A Frente Ampla da Agropecuária Brasileira na Constituinte ... · Com um Estado mais presente, as...
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A Frente Ampla da Agropecuária Brasileira na Constituinte de 1988: O patronato rural
e o projeto de modernização conservadora do campo.
Afonso Henrique de Menezes Fernandes1
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a Frente Ampla da Agropecuária
Brasileira (FAAB) entre 1986 e 1988, durante os debates do Congresso Constituinte, à luz do
conceito de modernização conservadora e em diálogo com alguns estudos acadêmicos que
abordam a atuação da frente ampla. Tal contexto no Brasil teve como um de seus centros o
debate e as pressões pela redemocratização política e a realização da reforma agrária. Com o
esgotamento da ditadura militar e a construção de um novo pacto político dominante, abriu-se
o espaço para o crescimento da luta pela democratização e do acesso à terra. Paralelo a este
processo estão os efeitos e a crise do processo de modernização conservadora da agricultura
que, a partir dos anos 1980, colocou em dificuldades os seus principais setores produtivos
com o fim da política de incentivos e subsídios para a grande produção agropecuária. Assim,
as pressões por reforma agrária e democratização, associadas ao novo padrão agrícola
brasileiro gestaram uma profunda crise de representação do patronato rural nacional.
Tal crise se manifestou a partir do enfraquecimento momentâneo das estruturas
tradicionais de representação, fazendo emergir um grande número de associações civis dos
mais variados segmentos produtivos das classes dominantes agrárias. Dentre elas encontra-se
a União Democrática Ruralista (UDR) que com um discurso agressivo contra a reforma
agrária ganhou protagonismo no período da Nova República atuando deste a base através da
mobilização massiva de produtores rurais até o exercício de poderoso lobby junto ao poder
executivo e o congresso nacional (BRUNO, 2002). Como resposta a esta ofensiva, as maiores
entidades dos segmentos mais modernizados da agricultura, notadamente a Sociedade Rural
Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas Brasileira (OCB), Sociedade Nacional da
Agricultura (SNA) e a ala renovada da Confederação Nacional da Agricultura (CNA)
constituíram um novo campo político e articularam uma importante gama de organizações de
interesse na agricultura, resultando na formação em 1986 de uma ampla frente dos setores
mais modernizados da agropecuária brasileira (BRUNO, 2002; MENDONÇA, 2010).
1 Bacharel pelo Instituto de História da UFRJ e Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura da UFRRJ.
Assim, lançando mão de uma doutrina liberal, os setores organizados entorno da
FAAB passaram a defender uma nova orientação programática. Buscando se constituir como
face moderada do patronato rural brasileiro, esta frente igualmente lançou mão de
mobilizações de rua, e forte lobby durante a Constituinte de 1988, elegendo Constituintes e
articulando bancadas parlamentares. Com uma estratégia de diferenciação, mas ao mesmo
tempo cerrando fileiras com a UDR no tema da Reforma Agrária, a FAAB, embora
aparentemente apagada pela barulhenta atuação de sua congênere, ocupou papel central na
defesa de uma lei agrícola que favorecesse a grande agricultura moderna. Assim, a FAAB
aparece como embrião de rearticulação de segmentos do patronato rural brasileiro no novo
edifício de representação que se construiu no pós Constituição de 1988, com a criação da
Associação Brasileira de Agribussines em 1993, consolidando a nova hegemonia do
Agronegócio entre as classes dominantes agrárias do Brasil (MENDONÇA, 2010).
Dessa maneira, em primeiro lugar, pretendemos aqui apresentar uma breve
sistematização sobre o processo de modernização conservadora da agricultura e sua relação
com a FAAB. De certa maneira poderemos observar que a frente ampla refletiu diretamente
as transformações da agricultura nas duas últimas décadas, pois fez surgir uma gama variada
de setores e cadeias produtivas, integrando as atividades agrícolas ao setor industrial e ao
mercado financeiro. Toda esta diversificação das atividades produtivas da agricultura
modernizada fortaleceu outras formas de organização de interesses fazendo com que
associações por produtor e multi-produto, além do setor financeiro, como Febraban
(Federação Brasileira de Bancos), Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos
Vegetais) e Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos),
representassem o movimento de integração da agricultura com cadeias industriais e o mercado
financeiro na composição da frente ampla.
Assim, a partir do conceito de modernização conservadora na agricultura,
buscaremos apresentar tambem uma sistematização da forma com que a frente ampla aparece
na bibliografia sobre o patronato rural e o período da Nova República. Veremos que de forma
geral a FAAB é vista pelos autores como uma articulação dos setores modernas da agricultura
frente à intensa conjuntura política e à prolongada crise econômica dos anos 1980. Neste
sentido, a maioria dos autores parece seguir a interpretação geral de Graziano (1991), onde a
FAAB aparece como uma forma de rearticulação moderada dos setores modernizados frente a
uma crise de representação do patronato rural e a ascensão da UDR no vácuo político aberto
pela crise de representação, com um discurso de extrema-direita.
Apesar das diferenças entre uma entidade e outra, o próprio Graziano (1991),
além de outros autores, como Dreifuss (1989), ressaltam certa complementaridade de ações
no que toca a defesa dos interesses gerais das classes dominantes agrárias brasileiras. Como
nos lembra o segundo autor, a FAAB foi fundamental na defesa de uma lei agrícola, no
entanto, quando o assunto foi a reforma agrária, ainda que com um discurso mais moderado,
acabou por cerrar fileiras com a UDR.
