecimentos e saberes do corpo na sua historicidade. Nessa

formação histórica de memórias de corpo inúmeras travessias ou passagens são

20

Com este conceito, distancio-me de todos dualismos ou trialismos e dicotomias presentes nos conceitos

de corporalidade e de corporeidade. Corpitude é o conceito pelo qual entendo que tudo, relativo ao

humano, é algo do corpo, no corpo, pelo corpo e para o corpo – inclusive os conceitos psicológicos de

alma (psiquê) e de espírito. 21

Tais sistemas ou formações históricas já foram sistemática e historicamente classificados e explicitados

(DILTHEY, Wilhelm. Introdução às ciências humanas: tentativa de uma fundamentação para o estudo

da sociedade e da história. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010).

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necessárias e que expressam a infância, a juventude, a madureza e a senilidade dos

processos educacionais de indivíduos, de povos e de nações.

O problema (empecilho, impedimento, obstáculo) da eficácia, da eficiência e

da efetividade das Políticas Públicas no Brasil está no fato delas não serem adstrações

mas abstrações dos sistemas culturais e dos sistemas de organização interna e externa da

sociedade brasileira; independente do brilhantismo da formulação e da elaboração

daquelas Políticas, nelas não existe um objetivo, uma meta adstraída das necessidades

sociopolíticas da sociedade brasileira. E mais: tenho revisto a escrita metodológica das

Políticas, dos Programas, dos Planos e dos Projetos Públicos. Raros deles conseguem

formular objetivos.

Objetivo não é ideal, mas uma meta concreta a ser realizada num prazo

determinado: se não houver essa concreticidade da meta e limite de tempo para alcançá-

la é impossível falar em gestão, monitoramento, avaliação, auditoria e controle de

Políticas, Programas, Planos, Projetos.

Diretrizes, prioridades, estratégias, ações e atividades são consequentes à

definição do objetivo, ou seja, definição da meta concreta a ser alcançada num prazo

determinado. Novamente e atualíssima é a explicitação concreta do ideal de indivíduo,

de povo, de nação que se pretende construir e alcançar. E, isso é uma tarefa pedagógico-

filosófica22

, antes que a Pedagogia se transformasse num ossuário de regulamentos de

práticas educacionais.

Sem citações, em vários documentos do Governo e em vários trabalhos

científicos de renomadas revistas nacionais, encontramos a inexistência de objetivos

para Políticas, Programas, Planos e Projetos. O que chamam objetivo não é objetivo e

por isso suas ações e atividades são fragmentadas e descoladas daquelas Políticas,

Programas, Planos e Projetos. Exemplificando com alguns dos verbos de ideal e não de

objetivo usados naqueles documentos ou artigos, temos: promover, socializar,

desenvolver, ampliar, empoderar, aumentar, interferir, incrementar, possibilitar, ajudar,

prover, contribuir, desencadear, implementar, valorizar, compartilhar, oferecer,

incentivar, assegurar, colher subsídios, afinar (depurar), aperfeiçoar, estabelecer,

garantir, apoiar, superar, recuperar, instituir, estimular, resgatar, recomendar, fortalecer,

aprimorar, manter, potencializar, articular, alcançar.

22

Consultar as obras: DILTHEY, Wilhelm. Fundamentos de un sistema de Pedagogia. Trad. Lorenzo

Luzuriaga. 3. Ed. Buenos Aires: Losada, 1949; ____________. Historia de la Pedagogia. Trad. Lorenzo

Luzuriaga. Buenos Aires: Losada, 1957.

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Consideração final

A incapacidade de se estabelecer legitimamente objetivos está

fundamentalmente ligada à memória histórica e à consciência histórica de indivíduos, de

povos e de nações: o Estado, o governo e a sociedade brasileira não conhecem ampla e

fundamentalmente a realidade humano-sócio-histórica brasileira. Uma das expressões

daquela memória e consciência históricas são os mitos, ritos e rituais porque eles

traduzem as trajetórias e memórias de um povo, formadas e desenvolvidas segundo os

objetivos (ou ideais) das nações, das sociedades, das comunidades. Eis porque mitos,

ritos e rituais são indicadores básicos, estratégicos e operacionais da saúde cultural e da

saúde mental de nações, sociedades e comunidades em seus processos sempre políticos

e pedagógicos de formação e de desenvolvimento.