É consenso nos mais variados campos políticos e acadêmico que a agricultura
brasileira passou por um profundo processo de transformações de cunho modernizante na
segunda metade do século XX, mais especificamente a partir dos anos 1960 com a ascensão
da ditadura militar e a implantação de seu projeto de desenvolvimento nacional. O conjunto
de políticas adotadas para a agricultura foi conceituada por importantes estudiosos do período
como uma modernização conservadora (PALMEIRA E LEITE, 1998) ou mesmo,
modernização dolorosa (GRAZIANO, 1982), representando uma inflexão do projeto
dominante para o campo, o que produziu efeitos profundos que foram determinantes para os
processos políticos, econômicos e sociais do mundo rural brasileiro. Dentro deste contexto, a
FAAB aparece como expressão das transformações sofridas no âmbito da organização de
interesses do patronato rural, tendo sido uma importante estratégia dos setores mais
diretamente ligados ao setor modernizado da agricultura na turbulenta conjuntura política e
econômica da Nova República.
A realidade do campo nos anos 1980 já não era mais a mesma dos anos 1950 e
1960. Em meados do século XX a defesa da reforma agrária, ultrapassando os limites do
emergente movimento de trabalhadores do campo, ganhou importante espaço entre aqueles
que, preocupados com a questão do desenvolvimento nacional, defendiam a medida como
forma de impulsionar a pequena propriedade produtiva e compor um amplo mercado
consumidor que, segundo esta visão, seria base das grandes nações do centro capitalista. No
entanto, a modernização levada a cabo pela ditadura militar, prescindiu da reforma fundiária.
Contrariando as expectativas, a modernização da agricultura se desenvolveu de forma
excludente, reforçando a concentração de terras e expulsando as populações do campo para as
áreas de fronteira agrícola ou para as periferias dos grandes centros urbanos, onde eram postas
sob o jugo da grilagem de terras e do trabalho e moradia precários. Para autores como
Palmeira e Leite (1998):
“Essa modernização, que se fez sem que a estrutura da propriedade
rural fosse alterada, teve, no dizer dos economistas, "efeitos perversos": a
propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o
êxodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de exploração da força de trabalho nas
atividades agrícolas, cresceu a taxa de auto-exploração nas propriedades menores,
piorou a qualidade de vida da população trabalhadora do campo, agravaram-se as
condições ambientais. Por isso, os autores gostam de usar a expressão
"modernização conservadora". (PALMEIRA E LEITE, 1998: 10)
Apesar dos perversos efeitos sociais do processo de modernização,
tecnicamente a modernização da agricultura produziu importantes avanços para a grande
produção capitalizada. Gozando de fartos incentivos estatais, amplo financiamento, avanços
técnicos e de produtividade espetaculares, a nova cara da agricultura brasileira emergia sob o
signo dos CAI’s, Complexos Agroindustriais (DELGADO, 1985). Neste sentido, ganhou
força a tese da obsolescência total ou parcial da reforma agrária2 como estratégia de
desenvolvimento, armando um importante discurso para minimizar a questão social que
representava a concentração fundiária e reafirmando o caráter conservador da modernização
agrícola.
Para viabilizar tal projeto, o Estado brasileiro ganhou importante centralidade e
protagonismo, principalmente baseado na instituição de um novo arcabouço jurídico que
passou a regular as relações econômicas e sociais do mundo rural brasileiro. O Estatuto da
Terra, uma das primeiras medidas da ditadura militar, aprovado ainda em 1964, criou as bases
para a nova forma de atuar do Estado, conduzindo ativamente o processo de modernização
agrícola.
As conseqüências sociais desse processo produziram um forte movimento
migratório para os grandes centros urbanos e para as regiões de fronteira agrícola, a
intensificação da expropriação do campesinato com o uso da violência e da grilagem, a
desestabilização das áreas de pequena produção tradicional e a eliminação de formas de
trabalho e moradia. Assim, a combinação de tais processos, além de agravar a crise social no
campo, consolidou um projeto de desenvolvimento que foi operado a partir de três elementos
centrais: a modernização técnica, a expropriação e a proletarização.
2 Palmeira e Leite (1998) sistematizam um amplo debate sobre a aplicailidade de uma reforma distributivista nas condições da atual agricultura moderna.
Além disso, a participação ativa do Estado no processo de modernização mudou a
relação das classes sociais rurais com o próprio aparato estatal. Com um Estado forte,
centralizado e mais presente nas regiões e localidades, este processo contribui para romper os
laços de dominação tradicionais, onde o oligarquismo e as relações de dominação pessoal
predominavam. Com um Estado mais presente, as relações Estado-camponeses-proprietários
mudaram consideravelmente. A respeito desta nova situação no campo, os autores apontam
que:
“O que é novo é uma presença que não passa mais, necessariamente,
pela mediação dos chefes locais, diminuindo-lhes o poder, através do esvaziamento
de suas funções ou pelo reconhecimento ou criação de novos mediadores. Não que
os mediadores percam necessariamente o controle sob suas clientelas, mas esse
controle passa a ser mediatizado pelo controle que terão que exercer sobre
determinados postos na máquina do Estado - um Estado mais do que nunca
centralizado - tornando-se mais complexo o seu trabalho de dominação. A
patronagem exercida pelos grandes proprietários, já abalada pela saída em massa
dos trabalhadores de dentro das fazendas, deixa de ser um mecanismo exclusivo de
articulação dos camponeses com o Estado e com a sociedade. Abre-se a
possibilidade de patrões alternativos e de padrões alternativos, ao rnesmo tempo
que se amplia o espaço para organizações estranhas ao sistema tradicional de
dominação” (PALMEIRA E LEITE, 1998: 15)
No andar dos de baixo, as lutas pela terra aumentaram fomentadas não só pelo
aprofundamento da desigualdade social no campo, mas também pelo aumento da autonomia
relativa dos camponeses e pelos novos parâmetros legais do Estatuto da Terra, principalmente
o reconhecimento da “função social” da propriedade e de uma identidade de “trabalhadores
rurais” comum às mais variadas formas de trabalho no campo. Este processo se constituiu em
terreno fértil para a eclosão de novas lutas e organizações dos setores subalternos do campo.
No andar dos de cima, esta nova situação também afetou a organização de interesses das
classes dominantes no campo, delineando uma crise de representação ao longo dos anos 1980.
Assim, Palmeira e Leite (1998), fazendo uma sistematização das principais referências sobre
o estudo do patronato rural3, apontam a modernização conservadora como fator de
diversificação e transformação das formas de representação das classes dominantes agrárias
brasileiras:
essas novas associações são ainda mais diversificadas, somando ao
recorte por produtos, recortes regionais ou outros dados por políticas
governamentais específicas (exemplos. seriam a citada Associação dos Empresários
da Amazônia ou a associação que passa a reunir os donos de destilarias de álcool
no Nordeste, que chegou a participar de negociações salariais com representantes
de trabalhadores rurais). Além disso, indicam não haver exclusividade, mas sim
uma certa divisão de trabalho. Aqueles próprios autores mencionam a articulação
de algumas dessas entidades ou de membros seus na UDR que, em certo momento
3 Bruno (2002), Mendonça (2010), Graziano (1991).
dos anos 80, comanda a reação dos proprietários à reforma agrária; ou na Frente
Ampla da Agricultura que tenta se impor como uma alternativa ao radicalismo
daquela; ou ainda no esforço de retomada da CNA; além da dupla militância
permanente em entidades como a OCB e a SRB ou da atuação múltipla em várias
delas. (PALMEIRA E LEITE, 1998: 25).
Portanto, com base principalmente em Graziano, os autores tratam dos efeitos
da modernização nas organizações do patronato rural como uma crise de representação entre a
estrutura formal-legal e as entidades que exerciam a representação real. Esta inadequação
representativa se dava pelo processo de renovação das lideranças colocado em curso pela
nova realidade das cadeias produtivas. Neste sentido, a emergência das associações por
produto e do cooperativismo ganharam importante protagonismo frente à burocratizada
representação sindical da Confederação Nacional da Agricultura. Na visão de Graziano, a
consolidação dos Complexos Agroindustriais favoreceu a fragmentação e a diversificação das
formas de representação do emergente novo empresariado rural, terreno fértil onde se
desenvolveu a articulação da própria FAAB. Segundo o autor:
De alguma maneira, os grandes proprietários e os segmentos mais
modernos da agricultura brasileira estavam organizados em associações por
produtos, destinados a fazer lobbies institucionalizados para reivindicarem preços,
financiamento, etc., específicos para os seus produtos. Esse processo de subdivisão,
de especialização da organização por produtos, havia enfraquecido muito a CNA,
que tinha permanecido muito mais como uma fachada decorativa. (GRAZIANO,
2014: 173).
No entanto, como o próprio Graziano (2014) aponta, estas novas associações
que surgiram e se fortaleceram com o processo de modernização conservadora da agricultura,
muito embora tenham ganhado destaque negociando seus interesses específicos e esvaziando
politicamente a estrutura de representação tradicional, não foram capazes de se articular
politicamente quando uma pauta mais geral entrou em cena, com o aumento das pressões dos
trabalhadores rurais e o I Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República em 1985.
Esta situação fez com que a crise de representação que já vinha se desenhando nos últimos
anos se explicitasse, abrindo um vácuo político na representação do patronato rural, dando
espaço para a emergência e protagonismo da UDR e forçando os segmentos mais
modernizados a responderem com a articulação da FAAB.
Além de destacar a crise de representação formal/legal no patronato rural, o autor
destaca o significado da emergência da UDR, apresentando a FAAB como uma estratégia de
“contenção” ao radicalismo de direita representado pela nova entidade e sua base social. Para
Graziano, a UDR surge na brecha do vácuo político provocado pela crise de representação
formal/legal e real, ocupando o espaço das entidades que organizavam os setores mais
dinâmicos da agricultura já naquele momento. Assim, frente ao protagonismo assumido pela
liderança de Ronaldo Caiado, tais setores:
“Formaram a Frente Ampla da Agropecuária e tiveram que engolir o
Caiado nesse processo. A CONTAG se recusou a participar, mas imediatamente
eles reorganizaram a Confederação Nacional da Agricultura. Nesse sentido, o
movimento dos setores mais modernos, que são a representação economicamente
importante na agricultura, foi organizar uma frente, incluindo uma frente
parlamentar, para atuar na Constituinte e tomou a Confederação Nacional da
Agricultura.” (GRAZIANO, 1998: 175)
Assim, como é possível observar, a FAAB é definida por este autor a partir de
dois elementos fundamentais. Primeiramente, como forma dos segmentos modernos do
patronato rural de reagrupar a representação da classe que se encontrava dispersa pela nova
situação de pluralismo entre as organizações de interesses, conseqüência da diversificação das
cadeias produtivas dos complexos agroindustriais. Em segundo lugar, como forma destes
setores de lidar com a emergência da UDR que estava mobilizando uma ampla base de
produtores rurais e protagonizando a luta da contra-reforma, “usurpando”, nas palavras do
autor, as principais bandeiras das tradicionais representações do patronato rural brasileiro.
Neste sentido, a FAAB reuniu as principais entidades nacionais da moderna agricultura, uma
serie de associações por produto de multi-produto, além das federações de agricultura dos
estados mais ricos do país e realizou um reordenamento de forças, se lançando na disputa da
CNA e buscando influir no processo Constituinte, onde se sobressaiu principalmente nos
debate sobre a questão agrícola.
Outro autor que abordou a FAAB como espaço relevante de articulação do
patronato rural na Nova República foi Dreifuss. Para este autor, no período da transição
política para a nova situação democrática e pluralista, certos quadros dirigentes do
empresariado buscaram formas alternativas de seguir influenciando nas pautas e decisões do
governo, além de garantir seus interesses no Congresso Nacional Constituinte. Tais iniciativas
buscaram atuar para além das organizações tradicionais, a fim de superar a situação de
inadequação de suas estruturas representativas, configurando o que o autor chama de pivôs
político-ideológicos. Segundo o autor,“neste contexto, a intenção dos empresários com maior
visão política era a de criar órgãos fora dos formatos tradicionais de associação patronal, isto
é: não só envolvidas com análise, consultoria e lobby, mas também com o planejamento e a
coordenação da ação política classista.” (DREIFUSS, 1989: 49)
Assim, as interpretações sobre a frente ampla aparecem baseadas em duas linhas
gerais muito próximas com algumas nuances sutis entre elas. Em relação ao primeiro
elemento, há um relativo consenso, seja reconhecendo a crise de representação do patronato
rural, seja falando em inadequação da estrutura representativa das classes dominantes como
um todo. Neste sentido, da mesma forma que Graziano, Dreifuss apresenta a FAAB como
resultado de um processo de articulação dos setores mais modernizados da agricultura. Para
este autor, a UDR não estava sozinha na luta da contra-reforma e:
Já em junho de 1986 tinha sido fundada a Frente Ampla da
Agropecúaria Brasileira, da qual participaram 40 entidades ligadas ao setor
agropecuário, ‘com o objetivo de desencadear um processo de unificação da classe
rural (...) a Frente representava a ala ‘moderada’ da agricultura, reunida no que
alguns apelidaram de Central Única da Agricultura (DREIFUSS, 1989: 81).
No entanto, embora os dois autores apresentem sensibilidades similares quanto à
composição e caráter da frente ampla, Dreifuss não apresenta esta organização como um meio
de contenção da UDR de forma tão taxativa quanto Graziano. Ao contrário, o autor localiza a
FAAB como uma entidade que se alinharia à ação da UDR nas várias “manobras” realizadas
pelo empresariado rural ao longo do período da Nova República, com especial destaque para
o capitulo da Reforma Agrária na Constituinte. Assim, ainda que Graziano também considere
este aspecto, as ênfases apresentadas por cada autor na caracterização da relação da FAAB
com a UDR, apresentam sutis, mas importantes diferenças. Esta sutileza pode ser percebida
também pelos outros autores que tratam da temática.
Sobre sua pauta de reivindicações, Dreifuss, citando o então presidente da SRB,
Flavio Telles de Menezes, aponta que “exigia-se a formalização de uma política agrícola de
curto prazo, além de reajustes urgentes de preços mínimos e medidas concretas para evitar
que a reformulação da política de juros agrícolas levassem o setor a uma situação crítica”
(DREIFUSS, p. 81, 1989). Assim, a FAAB aparece com muita força no debate sobre os
rumos da política agrícola, sendo situada como uma opositora do que vinha sendo
implementado pelo governo nesta matéria.
Além disso, o autor elenca algumas importantes figuras e traços da composição da
FAAB. Além de citar os dirigentes das três grandes entidades civis do patronato rural, SRB,
SNA e OCB4, o autor também cita a atuação de Allison Paulinelli como braço de disputa da
CNA em um primeiro momento e depois na posição de deputado constituinte pelo PFL de
Minas Gerais e apresenta a composição do conselho da FAAB:
Em estudos sobre o patronato rural como os de “o presidente da
Federação da Agricultura de Minas Gerais, Antonio Ernesto de Salvio, o da
Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Ary Marimon, o da Organização
4 Flavio Teles de Menezes (SRB), Octavio Mello Alvarenga (SNA), Roberto Rodrigues (OCB).
das Cooperativas do Paraná, Guntolf Van Kaick, da Associação Brasileira de
Criadores de Zebú, João Silberto Cunha; e o deputado Márcio Lacerda, senador
eleito pelo PMDB do Mato Grosso e presidente da Comissão de Agricultura da
Câmara dos Deputados” (DREIFUSS, 1989: 81).
Bruno (2002) e Mendonça (2010), tambem podemos encontrar referências à
FAAB. Ambas as autoras estabelecem diálogo com Graziano e Dreifuss e não apresentam
diferenças significativas com a perspectiva geral que se presume da análise dos dois. Bruno
aponta que em 1985, com a resistência ao PNRA comandada pela UDR, os setores moderados
e ligados a agricultura moderna, representados na figura de Paulinelli, foram derrotados. A
perda da eleição na CNA neste mesmo ano simbolizava a forma como tais setores ficaram à
margem, refletindo a crise de representação ou a inadequação de suas estruturas
representativas. Sobre este processo, a autora afirma que da disputa entorno do PNRA:
“a liderança que surgiu desse embate foi Ronaldo Caiado e não
Alysson Paullineli. Por sua vez, a entidade que jogou papel decisivo contra uma
reforma agrária e as lutas por terra foi a União Democrática Ruralista (UDR), e
não a CNA. Paullineli, apesar de não ter conseguido ganhar a eleição para a
presidência da CNA, foi uma figura atuante na criação da Frente Ampla da
Agropecuária Brasileira (FAAB) e na Constituinte de 1988, quando se alinhou
inteiramente com a UDR; teve sensibilidade para identificar uma crise de
representação das estruturas patronais sindicais, mas não conseguiu perceber o
novo perfil da grande propriedade fundiária. Seu projeto e sua posição foram
politicamente derrotados e postergados. Somente nos anos 1990, após a vitória
política dos grandes proprietários de terra na Constituinte é que a Associação
Brasileira de Agribusiness (Abag) vai assumir e pôr em prática a proposta de
Paullineli e de seu grupo” (BRUNO, 2002: 99).
Na perspectiva de Bruno, portanto, a FAAB aparece como a alternativa
organizativa para os setores derrotados após o intenso embate pelo PNRA, a crise de
representação do patronato rural e a emergência da UDR. No entanto, apesar de claramente
aparecer como representante de um setor concorrente à UDR, a autora tambem aponta que a
FAAB apoiou a sua congênere no grande embate a respeito do capítulo da propriedade da
terra na Constituinte. Portanto, tal qual Graziano e Dreifuss, Bruno coloca a FAAB como
reflexo da crise de representação do patronato rural, delineando as diferenças entre setores
moderados e radicais do patronato rural. Ainda assim, ao citar a FAAB, a autora igualmente
aponta a convergência entre as duas entidades que, mesmo com suas disputas internas,
estiveram alinhadas no debate sobre a questão fundiária na Constituinte.
Nessa mesma linha, Mendonça insere uma importante noção para compreender
o lugar da FAAB no período Constituinte frente à crise de representação e sua congênere
protagonista, a UDR. Para Mendonça, a partir de 1985 abriu-se uma dualidade de
representação, tendo a FAAB polarizado com a UDR na disputa pela hegemonia das classes
dominantes agrárias. Representando os setores mais modernizados, a FAAB constituiu-se no
espaço de reorganização das entidades tradicionais para atuar na Constituinte e se afirmar
como contra-ponto ao “radicalismo” de Caiado. Citando explicitamente Graziano da Silva,
Mendonça afirma que:
“Centrando sua análise no período posterior à criação da UDR, que,
sob sua ótica, teria vindos disputar a própria representatividade de como as
organizações do patronato rural já existentes, tentando usurpar-lhe ‘bandeiras’ e
causas, Graziano da Silva focaliza os mecanismos políticos dessa disputa que
polarizou entidades tais como a SRB ou a OCB – fundadoras da Frente Ampla da
Agropecuária Brasileira, em 1986 – e a UDR, em busca da construção de uma nova
hegemonia junto à fração de classe. Nessa disputa, a dualidade de estruturas
representativas, com o ‘fracasso’ das entidades de corte ‘tradicional’, teria sido, a
seu juízo, a responsável pelo exitosa campanha uderrista junto à Constituinte e
junto à classe como um todo.” (MENDONÇA, 2010: 122)
Ainda sobre o papel da FAAB nesse período e sua relação com a UDR, a
autora resgata o episódio do Alerta do Campo, em fevereiro de 1987 que levou cerca de 20
mil proprietários de terra a se reunir em manifestação publica no ginásio de Brasília.
Organizados pela FAAB e seu campo político, a UDR forçou sua participação, deixando
explícita a disputa interna entre os dois setores. Para a autora, numa conjuntura em que
aumentava a insatisfação com o governo Sarney, o aprofundamento da crise econômica e do
desgaste político:
“Estava fermentando o solo propício a uma reação importante,
movida pela já citada Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, surgida em 1986,
congregando a CNA, SRB, OCB, como rearticulação de entidades patronais
tradicionais diante de um dúplice “inimigo”: o governo e a UDR, que lhes
ameaçava a liderança. Previa-se uma concentração de proprietários em Brasília,
da qual sairia uma comitiva especificam net para levar ao planalto as
reivindicações setoriais. Ronaldo Caiado tentaria, ainda uma vez, imiscuir-se no
evento, do qual a UDR acabou por sair como co-promotora, mesmo sem o aval das
demais agremiações” (MENDONÇA, 2010: 167)
Dessa maneira, Mendonça, além de desenvolver a disputa aberta entre a UDR e
os setores que congregavam a frente ampla, chama a atenção para a duplicidade de
representação que se cristalizou a partir da emergência da UDR e a formação da FAAB como
processo de um rearranjo de forças que, ao fim e ao cabo, conformou uma nova hegemonia do
patronato rural sob comando da OCB, entidade central na organização e mobilização dos
setores reunidos na frente ampla.
Trabalhando sobre uma perspectiva distinta e regatando as reflexões de
Lamounier, Palmeira e Leite (1998), também apontam um importante debate para a
localização da FAAB no processo de transição política. Com o restabelecimento das funções
plenas do poder legislativo, este autor chamou a atenção para a diminuição do executivo e
suas instâncias técnico-burocráticas como espaços privilegiados de decisão, especialmente
sobre políticas agrícolas. Este processo jogou na atuação parlamentar e na conseqüêncte
prática do lobby, atividade central para a ação das organizações de interesse das classes
dominantes agrárias, constituindo um importante espaço de articulação, a bancada ruralista.
Esta forma de defender seus interesses reflete a principal pauta política da FAAB, a questão
agrícola, e o principal espaço de ação, o Congresso Nacional. Segundo os autores:
o processo de democratização e as respostas governamentais ao
agravamento da crise econômica levaram à crise do modelo de decisão da política
agrícola assentado no crédito público subsidiado e comandado pela tecno-
burocracia estatal. Nessa medida, contribuíram para transformar o Congresso
Nacional e seus membros em atores crescentemente importantes na definição das
políticas agrícolas (PALMEIRA E LEITE, 1998: 19)
Assim como na reflexão de Lamounier, sistematizada por Palmeira e Leite, Ivo
(1989) tambem traz importantes apontamentos sobre a forma como as classes dominantes
passaram a interagir com o Estado, refletindo as transformações demarcadas pela transição
política e o processo de redemocratização. A autora retoma a importância do Estado e das
políticas públicas ao longo dos anos 1970 como elementos fundamentais para a viabilização
da modernização agrícola garantindo dentre outras questões incentivos fiscais, defesa de
mercado, crédito barato e o avanço e a ocupação da fronteira. Segundo Ivo, ainda que as
classes dominantes agrárias tivessem sido colocadas um tanto de lado pelo projeto de
industrialização hegemônico das décadas anteriores, o patronato rural manteve seu poder de
influência no Estado através de um arcabouço político-institucional que garantiu diversos
mecanismos protecionistas, principalmente, aqueles da agro-exportação. Neste sentido, o
escasseamento de recursos para a agropecuária a partir dos anos 1980 provocado pela crise da
dívida introduziu uma área de cisão e tensão na tradicional aliança do Estado com o bloco
agrário-exportador.
Além disso, Ivo também aponta para a diversificação de interesses privados que
se encontrava associada ao processo de modernização econômica e transformação da base
material da sociedade. Este fenômeno, embora muito visível entre o patronato rural pelos
efeitos da crise na agricultura, é identificado como algo generalizado na sociedade, atingindo
os mais diferentes setores produtivos e classes sociais. Neste processo houve uma
multiplicação de organizações de representação de interesse que extrapolaram as fronteiras do
Estado, instalando representantes diretos de seus setores produtivos em agencias do executivo
técnico-burocraticas. Este aumento da diferenciação política com a emergência de novos
interesses privados teve por efeito imediato limitar o executivo e transformá-lo em espaço de
representação direta. Enquanto isso, outros centros de poder do Estado foram criados e
fortalecidos, deslocando as esferas de decisão, disputa e representação, principalmente para o
legislativo e os governos locais/regionais.
Neste sentido, Ivo aponta a importância de duas esferas de ação política que
ajudam a compreender a FAAB: o crescimento de pluralidade das organizações de interesse
no âmbito da sociedade civil e a consolidação do legislativo, no caso, a Constituinte, como
espaço privilegiado para o exercício da representação de interesses e disputa pelas políticas
públicas relacionadas à determinado setor produtivo. Tais tendências sugerem, segundo a
autora, que “as condições estruturantes da transição democrática no Brasil parecem haver se
sustentado numa ordem política cujo poder não se situava apenas no Estado, mas se
encontrava também na sociedade, nas organizações privadas da sociedade civil, sejam elas de
caráter econômico, social ou cultural” (IVO, 1989: 65).
A autora afirma ainda que dado o impacto dessas transformações também na
reorganização dos interesses da classe trabalhadora e do conflito social no campo gestado no
bojo da modernização conservadora e da crise econômica, a questão agrária se tornou ponto
central para o processo de pacificação social e incorporação política das camadas populares
necessários ao processo de transição ao novo regime político liberal. Este processo
representou uma ameaça aos setores dominantes da agricultura, especialmente a partir de
1985 com o crescimento do movimento de ocupação de terras e o lançamento do PNRA como
parte do pacto político da Aliança Democrática.
as reformas institucionais, que tocavam a distribuição de direitos
sociais aos trabalhadores, articulavam-se intimamente a reformas estruturais,
incidentes sobre o campo da propriedade e da distribuição da renda, alterando e
reestruturando as relações tradicionais das classes agrárias com o aparelho do
Estado e criando, portanto, cisões e tensões entre regiões internas do aparelho
institucional, particularmente na sua relação com as elites agro-exportadoras (IVO,
1989: 67).
Este somatório de mudanças nas relações do Estado com as classes sociais do
campo, segundo a autora, representou um deslocamento dos canais de representação das elites
agrárias para a esfera das grandes organizações privadas da sociedade civil, onde se destacam
a UDR e a FAAB. Neste sentido, Ivo demonstra como exemplo da articulação e poder dessas
organizações privadas que cresceram e se diversificaram com a complexificação da sociedade
civil e as mudanças nos canais de representação das elites agrárias com o Estado. Neste
sentido, a FAAB novamente aparece lado a lado com a UDR como um movimento de reação
às transformações e ameaças dadas pelo processo de transição política da Nova República e
tinha por objetivo, segundo documentação do IBASE apresentada pela autora: "unificar as
reivindicações rurais, atuar como mecanismo de Pressão e, ao mesmo tempo, assessorar o
governo federal na formulação da política para o setor rural do país" (IVO, 1989: 13).
Embora seja inegável que a grande questão em jogo para as classes sociais do
campo no período da Nova República e dos debates Constituintes tenha sido a questão
fundiária, as preocupações com o novo formato institucional para a definição das políticas
agrícolas se tornou uma questão fundamental. Com a transição política não mais bastava
acessar os setores técnico-burocráticos do poder executivo para garantir seus interesses, a
atuação no legislativo ganhou expressiva relevância, dando maior ênfase a pratica do lobby e
da disputa política no varejo do parlamento. Para além da “grande política” que representava a
questão da propriedade da terra, as mudanças institucionais e de seus centros de decisão
apresentadas por Ivo visavam fundamentalmente novas relações de representação que
estivessem de acordo com a pluralidade de interesses da moderna agricultura, garantindo as
políticas agrícolas defendidas por seus respectivos segmentos produtivos. Neste quesito, como
poderemos ver melhor com Andreolli, Hoffman e Silva (1989) e Oliveira e Araujo (2008), a
FAAB jogou papel fundamental, tendo na defesa dos interesses agrícolas das elites rurais
brasileiras o centro de seu programa e atuação.
A respeito desta questão Oliveira e Araujo, fazendo uma interessante análise da
“matéria agrícola como política constitucional”, recupera a crise da divida e o respectivo corte
de recursos para a agropecuária como um importante divisor de águas sobre a defesa que
passaria a predominar entre o patronato rural a respeito das políticas agrícolas. Sobre este
contexto, os autores afirmam que as decisões tomadas na Constituinte:
ratificaram as mudanças que então ocorriam, acentuando os
controles e as restrições orçamentárias que apresentam forte impacto na execução
das políticas agrícolas: a implantação do “orçamento único”, pelo qual o
orçamento fiscal e o monetário passaram a compor o Orçamento da União, e a
elaboração de uma Lei de Responsabilidade Fiscal; ambos funcionam como
exemplos dos resultados após a Constituinte, que impactaram a política agrícola
(OLIVEIRA E ARAÚJO, 2008: 4).
Assim, para estes autores, frente à situação da crise econômica e o constante
corte de políticas que antes favoreceram a grande agricultura, a postura das principais
organizações de interesse das classes dominantes agrárias, dentre elas a FAAB, caminhou no
sentido neoliberal, aprofundando a abertura econômica e reclamando por uma menor
intervenção do Estado na economia e, particularmente, nas políticas agrícolas. Desta
tendência neoliberal, Oliveira e Araujo, definem dois diferentes vetores, revelando também
diferenças no patronato rural na matéria agrícola onde, de um lado encontramos as entidades e
setores políticos ligados à FAAB, de outro, setores representantes da UDR. Sobre essas
diferenças, os autores afirmam que:
O empresariado rural mais moderno – reunido na OCB, SRB e em
parte, os segmentos renovados da CNA – tomou a bandeira do neoliberalismo,
querendo, com isso, revalorizar os mecanismos de mercado, uma redefinição dos
papéis do Estado e um combate (ainda que parcial) ao corporativismo. O segmento
mais retrógrado dos empresários – à frente os dirigentes de Federações Estaduais
de Agricultura identificados com a até então diretoria da CNA, os “empresários da
Amazônia” e a UDR – propunha-se a aderir ao movimento noviço do
neoliberalismo, mas com a garantia do aprisionamento dos aparelhos de Estado,
com vistas a dominar seus centros de decisão em prol de seus interesses, entre os
quais, a continuidade do “fisiologismo” (OLIVEIRA E ARAÚJO 2008: 7).
Os autores chamam ainda atenção para o fenômeno das coalizões políticas
instáveis e episódicas, marca do processo de transição política. Neste sentido a FAAB aparece
também como uma dessas coalizões, ao lado de experiências como o Centrão ou o Grupo dos
32. Para Oliveira e Aráujo, tais alianças se apresentam como reflexos das indefinições das
organizações da Sociedade Civil frente a uma liderança estatal de caráter transitório.
Além do diagnostico de Oliveira e Araujo e do debate sobre a Lei Agrícola na
Constituinte, Andreolli, Hoffmann e Silva (1989) demonstram o tipo de atuação que a FAAB
também exercia junto às outras agências estatais para influir nas definições técnico-
burocráticas relativas às políticas públicas para o setor agrícola. Os setores ligados à FAAB,
como a OCB e a Abiove, atuavam junto aos conselhos negociando, pressionando e
articulando o novo desenho institucional de tais espaços de decisão. Assim, através da análise
dos três autores sobre plano agrícola de 1988 também podemos ver a forma como estes
setores buscavam influir nas decisões mais técnicas e conjunturais. Dentre alguns exemplos
dessas ações, se destaca o debate entorno da liberalização das regras comerciais para a agro
exportação, defendidos através de documento assinado pela FAAB. Segundo os autores:
Esse documento representava os interesses dos três segmentos do
complexo soja, ou seja, agricultura, indústria e exportadores que, insatisfeitos com
o voto elaborado pela CFP, consideravam a proposta "restritiva ao funcionamento
do mercado". Tal documento propunha o livre funcionamento do comércio dentro
dos mesmos critérios adotados na safra 1987/88 para os demais produtos e preços
de intervenção fixados de acordo com a média de cotações da Bolsa de Chicago nos
últimos cinco anos, acrescida de uma margem de 7%. Essa proposta representava a
liberdade total de ação para aqueles segmentos. A intervenção estatal poderia
ocorrer apenas para a formação de um estoque de emergência que atendesse às
necessidades do mercado interno e para estabelecimento de impostos, no caso em
que a soja importada estivesse sendo beneficiada com subsídios no país de origem,
impedindo o que um técnico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
chamou de "concorrência desleal aos produtores locais" (Andreolli, Hoffmann e
Silva, 1989: 99)
Além de avaliarem o documento sobre o debate das políticas de comercio exterior,
Andreolli, Hofman e Silva, citam outro caso exemplar da atuação de setores ligados à FAAB
na definição das políticas agrícolas: de que maneira e por quais agencias o patronato rural
estabeleceria sua interlocução com o executivo para cuidar da referida matéria.
Diferentemente do governo que defendia a criação junto ao Concex5 de uma junta de
negociação reunindo todos os “interessados”, a Abiove defendia a manutenção dos canais que
até então vinham sendo usados, enquanto que o ministério da agricultura defendia a criação de
um conselho consultivo paritário. Ao final houve um acordo com a adaptação da proposta da
FAAB, tendo as partes concordado “em instituir, junto ao Concex, grupos de
acompanhamento das políticas preconizadas para cada produto” (ANDREOLLI,
HOFFMANN E SILVA, 1989: 99).
Fazendo um balanço geral dos acordos estabelecidos em termos de política de
comercialização os autores dão conta que houve amplo acordo, refletindo a participação ativa
dos setores patronais na definição de tais políticas. As principais medidas acordadas foram
fruto direto dos interesses do setor agrícola. A este respeito, os autores afirmam que “os
segmentos da iniciativa privada participantes desse debate influenciaram diretamente na
formação da política de comercialização, fazendo valer seus interesses, como se depreende do
confronto entre a proposta apresentada e o resultado obtido por consenso no final”
(ANDREOLLI, HOFFMANN E SILVA, 1989: 99).
Assim, a partir da escassa bibliografia acadêmica levantada que versa
especificamente sobre a frente ampla durante a Nova República, podemos inferir algumas
coisas sobre seu caráter e atuação. Em primeiro lugar, a FAAB parece ser fruto direto dos
efeitos da modernização conservadora da agricultura e das dificuldades enfrentas pela crise
econômica e social vivida ao longo da década de 1980 no campo. Como resposta à crise de
representação do patronato rural, explicitada pelas pressões diversas por reforma agrária no
governo da Nova República a partir de 1985, os diversos setores empresariais ligados às
cadeias produtivas mais modernizadas da agricultura por meio das lideranças das maiores
associações civis nacionais do patronato rural buscaram se reunir sob uma frente ampla,
agregando variados setores e organizações ligados à produção agropecuária.
5 Conselho de Comércio Exterior do Ministério da Fazenda
Esta iniciativa além de refletir a novo perfil plural da organização de interesses na
agricultura, também demonstrou a forma com que tais segmentos encontraram de
salvaguardar suas lideranças frente a um novo e poderoso ator político, a UDR. Dessa
maneira, a oscilação entre os autores que versam sobre a frente ampla na hora de definir a
relação entre as duas entidades, revela a tensão que marcou este processo. Ao mesmo tempo
em que a FAAB se apresenta como forma de contenção ao avanço da UDR, em matéria
agrária houve um inegável alinhamento entre as duas organizações no transcorrer do debate
Constituinte.
Além do capítulo da política fundiária, que parece ter deixado a FAAB a reboque
da UDR, em diversos autores, a formulação e definição das políticas agrícolas aparecem como
principal espaço de ação e intervenção da FAAB, seja no processo Constituinte, com a
definição da Lei Agrícola, seja em relação às políticas econômicas voltadas para agricultura.
Por fim, é importante notar que a formação da frente ampla também reflete a
forma com que as classes dominantes rurais se relacionaram com o Estado em meio à
transição política da Nova República. Nesse sentido, a criação de novas formas do patronato
rural se organizar, o fortalecimento do legislativo como espaço de ação privilegiado das
organizações de interesse e o crescimento e a diversificação da sociedade civil, também se
apresentaram como fatores importantes que caracterizam o papel da FAAB para as classes
dominantes agrárias durante o período Constituinte.
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